- Jornal Beira do Rio

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- Jornal Beira do Rio
issn 1982-5994
12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010
Entrevista
“O excesso de decoração
está tomando o espaço
do conteúdo”
os professores. Então, alguns livros,
como História Integrada, possuem
uma ótica que considero adequada,
mas impossível de ser realizada.
de ótima qualidade. O historiador
Stuart Schwartz, especialista em
Brasil, autor de 15 excelentes livros,
entre os quais, o recente Cada um
na sua Lei, possui um livro didático
Beira do Rio – Qual o problema
de altíssima qualidade nos Estados
que o senhor aponta em relação à
Unidos, utilizado e vendido em
História Temática?
muitas universidades americanas.
J.J.A.A.– A História Temática se
No Brasil, há um ranço negativo
aproxima mais da especificidade
contra o “livro didático” nas univerdo professor. É a ideia de que se
sidades. Ora, os livros didáticos não
deve partir do mundo mais próximo
são ruins; são instrumentos impora você, daquelas relações cotidiatantes. Mas, dependem de como são
nas, provavelmente, mais fáceis
produzidos e utilizados. Essa visão
de serem entendidas pelos alunos,
que há contra o livro didático está
até atingir as questões mais gerais.
relacionada, também, ao fato de o
Ora, na verdade, qualquer método
professor universitário se julgar um
serve. Você pode sair do singular e
pouco superior a tudo aquilo que se
atingir o plural ou sair do plural e
faz no ensino secundário. Eu conheatingir o singular. O problema é se
ço muitos professores universitários
você faz essa viagem ou não. Essa
que começaram dando aula em faculé a questão. Porque, às vezes, você
dades sem ter nenhuma experiência
começa com um universo que é próde sala de aula no ensino secundário,
ximo, mas não consegue ultrapassar
numa escola de periferia. Então, são
esse limite. Vou dar um exemplo:
pessoas que acabam se considerando
se preciso privilegiar a História
um pouco superiores. Por outro lado,
do Pará, faço uma
hoje, há uma pletora de
série de pesquisas e
livros didáticos sendo
descubro que há uma
editados todos os anos.
História do Pará que
Então, vem a pergunta:
não é a mesma Históo que esse material
ria do Brasil. No Petodo tem de novidaríodo Colonial, eram
de? Na verdade, é um
dois mundos praticamaterial engessado.
mente à parte, apesar
Vou citar um exemplo
de terem a mesma
desse engessamento:
metrópole conjugandentro do tema migrado os dois univerção portuguesa para
sos. Em determinado
o Brasil, há, no Pará,
“Os exames
momento, em busca
numerosas coisas que
de uma identidade
absolutamente nosão obrigados a são
paraense na História,
vas em termos de miposso correr o risco
trabalhar numa gração. Quando essas
de deixar de buscar as
coisas novas vão pasmediana do
conexões do Pará com
sar para os livros diaquele outro Estado
conhecimento” dáticos? Eu respondo:
brasileiro. Então, vou
vai demorar. No livro
deixar de ter um codidático, entram coisas
nhecimento histórico
que são generalizadas
mais aprofundado, porque, afinal de
por todos os outros livros didáticos,
contas, o Pará não estava isolado do
porque são aquelas cobradas nos
resto do Brasil e, muito menos, do
exames vestibulares, no Enem ou
mundo. Esse é o risco da História
em qualquer outro tipo de seleção.
Temática.
Todos esses exames são obrigados
a trabalhar numa mediana do coBeira do Rio – Por que o livro
nhecimento, nunca na ponta. Então,
didático é tão criticado pelos protrabalhando com conhecimento
fessores universitários no Brasil?
consolidado, numa perspectiva de
J.J.A.A.– Eu conheço alguns livroscontinuidade, serão sempre avessos
-texto que são “livros didáticos”
à inovação da História.
Eliseu Dias/ Ag. Pará
Pág. 10
Futsal
Projeto usa
esporte para
inclusão social
Times formados por crianças e adolescentes atendidos na Escola de Aplicação ganham medalhas em torneios
nacionais. Pág. 5
Portel foi um dos municípios paraenses atingidos pelo surto de raiva entre os anos de 2004 e 2005
Excelência
Engenharia
Naval forma
primeira turma
Mercado de trabalho oferece ampla
possibilidade de atuação e salários
diferenciados aos recém-formados.
Pág. 11
Nutrição
Pesquisa
Grupos fortalecem
investigação científica
Pág. 4
Pará responde
à Chamada
Nutricional
Faculdade de Nutrição da UFPA é
parceira em pesquisa que avaliou
duas mil crianças em 15 municípios
paraenses. Pág. 9
Cartografia
Mapas trazem
diversidade da
floresta
Pág. 3
Grupos de pesquisa envolvem professores, alunos e técnicos da UFPA
Coluna do Reitor
Recursos ampliam estrutura
Carlos Maneschy
dá boas-vindas aos
calouros 2010.
Pág. 2
Opinião
Professor Hilton P. Silva
fala sobre as perspectivas
da Formação Médica na
UFPA. Pág. 2
Entrevista
José Jobson de Andrade
Arruda faz crítica aos
livros didáticos de
História. Pág. 12
Alexandre Moraes
chamado História Integrada. Do
ponto de vista da informação, penso
que se trata da forma mais eficiente,
porque concilia a sequência cronológica sem separar os conteúdos. Na
História Integrada, em vez da forma
clássica, as Histórias da Europa e do
Brasil surgem juntas. Foi assim que
procedemos naquele livro. Quando
se falou da Pré-História, introduzimos a Brasileira e a Americana. Com
a expansão europeia, abordamos
as Sociedades Pré-Colombianas.
Quando tratamos da Revolução
Industrial, inserimos questões da
indústria em todo o mundo, inclusive no Brasil. Mas essa História Integrada encontrou um obstáculo: os
professores não tinham treinamento
para trabalhar Grécia, Mesopotâmia,
Beira do Rio – A partir da sua
Império Romano e Idade Média com
experiência, comente as metodoa mesma desenvoltura com que tralogias utilizadas pelos autores,
balhavam a História do Brasil. Os
levando em conta a questão da
professores são treinados dentro de
informação.
uma segmentação: os de História
J.J.A.A.– Logo após o governo
Geral e os de História do Brasil.
militar, uma corrente vigente, duDentro desta última, há uma segunrante certo tempo, foi a História
da segmentação: Brasil Colonial e
Temática. Acontece que a opção
Brasil Independente. Pessoalmente,
por eixos temáticos apresenta todos
não tive dificuldade em sala de aula
os defeitos das demais
com a abordagem insegmentações feitas
tegrada, porque fui
no estudo da História.
professor de cursinho
O grande problema
durante trinta anos. O
é que você tem que
professor de cursinho
escolher um ângulo
não pode escolher.
de ataque, tem que
Começa dando Históescolher uma opção.
ria da Grécia e acaba
Como vou escrever tal
na Segunda Guerra
história? Vou fazê-la
Mundial ou começa
segmentada? Vou copelo Brasil Colônia e
meçar pela História da
termina na República.
Europa e depois partir
Acabei conquistando
“Os livros
para a História do Braum domínio geral das
sil? - a forma clássitemáticas, o qual me
não são ruins.
ca. Ou vou fazer uma
tornou capaz não só
Depende de
História Integrada?
de fazer o livro, como
- opção que tivemos
também de ministrar
como são
num certo momento.
os diferentes conteúSou autor de um livro,
dos. Mas esta não é a
utilizados”
já não mais editado,
experiência de todos
José Jobson Arruda é autor de dezenas de livros didáticos
Mácio Ferreira
Beira do Rio – A supervalorização
de elementos gráficos nos livros didáticos atuais pode comprometer
a qualidade dos conteúdos?
José Jobson Andrade Arruda – Os
livros atuais apresentam pouco texto
e muitas imagens. Valoriza-se muito
a decoração. Não seria um problema
desde que os excessos imagéticos
não prejudicassem o conteúdo, mas
o trabalhasse no sentido de facilitar a
compreensão dos alunos. Atualmente, os autores escrevem textos e, ao
mesmo tempo, precisam reforçar a
aprendizagem. Então, lançam mão
de diferentes estratégias. O problema surge quando a decoração se
torna excessiva e começa a tomar o
espaço do conteúdo.
D
urante os anos de 2004
e 2005, alguns municípios paraenses, como
Portel, Viseu e Augusto Corrêa,
sofreram com um surto de raiva
provocado por ataques de morcegos hematófagos. Na ocasião,
milhares de pessoas receberam
a vacina antirrábica. Atualmente, a Faculdade de Medicina da
UFPA está coordenando pesquisa, cujo objetivo é monitorar,
durante cinco anos, o nível de
proteção das pessoas vacinadas.
Após análise dos dados, o projeto deve propor formas e períodos de revacinação adequados,
já que a superdosagem aumenta
os riscos de efeitos colaterais.
Alexandre Moraes
Walter Pinto
Professor aposentado da USP e titular do Instituto de Economia da Unicamp, Jobson Arruda é autor de História Moderna e Contemporânea, livro que
atingiu a incrível marca de 15 milhões de leitores. Publicado durante o Regime
Militar, o livro foi na contramão das interpretações impostas pelo regime policialesco instaurado, optando pelo materialismo histórico. Em entrevista ao
Jornal Beira do Rio, o historiador critica os excessos imagéticos das produções
gráficas; aponta a metodologia de transmissão de conhecimento que julga mais
eficiente; comenta a relação nada pacífica entre professores universitários e
livros didáticos e diz por que as editoras demoram a incorporar novos conhecimentos às obras para o ensino secundário.
Estudo avalia vacina antirrábica
Fotos Alexandre Moraes
José Jobson de Andrade Arruda critica
os excessos gráficos das obras para o
ensino secundário
JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO XXIV • N. 81 • Março, 2010
Carlos Maneschy
E
Wagner Meier
[email protected]
Aos novos alunos da UFPA
critérios de eficiência, conforme expectativa da sociedade e de acordo com o que
o dever institucional nos impõe.
Sem dúvida, esses novos discentes
compõem uma classe intelectual distinta e
elitizada, considerando-se que menos de
10% dos jovens em idade apropriada encontram-se matriculados em curso superior
na Região Norte. Sabem bem eles que esse
indicador, per si, descortina um cenário
educacional dramático e excludente que,
à falta de maiores oportunidades de ensino, não permitirá que o desenvolvimento
regional se processe num ambiente de real
sustentabilidade.
Ao ingressarem na UFPA, trazem
sonhos e desejos que querem ver concretizados pela via da qualificação profissional
e da formação cívica que a universidade
tem como seu mister. Aqui, esperam encontrar o ambiente que lhes prepare para
acompanhar a evolução célere dos tempos,
para adiantar-se às metamorfoses do contexto social e para aprimorar a capacidade
da reflexão crítica e criativa.
Como parte de uma experiência
institucional que se consolida sob a forma de uma estrutura multicampi, com
dimensão sem par no Brasil, encontrarão
um modelo espraiado por 11 campi e por
outras tantas dezenas de núcleos, estrategicamente distribuídos pelas mesorregiões
do Estado, num formato conceitual que
pensa e conforma a Universidade a partir
das potencialidades e vocações locais de
todo o Estado. Nesse espaço de produção
do saber, depositarão suas expectativas de
encontrar as condições para assegurar-lhes
as ferramentas com as quais enfrentarão
uma realidade econômica bastante dinâmica e cada vez mais competitiva.
Pela porta principal de acesso à
UFPA, representada pelos cursos de graduação, estarão imediatamente expostos
a um modelo de ensino que se reestrutura
para incorporar mudanças significativas,
em que a reflexão sobre o exercício da
cidadania tenha a relevância devida. Ao
longo dos anos da preparação que irão
receber pelos 144 cursos ofertados na Instituição, poderão combinar boa formação
técnica com a capacidade de compreender
e analisar os problemas locais, de modo a
intervir de forma independente e qualitativa em suas soluções.
Desde a entrada, os alunos devem ser estimulados a participar da rede
institucional de formação pós-graduada,
devendo atuar de forma integrada pelos
nossos ambientes de pesquisa que dão
corpo ao mais importante locus de geração e disseminação da ciência em toda
a Amazônia. Desse modo, no convívio
com os docentes pesquisadores, poderão
compreender de que forma os programas
de pós-graduação contribuem para a pro-
OPINIÃO
Hilton P. Silva
dução de conhecimento e vão identificar
como se estabelecem as convergências
entre ensino e pesquisa.
Na linha daquilo que se constitui a
essência da instituição universitária, caracterizada na relação indissociável entre ensino, pesquisa e extensão, é fundamental que
se lhes apresentem práticas pedagógicas e
de aprendizagem que valorizem o papel da
extensão como elemento de interferência
no cotidiano do cidadão comum, tendo
em vista que, na universidade moderna,
se torna cada vez mais relevante a oferta
de serviços sociais desenvolvidos pelas
atividades extensionistas.
Por certo que todos ingressam na
UFPA com o sentimento de que suas vidas
não mais serão as mesmas. Fitam o horizonte com a ousadia típica dos jovens, sem
temer desafios por vir, acreditando que os
ensinamentos acumulados nessa primeira
passagem pela Instituição irão prover-lhes
a força para superar dificuldades próprias
de um mundo cada vez mais desafiador.
Cientes de que as expectativas
projetadas pelos que agora chegam à
Universidade Federal do Pará nos colocam sob peso de grande responsabilidade,
cabe-nos atuar no limite das nossas possibilidades para não apagar a chama da
utopia que vai iluminar a trajetória desses
jovens em busca de um futuro de maior
oportunidade a todos.
[email protected]
Perspectivas sobre a formação médica na UFPA
notória a carência de profissionais da saúde na Amazônia. No
entanto, talvez menos evidente
seja a carência de formação profissional
adequada ao perfil regional nos cursos da
área da saúde. Na medicina, por exemplo,
os cursos continuam a atuar nos moldes
daqueles de outras regiões do Brasil, com
realidades bastante diferentes da nossa. O
projeto político-pedagógico atual, embora
com avanços em relação ao anterior, ainda
está voltado para a formação de médicos
que atuam dentro de um modelo predominantemente hospitalocêntrico, voltado
para a doença e que requer tecnologias
e equipamentos sofisticados para sua
prática.
Este modelo faz com que os
profissionais da saúde, na verdade, sejam
profissionais da doença, pois sua atuação
se limita, na maioria absoluta das vezes,
a tratar os males das pessoas, geralmente,
pouco considerando os fatores socioculturais e ambientais associados à enfermidade. Embora esse não seja um modelo
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA
[email protected] - www.ufpa.br
Tel. (91) 3201-7577
exclusivo da Amazônia, aqui, ele é mais
perverso, pois amarra o profissional aos
grandes centros urbanos.
É necessário que o médico saiba
utilizar o que há de mais moderno em
termos de diagnósticos e tratamento, e que
alguns sejam especializados em determinadas áreas. O que não é bom é que os
cursos formem apenas agentes deste tipo,
desconhecendo a realidade regional e o
preconizado pela Organização Mundial de
Saúde, para quem, a maioria dos agravos
pode ser prevenida; e estes, diagnosticados
e tratados ambulatorialmente a partir de
boas práticas de propedêutica, semiologia
e anamnese.
Os currículos médicos privilegiam
pouco a relação médico-paciente e muito
a relação médico-meio de diagnóstico,
priorizando os exames (complexos, caros
e dependentes geralmente de tecnologia
importada) – que deveriam ser complementares – e falhando em conhecer o ser
humano, de quem a doença é apenas um
dos elementos.
11
Excelência
Coluna do REITOR
m nome da Universidade Federal
do Pará, parabenizamos os mais
de 5000 novos alunos e alunas
que passam a fazer parte desta maior e
mais importante instituição de ensino e
pesquisa da Amazônia e damo-lhes as
boas-vindas. Reconhecendo que este
momento representa a compensação pelo
esforço despendido ao longo de anos
de estudo, recepcionamos a todos com
o sentimento de orgulho e a correspondente carga de responsabilidade que nos
transmitem ao escolher a UFPA como o
agente em quem projetam a expectativa
da formação profissional como meio de
realizar seus desejos de ascensão socioeconômica e cultural.
Numa manifestação também extensiva aos familiares, expressamos a cada
um nossas solicitações de desculpas pelos
transtornos observados no PSS-2010,
anunciando que já se encontram em marcha as correções necessárias para garantir
que os próximos processos seletivos decorram com a pertinência esperada dos
procedimentos adotados em instituições
da grandeza desta Universidade. Se o PSS2010 teve o efeito de revelar fragilidades
do passado, até aqui desconhecidas, é por
intermédio dessa mesma experiência que
iremos fortalecer os instrumentos próprios
para a realização dos nossos certames de
seleção, respondendo aos mais elevados
É
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 –
Areforma do ensino médico é uma
necessidade e a UFPA, em função de uma
demanda do MEC, vem trabalhando para
construir um programa que atenda aos
interesses da população. É o momento
de aproveitar a oportunidade para avançar
na formação de profissionais engajados
com uma prática médica mais humana e
menos técnica.
O novo, ou renovado, programa
deve ter como eixo central o compromisso
com o cidadão e com o SUS, deve exigir
dos docentes e discentes cumprimento integral de suas cargas horárias e programas
de ensino, bem como condições infraestruturais adequadas ao funcionamento das
diversas atividades do curso, dentro e fora
dos muros da Universidade.
Deve ter como característica a
preparação de profissionais para atuar na
complexa realidade amazônica, dispostos
a se fixar nas áreas onde haja maior necessidade - contando com o devido apoio
institucional e com a compensação salarial
adequada - capazes de lidar com igual
eficiência no atendimento especializado
e na clínica geral, no ambulatório e na
estratégia de Saúde da Família, hábeis a
funcionar como líderes e membros em
equipes multidisciplinares, a atuar como
promotores de saúde e a respeitar a enorme diversidade social, cultural e étnica de
nossa região.
Certamente, não será matéria
fácil modificar as arcaicas estruturas institucionais, físicas, intelectuais, pessoais e
profissionais vigentes para construir esse
novo profissional. No entanto, a tarefa é
necessária e urgente se quisermos superar
a atual situação e contribuir para a melhoria da saúde da população de nossa região
e para a construção do tão almejado desenvolvimento - ambiental e socialmente
equilibrado.
Hilton P. Silva é professor do Programa de
Pós-Graduação em Antropologia do IFCH,
pesquisador visitante do Museu Paraense
Emílio Goeldi.
Reitor: Carlos Edilson Maneschy; Vice-Reitor: Horácio Schneider; Pró-Reitor de Administração: Edson Ortiz de Matos; Pró-Reitor
de Planejamento: Erick Nelo Pedreira; Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Marlene Rodrigues Medeiros Freitas; Pró-Reitor de
Extensão: Fernando Arthur de Freitas Neves; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Emmanuel Zagury Tourinho; Pró-Reitor de
Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: João Cauby de Almeida Júnior; Pró-Reitor de Relações Internacionais: Flávio Augusto Sidrim
Nassar; Prefeito do Campus: Alemar Dias Rodrigues Júnior. Assessoria de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO
Coordenação: Ana Carolina Pimenta Edição: Rosyane Rodrigues; Reportagem: Abílio Dantas/ Ana Carolina Pimenta (013.585DRT/MG)/Andrea Mota/Glauce Monteiro(1.869-DRT/PA)/Raphael Freire/Walter Pinto(561-DRT/PA)/ Yuri Rebêlo; Fotografia:
Alexandre Moraes/Mácio Ferreira/Wagner Meier; Secretaria: Carlos Junior/ Felipe Acosta; Beira On Line: Leandro Machado/
Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Karen Correia; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.
Engenharia Naval forma primeira turma
Mercado oferece salário diferenciado e ampla possibilidade de atuação
Raphael Freire
V
ocê sabe por que o Campus
da Universidade Federal do
Pará, em Belém, fica localizado no bairro do Guamá? Durante
a escolha do terreno para construção
do Campus, o então reitor José da
Silveira Neto tinha duas opções:
um terreno alagado, à beira do rio e
outro, no município de Ananindeua,
afastado do centro da cidade. O reitor
decidiu pela primeira localização,
desejando que, um dia, a Universidade tivesse um curso de Engenharia
Naval e a localização próxima à
Baía do Guajará facilitaria o ensino e aprendizado de professores e
alunos.
Essa é uma das histórias do
curso de Engenharia Naval, que,
neste mês, forma a sua primeira turma. A ideia começou quando o engenheiro civil Alberto Amaral, professor aposentado da UFPA, criou uma
especialização na área, na década de
80, ministrada pelo departamento de
Engenharia Mecânica, em parceria
com a Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).
A intenção era formar professores para o ensino da engenharia
naval, foi o que aconteceu com os
professores Roberto Pacha e Hito
Braga de Moraes, atuais diretor e
vice-diretor da Faculdade, respectivamente. À mesma época, um convênio com a UFRJ possibilitou que
Alexandre Moraes
Mácio Ferreira
2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010
Parceria com agência de fomento possibilitou melhoria na infraestrutura do curso
sete estudantes dos cursos de Engenharia Civil e Engenharia Mecânica
da UFPA ingressassem no curso de
Engenharia Naval da universidade
carioca. Cinco deles concluíram a
graduação e regressaram a Belém
para formar parte do quadro docente
do curso que seria criado na UFPA.
Em 2004, Roberto Pacha e
Hito Braga de Moraes, com o então
diretor do Centro Tecnológico, hoje
ITEC, reuniram-se para formular o
projeto e apresentar a proposta de
criação do curso de Engenharia Na-
n Recém-formado pode ter salário de até R$ 3 mil
No vestibular do ano seguinte,
20 calouros se tornavam os primeiros
alunos do curso. No início, as condições estruturais eram limitadas, por
isso as vagas foram divididas em
dois turnos para que o curso pudesse
funcionar. A solução encontrada foi
colocar os alunos junto com os de
Engenharia Mecânica, já que as disciplinas iniciais eram comuns para
as duas habilitações e os laboratórios
eram os mesmos.
Para que a primeira turma
concluísse o curso, muito esforço
foi dedicado. “Inicialmente, o curso
funcionava no Departamento de
Engenharia de Transportes do curso
de Engenharia Civil, porém, com a
criação das faculdades, o curso ficou
independente com a sua própria Faculdade de Engenharia Naval”, conta
Hito Braga.
Mas, afinal, em que trabalha
um engenheiro naval? Engana-se
quem pensa que profissionais dessa
área somente projetam embarcações. A atuação desses engenheiros
vai muito além: na construção e
manutenção de embarcações e seus
equipamentos, na análise e designação da quantidade de carga ou
de passageiros a ser transportada,
na supervisão dos técnicos e operários, na verificação da qualidade
da matéria-prima e dos métodos de
trabalho, em atividades na área portuária e hidroviária.
Um recém formado tem salário médio de R$ 3.000,00 e também
pode trabalhar em escritórios de
projetos e classificadoras - empresas que certificam se as construções
estão ou não de acordo com as normas internacionais - e, também, no
gerenciamento do transporte marítimo e fluvial, controlando o tráfego
de embarcações e os serviços de
comunicação.
n Próximo passo: intercâmbio internacional
O curso de Engenharia Naval
da UFPA é um dos três existentes
no Brasil e sua localização se faz
fundamental, já que, na Amazônia,
existem, aproximadamente, 20 mil
quilômetros de rios navegáveis. E
esse fato é reconhecido por órgãos
de apoio à pesquisa, por universidades nacionais e internacionais que
investem na graduação. Tanto que a
Financiadora de Estudos e Projetos
(Finep) destinou cerca de R$3,5 milhões para o fomento de projetos de
pesquisa e a construção de um prédio
próprio para o curso.
O prédio será o Centro de
Excelência em Estudos Hidroviá-
rios e ficará localizado num terreno
próximo ao Poema, bem perto do
rio, como idealizou José da Silveira Neto, há mais de 50 anos. Esse
Centro funcionará como um Instituto
de Engenharia Naval, onde ficarão
salas de aula, auditórios, laboratórios e espaço para experimentação
e desenvolvimento de projetos. "O
laboratório vai aumentar a infraestrutura do curso, disponibilizando
espaço para a realização de ensaios
estruturais e de estabilidade, e para
todo aquele aparato de que necessita a Engenharia Naval. E que não
temos hoje", esclarece o professor
Hito Braga.
Para o futuro, além da construção do Centro de Excelência e
de ajustes no plano pedagógico do
curso, a Faculdade pretende implantar uma pós-graduação atuando em
parceria com o Mestrado em Engenharia Mecânica. Paralelamente, o
primeiro passo para o intercâmbio
internacional será dado em maio,
com a visita de alguns professores
da Universidade Técnica de Lisboa
e de Southampton, da Inglaterra, que
participarão de um seminário para
conhecer o curso e a UFPA. O objetivo é implantar um programa de apoio
à pesquisa e ao ensino de Engenharia
Naval na Universidade.
val. Muitos consideraram a iniciativa
corajosa e arriscada, porém, a ideia
foi aprovada pelo Conselho do Centro e, posteriormente, encaminhada
para a Pró-Reitoria de Graduação,
que autorizou a implantação do novo
curso na Universidade.
Saiba mais
O curso de Engenharia
Naval possui um grupo de estudos
em Construção Naval e Transporte
Aquaviário na Amazônia, o qual
iniciou os seus trabalhos a partir
da união de pesquisadores
regionais com experiência em
estudos de transporte, na área
de planejamento, projeto e
operação.
A pesquisa motivadora
da constituição do grupo é o
Projeto "Estudo da Formação da
Demanda Rodofluvial na Região
Metropolitana de Belém", realizado
em parceria com a Universidade
da Amazônia (Unama). A pesquisa
conta com financiamento da Finep
e do CNPq e tem previsão de
duração de 36 meses, com etapas
constituindo-se em subprodutos.
Entre eles, está o desenvolvimento
de embarcação regional para
transporte aquaviário urbano.
O grupo pretende constituir
uma linha de pesquisa em
transporte aquaviário urbano em
cidades amazônicas, cujo objetivo
é estabelecer estudos para o
desenvolvimento do sistema de
transporte hidroviário na região
para que esse tipo de transporte
possa exercer o seu papel de indutor
de desenvolvimento de maneira
compatível com a preservação do
meio ambiente.
10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 –
3
Território
Fotos Alexandre Moraes
Morcegos
Além das coordenadas geográficas
Fotos Arquivo Projeto
Cartografia Social revela diversidade sociocultural dos povos da floresta
Morcegos hematófagos consomem de 15 a 20 gramas de sangue por noite. Telas em janelas e telhados podem evitar a entrada do animal
Estudo avalia eficácia de vacina
Após surto de raiva, municípios paraenses estão sendo monitorados
Abílio Dantas
I
magine a cena. Uma casa pequena e simples no interior do Estado
do Pará. Noite de imensa escuridão, apenas a lua traz um cantinho
de luz. De repente, algo que parece
uma ave negra invade a casa por uma
fresta na parede de madeira e morde
a criança que dormia na rede. Todos
se espantam, mas logo volta tudo ao
normal. Não há nada demais, afinal, é
só mais uma mordida de morcego.
Infelizmente, a cena acima
não faz parte de nenhum filme ou
livro. Mas integra, efetivamente, a
realidade dos habitantes de alguns
municípios paraenses, como Augusto
Corrêa, onde o Projeto de Pesquisa
"Persistência de Anticorpos Neutralizantes contra o Vírus Rábico após
Vacinação Pré e Pós-Exposição e
Doses de Reforço em População de
Área Rural Exposta à Agressão por
Morcegos Hematófagos no Brasil"
desenvolve suas atividades.
Apesar do nome extenso e
complexo, o Projeto possui um pro-
n Crianças são mais atingidas
O estudante Alvino Maestri Neto e a professora Rita Medeiros
O jovem Alvino Maestri Neto,
estudante de Medicina da UFPA e
estagiário do Projeto, é autor de um
Trabalho de Iniciação Científica, apresentado no XX Seminário de Iniciação
Científica da UFPA, no qual dados dos
dois primeiros anos da pesquisa são
divulgados. Esses dados revelam que
80% da população vacinada continua
protegida após quatro anos e que as
crianças representam 50% das pessoas vacinadas em Augusto Corrêa. A
pesquisa será desenvolvida por mais
três anos.
Segundo a professora Rita Medeiros, a raiva é uma das mais graves
doenças infecciosas existentes, pois
é considerada 100% fatal. Existem
pouquíssimos casos de sobreviventes
na literatura especializada, incluindo
um caso recente no Brasil. Por isso, as
medidas preventivas contra a enfermidade, também chamadas de profilaxia,
são de extrema importância.
Atualmente, o Programa Nacional de Imunização, do governo federal,
possui verbas anuais para a aplicação
da vacina em todas as regiões do País.
No entanto, existem questões culturais
e socioeconômicas que também explicam a ocorrência da doença transmitida
pelos morcegos hematófagos no Pará.
A professora diz que a população local é agredida por morcegos
hematófagos há décadas, mas o fato de
nem sempre esses animais possuírem
o vírus fez com que essas agressões
se tornassem algo normal, tornando a
procura médica ainda mais rara do que
deveria ser.
Existe, também, a possibilidade de que algumas pessoas da nossa
região adquiram certa resistência à
raiva. De acordo com Alvino Neto,
indivíduos que recebem pequenas
amostras de vírus em acidentes com
animais infectados, podem, ao longo do
tempo, desenvolver níveis aceitáveis de
soroproteção. São casos excepcionais,
mas podem ocorrer. Essa é uma das
possíveis explicações para que, durante
tanto tempo, as mordidas não tenham
sido vistas com preocupação entre as
população.
pósito muito claro: descobrir durante
quanto tempo, após a vacinação,
uma população continua protegida
contra o vírus da raiva, incluindo,
aqui, tanto os que foram agredidos
por morcegos, quanto os que não
foram. Segundo a professora da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará e coordenadora
do Projeto, Rita Catarina Medeiros
Souza, a ideia nasceu após um surto
da doença provocada por morcegos
hematófagos nos anos de 2004 e
2005, em cidades como Portel, Viseu
e Augusto Corrêa. Na ocasião, 36
pessoas faleceram e outras milhares
receberam a vacina.
O Projeto surge, portanto,
para monitorar, durante cinco anos,
o nível de proteção das pessoas
vacinadas. E, após a análise dos
dados coletados, propor formas e
períodos de revacinação adequados,
já que a revacinação constante não
é recomendada por aumentar os riscos de efeitos colaterais. Em 2009,
resultados parciais da pesquisa foram
divulgados.
n Socorro deve ser imediato
Segundo a coordenadora do
Projeto, para evitar a mordida, é
necessário melhorar as condições de
vida da população. "O que pode evitar
a mordida é colocar luz elétrica nas
casas, telas nas janelas e telhados,
não deixar nenhum espaço por onde
o morcego possa entrar", diz a professora Rita Medeiros. Em alguns
municípios mais atingidos pelo surto,
como Augusto Corrêa, essas recomendações foram seguidas e novas
casas, com telas e energia elétrica,
foram construídas.
Outro fator importante para
prevenir a contaminação é a procura
imediata por um posto de saúde após
a mordida. Mas nem sempre isso é
possível. Imagine um pescador que
está no meio do rio garantindo o sustento de sua família e que, no meio
da noite, é mordido por um morcego
hematófago. O que fazer? Voltar
rapidamente para o município mais
próximo ou continuar sua pescaria
até o fim? Infelizmente, muitos são
obrigados (ou preferem) a arriscar
escolhem a segunda opção.
As localidades acompanhadas
pela pesquisa são Cachoeira, Campo
Grande, Nova Olinda, Porto do Campo e Augusto Corrêa. Atualmente,
450 pessoas estão sendo consultadas
e monitoradas. No caso de um novo
surto, os médicos atuarão com mais
segurança por saberem o percentual
da população que está efetivamente
protegido. "A importância desse
Projeto é enorme quando pensamos
no retorno social trazido por ele", ressalta Rita Medeiros. Novas políticas
públicas deverão ser pensadas após o
término da pesquisa.
Outro aspecto importante é o
desenvolvimento científico que ele
proporcionará. Fruto de uma parceria
da UFPA com o Instituto Pasteur, de
Paris, e a Secretaria de Estado e Saúde
Pública do Pará (Sespa), novas práticas laboratoriais serão desenvolvidas
para dosagem de anticorpos e técnicas
serão aperfeiçoadas no campo da pesquisa epidemiológica. Além, é claro,
da formação de novos cientistas que
têm como primeiro objeto de estudo
um problema tão ligado à realidade
do Pará. O estudante Alvino Neto
anuncia: seu Trabalho de Conclusão
de Curso continuará tendo o Projeto
de Pesquisa como tema e alicerce.
Que morcego é esse?
Os morcegos hematófagos,
que consomem em média de 15
a 20 gramas de sangue por
noite, são também conhecidos
como morcegos-vampiros. Eles
se alimentam, exclusivamente,
do sangue de vertebrados e são
encontrados na América do Sul.
É importante lembrar que
os animais que transmitem a raiva
são tão vítimas do vírus quanto
as pessoas mordidas e devem
ser tratados por profissionais
habilitados. A destr uição, a
captura e a perseguição das
espécies brasileiras de morcegos
são proibidas por lei. O mais
apropriado a fazer é evitar sua
entrada nos domicílios e informar
as autoridades responsáveis.
Mapeamento participativo: GPS e depoimentos de membros da comunidade são utilizados para elaborar mapas e croquis
Ana Carolina Pimenta
S
eu Vergino dos Santos não teve
oportunidade de frequentar
a escola, mas a vida ensinou
bastante para esse quilombola que
viveu até os 98 anos na comunidade
de Nova Ipixuna, localizada no município de São Domingos do Capim,
nordeste paraense. Chamado, respeitosamente, de “O Velho” por seus
conterrâneos, era reconhecido como o
depositário da memória daquele lugar,
conhecia seus direitos e denunciava
irregularidades territoriais e ambientais, indo de encontro a empresários
e fazendeiros. “O Velho” foi uma das
centenas de colaboradores do Projeto
"Nova Cartografia Social da Amazônia" (PNCSA).
A partir de técnicas de mapeamento social, o trabalho busca
dar voz e visibilidade às diversas
categorias sociais, como quilombolas,
ribeirinhos, indígenas, carvoeiros,
pescadores artesanais e seringueiros,
potencializando a expressão de suas
territorialidades específicas e sua
consciência cultural.
Criado em 2005 e coordenado nacionalmente pelo antropólogo
Alfredo Wagner Berno de Almeida,
professor da Universidade Federal
do Amazonas (UFAM), o Projeto
Nova Cartografia é desenvolvido
em todo o Brasil e dele participam,
também, professores, estudantes de
graduação e pós-graduação, em sua
maioria, de universidades públicas,
entre elas, a Universidade Federal
do Pará (UFPA). De acordo com o
coordenador, uma das características
do PNCSA é seu caráter interdisciplinar, envolvendo pesquisadores das diversas áreas do conhecimento, como
geógrafos, historiadores, biólogos,
antropólogos e sociólogos.
O Projeto tem como objetivo
n Localidades são nomeadas pela comunidade
Os fascículos são resultado
de oficinas de mapeamento participativo, nas quais as fronteiras entre
os sujeitos e os objetos de pesquisa
se desfazem. Pesquisadores apoiam
o processo em que agentes sociais
embasados, principalmente, em
conhecimentos cartográficos elementares e em seus próprios depoimentos delimitam perímetros e
registram histórias de trabalho, de
festas, de afetividades e de lutas.
As coordenadas geográficas são marcadas pela própria
comunidade por meio de GPS, as
localidades são nomeadas e narradas em detalhes nas legendas.
Alfredo Wagner esclarece que,
pelo mapeamento participativo, a
Cartografia Social e a Cartografia
Convencional são ciências complementares, que não se colidem. “No
mapeamento participativo, há uma
inter-relação entre as ferramentas
tecnológicas e os conhecimentos
tradicionais”, explica. O resultado
é uma autodemarcação suficientemente precisa.
Assim, cada espaço é objeto
de nomeação: todos os igarapés e
todas as grotas – independente do
tamanho ou da condição – recebem
uma identificação, um nome. Legendas, como "área com proibição
dos quilombolas terem acesso
aos recursos hídricos", "parteira",
"cerca para tapar igarapé", "área
de ritos nas águas (rios, igarapés
e praias usadas em cultos)", sinalizam claramente a diferença entre
a Cartografia Convencional e a
Social.
n Fascículos materializam conquistas do Projeto
Ribeirinhos das Ilhas de
Belém; Mulheres quebradeiras
na defesa do Babaçu contra as
Carvoarias; Crianças e Adolescentes Quilombolas e Ribeirinhos
de Abaetetuba; Carvoeiros de
Rondon do Pará; Homossexuais
na cidade de Belém; Quilombolas da Ilha do Marajó. Esses são
alguns dos fascículos que o Projeto já lançou. A professora Rosa
Acevedo Marin, do Núcleo de
Altos Estudos Amazônicos (Naea/
UFPA), destaca que os fascículos
produzidos não são um fim, mas
um meio para que povos tradicionais oprimidos e outros excluídos
sejam reconhecidos e possam
lutar por seus direitos.
A pesquisadora, que está
à frente do PNCSA desde o momento de sua idealização, aponta
várias situações em que o Projeto desdobrou-se em conquistas
sociais. Titulação de terras para
quilombolas, oficialização de línguas indígenas, proibição de pesca esportiva e comercial em rios
ameaçados, embargos de obras
irregulares são algumas delas.
Para Rosa Acevedo, a Cartografia Social difere-se da Cartografia Geográfica por revelar
aspectos que transcendem aos dados técnicos e por revelar aquilo
que os grandes grupos econômicos preferiam que permanecesse
obscuro.
A pesquisadora justifica que
a autodemarcação promovida pelo
mapeamento social expõe situações não reveladas nos discursos
e mapas oficiais fazendo com que
os fascículos sejam instrumentos
de luta e denúncia. Um exemplo
foi o trabalho realizado durante
as oficinas nas ilhas ao sul de
Belém, onde comunitários decidiram debater a contaminação da
Baía do Guajará e os malefícios
causados à saúde de crianças e
adultos que consomem, diariamente, essa água.
"O fascículo é uma espécie
de certidão de nascimento desses
povos, por ser o primeiro documento sobre eles e a expressão do
território e da identidade social
elaborada por eles e para eles”,
diz a geógrafa Maria Betanha
Barbosa, coeditora do fascículo
intitulado Povos do Aproaga - São
Domingos do Capim e autora da
dissertação sobre quilombolas do
Vale do Rio Capim, orientada pela
professora Rosa Acevedo.
mapear mobilizações sociais, descrevendo-as e georreferenciando-as com
base no que é considerado relevante
pelas próprias comunidades estudadas. "Queremos uma Cartografia
Social. Contar como surgiram essas
comunidades, esse povo. Colocar no
mapa localidades, rios, lagos, cemitérios e até mesmo casas que surgiram
após conflitos de terra”, afirma Alfredo Wagner. O desejo de D.Maria
da Conceição Sarmento, quilombola
marajoara, e de outros tantos, está
materializado em mapas, croquis e
nos mais de cem fascículos gerados ao
longo de quatro anos de Projeto.
n Vida e luta dos
quilombolas
Os artigos, livros e dissertações socializam o debate teórico produzido pelo Projeto. A valorização e
a preservação do saber tradicional e
da biodiversidade ou a regularização
fundiária de terras tradicionalmente
ocupadas são objetos das pesquisas
desenvolvidas.
Além desse desdobramento
acadêmico, a Cartografia Social
gera uma mudança de percepção
que resulta em atitudes concretas.
O fascículo Povos do Aproaga - São
Domingos do Capim, por exemplo,
foi entregue por integrantes da Associação Quilombolas Unidos do
Rio Capim à Câmara Municipal e
à Prefeitura de São Domingos do
Capim, com a presença de vários
quilombolas da região. Eles utilizaram os resultados do Projeto Nova
Cartografia Social para reivindicar
ao poder público a demarcação de
suas terras.
Rosa Acevedo explica que são
os próprios movimentos que solicitam o trabalho do PNCSA. Cerca de
1.800 agentes sociais já participaram
das oficinas do Projeto em todo o
Brasil, comprovando que a iniciativa é bem sucedida. A pesquisadora
afirma que os resultados obtidos encorajam outros grupos a lutarem por
seu reconhecimento. Dessa forma, a
Cartografia Social vai se legitimando como um meio encontrado por
comunidades para fortalecer, ainda
mais, as suas lutas.
4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 –
Pesquisa
Nutrição
UFPA mantém 238 grupos envolvendo professores, alunos e técnicos
Mácio Ferreira
n Atualização
cadastral
Atualmente, a UFPA é a maior universidade do Norte em número de grupos de pesquisa
A
UFPA é a maior universidade do
Norte do Brasil em número de
grupos de pesquisa e ocupa a 28ª
colocação nesse ranking nacional. Os
dados são do quinto censo do Diretório
de Grupos de Pesquisa realizado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), com
base em informações referentes ao ano
de 2008. Participaram do levantamento
422 instituições, registrando 22.797
grupos de pesquisa compostos por mais
de 104 mil pesquisadores, sendo 66.785
deles doutores.
Os dados revelam que a UFPA
possuía 228 Grupos de Pesquisa cadastrados no CNPq em 2008, o que
corresponde a 60,15% do total de grupos
do Estado do Pará e 21,30% do total de
grupos registrados em toda a Região
Norte. A Universidade conta, ainda,
com 1.219 pesquisadores, o equivalente
a 52,53% do total de profissionais que
trabalham com pesquisa em solo paraense e 19,92%, das pessoas que fazem
pesquisa no norte do País, sendo que
59,1% deles são doutores.
A Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação da UFPA (Propesp)
disponibiliza mensalmente, em seu site,
a relação de grupos e pesquisadores que
atuam na Universidade. Além dos 228
certificados em 2008, a UFPA criou 10
novos grupos em 2009, 49 estão em
fase de criação e outros 55 precisam
atualizar suas informações para fazerem parte do cadastro. Atualmente,
1.355 pesquisadores, 1.671 estudantes
de graduação e pós-graduação e 151
técnico-administrativos da UFPA estão
engajados em grupos de investigação
científica na Instituição, em uma das
suas 883 linhas de pesquisa.
"Os grupos de pesquisa representam a expansão da investigação
científica e o amadurecimento da ro-
tina acadêmica de uma universidade.
Nossa prioridade, agora, é apoiar esses
grupos para que eles se consolidem,
conquistem cada vez mais inserção e
representatividade em suas áreas de atuação e sejam autônomos na captação de
recursos com as agências e fomento à
pesquisa", revela Emmanuel Tourinho,
pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
da UFPA.
Para o pró-reitor, a diversificação
de Grupos de Pesquisa tem estreita relação com o fortalecimento da pós-graduação na Universidade e com a ampliação
do número de doutores que atuam na
Instituição. "Quanto maior o número de
doutores e de pós-doutores, quanto mais
servidores e alunos temos envolvidos
com a pós-graduação, maior o número
de pessoas que estão se dedicando a
investigação científica na Universidade. Os grupos de pesquisa passam a se
multiplicar e a diversificar, como elos
que unem estes pesquisadores”.
n Diretório de Grupo de Pesquisa é vitrine
Para criar um grupo de pesquisa, o primeiro passo é entrar em contato com a Coordenadoria de Informática da Propesp, órgão responsável por
cadastrar o líder do grupo no CNPq.
O líder, então, receberá instruções
de como ter acesso ao Diretório de
Grupos de Pesquisa com sua senha
do Currículo Lattes.
Cabe aos líderes cadastrar no
Diretório os demais integrantes do
grupo, bem como informar o perfil, o
objetivo e as linhas de atuação em que
pretendem atuar. Assim que todos os
dados forem preenchidos, automaticamente a Propesp dará a certificação
pela UFPA da existência do grupo,
atestando sua filiação à Universidade.
O perfil, então, ficará disponível no
Diretório.
"O Diretório dos Grupos de
Pesquisa é uma vitrine do que está
sendo pesquisado na Universidade.
É, hoje, a principal ferramenta de
divulgação sobre as investigações
científicas dos grupos de pesquisa.
A Pró-Reitoria de Pesquisa e PósGraduação define o mestrado como
titulação mínima para a função de
líder de grupo. Cada grupo pode ter
como integrantes docentes, técnico-administrativos e estudantes de
graduação ou de pós-graduação. Se
um grupo está ativo, realiza pesquisa, tem publicações, orientações e
projetos de extensão, mas não fizer
parte desse cadastro, é como se estivesse invisível para o CNPq e para
a UFPA”, explica Márcia Duailibe
Forte, coordenadora de Informática
da Pró-Reitoria de Pesquisa e PósGraduação da UFPA.
"Quanto maior é o número de
grupos de pesquisa registrados, melhor
é a avaliação da Universidade pelo
CNPq. Por outro lado, pertencer a um
grupo de pesquisa também traz benefícios para os pesquisadores", avalia Antonio Carlos Rosário Vallinoto, diretor
de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa
e Pós-Graduação da UFPA. Ele revela
que muitos editais de agências de fomento à investigação científica já possuem, como condição para a proposição
de projetos, o pertencimento a grupos
de pesquisa certificados e a atualização
do currículo na Plataforma Lattes.
Os programas institucionais de
apoio à pesquisa e à pós-graduação
da UFPA também levam em conta o
pertencimento a grupos de pesquisa.
É o caso do Programa de Auxílio ao
Recém-Doutor (Pard) e do Programa
Integrado de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), da UFPA.
Manter os cadastros de grupos
atualizados também é importante.
"Quando um grupo passa mais de um
ano sem acrescentar novas informações
no Diretório, automaticamente, ele passa para a condição de 'não-atualizado'.
O que quer dizer que nem a UFPA, nem
o CNPq podem assegurar que aquele
grupo está em atividade e que aqueles
pesquisadores estão de fato produzindo
conhecimento naquela área, ou seja, o
grupo e seus integrantes perderam a
certificação do trabalho que vem sendo
realizado”, resume Marcia Duailibe
Forte.
De acordo com Antonio Carlos
Vallinoto, o número de grupos validados no banco de dados é um reflexo do
crescimento da pesquisa e da produção
de conhecimento na UFPA. “Chegar
à liderança regional e à 28ª colocação
nacional, com 228 grupos, atesta o
crescimento da pesquisa na UFPA e o
seu papel fundamental para a Amazônia
e para o Brasil”, avalia.
Pará responde à Chamada Nutricional
Mais de duas mil crianças menores de cinco anos foram avaliadas
Andréa Mota
A
cada pequeno par de pés que
sobe em uma balança, inúmeros indicadores sociais surgem revelando a realidade do País.
Renda, saneamento básico, acesso
à saúde, alimentação adequada e
até nível de escolaridade aparecem
quando se avalia o estado nutricional
das crianças de uma região. Pensando nisso, a Coordenação-Geral da
Política de Alimentação e Nutrição
do Ministério da Saúde, as secretarias de Estado e as universidades
distribuídas pelo Brasil criaram o
Inquérito Nutricional de crianças
brasileiras menores de cinco anos.
Também conhecida como
Chamada Nutricional, a iniciativa
conjunta propunha verificar a situação nutricional em amostras representativas da população infantil brasileira. O objetivo era alimentar as
informações do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan)
e subsidiar ações de saúde pública
à população das regiões analisadas.
Em 2007, a Chamada Nutricional
aconteceu na Região Norte, durante
as duas fases da Campanha Nacional
de Vacinação, ocorridas em junho
e agosto. Em 2009, os resultados
foram apresentados.
No Pará, mais de duas mil
crianças menores de cinco anos,
distribuídas em 15 municípios, foram avaliadas. Municípios de toda
a Região Norte foram convidados
a participar do inquérito, sendo
Acre, Amazonas, Amapá e Pará na
Mácio Ferreira
Grupos fortalecem investigação científica
Glauce Monteiro
9
Peso e altura: em mais de 25% das crianças, foram detectadas carências alimentares
primeira fase e Rondônia, Roraima
e Tocantins na segunda. Entretanto,
para a análise dos dados, foram
utilizadas as informações de uma
amostra de localidades escolhidas
por sorteio aleatório. Os municípios
paraenses foram Anajás, Curralinho,
Juruti, Novo Repartimento, Nova
Ipixuna, Bragança, Água Azul do
Norte, Baião, São Miguel do Guamá,
Rondon do Pará, São Félix do Xingu, Marituba, Castanhal, Santarém
e Belém.
De acordo com o relatório intitulado “Determinantes para Políticas
Públicas de Saúde e Nutrição para
a População Paraense”, elaborado
pelos organizadores da pesquisa
– Secretaria de Saúde Pública do
Estado do Pará, Centro Colaborador de Alimentação e Nutrição da
Região Norte (Cecan) e Faculdade
de Nutrição da Universidade Federal do Pará – são pouquíssimos
os inquéritos probabilísticos sobre
o estado nutricional da população
infantil do Estado.
n Baixo peso ao nascer é indicador global de saúde
n Engenharias: 34 grupos;
Altura e peso na balança,
questionário na mão. Enquanto os
pequenos passaram pela avaliação
antropométrica, seus responsáveis
preencheram um questionário com
informações sobre saúde, medidas,
hábitos alimentares das crianças,
situação socioeconômica da família e participação em programas
sociais.
Segundo as características
sociodemográficas, as crianças
investigadas apresentaram como
principal responsável o pai, seguido da mãe e de avós. A maioria
desses responsáveis tem entre 20
e 39 anos e mais de 60% apresentam entre cinco e 11 anos de
estudo. Outro aspecto verificado
n Ciências Exatas e da Terra: 29
grupos;
n Inquérito identifica abandono precoce do aleitamento
n Ciências da Saúde: 28 grupos;
O Inquérito Nutricional identificou o abandono precoce do aleitamento materno, sugerido como
exclusivo nos primeiros seis meses
de vida. Mais de 50% das famílias
fazem uso de mel, papas salgadas e
sucos antes dos seis meses. Para os
pesquisadores, a introdução desse
tipo de alimento é um dos responsáveis pelo abandono do aleitamento
materno exclusivo. Além disso, “o
Serviço: Mais informações sobre os
Grupos de Pesquisa da UFPA: www.
propesp.ufpa.br
Grupos de Pesquisa
n Ciências Humanas: 78 grupos;
n Linguística, Letras e Artes: 23
grupos;
n Ciências Biológicas: 22 grupos
registrados;
n Ciências Sociais Aplicadas: 16
grupos
n Ciências Agrárias: 8 grupos.
foi o acesso aos programas sociais, entre eles: Programa Bolsa
Família, Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (Peti) e Benefício de Prestação Continuada
(BPC). Nos resultados obtidos,
ficou demonstrado que a maioria
das famílias não está vinculada a
programas sociais. Apenas o Bolsa Família esteve presente entre
as 67% das famílias indagadas.
Entretanto, mais de 10% da população pobre da região não recebe
a complementação de renda dada
pelo Programa.
Durante a pesquisa, as famílias foram consultadas sobre a
utilização da Caderneta de Saúde
da Criança, ferramenta criada
mel é contraindicado no primeiro ano
de vida pelo risco de contaminação
com Clostridium botulinum, bactéria
encontrada em águas e alimentos, a
qual pode causar toxi-infecção alimentar”, ressalta o relatório.
Entre as famílias pesquisadas,
mais de 50% oferecem alimentos
ricos em açúcar, como biscoitos
recheados, para crianças maiores
de dois anos. Segundo os pesqui-
pelo Ministério da Saúde para
acompanhar o desenvolvimento
de crianças menores de dez anos.
Mais de 67% das famílias preencheram a Caderneta, no mínimo,
duas vezes num período de seis
meses. Outro dado importante diz
respeito ao preenchimento da Caderneta no momento do nascimento
da criança. No relatório, notou-se
a importância deste indicador para
se averiguar a realidade da saúde
na localidade. “Esse tipo de informação torna-se extremamente
necessário, uma vez que o baixo
peso, ao nascer, é considerado o
principal problema de saúde pública e um indicador global de saúde
que traduz a eficácia do sistema
sadores, a utilização desse tipo de
alimento pode contribuir para doenças crônicas e outros problemas
de saúde.
Diante dos resultados, o relatório reforça a importância de
investimentos em políticas públicas
voltadas para crianças menores de
cinco anos de idade. Entre as recomendações estão: a melhoria da
educação da população, a correção
de saúde local”, ressaltam os organizadores.
Quanto à alimentação, constatou-se a presença de déficits
nutricionais quando averiguados
dados como peso e altura. Em mais
de 25% das crianças, foram detectadas carências alimentares, valor
elevado se comparado aos resultados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, em 1996 e 2006,
para a Região Norte do Brasil. No
que se refere ao perfil alimentar,
em mais de 40% da amostra, o
aleitamento materno aparece como
alimentação exclusiva até os cinco
meses de vida. O índice cai para
16,8% entre crianças de seis meses
a dois anos de idade.
de hábitos alimentares e o incentivo
ao aleitamento materno.
Os pesquisadores também
chamam atenção para a reestruturação dos cuidados ofertados na
atenção básica e para a avaliação dos
programas já existentes. De acordo
com o relatório, a intenção é que o
estudo sirva para conscientizar os
governantes das carências da população.
8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 –
Extensão
Mandioca
Pesquisa ajuda a diversificar produção
Escola de Aplicação tem time campeão
Projeto utiliza futsal para promover a inclusão social
Aniversário
Para comemorar o seu primeiro aniversário, a Rádio Web UFPA lançou
um banco de programas on line. Os
ouvintes poderão acessar mais de 150
arquivos com programas já veiculados. O sistema, desenvolvido pelo
Centro de Tecnologia da Informação
e Comunicação da UFPA (CTIC), faz
pesquisa por palavra-chave, nome
de programas e datas de exibição e
reprises. Para conferir, acesse www.
radio.ufpa.br e clique no link “Ouça
de novo”.
Excelência
Participantes aprendem princípios técnicos, táticos e físicos necessários para o bom desempenho no esporte
Yuri Rebêlo
Apoio tecnológico deverá expandir a produção e a comercialização de derivados da mandioca
para diversificação da produção de
alimentos derivados da mandioca na
comunidade de Patauteua”. Segundo
a coordenadora do Projeto, a professora da Faculdade de Engenharia
de Alimentos, da UFPA, Alessandra
Santos Lopes, a produção da mandioca no Estado constitui parte significativa da renda de pequenos e médios
produtores rurais, no entanto, o valor
dessa produção pode ser elevado,
gerando a profissionalização das atividades no campo. “Nós acreditamos
que é importante levar a informação
técnica necessária às melhorias no
processo tecnológico envolvido na
produção de derivados da mandioca.
Isso pode proporcionar aumento de
renda para esses produtores, devido
à expansão da produção e à comercialização de seus produtos. Dentro
deste panorama, o desenvolvimento
n Patauteua é a primeira a ser beneficiada
Além da praça central e da
igreja, existe outro elemento típico
das cidades do interior do Pará: a casa
de farinha. A presença de uma casa
de farinha nos municípios é a prova
da importância cultural da mandioca
no Estado.
A Associação dos Produtores
Rurais da Comunidade de Patauateua
(APRCP), beneficiada pelo Projeto de
pesquisa, já trabalhava na perspectiva
de melhorar as condições de sua produção. Segundo Alessandra Santos
Lopes, independente do Projeto, a
comunidade vinha tomando cuidados
importantes, como a construção de
uma casa de alvenaria e o envolvimento das esposas dos produtores
rurais na formulação e na comercialização de diversos alimentos derivados da mandioca.
Mesmo tendo como ponto de
partida os saberes técnicos e acadêmicos, o conhecimento da própria
comunidade sobre a mandioca, passado de geração em geração, não será
subestimado pelas ações do Projeto.
“É claro que nós iremos, também,
aprender, não é uma via de mão única,
afinal, a experiência deles remonta
todo o passado dos povos indígenas
na Amazônia. Nós queremos que esse
Projeto possa se estender para várias
EM DIA
Acervo Pesquisador
E
is a lenda: tudo começou com
a gravidez de uma jovem índia
da nação tuxaua. Em circunstâncias normais, tal acontecimento
seria motivo para danças, rituais e
cânticos tradicionais. No entanto,
a moça ainda era virgem. O pai,
sentindo-se humilhado, pensou em
matar a filha, a fim de puni-la pela
desonra e traição. Mas mudou de
ideia após sonhar que a menina realmente ainda era virgem ao engravidar. Passaram-se os meses, a criança
nasceu e chamou-se Mani. Era linda
e branca, diferente de todos na tribo.
E com apenas um ano, faleceu. O
mistério presente em seu nascimento
também encobriu sua morte, pois, no
local onde seu corpo foi enterrado,
nasceu uma planta branca por dentro
e saborosa, a qual foi denominada
mandioca, que significa “o corpo
de Mani”.
Produto agrícola de extrema
importância econômica, social e cultural do povo amazônida, a mandioca
é conhecida por seus derivados,
como as farinhas seca, d’água, de
tapioca, o tucupi e a maniçoba. Porém, o que ainda é pouco divulgado
e conhecido é o potencial econômico
e social que a produção da mandioca
possui. Potencial este que só será
usufruído pela população da Amazônia quando for, de fato, encarado
como uma prioridade.
Com o objetivo de enfrentar
a realidade e auxiliar em sua transformação, foi elaborado o Projeto
de Pesquisa “Apoio tecnológico
Fotos Alexandre Moraes
Comunidade recebe apoio da Faculdade de Engenharia de Alimentos
Abílio Dantas
5
outras comunidades do Estado do
Pará”, reforça a professora.
O Projeto pretende auxiliar
a comunidade em alguns aspectos,
como o conhecimento da qualidade
técnica do alimento que é produzido,
o desenvolvimento de novos produtos
e a adequação da mandioca às normas
de segurança alimentar. Esse repasse de informação tecnológica tem
como principal objetivo o domínio
da comunidade sobre a sua própria
produção que, aliada à diversificação,
poderá trazer um maior desenvolvimento econômico.
Cuidados simples no trato da
mandioca, desde a orientação para um
espaço mais adequado de armazenamento da produção, o qual evite contaminações, até o desenvolvimento de
novas embalagens capazes de agregar
valor ao produto e trazer mais renda,
são ações importantes. Equipamentos
técnicos também poderão ser produzidos, a exemplo de máquinas, como a
balança hidrostática, necessária para
analisar a produtividade da mandioca,
ou um descascador que gaste menos
energia.
Neste setor, o Projeto contará
com o auxílio de outros profissionais
da área de engenharia que também
fazem parte do trabalho, como os
Alessandra Santos: intercâmbio
professores Rosinelson da Silva Pena,
Antônio Manuel da Cruz Rodrigues e
Roberto de Freitas Neves.
Também serão repassadas
outras práticas importantes, como
aquelas voltadas ao aproveitamento
de resíduos e à reutilização de alimentos. “Hoje, ninguém pode pensar
em uma indústria se não entender e
realizar essa ação de cuidar de todos
os resíduos gerados”, afirma a professora.
social está diretamente atrelado”,
explica a professora.
De acordo com a pesquisadora, apesar de produzir 4,3 milhões
de toneladas de mandioca por ano, a
maior produção do Brasil, o Estado
do Pará não gera o desenvolvimento
econômico necessário para promover
melhorias sociais. Por isso, o Projeto
escolheu trabalhar com uma pequena
associação de produtores rurais.
n Indústria tem
grande interesse
As pesquisas que auxiliarão
a comunidade de Patauteua a diversificar a sua produção já estão em
andamento. É o caso da Dissertação
de Mestrado em Engenharia de
Alimentos, de Hugo de Souza, que
estuda a mandiocaba. Esta variedade da mandioca é cultivada pelos
povos indígenas para produzir a
manicuera, tipo de bebida fermentada, ainda pouco conhecida no
Pará. A principal particularidade da
manicuera é a presença de açúcar
que pode dar origem a xaropes açucarados semelhantes ao mel Karo.
A fécula, amido das raízes,
também é importante em diversos
setores produtivos, como nas indústrias petroquímica e de embalagens, e está presente em produtos
como a maionese light, devido a
sua capacidade de substituição de
gorduras. A produção de macarrão
e a substituição em produtos de
panificação também são possíveis com a utilização da fécula de
mandioca. Esses são mais alguns
exemplos de como a planta, nascida do corpo de Mani, ainda pode
trazer benefícios para a população
da Amazônia.
N
a antiguidade, os gregos
prezavam a beleza e o culto ao corpo de uma forma
diferente de tudo o que já foi visto.
Não é à toa que muitas de suas estátuas e pinturas são formas nuas.
Essa valorização da forma levou-os,
cada vez mais, à prática de esportes
em busca da forma física perfeita,
da melhor habilidade e destreza.
Daí, surgiram os jogos olímpicos.
Hoje, o esporte tem sido utilizado
com uma finalidade diferente: a
inclusão social. É o caso do Projeto
“Futsal: o esporte contribuindo para
a formação do cidadão.”
O Projeto vem sendo desenvolvido, desde 2002, na Escola de
Aplicação da Universidade Federal
do Pará e atende crianças e jovens
de dentro e de fora dos muros da
Escola. “O objetivo é oportunizar
à comunidade uma orientação
esportiva educacional no ensino
específico do futsal, pela aplicação de uma metodologia de ensino
aberta”, afirma o professor Paulo
Sérgio Coelho Moreira, coordenador do Projeto.
Atualmente, 145 crianças e
jovens são beneficiados pelo Projeto, divididos em quatro grupos
de faixas etárias diferentes. Eles
aprendem não só os princípios
técnicos do futsal, mas também os
aspectos táticos e físicos, indispensáveis para o aprendizado correto
do esporte. Além disso, os alunos
têm liberdade para se manifestar e
compartilhar o seu próprio conhecimento com o grupo. “As aulas
práticas e teóricas são desenvolvidas de forma cooperativa e espontânea, nelas, todos os participantes
podem manifestar sua criatividade
e conhecimento para o sucesso do
grupo e a melhoria do ensino”, explica Paulo Sérgio Moreira.
Os professores fazem de
suas aulas um momento de desenvolvimento de potencialidades,
em que alguns elementos, como
o respeito mútuo, a cooperação, o
exercício crítico da cidadania e os
princípios democráticos, são partes
integrantes da metodologia. É essa
dimensão educacional que deve ser
mais valorizada pelas escolas, onde
o esporte deve adquirir características lúdicas.
O coordenador destaca esse
caráter de partilha e de troca que
o Projeto assume. Segundo Paulo
Sérgio Moreira, o maior trabalho
dos professores é orientar os alunos
a expressarem suas próprias ideias.
“A principal tarefa do professor é,
em eventuais problemas, apresentar diferentes soluções. Provocar a
reflexão, o debate.”
A Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior liberou
R$ 31 milhões para instituições
participantes do Programa de Excelência Acadêmica (Proex). Entre os
contemplados, está o Programa de
Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica, do Instituto de Geociências
da UFPA, que recebeu R$ 141,6 mil.
O PPGG é o único da Região Norte
com nota 6.
Periódicos
Os usuários do Portal de Periódicos
da Capes, das áreas de Ciências Sociais, Ciências Humanas e Artes e
Humanidades, já podem acessar as
revistas científicas que integram a
coleção do Project Muse, associação
sem fins lucrativos entre editores
e bibliotecas. São mais de 400 títulos que podem ser utilizados em
atividades de ensino e pesquisa por
alunos e professores de graduação e
de pós-graduação.
n Alunos também participam do planejamento
Restaurante
Para lidar com as crianças,
os professores devem ter uma formação adequada e continuada. Por
isso, todos participam de seminários, palestras, oficinas e cursos.
Além disso, os próprios alunos
podem interferir no planejamento
do Projeto de uma forma democrática. Paulo Sérgio Moreira explica
que o planejamento se dá de forma
aberta e “os participantes podem se
manifestar e planejar junto com os
aplicadores das atividades.”
De acordo com o coordenador do Projeto, é importante
que os próprios alunos exerçam a
sua cidadania de forma correta e
democrática, praticando o direito
de fala e respeitando as opiniões
alheias. Esse tipo de metodologia
ajuda a formar um jovem cidadão
que sabe lidar com a diferença e
sabe respeitá-la.
Além disso, o próprio ensino
é feito de acordo com a necessidade
A cozinha central do Restaurante
Universitário da UFPA está interditada para reforma. A intenção é
adequá-la às diretrizes da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) e aumentar o número de
refeições. A reabertura do Restaurante está prevista para o mês de abril.
Além dos reparos e modificações nas
dependências internas, o RU receberá novos equipamentos industriais.
dos alunos. Quando o professor
diagnostica que algo não foi bem
absorvido, ele tem liberdade para
esclarecer ao máximo, de forma
que o desenvolvimento seja o
melhor possível. “As situações
de ensino são preparadas sequencialmente pelos professores, para
que o seu encadeamento dependa
do processo de desenvolvimento”,
explica Paulo Sérgio Moreira.
Desde 2002, os resultados
no campo esportivo são nítidos.
Os times formados pelo Projeto já
ganharam vários torneios locais,
assim como posições de destaques
em torneios nacionais, como o vicecampeonato da Copa JK de Futsal,
em Brasília; o campeonato sub 12
no 18º Brasileirinho de Futsal, em
Cascavel e os vice-campeonatos
no sub 15 e no sub 17, no mesmo
Brasileirinho. Isso reflete o quanto
essa abordagem diferente no ensino
do esporte é positiva para alunos.
Hoje, os planos são de aplicar essa metodologia democrática
em outras modalidades esportivas,
como no vôlei e no basquete. Além
disso, pelo segundo ano consecutivo, o Projeto participou do Programa de Apoio a Projetos de Intervenções Metodológicas (Papim),
cujo objetivo de incentivar e apoiar
o desenvolvimento de atividades
e experimentos que acrescentem
métodos e técnicas inovadoras e
eficazes no processo de ensino e
aprendizagem na educação básica,
profissional e superior.
Devido a esses bons resultados, o Projeto deve servir como objeto de estudo na área da Educação
Física. “Acreditamos que utilizar
novas metodologias na aplicação
dos fundamentos básicos do futsal
serve como fonte de pesquisa na
elaboração de TCCs e outras publicações na área da Educação Física”,
afirma Paulo Sérgio Moreira.
Especialização
Estão abertas, até o dia 10 de março,
as inscrições para o curso de Especialização em Segurança Alimentar e Nutricional da Faculdade de
Nutrição da UFPA. O público alvo
são profissionais graduados, com
interesse em saúde pública. O curso
oferece 21 vagas e terá duração de
13 meses.
6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Março, 2010 –
7
Etnomatemática
A abordagem pedagógica que valoriza o saber local
Projeto "Imagens Amazônicas: diálogos entre matemática e cultura em sala de aula" propõe contextualização da disciplina
Raphael Freire
Logaritmo, raiz quadrada e
fórmulas. Essa é a matemática que
aprendemos desde o ensino básico
e que, por muitas vezes, provoca a
aversão dos estudantes pela disciplina.
Porém, ainda não nos demos conta
de que existem outras abordagens
para ensinar essa mesma matemática.
Algumas delas são utilizadas na Etnomatemática, uma área de pesquisa
que visa ao conhecimento tradicional
e à aproximação com a realidade do
grupo que aprende a disciplina. Trabalhar com a aplicação dos estudos
da Etnomatemática é a proposta do
Projeto de Pesquisa “Imagens Amazônicas: diálogos entre matemática e
cultura na sala de aula”.
Quem nunca ouviu um estudante dizer: “Ah, eu odeio Matemática!”,
“Nunca consigo entender os problemas de Matemática!”. Certamente,
um dos motivos para a aversão dos
estudantes está ligado às experiências escolares ou acadêmicas que
enfatizam a técnica de resolução de
exercícios sem a real demonstração
da aplicabilidade do que está sendo
estudado. Isso é compreensível, uma
vez que as pessoas não se interessam
por coisas que não tenham sentido e
significado em suas vidas.
Desde 2007, o Grupo de Estudos sobre Educação Matemática e
Cultura Amazônica (Gemaz), ligado
ao Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e Matemática
(PPGECM/IEMCI/UFPA), vem trabalhando com o objetivo de oportunizar
a compreensão da matemática com
sentido e significado, a partir de aspectos culturais dos grupos amazônicos.
A ideia é compreender a matemática
religada à história, à cultura, às construções sociais das populações amazônicas, sejam elas antigas ou atuais,
acadêmicas ou não.
De acordo com a coordenadora
do Projeto, professora Isabel Lucena,
na área da educação matemática, existem poucas referências em favor da
construção de um ensino que vá além
de domínios de conteúdos específicos,
de práticas pedagógicas articuladas
que promovam um conhecimento
que ultrapasse a esfera científica e
escolar e que esteja, intrinsecamente,
ligado às experiências vividas pelas
populações de que fazem parte alunos
e professores. “Na região amazônica,
é possível identificar uma riqueza de
saberes tradicionais historicamente
construídos, vivos na memória das populações, presentes em seu cotidiano e
reatualizados de acordo com as necessidades”, explica a pesquisadora.
n Conhecimento não é adquirido apenas na escola
A Etnomatemática vem, exatamente, cumprir esse papel: mostrar
que mesmo povos não escolarizados
possuem conhecimentos matemáticos
e que “esse conhecimento não possui
menor valor por não ter sido aprendido na escola. Eles são diferentes,
só isso”, ressalta Isabel Lucena. Isso
não quer dizer que a Etnomatemática
despreza a matemática científica, ela
não propõe que os livros didáticos
deixem de ser usados.
Muitos conteúdos matemáticos são realmente difíceis de contextualizar no dia a dia, por isso,
em alguns momentos, o ensino da
matemática deve ser via quadro, com
explicações por meio de gráficos e
tabelas. Entretanto, essa não é a única
maneira de se trabalhar. “O que nós
questionamos é a exclusividade, a
supremacia de uma única matemática, talvez a mais difundida delas,
aquela que comumente conhecemos
pela escolarização”, destaca Isabel
Lucena. Ou seja, a matemática que a
maioria de nós aprende não pode ser
a regra, entendida como o único ou
o melhor modelo.
Para proporcionar aos estudantes essa outra maneira de
aprendizado, é necessário qualificar
aqueles que promovem o ensino da
disciplina, os professores. Muitas
vezes, o que orienta as práticas em
sala de aula são os livros didáticos e
o que cada um traz de sua formação
como professor.
Contudo, a Etnomatemática
pode contribuir com essa formação ao
fomentar reflexões, questionamentos
e ações sobre as relações constitutivas
da matemática como uma produção
humana. Para esse educador, é necessário entender o que desperta o
interesse de seus alunos e conhecer os
vários grupos que compõem a sala de
aula, os quais podem ser um grupo de
crianças urbanas, indígenas ou afrodescendentes, ou um grupo de pessoas com necessidades educacionais
especiais.“Eu preciso olhá-los na suas
especificidades e na relação que eles
constroem no convívio social, esse
é o princípio da Etnomatemática”,
explica Isabel Lucena.
De acordo com a coordenadora
do Projeto, isso traz uma mudança de
postura no educador, principalmente,
o de matemática, que, muitas vezes,
traz posturas desligadas do mundo
físico, emocional e cultural. Portanto,
a Etnomatemática se contrapõe à visão de uma matemática fria, isolada,
construída alheia ao aspecto humano,
à história e à cultura.
Para entender essa abordagem,
podemos tomar como exemplo as
ideias matemáticas próprias de um
grupo de estudantes ribeirinhos que
lida com a extração e a comercialização do açaí. Essas ideias podem ser
retratadas em contexto escolar, sob os
interesses desse grupo. Isso não implica que outras ideias matemáticas,
distantes desse cotidiano – inclusive
aquelas exigidas em concursos ou em
avaliação de habilidade – também não
possam se fazer presentes no trabalho
pedagógico, sob a abordagem Etnomatemática.
O maior objetivo é tratar a
matemática numa linguagem mais
próxima da realidade do estudante.
A professora Isabel Lucena destaca
que “não é só trocar uvas e maçãs por
açaí e farinha que eu já estou fazendo
Etnomatemática. É preciso entender
como o sujeito lida com a sua ambiência e perceber que ideias matemáticas
posso construir a partir daí”.
Ainda não há receita para o
desenvolvimento de práticas pedagógicas com a abordagem Etnomatemática. Tampouco ela pode ser
considerada uma “tábua de salvação”
aos desafios atualmente postos pelo
ensino da matemática. No entanto,
é possível que, pela complementaridade entre pesquisa e ensino, a
abordagem possa auxiliar a produção
de novos conhecimentos e de ações
efetivas para a melhoria da formação
dos estudantes da região.
Mestre Zelico (à esquerda) explica como utiliza instrumentos de medidas e traçados artesanais feitos por ele mesmo
precisam ter uma unidade nomeada
como metros, centímetros, como nós
temos, a abertura do compasso é o
que determina algumas medidas. É
diferente da nossa perspectiva”, conta
Isabel Lucena.
Na hora de comprar a madeira
para confecção das embarcações, Mes-
tre Zelico usa a medida de palmo. Porém, a medida de um palmo usada por
ele não é a mesma que conhecemos,
com 22 cm. O Mestre usa o palmo de
20 cm, facilitando as medições e os
cálculos quando a madeira é vendida
em metros cúbicos. É uma criação
dos artesãos, a qual tem lógica, pode
ser discutida e apresentada na escola.
“Essa experiência pode ser acompanhada pelos estudantes que estão lá
em Abaetetuba e isso é importante para
eles, pois podem ver que a matemática
não é única, ela tem importância e diferenças em outros ambientes”, constata
Isabel Lucena.
n Coletores de açaí têm modelo matemático próprio
Na Ilha do Combu, os coletores de açaí se utilizam das medições
denominadas de rasas, uma espécie
de cesto feito por eles mesmos, com
materiais naturais. Além de possuírem
utilidade de medição – quinze cachos
de açaí completam uma rasa grande,
que pesa em torno de 80 quilos – as
rasas acompanham o modelo do barco
ou da canoa que as transporta, o fundo
é quadrado e a borda é redonda, otimizando a utilização do armazenamento
e do transporte.
A professora Isabel Lucena
explica como essas técnicas poderiam
ser repassadas para os estudantes,
“isso poderia ser tratado como modelo matemático. Qual a medida da
área da embarcação tomada pelas rasas (cestos) que transportam o fruto?
Qual a medida da área da parte do
fundo (moldes quadrados) e da borda
(moldes circulares)? Que relação isso
tem com as dimensões das embarcações? Mas a Etnomatemática não
é apenas isso, é também conhecer a
história desses sujeitos, desse saber
matemático”.
Esse conhecimento matemá-
tico, que é passado de geração em
geração, também pode ser visto na
confecção de peças em cerâmica
pelos oleiros do Distrito de Icoaraci.
Nesse ofício, os artesãos definem o
tamanho das peças de acordo com o
peso e o tamanho dos bolos de argila,
tudo sem o uso de balança.
Seu Rosemiro Pereira, personagem do documentário, explica
que toda vez que uma peça fica mais
espessa, ela fica menor no seu volume
e vice-versa. Tomando como exemplo
a experiência dessa arte, podemos
elaborar um problema matemático:
na confecção de 50 copos de argila,
Seu José usou um tablete do mesmo
material. Os 50 copos pesam juntos
12 Kg, porém, após a secagem, esses
copos perdem 35% de água. Com
quantos quilos os 50 copos juntos
ficam após a secagem? Achou difícil?
Seu Rosemiro, o oleiro de Icoaraci,
faz essa conta e acerta o resultado.
A continuidade do Projeto,
com lançamento previsto para este
ano, envolve a publicação de um livro
que atenderá mais a área acadêmica,
trazendo questões teóricas do campo
Mácio Ferreira
Proposta é ensinar matemática a partir da história, da cultura e de construções sociais das populações amazônicas
Um dos principais objetivos
do Projeto Imagens Amazônicas era
a elaboração de um documentário que
pudesse ser usado em sala de aula.
Para confecção do material audiovisual, foram convidados 21 professores, mas apenas cinco permaneceram
atuantes no Projeto.
O DVD foi lançado durante o
1º Encontro de Etnomatemática do
Pará, realizado em 2008, no município de Abaetetuba. O material é
composto por três temas: a construção
artesanal de barcos em Abaetetuba, a
confecção da cerâmica no bairro do
Paracuri, no Distrito de Icoaraci, e a
extração e comercialização do açaí na
Ilha do Combu.
Um dos exemplos que pode ser
conferido no DVD é a história de João
Batista Rodrigues, mais conhecido
como Mestre Zelico, um senhor de
83 anos e que, há 67, tem como ofício a construção de embarcações no
município de Abaetetuba. Em seu depoimento, Mestre Zelico traz alguns
elementos matematizantes em relação
às embarcações feitas por ele e que,
por vezes, possuem uma equiparação
com o que a escola ensina, apesar dele
não ser escolarizado.
Quando o Mestre inicia a
construção de uma embarcação, ele
usa uma angulação numa unidade de
medida criada por ele mesmo. Seus
instrumentos de medidas e traçados
são artesanais e também foram feitos
por ele. Na escola, nós aprendemos
que um compasso, geralmente, é
usado para fazer curvas e circunferência, porém, o mesmo material, nas
mãos do Mestre Zelico, é usado para
fazer medições lineares. “Eles não
Arquivo Projeto
Arquivo Projeto
n Trabalhadores são personagens de documentário
Rasas, com fundo quadrado e borda redonda, facilitam o transporte do açaí
da Etnomatemática. Também será
produzido um novo DVD, dessa vez,
voltado exclusivamente para professores e pesquisadores interessados
na educação matemática de estudantes da nossa região. O conteúdo
será composto pelas experiências de
professores que levaram o primeiro
DVD para sala de aula e por orientação didática para auxiliar outros
profissionais a trabalharem com esse
material.

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