O Cinema Documentário Canadense: de Grierson às investidas dos

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O Cinema Documentário Canadense: de Grierson às investidas dos
 O Cinema Documentário
Canadense: de Grierson às
investidas dos povos nativos Luiz Alexandre Pinheiro Kosteczka [Mestrando em História e Sociedade na Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis] KOSTECZKA, L. A. P. O Cinema Documentário Canadense: de Grierson às investidas dos povos nativos. Revista Anima, Ano 3, nº 4, 2013, p. 62 -­‐ 79. Resumo O cinema praticado no Canadá, apesar de prolixo e reconhecido nos círculos cinéfilos, é pouco presen-­‐
te na historiografia fílmica praticada no Brasil. De forma que o objetivo deste artigo é dialogar com essa plural cultura fílmica. Para tal, selecionamos o cinema documentário canadense como o corpus documental de nossa análise. A partir da interpre-­‐
tação de algumas das principais realizações dessa estética, buscaremos indicar os problemas básicos da cinematografia do Canadá. Palavras-­‐chave: Cinema, Documentário, Canadá. Abstract Although the film practicing in Canada is prolix and recognized in moviegoers’ circles, it is seldom ob-­‐
served in the filmic historiography practiced in Brazil. Therefore, the goal of this article is to dia-­‐
logue with this plural filmic culture. To this end, we selected the Canadian documentary film as the resource corpus of our analysis. From the interpre-­‐
tation of some of the major achievements of this aesthetic, we seek to indicate the basic problems of cinematography in Canada. Keywords: Film, Documentary, Canada. 62 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura Introdução1 Ao ultrapassarmos a segunda década do século XXI, é possível afirmar que o cinema é um elemento essencial na complexidade constitutiva das sociedades contemporâneas. Essa invenção do século XIX integra uma miríade de atividades dedicadas às experiências auditi-­‐
vas e visuais e, ao contrário das expectativas de seu declínio diante da presença maciça da televisão, permanece presente no cotidiano de diversas realidades sociais e culturais. Nesse sentido, o universo das imagens e dos sons compõe o horizonte de observação histórica e torna-­‐se um lugar privilegiado de meditação acerca das tensões de nossa contemporaneida-­‐
de. Historiadores, cada vez mais atentos às questões do tempo presente, propõem análi-­‐
ses a partir de fontes de natureza audiovisual. A profusão de publicações no mercado edito-­‐
rial brasileiro e o lançamento de inúmeros dossiês em periódicos especializados são sinto-­‐
máticos da emergência do cinema como objeto e fonte para a atividade de interpretação histórica. É possível reconhecer a existência de um vasto campo de reflexão da atividade fílmica, compreendendo as mais distintas realidades de produção. O cinema brasileiro, sul-­‐
americano, europeu, hollywoodiano, dentre outros, são atualmente lugares privilegiados no ofício histórico brasileiro. Procuramos ingressar em um debate ainda inicial nos estudos fílmicos do Brasil. Neste artigo, propomos uma aproximação à distinta cinematografia canadense, traçando um breve panorama das questões que envolvem o audiovisual desse país. Elegemos a estética do ci-­‐
nema documentário como a fonte primordial desse exercício de análise, pois, reconhecemos a profusão dessa estética em mais de cem anos de produção canadense. Mas, cientes dos problemas em torno das delimitações para a cinematografia documental, não restringiremos nosso horizonte de perspectivas, de forma que, em alguns momentos do texto, dialogamos com produções claramente situadas nas tênues fronteiras que separam a ficção do docu-­‐
mentário. 1
Este texto é parte do desenvolvimento da dissertação de mestrado intitulada “Imagem e a Escrita da História: Os filmes do Conflito de Oka de Alanis Obomsawin”, orientada pela Prof. Dra. Karina Anhezini. Além disso, é fruto do estágio de pesquisa (2012-­‐2013) no Ontario Institute for Studies in Education (OISE) da University of Toronto sob a supervisão do Prof. Dr. Jean-­‐Paul Restoule. Pesquisa financiada pela CAPES e Emerging Leaders in the Americas Program (Canadian Bureau for International Education/Foreign Affairs and International Trade Canada). Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 63 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura Buscaremos associar o universo discursivo da produção audiovisual ao seu corpus críti-­‐
co, pois não é possível negar que o registro escrito é um dos lugares de interpretação das imagens e também um espaço que indica projetos, manifestos e novas possibilidades estéti-­‐
cas para as realizações cinematográficas. A crítica da mídia impressa e os trabalhos acadêmi-­‐
cos (teses e dissertações) são, além de um olhar, um ambiente de diálogo com o fazer fílmi-­‐
co. Reconhecemos que muitos dos pesquisadores que utilizaremos como referenciais para este artigo têm uma longa trajetória dentro da produção cinematográfica e televisiva cana-­‐
dense. A ONF/NFB sob os auspícios de John Grierson Além de representar o início da Segunda Guerra Mundial, o ano de 1939 é um marco temporal no passado da cinematografia canadense. Nesse ano, o governo do Canadá fundou a L’office National du Film/National Film Board (ONF/NFB). Esse órgão estatal não centraliza todas as iniciativas da produção fílmica, mas a compreensão de seu papel ativo até dias atu-­‐
ais é essencial para o entendimento do percurso da filmografia canadense. Visto que, o pro-­‐
tagonismo de seus diversos estúdios, diretores e produtores, fomentou a formação de inú-­‐
meras tendências estéticas para o cinema canadense. O primeiro comissário que presidiu a ONF/NFB foi John Grierson, personagem referen-­‐
cial do movimento documentário britânico e que, ao lado de Robert Flaherty, Dziga Vertov, entre outros, respondeu pelas invenções iniciais da estética documental. Drifters (1929), o único documentário totalmente dirigido por sua pessoa, documenta a pesca nos mares do norte inglês. Nesse documentário silencioso, com aproximadamente 48 minutos de duração, devemos estar atentos para a montagem e sobreposição de imagens. Esses artifícios estéti-­‐
cos acentuam suas conversações com o cinema da União Soviética e, em outro nível discur-­‐
sivo, germinam os seus desígnios para a novidade do cinema documentário: a transformação social. Em “Princípios iniciais do documentário” (2011)2, Grierson proveu aos leitores defini-­‐
ções preliminares do que viria a ser o documentário. Para ele, três princípios diferenciavam a “arte mais completa do documentário” (GRIERSON, 2011, p. 7) da trivialidade dos aconteci-­‐
2
Originalmente publicado na Revista Cinema Quarterly (Winter 1932; Spring 1933 e Spring 1934). Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 64 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura mentos mostrados nos news reels (atualidades), breves produções fílmicas que mediavam às exibições de filmes ficcionais. Essas três condições sintetizam-­‐se na existência de uma rela-­‐
ção particular com o material bruto produzido pela realidade, evitando a mediação repre-­‐
sentacional característica da ficção (GRIERSON, 2011). Brian Winston redigiu uma das mais pujantes críticas a respeito dos efeitos que as pro-­‐
posições de Grierson incidem na ética de produção do audiovisual. “The tradition of the Vic-­‐
tim in Griersonian Documentary” tratou-­‐se de uma reflexão ímpar a respeito das relações entre o sujeito que opera e dirige a câmera e o sujeito/objeto do aparato fílmico. Winston enfatizou a confluência do olhar em plano geral do “homem diante do céu”, do documentá-­‐
rio poético de Flaherty, com o “homem nas entranhas da terra”, dos seguidores britânicos de Grierson, os quais privilegiavam os despossuídos como objeto de seus filmes (WINSTON, 1988, p. 276). O sujeito vitimado, preso à terra e às vicissitudes do cotidiano industrial e ur-­‐
bano, é representado para o público no ecrã, no entanto, essa representação objetiva, vo-­‐
luntária ou involuntária, de uma persona nem sempre coincide com a imagem reflexiva que esse sujeito tem de si mesmo. A partir desse ponto-­‐de-­‐vista, dirigido pelo realizador para os menos favorecidos, emerge um problema ético que persiste na evolução do cinema docu-­‐
mentário. Afinal, documentar esses personagens não é necessariamente dar voz às suas afli-­‐
ções; em muitos casos, o efeito contrário de perpetuar uma imagem vitimizadora dessas pessoas prevalece (WINSTON, 1988, p. 283). Nos estudos fílmicos canadenses, Grierson é perfilhado dentro da dimensão política e social. The colonized eye: rethinking the Grierson legend, de Joyce Nelson, não considerou as formas da estética griersoniana e sim deu preferência à análise da inserção de Grierson nas esferas institucionais e governamentais no decorrer da criação da ONF/NFB. Bruce Elder, em Image and Identity: Reflections on Canadian Film and Culture, esforçou-­‐se em desconstruir a “lenda griersoniana” mistificada no passado da cinematografia canadense. Essas abordagens singulares têm o objetivo comum de reposicionar a biografia de Grierson na tradição fílmica canadense, porém, ambos os pesquisadores reconhecem a pertinência dos princípios grier-­‐
sonianos na constituição do cinema documental produzido no Canadá. Alguns filmes são exemplares do momento de Grierson na ONF/N.F.B. Premiado na ce-­‐
rimônia do Oscar de 1942, Churchill’s Island (1941) documentariza os esforços de defesa da Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 65 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura “ilha do primeiro ministro Winston Churchill” e é formalmente similar à realização Our Nor-­‐
thern Neighbour (1944) que tematiza a União Soviética como o estranho aliado do Norte. Os aspectos estéticos desses filmes, com a comum presença do voice over de Lorne Greene e a trilha sonora de Lucio Agostini, são referenciais das asserções do documentário clássico griersoniano na América. Essas realizações, exibidas antes das seções de cinema de enredo, representam as ex-­‐
periências de Grierson em solo canadense e marcam a primeira fase da ONF/NFB. No entan-­‐
to, logo na década de 1950, os documentários da série Candid Eyes, de acordo com Jim Leach e Jeannette Sloniowski (2003), já buscavam cindir uma separação com as estruturas clássicas do cinema documentário griersoniano. Os filmes Candid Eyes O documentário Corral (1954), dirigido por Collin Low e produzido por Tom Daly, é um dos marcos do estilo documental que notoriamente seria reconhecido como Candid Eyes. A narrativa centrou-­‐se na rotina diária de uma fazenda para criação de gado. Informações pré-­‐
vias no espaço da tela antecipam o tema desse documento audiovisual; os créditos iniciais e os dois letreiros sugerem ao espectador que o documentário narrará o cotidiano de trabalho do cowboy Wallace Jensen em uma fazenda na província de Alberta. A primeira sequência contrasta com os planos seguintes, pois nela o cowboy quase desaparece na imensidão da paisagem e do campo da imagem com muitos planos em profundidade. No restante da pelí-­‐
cula, os planos apresentam-­‐se em média duração, priorizando a proximidade com o objeto e o sujeito filmados. Mas é na banda sonora que é possível observar com clareza as tentativas de distanciamento com o denominado documentário clássico griersoniano; o voice over de-­‐
sapareceu completamente do espaço diegético de Corral. As westerns ballads são as únicas referências sonoras durante o filme e, sem sombra de dúvida, auxiliam o espectador a situ-­‐
ar-­‐se em relação ao único personagem que encena a narrativa audiovisual. Em Candid eyes: essays on Canadian documentaries, a única obra devotada ao estudo do documentário canadense, os editores argumentam que o candid eyes rompeu com as assertivas dominantes do documentário clássico griersoniano (LEACH; SLONIOWSKI, 2003). Porém, ao observar atenciosamente a experiência de Collin Low, as ambiguidades dessas Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 66 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura novas investidas levam a um inevitável questionamento. A ausência de comentários emiti-­‐
dos por uma entidade exterior ao espaço da tela corrobora as afirmações de que esse filme marcou a tentativa de formação de uma nova estética para o cinema documentário, mas os princípios de Grierson, que consideravam a inserção do comentário em voice over como in-­‐
tegrante de um processo que almejava “tratar criativamente a realidade”, acabavam por desvelar a inevitável necessidade de se estabelecer uma autoridade quanto ao objeto filma-­‐
do. Dessa forma, é possível questionar se os dois letreiros iniciais de Corral suprem uma in-­‐
dicação de autoridade por via de ordem visual e se a existência dessas legendas não delimi-­‐
taria as possíveis expectativas em relação ao protagonista. O inegável alcance desses filmes projeta debates e intensas discussões acadêmicas em torno do sentido da emergência dessas produções. Não existe um acordo quanto aos valores estéticos dessa cinematografia. É concreto afirmar que a origem dessa nomenclatura está na série televisionada pela Canadian Broadcast Company (CBC), intitulada Candid-­‐eye Series. Produzidos em sua grande parte por Tom Daly, esses breves documentários foram realizados por diretores ainda desconhecidos e em ascensão na ONF/NFB. A inerente ambivalência dessas realizações auxiliaram Leach e Sloniowski a refutar a tese comum de que o candid eyes filmaking3 limitava-­‐se ao voyeurismo visual. Para os auto-­‐
res, o olhar cândido promoveu o questionamento das relações entre imagem e realidade e, inversamente à postura de muitos críticos, revitalizou os limites da objetividade do docu-­‐
mentário e do sujeito da câmera (LEACH; SLONIOWSKI, 2003, p. 6). Não obstante, esse estilo configurou-­‐se em uma complexa e longa lista de produções, as quais desempenharam refle-­‐
xões a respeito da identidade canadense (LEACH; SLONIOWSKI, 2003, p. 8). Paul Tomkowicz: Street-­‐railway Switchman (1953), de Roman Kroitor, é outro docu-­‐
mentário que figura como essencial para o entendimento das políticas audiovisuais no Ca-­‐
nadá. Esse filme foi realizado como parte da série Faces of Canada e, da mesma forma que em Corral, letreiros iniciais apresentam o seu tema. A primeira sequência ocorre no interior de um streetcar, onde o personagem principal Tomkowicz partilha o espaço de encenação 3
Leach e Sloniowski separaram e nominaram, mesmo que cientes da ambivalência dessas definições, os “The Candid Eyes films” (aqueles documentários produzidos para a televisão) e “candid eye filmaking” (para a o estilo desenvolvido no Estúdio B da ONF/N.F.B). Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 67 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura com os usuários do veículo. A proximidade das câmeras 16 mm em relação aos personagens revela múltiplos pontos de vista da intimidade do cotidiano de uma noite no transporte pú-­‐
blico de Winnipeg. Esses primeiros momentos indicam uma óbvia dissemelhança com Corral – afinal, esse documentário tematiza as planícies do espaço rural, enquanto Paul Tomkowicz passa-­‐se dentro do confinado espaço urbano – e também revelam a multiplicidade de temas que esse estilo de documentário produziu. Em Paul Tomkowicz: Street-­‐railway Switchman, uma voz narra a sequência de imagens que se sucedem por quase 10 minutos. A voz da narração pertence ao protagonista de ori-­‐
gem polonesa, empregado como mantenedor dos trilhos de transporte público. Richard Hancox proveu uma análise acerca desse filme de Kroitor e iniciou a sua reflexão pela cena que encerra a breve saga a respeito do labor cotidiano de Paul Tomkowicz, sequência filma-­‐
da em uma cafeteria onde o personagem degustava seu café da manhã depois da sua jorna-­‐
da noturna. Os objetivos de Hancox ao analisar esse filme foram esmiuçar as relações filosó-­‐
ficas entre espaço e lugar, examinando a convergência entre geografia, história e o filme documentário e buscando avaliar como a cultura desse documento audiovisual rearticulou-­‐
se no imaginário nacional canadense (HANCOX, 2003, p. 15 -­‐ 16). Algumas singularidades chamaram a atenção do autor ao pesquisar esse filme. Primeiramente, a quase completa inexistência de material escrito a seu respeito, seguida da surpreendente recepção existen-­‐
cialista do público, que divergiu das pretensões da ONF/NFB, pois o objetivo da The Board, com esse e outros documentários da série Faces of Canada, era produzir retratos de perso-­‐
nalidades das pequenas cidades canadenses. Além dessas particularidades, o filme ganhou uma versão franco-­‐canadense que exibiu no Québec um filme totalmente diferente do origi-­‐
nal editado pela equipe de Kroitor. Essa experiência cinematográfica representou dois personagens diferentes para dois públicos que acabaram por se evidenciar distintos, reafirmando os distanciamentos entre Winnipeg e Montreal. Ou seja, a reformulação narrativa desse breve documentário almejava atingir dois públicos diversos. Hancox, ao chamar atenção para esse fato desconhecido até mesmo do diretor do filme, iluminou as cisões identitárias entre essas duas províncias. O autor também refutou as hipóteses de que esse filme somente respondia à função almejada pela ONF/NFB de propagar temas de imigração e cidadania, escolhendo a observação estéti-­‐
Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 68 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura ca para reconsiderar as ambiguidades que asseguram a importância dessa realização. As “coordenadas para as identidades” buscam espaços específicos de expressão e ressonância e essa realização fílmica foi um lugar privilegiado de observação desses movimentos. De acor-­‐
do com o autor, a escolha em centralizar o tema do documentário em apenas um sujeito, Paul Tomkowicz, reavivou elementos que constituem as identidades de Winnipeg e a geo-­‐
grafia operou conjuntamente com a história, a fim de significar e posicionar um personagem de feições mitológicas em um local geográfico simbólico. Winnipeg foi vista como centro do mundo físico, como a fronteira e o lugar de passagem para o oeste, ou ainda como o local de resistência frente às expansões do sul. Bruce Elder, conservando um olhar menos meritório, afirmou que, ao contrário das especulações feitas por críticos anteriores, o Candid-­‐Eyes movement não é tão somente fili-­‐
ado ao cinéma vérité desenvolvido na França e Estados Unidos. As realizações canadenses – nelas, ele incluiu a província do Québec – são contemporâneas e, em muitos casos, anterio-­‐
res aos seus correlatos estéticos e cultivam muitas particularidades em relação ao cinéma vérité dos Estados Unidos (ELDER, 1989, p. 103 -­‐ 104). O cinema-­‐vérité americano se desenvolveu sob os auspícios do Time-­‐Life. Esses fil-­‐
mes Time-­‐Life mantiveram aspectos do jornalismo Luce-­‐style [...] O fotojornalismo com o qual os realizadores Candid-­‐Eye estabeleceram alianças, em contrapartida, reflete a influência do fotógrafo francês Henri Cartier-­‐Bresson (ELDER, 1989, p. 107, tradução nossa). Essas conclusões de Helder são importantes, pois situam o lugar de produção do can-­‐
did eyes filmmaking. Esse posicionamento diante de estéticas desenvolvidas contemporane-­‐
amente é primordial para o entendimento dos prosseguimentos do cinema produzido em território canadense. O direct cinema e o cinema vérité no horizonte dos realizadores canadenses. Pour la suite du monde (1963) é um representante imprescindível da produção cine-­‐
matográfica canadense. Pierre Perrault, Michel Brault e Marcel Carrière e uma equipe de filmagem dirigiram-­‐se para Île-­‐aux-­‐Coudres com a intenção de documentar a caça de baleias beluga na ilha. Como letreiros iniciais assinalam, essa tradição cessou no final da década de Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 69 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura 1920 e, no início dos anos 1960, os próprios realizadores do documentário propuseram aos moradores desse lugarejo a retomada dessa atividade a fim de que ela fosse objeto do do-­‐
cumentário. Essa narrativa divide-­‐se em três momentos e dura cerca de 1 hora e 45 minutos. A fase da negociação entre os habitantes da ilha em aceitar, ou não, o retorno a uma dispendiosa atividade. Por conseguinte, e após o aceite dos moradores, o labor para preparar as armadi-­‐
lhas de pesca. O terceiro inicia-­‐se pela captura e culmina com a venda de uma baleia para um aquário em New York. David Clanfield destinou suas pesquisas para ponderar o legado de Perrault e, na cole-­‐
tânea de textos Candid eyes: essays on Canadian documentaries (2003), publicou um signifi-­‐
cativo texto a respeito de Pour la suite du monde. O alicerce de seu argumento foi iluminar o início dos anos de 1960 como um momento em que a cultura política quebequense estava em profunda mudança e demonstrar como esse filme renovava o tema da identidade nacio-­‐
nal. Os anos 60 foram o fim do governo austero e conservador de Maurice Duplessis e o iní-­‐
cio do período reconhecido como Revolução Silenciosa (Révolution Tranquille) na província do Québec, um decênio de separação entre o Estado (nesse caso, uma província) e a Igreja. Foi nesse momento que as áreas da educação e da saúde pública foram retiradas do poder religioso e que aconteceu a restituição do nacionalismo quebequense na bipolarização par-­‐
tidária entre os federalistas e separatistas. Clanfield revelou que os olhares poéticos constru-­‐
ídos por Perrault e Brault eram frutos de uma experiência de imersão na realidade dos habi-­‐
tantes de Île-­‐aux-­‐Coudres. Para ele, tal percepção evidenciava-­‐se nos escritos de Perrault em Discours sur la condition sauvage et québécoise (1977): “Perrault, o poeta, sempre insistiu que seus filmes eram resultados de sua imersão na realidade vivida e não um produto de uma ficcionalização ou dramatização que ele controla” (CLANFIELD, 2003, p. 75, tradução nossa). Seguindo as ponderações de Clanfield, Pour la suite du monde reposicionou e ressigni-­‐
ficou a importância das tradições e costumes em um período de profundas transformações culturais na sociedade quebequense. Na última cena, dois dos personagens discutem a res-­‐
peito da viagem para a entrega da baleia em New York. O viajante tece sua percepção acerca da metrópole e centro da vida moderna ocidental. Os arranha-­‐céus se opõem às montanhas Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 70 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura da paisagem da ilha. A riqueza de um centro urbano é oposta à simplicidade do cotidiano dos pescadores. A identidade quebequense é distante aos seus vizinhos do sul, ela é fruto de uma referência às tradições cristalizadas no imaginário. O primeiro momento representa-­‐se no esforço dos mais jovens em retomar um legado do passado, decisão ratificada pelo padre da paróquia local. A frase “pour la suite du monde” marca a transição na diegese fílmica e, além de romper com a primeira parte da narrativa, instaura o significado do filme: “preser-­‐
var para a posteridade”. Outro elemento importante é apropriação feita por Perrault das ideias do documenta-­‐
rista e etnógrafo francês Jean Rouch, reconhecido pela a invenção e experimentação do con-­‐
ceito de cinéma vérité. Pour la suite du monde apresenta propostas próximas à Rouch, pois o processo de produção e a presença das atividades dos realizadores é um elemento consti-­‐
tuinte do documento audiovisual. Porém, os vários momentos observativos, com a tentativa de eliminar a intervenção do universo narrativo, também alocam o filme nas proposições do direct cinema dos Estados Unidos. Essas constatações reafirmam o ecletismo estético como uma qualidade das realizações situadas no Canadá. Les Ordres (1974) é outro registro cinematográfico que aprofunda os questionamentos da estética do cinéma vérité e direct cinema e as implicações dessas apropriações no Cana-­‐
dá. Essa ficção dirigida e produzida por Michel Brault é considerada uma das realizações marcantes do cinema quebequense. Tal filme buscou representar uma dimensão dos acon-­‐
tecimentos que se sucederam ao War Measures Act, medida governamental tomada em resposta ao sequestro do comissário britânico James Cross e do ministro Pierre Laporte, pos-­‐
teriormente assassinado por membros do Front de Libération du Québec. Em 10 de outubro de 1970, o governo do primeiro-­‐ministro Pierre Elliott Trudeau instaurou essa medida de exceção para um momento caracterizado pelo Estado como insurreição. A ação permitiu a detenção de cerca de 450 pessoas, as quais foram, posteriormente, libertadas sem sofrer nenhuma acusação formal. Esse acontecimento conhecido como Crise de Outubro foi impulsionado pelo seques-­‐
tro dos dois estadistas, momento representativo das ações do FLQ em busca da separação do Québec. Porém, representou o declínio de um vasto e heterogêneo grupo que buscava se estabilizar em várias tendências de embate desde o início da década de 1960. A repressão Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 71 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura maciça do governo Trudeau, com o War Measures Act, reduziu a intensidade dos movimen-­‐
tos separatistas mais radicais e, com a detenção ampla de vários cidadãos quebequenses, produziu um dos momentos mais controversos da contemporaneidade canadense. Brault recolheu depoimentos de alguns dos detidos pelas forças de segurança e utili-­‐
zou de forma significativa a encenação dessas entrevistas em seu filme. Les Ordres é um dos representantes por excelência do direct cinema e/ou cinéma vérité de Québec. Nele, os pla-­‐
nos de câmera aprisionam os personagens no quadro e buscam expressar a experiência do claustro, contrastando luz e sombra e aproveitando a alternância entre p&b e color da pelí-­‐
cula. Em contraste, o breve momento de liberdade do personagem Clermont, autorizado a sair da prisão para participar do velório do seu pai, é marcado pela grande profundidade de campo. Nas cenas em que é conduzido ao funeral, a montagem alterna grandes planos do carro em movimento com o confinamento do prisioneiro algemado dentro do veículo. Noel Burch observou e tratou das oposições, em suma, antagônicas entre imagem e som, ou pela montagem, ou por via da desestruturação narrativa. Para ele, “qualquer filme contém estru-­‐
turas 'dialéticas', seja pelo grau de contrastes entre sequências (por mais tênue que seja), seja pelas interações que residem em seu interior (por mais banais que sejam)” (BURCH, 1992, p. 93). Nesse filme de Brault, existiu um deslocamento do olhar, pois não foi o objetivo dessa produção observar os eventos que se seguiram ao War Measures por via de uma visão tota-­‐
lizante. O diretor elaborou um retrato singular e fragmentado daqueles que sofreram o en-­‐
durecimento das ações do Estado confinados no espaço prisional, questões invisíveis para a maioria da população quebequense. A dramatização da experiência do cárcere é o centro da tragédia humana cinematografada por Brault, ele não eliminou o drama como elemento fundamental de uma experiência que tentou se mostrar aos espectadores como um real vivido. O final do filme apresenta o teor dessa espessura dramática: no momento em que todos haviam sido libertados da prisão, um longo plano em grande profundidade visualiza grande parte da cidade de Montreal e encerra a película. A melancolia do preto e branco e da paisagem invernal restaura a resignação e a retomada da Révolution Tranquille, em curso no momento de lançamento do filme. Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 72 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura O olhar para a sexualidade O olhar feminino para a questão de gênero e da sexualidade é notório na produção fílmica canadense, especialmente na realização de filmes documentários. Conectado às lei-­‐
turas feministas, Not a Love Story: a Film About Pornography (1981) foi uma das iniciativas que conseguiu romper com as restritas ressonâncias das realizações documentais. Prova-­‐
velmente, o sucesso de público desse filme, que tem um pouco mais de uma hora de dura-­‐
ção, deve-­‐se ao tema central de seu argumento: a próspera indústria de entretenimento pornô da América do Norte. Essa investida de Bonnie Sher Klein correlacionou a indústria pornô às mazelas do sistema industrial capitalista. Esse exercício metonímico apresentou-­‐se em uma das primeiras cenas, na qual um voice over relata a expansão comercial do entrete-­‐
nimento adulto calcada, supostamente, na exploração das péssimas condições e rendimen-­‐
tos de seus trabalhadores. Os juízos emitidos sobre o tema desse documentário, evidentes na constante performatividade da diretora, que narra e participa da narrativa fílmica como entrevistadora e mediadora de vários diálogos, foram relevantes para a recepção crítica do filme. Logo após as exibições iniciais de Not a Love Story, B. Ruby Rich, reconhecida pesqui-­‐
sadora na área de estudos de mídia e gênero, escreveu um texto nevrálgico sobre as propo-­‐
sições defendidas por esse documentário. Para Ruby Rich, a participação ativa da diretora Bonnie Klein associou-­‐se à participação de Linda Lee Tracey, uma resignada stripper, essen-­‐
cial para o argumento final do filme. Linda, “[…] a verdadeira estrela do filme” (RICH, 1999, p. 63, tradução nossa), esteve presente em quase todas as principais cenas e, na sugestiva sequência da qual uma foto sua é um background para os créditos finais. A composição visu-­‐
al da derradeira fotografia de Linda pode ser correlata a um soft-­‐core (RICH, 1999, p. 69) e análoga à figura de uma pin-­‐up. Conforme Ruby Rich, esse final, em continuidade com a to-­‐
mada de Linda à beira de uma praia, reafirmou o tom de resignação que permeou todo o filme, visto como problemático pela pesquisadora. Ruby Rich demonstrou em seu texto que o filme Not a Love Story: a Film About Porno-­‐
graphy tentou erigir uma fronteira entre o pornô, apresentado pelas suas formas mais ex-­‐
tremas, e a estética erótica, defendida por vários combatentes que se opunham ao entrete-­‐
Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 73 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura nimento adulto. O criticismo do texto de Rich revelou a insuficiência dos argumentos da rea-­‐
lização em diferenciar o pornô do erotismo, pois tal carência seria um sintoma da fina linha que separaria essas duas formas. O título do filme é um indicativo de que os produtores ten-­‐
taram defini-­‐lo pelo o que ele não é – uma estória de amor –, denunciando o pretenso afas-­‐
tamento dos realizadores com o objeto que buscavam documentar. Ou seja, o pornô é fabri-­‐
cado e experimentado pelo outro; os homens que foram representados como desprovidos da consciência feminista, alteridade, ironicamente, documentada por um outro homem, o cinegrafista Pierre Letarte. “O resultado é uma reprodução de efeitos negativos: nós conti-­‐
nuamos voyeurs e elas permanecem como objetos – não importando nossa piedade, luxúria, respeito ou choque, os quais fazem pouca diferença” (RICH, 1999, p. 66, tradução nossa). Essa comprometida constatação de Ruby Rich é fruto da análise do posicionamento da câmera frente aos sujeitos filmados e revela o problema ético na relação de Not a Love Story com as pessoas confrontadas pelo aparato fílmico. Como Bill Nichols afirmou, “ética se torna a medida das formas, nas quais as negociações acerca da natureza da relação entre o reali-­‐
zador e o objeto têm consequências para os objetos e os espectadores” (NICHOLS, 2001, p. 9, tradução nossa). Os produtores eram participantes ativos nas encenações, eles eram visí-­‐
veis e audíveis nas cenas; a câmera, várias vezes empunhada pelas mãos do cinegrafista, induzia ao distanciamento para com os verdadeiros personagens da narrativa. A busca por fluir o cinéma vérité com empréstimo de elementos dos princípios griersonianos exacerbou as ambiguidades de Not a Love Story. Essa fusão de estilos, comum na produção fílmica, acu-­‐
sou a submissão da voz e imagem dos homens entrevistados aos juízos dos produtores, no entanto, tal postura frente ao objeto não garantiu espaço para as mulheres, objetos desse filme. Em nenhum momento a objetiva ocupou o ponto de vista dessas mulheres; Bonnie Klein somente reafirmou a condição delas como objeto. Insuficiente em reconhecer o outro e as implicações políticas das ideologias feministas, o filme permitiu a Ruby Rich acentuar a sua crítica às inconsistências teóricas dos estudos feministas no início de 1980. As nações indígenas: de objetos a sujeitos da câmera. Outra dimensão constituinte do documentário canadense é formada pelos olhares das Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 74 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura nações indígenas. Devemos atentar para a complexidade desse recorte. O denominado “ci-­‐
nema nativo” é diverso e os realizadores não se limitam ao documentarismo de engajamen-­‐
to político. O cinema ficcional, experimental e as animações devem ser contabilizados em um balanço que almeje a totalidade das produções. Em termos gerais, é necessário levar em conta que o cinema produzido por originários de comunidades nativas não é necessariamente uma ruptura com as diveras possibilidades estéticas da construção fílmica. É evidente que muitos filmes capitaneados por indígenas são preocupados principalmente em afirmar a presença histórica dos autóctones na formação canadense. Porém, a sofisticação da forma e conteúdo desses produtos audiovisuais confere complexidade às varias temáticas desses filmes. São visíveis as estratégias de empréstimo e trangressão de tradições sólidas no panorama canadense e mundial. As questões do mundo do trabalho no recente Smoke Traders (2012); o experimentalismo para tratar da sexualida-­‐
de em About Town (2006) de Marnie Parrell; ou, ainda, a busca por cinematografar a tradi-­‐
ção oral e mítica de Atanarjuat: the fast runner (2001), realizado por Zacharias Kunuk; são indícios da profusão de temas que compõem a vasta e heterogênea filmografia dos povos nativos canadenses. De forma que desejamos promover um texto introdutório, centralizamos nossos esfor-­‐
ços na apresentação de uma personagem essencial nesse cenário: a documentarista Alanis Obomsawin. Realizadora que é natural do norte dos Estados Unidos e vive no Canadá desde sua infância. Sua trajetória artística e profissional é ampla, visto que ela é também atriz, storyteller, cantora, instrumentista e pintora. O seu percurso de documentarista, iniciado em 1972 com Christmas at Moose Factory, indubitavelmente atingiu seu ápice com o lançamen-­‐
to de Kanehsatake: 270 years of Resistance (1993). Esse filme pode ser considerado o “grande” documentário de Alanis Obomsawin. Ele foi laureado em inúmeros festivais, consi-­‐
derado impactante pela crítica especializada e reconhecido pelo público devido a sua exibi-­‐
ção em cadeia nacional de televisão. Quase a totalidade de sua montagem foi construída a partir de filmes captados do lado indígena do conflito, onde os habitantes de Kanehsatake e Kanahwake, em sua maioria de origem indígena, foram sitiados pelas forças armadas cana-­‐
denses por um período, de acordo com o documentário, de 78 dias. Obomsawin conseguiu um ponto de vista que a cobertura jornalística do evento estava impossibilitada de observar. Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 75 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura Devido a sua origem Abenaki, ela cinematografou no espaço interior do cerco, lugar inaces-­‐
sível e invisível para a imprensa que cobria o acontecimento em proximidade com as forças armadas. Alanis Obomsawin produziu mais três documentários a respeito desse evento conflitu-­‐
oso na província do Québec. Ainda que não tenham atingindo a projeção de Kanehsatake: 270 Years of Resistance, os documentários My Name is Kahentiiosta (1995), Spudwrench: Kahnawake Man (1997) e Rocks at Whiskey Trench (2000), integram a “Oka Series” e são documentos consubstanciais da memória dos embates entre os indígenas e o Estado cana-­‐
dense. Além do mais, devido à singularidade de suas construções audiovisuais, reafirmam a complexidade estética do cinema de Obomsawin. Com 80 anos de idade, a lista de produções de Obomsawin continua a crescer, pois ela permanece ativa como documentarista na sede da ONF/NFB em Montreal. A première de seu último documentário, The People of the Kattawapiskak River (2012), ocorreu na noite de abertura do ImagineNative Festival – um dos principais festivais mundiais de cinema e artes Nativas. Essa realização tematizou os problemas de habitação e alimentação do povo indíge-­‐
na Attiwapiskat e discutiu as insuficiências das políticas estatais em relação aos povos nati-­‐
vos canadenses. Os acontecimentos em Kattawapiskak ilustram uma das origens do movi-­‐
mento, que se iniciou aos finais de 2012, denominado como Idle No More. Essa manifesta-­‐
ção coletiva busca reverter as últimas medidas legais do Estado, as quais, de acordo com o movimento, minam a soberania dos povos nativos canadenses. Ainda que uma de suas últi-­‐
mas produções, Professor Norman Cornett (2009), tenha objetivado as mazelas do sistema educacional anglo-­‐saxão, narrando acerca dos percalços profissionais de um professor que-­‐
bequense com nenhuma ligação ancestral com os indígenas, as realizações de Obomsawin são explicitamente conectadas aos problemas enfrentados pelos indígenas do Canadá. Ques-­‐
tões que permanecem insolúveis na constituição social canadense e definitivamente pressi-­‐
onam a formação fílmica desse país. Considerações Finais Existe uma ampla dúvida acerca da praticabilidade do conceito de cinema nacional pa-­‐
ra a situação canadense. Desde os primórdios do desenvolvimento acadêmico dos estudos Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 76 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura fílmicos, na década de 1970, essa desconfiança é presente e constante. George Melnyk, atento à paisagem intelectual que problematiza as dimensões da identidade e da nação, identificou na intersecção entre cinema e sociedade algumas das mitologias partilhadas na cultura canadense (MELNYK, 2004, p. 243). Essa operação teórica e metodológica não im-­‐
possibilitou a construção de um longo estudo panorâmico acerca da cinematografia do Ca-­‐
nadá. Melnyk elegeu os problemas da tentativa de independência quebequense, a presença de não-­‐europeus, as ações afirmativas dos povos nativos, a causa feminista, como asserções para o processo de leitura fílmica. Esses eixos metodológicos inspiraram o processo de estru-­‐
turação de nosso trabalho. Sabemos que qualquer esforço de seleção é excludente e reconhecemos que anteri-­‐
ormente a 1939 já existia uma vasta cinematografia canadense, como bem mostra Peter Morris, em seu livro Embattled Shadows (1992). Além do mais, durante a trajetória centená-­‐
ria de seu cinema, o Canadá também produziu narrativas ficcionais amplamente reconheci-­‐
das por cinéfilos e estudiosos das culturas fílmicas. Mas o Canadá é reconhecido por sua proeminência em projetar cinema documentário. Com grande probabilidade, essas diversas estéticas têm ressonância nos mais variados con-­‐
textos de produção e a compreensão dessa heterogeneidade é frutífera para o entendimen-­‐
to das conexões entre realidades distintas. A partir do exame das tensões que envolvem esse universo de produção canadense é possível, por meio do cruzamento de problemáticas comuns, iluminar novos questionamentos para a produção cinematográfica brasileira. Revista Discente do Programa de Pós-­‐Graduação em História Social Cultura (PUC-­‐Rio) 77 ANIMA Ano III – nº4 – 2013 história, teoria & cultura Filmografia ABOUT Town. Direção: Marnie Parrell. Cana-­‐
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