Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas, Manuel Maria Barbosa du

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Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas, Manuel Maria Barbosa du
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Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas, Manuel Maria Barbosa du Bocage.
Categoria – Poesia
Grau de dificuldade - 4
Manuel Maria Barbosa du Bocage -1765-1805 - foi um dos mais importantes poetas
portugueses. Era destemperado e desabrido, escrevendo sobre o que lhe apetecia - sexo,
mulheres que amava - com violência verbal, humor e muita tristeza, por não ver o seu génio
reconhecido. Chegou a ser preso mas nunca parou de escrever. Nasceu em Setúbal, cidade em
que o dia do seu nascimento (15 de Setembro) é feriado municipal.
Texto a ler
Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua orgia dana.
Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, oh Deus!... Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.
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Lugares, 3, Maria Andresen, Ed. : Relógio d’Água
Texto a Ler: Para Jimi Hendrix
Categoria – Poesia
Grau de Dificuldade - 3
Maria Andresen – 1948 - Maria Andresen de Sousa Tavares é professora universitária
de Literatura e autora de vários livros de poesia. É também artista plástica. Filha de
Sophia de Mello Breyner Andresen, tem trabalhado no espólio da mãe, recolhendo e
reorganizando inúmeros textos, onde se incluem diários, cadernos, fotos e poemas
inéditos.
A poesia de Maria Andresen está ligada, muitas vezes, a outras artes. No caso deste
poema é visível a relação com a música rock.
Texto a ler
Para Jimi Hendrix
Às vezes gosto de ouvir o teu rock, Hendrix,
o seu romântico limite, não tanto pela rave
como depois se disse, gosto pela raiva ácida
a corroer o Hino
(o hino-rajada, sob o som da guitarra)
eras o exímio, o afincado
da corda o enamorado
eu quero sentir tudo de todas as maneiras
eu quero ser tudo de todas as maneiras
antes de ti outros o disseram
antes de ti outros o fizeram
de todas as maneiras, Jimi, até à partida
na pobreza do imoderado hino
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O Guardador de Rebanhos, Alberto Caeiro/ Fernando Pessoa
Texto a Ler: Poema XLVIII
Categoria – Poesia
Grau de Dificuldade - 4
Alberto Caeiro - foi uma personagem inventada, um heterónimo do poeta Fernando
Pessoa. Nasceu supostamente a 16 de Abril de 1889, perdeu o pai e a mãe e viveu com
a tia-avó no Ribatejo. Morreu com vinte e seis anos, tuberculoso. Fernando Pessoa
chamou-lhe o Mestre Ingénuo - só concluiu os estudos primários. A sua ligação à
Natureza faz dele um poeta de verso livre numa linguagem simples e familiar.
Apresenta-se como um simples "guardador de rebanhos" que só se importa em ver a
realidade de forma objectiva e natural.
Texto a ler
Poema XLVIII
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvores, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
(Alberto Caeir) heterónimo de Fernando Pessoa, in "O Guardador de
Rebanhos”
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Candelabro, Maria Teresa Horta, Guimarães editora
Texto a Ler: Os Teus Olhos
Categoria – Poesia
Grau de Dificuldade - 3
Maria Teresa Horta - nasceu em Lisboa, em 1937. É uma das maiores e mais
importantes poetisas portuguesas. Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa e dedicou-se ao jornalismo e ao cine-clubismo, como dirigente do ABC CineClube.. É uma ardente feminista e co-autora, com Maria Isabel Barreno e Maria Velho
da Costa, de Novas Cartas Portuguesas (1971), livro que gerou muita polémica e foi
proibido pela censura. Escreve principalmente poemas, mas também romances e
contos.
Texto
Os Teus Olhos
Direi verde
do verde dos teus olhos
de um rugoso mais verde
e mais sedento
Daquele não só íntimo
ou só verde
daquele mais macio mais ave
ou vento
Direi vácuo
Volume
direi vidro
Direi dos olhos verdes
os teus olhos
e do verde dos teus olhos direi vício
Voragem mais veloz
mais verde
ou vinco
voragem mais crispada
ou precipício
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Cláudio e Constantino, Luísa Costa Gomes, Ed. Dom Quixote.
Texto a Ler: Quantos Anjos Cabem na Cabeça de um Alfinete
Categoria – Prosa
Grau de Dificuldade - 3
Luísa Costa Gomes, escritora portuguesa, nasceu em 1954. É autora de contos,
romances, peças de teatro e um libreto de ópera.
Em Cláudio e Constantino conta-se a história de dois irmãos muito inteligentes que vão
perguntando tudo ao longo da vida – das coisas mais pequenas e insignificantes às
mais complexas e intrigantes. Vivem numa grande casa, com uma família simpática
que atura as suas experiências. Neste trecho, recebem a sempre temível visita dos
primos americanos.
Texto a ler
Na sala de jantar, em vez de palha, comia-se o discutido Arroz Doce com Canela. E
porque uma das Tias se lembrou de dizer que estava "divinal", a conversa deslizou
para a Teologia e Constantino perguntou:
- Se Deus é realmente omnipresente, será que ele pode criar uma pedra tão pesada
que nem ele a consegue levantar?
E daí, por vir a propósito, a conversa deslizou para a mineralogia, daí para a
geologia, daí para a cosmologia, de novo para a teologia, depois novamente
geologia, depois mitologia, a seguir música, depois geometria, daí deslizou para a
patafísica e daí para a angelologia, um dos assuntos favoritos de Constantino. Por
vir a propósito, ele perguntou:
- Já agora digam-me: quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete?
- O que é um alfinete? - perguntou Leopoldo, espantado.
- É um espeto, estás a ver ali aquele espeto do… Boi… mas com uma das pontas
achatada - explicou Cláudio.
- Então não é um espeto.
- É parecido com um punhal - continuou Cláudio, com toda a boa vontade.- Estás a
ver um punhal? Não é bem isso, é isso, mas muito pequenino e sem o punho, nem
os copos. É minúsculo, feito de aço.
- Para que é que serve, um punhal minúsculo? Para matar pigmeus? - insistiu
Leopoldo. Não estava a ver o que era um alfinete.
- Não é um punhal. Um alfinete serve, por exemplo, para segurar coisas, para
pregar desenhos na parede ou para segurar a roupa antes de ser cosida, por
exemplo, a Costureira…
- Nós na América usamos o velcro, não sabemos nada disso dos alfinetes. Diz-me lá
o tamanho do objecto, para ver se nos entendemos.
Reparando bem, não havia peça de roupa sem velcro. As camisas, as gravatas, até
as calças de golfe dos primos fechavam abaixo do joelho com uma tira de velcro. Os
sapatos fechavam com velcro. Só a Tristeza trazia um vestido sem uma única
costura.
- Acho que sei o que é - aventurou Teodolito. - Vi isso na internet. É um aramezinho
pequeno, mas não é um gancho, nem um clipe, nem um pionés, ou seja, sim é
parecido com um pionés, mas tem aquela ponta muito mais comprida e a cabeça
muito mais pequenina…
- Se não é parecido porque estás a compará-lo ao dito alfinete?
- Não é igual, mas se usares a imaginação, consegues visualizar.(…)