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Aproximações e diferenciações teóricas: retórica e pragmática lingüística no discurso da comunicação organizacional1 Profª Anely Ribeiro – Universidade Federal do Paraná - Doutoranda em Estudos Lingüísticos Resumo O trabalho visa discutir noções conceituais sobre a pragmática lingüística sua relação e aproximações/diferenciações com os fundamentos teóricos da retórica clássica, a partir de Aristóteles, passando pelos estudos retóricos contemporâneos, de maneira complementar e interdependente. A análise tem como propósito contribuir com estudos que possam ser aplicados em enunciados e nos discursos dos falantes/retores em situações tais como eventos, campanhas e nas interlocuções que envolvam o processo da comunicação organizacional. Palavras-chave: pragmática lingüística; retórica; comunicação organizacional. 1 Introdução O texto busca a realização de reflexões teóricas sobre os fundamentos da retórica clássica em Aristóteles, revisitando estudos contemporâneos da retórica situacional em Bitzer (1980) e Halliday (1987; 1988; 1990). Do ponto de vista das investigações na pragmática lingüística, nesse estudo, partem das publicações que desenvolvem a compreensão e interpretação dos usos comunicativos a partir do Princípio da Cooperação em Grice (1975), além das teorias inerentes às informações contextuais em Verschueren (2002) e Dascal (2006). O ponto de partida da análise na interface retórica e pragmática está ancorado no estudo que Dascal (2006, p. 619-641) desenvolve sobre o “O casamento da pragmática com a retórica”, no qual o autor mergulha com profundidade ao revisar e complementar os aspectos teóricos da retórica aristotélica clássica, fundamental para compreendermos a comunicação persuasiva e a linha teórica griceana desenvolvida sob o Princípio da Cooperação e as implicaturas conversacionais nos atos comunicacionais. Grice (1975) desenvolve o programa teórico no estudo das elocuções e seus significados contextualizados, sob a plataforma das máximas conversacionais, cuja premissa afirma de que o que é “dito” pode ser ou não “comunicado”. O autor trata de redes de proposições entre Falante (F) e Ouvinte (O) ligados pela implicatura, as quais necessitam das inferências e do contexto na compreensão e 1 Trabalho a ser apresentado ao GT Abrapcorp 4 – Estudos do discurso, da Imagem e da Identidade Organizacionais - IV Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, de 20 a 22 de maio - Porto Alegre. interpretação dos significados. Nesse sentido, a pressuposição difere do foco vinculado às estratégias persuasivas em conformidade aos postulados aristotélicos. 2 Diferenciações e aproximações: retórica e pragmática lingüística Sem a pretensão de desenvolver, nesse estudo, as diversas linhas conceituais sobre o significado do termo “retórica” e suas implicações nos períodos históricos, a orientação básica está no fundamento de Ariatóteles (1985, p.33) em “Arte retórica, arte poética”, traduzido por Antônio Pinto de Carvalho, ao afirmar que “a retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”. A contribuição de Halliday (1990, p.46) explica que ao construirmos retoricamente a realidade com símbolos representados em palavras, figuras e sons que estão repletos de significados , tais elementos estão fundamentados na argumentação, que significa “a maneira de apresentar uma idéia, ou visão das coisas, e de justificá-la como aceitável”, visando à adesão da audiência ou público-alvo, sem o uso da força. Um dos aspectos polêmicos discutido por Dascal (2006, p. 621-623) na retórica aristotélica, diz respeito aos sujeitos e seus papéis, isto é, a condição de que o falante (F) e o ouvinte (O) não, necessariamente, precisam alterar os seus papéis. O ouvinte é relativamente passivo, mas na oratória, o falante e o ouvinte têm papéis ativos e contínuos. Dascal enfatiza que na retórica, as trocas que permeiam as interlocuções têm propósitos de persuasão, enquanto que na pragmática lingüística, com base na teoria de Grice, os enunciados que orientam a relação falante e ouvinte estão situados nas trocas de informações, com metas proposicionais, componentes contextuais, implicando na formação de inferências (crenças, valores, visões de mundo, roteiros e processamento mental) capazes de realizar a cooperação no processo comunicativo dos interlocutores. Dessa maneira, compreende-se que há discrepância nas interações informativas e nas interações persuasivas. Para nos situarmos melhor, o artigo teórico “Lógica e conversação”, do original “Logic and conversation”, publicado por Grice (1975) e em Grice (1982, p. 81-103) a noção teórica de „implicatura‟ (implicature) nos ajuda na compreensão do que é dito e o que é comunicado, sob a ótica das implicaturas convencionais e conversacionais. A implicatura preenche lacunas que perpassa àquilo que é possível dizer mais do que é efetivamente dito. Nos estudos interpretativos a partir de Grice em Oliveira (2002) e Levinson (2007) encontramos explicações a respeito das duas noções conceituais de implicaturas: as convencionais e as conversacionais. As implicaturas convencionais estão vinculadas ao conhecimento da língua, isto é, as informações transmitidas são fornecidas pelo elemento lexical. Trata-se de uma relação entre a forma e o sentido literal. As implicaturas conversacionais estão conectadas com certos traços do discurso, mas elas transgridem uma ou mais máximas do Princípio da Cooperação. Elas são dependentes das informações contextuais, das inferências, conhecimento de mundo e fatores sócio-culturais, podendo ser canceláveis. Conforme Grice (1975; 1982), o Princípio da Cooperação está calcado na hipótese de que a base da comunicação é a cooperação. Para isso, a cooperação tem princípios gerais que regulam a conversação entre interlocutores e, devem contribuir na geração dos significados que realizam a mediação do processo comunicativo. Grice (1982, p. 86 ) assim se expressa: Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado. Pode-se denominar esse princípio de PRINCÍPIO DE COOPERAÇÃO . (grifos no original). O Princípio da Cooperação em Grice (1975; 1982, p. 86-89) distingue quatro máximas que produzem, em geral, resultados que possam guiar os interlocutores na conversação: a) máxima da quantidade: faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto requerida para o propósito da conversação. Não faça com que sua contribuição seja mais informativa do que é exigido; b) máxima da qualidade: trate de fazer uma contribuição que seja verdadeira. Não diga o que acredita ser falso. Diga somente aquilo que você possa fornecer evidência adequada; c) máxima da relação: seja relevante; d) máxima de modo: seja claro, evite obscuridade de expressão, evite ambigüidades, seja breve e seja ordenado. A conexão entre o Princípio da Cooperação e as máximas de um lado, e as implicaturas conversacionais de outro, ao considerar que o interlocutor na conversação deixa de cumprir alguma máxima, faz com que acarrete: (a) possibilidade de mal-entendidos; (b) dizer ou deixar entender que não quer cooperar; (c) enfrentamento de um conflito, o que impede de cumprir uma máxima, por exemplo, de qualidade (faltar com a verdade diante de um fato) e (d) abandono de uma máxima em uso, enganando o interlocutor. Os usuários da linguagem precisam levar em conta os seguintes dados para deduzir que uma implicatura conversacional se faz presente, segundo Grice (1982, p. 93): 1) O significado convencional das palavras usadas, juntamente com a identidade de quaisquer referentes pertinentes; 2) O Princípio da Cooperação e suas máximas; 3) O contexto lingüístico ou extralingüístico da enunciação; 4) Outros itens do conhecimento anterior (background) e; 5) O fato (suposto) de que os itens de 1-4 são acessíveis a ambos os interlocutores e ambos sabem ou supõem que isso ocorra. Levinson (2007, p. 141- 146), com base em Grice (1975) aponta as propriedades essenciais das implicaturas conversacionais, que são em geral previsíveis: (a) elas são canceláveis e anuláveis, visto que na pragmática a noção de anulabilidade é decisiva, pois a maioria das inferências pragmáticas apresenta essa propriedade. Destaca que as inferências lógicas ou dedutivas não são anuláveis, somente os argumentos indutivos são anuláveis; (b) as implicaturas não são destacáveis, ou seja, as implicaturas não podem ser retiradas de um enunciado trocando as palavras do enunciado por sinônimos; (c) as implicaturas são calculáveis, isto é, como toda implicatura presumível deve ser possível construir um argumento semelhante a partir do sentido literal ou do sentido da enunciação, de um lado, de outro modo, o princípio cooperativo e as máximas contribui para que o interlocutor faça as inferências e, desse modo, preservar a cooperação presumida e (d) as implicaturas não são convencionais, isto é, não fazem parte do significado convencional das expressões lingüísticas, já que elas são canceláveis. Na persuasão, de acordo com Dascal (2006, p. 622-624) as metas visam alterar o estado emocional ou mobilização de valor na audiência/platéia. Porém, o autor menciona que não fica claro se as inferências podem ser aplicadas às provas emocionais. Na mesma linha de raciocínio comparativo, Dascal posiciona que as “crenças” traduzidas em proposições enunciativas não são suficientes para explicar os estados emocionais, o que torna difícil de aplicar a inferência aos componentes retóricos denominados de estilo e organização, embora possa ver vista na invenção. De acordo com o autor, os comentários no exórdium ou introdução se enquadram no exemplo do princípio cooperativo de Grice. Tais comentários são produzidos para obter a atenção, o interesse e confiança na platéia, como pontes para influência contínua. Nas trocas de cunho informativo pressupõe a cooperação, nas trocas persuasivas fortalecem e mantêm aderência do falante com a platéia. Cabe destacar que a respeito da retórica na linha aristotélica, o ponto central está na retórica do verossímil, o que representa ser verdade, conforme menciona Mosca (1977, p. 20)2 “o domínio dos conhecimentos prováveis e não das certezas e das evidências, os quais caberiam aos raciocínios científicos e lógicos. Por essa razão, o seu campo é o da controvérsia, da crença, do mundo da opinião, que se há de formar dialeticamente, pelo embate das idéias e pela habilidade no manejo dos discursos” (grifos no original) . Como Dascal aponta acima a presença nos comentários da introdução ou exórdium de exemplos do princípio cooperativo griceano, cabe aqui definir e explicar o sistema retórico. Neste momento da discussão teórica entre a pragmática lingüística e a retórica aristotélica e suas derivações contemporâneas, é relevante ater-se às partes do sistema retórico para os discursos, que contêm quatro etapas básicas: a inventio (a invenção), a dispositio (a disposição), a elocutio (a elocução) e a actio (a ação). O sistema retórico com as quatro etapas básicas é abordado em Reboul (1998, p. 43-69); Carrascozza (1999, p. 27-30)3 e Mosca (1997, p. 27-30). Em linhas gerais, descrevemos a compreensão de cada parte com base nestes autores. A invenção – diz respeito ao que vem antes de iniciar o discurso, precisa-se perguntar sobre o tipo de discurso que será feito e o que ele deve conter. Consiste em buscar os argumentos, as provas e outros meios de persuasão relativos ao tema do discurso. Os elementos das provas, dos quais são retirados os argumentos denominam-se lugares – a tópica que trata Aristóteles. No sentido mais simples e antigo, o lugar é um argumento pronto que se coloca em determinado momento do discurso. Em outro sentido, dá-se o nome de lugarescomuns porque se aplica a toda a espécie de argumentação. A disposição – trata de um plano para construir as diferentes partes do discurso, que possui os seguintes componentes: a) exórdium – é a parte que inicia o discurso, “começa por exprimir logo de entrada o que se pretende dizer e apresenta-se o plano” (ARISTÓTELES, 1985, p.206). 2 Mosca (1977) reúne as experiências de estudiosos sobre a retórica clássica e contemporânea. Focaliza os procedimentos da literatura e da poesia com a retórica. Abrange a retórica na Índia Antiga, Grécia Antiga, na tradição latina, além de estudar as figuras retóricas, a argumentação e discurso e a pragmática lingüística. 3 Trata-se da trama do texto publicitário contextualizado historicamente, desde o primeiro anúncio impresso que surgiu em 1808, no Brasil, até a década de 90, analisados pela linha aristotélica e a utilização da rede semântica poética e literária. CARRASCOZZA, João Anzanello. “A evolução do texto publicitário: a associação de palavras como elemento de sedução na publicidade”. São Paulo: Futura, 1999. Pode-se iniciar com um elogio, uma censura, um conselho ou considerações sobre a audiência; b) narração – é a exposição dos fatos referentes à causa. Necessita ter clareza, brevidade e credibilidade, sem prolixidade, lembrando que a maneira de apresentar os fatos é em si mesma um argumento; c) confirmação – considerada como a parte mais longa, onde há um conjunto de provas demonstrativas, seguidas de refutação, para destruir os argumentos adversários. Reboul (1998, p.57) diz que nem sempre a confirmação está separada da narração; d) peroração – é o que conclui o discurso e divide-se em partes: predispor o ouvinte em nosso favor – amplificar ou atenuar o que foi dito – despertar as paixões na audiência e recapitular a argumentação, unindo-a à afetividade. No sistema retórico, Aristóteles define três tipos de argumentos, no sentido geral dos instrumentos de persuasão: o ethos, o phatos e o logos, cuja abordagem está em Reboul (1998, p.47-49) e Meyer (1993, p. 27-29). O ethos simboliza o orador cujo caráter lhe dá credibilidade para inspirar confiança no auditório; o phatos representa o auditório/audiência, que para convencê-lo, comovê-lo e seduzi-lo há um conjunto de emoções, paixões e sentimentos que o retor deve suscitar na audiência. O orador/retor assume nesta relação, com mais ênfase, o caráter psicológico, adaptando-se aos diversos públicos, e o logos refere-se ao discurso, que poderá ser ornamental, literal ou argumentativo, com vistas a receber o tratamento discursivo que melhor lhe convém. Quanto aos gêneros dos discursos, no capítulo III de Arte retórica e arte poética, Aristóteles afirma que são três: o deliberativo, o judiciário e o demonstrativo ou epidítico. Cada um deles diz respeito a uma forma de tempo, aos valores que os revestem e aos atos que os conduzem. Estas descrições encontram-se também em Reboul (1998, p.44-47), Carrascozza (1999, p.25-26) e Mosca (Org.) (1997, p.31-34), conforme resumimos a seguir. O gênero deliberativo diz respeito ao futuro, pois inspira projetos e decisões sobre questões de interesse público ou privado. Seus atos são de aconselhar ou desaconselhar. Encontram-se, atualmente, em documentos técnicos com pareceres de consultores, discursos políticos sobre projetos de lei, medidas provisórias, dentre outros, e discursos sobre questões controvertidas que chocam a opinião pública. Pode-se incluir manifesto das organizações para preservar ou alterar sua imagem e conceito, em determinadas situações. Seus valores tratam do útil ou do nocivo. O discurso epidítico ou demonstrativo versa sobre o presente e tem como atos louvar ou censurar, recorrendo aos argumentos de amplificação, mostrando sua importância e valor. Torna-se persuasivo, a longo prazo, orientando escolhas futuras. Trata de valores assentados no útil e o discurso demonstrativo está representado, nos dias atuais, em situações de discursos comemorativos, cerimônias especiais de formatura, abertura ou encerramento de eventos alusivos a determinada data, tomada de posse e outras ocasiões de caráter emotivo, até mesmo em discursos fúnebres. O gênero de discurso judiciário refere-se ao passado e comporta a acusação e defesa dos fatos, visando esclarecer, qualificar e julgar. Utiliza argumentos para combater a parte oposta através de provas técnicas e extra-técnicas (leis, testemunhas). Seus valores estão relacionados ao justo e ao injusto. Enfatizamos nesse momento observação que está relacionada ao estudo da análise retórica nos atos discursivos no processo da comunicação organizacional: a afirmação de Mosca (1997, p.32) de que “na realidade, embora esses gêneros sejam bem delineados dentro da mesma argumentação podem ocorrer traços dos três tipos de discursos, numa relação de dominância e não de exclusão”. Deste modo, os diversos tipos de discursos buscam a adesão dos públicos-alvo, utilizando meios simultâneos e diversificados em torno de situações apresentadas. Para Bitzer4 (1980, p. 21-38), um dos principais pesquisadores da perspectiva situacional para a retórica, o meio ambiente completo em que vivemos é um mix do físico e do mental, os quais apresentam desafios de adaptação e ajustamentos que o ser humano constrói. Para o autor, a interação com o meio ambiente mental não é menos fundamental e universal e “inclui todo o campo de idéias, imagens, significados, leis, regras, convenções, atitudes, sentimentos, interesses e aspirações que constituem o mundo mental.” Os componentes essenciais do meio ambiente real formam uma estrutura denominada de “situação retórica” que é definida por Bitzer (1980, p. 24) como “complexo de pessoas, eventos, objetos e relações presentes em uma instância, que pode ser inteiramente ou 4 Os conceitos usados sobre a perspectiva da retórica situacional, em sua maior parte, são tratados nesta pesquisa com base em: BITZER, Lloyd F. “Functional communication: a situational pers-pective”. In: WHITE, Eugene E. (Ed.). Rhetoric in transition: studies in the nature and uses of rhetoric. University Park, Pennsylvania State University Press, 1980, p.21-38. parcialmente atendida, se o discurso introduzido dentro da situação influencie ação/pensamento da audiência, conduzindo a uma modificação positiva da instância” (trad. nossa). No que diz respeito aos componentes da situação retórica, segundo Bitzer, citado por Halliday (1987, p.24)5, há três componentes essenciais que ocorrem em uma situação genuinamente retórica, criando para o retor o problema retórico: primeiro, a instância, ou imperfeição, revestida de certo grau de urgência – algo que é de um modo e o retor deseja que seja de outro –, ou seja, uma melhoria física ou social, uma mudança de atitude ou sentimento, um esclarecimento de algo pouco ou mal compreendido, ou um reforço de laços em perigo de se afrouxar; segundo, uma audiência [ou público-alvo], passível de ser influenciado para atuar na modificação da instância; terceiro, um conjunto de limitações e restrições (que BITZER chama de “constraints”) – pessoas, eventos, leis, interesses, emoções, hábitos que atuam sobre a audiência e o retor, talhando caracteristicamente a situação. Quanto às semelhanças e aproximações notamos que tanto a linha filosófica da retórica aristotélica e a e teoria da cooperação de Grice empregam mecanismos estilísticos e estratégias lingüísticas que requerem inferências (valores, crenças, visões de mundo) na interlocução falante/orador e ouvinte/platéia. A organização do discurso parece distante do propósito inferencial, mas nas oratórias, os falantes que seguem as convenções de gênero discursivo levam a platéia a legitimar, inferir e aceitar os falantes como membros da comunidade X – argumento a partir do ethos. Os gêneros bem estabelecidos obedecem à máxima de modo, que exige proceder ordenadamente. Se os falantes/oradores violam a máxima de modo ou as demais, criam implicaturas com intuito de dramatizar os seus propósitos mais amplos. Segundo Dascal (2006, p. 624-625), na reconstrução da retórica clássica como teoria cognitiva, a inferência tem papel central não só na invenção e no logos, mas também no ethos e no pathos. Portanto, a teoria retórica reconstruída supõe causalidade comunicativa, sendo que qualquer efeito no ouvinte seja conseqüência do que diz ou sinaliza o falante em sua intenção comunicativa. Ações sem palavras (comportamento não-verbal) podem ter intenções comunicativas, por exemplo: sacudir o punho, no contexto, em uma dada situação comunicativa. O falante deve estar disposto a persuadir em virtude das palavras ou ações. A reconstrução teórica da retórica clássica tem peça fundamental: o enunciado no contexto. Conforme Dascal aponta, os enunciados persuasivos são enunciados em contexto – especificação do seu significado envolve especificação de um fórum, uma demanda, sintaxe e semântica (sentido e referência) e a força ilocucionária. Exemplos: saudações no exordium, 5 Esta obra também utiliza a perspectiva da teoria situacional para a retórica, em BITZER, conforme já mencionado. perguntas ou questionamentos sobre o tema na narração e na confirmação e despedidas na peroração. No enunciado “O sol brilha” e “O astro rei bilha”. A intenção do falante para o ouvinte está na crença que ouvinte compreenda a força ilocucionária do falante. Se formos transpor a noção dos enunciados no contexto para a relação orador/retor e platéia, segundo Dascal (2006, p. 627) tal relação vai além do nível falante e ouvinte, compreendido pela teoria de Grice. Nesse sentido, devemos considerar que as platéias não são reais, são ideais: são criações do discurso. Para Aristóteles, as platéias são criações dos oradores (F), tendo a natureza da retórica como uma arte. A retórica não teoriza sobre cada opinião, mas sobre o que parece ser verdade para um determinado grupo de pessoas. A noção teórica que abarca o contexto é mencionada por Bitzer (1980, p. 21-22), na perspectiva que trata da retórica situacional, ao defender que o meio ambiente completo em que vivemos é um mix do mundo físico e do mental, os quais apresentam desafios de adaptação e ajustamentos que o ser humano constrói. Para o autor, o mundo físico e mental, que formam o meio ambiente inclui o campo das idéias, as convenções sociais, as emoções e sentimentos, interesses e atitudes, sob os quais se desenvolve a situação retórica. O meio ambiente composto pelo mundo físico e mental, tratado por Bitzer acima, possibilita aproximações com as noções em Dascal (2006) sobre o contexto lingüístico e extralingüístico, ao ser tratado de modo complementar e interdependente, uma vez que focaliza nos recursos lingüísticos, normas e convenções do contexto lingüístico, vinculado ao contexto extralingüístico que envolve conhecimento de mundo, crenças e valores compartilhados nos processos comunicativos na mediação falante e ouvinte, processo que ao ser transportado no âmbito organizacional estabelece relacionamentos “falantes organizacionais” e seus públicos estratégicos. Da mesma maneira, a linha teórica de Bitzer sobre a retórica situacional possibilita estabelecer nexos contextualizando os componentes do meio ambiente, a situação e o problema retórico em relação com a perspectiva teórica de Verschueren (2002, p. 137) referente aos correlatos contextuais de adaptabilidade, os quais preconizam que as escolhas lingüísticas são realizadas na produção e na interpretação dos enunciados. Busca-se a conexão dos mundos físico, mental e social entre enunciador/falante e intérprete/ouvinte, sendo que o Enunciador e o Intérprete são os elementos centrais devido ao funcionamento de suas mentes, concebidos na linha teórica da pragmática lingüística como “entidades funcionais” ou “papéis sociais”, mais do que pessoas do mundo real, conforme argumentação de Verschueren, ver figura abaixo: -----------------------------------------------------------------------------------------------Mundo Físico -----------------------------------------------------------------------------------------------Mundo Social -----------------------------------------------------------------------------------------------Mundo Mental ------------------------------------------------------------------------------------------------ Escolhas de produção E I Canal (contexto lingüístico) Escolhas de interpretação lingüístico) FIGURA 1- Adaptação correlatos contextuais da adaptabilidade, conforme Verschueren (2002, p. 137). Verschueren (2002, p. 41) compreende a pragmática lingüística como sendo a “que estuda o uso da linguagem pelas pessoas (o uso que as pessoas fazem da linguagem), uma forma de comportamento ou ação social. A dimensão que a perspectiva pragmática pretende iluminar é o enlace entre linguagem e a vida humana em geral”. (grifos no original). Nessa abordagem, a pragmática é também vista como o enlace dos estudos lingüísticos às demais disciplinas das humanidades e das ciências sociais. Para o autor, configura-se a investigação da pragmática lingüística como interdisciplinar ao conceituá-la numa perspectiva funcional cognitiva, social e cultural dos fenômenos lingüísticos em relação ao seu uso nas formas de comportamento comunicativo realizado pelos interlocutores. 3 Considerações finais O nosso estudo nesse trabalho pretendeu recuperar investigações realizadas sobre a retórica, em especial no percurso da retórica clássica aristotélica, e chegando à abordagem da retórica situacional tratada em Bitzer (1980) e Halliday (1987), bem como a formação de nexos e transposições de conceitos na teoria da pragmática lingüística, a partir do Princípio da Cooperação em Grice (1975), problematiza por Dascal (2006) em relação ao “casamento” com a retórica. Torna-se evidente, conforme exposto anteriormente que as complementações podem ser encaixadas se a retórica acoplar noções de contexto lingüístico e extralingüístico nos enunciados proferidos pelos oradores/retores, considerando que Bitzer já incorporou o meio ambiente, com a presença dos mundos físico e mental na situação retórica. A concepção da retórica situacional aproxima-se e pode ser complementada com as noções contidas nos correlatos contextuais de adaptabilidade em Verschueren (2002) e com as noções de contexto lingüístico e extralingüístico com base em Dascal (2006). A noção de inferência ainda deve ser questionada e debatida nos estudos retóricos, uma vez que é ponto fundamental na teoria do Princípio da Cooperação em Grice (1987), no estudo e aplicação das máximas conversacionais, assim como na possibilidade de violação das máximas, gerando as implicaturas conversacionais, sob a ótica dos enunciados com conteúdos informativos nas interlocuções entre falante e ouvinte. Na visão retórica, o conteúdo proposicional das falas é de natureza que vincula a arte da persuasão que o retor/orador promove em suas audiências, criadas em seus discursos. Mesmo que não seja mencionado na teoria aristotélica, a retórica pode fazer uso pelos seus oradores das máximas conversacionais, em especial nos gêneros deliberativo e judiciário, nas demonstrações de provas que necessitam de enunciados informativos contextualizados que implicam o emprego das máximas de modo, relevância, qualidade nos recursos persuasivos. Do ponto de vista do processo da comunicação organizacional, que por si mesma é pública na sua relação com os públicos estratégicos e a formação da opinião pública, a natureza dos enunciados tidos como “informativos”, ao mesmo tempo, empregam estratégias de criação cuja natureza é emocional, tanto em campanhas institucionais, como em chamadas e títulos em periódicos, mídias e instrumentos verbais escritos/audiovisuais e orais de comunicação. Nesse ponto, resta-nos o desafio de continuarmos nossas investigações teóricoempíricas na interface da pragmática lingüística exposta acima e a retórica situacional em específico, envoltos em situações comunicacionais na relação organizações-públicos. Nossos propósitos vão em direção de que possamos fazer recortes de situações no processo da comunicação organizacional que possibilitem analisar enunciados a partir das noções e recursos da pragmática lingüística tratados por Verschueren (2002) e Dascal (2006), estabelecendo nexos com aportes da retórica situacional em Bitzer (1980) e Halliday (1987; 1988). A partir disso, delinear processos e métodos de pesquisa documental ao coletar materiais de análise nos instrumentos e mídias de comunicação, além de complementarmos com entrevistas junto aos públicos envolvidos em tais situaçõesl. 5 Referências ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Tradução: Antônio Pinto Carvalho. Rio de Janeiro: Ediouro, 1985. BITZER, Lloyd. 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