EP Thompson, L. Kolakowski e “o pensamento

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EP Thompson, L. Kolakowski e “o pensamento
E. P. Thompson, L. Kolakowski e “o pensamento como
produto da atividade prática”*
Alessandro Theodoro Cassoli**
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar parte do conflito ideológico entre o historiador
inglês Edward Palmer Thompson (1924–1993) e o filósofo polonês Leszek Kolakowsk (1927–
2009) a partir da leitura de dois textos trocados entre eles: a “Carta aberta à Kolakowski”, de autoria
de E. P. Thompson (EPT) e a carta reposta à EPT escrita por L. Kolakowski (LK), “Minha visão
correta sobre tudo”. A análise assenta-se na principal divergência entre estes dois intelectuais: a
questão epistemológica da História enquanto ciência. Tentou-se também elaborar breve
contextualização histórica, com destaque para o contexto polonês, permeado com detalhes
biográficos dos autores, objetivando apontar os prováveis fatores históricos e políticos que
influenciam a argumentação de ambos.
1. INTRODUÇÃO
O tema foi escolhido como tentativa de sintetizar as impressões pessoais surgidas ao longo
da série de leituras realizadas ao longo da disciplina Política e Cultura, do Programa de PósGraduação de Sociologia Política da UFSC. Para um aluno egresso da área de Comunicação Social
e de bagagem teórica incipiente nas áreas de Filosofia e Ciências Sociais, a impressão sugerida pelo
encadeamento dos textos iniciais foi a extrema abstração em que se davam as discussões teóricas,
impossibilitando a conexão do conteúdo das discussões com a proposta da disciplina, ou seja, as
correlações entre Política e Cultura.
Porém gradativamente as conexões foram se formando e a proposta da disciplina foi
tornando-se mais clara, a ponto de ser possível, finalmente, estabelecer uma relação entre as teorias
estudadas e a teorização política e cultural propriamente dita, com destaque às questões
epistemológicas que cercam a construção do saber humano.
Dentro desta perspectiva, procura-se neste trabalho – claro que de maneira bem rudimentar
* Trabalho de conclusão da disciplina “Política e Cultura”, ministrada pelo Professor Dr. Ricardo Gaspar Müller
durante o primeiro semestre de 2010, como parte do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
** Aluno especial do Mestrado em Sociologia Política da UFSC
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– correlacionar alguns dos tópicos estudados com o próprio processo de apreensão dos detalhes do
tema desenvolvido, com destaque à questão histórica.
A análise do contexto histórico e de alguns detalhes biográficos de cada autor nos dão
certas pistas que, se não esclarecem, dão então certo sentido às criticas trocadas entre eles. Esperase com isso conseguir traçar algumas correlações sobre a influência do meio político-cultural na
formação ideológica e intelectual dos dois pensadores analisados.
O título deste artigo traz o fragmento de um dos poucos pontos de concordância ideológica
entre os dois autores. “O pensamento como produto da atividade prática” é uma das prerrogativas
retiradas por Thompson do próprio pensamento de Kolakowski (DUAYER, P. 82), para justificar a
existência de uma modalidade de marxismo como tradição. Porém, pensamos ser interessante usá-lo
aqui para ilustrar o método de investigação que se pretende adotar neste trabalho, cujo objetivo não
é valorar as filosofias de cada um dos autores, mas sim tentar compreender o caminho que cada um
deles tomou dentro do contexto histórico em que estavam inseridos e suas consequentes vivências e
experiências pessoais.
2. A (IN)INTELIGIBILIDADE HISTÓRICA
No exercício de tentar esboçar as divergências teóricas entre estes dois respeitados
intelectuais de esquerda, cujas ideologias durante certo tempo mantiveram relativa afinidade e
depois tomaram rumos distintos ao longo da vivência e do consequente amadurecimento do
pensamento de cada um deles, pretende-se destacar a sensatez de um dos principais argumentos
thompsonianos debatido nas Cartas: o reconhecimento do valor objetivo da história.
Como a etapa de contextualização histórica e até mesmo a organização das informações
biográficas aqui presentes basearam-se fundamentalmente na análise e comparação de documentos
colhidos em várias fontes – algumas não muito confiáveis, como no caso das definições encontradas
em enciclopédias digitais colaborativas –, certas incongruências entre os registros históricos
analisados remetem às ponderações trocadas pelos dois autores sobre a validade do método
histórico no processo de construção do conhecimento. Thompson defendia o valor da pesquisa
histórica para o processo de compreensão da realidade, mesmo admitindo que os relatos históricos
são versões singulares construídas a partir da visão – e suas intrínsecas limitações – daquele que a
registra. Kolakowski, por sua vez, relegava ao plano secundário o valor da pesquisa histórica por ela
não trazer o relato verdadeiro em si, ou seja, não possuir uma “inteligibilidade imanente”
(DUAYER, p. 84).
[…] não tendo a história uma inteligibilidade imanente, o conhecimento
histórico, o significado que a disciplina imagina encontrar na própria história,
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nada mais é do que uma "atribuição de significância" que nós conferimos,
por um "ato de fé", à sucessão de episódios, fatos, sociedades, culturas. O
entendimento histórico, enfim, é uma nossa projeção que "dá ao passado seu
significado". (ibid, p. 84)
Para ilustrar de maneira mais objetiva a profundidade deste conflito, segue-se a descrição
de um caso prático vivenciado durante a elaboração deste trabalho. Em todas as fontes
enciclopédicas consultadas para a contextualização política e social da Polônia na primeira metade
do séc. XX, praticamente não foram encontradas informações muito controversas, sendo
perfeitamente possível chegar-se a uma versão consensual plausível. Porém este consenso é abalado
quando certas características contextuais são confrontadas com argumentos encontrados em um
artigo1 do diplomata e escritor polonês Miroslaw Zulawski (1913-1995). Em linhas gerais, Zulawski
aponta para o grande jogo de interesses entre grupos financeiros e a burguesia polonesa, com
consequente superexploração da massa trabalhadora daquele país até 1939, ano da invasão nazista.
Este contexto teria tido papel crucial na guinada para o leste que o povo polonês adotou após 1945.
Ao contrário do que as informações enciclopédicas registram, a população polonesa teria se
identificado com o regime soviético mais pela perspectiva de justiça social nele embutida do que
pela simples pressão do socialismo stalinista, rejeitando o restabelecimento do regime exploratório
praticado pela antiga aristocracia polonesa. Zulawski confronta dados do período anterior a 1939 e
posterior a 1945, destacando os avanços trazidos pelo socialismo na questão da ocupação da terra –
fruto da imediata reforma agrária que o regime promoveu –, o aumento da participação da
população comum em áreas até então de domínio exclusivo das classes mais privilegiadas, como a
educação e o oficialato.
A multiplicidade de relatos históricos ao mesmo tempo que coloca em dúvida certas
questões até então consensuais, amplia sobremaneira as possibilidades de contextualização social e
política do ambiente em que se deu o evento estudado. Entra em cena a questão crucial do método
epistemológico defendido por Thompson e, ao mesmo tempo, contestado por Kolakowski: o
dissenso como elemento fundamental para construção da narrativa histórica. Como Duayer destaca,
Pessoalmente, me sentirei gratificado se despertar o interesse de alguns para a
crítica que, em sua Carta, Thompson elabora à idéia de Kolakowski de que a
história não pode ser entendida e que, por isso, todo entendimento da história
não passa da atribuição de valor (arbitrária) por parte do observadorpesquisador. (ibid, p. 76)
Esta questão da subjetividade que permeia o processo de apreensão e registro da realidade
assume maior significância em análises de situações mais imediatas, onde a complexidade das
forças e atores envolvidos não é de todo compreensível. Na “Carta aberta...” Thompson argumenta
1 Disponível em http://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/01/polonia.htm
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que a demora demonstrada pelos intelectuais – especialmente os ocidentais – em enxergar os
excessos e abusos praticados à época do stalinismo soviético, deveu-se sobretudo à dificuldade em
se realizar pesquisas históricas consistentes sobre eventos acontecidos dentro de intervalos
inferiores a 50 anos. Diante deste argumento, Kolakowski sente-se à vontade para reafirmar seu
ceticismo sobre a validade das pesquisas históricas.
Porém, a advertência de EPT sobre a necessidade de uma certa distância temporal para a
melhor apuração da realidade deve ser avaliada com maior atenção. Como as narrativas históricas
obviamente enquadram-se na categoria discursiva de registro e transmissão de informação, pode-se
recorrer às modernas metodologias de análise de discurso, visando a possibilidade de se trabalhar a
informação histórica considerando os fatores subjetivos influentes no próprio momento de seu
registro, contemplando a possibilidade de distorção da realidade narrada. A comparação de
diferentes versões de registros históricos sobre determinado tema torna-se exercício interessante
quando contrastada com o estudo do contexto social no qual o historiador – enunciador do discurso
histórico – estava inserido. A forma narrativa, os aspectos destacados e a relevância dada a cada
tema que compõe o relato histórico é determinada diretamente pela formação ideológica, política e
cultural deste enunciador.
O sujeito da enunciação faz uma série de ‘escolhas’, de pessoa, de tempo, de
espaço, de figuras, e ‘conta’ ou passa a narrativa, transformando-a em
discurso. O discurso nada mais é, portanto, que a narrativa ‘enriquecida’ por
todas essas opções do sujeito da enunciação, que marcam os diferentes modos
pelos quais a enunciação se relaciona com o discurso que enuncia (BARROS,
2001, p. 53)
Nota-se então que quando as pesquisas historiográficas baseiam-se exclusivamente na
comparação do registros daqueles que foram contemporâneos ao evento estudado, importantes
contradições podem ser identificadas, ampliando as possibilidades de explicação daquela realidade.
Enquanto alguns argumentos podem ser facilmente contestados, graças ao conhecimento mais
consistente derivado de outros estudos, certos aspectos históricos começam a demandar melhor
apuração, buscando-se o confrontamento com outros relatos na tentativa de traçar uma versão mais
verossímil daquela realidade. Dentro da análise puramente discursiva, Barros destaca que
Para negar a verdade de um discurso, fortemente elaborada na relação
contratual entre enunciador [aquele que produz o discurso] e enunciatário
[aquele que o recebe], duas possibilidades se oferecem. A primeira delas
ocorre com os discursos mal construídos, que, portanto, não serão ditos
verdadeiros pelo enunciatário que os interpreta. A outra possibilidade
apresenta-se quando um texto é inserido no contexto de outros textos e, a
partir do confronto, pode-se então recusá-lo, ou seja, dizê-lo mentiroso e falso
(ibid, 2001, p. 64).
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3. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Dentro da perspectiva dialética surgida a partir das análises epistemológicas até aqui
apresentadas, a pesquisa histórica e biográfica aqui se segue originou-se do cruzamento de
informações obtidas através da leitura de artigos e definições de enciclopédias digitais, além de
perfis biográficos registrados em obituários das edições online dos jornais ingleses Guardian, The
Times, The Independent, cujos endereços eletrônicos encontram-se devidamente listados na
bibliografia. Nos deteremos na contextualização polonesa devido a conturbada condição políticosocial daquele país no período estudado.
3.1 A Polônia de Kolakowski2
À época do nascimento de LK, a Polônia começava a reorganizar-se politicamente. Desde
a queda do último rei polonês, Stanislaw August Poniatowski, em 1795, o país foi dividido e
dominado pela Prússia, Rússia e Áustria, gerando uma série de conflitos ao longo de 123 anos. A
Primeira Guerra Mundial foi um episódio chave para a recuperação da independência polonesa,
devido a derrota da Alemanha, o enfraquecimento da Áustria e o caos instaurado na Rússia por
conta da revolução de 1919. Depois de um conflituoso período de lutas contra Alemanha e União
Soviética em busca de recuperar parte dos territórios perdidos na Primeira Guerra, o país recuperou
a independência em 1918. Em 1921 o parlamento votou a Constituição e em 1922 elegeu seu
primeiro presidente, Gabriel Narutowicz, assassinado 6 dias após sua posse.
Kolakowski nasceu e viveu grande parte de sua juventude em Radom, cidade situada a 100
km ao sul de Varsóvia, região que havia sido intensamente disputada e ocupada pela Áustria e
Prússia. Entre 1920 e 1939 a cidade fez parte de um grande projeto nacional de industrialização
visando estabelecer um forte polo industrial no interior do país, longe das fronteiras, de maneira a
dificultar uma possível investida dos países vizinhos. Radom passou a abrigar importantes
indústrias químicas, centrais elétricas, fábricas de armas e munições, indústria calçadista, de vidro e
de equipamentos de comunicação, contando com cerca de 85 mil habitantes em 1938, sendo que um
terço da população era formada por judeus.
Em 1939 a Polônia foi invadida pela Alemanha de Hitler, e Radom ocupada pelas tropas
Nazistas. Logo após a ocupação, os judeus de Radom foram forçados a trabalhar para os nazistas,
principalmente nas indústrias bélicas já existentes naquela cidade. A população judia polonesa
passou a ser controla pelos Judenrat (“Conselho judeu”,em alemão), sendo que Radom ocupava
uma posição estratégica no trânsito de prisioneiros judeus para os campos de concentração. Em
2 As questões levantadas pelo artigo de Miroslaw Zulawski não serão inseridas na presente contextualização polonesa,
justamente por colocar em xeque vários aspectos sociais, econômicos e políticos registrados na maioria das fontes
históricas consultadas.
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1941 a população judia de Radom – cerca de 30 mil pessoas – foi confinada em dois guetos, sob
controle de um corpo policial dedicado, a Jüdische Ghetto-Polizei. Ao final da Guerra, em 1945,
restavam apenas algumas centenas de judeus em Radom. A maioria perecera por conta do regime
pesado de trabalho, agravado pelo racionamento de comida a que foram submetidos. Quando suas
capacidades individuais de trabalho se esgotavam, eram então transferidos para campos de
concentração e extermínio.
Filho de um próspero editor polonês, o jovem Leszek Kolakowski teve seus estudos
interrompidos com a invasão nazista. Sua família refugiou-se em uma residência rural no interior do
país, de onde só sairiam no final da Guerra. Foi na biblioteca desta casa de campo que LK
prosseguiu seus estudos, com orientação particular. Em 1945 Kolakowski passa no exame para o
curso de Filosofia, na Universidade de Lodz – cidade a 130 km à Oeste de Radom. Em 1950 entra
na Universidade de Varsóvia, onde conclui seu doutorado e tornar-se professor em 1953.
Foi também em 1945 que LK, então com 18 anos, filiou-se ao Partido Comunista, atraído
pelos ideais marxistas e pelo prestígio que o exército soviético ganhara com a aniquilação das
tropas nazistas na Polônia. Acabada a II Gerra, tem início a República Popular da Polônia,
governado pelo Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia (Polska Zjednoczona Partia
Robotnicza - PZPR), fruto da fusão do Partido Comunista da Polônia (Komunistyczna Partia
Polski) e do Partido Socialista Polonês (Polska Partia Socjalistyczna). Neste mesmo ano,
Kolakowski ganhou reputação de marxista irônico, destoando da imagem severa e sóbria
de que gozavam os marxistas do leste europeu. Criticava abertamente os aspectos autoritários da
ideologia socialista stalinista, defendendo a criação de um novo modelo de socialismo, que viria
chamar de “humanismo marxista”, defendendo os ideais de justiça social tradicionais do marxismo,
associados a valores como liberdade pessoal e espiritualidade, que estariam excluídos da maioria
das correntes marxistas até então. Suas ideias o colocaram em uma situação delicada dentro do
regime polonês, principalmente depois de exercer certo protagonismo no movimento de protesto
que ficaria conhecido como Outubro Polonês, ocorrido em 1956 reivindicando um modelo mais
independente de comunismo na Polônia. Os protestos foram desencadeados pelas denúncias do líder
soviético Nikita Kruchev, em fevereiro do mesmo ano, revelando o genocídio de caráter políticoideológico cometido durante o governo Stalin, que teve como consequência a execução de mais de
um milhão de pessoas sob a acusação de participarem de “atividades anti-soviéticas”.
A situação de LK se agravou ainda mais quando escreveu, ainda em 1956, uma pequena
crítica ao stalinismo intitulada “O que é Socialismo?”. A publicação aconteceu clandestinamente,
burlando a proibição das autoridades e logrando ampla circulação entre os estudantes. A
importância do texto foi tanta que, em fevereiro de 1959, uma versão em Inglês seria publicada na
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revista estadunidense The New Leader.
A princípio, as greves e manifestações de 1956 foram duramente reprimidas, qualificadas
pelo Partido como ato de “provocadores, contra-revolucionários e imperialistas”. Porém, com a
ampliação das dimensões do movimento, o governo foi obrigado a reconhecer a legitimidade das
reivindicações, aceitando rever as políticas adotadas e concedendo um reajuste salarial imediato de
50%. Tais medidas arrefeceram os ânimos da classe operária polonesa, fortalecendo a imagem do
Primeiro Secretário do PZPR, Wladyslaw Gomulka, dando destaque ao projeto de socialismo
polonês. Porém a pressão soviética continuou imprimindo seu modelo tradicional de administração,
impedindo as revisões prometidas ao povo polonês.
Kolakowski tomou lugar de destaque entre os intelectuais críticos ao sistema, adotando
uma postura crítica ao próprio determinismo histórico marxista. Chegou a definir a história humana
como “um processo de acumulação de milagres inesperados”, voltando sua atenção para questões
éticas, da natureza e espiritualidade humanas. Seu discurso por ocasião das comemorações do 10º
aniversário do Outubro Polonês, em 1966, teve como consequência sua expulsão do Partido
Comunista. Em 1968 perdeu sua cadeira de professor de Filosofia na Universidade de Varsóvia,
sendo forçado a exilar-se. Foi prontamente convidado a atuar como professor visitante na
Universidade McGill, depois na Universidade da California e Yale. Em 1970 tornou-se pesquisador
sênior no All Soul's College, Universidade de Oxford. Permaneceu como persona non grata na
Polônia até 1989.
Mesmo banido da Polônia, LK continuou influenciando o pensamento crítico daquele país,
pois alguns de seus artigos, ensaios e livros lá chegavam clandestinamente, incluindo uma de suas
obras mais importantes, “Principais correntes do marxismo”, publicada em três volumes no ano de
1976.
3.2 E. P. Thompson
E. P. Thompson nasceu em 1924 na cidade de Oxford, filho de missionários metodistas que
haviam trabalhado em missões na Índia. Em 1942, aos 18 anos, filiou-se ao Partido Comunista
inglês. Um ano mais tarde, no auge da II Guerra, serviu como soldado em um regimento de tanques
na campanha da Itália. Terminada a guerra, volta para a Inglaterra e termina sua graduação em
História em Cambridge. Formado, começa a atuar como professor leiturista na Universidade de
Leeds.
Até 1956 EPT adotara uma postura solidária ao regime stalinista. Com as declarações de
Kruchev e a posterior repressão soviética na Hungria, afasta-se do Partido Comunista em 1957,
embora continue acreditando nos ideais socialistas. Passa a militar ativamente pelas causas
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pacifistas, funda as revistas The New Reasoner e New Left Review, tornando-se proeminente
representante da nova esquerda inglesa, em busca da fundamentação de um modelo de 'socialismo
humanista', em oposição aos modelos racionalistas e anti-humanistas de interpretação do Marxismo.
Entre os anos 60 e 80, Thompson torna-se voz importante contra a expansão do arsenal
nuclear mundial. Elaborou o conceito de 'exterminismo' para explicar a expansão bélica registrada
naquele período, auge da guerra fria.
4. O EMBATE TRAVADO NAS CARTAS
Os principais pontos de choque entre as ideias de EPT e LK que compõem a presente
análise foram extraídos dos trabalhos de Müller (2007) e Duayer (2004).
Primeiramente é importante traçar, em linhas gerais, a postura filosófica de EPT e LK,
principalmente a visão extremamente crítica de EPT ao estruturalismo althusseriano. A postura antiestruturalista de EPT fica bem definida em sua obra “The Poverty of Theory”, onde
Thompson denuncia as análises estruturalistas que, a seu ver, constituem uma
agressão política e teórica ao marxismo – sobretudo por sua concepção de um
real epistemologicamente nulo e inerte e sua negação da inteligibilidade da
história e dos conceitos de classe e de ideologia como categorias históricas.
Contrariamente, Thompson retoma sua defesa da razão, da centralidade da
história e do agir humano. (MÜLLER, 2007, p. 99-100)
Em sua carta, “Thompson articula argumentos contra as ideias pós-estruturalistas, posmodernas e neopragmáticas, ideias que, como sabemos, teriam ainda que esperar alguns anos para
ganhar circulação social generalizada” (DUAYER, p. 76). Como destacado anteriormente, a
principal crítica de Thompson ao pensamento de Kolakowski refere-se ao valor subjetivo que este
último dá ao entendimento histórico (Ibid, p. 83).
Rebatendo as críticas recebidas por meio da Carta Aberta de E. P. Thompson (EPT),
Kolakowski (LK) entende que uma resposta à Carta é extremamente necessária, uma vez que
Raymond Willians, figura muito respeitada do pensamento marxista inglês na época, chegou a
manifestar que a Carta Aberta teria sido um dos melhores escritos esquerdistas da década. LK então
escreve “Minha visão correta sobre tudo...” onde pretende esclarecer os principais pontos
questionados por APT.
As obras de Müller e Duayer aqui referenciadas trazem consistente análise dos conceitos
filosóficos e epistemológicos apresentados no embate travado entre os dois intelectuais europeus, de
onde retiramos para este trabalho apenas alguns pontos esclarecedores sobre a visão de cada um
deles sobre a questão da História enquanto ciência.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exercício de tentar sintetizar o contexto histórico, político e social polonês baseando-se
no cruzamento de informações colhidas em fontes que não gozam de muita credibilidade, como o
caso das enciclopédias eletrônicas colaborativas, torna-se interessante quando se considera as
questões epistemológicas presente principalmente no pensamento de Thompson.
A questão do dissenso surgido diante do confrontamento das informações enciclopédicas
com os argumentos do artigo de Miroslaw Zulawski, citada anteriormente, apesar de consistir
trabalho interessante, encontra-se aqui superficialmente representada. O retrato traçado da
aristocracia polonesa anterior à II Guerra dá indícios mais profundos e, quem sabe, esclarecedores
para um melhor entendimento dos desdobramentos políticos e culturais da história contemporânea
daquele país. Inserimos este detalhe aqui somente para trazer um exemplo prático das questões
epistemológicas levantadas principalmente por E. P. Thompson.
Embora possa ser notada a fragilidade das 'verdades' sedimentadas nos relatos históricos,
esta fragilidade não é nada que sirva para justificar uma diminuição da importância do método
historicista de entendimento da realidade. Ao contrário, revela-se a possibilidade interpretativa
aberta justamente pelo dissenso, pela pluralidade de versões sobre a mesma realidade, enxergada,
vivenciada e registrada de maneira singular por cada sujeito-observador, enunciador de seu próprio
discurso histórico.
BIBLIOGRAFIA
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001.
DUAYER, Mário. Desencanto Revolucionário, Ininteligibilidade da História e Apostasia de
esquerda: E. P. Thompson sobre L. Kolakowski. Revista Esboços, vol. 11, nº 12, p. 7595. Florianópolis, 2004
KOLAKOWSKI, Leszek. “Minha visão correta sobre tudo”. Socialist Register, Vol 11 – 1974
MÜLLER, Ricardo Gaspar. Revisitando E. P. Thompson e a “Miséria da teoria”. Revista
Diálogos, vol 11, n.1/n. 2, p. 97-136. Maringá, 2007
THOMPSON, E.P. Carta Aberta a Leszek Kolakowski. Edição mimeo
OUTRAS REFERÊNCIAS CONSULTADAS
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http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/obituaries/article6722105.ece
http://www.guardian.co.uk/world/2009/jul/22/philosophy-1968-the-year-of-revolt
http://www.independent.co.uk/news/people/obituary-e-p-thompson-1464255.html
http://www.radicalphilosophy.com/default.asp?channel_id=2191&editorial_id=9849
http://www.kasprzyk.demon.co.uk/www/history/RestoredRepublic.html
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http://en.wikipedia.org/wiki/Władysław_Gomułka
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