Livro India [Ok+Ok]

Transcrição

Livro India [Ok+Ok]
MAURÍCIO ANDRÉS RIBEIRO
tESOUROS DA ÍNDIA
pARA A CIVILIZAÇÃO SUSTENTÁVEL
Belo Horizonte, 2003
COPYRIGHT © 2003 by Maurício Andrés Ribeiro
Edição | Eleonora Santa Rosa
Design gráfico | Lúcia Nemer
Ilustrações | Ivana Andrés
Preparação de originais e revisão de texto | Denise Gontijo Machado
| Roberto Barros de Carvalho
Produção | Santa Rosa Bureau Cultural
Imagem capa e abertura de capítulos
(pp. 2-3, 48-49, 110-111, 172-173, 208-209, 226-227, 242-243) | Fotografias de
Deide Von Schaewen extraídas de TASCHEN, Angelika (ed.). Indian interiors.
Colonia: Taschen, 2000. pp. 47, 162, 169, 173, 177, 179, 313, 314.
Este livro é dedicado a todas as pessoas que
constroem pontes para facilitar o entendimento entre
as diferentes civilizações.
Fotografias
(p. 107) | Maurício Andrés Ribeiro e Eliana Andrés
(pp. 108, 109,174, 206, 207, 210) | Maurício Andrés Ribeiro
S484
Ribeiro, Maurício Andrés
Tesouros da Índia: para a civilização sustentável/
Maurício Andrés Ribeiro; [edição Eleonora Santa Rosa].
– Belo Horizonte: M. A. Ribeiro, 2003.
244 p.: il., color., fot.
Bibliografia: p. 229-237.
Inclui Anexos A e B.
1. Índia – Unidade na diversidade. 2. Índia – Civilização. 3. Índia – Meio ambiente e cultura. 4. Índia –
Vidas e costumes sociais. 5. Índia – Religião. 6. Índia –
Relações (gerais) com o Brasil. 7. Federação planetária.
8. Ecologia política e desenvolvimento sustentável.
I. Santa Rosa, Eleonora. II. Título.
CDD : 954
Agradecimentos
Este livro só foi possível graças à colaboração de muitas pessoas, às quais
expresso aqui minha gratidão.
Agradeço a Maria Helena, que dedicou à Índia sua arte, e a Eliana, que
fez da ioga sua vida. Elas, que muito investiram no conhecimento e na
propagação da filosofia e da cultura indianas, fizeram uma revisão crítica dos originais deste livro e ofereceram sugestões valiosas. Agradeço
também a Alice, a Aparecida, Joaquim Pedro e a Aspásia Camargo, por
sua leitura crítica e observações que aprimoraram esse texto, que é de
minha inteira responsabilidade.
Agradeço a Vinod Vyasulu, meu dedicado orientador durante o estágio
como pesquisador visitante no Instituto Indiano de Administração, em
Bangalore, e a Ignacy Sachs. Pioneiro e entusiasta, uma voz solitária a enfatizar a importância da cooperação sul-sul, especialmente indo-brasileira,
Sachs sempre esteve disponível para trazer sua contribuição aos encontros e às iniciativas nesse sentido.
Sou grato também a Vinicius Nobre Lages, que estudou os sistemas
agroecológicos de Kerala, a Sergio Clark, estudioso da filosofia e da
mitologia indiana e promotor de atividades culturais de aproximação
indo-brasileira, e a Lia Diskin, da Editora Palas Athena, estudiosa e
divulgadora da ciência social, da cultura e da filosofia indiana.
Agradeço também a Ivana, pelos desenhos inseridos nesta edição.
Agradeço ainda a Eleonora Santa Rosa e sua equipe, especialmente a
Roberto Barros de Carvalho e Denise Gontijo Machado, pela orientação
editorial.
O novo cidadão universal planetário
Nos subterrâneos do inconsciente coletivo da humanidade,
há hoje dois grandes mitos latentes e poderosos: a Índia e o
Brasil. Não são ambos notados ou mesmo percebidos com
clareza na mídia ou na cultura, mas aí estão, como grandes
promessas, meio encobertas, nas sombras de um futuro certamente não muito remoto (quem sabe?). Sua floração se
aproxima – é o que muitos já pressentem. Maurício Andrés
Ribeiro, entre outros, de há muito trabalha nessa fascinante e
misteriosa arqueologia e etnologia geopolítica humanista,
artesanato daqueles que mergulham fundo nos oceanos para
revelar novas formas de vida ainda não conhecidas ou daqueles que avançam cosmos afora em busca de tempos, espaços
e forças ora apenas adivinhados. Aqui, escafandristas e astronautas são a mesma coisa.
O mito muito antigo da Índia e o mito muito novo do Brasil se
fundem, se misturam e se completam na visão holística e transcendental de Maurício. Kenchenkuppe, aldeia indiana, está logo
ali, vizinha do município de Santana do Jacaré ou de Conceição
do Mato Dentro. Jodhpur, a cidade azul do Rajastão, se superpõe à perfeição à cidade amarela de Canudos. O Rajastão, aliás,
é o Grande Sertão de Guimarães Rosa. Phoolan Devi, a Rainha
Posse do Céu? Eles estão logo ali: basta virar a próxima esquina
Bandida, é a Maria Bonita de Lampião. O pôr-do-sol em Jaisalmer
do Tempo e seguir em frente no rumo assinalado pela
é o mesmo de Belo Horizonte, e o elefante adornado com o sím-
Constelação de Órion.
bolo de Vishnu iguala-se, em força mítica, ao jegue ou burrico de
Chapada do Norte, carregado de verduras e carne-seca para a
feira semanal.
Desse enlace Índia-Brasil, sul-sul, que indianiza o Brasil e abrasileira a Índia, talvez nasçam os rebentos luminosos de uma
nova civilização e de um novo império globalizado e planetário, uma alternativa futura certeira e correta, que nos enche
de esperanças, para esse ziguezague, chega-pra-lá, vaivém, empurrões, safanões, confusão, salamaleques e
bofetões que o Ocidente e o Oriente se intercambiam, dramática e tragicamente, há milênios. Ocidente nervoso, Oriente
assustado.
Vamos unir o que é diverso (sem confundir) dentro de uma
unidade diversificada, recomenda Maurício. O planeta encontra finalmente o seu Self junguiano. Pura dialética holística. O
mundo todo será, ao mesmo tempo, uma só coisa e muitas
coisas. Auroville Universal.
Já estou me preparando, sem passaportes, bagagens ou vistorias nos aeroportos, para ser Cidadão Universal desse novo
planeta. Então, vamos lá? Coragem, homem! Vamos procurar
o Paraíso Perdido, o Elo Desconhecido, a Terra Prometida, a
Jarbas Medeiros
Sociólogo e cientista político
Retrato aberto e plural da Índia
Uma análise comparativa entre a Índia e o Brasil é pouco
comum na bibliografia brasileira. Por isso é uma iniciativa louvável que o arquiteto e ambientalista interdisciplinar Maurício
Andrés nos ofereça, com carinho especial e análises bem fora
dos padrões das ciências sociais convencionais, sua visão sobre
esse intrincado tema.
Estudioso desde 1977 desse impressionante país de tradições
ancestrais, Maurício Andrés conheceu a Índia ‘por dentro’ como
pesquisador-visitante no Instituto Indiano de Administração, em
Bangalore. O relato dessa experiência motiva o leitor a aprofundar-se nos estudos indo-brasileiros e a caminhar na direção
de uma ordem político-institucional federativa mais justa e menos excludente para com todos os povos.
Em 1822, o patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, em seu
livro Projetos para o Brasil, esboçava algumas idéias sobre a
tropicalidade (tema tratado bem mais tarde pelo sociólogo
Gilberto Freire), citando a Índia como sociedade que não
necessitava de escravos por exercer a agricultura familiar com
tecnologias então apropriadas e modernas.
Nessa linha de pensamento, Maurício Andrés repõe um retrato
indianas. Narra a formação de uma rede de contatos que o aju-
aberto e plural da Índia – fascinante mosaico de tradições –,
dariam a comparar questões ambientais e tecnológicas, a
escapando de visões eurocêntricas e anglo-saxônias ou das
decifrar, analisar, ler e organizar cursos de disseminação de
nossas próprias, que, contaminadas por preconceitos e dis-
conhecimentos e encontros. Descreve a economia frugal (do
torções, freqüentemente proliferam nos meios jornalísticos,
uso do corpo a objetos do dia-a-dia), a religiosidade da cultura
acadêmicos e de pesquisadores. Essas distorções acabam difi-
e o spiritual business.
cultando ainda mais a aproximação e colaboração entre os
dois países. A famosa expressão ‘Belíndia’, ainda hoje no
O autor voltou outras vezes à Índia e foi se aprofundando em
vocabulário sobre desenvolvimento econômico brasileiro, é
novas dimensões da civilização desse país, sua modernização,
bem característica dessa visão, impregnada de preconceito ao
problemas urbanos, violência política. Manteve-se ativo
comparar a parte rica do Brasil à Bélgica e sua parte pobre à
durante décadas para perceber o que os estudos acadêmicos
Índia. Ao leitor, indicaria outro texto igualmente interessante
convencionais têm dificuldade de revelar: o desenvolvimento
(Índia - Um milhão de motins agora), do escritor V.S. Naipaul,
de estudos integrados e não excludentes dos aspectos culturais
caribenho de Trinidad (de bisavós indianos), a partir de um
e humanísticos. Apesar das mudanças ocorridas nos últimos 25
mergulho nos múltiplos aspectos da realidade indiana.
anos (desde sua primeira viagem ao país), ele acredita que há
Fugindo às idéias preconceituosas, o autor nos apresenta uma
série de novas análises, com base em observações pessoais e
dados sociológicos, econômicos, ecológicos, tecnológicos, culturais, religiosos etc., a partir de uma concepção política de cooperação sul-sul, para buscar inspiração que balize nosso futuro
nessa Índia tão semelhante ao Brasil em termos climáticos, ecológicos, sociais e até mesmo em certos traços de comportamento.
uma base cultural e mitológica permanente e durável que sustenta essa civilização e que pode ser um campo fértil para a
comparação entre a cultura indiana e a brasileira.
Em seguida, abrem-se três partes. A primeira retrata a história
da Índia por um viés brasileiro. Motivado a conhecê-la e a analisá-la, Maurício se debruça sobre a riqueza da civilização indiana e lança um olhar brasileiro/mineiro principalmente sobre o
O livro apresenta-se muito bem dividido. Na Introdução o autor
ethos que a caracteriza em sua postura receptiva e tolerante às
trata de seu envolvimento pessoal e familiar com o país que o
influências externas e em sua valorização da natureza. Enfrenta
acolheu e irá influenciá-lo daí em diante, desde o paladar (o
ainda com grande capacidade de observação o intrincado
gosto do chá com leite) até suas experiências com instituições
mundo religioso e espiritual da Índia (o hinduísmo, o islamismo
e o budismo). Destaco suas observações sobre a criação de
impasse civilizatório. Por isso a busca de alternativas viáveis.
Auroville pelo espiritualista Sri Aurobindo, a base do crescente
Liberdade e igualdade são questões que desafiaram a huma-
fenômeno do Federalismo Mundial.
nidade nesses últimos séculos. A fraternidade, esquecida, deve
ser a fonte para um futuro mais promissor.
A segunda parte analisa o intercâmbio Brasil-Índia, focaliza aspectos históricos, conjunturais e prospectivos sobre as potenciali-
Maurício expõe suas idéias a respeito do Federalismo Mundial
dades de cooperação entre os dois países e faz um rico e original
– plural, democrático, aberto e evolutivo – e nos traz con-
estudo comparativo entre uma aldeia indiana – Kenchenkuppe,
tribuições e propostas específicas. Reunidas no final do livro,
uma das 600 mil do território indiano, com aproximadamente mil
são instrumentos-guia para o exercício da liberdade e imagi-
habitantes – e o município brasileiro de Juramento, no norte de
nação dentro de uma visão prospectiva.
Minas Gerais, com cerca de 10 mil habitantes.
Finalmente, o autor sugere que se utilize o conhecimento da
Clóvis Brigagão
sociedade indiana na construção planetária a partir da noção
Cientista político, diretor-adjunto do Centro de Estudos
das Américas, Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro
de ‘dharmacracia’, no sentido do que hoje é chamado de ‘governança global’ (e, dentro desta, a noção mais abrangente de
‘desenvolvimento humano’, adotada pela ONU). A ‘dharmacracia’ baseia-se em propostas de pensadores indianos e seria
uma doutrina política em que a conduta ética na vida institucional e individual consagraria o futuro político da humanidade
em sua plenitude.
Identificado com uma concepção que busca o desenvolvimento ecológico e social para a vida planetária nos próximos
séculos e milênios, Maurício Andrés nos permite tomar conhecimento de um tema que apenas começa a ser discutido e que
é fundamental diante dos desafios de administrar os recursos
globais da Terra. Malversados, eles nos conduziriam a um
Sumário
23
|
APRESENTAÇÃO
29
|
INTRODUÇÃO
48
|
PARTE I – ÍNDIA: DIVERSIDADE NA UNIDADE
51
|
FORMAÇÃO PLURAL DA ÍNDIA
Convivência entre diversos
Efeitos da colonização inglesa
61
|
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Ciência para o desenvolvimento rural
Revalorização da bioenergia animal
71
|
CULTURA E MEIO AMBIENTE
79
|
ESPIRITUALIDADE E AMBIENTE
Dharma e sustentabilidade
Dharma como tarefa
Dharma e carma
Dharma e política: ‘dharmacracia’
92
|
ESPIRITUALIDADE INDIANA
Budismo
Raja-ioga
Sri Aurobindo e Auroville
110
|
162
PARTE II – COOPERAÇÃO ÍNDIA-BRASIL
|
INDIANIZAR O BRASIL E ABRASILEIRAR A ÍNDIA: PERSPECTIVAS
DE COOPERAÇÃO
113
|
COOPERAÇÃO SUL-SUL
115
|
ÍNDIA E BRASIL: SEMELHANÇAS E CONTRASTES
Intercâmbio de informações
Desigualdade e violência
Intercâmbio comercial
Intercâmbio humano
Agricultura e pecuária
168
População
|
BRASIL E ÍNDIA: BASES PARA A CIVILIZAÇÃO DO FUTURO
Cultura
125
|
UMA ALDEIA INDIANA E UM MUNICÍPIO BRASILEIRO
172
Relato de uma experiência na Índia: um brasileiro em Kenchenkuppe
|
PARTE III – PELA UNIDADE NA DIVERSIDADE GLOBAL
|
180 |
184 |
190 |
192 |
195 |
199 |
202 |
Primeiras impressões
175
O dia-a-dia na aldeia
Estudo comparativo entre Kenchenkuppe e Juramento
Organização social
Organização política
Economia
População
Alimentação
Vestuário
Moradia
MEGAECOLOGIA E SUBJETIVIDADE
CIVILIZAÇÕES E SUSTENTABILIDADE
FRATERNIDADE AINDA QUE TARDE
A ÍNDIA E A MUNDIALIZAÇÃO
FEDERALISMO MUNDIAL: PROPOSTA POLÍTICA OU UTOPIA SOCIAL?
UMA CONSTITUIÇÃO PLANETÁRIA
UM PARLAMENTO MUNDIAL PROVISÓRIO
DÍVIDA EXTERNA: UMA PROPOSTA MUNDIALISTA
Saúde
Infra-estrutura: saneamento, água, energia
Educação
145
|
A ALDEIA REVISITADA
150
|
RELAÇÕES ENTRE A ÍNDIA E O BRASIL
208
|
ANEXOS
|
213 |
211
ANEXO A – Carta do Encontro Índia-Brasil
ANEXO B – Quadros comparativos de dados sobre a Índia e o Brasil
Intercâmbio de riquezas naturais
Intercâmbio humano
Intercâmbio de informações
Intercâmbio comercial
Encontros Índia-Brasil
226
|
FONTES DE REFERÊNCIA
|
238 |
229
BIBLIOGRAFIA
SITES NA INTERNET SOBRE A ÍNDIA
Apresentação
Conhecer-nos uns aos outros em escala mundial é hoje a mais
urgente necessidade da raça humana.
[Arnold Toynbee]
A história conta que, ao buscar um caminho marítimo para as
Índias, os portugueses chegaram ao litoral do Brasil. Quinhentos
anos depois, os brasileiros ainda não dão muita atenção à cultura e à civilização indiana.
A informação sobre a Índia vem filtrada pelos olhos e sentidos
de jornalistas, pesquisadores, estudiosos, turistas e geralmente
flui dos países do norte para os do sul. Pobreza econômica, miséria social, passividade política, primitivismo técnico, ao lado
de ioga, misticismo, gurus e encantadores de serpentes, fazem
parte da concepção que o brasileiro medianamente informado
tem da Índia. Ele toma conhecimento de desastres, da miséria,
dos marajás. O pouco que julga saber é ainda distorcido por
equívocos: expressões pejorativas como ‘marajá’, por exemplo,
cristalizam imagens negativas daquele país, associadas ao atraso, à pobreza, a um antimodelo, enfim.
23
No Brasil há um misto de rejeição e atração pela Índia. A
O brasileiro, que convive com a crescente disparidade entre
rejeição se deve à miséria e à aparente incapacidade daquele
ricos e pobres, talvez se surpreenda ao saber que na Índia
país de suprir as necessidades básicas de sua vasta população.
as taxas de inflação se mantêm, há anos, em níveis irrisórios.
A imprensa esporadicamente focaliza tópicos fragmentados
As disparidades econômicas vêm diminuindo gradualmente
da cultura indiana, quase sempre a partir de informações de
nas últimas décadas, chegando a ser menores que as do Brasil.
segunda mão ou de interpretações de autores estrangeiros.
Em vários outros países a imagem que se faz da Índia é igual-
Salvo raras exceções, a cobertura dos fatos essenciais da situa-
mente parcial: na Itália, ioga e misticismo; na Suécia, pobreza
ção econômica, social e política da Índia não ocupa grande
e religião; nos Estados Unidos, democracia.
espaço na imprensa brasileira.
A civilização milenar indiana se mostrou sustentável ao longo
24
Os preconceitos, as distorções e a má informação em relação
da história e acumula um patrimônio valioso de saberes que
à Índia também são reforçados por expressões como ‘Belíndia’
se refletem na vida prática, nos hábitos de consumo, nos
para designar o Brasil desigual, com uma parte Bélgica e
mitos em que se baseiam o imaginário coletivo e o indivi-
outra parte Índia. 1 Ao associar a Índia à porção pobre da
dual. Tais saberes são particularmente valiosos para o Brasil,
fictícia ‘Belíndia’, firma-se idéia negativa a seu respeito. Essa
país que compartilha com a Índia a condição de grande
expressão é eurocêntrica: a riqueza européia é tomada como
nação tropical da Terra.
modelo positivo, desejável de ser alcançado. Não se considera que a Índia reduz, gradualmente e sem pressa, as
Ao longo de sua história, o Brasil recebeu imigrantes euro-
desigualdades sociais e econômicas. Ignora-se o conheci-
peus da Península Ibérica, Itália, Polônia, Alemanha, Armê-
mento ancestral que ali se mantém vivo e que sustentou por
nia; recebeu negros escravos trazidos de diversas partes do
milênios uma sociedade tolerante e solidária com as dife-
continente africano; asiáticos da China, Japão, Coréia. A
renças. Essa visão dominante nem de longe se aproxima da
proximidade lingüística e geográfica facilita o ir-e-vir entre
que tivera durante o ano em que vivi como pesquisador
latino-americanos, e a influência cultural e tecnológica ame-
naquele país.
ricana está presente na economia e na comunicação de
massa.
1
O fictício país Belíndia foi imaginado pelo economista Edmar Bacha para designar o
Brasil, com uma minoria rica – a Bélgica – e uma maioria miserável – a Índia. Tal visão
enfatiza um aspecto negativo da Índia e ignora muitas de suas outras dimensões
positivas.
O Brasil se europeizou com a descoberta pelos portugueses
e se africanizou entre os séculos XVI e XVIII com o tráfico
negreiro. Nesse período, se desindianizou com a matança
25
dos índios. Com a vinda de Dom João VI e a missão francesa,
A imagem mental que o brasileiro médio tem da Índia poderá
afrancesou-se. Nas migrações pós-escravatura, achinesou-se,
se modificar à medida que outras informações forem veicula-
italianizou-se, niponizou-se, adaptando-se ao temperamento,
das, iluminando ângulos que normalmente são mantidos na
à maneira ou ao estilo de cada um desses povos que formam
sombra. Há um trabalho de contra-informação a ser feito.
a raça brasileira.
Para estreitar com a Índia relações de cooperação e intercâmbio comercial, científico e tecnológico, os preconceitos
Além de globalizar-se e internacionalizar-se no século
inoculados em nossas cabeças precisam ser substituídos por
XXI, o Brasil ainda precisa indianizar-se, trazer o tempero
um imaginário mais positivo e esclarecido.
e a pitada desse rico país do Oriente com o qual tem tão
poucas relações. Ao se indianizar, estará certamente se
abrasileirando de maneira mais plena, completando o
cadinho de contribuições culturais que compõem sua
civilização. Dissolvida a esperança nos regimes que, a
26
pretexto de alcançar a igualdade, sacrificaram a liberdade;
dissipada a ilusão de que os padrões de riqueza material
dos países ocidentais são ecologicamente desejáveis; reforçada a convicção de que antigas tradições guardam
tesouros valiosos para o futuro da humanidade, na forma
de valores duradouros, como fraternidade, frugalidade, tolerância e respeito à diversidade, que tal abandonar os preconceitos e olhar para a Índia com uma visão nova?
Que tal inverter o clichê e encarar a Índia como se fosse a
Bélgica? Que tal usar do método da cura pelo semelhante, à
maneira dos homeopatas, e buscar inspiração que balize
nosso futuro nessa Índia tão semelhante ao Brasil em termos
climáticos, ecológicos, sociais e até mesmo em certos traços
de comportamento?
27
Introdução
Se oriente, rapaz,
Pela constelação do Cruzeiro do Sul.
[Gilberto Gil]
Em 1977, estagiei durante um ano como pesquisador-visitante
no Instituto Indiano de Administração, em Bangalore. Por duas
vezes voltei à Índia. Durante vinte e cinco anos acompanhei a
evolução nas relações indo-brasileiras, tendo publicado artigos,
participado de eventos, organizado cursos e encontros voltados
para tal intercâmbio, para conhecer a realidade daquele país e
levantar as possibilidades de cooperação Índia-Brasil.
Estudante de arquitetura, minha relação com a Índia foi estimulada por um livro que apontava diferenças entre a antiga
arquitetura indiana no sul exuberante e no norte heróico, no leste
clássico e no oeste legendário.1 Ao optar por estudar naquele
instituto, havia, além da atração pela civilização indiana, o desejo de desvendar um mundo pouco conhecido no Brasil.
Quando surgiu a possibilidade de uma bolsa para estudar no
exterior, contatei Vinod Vyasulu, economista que tinha estado
no Brasil e lecionava no Instituto de Administração, em
Bangalore. Ele me sugeriu elaborar um projeto e aconselhou
1
DE GOLISH, Vitold. Trésors de l’Inde.
29
que não optasse por curso de pós-graduação regular. Elaborei,
onde tomei a conexão aérea para Bangalore. A distância era
então, um projeto sobre hábitat e transferência de tecnologia,
alongada pela ausência de vôos diretos, já que todas as rotas
aprovado dezoito meses depois pelo Conselho Indiano de
aéreas faziam conexão na Europa, o que revelava a escassez de
Ciências Sociais. O governo indiano era seletivo ao aprovar
relações diretas indo-brasileiras.
projetos, já que algumas pesquisas reforçavam preconceitos e
resultavam em prejuízos para a imagem do país no exterior.
Dois meses depois, meu filho de dois anos, minha esposa e
minha mãe para lá viajaram e dessa vivência familiar resultou
Antes da viagem, o professor Ignacy Sachs me indicou vários
um livro infantil, Pepedro nos caminhos da Índia,2 que registra
contatos. Sachs fizera seu doutorado na Índia e é entusiasta das
a vida de um menino brasileiro naquele país.
relações entre a Índia e o Brasil; costuma enfatizar que aquele
país possui base científica com massa crítica e que já realizou
experiências importantes de planejamento voltado para
estratégias locais de desenvolvimento. Ele propõe a intensifi30
cação das relações entre países que compartilham problemas
31
semelhantes e apresentam ecossistemas similares, como o
trópico úmido. Ignacy Sachs estimula os estudos interculturais
comparativos e o uso da criatividade para explorar melhor os
recursos dos países tropicais. Está convicto de que a comparação enriquece os dois lados, de que podemos usar o outro
como espelho e de que estudos comparativos são capazes de
inspirar o pensamento e a imaginação social.
O professor José Israel Vargas, à época Secretário de Ciência,
Tecnologia e Meio Ambiente de Minas Gerais, sugeriu-me contatos proveitosos, e Octávio Elísio A. de Britto, secretário-adjunto,
Capa do livro infantil Pepedro nos caminhos da Índia
deu suporte ao projeto.
Embarquei em outubro de 1977, cinqüenta dias após a morte
de meu pai. Houve escala em Roma e dali segui para Bombaim,
2
ANDRÉS, Aparecida. Pepedro nos caminhos da Índia. (Ilustrações de Maria Helena
Andrés.)
Minha primeira visão da Índia foram as favelas junto ao aero-
elas um vazio a ser preenchido. Essa densidade dá origem a um
porto de Bombaim, e a primeira experiência com o paladar foi
comportamento pouco espaçoso, quieto e tranqüilo, como ob-
o gosto do chá com leite que tomei enquanto esperava a
servei na escola onde meu filho Joaquim Pedro estudou. Numa
conexão para Bangalore. A Índia estimula os sentidos. Aspectos
pequena sala, a professora ministrava as aulas e mantinha o
sensoriais incluem as cores vivas, as especiarias da culinária que
bom comportamento de mais de vinte crianças.
atraíram os portugueses, o aroma do incenso, a música nas
ruas. O choque do paladar com o tempero nos alimentos é tão
Viagens preparadas por Vinod Vyasulu puseram-me em contato
forte quanto o choque da visão com a miséria urbana.
com estudiosos, pesquisadores, institutos e universidades em
várias partes do país.4
Instalei-me no Hotel Harsha, em Bangalore. Todas as tardes os
32
macacos vinham buscar alimento, espiando pelas grades das
Passava parte do tempo em Kenchenkuppe, aldeia que fora
janelas. Revelava-se a biodiversidade urbana, com as vacas e
adotada pelo Instituto de Administração de Bangalore e que se
búfalos que circulavam pelas ruas, os esquilos nos parques, os
tornou tema da pesquisa. Registrava e perguntava, fotografa-
corvos e pavões soltos na cidade. No templo a Nandi 3, no bair-
va e filmava. Um dia, retornamos à aldeia e mostramos em
ro de Maheswaram, os bois eram enfeitados e levados pelos
praça pública os slides e filmes super-8 que retratavam a aldeia
donos para serem benzidos. Isso era o início de minha percep-
e sua gente. Houve reações vivas e pedidos para repetir as pro-
ção sobre uma característica-chave da Índia: a inteligência para
jeções, pois muitas pessoas ali nunca tinham se visto em imagens.
a sustentabilidade ecológica.
A avidez dos pobres de rua em Bombaim, ao disputar as roupas
que deixei ao retornar, e a insistência dos prestadores de
serviço em busca da oportunidade de ganhar algum dinheiro
retratam a aflição da luta pela vida nas grandes cidades.
Acostumadas à alta densidade populacional, as pessoas se
inserem em qualquer pequeno espaço existente numa fila – para
3
Divindade hindu que assume a forma de um boi.
4
Fiz visitas técnicas a instituições em Ahmedabad (Indian Institute of Management,
National Institute of Design); Bangalore (Indian Institute of Science, Institute for
Economic and Social Change); Bombay, atual Mumbai (National Institute of Bank
Management, Tata Institute of Fundamental Research); Calcutta (Indian Institute of
Management, Indian Statistical Institute, National Environmental Engineering Research
Institute, Calcutta School of Tropical Medicine, All India Institute of Hygiene and Public
Health); Dehra Dun (Forest Research Institute and Colleges); Hyderabad (National
Geophysical Research Institute, Administrative Staff College of India); Madras, atual
Chennai (University of Madras, Structural Engineering Research Centre, Indian Institute
of Technology); Madurai (Gandhigram Rural University); Mysore (Institute of
Development Studies – University of Mysore); New Delhi (Centre for Educational
Technology, Centre for Policy Research, Department of Science and Technology, Delhi
University, Indian Council for Social Science Research, Indian Institute of Foreign Trade,
Jawaharlal Nehru University, Planning Comission, National Staff College of Education,
Planning and Administration); Pondicherry (World Union, Tata Energy Research
Centre); Roorkee (Central Building Research Institute); Simla (Indian Institute of
Advanced Studies), entre outras.
33
Numa ocasião em que fotografava a paisagem no norte do
O estudo de questões ambientais e tecnológicas na Índia nos
país, quase fui agredido porque não queriam se deixar fotogra-
leva a entrar por outros campos, já que ciência e tecnologia
far e exigiam que eu lhes entregasse os filmes.
são inseparáveis dos valores culturais, da mitologia religiosa,
das manifestações artísticas que expressam esses valores.
34
Aprendi que Pelé, o café e as piranhas dos rios amazônicos
Revelavam-se vislumbres de uma cultura integrada, pouco
eram aspectos conhecidos do Brasil. Não encontrei outros
fragmentada. Passei a observar o estilo de vida e os hábitos
pesquisadores brasileiros e tampouco latino-americanos. Havia
de consumo frugais, além da ausência de desperdícios na
estudantes asiáticos e africanos.
forma como a sociedade se organizara espacialmente.
Entrevistas, troca de cartas, viagens, permitiram-me formar
O uso intenso do corpo e sua codificação sofisticada fazem
uma rede de contatos, pois tinha autonomia para planejar o
com que se economizem mobiliário, talheres, utensílios diários
tempo. O ambiente de liberdade de expressão e diálogo
e, conseqüentemente, os recursos naturais necessários para
democrático facilitava tal processo. Esse método livre, ao sabor
produzi-los. As buzinas dos autoriquixás (triciclos de transporte
de um planejamento flexível, permitia reorientações de trajeto
urbano) eram acionadas com a mão; os comerciantes sen-
e guiou-me para o resultado. Selecionava subjetivamente os
tavam-se no chão em frente a suas lojas de tecidos; à beira da
contatos que poderiam ser proveitosos, tomando como critério
estrada de ferro, de cócoras, os camponeses defecavam pela
a confiança naqueles que os indicavam. Visitas a feiras e
manhã; ramos de um arbusto, mascados, serviam de escova de
exposições, como a Agri-Expo em Délhi, por exemplo, ofere-
dentes descartável. E os dentes em geral são bonitos, atestando
ciam uma visão compacta da diversidade do país e orientavam
também a dieta alimentar saudável. O hábito de comer com a
novos contatos. Fui a ashrams (comunidades espiritualistas),
mão direita reserva a esquerda para a higiene pessoal. Trata-se
institutos de pesquisa, órgãos de governo e freqüentei bibliote-
de um estilo de vida frugal, que demanda poucos objetos e
cas, museus, exposições. Tudo isso me abasteceu com ricas
bens de consumo para satisfazer necessidades elementares.
informações sobre a Índia.
Consolidou-se em mim a convicção de que estava numa sociedade que levara a extremos de sofisticação sua relação pacífica
A vida de estudante no país é facilitada pelo custo de vida
com a natureza.
muito mais baixo do que em outros destinos, como Estados
Unidos e Europa, onde as bolsas de estudo mal suprem as
despesas elementares. Assim, com a mesma receita, é possível
viver na Índia com melhor qualidade de vida.
Imaginava quantas florestas deixaram de ser cortadas, quanta
energia deixara de ser consumida, quanta água havia sido economizada em um ano, pelo fato de muitos objetos materiais não
35
serem usados por aqueles milhões de pessoas – hoje um bilhão –,
que possuíam hábitos de consumo frugais e usavam intensivamente o corpo.
36
O baixo custo de vida permitia-me, com a bolsa de estudos,
viajar e levar uma vida confortável. Nos caminhos, observava
sinais de sabedoria gravados na paisagem. Na sala da instituição de pesquisa, a tabuleta ensinava: "Não há nada mais
prático que uma teoria de trabalho". Uma viagem a Pondicherry levou-me à obra de Sri Aurobindo, cuja coleção de
livros comprei um ano depois, ao retornar. Os trinta volumes
chegaram ao Brasil meses depois e se tornaram fonte de consulta. Tive contato com a Sociedade Teosófica, em Madras,
que dispõe de ampla biblioteca em Adyar; com o ashram
de Ramana Maharshi, em Tiruvannamalai, e a montanha
sagrada, em Tamil Nadu; com o trabalho de Vivekananda,
em Kaniakumari, no extremo sul do país; com a missão
Ramakrishna, em Calcutá. Visitei a cidade sagrada de Puri,
onde doentes e idosos esperam a morte e a cremação à beira
do mar, e o Templo do Sol, em Konarak; o ashram de Gandhi,
em Ahmedabad; os templos Sikh e Baha’í, em Nova Délhi.
Visitei o Rajastão e Mount Abu, onde está a sede da Universidade Espiritual Brahma Kumaris. No ashram de Aurobindo,
quando procurava algo para trazer para o Brasil, um mestre
me sugeriu algumas fitas gravadas em vez de textos e observou distraidamente: "Em seu país, no atual estágio de desenvolvimento, vocês precisam de música.".
As revistas em quadrinhos e os filmes são meios modernos de
comunicação a serviço da reprodução desses valores milenares.
Certa vez encontrei-me com um pai de família desolado
porque acabara de nascer sua sexta filha, ele que buscava um
filho varão. Sua preocupação central era com a dificuldade de
amealhar o dote necessário para oferecer aos noivos das
moças, para o casamento.
Comportamentos individuais extremos, que seriam considerados loucura no Ocidente, são socialmente tolerados na Índia,
como sinais da busca de ligação com o sagrado. Os sadhus,
que circulam nus pelas ruas, os faquires, que mortificam o
corpo de forma radical, os sanyasins, que renunciam aos confortos materiais, são exemplos da diversidade de caminhos e
escolhas pessoais socialmente aceitos e valorizados. A sociedade nutre os que abandonaram o mundo material para se
dedicar a essa busca.
Quando concluí a pesquisa e me preparei para voltar ao Brasil,
compreendi ter conhecido a superfície de uma realidade rica,
misteriosa e mágica. A Índia se mostrava como um útero fértil
que gestava diversos e valiosos produtos na ciência, nas artes,
na filosofia e nas tradições espirituais.
A flor de lótus, que brota do lodo, pura e bela, e foi tomada
como símbolo pelos budistas e pela Índia, retrata bem a situação daquele país: valores profundos e construtivos emergem da
pobreza material.
A vontade de continuar estudando a cultura, a civilização, os
valores, a espiritualidade e o desenvolvimento econômico e
social levou-me de volta à Índia em 1989. O país apresentava
37
mudanças radicais, como a automação de serviços urbanos e a
presença de televisores ligados em lugares públicos, veiculando novelas, filmes e programas importados. Cidades haviam
crescido, a urbanização era intensa, a poluição provocada por
veículos aumentara. Os japoneses estavam presentes tanto nos
grupos turísticos como nos veículos Suzuki que circulavam nas
ruas e estradas. Bangalore, a cidade na qual vivera, se transformara em um centro internacional de software, com toda a
riqueza associada àqueles que participam ativamente da
sociedade do conhecimento do século XXI.
38
norte do país afligida por um obstinado movimento separatista.
Os atentados que envolviam a população de maioria muçulmana e os hindus na região afugentavam visitantes.
A Índia cultuou e promoveu o indivíduo, a ponto de tolerar os
comportamentos mais estranhos e exóticos, facilitando os caminhos para o desenvolvimento interior do ser humano, com
liberdade de pensamento, expressão e ação.
Em discussões de um congresso sobre o futuro, realizado em
Bangalore em 1978, comparavam-se Índia e China. Os india-
Os negócios espirituais (spiritual businesses) atraíam cada vez
nos afirmavam que, com uma história de mais de cinco mil
mais estrangeiros em busca de refúgio místico para a aridez
anos, seu povo não se dispunha a sacrificar valores culturais e
da vida materialista. Templos religiosos e monumentos
princípios de liberdade individual, como os chineses haviam
arquitetônicos e históricos transformavam-se em caça-níqueis
feito, para equacionar rapidamente os problemas e necessi-
nas mãos de seus gestores, que encontravam formas variadas
dades básicos. Os indianos admitiam as mazelas sociais e
de extrair dinheiro de visitantes.
econômicas, mas argumentavam que, para desenvolver-se em
curto prazo, os chineses haviam sacrificado valores como a
Era evidente o acirramento da violência religiosa e comunalista,
com conflitos entre muçulmanos e hindus, siques, tâmiles. Em
Nova Délhi, sacos de areia formavam trincheiras nas principais
esquinas; barreiras ao livre trânsito de veículos lembravam a
ameaça do terrorismo. Nos ônibus urbanos, o alerta: "Olhe
embaixo de seu banco. Pode haver uma bomba. Avise a polícia e ganhe uma recompensa.". Em 1993, o presidente da Índia
fez um apelo para que os envolvidos nos conflitos se lembrassem dos ensinamentos budistas e se comportassem segundo os princípios da tolerância e da não-violência, preciosos na
tradição do país. Acirrava-se também o conflito com o vizinho
Paquistão em torno da Caxemira, região deslumbrante ao
liberdade individual, muito prezada na cultura e sociedade indianas. Sendo a maior democracia do mundo, há a convicção
de que ainda chegará a atingir a igualdade social sem sacrificar
esses princípios. Alguns anos depois, o massacre na Praça da
Paz Celestial, em Pequim, confirmava a ressalva que os indianos
haviam levantado com relação ao sacrifício de valores para atingir rapidamente padrões de desenvolvimento material.
Li um grafite urbano em uma parede de Madras: "Quem
perdeu a paciência perdeu a batalha.". Isso me fez compreender a relação dos indianos com o tempo, que para eles é
cíclico, desenvolve-se em grandes eras e admite várias vidas.
39
A crença na reencarnação facilita o respeito à natureza, pois as
pessoas preservam com maior cuidado o ambiente em que
voltarão a viver em vidas futuras.
40
No Nepal, tive contato com budistas tibetanos e budistas ocidentais, que impressionavam pela clareza dos conceitos que
transmitiam. Trangu Rinpoche, um conhecido lama tibetano
em Katmandu, benzeu e presenteou-me com uma pedra onde
se lia um mantra que lembrava a importância da atenção
ao tempo presente, ao aqui e agora. Algum tempo depois,
enquanto aguardava a abertura de um sinal de trânsito em
uma cidade brasileira, mostrava a familiares a pedra que me
fora dada de presente. De relance, um menino furtou meu
relógio do pulso e correu, com uma rapidez que impediu
qualquer reação. O instrumento para medir o tempo me era
subtraído em um momento de desatenção, e o susto daí
decorrente foi o último sinal que a aprendizagem na Índia me
proporcionou. Assim reagi ao esperto furto de que fui vítima
e me lembrei de que, na Índia, esse tipo de agressão explícita, à luz do dia, ainda não tem lugar com freqüência.
Durante anos, li tudo o que me chegava às mãos sobre aquele
país. Passei a oferecer um curso de extensão intitulado Índia,
unidade na diversidade, no qual ressaltava que a cultura e a
sociedade indiana são ricas em ensinamentos capazes de inspirar valores e comportamentos necessários ao desenvolvimento
sustentável. O curso oferecia informações sobre aspectos
ambientais, sociais, históricos e culturais da Índia e sobre o
valor do patrimônio milenar que ali se produziu e de onde se
dissemina para o Ocidente. Também enfatizava que temos
muito a aprender com a Índia, não só em matéria de políticas
públicas, administração, ciência e tecnologia, mas também no
que diz respeito a um estilo de vida ecologicamente adequado.
Nesse curso, por vezes os alunos formulavam questões que me
exigiam novos estudos. Divulgava ali uma seleção de citações
de grandes indianos – como Mahatma Gandhi, que aplicou a
satyagraha, ou seja, realizou experiências com a verdade;
Rabindranath Tagore, com suas sensíveis percepções poéticas;
Sri Aurobindo, que desenvolveu a ioga integral –, mostrando o
Nesses 25 anos minha relação com a Índia permaneceu ativa,
ângulo com que eles enxergaram seu país. Apresentava tam-
ainda que latente, por vezes hibernando com as mínimas
bém as visões de Jung, Annie Besant, Mircea Eliade, Octavio
funções vitais, à espera do momento propício para manifes-
Paz, ocidentais que se interessaram por aquela civilização.
tar-se e do tempo oportuno para florescer em solo fértil.
Oferecido vários anos pela Comuna, de Belo Horizonte, o curso
Produzi e divulguei informações por meio de viagens, leituras,
não atraía grande número de participantes.
publicação de artigos, organização de cursos de disseminação
de conhecimentos e encontros voltados para intensificar a
Senti as resistências culturais relacionadas com o colonialismo
cooperação indo-brasileira, trocas e conversas com familiares e
intelectual e a descrença de organismos de fomento à pesqui-
amigos interessados nessa relação.
sa, dominados por valores de estreito cientificismo, apesar da
41
crescente sensibilização acadêmica para o desenvolvimento de
Passaram-se 25 anos entre o momento em que elaborei o pro-
estudos integrados e não excludentes de aspectos culturais e
jeto para estudar na Índia e a edição deste livro. Mudamos de
humanísticos. No Brasil, há desinformação e desconhecimento
século e de milênio, e essa comparação no tempo permite
em relação à Índia. O fascínio brasileiro pela riqueza material
avaliar o passado, sua evolução no presente, tendências atuais,
e pela plutocracia, bem como a rejeição pela pobreza e pelos
e projetar perspectivas. Permite também sedimentar juízos,
pobres, tornaram a Índia um assunto de menor importância
reforçando a pertinência de algumas opiniões e fazendo aban-
no país.
donar outras, que aparentavam ser verdadeiras e perduráveis.
O tempo ajudou a identificar aspectos permanentes que cons-
Nas duas últimas décadas do século XX, manteve-se o isola-
tituem a matriz profunda do longo ciclo da civilização indiana
mento nas relações entre os dois países, à exceção de encontros
e realidades conjunturais passageiras que se transformaram
esporádicos e de pequenos grupos de brasileiros que buscavam
radicalmente.
a Índia motivados por interesses comerciais, turísticos ou espiri42
tuais. Editoras como a Palas Athena disseminam a filosofia in-
Assim, muitas daquelas observações de duas décadas atrás con-
diana; na música, Thomaz Lima – o Homem de Bem – e outros
tinuam verdadeiras. Diferentemente das mudanças demográ-
músicos realizam trabalho de importância; a Fundação
Peirópolis, de Uberaba (MG), criou um centro de educação e
valores humanos baseado na proposta de Satya Sai Baba; grupos de Raja Ioga da Universidade Espiritual Brahma Kumaris
atuam em várias partes do Brasil; os Hare Krishna desenvolvem
ação devocional; há pessoas que divulgam o trabalho de Osho
ficas e econômicas reveladas pela análise conjuntural, há uma
base cultural e mitológica permanente e durável, que sustenta
essa civilização. Mas a cidade de Bombaim passou a chamar-se
Mumbai, e Madras tornou-se Chennai – rebatizadas com nomes pré-britânicos durante a onda de reafirmação nacional do
final do século XX.
ou Rajneesh, Sri Aurobindo, Krishnamurti, entre tantos outros
Os indicadores referentes ao ciclo curto da economia e da
gurus ou seres iluminados, que dissipam a escuridão. Além
demografia sofreram grandes mudanças em 25 anos. Nesse
disso, centros de ioga, restaurantes naturistas e consultórios de
período, a população indiana saltou de 675 milhões para 1 bi-
medicina ayurvédica disseminam contribuições culturais e téc-
lhão de pessoas, e a densidade demográfica passou de 178
nicas da Índia. No início de 1997, houve a primeira visita de um
para 311 habitantes por quilômetro quadrado. No Brasil, a
presidente brasileiro à Índia e a assinatura de alguns tratados
população evoluiu de 110 para 170 milhões de habitantes, e a
entre governos. Tais fatos geraram matérias na imprensa du-
densidade demográfica alterou-se de 14 para 20 habitantes
rante uma semana.
por quilômetro quadrado.
43
Na década de 1970, eram ambos países de economia mista,
com forte presença do setor público. As privatizações ocorridas
durante a última década do século XX transformaram suas
economias, mas permanecem as mazelas do desemprego, da
baixa renda, das más condições de saneamento, saúde e educação. Na Índia, questões de segurança interna se agravam,
assim como as tensões com os vizinhos Paquistão e China em
áreas de fronteira.
44
Na década de 1990, testemunhei a influência crescente de
métodos de educação e de valores humanos disseminados no
Brasil especialmente a partir da Fundação Peirópolis (MG). Ao
mesmo tempo testemunhei os investimentos científicos e tecnológicos na engenharia genética realizados por empresas
como a Nova Índia Genética e por empresários sensíveis como
Dirceu Borges.
Nesses 25 anos a humanidade despertou para a consciência
ambiental e a noção da sustentabilidade, em decorrência do
agravamento de problemas globais, como o desmatamento, o
aumento dos gases do efeito estufa, a disputa pela água, o
consumismo. A Índia tem lições valiosas para o mundo do terceiro milênio, pois sua cultura é caracterizada pela flexibilidade
para aprender com o sofrimento e pela relutância em causar
dano a outros. Isso fez com que evitasse o expansionismo
geográfico. Além disso, por causa de sua enorme população, a
Índia teve que desenvolver uma inteligência ecológica, pautada pela adoção de padrões de consumo compatíveis com os
recursos naturais disponíveis, que causaram baixa degradação
e baixo desperdício.
O reconhecimento de que a Índia é uma referência para a civilização sustentável minorou as resistências em relação a ela.
Não é mais tão necessário neutralizar a informação dominante
por meio de contra-informação para romper a barreira do preconceito e do pensamento único ocidentalizante.
Fica, então, cada vez mais clara a importância de intensificar as
relações indo-brasileiras. A inteligência ecológica já tão desenvolvida na Índia pode ser aprendida e aplicada em sociedades
menos antigas, como a do Brasil. Além disso, a existência de
afinidades entre a situação indiana e a brasileira – baseadas nas
condições climáticas e ecológicas, na realidade tropical – faz
dos estudos comparativos do Brasil com a Índia um campo fértil, de onde se podem extrair ensinamentos importantes para a
sustentabilidade na sociedade brasileira.
Constatei o crescente interesse pela espiritualidade e pelos valores indianos no Brasil, a propagação lenta e progressiva de
palavras e conceitos daquela visão de mundo por aqui, os
avanços da ioga e de outras práticas de saúde integral originárias da experimentação indiana.
Assumi posteriormente cargos na gestão ambiental brasileira,
em escala local, estadual e nacional. A descoberta dessa outra
cultura foi de grande valia, tanto pela percepção de que ela se
baseia na ecologia cultural e humana, quanto pela vivência da
psicologia milenar indiana e da tecnologia das emoções, que
dão ênfase ao desenvolvimento integral do ser humano. Essa
abordagem holística tem muito a ensinar à psicologia ocidental
incipiente, que começou a se desenvolver a partir do final do
século XIX e cuja vertente tradicional se mantém focalizada nos
45
centros energéticos da segurança e da sensualidade, ignorando
os chakras 5 superiores.
As abordagens que se fazem no Brasil sobre a Índia geralmente
se detêm em aspectos devocionais. Neste trabalho procuro
focalizar outros aspectos, intelectuais e racionais, e não me
concentro naqueles relacionados à religião. Essa dimensão está
presente nos demais campos da vida indiana, seja por sua
importância cultural e civilizacional, seja por sua importância
econômica e comercial, já que os negócios místicos proliferam
futuro, traz idéias afinadas com o pensamento mundialista
indiano e formula propostas para a unidade na diversidade
global. Novas fontes de informação para estudos comparativos
estão disponíveis na internet, e relaciono ao final alguns sites e
referências bibliográficas sobre a Índia.
O objetivo deste livro é divulgar informações sobre a Índia,
para que se desenhe uma linha emergente de cooperação e se
construa uma ponte de informações e conhecimentos entre a
também naquele país diante do mercado crescente de pessoas
civilização indiana e a brasileira, conectando essas duas perife-
que buscam conforto espiritual.
rias e criando novas centralidades. Essa ponte busca no passado distante elementos de tolerância, visão global e cósmica,
46
Os textos da parte I deste livro referem-se a observações sobre
necessários para a civilização do futuro.
a Índia, a partir de visitas e estudos e realçam a diversidade
existente na unidade indiana.
Oxalá ele ajude os que estão motivados a aprofundar-se nos
estudos indo-brasileiros, para que nosso país se beneficie das
Na parte II realizo uma análise comparativa entre o Brasil e a
lições dessa relação e leve à Índia sua fraternal cooperação! Isso
Índia a partir de um estudo de caso que fiz, intitulado Habitat
é fundamental em um mundo cuja globalização precisa trans-
and technology transfer. Inicialmente, comparo uma aldeia
cender os aspectos comerciais e econômicos e caminhar para
indiana com um município brasileiro e, em seguida, investigo as
uma ordem político-institucional federativa mais justa e menos
possibilidades de cooperação e transferência de tecnologia
excludente.
entre os dois países.6 A parte III trata de perspectivas para o
5
O ser humano integral abrange, nessa visão, os diferentes corpos sutis, além do corpo
físico. Os chakras fazem parte do corpo etérico, como centros energéticos.
6
Editado pelo Indian Institute of Management, Bangalore, em 1978.
47
PARTE I
ÍNDIA: DIVERSIDADE NA UNIDADE
A Índia é o maior exemplo de liberdade de pensamento
que a humanidade produziu – na Índia ninguém foi
obrigado a tomar cicuta por causa de suas idéias,
nem foi crucificado pelas suas pregações.
[Lia Diskin]
FORMAÇÃO PLURAL DA ÍNDIA
Ao longo da história, os povos sempre se deslocaram em busca de oportunidades de vida e trabalho. Quando o espaço vital se torna limitado,
uma das formas de ampliá-lo e de reduzir as pressões internas é lançar-se
em movimentos expansionistas, de emigração e de colonização de outros territórios. São exemplos as grandes descobertas a partir do século
XV, cantadas por Luís de Camões:
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.1
Mapa da Índia
A colonização européia apresentou resultados distintos. Onde havia
sociedades consolidadas, com cultura e lastro de civilização milenar, os colonizadores interagiram com os povos autóctones, que souberam resistir
1
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas, p.71.
51
à devastação lucidamente mencionada por Camões. Estes influenciaram
aqueles, apesar das tensões geradas na colonização. Em outros lugares,
como nas Américas, houve o aniquilamento cultural e demográfico dos
colonizados. As civilizações pré-colombianas – os astecas no México, os
maias na América Central e os incas no Peru – não suportaram o contato com a civilização européia e sucumbiram.
A Índia era muito cobiçada pelo comércio e pelas trocas que possibilitava. Formaram-se as Companhias das Índias ocidentais e orientais. Do
ângulo de visão indiano, a chegada dos europeus – especialmente os
portugueses, franceses e ingleses – foi mais uma onda demográfica a se
somar a outras anteriores. De fato, a Índia sempre foi disputada por
povos variados, que buscavam a fertilidade do vale do Ganges, as
riquezas naturais e o clima de monção propício à agricultura: os arianos,
os drávidas, os gregos e persas, os muçulmanos da Ásia Central e do
Oriente Médio e posteriormente os cristãos europeus, todos contribuíram para sua formação.
52
Tolerância, receptividade e respeito à diferença permitiram aos indianos
absorver influências de outras civilizações e incorporá-las à própria cultura, sem se deixar aniquilar e sem esquecer seus antigos valores.
Convivência entre diversos
Há 65 milhões de anos, quando os vários continentes se formaram,
houve o encontro do subcontinente indiano com as terras asiáticas,
dando origem à cordilheira dos Himalaias, que ainda continua a elevarse e onde se encontram alguns dos pontos mais altos do planeta.
O rio Ganges originou-se nos picos nevados e formou um vale fértil. A
historiadora indiana Romila Thapar relata a ocupação ocorrida nesse
vale há cinco mil anos: ali começaram a assentar-se povos que migravam
de toda a Ásia, das estepes e regiões semidesérticas, do norte, leste e
oeste. O adensamento de populações ocupou todo o subcontinente
indiano, dos litorais tropicais banhados pelas chuvas de monções, até o
planalto do Decão; das regiões semidesérticas do Rajastão, à cordilheira
dos Himalaias, ao norte. Essa gente, de origem distinta, estabelecia-se
no local que lhe parecia adequado e devia aprender a conviver com seus
vizinhos estrangeiros.
A fertilidade do solo foi o grande atrativo para o assentamento sedentário desses povos, que configuraram a rede de centenas de milhares de
pequenas aldeias indianas circundadas por terras agrícolas ou pela atividade pastoril. Essa fertilidade do solo parece ter se refletido na fertilidade da imaginação e da criatividade dos que chegavam e produziu um
fascinante conjunto de princípios de conduta e de técnicas de autoconhecimento. Finalmente em 1947, os vários povos, com culturas, línguas
e costumes distintos, unificaram-se em uma república parlamentarista.
Unidade na diversidade é o lema da nação indiana. A diferença não é
apenas respeitada, mas também estimulada. Diversidade social, cultural,
psicológica, além da biodiversidade, caracterizam essa sociedade. O
respeito à biodiversidade tem grande importância na preservação do
equilíbrio ecológico.
A Índia exercitou, na prática, formas de acomodação que facilitam a convivência na diversidade. Esse exercício é valioso em um planeta interligado pelas tecnologias da comunicação e sujeito a problemas ecológicos e
climáticos globais. Ainda que atualmente o equilíbrio ambiental da Índia
venha se rompendo, com a erosão de solos, degradação da terra, desflorestamento, carência de água, lenha e alimento para o rebanho, o país
ainda é um exemplo histórico de civilização que soube sustentar-se ecologicamente e que assim se reproduziu há milhares de anos.
Mediar e resolver conflitos de modo não violento é hoje a tarefa
primeira da política ambiental, diante dos desequilíbrios da natureza que
têm se agravado e das disputas pelo uso de recursos naturais. No caso
da Índia, isso é ainda mais importante por causa de sua elevada densidade populacional.
O poeta Rabindranath Tagore, ao escrever sobre o nacionalismo, afirma
que o problema de convivência entre as raças foi enfrentado pela Índia
desde o início de sua história:
53
A missão da Índia foi como a da anfitriã que tem que prover acomodações apropriadas para numerosos hóspedes, cujos hábitos
e necessidades são diferentes uns dos outros. Isso causa complexidades infinitas, cuja solução depende não meramente de
tato, mas de simpatia e de um verdadeiro entendimento da
unidade do homem.
Para abrigar esses hóspedes tão diversos em seu território, a civilização
indiana desenvolveu o espírito de tolerância e não-violência, que também
aplica ao mundo animal e vegetal. Foi esse estilo de vida não predatório
da natureza que permitiu a sobrevivência milenar daquela civilização.
Continuando a refletir sobre a Índia, Tagore conclui:
Temos que reconhecer que a história da Índia não pertence a
uma raça em particular, mas a um processo de criação para o
qual várias raças do mundo contribuíram – os drávidas e os
arianos, os antigos gregos, os persas, os maometanos do oeste e
aqueles da Ásia central. E por fim, foi a vez dos ingleses nessa
história, trazendo-lhe o tributo de suas vidas; não temos o
poder nem o direito de excluir esse povo da construção do destino da Índia.
54
À diferença dos países europeus, que precisaram colonizar a África, Ásia
e América para dali extrair recursos com os quais se sustentar, a Índia
nunca foi expansionista. Pelo contrário, absorveu os imigrantes que
chegavam. Até mesmo na luta pela independência, conduzida pelo
Mahatma Gandhi, usou da gentileza da resistência passiva e da não-violência para fazer os invasores europeus saírem de seu território.
A Índia cultivou a convivência entre diversos de forma introspectiva:
aprofundou-se na psicologia humana, criando tradições espirituais que
priorizaram o autoconhecimento e um estilo de vida não agressivo em
relação ao ambiente natural e social; desenvolveu verdadeira tecnologia
2
3
TAGORE, Rabindranath. Nationalism, p.3.
TAGORE, Rabindranath. Op. cit., p.9.
de vivência implosiva, de adensamento e aprofundamento interno,
oposta à tecnologia de conquista do mundo exterior, desenvolvida em
sociedades ocidentais de tradição judaico-cristã.
O princípio da não-violência é um dos pilares dessa civilização e determina o comportamento individual e coletivo. A aplicação desse princípio
aliada à progressiva redução de desigualdades sociais são alguns dos
fatores que mantêm baixos os índices de violência nesse país multicultural, com trinta diferentes troncos lingüísticos, centenas de dialetos,
além de várias religiões.
Hoje, em todo o mundo, migrantes se deslocam de uma região para
outra em busca de melhores oportunidades de vida, na expectativa de
ser recebidos com tolerância. Expulsos pela miséria e por desequilíbrios
ambientais de seus países de origem ou atraídos pela riqueza dos países
em que tentam se estabelecer, eles costumam gerar tensões ao competir com os nativos por espaço e oportunidades de trabalho.
Surge, então, a xenofobia. Barreiras à imigração, protecionismo, cerceamento do direito de ir e vir, segregação e marginalização são alguns dos
obstáculos com os quais se defrontam os estrangeiros. É o que ocorre
atualmente na Europa, onde se acirram os movimentos racistas, que
tentam impedir o compartilhamento da riqueza européia com os povos
que ajudaram direta ou indiretamente a construí-la.
Nos momentos em que se agravam o neonazismo, a intolerância racial,
a segregação e a violência, é oportuno buscar inspiração no modelo da
milenar civilização indiana. A tecnologia de convivência e respeito a
diferenças desenvolvida nessa civilização é essencial em um mundo
cheio de conflitos étnicos. E essa tecnologia não foi desenvolvida por
haver excesso de empregos; pelo contrário, o desemprego é um problema sério na Índia. Por esse fato, podemos deduzir que as discriminações
observadas na Europa não resultam apenas da competição por postos de
trabalho, também existente na Índia; resultam sobretudo da dificuldade
de conviver com a diferença.
Mas pode-se então perguntar: se na Índia há tanta tolerância com a
diferença, como surgiu lá o discriminatório sistema de castas, que estratifica a sociedade e reduz a mobilidade social?
55
Mesmo Mahatma Gandhi, ferrenho lutador contra a existência da casta
dos intocáveis, dizia acreditar que cada pessoa nasce no mundo com
aptidões e limitações. Para ele a lei do varna, que instituiu as castas, teria
estabelecido uma esfera de ação para cada grupo vocacional, evitando
a competição desnecessária. Segundo Gandhi,
Do ponto de vista econômico, seu valor foi muito grande.
Assegurava as habilidades hereditárias e limitava a competição.
Historicamente falando, a casta pode ser vista como um experimento humano ou ajuste social no laboratório da sociedade
indiana. Se ela provar ser um sucesso, pode ser oferecida ao
mundo como um fermento e como o melhor remédio contra a
competição sem coração e a desintegração social nascida da
avareza e da cobiça.
É hoje evidente a inviabilidade dos processos expansionistas que levaram
à colonização, à escravatura, à dominação política, econômica e cultural.
O planeta não dispõe de recursos naturais que banquem o expansionismo sem limites. Anuncia-se, então, nas palavras de Sri Aurobindo, o
"advento da era subjetiva"6, na qual uma psicologia mais refinada será
desenvolvida. A importância da subjetividade para a teoria e a prática de
respeito ao meio ambiente é cada vez mais clara, já que nela está a raiz
do consumismo, da pressão sobre os recursos naturais e da deterioração
global da biosfera. O resgate da subjetividade se torna fundamental se,
para além do ambientalismo superficial propagado pelos meios de
comunicação, houver vontade de desenvolver comportamento mais
comprometido com a conservação da natureza. Quando se chega ao fim
do crescimento externo, quando se esgotam as possibilidades do meio
ambiente, a alternativa é investir na expansão interior, nos processos
56
Controverso e polêmico, o sistema das castas visava a aprimorar as
vocações individuais para as atividades intelectuais, comerciais, guerreiras e manuais; foi dessa divisão de aptidões que se originaram respectivamente as grandes castas (brahmin, vaishya, kshatriyas, shudra).
Comenta Tagore:
O que os observadores ocidentais não conseguem discernir é
que, em seu sistema de castas, a Índia seriamente aceitou sua
responsabilidade de resolver o problema de raças de maneira a
evitar toda fricção, e ainda assim oferecendo a cada raça liberdade dentro de suas fronteiras. Admitamos que a Índia não
obteve nisso um sucesso absoluto. Mas também deve ser lembrado que o ocidente, situado mais favoravelmente quanto à
homogeneidade de raças, nunca deu atenção a esse problema;
sempre que confrontado com ele, tentou torná-lo mais fácil,
ignorando-o.
introspectivos desenvolvidos pela psicologia indiana. A partir de então,
não se valorizarão apenas os centros energéticos ou chakras da segurança, a sensualidade e o poder.7
A Índia tem importantes contribuições a oferecer a povos de todas as
regiões do mundo: sua experiência milenar, seu conhecimento a respeito
da psicologia humana e a tecnologia que criou para fazer permear as
relações interpessoais.
Migrações, invasões e também forças naturais (como o clima incerto das
monções) desenvolveram no povo do subcontinente indiano elevada
inteligência espiritual, pois o ensinaram a render-se às forças superiores
6
7
4
PRABHU, R.K. & RAO, U.R. (Comp.). The mind of Mahatma Gandhi, p.110.
5
TAGORE, Rabindranath. Op. cit., p.70-71.
Sobre o advento da era subjetiva, cf. AUROBINDO, Sri. Complete works, v.15, p.21-28.
O quarto centro energético se refere ao amor e a suas formas altruístas; o quinto chakra se refere
à inspiração poética e à criatividade; o sexto integra o conhecimento intelectual, mas também intuitivo e extra-sensorial; o sétimo centro energético se refere ao estado transpessoal, de êxtase ou de
consciência cósmica. Para mais detalhes, cf. WEIL, Pierre. Valores éticos em ciência e tecnologia. In:
Ética e tecnologia, até onde podemos ir? (Apostila)
57
que condicionavam seu destino e de que dependia sua sobrevivência.
8
De fato, a inteligência espiritual de um povo sempre está relacionada à
3. O sistema postal e de comunicações, que integra em um todo tanto
as milhares de pequenas aldeias quanto as grandes cidades.
sua história social e econômica. E é precisamente dessa inteligência que
vem a habilidade para lidar com impasses e crises.
Efeitos da colonização inglesa
A colonização inglesa na Índia durou mais de dois séculos. Em uma
primeira fase foi conduzida pela Companhia das Índias e, a partir de
1857, pelo governo britânico. Encerrou-se em 15 de agosto de 1947,
quando foi declarada a independência indiana depois de um movimento nacional liderado por Mahatma Gandhi e baseado na não-violência e
na resistência passiva.
Quatro foram as principais contribuições que a Inglaterra levou à Índia:
58
1. A língua inglesa, que veio a ser uma argamassa usada em todas as
partes e especialmente pelas elites indianas nas áreas urbanas, nos círculos acadêmicos e governamentais. Sua disseminação contribuiu para a
integração das várias regiões da Índia, nação com mais de trinta troncos
lingüísticos e centenas de dialetos.
2. O sistema ferroviário, um dos mais extensos do mundo, tornou-se a
malha articuladora do amplo território de mais de três milhões de
quilômetros quadrados. Estima-se que, a qualquer hora do dia ou da
noite, mais de 50 milhões de pessoas estejam presentes, como passageiros ou funcionários, nas estações e nos trens indianos.
8
Entre os sinais de inteligência espiritual, encontram-se elevado grau de autoconhecimento, independência para seguir as próprias idéias, flexibilidade, relutância em causar danos aos outros,
capacidade de enfrentar a dor e de aprender com o sofrimento, de se inspirar em ideais elevados,
de aplicar princípios espirituais no dia-a-dia, de estabelecer conexões entre realidades distintas. É
a inteligência espiritual que ajuda a encontrar sentido na vida, paz e tranqüilidade. Ela transcende
as inteligências emocional, social, concreta e abstrata e pode ser desenvolvida por meio da meditação e da autoconsciência. Cf. ZOHAR, Danah & MARSHALL, Ian. Connecting with our spiritual
intelligence.
4. O sistema de administração pública, que envolve funcionários indianos, governos provinciais e forças armadas "submetidas ao comando de
reis e príncipes aliados da Grã Bretanha", como aponta Vinod Vyasulu.
Várias regras da estrutura administrativa implantada pelos ingleses permaneceram depois da independência.
Implantados pelos ingleses como instrumentos de dominação, a língua,
o sistema de transportes e o sistema de comunicações serviram, ironicamente, para facilitar a queda do império britânico. Foi a língua inglesa
que possibilitou à Índia divulgar amplamente a sua luta pela independência e conseguir a solidariedade do mundo. E foi em uma viagem
de trem que Mahatma Gandhi conheceu sua Índia natal e pôde perceber os problemas de seu povo. Ele tinha acabado de voltar da África do
Sul, onde formara convicções anticolonialistas.
Mesmo depois de independente e já governada por Jawaharlal Nehru,
a Índia permaneceu como membro da Commonwealth. Participar da
comunidade britânica, como observou A.B. Patel, foi um meio para facilitar a cooperação com os países desse grupo e também com a comunidade mundial.
Apesar de a colonização inglesa ter exercido grande influência na Índia,
principalmente sobre a elite intelectualizada, o povo cultiva até hoje as
suas tradições. A independência cultural é preservada: os meios de
comunicação de massa como rádio e TV, por exemplo, veiculam um percentual muito pequeno de produções estrangeiras, e é muito expressiva
a produção nacional de filmes, peças de teatro, música e dança. No que
se refere à independência tecnológica, em 1977 a política oficial exigiu
que treze companhias multinacionais, entre elas a IBM e a Coca-Cola, se
retirassem da Índia. Algumas delas retornaram em 1995, na fase de
abertura econômica liberal do país.
O mundo deve à colonização britânica o serviço involuntário de ter facilitado o contato do Ocidente com o inestimável patrimônio cultural
59
indiano. A luta pela independência da Índia revelou a força de práticas
espirituais como a satyagraha (experiência com a verdade), brahmacharya
(castidade) e ahimsa (não-violência), todas elas exercitadas por Gandhi.
Assim também, recentemente pudemos testemunhar outra invasão que
possibilitou a divulgação da sabedoria de origem indiana, já que o Buda
nasceu na Índia. Quando os chineses tomaram o Tibet, fizeram migrar
lamas e monges, que mostraram a força do budismo ao mundo.
O principal efeito da colonização inglesa na Índia, meio século após
a independência, foi possibilitar que ela disseminasse os traços positivos
e benéficos que desenvolveu ao longo de sua civilização milenar. No
idioma inglês, que se tornou a língua das comunicações mundiais, a
Índia agora devolve influências culturais ao mundo com força ainda
maior do que as recebeu. E faz isso lentamente, sem pressa, dentro da
dilatada noção de tempo que marca sua cultura.
60
A língua inglesa abriu campo para obras e sistemas filosóficos da antiga
cultura indiana, expressos originariamente em páli, em sânscrito ou em
hindi, alcançarem povos de todo o mundo. Gurus9 como Ramana
Maharishi, Krishnamurti, Osho ou Rajneesh, Maharishi Mahesh Yogue,
Satya Sai Baba, Sri Aurobindo, Ramakrishna, Vivekananda, contribuem
para a difusão, em língua inglesa, dos valores espirituais indianos. Ao
expressar-se em inglês, Vivekananda, por exemplo, obteve grande
sucesso no Congresso Internacional de Religiões realizado em Chicago
em 1893.
Diversos elementos da cultura indiana, mundialmente popularizados,
mostram como ela aos poucos se dissemina por meios sutis, lentos,
porém persistentes: ioga; palavras como guru, carma, dharma, sari,
ananda, mahatma, ahimsa, kundalini, mantra, ashram, kamasutra; a
mitologia contida nos Vedas (livros sagrados), que incluem as
Upanishads; no Mahabharata (o grande épico hindu), na Bhagavad Gita
(parte do Mahabharata que conta a batalha no campo de Kurukshetra);
9
A palavra guru significa, literalmente, removedor da escuridão (gu ru).
incensos; a música indiana, suas ragas e instrumentos como a tabla, a
veena, ou a cítara; temperos culinários como o curry.
Se, por um lado, a civilização indiana tem raízes em um passado longínquo, por outro, tem características que deverão estar presentes nas civilizações futuras. Algumas delas são a redução da demanda por objetos
e por recursos naturais e a maximização do uso do corpo na execução
das tarefas diárias. Esse estilo de vida minimalista, que preserva a
natureza dos danos do consumo desenfreado, compõe uma cultura em
sintonia com o respeito ao meio ambiente, valor tão necessário ao
mundo contemporâneo e ao futuro.
A Índia é como uma irmã mais velha, mais experiente e vivida, a quem
não falta generosidade para facilitar o caminho daqueles que vêm
depois. Em um espírito de fraternidade e solidariedade, expõe a todos a
sua verdade e realidade, com dignidade na pobreza e com independência de visão.
61
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Mentes brilhantes provocam ações que causam sofrimento e dor.
É preciso também educar o coração.
[Dalai-Lama]
O contingente de cientistas e técnicos indianos é, quantitativamente, o
segundo maior do mundo; só é superado pelo contingente americano.
Ciência e tecnologia na Índia são altamente desenvolvidas e diversificadas. O país domina a tecnologia de fabricação da bomba atômica e
realiza pesquisa espacial. Faz avanços expressivos no campo da
microeletrônica e das novas tecnologias de comunicação. O crescente
setor da informática já gerou cerca de 200 mil empregos. Em 1990, a
exportação de software foi de 130 milhões de dólares, em 2000, foi de
2 bilhões e, em 2001, alcançou a marca de 6 bilhões, o que corresponde
a 1% do mercado mundial, com alta expectativa de crescimento. Isso se
do raciocínio ou do experimento algumas das idéias e descobertas científicas às quais a Europa somente chegou muito mais
tarde, mas foi capaz de basear mais firmemente por seu método
novo e mais completo. A Índia foi bem equipada em cirurgia e
seu sistema de medicina sobrevive até nossos dias e ainda tem
seu valor, embora tenha declinado em conhecimento e somente
agora esteja recuperando sua vitalidade.11
justifica por três fatores: o baixo custo do trabalho qualificado e a boa
formação em ciências exatas nas instituições de ensino técnico e superior,
a língua inglesa e a política de substituição de importações, que criou
ilhas de competitividade. Para atingir essa expectativa, o país deve continuar investindo em educação superior, pesquisa e desenvolvimento,
infra-estrutura e políticas comerciais liberais.10
A tradição científica já vem de longe na história indiana, como observa
Sri Aurobindo:
Em que campos a India não tentou, alcançou, criou, e em todos
em uma grande escala e ainda assim com muita atenção e plenitude de detalhes? Não se questionam, realmente, suas conquistas espirituais e filosóficas. Elas estão aí, como os Himalaias
estão sobre a terra, como na frase de Kalidasa, “como se fossem
o bastão de medida da terra”, mediando ainda entre o céu e a
terra, medindo o finito, atirando seus picos distantes no infinito,
penetrando suas extremidades nos oceanos superiores e inferiores do superconsciente e do subliminar, do espiritual e do ser
natural. Mas se suas filosofias, suas disciplinas religiosas, sua
longa lista de grandes personalidades espirituais, pensadores,
fundadores, santos, são sua maior glória, como foi natural em
seu temperamento e idéia governante, eles não são de forma
alguma suas únicas glórias, nem as outras são diminuídas por
sua eminência. Hoje está provado que, na ciência, ela avançou
mais longe do que qualquer país antes da era moderna, e
mesmo a Europa deve o início de sua ciência física à India, tanto
quanto à Grécia, embora não diretamente, mas por intermédio
dos árabes. E, mesmo que ela tivesse ido somente até essa distância, isso seria prova suficiente de uma forte vida intelectual
em uma cultura antiga. Especialmente nas matemáticas, na
astronomia e na química, os elementos-chave da ciência antiga,
ela descobriu e formulou muito e bem, e antecipou pela força
62
10
Economic and Political Weekly, Apr. 8-14 2000, Mumbai.
A Índia tem contribuições teóricas originais quanto ao papel da tecnologia nas sociedades. O cientista Amulya Kumar N. Reddy, do Instituto Indiano de Ciências, em Bangalore, considera que a tecnologia
carrega o código genético da sociedade que a cria. Ela pode ser considerada um ‘presente de grego’ quando desembarca em outra sociedade com oferta diferente de recursos naturais, recursos humanos,
capital e informação. Pode provocar, então, aumento de desigualdades
sociais e desemprego, caso seu uso não seja adequado às condições
socioeconômicas locais.
Tanto nos meios científicos e acadêmicos quanto fora deles há atualmente um amplo movimento para recuperar a sabedoria contida na
tradição e adaptá-la às modernas condições de vida. Ele é impulsionado
por cientistas insatisfeitos com seu trabalho, associações voluntárias e
movimentos populares e se apóia em milênios de tradição e na simplicidade do estilo de vida indiano.
Ciência para o desenvolvimento rural
Várias instituições adotam aldeias para ajudar o seu desenvolvimento.
Uma delas é o Instituto Indiano de Ciências, de Bangalore, fundado em
1911, que conta com trezentos professores, cerca de mil alunos (trezentos e cinqüenta de mestrado e quatrocentos de doutorado) e vinte
departamentos de ciência e engenharia.
11
AUROBINDO, Sri. Complete works.
63
Esse instituto criou o grupo ASTRA, de ciência e tecnologia aplicada às
áreas rurais, cujas atividades começaram em 1973, em um seminário para
discussões que se transformou em uma célula de trabalho.12 Considerado
um experimento institucional, o grupo é mantido com fundos próprios do
Instituto de Ciências e não tem necessidade de financiamento internacional. O primeiro coordenador do ASTRA foi o professor A.K.N. Reddy,
um bioquímico do instituto, e os seus integrantes também são professores
da instituição.
64
Em suas apresentações orais e em artigos científicos, o professor Reddy
defende a tese de que as tecnologias são apropriadas quando atendem
aos objetivos socioeconômicos de desenvolvimento: satisfazer as necessidades humanas básicas e utilizar-se dos recursos locais sem prejudicar
o meio ambiente. Reddy argumenta que muitos dos desejos e necessidades dos grupos sociais que não podem articular suas demandas são
ignorados por professores, cientistas e engenheiros que trabalham com
eles. O estilo de vida da elite é freqüentemente imitado por esses grupos ou imposto involuntariamente a eles, já que muitos dos que se dispõem ao trabalho social provêm de classes mais altas. É necessário,
então, conhecer melhor o meio rural para perceber suas necessidades e
demandas reais. Essa é uma das finalidades da manutenção de centros
de extensão no campo, como o da aldeia de Ungra.
O ASTRA é um dos mais importantes grupos de cientistas indianos que
dirige seus esforços para conhecer a realidade das áreas rurais e nelas
aplicar, de forma apropriada, os conhecimentos da ciência e tecnologia.
Ele atuou como um catalisador na criação de ‘tecnologias redutoras de
desigualdades’ e as difundiu para pequenas cidades e outras agências
de desenvolvimento rural.
O grupo promoveu seminários sobre carros de boi, bicicletas, escolas
rurais, energia solar, produção de biogás, habitação rural, bombas de
água, planejamento agrícola, uso de algas como alimento, combustível
12
Para mais informações sobre o Centre for the Application of Science and Technology to Rural
Areas (ASTRA), ver www.iisc.ernet.in/depts/astra.
e fertilizante, entre outros assuntos de interesse para o desenvolvimento
rural da Índia.
Além dos cursos que oferece, o grupo ASTRA pesquisa tecnologias de
construção, fontes de energia locais, implementos rurais, formas para
desenvolver indústrias de pequena escala, uso de materiais e rejeitos,
entre outros temas.
O ASTRA enfrentou resistências no meio acadêmico. Alguns professores
relutam em desviar-se dos projetos tradicionais, recusam-se a cruzar as
barreiras sociais e têm medo de enfrentar situações como as propostas
pela realidade indiana, um verdadeiro teste. Pouco a pouco, entretanto,
o grupo amplia sua faixa de atuação e consegue maior reconhecimento
pelo trabalho que desenvolve, pois os cientistas estão cada dia mais conscientes de sua responsabilidade social.
A partir da experiência do grupo, planeja-se um Curso de Tecnologia
para o Desenvolvimento Rural, com duração de dois anos, que terá
como objeto de estudo as pesquisas de tecnologia apropriada.
Na aldeia de Ungra há um centro de extensão do ASTRA, cujo terreno
foi cedido ao Instituto de Ciências pelo governo do estado. Nele foi construída uma casa para o professor Reddy estudar de perto alternativas
tecnológicas para o desenvolvimento rural. Foi também construído um
alojamento para estudantes que deverão ampliar seus contatos com a
vida rural.
O trabalho no centro é realizado por etapas: em primeiro lugar, o grupo
identifica os fatores que determinam a auto-suficiência das aldeias; em
segundo, expõe à população rural opções tecnológicas que lhe permitiriam atingir essa auto-suficiência, para que ela escolha a solução mais
compatível com sua realidade. O método de trabalho inclui o contato
direto cientista-população, a observação participante, a pesquisa orientada para a ação e o aprender fazendo.
Os contatos entre cientistas e habitantes da aldeia são bastante frutíferos, apesar de a iniciativa ter partido do Instituto de Ciências e não da
65
população local. Eles são uma oportunidade para que os agricultores formulem reivindicações próprias, como o reparo de bombas manuais, a
instalação de moinho de vento nas aldeias próximas e o cultivo de uma
horta na escola primária para a alimentação das crianças. Algumas dessas tarefas são realizadas pelo morador do centro de extensão.
Vários experimentos foram realizados no local: um moinho de vento
rudimentar para bombear água da cisterna; plantação de bosque de
casuarinas e Leucena glauca, espécie de alta densidade proveniente das
Filipinas, para produção de lenha para consumo doméstico; abertura de
valas para conter a erosão do terreno e canais longitudinais para manter
o lençol d’água; plantação de leguminosas para fertilizar a terra agrícola.
66
A partir de um balanço completo das fontes e do consumo de energia
na aldeia, foram feitos estudos para colocar em funcionamento uma
usina de biogás, que aproveita o gás metano produzido pelo esterco das
vacas. Esses estudos envolvem encontros públicos com a população para
avaliar aspectos do digestor de biogás comunitário, discussões e atividades em conjunto com os habitantes da aldeia.
Além do trabalho de campo, foram realizados vários outros projetos no
Instituto de Ciências: produção de silicato de sódio a partir da casca de
arroz, cálculos de transferência de calor em digestores de biogás, estudos para o aproveitamento de energia eólica, estudos para melhor aproveitamento do bambu, pesquisas para aumentar o rendimento dos
fogões rurais e pesquisas sobre tecnologias alternativas de habitação.
Um dos projetos já realizados pelo ASTRA foi a melhoria de funcionamento das bombas manuais utilizadas nas aldeias para suprimento de
água potável. Essas bombas são essenciais à vida local; sem elas, os
habitantes devem caminhar longas distâncias para buscar água.
As bombas apresentavam muitas falhas, e os problemas eram atribuídos
a fatores diversos, sem que se investigassem sua origem: funcionários do
governo diziam que as comunidades não faziam a necessária manutenção; organizações voluntárias que operam nas aldeias se queixavam da falta de envolvimento popular na instalação e manutenção
das bombas; a imprensa criticava o governo e a ausência do controle de
qualidade; os engenheiros, por sua vez, atribuíam os defeitos à falta de
manutenção adequada.
O ASTRA visitou as bombas em operação nas aldeias, analisou seu
desenho e as testou no campus do instituto. Verificou-se que elas tinham
sido desenhadas nos Estados Unidos e que se destinavam ao uso doméstico; não tinham sido projetadas para o uso intenso a que eram submetidas nas aldeias indianas. Verificou-se ainda que o nível dos lençóis
aqüíferos na região era baixo. O grupo ASTRA propôs, então, modificações de pequeno custo no desenho e conseguiu reduzir sensivelmente
a freqüência de falhas nas bombas manuais. Foi um sucesso: um projeto
barato, que trouxe benefício para mais de seis milhões de pessoas.
Revalorização da bioenergia animal
A administração do aproveitamento da energia animal é um tema relevante na Índia, que tem mais de 80 milhões de bois e búfalos trabalhando em arados, no transporte urbano e rural. Além deles, há um milhão
de cavalos e igual número de camelos, cuja força de tração provê cerca
de 40 milhões de cavalos-vapor 13 de energia. O rebanho indiano de
gado bovino é o maior do mundo. O trabalho com os animais e a condução de veículos como os carros de boi empregam 20 milhões de pessoas. Há aproximadamente 13 milhões de carros de boi no país.
Sem os animais não teria sido possível organizar o estilo de vida indiano,
que preserva tanto a energia quanto os recursos do ambiente. Assim,
durante muito tempo, vários animais foram venerados na Índia, destacando-se entre eles a vaca, que, para Gandhi, significava todo o mundo
subumano, estendendo as simpatias humanas para além de sua própria
espécie. Um exemplo dessa veneração é a importância de Nandi – boi
13
Cavalo-vapor: unidade de medida de potência igual a 735,5W.
67
usado como meio de transporte por Shiva, um dos principais deuses da
mitologia hindu.
O Instituto Indiano de Administração de Bangalore estudou a participação da energia animal na economia indiana e desenvolveu propostas
para que seja mais bem aproveitada. O professor N.S. Ramaswarny,
ex-diretor da instituição, é o principal divulgador dos trabalhos de valorização da energia animal; o primeiro deles foi um projeto que melhorava o desenho do carro de boi. Segundo o professor, além de o animal ser
uma fonte de energia compacta, independente e móvel, a bioenergia
animal é mais barata que outras modalidades, o que justificaria mais
investimentos no seu estudo. Entretanto, nos países avançados e também na Índia, investem-se grandes somas em reatores nucleares, na
energia hidrelétrica, eólica, solar e na energia das marés e da biomassa.
68
Na Índia, dois terços da energia usada no campo, para o arado ou para
o transporte rural, provêm dos animais de carga, principalmente bois e
búfalos. Embora os adeptos da modernização com base no estilo ocidental defendam a substituição dos animais por maquinário agrícola, tão
cedo isso não será viável, especialmente por causa dos aumentos do
preço dos combustíveis derivados de petróleo.
Uma boa alternativa de tecnologia apropriada seria melhorar o rendimento e as condições de trabalho dos milhões de animais que auxiliam
na lavoura e no transporte. O projeto para melhoria do carro de boi partiu dessa premissa e teve como objetivos principais: reduzir o desperdício de energia animal; diminuir a crueldade com que eram tratados os
animais que trabalham para o homem; modernizar o carro de boi e outros implementos agrícolas movidos a tração animal.
O carro de boi tradicional tem tração equivalente a um motor de 0,5 cavalo-vapor sem custos de transmissão. Entretanto, por causa dos defeitos
de desenho e de manufatura, ele só utiliza a metade da energia disponível.
Estima-se que a capacidade de carga do carro de boi possa ser dobrada,
sem sobrecarregar o animal. Caso o atrito seja reduzido por meio de
uma plataforma mais leve, redesenho das rodas com a utilização de
pneus e diminuição do componente vertical de peso sobre o animal,
pode-se aumentar a vida útil do veículo e prevenir o aparecimento de
nódulos e de câncer no pescoço dos bovinos. O uso de pneus reduziria
também danos nas estradas.
A modernização do carro de boi pode representar um avanço na agricultura e na economia rural. Essa modernização não requer muito capital,
além de garantir trabalho para milhões de pessoas. Se adotado, o sistema
poderia economizar combustível fóssil, já que seria controlado o uso de
veículos automotores nas áreas rurais. Atualmente são transportados 10
bilhões de toneladas-quilômetro anuais em carros de boi na Índia; no
transporte rodoviário são transportados 80 bilhões e, no transporte ferroviário, 180 bilhões.
Esse projeto de modernização é um ponto de partida para melhorar a
economia e as condições de vida dos animais. Na aplicação de tecnologia em áreas rurais, ao lado do interesse econômico de aumentar a vida
útil dos animais, há também o objetivo de diminuir a crueldade a que
estão sujeitos.
69
Estudos correlatos são desenvolvidos em várias instituições do país, como
o Instituto Indiano de Tecnologia, de Madras, o Instituto de Ciências de
Bangalore e o Colégio Regional de Engenharia, em Warangal, além da
indústria de pneus Dunlop, interessada no mercado potencial. Foram
produzidos protótipos testados nas aldeias, e o projeto foi exposto em
várias feiras agrícolas. Ele prevê o desenvolvimento de diferentes tipos de
carros, de acordo com as condições regionais de trabalho.
Algumas das propostas de modernização vão além do redesenho dos
carros, dos implementos e do maquinário que utilizam energia animal e
incluem: promoção de versões melhoradas de carros, acessórios e implementos de tração animal; facilitação de crédito para compra desses
implementos; melhoria genética das espécies de bovinos mais apropriadas para o trabalho agrícola; adoção de leis que evitem o abuso e a crueldade com os animais; divulgação, por meio da comunicação de massa,
de documentários e livros para crianças.
Há milênios sacralizou-se a relação entre homens e animais na Índia. As
populações das aldeias respeitam os códigos religiosos criados por seus
antepassados sem ter idéia da sabedoria aí contida. A tradição não possibilita o consumo abundante, mas viabiliza a sobrevivência sustentável
em um prazo muito mais longo do que os outros tipos de agricultura
moderna, que esgotam fontes não renováveis de energia.
político-religiosas sobre a proteção à vaca chamam a atenção para
um ponto comum: o relacionamento da população humana com a
população animal condiciona o tipo de desenvolvimento socioeconômico da Índia.
A sobrevivência do povo indiano por tanto tempo no meio rural foi possível graças à veneração que ele tem pela vaca, que passou a proteger.
Além de prestar auxílio no arado e transporte, ela fornece leite e esterco.
CULTURA E MEIO AMBIENTE
No fim de mil períodos de quatro idades,
Ainda hoje há na Índia grande devoção pelos animais, que tem raízes na
tradição religiosa e no princípio da não-violência. Essa postura contrasta
com a do Ocidente cristão. As festas religiosas, como o Natal, são dias
de alegria para os seres humanos e de massacre para o reino animal, o
que gera protestos por parte das sociedades de proteção aos animais.
70
que completam um dia de Brahma, a Terra está quase exausta;
então Vishnu assume o caráter de Destruidor (Shiva)
e volta a reunir todas as criaturas em si mesmo.
Entra nos Sete Raios do Sol e absorve todas as águas do globo,
faz evaporar a umidade, secando toda a Terra.
Alimentados com esta umidade, os Sete Raios solares se convertem
Entretanto, mesmo na Índia a racionalidade da veneração ao animal
começa a ser contestada. Matar ou não matar, eis a questão. Essa
polêmica exaustiva abrange aspectos jurídicos, econômicos e políticos.
em sete sóis por dilatação e, finalmente, põem fogo no mundo.
Hari, o destruidor de todas as coisas, consome por último a Terra.
[Vishnu purana14]
Quem é contra a matança das vacas alega que ela reduz a produção de
leite e esterco. Além disso, são as vacas que geram os bois, necessários ao
trabalho agrícola. Quem é a favor argumenta que as búfalas, cuja quantidade é bem menor do que a de vacas, produzem 54% do leite do país e,
apesar disso, não são protegidas.
Dois estados indianos, Kerala e West Bengal, opuseram-se à proibição
de matar vacas, aceita por outros estados. Em Kerala alega-se que considerar sagrada a vaca é um argumento que desvia a atenção do público de problemas socioeconômicos prementes. Ainda nesse estado diz-se
que a eliminação do excesso de gado contribui para aumentar a produção de leite e carne e que a proibição da matança afeta negativamente sobretudo as populações pobres. Um julgamento da Suprema
Corte argumentava, na mesma linha de raciocínio, que a manutenção
do gado inútil priva o gado útil da alimentação necessária.
São diversificadas as manifestações de adequação à natureza na cultura e
na mentalidade indianas: o estímulo à diversidade e à tolerância, o princípio da não-violência, a percepção do tempo no longo prazo, a vivência
holística da realidade, a base material da espiritualidade, a organização do
espaço, a importância da subjetividade indicam valores e comportamentos nessa civilização que respeitam o meio ambiente.
É admirável a competência da sociedade indiana para acomodar-se, com
sua diversidade, em um território limitado. São mais de trezentos habitantes por quilômetro quadrado e, ainda assim, por não ter optado pela
14
Ainda que inconclusas, tanto as discussões científicas sobre o melhor aproveitamento de bioenergia animal, bem como as discussões
Escritura hindu referente ao deus da preservação, Vishnu. A descrição mitológica contida no
Vishnu purana corresponde à descrição científica ocidental da dilatação do Sol e sua transformação,
daqui a alguns bilhões de anos, em uma estrela gigante vermelha, quando seu calor envolverá a
Terra.
71
expansão externa, ela procurou formas de atender suas necessidades
com mínima pressão sobre o meio ambiente e os recursos naturais.
Diferentemente do comportamento espaçoso e ruidoso que se observa
em outras sociedades, o silêncio voluntário, o baixo tom de voz e a
ausência de consumismo caracterizam as atitudes das crianças indianas
em sala de aula. Repartir entre si o pouco espaço disponível exige o
desenvolvimento de uma cultura pouco expansiva (se comparada à de
países com vasta extensão territorial, como o Brasil ou os Estados
Unidos) e autolimitadora (se comparada à de países de pouco espaço
vital mas de tendências colonialistas, como os da Europa e o Japão).
72
A capacidade da sociedade indiana de suprir suas necessidades em um
espaço limitado foi percebida por seu grande poeta Rabindranath
Tagore. Ele afirmou que a civilização indiana daria sua contribuição fundamental para a sobrevivência da espécie, ainda que com o próprio sacrifício. Essa contribuição, característica de uma sociedade de visão
mundialista ocorre de maneira pouco ostensiva e é cada vez mais
necessária.
A existência de limites físicos levou à abertura para dimensões psicológicas, não físicas, onde esses limites inexistem. Uma característica
fascinante da Índia é que o espiritualismo de sua cultura se ancora na
matéria. Ali o materialismo se torna espiritualista, porque a matéria é
vista como manifestação ou corporificação do espírito. Assim, por
exemplo, os exercícios de ioga incluem o controle da respiração; há prescrições sobre a alimentação, que é vegetariana e evita a ingestão de
toxinas animais; o controle dos sentidos é considerado desejável e
simbolizado por Shiva Nataraj, o deus dançarino que não perde o equilíbrio ao dançar cercado por cinco serpentes, que representam os cinco
sentidos.
A transcendência e espiritualidade do povo indiano assentam-se em
bases materiais simples, que articulam o ser com seu contexto. Valoriza-se
o comportamento que reduz ao essencial até mesmo os atos vitais básicos como respirar ou alimentar-se. A postura minimalista que o indiano
tem diante da vida – intenção de consumir o mínimo de alimentos, de
ar, controlar o próprio corpo – é um ideal a ser atingido. Essa postura
exige autocontrole, domínio das compulsões subjetivas e do ego e conhecimento da ecologia interior.
O vegetarianismo – um dos aspectos materiais do espiritualismo indiano
– baseia-se no princípio do ahimsa, traduzido como não-violência, mas
definido por alguns como ‘ausência de falta de amor’. Essa dieta alimentar tem efeitos diretos sobre a ecologia interior e exterior. Há efeitos
bioquímicos observáveis, já que o corpo é materialmente aquilo que
ingere. Pelo cheiro do corpo, é fácil deduzir se a pessoa ingeriu alimentos
de origem animal ou vegetal.15 Quanto aos efeitos na ecologia exterior,
a dieta vegetariana preserva mais o meio ambiente que a carnívora: a
quantidade de água, a quantidade de insumos agrícolas e a área de terra
necessárias para alimentar vegetarianos são menores que as necessárias
para alimentar carnívoros. Um hectare de terra pode alimentar um
homem com carne de boi durante 288 dias; esse mesmo hectare, cultivado com soja comestível, alimentaria um homem por 8.996 dias, ou
seja, quase trinta vezes mais.16
Distribuída em centenas de milhares de pequenas aldeias próximas entre
si, a maior parte da população indiana se abastece nas proximidades
com água, alimento e energia necessários para seu sustento. Esse padrão
de assentamento humano facilita a conservação de energia no transporte, reduz os desperdícios, facilita o reaproveitamento de resíduos. No
caso indiano, resulta do processo milenar de aprendizagem por tentativa e erro e é patrimônio valioso em um mundo cada vez mais consciente
da necessidade de conservar energia.
Arte e tradições, ciência e filosofia refletem, na Índia, uma concepção
holística da realidade. As antigas tradições espirituais, que embasam o
15
A importância, nos supermercados ocidentais, de artigos de limpeza, perfumes, desodorantes,
não estaria ligada à necessidade de ocultar os maus odores, conseqüência indesejável da dieta alimentar que os produz?
16
Os estudos de ecologia energética revelam a superioridade dos alimentos de origem vegetal sobre
os de origem animal quanto à produtividade energética. Assim, dietas alimentares vegetarianas
poupam espaço, água e demais recursos naturais.
73
imaginário e influenciam atitudes e comportamentos individuais e sociais,
freqüentemente são transmitidas por meio de manifestações artísticas
que expressam elementos dessa realidade simbólica. Teatro, cinema e
literatura são veículos dessa reprodução cultural. É menos evidente na
Índia a fragmentação ostensiva do mundo ocidental, presente sobretudo
na ciência e tecnologia. Há estreita integração do conhecimento técnico
e científico com a realidade cultural e espiritual da sociedade indiana,
bem como com sua realidade histórica, produto de invasões e migrações.
74
Os indianos se relacionam com o tempo de modo peculiar. A impaciência desperta piedade. Um grafite urbano em Madras afirmava: "Quem
perdeu a paciência perdeu a batalha". A crença na reencarnação e nos
grandes ciclos ou yugas, que se repetem, remete a uma macrovisão da
vida, condizente com o respeito à natureza. O tempo é compreendido
como fenômeno cíclico, ao contrário da concepção ocidental, que o
considera linear. A criação de cada universo pressupõe a destruição do
anterior. Os períodos de vida e de morte do universo são tão longos
como o tempo necessário para destruir uma montanha de granito passando um pedaço de algodão sobre ela uma vez a cada cem anos.
A concepção da existência de yugas, ou grandes eras cíclicas, presente
no pensamento religioso hindu, corresponde à idéia de expansão e contração do universo, desenvolvida pela cosmologia ocidental. De acordo
com o pensamento hindu, o universo cósmico ora se manifesta, ora permanece em estado potencial. Os kalpas são períodos de um dia na vida
de Brahma, deus da criação. Para a tradição indiana, o universo é criado e extinto de acordo com o ritmo da respiração de Brahma, que, ao
expirar ou inspirar, regula os ritmos universais.
Cada kalpa, ou dia de Brahma, corresponde a 4.320 milhões de anos.
Esse período se subdivide em mil maha-yugas, grandes eras ou ciclos.
Cada maha yuga, por sua vez, é subdividida em quatro grandes períodos: a satya ou krita yuga, ou idade do ouro, com 1.728.000 anos; a
treta yuga (prata ou bronze) com 1.296.000 anos; a dwapara yuga,
idade do cobre, com 864.000 anos; finalmente a kali yuga, idade do
ferro, ou da escuridão, com 432.000 anos. Na tradição hindu, a um dia
de Brahma segue-se uma noite. O total de 24 horas para essa divindade
corresponde a 8.640.000 de nossos anos. A vida de Brahma dura cem
anos, que correspondem a 311.040.000.000.000, aproximadamente
311 trilhões de nossos anos.
Na satya yuga, idade do ouro ou da verdade, a ordem divina (Dharma) era
mantida. Na treta yuga, o Dharma começa a não ser respeitado, situação
que vai se acentuando até a presente era, kali yuga. Estamos na idade da
escuridão. A humanidade se encontra tão distante das leis que mantêm o
equilíbrio do planeta que o coloca à beira da destruição, preparando-o
para uma nova ordem. Quando o mundo é consumido pelo fogo, os
sábios, os deuses e os princípios dos elementos sobrevivem.17
O cotidiano é ainda pré-materialista, com predomínio da frugalidade,
do não-consumismo, da preservação da energia e do ambiente. Todas
essas características vêm de uma tradição muito antiga, paralela às
religiões organizadas, e são necessárias em um mundo que descobre
limitações sérias no materialismo.
O ideal para a vida e para a espécie humana na civilização indiana é o
da inatividade, da vida contemplativa, com mínima interferência sobre a
natureza. Chegar à pura contemplação e observação da vida, da
natureza e das coisas é meta interior ambiciosa que tem repercussões
positivas no exterior. Esse comportamento viabiliza a existência de maior
população com menor impacto ambiental: quanto menos se criam
demandas, menor será a pressão para transformar os recursos da
natureza em bens de consumo.
As práticas de meditação reduzem a ansiedade e o estresse do praticante, conduzindo-o a um estado de relaxamento em que são diminuídas a freqüência respiratória, a quantidade de oxigênio consumida pelo
metabolismo e a produção de gás carbônico na expiração.18
17
A atual kali yuga teria começado após a guerra descrita no Mahabharata (entre 3000 a.C. e 1500
a.C.). Para Ajit Mokerjee, em The tantric way, estamos no sexto milênio da kali yuga; faltam, portanto, 427.000 anos para o reinício do ciclo. Krishna teria vivido no final da dvapara yuga; Rama,
na treta yuga.
18
ANDRÉS, Maria Helena. Os caminhos da arte, p.127.
75
As práticas milenares de ioga, uma sofisticada tecnologia de uso do
corpo e de autoconsciência corporal, utilizam diversas posturas (asanas)
e exercícios respiratórios (pranayamas) para aprimorar o uso do corpo.
Há asanas adequadas para cada pessoa, que deve praticá-las sem
comparar-se com outras e sem competir. Elas levam a maior equilíbrio, bem-estar, flexibilidade, saúde. O estado que produzem pode
ser considerado uma preparação para níveis de desenvolvimento
espiritual mais elevados, em que há mais percepção, mais consciência, mais harmonia nos relacionamentos, mais segurança nas ações
cotidianas, entre outras virtudes e habilidades.
76
Na arquitetura e no mobiliário indianos existem soluções que eliminam
a necessidade de muitos objetos em casa, no trabalho e em deslocamentos. Na Índia, a simples utilização do corpo é muitas vezes suficiente
para várias situações que no Ocidente demandariam utensílios. A mão
direita, por exemplo, é usada para levar os alimentos à boca, dispensando talheres; a mão esquerda é usada na higiene pessoal. Outro
exemplo é que as pessoas não utilizam cadeiras, mas posturas corporais
para sentar-se ao chão.
Em relação ao vestuário, predominam modelos clássicos, que não se
submetem às variações da moda. A inexistência de moldes ou cortes
maximiza o aproveitamento dos tecidos.
A Índia é continuidade na mudança: um fio condutor, proveniente de
uma civilização milenar, mantém a espinha dorsal da sociedade, que
sofre transformações radicais. Mudança e tradição coexistem em um
todo articulado.
A Índia é em parte sonhadora (vive nas nuvens, na mitologia, em um
universo sem limites) e em parte pragmática (pratica o espiritualismo
experimental, o ver para crer19, mesmo com limitações físicas). A cabeça
e o espírito da sociedade estão nas nuvens: voltar os olhos para o céu é
19
Não por acaso, o discípulo de Cristo que viveu na Índia foi São Tomé, aquele que precisou ver e
tocar para crer.
preciso porque fenômenos climáticos, como as chuvas das monções,
determinam o resultado da agricultura, básica na economia do subcontinente indiano. Mas os pés estão na terra e assentam-se na realidade
material.
A popularidade do cinema na Índia, país que mais produz filmes no
mundo, deve-se à facilidade com que esse meio de expressão revela
dramas cotidianos, episódios da mitologia e das religiões indianas, bem
como problemas sociais. A vasta produção cinematográfica deve-se à
entrada relativamente tardia da televisão no país e ao fato de atingir
populações iletradas tanto da Índia quanto dos países do Oriente Médio
de tradição muçulmana.
Os galhos da árvore, do diretor Satyajit Ray, ilustra bem claramente valores culturais e hábitos indianos. O filme aborda o dia-a-dia de uma
família indiana, com suas relações hierarquizadas; mostra a convivência
de três gerações em uma mesma casa, a prevalência dos primogênitos,
a situação da mulher ainda dedicada aos serviços domésticos e alienada
das atividades empresariais do marido que a sustenta.
A saúde é tema central no filme, tanto a física como a moral. A doença
do pai solitário provoca a reunião dos filhos que estavam dispersos. Na
sociedade indiana, pessoas senis, doentes ou loucas ainda são cuidadas
em casa; geralmente não se busca apoio em asilos, hospitais ou hospícios. Tolera-se a loucura solta nas ruas, sem marginalização ou segregação, e há uma tendência para sacralizá-la. No filme, loucura e
capacidade de premonição estão associadas.
Na família focalizada, o patriarca enfermo encarna a virtude, valorizada
na civilização indiana. Seus descendentes atestam a diluição da honestidade e dos valores tradicionais, corrompidos pela busca do sucesso
material.
Quando a família se encontra em volta da mesa para fazer as refeições,
observa-se que os hábitos vegetarianos, predominantes no país, não
são seguidos pelos personagens, já desligados das tradições indianas e
ocidentalizados.
77
A influência ocidental na língua, nas comunicações e nos transportes
também é retratada no filme de Satyajit Ray. Em muitos momentos, misturam-se ao bengali falado em Calcutá palavras e expressões em inglês.
No filme há uma sutil apologia do ideal de vida contemplativa e uma
recusa aos princípios da vida ativa. Contrariamente à crença ocidental de
que o trabalho dignifica o homem, denuncia-se como corruptor o trabalho realizado em função do sucesso material. Ele ainda é associado à
degradação ambiental.
Vida contemplativa muitas vezes implica intensa atividade interior e trabalho consigo próprio. Ela não produz efeitos degradadores sobre os
valores morais e o ambiente. No filme, isso é simbolizado no filho que
ficou inativo por causa de um acidente e que mantém pureza e lucidez,
além de possuir poderes premonitórios. É ainda esse filho que alivia a
solidão do pai enfermo.
78
A arte de sair de cena é tão importante quanto a arte de estar em cena. A
doença do patriarca, sinal de que ele poderá sair definitivamente de cena,
é o fato catalisador para que todos os seus familiares estejam presentes.
Essa metáfora do ‘sair de cena’ foi também abordada em uma peça de
teatro no Centro Brahma Kumaris de Bangalore. O palco era ocupado
por muitos personagens, príncipes, generais, administradores, servos,
sacerdotes. Entretanto, o mote central da peça era a arte de sair de cena.
Há várias maneiras de sair de cena. Há personagens que querem estar
sempre em primeiro plano, como atores principais e que relutam em
deixar a ribalta. Alguns acabam sendo postos para fora a contragosto,
depostos de suas funções, saem desmoralizados ou desgastados perante
os espectadores. Outros se portam de maneira digna e conquistam a
admiração de todos. Outros, ainda, preferem ficar em segundo plano,
coadjuvantes da cena principal, ou ocupam o fundo do palco, desempenhando papel sem grande visibilidade. Alguns preferem sair discretamente; outros se indignam e saem atirando para o alto, denunciando
erros, disparando metralhadoras giratórias; há também os que saem de
cena chamando a atenção para si, dramaticamente.
Sair de cena é um exercício que nos ensina a lidar com a vaidade, com
o orgulho, com a revolta, com a indignação e transformá-los em humildade e aceitação. É também um exercício que ensina a aceitar a
mudança, o movimento, a transformação, a perda e a renovação.
Saber o momento de retirar-se e encontrar a melhor forma de fazê-lo
exige sensibilidade, percepção, senso de oportunidade. Há fatores de
repulsão, que afastam do palco certos personagens, e fatores de atração,
que dão entrada a outros. Quando o ator percebe que seu personagem
está sendo repelido, é necessário preparar-se para sair de cena com o
mínimo de desgaste, trauma ou prejuízo.
A arte de sair de cena é aplicável às situações de trabalho, à vida pública ou pessoal. A coragem para retirar-se e para render-se à vontade
maior requer treinamento espiritual e é um dos trabalhos propostos
pelas Brahma Kumaris, seguidoras da raja-ioga.
79
ESPIRITUALIDADE E AMBIENTE
As religiões são um instrumento cultural por meio do qual o
homem tornou possível acomodar-se, com suas experiências,
no seu ambiente total; este ambiente inclui a si próprio,
os membros do seu grupo social, o mundo da natureza,
e aquilo que ele sente transcender a tudo isso.
[Elizabeth K. Nottingham]
Os valores religiosos influenciam os padrões de consumo e de conduta.
As atitudes individuais ou sociais para com os recursos da natureza
determinam em grande medida as pressões que uma população faz
sobre o ambiente, sobre os recursos naturais e energéticos e, por fim,
sobre suas próprias relações sociais mediatizadas por aqueles elementos.
Na Ásia, berço das grandes religiões, vários estudos se dedicam a explicitar o papel que a religião desempenha no processo de desenvolvimento.
Jayaweera 20 afirma que "a intensa energia social que ela (a religião)
pode gerar é um fato existencial que não pode ser subestimado". Ele
observa ainda que, diversamente dos movimentos revolucionários de
massa, cuja mobilização social é passageira, "o impulso religioso é capaz
de institucionalização e renovação contínua, e pode permanecer como
uma fonte de vida subterrânea na qual os homens e a sociedade continuam a buscar energia durante longos períodos".
80
Ao condicionar o crescimento demográfico e as atividades econômicas,
as distintas religiões induzem impactos diretos e indiretos sobre o meio
ambiente. Assim, estão entre as maiores do mundo as taxas de crescimento demográfico nas Filipinas e na América Latina, regiões eminentemente católicas, onde se aplica o preceito do "crescei e multiplicai-vos";
no Sri Lanka, multirracial e multirreligioso, as taxas de natalidade das
minorias muçulmanas e cristãs são mais altas do que as dos budistas. Ali,
as atividades econômicas são condicionadas por princípios como o da nãoviolência, cuja aplicação aos animais, como no caso do bicho-da-seda,
restringe toda a atividade da produção da seda, já que a imersão dos
casulos com as larvas em água fervente é um ato de violência inaceitável; do mesmo modo, a aplicação radical desse princípio entre os jainistas indianos veda seu acesso às atividades agrícolas, pois o processo de
aração afeta toda a microvida do solo.
Se as religiões são meio de difusão de estilos de vida, os condicionantes
geográficos e ambientais também influem na expressão e na forma
como se manifesta o comportamento religioso.
A religião hindu é politeísta, não excludente, inclusiva. Germinada em
geografia tropical, exuberante e com enorme biodiversidade, ela difere
de tradições como a judaico-cristã, que nasceu em ambiente pré-desértico e com baixa biodiversidade.
JAYAWEERA, Neville. Value premises underlying the development concept; the choices open to
asian societies.
No hinduísmo, Agni, o fogo, era considerado a forma terrestre do Sol, e
o conceito de Deus entre os arianos era baseado no fenômeno da luz,
cuja fonte principal era o Sol. Há vários cultos ao Sol, templos dedicados
a ele, como Konarak, perto de Calcutá, e há extenso conhecimento
sobre os aspectos medicinais e curativos da adoração ao Sol.
As tradições espirituais são veículos privilegiados para a disseminação de
valores e da ética de respeito ao meio ambiente. A intensidade dessa disseminação varia conforme o conteúdo de cada tradição. A religião ocidental adotou a cosmologia da visão de mundo rudimentar dos hebreus.21
A ética religiosa ocidental pouco destacou o papel e a importância da
natureza, considerada como pano de fundo para as ações do homem,
que a dominaria. Já na Índia, em vários casos, os próprios deuses
assumem fisionomia e aspectos animais: Ganesh, homem e elefante;
Nandi, o boi sagrado de Shiva; Hanumam, o macaco.
Se, por um lado, o meio ambiente condiciona as manifestações religiosas
e a forma como se expressam, por outro o conteúdo religioso de uma
cultura pode ser um fator de proteção ou de depredação do meio ambiente. No estudo das religiões, um aspecto importante é sua abordagem da natureza e os impactos ecológicos dos códigos e princípios
religiosos. Algumas religiões influenciam hábitos e comportamentos de
respeito à natureza.
Historicamente as religiões orientais foram o instrumento por meio do
qual se transmitiam, de geração para geração, valores e princípios de
comportamento. Essa transmissão se dava por intermédio de imagens,
mitos e histórias que, em uma linguagem forte e atraente, disseminaram
as informações fundamentais para a sobrevivência auto-sustentada. A
tradição iconográfica e pictórica que se desenvolveu na antiga civilização indiana alcançava adequação entre forma e conteúdo, conduzindo,
por canais artísticos apropriados, informações de respeito à natureza,
codificadas em mitos religiosos.
20
21
HEARD, Gerald. Vedanta for the western world.
81
de consumo, alimentos, vestuário, espaço, energia e até mesmo ar é o
ideal da inatividade perseguido por tradições contemplativas.
A transmissão de mensagens e valores por meio das tradições espirituais torna-se, portanto, parte essencial da aprendizagem de respeito
à natureza. Sem essa contribuição, as possibilidades de mudança de
comportamentos e de expansão da consciência ficam muito limitadas.
Alguns elementos dessa ética são comuns a todas as tradições:
– noção de fraternidade e solidariedade humanas, o que, no
entanto, não evitou a ocorrência de guerras santas;
Estátua religiosa
82
As tradições espirituais mobilizam a energia individual e social, disseminam valores e influenciam comportamentos. Ao codificar princípios éticos e obter a adesão voluntária de seus seguidores, exercem função de
controle social. São veículos pedagógicos de transmissão de conhecimento, com impacto sobre o estilo de vida daqueles que se aderem a
elas. Podem formar a cosmovisão e moldar o imaginário individual e
grupal, influenciar hábitos alimentares e de consumo em geral, bem
como influenciar a vida pessoal e as ações profissionais. Algumas
tradições compreendem a espécie humana como parte da grande teia
da vida, dependente da sobrevivência do mundo animal e vegetal.
A transmissão do respeito à natureza por meio das tradições espirituais
pode facilitar mudanças de comportamentos em direção a padrões sustentáveis de consumo, cujas pressões sobre o ambiente sejam
suportáveis. Valores pós-materialistas ou neo-espiritualistas são necessários à civilização, que exige práticas de consumo material sustentável
para que a espécie humana possa sobreviver. Nesse contexto, as religiões atuam como bancos de valores éticos que incluem a fraternidade
e a solidariedade, assim como a ênfase no autoconhecimento.
Em uma perspectiva pós-materialista, ter à disposição menor quantidade de bens materiais não significa necessariamente ter pior qualidade
de vida. Reduzir ao mínimo a utilização dos recursos naturais, de objetos
– ênfase no aprimoramento individual, na purificação pessoal;
mesmo com os avanços tecnológicos, o ser humano continua
interiormente muito semelhante ao que foi no passado e necessita conhecer-se melhor e desenvolver-se.
As tradições religiosas que crêem na reencarnação em geral valorizam
o ambiente natural. Nas encarnações seguintes, o indivíduo pode voltar
ao mesmo ambiente, devendo, portanto, preservá-lo, ainda que por interesse próprio.
Dharma e sustentabilidade
O conceito de dharma é central para a compreensão da civilização indiana. A teosofista Annie Besant expressa essa idéia de forma simbólica, ao
diferenciar a nação indiana das demais:
Quando as nações surgiram uma a uma sobre a terra, cada qual
recebeu de Deus uma palavra especial, palavra com que dirigirse ao mundo, palavra singular que vem do Eterno e que cada
uma deve pronunciar. Ao passarmos os olhos pela história das
nações, podemos sentir ressoar da boca coletiva do povo esta
palavra que, expressa em atos, constitui a contribuição de cada
nação para uma humanidade ideal e perfeita. Para o antigo
Egito, tal palavra foi Religião; para a Pérsia, Pureza; para a
Caldéia, Ciência; para a Grécia, Beleza; para Roma, Lei, e para
83
84
a Índia – o mais velho de seus filhos –, para a Índia, Ele concedeu uma palavra que a todas resumia, a palavra Dharma. Eis
a palavra da Índia para o mundo.22
fragmentação de uma pessoa, sociedade ou civilização. Por cumprir seu
dharma, a Índia reduziu por longo tempo a deterioração e degradação
social e ambiental.
Para Annie Besant, dharma é "a natureza interior que alcançou, em cada
indivíduo, um certo grau de desenvolvimento e florescimento, ou a
natureza interior de uma coisa em um dado momento da evolução, bem
como a lei que governa seu estágio seguinte de desenvolvimento"23.
O dharma, aquilo que mantém as coisas unidas, é, no dizer de Sri
Aurobindo, a lei do ser, padrão de verdade, regra ou lei da ação; é a
forma como o povo indiano concebe a conduta religiosa, social ou
moral. Em um dos seus insights preciosos a respeito da singularidade
daquela nação, Aurobindo afirma:
Se dharma é uma palavra que resume todas as outras, por outro lado ela
tem múltiplos significados. O primeiro deles tem relação direta com a
idéia de sustentabilidade. Heinrich Zimmer nota que dharma é um substantivo proveniente da raiz do sânscrito dhr, que significa sustentar, carregar: "É a lei, aquilo que sustenta, mantém unido ou erguido."24. Na
mesma linha, Lemaitre afirma que dharma é "o ‘suporte’ dos seres e das
coisas, a lei da ordem em sua maior extensão, isto é, a ordem cósmica.
Mas ele é ao mesmo tempo uma lei de ordem moral, de mérito religioso;
a pura noção do dever individual"25.
O ex-presidente indiano S. Radhakrishnan, em livro sobre a visão hindu
da vida, explora outro ângulo desse significado religioso, dizendo que
"dharma é justa ação, a lei da evolução. Dharma sustenta os meios os
quais prendem uma coisa e mantém sua existência. Toda forma de vida,
todo grupo de homens tem seu dharma, que é a lei do seu ser. Dharma
ou virtude está em conformidade com a verdade das coisas; adharma ou
vício é a oposição disto."26.
Não por acaso, a civilização indiana é, entre todas as outras, aquela que
mais soube se preservar. O dharma é um fator de agregação: evita a
22
BESANT, Annie. Dharma, p.7.
23
BESANT, Annie. Op. cit., p.7.
24
ZIMMER, Heinrich, Filosofias da Índia, p.123.
25
LEMAITRE, S. Hinduísmo ou Sanatana Dharma, p.76.
26
RADHAKRISHNAN. Visão hindu da vida, p.69.
O sistema social da Índia está construído sobre a concepção do
Eterno, do Espírito encapsulado na matéria, envolvido e imanente nela e evoluindo no plano material pelo renascimento do
indivíduo na escala dos seres, até que no homem mental, ela
entra no mundo das idéias e no âmago da consciência moral,
dharma; sua filosofia a formula; sua religião é uma aspiração à
consciência espiritual e seus frutos; sua arte e literatura têm o
mesmo olhar para cima; todo o seu dharma ou lei do ser é fundado sobre isso. [...]É o fato de fundar sua vida sobre essa concepção exaltada e sua necessidade do espiritual e do eterno que
constituem o valor distintivo de sua civilização. E é sua fidelidade, com todos os defeitos humanos, a esse ideal mais alto,
que fez seu povo uma nação à parte, no mundo humano.
Dharma como tarefa
Outro significado de dharma é tarefa, enfatizado em um dos textos
sagrados mais importantes da civilização hindu, a Bhagavad Gita, parte
integrante do épico Mahabharata (grande Índia). A Bhagavad Gita, que
descreve a batalha entre primos no campo de Kurukshetra, mostra
como Krishna, a divindade, estimula Arjuna, o guerreiro, a lutar e a
assumir seu próprio dharma: "Lembra-te que é melhor cumprir a própria
27
AUROBINDO, Sri. Complete works.
85
tarefa, ainda que seja humilde e insignificante, do que querer fazer a
tarefa de um outro, por mais nobre e excelente que seja. É melhor morrer no cumprimento do seu dever do que viver negligenciando-o e
querendo fazer o que a outros compete fazer."28.
Na Bhagavad Gita, recomenda-se que as ações sejam realizadas desinteressadamente. Sri Ramakrishna nos esclarece a respeito:
Quando a Gita pede para realizarmos nossas ações sem qualquer
pensamento sobre o resultado, não espera que eliminemos todos
os motivos como tais, mas que eliminemos todos os motivos
mundanos e que tenhamos o desenvolvimento de nossa
natureza espiritual como o único motivo para nossas ações.29
86
Ainda segundo esse autor, na Bhagavad Gita dharma significa cumprir
tarefas determinadas pela posição na sociedade. Heinrich Zimmer
reforça esse entendimento quando diz: "Dharma é a doutrina dos
deveres e dos direitos de cada indivíduo numa sociedade ideal; como tal,
é a lei ou espelho de toda ação moral. Ele abrange o contexto dos
deveres religiosos e morais."30. Dharma é, assim, o cumprimento dos rituais morais e religiosos da vida cotidiana.
prevalece a vontade de prestar um serviço à sociedade e à espécie, valorizando-se a ação desinteressada e o trabalho voluntário. O sucesso
profissional já não é tão importante nesse estágio. Dharma é aquilo que
deve ser feito e, ao cumprir a tarefa que lhe cabe, o indivíduo aceita seu
destino e missão e reconhece aquilo para o que foi destinado. Finalmente, na fase mais madura da vida, caminha-se para a iluminação, a
liberação ou a realização plena, moksa, ao descobrir que segurança e
satisfação podem ser encontradas dentro de cada um.
A aceitação do próprio dharma se manifesta em algumas características
associadas ao povo e à sensibilidade indiana: resignação, conformismo,
fatalismo, docilidade, passividade, reduzida inveja, convicção de que as
adversidades expressam a vontade de Deus.
Embora algumas dessas características estejam também presentes no
povo brasileiro, na Índia a estratificação social em castas e o baixo índice
de mobilidade geográfica e física oferecem um quadro mais estável para
aplicar o conceito de dharma, que exige dos indivíduos dedicação ao
processo de autoconhecimento.
Dharma e carma
No Kamasutra e também segundo Dayananda31, dharma é uma das fases
da vida. Afirma-se nessas obras que em cada fase da vida o indivíduo valoriza aspectos específicos: na primeira fase (artha) são considerados importantes a realização profissional, a segurança emocional, econômica e
social e o reconhecimento pela competência no trabalho. Na segunda
fase (kama), as formas de prazer sensorial, intelectual e estético, bem como
a satisfação dos desejos sensuais, as relações afetivas, a constituição de
família, a cooperação e a solidariedade. Na terceira fase (dharma),
28
Bhagavad Gita; a mensagem do mestre, p.51.
29
RAMAKRISHNA. Yoga: its various aspects; Gita on Karma yoga, p.30-31.
30
ZIMMER, Heinrich. Filosofias da Índia, p.38. Essa interpretação não é, entretanto, considerada
fiel por Sri Aurobindo, para quem direitos e deveres seriam idéias européias.
31
DAYANANDA, Swami. Bhagavad Gita; home study course.
As tradições religiosas que crêem na reencarnação e no carma relacionam o conceito de dharma a esse contexto. Carma é a lei da causa e
efeito aplicada à vida: as ações geram resultados na encarnação presente ou nas vidas futuras. Mais cedo ou mais tarde boas ações produzem circunstâncias positivas na vida de quem as pratica, más ações
produzem sofrimento para quem as realiza.
É senso comum a noção de que as ações produzem resultados tangíveis
ou intangíveis. Os Vedas simplesmente a ratificam, conforme Dayananda:
A ética religiosa chamada dharma, encontrada nos Vedas, confirma os padrões do senso comum. De acordo com o dharma, a
ação humana tem um resultado invisível bem como um resultado imediato e tangível. O resultado invisível da ação soma-se
de forma sutil na conta do ‘fazedor da ação’ e, com o tempo,
87
frutificará, tangivelmente, para ele como uma experiência ‘boa’
ou ‘má’ – algo prazeroso ou doloroso. O resultado sutil da boa
ação, punya, frutifica como prazer; o resultado sutil da má ação,
papa, frutifica como dor ou sofrimento.32
O dharma é compreendido como as circunstâncias – positivas ou negativas – em que alguém é compulsoriamente colocado pelo destino para
que equilibre ações passadas. Toda alma tem um dharma individual que
lhe é próprio, exigido por sua raça, classe, família e suas aspirações íntimas. Ao cumprir seu dharma, a alma liquida o carma passado e se liberta do círculo vicioso dos renascimentos, da lei da causalidade. Lemaitre
sintetiza esses conceitos quando afirma: "O universo repousa sobre o
dharma cósmico e o homem sobre o seu dharma individual, que o conduz a uma vida superior."33.
O Swami Dayananda esclarece-nos mais sobre o assunto:
Como não há um certo absoluto e nem um errado absoluto
nesse mundo relativo, o senso de dharma tem que crescer dentro de cada um. Uma pessoa que entende o dharma pode
decidir sobre uma ação apropriada a qualquer situação, assim
como o bom motorista sabe como comportar-se em qualquer
nova situação do tráfego. [...] O dharma é a justiça ideal que se
fez vida; a virtude é medida pela perfeição atingida por cada
um no exercício do seu papel.34
88
Mesmo quando o conceito de dharma é associado ao de carma, ele não
perde a característica de sustentação já analisada, como se percebe na
seguinte afirmação de Dayananda: "Por mais duro que seja às vezes o
dharma, nenhum ser é submetido a provações superiores às suas forças.
Ele é sustentado nas horas difíceis de maneira invisível, e de maneira
ainda mais concreta, por intermédio de seu guru ou mestre espiritual."35.
32
DAYANANDA, Swami. Introduction to vedanta, p.10.
33
LEMAITRE, S. Hinduísmo ou Sanatana Dharma, p.76.
34
DAYANANDA, Swami. The teaching of the Bhagavad Gita, p.20.
35
DAYANANDA, Swami. The teaching of the Bhagavad Gita.
Dharma e política: ‘dharmacracia’
A aplicação do conceito à política sugere possibilidades também inesperadas. ‘Dharmacracia’, palavra ainda ausente dos dicionários, seria o
governo conduzido por leis éticas na vida individual e social. Sri Aurobindo assim define a ‘Dharmacracia’:
Já se disse que a democracia é baseada nos direitos do homem;
respondeu-se que ela deveria basear-se nos deveres do homem;
mas tanto direitos como deveres são idéias européias. Dharma
é a concepção indiana na qual direitos e deveres perdem o
antagonismo artificial criado por uma visão do mundo que faz
do egoísmo a raiz da ação, e restabelece sua profunda e eterna
unidade. Dharma é a base da democracia que a Ásia deve
reconhecer, porque nisso está a distinção entre a alma da Ásia
e a alma da Europa. Por meio do Dharma a evolução asiática se
realiza, ele é o seu sagrado.36
As sociedades que afirmam os direitos dos cidadãos desenvolvem atitudes e comportamentos diferentes das demais. Os grandes impérios
enfatizaram o direito: o império romano, o direito romano; o império
americano, a democracia dos direitos. Entretanto, utilizam sutilmente
os mesmos direitos como estratégia de dominação. O domínio é mais
efetivo porque não se dá pela força, mas pela adesão voluntária dos
indivíduos e pela persuasão dos argumentos jurídicos e legais (a moderna democracia dos direitos norte americana, vale notar, é o paraíso
dos advogados).
Toda essa sutileza se desfaz ao primeiro sinal de ameaça ao império.
Nesses momentos, as conquistas da democracia, como os direitos civis, o
direito individual, o direito à privacidade e mesmo direitos difusos, como
o direito ambiental, são colocadas em segundo plano, o que ocorreu com os
Estados Unidos ao sofrerem o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001.
36
AUROBINDO, Sri. Complete works, v.1, p.759. Buscas em “dharmacracy” na internet revelam
reflexões úteis aos interessados no tema.
89
A ‘dharmacracia’ vai além do governo que se pretende defensor de direitos. Uma democracia será ‘dharmacrática’ quando complementar a
visão dos direitos humanos com um padrão de conduta ética na vida
individual e social.
A revista canadense Monchanin fez um estudo comparativo entre as
características da democracia e da ‘dharmacracia’:
90
DEMOCRACIA
DHARMACRACIA
Postulados baseados na distinção
Vazio a preencher
Tornar-se/ter
Orientado para a justiça e os direitos
Mudança (reforma-revolução)
Igualdade
Possessividade, imposição
Intervenção
Transformar
Problema a resolver: qual?
Serviço-amor (agápe)
Evolução
Autônomo
Projeto de liberdade, objetivo
Novo
Modernizar
Trabalho
Pessoal
Corporativo-associado
Solidariedade de partilha
Comunidade de interdependência
Comunhão interpessoal
Funcional-particular
Resultar
Ativo
Racional-analítico
Intuição de diferenciação
Crítico, reflexo
Fato histórico
Esperança, futuro
Organizar
Transcendente, emergente
Ajustar a natureza
Não ser que se torna
Produtivo (poiesis)
Práxis de transformação
Servir ao povo
Postulados baseados na não-distinção
Plenitude a descobrir (mistério)
Ser e/ou não ser
Orientado para o dharma
Continuidade, tradição
Hierarquia (sentido positivo)
Ausência de possessividade, aceitação
Não-intervenção
Harmonizar
Mistério a realizar: quem?
Compaixão, identificação (karuna)
Involução
Ontonomo
Liberdade de projeto, sem objetivo
Primordial
Naturizar, indigenizar, primitivizar
Celebração
Comunitário
Comunal, familial
Solidariedade de identificação
Comunidade de não-dependência
Comunhão impessoal
Global-totalizante, holístico
Descobrir, conscientizar
Contemplativo
Intuitivo-sintético
Intuição de indiferenciação
Viveka, não reflexo
Fato trans-histórico, a-histórico
Presença
Fundir
Imanente, imergente
Ajustar-se à natureza
Não ser que é vazio, que é plenitude
Convivial
Práxis de realização
Identificar-se com o povo
O Shiva lingam
ESPIRITUALIDADE INDIANA
Para cada conceito psicológico em inglês há quatro
em grego e quarenta em sânscrito.
[A. K. Coomaraswamy]
Símbolo da pureza que emerge da lama, a flor de lótus retrata a visão
indiana sobre a vida. Sociedade multirreligiosa, ali sobrevivem, lado a
lado, grupos sociais com diferentes cosmovisões e crenças. O autoconhecimento, a reflexão sobre o sofrimento humano, a compaixão e a
sabedoria, o viver em estado de plena atenção, a atitude de reverência
e respeito por todas as formas de vida, a crença na unidade da espécie
humana e sua unidade com a natureza são os valores espirituais predominantes.
Sri Aurobindo nota que:
92
A Índia não teve somente a longa lista de seus grandes santos,
sábios, pensadores, fundadores religiosos, poetas, criadores,
cientistas, professores, legistas; ela teve seus grandes governantes, administradores, soldados, conquistadores, heróis,
homens com forte vontade de ação, mente que planeja e visão
que constrói. Ela guerreou e dirigiu, fez comércio e colonizou,
expandiu sua civilização, construiu políticas e organizou comunidades e sociedades, fez tudo que faz a atividade exterior dos
grandes povos. Uma nação tende a explicitar suas ações mais
vívidas naquela linha de ação que é mais afim com seu temperamento e que expresse sua idéia mestra, e são os grandes
santos e personalidades religiosas que estão à frente na Índia e
apresentam a mais contínua e espantosa lista de grandeza, assim
como Roma viveu mais intensamente em seus guerreiros,
estadistas e legisladores.37
A Índia é berço de numerosas tradições religiosas. Uma delas é o hinduísmo, religião de 74,5% da população, que se baseia na sabedoria dos
Vedas, as escrituras sagradas mais antigas dos hindus.
Em Haridwar e Rishikesh, situados ao norte de Nova Délhi, capital da
Índia, e às margens do Ganges, há expressiva concentração de ashrams38
que transmitem os ensinamentos dos Vedas.
A religião muçulmana corresponde ao segundo maior contingente de
fiéis, com cerca de 12% da população indiana; as mesquitas se espalham
por várias partes do país. Durante a independência, os ingleses promoveram a partição do território indiano: Índia de um lado e Paquistão
e Bangladesh, de outro. Naquele momento houve migração de muçulmanos para o Paquistão, enquanto os hindus se dirigiram para a Índia.
Há mais de 2.500 anos, na fronteira da Índia com o Nepal, nascia Buda,
que alcançou a iluminação espiritual em Bodhygaia. Seus ensinamentos
deram origem ao budismo, que se difundiu pelo Oriente e que penetra
com força também no Ocidente. Um dos valores mais importantes dessa
tradição é o respeito ao meio ambiente. Cerca de 0,7% da população
indiana adota o budismo como o conjunto de preceitos que orienta sua
vida. Além disso, a Índia dá refúgio a Dalai-Lama, chefe espiritual dos
budistas, que vive em Daramsala depois que o Tibete foi ocupado pelos
chineses. Comunidades de budistas tibetanos também estão instaladas
em vários locais, particularmente em Sarnath, próximo de Benares, uma
das cidades sagradas, situada às margens do Ganges.
A tradição jainista, que se consolidou fortemente no Rajastão e no oeste
da Índia atual, é a mais radical no respeito ao meio ambiente. Ela enfatiza a não-violência a todo ser vivo, inclusive aos insetos com os quais
convivemos no dia-a-dia. Essa tradição é hoje professada por 0,5% do
povo indiano.
38
37
AUROBINDO, Sri. Complete works.
Ashram quer dizer ‘comunidade espiritual’. A função dos ashrams é contribuir para acelerar a
evolução humana, já que indivíduos isolados conseguiram perceber o Todo, mas as sociedades
ainda não alcançaram tal estágio.
93
Os siques, com seus turbantes característicos, são seguidores do guru
Nanak. Perfazem cerca de 2,2% da população e se concentram no rico
estado do Punjab, no norte.
O cristianismo foi introduzido na Índia por São Tomé, discípulo de
Cristo. Mais tarde veio mesclar-se às tradições locais, com a colonização
pelos europeus a partir do século XVI, quando portugueses, franceses e
ingleses levaram suas crenças e, em alguns casos, as impuseram pela
força, como ocorreu durante a inquisição em Goa. Templos católicos e
protestantes registram a presença da fé cristã em 6,2% da população,
sendo que marcas dessa tradição encontram-se no hinduísmo, que considera Cristo um dos muitos avatares39 que já instruíram a humanidade.
94
A espiritualidade e a aspiração de transcender o mundo material se manifestam tanto nas religiões organizadas quanto no dia-a-dia da vida
social. Celebra-se durante todo o ano grande quantidade de festivais e
festas de conteúdo religioso. O estilo de vida, o comportamento social
e individual são influenciados pelos valores éticos, ainda vivos, originários dessas antigas tradições.
Um elaborado sistema de autodesenvolvimento e de aprimoramento
espiritual desenvolveu-se com a ioga, que se ramifica em quatro tipos:
a que dá ênfase à devoção (bhakti-ioga), ao trabalho (karma-ioga), ao
conhecimento (jnana-ioga) ou à concentração e ao encontro com o arquétipo da divindade dentro de cada um (raja-ioga).
Outros ramos da ioga, como o tantra, trabalham com o controle das
emoções e do sexo, procurando desenvolver a energia kundalini que
existe dentro de cada um. Em Ganeshpuri, a jovem Gurumayi trabalha
com o toque e com o cântico de mantras como instrumento para deixar
fluir a energia kundalini.
A sacralização do sexo, como manifestação da energia primordial de
origem divina, esteve sempre presente na tradição religiosa hindu e é
39
Encarnação de Deus na Terra.
visível nas esculturas dos templos hindus e jainistas de Konarak e
Khajuraho.
A exaltação sensual é absorvida pela religiosidade. Os famosos templos
de Kajuraho representam a energia sexual e sua origem sagrada nas
esculturas eróticas que os adornam. Nos templos e nas cidades o deus
Shiva, ao mesmo tempo criador e destruidor, é representado por meio
do lingam, símbolo fálico. A mitologia hindu exalta a energia sexual
(como no Kamasutra) e a energia guerreira (como na Bhagavad Gita),
mas adota valores bastante frugais no que diz respeito à alimentação.
Na Índia respira-se espiritualidade até mesmo nos estímulos sensoriais:
no cheiro dos incensos e perfumes; nos sabores das especiarias buscadas
pelos colonizadores europeus; no visual dos cartazes, murais e tapetes;
nas revistas em quadrinhos cujo tema é a mitologia indiana; nos sons da
música com seus instrumentos originais.
Os valores de uma sociedade são transmitidos de uma geração a outra
por meio de imagens. A arquitetura religiosa indiana reflete a importância que aquela sociedade atribui ao espiritual. Os templos de
Mahabalipuram e Kenchipuram, perto de Madras, são exemplos notáveis
de trabalho em pedra. Em Konarak, o templo a Surya, o Deus-Sol, é uma
grande carruagem.
A mitologia hinduísta contém um impressionante panteão de deuses e
deusas, cada um deles referente a determinado aspecto expressivo da
vida. Há uma trindade formada pelos deuses mais importantes:
Brahma (o criador), Vishnu (o preservador) e Shiva (o destruidor).
Shiva também se manifesta como energia da criação e é venerado nos
templos sob a representação de lingam (símbolo fálico). As deusas
mais importantes são: Sarasvati, consorte de Brahma, deusa da
sabedoria e das artes em geral; Lakshmi, consorte de Vishnu, deusa da
beleza, da sorte e da riqueza; Mahadevi, consorte de Shiva (também
conhecida como Parvati, esposa de Shiva; em sua forma original,
chamava-se Uma); Durga, a guerreira; e Kali, a forma mais dinâmica
de Shiva, a deusa da destruição.
95
A religião hindu celebra a alegria: há deuses-crianças, a exemplo de
Ganesh; o deus Krishna é muitas vezes também representado como uma
criança que brinca com as gopis, moças que se banham.
Lia Diskin chama a atenção para a força da Vedanta, tradição ancorada
nos Vedas:
Dentre as escolas ortodoxas, a Vedanta é ainda a mais pujante e
o século XX foi cenário de importantes representantes desse pensamento – Ramana Maharshi, Ramakrishna, Vivekananda, Sri
Aurobindo. E a própria independência política da Índia em 1947
deve-se, em grande parte, ao novo despertar da filosofia e ao
resgate das raízes culturais e tradicionais desse povo. Ahimsa
(não-violência) e satya (a verdade) constituem o legado comum
do espírito filosófico da Índia, e essas foram as armas usadas por
Gandhi para resgatar a dignidade, as possibilidades de futuro de
uma nação que sempre afirmou "a meta é uma, os caminhos,
muitos".40
A figura da mãe é venerada e respeitada. Vários ashrams, como o de Sri
Aurobindo, em Pondicherry, igualam a mulher aos mestres masculinos.
A Universidade Espiritual Brahma Kumaris (literalmente as meninas, filhas
de Brahma) é administrada essencialmente por mulheres.
A tradição dos iogues indianos recomenda prestar atenção especial ao
momento presente, desenvolve técnicas de concentração e de meditação por meio do controle da respiração – inspirar e expirar a energia
que mantém a vida e que está presente em toda a natureza, conhecida
como prana. Certos ramos iogues enfatizam os exercícios físicos, asanas,
já que um bom controle sobre o corpo ajuda a controlar a mente e a
obter maior profundidade de percepção e conhecimento.
96
Dessa antiga tradição emergem movimentos mais recentes, fundados no
conhecimento de sábios como Krishnamurti, Vimala Takar, Ramakrishna,
Vivekananda, Sri Aurobindo, Rajneesh, Ramana Maharshi, Satya Sai
Baba. Os seguidores desses mestres, gurus e sábios instalaram comunidades espirituais onde se dedicam a propagar seus ensinamentos.
A Índia vem silenciosamente oferecendo campo de estudo para a união
das várias áreas do conhecimento e integração ecumênica das religiões.
No final do século XIX, Helena Blavastky escolheu o país para sediar a
Sociedade Teosófica. Estabeleceu-se em Madras, no estado de Tamil
Nadu, onde fez estudos comparativos entre ciência, religião e filosofia.
Também na Índia atual há vários movimentos ecumênicos. Entre eles,
destaca-se o dos Baha'í, que tem sede mundial em Nova Délhi: um templo com a forma de lótus, dedicado a todas as religiões do planeta.
Vários centros de estudos e educandários foram criados no país: as escolas de Krishnamurti no sul e em Benares, as escolas de Sri Aurobindo
em Pondicherry, Auroville e Délhi, e a universidade de aprofundamento
em raja-ioga, em Mount Abu, no Rajastão, entre muitas outras.
Budismo
Buda nasceu na fronteira da Índia com o Nepal e alcançou a iluminação
em Bodhygaia, na Índia. Mas o budismo não se expandiu nesse país. Sua
influência foi maior na China, Japão e Tailândia. No Ocidente, o budismo ficaria mais conhecido apenas a partir do século XIX, apesar de sua
história de 2.500 anos. Essa religião nunca provocou guerras ou derramou sangue, como religiões teístas o fizeram. Talvez isso explique seu
rápido crescimento em todo o mundo.
A disseminação recente do budismo vem da Índia e do Nepal. Ela foi
facilitada, paradoxalmente, pela invasão do Tibete pela China, que
obrigou os lamas a deixarem seus refúgios e a se fixarem em outros
lugares.
Uma das verdades constatadas por Buda é a existência do sofrimento
causado pelo desejo egoístico. Ele afirma que o sofrimento pode ter fim
40
DISKIN, Lia. Índia: desafios filosóficos de uma nação pluricultural. (Palestra apresentada no
Encontro Índia-Brasil, Belo Horizonte,10 de dezembro de 1993.)
97
com a cessação do desejo egoístico e propõe o caminho dos oito passos
para o término do sofrimento: visão, emoção, discurso, ação, estilo de
vida, esforço, consciência e concentração corretos.
A idéia de abstenção está presente nos principais preceitos budistas e na
sua ética:
– abster-se de causar danos a outros seres vivos, aplicando a
não-violência ao mundo humano, animal e vegetal;
– abster-se de tomar algo que não seja dado, tanto bens materiais como imateriais, dinheiro ou idéias. Não se pode apreciar
nada completamente se há o impulso pela apropriação das
coisas do mundo;
– abster-se de conduta sexual inadequada, guiada por compulsão, ambição e desejo;
– abster-se de faltar com a verdade, já que a mentira é uma
forma verbal de violência;
– abster-se de obnubilar a mente com drogas ou bebidas.
98
Os princípios da economia budista foram abordados por E.F.
Schumacher em seu livro O negócio é ser pequeno, no qual descreve as
virtudes da concepção frugal de vida adotada pelos budistas. Ao acreditar na impermanência e na reencarnação, os budistas reduzem seu nível
de necessidades e de consumo, pois não lhes convém apropriar-se de
tudo nessa vida. A tradição budista tem muito a oferecer em termos de
respeito ao ambiente e pacifismo.
Raja-ioga
A Universidade Espiritual Brahma Kumaris, no Rajastão, é um centro de
difusão da raja-ioga. Quando da independência da Índia e sua divisão,
houve a transferência das Brahma Kumaris do Paquistão para Mount
Abu. Lá são oferecidos cursos sobre consciência e auto-realização, praticam-se meditação e canto coral. São também realizados exercícios para
romper o automatismo das ações: de hora em hora, por exemplo, coloca-se uma música de fundo que toca por um minuto, momento em
que as pessoas param de fazer o que estavam fazendo e ficam quietas.
Toda a organização é conduzida por mulheres, com grande delicadeza.
Elas têm como ideal atingir o estágio dos anjos, que continuamente
zelam pelos demais seres. Ao final dos retiros, pode-se deixar uma
doação voluntária.
A raja-ioga reconhece a influência dos pensamentos sobre a saúde. Por
isso enfatiza a necessidade de depurá-los e de compreender o que é a
consciência e desenvolveu técnicas para indivíduos que julgam o estado
normal de vigília insatisfatório e buscam ampliar sua percepção, sensibilidade, capacidade de imaginar e sonhar.
Uma dessas técnicas é ritmar a respiração voluntariamente, exercício
que induz a um equilíbrio físico-emocional e aumenta a capacidade de
percepção sensorial e mental.41 Se a ampliação da consciência é grande,
pode levar ao êxtase, estado de plena atenção e valorização de cada
momento da vida.
Há pessoas que tentam ampliar a consciência por meio do uso de drogas. Mas esse recurso é paliativo, pois alivia o sofrimento momentaneamente e proporciona prazer ilusório; além disso, a droga gera apego,
dependência, vício e outros efeitos colaterais. O praticante de raja-ioga
prescinde do uso de drogas para expandir a consciência.
Para a raja-ioga, a consciência é condicionada pela identidade de
religião, raça, língua, nacionalidade, profissão e influenciada por elementos culturais, sociais, geofísicos e por mudanças no humor e estado
de espírito. Mas seu potencial é amplo. A consciência e as emoções não
vêm do cérebro, que é um órgão ao qual todas as células do corpo são
conectadas. A consciência independe do corpo físico; já existia antes
41
Em comunicação ao autor, a mestre de ioga Eliana Andrés informou que não se deve buscar nas
práticas de pranayama uma hiperventilação, que pode conduzir a sensações desnecessárias para o
processo evolutivo. O objetivo da ioga é ampliar a percepção de nós mesmos e do mundo à nossa
volta, sem que percamos a consciência, sem que sejamos manipulados por agentes externos (pessoas, medicamentos, ervas etc.) Devemos considerar o dia-a-dia, cada experiência, mesmo as mais
dolorosas, como oportunidades de aprendizagem e crescimento. Se as práticas de ioga são executadas com moderação e bom senso, nunca produzem efeitos colaterais.
99
dele e continuará a existir depois que ele se for. De acordo com a
Universidade Espiritual Brahma Kumaris, há quatorze manifestações da
consciência:42
100
1. Cada indivíduo vivo é um ponto de consciência.
2. A mente, que processa a percepção sensorial, capta ou gera pensamentos ou idéias; dá espaço à imaginação, desejos, vontades.
3. O intelecto e a inteligência, que exercitam as faculdades racionais:
análise, crítica, formação de conceitos e construção de teorias.
4. As emoções, que são parte da inteligência.
5. A memória, que retém e armazena idéias, informações, conhecimentos. O amor é baseado na memória consciente, inconsciente e subconsciente.
6. Tendências, hábitos, ações reflexas, atrações, repulsões e fobias, que
a consciência produz no nível inconsciente. Todo esse material compõe
as Samskaras.43
7. A dimensão moral: julgamentos de valor, do bem e do mal.
8. Os motivos para a ação (interesse por si mesmo; amor-próprio; vontade de poder; prestação de serviço altruísta; aspiração à iluminação
espiritual, ou busca da verdade).
9. Os estados de humor, que podem ser positivos ou negativos (depressivos).
10. A atenção, ou a faculdade de concentrar-se, que varia segundo o
estado da consciência (vigília alerta, sono ou sonho).
11. Os instintos, que despertam a curiosidade e a consciência do perigo,
e que estão presentes também no comportamento animal.
12. A intuição, baseada na memória e na imaginação.
13. Os estados de consciência: vigília, sono, sonho, coma, êxtase.
14. Ação com sentido, orientada por objetivos claros, que tem dimensão moral.
42
Em inglês há três palavras distintas que são comumente traduzidas por ‘consciência’ em português: conscience, consciousness e awareness.
43
Samskara é o conjunto de hábitos (associações, impressões e reações) adquiridos por um indivíduo.
A Universidade Brahma Kumaris oferece cursos sobre liderança autoadministrada, dirigidos a organizações e a líderes em formação. Mas os
conteúdos também são úteis a qualquer pessoa que esteja passando por
momentos de decisão em sua vida. Os cursos pretendem desenvolver a
concentração e a clareza a respeito da visão que se quer concretizar, da
própria missão e dos valores que a conduzem. Há oito atitudes que um
líder precisaria desenvolver:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Poder de escutar – paciência.
Disponibilidade – humildade.
Tolerância – amor.
Adaptabilidade – maturidade.
Dinamismo – conhecimento.
Tomada de decisão – clareza de mente.
Habilidade para responder – coragem.
Espírito de equipe – cooperação.
Os praticantes de raja-ioga consideram que toda mudança e crescimento interior se processam em fases: depois de desencantar-se com o
velho paradigma, experimentam-se resistência e caos; em seguida, vem
o rompimento com o velho e a adoção de um novo paradigma. A
mudança começa na consciência, passa pelo emocional, depois pelo
mental e por fim completa-se no comportamento. O método que ensinam ajuda a identificar forças, fraquezas, oportunidades e riscos de
cada passo.
Sri Aurobindo e Auroville
Sri Aurobindo inspirou, com sua vida e suas idéias, tanto a criação de
Auroville, como o movimento do Federalismo Mundial, que dissemina o
ideal da unificação política da humanidade.
Nascido em 1872 em Calcutá, Aurobindo passou dos 7 aos 21 anos na
Inglaterra, onde tomou contato com a cultura e a ciência ocidentais. Na
primeira década do século XX, participou ativamente dos movimentos
políticos nacionalistas indianos pela independência; ficou preso durante
101
um ano, ocasião em que teve oportunidade de aprofundar sua prática
de ioga. Em 1910, partiu para Pondicherry, na Índia Francesa, onde produziu a maior parte de sua obra. Ali, passou por experiências espirituais
com a ioga e a superconsciência. Em 15 de agosto de 1947, data de seu
aniversário, a Índia alcançou a Independência; morreu em 1950.
Criada em 1968, Auroville se situa nas proximidades da baía de Bengala,
a 10 km de Pondicherry, em meio a amplas áreas verdes. Dos documentos de sua criação consta:
Ela foi concebida e projetada como a cidade da evolução perpétua, tendo suas raízes no futuro, estando, assim, sujeita a
contínua revolução no pensamento e no comportamento. Ela
não pode pertencer a qualquer raça, nação, religião ou seita
específica ou a qualquer filosofia estabelecida.45
Esses breves dados biográficos não abarcam a complexidade da vida
desse poeta, político, escritor, filósofo, nacionalista, iogue e visionário,
considerado santo e avatar por seus seguidores na Índia e em todo o
mundo.
102
Em Pondicherry, antiga colônia francesa ao sul da Índia, na costa de
Coromandel, está o núcleo do ashram fundado por Sri Aurobindo. Ali se
localiza o principal centro do World Union, associação voluntária criada
para promover as idéias universalistas de Sri Aurobindo. A.B. Patel, seu
primeiro secretário, fundou universidades na África e depois se retirou
para Pondicherry para dedicar-se ao trabalho de divulgar o pensamento
político e social de Aurobindo, que não é tão conhecido como suas
idéias sobre ioga.
De sua vasta obra, ressalta o conceito de que a crise que o mundo atravessa é evolutiva, que estamos em mutação para uma nova espécie.
Segundo Sri Aurobindo, as escalas de organização coletiva humana vão
se ampliando: a família, a nação (que ainda hoje é imperfeitamente realizada) e, por último, a união mundial, em direção à qual já se desenvolvem trabalhos pioneiros.
Auroville é uma cidade aberta, uma escola aberta. Propõe-se a ser um
local de paz, harmonia e concórdia, com base na idéia de que a espécie
humana não é o último passo da evolução, que continua. O homem é
um ser em transição, que ainda deverá evoluir física, mental e espiritualmente e pode vir a ser ultrapassado por nova espécie.
A origem de Auroville remonta a 1955, quando surgiu a idéia de construir
uma cidade internacional voltada para o novo homem da nova era.
Reconhecida em 1966 pela Assembléia Geral da Unesco como cidade
dedicada ao entendimento entre os povos e à paz, Auroville foi inaugurada com a presença de 5 mil pessoas de todo o mundo.
Na cerimônia de sua fundação, vários países enviaram, como ato simbólico, um pouco da terra de seu solo, que foi depositada em um monumento erguido no centro da cidade. Durante a cerimônia, o diretor-geral
da Unesco, Dr. M.S. Adiseshiah, pronunciou as seguintes palavras:
Em nome da Unesco, em nome de todos vocês presentes e não
presentes aqui, eu exalto Auroville, sua concepção e realização,
como uma esperança para todos nós e particularmente para
nossas crianças, para nossa juventude que está desiludida com
o mundo que construímos para ela, e que encontrarão em
Auroville um símbolo vivo, inspirando-se a viver a vida para a
qual são chamados.
Como Darwin ou Teilhard de Chardin, Aurobindo foi um evolucionista.
Mas, enquanto Darwin era formal e materialista, Aurobindo postulava
que o espírito é o motor da evolução.44 Assim, o estudo do passado
não necessariamente abre as portas para compreender o futuro. Sri
Aurobindo afirmava que o desenvolvimento das emoções é condição
primordial para a evolução humana consciente.
44
Na mesma linha há uma ampla gama de estudos. Cf. SMITH, L. Intelligence came first.
45
Carta de Auroville. Cf. site www.auroville.org.
103
Considerando Auroville um programa que encarnava os maiores e mais
fundamentais propósitos da Unesco, Adiseshiah acrescentou:
104
A educação é o domínio especial da Unesco, que lida com as
mentes humanas, com o espírito do homem. A educação, tal
como até hoje praticada, não levou à paz, não levou à harmonia e ao entendimento. As pessoas que começam as guerras não
são os analfabetos ou os ignorantes na Europa ou na América.
O sistema educacional que Auroville terá, e que está sendo já
desenvolvido e aperfeiçoado, é o sistema no qual cada homem,
mulher e criança aprenderá a viver, e viver para aprender, livre
e harmoniosamente em um mundo em evolução assustadora.
Os aurovillianos que eu encontrei são a base de minha esperança. Eles me recordam os astronautas e os cosmonautas que,
como vocês sabem, passam anos treinando para as tremendas
tarefas que têm que desempenhar. Os aurovillianos são os cosmonautas e astronautas desta nova cidade internacional da
esperança, do desenvolvimento, da prosperidade e da caridade.
A Carta de Auroville afirma que ela pertence à humanidade como um
todo: uma cidade planetária para a criação e a propagação do entendimento e da paz. Outros trechos da Carta dizem: "Para viver em
Auroville, deve-se desejar servir à consciência perfeita."; "Auroville será
o lugar de uma educação sem fim, de progresso constante e de uma
juventude que nunca envelhece. Auroville quer ser a ponte entre o passado e o futuro. Incorporando todas as descobertas de fora e de dentro,
Auroville florescerá audaciosamente em direção a realizações futuras.";
"Auroville será o sítio de pesquisa material e espiritual, para a vivência
concreta de uma unidade humana real.".
Na década de 1970, tiveram início os primeiros assentamentos. Desenvolveu-se um bem-sucedido projeto de reflorestamento, com um milhão
de mudas, para conter a erosão que se agravava com as monções.
Foram construídas casas com estruturas bastante simples, adequadas
tanto para o calor do verão como para a estação chuvosa das monções.
Foram implantados e experimentados sistemas de energia alternativa –
energia solar e biogás.
A planta urbanística foi planejada por uma equipe internacional.46 Em
forma de espiral, simboliza a evolução humana e prevê capacidade para
abrigar 50 mil pessoas voltadas para a pesquisa e a experimentação, em
educação permanente.
105
Planta do modelo proposto de Auroville em forma de espiral da evolução humana
No centro da espiral está uma grande esfera de concreto, construída
pelos próprios aurovillianos: o Matrimandir, templo considerado a alma,
a "força coesiva de Auroville", "o símbolo vivo da aspiração de Auroville
para o Divino".47 No centro do Matrimandir, há uma câmara com doze
paredes de mármore branco, utilizada para meditação. O detalhe
arquitetônico mais importante fica no meio da câmara: um globo de
cristal de 70 cm de diâmetro, feito na Alemanha.
46
A abertura para o trabalho de arquitetos e urbanistas estrangeiros teve impulso com o projeto de
Chandighard, por Le Corbusier, e o projeto de Auroville; na arquitetura, com a obra de Louis Kahn,
no Instituto de Administração de Ahmedabad. Entre os arquitetos e urbanistas indianos, destaca-se
Charles Correa, cujo projeto mais conhecido é o de New Bombay, uma cidade nova nas cercanias
de Mumbai.
47
Carta de Auroville. Cf. site www.auroville.org.
O pavilhão da Índia abriga uma maquete do projeto de Auroville, uma
biblioteca, uma loja e um centro de cultura indiana. Na cidade há também escolas de crianças que procuram proporcionar um novo tipo de
educação, baseada nos ensinamentos de Sri Aurobindo.
Hoje, vivem e trabalham em Auroville pessoas de dezenas de países.
Esse fluxo migratório suscitou inicialmente problemas de integração com
a população que vivia no local e nas proximidades. A chegada de
forasteiros com valores culturais diferentes transformou o contexto
social. Entretanto, com o passar do tempo, a situação foi se harmonizando, e os habitantes das aldeias vizinhas passaram a se inserir no
projeto de variadas formas: alguns começaram a trabalhar nos setores
de reflorestamento, artesanato e na produção de alimentos; outros vieram estudar nas escolas e centros de treinamento.
106
Auroville contou com recursos do governo da Índia, doações de indivíduos e de organizações internacionais para sua fundação e manutenção.
Mas espera alcançar a auto-suficiência por meio da produção de alimentos (já consegue suprir 10% das necessidades locais; o restante vem
de Pondicherry e é distribuído pela cooperativa Pour Tous), de artigos
como incenso, perfume e de trabalhos artesanais, como serigrafia em
seda e outros tecidos. Alguns produtos são exportados.
O governo indiano participa da fundação que administra o projeto
Auroville. Os recursos que o governo doa são utilizados em pesquisas:
criação de protótipos para digestores de biogás, novas aplicações para o
ferrocimento, como produção de portas, telhas e caixas d'água, entre
outras.
Auroville é, assim, uma "cidade experimental", "um laboratório da consciência, um lugar onde se tentam novas maneiras de os homens viverem
em comunidade"48. E ajuda a preparar a humanidade para os passos
seguintes de sua evolução.
48
Carta de Auroville. Cf. site www.auroville.org.
Imagens da Índia
O Matrimandir em construção, no centro de Auroville, em 1989
Monumento na praça central de Auroville com porções de terra de centenas de países
Detalhe do Matrimandir
PARTE II
Cooperação Índia-Brasil
... pareceu que nosso Senhor milagrosamente quis
que se achasse porque é mui conveniente e
necessária à navegação da Índia.
[D. Manuel I, o Venturoso]
COOPERAÇÃO SUL-SUL
Índia e Brasil são países do ancestral e do recente, do antigo oriente e
do extremo ocidente. Sociedades que compartilham problemas sociais,
como pobreza e desigualdades, e defendem pontos de vista e interesses
políticos e econômicos semelhantes nos fóruns globais, o que as coloca
como potenciais parceiros e aliados em coalizões internacionais mais
amplas.
As possibilidades de cooperação entre o Brasil e a Índia situam-se dentro de um marco geral: o da cooperação sul-sul.
Brasil e Índia no mundo
"Pontes sobre o sul para crescimento econômico conjunto, diálogo efetivo entre norte e sul e desenvolvimento mais autônomo" foi o mote da
Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países
em Desenvolvimento (CTPD) realizada em 1978, em Buenos Aires. A
CTPD propôs formas de cooperação tais como serviços de consultoria,
facilidades de treinamento de pessoal, suprimento de equipamento,
empreendimentos conjuntos, redes de informação direta, operação
conjunta de instituições e programas que trabalhem sobre pautas técnicas ou políticas. A cooperação sul-sul é descrita como um processo
consciente, sistemático e politicamente motivado para criar conexões
múltiplas entre países em desenvolvimento.
1
Carta aos reis católicos, Fernando e Isabel, datada de 28 de agosto de 1501, em Lisboa.
113
Vários obstáculos impediram uma cooperação técnica mais intensa desses países. A Organização das Nações Unidas (ONU) identificou, entre
outros: ausência de informação e de comunicação; falta de mecanismos
adequados para promover cooperação mútua; inadequação de recursos
financeiros; condicionamento de dependência cultural criado pela colonização, que tende a favorecer a assistência técnica tradicional entre o
norte e o sul. Essa barreira, presente nos corações e mentes dos povos e
dos governos, constitui uma das maiores ameaças à cooperação técnica
entre países em desenvolvimento. Se os governos considerarem desenvolvimento a imitação do norte, a centralização do poder e o favorecimento à modernidade que dá prestígio, será difícil implementar a
cooperação técnica desejada. Se, ao contrário, considerarem desenvolvimento a justiça social, a eqüidade, a qualidade de vida nas áreas rurais,
a participação do povo, o autogoverno e o atendimento às necessidades
básicas, então a cooperação técnica entre países em desenvolvimento
será uma alternativa promissora.
114
A celebração de acordos culturais, de comércio, ciência e tecnologia é
condição necessária, mas não suficiente, para facilitar o intercâmbio
entre os países. A importância de ações oficiais e governamentais não
pode ser subestimada, porque iniciativas privadas não são fortes o bastante para abrir novos caminhos. Entretanto, os procedimentos oficiais
mais comuns – escolha casuística de certas áreas de trabalho e projetos
de curta duração – não constituem estratégias efetivas, porque muitas
possibilidades latentes só podem ser percebidas por meio da interação
mais diversificada e prolongada.
ÍNDIA E BRASIL: SEMELHANÇAS E CONTRASTES
Ex occidente lex.
Ex oriente lux.
Em 1822, o livro Projetos para o Brasil, de José Bonifácio de Andrada,
apresentava visão otimista do trópico e citava a Índia como modelo:
uma sociedade que não necessitava de escravos, por exercer agricultura
familiar com tecnologias modernas. Mesmo depois de todo esse tempo
e apesar de sua complementaridade e de suas semelhanças socioeconômicas e naturais, Brasil e Índia ainda não desenvolveram cooperação
consciente e não encontraram caminhos em comum.
Brasil e Índia são importantes países em desenvolvimento, com enorme
potencial e muitos problemas semelhantes. Ambos são predominantemente tropicais, têm população e área significativas e apresentam
grande diversidade natural e cultural. Os dois países sofrem com
desigualdade social, subnutrição, pobreza, desemprego e fortes desequilíbrios regionais.
Embora muito semelhantes, Brasil e Índia diferem nos processos de
evolução histórica, programas de desenvolvimento, níveis de progresso
alcançados, política externa e relacionamento com empresas multinacionais e demais países.
Analistas e críticos do programa de cooperação sul-sul afirmam que sua
maior importância reside não tanto nas respostas tecnológicas, mas nas
questões políticas. Vantagens mútuas poderiam ser geradas a partir do
aumento de intercâmbio tecnológico entre países em desenvolvimento.
Haveria, por exemplo, redução do custo de treinamentos e de tecnologia a partir da criação de mercados comuns.
No Brasil, a riqueza mineral foi fator de atração de populações para o
interior, e a pecuária extensiva substitui áreas de florestas e atividades
agrícolas tradicionais. Desde o início da colonização, as relações do
homem com a natureza foram predatórias: havia sempre a possibilidade
de abandonar a terra esgotada e repetir o comportamento destrutivo em
outra região, em expansões sucessivas. A situação indiana é significativamente diferente: a relação do homem com a natureza foi marcada
pela complementaridade.
A emergência e o fortalecimento das relações entre países afins serão
importantes fatores a desenhar a nova realidade global, que se organiza
em blocos continentais.
No mercado internacional, as economias dos dois países são consideradas mais competitivas que complementares, fato que dificulta o comércio, o intercâmbio de cultura, ciência e tecnologia e impede a visão de
115
possíveis alianças. Tanto o Brasil como a Índia participam do grupo dos
quinze países de maior porte e expressão entre os do sul, que compartilham interesses comuns em fóruns multilaterais.
Tanto o Brasil quanto a Índia são pródigos em riquezas naturais. A convivência pacífica com os países vizinhos lhes proporcionou uma organização de poder voltada para ajustamentos internos. O poeta
Radinbranath Tagore assim descreve a situação indiana:
A evolução da distribuição de renda no Brasil e na Índia é um indicador
para avaliar a situação de justiça social nesses dois países. Dados do
Banco Mundial mostram que nas últimas décadas as disparidades de
renda vêm sendo gradualmente reduzidas na Índia, enquanto se
agravam no Brasil, como aponta o quadro abaixo.
DISTRIBUIÇÃO
Há outros povos no mundo que precisam superar obstáculos em
suas redondezas, ou a ameaça de seus vizinhos poderosos. Eles
organizaram seu poder até que estivessem razoavelmente livres
da tirania da Natureza e dos vizinhos humanos, mantendo em
mãos um excedente para empregar contra outros. Na Índia,
sendo internas as dificuldades, nossa história foi de ajustamento social contínuo e não a história do poder organizado para
defesa e agressão.2
116
Índia e Brasil têm procurado soluções diferentes para problemas semelhantes, nos diversos setores da vida nacional.
DE
RENDA
NA ÍNDIA E NO
BRASIL
ÍNDIA
BRASIL
1960 1978 1983 1993 1960 1978 1983 1993
Percentual da renda nacional
4,0
recebido pelos 20% mais pobres
5,0
Percentual da renda nacional
recebido pelos 20% mais ricos
8,1
8,8
41,4 41,3
5,0
5,0
2,4
2,1
62,6 67,5
Fontes: World Tables 1976, Banco Mundial
World Development Report 1991, Banco Mundial
World Development Report 1995, Banco Mundial
Desigualdade e violência
O outro nome da paz é justiça.
[Carlos Drummond de Andrade]
Em qual dos três países indicados a seguir é maior o percentual da renda
nacional apropriado pelos 20% mais pobres da população?
A- Brasil
B- Índia
C- Bélgica
Se você respondeu Brasil ou Bélgica, errou.
2
TAGORE, Rabindranath. Op. cit., p.2. Os conflitos com os vizinhos Paquistão e China são recentes
na história milenar da Índia.
Os dados de 1983 do Banco Mundial mostram que, na Índia, os 20%
mais pobres da população detinham 8,1% da renda, situação melhor
que a da Bélgica, onde os 20% mais pobres detinham 7,9%. Quanto
ao Brasil, os 20% mais pobres desfrutavam apenas 2,4%. Uma década depois, os indicadores mostravam que as disparidades reduziram
na Índia e cresceram no Brasil. O relatório de 1995 do Banco Mundial,
com dados de 1993, mostra que a porcentagem da renda nacional recebida pelos mais pobres subiu para 8,8% na Índia e baixou para 2,1%
no Brasil.
Os dados de 1983 mostram ainda que os 20% mais ricos na Bélgica
detinham 36% da renda nacional; na Índia, detinham 41,4%; e no
Brasil, 62,6%. Em 1993, os brasileiros ricos já detinham 67,5%, e os
indianos se estabilizavam em 41,3%.
117
Lentamente os 20% mais pobres da população indiana vão aumentando sua participação na renda: de 4% em 1960, passaram para 5%
em 1970; em 1983 chegaram a 8,1% e, em 1993, a 8,8%. No topo
da pirâmide de renda, os 5% mais ricos detinham 27% em 1960, percentual que caiu para 25% em 1970. Entre 1970 e 1983, quase
dobrou o número de pessoas que compartilham um quarto da renda
nacional, no topo da pirâmide social indiana. Para o Brasil, os
números mostram tendência oposta: em 1960, os 5% mais ricos recebiam 23% da renda nacional; em 1970, detinham 27%. Os 10% mais
ricos detinham, em 1983, 46,2% da renda, quase o dobro dos 10%
mais ricos na Índia. O Brasil optou por beneficiar ainda mais os ricos,
o que agravou a injustiça social e indiretamente a violência urbana e
rural.
118
O economista Celso Furtado argumenta que "na Índia, os 20% mais
ricos têm em média uma renda quatro vezes maior que a dos 20%
mais pobres; no Brasil, essa relação é de um para trinta e três vezes.".
A partir desses dados, Furtado conclui que o esforço de poupança da
população indiana é muito maior que o do Brasil: "A poupança interna bruta na Índia chega a 24% do produto, e no Brasil mal atinge
20%. O investimento bruto no Brasil chega a apenas 19% do PIB, ao
passo que na Índia supera 24%. Assim sendo, a Índia tem uma renda
muito menor por habitante, mas uma poupança muito superior.". Ele
afirma ainda que "o problema da pobreza no Brasil não reflete uma
escassez de recursos, e sim uma forte propensão ao consumo por parte
dos grupos de alta renda", decorrente da absorção cultural de padrões
norte-americanos pelas classes alta e média do Brasil. "A pobreza no
Brasil não resulta das disparidades entre o mundo rural e o mundo
urbano, como na Índia, e sim da concentração de renda urbana", diz
o economista.
Esses números suscitam duas perguntas: como a Índia foi capaz de
aumentar o quinhão dos pobres e reduzir a parcela dos ricos na riqueza
nacional, nas cinco décadas subseqüentes à libertação da colonização
inglesa? Qual foi o papel das políticas públicas e dos investimentos
governamentais nesse processo?
Desde antes de sua independência, a Índia já tinha optado pelos pobres,
naquela época representados pelos párias ou intocáveis, cujos direitos
foram defendidos por Mahatma Gandhi. As conquistas sociais indianas
são lentas se comparadas com os avanços de outro gigante asiático – a
China – no atendimento às necessidades básicas da população.
Entretanto, a lentidão é compensada pelo respeito a valores milenares e
preciosos, como os princípios da liberdade individual e da não-violência.
A Índia equaciona seus problemas sociais sem sacrificar tais valores. Está
em curso segura caminhada do subcontinente indiano em direção a
maior justiça social e igualdade, sem que para isso seja necessário
abdicar da liberdade ou explorar outros povos por meio de colonialismo.
Várias foram as medidas governamentais que ajudaram a Índia a melhorar as condições sociais: redistribuição de terras; transformação do patrimônio dos marajás em museus e equipamentos de uso público; controle
da atividade de empresas multinacionais no país; o conteúdo veiculado
pelos meios de comunicação social privilegia a exibição de programas
nacionais e abre espaço para a manifestação cultural endógena.
Brasil e Índia passam por transição, com programas econômicos que
incluem a privatização de empresas estatais e o fortalecimento da presença do Estado em áreas estratégicas. Se forem comparadas a situação
brasileira, a chinesa e a indiana, constatam-se, de um lado, o retrocesso
brasileiro em termos de justiça social e na distribuição de riquezas, apesar do quadro de grande mobilidade social e geográfica; no extremo
oposto, o rápido desenvolvimento econômico chinês, ainda que às
custas de sacrifícios à liberdade social e individual. No caminho do meio,
os avanços sociais na Índia, alcançados sem desrespeito aos valores primordiais daquela civilização.
Os brasileiros que se preocupam com as injustiças sociais no país precisam ter acesso à informação de como os indianos têm conseguido
superá-las. Poderiam, assim, aprender muitas lições para melhorar o
desempenho do Brasil nesse campo. Voltando a Celso Furtado:
"Quando estudamos países como a Índia, vemos o muito que pode ser
feito com recursos limitados."
119
A crescente desigualdade econômica na sociedade brasileira, a desconfiança nas políticas públicas, a má distribuição de terra, o êxodo rural e
a falta de perspectiva de ascensão social são fatores que agravam a violência no Brasil. Os sinais de desintegração social, insegurança e violência, indicados no quadro que se segue, podem em parte ser atribuídos à
desesperança coletiva de que, por meios normais, se alcance melhor distribuição de renda.
120
VIOLÊNCIA URBANA
NAS
MAIORES CIDADES
DA ÍNDIA E DO
BRASIL
CIDADES
POPULAÇÃO EM 1990
(milhões)
NÚMERO DE
ASSASSINATOS POR
100 MIL HABITANTES
Bangalore
5,0
2,8
Mumbai (ex-Bombaim)
11,2
1,1
Calcutá
11,8
1,1
Délhi
8,8
4,1
Chennai (ex-Madras)
5,7
1,1
Rio de Janeiro
10,7
36,6
São Paulo
17,4
26,0
Fonte: Atlas Gaia de Cidades (Londres, 1992)
Há menos violência e insegurança na Índia do que nas cidades e áreas
rurais brasileiras. A cada 100 mil habitantes 36,6 são assassinados no Rio
de Janeiro e 26 em São Paulo. O índice de assassinatos em Chennai,
Mumbai e Calcutá é de 1,1 para o mesmo número de habitantes; o de
Nova Délhi é o mais alto da Índia: atinge 4,1.
A violência na Índia gira em torno de conflitos religiosos ou étnicos, mas
não permeia o dia-a-dia das relações entre os cidadãos, em seu hábitat.
Focos localizados de intolerância racial e religiosa amplamente alardeados
nas manchetes da imprensa não podem ser confundidos com o cotidiano de um bilhão de habitantes. Apesar dos conflitos internos que lá
existem, do assassinato de líderes políticos como Mahatma Gandhi por
um fundamentalista hindu, de Indira Gandhi por um sique, e de Rajiv
Gandhi por um tâmil, a média de atos violentos nas cidades indianas
situa-se bem abaixo da que ocorre nas cidades brasileiras.
As políticas econômicas e sociais que reduziram as desigualdades colaboram para os baixos níveis de violência nas cidades indianas, mas deve-se
considerar também o efeito benéfico de valores culturais baseados em
princípios filosóficos como: ahimsa (não-violência); crença no karma (lei
que rege a repercussão de nossas ações positivas e negativas em nosso
próprio destino); e aparigraha (desprendimento em relação às coisas
materiais). As práticas milenares de meditação, que sempre fizeram
parte da tradição do povo, certamente auxiliam o indiano a direcionar a
própria mente e a controlar seus impulsos.
Justiça e paz são aspirações humanas legítimas. O Brasil precisa desenvolver tecnologias de não-violência, tanto em áreas rurais – onde ocorrem assassinatos de líderes políticos ou de movimentos populares,
invasões e conflitos armados –, quanto em áreas urbanas. No campo da
paz e da não-violência é proveitoso conhecer a experiência indiana e
aprender com ela.
Agricultura e pecuária
É óbvio para mim por que os antigos sábios selecionaram a
vaca para a apoteose. A vaca, na Índia, era a melhor companhia:
ela era doadora de vida. Não somente ela dava o leite, mas
também tornou a agricultura possível. Ela é a segunda
mãe para milhões, na humanidade.
[Mahatma Gandhi]
Brasil e Índia são os dois maiores países tropicais do mundo e têm
juntos quase um bilhão e duzentos milhões de habitantes, soma que
121
corresponde a um quinto da população do globo. A extensão territorial
conjunta perfaz cerca de 12 milhões de quilômetros quadrados, significativa parcela das terras habitadas do planeta. O uso que Brasil e Índia
fazem da terra é muito diferente, como mostra o quadro a seguir.
USOS
TERRA
NA ÍNDIA E NO
BRASIL
ÍNDIA
BRASIL
Terras improdutivas
25%
17%
Florestas
20%
60%
Agricultura
51%
4%
Pastagens
4%
19%
3.287.782km2 - 100%
8.514.205km2 - 100%
TOTAL
122
DA
Fonte: RIBEIRO, Maurício A. Habitat and technology transfer
O Brasil utiliza grandes extensões de terra para a pecuária extensiva, e
a Índia, para a agricultura. Não há latifúndios na Índia; daí a intensa utilização de terra e irrigação. A agricultura e a irrigação são atividades em
que poderia haver intercâmbio proveitoso entre os dois países.
O vegetarianismo indiano foi um dos fatores responsáveis pela preservação da biodiversidade na Índia. Nesse país atribui-se mais valor ao animal vivo do que morto. Afinal, só enquanto estão vivas, as vacas podem
fornecer o leite, o adubo orgânico, a sua força animal para tração.
No Brasil, ao contrário, o boi é mais valorizado morto do que vivo: "Do
boi só se perde o berro", afirma um ditado brasileiro. E outro completa:
"Onde entra o boi, sai o homem". Além de a pecuária visar à morte do
próprio boi, ela provoca a devastação das matas e o êxodo rural. Isso
ocorreu, por exemplo, na região amazônica – onde o governo concedeu
incentivo à pecuária extensiva, contra todas as recomendações de ambientalistas – e também no Vale do Rio Doce e em outras regiões do país.
População
O assentamento humano na Índia obedece a um sofisticado padrão
de aproveitamento dos recursos naturais e de conservação do meio
ambiente. As mais de 600 mil aldeias indianas se abastecem com água,
energia, materiais de construção e alimentos das redondezas, o que
evita os transportes a longa distância, conservando energia e recursos naturais. As aldeias ficam a cerca de 6 km umas das outras e formam
uma rede que provê as relações econômicas e sociais necessárias. Essa
estrutura durou longo período de tempo. É uma base sólida para uma
economia rural sustentável e deveria ser tomada como referência em um
mundo que precisa aprender a conservar energia e combustíveis, pois a
Índia foi capaz de sobreviver por milhares de anos com baixa degradação ambiental.
A arquitetura rural é desenhada para atender a necessidades econômicas dos fazendeiros: o gado é recolhido em pátios à noite e ali produz
o valioso esterco, recolhido todas as manhãs para ser curtido e usado
como fertilizante orgânico.
A densidade demográfica na Índia atinge cerca de 311 habitantes por
km2, enquanto no Brasil ela é de 20 habitantes por km2. No Brasil, ao
contrário da Índia, os assentamentos em áreas rurais dispersos dificultam a criação de infra-estrutura social e econômica. As migrações internas são muito freqüentes, e não há estabilidade na ocupação da terra.
Seria desejável estimular a consolidação de uma rede de assentamentos
menos dependentes de insumos externos para facilitar a sobrevivência
em áreas rurais, evitando dessa forma o inchamento das metrópoles.
As indústrias de pequeno e médio porte têm um papel crucial na Índia,
mas, apesar da rápida urbanização dos últimos anos, quase 64% dos
trabalhadores ainda estão na agricultura.
A geração de empregos rurais é uma forma de alavancar o mercado
interno. O cientista indiano M.S. Swaminathan calculou que cada 45
empregos agrícolas geram 10 empregos na indústria e induzem outros
45 na prestação de serviços urbanos.
123
Cultura
UMA ALDEIA INDIANA E UM MUNICÍPIO BRASILEIRO
Alegria é a prova dos nove no matriarcado de Pindorama.
A vaca representa todo o mundo subumano para além de sua
[Oswald de Andrade]
própria espécie. O homem, através da vaca, é levado a compreender
a sua identidade com tudo o que vive.
[Mahatma Gandhi]
O caráter antropofágico das culturas brasileira e indiana, ou seja, sua
capacidade de metabolizar influências externas, de incorporar na mentalidade e nos comportamentos locais os elementos vindos de fora,
expressa-se na diversificação cultural de ambos os países: no catolicismo de todos os santos mesclado ao candomblé e à umbanda, por
exemplo, e no panteão eclético de divindades do hinduísmo. Como
observa Maria Helena Andrés,
Os índios brasileiros possuíam uma religião mágica, ligada à
natureza; viviam em comunidades e a cultura era transmitida
oralmente. Houve portanto facilidade na sincretização religiosa
e na conversão ao cristianismo de índios e negros que mais
tarde vieram da África, como escravos. Os hindus possuíam
uma religião baseada nos ensinamentos dos Vedas, transmitida
em forma de rituais e cânticos e estruturada em um passado de
cinco mil anos. Ali, a terra ocupada pelos portugueses já havia
sido invadida pelos mouros, também com filosofia e religião
próprias.3
124
As divindades da umbanda – que mescla o espiritismo urbano e cultos
afro-brasileiros –, bem como as do candomblé, podem ser relacionadas
com as atividades dos membros das castas hindus: Ogum, que dispõe
de ferramentas de trabalho e armas de guerra, corresponderia à casta
shudra, dos trabalhadores; Xangô, que dirige exércitos e faz justiça,
corresponderia à casta kshatryia, os guerreiros; Oxalá, deus que busca
a paz e representa a sabedoria reflexiva, corresponderia, por sua vez, à
casta dos brahmin, os religiosos.
Em 1978 realizei um estudo sobre hábitat e transferência de tecnologia,
como pesquisador-visitante no Centro de Hábitat e Estudos Ambientais
do Instituto Indiano de Administração de Bangalore. Esse trabalho
incluiu um estudo de caso: comparei uma aldeia indiana e um pequeno
município brasileiro. Como os dados se referem a um momento específico, não permitem inferir tendências históricas. Apesar dessas limitações, o método comparativo
de análise foi um instrumento
que me fez intuir possibilidades
de intercâmbio entre a Índia e o
Brasil.
Kenchenkuppe é uma pequena
aldeia – sua população é inferior
a mil habitantes – situada a 30 km
de Bangalore, capital do estado
de Karnataka, ao sul da Índia.
Juramento é um dos milhares de
municípios brasileiros com menos
de 10 mil habitantes localizado a
30 km de Montes Claros, no norte do estado de Minas Gerais.
Localizacão de Kenchenkuppe e Juramento
3
ANDRÉS, Maria Helena. Oriente/Ocidente: integração de culturas, p.4.
125
Relato de uma experiência na Índia: um brasileiro em Kenchenkuppe
Primeiras impressões
A Índia vive em suas aldeias. Setenta e dois por cento da população indiana – cerca de 750 milhões de pessoas – nelas passam a sua vida.
Kenchenkuppe é uma das 600 mil aldeias que pontilham o território
indiano. Localiza-se nas proximidades de Bangalore, capital do estado
do Karnataka, no sul da Índia.
O quarto em que me hospedo aqui e que compartilho com o assistente
de pesquisa do Instituto de Administração de Bangalore se compõe de
uma peça com uma subdivisão: a parte da frente funciona como sala de
estar, quarto de dormir e sala de aula, e a parte de trás, como armário,
cozinha e banho, além de depósito de lenha para fogão. O mobiliário é
mínimo e o telhado é sustentado por estrutura de bambu. De seis às
nove da noite o assistente de pesquisa ensina às crianças inglês, kannada – a língua local –, hindi, matemática e ciências.
No dia em que cheguei, houve uma apresentação de canto, dança e
teatro infantil. Os meninos são escuros, magros, usam camisa e calça
curta, e os olhos e dentes claros destacam-se contra o fundo escuro da
pele; as meninas vestem-se com longos vestidos ou saris, usam tranças
adornadas com flores e uma marca circular colorida na testa, feita com
pó vegetal. O pequeno quarto está superlotado de crianças descalças,
sentadas no chão com suas pequenas lousas.
126
Depois da aula e do jantar estendemos esteiras no chão, bem como
redes de proteção contra mosquitos. G.N. Reddy, o professor, está há
um ano na aldeia, que foi adotada pelo Instituto de Administração de
Bangalore para projeto de desenvolvimento rural e para estudos de
campo sobre tecnologias locais. Como esse projeto, muitos outros estão
em andamento no país, desenvolvidos por agências do governo, instituições acadêmicas, organizações voluntárias, bancos e indústrias. Há um
movimento nacional de adoção de aldeias para promover seu desenvolvimento.
Planta da aldeia de Kenchenkuppe
Fomos convidados para jantar na casa de um dos agricultores mais ricos da aldeia. Ele é lingayat, uma das castas mais altas, e sua família é
numerosa. Meu guia e intérprete traduz as conversas para a língua local
e transmite-me as perguntas, já que ninguém fala inglês. Há curiosidade
em saber sobre meu país, costumes, língua, forma de casamento, principais produtos agrícolas, se comemos carne, que esportes praticamos.
Espantam-se de saber o tamanho das fazendas no Brasil e surpreendem-se
127
por existir gente pobre com tanta terra disponível. Em Kenchenkuppe, a
maior parcela de terra não chega a cinco hectares. O tamanho médio
das propriedades é de um hectare.
A casa, situada em uma das extremidades da aldeia, tem na parte da
frente uma varanda coberta, onde vários membros da família dormem
em esteiras de palha, durante o período quente. Em um pátio interno,
adjacente à varanda, recolhem-se as vacas, depois de serem alimentadas
à tardinha. Elas produzem durante a noite grande quantidade de
estrume recolhido pela manhã e transportado em cestos de bambu a
esterqueiras, para produção de adubo orgânico.
de não trazer impurezas para dentro do lar. Sentamo-nos todos os
homens no chão: o assistente de pesquisas, eu, o dono da casa, seu pai
e filhos. As mulheres procedem ao ritual. O alimento é servido em pratos
de folhas, biodegradáveis, costuradas com pequenos palitos. Os pratos
são colocados no chão.
A alimentação é vegetariana, hábito que preserva os recursos naturais
porque demanda menor quantidade de insumos como terra, água, energia, do que as dietas baseadas em proteína animal. O raggi, cereal muito
rico em proteínas, é a base da alimentação local. Preparado como uma
massa compacta, deve ser engolido sem mastigar, o que é uma experiência inédita para um estrangeiro.
O costume é comer com a mão, sem talheres. Sendo canhoto, provoco
surpresa e constrangimento ao comer com a mão esquerda. Meu guia
me chama a atenção para o fato de que se usa somente a mão direita
para levar os alimentos à boca; a mão esquerda destina-se a outros usos,
como limpar-se na higiene pessoal. Dessa forma, evita-se a contaminação. Para consertar minha gafe, continuei a refeição usando a mão
direita e explicitei aos meus anfitriões meu desconhecimento sobre essa
regra cultural.
128
Tanto nos hábitos cotidianos como no trabalho agrícola elimina-se a
necessidade de vários objetos por meio do uso intensivo do corpo. O
mobiliário caseiro é reduzido, e posturas corporais adequadas suprem
sua falta. Também não são necessários objetos como talheres, pratos e
outros utensílios. Esses hábitos, seguidos por milhões de pessoas na
Índia, reduzem significativamente o consumo de recursos naturais.
Estima-se que um indiano médio consuma cinqüenta vezes menos energia e materiais que um americano médio.
Esquema de casa de camponês rico em Kenchenkuppe
Logo após o pátio há uma nova varanda, um quarto de oração e a sala
onde nos sentamos em pequenas esteiras para receber a refeição. Dentro
de casa não se usam calçados, que devem ser retirados na entrada a fim
Tais comportamentos adotados coletivamente e culturalmente reproduzidos baseiam-se em princípios filosóficos como o do ahimsa. Esse
princípio privilegia a verdade e é aplicado tanto ao mundo humano
como ao mundo animal e vegetal. Além do ahimsa, outros princípios,
como a tolerância e o respeito à diversidade biológica e cultural, são ali
adotados, o que faz da Índia uma civilização integrada à natureza.
129
O dia-a-dia na aldeia
De manhã cedo, as primeiras pessoas a acordar são as mulheres harijans
(casta mais baixa). Elas preparam a refeição matinal depois de buscar
água na cisterna. Logo após, homens e mulheres vão trabalhar nos campos irrigados, onde se plantam arroz, cana-de-açúcar e amora, ou nas
terras secas, onde se cultiva o raggi.
A jornada de trabalho coincide com as horas do sol. Há uma pausa para
ligeira refeição ao meio-dia. A depender da estação do ano, as principais
atividades agrícolas são a aração do solo, a preparação de sementeiras,
a semeadura, transplante de mudas, capina, seleção de grãos.
Nas tradicionais famílias estendidas – em que o casal, seus filhos, noras
e netos vivem juntos na mesma casa –, os velhos desempenham papéis
importantes: a eles cabe tomar conta das crianças pequenas enquanto
os pais trabalham, cuidar da saúde da família, ajudar nos afazeres
domésticos e levar o gado para pastar nas margens das estradas ou nas
terras não cultivadas.
Uma vez por semana, no sábado ou na segunda-feira, as casas são
limpas e lavadas. Tais atividades têm conotações sagradas.
No período seco, de dezembro a março, escasseia o trabalho. Os instrumentos, ferramentas e casas são reparados, consertos e obras públicas
são realizados. Também é a época do lazer: anda-se nos campos, conversa-se, visitam-se lugares vizinhos.
130
131
Conhecemos um estatístico nascido na aldeia que, depois de formado,
não encontrou emprego em sua área. Hoje é plantador de tomates. Há
milhares de outros como ele no estado de Karnataka e em outras regiões
da Índia.
Depois do jantar, os homens se agrupam para conversar em frente das
casas. Esteiras são estendidas nas varandas e nos passeios pavimentados, onde muita gente vai dormir à noite, aproveitando a brisa que alivia
o calor dos meses quentes. Dormir fora é uma forma de reduzir a
demanda de espaço construído, porque as casas são pequenas e muito
densamente habitadas.
Kolam ou rangavalli
As mulheres harijans preparam as refeições noturnas depois de voltar
dos campos e são as últimas a repousar à noite. Além de trabalhar na
agricultura, elas preparam as refeições, fazem compras, administram as
casas. Os meninos, desde pequenos, ajudam nos afazeres domésticos e
no trabalho do campo. Os meninos mais velhos tomam conta dos mais
novos, enquanto as meninas coletam estrume, buscam lenha para cozinhar, trazem água da fonte e ajudam a lavar roupa nos canais próximos.
Bonitos desenhos geométricos são feitos diariamente com areia ou pó
nas fachadas das casas – os kolams ou rangavallis. Desde pequenas, as
meninas aprendem a fazê-los. Nos tempos antigos, eram feitos com
pó de arroz e mantinham os animais afastados da casa e dos locais
de armazenagem de alimentos. Hoje, há métodos mais seguros para
armazenar alimentos, e os kolams perderam sua função prática.
Qualquer dia pode ser dia de trabalho para os habitantes de
Kenchenkuppe. Há, entretanto, alguns festivais especiais e feriados que
coincidem com os períodos do ano agrícola em que há menos trabalho,
mudança de estação ou ainda começo de nova atividade. O ano-novo,
a adoração dos ancestrais, a procissão dos bois, a adoração dos implementos e instrumentos de trabalho, o festival das luzes, o festival do
gado, são ocasiões especiais comemoradas na aldeia, além de datas
dedicadas a figuras da mitologia hindu como Rama, Ganesh e Shiva.
Entre as ocasiões especiais estão ainda o casamento, o nascimento de
uma criança e a chegada da puberdade para as meninas. Em ocasiões
festivas é usual visitar um dos centros de peregrinação religiosa situados
nas proximidades.
132
A religião é fundamental na vida diária, nas interações sociais e nas
ocasiões especiais. Há sete templos hindus localizados na aldeia, no
alto da montanha próxima e junto a árvores sagradas, debaixo das
quais há figuras esculpidas em pedra que representam os deuses hindus. O boi, o elefante, a vaca, o bode, o pavão, a cobra, são alguns
dos animais adorados; ficus religiosa é a principal árvore sagrada,
e muitas flores são reverenciadas. Nas casas, a presença da religião é
atestada por galerias de estampas que representam os diversos deuses
e por um quartinho para meditação, onde os habitantes se dedicam à
puja, adoração.
Durante quase um mês, no período anterior à colheita, as crianças permanecem da manhã à noite nos campos, tomando conta para que os
passarinhos não prejudiquem a colheita. À noite, quando os pássaros
vão dormir, elas também se recolhem às suas casas.
Algumas castas especializaram-se na tarefa de combater os animais nos
campos para a preservação do alimento. Pessoas dessas castas vagueiam
pelos campos, depois da colheita, em busca de buracos de ratos. A
entrada dos buracos é alargada com a ajuda de uma vara, e o arroz ali
armazenado é retirado. Os ratos capturados são considerados prêmios e
são usados como alimento ou vendidos nas aldeias próximas. Os
caçadores de ratos não ganham dinheiro, mas tão-somente o arroz e os
animais que são capazes de capturar. Quando são picados por cobras,
usam plantas especiais para neutralizar o efeito do veneno. Esse tipo de
atividade é comum no sul da Índia, mas a introdução de técnicas ocidentais de combate aos roedores, como o uso de pesticidas, começa a
retirar dessas populações sua fonte de sustento, sem proporcionar-lhes
alternativas.
Há outras aplicações de tecnologia moderna em Kenchenkuppe que
também pioram as condições de vida das populações pobres: a perfuração de cisternas e de poços e a instalação de bombas d'água elétricas irrigam maior quantidade de terras e diminuem a produção do raggi,
cultivado em áreas secas. O uso da terra irrigada tem aumentado porque os produtos dela obtidos são vendidos a melhor preço. Mas esse
aumento da irrigação prejudica a dieta das populações pobres, cuja alimentação se baseia naquele cereal.
Os baixos níveis de nutrição, saúde e educação e a precariedade da
rede de saneamento em Kenchenkuppe caracterizam uma situação de
pobreza; entretanto, ao lado de tais deficiências, há uma grande riqueza:
a simplicidade da vida cotidiana, ainda admiravelmente frugal.
A religião é um dos principais fatores que sustentam esse estilo de
vida. É ela que prescreve a sacralização da vaca, evitando o seu sacrifício em tempos de fome, e o princípio do ahimsa ou não-violência,
que inclui tanto o mundo humano quanto o animal; é ela que provê
também os fortes mitos e as imagens simbólicas que moldam a vida
cotidiana.
A economia de meios para desempenhar as atividades diárias, em
casa ou no trabalho, a economia de mobiliário, objetos e implementos, os hábitos alimentares vegetarianos, o uso intensivo do corpo e
o modo de relacionamento com os animais – tudo isso revela uma
cultura que tem grande respeito ao meio ambiente e não desperdiça
recursos naturais. Essas qualidades talvez sejam mais evidentes em
uma aldeia indiana do que em qualquer lugar onde haja assentamentos humanos.
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Estudo comparativo entre Kenchenkuppe e Juramento
O estudo do hábitat o considerou como espaço organizado para a vida
humana constituído pela integração de fatores naturais, culturais e sociais.
Entre os fatores naturais, há aqueles que compõem o hábitat inanimado
(terra, água e ar) e aqueles que compõem o hábitat animado (os animais
e a vegetação). Entre os componentes culturais e sociais do hábitat estão
aqueles relacionados com a população humana – sua organização social e
aquilo que produz culturalmente, como artes e tecnologia. O estilo de
vida da aldeia indiana preserva mais a energia e o meio ambiente do que
o adotado no município brasileiro. As desigualdades socioeconômicas
são menores na primeira do que no segundo.
Ambos apresentam grande potencial não utilizado de água, terra e
recursos humanos. Necessidades básicas da população – saúde, alimentação, moradia e educação – não foram ainda atendidas, o que indica
uma situação de pobreza e subdesenvolvimento.
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Kenchenkuppe e Juramento apresentam semelhanças ambientais, como
índice pluviométrico, temperatura e secas sazonais. Estão situados relativamente próximos de centros urbanos e industriais (Bangalore e
Montes Claros) e localizam-se em regiões que não são nem as mais
pobres nem as mais desenvolvidas em seus respectivos países.
casta foram denominados harijans (filhos de Deus) por Gandhi em um
esforço para integrá-los à sociedade.
Há políticas e ações para melhorar as condições de vida das castas e
classes pobres, que lhes reservam oportunidade de trabalho e proporcionam serviços. Assim, por exemplo, uma bomba manual de água foi
instalada em Kenchenkuppe, junto à área de população harijan. Houve
disputas com as outras castas, mas prevaleceu o critério de beneficiar as
populações pobres.
Em Kenchenkuppe, o sistema de castas delimita distâncias sociais e psicológicas, demarca fronteiras: o casamento entre pessoas de castas
diferentes é tabu, principalmente se o noivo é de casta inferior; a
preparação do alimento das castas mais altas é feita de forma a evitar a
‘poluição’ pelo contato com as impuras, que comem carne; há cisterna
de uso exclusivo dos harijans; atividades sociais como refeições em casa
de outras pessoas, interação com outros grupos, uso dos templos e das
ruas para procissões, festivais ou enterro são codificadas, permitidas ou
restringidas de acordo com a posição de castas.
Em Juramento, a estratificação não é tão claramente codificada. A baixa
densidade da população e as grandes distâncias provocam maior isolamento físico, que favorece maior flexibilidade social. Na situação de alta
densidade de população em Kenchenkuppe, ao contrário, é muito evidente a distância social criada pela estratificação em castas.
Organização social
Tanto em um quanto em outro lugar, a organização social é estratificada e os níveis de renda, desiguais. Kenchenkuppe tem menos de mil
habitantes, subdivididos em oito castas, e mais da metade da população
compõe-se de trabalhadores sem-terra, que vendem seu trabalho para
os agricultores da região. Eles são os harijans, que formam a casta mais
baixa, moram isolados em uma parte da aldeia e têm fontes de água e
templos em separado. Até mesmo para comprar café no pequeno hotel
da aldeia, há uma porta separada, a fim de que não se misturem com as
outras castas. Antigamente tratados como intocáveis, os membros dessa
Na aldeia indiana, os casamentos são arranjados pelos pais e sempre na
mesma casta. Os pais da noiva devem pagar um dote, que consiste em
dinheiro, ouro, terra, sais ou objetos valiosos. Isso freqüentemente os
endivida. Há, portanto, uma grande preferência pelo nascimento de
meninos – os pais muitas vezes recebem condolências quando nascem
meninas. As mulheres são ainda discriminadas no trabalho, na remuneração e nas oportunidades para educação.
O papel feminino é bastante diferente do masculino. Se a mulher se
torna viúva, não é esperado que se case novamente. A idade de casa-
135
mento para moços é de 20 a 25 anos, e para moças, de 15 a 20 anos.
Uma vez casados, os noivos vão morar na casa do pai do noivo. Esse
sistema de famílias estendidas – joint families – está, entretanto,
desaparecendo, por causa do aumento dos conflitos e tensões entre
membros da família. O usual hoje é que os noivos providenciem sua
própria moradia independente, depois de algum tempo de casados.
movimentação política não é intensa. O assistente de pesquisa do instituto desempenhou importante papel de catalisador social. Durante sua
permanência na aldeia, fundou um clube de jovens e introduziu jogos,
organizou mutirões e construiu um campo de esporte e uma pequena
biblioteca. Além disso, criou classes noturnas para as crianças, promovendo um início de integração social.
Já no município brasileiro, os casamentos não são diretamente arranjados e o dote não é obrigatório. As oportunidades para educação de
homens e mulheres são iguais e há, de fato, mais mulheres do que
homens educados.
A presença do governo é sentida principalmente pela atuação do professor primário e pelas obras em estradas, cisternas e nos canais de irrigação, executadas pelo Departamento de Obras Públicas.
Em ambos os lugares, as famílias são usualmente formadas de seis a dez
pessoas, e mais de 40% da população têm menos de quinze anos.
Organização política
136
O Panchayat é a célula política básica em Kenchenkuppe, reconhecida
pela Constituição e composta por membros de várias castas, eleitos periodicamente pela população. Sua principal fonte de renda são as taxas
domiciliares, da loja, do hotel, das fábricas de rapadura. Esses recursos
são empregados em obras que visem ao bem comum – construção e
reparos da escola, do tanque de água ou das cisternas, por exemplo –
e são complementados por verbas do estado ou do governo central.
Outra instituição tradicional não-governamental é um conselho de cinco
membros escolhidos pela hereditariedade e status social. Esse conselho,
denominado Nadugowda, organiza os festivais, além de zelar pela justiça
e ordem. Somente quando não consegue resolver as disputas, é que elas
são levadas ao conhecimento da polícia na cidade mais próxima.
Não há qualquer organização partidária ou qualquer organização voluntária na aldeia, assim como não há organização de trabalhadores. A
família assume a maior parte das funções de previdência social, protegendo os velhos e desempregados.
Não há entidades de iniciativa popular, como cooperativas de aldeia,
sociedades para o desenvolvimento rural ou comitês populares, e a
A instituição externa mais importante que afeta a vida da aldeia é a
Sociedade Cooperativa Rural. Ela concede empréstimos para colheitas
e fertilizantes, comercializa artigos de consumo e fornece crédito para
os artesãos. Seu gerente nos afirmou que os pequenos agricultores
respondem mais favoravelmente do que os grandes à atuação da
cooperativa e que ela alterou o papel das tradicionais lideranças políticas, pois os agricultores têm outra alternativa para buscar assistência
técnica e crédito. O sistema de cooperativa e de crédito rural minimiza
o poder dos agiotas, que mantinham os trabalhadores endividados sob
seu controle.
A cooperativa mantém um técnico agrícola para aconselhar os agricultores sobre o produto que devem plantar e o modo de fazê-lo. Isso tem
alterado os hábitos de cultivo em função do mercado maior e da
disponibilidade da água. Em Kenchenkuppe foi sugerido o plantio de
amendoim em vez de arroz ou cana-de-açúcar, porque aquela cultura
requer metade da quantidade de água de que as outras necessitam, possibilitando, assim, outras plantações.
Em Juramento, há Prefeitura, Câmara de Vereadores e Delegacia de
Polícia; há, também, departamentos de Educação, Saúde e Obras
Públicas do governo e uma associação voluntária religiosa, a Sociedade
São Vicente de Paula.
Como em ambos os lugares a agricultura é a atividade básica, terra e
água são recursos primordiais. Os grupos ou indivíduos que controlam
tais recursos – seja pelo gerenciamento de uso ou posse – têm grande
poder político.
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Economia
A distribuição irregular de chuvas, com quatro a cinco meses secos por
ano, afeta fortemente a economia dos dois locais, provocando variações
sazonais de oportunidades de trabalho e perdas tanto para o gado
quanto para as plantações.
Nem em Juramento, nem em Kenchenkuppe há outras atividades econômicas importantes além da agricultura, que ocupa 90% de suas
populações. A produção agrícola é freqüentemente vendida sem processamento ou transformação; técnicas agrícolas tradicionais prevalecem.
Ainda que grande parte da produção agrícola em Kenchenkuppe se destine ao consumo próprio, uma parte é comercializada no mercado de
Bangalore: arroz, cana-de-açúcar, rapadura, tomate e amora.
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Em Juramento, tanto a terra como os recursos hídricos são usados cada
vez mais para atividades dirigidas ao mercado externo e não para as
necessidades da população local. O gado, as pastagens para alimentálo, o programa de reflorestamento com espécies exóticas, destinam-se a
satisfazer as necessidades de alimento, carvão e papel fora do município. Uma pequena fração de terra é usada para a agricultura, diversamente de Kenchenkuppe, onde há mais áreas destinadas à produção
para consumo próprio e para a irrigação.
As técnicas agrícolas em Kenchenkuppe são manuais ou utilizam arados
convencionais. Não há praticamente qualquer lixo doméstico ou agrícola; tudo é reaproveitado. Os fertilizantes orgânicos são muito disseminados, ao contrário dos fertilizantes químicos. O bagaço da cana-de-açúcar
é usado como combustível para a confecção da rapadura, e o estrume é
utilizado como adubo.
A pecuária da aldeia e a do município consistem principalmente na criação de bovinos, ovinos e caprinos. A piscicultura não é comum.
Em Kenchenkuppe, o gado é utilizado como produtor de leite e de esterco (que serve como combustível ou fertilizante), além de ser empregado
como força de tração para arados e carro de boi. O animal vivo é considerado um grande patrimônio; quando morre, aproveita-se o couro,
mas não se come a carne. Apenas as castas mais baixas, não vegetarianas, consomem peixe, ovos e a carne de pequenos animais, como
galinha e cabrito. Em Juramento, é do animal morto que se obtém mais
lucro, pela exploração de carne, couro e outros subprodutos. Não se prioriza o uso do gado no transporte e na aração do campo.
A alimentação e o pastoreio do gado são atividades diárias que ocupam
as crianças e mulheres na aldeia indiana. Cada búfalo ou vaca é objeto
de cuidados. À tardinha, eles são levados para pastar às margens das
estradas ou nas terras públicas; à noite são trazidos para junto das casas
de seus donos, para que o precioso esterco possa ser recolhido de
manhã. No município mineiro, o gado é mantido livre em pastagens,
com cuidados eventuais, não demandando muito trabalho humano.
A escassez de terra em Kenchenkuppe faz com que se limite a população
de animais de grande porte, que competem com o homem pela terra
para alimentar-se. Até mesmo a população de gado bovino é em grande
parte alimentada nas áreas marginais de estradas e canais, nas terras
públicas não agricultáveis, com os resíduos de palha de arroz e de outros produtos agrícolas.
Em Juramento, não se limita o número de cabeças de gado, maior indicador de riqueza que o fazendeiro possui, proporcional à quantidade de
terra que ele controla. Os dez maiores fazendeiros possuem, cada um
deles, 2.200 cabeças de gado em média; os 250 pequenos fazendeiros,
por sua vez, possuem trinta cabeças em média cada um. Considerando
esse indicador, a diferença na distribuição de riqueza entre os proprietários mais ricos e mais pobres é da ordem de setenta vezes.
O tamanho médio das propriedades agrícolas é distinto em Juramento e
em Kenchenkuppe. No município, o tamanho médio é de dez hectares
e há mais de 25 propriedades com mais de quinhentos hectares. Na
aldeia, a média é de dois hectares, mas 31 famílias possuem menos do
que meio hectare de terra, e as seis famílias mais ricas possuem mais
de quatro hectares de terra cada uma. A diferença entre a média das
139
maiores e das menores propriedades é da ordem de quinze vezes. Há,
portanto, menor desigualdade econômica do que em Juramento.
Vendedores ambulantes vão periodicamente tanto à aldeia indiana quanto ao município brasileiro e vendem objetos de uso pessoal, prestam
serviços ou levam diversão. Nos mercados de Bangalore e de Montes
Claros os agricultores vendem o excedente da produção e dali trazem
produtos de consumo, roupas, remédios, ferramentas e alimentos.
A maior parte dos trabalhadores em Kenchenkuppe é diarista, e o salário
dos homens é usualmente maior do que o das mulheres e crianças. As mulheres dedicam muito tempo ao transporte de água, à coleta de lenha e às
atividades domésticas, como lavagem de roupa e administração da casa.
População
140
Os padrões de organização territorial e de uso do solo são diversos, pois
Juramento e Kenchenkuppe pertencem a países cuja ocupação se deu
de formas marcadamente diferentes. Juramento estabeleceu-se com a
bandeira de Fernão Dias; o nome do município é uma alusão ao juramento de fidelidade que o grupo do bandeirante lhe prestou depois que
seu filho foi condenado à morte por ter conspirado contra ele.
Kenchenkuppe surgiu com o aumento populacional no planalto do
Decão e é uma das milhares de aldeias da região.
A densidade demográfica é nove vezes maior em Kenchenkuppe que
em Juramento. Essa diferença tende a aumentar, porque muitos jovens
migram de Juramento para cidades maiores em busca de oportunidade
de emprego e de estudo. Já em Kenchenkuppe, a migração não é relevante e a população aumenta ligeiramente. A despeito da maior densidade em Kenchenkuppe, a pressão sobre os recursos do meio ambiente
é reduzida por causa do estilo de vida simples adotado.
A sede do município de Juramento concentra um quarto da sua população. Há cinco distritos localizados a vinte quilômetros um do outro,
rodeados por áreas rurais onde se encontram fazendas isoladas, ligadas
entre si por precária rede de estradas. Na região de Kenchenkuppe, há
sete aldeias pertencentes ao mesmo Panchayat, e estas são cercadas por
terras agrícolas, sem qualquer fazenda isolada.
Esses padrões diferentes de assentamento têm efeitos distintos sobre a
comunicação e os transportes. Como Juramento está isolada, a 30 km da
estrada principal, e tem baixa acessibilidade, cavalos e veículos mecânicos são indispensáveis como meios de transporte. Kenchenkuppe, ao
contrário, não está isolada: em torno dela há uma rede extensa de canais
e caminhos que levam às aldeias vizinhas, situadas em um raio de sete
quilômetros. A população se locomove a pé ou em bicicletas. Os cavalos
são considerados um luxo, empregados apenas para levar os noivos em
cerimônias de casamento ou atletas em competições nas cidades. Os
vagarosos carros de boi são veículos adequados, pois o transporte de pessoas e mercadorias é geralmente feito a curtas distâncias. Há além disso
alta acessibilidade ao sistema principal de estradas e à estrada de ferro.
Com esse sistema de transporte, Kenchenkuppe faz sensível economia de
combustíveis fósseis.
A população de animais domésticos é quase cem vezes maior em
Juramento, onde a proporção de animais por pessoa é de cinco para
uma; essa proporção é de apenas meio para uma em Kenchenkuppe.
Quanto à população de árvores, se levarmos em conta os dados de um
dos programas de reflorestamento no município, há quinze milhões de
pés plantados – uma proporção de 1.500 árvores por pessoa. Em
Kenchenkuppe, a proporção é de apenas três árvores por pessoa,
número que inclui as árvores frutíferas e as fornecedoras de lenha.
Alimentação
Entre as parcelas mais pobres das populações locais, há baixos níveis
nutricionais. Parte substancial dos alimentos mais nutritivos – como a
carne e o leite de Juramento, o leite e as frutas de Kenchenkuppe – é
vendida nos mercados urbanos.
141
Juramento pertence a uma vasta região dominada pela pecuária, na qual
a carne é um dos alimentos básicos, assim como o arroz, o feijão e o
milho. Ela é preparada de forma a durar mais, como carne-de-sol e
carne-seca. Em Kenchenkuppe, o vegetarianismo prevalece por razões
religiosas e econômicas. Galinha, carneiro, peixe e pequenos animais são
consumidos, mas não a carne bovina. Até mesmo os ovos são evitados;
o leite é o principal produto animal utilizado. A dieta tanto das castas
mais altas como das mais baixas inclui o raggi – cereal com alto valor
protéico –, o arroz e o iogurte.
O raggi é cultivado em terra seca. Sua produção está diminuindo com
a abertura de novas cisternas e o aumento de terras irrigadas. Como
o alimento produzido em terra irrigada destina-se à venda e não ao
consumo próprio, a nutrição das camadas mais pobres está sendo
prejudicada.
142
Vestuário
Os homens em Kenchenkuppe usam o dothi, uma peça retangular de
tecido, sem costuras, amarrada na cintura e usada dobrada ou estendida até o tornozelo. O vestuário masculino é funcional e adaptado ao
tipo de trabalho feito pelos homens. A roupa das mulheres é mais decorativa do que funcional em Kenchenkuppe: vestidos longos para as
meninas e, para as mulheres, saris de seda ou algodão, cujas cores vivas
contrastam com a austeridade da roupa masculina. Em Juramento,
as mulheres usam vestidos, saias ou calças compridas. Andar descalço
é comum em ambos os locais, bem como o uso de tecidos de algodão.
Como as unidades sociais são diferentes – famílias celulares em
Juramento e famílias estendidas em Kenchenkuppe –, os desenhos das
casas são também diferentes, adequados aos tamanhos das famílias.
Quando um rapaz se casa, em Kenchenkuppe, sua mulher vai morar
com a família dele, e um novo quarto é acrescentado à casa. Os mais
ricos, entretanto, procuram construir outra casa, já que o sistema de
família estendida gradualmente cede lugar a famílias celulares.
Em ambos os lugares, grande parte do material de construção é produzido localmente. As habitações mais pobres são feitas com adobe e
telhado vegetal, enquanto as mais ricas usam telhas e tijolos queimados
ou secos ao sol.
Saúde
O principal problema de saúde em Juramento é a doença de Chagas,
transmitida pelo barbeiro, que se esconde nas frestas das habitações de
adobe. O desmatamento, que destrói seu hábitat natural, agrava a disseminação da doença. O modo usual de prevenir a doença é construir
casas de tijolo e forradas, de modo a impedir que o barbeiro se instale.
As populações pobres, com piores condições de habitação, são mais afetadas pela doença. Como a doença de Chagas não existe em
Kenchenkuppe, os problemas ali causados pelas habitações de barro e
cobertura vegetal são menores do que em Juramento.
Doenças de transmissão hídrica, como a verminose, são comuns em
ambos os locais, por causa da precariedade de higiene e saneamento.
Moradia
Infra-estrutura: saneamento, água, energia
Em Kenchenkuppe, o espaço das habitações é adaptado para prover
abrigos às vacas em pátios internos, onde elas são mantidas durante a
noite. Em Juramento, as casas são exclusivas para o ser humano, e os
animais são mantidos a distância.
Não existe sistema de saneamento nem em Kenchenkuppe nem em
Juramento; o ato de defecar ao ar livre é usual. Na sede de Juramento
há água encanada, que, no entanto, não atinge todas as casas por
143
causa do alto custo de instalação. Uma parcela substancial do trabalho
da população feminina consiste em prover água, retirada das fontes ou
da cisterna pública. Tal problema é mais agudo em Kenchenkuppe, onde
não há água encanada e a bomba manual da aldeia serve apenas parte
da população. As mulheres têm, então, que caminhar grandes distâncias
para coletar água das cisternas.
Redes elétricas existem em ambos os lugares, mas menos da metade das
habitações é ligada a elas, em face do preço da instalação e das elevadas
tarifas. A lenha é a maior fonte de energia para consumo; como é cara
e escassa, são necessárias outras alternativas. Em Juramento, importa-se
gás liquefeito de petróleo para cozinhar, hábito que não se deve
somente à escassez de lenha, mas à propaganda, que o associa a status
e enaltece sua praticidade.
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Em Kenchenkuppe, a falta de lenha é suplementada por tortas de esterco e capim secadas ao sol e usadas como combustível. Para solucionar a
questão da energia nas aldeias indianas, estão sendo desenvolvidas
pesquisas para dotá-las com digestores que aproveitem o gás metano do
esterco.
O uso da lenha como combustível de cozinha pode se tornar um problema sério caso não haja um programa consistente de reflorestamento,
pois o ritmo de utilização dos bosques nativos é superior ao da regeneração natural.
As florestas existentes são rapidamente dizimadas, sobretudo para
obtenção de lenha, em Kenchenkuppe, e para obtenção de lenha e de
carvão vegetal no município de Juramento. Neste último, há empresas de reflorestamento cuja atividade cresce em relação à agricultura
de subsistência. As árvores de Juramento são destinadas primordialmente à produção de carvão, consumido fora do município. Na aldeia
de Kenchenkuppe, as árvores fornecem, além de frutos e lenha, sombra e proteção do sol, como, por exemplo, em volta de templos e
locais de adoração religiosa. Muitas árvores em Kenchenkuppe são
consideradas sagradas.
Educação
O índice de população alfabetizada de Juramento gira em torno de
10%, enquanto o de Kenchenkuppe é de quase 18%. Há mais mulheres
escolarizadas em Juramento do que em Kenchenkuppe. Nesta última há
pessoas de nível universitário que não encontraram emprego e se
dedicam à atividade agrícola.
A ALDEIA REVISITADA
Ao voltar a Kenchenkuppe no início de 1989, pude constatar que as
condições de vida tinham melhorado: novas bombas de água manuais
para abastecimento doméstico; reflorestamento com eucaliptos em algumas propriedades; prosperidade de uma fábrica de rapadura, que
processa a cana-de-açúcar cultivada nas terras irrigadas; algumas poucas casas novas.
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Mas quase tudo permanece igual na aldeia, como há centenas ou milhares de anos. Bois e búfalos ruminam parados nas ruas. Crianças transportam, na cabeça, água para uso doméstico extraída do subsolo com o
auxílio de bombas manuais. Do alto de andaimes de madeira, agricultores usam a brisa para separar o arroz da palha. Criadores espalham o
bicho-da-seda em estruturas circulares, onde há folhas de amora para
alimentá-los. Grãos secam ao sol para consumo doméstico.
Viajamos de Bangalore a Kenchenkuppe em um Maruti, pequeno carro
japonês da marca Suzuki, aquisição recente de Vijay Padaki, o professor
que me acompanha. O Maruti, ao lado de outras marcas de veículos e
equipamentos eletrônicos, indica a entrada da tecnologia japonesa na
Índia contemporânea. Ele está presente nas ruas das grandes cidades
com seu desenho moderno e destoa dos carros antigos de desenho
inglês, pesado e anacrônico.
Perto da aldeia há uma montanha de granito. De um pequeno templo
erguido em seu cume, descortina-se o verde intenso das áreas irrigadas
com plantações de arroz e cana-de-açúcar, contrastando com o marrom
das áreas secas de pastagens ou das plantações do raggi consumido pelos
habitantes. Nos últimos anos, a montanha foi intensamente explorada
para extração de granito, e suas cicatrizes destacam-se na paisagem. A
pedra é usada como mourão de cerca, na pavimentação de ruas e
calçadas, na canalização de águas pluviais e na fabricação de concreto.
As necessidades básicas da população de Juramento e de Kenchenkuppe
ainda não foram atendidas, a organização popular efetiva ainda é inexistente. As desigualdades econômicas continuam maiores em Juramento
do que em Kenchenkuppe, e não há perspectiva imediata de melhora.
146
Apesar de a tecnologia ter melhorado um pouco as condições de vida da
população em Kenchenkuppe – com a instalação das bombas manuais
de água, por exemplo –, ela também prejudica as parcelas mais pobres
da sociedade. A irrigação do solo (que reduz a produção de raggi) e a
utilização de pesticidas para matar ratos (que reduz o trabalho das castas pobres) são exemplos das conseqüências negativas do ‘progresso’.
A dependência de fontes externas de energia e de capital cresce na aldeia
e no município, mas o processo é mais intenso neste último. Mesmo com
as mudanças no período de vinte anos, Kenchenkuppe ainda adota um
estilo de vida mais econômico no uso de energia que Juramento. Isso se
deve ao contexto socioeconômico milenar a que pertence.
Em Kenchenkuppe, as imagens e os códigos sociais ainda são transmitidos por meio dos mitos e da iconografia hindu, que moldam o estilo de
vida da população; em Juramento, há um meio cada vez mais forte de
comunicação, que se superpõe ao conhecimento mítico tradicional: a
televisão, que capta programação nacional, com mensagens uniformes
e estandardizadas. O televisor é freqüentemente colocado na sala, em
posição equivalente a um altar doméstico, e suas imagens dividem
espaço com a iconografia católica.
A população de Kenchenkuppe, seu maior patrimônio, teria maiores benefícios se as atividades econômicas se diversificassem. A remuneração
do trabalho feminino e mais oportunidades de educação para as mulheres certamente melhorariam a economia local e as condições de
saúde das crianças. Programas de reflorestamento e piscicultura aproveitariam melhor os recursos hídricos e a terra marginal.
Há possibilidades de desenvolvimento tanto na aldeia quanto no
município: aproveitamento mais adequado de recursos subutilizados
(riquezas minerais, em Juramento); novas atividades econômicas
(sericicultura e piscicultura, em Juramento); beneficiamento de produtos agrícolas no próprio local (frutas, carne, peixe, em Juramento;
casulos de bicho-da-seda, em Kenchenkuppe); mobilização da força
de trabalho para atividades suplementares nos períodos em que está
ociosa; ampliação do rendimento da terra com intercultivo e plantio
múltiplo.
A aldeia é a unidade política básica da Índia, e o município, a do Brasil.
Suas condições de vida e de hábitat revelam semelhanças, diferenças e
possíveis campos de complementaridade. As mudanças em cada uma
dessas unidades dependem de um processo maior, pois nem a aldeia
nem o município são ilhas isoladas: pertencem a estados, regiões e países distintos que enfrentam à sua maneira os problemas sociais e
econômicos.
Se nas aldeias indianas as mudanças observáveis na última década são
pequenas, o mesmo não se dá nas grandes cidades. A modernização e
o crescimento urbano são evidentes, bem como alterações nos padrões
de consumo e no estilo de vida. Supermercados abastecem com alimentos pré-processados as famílias de classe média urbana, e as mulheres
têm cada vez menos tempo para preparar artesanalmente as especialidades da cozinha indiana.
Até hoje 80% dos casamentos ainda são arranjados entre os pais dos
noivos, mas aumenta significativamente a proporção dos casais que se
unem voluntariamente. O número de separações é ainda pequeno se
comparado ao do Ocidente.
147
Cada vez mais o vestuário emprega fibras sintéticas, como poliéster e
terilene. Por um lado, isso representa empobrecimento cultural no país
das belas tecelagens em seda e algodão, mas, por outro, significa maior
praticidade e menos trabalho doméstico para as mulheres.
Nos terminais rodoviários, as passagens são hoje emitidas por computador. Isso desburocratizou um serviço que provocava longas filas, demora
e tumulto. O transporte, no entanto, permanece precário: ônibus velhos e desconfortáveis conduzem a população com baixa margem
de segurança e por pouco não colidem com vacas, pessoas, triciclos,
rickshas e outros tipos de veículos em trânsito nas ruas.
148
Televisores coloridos instalados em locais públicos transmitem a programação da Doorsdashan, a TV estatal indiana. Veiculam-se peças de
teatro, filmes, danças e dramas baseados na mitologia. Com a disseminação da televisão e do videocassete, muitos cinemas foram fechados, dando lugar a supermercados ou outros equipamentos coletivos
urbanos.
Casas antigas com quintais e jardins são demolidas, e em seu lugar
surgem edifícios modernos e arranha-céus. O ritmo dos loteamentos é
intenso, e os novos lotes são rapidamente ocupados; a valorização imobiliária é enorme. São perceptíveis as mudanças microclimáticas e o
aumento da poluição do ar.
Ao mesmo tempo em que a Índia se moderniza, ela se torna um dos
cinco grandes países devedores, com uma dívida externa de quase 40
bilhões de dólares e uma taxa de inflação de 10% ao ano.
acesso a esse bem, trocando o fornecimento de energia pelo direito de
uso de volumes adicionais de água.
O aumento do consumo de lenha e carvão vegetal provoca desmatamentos e causa tensões crescentes no meio ambiente. Extensos programas de reflorestamento de eucalipto marcam a paisagem no interior do
país, na tentativa de reduzir a pressão sobre as matas nativas. Mas o
esforço é menor do que o necessário.
Persiste, além disso, a polêmica sobre a energia nuclear, suas vantagens
e inconveniências. Seu emprego sofre oposição sistemática por parte dos
ecologistas.
A urbanização acelerada altera o equilíbrio estabelecido nas centenas de
milhares de aldeias indianas. Por que essa milenar organização do
espaço deveria mudar, se é uma estrutura historicamente testada e
reconhecida como um modelo bastante sofisticado, com pouca demanda de energia? Por que a modernização deveria desconsiderar a tradição
cultural do país, com políticas que acabam por implodir padrões de consumo sustentáveis e comportamentos pré-materialistas ajustados à
necessidade do desenvolvimento pós-materialista, cultural e ecológico?
Rabindranath Tagore afirmou: "O que a Índia já foi, o mundo todo é
hoje. O mundo todo está se tornando um único país, por meio das facilidades científicas."4. Não seria apropriado parodiar a frase de Tagore
para: o que a Índia já foi, o Brasil é agora?
A modernização demanda mais energia para a indústria alimentar e
têxtil e para o consumo urbano, levando o país a um impasse: de
onde extrair a energia necessária para sustentar esse estilo de desenvolvimento?
O espírito de tolerância indiano, sua psicologia singular e a síntese
alcançada pela integração de arte, ciência, religião e filosofia, há
milênios, não poderiam também se manifestar em um país em formação
como o Brasil? A história milenar e a história imediata da Índia não nos
ajudariam a compreender melhor nossa situação atual e a encontrar saídas para ela?
A hidroeletricidade é limitada. Se a água já é escassa para irrigação e
abastecimento urbano, o que não dizer para geração de energia? Em
vista disso, alguns estados celebram acordos com seus vizinhos para ter
4
TAGORE, Rabindranath. Op. cit., p.59.
149
diretamente da Índia costumavam vender gêneros de outra procedência, como se fosse do Oriente, o que sem dúvida ainda
mais dificulta a ação fiscal. (...) Os próprios guardas do fisco
eram agentes dos traficantes, senão os próprios traficantes, tudo
facilitando para o contrabando, principalmente à noite e no
próprio navio.5
RELAÇÕES ENTRE A ÍNDIA E O BRASIL
Erro de Português
Quando o português chegou,
debaixo duma bruta chuva, vestiu o índio.
Que pena! Fosse uma manhã de sol, o índio
tinha despido o português.
[Oswald de Andrade]
No início do século XX, uma delegação brasileira visitou a Índia à procura de migrantes para o Brasil. Naquela época, entretanto, não houve
interesse em promover tal emigração, já que havia muitos problemas com
os emigrantes indianos na África do Sul e nas outras colônias inglesas.
150
No passado, Índia e Brasil mantiveram relações formais e informais por
meio de um denominador comum: a colonização portuguesa. No período
colonial, as naus que faziam a rota das Índias aportavam em Salvador,
descarregando especiarias, seda, produtos manufaturados e espécies
vegetais. Entre elas, destacam-se o coco da Bahia, originário do estado de
Kerala, no sul da Índia, e a manga, que se aclimatou em várias partes do
território brasileiro.
Os portugueses foram os primeiros colonizadores europeus a chegar à
Índia, em 1492, e os últimos a sair, tendo deixado Goa somente em
1961. A partir da independência indiana, em 1947, suas relações vinham se deteriorando, e, em 1955, o Brasil assumiu a proteção dos
interesses consulares portugueses na Índia. As relações indo-portuguesas
só se normalizariam após a queda do ditador português Antonio Salazar.
Não havia até aquele momento condições favoráveis para um relacionamento intenso.
Brasil e Índia selaram poucos acordos oficiais e, às vezes, com grande
espaço de tempo entre eles. Confira o quadro abaixo.
ATOS INTERNACIONAIS CELEBRADOS
Parte desses contatos comerciais se realizou sem o conhecimento e o
controle da metrópole portuguesa. Ao escrever sobre fisco e contrabando, Amaral Lapa observa:
Chegava a tal ponto o desplante dos que viviam dessa atividade
[o contrabando] que em 1719 eram encontradas casas alugadas,
no Salvador, onde seria possível, sem resguardo público, adquirir
mercadorias contrabandeadas de naus da Índia. (...) Por sua vez
os vendedores ambulantes da cidade do Salvador, principalmente negras escravas e ciganos, não deixavam de oferecer em
suas caixas e tabuleiros peças de chita, lençóis e outras miudezas, obtidos clandestinamente de naus da Índia. É curioso
também o procedimento desses vendedores que conhecendo a
predileção que os consumidores tinham pela mercadoria trazida
5
COM A ÍNDIA
ACORDO
ANO
1. Ajuste para a Entrega de Desertores de Navios Mercantes
2. Acordo Comercial
3. Acordo de Comércio
4. Acordo de Cooperação Cultural
5. Acordo sobre a Cooperação para a Utilização Pacífica
da Energia Nuclear
6. Acordo sobre Cooperação nos Campos da Ciência e
Tecnologia
7. Conversão Destinada a Evitar a Dupla Tributação e
Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a
Renda
1888
1932
1969
1968
LAPA, J. Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia, p.237-240.
1968
1985
1988
151
ATOS INTERNACIONAIS CELEBRADOS
COM A ÍNDIA (CONTINUAÇÃO)
ACORDO
ANO
8. Memorando de Entendimento Relativo a Consultas
sobre Assuntos de Interesse Comum
9. Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação nos
Campos da Ciência e Tecnologia, sobre Cooperação
Científica e Tecnológica no Setor Ferroviário
10. Declaração Conjunta
11. Declaração Conjunta sobre o Termo de Referência
para a Constituição do Conselho Comercial Indo-Brasileiro
12. Declaração Conjunta sobre a Agenda Brasil-Índia para
Cooperação Científica e Tecnológica
13. Agenda Comum para o Meio Ambiente
14. Ajuste Complementar ao Acordo de Comércio sobre
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
15. Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica
152
1992
banco de biodiversidade indiano. Importamos também as mangueiras,
que se aclimataram à natureza brasileira, e o coco 'da Bahia', proveniente dos coqueirais de Goa ou Kerala, onde aportou Vasco da Gama.
Adotamos ainda a pimenta e especiarias que influenciaram a culinária
baiana, além de objetos valiosos que os navios da Carreira das Índias
contrabandeavam em Salvador.
1993
Todo o nordeste brasileiro e o sudoeste indiano têm as mesmas
características de vegetação. Na Índia, como no nordeste
brasileiro, os palmeirais são a riqueza da região. Famílias pobres
cobrem suas cabanas com folhas de palmeira, usam o coco para
várias finalidades, bebem a água do coco. Houve troca de
sementes feitas pelos portugueses. Os conquistadores espalharam, em terras distantes, flores e frutos diversos: o caju foi
do Brasil para a Índia e a manga veio da Índia para o Brasil.
Diversos continentes comunicaram-se através de sementes, flores e frutos, que desabrochariam em regiões diversas do globo
terrestre, promovendo a integração vinda da terra.6
1996
1996
1996
1996
1996
2001
Fonte: Divisão de Atos Internacionais, Itamaraty, 2001
O acordo sobre desertores foi denunciado, o acordo comercial de 1932
foi substituído e o do uso pacífico da energia nuclear expirou. Os demais
se encontravam em vigor em 2001. A década de 1990 deu grande
impulso aos acordos bilaterais.
Os acordos oficiais criam um quadro institucional sob o qual se pode efetuar a transferência de tecnologia e a cooperação. Mas tem sido muito
restrito o aproveitamento concreto das possibilidades por eles oferecidas.
Intercâmbio de riquezas naturais
A proteção à vaca significa a proteção
a todas as criações não falantes de Deus.
O rebanho bovino brasileiro, de 170 milhões de cabeças, é, em sua
maior parte, de sangue indiano. Essas raças vieram para o Brasil a partir
do século XIX, aclimataram-se e desenvolveram-se. Outras raças de
gado indiano mais indicadas para a produção de leite não foram trazidas ao Brasil porque eram encontradas em regiões distantes de onde os
portugueses se instalaram na Índia.
Atualmente os fazendeiros importam sêmen bovino da Índia para melhorar geneticamente o rebanho brasileiro, cuja qualidade é ameaçada
pelos sucessivos cruzamentos consangüíneos. Isso ocorre, por exemplo,
com as linhagens de zebu. O banco de biodiversidade indiano é muito
importante para a pecuária brasileira, pois nele foi preservada a qualidade genética das raças.
[Mahatma Gandhi]
O Brasil já se beneficiou enormemente das riquezas naturais da Índia. As
espécies de bovinos e bubalinos do rebanho brasileiro originaram-se do
6
ANDRÉS, Maria Helena. Op. cit., p.3.
153
Trata-se, entretanto, de comércio clandestino. A importação é feita diretamente ou por meio de outros países, como o Paraguai. Isso não surpreende. Afinal, desde os primórdios a história das relações comerciais
indo-brasileiras foi marcada pela clandestinidade. A regulamentação
desse comércio é necessária para garantir a saúde animal e o controle
sanitário e traria benefícios para os dois países.
A introdução de novas raças indianas no Brasil, especialmente de raças leiteiras, também poderá ser benéfica. Templos e alguns centros de pesquisa
do governo indiano são locais onde se podem obter preciosidades genéticas e espécimes de qualidade. Por causa da necessidade de alimentar os
pobres, existe na Índia gado leiteiro de boa qualidade nos templos.
O triângulo mineiro tornou-se a sede, no Brasil, de difusão do gado indiano – nelore, gir, guzerá – proveniente do estado do Gujarat, próximo
às áreas colonizadas pelos portugueses em Goa, Daman e Diu.
154
A utilização do sêmen bovino indiano no Brasil é parte desse processo
secular da transferência de espécies de um país que soube preservar – a
partir de uma civilização harmonizada com a natureza – seu riquíssimo
banco genético, para outro que reduz rapidamente sua diversidade
genética pela devastação de florestas, depredação da natureza e
extinção de espécies em nome de uma concepção limitada de desenvolvimento.
Nessas circunstâncias, seria oportuno ampliar a base cultural sobre a
qual temos construído valores, estilos de vida e padrões de consumo e
enriquecer nossa matriz de civilização com a contribuição de povos que,
como os indianos, souberam gerenciar e sustentar durante milênios sua
relação com o meio ambiente. Essa civilização milenar dá lições de
ecologia ao mundo ocidental, carente de conhecimentos e vivência
nesse campo.
As relações indo-brasileiras têm sido efetivadas por contrabandistas de
sêmen bovino ou por indivíduos isolados, que ali vão buscar elementos
para fertilizar nossa cultura com valores construtivos. É preciso, agora,
resgatar o pioneirismo dos fazendeiros que há um século perceberam a
semelhança climática e ecológica entre os dois países e ampliar o intercâmbio, tornando-o oficial.
Para que o Brasil possa enriquecer sua história, precisa buscar em outras
histórias e geografias o sêmen capaz de fertilizar sua civilização.
Intercâmbio humano
Se vários foram os intercâmbios entre Índia e Brasil nos reinos mineral e
vegetal, no reino humano eles não se deram com tanta freqüência.
Embora o Brasil seja multicultural e multirracial, não há número expressivo de indianos que vivem no país, diferentemente de outros povos
asiáticos, como chineses, coreanos e japoneses. Do subcontinente indiano, poucos emigraram para o Brasil. Alguns dos profissionais e professores
indianos aqui residentes trabalham com ciências exatas (engenharia,
matemática, física). As universidades de Campinas, de São Paulo, de
Brasília, da Paraíba e institutos de energia atômica, pesquisa espacial
e pesquisa do cacau são instituições para as quais eles se transferiram.
No campo das ciências sociais, não há interação expressiva.
155
Intercâmbio de informações
Ainda há reduzido intercâmbio cultural. Embora mais de 80% dos filmes
mostrados no Brasil sejam estrangeiros e a produção cinematográfica
indiana seja a mais alta do mundo, quase nenhum filme indiano chega
às telas brasileiras. Pouco se divulgam no Brasil as conquistas intelectuais indianas, sua rica literatura, arte e mitologia e sua vasta produção
científica. O acordo de cooperação cultural de 1968 não foi seguido de
um programa de intercâmbio cultural: estudantes de pós-graduação
de universidades indianas que desenvolvem pesquisas sobre o Brasil
e a América Latina não têm oportunidades para viagens e estudos de
campo por falta de canais institucionais livres e facilidades concretas. As
iniciativas para interação cultural partem geralmente de artistas e produtores interessados na civilização indiana, mas são assistemáticas e não
têm apoio governamental.
No campo da saúde, existe grande potencial para cooperação. A Índia
desenvolveu sistemas terapêuticos integrados como a ioga e a medicina
ayurvédica e utiliza o potencial curativo da vegetação tropical para
tratamentos de saúde. Pesquisa sobre satisfação e insatisfação no trabalho, realizada pela Universidade de Manchester em 24 países com 700
administradores e executivos, revelou que os brasileiros estão mal classificados no ranking internacional: 18º lugar. A colocação da Índia foi
boa: 2º lugar. Quanto à saúde mental, a Índia apresenta o melhor
desempenho, e o Brasil está no 17º lugar. Executivos brasileiros sentem
dor de estômago, depressão, ansiedade, insônia, nervosismo e tristeza.
No ranking de satisfação com o trabalho, a Índia está em 4º lugar e o
Brasil em 14º. A pressão pela competitividade no trabalho está na
origem desse estresse e mal-estar.
156
Apesar de algumas missões indianas terem visitado o Brasil para incrementar o comércio, o intercâmbio farmacêutico e a transferência de
tecnologia – e de algumas missões brasileiras na Índia terem buscado
formas de cooperação técnica –, não se desenvolveu ainda qualquer
programa de intercâmbio permanente para comércio e cooperação tecnológica. Há pouco interesse de intercâmbio com a Índia por parte de
organismos oficiais de fomento de pesquisas científicas e tecnológicas,
o que em parte pode ser atribuído à mentalidade colonizada de segmentos da comunidade científica.
Entretanto, algumas experiências isoladas têm sido feitas. No campo da
siderurgia, há experiências de joint venture na fabricação de altos-fornos
pequenos. A empresa siderúrgica brasileira KTS se associou a empresas
indianas exportadoras de minério de ferro interessadas em agregar valor
a seus produtos e à produção, com tecnologia brasileira, abriu portas para
os pequenos empresários indianos ingressarem na metalurgia.
interesse pessoal de profissionais indianos em trabalhar no Brasil. Mas de
um modo geral "não-transferência de tecnologia" poderia ser um nome
adequado para designar a situação.
Intercâmbio comercial
O comércio é uma das principais formas de intercâmbio entre países. O
Brasil importa muito pouco da Índia: menos de 0,0001% do total de suas
importações de mercadorias e consultorias. As relações comerciais que a
Índia mantém com toda a América Latina, por sua vez, são equivalentes
às mantidas com a Bélgica. A movimentação comercial entre Brasil e Índia
foi de 480 milhões de dólares em 2000 e de 411 milhões de dólares até
julho de 2001. Há ainda o comércio indireto, ausente das estatísticas oficiais, que ocorre sobretudo via empresas inglesas e americanas.
Os principais estudos realizados sobre a possibilidade de comércio entre
os dois países foram feitos pelo Instituto Indiano de Comércio Exterior e
são insuficientes para uma compreensão completa do potencial existente.
Entre as principais mercadorias indianas importadas pelo Brasil estão
corantes, pigmentos, material para curtume, goma-laca, algodão, fios
têxteis, tecidos, tapetes, roupa de cama, artigos de ferro, aço, cobre,
alumínio, canela, flor de canela, artigos de couro, marchetaria e madeira,
papel, livros técnicos e científicos, bijuterias, microscópios, dinamômetros, manômetros, bisturis, instrumentos musicais, móveis e manufaturas de marfim, quadros, pinturas e desenhos executados à mão.
Índia e Brasil estão em estágios de desenvolvimento similares no que diz
respeito à ciência e tecnologia, o que facilitaria o intercâmbio e a cooperação. Na Índia, o desenvolvimento tecnológico volta-se para soluções
de baixo custo e para necessidades sociais básicas. Já tem tecnologia de
ponta em pesquisa espacial e nuclear e nas áreas de microeletrônica e
biotecnologia.
Entre as exportações para a Índia, grãos como a soja são as mercadorias
mais importantes, já que a alimentação do povo indiano é vegetariana.
Destacam-se, ainda, fios de seda não acondicionados para venda a varejo, óleo de soja, cera de carnaúba, óleo de laranja, óleo de limão,
extratos vegetais, máquinas e peças, válvulas, lâmpadas, produtos
eletrônicos, material de telecomunicação, tiras e arruelas de ferro e de
aço, soro antipeçonhento.
A Índia tem tomado mais iniciativas do que do Brasil para intensificar as
relações entre os dois países, seja por meio de missões oficiais, seja pelo
Há também um florescente comércio de pedras semipreciosas – ametistas, águas-marinhas, citrinos, esmeraldas e quartzo em bruto – entre a
157
região produtora do Vale do Mucuri (em Minas Gerais) e os joalheiros e
ourives de Jaipur, no Rajastão indiano.
Encontros Índia-Brasil
Pensar cosmicamente, agir local e globalmente.
No campo de produção de petróleo e derivados é grande o potencial
de intercâmbio. O Brasil já exporta atualmente óleo lubrificante para a
Índia. Além disso, a experiência brasileira em plataformas marítimas
poderia ser útil àquele país.
A Índia produz genéricos e matérias-primas de medicamentos e está
interessada no mercado farmacêutico brasileiro, que importa 2 bilhões
de dólares por ano. Outros campos promissores são o do software e tecnologia da informação e programas de educação a distância, bem como
a automação bancária.
158
A falta de informações realistas que um país tem sobre o outro faz com
que os comerciantes recorram a intermediários na Europa ou nos Estados Unidos, muitas vezes imigrantes indianos, que compram as mercadorias a preços baixos e as revendem a preços mais altos para indianos
e brasileiros. Fazer negócios diretamente é um pré-requisito importante
para que o intercâmbio comercial se consolide. 7
Há carência de linhas diretas de transporte entre os dois países e de
relações bancárias. Acordo entre empresas aéreas permitiu redução de
tarifas, o que facilitou o fluxo de passageiros e o comércio de pequenos
produtos com alto valor agregado, como bijuterias e jóias. Entretanto, o
comércio de maior porte – que por seu volume e peso exige transporte
marítimo – ainda não se desenvolveu, pois transbordos realizados em
Nova York e em outros portos atrasam a entrega da mercadoria e a
encarecem. A dificuldade de transporte aéreo ou marítimo alimenta o
círculo vicioso de não haver comércio significativo por não haver transporte, e de não haver transporte por não haver comércio.
7
Em 2002, missão oficial do governo brasileiro à Índia e China, com a participação de empresários
brasileiros, procurou explorar as possibilidades do intercâmbio comercial entre esses três países.
[Maurício Andrés Ribeiro]
A Conferência Eco-92 realizada no Rio de Janeiro contribuiu para
esclarecer os limites do consumo predatório das sociedades ricas: não
existem recursos naturais para sustentá-las indefinidamente. Por
milênios a humanidade viveu com baixo custo energético e ambiental; a
industrialização substituiu esse modelo por um outro que consome
recursos naturais em grande quantidade. Ficou clara nessa conferência a
necessidade de outros modelos de civilização, baseados no consumo
sustentável. O resgate de valores da antiga civilização indiana pode
inspirar essa volta para o futuro.
Nos anos 90 foram realizados no Brasil alguns seminários e encontros
para comparar a situação brasileira e a indiana e apontar perspectivas
para a cooperação. Em 1993 houve dois desses eventos: o Encontro
Índia-Brasil, em Belo Horizonte, e a mesa-redonda – em Águas de São
Pedro (SP), promovida pelo Instituto de Estudos Avançados da USP –
intitulada Política social e liberalização econômica: contrastando as
experiências e estratégias de Brasil e Índia. Em janeiro de 1996, o
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty promoveu
no Rio de Janeiro um seminário que tratou de política e economia internacional e de perspectivas estratégicas para o Brasil e a Índia. Em 1997,
ocorreu a primeira visita de um presidente brasileiro à Índia. E em 1998
Uberaba (MG) sediou, no âmbito das relações entre Índia e Brasil, o
1º Seminário sobre Civilização e Sustentabilidade.
Na organização do Encontro Índia-Brasil em Belo Horizonte observou-se
apoio efetivo por parte de organizações e indivíduos da área cultural e
artística, talvez por já existirem nesse setor iniciativas que divulgam a
arte, mitologia e espiritualidade indiana. Pôde-se também observar
manifestações de ceticismo e de resistência à proposta, especialmente
no segmento acadêmico e científico.
159
O Encontro Índia-Brasil abordou as relações sul-sul, o intercâmbio
empresarial e comercial, o intercâmbio científico e tecnológico, políticas
públicas e administração, intercâmbio na saúde e na educação, intercâmbio cultural e visão prospectiva. O evento contou com contribuições
relevantes de Marco Aurélio Garcia, Jarbas Medeiros, B.K. Jayanti, V.
Tuli, Jacques Marcovitch, entre outros. Foram também arroladas estratégias de caráter mais amplo, que possibilitariam cooperação mais efetiva
entre Índia e Brasil (ver Carta do Encontro Índia-Brasil, no Anexo A).
A visita do presidente brasileiro à Índia foi um sinal da aproximação em
curso entre Índia e Brasil. Há forças de atração e de repulsão. Migração
temporária e permanente, por meio de estudos ou do turismo, viagens
e visitas são indicadores de interesse.
Houve uma conjunção favorável de fatores e parcerias: a universidade é
receptiva a novas iniciativas; a prefeitura acolhe com interesse a ampliação dos intercâmbios que o município já desenvolve há um século com
a Índia, pela importação do gado zebu; a Fundação Peirópolis é de vanguarda e tem visão estratégica de futuro.
Entre as manifestações relevantes do encontro destacaram-se as apresentações do lama Alfredo Aveline e de Marilu Martinelli, além de Lia
Diskin, presidente da Fundação Palas Athena de São Paulo. O encontro
contou ainda com a participação de Vinícius Nobre Lages, Paulo Freire
Vieira, Aspásia Camargo, Ignacy Sachs e a minha própria.
Lia Diskin enfatizou a importância da Índia como civilização milenar
sobrevivente, mas afirmou também que o país não exclui o lado obscuro
e tortuoso de nossa natureza: a contradição, a sombra, a morte, a disjunção, condenadas em outras sociedades e culturas.
Layout de André Borges Lopes
160
Em abril de 1998 teve lugar em Uberaba outro evento em que foram
estudadas as possibilidades de intercâmbio entre o Brasil e a Índia: o 1º
Seminário sobre Civilização e Sustentabilidade. Foi uma semana de programação acadêmica e de eventos culturais realizados na Universidade
de Uberaba e na Fundação Peirópolis.
Cartaz do Encontro Índia-Brasil
Apresentei no encontro os indicadores sociais de desigualdade e de violência que atestam o acerto de políticas públicas indianas nos cinqüenta
anos após a independência do país, ocorrida em 1947, e caracterizei a
Índia como civilização sustentável, entre muitas outras de duração mais
efêmera.
Ignacy Sachs, socioeconomista da Escola de Altos Estudos em Ciências
Sociais de Paris, com doutorado na Índia e então diretor do Centro de
Estudos do Brasil Contemporâneo, proferiu a conferência Brasil e Índia:
duas baleias à procura da terceira beira do rio. Ressaltou que esses países
podem criar a civilização moderna do trópico, por causa de sua capacidade de produzir biomassa e de utilizá-la a partir de recursos da ciência.
Sugeriu-se ao fim do evento a criação do Centro de Estudos e Pesquisas
Indo-Brasileiras em Uberaba, que deverá tornar disponível bibliografia
especializada aos interessados, facilitar o acesso ao conhecimento e
estimular o intercâmbio acadêmico e universitário entre os dois países.
162
INDIANIZAR O BRASIL E ABRASILEIRAR A ÍNDIA:
PERSPECTIVAS DE COOPERAÇÃO
Tudo o que eleva converge.
[Pierre Teilhard de Chardin]
As culturas indiana e brasileira podem estabelecer relações entre si,
reforçando-se mutuamente. Da cultura indiana o Brasil pode absorver
ensinamentos e sabedoria, e da cultura brasileira a Índia pode absorver a vitalidade de uma nação jovem. Será proveitoso deflagrar um
esforço consciente para entender os pressupostos daquela civilização e
explicitar os nossos.
O incremento das relações com a Índia contrabalançaria nossas relações
com a Europa e os Estados Unidos. No Brasil ainda hoje é dominante
a influência da tradição ocidental judaico-cristã, que subjugou os índios e as sociedades pré-colombianas. Poderíamos aprender com a
“antropofagia” indiana, que soube absorver em sua civilização milenar
o impacto da colonização européia e de outras invasões.
Alguns valores da civilização indiana seriam bastante salutares ao Brasil,
se incorporados à nossa cultura:
1. A Índia desenvolveu tolerância a diferenças, ao acomodar em seu território, durante milênios, imigrantes e descendentes de arianos e drávidas, maometanos e gregos, europeus de Portugal, França, Inglaterra. Há
unidade de princípios dentro da diversidade étnica, em um país de alta
densidade populacional.
2. A Índia forjou e aplicou o princípio da não-violência. Presente nos
Vedas, antigos textos sagrados, tal princípio foi atualizado pelo budismo
e aplicado às relações com a natureza. A aplicação desse mesmo princípio serviu para que Mahatma Gandhi tivesse sucesso na luta pela independência. A aplicação desse princípio unificador poderia reduzir a
iniqüidade e a violência que imperam no cotidiano brasileiro, perpetrada especialmente contra outras espécies da natureza e contra os mais
fracos, as crianças, os índios, os pobres, os doentes e os idosos.
3. Princípios budistas e gandhianos podem ser chaves conceituais para o
desenvolvimento sustentável e ecologicamente prudente. A noção de
fideicomisso (trusteeship em inglês), por exemplo, considera os proprietários como guardiões ou zeladores de patrimônio coletivo. Sua riqueza tem um fim social de interesse coletivo, não se prestando apenas à
auto-satisfação. A simplicidade no estilo de vida e o não-consumismo
são pilares da economia ecológica de tradição budista.
4. O conceito indiano de dharma – que enfatiza a responsabilidade e o
cumprimento do que o destino reserva a cada um – tem efeitos benéficos na formação ética da população. Um governo baseado nesse conceito, a 'dharmacracia', seria superior à democracia, pois esta última
enfatiza os direitos individuais, esquecendo-se por vezes das responsabilidades de cada um. A própria palavra sânscrita dharma significa
sustentar. O cumprimento do dharma é importante para que se possa
atingir a necessária civilização sustentável.
5. A Índia independente tem conseguido aos poucos reduzir as desigualdades entre pobres e ricos, o que amplia as perspectivas de ascensão
social dos cidadãos e contribui para a redução da violência. No Brasil, a
163
grande mobilidade social e os intensos fluxos migratórios levam a uma
rápida mudança de posições dos indivíduos na sociedade.
– simplificar os requisitos burocráticos e administrativos no
processo de concessão de bolsas de estudo;
– ressaltar para os responsáveis o papel dos órgãos8 que concedem bolsas de estudo na aproximação entre os países;
– divulgar os programas de intercâmbio existentes9;
– criar oportunidades de trabalho, no Brasil, para profissionais
indianos;
– preservar os cursos de língua portuguesa na Índia10;
– criar facilidades para os departamentos universitários e instituições culturais cujos estudos levem a maior intercâmbio
latino-americano/asiático11.
Cinco séculos após o impulso dado à globalização pelas grandes viagens de descobrimento, é necessário retomar o caminho das Índias e
promover o encontro entre Brasil e Índia. As tecnologias modernas de
comunicação e transporte, a telefonia, internet, correio eletrônico, facilitam a retomada do caminho das Índias empreendido no início do século XX por fazendeiros de Uberaba e mais tarde, ainda naquele século,
por comerciantes, artistas e místicos.
Terá resultados positivos a adoção de medidas sistemáticas para que
Brasil e Índia passem a se considerar aliados e comecem a colaborar efetivamente entre si. No âmbito internacional, é preciso que as Nações
Unidas e suas agências dediquem efetiva atenção e recursos para facilitar a cooperação sul-sul e que, no âmbito nacional, os governos do Brasil
e da Índia priorizem as relações entre os dois países.
164
Há várias formas possíveis de intercâmbio entre Índia e Brasil: o intercâmbio humano, o intercâmbio de informação e a troca de bens e de
mercadorias.
Intercâmbio humano
O intercâmbio humano poderia ser incrementado se o número de bolsas de estudo de um país para estudantes do outro aumentasse e se
professores e consultores de um país fossem contratados no outro. A
maior vantagem desse tipo de intercâmbio é que ele não envolve
transporte ou infra-estrutura especiais, somente recursos humanos.
Esse intercâmbio só será estabelecido se governo, sociedade e empresas
dos dois países criarem possibilidades para que os jovens indianos e
brasileiros possam freqüentar, reciprocamente, universidades, centros de
estudos e de pesquisas dos dois países. Bolsas devem ser criadas e as já
existentes, divulgadas; novos programas, formulados para atender às
necessidades específicas desse intercâmbio.
Intercâmbio de informações
Para o intercâmbio de informações, seria necessária a criação de programas de cooperação cultural, técnica e científica. As embaixadas, se
bem equipadas, podem apoiar o processo: coletar e divulgar informação
sobre o outro país; promover traduções, publicações, feiras culturais, intercâmbio de missões técnicas, de filmes, de jornalistas e comunicadores.
A imprensa tem papel relevante na transmissão de informações. Deveria
ser intensificada a veiculação de programas sobre aspectos pouco conhecidos dos dois países. Maior presença da Índia na comunicação de massa
brasileira (e vice-versa) ajudaria a criar condições para uma cooperação
duradoura. Para tanto, seria fundamental o papel da iniciativa privada.
Mas talvez o mais importante para o intercâmbio de informações seja o
intercâmbio humano descrito no item anterior. Bastaria uma média anual
de dez estudantes com bolsas de estudo em várias áreas – das artes à
8
Entre eles, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes).
9
Há programas do Ministério da Educação e do Conselho Indiano de Relações Culturais (ICCR).
10
Para incrementar o intercâmbio humano entre Índia e Brasil, algumas
medidas de caráter institucional poderiam ajudar:
É o caso da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), em Nova Délhi, e do Colégio São Francisco
Xavier, em Mumbai.
11
Algumas delas seriam a Escola de Estudos Espanhóis, da JNU, em Nova Délhi, e o Centro de
Estudos Afro-asiáticos, da Faculdade Cândido Mendes, no Rio.
165
economia, das ciências exatas à literatura, da administração pública aos
estudos ambientais – para que em quinze anos o manancial de informações coletadas alimentasse o Brasil com os melhores elementos daquela
civilização. Outra medida efetiva seria a promoção de encontros – presenciais e virtuais – entre brasileiros que já tenham estudado e morado na
Índia e indianos que já tenham estudado no Brasil ou para cá imigrado.
Estimular estudos sobre a Índia contemporânea em universidades brasileiras e sobre o Brasil em universidades indianas ou estudar compa-rativamente Índia e Brasil também seriam estratégias desejáveis para promover sua cooperação. O estudo comparativo de alguns temas seria
particularmente proveitoso nas seguintes áreas:
166
a) ciências sociais:
– colonização portuguesa12;
– desenvolvimento das religiões;
– desenvolvimento institucional, papel de agências voluntárias;
– assuntos internacionais e política externa;
– políticas nacionais setoriais;
– políticas públicas;
– estilos de administração pública;
b) economia
– estratégias para o desenvolvimento econômico nos últimos
cinqüenta anos;
– relações com corporações multinacionais;
– artesanato e indústria de pequena escala;
– complementaridades entre as duas economias;
– novas possibilidades de intercâmbio comercial13;
– sistemas de crédito, bancos rurais e cooperativas;
c) ciência, tecnologia e meio ambiente:
– florestas, meteorologia, recursos hídricos e irrigação;
– fontes de energia alternativas;
12
13
A pesquisa histórica poderia ser feita nos arquivos de Goa.
A Federation of Indian Chambers of Commerce and Industry (FICCI) e o Indian Institute of
Foreign Trade (IIFT) poderiam fornecer dados para esse estudo.
– agricultura, fertilizantes, café, pecuária;
– tecnologia de construção;
– tecnologia de alimentos;
– tecnologia farmacêutica;
– tecnologia para desenvolvimento de software;
– tecnologia espacial e aeronáutica;
– tecnologia educacional;
– tecnologia têxtil;
– tecnologia para fabrico de papel;
– construção de estradas-de-ferro;
– ourivesaria e artesanato;
– políticas para o hábitat e o meio ambiente;
– políticas para o transporte público em grandes cidades;
– sistemas financeiros para o desenvolvimento urbano;
– estratégias para desenvolvimento urbano;
– estratégias para desenvolvimento rural;
– políticas regionais;
– políticas de comunicação, especialmente comunicação de massa.
Intercâmbio comercial
O incremento de relações de comércio demanda estudo de complementaridades econômicas, conhecimento detalhado dos fornecedores desses bens, comparação de custos com outras alternativas e facilidade
de créditos. A Índia poderia oferecer, a preços menores, muitos produtos que o Brasil importa atualmente.
É necessário desburocratizar os procedimentos para iniciativas do setor
privado e de entidades não-governamentais que visem ao intercâmbio
e à cooperação indo-brasileiras. Também seria importante o estímulo
governamental à criação de laços e de joint ventures entre empresas
indianas e brasileiras.
Há numerosas áreas ainda não exploradas. Se aos governos cabe importante papel na intensificação do intercâmbio comercial, também são
fundamentais as iniciativas empresariais e privadas que acelerem esse
processo.
167
BRASIL E ÍNDIA: BASES PARA A CIVILIZAÇÃO DO FUTURO
Potencial do Brasil na política mundial das civilizações
e novas linhas de cooperação
Estamos na luta para florescer amanhã como
uma nova civilização, mestiça e tropical,
orgulhosa de si mesma.
[Darcy Ribeiro]
168
Para o cientista político norte-americano Samuel Huntington, o futuro
será moldado pelas interações entre as principais civilizações: ocidental,
confuciana (China), japonesa, islâmica, hindu (Índia), eslavo-ortodoxa
(Rússia), latino-americana e africana. As relações entre elas são mais
conflituosas ou menos conflituosas, conforme mostra a figura abaixo.14
Destaque-se o fato de a civilização latino-americana relacionar-se apenas com a ocidental do Atlântico norte (América do Norte e Europa) e
não ter qualquer vínculo significativo com as demais. Se a América
Latina mantém relações preponderantes com o Atlântico Norte, o caminho está aberto para intensificar relações de cooperação com as demais
civilizações.
Política mundial das civilizações: alinhamentos emergentes
Ortodoxa
(Rússia)
Japonesa
Africana
Islâmica
Ocidente
Latino-Americana
Hindu
(Índia)
Mais conflituosa
14
Sínica
(China)
Ortodoxa
(Rússia)
Japonesa
Africana
Islâmica
Ocidente
LatinoAmericana
Brasileira
Mais conflituosa
Hindu
(Índia)
Menos conflituosa
Sínica
(China)
Cooperativa potencial
169
Na figura acima, introduzi a civilização brasileira como um mundo diferenciado na América Latina, que pode ser considerado uma das civilizações mundiais. As linhas entre essa civilização e as demais mostram as
possibilidades de cooperação entre elas, especialmente com a indiana.
Assim como o planeta Terra está na periferia da Via Láctea, Brasil e Índia
estão na periferia do sistema político e econômico mundial. Estamos,
portanto, na periferia da periferia. Ao assumir a condição de ser periférico, reconhecemos a necessidade de investimento em infra-estrutura
de transporte e comunicação como força centrípeta capaz de conectar as periferias. Tal conexão fortalecerá a multipolaridade. Essa linha de
cooperação entre as civilizações indiana e brasileira ajudará a diversificar
as relações internacionais do Brasil e a promover um distanciamento
crítico no que se refere à matriz ocidental.
Menos conflituosa
Ver HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial, p. 310.
Nesse quadro, qual será o papel da 'civilização brasileira' em formação?
Temos recursos naturais renováveis, grandes espaços, tolerância à diversidade, tolerância étnica, disposição para uma cultura holística voltada
para a paz. Essas qualidades poderão ser úteis não só na criação de uma
civilização tropical diferenciada na América Latina, mas também na construção de uma nova civilização para o Terceiro Milênio.
Culturas indígenas sustentáveis e referências externas de sociedades
milenares podem ser fontes de valores, informações, conhecimento e
sabedoria essenciais para criar uma base sólida para a civilização ecológica e socialmente sustentável do futuro, que poderia substituir o atual
modelo, insustentável; se isso não se efetivar, a espécie humana poderá
ter uma trajetória curta sobre a Terra.
O Ganges, rio sagrado em Benares (Varanasi)
Hotel do Lago Pichola, antiga residência dos governantes de Udaipur, Rajastão
PARTE III
PELA UNIDADE NA DIVERSIDADE EM
ESCALA GLOBAL
A idade das nações já passou. A tarefa diante de nós, agora,
se devemos sobreviver, é a de construir o planeta.
[Pierre Teilhard de Chardin]
MEGAECOLOGIA E SUBJETIVIDADE1
Sonhei que, no século XXI a ‘dharmacracia’2 e o respeito às espécies
unidas substituíram a democracia e a organização das nações unidas que
haviam prevalecido no século XX.
A transição foi um processo de aprendizagem, em aproximações sucessivas, por tentativa e erros, que ocorrem cada vez com menor freqüência à medida que se domina a ecologia interior e pessoal. A psicologia,
o autoconhecimento e a auto-realização avançaram muito durante a era
subjetiva, que se instaurou a partir do Terceiro Milênio. A crise pela qual
passou a humanidade não foi apenas econômica, política ou civilizatória:
houve uma crise da evolução humana que levou a mutações na espécie.
Meditação de raja ioga, Universidade Espiritual Brahma Kumaris, Mount Abu, Rajastão
Desenvolveu-se uma psicologia refinada, que enfatizou não apenas a
segurança, a sensualidade ou o poder, mas também outros valores relacionados aos demais centros de energia do corpo humano. O desenvolvimento da inteligência espiritual e da tecnologia das emoções permitiu
explorar a fundo o universo interior do homem, ainda pouco conhecido.
1
2
Adaptado de RIBEIRO, Maurício. Ecologizar.
Uma democracia pode ser ‘dharmacrática’ quando, além de valorizar os direitos humanos, propõe
uma conduta ética na vida individual e social. Cf. item Dharma e política: ‘dharmacracia’, na parte
I deste livro. ‘Dharmacracy’ tem nove referências no site de pesquisa Google, na internet.
175
Isso foi fundamental para a harmonia ecológica, pois constatou-se que
uma das raízes do consumismo, da pressão sobre os recursos naturais
e da deterioração da biosfera se encontrava nos fatores subjetivos,
destacando-se o apego àquilo que dá prazer.3 Esse entendimento abriu
caminho para efetivas mudanças de comportamento, superando o
ambientalismo meramente racional e intelectual que dominou durante
certo período, alimentado pelo aumento de informação científica. A
crescente disputa pelo acesso e apropriação dos bens vitais da natureza
exigiu o desenvolvimento de tecnologias e processos para prevenir e
mediar conflitos de forma não violenta.
"Se queres a paz, prepara-te para a paz" substituiu o antigo lema guerreiro. A educação para a paz tornou-se tema relevante nos meios de
comunicação e nos sistemas formais de educação, abrangendo tanto
a paz politicamente construída, como a paz interpessoal e a paz com a
natureza. Para alcançar a paz exterior ambiental e social, foi necessário
desenvolver a paz consigo mesmo.
176
Tornar o respeito ao meio ambiente um valor cultural, transformando a
vida cotidiana, exigiu esforço e paciência. Estimularam-se a diversidade
psicológica, social e cultural e a tolerância para com as diferenças. O
princípio da não-violência foi amplamente aplicado, e o espaço e a
sociedade foram organizados de forma nova.
Os fundamentos materiais da espiritualidade foram testados e deu-se
muita atenção a atos elementares, como respirar ou alimentar-se corretamente. O vegetarianismo tornou-se um hábito predominante, que
influenciou beneficamente a bioquímica do corpo humano e reduziu a
devastação florestal: não havia mais necessidade de desmatar para abrir
áreas destinadas à pecuária extensiva. Ampliou-se, assim, o princípio da
não-violência ao mundo vegetal e animal.
Procurou-se remover os obstáculos do ego contrários à realização do
princípio da fraternidade, que deixou de ser apenas um ideal levantado
3
Cf. WEIL, Pierre. A neurose do paraíso perdido. O apego gera o medo da perda, que provoca o
estresse e as doenças.
por movimentos religiosos, para se tornar parte integrante do ideário
político. A ética e o respeito ao meio ambiente abriram caminho para
que o princípio da fraternidade se tornasse elemento central da concepção de desenvolvimento social e político global, resgatando a unidade da humanidade, sem desconhecer seu caráter plural. A arquitetura
e a engenharia da fraternidade e da paz ajudaram a colocar em prática
esses princípios caros ao campo da espiritualidade.
Ameaças externas, de origem cósmica, somadas a perigos para a vida,
provenientes de desequilíbrios climáticos e ambientais, serviram para
fortalecer a união planetária e impulsionar a consolidação da Federação
da Terra, a partir de movimentos independentes que se multiplicaram há
mais de um século. A expansão da consciência de respeito ao meio
ambiente foi a gota d'água que veio somar-se ao movimento pela unificação política da espécie humana e que catalisou sua concretização. Isso
porque os custos ambientais de um mundo dominado pela destrutividade da guerra e do terror se tornaram muito altos.
177
A primeira Constituição planetária afirmava que "a humanidade é una,
apesar da existência de diversas nações, credos, ideologias e culturas"4
e que "o princípio da unidade na diversidade é a base para uma nova
era, na qual a guerra será banida e a paz prevalecerá". O processo de
ratificação da constituição mundial foi mais voluntário do que compulsório, a ele aderindo gradualmente os governos nacionais e locais. As
agências da antiga ONU foram convidadas a se integrar ao governo
mundial. A luta por maior autonomia de comunidades locais tornou-se
complementar a esse superpoder hegemônico, e foi preciso muito esforço para conceber e construir um sistema que reduzisse o risco de uma
tirania planetária burocratizada e tecnocrática. O parlamento mundial
discutiu a formação de um ministério de relações exteriores voltado para contatos interplanetários.
4
Texto extraído da Constituição para a federação do planeta Terra, publicada pela Fundação
Cidade da Paz, Brasília, 1992. A versão original, em inglês, foi publicada por Auropress, Auroville,
Índia, 1977.
A unificação política mundial resultou da evidência de que, se isso
não ocorresse, haveria perigo para a liberdade das pequenas nações
e também insegurança permanente para as nações poderosas.
Estudaram-se as opções possíveis – um império mundial e uma confederação de nações. Tendo sido avaliados todos os obstáculos para
a unidade internacional, optou-se por uma federação livre de nações,
porque teria maiores chances de existência duradoura. A globalização
incompleta do século XX, que atraiu muitos críticos e movimentos
sociais antiglobalização por causa de seus efeitos perversos e concentradores de riqueza, evoluiu para uma hiperglobalização holística,
fundada nos valores do dharma.
178
A guerra e o terror se tornaram psicologicamente impossíveis, tendo sido
banidos definitivamente como meios para resolver conflitos. Antes que
essa consciência se fixasse, dilapidaram-se muitos recursos econômicos
e naturais. Resolver conflitos de forma violenta passou a constituir um
novo tabu. Essa rejeição social à violência é tática de sobrevivência coletiva. Todas as armas de destruição em massa foram destruídas pela
Agência para o Desarmamento Mundial, que se encarregou de realizar
essa tarefa pacifista.
Os dividendos da paz, liberados pelo fim das guerras e do terrorismo,
foram aplicados no desenvolvimento ambiental e no design ecológico da
Terra. Foi a solução para sanar a degradação e desertificação em larga
escala, resultantes do período de crescimento material acelerado que se
seguiu à Revolução Industrial.
Grande parte dos avanços na ciência e na exploração do cosmos não
poderiam ter ocorrido sem a evolução correspondente na microecologia de cada ser. O materialismo e o pós-materialismo do século XX evoluíram para o neo-espiritualismo do século XXI, quando se constatou
a fragilidade da vida diante das ameaças ambientais que o planeta
enfrentava. À inteligência abstrata sucedeu-se a consciência sobre outras formas de inteligência, entre elas a emocional e a espiritual.
Foi necessário passar pela sensação de que a vida humana e a civilização estiveram à beira da barbárie, involução e auto-extinção para
desenvolver essa consciência. De fato, houve uma época em que os
riscos à segurança se avolumaram, na forma de desequilíbrios climáticos
e ambientais, com a destruição da camada de ozônio e o efeito estufa.
Como se não bastasse, a humanidade tomou um susto. A ameaça de
colisão de um corpo celeste que se aproximou perigosamente do planeta trouxe a consciência do cosmos, de suas escalas espaciais, seus
ciclos e revoluções. Os desequilíbrios climáticos e ambientais causados
pela interferência magnética então produzida provocaram mudanças
na aptidão agrícola de regiões, na produção de alimentos, no abastecimento de água e energia. Os sistemas de telecomunicação sofreram
interferências, os satélites se deslocaram de suas órbitas e isso afetou
negativamente a economia da Terra.
Essa emergência, superada por meio da criatividade e de iniciativas
locais, mostrou a necessidade de sistemas de alerta e levou à realização
de um esforço conjunto para repor os sistemas de telecomunicação, que
se tornaram imprescindíveis para a sobrevivência da humanidade. O
quase acidente provocou condições climáticas desfavoráveis, que por
sua vez prejudicaram a produção de alimentos. A fome se alastrou em
algumas áreas. Os refugiados ambientais se multiplicaram, obrigando a humanidade a adotar um novo sentido de solidariedade. O papel
pedagógico do susto e da catástrofe mostrou mais uma vez sua
importância.
Tornaram-se imperativas a auto-ajuda, a auto-organização e a autoconstrução, pelos cidadãos, de seu micro-hábitat e macro-hábitat. O desenvolvimento da confiança mútua foi impulsionado por esse episódio
que acelerou a unificação política, econômica e administrativa de
toda a humanidade.
O antigo conceito de segurança por meio da defesa militar mostrou-se
uma ilusão total para o presente e o futuro. O investimento para a
segurança se desmilitarizou e passou a cuidar mais do meio ambiente.
Os recursos destinados ao setor foram aplicados na prevenção de
catástrofes como a que quase ocorrera e no combate aos efeitos dos
desequilíbrios ambientais.
179
CIVILIZAÇÕES E SUSTENTABILIDADE
A civilização, no verdadeiro sentido da palavra, não consiste
em multiplicar nossas necessidades, mas em reduzi-las
voluntariamente, deliberadamente.
Crescimento, apogeu e declínio são partes da evolução das civilizações:
a egípcia, que se iniciou mais de três mil anos antes de Cristo, atingiu
seu apogeu no primeiro milênio antes de Cristo e declinou até o início
de nossa era; a grega, importante matriz da civilização ocidental, teve
seu apogeu no século V antes de Cristo.
[Mahatma Gandhi]
O contato entre diferentes civilizações é o grande processo que vivemos
neste início de milênio. Em alguns casos, facilitado pelo desenvolvimento da ciência e das comunicações, esse encontro tem promovido mútua
fertilização. Trocas culturais, mudanças de valores e comportamentos,
transformações nos estilos de vida e aprendizagem são alguns de seus
frutos. Em outros casos essa interação não tem sido pacífica, produzindo confrontos.
180
A civilização ocidental de base industrial se tornou dominante em todo
o mundo. Exibiu, nas últimas décadas, indicadores ascendentes, como
crescimento exponencial da população, duração média de vida, consumo de energia, demanda de alimentos, invenções e descobertas,
desenvolvimento de serviços de comunicação. Tudo isso poderia se manter indefinidamente se vivêssemos em um planeta com recursos infinitos
e com ilimitada capacidade de suportar os subprodutos e rejeitos da
transformação industrial dos recursos naturais.
Mas não é bem assim. Para o século XXI, estima-se o declínio das reservas petrolíferas, o que demandará ajustes, queda no consumo e inflexões radicais, sob pena de colapso do sistema econômico, social e
político. A capacidade de encontrar substitutos para essa fonte de energia, de reduzir desperdícios e promover a conservação desse recurso
estratégico será crucial para dar sobrevida à civilização pós-industrial.5
Assim como a Idade da Pedra não terminou por falta de pedras, também a era do petróleo não deverá findar por falta de petróleo, mas sim
pelas conseqüências ambientais nefastas da exploração e uso desse
recurso natural.
5
Sobre essa etapa, cf. MASI, Domenico. O ócio criativo.
Houve civilizações sustentáveis na história do homem. Algumas civilizações orientais tiveram a capacidade de perdurar desde a Antigüidade
mais remota, muitos milênios antes de Cristo, e de suportar sucessivas
ondas de influências e de invasões externas. Nutriram-se e fortaleceram-se
com a energia dessa dinâmica.
Os princípios que permitiram a longevidade dessas civilizações incluem
noções úteis para a civilização sustentável do futuro. Entre eles, há os
que embasam comportamentos de pouco impacto no meio ambiente.
Esses princípios são contrários a tudo o que causa sofrimento ao homem
e à natureza. A dinâmica da ascensão e queda das civilizações depende,
entre outras condições, de sua capacidade de relacionar-se de forma
sustentável com o meio ambiente.
A Ásia é um continente fértil em exemplos, como a civilização chinesa e
a indiana. Esta última tem sido capaz de auto-sustentar-se há mais de
cinco mil anos, com fases de relativo declínio e de relativo apogeu, em
função dos ciclos sucessivos de influências, com as migrações de vários
povos e as invasões de seu território.
Nas civilizações egípcia ou grega, há deuses mortos, esfinges, pirâmides,
acrópole, Zeus, Hera, Afrodite. Há ruínas hoje visitadas como atração
turística que retratam a grandeza do passado daquelas sociedades. Na
Índia, deuses milenares são cultuados no século XXI, e templos construídos há milhares de anos são freqüentados até hoje e utilizados com sua
função religiosa original.
Fritjof Capra elaborou um gráfico sobre a ascensão, o apogeu e o
declínio das diferentes civilizações e sobre a era do combustível fóssil.6
6
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação, p.28.
181
Desenhei sobre ele, como mostra a figura abaixo, uma linha ondulada
que representa a civilização indiana. A linha atravessa milênios, com
períodos de ascensão e declínio, e é sempre contínua.
Era do combustível fóssil no contexto da evolução cultural
Civilização egípcia
Civilização helênica
a.C
d.C
Era do combustível fóssil
ÍNDIA
3000
2000
1000
1000
2000
182
Como já analisado nas partes I e II deste livro, olhar para a Índia, tendo
como espelho seus problemas e as formas como lidou com eles, pode
ser uma valiosa aprendizagem para o futuro. Afinal, aquela civilização,
entre todas as que existiram, foi a que mais soube ser sustentável em sua
relação com o ambiente natural, forjando estilos de vida e padrões de
consumo com baixa pressão sobre o meio ambiente. Soube também ser
sustentável em sua relação com outras culturas, por meio da capacidade
de suportar invasões, de não se deixar destruir ou oprimir por outros
povos. Ela absorveu, recebeu, metabolizou influências e as devolveu
transformadas ao mundo. Soube, ainda, desenvolver uma tecnologia
das emoções para lidar com o equilíbrio físico, emocional, mental e corporal dos seres humanos.
A característica central do desenvolvimento sustentável é sua capacidade de perdurar ao longo do tempo, mantendo um padrão de vida
adequado. Para que uma forma de vida social seja sustentável, é preciso
que a taxa de utilização dos recursos seja no mínimo igual à de reposição
ou geração de substitutos para esses recursos. Da mesma forma, a taxa
de emissão de efluentes tem que ser no máximo igual à taxa de regeneração do meio ambiente. Se essas condições não forem alcançadas,
haverá crescente deterioração ambiental e diminuição da base de
recursos. A apropriação utilitária, social e econômica da natureza leva
a considerá-la como depositária de recursos naturais, conhecidos ou
reconhecidos, manejados de forma sustentável, conservados, recuperados, reabilitados ou restaurados, preservados ou protegidos, extraídos e transformados, consumidos, subutilizados ou sobreutilizados,
desperdiçados, mal-utilizados, exauridos ou esgotados. Em contextos
sociais contemporâneos, a visão utilitária e imediatista tem produzido
sua exaustão; em outras sociedades, como a indiana, os recursos naturais foram sacralizados, protegidos, conservados.
A sustentabilidade depende também da base cultural, fundada em
padrões de consumo e estilos de vida globalmente perduráveis. Tal não
ocorre com o modelo de desenvolvimento dos países ocidentais industrializados, que, se adotado por toda a humanidade, levaria à exaustão
dos recursos naturais. Atualmente, os 25% mais ricos da população
mundial consomem 80% dos recursos; existem 158 bilionários, 2 milhões de milionários e 1,1 bilhão de pessoas miseráveis que vivem com
menos de um dólar por dia.7 Por essas características, ela foi questionada de forma aguda por Sri Aurobindo: “A sociedade ocidental científica, racionalista, industrial, pseudodemocrática, está em processo de
dissolução e seria, para nós, um absurdo lunático, neste momento,
construir cegamente sobre essa base que está afundando.”8.
Uma das qualidades da civilização ocidental é a sua capacidade de
reflexão e autocrítica, que tem levado à procura crescente de outras
matrizes valorativas, como a dos povos indígenas ou a de antigas civilizações orientais. Se for capaz de identificar e de buscar valores que
7
Sobre a plutocracia no mundo, Cf. SAHTOURIS, Elisabet. EarthDance; living systems in evolution.
Ver também www.ratical.com/lifeweb.
8
AUROBINDO, Sri. Complete works, v.17, p.196.
183
possam transcender o materialismo utilitarista e imediatista – e a civilização indiana oferece esses valores –, poderá aumentar suas chances
de sobreviver. Como propõe Ignacy Sachs, é necessária uma nova civilização do ser, onde haja nova repartição do haver.
FRATERNIDADE AINDA QUE TARDE
O nacionalismo não é o conceito mais elevado, a
comunidade mundial é o conceito mais elevado.
Eu não gostaria de viver nesse mundo se ele não se
tornasse um mundo unido. O nosso objetivo é o mundo único;
temos que trabalhar por ele e pela fraternidade humana.
[Mahatma Gandhi]
184
A origem da palavra ‘fraternidade’ é a mesma de ‘fratura’ e ‘fragmentação’: o latim frater designa aquilo que se partiu de um todo, mas que
compartilha a mesma origem. Nas ciências sociais, definem-se vários
tipos de fraternidade: social, profissional e religiosa. Dicionários de política contemporânea, que dedicam extensos verbetes a ‘liberdade’ e a
‘igualdade’, fazem silêncio sobre o ideal da fraternidade, neles tratada
como utopia irrealizável, que não se traduziu em termos jurídicos ou em
normas políticas.
A fraternidade foi esquecida na política e transferida para o domínio das
tradições espirituais, que falam em seus textos sagrados das relações
conflituosas entre irmãos e parentes – Caim e Abel na tradição cristã, os
Pandavas e Kauravas no épico Mahabharata da tradição hindu.9 Ao
desvincular-se do pensamento religioso, a ciência moderna também
relegou a fraternidade ao domínio das tradições espirituais, onde é
definida como amor universal.
O Mahabharata narra a batalha travada no campo de Kurukshetra, entre duas famílias de primos:
os Pandavas e os Kauravas. A Bhagavad Gita, texto clássico da literatura e parte desse épico,
descreve um diálogo entre Krishna (a divindade) e Arjuna (o guerreiro). Cf. Bhagavad Gita; canção
do Divino Mestre.
Em 1789, a Revolução Francesa derrubava a monarquia e proclamava os
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Os duzentos anos desde então tomaram como ideais a liberdade e a igualdade, embora apenas imperfeitamente alcançados. O regime republicano ocupou espaço,
e consolidaram-se os Estados-Nação. Nesse período, a valorização da liberdade não raro se concretizou em detrimento da igualdade. Onde esta
foi privilegiada, sacrificou-se a liberdade.
Quando foi preciso legitimar os estados-nação independentes e a soberania nacional para superar o colonialismo, não interessava afirmar a
fraternidade. Predominou a defesa da segurança por meio do militarismo, a legitimação das guerras entre nações e, internamente aos países,
a competição econômica e as relações de dominação entre as classes
sociais; não havia espaço para a solidariedade.
Ocorre, entretanto, que os estados-nação têm dificuldades para se distanciar de seus estreitos interesses nacionais e estão sendo postos à
prova. São "monstros paranóides incontroláveis, especialmente quando
submetidos a situação de pressão"10, nas palavras do sociólogo Edgar
Morin, “pequenos demais para pensar globalmente e grandes demais
para agir localmente”, nas palavras de Fritjof Capra. Egos nacionais
inflados impedem práticas de compartilhamento e de solidariedade, já
que, "para o ego, falar de fraternidade é falar de algo contrário à sua
própria natureza"11.
O pensamento científico ocidental e a razão iluminista do século XIX, particularmente nas Ciências Humanas e Sociais, esvaziaram a idéia cosmopolita de fraternidade, à medida que, para além dos três princípios da
Revolução Francesa, valorizaram ou legitimaram efetivamente a soberania
nacional e estados-nação independentes. Esses valores implicaram a proteção de interesses nacionais, naquilo que se convencionou definir como
defesa de sua segurança e, freqüentemente, em guerras entre as nações.
9
10
MORIN, Edgar. O Grande Projeto. Revista Análise e Conjuntura, p.23.
11
AUROBINDO, Sri. Complete works, v.15, p.546.
185
A recuperação do conceito de fraternidade pela ciência e pela política
contemporânea se faz impulsionada pelo tema da ecologia, que reintroduz a visão física da unidade da biosfera, revaloriza a visão humanística
que integra a raça humana nos ecossistemas e no ambiente natural e
procura superar a fragmentação e a separatividade.12
Duzentos anos após a Revolução Francesa, a consciência da importância do meio ambiente resgata o ideal da fraternidade e o define como
prioridade do século XXI. A percepção da unidade da biosfera e a perspectiva humanística que integra nossa espécie à natureza abrem caminho para reintegrar o princípio da fraternidade como elemento central
da concepção de desenvolvimento político e social. Abrem caminho para
recuperar a unidade da humanidade, sem desconhecer sua diversidade
e seu caráter plural, dados pelas diferentes culturas regionais ou nacionais.
186
dificuldades no caminho em direção à unidade internacional; tratou
também dos princípios para uma confederação livre de nações e as
condições necessárias para que ocorresse tal união mundial livre. O tema
da guerra e da autodeterminação dos povos é abordado no terceiro livro
dos pensamentos políticos e sociais que integram sua obra completa,
editada em trinta volumes por ocasião do centenário de seu nascimento, em 1972.
Sri Aurobindo chamou a atenção para o papel crucial do terceiro dos
grandes princípios proclamados pela Revolução Francesa, a fraternidade. "A fraternidade é a chave para o triplo evangelho da idéia de
‘humanidade’. A união de liberdade com igualdade só pode ser alcançada pelo poder da fraternidade humana e não pode ser fundada em qualquer outra coisa."13
Pensadores do Oriente e do Ocidente enfatizam a importância da fraternidade para a vida humana no planeta. A fragmentação da ex-União
Soviética e as forças separatistas em vários países confirmaram Sri Aurobindo, quando este ressaltava a necessidade de aperfeiçoar a nacionalidade como a casca externa dentro da qual a fraternidade pode ser segura e
amplamente organizada.
Esse pensamento político e social encontra-se expresso nos livros O ciclo
humano, A guerra e a autodeterminação e O ideal da unidade humana,
escritos em sua maior parte na segunda década do século XX. A pauta
de temas estudados nesses três livros inter-relacionados é abrangente e lança luz sobre grandes questões com as quais a humanidade se
defronta.
Tendo vivido tanto no Ocidente como na Índia, que manifestava tal predisposição cultural, Sri Aurobindo postulou que os estados-nação não
constituem a última etapa do desenvolvimento político humano e que a
unidade econômica e administrativa do planeta seria necessária. Estudou
o passado, visualizou cenários para o futuro e avaliou as várias possibilidades para alcançar a união mundial.
Sua visão prospectiva volta-se para o processo evolutivo pelo qual passa a espécie humana e todo o planeta. Em O ciclo humano, ressalta a
importância da visão subjetiva da vida e explora o universo interior do
homem, ainda pouco conhecido. Além disso, aprofunda a discussão
sobre a razão, seu papel e suas limitações, e sobre a evolução que a
racionalidade sofreu ao longo da história. Na fase evolutiva seguinte,
supra-racional, transformações espirituais moldariam uma nova etapa
na vida da espécie.
Em O ideal da unidade humana, estudou os impérios e as nações, com
sua formação e estágios de desenvolvimento; antecipou a unificação da
Europa; abordou as possibilidades de um Império Mundial e as enormes
12
A fragmentação e o reducionismo são questionados pelo novo paradigma científico que incorpora a visão holística e insere o homem na natureza, compreendendo, dentro de uma nova
unidade, aquilo que se fraturou.
Sri Aurobindo participou ativamente, no início do século, da luta pela
independência de seu país. Quando concluiu que ela seria alcançada,
13
AUROBINDO, Sri. Complete works, v.15, p.546.
187
passou a ocupar-se de questões globais. Ele veio reforçar o antigo sonho
da união mundial, que, na realidade contemporânea de um mundo
unificado pelos avanços científicos e tecnológicos, tem novas condições
para se realizar.
Os fluxos comerciais, financeiros e de comunicação vêm-se tornando cada vez mais complexos, e as unidades nacionais serão um dia
suplantadas pela unidade do planeta. As Nações Unidas, apesar de
realizações consideráveis, são ainda uma etapa imperfeita em direção à unidade.
Tudo indica que a genuína unificação mundial, que tratará países ricos e
pobres como iguais, só será possível quando praticarmos a fraternidade.
A propósito, pondera o poeta mexicano Octávio Paz:15
Dadas as diferenças naturais entre os seres humanos, a igualdade é uma aspiração ética que não pode ser concretizada sem
se recorrer ao despotismo ou a um ato de fraternidade. Minha
liberdade fatalmente se confronta com a liberdade do outro e
procura destruí-la. A única ponte capaz de reconciliar essas duas
irmãs que continuamente se atacam de faca é uma ponte feita
O escritor e advogado indiano A.B. Patel, que teve ativa participação em
várias instituições políticas, sociais e culturais ligadas aos problemas
mundiais, foi um dos divulgadores do pensamento político e social de Sri
Aurobindo. Diz ele:
O maior obstáculo ao crescimento e à evolução das Nações
Unidas para uma união mundial é um falso sentido de interesses nacionais, que se opõe à compreensão da humanidade
como uma totalidade. A maior lealdade dos homens deve ir
além de um fragmento da raça humana, para abranger toda
ela, e os estados nacionais devem investir uma parcela de sua
soberania em um organismo mundial para o bem comum. (...)
O nacionalismo soberano, no sentido antigo, já prestou seu
serviço no processo evolutivo e hoje é um obstáculo à realização do antigo sonho da união mundial. A questão legítima é se a nação, a maior unidade natural que a humanidade
foi capaz de manter para sua vida coletiva, é também sua
unidade última ou se um agregado ainda maior será formado,
abraçando, primeiro, um grande número de nações e finalmente todas as nações.14
188
14
PATEL, A.B. Towards a new world order, p.14.
de braços interligados: a fraternidade.
Comportamentos que levam à fraternidade se traduzem em:
– satisfação das necessidades materiais e imateriais básicas,
individuais e sociais, e acesso igualitário ao consumo;
– frugalidade no estilo de vida e redução de desperdícios,
segundo perspectiva pós-materialista;
– autolimitação das demandas materiais supérfluas ou voltadas
para fins destrutivos, especialmente por parte de classes e
países ricos;
– respeito e tolerância para com a diversidade étnica e cultural;
– projeto e construção de uma economia voltada para a paz e
para uma sociedade justa, que supere a opressão de classes;
– ajuda mútua, cooperação espontânea entre vizinhos, associação em torno de interesses comuns, camaradagem;
– solidariedade para com a atual e as futuras gerações que virão
habitar este planeta, o que supõe solidariedade para com as
demais formas de vida.
15
Octávio Paz foi embaixador do México na Índia. A citação foi extraída de um artigo publicado
no jornal O Estado de S. Paulo.
189
poderoso e uma pesada responsabilidade – porque ele considera
que a Índia é o repositório da consciência espiritual, a guardiã da
Verdade, e ele enxerga que, na nova era da unificação global, o ser
nacional da Índia vai atuar como uma lança, rompendo as formações mundiais atuais e dando nova forma à história. De seu
ponto de vista, a herança espiritual da Índia e sua renascença tornam-se significativas não somente para seu próprio crescimento e
realização, mas também para o destino da humanidade.
No Brasil, duzentos anos após a morte de Tiradentes, um tributo que lhe
poderíamos prestar seria adaptar aos novos tempos o lema da Conjuração
Mineira: "Fraternidade, ainda que tarde", adotado pelo movimento dos
novos inconfidentes. Sem fraternidade, sem solidariedade, será impossível a igualdade com liberdade.
A ÍNDIA E A MUNDIALIZAÇÃO
Eu não tenho dúvidas em minha mente de que a federação mundial
deve vir e virá, porque não há outro remédio para a doença do mundo.
[Jawaharlal Nehru]
Por sua diversidade cultural e política e sua formação histórica, a Índia
é uma nação multinacional, que mantém unidade na diversidade e que
foi celeiro e campo fértil para idéias e propostas globalistas, mundialistas e voltadas para o federalismo mundial. Nesse sentido, indianizar é
mundializar. Rabindranath Tagore expressa essa convicção:
190
Ao encontrar a solução para nosso problema, teremos ajudado a
resolver também o problema do mundo. O que a Índia já foi o
mundo todo é agora. O mundo todo está se tornando um único
país por meio das facilidades científicas. Está chegando o momento em que precisamos também encontrar uma base de unidade
que não seja política. Se a Índia puder oferecer ao mundo sua
solução, ela será uma contribuição para a humanidade. Há
somente uma história – a história do homem. Todas as histórias
nacionais são meros capítulos da história maior. E estamos felizes,
na Índia, por sofrer por tão grande causa.
A importância do papel da Índia na construção de uma arquitetura
política global é também enfatizada por Patel, quando afirma que:
A Índia está destinada a ter um grande papel na reconstituição
global. Sri Aurobindo atribui à Índia um papel crucial – um destino
16
TAGORE, Rabindranath. Op. cit., p.59-60.
A globalização real do fim do século XX agravou problemas de concentração de riqueza e a produção de injustiça e desesperança, que não podem ser resolvidos pelo apelo antiglobalização com nostalgia do passado.
A hiperglobalização política, baseada nos princípios da ‘dharmacracia’
será necessária e inevitável para reduzir os riscos da barbárie, do domínio
do terror, com suas conseqüências destrutivas para o ambiente e propagadoras de sofrimentos.
A crise tornada mais visível pela força destrutiva do terror deflagra a
necessidade de aprofundar a reflexão e os cenários possíveis. O que
aconteceria se nos dispuséssemos a abstrair da realidade imediata e dos
problemas cotidianos e nos lançássemos em um exercício de especulações e de imaginação sobre outros planos que também determinam
situações que nos atingem? O que ocorreria se nos distanciássemos da
defesa de interesses locais e setoriais e procurássemos observar a realidade, tomando como unidade básica o planeta Terra?
Digamos que deixássemos de conceber nossos problemas e suas
soluções em termos de unidades nacionais ou locais e passássemos a trabalhar com essa unidade mais ampla. Em que medida se transformaria a
percepção de problemas como dívida externa, fome, falta de qualidade
de vida, insegurança e degradação do ambiente?
17
PATEL, A.B. Op. cit., p.17.
191
FEDERALISMO MUNDIAL: PROPOSTA POLÍTICA OU UTOPIA SOCIAL?
A crise ecológica deixa a escolha somente entre dois cenários:
o ecofascismo, ou seja, os limites impostos
por uma tecnocracia esclarecida pelas leis da ecologia; ou
então a autolimitação de uma sociedade consciente e responsável.
É uma incógnita se essa situação desembocará em um governo mundial, se evoluirá no sentido inverso, o da autonomia nacional crescente,
ou até mesmo de um possível desgoverno, ou o império do terror. As
previsões para o cenário político variam desde um governo mundial até
formas menos unitárias de sistemas políticos, com a fragmentação das
nações e o desmantelamento da autoridade centralizada.
[Jean Pierre Dupuy]
O sonho anarquista da não-existência de governos está preso pelo avesso à idéia de um governo mundial18, proposta por sábios, cientistas e
diferentes tradições religiosas. Entre os desdobramentos importantes da
realidade contemporânea, facilitados pelas novas tecnologias de comunicação, pelo encurtamento das distâncias e pela globalização da atividade econômica, está o surgimento de uma nova consciência cultural e
o renascimento de propostas de unificação política que respondam aos
desafios suscitados por essa realidade mundial.
192
Durante o século XX, o relacionamento plurilateral entre os vários países evoluiu desde a Liga das Nações até a Organização das Nações
Unidas. A forma futura desse relacionamento será diferente da atual, à
medida que se evidenciarem as deficiências da ONU e que a situação
política global evoluir. Na ausência de um governo mundial formalizado,
o Fundo Monetário Internacional atua informalmente como ministério
das finanças mundiais e o Conselho de Segurança das Nações Unidas
como departamento de polícia19, a serviço dos mais fortes. Nas palavras
de Georgi Arbatov, as autoridades do FMI seriam "neobolchevistas que
adoram desapropriar o dinheiro das outras pessoas, impondo regras
estranhas e não democráticas de conduta econômica e política e sufocando a liberdade econômica".20
O conceito de governo mundial encerra duas conotações básicas: há a
visão assustadora de uma tirania planetária, burocratizada e tecnocrática
e a visão paradisíaca de um futuro de ouro para a humanidade, governo
central com autonomia das comunidades locais. No intervalo compreendido entre essas visões extremas, há uma gama variada de nuances.
Várias personalidades compartilharam a idéia do governo mundial como
passo inevitável na evolução política, caso a humanidade encontre um
caminho para livrar-se do extermínio total: Mahatma Gandhi, Teilhard
de Chardin, Nehru, Bertrand Russell, Churchill, Einstein, somando-se às
tradições religiosas como as da fé Bahá'i e a autores contemporâneos de
teoria política como Norberto Bobbio, consideram inevitável a evolução
política nessa direção. A unificação da Europa, continente pioneiro no
laboratório político, mostra já existir processo concreto em curso.
O tema suscita polêmica; questionam-se os riscos que o federalismo
mundial poderia trazer e a sua viabilidade. Parece não haver mais dúvidas, entretanto, sobre as limitações do estado-nação. A esse respeito diz
Fritjof Capra:
Durante a segunda metade do século XX, tornou-se cada vez mais
evidente que o estado-nação já não é viável como unidade eficaz
de governo. É grande demais para os problemas de suas populações locais e, ao mesmo tempo, confinada por conceitos excessivamente estreitos para os problemas de interdependência
global. Os governos nacionais altamente centralizados de hoje não
são capazes de atuar localmente nem de pensar globalmente.21
18
Na última década do século XX disseminou-se a idéia de governança global. Esse sistema é diferente do que se entende por governo mundial.
19
Cf. ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX.
20
ARBATOV, Georgi. Neo-Bolsheviks of the IMF. New York Times, p.A27.
21
CAPRA, Fritjof. Op. cit., p.389.
193
194
Emergem, nesse contexto, vários movimentos civis que trabalham pela
transformação do quadro cultural e político e por idéias que fundamentem o futuro. Movimentos globalistas e federalistas postulam mais
responsabilidade para o nível local (cidades e municípios) e, no outro
extremo, para o nível planetário, com a diminuição do poder e das atribuições dos estados-nação. Postulam ainda a globalização integral, não
apenas comercial ou econômica, mas política, com o desenvolvimento
de justiça social e saúde ambiental. Anthony Giddens diz que a globalização precisa aprofundar-se para ajudar a resolver problemas não apenas dos países ricos, mas dos pobres também.22
Alguns propõem que a ONU seja substituída por uma nova organização
mundial, composta por duas câmaras: uma casa das nações e uma casa
dos povos. Essa nova composição evitaria as contradições entre interesses econômicos e proteção ao meio ambiente, que fragilizaram o sistema da ONU.23
Na área ambiental, há três caminhos para o futuro das Nações Unidas. O
primeiro, menos radical, consistiria na revitalização do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), por meio de reformas
modestas. O segundo exigiria esforço maior: realizar mudanças estruturais profundas no atual sistema da ONU. Alguns órgãos seriam fortalecidos e outros, criados. O terceiro caminho, ainda mais ambicioso, seria
criar uma organização mundial para cuidar do meio ambiente. Essa organização se basearia na noção de que a Terra é um sistema vivo integrado. Entenderia que os seres humanos, com suas culturas e comunidades,
compartilham essa vida mais ampla e são responsáveis pelo bem-estar
dos sistemas vivos em que habitam e por outros seres humanos.
Essa mobilização já começa a ocorrer no Fórum Social Mundial e em
outras instâncias. Um grupo de cidadãos do mundo que resolveram dar
os primeiros passos para estabelecer uma federação mundial elaborou
um anteprojeto de constituição planetária e atua por meio de um parlamento mundial provisório.
Uma organização assim seria humanitária, mas a partir de uma visão
biocêntrica do mundo. Para sua criação, a ONU deveria deixar de ser
mera coleção de estados-nação que lutam cada qual por seu interesse e
focalizar o bem comum global. Essa instituição seria um passo à frente
nas organizações mundiais, a terceira geração desse tipo de organização.
A primeira tentativa de unir todos os países em prol de um interesse planetário se deu por meio da Liga das Nações. Na segunda geração, surgiu
a Organização das Nações Unidas.
[Albert Einstein]
Para que o terceiro caminho se torne viável, para que nasça a terceira
geração de organizações mundiais, é necessário que a sociedade civil, as
comunidades locais, os trabalhadores e comunidades indígenas tenham
um papel mais importante. Os Estados continuariam a ser atores, mas
não tão poderosos.
195
UMA CONSTITUIÇÃO PLANETÁRIA
Eu advogo o governo mundial porque estou convencido de que
não há qualquer outro caminho possível para eliminar o mais terrível perigo
ao qual o homem está exposto. O objetivo de evitar a
destruição total deve ter prioridade sobre qualquer outro objetivo.
Em 1977, um grupo caracterizado como Assembléia Constituinte Mundial aprovou, em Innsbruck, Áustria, um anteprojeto de Constituição
para a Federação do Planeta Terra. Esse documento defende a abordagem das questões mundiais pelo viés do respeito ao meio ambiente
e propõe medidas para instauração de um governo supranacional,
democrático e desmilitarizado.
23
22
GIDDENS, Anthony. O fim da globalização? Folha de S. Paulo, p.A34. Os fórums sociais mundiais realizados em Porto Alegre de 2001 a 2003 têm aprofundado debates nesse sentido.
Sobre o futuro das organizações ambientais internacionais, cf. RIBEIRO, Maurício & MISCHE,
Patrícia. Ecological security and the United Nations system. In: ALGER, Chawick. The future of the
United Nations system; potential for the twenty-first century.
Esse anteprojeto apresenta a visão de que nos encontramos no limiar de
uma era de paz, prosperidade, justiça e harmonia. Ele considera que as
questões ambientais extrapolam as fronteiras nacionais; são de outra
ordem, mais ampla, planetária.
Em seu preâmbulo alinham-se argumentos que embasam essa iniciativa
tomada por cidadãos do mundo, que decidiram dar os primeiros passos
para estabelecer uma federação planetária. Entre eles, destaca-se a consciência de que:
196
– a interdependência entre os povos e as nações deve ser reconhecida;
– o conceito tradicional de segurança, por meio da defesa militar, é uma ilusão tanto para o presente como para o futuro;
– o armamentismo, fruto do abuso da ciência e da tecnologia,
vem colocando a humanidade à beira da catástrofe ecológica
e social;
– a humanidade é una, apesar da existência de diversas nações,
credos, ideologias e culturas;
– o princípio da unidade na diversidade é a base para uma nova
era, na qual a guerra será banida e a paz prevalecerá.
Entre o preâmbulo e o artigo final, que trata do governo mundial provisório, o anteprojeto trata das funções, da estrutura básica, dos poderes, dos órgãos e dos princípios diretivos do governo mundial. Ele
prevê a estrutura do parlamento, do executivo, da administração e do
judiciário, o ombudsman mundial, o sistema de vigilância e o complexo
integrativo.
A figura ao lado apresenta o diagrama do governo mundial segundo
esse anteprojeto, com espaços institucionais para os povos do mundo, o parlamento mundial, o complexo integrativo e a administração
mundial.
No anteprojeto da Constituição para a Federação do Planeta Terra, propõe-se um desarmamento radical e rigoroso. Todas as armas de destruição
Diagrama do governo mundial segundo a Constituição Planetária
POVOS DO MUNDO
1.000 distritos eleitorais e administrativos
mundiais (combinados em 20 regiões
eleitorais e administrativas mundiais e
com, pelo menos, 5 divisões continentais)
Universidades e faculdades
Nações do mundo
Nomeado
Eleito
Câmara dos Povos
Câmara dos Conselheiros
Nomeado ou eleito
Câmara das Nações
PARLAMENTO MUNDIAL
Judiciário Mundial
Executivo Mundial
Sistema de Coerção
Defensoria Pública Mundial
Colégio de Juízes Mundiais
(8 cortes maiores da
Suprema Corte Mundial)
Conselho de Cinco
(Presidium)
Procuradoria Geral
(20 procuradores mundiais
regionais)
Conselho de cinco defensores
públicos mundiais
Polícia Mundial
20 advogados mundiais
Tribunal Superior
Gabinete Executivo
(20 a 30 membros do
Parlamento)
COMPLEXO INTEGRATIVO
Administração do
Serviço Público
Mundial
Administração das
Fronteiras e
Eleições Mundiais
Instituto de
Procedimentos
Governamentais
e Problemas
Mundiais
Agência para
Pesquisa e
Planejamento
Agência para
Avaliação
Tecnológica e
Ambiental
Administração
Financeira
Mundial
ADMINISTRAÇÃO MUNDIAL
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
Pesquisa e engenharia genética
Educação
Saúde e nutrição
Abastecimento de água e hidrovias
Alimentação e agricultura
População
Desarmamento e prevenção da guerra
Hábitat e assentamentos
Meio ambiente e ecologia
Recursos mundiais
Oceanos e fundos de mares
Atmosfera e espaço
Energia
Ciência e tecnologia
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
Diversidade cultural e artes
Comunicações e informação
Transportes e viagens
Corporações multinacionais
Comércio e indústria
Trabalho e renda
Desenvolvimento econômico e social
Direitos humanos
Justiça distributiva
Procedimentos democráticos
Corpo de serviço mundial
Territórios, capitais e parques mundiais
Relações exteriores
Fazenda
Fonte: Constituição para a Federação do Planeta Terra (WCPA)/Unipaz
em massa devem ser desmanteladas e seus materiais, reciclados para
aplicação em outras finalidades. Nos casos de conflitos e de violações das
leis mundiais, a Constituição prevê a atuação de uma polícia e de uma
procuradoria geral e a aplicação de meios não-militares – tais como a
negação de crédito financeiro, a custódia de equipamentos, multas e
pagamentos por danos, entre outros –, para fazer cumprir a legislação
mundial.
Um artigo trata da Carta de Direitos dos Cidadãos da Terra, que compreende dezoito itens. Outros definem as zonas federais, as capitais
mundiais, os territórios mundiais e as relações exteriores. Outros ainda
tratam dos procedimentos para a sua ratificação e dos requisitos necessários aos estágios operativos do governo mundial.
198
Pretende-se que o processo de ratificação da Constituição Mundial seja
voluntário por parte dos países, grupos, unidades políticas ou indivíduos. A adesão a ela não seria imposta, mas ocorreria gradualmente,
em três diferentes etapas operativas, à medida que fosse ratificada por
nações ou por referendo direto nos distritos eleitorais e administrativos mundiais. Os grupos ou países que não tivessem interesse em se
enquadrar nas diretrizes do governo mundial continuariam a viver em
reservas ou em territórios fora de seu domínio, desde que sua extensão
não fosse significativa na superfície total do planeta. Ao ser ratificada por metade dos países da Terra ou de ação equivalente, o segundo estágio operativo do governo mundial teria sido alcançado. A
Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências seriam convidadas a integrar-se a ele.
O anteprojeto da Constituição para a Federação do Planeta Terra põe
em pauta o ideário de pensadores que refletiram sobre a unificação
planetária e sobre a situação internacional concreta. Ele baliza as ações
e decisões até o momento em que se torne mais clara para todos a
necessidade de um governo mundial e desenha os contornos do futuro.
Ele também inspira a adoção no presente de idéias e princípios sintonizados com o futuro. Enquanto o anteprojeto não é ratificado pelos
países, o movimento federalista atua por meio de um parlamento mundial provisório, que vem se reunindo periodicamente.
UM PARLAMENTO MUNDIAL PROVISÓRIO
A humanidade não sobreviverá ao século XXI
caso não se estabeleça alguma forma de governo mundial.
[Bertrand Russell]
Em junho de 198724, reuniu-se em Miami, pela terceira vez, o
Parlamento Mundial Provisório, cujo funcionamento está previsto no
anteprojeto para a Constituição Planetária enquanto não é ratificada por
no mínimo 25 países. Compareceram oitenta delegados, provenientes
do Canadá, México, EUA, Alemanha, Japão, Nigéria, Brasil, Equador,
Colômbia, Jamaica, Índia, Nepal, Sri Lanka, Tailândia e Cingapura.
Durante o encontro chegaram mensagens do Chipre, Jordânia, França,
Iugoslávia e vários outros países, desejando sucesso ao evento.
Os participantes compunham um quadro heterogêneo, com tipos,
feições, indumentárias e línguas diversas. Havia desde estudantes secundaristas até parlamentares, ex-ministros e cientistas, além de ativistas
políticos, conservacionistas e empresários de idades variadas. O fato de
se tratar de uma reunião de cidadãos voluntariamente motivados pelo
tema da federação planetária conferia a esse parlamento um grau de
liberdade e informalismo que não se presencia em encontros internacionais oficiais.
A agenda do Parlamento Mundial Provisório tratou de temas globais,
como desarmamento, ecologia, fontes de energia, direitos humanos, economia, educação. Reunidos em sessões plenárias ou em comissões, delegados e observadores envolveram-se em um exercício exaustivo de
debates e deliberações. Entre as decisões da Terceira Sessão do Parlamento Mundial Provisório destacaram-se a aprovação de uma operação de
24
Esse encontro foi parte de uma série promovida pela World Constitution and Parliament
Association, organização civil sediada em Lakewood, Colorado (EUA), que tem associados em
mais de sessenta países e de cuja criação participou o brasileiro Josué de Castro, autor de Geopolítica
da fome.
199
emergência para controlar e reduzir os níveis de dióxido de carbono na
atmosfera, a fim de evitar uma catástrofe climática global; a criação de
uma agência para o desarmamento mundial; a renovação da campanha
para ratificar a Constituição para a Federação do Planeta Terra; a constituição de um gabinete mundial provisório; a introdução de um novo
sistema bancário, de finanças e de crédito global destinado a resolver o
problema das dívidas externas e a prover crédito financeiro amplo para
programas de desenvolvimento social.
200
A operação de emergência aprovada no encontro justifica-se. Os desequilíbrios climáticos e ambientais são hoje, efetivamente, o perigo mais
sério com que se defronta a vida no planeta. Esse perigo não tem fronteiras e manifesta-se de várias formas: há destruição de florestas da
Suécia pelas chaminés de fábricas inglesas; os peixes nos grandes lagos
deixaram de ser comestíveis por causa da poluição das fábricas americanas, o que afetou a economia do Canadá; milhões de hectares/ano
são desflorestados no mundo todo, acelerando as mudanças climáticas
globais. Além disso, o câncer de pele prolifera como resultado dos raios
ultravioletas que estão atravessando a atmosfera por causa da destruição da camada de ozônio.25
Quando se discutiu a proposta de criar uma agência para o desarmamento mundial e definir diretrizes necessárias ao seu funcionamento,
foram mencionados exemplos de países como Bangladesh, que gasta
70% de seu orçamento em armas. Segundo alguns participantes, até
mesmo grandes empresários da indústria bélica já percebem o impasse
da economia mundial movida em torno da guerra. Considerou-se furto
o gasto de dinheiro público em armamentos, já que é uma ilusão acreditar que o militarismo traz segurança. Ela só pode ser alcançada pela
confiança mútua e não pela força. Questionou-se o conformismo pseudo-realista de argumentos pró-armamentistas, como "desarmar gera
desemprego" ou "a espécie humana somente aprende com guerras e sofrimento". Afinal, essa forma de aprendizagem empírica não é inevitável.
25
O Protocolo de Kyoto e o de Montreal trataram desses dois temas na década de 1990.
Além disso, o desarmamento é um pré-requisito para a sobrevivência
neste planeta.
Sobre a campanha para a ratificação do anteprojeto da constituição planetária pelas nações e pelos povos, os movimentos federalistas adotam
duas estratégias: alguns tentam influenciar governos nacionais, outros
acreditam que a Organização das Nações Unidas pode ser transformada.
A campanha conta com associações civis, movimentos ambientalistas
e pacifistas em todo o mundo. O anteprojeto já foi traduzido para treze
línguas.
Propôs-se a criação de uma escola que ofereceria um curso de graduação cujo objeto de estudo seriam os problemas globais e seu escopo,
formar profissionais para trabalhar na Federação Mundial. A essa
escola seriam incorporados o Instituto de Estudos Mundialistas, já
existente na França, bem como outros centros de estudos em outras
regiões.
201
Considerando que o uso indiscriminado do espaço acima da atmosfera terrestre por governos e empresas comerciais é uma ameaça de
dominação militar, o Parlamento Mundial aprovou um projeto de lei
para regulamentar esse uso. O espaço acima da atmosfera não pertence a nenhuma nação. Nele não poderiam ser lançados objetos que
prejudiquem ou destruam a vida humana; ele deveria ser mantido
inviolado para benefício de todos os povos da Terra.
O parlamento propôs ainda que a legislação mundial proíba a exportação de lixo de um país para outro. Foi lembrado o exemplo do
Marrocos, que aceitava lixo americano, e da Holanda, que enviava seu
lixo para o Suriname, na América Latina.26 Em relação aos oceanos,
definiu-se que estes devem ser tratados como santuários ecológicos,
para livrá-los das ameaças crescentes de poluições.
26
A convenção de Basiléia sobre resíduos tratou posteriormente desse tema.
Propuseram-se programas educacionais para estimular tanto a conservação das fontes tradicionais de energia, quanto o uso de fontes menos
poluentes, como o hidrogênio. Seria necessário realizar pesquisas, projetos de demonstração, auxílio aos governos na conversão de outras
fontes de energia para o hidrogênio e estudos de impacto ambiental
dessa fonte energética. Até o momento, o uso do hidrogênio não foi
viabilizado economicamente por causa dos custos mais baixos de outras
fontes de energia.
A terceira sessão do Parlamento Mundial Provisório abriu espaço para
tratar com ampla liberdade assuntos mundiais relevantes. Não se limitou
a um encontro utópico ou visionário nem se prendeu à camisa-de-força
do nacionalismo. Além das propostas para proteção ambiental, outro
tema que mereceu destaque foi o da nova ordem econômica mundial,
abordado sob o aspecto da dívida externa.
202
DÍVIDA EXTERNA: UMA PROPOSTA MUNDIALISTA
A paz é a única forma de nos sentirmos realmente humanos.
Há somente um caminho para a paz e para a segurança:
o caminho da organização supranacional.
[Albert Einstein]
suas moedas. Havia grandes conflitos entre as colônias, e um dos fatores
que provocava essa situação era a desintegração de suas economias.
Em 1787, elaborou-se a constituição da federação que nascia. Alexander
Hamilton teve papel importante ao redigir um plano pelo qual o novo
governo federal pagaria as dívidas das colônias por etapas, resolvendo a
crise e satisfazendo tanto o povo das colônias, como os governos e os
bancos credores. O novo governo federal consolidou, assim, grande
força econômica.
Em que consiste a proposta atual e como ela seria efetivada? O fundamento do debate sobre economia no Parlamento Mundial Provisório foi
que um mundo que consome somas fabulosas em armamentos para
destruição em massa não tem problemas de escassez. Existe abundância
de recursos; trata-se de redirecioná-los para assegurar qualidade de
vida, bem-estar e desenvolvimento socioeconômico a todo o planeta.
A Federação assumiria a dívida externa de todos os países que ratificassem a constituição e se comprometessem a "nunca usar qualquer força
armada ou armas de destruição em massa contra outro membro ou
unidade da Federação da Terra, sem considerar quanto tempo possa ser
necessário para alcançar o desarmamento pleno de todas as nações e
unidades políticas que ratificam a Constituição Mundial".
A proposta mundialista pressupõe que as dívidas externas e sua renegociação são questões coletivas, globais, e que as dívidas externas estão
relacionadas a gastos com o armamentismo. Afinal, o financiamento da
indústria bélica colaborou para a alta de juros, e o não-armamentismo
liberaria recursos para pagar a parte legítima das dívidas.
Por mais que se diferenciem em detalhes, as propostas para equacionamento das dívidas externas têm um ponto em comum: consideram um
país específico ou, no máximo, um conjunto de países. O que ocorreria
se abandonássemos a idéia de nação como unidade básica e procurássemos pensar em uma unidade maior, como ponto de partida da reflexão
sobre a dívida? O exercício de repensar em termos globalistas a questão
da dívida externa foi realizado durante a terceira sessão do Parlamento
Mundial Provisório.
Outro pressuposto central é que a dívida do Terceiro Mundo é impagável, pois excede sua capacidade de produção. Esse não-pagamento, por
sua vez, determinaria a ruptura do sistema bancário internacional.
Antecedente histórico importante dessa proposta ‘mundialista’ ocorreu nos
Estados Unidos há mais de duzentos anos: as treze colônias da América do
Norte não tinham crédito, e os países europeus credores não aceitavam
A partir desses pressupostos coloca-se, então, a proposta de moratória
coletiva e de criação de um sistema bancário, de crédito e de finanças
globais, com o objetivo de resolver o problema da dívida e prover crédito
203
204
financeiro amplo. Esse crédito seria baseado na capacidade produtiva e
utilizaria uma nova moeda mundial, sem taxas de câmbio flutuantes e
com baixos juros.
Propostas globalistas como essas dão corpo às atividades da Organização
Mundial para o Desenvolvimento Econômico, instituída durante a primeira
sessão do Parlamento Mundial Provisório, em 1982, na Inglaterra.
O parlamento reunido em Miami autorizou a ativação dessa Corporação
Planetária de Crédito e Finanças, tão logo dez governos nacionais ratifiquem a Constituição para a Federação da Terra. Essas linhas de crédito
em moeda mundial seriam abertas e oferecidas àqueles que tivessem
recursos naturais disponíveis e povo disposto a trabalhar. Elas seriam lastreadas simbolicamente pelo valor dos recursos existentes nos oceanos e
no fundo dos mares, considerados como patrimônio da humanidade;
seriam também lastreadas na reivindicação do dinheiro empregado em
armamentos pelos povos dos países devedores, cujos governos extraem
trilhões de dólares de seus cidadãos para gastar em equipamento militar.
A Organização Mundial para o Desenvolvimento Econômico é assim
definida no anteprojeto da Constituição para a Federação da Terra:
A proposta tem dois objetivos principais: libertar os países da onerosa
transferência de significativa parcela de seu produto interno bruto para
pagamento das dívidas externas contraídas e libertar os povos do esgarçamento de condições de vida gerado pelas repetidas desvalorizações monetárias, pela inflação e pela manipulação de taxas de câmbio e de juros.
Ao assumir o pagamento das dívidas externas dos países que recorressem à sua linha de crédito, a mencionada corporação informaria esse
fato aos credores. As dívidas externas previamente auditadas excluiriam
os empréstimos para objetivos militares e não incluiriam o dinheiro
desviado para benefício de particulares.
A partir dessa transferência, não poderiam ser contraídos novos débitos,
a não ser por meio da Corporação Planetária de Crédito e Finanças ou de
outras agências do governo mundial emergente, definidas no anteprojeto da Constituição para a Federação do Planeta Terra.
As dívidas seriam pagas aos credores na moeda mundial a ser emitida.
Um dos debates mais acalorados foi o que tratou da criação e aceitação
dessa nova moeda. Levantou-se a questão de que esse sistema monetário
não se implantará sem apoio e aceitação dos governos ou dos povos, já
que o dinheiro, além de meio de troca, é reserva, medida e padrão de valor.
Como o adequado e efetivo desenvolvimento econômico mundial em termos de necessidades humanas pacíficas só pode
ocorrer no contexto de uma federação mundial não-militar, a
Organização Mundial para o Desenvolvimento Econômico será
projetada como uma parte integral do processo de federação
mundial.
Assim, ela será estruturada para servir os países e povos que ratificarem
a Constituição para a Federação da Terra. Uma das condições para integrar a federação seria a transferência imediata de todas as armas de
destruição em massa à Agência para o Desarmamento Mundial.
A Organização Mundial para o Desenvolvimento Econômico e seus projetos seriam financiados pela metade das quantias economizadas do orçamento antes destinado à defesa militar dos países da federação, além de
subsídios dos países federados que tivessem orçamentos superavitários.
Quais as chances de implementar uma proposta globalista desse tipo?
Provavelmente pequenas, da perspectiva de uma análise política realista
e de curto alcance, na qual são enfatizadas objeções políticas, militares
e econômicas de toda ordem, centradas em interesses particulares.
Entretanto, a proposta é um exercício de imaginação e de liberdade de
pensamento, a partir de uma visão prospectiva, que considera a humanidade ameaçada não só pela destruição total, subproduto do armamentismo, mas também por riscos climáticos e ambientais, contra os
quais é inócua a força militar. Ela antecipa um cenário possível para a
civilização sustentável do século XXI.
205
Criação do bicho-da-seda, Kenchenkuppe, 1989
A rua central de Kenchenkuppe
Separação da palha de arroz em Kenchenkuppe
Vendedor de especiarias em Jaipur
ANEXOS
Anexo A
CARTA DO ENCONTRO ÍNDIA-BRASIL
Os organizadores, palestrantes e participantes do Encontro Índia-Brasil,
realizado em Belo Horizonte de 6 a 10 de dezembro de 1993,
– considerando que há grande importância numa aliança estratégica entre os dois maiores países tropicais;
– considerando que existe grande potencial para o incremento e
o aperfeiçoamento do intercâmbio entre os dois países nos campos da cultura, da ciência, tecnologia e meio ambiente, do comércio, da política, da espiritualidade, das políticas públicas, da
saúde, da educação e da arte, entre outros;
– considerando que há um grande caminho a ser percorrido;
– considerando que, em razão de fatores históricos, culturais e
de prioridades políticas, apenas uma pequena fração do campo
de possibilidades de cooperação vem sendo aproveitado;
– considerando que há necessidade de transcender a mentalidade colonial que ainda persiste nos dois países, dificultando
esse intercâmbio direto;
Olaria, mulher e criança em Kenchenkuppe
sugerem
– no âmbito internacional, que as Nações Unidas e suas agências
dediquem efetiva atenção e recursos para facilitar a cooperação
sul-sul;
– no âmbito nacional, que os governos do Brasil e da Índia priorizem as relações recíprocas, especialmente nos fóruns internacionais;
– que essa prioridade se traduza concretamente por meio do
apoio das Embaixadas do Brasil em Nova Délhi e da Índia em
Brasília, para facilitar o intercâmbio nos vários campos, tais como
o cultural, econômico, político, social, ambiental, científico e tecnológico;
211
212
– que se intensifiquem a produção e disseminação de conhecimentos sobre as realidades dos dois países para que se criem as
pré-condições psicológicas e culturais para o incremento do intercâmbio e cooperação;
– que sejam desburocratizados os procedimentos para facilitar as
iniciativas do setor privado e de entidades não-governamentais
para o intercâmbio e a cooperação indo-brasileiros;
– que os governos facilitem o estabelecimento de laços e de joint
ventures entre instituições e empresas indianas e brasileiras;
– que sejam criados e implementados programas de bolsas de
estudos para jovens indianos e brasileiros nos campos das ciências exatas, biológicas, da saúde e do ambiente, na agricultura,
pecuária, indústria, ciências sociais e políticas públicas, letras e
artes, apoio a deficientes físicos, entre outros em que exista
potencial para intercâmbio produtivo;
– que os programas de bolsas sejam mais bem divulgados;
– que se intensifiquem a produção e disseminação, via imprensa
e mídia, de programas referentes a aspectos da realidade dos
dois países que ainda são mal conhecidos;
– que se realizem periodicamente encontros na Índia e no Brasil,
para estabelecer um fórum permanente de cooperação sistematizada.
Anexo B
QUADROS COMPARATIVOS DE DADOS SOBRE A ÍNDIA E O BRASIL
QUADRO B1: RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE NATURAL
ASPECTO
ÍNDIA
BRASIL
ÁREA E
LOCALIZAÇÃO
3.287.782 km2
Localiza-se no hemisfério
norte. A maior parte do país
está entre o Equador e o
Trópico de Câncer.
8.514.205 km2
A maior parte do país está
entre o Equador e o Trópico
de Capricórnio.
Segundo maior país
tropical do mundo.
Clima de monções tropicais;
chuvas erráticas e mal
distribuídas; quatro grandes
zonas climáticas baseadas em
índices pluviométricos:
tropical, equatorial, árido tropical, de montanha; grande
diversidade de condições
climáticas. Desastres naturais,
como tufões e ciclones.
Maior país tropical do
mundo.
Reúne grande
diversidade de tipos
climáticos: equatorial,
tropical, tropical de
altitude, tropical atlântico,
subtropical e semi-árido.
Flora muito variada,
megabiodiversidade.
8 regiões florísticas distintas:
Himalaias ocidentais
(florestas alpinas);
Himalaias orientais (florestas
de coníferas); Assam
(florestas luxuriantes);
Planície do Indus (quase
deserta); Planície do Ganges
(agricultura); Planalto do
Decão (florestas); região
de Malabar (florestas
e agricultura); Andaman
(muitos tipos de florestas).
22,7% do território estão
cobertos por florestas
(74.600km2).
Diversidade de regiões
florísticas e de biomas:
floresta amazônica, mata
atlântica, cerrado, caatinga,
pantanal e áreas úmidas;
várzeas cobertas regularmente por inundações.
Pastagens e agricultura.
Quase 60% do território do
país estão cobertos por florestas sujeitas à pressão do
desmatamento.
Importou da Índia muitas
espécies de árvores frutíferas,
como mangueira e coqueiro.
CLIMA
VEGETAÇÃO
213
QUADRO B1: RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE NATURAL (CONTINUAÇÃO)
ASPECTO
FAUNA
RECURSOS
MINERAIS
214
GEOMORFOLOGIA
HIDROLOGIA
ÍNDIA
Um dos oito países com
megabiodiversidade.
Banco genético de espécies
tropicais de bovinos, várias
delas exportadas para o Brasil
e aqui aclimatadas: zebu-gir,
nelore, guzerá.
BRASIL
QUADRO B2: RECURSOS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE SOCIAL
ASPECTO
Um dos oito países com
megabiodiversidade.
Fauna rica e variada,
especialmente na região
amazônica.
Gado de origem indiana
compõe a maior parte do
rebanho.
Carvão, minério de ferro,
gemas, mica, petróleo,
calcário, argilas, alumínio,
manganês e outros.
Minério de ferro,
gemas (topázios, ametistas,
águas-marinhas, esmeraldas,
turmalinas), alumínio,
manganês, diamante, níquel,
zinco, nióbio, tório, urânio.
Insuficiência de carvão e
petróleo.
Himalaias e algumas
outras montanhas altas ao
norte (alguns dos picos mais
altos do mundo). Terremotos.
Planície Indo-Gangética
(2.400 km de extensão
e 240-320 km de largura)
Península ao sul com
montanhas de ambos
os lados e altitude média
de 610 m.
5/8 do país são platôs,
e os 3/8 restantes são
planícies. O ponto mais
alto é o pico da Neblina
(3.014 m), ao norte.
Regiões montanhosas
nos domínios da serra do
Mar e da serra do Espinhaço.
8.000 km de litoral, com
manguezais, dunas, praias.
Rios do Himalaia alimentados por geleiras; rios do
Decão alimentados por
chuvas e com flutuações de
volume; bacias não perenes
na costa; bacia do Ganges
ao norte (1/4 da área total
do país) e do Godavari
(1/10 da área total).
As principais bacias são as
do rio Amazonas, São
Francisco e Prata. O país é
bem provido de recursos
hídricos, distribuídos
desigualmente.
DEMOGRAFIA
DENSIDADE
DEMOGRÁFICA
E
MIGRAÇÕES
INTERNAS
CIDADES
PRINCIPAIS
ORIGEM ÉTNICA
ÍNDIA
BRASIL
650 milhões de habitantes
em 1975.
1.025 bilhão de habitantes
em 2000.
Estima-se que será o país
mais populoso em 2050.
Indo-arianos (72%),
drávidas(25%), mongóis
e outros (3%).
Fecundidade: 2,97 filhos
por mulher.
Crescimento demográfico
de 1,52% ao ano.
Expectativa de vida: em
1975, 46 anos; em 1996,
63,6 anos para homens e
64,9 anos para mulheres.
110 milhões de habitantes
em 1975.
170 milhões de habitantes
em 2000.
Brancos (55,2%), pardos
(38,2%), pretos (6%),
amarelos (0,4%), indígenas
(0,2%)
Fecundidade: em 1985,
3,3 filhos por mulher; em
2001, 2,2 filhos por mulher.
Crescimento demográfico
de 1,6% ao ano.
Expectativa de vida: 64,3
anos para homens e 72,3
anos para mulheres.
Densidade média: 311,79
hab./km2.
A população das pequenas
aldeias se reduz. Política
urbana é necessária para
assentar a população
crescente diante da limitada
capacidade das áreas rurais.
Densidade média: 20
hab./km2.
Grande mobilidade interna.
Metade do crescimento
populacional em áreas
urbanas vem de migrações.
Ocupação recente da
Amazônia e do centro-oeste.
Alta mobilidade social.
Mumbai (ex-Bombaim)
Calcutá
Délhi
Chennai (ex-Madras)
Bangalore
Hyderabad
Ahmedabad
Lucknow
São Paulo
Rio de Janeiro
Salvador
Belo Horizonte
Fortaleza
Brasília
Curitiba
Recife
Manaus
Porto Alegre
Grande diversidade étnica.
Os povos se agrupam em
aproximadamente 3.000
castas, derivadas de
elementos raciais, tribais,
territoriais ou religiosos.
Miscigenação entre
portugueses, nativos e negros.
Colônias significativas de
japoneses, europeus (italianos
e alemães, principalmente) e
árabes. Nativos dizimados, hoje em pequena porcentagem.
215
QUADRO B2: RECURSOS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE SOCIAL (CONTINUAÇÃO)
ASPECTO
LÍNGUAS
E
RELIGIÕES
TRABALHO
216
DISTRIBUIÇÃO
DE
RENDA
SAÚDE
ÍNDIA
BRASIL
Hindi
Inglês como língua de ligação, especialmente urbana.
30 outros grupos de
línguas – telugu, bengali,
marati, tamil, urdu, gujarati
e centenas de dialetos.
Hindus (74,5%);
muçulmanos (12,1%);
cristãos (6,2%); siques
(2,2%); budistas (0,7%);
jains (0,47%); outras.
Português. Esforços para
revitalizar línguas nativas.
Cristianismo (91,4%),
sendo católicos (71%),
evangélicos, espíritas (4,9%),
ateus (2,7%), judaica,
candomblé e umbanda,
orientais etc. (1%).
28% da população é
urbana.
64% da população
dedicam-se a atividades
agrícolas.
Força de trabalho – 441
milhões.
Alta porcentagem de
mulheres na força de trabalho.
80% da população é
urbana em 2002.
Força de trabalho – 78 milhões
Participação crescente das
mulheres na força de trabalho, embora o salário para a
mão-de-obra feminina seja
mais baixo.
A desigualdade vem
diminuindo, mas ainda há
600 milhões na miséria.
Metade da renda é
produzida na agricultura.
Entre os camponeses, 75%
são pobres; 20% são remediados; 5% são ricos.
Alta desigualdade social e
concentração de renda.
Em 1970 os 20% mais
pobres obtinham 5% da
renda nacional, enquanto os
5% mais ricos obtinham 27%
da renda. A desigualdade
aumentou entre 1960-2000.
Em 1983 os 10% mais ricos
obtinham 46% da renda.
Centros de saúde primários
em áreas rurais. Sistemas de
saúde diversificados, como o
alopático, o homeopático, o
ayurvédico, além de siddha,
unani e ioga.
Sérios problemas no sistema de saúde pública. Por
falta de saneamento, doenças
de veiculação hídrica. O
sistema alopático prevalece,
embora a fitoterapia seja
utilizada nas áreas rurais.
QUADRO B2: RECURSOS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE SOCIAL (CONTINUAÇÃO)
ASPECTO
NUTRIÇÃO
HABITAÇÃO E
INFRA-ESTRUTURA
EDUCAÇÃO
PESQUISAS
ÍNDIA
BRASIL
O vegetarianismo
prevalece, por razões
econômicas e religiosas. Há
severas deficiências calóricas
em áreas rurais; desnutrição e
má nutrição são comuns.
Subnutrição e deficiências
protéicas na população carente. Arroz, mandioca, feijão
e milho são os alimentos mais
consumidos.
Déficit de 15,6 milhões
de unidades habitacionais.
Desse total, 380 mil
são em áreas urbanas e
11,8 milhões em áreas rurais.
Pequena parte da
população é servida por
água e esgoto.
Há déficit de 8 milhões de
unidades habitacionais.
97,9% das cidades têm
água encanada; 99,4% tem
coleta de lixo; 47,8% não
têm rede coletora de esgotos
e dois terços das casas não
estão ligados à rede coletora,
segundo dados apurados pelo
IBGE no censo de 2002.
Taxa de alfabetização
cresceu de 18,3% em 1950
para 55,8% em 2000.
Segundo maior contingente
de pós-graduados no mundo.
Universidades formam 120
mil engenheiros por ano.
Taxa decrescente de analfabetismo entre 1995 e 1999.
Entre 10 e 14 anos, de 10%
para 5,9%; de 10 anos e
mais, de 14% para 12%.
Número crescente de faculdades e universidades privadas.
Pesquisa em informática,
energia, uso de recursos
naturais, metalurgia, química,
habitação, saúde, meteorologia,
transporte, agricultura,
florestas, ciências espaciais,
eletrônica, informação, suporte
à extensão educacional.
Pesquisa de ciências
sociais em cooperativismo,
desenvolvimento rural,
administração pública,
sistemas de crédito.
Muitas instituições de
pesquisa trabalham com
tecnologia apropriada.
Facilidade de pesquisa
altamente desenvolvida nas
grandes cidades.
Pesquisa em energia, recursos naturais, fertilizantes,
metalurgia, ecologia e meio
ambiente; programas regionais integrados, saúde,
nutrição, pesquisa espacial,
recursos do mar, transportes,
comunicação, tecnologia
industrial, tecnologia agrícola,
agropecuária.
217
QUADRO B3: ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS
QUADRO B2: RECURSOS SOCIAIS E MEIO AMBIENTE SOCIAL (CONTINUAÇÃO)
ASPECTO
DEFESA E
SEGURANÇA
ÍNDIA
BRASIL
Exército: 1,1 milhão;
Marinha: 53 mil; Aeronáutica:
150 mil.
Guerras de fronteira com o
Paquistão, separatismo na
Caxemira.
Gastos: US$ 14,9 bilhões
(1999).
Índices relativamente
baixos de violência urbana,
exceto conflitos religiosos e
étnicos.
Exército: 189 mil;
Marinha: 48,6 mil;
Aeronáutica: 50 mil (2000).
Gastos: US$ 15,9 bilhões
(1999).
Altos índices de
criminalidade e de violência
nas cidades e no campo.
ASPECTO
HISTÓRIA
GOVERNO
E
SISTEMA
POLÍTICO
218
DIVISÃO
ADMINISTRATIVA
ÍNDIA
BRASIL
História milenar, com
sucessivas invasões, desde
2500 a.C.
Desde o século XVI,
colônia inglesa; portugueses e
franceses ocuparam pequenas
parcelas do território.
Independência em 1947,
Gandhi e resistência passiva.
Colônia portuguesa desde
1500.
Império no início do século
XIX.
Independência em 1822
e proclamação da República
em 1889.
Abolição da escravatura
em 1888.
República parlamentarista
bicameral. Conselho de
Estado: 245 membros;
Casa do Povo: 545 membros.
Eleições diretas a cada
5 anos.
Primeiro-ministro escolhido
entre os membros do
Parlamento.
Constituição de 1950.
República presidencialista.
Eleições diretas de 4 em 4
anos.
De 1964 a 1978, ditadura,
eleição indireta. De 1978 em
diante, abertura política,
democracia.
Constituição de 1988.
22 estados, 9 territórios
federais.
Cada território tem seu
próprio governo. Sistema de
Panchayat Raj para
autogoverno na aldeia ou
grupo de aldeias; nas grandes
cidades há corporações
municipais eleitas; nas
pequenas e médias, há
prefeitos.
26 estados, 1 Distrito
Federal.
Governo local municipal
eleito diretamente.
Os estados se dividem em
regiões e microrregiões, e os
municípios são as unidades
político-administrativas
básicas.
219
QUADRO B4: ASPECTOS ECONÔMICOS
ASPECTO
MOEDA
FONTES DE
ENERGIA
220
AGRICULTURA
PECUÁRIA E
CRIAÇÃO ANIMAL
ÍNDIA
QUADRO B4: ASPECTOS ECONÔMICOS (CONTINUAÇÃO)
BRASIL
Rúpia indiana.
Cotação em 2002:
US$1= R$46,70
Real.
Cotação em 2002:
US$1= R$2,35. Em Janeiro
2003: R$3,50
44% usinas hidrelétricas
4% usinas nucleares
52% carvão mineral
Madeira, resíduos
orgânicos e vegetais.
45% petróleo
23% madeira
23% hidrelétrica
9% outros
Acordo com a Alemanha
para usinas nucleares.
Mais de 50% da área do
país é utilizada para cultivo,
com alto percentual de
áreas irrigadas.
Principais culturas: arroz,
trigo, cana-de-açúcar, coco,
juta, amendoim, algodão.
Há legislação sobre teto
nas propriedades que
variam de 2 a 24 ha.
Em alguns estados, há
posse comunitária da terra.
30% dos agricultores não
têm terra; 30% têm terra,
mas não suficiente para sua
subsistência.
Apenas 1/3 da área total
é usada, com pequena
fração para agricultura.
Há várzeas férteis.
Os cerrados demandam
fertilizantes.
Principais culturas: arroz,
feijão, café, banana,
mandioca, cana-de-açúcar,
laranja, milho, cacau,
algodão, soja, tabaco, nozes.
37% da terra são
latifúndios (propriedades
com mais de 1.000 ha);
apenas 3,1% da terra são
minifúndios (menos de
10 ha ou 25 acres).
80% da produção e
equipamentos estão no
sul do país. 23% das
propriedades rurais usam
arado mecânico e 75%
não usam arado.
Agricultores sem-terra,
iniciativas para reforma
agrária.
Proporção de gado per
capita: 0,5.
Hábitos alimentares
vegetarianos.
O gado vivo tem valor
econômico.
170 milhões de cabeças
de bovinos.
Proporção per capita: 1
Hábitos alimentares
carnívoros.
O gado dá mais lucro se
abatido.
ASPECTO
FLORESTAS
INDÚSTRIA
COMÉRCIO
ÍNDIA
BRASIL
Ocupam 22% do território
e geram menos de 2% do
PNB.
São geridas pelo Instituto
de Administração de Recursos
Florestais.
Há projetos de florestas
comunitárias e sociais.
Ocupam 60% do território,
desigualmente distribuídas, a
maior parte ao norte do país.
Desmatamentos para a
pecuária extensiva na
Amazônia; criadas áreas
indígenas e unidades de
conservação.
Forte concentração
industrial em Mumbai e nas
grandes cidades.
Produção diversificada:
aço, cimento, têxtil, açúcar,
papel, químicos e
fertilizantes, máquinas
operatrizes, equipamentos
de transporte, material
elétrico e eletrônico, drogas
e farmacêuticos e rurais.
Mais da metade das
indústrias estão instaladas
em São Paulo.
Indústria naval,
automobilística, alimentícia,
têxtil, química e de metais.
Principais parceiros
comerciais: Estados Unidos,
Japão, Reino Unido,
Alemanha.
Exportação: maior
exportador de software do
mundo, (US$6 bilhões em
2000), chá, juta,
manufaturados de algodão,
minério de ferro, tabaco
não manufaturado, couro,
artesanato.
Importação: maquinaria,
grãos, petróleo, equipamento
de transporte, fertilizantes.
Principais parceiros
comerciais: Estados Unidos,
Alemanha, Japão, Itália,
Holanda.
Exportação: matérias-primas agrícolas (açúcar, café,
soja), minério de ferro,
calçados, produtos
semi-acabados e
manufaturados, máquinas de
escritório, máquinas elétricas.
Importação: óleo cru,
material elétrico, produtos
metálicos, químicos, equipamento de transporte, trigo.
221
QUADRO B4: ASPECTOS ECONÔMICOS (CONTINUAÇÃO)
ASPECTO
TRANSPORTE
222
SETOR PÚBLICO E
SETOR PRIVADO
ÍNDIA
BRASIL
4º sistema ferroviário do
mundo, com 60.149 km de
extensão.
Uma das maiores redes
rodoviárias do mundo, com
113.000 km de rodovias.
Importantes cursos
d’água navegáveis.
34 companhias
de navegação.
4 aeroportos internacionais.
84 outros aeródromos.
Sistema ferroviário
inexpressivo.
70% do transporte é
rodoviário, com 7.000 km
de rodovias.
É desigualmente distribuído:
no sul, 1 km de rodovia por
1,7 km2; no norte, 1 km de
rodovia por 213 km2.
Pouco uso das vias
fluviais. Só 0,0005% das
cargas são transportadas
pelos rios.
O transporte aéreo é
significativo, especialmente
nas regiões remotas.
Economia mista, com
áreas de comando da
economia reservadas ao
setor público. Privatizações
na década de 1990.
Setor público: máquinas
industriais, equipamento
elétrico, mineração, ferro,
aço, indústria naval e
bancos.
Cresceu a colaboração
entre o setor público e o
privado.
Multinacionais: produtos
farmacêuticos e alimentos.
Em 1977, 35% das
atividades econômicas eram
exercidas pelo setor público,
25% pelo setor privado e
40% por multinacionais.
Privatizações na década de
1990 nas telecomunicações,
siderurgia; concessões para
infra-estrutura, petróleo
e derivados.
Setor privado: indústria
editorial, perfumaria, bebidas,
mobiliário, madeira, têxtil,
artefatos, peles e couros.
Multinacionais: tabaco,
produtos farmacêuticos,
plásticos, borracha,
equipamento de transporte,
equipamento elétrico e de
comunicações.
QUADRO B5: RECURSOS CULTURAIS E MEIO AMBIENTE CULTURAL
ASPECTO
COMUNICAÇÕES
LITERATURA
ARQUITETURA E
URBANISMO
MÚSICA
ÍNDIA
BRASIL
Comunicações
influenciadas por diversidade
de línguas.
70 estações de rádio.
Mais de 10 milhões de
receptores de TV locais nas
maiores cidades.
12.653 jornais publicados
em 56 línguas.
O sistema de correios e
telégrafos é um dos maiores
empregadores do país.
Centenas de estações de
rádio e de TV.
280 jornais diários.
Sistema telefônico DDD.
Rede nacional de televisão
em cores.
Internet.
Privatização da telefonia
na década de 1990.
Clássicos antigos
revalorizados. A criação
literária moderna se faz tanto
em inglês quanto em línguas
nativas. O país é um dos que
mais publicam no mundo,
especialmente livros infantis.
Há mais de 10 mil bibliotecas.
Houve 4 períodos na
literatura: Colonial
(1500/1822); Romântico
(1822/1900); Pós-romântico
(1900-1930); Modernista
(de 1922 em diante, após
a realização da Semana da
Arte Moderna, que
revolucionou a pintura, a
literatura e a música).
Templos, mesquitas,
fortalezas, palácios e outros
monumentos representativos
da arquitetura antiga.
Após a independência, no
período moderno, grande
número de construções; e
Chandigarh, projetada por
Le Corbusier. Charles Correa
e Nova Bombaim. Auroville.
Nos séculos XVII
e XVIII, cidades coloniais
com arquitetura barroca;
arquitetura moderna
reconhecida internacionalmente (Brasília foi
inaugurada na década
de 1960).
Há duas escolas principais
de música clássica indiana.
Há grande interesse
por música popular, além
de música tribal, vocal,
instrumental e de filmes.
Samba, bossa-nova e
música popular em evolução
constante.
223
QUADRO B5: RECURSOS CULTURAIS E MEIO AMBIENTE CULTURAL (CONTINUAÇÃO)
ASPECTO
CINEMA
DANÇA E TEATRO
224
FOLCLORE
ESPORTES
ÍNDIA
BRASIL
Forte diversidade regional
em produção cinematográfica.
Filmes exportados para
90 países.
Em 1973 foram produzidos
448 longas-metragens e
2.266 curtas.
80% dos filmes exibidos
são estrangeiros.
Alguns prêmios
internacionais para o
‘Cinema Novo’.
Produção anual de 100
filmes.
Tradição de dança de
2000 anos, tanto clássica
como popular.
Há tradição de teatro
antigo. Peças clássicas,
populares e profissionais são
apresentadas em inglês ou
em línguas nativas.
Grupos de dança moderna
proliferaram nos anos 90.
Atividade teatral
concentrada em São Paulo
e no Rio de Janeiro.
Comunicação de massa
coexiste com meios
convencionais, como dança
folclórica, drama e teatro
de bonecos.
Influência de motivos
religiosos no artesanato,
arquitetura e escultura.
Festivais celebram heróis
nacionais, mudanças de
estação, ritos religiosos e
lendas.
Há importantes tradições
culturais (sobretudo nas
regiões Nordeste e Norte),
que se expressam por meio
de artesanato, dança e
música.
Críquete, hóquei, tênis,
futebol e esportes indianos
tradicionais.
Futebol, basquete,
vôlei, tênis, automobilismo,
natação.
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Fontes de Referência
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www.worldbank.org)
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SITES NA INTERNET SOBRE A ÍNDIA
Sites sobre Auroville:
www.auroville.org
Ao pesquisar no site de busca www.miner.com.br, encontram-se cerca
www.auroville-products.com/aureka/
de cem sites sobre a Índia. Vários deles referem-se ao comércio
www.pondicherry.com/english/index.htm
eletrônico de artesanato, roupas, moda, tapetes, móveis de bambu e
de cana-da-índia. Outros tratam de serviços como turismo, viagens,
roteiros, hotéis. Alguns poucos abordam mitologia e cultura, parábolas e o universo religioso hindu, ioga, equilíbrio interior, budismo. Há
sites de missões e missionários; outros sobre política, comunicações,
institutos de tecnologia e história. No site de pesquisa Google, há mais
www.auroville-international.org
www.sriaurobindosociety.org.in
www.imagination-auroville.com
Em janeiro de 2003, havia mais de 24.500 referências a Auroville no site
de pesquisa Google e 32.600 referências a Sri Aurobindo.
de 21 milhões de referências à Índia.
Para uma visão geográfica detalhada, recomenda-se o site
www.mapsofindia.com; para acesso aos melhores sites com infor238
mações variadas, ver www.bestindiansites.com.
O site www.indianembassy.org, da Embaixada da Índia em Washington,
traz fatos e tabelas, perfil do país, sua terra e seu povo, indústria e economia, arte e herança cultural, agricultura e desenvolvimento rural, estrutura política, ciência e tecnologia, objetivos sociais.
O site www.indianembassy.org.br traz informações sobre oportunidades
de negócios, relações Índia-Brasil, economia e comércio (indicadores
econômicos, economia indiana, links para outras fontes), serviços consulares e informações panorâmicas para descobrir a Índia – país, povo,
governo, cultura, ciência e tecnologia, imprensa e turismo.
O site www.indianconsulate.org.br contém informações sobre o consulado da Índia em São Paulo. www.ddindia.net é o site de Doordashan,
sobre televisão e comunicação de massa, com muitas informações sobre
o país. O site www.itihaas.com traz informações sobre a história da
Índia e sua periodização.
239
Sobre o autor
Arquiteto, pesquisador-visitante do Instituto Indiano de
Administração, em Bangalore (1977-1978), Maurício
Andrés Ribeiro foi secretário de Meio Ambiente de Belo
Horizonte (1990-1992). De 1995 a 1998, presidiu a
Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais
(Feam) e de 1999 a 2002 trabalhou no Ministério do Meio
Ambiente, tendo sido diretor do Conselho Nacional de
Meio Ambiente. Atua ainda em organizações não-governamentais voltadas para a pesquisa da paz e para o federalismo mundial. É de sua autoria Ecologizar, pensando o ambiente humano (Belo Horizonte: Editora Rona, 2000).
Contatos com o autor podem ser feitos pelo e-mail
[email protected] ou pelo site www.ecologizar.com.br
Este livro foi produzido em um sistema de editoração eletrônica Macintosh,
usando os programas QuarkXPress e Photoshop. O texto foi composto na
fonte Syntax, 11pt. Os fotolitos foram realizados pela Rona Pré-Impressão,
e a impressão foi feita em papel Pólen 120g pela Rona Editora Ltda., com
tiragem de 1.000 exemplares. Belo Horizonte, verão de 2003.
Uma edição Santa Rosa Bureau Cultural

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