Reggio Emilia: reflexões e inspirações para a

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Reggio Emilia: reflexões e inspirações para a
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
DEPARTAMENTO DE TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Reggio Emilia: reflexões e inspirações para a educação na
infância
Raíssa Rodrigues Carollo
São Carlos
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
DEPARTAMENTO DE TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Reggio Emilia: reflexões e inspirações para a educação na
infância
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
exigência
final
do
curso
de
Pedagogia
da
Universidade Federal de são Carlos, desenvolvido
sob orientação da Prof . Dr
Maria Walburga dos
Santos.
São Carlos
2011
2
Dedicatória
Ofereço este trabalho aos meus pais que sempre estão comigo nos momentos
de crise, dúvidas e alegrias e por terem me apoiado financeiramente, emocionalmente
e
criticamente
na
conquista
de
um
dos
meus
sonhos.
3
Agradecimentos
Agradeço este trabalho primeiramente ao Universo, que em sua
grandeza me possibilitou acesso ao tema e o encontro com a orientadora.
Agradeço as minhas irmãs Thaís e Andressa que estiverem comigo me
apoiando na construção da minha vida e da minha individualidade
Agradeço ao meu companheiro Rafael pelo apoio nas escolhas que fiz,
pelas noites acordadas para concretizar o trabalho e pela compreensão nos
momentos de desespero e crise.
Por último agradeço a todos os meus colegas de curso, pelos
momentos de alegria, descontração, discussões calorosas sobre a educação e
principalmente
pelo
crescimento
interno
que
tivemos
juntos.
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Ao contrário, as cem existem.
A criança é
feita de cem.
A criança tem
cem mãos
cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.
Cem sempre cem
Modos de escutar
As maravilhas do amar.
Cem alegrias
Para cantar e compreender.
Cem mundos
Para inventar.
Cem mundos
Para sonhar.
A criança tem
cem linguagens
(e depois cem cem cem)
Mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
Lhe separam a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
De pensar sem as mãos
De fazer sem a cabeça
De escutar e de não falar
De compreender sem alegrias
De amar e maravilhar
Só na Páscoa e no Natal.
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Dizem-lhe:
De descobrir o mundo que já existe
e de cem
roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
Que o jogo e o trabalho
A realidade e a fantasia
A ciência e a imaginação
O céu e a terra
A razão e o sonho
São coisas que não estão juntas
Dizem-lhe:
Que as cem não existem
A criança diz:
Ao contrário, as cem existem.
LORIS MALAGUZZI
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Resumo
Este trabalho constitui-se de uma pesquisa qualitativa, fundamentada na
metodologia de revisão bibliográfica acompanhada de um relato de experiência
vivenciada. Tenta compreender quais as contribuições da abordagem italiana Reggio
Emilia para a reflexão do processo de ensino aprendizagem da Educação Infantil para
o desenvolvimento de seres democráticos, críticos e autônomos. Com os objetivos de
identificar as potencialidades e desafios que tal perspectiva teórica apresenta para a
Educação Infantil no contexto brasileiro, com base na reflexão sobre a realidade
vivenciada em uma escola paulistana particular.
Para isto o trabalho descreve o histórico das creches na Itália. O
desenvolvimento
da
abordagem
pedagógica
Reggio
Emilia,
sua
concepção
pedagógica, curricular, filosófica, organizacional, pedagogia relacional e sua
adaptabilidade na escola democrática Lumiar. Como esta instituição brasileira forma
indivíduos críticos, autônomos e democráticos.
Palavras-Chave: Abordagem Reggio Emilia; Creches; Educação Infantil;
Pedagogia Relacional; Loris Malaguzzi;
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Sumário
Introdução.....................................................................................................................9
Capítulo 1......................................................................................................................10
Capítulo 2 .....................................................................................................................12
Capítulo 3....................................................................................................................26
Considerações finais ....................................................................................................43
Referencias Bibliográficas.............................................................................................47
Anexo I..........................................................................................................................48
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Introdução
Um dos motivos que foram decisivos para eu prestar vestibular para Pedagogia
era a minha inconformidade com o sistema educacional voltado para o conteúdo e
pouco para as práticas vivenciais de cada indivíduo.
No primeiro ano do curso tive o privilégio de ir a uma excursão organizada por
uma professora, à exposição As cem linguagens da criança, no momento não sabia o
que se tratava, mas me pareceu um tema interessante. Chegando ao museu da
exposição e vendo o maravilhoso trabalho da escola Reggio Emilia, o desejo
ambicioso de tentar transformar a educação foi como se tivesse retornado e ascendido
uma chama que pulsava em direção do novo.
Quando chegou o momento de fazer o trabalho de conclusão de curso, estava
perdida e não sabia por quais temas poderia pisar falando com algo que me
encantasse e principalmente acreditasse. Graças à providencias tomadas pelo
destino, comecei a trabalhar na creche da Universidade, cuja uma de suas
abordagens pedagógica é a Reggio Emilia. Esta experiência, que passei nesta escola
me lembrou sobre este tema que poderia ser discutido e trabalhado academicamente.
Desta forma o presente trabalho tenta compreender quais as contribuições da
abordagem italiana Reggio Emilia para a reflexão do processo de ensino
aprendizagem da Educação Infantil para o desenvolvimento de seres democráticos,
críticos e autônomos.
Portanto, discute a importância da mudança da concepção de educação dos
pequenos á luz da Abordagem pedagógica Reggio Emilia. Para isto o trabalho é
dividido em quatro partes. No primeiro explícita as metodologias usadas para
desenvolver a pesquisa, uma fundamentada nos estudos bibliográficos e a outra em
estudo de caso do tipo etnográfico.
O segundo capítulo se divide em duas partes, a primeira faz um aporte
histórico do desenvolvimento das creches na Itália até a formação dos centros
educacionais em Reggio Emilia. A segunda em documentar a abordagem pedagógica
italiana, sua história, seu marco epistemológico, concepção curricular, relações entre
as crianças, educandos e família.
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O terceiro se destina ao estudo da escola Lumiar, desde sua história, projeto
pedagógico ao relato de alguns dias passados na escola.
O último são as considerações finais do estudo empenhado.
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Capítulo 1 - Metodologia
O presente trabalho é fundamentado nos princípios da pesquisa
qualitativa através do estudo bibliográfico acompanhado de um relato de
experiência vivenciado e se divide, basicamente, em duas partes.
Na primeira parte em que a pesquisa se foca em mostrar a abordagem
italiana de educação infantil Reggio Emilia, o trabalho é fundamentado através
do referencial metodológico de estudo bibliográfico em documentos e livros
pesquisados. Por ser um tema relativamente novo e a maioria da produção
acadêmica ser italiana a utilização dos materiais bibliográficos foi escassa,
limitando-se em apenas alguns documentos.
A segunda parte da pesquisa como se refere ao estudo da prática
escolar da Escola Lumiar, em que se leva em conta seu contexto e sua
complexidade foi utilizado como documento de pesquisa, materiais doados pela
escola, como diário de aula, projeto pedagógico e portfólio de alguns
estudantes. Em todas as visitas feitas à escola foi redigido um diário de campo
com base nas observações e interações ocorridas com os agentes da escola
(estudantes, profissionais e funcionários) que tive em todas as visitas.
Para realizar a pesquisa firmamos um termo de livre consentimento com
a instituição, permitindo a divulgação do nome e das informações obtidas por
conversar informais.
Foram feitas três visitas à escola. O primeiro contato com a instituição
foi um encontro que a diretora recebeu-me e apresentou-me o espaço escolar.
Depois conversamos por cerca de uma hora a respeito da pesquisa onde tive a
oportunidade de questioná-la a respeito da instituição por meio de uma
entrevista aberta em que as questões surgiam conforme conversávamos sobre
a instituição e a forma como adaptavam a abordagem pedagógica Reggio
Emillia na escola.
Na segunda visita, fui à reunião dos educadores, chamados na escola
por tutores, pois assumem um papel diferenciado do professor tradicional.
Estes educadores são formados em alguma licenciatura e são responsáveis
pelo acompanhamento anual dos educandos, visando o desenvolvimento
pedagógico e fazendo a intermediação entre os próprios estudantes, pais e
instituição e também estudantes e instituição. Este encontro acontece uma vez
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por semana, desta vez apenas observei os temas discutidos e como eram
direcionados na reunião. Também pude presenciar, no momento que espera o
horário da reunião, as crianças brincando no pátio.
Na terceira e última vez presenciei toda a rotina escolar, fiquei o dia
inteiro na escola observando e ficando cerca de 40 minutos em cada sala da
educação infantil, conversando e fazendo perguntas (pré-estabelecidas) a
respeito do cotidiano da sala de aula, dificuldades, e sobre a experiência de
trabalhar na instituição. Também, presenciei a Roda, espécie de assembléia
que reúne estudantes, educadores e funcionários para discutirem assuntos da
cultura escolar (veremos mais detalhadamente este processo no terceiro
capítulo). Para finalizar a pesquisa, reuni-me mais uma vez com a diretora para
que ela me contasse da historia da escola e algumas especificações da rotina.
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Capítulo 2 – Da luta à realização
1.1 Contexto histórico
Para conversarmos da abordagem de educação infantil de Reggio Emilia, e
depois como esta é adaptada ao cenário de uma escola paulistana. A principio
teremos que colocar essa experiência em perspectiva, investigar o contexto que
tornou possível a concretização dessa abordagem. Para isso faremos uma pequena
retrospectiva na história dos direitos das crianças na Itália, até chegar a educação de
Reggio Emilia .
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A educação infantil italiana dividi-se em duas etapas: o asilo-nido e a scuola
dell’infazia. O primeiro tipo é destinado a crianças de 0 a 3 anos (também denominado
presepi), correspondente no Brasil as creches2 (LDB/1996) e o segundo tipo equivalem
à pré-escola que atende crianças de 4 a 6 anos. Neste trabalho utilizaremos as
denominações brasileiras para estas instituições.
A educação da pré-escola na Itália é uma disputa, histórica, entre o Estado e a
Igreja. O estado italiano se constituiu apenas em 1860 (Edwards, Gandini e Forman,
1999), sendo muito jovem em comparação com a Igreja católica, existente há séculos.
Segundo Cambi e Ulivieri (1988 apud Gandini e Forman, 1999, p.30), por volta de
1820, no nordeste e no centro da Itália, começaram a surgir instituições de caridade,
conseqüência de uma preocupação com os pobres, para melhorar a vida do povo
urbano, reduzindo a criminalidade, mortalidade infantil e formando melhores cidadãos.
Dentre estas instituições, surgiram algumas que eram específicas para
crianças pequenas, que de certa maneira, foram precursoras dos dois principais
programas para a primeira infância. A creche e a pré-escola têm origem no início do
século XIX com o processo de industrialização, porém cada uma delas apresenta uma
trajetória diferente.
1. Nido em italiano quer dizer “ninho”
2. A etnologia da palavra creche significa manjedoura, lugar em que o menino Jesus foi
posto ao nascer, em italiano a denominação correspondente, presepi, significa
presépio. Isto mostra a conotação assistencialista que a instituição denota. Em alguns
lugares a palavra está sendo revista, como em São Paulo, que as antigas creches são
chamadas de CEI – Centro de Educação Infantil. Porém, no presente trabalho
utilizaremos a denominação creche, por ser a palavra mais difundida.
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Em 1827, nascem as pré-escolas (Scuole dell’ Infanzia) responsáveis pela
educação de crianças dos 3 aos 6 anos, do italiano Ferrante Aporti, fundadas em
Cremona. Inicialmente os primeiros asilos nido (assim chamados na Itália) de Aporti,
eram destinados às crianças de famílias abastadas, porém ele mesmo já observava a
necessidade de promover a fundação dessas escolas para a população pobre
(MANACORDA, 2006).
Aporti desenvolve as pré-escolas voltadas para uma educação escolarizante,
dando prioridade, para que as infâncias das crianças pequenas sejam não apenas
cuidadas, mas principalmente educada e instruídas. Um exemplo é a forma como ele
organiza o currículo escolar, o historiador italiano Manacorda, nos descreve:
“( ) além do ensino religioso, como orações, salmos, hinos
sagrados escritos por ele mesmo e práticas sacramentais,
também atividades espontâneas ao ar livre e trabalhos
manuais. E, especialmente a partir do último ano, introduz os
primeiros rudimentos da preparação formal do ler, escrever e
fazer contas, usando o método indutivo ou demonstrativo, a
nomenclatura sistemática e o cálculo mental sobre objetos
concretos” (p 281)
Esta iniciativa de Aporti foi a responsável pela difusão das escolas infantis em
toda a Itália e para a conscientização do poder público
Em 1840 surgem as primeiras creches de empresas, as quais foram
construídas por industrialistas em suas próprias fábricas, para crianças em fase de
amamentação, de mães trabalhadoras. Segundo Peruta (1980, apud Gandini e
Forman, 1999, p.30) “em Pinerolo, Piedmont, foi estabelecida uma creche no moinho
de seda, onde os berços eram balançados pelo motor hidráulico do engenho”.
Estas instituições nascem suprindo uma necessidade que vai muito além da
pedagógica, sendo esta social que caminha junto com o processo produtivo da época,
ora possibilitando que as mulheres assumissem a condição operária, ora iniciando o
treinamento das crianças para futuramente adentrarem as necessidades fabris.
Após a unificação do Estado italiano, essas instituições continuaram se
desenvolvendo, porém com dificuldade. O inicio das creches italianas, tinham o perfil
filantrópico, subsidiadas pelo setor privado. Combinavam prevenção com assistência,
com o objetivo de instruir as mães sobre cuidados básicos com seus filhos para,
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assim, diminuir a mortalidade infantil. Foi apenas no final do século XIX, que o governo
começa a apoiá-las com fundo público, sendo este, na maioria das vezes, municipais.
A partir destas iniciativas, é em 1925, que o Estado intervém diretamente nas
creches, com a criação da ONMI – Opera Nazionale Maternità Infazia -, de orientação
fascista, que legitima, em seu programa, as formas de atendimento existente até
então, sendo assim, apenas dando continuidade ao passado, tomando para si os
méritos dessa inovação (FARIA In: CAMPOS, M.M.; ROSEMBERG, F. 1994).
Esta organização ganhou força com a promulgação da lei nacional para a
Proteção e Assistência a Infância, sendo esta a primeira intervenção governamental,
voltada para esta faixa-etária. Esse programa atendeu, apenas 1% das crianças de 0 a
3 anos, funcionavam em casas adaptadas, embora, havia refeitórios e consultórios,
para as mães serem atendidas,os profissionais que prestavam estes serviços eram
vigilantes, visitadoras e enfermeiras. No livro Manual de educação infantil de 0 a 3
anos, Bondioli e Mantovani (1998) nos descreve como funcionavam as creches:
“A existência e as condições das antigas creches ex-Onmi (Opera
Nazionale Maternità e Infanzia, uma criação de Benito Mussolini, a
partir de 1925), fortemente medicalizadas, assépticas, com uma total
ausência de laços afetivos com a família, uma relação numérico
adulto-criança muito desfavorável (às vezes superior a 1-20) e a nãocontinuidade dos cuidados no período dos três anos (os educadores
eram da “sala” berçário ou da “sala” desmame e não acompanhavam
as crianças nas novas seções) induziam a uma comparação
incorreta, mas compreensível, entre creche e orfanato, ou creche e
hospital, com as situações portanto estudadas pela literatura bem
conhecida sobre os “traumas” da separação, da hospitalização ou da
carência de cuidados maternos” (p.16).
Podemos perceber que a luta nas creches se dá através do Estado versus
Sociedade, enquanto as pré-escolas continuavam a ser disputadíssimas pela Igreja.
No período fascista, a pré-escola já estava sob o controle da Igreja Católica,
concedido pela Reforma Escolar de 1923, aprovada pelo ministro Gentile. As préescolas ficaram sob a ordem da Igreja, por duradouros 44 anos. Somente em 1968
com a lei nº 444, se tornaram estatais, após grande embate político e em 1966 com a
queda da coalizão partidária (FARIA, In: CAMPOS, M.M.; ROSEMBERG, F.1994).
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De acordo com FARIA (1994), na segunda metade do século XX, com o
término da segunda Guerra Mundial, as mulheres começam a ter maior participação
social, independência e autonomia. O número de mulheres trabalhadoras nas fábricas
aumenta e seus direitos começam a ser ouvidos. Em 1960, a UDI – União das
Mulheres Italianas – luta para que a organização dos serviços sociais, em especifico
das creches, fosse uma intervenção direta do Estado, apresentaram uma proposta de
lei para que as creches-OMNI começassem a ser administradas pelos municípios3. Em
contra partida em 1965, também por movimentos populares, era exigido a criação de
um serviço nacional de creches. Em 1968, a proposta para uma política de serviços
sociais, era de unificação do Estado e das entidades locais.
Finalmente em 1971 foi sancionada a lei nº 1044, que institui uma nova espécie
de centro para cuidados na primeira infância e determina o seu modo de
funcionamento, sem sequer mencionar a criança. Inicialmente a creche tem como
objetivo apenas “promover a temporária custódia da criança, para facilitar o ingresso
da mulher no mercado de trabalho” (art 2, apud, BONDIOLI e MANTOVANI, p 15);
sua gestão é municipal com programação regional e a União tem o direito de intervir
na constituição desses serviços sociais.
Em 1971, também é sancionada a lei nº 1204, sobre a maternidade.
Estabelece 12 semanas de licença paga com 70% dos rendimentos e mais 6 meses
de licença com 30% dos rendimentos, possibilidade da mãe se ausentar do trabalho,
quando a criança, de até 3 anos, estiver doente.
Temos que levar em consideração o momento histórico em que a Itália estava
passando. Após ter perdido a segunda guerra mundial, teve que se reorganizar e
estruturar economicamente, politicamente e socialmente no compasso das mudanças
do sistema capitalista. Talvez por estas razões, a pedagogia italiana não estava
sensível nem preparada para pensar a educação infantil por uma perspectiva
pedagógica, que garantisse a qualidade educacional. Será preciso esperar 10 anos
após a promulgação da lei 1044, para que inicie alguns movimentos pedagógicos, que
comecem a pensar em uma “Lei Constitucional” pedagógica sobre a creche
Resumindo o que recém vimos a creche na Itália passa por transformações
que podemos defini-las em três fases, até chegar ao padrão, mais parecido com o que
encontramos atualmente. Na primeira, tinha o caráter assistencial como referente à
3. As primeiras creches a se tornarem municipais foram as de empresas (FARIA, 1998).
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família necessitada, a fim de instruir cuidados de higiene, instruções médicas e de
auxílio às mães. Na segunda, funcionava como serviço em resposta às necessidades
e aos direitos da mulher que trabalha. Por último, que se segue aperfeiçoando, até os
dias de hoje, a idéia de agente educativa, em que o foco está no desenvolvimento da
criança e a prioridade na qualidade de ensino.
Aspecto esse, que as escolas de Reggio Emilia influenciaram diretamente. Pois
em 1980 se formara na cidade, o Grupo nacional de trabalho e estudo sobre a creche,
que contribuiu para definir algumas propostas de linhas pedagógicas, que a lei 1044
deixara em aberto.
Porém, muito antes de 1980 a região de Emilia Romagna, já estava à frente de
toda a nação, pois em 1970 já tinha inaugurado seus primeiros centros municipais,
construído por iniciativas locais, coordenadas pelos próprios pais. Influencia direta do
grupo criado em 1951 MCE (Movimento de Educação Cooperativa), que à luz da
pedagogia de Celestin Freinet, John Dewey e da escola popular vindo da França,
promoviam debates acalorados, que fomentavam ainda mais a vontade das pessoas
de mudarem a educação do país em todos os níveis. O líder deste movimento, Bruno
Ciari, foi convidado pela administração esquerdista de Bologna para organizar e dirigir
o sistema municipal de educação. Aliás, estes sistemas municipais de educação,
apenas foram estabelecidos nas cidades que tinham administrações esquerdistas, nos
anos de 60 e 70 (Gandini e Forman, 1999).
O debate organizado, inicialmente, por Ciari, foi o “tom” necessário para
“sintonizar” as pessoas, em um grupo, que partilhavam de concepções educacionais
parecidas, que o ajudou a formular muitas de suas idéias, não só teóricas, ma também
sobre o aspecto físico da educação. O grupo acreditava que:
“( ) a educação deveria liberar a energia e as capacidades infantis e promover
o desenvolvimento harmonioso da criança como um todo, em todas as áreas –
comunicativa, social, afetiva e também em relação ao pensamento crítico e
científico.
Ciari
incitava
os
educadores
para
que
desenvolvessem
relacionamentos com as famílias e encorajassem comitês participativos de
professores, pais e cidadãos. Argumentava que deveria haver dois, ao invés de
um professor em cada sala de aula, e que a equipe deveriam trabalhar em
conjunto, sem hierarquia. Ele acreditava que as crianças deveriam ser
agrupadas por idade, durante um parte do dia, mas mesclar-se livremente
durante outra parte, e desejava limitar o numero de crianças por sala de aula a
20 (Gandini e Forman, 1999, p 33)”.
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Dentre os participantes deste grupo, estava o protagonista de nossa escola,
Loris Malaguzzi, que bebeu, não somente, destas idéias inovadoras, mas também com
estas pode adquirir fôlego e inspiração para realizar o projeto pedagógico das escolas
infantis de Reggio Emillia, que hoje é reconhecia com um dos melhores sistemas de
educação para a educação primeira infância, do mundo.
1.2 Abordagem Reggio Emilia
Reggio Emllia é uma cidade de 130 mil habitantes que fica na região próspera
de Emilia Romagna, no nordeste da Itália. Sua educação municipal ficou conhecida
como um dos melhores sistemas educacionais do mundo no ano de 1991, através de
uma concepção pedagógica que a criança é “portadora de história, capaz de múltiplas
relações, construtora de culturas infantis, sujeito de direitos” (FARIA in: CAMPOS,
M.M.; ROSEMBERG, F., p. 280).
A primeira escola surgiu através de um movimento comunitário, incluindo pais e
educadores, tendo como protagonista desta história o educador Loris Malaguzzi. Seis
dias após o término da Segunda Guerra Mundial, Malaguzzi ouvira que algumas
pessoas haviam decidido construir e coordenar uma escola para crianças pequenas
em um vilarejo próximo a Reggio Emilia. Motivado com a idéia, pegou a sua bicicleta e
correu até o pequeno vilarejo, constatando a informação, vendo “mulheres
empenhadas recolher e lavar tijolos” (MALAGUZZI, in EDWARDS, C. GANDINI, L.
FORMAN, G, 1999, p. 59). O dinheiro para iniciar a construção da escola viria de um
tanque de guerra abandonado, alguns caminhões e cavalos que os alemães deixaram
para trás em retirada. Malaguzzi, logo se apresentou como professor e foi convidado a
trabalhar com a equipe. Jovens, mulheres, homens, fazendeiros, iniciaram a
construção com tanta motivação, que não pensaram com que dinheiro iriam operar a
escola.
Quando
foram
interrogados
como
este
questionamento,
disseram:
“Encontraremos um modo”
Oito meses mais tarde a escola e o companheirismo da equipe se enraizaram.
Esta escola foi apenas o inicio de outras escolas que foram construídas na periferia e
nos bairros mais pobres da cidade, porém a cidade não tinha verba para sustentar as
sete escolas criadas, muitas fecharam e outras conseguiram sobreviver com garra e
força por quase 20 anos.
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Nosso educador lecionou por sete anos em uma destas escolas, largou o seu
emprego desiludido com o Estado e o sistema educacional imposto para as crianças,
descreve sua experiência sendo gratificante o trabalho com as crianças, porém:
“( ) a escola, operada pelo estado, continuava seguindo seu próprio
curso, aderindo à sua estúpida e intolerável indiferença para com as
crianças, à sua atenção oportunista e obsequiosa para com a
autoridade e à sua esperteza auto-aproveitadora, empurrando um
conhecimento pré-embalado” (MALAGUZZI, in EDWARDS, C.
GANDINI, L. FORMAN, G, 1999, p. 60).
Quando largou seu emprego de educador, foi a Roma estudar Psicologia no
Centro Nacional de Pesquisa, quando retornou a Reggio Emilia, começou a trabalhar
em um centro de saúde mental para crianças com dificuldade na escola, que operava
com verba municipal. Nessa época, trabalhava de manhã neste centro e à noite em
uma escola operada pelos pais. Os professores desta escola eram empenhados e
tinham distinções em suas formações profissionais (alguns em escolas católicas e
outros em escolas particulares), esta diferença enriquecia, ainda mais, o ambiente
escolar, pois “seus pensamentos eram abertos e receptivos e sua energia inesgotável”
(MALAGUZZI, p. 61). Uma dificuldade, que os professores tinham era a língua, pois o
dialeto italiano falado pelas crianças era muito diferente do italiano oficial, usado pelos
professores. Sendo assim, formaram uma parceria com os pais, para que os
ajudassem. A princípio foi desafiador não pela falta de determinação, mas pela falta de
experiência, pois estavam rompendo com padrões tradicionais.
Esta experiência, podemos dizer que foi apenas uma preparação para o ano de
1963, ano este que as primeiras creches municipais foram criadas. Para a primeira foi
dado o nome de Robinson, uma homenagem ao herói aventureiro do escritor Defóe.
Esta escola estabeleceu um marco importante, era a primeira vez que os cidadãos
afirmavam o direito de ter uma escola específica para crianças pequenas, de melhor
qualidade e uma escola longe das mãos da caridade e Igreja católica. Surgia então
uma nova espécie de instituição escolar.
Logo no início os projetos educacionais da creche já estavam moldando parte,
do que seria hoje, a Abordagem Reggio Emilia. Trabalhavam reconhecendo o direito
de cada criança ser a protagonista pela busca de seu conhecimento, deixando a
curiosidade espontânea sempre acesa ao máximo. Sendo assim, aprendiam com as
crianças, com as famílias e com o trabalho.
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Durante estes 48 anos, o sistema criou um conjunto único e inovador de
concepções pedagógicas, currículo, projetos educativos, hipóteses filosóficas e
ambientes arquitetônicos, que todos juntos formam a abordagem de Reggio Emilia.
Atualmente, Reggio Emilia possui 13 creches, com várias tipologias. Aquela que é
mais aplicada às creches de grande capacidade (60/66 crianças), são subdivididas em
4 turmas, que variam, no mínimo de 25 crianças e no máximo de 37, sendo estas:
lactantes, pequenas, médias e grandes. Trabalham com 11 educadores, 4 auxiliares e
um cozinheiro. Outra tipologia usada para creches com capacidade de 55 crianças,
subdividi-se em 3 turmas e trabalham com um quadro funcional de 9 educadores, 3
auxiliares e um cozinheiro. Há também mais duas formas organizacionais: uma com
34 crianças dividas em duas turmas, com 6 educadores, 3 auxiliares e um cozinheiro,
no total; e outra com apenas um turma de 18 crianças, com duas educadoras uma
auxiliar um cozinheiro. Quando há alguma criança com deficiência física, há o
acompanhamento de educadores suplementares. (BONDIOLI, p. 324)
As creches iniciam seu ano letivo no dia 1º de setembro e terminam no dia 15
de julho (neste período de férias, até o dia 10 de agosto as escolas trabalham com um
serviço reduzido em função da demanda de alguns funcionários). As creches abrem as
07h45min da manhã e funcionam até as 16h, em todos os dias da semana, em caso
de cinco famílias apresentarem solicitação específica, o horário é prolongado até as
18h20min. Aos sábados, também é previsto um serviço reduzido das 07h45min às 13h
(BONDIOLI, 1998).
Segundo BONDIOLI 1998, a carga horária dos funcionários é de 36 horas
semanais, sendo destas, 33 destinadas á atividade direta com as crianças e 3 a
iniciativas de promoção social, cultural e profissional. Antes a carga horária de 36
horas era dividida em 30 horas com as crianças, 4 horas e meia para reuniões,
planejamento e treinamento em serviço, e uma hora e meia para documentação e
análise (EDWARDS, GANDINI, FORMAN, 1999).
Um dos aspectos centrais na abordagem Reggio Emilia gira em torno da
Pedagogia da Relação, é claro que a criança é o foco de toda a abordagem, mas só
ela não é suficiente, é fundamental para a educação das crianças também os
professores e a família. Esta participação não é apenas burocrática como reuniões
bimestrais ou chamados aos pais para irem à escola ouvirem do comportamento de
seus filhos, como vemos freqüentemente. Esta participação é como se os três
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componentes centrais fizessem parte de uma família, e a escola é preparada para que
se sintam em casa. Segundo MALAGUZZI:
“Ela deve incorporar meios de intensificar os relacionamentos entre
os três protagonistas centrais, de garantir completa atenção aos
problemas da educação e de ativar a participação e pesquisas. Estas
são as ferramentas mais efetivas para que todos os envolvidos –
crianças, professores e pais – tornem-se unidos e conscientes das
contribuições uns dos outros. Estas são as ferramentas mais efetivas
para que nos sintamos bem cooperando e produzindo, em harmonia,
um nível superior de resultados (In: EDWARDS, C. GANDINI, L.
FORMAN, G, 1999, p 75) ”
Através da Pedagogia da Relação, tanto as crianças quanto os adulto
aprendem na diferença com o outro, com o diálogo, com a troca de idéias, mas isso só
acontece porque o ambiente democrático e aberto proporciona esta prática e ampliam
seus horizontes. As famílias são chamadas às reuniões para discutirem o currículo, os
projetos e pesquisas, idéias para a organização das atividades, o estabelecimento do
espaço e também para organizem jantares de celebração na escola. As crianças
recebem todos os endereços e telefones das outras crianças e de seus professores,
são encorajadas a visitarem as casas de seus colegas e aos locais de trabalho dos
pais. Tudo isso coopera no desenvolvimento de uma educação em que a criança tem
um papel ativo na construção e aquisição da aprendizagem e da compreensão (Idem,
1999). Esta concepção pedagógica é a base que origina o currículo, a arquitetura e o
sistema administrativo das escolas municipais de Reggio Emlia.
O currículo não é planejado com unidades e subunidades, do que as crianças
vão aprender o ano todo. Ao contrário disto, a cada ano, cada escola esboça uma
série de projetos relacionados, alguns de longo e outros de curto prazo. Esses temas
servem como apoios estruturais, para que os objetivos não se percam de vista, porém
todo o processo fica a cargo das crianças, para que elas descubram o porquê e como
chegar até uma hipótese, que se manterá como verdade, até o momento que entrar
em conflito com outra situação que poderá contradizer esta hipótese que foi
desenvolvida pela criança.
Durante o ano o currículo também emerge das próprias crianças, de projetos
que partem da percepção dos educadores com as curiosidades das crianças do que
elas querem saber e o tema que está sendo discutido entre elas em alguns momentos.
21
Isso não significa que é baseado na improvisação ou no acaso, mas através da
perspectiva de que estar com as crianças é trabalhar menos com certezas e mais com
incertezas e inovações. Segundo MALAGUZZI, 1999:
“As certezas fazem com que entendamos e tentemos entender
Desejamos estudar se a aprendizagem possui seu próprio
fluxo, tempo e lugar; como a aprendizagem possui seu próprio
fluxo, tempo e lugar; como a aprendizagem pode ser
preparada, que habilidades e esquemas cognitivos valem a
pena apoiar, como oferecer palavras, gráficos, pensamento
lógico, linguagem corporal, linguagem simbólica, fantasia,
narrativa e argumentação; como brincar; como fingir; como as
amizades se formam e se dissipam; como a identidade
individual e de grupo se desenvolve; e como emergem as
diferenças e as similaridades ” (p 102)
Para ilustrar a concepção de currículo, descreveremos uma experiência que
ocorreu na escola Anna Frank em Reggio Emilia, que o educador Baji Rankin nos
conta em um texto que escreveu enquanto fazia sua tese de doutorado em 1989 sobre
o desenvolvimento do currículo emergente.
Em Reggio Emilia como em vários outros locais as crianças levam brinquedos
de suas casas para a escola. Na escola Anna Frank as educadoras perceberam que
as crianças de 5 a 6 anos traziam, com freqüência, brinquedos de dinossauros à
escola e suas brincadeiras acabavam girando, espontaneamente, em torno do tema.
As professoras decidiram junto com as crianças montar um projeto a longo prazo para
estudar mais a fundo o tema dinossauros.
Antes de iniciar o projeto as professoras debateram o tema e viram as
possibilidades e possíveis rumos que ele poderia tomar. Depois fizeram um roteiro
com perguntas “provocadoras”, para despertar nas crianças uma discussão e poder
avaliar o nível de conhecimento delas a respeito do tema, estabelecendo para que
elas próprias possam descobrir suas questões e problemas a serem explorados.
Para começar o projeto a professora levou cerca de metade da turma para a
sala de ateliê, explicou que trabalhariam com aquele tema por algum tempo e a
oportunidade especial de trabalharem juntas. Primeiramente fez uma investigação
gráfica, pedindo para os educandos desenharem dinossauros como preferissem.
Durante, este momento as crianças observavam os desenhos uma das outras,
22
comentando diferenças e curiosidades a respeito do tema. Depois conversou
individualmente com cada criança sobre o desenho. Logo após, juntou-as para uma
discussão sobre os dinossauros, levantando questões como: onde eles viviam; o que
comiam; de que tamanho eram; como cuidavam de seus filhotes; como nasciam os
filhotes; e desta forma a discussão foi tomando formato com os educandos, sem mais
as intervenções da professora.
Toda esta conversa foi gravada e transcrita pela professora e por pais
voluntários (este processo é típico em Reggio e faz parte do que os educadores
chamam de documentação, veremos este método adiante, mais detalhadamente). Os
adultos puderam estudar e refletir quais os temas que mais incitavam as crianças à
discussões e interações.
No segundo dia de trabalho, perceberam que o interesse das crianças não
estava tão alto como no primeiro dia, seus desenhos e discussões não eram tão ricas
como no primeiro, a educadora pensou este realmente era um projeto a ser feito a
longo prazo, concluiu também que a falta de energia poderia ter sido gerada pela
abordagem dada pelos os adultos. Para reavivar o grupo, a professora ofereceu argila
para construções de dinossauros e percebeu que o interesse deles sobre o tema ainda
estava presente. Dentre outras conversas que tiveram, durante a atividade,
perceberam que precisavam ter mais conhecimento sobre o tema.
No dia seguinte a professora iniciou uma discussão, perguntando onde as
crianças poderiam ter mais informações adicionais sobre os dinossauros, o que
desencadeou uma explosão de idéias: televisão, jornais, filmes, desenhos, livros de
casa e da biblioteca, revistas, lojas, irmãos mais velhos e outros parentes. As crianças
foram à biblioteca local, estudaram alguns livros lá mesmos e outros levaram para a
escola, para obterem informações no momento que desejassem ou surgisse a dúvida.
O próximo passo foi montar uma carta para enviar às pessoas que poderiam
compartilhar informações a respeito do tema. Todos participaram na montagem da
carta tanto no conteúdo escrito, na transcrição do esboço para a carta a ser enviada e
também nos endereçamentos dos envelopes. Nas próximas semanas as pessoas
foram recebidas com muito entusiasmo pelas crianças, que haviam preparado, com
antecedência, uma série de perguntas que as intrigavam para fazer com cada um,
especificamente. Entre os visitantes estavam, dois irmãos mais velhos, que já haviam
concluído seus estudos na escola Anna Frank, um pai, uma avó e uma especialista em
preservação da natureza, de um vilarejo local.
23
Durante este tempo os educandos continuaram fazendo o projeto construindo
dinossauros em argila, os pintando com guache e desenhando com giz. Um grupo de
quatro meninos construíram um dinossauro realmente grande, chamando ainda mais
atenção das crianças para o real tamanho dos dinossauros, produzindo uma conversa
sobre fazerem um dinossauro realmente grande. As crianças empenharam-se em
jogos com sombra projetando imagens de dinossauros na parede. Desta forma,
tiveram a chance de vivenciar as enormes dimensões dos dinossauros.
Para elaborar esse tema, a professora os indagou o que poderia ser feito para
construir um dinossauro realmente grande, a discussão foi entusiasmada, com muitas
idéias de matérias que poderiam usar e técnicas para confeccionar, porém
perceberam que algo necessitava ser decidido: qual dinossauro iriam construir.
Fizeram uma votação entre os tipos preferidos, o Tyrannossaurus Rex foi o vencedor.
No dia seguinte, antes de começarem a construção as crianças se dividiram,
espontaneamente, em dois grupos, o das meninas e dos meninos. Com dificuldades e
desafios os dois grupos conseguiram terminar a construção, as meninas utilizaram
sopor e arame e os meninos, tiveram mais dificuldades, pois usaram apenas arame e
metal, precisara, com mais freqüência da ajuda de adultos.
O projeto foi se desenrolando de acordo com as curiosidades e as hipóteses
que as crianças vinham desenvolvendo. No final do projeto, as duas equipes se
juntaram e montaram um dinossauro em tamanho real de 27 metros de altura por 9
metros de comprimento. A professora montou uma exposição com o desenho,
inaugurando-a com uma apresentação dos próprios educandos em que explicavam as
atividades realizadas e os passos pelo qual haviam chegado à suas conclusões. Como
é comum em Reggio, as exposições dos trabalhos feitos pelas crianças seguem um
critério estético, ou seja, são postos de uma forma em que todos possam olhar,
comentar e se orgulhar do trabalho que fizeram. Segundo MALAGUZZI (1999):
“As paredes de nossas pré-escolas falam e documentam. As paredes
são
usadas
como
espaços
para
exposições
temporárias
e
permanentes de tudo o que as crianças e os adultos trazem à vida (in
EDWARDS, C. GANDINI, L. FORMAN, G, 1999 p.73) ”
Vimos um exemplo de como um projeto é levado adiante em uma das escolas
de Reggio Emilia, com um desenvolvimento imprevisível e emergente. Podemos
perceber que a concretização dele só foi possível dado algumas diretrizes que foram
tomadas pelos educadores junto com os educandos: primeiro pela interação dinâmica
24
e cooperativa entre crianças e adultos. Segundo, porque foi baseado nas questões,
comentários, curiosidades das crianças envolvidas, com uma disposição de tempo
para que elas pudessem surgir com soluções e hipóteses dos problemas criados. E
por último, o momento de compartilhar das crianças envolvidas no projeto com as
outras crianças da escola.
Outra marca importante para o desenvolvimento dos projetos, currículo e
principalmente pelo desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor e relacional das crianças
é a documentação feita pelos professores. Este processo sistemático de documentar o
processo e o resultado, com fotografias, gravações de vídeos e voz, transcrições das
falas das crianças, dos desenhos com explicações dos significados embutidos neles,
possibilita aos discentes uma espécie de memória concreta e visível do que disseram,
fizeram e experenciaram. Com a finalidade, para os docentes de saberem os próximos
pontos de partida para a aprendizagem. Para os pais, como documento informativo do
que acontece nas escolas para poderem apoiar e acompanhar o aprendizado de suas
crianças. Este sistema de documentação também possibilita um portfólio singular de
cada criança, mostrando sua individualidade e seu processo de aprendizagem
desenvolvido que também é único e pertencente somente ao educando (Gandini e
Forman, 1999).
Como dito anteriormente no texto, o projeto educacional de Reggio Emilia é
centrado na participação dos três sujeitos da educação: a criança, os educadores e a
família. Para que a família possua uma importância central nesta gestão de
relacionamento, as escolas desenvolveram técnicas de comunicações eficazes, que
torna as creches mais transparentes. Na creche, em lugares específicos, ficam
quadros com informações sobre as iniciativas da instituição, documentação da
qualidade dos serviços oferecidos às crianças e fornecer sugestões e reflexões sobre
a educação infantil. Também possui um quadro com funções ligadas ao
funcionamento interno como: fotos dos funcionários, horários de turno, listas
telefônicas das famílias, das creches, dos funcionários e cadernos de atas (BONDIOLI,
1998).
Outra técnica utilizada para instaurar um relacionamento positivo entre a escola
e família de troca, discussões e confronto em relação a tudo que diz respeito aos
pequenos, foi instaurada diversos tipos de encontros de acordo com a necessidade
das discussões e das socializações. Para isso existem as reuniões de turma, em
pequenos grupos e individuais. Isto gera à família um sentimento de participação como
25
indivíduos em não apenas como pais. Outro ponto também a se ressaltar são as
discussões sobre o serviço das instituições que os pais fazem para a creche que gira
em torno cada vez menos na necessidade e mais na qualidade que a escola
apresenta (idem, 1998).
A arquitetura das escolas também é pensada a partir do critério da pedagogia
relacional, são espaço agradáveis e acolhedores. O pátio das escolas funciona como
uma praça da cidade e é o local onde todas as crianças da creche se encontram,
possibilitando visibilidade e participação. Também o ateliê possui fácil acesso desde
qualquer lugar da escola. As crianças tem garantia de livre exploração dentro dos
espaços, cada ambiente é específico para cada atividade, as salas de aula, recanto do
almoço, recanto para as sonecas, a toca (espaço para o isolamento das crianças). A
organização espacial das creches favorece a descoberta e o desenvolvimento das
capacidades comunicativas (idem, 1998).
O sistema educacional em Reggio Emilia é único, possui uma combinação real
entre a concepção pedagógica, a prática escolar, a arquitetura das escolas, o sistema
avaliativo e busca através de discussões e problematizações geradas pelos
educadores, pelas famílias ou pelas crianças aperfeiçoarem cada vez mais seus
métodos
em
prol
da
qualidade
da
educação
dos
pequenos.
É uma abordagem que devemos nos atentar a suas inovações, para adaptá-las ao
cenário das escolas brasileiras, que ainda tem um caráter assistencialista, em que as
creches, muitas vezes são vistas como “depósitos” de crianças Parece que a
educação infantil aqui no Brasil, ainda está mais voltada para as necessidades das
mães do que para os direitos da criança pequena.
26
Capítulo 3 – A instituição escolar Lumiar
1.Introduçao
Para realizar a pesquisa de campo houve contato com varias escolas de
educação infantil, que adotam como parte de sua metodologia a abordagem Reggio
Emilia. No entanto muitos desses contatos nos deram uma resposta negativa a
respeito da participação à pesquisa e outros nem nos retornaram dando respostas.
Além do empecilho de encontrar uma escola que possibilitasse a pesquisa, não
conseguimos encontrar nenhuma instituição que se inspirasse unicamente no modelo
de Reggio Emilia. Como vimos no segundo capítulo a abordagem pedagógica italiana
é muito particular dado a cultura, a educação e os problemas existentes naquele local.
Por isso, as escolas aqui no Brasil que trabalham com esta abordagem se utilizam de
muitas outras concepções pedagógicas para darem aporte teórico e prático em suas
escolas.
Felizmente, a escola paulistana Lumiar nos possibilitou realizar a pesquisa
dentro da instituição e nos forneceu documentos para que esta fosse concluída.
Embora, a escola não tenha como foco pedagógico a abordagem Reggio Emilia, ao
propor o seu trabalho educacional, dentro de um viés da educação democrática, utiliza
como apoio teórico e prático a pedagogia italiana.
Para situar o leitor sobre a escola onde parte da pesquisa foi feita, iniciaremos
o capitulo com o histórico da instituição, o marco epistemológico, pedagógico e
operativo, sendo estes voltados, principalmente, para a educação infantil. Os dados
históricos, contexto pedagógico da instituição, marco operacional, organização
curricular e a perspectiva avaliativa da Instituição Lumiar foram obtidos através do
Projeto Pedagógico da Escola Lumiar (2010/2011) e de entrevistas realizadas com a
atual diretora da Escola.
2. Projeto Político Pedagógico
2.1 Histórico
A idealização da instituição Lumiar surgiu a partir das inquietações do
empresário paulistano Ricardo Semler, ex-presidente do Grupo Semco4. Embora
4. A Semco surgiu na década de 1950, o Grupo desenvolveu negócios nas áreas de: consultoria
ambiental, gerenciamento de propriedades, consultoria imobiliária, serviços de inventário e
27
pareça estranho um empresário tomar frente de uma inovação pedagógica, Semler,
percebeu a relevância de uma modificação na estrutura escolar, levando o
questionamento estrutural da fábrica, para a escola.
Quando Ricardo Semler assumiu a presidência do grupo SEMCO, mudou o
sistema de gestão de hierárquico para descentralizado, utilizou-se da filosofia da
democracia industrial radical. Sistema esse implementado com muito sucesso,
fazendo os lucros da empresa aumentarem até 50 vezes em 10 anos. Esta gestão
está baseada, como o próprio nome diz, na democracia. As questões da empresa são
levadas para pautas em assembléias e discutidas com os funcionários. Até hoje os
funcionários se beneficiam dessas transformações: o horário e o ambiente de trabalho
foram abolidos, as pessoas entram e saem de acordo com as regras pré-definidas, por
elas mesmas e podem escolher um de cada quatro lugares para trabalharem no
período do dia. Os líderes são aprovados pelos seus futuros subordinados e
semestralmente são submetidos a uma avaliação anônima, que garante ou não a
continuidade ao cargo.
No inicio os empresários julgaram ser uma loucura e que seria questão de
tempo para a empresa falir, na época trabalhavam 300 funcionários e hoje depois de
20 anos da implementação da gestão democrática, a companhia soma-se em 3000
trabalhadores.
No entanto, as maiores resistências em aceitar a mudança da gestão
administrativa não foram dos empresários, mas sim dos funcionários. Segundo
Semler, “o que fizemos foi contra a natureza do condicionamento que aquelas pessoas
já traziam” (entrevista a revista Educação, Ed. 264. 03/2003). Condicionamento este
gerado desde pequenos na instituição escolar, em que temos horário de chegada e de
saída inflexíveis, permissão para ir ao banheiro, beber água e falar, horário de brincar
e estudar, matérias em que o ensinamento é obrigatório, mas não desejável pelos
estudantes; ou seja, um local pouco apropriado para gerar uma consciência dialógica
voltada ao exercício da democracia. Sendo assim, Semler percebeu a importância de
modificar a estrutura padrão da escola. Daí, para a fundação da escola Lumiar foi
quase um processo natural, mas que levou muitos anos de estudos e aprimoramento.
serviços de manutenção volante. Atualmente é líder de mercado nas áreas de equipamentos
industriais e soluções pra gerenciamento postal de documentos. (site: www.semco.com.br).
28
Na década de 1990 foi formado um grupo, com outros pensadores, que
também acreditavam que seria possível a discussão de um “novo tipo de escola” Este
grupo, o qual era gerido pela educadora e socióloga Helena Singer, autora do livro
República de Crianças, (o qual reuni 95 iniciativas de abordagens pedagógicas
democráticas e libertárias desenvolvidas pelo mundo) e também ex-diretora da antiga
fundação SEMCO, (que hoje por incorporações de novos sócios, chama-se RALSTON
SEMLER) da qual faz parte o Instituto Lumiar que assiste e subsidia a escola Lumiar.
Com o surgimento da nova Lei Diretrizes e Bases (1996), e dos Parametros
Curriculares Nacionais, cujo currículo escolar não é trabalhado em uma estrutura
concreta e rígida de disciplinas, este grupo percebeu uma oportunidade para recriar a
instituição escolar, pautada nos valores democráticos e em torno do que o educando
quer aprender. Criaram um projeto piloto chamado, A Escola Que Eu Quero, o qual
mais tarde deu origem a escola Lumiar.
Neste projeto já havia parte dos conceitos que a escola Lumiar trabalha hoje,
como por exemplo, a figura do professor que normalmente é tida como centro de
conhecimento e autoridade máxima. Esta figura, pelos padrões tradicionais, necessita
saber desde trigonometria, seno e cosseno, historia da dinastia Ming, Lei de Mendel,
gerenciar uma turma de crianças e intermediar relações de pais e escola; ou seja, é
praticamente impossível termos uma educação de qualidade através deste modelo.
Desta forma, a Lumiar separou este profissional polivalente em: tutor e mestre.
O primeiro é um profissional formado em pedagogia, na área de Educação
Infantil e Educação Fundamental I, em licenciaturas diversas para a atuação no ensino
Fundamental II. Cuja função é acompanhar e supervisionar, ano a ano, um grupo de
educandos e mestres em todas as suas atividades, avaliando o desenvolvimento
global de cada criança. Também são responsáveis pelo planejamento de ensino, de
modo a contemplar as expectativas de aprendizagem referente aos ciclos.
O segundo são especialistas nas diversas áreas do conhecimento, cuja função
é planejar e coordenar projetos de aprendizagem, decididos pelos tutores e alunos.
Para este grupo é necessário o conhecimento profundo de algum assunto, adquirido
ou por vivência teórica ou práticas anteriores, somando-se a paixão que tem pelo
tema. Trabalham em parceria com os tutores na avaliação e preparação das
atividades.
29
A escola Lumiar foi finalmente, fundada em 2003, na Rua Bela Cintra n. 561,
no bairro da consolação na cidade de São Paulo, com um grupo de 26 crianças de 2 a
6 anos (somente Educação Infantil) e, hoje, atende desde a Educação Infantil até o
Ensino Fundamental um total de 70 alunos, sendo destes, 40 na Educação Infantil e
30 no Ensino Fundamental.
A escola desde o inicio “norteia sua prática democrática a criar uma cultura
escolar em que crianças e adultos comprometam-se e empenham-se nos seus
processos de aprendizagem e com a construção da autonomia” (Projeto pedagógico,
Escola Lumiar, 2010/2011, p.4). Como prática deste processo a escola faz reuniões
regularmente entre pais, mestres, tutores e estudantes em formato de assembléia. No
inicio, estas assembléias, discutiam e deliberavam as regras, currículo escolar e
assuntos burocráticos referentes à escola. A partir de 2006, com a cisão e
reestruturação que houve na diretoria da Instituição, estas reuniões se tornaram,
apenas consultivas, ou seja, as opiniões dos pais e funcionários são levadas em
reuniões com a equipe escolar, parar assim tomarem os profissionais tomarem as
decisões.
A Escola coloca-se diante do desafio educacional modificando-se e
aperfeiçoando-se frente a um tripé que equilibra a busca entre a excelência e a
efetividade, sendo estes: a relevância, a qualidade e a atualização. Aquela, refere-se à
pesquisa como ascensão do avanço metodológico e à disseminação de suas
concepções nos meios educacionais, a continua formação de seus docentes e à
inclusão mestres, para gerar novas idéias nos programas de estudo, ao trabalho com
temas desafiantes a sociedade e com ênfase na interdisciplinaridade;
Essa, se refere ao conceito de à avaliação continua de seus docentes e da
aprendizagem dos discentes, à honestidade institucional à uma perspectiva
democrática da gestão e comunicação, por último ao investimento no ambiente escolar
que promova cooperação, respeito, participação e valorização do outro;
Esta se refere ao conceito de estar sempre atualizando as informações
disponíveis no mundo cientifico, econômico, político e cultural e às novas parcerias
com empresas e/ou instituições voltadas para o desenvolvimento da tecnologia;
2.2 Fundamentos do Projeto Pedagógico
Antes de apresentar as principais matrizes teóricas das opções pedagógicas,
da organização curricular e do formato de gestão que alicerçam a abordagem
30
pedagógica da instituição Lumiar, será feito um marco situacional das mudanças
histórico-conceituais, que na perspectiva da Escola Lumiar, são tidas como triviais
para gerar a educação tradicional que temos atualmente em nossa sociedade.
Para a instituição houve quatro grandes mudanças que marcaram a
contemporaneidade e que influenciaram diversos setores da sociedade e áreas do
conhecimento.
A primeira foi o Iluminismo, período em que em que a razão prevaleceu como
fonte da verdade absoluta, determinou que o conhecimento científico quando
comprovado, era definitivo. Há uma separação entre o corpo e a cabeça, como se o
aluno deixasse o corpo em casa e apenas levasse a cabeça. O trabalho manual, neste
período, é interpretado, como se fosse totalmente segregado do intelectual.
A segunda mudança na educação veio com interferência da Psicologia, suas
teorias influenciaram muito os métodos educativos no Brasil, como o agrupamento dos
alunos e a relação entre educador e educando. Estas teorias começaram a balizar a
educação de crianças e jovens, como se todos se desenvolvessem do mesmo modo e
do mesmo ritmo.
A terceira veio com o advento do movimento modernista nas artes, que
provocou uma crítica ao excesso de racionalismo, possibilitando assim, a discussão de
verdades tidas como fechadas e absolutas. Deste movimento surgiram educadores
como Dewey, Piaget, Freinet, Maria Montessori, Loris Malaguzzi, e aqui no Brasil,
Paulo Freire.
A última grande influencia na educação, foi responsável pela mudança do
conceito de tempo e espaço, é a chamada globalização que por meio da tecnologia,
atualmente nos possibilita estar em todos os lugares a qualquer hora.
A partir destas quatro influencias citadas no Projeto Pedagógico da escola, há,
também, inúmeras transformações que ocorreram e ainda ocorrem em vários espaços
de conhecimento, sendo a escola um destes. Sendo assim, há um conjunto de
perspectivas
que
para
a
instituição
Lumiar
precisa
ser
considerada
na
contemporaneidade, sendo estas:
- Ninguém consegue, quer ou deve aprender tudo, mesmo que seja de
uma área restrita e/ou especializada.
31
-
Não
é
mais
possível
contentar-se
com
um
“estoque”
de
conhecimento, são as metodologias para aprender que assumem maior
valor relativo.
- O educando é sujeito do seu processo e deve aprender a gerenciar o
conhecimento.
- Todo conhecimento cientifico é, também, conhecimento social e o
educando deve ser capaz de articular o que aprende cm o que vê e faz.
- A escola deve criar condições para que o educando exercite sua
autonomia e singularidade num espaço democrático e aberto às
diferenças.
- O processo de escolarização deve pautar o desenvolvimento de
competências e habilidades especificas, bem como a aquisição de
conhecimentos significativos nas diversas áreas do conhecimento.
- A educação deve comprometer-se com a consciência ambiental, ética
e estética, com a disseminação de valores fundamentais para a
convivência humana, promovendo a ecologia humana. (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2010/2011, p. 8).
Sendo assim, a Escola Lumiar assume o posicionamento de que seus
educandos são “protagonistas desse universo mutante e surpreendente”, de uma
maneira que inova e transforma o ambiente escolar. Há que ser ressaltado, que as
ações deste posicionamento, estão centradas no conceito que a escola define como
conhecimento. Conceito este que emerge do confronto entre o conhecimento objetivo,
explicativo, monotético (conteúdos fixos, verdades absolutas) e o conhecimento interobjetivo, compreensivo e interdisciplinar (conhecimento derivado da interpretação de
cada indivíduo). Definindo, assim, as perspectivas paradigmáticas:
-
(...)
o
conhecimento
integração/articulação
de
deve
superar
saberes
numa
dicotomias
visão
e
ralçar
humanística
de
educação;
- (...) Põe em debate à exclusiva disciplinarização do saber cientifico e
elege o desafio da organização curricular em áreas do conhecimento,
valorizando a perspectiva local e o enfoque universal nessa
construção;
- (...) o conhecimento é também autoconhecimento na medida em que
o ato de conhecer e o conhecimento construído são inseparáveis,
32
coabitam na mesma teia de significados e adquirem sentidos
peculiares para cada educando;
- (...) o conhecimento deve ser aprendido na resolução de problemas
do cotidiano e trazer sabedoria de vida, em outras palavras, o
conhecimento
construção
deve
transformar-se
necessariamente
passa
em
“senso
pelo
comum”:
desenvolvimento
essa
de
competências;
- aceita que o padrão de apreensão de conteúdo especifico é da alçada
do poder e do desejo particular do educando, porém, o conhecimento
linear e horizontal é viável como ferramenta de cidadania, assim o
aprofundamento conteudístico também tem lugar e espaço na Escola
Lumiar. (PROJETO PEDAGÓGICO 2010/2011. p.9)
O conceito de conhecimento é tecido, de forma dinâmica em que são
construídos através de um posicionamento diante de um repertorio adquirido, sendo
este, utilizado de maneira livre e criativa. Diferencia conhecimento de informação,
sendo necessário, não apenas ter acesso a grande quantidade de informações, mas
principalmente utilizá-las adequadamente.
Utilizam a experiência como uma das formas de aprendizagem, construindo-o
assim significativamente, ou seja, os educandos atribuem sentido para o que
aprendem Segundo PCNs, “A aprendizagem significativa implica sempre alguma
ousadia: diante do problema posto, o aluno precisa elaborar hipóteses e experimentálas (p 38) ”
Desta forma, o projeto da escola é formulado com propostas que ajustam o
ensino para potencializar a aprendizagem. Preservando o desejo de aprender e a
curiosidade dos alunos para poder garantir experiências bem sucedidas. Portanto o
currículo da escola, através da perspectiva cultural e social, centra-se no
desenvolvimento de competências.
Rompe com a organização do conhecimento por
disciplinas, ampliando o trabalho pedagógico através de projetos interdisciplinares. Os
temas dos projetos são definidos o período escolar e atendem aos questionamentos e
ao interesse dos discentes.
Neste formato curricular exige que o tutor assuma a “tarefa de regulação do
processo educativo e tenha uma prática pessoal dos conhecimentos em ação,
participando de processos de pesquisa ou de aplicações tecnológicas” (p 11). O tutor
também faz a “mediação pedagógica”, ou seja, adapta as práticas pedagógicas e suas
33
respectivas metodologias para alcançar as competências exigidas para o perfil de
saída dos educandos do Ensino Fundamental.
Ao demonstrar seu perfil curricular e epistemológico a escola define sua
concepção de aprendizagem. Sendo seus pontos principais:
“aprender como o outro de forma horizontal, pela constituição de
grupos multietários, confrontar idéias, hipóteses e teorias entre iguais
e diferentes são movimentos que evidenciaram o quanto a escola
valoriza o diálogo e os diversos estilos de aprendizagem ”(p 12)
2.3 Currículo e Competências
2.3.1Educação Infantil
A educação infantil trabalha com a faixa etária entre 0 a 6 anos. De 0 a 3 anos,
o que seria a creche, as crianças são dividias em dois grupos o GI (0 a 2 anos) e o GII
(2 a 3 anos). O que compreende a educação infantil as crianças de 4 a 5 anos, ficam
em grupo chamado de Infantil.
Para o primeiro grupo, o cuidar e o educar são ações presentes pelo tutor e
assistente, estes dois adultos são responsáveis por uma sala de no máximo 10
crianças. Para o desenvolvimento da convivência são elaboradas atividades para que
os educandos se reconheçam no espaço e entre cada um de seus colegas. Também
há atividades de pintura e argila, contação de história, linguagem oral, movimento
corporal e música.
No segundo grupo, como as crianças já apresentam maior estrutura para
interagirem nas atividades propostas pelos tutores e mestres, as quais são dirigidas
para: linguagem oral, arte, música e movimento corporal. Há um tutor e uma assistente
para cada turma de 15 crianças.
No Infantil o foco dos educadores está em desenvolver a autonomia das
crianças, tanto nos autocuidados, quanto a linguagem e convivência. Nesta etapa os
mestres já conseguem desenvolver os projetos junto com os estudantes, voltando as
atividades para o desenvolvimento de habilidades e competências na área de artes,
linguagem oral e escrita, matemática, corpo e movimento, música e língua estrangeira.
34
As vivencias são embasadas em alguns princípios educativos, sempre levando
em consideração as necessidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas dessa
faixa etária, fortalecendo assim o sentido de cidadania e seus deveres. A escola tem
como princípios educativos:
“- o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas
nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais,
étnicas, religiosas, etc.;
- O direito das crianças a brincar, como forma particular de
expressão, pensamento, interação e comunicação infantil;
- O acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis,
ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão,
à comunicação, aos afetos, à interação social, ao pensamento, à
ética e à estética;
- A socialização das crianças por meio de sua participação e inserção
nas mais diversificadas práticas sociais, discriminação de espécie
alguma;
- O atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência
e ao desenvolvimento de sua identidade ” (p. 20)
Através da concepção de que a criança é um individuo com opinião, que tem
seus direitos adquiridos assim que nasce e sua identidade deve ser sempre
respeitada, pode-se dizer que ela desde cedo é produtora de cultura, que pode
provocar mudanças nos ambientes em que vive e nas relações que estabelece, além
claro de observar, indagar e pensar o mundo e sobre o mundo de forma ativa.
Ao aceitarmos a criança como sujeito social, temos que considerar as
singularidades que esta carrega, suas competências e as múltiplas formas de
expressão de que é capaz. A Escola Lumiar, ao observar essas diversidades de
potencialidades, organiza seu trabalho para enaltecer tais individuas. As crianças ao
receberem uma organização de cenários pedagógicos desafiadores, nos quais as
brincadeiras, a investigação e a experiência criam a oportunidade de aprendizado de
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, tem um desenvolvimento de sua
formação de maneira integral e integrada.
O importante para os educadores da Escola Lumiar, é o planejamento flexível,
para que o trabalho das crianças se mantenha sempre atento, e que em determinado
35
momento possam alterar a proposta de ensino sem perder seu foco principal que é a
formação pessoal e o conhecimento de mundo que são adquiridos durante os
processos educacionais. A formação pessoal é baseada nas experiências que
favorecem, prioritariamente, a construção do sujeito, e o conhecimento de mundo
refere-se à construção das diferentes linguagens pelas crianças e às relações que
estabelecem com os objetivos de conhecimento.
Os principais eixos trabalhados pela Escola Lumiar na educação infantil são:
Movimento, Artes Visuais, Música, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade,
Matemática.
2.3.2 Ensino Fundamental
O Ensino Fundamental abrange estudantes de 6 a 14 anos que são agrupadas
em quatro ciclos. O primeiro chamado de F1 com crianças de 6 a 8 anos possuem
trabalhos mais voltados para a alfabetização. O segundo F2, com grupo de crianças
de 9 a 11 anos, já possuem grande compreensão escrita e aos poucos vão adquirindo
outros conhecimentos. O terceiro, F3 é formado por adolescentes entre 13 a 14 anos,
que estão em fase de construção da autonomia de seu próprio conhecimento. O
último, F4 é formado por estudantes de 15 a 16 anos, que estão em fase de conclusão
de seus próprios projetos, neste ciclo há uma tese a ser feita por cada educando sobre
o tema que preferir.
Seguindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96)
artigos 26º e 27º, a Escola Lumiar insere no seu Plano Curricular as exigências da
Base Comum, desenvolvendo assuntos e temas de interesse do educandos,
trabalhando também com os Temas Transversais descritos nos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
A Escola Lumiar adota uma metodologia para trabalhas estes ciclos, chamados
de “ciclos do conhecimento”, que são divididos da seguinte forma: Linguagens,
Códigos e Suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias;
Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Vale ressaltar que esta abordagem esta diretamente ligada à formação na e
para a cidadania, pois oferece formas para o pensar diante de situações novas e
desafiadoras, para a resolução de problemas e para a proposição de novas idéias
hipóteses, teorias ou soluções.
36
Todo o conhecimento é trabalhado de maneira integral, desvinculado da
clássica divisão disciplinar, pois os educadores tutores e mestres da Escola Lumiar
entendem que este tipo de abordagem enriquece a formação da criança e do jovem,
proporcionando uma relação com o conhecimento que não se dá de forma
fragmentada, estanque, mas integral e mediada nas diversas áreas do saber.
Por
considerar
procedimentais
são
que
os
os
conteúdos
verdadeiros
objetos
factuais,conceituais,
de
aprendizagem;
atitudinais
que
e
existe
aprendizagem entre os diversos grupos etários da escola e seus compromissos em
saber fazer, saber aprender, conviver e ser; a instituição adota como referência para o
trabalho educativo a matriz dos eixos cognitivos comuns a todas as áreas do
conhecimento, publicada pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Nacionais – (versão 2009) e que orienta o Exame Nacional de Ensino Médio.
2.4 Organização Curricular
Na Escola Lumiar o currículo é estruturado através de projetos que exigem a
participação de cada membro do grupo. Para que isto ocorra, o trabalho é orientado
por meio da relevância para cada um dos participantes, a possibilidade de novas
aprendizagens e por último que o tema escolhido tenha que ser estudado e resolvido
no contexto em que os educandos vivem.
A decisão da Lumiar em trabalhar com projetos como cerne do currículo
escolar permite que os estudantes se apropriem do seu próprio processo de
aprendizagem e desenvolvimento, colocando em prática competências sociais como
comunicação, trabalho em equipe, gestão de conflitos, análises de cenários futuros,
tomada de decisões e avaliações de processos. Todo este procedimento vai em
direção oposta aos métodos tradicionais de educação (Projeto pedagógico
2010/2011).
Para os projetos terem um caráter viabilizador, é necessário que trabalhe estes
temas: responsabilidade e autonomia do estudante, criatividade e ousadia para criar
soluções, que seja complexo a ponto de problematizar, que trabalhe com
planejamento e tenha caráter interdisciplinar com atividades intencionais.
Além do projeto, que é o centro do desenvolvimento das habilidades
pedagógicas, atitudinais, procedimentais, acadêmicas e conceituais, a escola também
utiliza-se de outros três instrumentos para a complementação da formação do
individuo. São elas: módulo de aprendizagem, oficinas e a roda.
37
No primeiro trabalha-se com percursos didáticos que são de interesse dos
educandos, que transcorre dentro ou fora dos projetos. Uma das formas dessas
atividades ocorrerem é com o que a Lumiar chama de leitura de mundo. Todos os dias
os estudantes lêem jornais que geram discussões e trocas amplas sobre os
acontecimentos do mundo. Estas discussões criam uma consciência critica com o
mundo em que vivemos.
No segundo são trabalhados conteúdos específicos, desde que aja interesse
por parte dos estudantes, pois isto leva o desenvolvimento de especificas
competências, que serão aplicadas no mundo e em sociedade. São trabalhados nas
oficinas temas transversais e artísticos. Para alguns as oficinas assumem um caráter
do fazer, ou seja, a experiência como método de aprendizagem. Também possibilita o
desenvolvimento de outras linguagens, como visuais, corporais, musicais e
movimento.
Por último temos a roda, que ocorre uma vez por semana e é um momento
institucional do diálogo, que tem característica de assembléia, com pautas prédefinidas e inscrições para falas. Nestes encontros participam funcionários,
educadores (mestres e tutores) e educandos a partir dos 4 anos com a finalidade de
discutirem a melhor forma de conviverem no espaço escolar. É um meio de exercer a
democracia e que os estudantes aprendam a se posicionar de acordo com seus
desejos e pensamentos, e a aceitarem quando estes são vencidos pela maioria de
votos. A roda promove: a valorização da coletividade, sentido de pertencimento,
consenso entre regras, deveres e direitos, capacidade de argumentação pela busca da
coalizão entre todos os participantes.
Para que estes objetivos sejam alcançados, a roda necessita de algumas
características como: regularidade para que se incorpore na cultura escolar; alteração
do local de realização da assembléia, mostrando de maneira simbólica que a
colaboração entre os membros com suas diferenças tem aspectos positivos; tempo
necessário para discutir a pauta estabelecida de forma hierárquica dos assuntos mais
importantes; promoção do diálogo com o intuito de solucionar os problemas e
encaminhar
propostas
que
vão
do
comprometimento
individual
ao
grupal;
fortalecimento da eficácia com a reunião de pais, professores e Conselho Escolar; a
dinâmica depende da faixa etária dos estudantes.
38
2.5 Avaliação
A instituição Lumiar não trabalha com conceitos reproducionistas e
conteúdistas de educação como tradicionalmente encontramos na maioria das
escolas, portanto seu sistema avaliativo tampouco é como os mecanismos tradicionais
enraízados no sistema educacional. Ao contrario disto, como já vimos, a escola Lumiar
trabalha em uma perspectiva de desenvolvimento de habilidades e competências.
Desta mesma forma o sistema avaliativo, também rompe com o tradicional,
caminhando para um caráter mais formativo, ou seja, busca através da avaliação o
desenvolvimento de cada educando.
Na escola Lumiar avaliação não é apenas aferir o conhecimento obtido pelo
estudante, mas principalmente, analisar o saber fazer, a autonomia para aprender, a
aplicabilidade deste ao cotidiano, a resolução de problemas e na formulação de
hipóteses e planejamentos. O estudante tem um compromisso com o conhecimento e
cada um é consciente do seu processo de aprendizagem.
Para que isto ocorra a escola tem o compromisso de possibilitar a existência de
uma valorização da auto-avaliação e de processos de aprendizagem com ênfase nos
resultados, colaboração entre os educandos com colegas que necessitem de ajuda
para compreender algum tema, investimento na formação de tutores e mestres no que
tange o tema da cultura da avaliação e preocupação em diversificar os instrumentos
avaliativos.
A escola Lumiar conta com a ajuda da tecnologia com um programa
computacional, criado por eles mesmos, chamado Mosaico, que se destina a registrar
os saberes construídos pelos estudantes. É um sistema que identifica o percurso do
conhecimento de cada um, mapeando competências e habilidades desenvolvidas, a
partir de registros que os tutores e mestres observam. Esse registro é acumulativo, vai
desde o primeiro ano que o estudante está na escola até o momento que se forma. O
Mosaico também tem o intuito de servir futuramente de base para decisões
vocacionais, pois os estudantes verão para que área está voltada suas maiores
habilidades e competências.
3. A experiência de alguns dias na Lumiar
3.1 Espaço Escolar
39
A primeira visita à escola foi apenas uma aproximação entre mim e a
instituição. Quando cheguei, a primeira pessoa a me recepcionar foi João5, um
funcionário muito simpático, que pediu que eu esperasse enquanto ele iria avisar a
diretora. A escola fica em uma antiga casa que foi adaptada para a instituição. Fiquei
esperando em um ambiente que parecia ser a garagem da casa, pois em frente há um
largo portão seguido de uma rampa que fica ao ar livre até este local coberto. Neste
ambiente há dois bancos compridos, onde fiquei sentada esperando ser chamada, há
também, como adorno a frente de um carro azul antigo (que parecia ser um galaxi),
atrás dele uma mesa, que não conseguimos ver, onde fica sentado o João.
Fui conhecer a escola no período de julho, muitas crianças estavam de recesso
escolar, porém outras por conta das atividades dos pais continuaram seus estudos.
Por este motivo a movimentação na escola não estava “normal”, havia muito menos
crianças. A diretora me apresentou todo o espaço escola e depois me levou à sua sala
para conversarmos.
Primeiramente me perguntou sobre meu projeto, os objetivos e a importância
que a escola Lumiar tinha para este. Expliquei todas as suas dúvidas e iniciamos uma
conversa em que ela me contou sobre o funcionamento da escola, os marcos
epistemológicos mais importantes e principalmente sobre a história da instituição.
Embora tenha sido uma reunião curta foi muito produtiva, encerramos a conversa, pois
a escola já estava no horário de fechar.
Na segunda visita, em que fui para acompanhar a reunião dos tutores,
consegui perceber melhor o espaço escolar, havia muitas características parecidas
com o espaço das escolas de Reggio Emilia. Nas paredes da casa em lugares
estudados, havia murais expondo os trabalhos dos educandos, desde o primeiro ciclo
Infantil 1 até os concluintes Fundamental 4. Os trabalhos são expostos pensados em
uma forma estética, ou seja, que fique agradável visualmente. Entrando pelo que seria
a porta principal da “casa”, há um pequeno hall com um aparador com jornais de
diferentes marcas até ideologias políticas, como a Folha de São Paulo e Carta Capital.
Este hall que nos leva há um grande salão. Este salão é dividido em dois ambientes:
biblioteca e o que poderíamos chamar de sala de reunião.
A biblioteca é um ambiente muito agradável, são estantes dispostas no
contorno das de três paredes e lembram uma biblioteca caseira. O ambiente é muito
5
Todos os nomes são fictícios para preservar a identidade dos participantes.
40
convidativo para pegarmos um livro e ficarmos lendo nas carteiras que ficam no meio
das estantes ou em cima de um “puffs”. Há temática dos livros é bastante
diversificada, entre as obras literárias encontramos desde gibis da Turma da Mônica a
livros do sociólogo Darcy Ribeiro; desde livros de artes aos de administração moderna.
No outro ambiente do salão, além de uma grande mesa para a reunião. Há
também uma lousa, às vezes com recados informativos e um pequeno aquário que as
crianças interagem dando comida e observando o comportamento dos seres vivos
dali. Neste salão há duas grandes portas para o pátio em uma parede, na outra uma
para a cozinha e na terceira parede uma releitura de um quadro do Matisse, usando
técnica de gesso em cima da parede de tijolo a vista. Nesta obra o artista foca
contorno e as sombras.
No pátio ficam as salas da educação infantil e no andar de cima as salas do
fundamental. Não são salas de aula tradicionais, muitas vezes os estudantes nem
fazem suas práticas nelas, mas elas fazem um papel importante para que estudante
fortaleça o sentido de pertencimento. As crianças e os adolescentes caminham
livremente pela escola, sendo motivados a explorem todos os espaços.
Cada sala tem uma característica própria, tanto arquitetônica quanto decorativa
e organizacional, que vai de encontro com o que a tutora responsável pelo ciclo e as
crianças querem. Neste caso vou me deter mais as características das salas da
educação infantil.
No primeiro ciclo Infantil 1 (I1), que correspondem a crianças de 0 a 2 anos.
Como nesta faixa etária alguns dos estudantes não têm autonomia, dentro da sala há
um banheiro em que cabe um educando um adulto. Há um grande espelho em uma
das paredes para que os bebês e as crianças interajam. Há na sala colchões, “puffs” e
redes, para que os educandos escolham onde querem dormir ou passar um tempo. Os
brinquedos disponíveis para que eles são bonecas, ursos, livros de borracha,
carrinhos, brinquedos de encaixe e instrumentos musicais.
Na sala do infantil 2 (I2), que compreende crianças de 2 a 4 anos, a
apresentação visual é voltada para a ludicidade. Alem de espaços para formarem
rodas e conversarem, há um mezanino para as crianças se isolarem e normalmente o
utilizam para o horário da soneca. Todo trabalho dos estudantes são expostos por eles
mesmos nas paredes, todos os colegas se preocupam com as atividades do outro. Os
brinquedos ficam guardados dentro dos armários e os educandos tem a possibilidade
41
de pegarem nos momentos permitidos. Nesta sala encontramos uma gama variada de
brinquedos, desde industriais até os produzidos por eles mesmos.
Finalmente na sala do infantil 3 (I3) com crianças de 4 a 6 anos, a sala
apresenta um local separado para a soneca, para realizarem as atividades e outro
para brincarem. Muitos brinquedos são produzidos por eles mesmos e com materiais
recicláveis, há também brinquedos que trabalham habilidades como: costura,
construção e a criatividade.
3.2 A experiência da Roda
Na minha terceira visita, além de acompanhar os rotina das salas de educação
infantil, participei da Roda, atividade que ocorre semanalmente em formato de
assembléia (p.36). Nesta semana a Roda aconteceu no salão de reuniões, todos os
participantes, incluso eu, ajudou a tirar as mesas e montar as cadeiras em circulo para
o inicio da atividade.
Na lousa estavam escritos os informes, as pautas principais e um lugar
reservado para as inscrições. Quem coordena a roda é algum adulto, neste dia era a
diretora Mariana. Como toda assembléia iniciou dizendo os informes. O primeiro foi a
respeito da Festa do Halloween (acontecida no dia anterior), queriam fazer um
“feedback” com críticas do que poderia melhorar, sugestões e elogios.
Para falarem usam o método de se inscreverem. Neste dia a responsável pelas
inscrições era Ivone, criança do fundamental 1, auxiliada por Bruno, de 14 anos que a
ajuda a ver e marcar os inscritos.
As crianças começaram a dar suas sugestões, dizendo que a festa produzida
por eles mesmos, tinha sido boa, ocorreu como planejado e estava animada. Ivone
comentou que para ela a decoração estava muito assustadora e poderia ter sido
menos exagerado. Uma educadora mencionou como crítica que a festa acabou e a
organização do espaço sobrou para poucas pessoas e que isto deveria ser revisto
para um próximo evento.
O segundo e o terceiro informe foram sobre a presença de uma criança que
estava vendo a atividade pela primeira vez e sobre a minha presença. Expliquei para
eles o por quê estava ali, e contei-lhes sobre o meu projeto.
Depois dos informes passaram para os assuntos da pauta, que são
selecionados por ordem de importância. O primeiro a ser tratado foi sobre a
42
organização da própria Roda, a discussão era para que mudasse o papel do
coordenador, ao invés de sempre ser um adulto fosse um educando, possivelmente do
fundamental 4. Houve bastante discussão, pois os próprios estudantes não mostraram
muito interesse em serem os organizadores da assembléia. Talvez por medo do novo
ou pela responsabilidade que é ocupada por um adulto. Fizeram o encaminhamento
da proposta de mudança e a maioria dos votos foi a favor da troca.
O segundo assunto a ser discutido era o desperdício do papel higiênico e do
papel para secar as mãos que havia aumentado e o que poderia ser feito para
diminuírem. Neste tema a participação de todas as crianças foi mais presente. A
primeira sugestão a ser feita era estabelecer o número de “quadrados” que cada um
iria usar. Um adulto interveio dizendo que a idéia era boa, porém nos rolo da escola
não há quebra do papel em quadrados, ele é inteiro. Outra ideia dada era para cada
um trazer uma toalha de casa, para secarem as mãos.
Teve uma sugestão dada por uma criança de 4 anos, que era usar o papel e
depois devolver para a reutilização, o raciocínio dele havia lógica neste momento de
reciclagem que estamos vivendo, porém não passou por sua cabeça que o papel
depois de utilizado estaria sujo. Este raciocínio foi complementado pela ajuda de seus
colegas que o explicaram o porque não poderiam reutilizá-lo.
As propostas foram encaminhadas e a vencedora mudará a dinâmica de todos,
pois terão que trazer toalhas de suas casas.
O terceiro e último assunto a ser discutido na assembléia era em torno da
utilização inapropriada dos jogos de cartas. Que afeta mais as crianças de 8 a 14
anos. No momento das sugestões houve de todos os tipos; das crianças partiram que
poderiam jogar nos momentos que quisessem (idéia refutada pelos adultos e a maioria
das outras crianças), dos adultos fazer um teste de ficarem uma semana sem levarem
as cartas, para perceberem as alterações que poderiam ter no cotidiano (idéias
também refutada pelas crianças).
Chegaram ao consenso de utilizar a mesma regra de um problema que haviam
tido pouco tempo atrás com os celulares, jogariam as cartas, apenas nos momentos
apropriados e estes seriam decididos junto com seus tutores. Caso a regra fosse
desrespeitada haveria uma punição de uma semana sem o jogo.
43
Para concluir a Roda, foi lida a Ata que foi feita por uma tutora e uma criança
de 8 anos. Após o término todos ajudaram a remontar a sala e foram para suas
devidas atividades.
3.4 Reunião com os tutores
A reunião com os tutores foi rápida e coma presença de poucos educadores.
Nestes encontros os educadores se reúnem para discutir, problemas que os pais
levam à escola, compartilhar conhecimentos e experiência e também informar
atividades que necessitarão sair da escola.
Nesta reunião especifica, as professoras infirmaram alguns livros que haviam
comprado para os projetos que estavam desenvolvendo e para a instituição
reembolsá-la. Também houve os informes de alguns passeios que algumas series
iriam realizar.
Discutiram os projetos de trabalho de conclusão de curso que o fundamental 4
estava realizando, viram as coerências dos projetos e que livros poderiam utilizar a
desenvolverem suas pesquisas.
Viram o andamento dos portfólios de cada criança, que seria entregue na
reunião com pais no final de ano, dividiram entre elas quais crianças cada um se
responsabilizaria para escrever o relatório final e por último qual modelo de portfólio
utilizariam. Para isto leram diversos modelos que foram utilizados em outros anos e
escolheram o que melhor se encaixa com o que estavam vivendo naquele momento.
Estes portfólios que são entregues aos pais, além de aproximá-los à educação
escolar de seus filhos, mostram-lhes o desenvolvimento continuo das diferentes
linguagens. Ao contrario do que vemos na educação tradicional, estes registros não é
um acúmulo de atividades feitas pelas crianças, mas um relato de hipóteses, conflitos,
progressos e vivências obtidas pelos educandos. Os documentos são singulares,
mostra o crescimento contínuo e principalmente o processo que fez os estudantes
chegarem até estes resultados.
44
Considerações finais
A abordagem pedagógica Reggio Emilia desenvolve uma concepção de
educação única, voltada diretamente para o direito dos pequenos, construindo
indivíduos
que
através
de
vivencias,
experimentações,
hipóteses,
conflitos,
conseguem criar além do acúmulo de conhecimento, suas próprias culturas. São
capazes de ministrar suas identidades e autonomia através de relações com seus
colegas, pais, familiares, sociedade, mundo real e imaginário.
Antes de descrever as considerações é importante lembrar que a instituição
participante da pesquisa é particular e não pública, como é a abordagem Reggio
Emilia na Itália, e por isso temos que refletir também as devidas considerações de
contexto. O tempo que estive presente na escola Lumiar foi curto, todavia, aliado às
leituras a respeito de sua organização e propósitos, fez-me traçar algumas
considerações que talvez careçam de mais elementos. Necessitaria de um tempo
maior com a escola, para aferir os conteúdos descritos nos documentos com a
congruência dos atos no cotidiano escolar e aprofundar a pesquisa do tipo etnográfico.
Todavia esse processo foi essencial para que eu compreendesse a relação pesquisa e
escrita.
Mesmo com tempo reduzido, foi possível perceber que a educação praticada
na escola brasileira Lumiar trabalha para desenvolver também seres autônomos, livres
e que possuam uma consciência crítica do mundo ao seu redor. Por meio de suas
práticas escolares, compreensão de currículo, portfólios e documentação das crianças,
conclui-se grande semelhança dessas práticas com as utilizadas em Reggio Emilia.
Uma destas semelhanças é o currículo emergente que desenvolve projetos, a
partir dos desejos, anseios e curiosidades das crianças junto com a percepção ativa
do educador. Os temas geram uma abertura para trabalhar conflitos entre as crianças,
conteúdos pré-estabelecidos pelos PCNs, auxiliando que os educandos explorem o
próprio caminho de seu conhecimento, desenvolvendo habilidades comunicativas,
criativas e o respeito à individualidade ao próximo.
A educação na instituição Lumiar com as contribuições da abordagem
pedagógica de Reggio Emilia apontam um movimento inovador na educação para os
pequenos. Um espaço formador de consciência critica e de novas concepções para
utilizarmos como práticas pedagógicas em outros ambientes escolares.
45
Através das experiências que tive na escola Lumiar acompanhada com as
leituras que descrevem a abordagem Reggio Emilia pude compreender o quanto a
educação infantil no Brasil pode crescer à luz destas concepções pedagógicas. Uma
modificação a ser feita é na estrutura curricular em que cria uma liberdade para
desenvolvimento de projetos referentes à realidade dos educandos, viabilizando desta
forma o desenvolvimento de varias linguagens.
Portanto, é necessária uma nova perspectiva dos educadores para com as
crianças, enxergando que cada uma delas é um ser único, portador e construtor de
sua própria história. Os educadores precisam valorizar sua posição no mundo, seus
os desejos, suas criações, seus pontos de vista para que construam sua autonomia e
individualidade na diferença e no respeito com o próximo.
46
Referencias bibliográficas:
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BONDIOLI, A. MANTOVANI, S. Introdução. In: BONDIOLI, A. MANTOVANI, S.
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9 ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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GANDINI, L. FORMAN, G. (Org.). As cem linguagens da criança. Porto Alegre:
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FARIA, Ana Lucia Goulart de. Impressões sobre as creches no norte da Itália:
Bambini si Diventa. In: CAMPOS, M.M.; ROSEMBERG, F. (Orgs). Creches e
pré-escolas no Hemisfério Norte. São Paulo: Cortez: Fundação Carlos Chagas,
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da Infância: dialogando com o Passado Construindo o Futuro. Porto Alegre:
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MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos
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RANKIN, B. Desenvolvimento do currículo em Reggio Emilia – um projeto de
currículo de longo prazo sobre os dinossauros. In: EDWARDS, C. GANDINI, L.
FORMAN, G. (Org.). As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed,
1999.
47
Anexo I
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
1- A instituição Lumiar está sendo convidado para participar da pesquisa
“______________ __________________________________________________”.
2- A instituição Lumiar foi selecionada por ser uma escola brasileira que tem como uma
de suas abordagens pedagógicas a Pedagogia italiana Reggio Emilia. A participação da
instituição não é obrigatória.
3- Os objetivos deste estudo é identificar, observar, registrar e compreender a experiência
de educação infantil na instituição Lumiar à luz da abordagem pedagógica Reggio Emilia, para
assim identificar semelhanças, diferenças e adaptações, desta abordagem.
4- A participação da instituição nesta pesquisa consistirá em fazer três visitas de cerca de
seis horas, cada uma. A primeira para conhecer a escola. A segunda para observar a reunião
dos tutores. E a terceira com a finalidade de observar a assembléia da escola e coletar
matérias como: projeto pedagógico, portfólio dos tutores e a “agenda dos estudantes”.
5- A instituição tem direito a esclarecimentos, antes, durante e após as visitas.
6- A qualquer momento a instituição pode desistir de participar desta pesquisa.
7- As informações obtidas como o nome da escola podem ser divulgadas na monografia.
8- As informações obtidas através dos documentos, referente aos estudantes, será obtido
sigilo dos nomes.
Nome e assinatura da pesquisadora
__________________________________________________________________
Raíssa Rodrigues Carollo
Endereço: Rua Nercio Nardi, 127, Portal do Parque. Araras – São Paulo
Telefone: 19- 3542-3702/ 19-9395-2064
__________________________________________________________________
Assinatura da responsável pela instituição escolar Lumiar
___________________________________________________________________
Nome da responsável pela instituição escolar Lumiar
São Paulo, _________ de ____________________________________________de 2011.
48

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