Relato da experiência nas escolas prisionais do

Transcrição

Relato da experiência nas escolas prisionais do
Rio de Janeiro, março de 2015.
Relato da experiência nas escolas prisionais do Rio de Janeiro,
por Kevala (Taís Monteiro de Freitas), Professora de Artes.
No início do ano de 2014, fiquei sabendo que a Secretaria de Educação do Estado
abrira vagas para contrato de professores. Quando vi a possibilidade de trabalhar na DIESP,
Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas, fiquei muito animada.
São escolas do estado que funcionam dentro dos presídios, no currículo do EJA, Educação
de Jovens e Adultos. Me inscrevi, e em maio de 2014 comecei as minhas idas ao Complexo
Penitenciário de Gericinó, comumente conhecido como Presídio de Bangu. Lá estão em
torno de 38 mil pessoas entre homens e mulheres, privados de liberdade. São 26 unidades
prisionais, separadas por diferentes facções e grau de periculosidade. De forma muito rápida,
um novo universo começou a se revelar na minha frente. Pessoas, lugares, cheiros, situações,
nunca vividas antes. Quando entrei na Universidade, tinha um forte desejo de trabalhar com
os marginais da sociedade, crianças e adolescentes drogaditos, adultos com problemas com a
lei, etc. Mas cogitava como uma possibilidade de um futuro distante, depois que já estivesse
com bastante experiência dentro da escola. Não foi o que aconteceu, a identificação com esse
universo falou mais alto. Acredito que o motivo que me instiga a trabalhar, e pensar sobre a
realidade desses indivíduos seja querer mexer nas estruturas, ir profundo na causa das dores
que circulam livremente.
Era um contrato de 16 horas por semana, com um salário baixo, sem ajudas de custo. Foi
um ano de experiência. Estava esperançosa para durar os dois anos do contrato, mas o Estado tirou
a disciplina de Artes do primeiro segmento, o que significa demissão de professores. Estive dentro
de 6 diferentes unidades prisionais. Variando de facção, sistemas de segurança e tipos de crime,
todas do sexo masculino. No primeiro dia, estava na minha cara o espanto, e certo medo por estar
ali. Todos me perguntavam se era minha primeira vez dentro de um presídio. E me respondiam,
“liga não professora, aqui dentro é mais seguro que lá fora. Tem que ter medo lá de fora.” Ou então,
“a gente não vai fazer nada com a Senhora!”. O espanto foi passando, e um clima amigável começou
e se estabelecer entre nós. Não tive problemas com nenhum aluno, mesmo com os mais evangélicos. Quando fui me apresentar, e comentei que eu gostava do tal da Yoga, e praticava meditação, vi
de imediato no olhar um brilho, e apareciam perguntas incansáveis. Então tornou prática das aulas
falar de yoga, da filosofia, de Brahma Chakra, de Yama e Nyama, e meditar, em todas as turmas. E em algumas turmas fazíamos kiirtan, eles faziam gestos como “não tenho nada a perder mesmo,
vamos fazer essa coisa diferente”. Em uma turma levei o livro de Baba “Sociedade Humana” e li
um trecho que Ele fala sobre justiça, e no final todos aplaudiram. O mantra Baba Nam Kevalam
mostrou sua força, eu ficava perplexa como muitos por espontânea vontade abriam seus cadernos, e
anotavam o mantra. Algo profundo tocava neles. Baba me colocou naquela situação, e trabalhou direitinho
para que a secretaria me trocasse de turmas várias vezes, estive no
total com 11 turmas diferentes. Uma bela oportunidade para estar com maior número de detentos. Algumas turmas com 3 outras
com até 40 alunos. E algumas vezes vinham alunos de outras salas
para assistir as minhas aulas. Eu tentava dar a matéria exigida pela
escola, mas quando falávamos de Yoga, surgiam assuntos de não
parar mais. Um comportamento diferente, a atenção concentrada,
a coluna ficava ereta. Assuntos de história da arte, histórias da civilização, tudo um passa tempo pra eles. Então comecei a unir uma
coisa com a outra, fazer exercícios práticos em cima da matéria de
história da arte, falando da filosofia da Yoga. Mesmo imersos nos
dogmas, como de Adão e Eva, e certos tipos de comportamento,
as mentes ali estavam abertas para conhecer algo novo. E deixar
pra trás o que não interessava mais. Isso demonstra a vontade de
querer evoluir, e a busca da autonomia. Estão ali pessoas que cometeram algum tipo de ação violenta, ou foram colocadas injustamente nessa situação. Mas a coragem, e a curiosidade de aprender
algo libertador é comum a maioria.
Foram encontradas algumas dificuldades nesse percurso de trabalho. A distância para
chegar, eram 2 horas e meia, entre metro, trem e mais a van “presídio”, dividida com as
visitas na maioria mulheres, bebes e crianças, e outros professores, e alguns moradores
da região. Descobri uma nova cidade, o Rio de Janeiro ficou maior. E vi quanta pobreza
é negligenciada. Pegava o contra fluxo da massa trabalhadora, enquanto todos, muitos!,
vinham, eu ia. E vice-versa. Outra dificuldade são as revistas feitas diariamente antes de
entrar no presídio, e depois escola. Detector de metal, abrir a mochila, conferir tudo. O mal
cheiro foi algo marcante, o comportamento bruto dos inspetores, a grande quantidade de
lixo, e sem contar com as aulas canceladas por repentinas inspeções de rotina, ou por mal
comportamento deles dai então tirar a aula como punição.
A prática da meditação foi uma proposta apresentada a eles logo de início, fazíamos quase todos os
dias, na parte inicial da aula. Foi aceita facilmente, todos faziam. Eu antes falava que poderia ser praticado por
qualquer pessoa, de diferentes religiões, que essa é uma prática intrínseca aos seres humanos. Algumas vezes
eram meditações guiadas, trazendo a atenção a postura, consciência corporal, a respiração, e que mentalmente
repetissem o mantra Baba Nam Kevalam. E se a atenção desviasse, que voltasse o foco para sentir a paz interior. Ouvindo um dia o Prabhat Samgiita “ I Love this tiny green island”, tive uma idéia, fazer uma meditação
guiada imaginando que estivessem em um grande e vasto oceano, e sentir esse oceano, de repente surgi uma
ilha, e nessa ilha cabe somente uma pessoa, essa pessoa é você. Como é estar nessa ilha, quais as sensações?
Assim a meditação se aprofundava e depois retornávamos. Terminando a prática, fazíamos um desenho dessa
experiência. Desenhar o oceano, a ilha, e o que mais quiser. Aí está alguns desenhos dessa atividade.
Foi feito em duas escolas, trabalho coletivo, um grande mural. Em uma “O fundo do mar”, e em outra
“A grande floresta”. Como não é permitido o uso de máquinas fotográficas, ou por muita burocracia, não foi
possível o registro.
Algumas frases dos alunos:
“professora, o que a senhora está fazendo aqui dentro?, “como faço
para ter esse Mestre Espiritual?”, “a justiça é injusta”, “professora, a
sua aula é a melhor aula que já tive!”, “sua aula é muito interessante”,
“estou sentindo uma paz dentro de mim”, “aqui é o melhor lugar para
parar de comer carne, porque a carne é booa.”, “viajei, fui lá longe”,
“que Deus te acompanhe, e te deixe exercer o seu dom de dar aulas”,
“fazendo esses yama e nyama, depois disso, pode tudo?”, “aqui não é
a minha casa”.
LITEB
[email protected]
Meditação nas Escolas Prisionais do Complexo de
Gericinó, disciplina de Artes.
Taís Monteiro de Freitas, Marcio Luiz Mello
Participei com um cartaz, na semana de Ciência e Arte da Fio Cruz, aonde
faço a Pós Graduação “ Ciência, Arte e Cultura na Saúde”, leva meu nome e de meu
orientador, Márcio Mello. “Meditação nas Escolas Prisionais do Complexo de Gericinó,
disciplina de Artes.” Meu trabalho final será sobre Educação Neo Humanista.
Introdução: O Trabalho da prática de meditação nas Escolas Prisionais do Estado do
Rio de Janeiro busca ter uma outra abordagem de aproximação com preso que está
em cárcere privado.
Referencial teórico: embasamos o trabalho em Paulo Freire, Prabhat Ranjan Sarkar,,
Edgar Morin, Michel Foucault, dentre outros.
Objetivo: Ensinar a técnica da
meditação,
onde
eles
desenvolvem um sentimento de
paz, harmonia e amor ao próximo.
A busca do auto-conhecimento e
auto-controle.
Ajuda na
concentração para o conteúdo
estudado em sala.
Metodologia: Foi adotado o uso da
pedagogia libertária, produção de
trabalhos práticos em sala de aula.
Discussão: O preso se encontra em situação em
carência de afeto, e exposto a uma alta tensão de
stress, muitos em estado de depressão. O trabalho
se justifica pelo alto número de adesão e interesse
dos internos em aprender meditação e a Filosofia do
Yoga.
Resultados: Oficina de trabalho.
Conclusão: Nas práticas desenvolvidas em aula confere
um alto número de interessados em praticar a
meditação, e aprender a Filosofia do Yoga, já que livra
de dogmas do que é certo e errado, lida com as
circunstâncias do tempo, lugar e pessoa.
Laboratório de Inovações em Terapias,
Ensino e Bioprodutos – LITEB/IOC-Fiocruz
Rede Nacional
de Educação e
Ciência
Fim :)