OCX – Organização para Cooperação de Xangai
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OCX – Organização para Cooperação de Xangai
OCX – Organização para Cooperação de Xangai XII Simulação de Organizações Internacionais – SOI 2012 2 APRESENTAÇÃO Bravos Delegados, É um grande prazer vos apresentar o guia de estudos da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) da SOI 2012, onde desenvolvemos os avanços e desafios da Ásia para sua integração, cooperação e estabilidade neste século XXI. A expectativa é de que os senhores tenham uma leitura agradável e que este guia sirva de norte para estudos mais aprofundados. Abordamos primeiramente as características institucionais da OCX, suas estruturas, funções e histórico, e partimos para uma breve descrição dos países que a compõem. Então, apresentamos a evolução geopolítica da região e adentramos de modo mais substancial nas questões e problemáticas de cooperação nos âmbitos de interesse da Organização, sempre buscando mostrar os diversos paradigmas atuantes. Ao final do guia, os senhores encontrarão mapas da Ásia para que possam se situar melhor em vossas pesquisas. Este guia foi forjado pelas mãos de seis lendários jovens que se dedicaram por quase um ano aos estudos e discussões impiedosas reunidos nesse texto acadêmico. Senhoras e senhores, os míticos: Homem de Ferro/Tony Stark (Derance Amaral Rolim Filho), diretor-geral. Esta é sua terceira SOI, segunda como staff. Formado em Direito pela UFRN, magnata das sex-shop e rock star problemático, é o responsável por manter o bonde andando mesmo com os heróis interagindo constantemente em distorções no tempo e espaço. Astrologicamente nefasto, pode ser tóxico e venenoso. Favor manusear com cuidado. É o Homem de Ferro por motivos de, mesmo sem poderes, permanecer inteligente, rico e ~muito~bem~acompanhado~. Mulher-Hulk, ou ainda Samie-Hulk (Samantha Nagle Cunha de Moura), diretora-geral, é formada em Direito pela UFRN e participa pela quinta vez da SOI, sendo sua segunda como staff. A face da responsabilidade do comitê, o que tem de alta, tem de concisa. Sendo bastante meiga, simpática e inteligente, melhor não vê-la irritada. 3 Seu maior poder é Vocabulário Hipster Infinito. É advogada porque pode. É a MulherHulk PORQUE SIM. Viúva Negra (Amanda Batista Silva Sousa), diretora-assistente, também responde por Amonda e Miss Cuervo. Estudante do 4º período do curso de Direito da UFRN, é nossa menina prodígio. Acordando todo dia (segundo a própria) com a energia de mil sóis, é constantemente assediada por agentes do PNUMA para usar seus poderes para o bem, embora espere se tornar diplomata um dia. Essa é sua segunda SOI, primeira no staff. Seu maior poder é Fazer Brownies Divinos. É a Viúva Negra por motivos de maridos misteriosamente desaparecidos e alto nível de persuasão. Capitão América (Anrhy Alcoforado de Souza Macedo), diretor-assistente, cursa o último período de Gestão de Políticas Públicas na UFRN e também almeja a carreira diplomática. É nosso militar oficial, avoado porém competente, de humor sagaz e comentários precisos. É sua terceira participação na SOI e primeira como diretor. Seu maior poder é Dar Caronas Salvadoras. É o Capitão América por motivos de ser militar e ser América. Thor (Hális Alves do Nascimento França), diretor-assistente, atualmente finge que estuda Direito Internacional na Universidade de Kobe, Japão. É o terceiro e último formado em Direito pela UFRN do comitê, completando assim o trio de tiozões da SOI 2012. Onipresente nas diversas redes sociais, sua compulsão por organização e limpeza é digna de Monica Geller. Essa será sua quinta SOI, quarta no staff. Seu poder é o (já famoso) Discurso Infinito. É Thor por motivos de habitar outra dimensão e poder retornar apenas com o devido alinhamento planetário. Tywin Lannister (Igor Mendes Cabral), diretor-assistente, está na prorrogação do curso de Economia na UFMG e esta será sua segunda SOI, primeira no staff. De um universo em que reis brigam por tronos e o inverno nunca chega, Igor veio calejado de muitas guerras e modelos, permitindo que ocupasse o posto de estrategista da OCX e conselheiro oficial sobre assuntos de Rússia e Bayern München. É boêmio e fanfarrão, honra o Bro Code e tem queda por natalenses. Seu poder é o Churrasco Rammstein. É Tywin Lannister por motivos de HEAR DAHOAM! 4 Esperamos que o comitê seja o mais proveitoso possível para todos e que os senhores o enriqueçam ao máximo. Que venha a SOI 2012 e que seja apocalíptica. Cordialmente, Derance Amaral, Samantha Nagle, Amanda Batista, Anrhy Alcoforado, Hális França e Igor Mendes 5 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................ 7 1. SOBRE A ORGANIZAÇÃO ....................................................................................... 9 1.1. Histórico ................................................................................................................. 10 1.2. Estrutura ................................................................................................................ 13 Figura 1: Estrutura da OCX .......................................................................................... 14 2. PAÍSES PARTICIPANTES ....................................................................................... 20 2.1. Membros ................................................................................................................. 20 2.1.1. Cazaquistão .......................................................................................................... 20 2.1.2. China .................................................................................................................... 22 2.1.3. Quirguistão ........................................................................................................... 24 2.1.4. Rússia ................................................................................................................... 26 2.1.5. Tajiquistão ............................................................................................................ 27 2.1.6. Uzbequistão .......................................................................................................... 28 2.2. Observadores ......................................................................................................... 30 2.2.1. Afeganistão.............................................................................................................30 2.2.2. Índia ...................................................................................................................... 30 2.2.3. Irã ......................................................................................................................... 34 2.2.4. Mongólia............................................................................................................... 35 2.2.5. Paquistão .............................................................................................................. 37 2.3. Parceiros de Diálogo .............................................................................................. 38 2.3.1. Bielorrússia .......................................................................................................... 38 2.3.2. Sri Lanka .............................................................................................................. 39 2.3.3. Turquia...................................................................................................................40 2.4. Convidado .............................................................................................................. 42 2.4.1. Turcomenistão ...................................................................................................... 42 3. INTEGRAÇÃO, COOPERAÇÃO E ESTABILIDADE NA ÁSIA PARA O SÉCULO XXI ................................................................................................................................. 44 3.1. Geopolítica da Ásia pós-2001 ................................................................................ 44 3.1.1. O lugar da Ásia Central no novo paradigma da Guerra ao Terror..................... 44 3.1.2. Percepções nacionais do novo papel da Ásia Central ......................................... 45 3.1.2.1. Rússia ................................................................................................................ 45 3.1.2.2. China.................................................................................................................. 46 3.1.2.3. Os países da Ásia Central .................................................................................. 47 3.1.2. 2005 a 2008 .......................................................................................................... 48 3.1.3. 2009 a 2012 .......................................................................................................... 50 3.2. Cooperação em Energia ........................................................................................ 51 3.3. Cooperação Econômica ......................................................................................... 53 3.4. Combate ao terrorismo e ao crime organizado .................................................. 57 3.4.1. Definições do terrorismo, sua relação com o crime organizado e as tensões asiáticas .......................................................................................................................... 57 3.4.2. A postura da OCX ................................................................................................ 61 3.5. As relações entre Rússia e China ......................................................................... 67 4. RELAÇÕES DA OCX ............................................................................................... 71 4.1. CSTO e CEI ........................................................................................................... 71 4.2. ASEAN.................................................................................................................... 73 4.3. Afeganistão ............................................................................................................. 73 4.4. EUA ......................................................................................................................... 76 6 4.5. União Europeia ...................................................................................................... 78 4.6. OTAN...................................................................................................................... 79 5. PERSPECTIVAS PARA A DÉCADA ...................................................................... 82 ANEXOS.........................................................................................................................84 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 846 7 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O ano é 2012 e o palco é o maior possível. A humanidade divisa no horizonte do novo milênio um futuro em que a Ásia se ergue para retomar por completo as rédeas do globo. Porém, muitas incertezas pavimentam a estrada para tal cenário, ao lado da esperança de alguns e medo de outros. Como o maior continente do planeta, o mais populoso, de riquezas imensuráveis, com as civilizações mais antigas e tradições duradouras, abarcando as maiores nações, alguém pode concluir que a Ásia também detém os maiores problemas – o que não deixa de ser verdade. Na mesma medida em que as semelhanças entre os povos asiáticos os unem, suas diferenças os repelem. Isso desponta como um dos maiores desafios para a formação de um espírito de unidade que persista, que se enraíze na região, de uma ideologia que valorize a confiança mútua, a parceria, a abertura, a transparência, o benefício mútuo – o que veio a ser batizado de o “Espírito de Xangai”. A Organização para Cooperação de Xangai representa a mais ampla e adequada arena para que os atores da região, assim como seus parceiros de além-Ásia, interajam, encarem e superem seus desafios nos anos 10 do século XXI em diante. Desafios esses que não são poucos nem simples – as particularidades culturais, históricas, econômicas e políticas, por si só, já representam um amálgama fervente de entraves para a integração dessas nações nos diversos níveis e âmbitos. Entretanto, havendo uma coordenação cautelosa, incisiva e eficaz, essas mesmas características ímpares podem se complementar e contribuir para uma estruturação otimizada nunca vista no continente. A despeito dos obstáculos, os países asiáticos compartilham interesses e objetivos comuns, sobre os quais devem ser alicerçadas as fundações de seu animus cooperativo, sejam a exploração e preservação para si dos recursos naturais e energéticos, a abertura e conexão mais profundas de suas economias, a luta pela estabilidade e segurança, tão ameaçadas e violadas por todo o continente, ou a defesa contra agentes externos e internos indesejados. A Organização vem se edificando no 8 sentido de fortalecer e concretizar tal ideário pouco a pouco, ora com movimentações grandiloquentes, ora com passos mais contidos. Os países asiáticos têm recuperado significativamente seu prestígio internacional neste século, encontrando-se num momento deveras favorável e crucial, tanto na dimensão política, quanto na econômica e social. A reunião do Conselho dos Chefes de Estado da OCX a ser simulada este ano terá o privilégio e o grande desafio de planejar e realizar as próximas jogadas no tabuleiro asiático, tendo diante de si um cenário de inúmeras possibilidades e variadas temáticas, todas elas, de certa maneira, interligadas – o que exigirá ponderação e análise cuidadosa dos resultados pretendidos, meios utilizados e efeitos decorrentes. No atual diagrama de traços tão sensíveis das relações internacionais, o inesperado toma ares de certeza e as ações se assoberbam de responsabilidade. Afinal, em uma conjuntura de intensa globalização, definir os rumos da Ásia é decidir o destino do mundo. Xangai, China. 9 1. SOBRE A ORGANIZAÇÃO A Organização para Cooperação de Xangai (OCX) é uma organização intergovernamental internacional fundada em Xangai no dia 15 de junho de 2001, composta por China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão1. Os idiomas oficiais adotados pela Organização para suas atividades são o chinês e o russo. O estabelecimento da OCX visou facilitar um melhor aproveitamento comum das oportunidades e dar respostas cooperativas a desafios e ameaças da região. A Organização tem como fundamentos o fortalecimento da paz e a certificação da segurança e da estabilidade da Ásia em um ambiente de desenvolvimento da multipolaridade política e de globalização da economia e da informação. Seu predecessor foi o Shanghai Five2. Partindo do “Espírito de Xangai” (Shanghai Spirit), a OCX desenvolveu sua política interna baseada em princípios de confiança e benefício mútuos, igualdade de direitos, respeito pela diversidade cultural e aspiração a um desenvolvimento comum. Sua política externa, por sua vez, é alicerçada nos princípios de não alinhamento, de não direcionamento contra outra organização e/ou país e de abertura.3 Moscou, Rússia. Elencam-se entre os principais objetivos da Organização: a) o fortalecimento da confiança mútua e de relações de boa-vizinhança entre os países-membros; b) a promoção de efetiva cooperação nas áreas de política, comércio e economia, ciência e tecnologia, cultura e educação, energia, transporte, turismo, proteção ao meio ambiente, entre outros; c) a realização de esforços conjuntos para manter e assegurar a paz, 1 GLOBAL SECURITY.ORG. Shanghai Cooperation Organization (SCO). Disponível em: <<http://www.globalsecurity.org/military/world/int/sco.htm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 2 O Shanghai Five será melhor abordado no próximo subtópico. 3 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Brief introduction to the Shanghai Cooperation Organisation. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/brief.asp>>. Acesso em 05 mar. 2012. 10 segurança e estabilidade na região, visando uma nova, democrática, justa e racional ordem internacional política e econômica4. A OCX ocupa 60% do território da Eurásia, além de representar um quarto da população mundial5. Com seu crescimento no cenário político internacional, atraiu a atenção de diversos países que almejavam participar de suas atividades. Neste contexto, Mongólia, Índia, Irã e Paquistão adquiriram status de países observadores e Sri Lanka e Bielorrússia tornaram-se parceiros de diálogo, alcançando um nível considerável de interação com a Organização em diversas áreas de interesse. Além disso, é corriqueiro haver países e/ou organizações internacionais participando como convidados nas reuniões. Apesar do desejo de parte desses Estados de integrar a OCX como membros efetivos, os países-membros se mostram hesitantes em conceder tal privilégio, com receio de perder a coesão até então adquirida. 1.1. Histórico A Organização para Cooperação de Xangai teve suas origens no Shanghai Five, um fórum multilateral fundado por China, Rússia, Tajiquistão, Cazaquistão e Quirguistão em Xangai no ano de 1996. Esse mecanismo de cooperação internacional tinha como escopo fundamental discutir e aprimorar medidas de segurança e confiança nas áreas limítrofes entre aqueles países. As raízes históricas desta tensão fronteiriça consistem em uma herança do conflito sino-soviético, ocorrido no fim da década de 60, o qual levou a uma excessiva militarização entre China e URSS. Com o fim da Guerra Fria, essa apreensão militar perdeu o sentido, tornando precípuo o corte de gastos com manutenção do aparato usado na região, visto que já não havia iminência de conflito e uma desconfiança entre os países estava surgindo.6 Gozando de um clima amistoso e da disposição dos chefes de Estado, o Shanghai Five alcançou um alto grau de confiança entre os países-membros em um curto espaço de tempo. Esse fato pode ser constatado ao se analisar as medidas postas em prática pelo mecanismo, dentre as quais merecem destaque a tomada de decisões 4 Ibidem. JAFRI, Sameer. Rise of the SCO (Shanghai Cooperation Organisation). Disponível em: <<http://www.globalpolitician.com/26955-sco-china-russia-usa-asia>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 6 JIA, Qingguo. The Success of the Shanghai Five: Interests, Norms and Pragmatism. Disponível em: <<http://www.comw.org/cmp/fulltext/0110jia.htm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 5 11 concretas a fim de amenizar a tensão nas áreas fronteiriças7, a elaboração de documentos como o Tratado para o Aprofundamento da Confiança Militar nas Áreas de Fronteiras (Treaty on Deepening Military Trust on Border Regions) e o Tratado para Redução de Forças Militares nas Regiões de Fronteira (Treaty on Reduction of Military Forces in Border Regions), a realização de acordos bilaterais, a preocupação de agir em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e a discussão de temas não militares, como a promoção da paz e da estabilidade na região e a cooperação econômica. A discussão desses tópicos e a crescente preocupação com assuntos como o separatismo, o extremismo, o terrorismo e o tráfico ilegal de drogas e armas mostrava uma disposição a dar um novo passo em direção ao fortalecimento dessa relação entre Estados. O sucesso do Shanghai Five pode ser atribuído, sobretudo, ao foco nas áreas de interesse mútuo, à adoção de normas internacionais de comportamento similares por parte dos países envolvidos e a uma aproximação gradual que concedeu tempo construir confiança coordenação países.8 entre para e os Almaty, Cazaquistão. Em 2001, com a aceitação do pedido do Uzbequistão para fazer parte do grupo, os países oficializaram sua relação como bloco de atuação multilateral, transformando o Shanghai Five em Organização para Cooperação de Xangai através da Declaração sobre o Estabelecimento da Organização para Cooperação de Xangai (Declaration on the Establishment of the Shanghai Cooperation Organization).9 O documento anunciava que o aumento do nível de cooperação tinha como objetivo o melhor aproveitamento 7 ROZOFF, Rick. The Shanghai Cooperation Organization: Prospects For A Multipolar World. Disponível em: <<http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=13707>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 8 JIA, Qingguo, op. cit. 9 HUMAN RIGHTS IN CHINA. Appendix A.1: Declaration on the Establishment of the Shanghai Cooperation Organization. Disponível em: <<http://www.hrichina.org/content/5203>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 12 das oportunidades e o melhor gerenciamento dos novos desafios e ameaças que se apresentavam na região.10 O contexto de formação da OCX era de reestruturação das alianças entre os países e, consequentemente, da política internacional, haja vista a capitulação da ordem bipolar previamente dominante. Diante desta nova ordem, existia uma ideia globalmente difundida de que se deveria adotar o molde ocidental de democracia liberal (representado pelos EUA) e realizar a abertura dos mercados a fim de ter êxito no novo panorama internacional. Contudo, essa ideia foi refutada por países que não dividiam as mesmas raízes culturais ocidentais dos Estados Unidos e o objetivo de uma ordem unipolar foi destruído, revelando a importância das potências regionais na resolução de conflitos e a necessidade de um mundo multipolar. Assim, o surgimento e fortalecimento da OCX estão relacionados a esta necessidade de respeitar e promover as particularidades locais. Apesar de estar expressamente dito na Carta da Organização que ela não é “direcionada contra outro Estado ou Organização Internacional”11, sendo essa posição frequentemente defendida por seus representantes12, o fortalecimento do poder regional e das alianças entre os países-membros decorr ente das atividades da OCX procuram repelir a atuação e a interferência de outros Estados e organizações (como a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte) em seu âmbito de atuação. Os Estados Unidos, inclusive, tentaram um status de observador na Organização, a qual declinou, mesmo tendo aceitado outras quatro requisições, o que revela um interesse em manter a contiguidade regional e ampliar as relações dentro da Ásia.13 10 GLOBAL SECURITY.ORG, op. cit. Tradução livre de “The SCO abides by the following basic principles: (...) non-alignment and no directing against any other country or organization” (SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Charter of the Shanghai Cooperation Organisation. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=69>>. Acesso em: 05 mar. 2012). 12 “O Secretário Geral da OCX, Imanaliev, em uma entrevista para a agência ‘Xinhua’ às portas da 9ª reunião (2010) dos Chefes de Governo dos países-membros da OCX observou que a OCX não é uma organização militar e que suas ações não são direcionadas contra nenhum outro país ou outra organização internacional e que segue estritamente essas disposições. Além disso, ele observou que a Organização continuará a lutar contra as ‘três forças malignas’ a fim de assegurar a segurança e estabilidade na região. De acordo com suas palavras, as atividades militares realizadas dentro da OCX visam primordialmente o combate ao terrorismo.” (tradução nossa). Disponível em <<http://easttime.info/analytics/centalasia/features-military-cooperation-between-sco-member-states>>. Acesso em: 13 mar. 2012. 13 HIRO, Dilip. Shanghai surprise: the summit of the Shanghai Cooperation Organisation reveals how power is shifting in the world. Disponível em: <<http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2006/jun/16/shanghaisurprise>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 11 13 Em junho de 2002, os chefes de Estado dos países-membros assinaram a Carta da OCX em uma reunião em São Petersburgo. Com isso, os propósitos e os princípios da Organização foram expandidos, assim como sua estrutura organizacional, forma de operação, cooperação, orientação e relações externas, marcando o real estabelecimento da OCX para o Direito Internacional.14 Dois anos depois, o pedido da Mongólia para se tornar país observador foi aceito, tendo Índia, Irã e Paquistão recebido o mesmo status no ano subsequente15. Em junho de 2009, o Sri Lanka se tornou parceiro de diálogo16, ocorrendo o mesmo com a Bielorrússia17 no ano seguinte. Em junho de 2012, o Afeganistão foi aceito como o mais novo país observador da Organização e a Turquia tornou-se parceira de diálogo na mesma ocasião. Em junho de 2005, a quinta cúpula da OCX, realizada em Astana, capital do Cazaquistão, recebeu, pela primeira vez, representantes dos países recém-admitidos como observadores e ficou marcada como divisora de águas quando o presidente do país anfitrião, Nursultan Nazarbayev, saudou os convidados dizendo: “Os chefes de Estado sentados aqui nesta mesa de negociação são representantes de metade da humanidade".18 Essa frase nunca antes havia sido proferida e demonstrou com exatidão a que ponto o poder político sustentado pela OCX chegara. 1.2. Estrutura A Organização para Cooperação de Xangai, a fim de pôr em prática os objetivos aos quais se propõe, é composta por sete órgãos. O Conselho de Chefes de Estado, detalhado a seguir, pode estabelecer a criação de outros órgãos, respeitando o procedimento disposto na Carta da Organização. Ver também: YOUTUBE. Shanghai Cooperation Organisation. Disponível em: <<http://www.youtube.com/watch?v=-tZodkQulVI>>. Acesso em: 16 fev. 2012. 14 GLOBAL SECURITY.ORG, op. cit. 15 SCHEINESON, Andrew. The Shanghai Cooperation Organization. Disponível em: <<http://www.cfr.org/international-peace-and-security/shanghai-cooperation-organization/p10883>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 16 MINISTRY OF DEFENCE AND URBAN DEVELOPMENT – SRI LANKA. Sri Lanka gains partnership in SCO members welcome end to terror in country. Disponível em: <<http://defence.lk/new.asp?fname=20090618_05>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 17 MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF THE REPUBLIC OF BELARUS. Shanghai Cooperation Organization. Disponível em: <<http://www.mfa.gov.by/en/organizations/membership/list/c2ee3a2ec2158899.html>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 18 ROZOFF, Rick, op.cit. 14 Figura 1: Estrutura da OCX O Conselho de Chefes de Estado, o qual será simulado por este comitê, é o órgão supremo na estrutura da OCX e a última instância na tomada de decisões 19. Suas atribuições são a definição de áreas de prioridade e as diretrizes da Organização, determinar questões fundamentais de arranjo e funcionamento interno, assim como de cooperação com outros países e organizações internacionais, além de avaliar tópicos globais de grande relevância. As reuniões do Conselho de Chefes de Estado acontecem todo ano e são sediadas alternativamente nos países-membros de acordo com a ordem do nome do país no alfabeto russo. O presidente do país anfitrião assume a presidência rotatória da Organização. O Conselho dos Chefes de Governo reúne os Primeiros-Ministros dos paísesmembros e tem como principais atribuições estabelecer o orçamento da OCX e estudar e determinar as questões mais importantes em áreas específicas do quadro de trabalho interno da Organização. Este órgão analisa a viabilidade da implantação das medidas formuladas pelo Conselho dos Chefes de Estado, levando em conta as particularidades 19 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION, op. cit. 15 de cada governo e atuando mais na esfera econômica que política. Suas reuniões também ocorrem anualmente e são presididas pelo Primeiro-Ministro do país anfitrião. O Conselho dos Ministros das Relações Exteriores é responsável por estudar e resolver os principais problemas decorrentes de atividades cotidianas da OCX, inclusive organizar a reunião do Conselho dos Chefes de Estado e efetuar consultas sobre assuntos internacionais. Ele pode, da mesma forma, falar em nome da Organização. Trata-se de um órgão para formulação de políticas para atuação da OCX de acordo com o que ocorre no cenário internacional. Suas reuniões se dão geralmente um mês antes da reunião do Conselho dos Chefes de Estado, visto que muitos dos temas ali debatidos são propostos pelo Conselho dos Ministros das Relações Exteriores. Reuniões extraordinárias podem acontecer por iniciativa de, pelo menos, dois países-membros e sob o consentimento dos Ministros de Relações Exteriores dos outros países, caso algum acontecimento internacional torne-as necessárias. O presidente deste órgão é o Ministro das Relações Exteriores do país que sedia a reunião do Conselho dos Chefes de Estado e é responsável por conduzir as relações externas em nome da OCX. Na Conferência dos Chefes de Ministérios/Agências, os Chefes dos Ministérios de cada Estado-membro se organizam em grupos de trabalho de acordo com suas funções ministeriais, de modo a discutir cada tema promovendo uma maior integração entre os países. Assim, tem como função precípua estudar e resolver questões específicas de interação e desenvolvimento em determinadas áreas. Suas reuniões devem ocorrer em data previamente agendada entre os ministérios ou agências e será presidida por um chefe de ministério do país anfitrião. O Conselho dos Coordenadores Nacionais é um órgão de coordenação e gerenciamento das atividades rotineiras da OCX, sendo os coordenadores nacionais escolhidos por cada país-membro de acordo com suas próprias leis e procedimentos internos. É responsável pela preparação necessária à realização das reuniões do Conselho dos Chefes de Estado, do Conselho dos Chefes de Governo e do Conselho dos Ministros de Relações Exteriores. Suas reuniões ocorrem, pelo menos, três vezes ao ano, sempre no Estado que sediou a reunião dos Chefes de Estado anterior, e seu diretor é o coordenador nacional desse país. Ele pode representar a OCX externamente, sujeito à autorização do diretor do Conselho dos Ministros de Relações Exteriores. 16 A Estrutura Regional Anti-Terrorista (Regional Anti-Terrorist Structure – RATS) é um órgão permanente da OCX fundado em 2004 e localizado em Tashkent, capital do Uzbequistão. Sua maior importância é coordenar as atividades dos paísesmembros da Organização no combate ao terrorismo, separatismo e extremismo através de uma integração das informações de seus serviços secretos, incluindo a criação de um banco de dados comum e a elaboração conjunta de documentos jurídicos internacionais20. A RATS é composta por um Conselho e um Comitê Executivo. O primeiro é um órgão de liderança e de tomada de decisões, composto por altos oficiais das competentes autoridades dos países- membros. O Comitê Executivo é o órgão de rotina e seu Diretor Executivo é apontado pelo Conselho dos Chefes de Estado da Organização21. Chefes de Estado reunidos para encontro em 2011. O Secretariado é o órgão executivo permanente da OCX, localizado em Pequim. Ele deve dar apoio técnico e organizacional às atividades da Organização, participar no estudo e implementação de seus documentos e encaminhar sugestões para a elaboração do orçamento. O Secretário Executivo, chefe do Secretariado, é apontado pelo Conselho dos Chefes de Estado entre os nomeados pelo Conselho dos Ministros de Relações Exteriores para um mandato único de três anos. Sua nacionalidade segue a ordem alfabética dos nomes dos países-membros em russo. 1.3. Atividades, competências e funções Enquanto sujeito do Direito Internacional, a Organização para Cooperação de Xangai tem capacidade legal internacional. Ela deve ter essa capacidade no território de 20 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. The Executive Committee of the Regional Counter-Terrorism Structure. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/AntiTerrorism.asp>> Acesso em: 05 mar. 2012. 21 MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA. Shanghai Cooperation Organization. Disponível em: <<http://www.fmprc.gov.cn/eng/topics/sco/t57970.htm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 17 cada Estado-membro, como se faz necessário à realização de suas metas. A Organização deve desfrutar dos direitos de uma pessoa jurídica e pode, particularmente, assinar tratados, adquirir propriedades móveis ou imóveis e dispor delas, participar de cortes como litigante, abrir contas bancárias e realizar transações monetárias.22 Com o propósito de realizar as atividades a que se dispõe, a OCX deve ter seu próprio orçamento elaborado e executado conforme um acordo especial entre os paísesmembros. Esse acordo também deve determinar com quanto cada um deles contribuirá anualmente para a arrecadação de fundos, baseado em um princípio de compartilhamento de custos. Os recursos orçamentários devem ser usados para financiar os órgãos da Organização, de modo que os países-membros devem cobrir suas próprias despesas com a participação de seus representantes e especialistas. O processo de tomada de decisões dos órgãos da OCX deve acontecer por consenso, já que suas decisões somente são adotadas se nenhum Estado-membro levantar objeções. A exceção reside nas decisões de suspensão de membros ou expulsão da Organização, que devem ser feitas pelo “consenso menos um voto do país-membro em questão”.23 As medidas tomadas pelos órgãos da OCX deverão ser executadas pelos paísesmembros de acordo com os procedimentos estabelecidos em suas legislações nacionais. Qualquer expor Estado-membro pode sua opinião sobre determinados aspectos e/ou problemas concretos das medidas concebidas, não sendo isso um obstáculo para que ele aceite a decisão como um todo. Em todo caso, essa opinião contrária deverá ser registrada. Chefes de Estado na Missão de Paz de 2007. Se um ou vários membros não se mostrarem interessados em um projeto de cooperação, este não deixará de ser posto em prática pelos países que com ele 22 23 Carta da OCX. Ibidem. 18 concordaram. Os países-membros que, a priori, não concordaram com essa medida não são impedidos de aderir ao projeto posteriormente. Os países observadores24 participam das reuniões e atividades da OCX permanentemente, porém de forma limitada, não podendo votar ou propor resoluções, por exemplo. Em contrapartida, a OCX tira proveito dessa participação “absorvendo seus grandes potenciais, recursos e mercados”25. Em 2009, a Organização criou o status de parceiro de diálogo26, o qual deve ser concedido a países ou organizações que dividem os mesmos objetivos e princípios da OCX, visando obter relações de beneficiamento mútuo em alguma área de interesse. Muitas decisões tomadas sob os auspícios da OCX são, na realidade, acordos bilaterais, com a Organização simplesmente fornecendo um local conveniente para as negociações. China e Rússia dedicam mais atenção às suas relações com cada um dos Estados da Ásia Central que às suas relações mediadas pela OCX, embora haja um esforço para dar um brilho multilateral a estas iniciativas.27 As atividades realizadas pela OCX são direcionadas ao desenvolvimento da cooperação nas áreas de interesse dos países-membros, especificadas na Carta da Organização. Em assuntos externos concernentes a temas de interesse mútuo, a Carta da OCX determina que os países-membros devem buscar posições comuns, inclusive em problemas que venham a surgir dentro de outras organizações e fóruns internacionais28. Além disso, a OCX realiza exercícios de treinamento militar conjuntos, os quais já ocorreram diversas vezes nos últimos anos e denotam a importância atribuída à área de cooperação em segurança29. 24 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. The Regulations on Observer Status at the Shanghai Cooperation Organisation. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=65>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 25 XINHUANET. SCO vows to strengthen cooperation with its observers, dialogue partners. Disponível em: <<http://news.xinhuanet.com/english2010/china/2010-06/11/c_13345841.htm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 26 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Regulations on the Status of Dialog Partner of the Shanghai Cooperation Organisation. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=64>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 27 WEITZ, Richard. Military Exercises Underscore the SCO’s Character. Disponível em: <<http://cacianalyst.org/?q=node/5565>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 28 Carta da OCX. 29 Para mais informações a respeito dos exercícios militares da OCX, ler: BROOKINGS. Learn from the Shanghai Cooperation Organization’s ‘Peace Mission-2010’ Exercise. Disponível em: 19 No campo da cooperação econômica regional, estimula-se um ambiente favorável ao comércio e aos investimentos, almejando alcançar gradualmente a livre circulação de bens, capitais, serviços e tecnologias30. Para tanto, a Organização trabalha de forma a aproveitar ao máximo a infraestrutura disponível em transportes e comunicações, além de estimular seu melhoramento. Nesse contexto, existe também o objetivo de se formar, dentro da OCX, um “clube da energia”, haja vista a abundância de recursos da região para o setor energético, o qual pode ajudar a promover o desenvolvimento nos países mais pobres.31 A função social da Organização para Cooperação de Xangai é de desenvolvimento social e cultural na região através de ações conjuntas com o escopo de aperfeiçoar o padrão de vida dos povos dos países-membros, assim como promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais, de acordo com as obrigações internacionais e as legislações nacionais dos países-membros.32 Outra esfera de atuação da OCX é o gerenciamento saudável do meio ambiente, incluindo a preservação dos recursos hídricos da região. A Organização põe em prática determinados projetos e programas conjuntos sobre o tema, abrangendo, até mesmo, uma assistência mútua na prevenção de desastres – naturais e provocados pelo homem – e na reconstrução dos países em casos de ocorrência.33 A interação em áreas como ciência e tecnologia, educação, saúde, cultura, esportes e turismo é fortemente motivada entre os países-membros – tendo, inclusive, o presidente da Rússia, Vladmir Putin, em 2007, sugerido a criação de uma Universidade <<http://www.brookings.edu/opinions/2010/1029_asia_war_games_boland.aspx>>. Acesso em: 05 mar. 2012 30 Carta da OCX. 31 SCHEINESON, op. cit. 32 Carta da OCX. 33 Carta da OCX. 20 da OCX34. Também é incentivada a troca de informações legais que auxiliem o desenvolvimento da interação dentro da Organização. Ademais, essas áreas de cooperação no âmbito da OCX não são taxativas, podendo ser expandidas por acordo mútuo. 2. PAÍSES PARTICIPANTES 2.1. Membros 2.1.1. Cazaquistão O Cazaquistão é o nono maior país do mundo, com uma área de 2.724.900 km² e uma população de 17.522.010 de pessoas35. O país se encontra no norte da Ásia Central, com uma pequena porção a oeste do rio Ural, localizada no extremo oriente da Europa, 34 EURASIANET. Central Asia: SCO Leaders Focus On Energy, Security, Cooperation. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/pp081607.shtml>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 35 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Kazakhstan. Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/kz.html>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 21 e faz fronteira ao norte com a Rússia, a leste com a China, ao sul com o Quirguistão e o Uzbequistão e a oeste com o Turcomenistão e o Mar Cáspio. Além de enormes reservas de combustíveis fósseis, o Cazaquistão é abundante em fontes de outros minerais e metais, como o urânio, o cobre e o zinco. Somado a isso, uma economia liberalizada, aberta a investimentos ocidentais, garante ao Cazaquistão potencial para se tornar um dos países mais ricos da Ásia Central. Sua população é basicamentex composta por cazaques e russos, havendo, ainda, uzbeques, ucranianos, entre outras minorias. Quanto à religião, é quase igualmente dividida entre islâmicos e ortodoxos russos. O cazaque e o russo são os idiomas oficiais, sendo o último considerado a “língua de comunicação entre as etnias”36. A expectativa de vida é de 66,4 anos e o PIB per capita é de 8.513 dólares 37. Em 1997, a capital foi transferida de Almaty – a maior cidade do país – para Astana (antiga Aqmola)38. Devido ao intenso desenvolvimento da agricultura e ao fato de que o governo soviético utilizava o território cazaque para testes de armas nucleares, diversos problemas ambientais vieram à tona no fim do século passado. Além disso, o Mar Cáspio encontra-se poluído e os rios que desembocam no Mar de Aral estão secando e deixando uma camada prejudicial de pesticidas e sais minerais após terem sido desviados para irrigação.39 Historicamente, o povo cazaque foi formado por uma mistura de tribos turcas e mongóis que migraram para a região no século XIII, não sendo unidos como uma nação. No século XVIII passou ao domínio russo e em 1936 se tornou uma República Soviética – quando houve uma grande mistura étnica na região. Em outubro de 1990, declarou sua soberania e tornou-se independente durante o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 16 de dezembro de 1991, integrando a Comunidade dos Estados Independentes (CEI) pouco depois. Em 1993, aderiu ao 36 CIA, op. cit. EURASIANET. Kazakhstan. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/resource/kazakhstan>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 38 INFOPLEASE. Kazakhstan. Disponível em: <<http://www.infoplease.com/ipa/A0107674.html>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 39 CIA, op. cit. 37 22 Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e em 1995 teve sua atual Constituição adotada40. A forma de governo atual é a república. O presidente, Nazarbayev, chegou ao poder em 1989 como primeiro secretário do Partido Comunista do Cazaquistão, sendo eleito presidente no ano seguinte – quando o país ainda era parte da União Soviética41. Com a independência em 1991, Nazarbayev se reelegeu presidente e comanda autoritariamente até hoje, concentrando o poder no executivo. O Cazaquistão mantém relações estáveis com todos seus vizinhos. Ademais, nutre relações diplomáticas com todas as regiões do globo, integrando a CEI, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) e a Comunidade Econômica Eurasiática (Eurasian Economic Community – EurAsEC42). Também é participante ativo no Programa de Parceria para Paz (PP) da OTAN e mantém diálogos sobre segurança regional com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Association of Southeast Asian Nations – ASEAN)43. É país-membro da OCX desde sua gênese, tendo sido, da mesma forma, país fundador do Shanghai Five. 2.1.2. China A República Popular da China é o país mais populoso do mundo, somando 1,3 bilhões de habitantes, a segunda maior economia mundial – atrás apenas dos EUA – e o segundo maior país em termos de área terrestre (9,6 milhões de quilômetros quadrados), perdendo para a Rússia. A China também detém a maior força militar do planeta. 40 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Kazakhstan. Disponível <<http://www.sectsco.org/EN/Kazakhstan.asp>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 41 BBC. Kazakhstan country profile. Disponível <<http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/country_profiles/1298071.stm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 42 Composta por Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e Tajiquistão. 43 US DEPARTMENT OF STATE. Background Note: Kazakhstan. Disponível <<http://www.state.gov/r/pa/ei/bgn/5487.htm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. em: em: em: 23 Localizada no leste asiático, possui a fronteira terrestre mais longa do mundo, compartilhando-a com 14 países (Vietnã, Laos e Burma no sudeste; Paquistão, Índia, Nepal e Butão ao sul; Cazaquistão, Tajiquistão e Quirguistão na região central da Ásia; Rússia, Mongólia e Coreia do Norte na região setentrional). Os limites marítimos da China se encontram com os do Japão, Filipinas, Coreia do Sul e Vietnã. Devido à disputa com Taiwan, ambos reclamam territórios mutuamente. Porém, de maneira geral, a fronteira entre os dois países se perfaz pelo Estreito de Taiwan. A origem da China remonta à da civilização chinesa, uma das mais antigas do mundo. A partir do Rio Amarelo, floresceram hereditárias monarquias (dinastias) que perduraram até o início do século XX. Em 1911, foi fundada a República da China. Ao fim da década de 40, sobreveio a Guerra Civil Chinesa quando os comunistas assumiram o poder, tendo Pequim como sede. Derrotados, os Nacionalistas recuaram para Taiwan e fixaram capital em Taipei. Assim, teve início o conflito entre China e Taiwan que perdura até hoje, com os países reclamando território alheio e batalhando por reconhecimento internacional. O governo comunista abriu espaço para o mercado em reformas econômicas no ano de 1978, o que fez da China a economia em maior crescimento do mundo desde então. A China ocupa um dos assentos permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), além de fazer parte de outros grupos da maior relevância internacional, como o G-20, a Organização Mundial do Comércio (OMC), os BRICS (a ser explicado mais adiante) e a Organização para Cooperação de Xangai. Possui papel bastante proeminente e ativo na OCX, ao lado da Rússia, com a qual compartilha inúmeros avanços em cooperação econômica e militar (na forma, por exemplo, dos exercícios militares frequentes, as Missões de Paz, ou “Peace Missions”44), agregando 44 CHINA.ORG.CN. PLA's drills with foreign military not direct against third parties. Disponível em: <<http://www.china.org.cn/world/2011-03/31/content_22264975.htm>>. Acesso em: 07 abr. 2012. 24 ainda um estreitamento e reforço das relações políticas desde as origens da Organização. Além da coordenação militar, a China atua com distinção no combate ao tráfico de drogas45 e tem usado a plataforma da OCX para fortalecer suas relações bilaterais com os países da Ásia Central, principalmente em termos econômicos, e também para expandir uma cooperação multilateral, no âmbito da Organização, em áreas extraeconômicas. Nesse intuito, a China, atual ocupante da cadeira presidencial, propôs que este ano de 2012 fosse designado como o “Ano da Boa Vizinhança e Amizade” e vem se esforçando para que isso reflita em suas ações nos encontros da OCX. 2.1.3. Quirguistão O Quirguistão é um país cheio de belezas naturais, localizado no coração da Ásia Central, fazendo fronteira ao norte com o Cazaquistão, a oeste com o Uzbequistão, a sudoeste com o Tajiquistão e a leste com a China. Tem uma área de 199.951 km² e 5.496.737 habitantes. Sua população é composta basicamente por quirguizes, russos e uzbeques, fato que é refletido nos idiomas adotados, sendo o quirguiz e o russo oficiais e o uzbeque falado por quase 15% da população. Três quartos de sua população é islâmica e um quinto, ortodoxa russa. Sua capital é a cidade de Bisqueque46. O povo quirguiz se assentou na região atualmente ocupada pelo país por volta dos séculos XV e XVI. Em 1876, o território foi formalmente anexado ao Império Russo. A invasão russa instigou diversas revoltas contra a autoridade do czar. Em 1916, quase um sexto de seu povo morreu durante uma importante revolta contra o regime47. 45 CHINA.ORG.CN. SCO member states to strengthen drug control. Disponível em: <<http://www.china.org.cn/china/2012-04/03/content_25057468.htm>>. Acesso em: 07 abr. 2012. 46 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Kyrgyzstan Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/kg.html>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 47 Ibidem. 25 Durante esse período, ainda, muitos migraram para a China ou para o Afeganistão. Em 1936, o país se tornou uma República Soviética. Em 1990, uma tensão étnica entre quirguizes e uzbeques, em uma região de maioria uzbeque, levou a um estado de emergência que só foi estabilizado após dois meses. Ainda nesse ano, Askar Akayev foi eleito presidente sob uma bandeira revolucionária. Em 31 de agosto de 1991, o Quirguistão declarou sua independência da URSS e, em 21 de dezembro do mesmo ano, passou a integrar a CEI.48 Na primavera de 2005, como resposta a um governo corrupto e totalitário, manifestações em todo o país derrubaram o presidente Akayev, no movimento que ficou conhecido como Revolução da Tulipa, elegendo para ocupar seu lugar, por ampla maioria, o ex-primeiro-ministro Kurmanbek Bakiev. Em 2010, Bakiev foi deposto pelos mesmos motivos que depuseram seu antecessor. Sua sucessora, Roza Otumbaeva foi a presidente provisória até Almazbek Atambaev assumir o cargo no fim de 2011. Atualmente, o país ainda se preocupa com questões como a redemocratização, a corrupção, os conflitos étnicos e o terrorismo.49 Além disso, metade de sua população vive abaixo da linha da pobreza e é o país mais pobre da Ásia Central. 50 O PIB per capita é de menos de 1.000 dólares e a expectativa de vida não chega aos 67,4 anos.51 No entanto, o país, ao aparentemente obter sucesso na transição para um sistema parlamentar multipartidário, livrou-se de um Poder Executivo dominante, o principal impedimento para maiores mudanças nos outros países da Ásia Central.52 O Quirguistão tem grandes reservas minerais, incluindo consideráveis jazidas de ouro e outros metais preciosos. Ademais, tem grande potencial hidrelétrico em razão de seus recursos hídricos abundantes. É notória, além disso, a poluição da água da região em decorrência da exploração de ouro, levando a sérios problemas ambientais.53 Ainda 48 U.S. DEPARTMENT OF STATE. Background Note: Kyrgyzstan. Disponível em: <<http://www.state.gov/r/pa/ei/bgn/5755.htm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 49 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, op. cit. 50 ESTADÃO. Saiba mais sobre o Quirguistão. Disponível em: <<http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,saiba-mais-sobre-o-quirguistao,535129,0.htm>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 51 EURASIANET. Kyrgystan. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/resource/kyrgyzstan>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 52 THAROOR, Ishaan. Faded Tulips: Kyrgyzstan’s Counterfeit Revolution. Disponível em: <<http://lightbox.time.com/2012/03/21/faded-tulips/#1>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 53 TRILLING, David. Kyrgyzstan: Gold Mine Could Exacerbate Central Asian Water Woes. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/node/64928>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 26 assim, sua economia é preponderantemente baseada no setor agrícola, com destaque para o tabaco e o algodão. As relações exteriores do Quirguistão são especialmente intensas com a Rússia e o Cazaquistão. A Turquia, desejosa de aproveitar os laços étnicos e culturais com a região, encontrou na República do Quirguistão um Estado receptivo a cultivar relações bilaterais.54 Além da Organização para Cooperação de Xangai, o país faz parte da OSCE, da CEI, da OMC e da ONU. Por fim, enfatiza-se o Centro de Trânsito em Manas, uma instalação militar americana no Aeroporto Internacional de Manas, próximo a Bisqueque, de apoio logístico para os esforços coletivos no Afeganistão55. 2.1.4. Rússia A Federação da Rússia passou a existir em 1º de janeiro de 1992 e é sucessora legal da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), herdando seu assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, por exemplo. Tem o sexto maior PIB do mundo e uma população de aproximadamente 150 milhões de habitantes. Com o maior território do planeta, a Rússia faz fronteira com uma grande quantidade de países de diferentes culturas e etnias. Entre os vizinhos russos figuram a Finlândia, a Polônia, a Geórgia, o Cazaquistão, a Mongólia, a China e o Japão, apenas para ilustrar a diversidade cultural que avizinha o maior país em extensão territorial do mundo. A Rússia enxerga em Xangai um dos canais para fortalecer a sua perspectiva de arranjo global – compartilhada pela China –, que consiste na construção de um mundo multipolar, em que todos os Estados são responsáveis (em maior ou menor medida) pela manutenção da segurança internacional, sem a existência de um hegêmona e com o respeito à soberania de cada país figurando entre as prioridades globais.56 54 U.S. DEPARTMENT OF STATE, op. cit. Ibidem. 56 IVANOV, Igor. The New Russian Diplomacy. Brookings Institution Press, Washington, 2002. 55 27 Dentro desta perspectiva, a Nova Política Externa da Rússia, constituída desde a administração Putin, coloca-se como prioridade a aproximação comercial e diplomática com as novas repúblicas que outrora pertenciam à União Soviética. Neste contexto, se expressa a importância da cooperação no combate ao extremismo islâmico, ao terrorismo e ao separatismo, tanto para garantir a segurança do povo russo na Rússia e em países vizinhos, quanto para promover um cenário de estabilidade fundamental para o amadurecimento das democracias vizinhas que, por sua vez, também contribuem para a construção de um espaço asiático mais seguro. É uma via de mão dupla de promoção da segurança regional. Além disso, a OCX tem se mostrado um mecanismo importante para a reconstrução das relações entre Rússia e China no período pós-soviético. Desde o Shanghai Five, a iniciativa proporciona oportunidades de diálogo e cooperação imprescindíveis aos dois países que, através de ações conjuntas guiadas por interesses comuns, podem se estabelecer como polos de poder alternativos aos Estados Unidos.57 2.1.5. Tajiquistão O Tajiquistão é um dos muitos países que nasceram da queda da URSS e possui um território especialmente montanhoso e sem acesso para o mar, fazendo fronteira com Afeganistão, Quirguistão economia Uzbequistão, e China. se Sua baseia principalmente na produção de algodão, alumínio e urânio. No campo religioso, em sua maioria os tajiques professam o Islã. Sua capital é Dushanbe.58 O Tajiquistão é o país menos desenvolvido economicamente dentro da OCX, bem como o mais vulnerável em termos de segurança interna e estabilidade social. 57 ARIS, Stephen. Russian-Chinese Relations Through the Lens of the SCO. Russie Nei Visions, Institut Français des Relation Internationales, Paris, v. 1, n. 34, September, 2008. 58 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Tajikistan. Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ti.html>>. Acesso em: 16 abr. 2012. 28 Marcado por uma guerra civil logo nos primeiros anos de independência, o Tajiquistão tem passado por um lento processo de reconstrução desde o fim do conflito em 1997.59 A maior ameaça à reestruturação do país rumo ao fortalecimento republicano das instituições e democratização é, além da corrupção política endêmica, o nível de pobreza de seus habitantes, que buscam na indústria e tráfico ilegais de entorpecentes seu principal meio de sustento60. Com o financiamento, inclusive, de grupos radicais religiosos, como o Talibã do Afeganistão, e graças ao território poroso, repleto de montanhas, o tráfico ilegal de armas e psicotrópicos acaba por se tornar extremamente difícil de controlar, afetando também os demais países da Ásia Central, Rússia e Europa Oriental.61 Ainda que membro originário da OCX, o Tajiquistão carece de influência em qualquer esfera para equilibrar a balança de decisões e soft power62 dentro do delicado sistema de contrapesos das políticas bi e multilaterais orquestradas, em sua maioria, pela Rússia e China. De qualquer modo, sua posição geográfica e fronteira com Afeganistão, Paquistão e China ocidental o colocam como um ponto estratégico chave para implementação de políticas de contenção de danos e manutenção da segurança regional. 2.1.6. Uzbequistão O Uzbequistão constitui uma das nações remanescentes da antiga URSS e se localiza no centro asiático. Seu território não possui acesso para o mar e faz fronteira com o Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão e Turcomenistão, sendo um dia parte do vasto império persa. Sua economia se concentra na produção de commodities, incluindo ouro, urânio e gás natural, comercializadas sob um regime comercial ainda muito rígido, apesar de esforços uzbeques de migrar gradualmente para 59 OLCOTT, Martha Brill. Central Asia’s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005, pp. 44-47. 60 Ibidem, pp. 113-117. 61 Ibidem, pp. 212-220. 62 Soft Power consiste na habilidade de um Estado ou governo atender seus interesses através de meios de não-confronto e não-coercitivos, isto é, por influência econômica, cultural, expansão de seus valores, práticas diplomáticas e dimensão educacional. 29 a economia de mercado. Cerca de 90% do Uzbequistão é mulçumana, com etnia uzbeque predominante. Sua capital é Tashkent.63 Em relação às atividades militares, destaque-se que o Uzbequistão se opõe aos esforços russos de aumentar as funções militares da OCX. Em 2009, o parlamento do país ratificou o acordo de 2007 da OCX para cooperar em exercícios de segurança, mas limitou sua participação ao caráter de observador, tendo em vista a legislação nacional que proíbe o envio de contingentes militares para outros países.64 Além das questões de segurança coletiva, o Uzbequistão também busca se beneficiar em negociações referentes à ampliação de mercados e acordos comerciais, especialmente na corrente de crescimento econômico chinês e sua intensa influência sobre os países da Ásia Central. Em 2005, o governo uzbeque reprimiu violentamente revoltas civis que se alastravam pelo país, episódio que ficou conhecido como o Massacre de Andijan65. 63 Central Intelligence Agency – CIA: The World Factbook. Disponível em: << https://www.cia.gov/library/ publications/the-world-factbook/geos/uz.html>>. Acesso em: 16 abr. 2012. 64 BOLAND, Julie. Learning from the Shanghai Cooperation Organization's 'Peace Mission-2010' Exercise. Disponível em: <<http://www.brookings.edu/opinions/2010/1029_asia_war_games_boland.aspx>>. Acesso em: 05 mar. 2012. 65 BBC. How the Andijan killings unfolded. Disponível em: <<http://news.bbc.co.uk/2/hi/4550845.stm>>. Acesso em: 27 jun. 2011. 30 Alegando que a revolta foi planejada pelo grupo radical religioso Movimento Islâmico do Uzbequistão (Islamic Movement of Uzbekistan – IMU), o presidente uzbeque Islam Karimov rechaçou duramente os manifestantes. O massacre foi enfaticamente condenado pelo Ocidente, principalmente pela patente violação de direitos humanos. Os Estados Unidos, que contavam até então com uma base no país, foram forçados a se retirar por terem se oposto à repressão de Karimov, o que suscitou uma delicada crise político-diplomática66. Após o acontecimento, os uzbeques acabaram por se aproximar da China, embora não tenha se desvinculado de parcerias junto à OTAN nem de seus programas de financiamento bélico e treinamento militar.67 2.2. Observadores 2.2.1. Afeganistão Desde os primórdios, o Afeganistão desempenhou um papel de relevância no contexto asiático em razão de sua posição estratégica no continente. Situado ao longo da antiga Rota da Seda e encravado entre o Oriente Médio, a Ásia Central e o subcontinente indiano, o Afeganistão faz fronteira com o Paquistão no sul e no leste, com o Irã no oeste, com o Turcomenistão, Uzbequistão e Tajiquistão no norte, e com a China no nordeste. Em seu território, muitos reinos poderosos fincaram raízes ao longo dos tempos, apesar de seu terreno acidentado e do seu clima semiárido (Alexandre o Grande e Genghis Khan foram alguns dos conquistadores mais célebres). Após séculos de incursões na região, o Afeganistão moderno acabou sendo fundado em 1747.68 O acirramento dos interesses das duas maiores potências na Ásia da época, o Império Russo e o Império Britânico, tornou o Afeganistão uma peça importante na disputa de poder que se travou entre essas duas forças. Tal corrida imperialista, que objetivava determinar quem consolidaria a sua preponderância política e econômica no continente asiático, acabou sendo referida pelos historiadores como o “Grande Jogo”. Para o Afeganistão, as principais consequências desse jogo foram as três guerras AngloAfegãs (1838-1842; 1878-1880; 1919) e a declaração de sua independência em 1919, 66 WASHINGTON POST. U.S. Evicted From Air Base In Uzbekistan. Disponível em: <<http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/07/29/AR2005072902038.html>>. Acesso em: 27 jun. 2011. 67 OLCOTT, Martha Brill, op. cit., pp. 177-178. 68 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Afghanistan. Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/af.html>>. Acesso em: 10 mar. 2012. 31 pelo Tratado de Rawalpindi. Nos anos seguintes, o Afeganistão experimentou mudanças cautelosas de modernização estabelecidas pelas monarquias que se sucederam. Houve, inclusive, a instalação de uma república em 1973, porém esta se mostrou instável e sucumbiu com um golpe comunista. Temendo a queda do regime comunista afegão cambaleante, a União Soviética invadiu o país em 1979. Passados dez anos, a URSS retirou-se após inúmeras guerras internas contra os rebeldes – apoiados por países como os EUA, o Paquistão e a Arábia Saudita –, os mujahedin. Concomitante à retirada soviética, os EUA também se retiraram de cena, deixando o país sem nenhum apoio e em uma violenta guerra civil. Em 1996, a chegada dos ultraconservadores do Talibã ao poder acabou trazendo certa estabilidade ao país, enquanto atraía difundidas críticas por parte da comunidade internacional pelo seu extremismo e pelas interpretações islâmicas severas (o Talibã somente foi reconhecido como governo legítimo por Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita), sobretudo ao conceder abrigo a Osama Bin Laden, líder da Al Qaeda, organização tida como responsável pelos ataques às embaixadas norteamericanas na África, em 1998, e os de 11 de setembro, em 2001. Em outubro de 2001, 32 os Estados Unidos iniciaram ataques aéreos. A guerra que se iniciava acabou por provocar a queda do Talibã e estabelecer um governo provisório, liderado por Hamid Karzai, o primeiro presidente democraticamente eleito do Afeganistão. O CSNU autorizou a criação de uma força especial para manutenção da segurança no Afeganistão, a chamada Força Internacional de Assistência para Segurança (International Security Assistance Force – ISAF), a qual passou a ser comandada pela OTAN em 11 de agosto de 2003. A situação que se delineia atualmente, no entanto, ainda está longe de ser a ideal. Hamid Karzai, reeleito em 2009, continua enfrentando dificuldades para manter a paz – vez que o Talibã ainda permanece ativo e imprime uma presença violenta, sobretudo no sul e no leste do país – e alterar a situação social degradante do país. Inúmeras são as dúvidas do povo afegão e da comunidade internacional sobre a possibilidade de o Afeganistão levantar-se dos escombros da guerra e caminhar com os próprios pés após a retirada definitiva de todas as tropas norte-americanas prevista em 2014. Os pontos de maior preocupação ainda residem nos altos níveis de corrupção dos órgãos estatais afegãos, no tráfico de drogas e no suposto apoio conferido pelo Paquistão às forças rebeldes do Talibã. No último encontro anual ocorrido em junho, o Afeganistão recebeu o status de observador, o que demonstrou de maneira mais concreta sua crescente proximidade com a Organização. Entendendo que as tensões contínuas no Afeganistão constituem uma das maiores fontes de ameaça à segurança e estabilidade na região, Xangai, em conjunto com o país referido, aprovou o “Protocolo sobre o Estabelecimento do Grupo de Contato OCX-Afeganistão entre a Organização para Cooperação de Xangai e a República Islâmica do Afeganistão” (Protocol on Establishment of the SCOAfghanistan Contact Group between the Shanghai Cooperation Organisation and the Islamic Republic of Afghanistan)69 em 2005, a fim de servir como mecanismo para os Estados-membros da OCX contribuírem com a reconstrução e a estabilidade no Afeganistão. 2.2.2. Índia 69 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Protocol on Establishment of the SCOAfghanistan Contact Group betweeen the Shanghai Cooperation Organisation and the Islamic Republic of Afghanistan. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=70>>. Acesso em: 15 fev. 2012. 33 A República da Índia é o segundo país mais populoso do mundo, após a China, e compõe, junto a ela, à Rússia, ao Brasil e à África do Sul, o influente grupo das economias emergentes neste início de século, conhecido como BRICS. Encravada no sul do continente asiático, estendendo-se em forma de península pelo Oceano Índico, forma, ao lado de seus vizinhos Paquistão, Bangladesh, Nepal, Butão e Sri Lanka, o subcontinente indiano. Possui também fronteiras com a China e Mianmar. Esta região de cultura milenar foi gradualmente colonizada por potências europeias a partir do século XVI, passando ao domínio completo da Grã Bretanha três séculos depois. No final da década de 1940, a Índia obteve sua independência através da luta pacífica liderada por Mahatma Gandhi. O país transformou-se em uma república separada politicamente das regiões muçulmanas da Índia Britânica, que passaram a formar o Paquistão. Com um sistema democrático que Primeiro Ministro da Índia, Manmohan Singh, e ex-Presidente da Rússia, Dmitry Medvedev. tem subsistido durante mais de 60 anos, a Índia tem enfrentado, ao longo desse tempo, problemas superpopulação, ambiental, de degradação extrema pobreza, violência religiosa, terrorismo e separatismo.70 Nos dias de hoje, a Índia se destaca pelo rápido crescimento econômico e pelo aumento de sua influência no cenário internacional. Seu ingresso na OCX como membro observador deu-se em 2005, ocasionando um incremento nas relações políticas e comerciais com a Rússia e a China, bem como um maior potencial de cooperação com os países da Ásia Central em face à sua crescente demanda por recursos naturais e energéticos. Além disso, a proximidade com a OCX abre, para a Índia, uma vasta gama de possibilidades no que tange à resolução dos seus problemas com terrorismo, separatismo e extremismo. A problemática do ingresso pleno da Índia na OCX, no entanto, perpassa pela concertação entre os interesses das duas potências do norte. A China, que já esteve 70 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: India. Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/in.html>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 34 envolvida em conflitos fronteiriços com o país, tem sido mais cautelosa em relação à inclusão de novos membros71, mas não manifesta objeções quanto ao ingresso do Paquistão, com o qual a Índia tem mantido relações tensas e, por várias vezes, beligerantes ao longo de sua existência. Já a Rússia é uma grande apoiadora da entrada da Índia e mantém relações estratégicas com esta, principalmente no campo da defesa72. Ponderações à parte, uma coisa é certa: a entrada plena na OCX de uma potência econômica e nuclear como a Índia, estreita aliada dos EUA em diversas questões, promoveria a Organização a um novo patamar no cenário mundial. 2.2.3. Irã Incrustado entre o Cáspio e o Golfo Pérsico e representando a única ligação terrestre do Oriente Médio e Cáucaso com a Ásia Central e sul da Ásia, o Irã está localizado em uma região de enorme valor geopolítico e geoestratégico. Além disso, detém a segunda maior reserva comprovada de gás natural do mundo e a quarta maior de petróleo, influenciando fortemente, como grande exportador, o mercado energético mundial. Tradicionalmente conhecida no ocidente como Pérsia, a região teve sua atual denominação adotada pela comunidade internacional a partir do governo da dinastia Pahlavi (1925-1979).73 Numa época em que contava com forte apoio militar dos Estados Unidos e colocava em prática uma política de laicização da sociedade iraniana, o monarca Mohammad Pahlavi foi deposto pela Revolução Islâmica, que transformou o maior país xiita do mundo em um Estado teocrático. Suas leis passaram a se basear na charia (código legal e moral do islamismo) e as instituições políticas tornaram-se subordinadas a um líder religioso supremo. A estrutura política adotada desde então tem permitido, por vezes, a coexistência do poder religioso com algumas lideranças políticas de visão moderada, o que não impede, porém, o alto grau de repressão por parte do regime. A forma muitas vezes 71 THE TIMES OF INDIA. India keen on SCO membership but China may play spoilsport. Disponível em: <<http://articles.timesofindia.indiatimes.com/2010-06-09/india/28294120_1_sco-indiaand-pakistan-relevant-countries>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 72 TURNER, Maj Jefferson E. Turner. What is Driving India's and Pakistan's Interest in Joining the Shanghai Cooperation Organization? Strategic Insights, California, v. IV, n. 8, ago. 2008. Disponível em: <<http://www.nps.edu/Academics/centers/ccc/publications/OnlineJournal/2005/Aug/turnerAug05.html>> . Acesso em: 14 abr. 2012. 73 Seus habitantes, no entanto, utilizam o nome Irã (“terra dos arianos”) desde o século II d.C. 35 violenta como têm atuado os meios oficiais e não oficiais de repressão tem sido alvo de críticas de parte da comunidade internacional e organizações de proteção aos direitos humanos. O atual líder supremo, Aiatolá Ali Khamenei, segue implantando uma política nacionalista islâmica, com posições contrárias aos Estados Unidos e ao Estado de Israel, que é respaldada pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad. Os dois são acusados por vários países ocidentais de levar à frente o programa nuclear do Irã visando construir armas nucleares, em desrespeito ao Tratado de NãoProliferação de Armas Nucleares, do qual é signatário. Cartazes com dizeres “Abaixo EUA” e “Abaixo Israel” no Irã. O pleito do Irã pela participação como membro pleno da OCX é relativamente antigo e reflete o seu intento de aprofundar suas relações com o Oriente, em face ao rigoroso cerco da maioria dos países ocidentais. O presidente Ahmadinejad tem buscado novos aliados e a parceria com os países da Ásia Central é estratégica, assim como uma maior aproximação da Rússia e da China. Sua adesão à Organização, no entanto, depende fundamentalmente do aumento da confiança desses dois países em relação ao governo iraniano. A despeito de seus grandes interesses econômicos no Irã, ambos temem o componente religioso de seu governo em contraste à intensa luta contra o extremismo religioso e o separatismo através da OCX. Além disso, como membro pleno da Organização, o Irã passaria a exercer maior influência sobre a Ásia Central, competindo, possivelmente, com os interesses das duas potências na região. 2.2.4. Mongólia A Mongólia, ou República da Mongólia, situa-se no leste asiático, fazendo divisa com a Rússia ao norte e a China ao sul, sem acesso ao mar. É um país com uma área de 1.564.116 km², sendo o 19º maior país do mundo. Sua população é de 2,7 milhões de pessoas e sua capital é Ulan Bator. 36 Desde os tempos pré-históricos, a região foi ocupada por tribos nômades que, de tempos em tempos, formavam confederações. O primeiro grande esforço de unificação das tribos e de estabelecimento de um Estado, no entanto, deu-se no século XII, sob o comando do grande conquistador Genghis Khan (1206-1227). Este fundou o maior império em extensão da história mundial, tendo incorporado territórios da China, do Irã e da Rússia. Todavia, as diferenças culturais significativas que existiam entre os territórios acabaram por provocar a desintegração do império. No século XVII, a Mongólia passou a ser dominada pela Dinastia Qing da China. Com a derrocada desta em 1911, a Mongólia declarou a sua independência, implementando um regime comunista em 1921 com a ajuda da Rússia. O regime comunista de governo com partido único (Partido Revolucionário do Povo Mongol ou Peaceful Democratic Revolution in Mongolia – MPRP) foi abandonado no começo da década de 90, oportunidade em que reformas políticas e econômicas estruturais foram aplicadas (o Estado mongol passou a adotar a democracia e a realizar privatizações). A Mongólia vem se consolidando como uma república parlamentarista, sendo o Parlamento unicameral. A economia mongol tradicionalmente sustentouse na produção agropastoril, porém momento vivencia de um grande transformação em razão da descoberta de extensos depósitos minerais no país (cobre, ouro, carvão, urânio, tungstênio, dentre outros). Nesse pórtico, a Mongólia surge como uma das maiores promessas nos anos vindouros, representando um grande atrativo para investimentos estrangeiros.74 Nada obstante o país ter expandido suas relações políticas e financeiras com os Estados Unidos, o Japão e a União Europeia, 74 Cf. EURASIANET. Mongolia: Mineral Wealth Set to Transform Country into ‘Minegolia’. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/node/64475>>. Acesso em: 02 mar. 2012. 37 seus maiores parceiros comerciais continuam sendo a Rússia e a China.75 A Mongólia tornou-se membro da ONU em 1961, membro da OMC em 1997, parceiro de cooperação da OSCE em 2004 e Estado observador da Organização para Cooperação de Xangai desde a Conferência de Tashkent de 2004. 2.2.5. Paquistão O Paquistão, como Estado moderno, surgiu após o fim do domínio colonial do Reino Unido sobre o subcontinente indiano em 1947. A princípio, o país era composto pelas duas porções majoritariamente muçulmanas da Índia Britânica. Esse Estado, dividido ao meio pela República da Índia, existiu até 1971, quando sua porção oriental, com apoio do país vizinho, conquistou a independência e adotou o nome de Bangladesh. O território remanescente é o que conhecemos hoje como Paquistão. A disputa com a República da Índia pela região da Caxemira (no norte dos dois países) já rendeu, ao menos, três conflitos armados diretos (1947, 1965 e 1999), além de diversos episódios de tensão e desconfiança. Em resposta aos testes nucleares indianos, o Paquistão conduziu seus próprios testes em 1998 e é, hoje, uma potência nuclear. Apesar do impasse ainda continuar, os dois vizinhos estão melhorando suas relações aos poucos.76 A Caxemira permanece com uma linha de divisão entre o controle político dos dois países, além de uma parte anexada pela China. Desde a sua independência, o Paquistão é marcado pela alta instabilidade política e sucessivos golpes militares. Hoje se constitui em uma República Federalista e adota o Islamismo como religião oficial. O país tem a China como forte aliada desde a década de 1960, com estreitas relações estratégicas, militares e econômicas. Além disso, ainda conta com apoio financeiro dos EUA, que o tem como parceiro no combate ao terrorismo, mesmo com as desconfianças e questionamentos sobre a vontade e a capacidade do país em assumir seus compromissos. Em 2011, o líder da Al Quaeda 75 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Mongolia. Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/mg.html>>. Acesso em: 19 mar. 2012. 76 Idem. The World Factbook: Pakistan. Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/theworld-factbook/geos/pk.html>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 38 Osama Bin Laden foi descoberto em solo paquistanês, ao que se sucedeu uma operação militar unilateral norte-americana, que culminou em sua morte.77 Antes dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, o Paquistão prestava apoio e reconhecimento diplomático ao Talibã, que, por sua vez, é acusado de ter ligações com a Al Qaeda. A proximidade com esta - reconhecida pela RATS como extremista, fundamentalista e terrorista -, inspirou o veto, naquele ano, ao pedido de ingresso à OCX como observador. Após reconhecido o envolvimento da Al Qaeda nos ataques, o governo do Paquistão revisou seus posicionamentos e engajou-se na Guerra ao Terror. Tal mudança garantiu uma maior proximidade de interesses entre o país e a OCX, a qual acatou o pedido em 2005.78 Nos dias atuais, ainda atuam no Paquistão diversos grupos extremistas com conexões ao longo da Ásia Central. Uma possível aceitação do pedido, já realizado, de ingresso do país como membro efetivo da OCX, implicaria em cobranças por um maior envolvimento do governo no combate ao terrorismo. Além disso, abriria as portas para um vasto potencial de cooperação econômica e social, com o manifesto desejo de Islamabad em estreitar os laços com a região. A Rússia, que se mostrava relutante em relação ao ingresso do país ou vinculava sua aceitação a uma entrada conjunta da Índia79, recentemente se declarou favorável ao pleito paquistanês.80 2.3. Parceiros de Diálogo 2.3.1. Bielorrússia Com o fim da União Soviética, a República da Bielorrússia sucedeu legalmente a República Socialista Soviética da Bielorrússia. O país, cuja capital é Minsk, tem um pequeno território um pouco menor que o estado de São Paulo, localizado a leste da Polônia, a norte da Ucrânia, a oeste da Federação da Rússia e ao sul dos países bálticos. 77 ESTADÃO. EUA e Paquistão pedem confiança para conter terrorismo. Disponível em: <<http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,eua-e-paquistao-pedem-confianca-para-conterterrorismo,351416,0.htm>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 78 ZEB, Rizwan. Pakistan and the Shanghai Cooperation Organization. <<http://www.silkroadstudies.org/new/docs/CEF/Quarterly/November_2006/Zeb.pdf>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 79 ZEB, Rizwan, op. cit. 80 DAWN.COM. Russia endorses full SCO membership for Pakistan. <<http://dawn.com/2011/11/07/russia-endorses-full-sco-membership-for-pakistan/>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 39 A Bielorrúsia aplicou para se tornar parceiro da Organização para Cooperação de Xangai em 2005, mas só teve seu pedido aprovado em 2009. Como para todos os membros e outros parceiros, a participação nos debates com os membros da OCX é importante para a Bielorrússia por proporcionar novas oportunidades de cooperação econômica e política. Assim, o governo bielorrusso não fica tão dependente da Europa como mercado para seus produtos e fonte de financiamento para seus projetos – uma vez que Xangai proporciona uma oportunidade de diálogo importante com Rússia, China e o restante da Ásia Central.81 2.3.2. Sri Lanka País insular no Oceano Índico, a República Democrática Socialista do Sri Lanka tem como nações mais próximas a Índia, ao norte, e as Ilhas Maldivas, a oeste. Contando com um território de 65.610 km² e uma população estimada em 21.481.334 milhões de pessoas, o Sri Lanka goza de localização estratégica nas rotas marítimas do Oceano Índico82, percebida e explorada desde a época da Rota da Seda (rota de comércio mais importante da Antiguidade). O povo do Sri Lanka é composto por várias etnias, sendo a cingalesa e a tâmil as duas maiores, que professam as principais religiões do país, o budismo e o hinduísmo respectivamente. As terras do Sri Lanka são alvo de exploração há séculos, famosas por produzirem chá, café, borracha, canela (nativa do país), dentre outros. Invadida pelos portugueses no século XVI, a ilha foi alvo de disputa também pelos holandeses e britânicos, até ser subjugada pelos últimos no século XIX. Tornou-se independente em 1948 e, somente em 1972, quando se transformou em república, mudou seu nome de Ceilão para Sri Lanka83. É a mais antiga democracia da Ásia Meridional, tendo como 81 MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF THE REPUBLIC OF BELARUS. Shanghai Cooperation Organization. Disponível em: <<http://www.mfa.gov.by/en/organizations/membership/list/c2ee3a2ec2158899.html>>. Acesso em: 25 mar. 2012. 82 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Sri Lanka. Disponível em: <<https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ce.html>>. Acesso em: 14 fev. 2012. 83 BBC. Sri Lanka profile. Disponível em: <<http://www.bbc.co.uk/news/world-south-asia12000329>>. Acesso em: 14 fev. 2012. 40 líder o presidente Mahinda Rajapaksa, que governa a república socialista sob um regime semipresidencial (com características dos regimes presidencial e parlamentar).84 O país teve destacado papel no cenário internacional quando foi um dos fundadores do Movimento Não-Alinhado85 e quando se pronunciou em desfavor das punições contra o Japão na Conferência de São Francisco em 1951, mesmo tendo sido vítima das ações japonesas na guerra86. Nas últimas décadas, porém, a proeminência do Sri Lanka na comunidade internacional decorria da guerra civil que vinha assolando o país entre as etnias cingalesa e tâmil. O conflito se encerrou em 2009 com a derrota das forças da minoria tâmil. Vitorioso, o presidente Rajapaksa declarou o Sri Lanka o primeiro país no mundo moderno a erradicar o terrorismo.87 No mesmo ano de 2009, o Sri Lanka recebeu o status de parceiro de diálogo da OCX. O país tem na Índia sua principal parceira econômica, mas também vem estreitando sua relação – inclusive em caráter militar – com China, Paquistão e planeja fazer o mesmo com a Rússia. As razões econômicas são óbvias para a aproximação do Sri Lanka com a Organização (composta por colossos da economia emergente e países ricos em recursos energéticos e minerais), mas o histórico e o interesse comuns no combate ao terrorismo também são um elo poderoso. Entretanto, essa maior familiaridade com o bloco asiático não significa uma substituição dos parceiros ocidentais, pelo contrário – o acúmulo de benefícios dos dois lados é característico da política do país.88 2.3.3. Turquia Estrategicamente localizada entre a Europa e a Ásia, a República da Turquia é um país euro-asiático de quase 800.000 km² que ocupa a península da Anatólia, no extremo ocidente asiático, e a Trácia oriental, no sudeste europeu. Está situada entre o 84 THE CONSTITUTION OF THE DEMOCRATIC SOCIALIST REPUBLIC OF SRI LANKA. Disponível em: <<http://www.priu.gov.lk/Cons/1978Constitution/Chapter_01_Amd.html>>. Acesso em: 14 fev. 2012. 85 THE NON-ALIGNED MOVEMENT (NAM). Disponível em: <<http://www.nam.gov.za/>>. Acesso em: 15 fev. 2012. 86 RUPESINGHE, Walter. Sri Lanka excels at the San Francisco Peace Conference. Disponível em: <<http://pdfs.island.lk/2009/09/07/p12.pdf>>. Acesso em: 15 fev. 2012 87 MINISTRY OF DEFENCE AND URBAN DEVELOPMENT – SRI LANKA. The latest ‘horror drama’. Disponível em: <<http://defence.lk/new.asp?fname=20100522_09>>. Acesso em: 20 jan. 2012. 88 ASIA TIMES ONLINE. Sri Lanka drifts closer to the East. Disponível em: <<http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/KF18Df02.html>>. Acesso em: 19 jan. 2012. 41 Mar Mediterrâneo, o Mar Negro e o Mar Egeu, além de ter suas partes europeia e asiática divididas pelo Estreito de Bósforo e o Mar de Marmara. Sua população de pouco menos de 80 milhões de habitantes é majoritariamente islâmica (sunita) e se concentra sobretudo em Istambul e na capital Ancara. A língua oficial é o turco e os grupos étnicos predominantes são os turcos e os curdos. A Turquia como é conhecida atualmente se constituiu em 1923 sob o comando de Mustafa Kemal. Depois da derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial e sua posterior invasão pelas tropas vencedoras, o Atatürk, ou “pai dos turcos”, após 600 anos do Império e três anos de guerra civil, liderou a independência da República da Turquia. No início 1996, a Turquia assinou um acordo de união aduaneira com a União Europeia. O país é uma economia em ascensão e transição rumo à diversificação da indústria, com um setor de serviços já bastante desenvolvido. Depois da crise de 2008, mostrou taxas de crescimento surpreendentes, resultado de uma política fiscal rigorosa e políticas monetárias mais independentes do Banco Central, que garantiram ao país estabilidade econômica.89 A Turquia há mais de duas décadas demonstra seu interesse em entrar para a União Europeia (à época, Comunidade Econômica Europeia – CEE)90. Em 2005, começaram as negociações oficiais para a adesão, no entanto, questões como o reconhecimento apenas pela Turquia da República Turca do Chipre do Norte e o consequente desrespeito ao Protocolo de Ancara91 são empecilhos ao avanço do processo. Com o efeito da crise econômica de 2008 nos países da UE e os problemas nas negociações, a Turquia se mostra bastante propensa à intensificação de suas relações com o Oriente, aproveitando as raízes religiosas em comum. O país se aproveita bem de sua condição euro-asiática, estabelecendo relações diplomáticas com países e organizações tanto orientais, quanto ocidentais. A Turquia é membro da OTAN desde 1952 e serve como uma base oriental para a organização, 89 U.S. DEPARTMENT OF STATE. Background Note: Turkey. Disponível em: << http://www.state.gov/r/pa/ei/bgn/3432.htm>>. Acesso em: 19 jul. 2012. 90 COMISSÃO EUROPEIA. Relações EU-Turquia. Acesso em: <<http://ec.europa.eu/enlargement/candidate-countries/turkey/relation/index_pt.htm>>. Acesso em: 19 jul. 2012. 91 EURONEWS. Ancara faz um gesto para poder desbloquear o processo de negociação para entrar na União Europeia. Disponível em: <<http://pt.euronews.com/2006/12/07/ancara-faz-um-gesto-para-poderdesbloquear-o-processo-de-negociacao-para-entrar-na-uniao-europeia/>>. Acesso em: 19 jul. 2012. 42 sediando diversos de seus órgãos internos e contribuindo massivamente com tropas, inclusive para a Força Internacional de Assistência para Segurança (ISAF em inglês), no Afeganistão. Ademais, participa da OCDE, da OSCE, do Conselho da Europa, da OMC, entre outros, além de ser um candidato formal à entrada na EU desde 1999.92 Na cúpula do Conselho de Chefes de Estado de 2012, a Turquia obteve o status de parceiro de diálogo na OCX. Esse fato constitui um indício da aproximação do país com o Oriente, embora exista uma postura ambígua, posto seu papel desempenhado na OTAN e sua campanha para aderir à UE.93 2.4. Convidado 2.4.1. Turcomenistão O Turcomenistão é um dos países da Ásia Central, surgido em 1991 com a fragmentação da URSS e faz fronteira com Afeganistão, Irã, Uzbequistão e Mar Cáspio. Possui a quarta maior reserva de gás natural do mundo, e, apesar de rico em recursos naturais, boa parte do país é desértica. Seu governo atua sob o sistema político de partido unitário, seu povo é de maioria mulçumana e turcos por etnia. Sua capital é Asgabate.94. Sob a tutela rígida do presidente Saparmurat Niyazov, o Turcomenistão ostentou a alcunha de um dos países mais introvertidos e ricos em gás natural da Eurásia. Nos períodos que se seguiram à queda da União Soviética, os turcomenos viram-se presos entre a abertura econômica, mesmo que tímida, e o exclusivismo da exploração de seus recursos. Entretanto, em vista do sucateamento da infraestrutura de seu país, Niyazov se 92 U.S. DEPARTMENT OF STATE, Op. cit. EURASIANET. SCO Set To Upgrade Ties With Turkey, Afghanistan. Disponível em: << http://www.eurasianet.org/node/65399>> Acesso em: 01 ago. 2012. 94 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Turkmenistan. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/tx.html>. Acesso em: 16 abr. 2012. 93 43 viu obrigado a ceder para as empresas estrangeiras a fim de que pudesse se beneficiar de suas riquezas, ainda que tenha imposto uma série de restrições.95 O regime totalitário, aliado à consequente repressão da liberdade de expressão, corrupção institucional generalizada e forte culto ao líder, originou circunstâncias que intimidaram a presença de organizações não governamentais humanitárias e educacionais no país, limitando gradativamente sua atuação96. Não é difícil concluir a razão pela qual o Turcomenistão, dentre os países da Ásia Central, ainda seja aquele que menos receba investimentos estrangeiros. Relativamente recluso à influência externa, em grande parte em razão das falhas de planejamento político-econômico do governo e seus aliados, o Turcomenistão viu na morte de Niyazov em 2006 a brecha para uma incipiente abertura da economia e do sistema político.97 Gurbanguly Berdimuhamedow, o novo presidente, procedeu a um consequente desmantelamento do culto à imagem do presidente anterior e iniciou cuidadoso processo de abertura econômica, diferenciando-se em vários aspectos da antiga administração. Nesse diapasão, os turcomenos buscaram parceria junto à Turquia, com quem compartilham caracteres étnicos; bem como ao Irã, principal parceiro e investidor do duto Korpeje-Kordkuy construído em 199798; e, dentre outros, à Rússia, parceira natural em virtude ainda do fisiologismo político remanescente da extinção da União Soviética. Contudo, desde a década de 90, o Turcomenistão vem mantendo um diálogo instável com os russos, especialmente no que diz respeito ao escoamento de sua produção energética e tentativa da Rússia de se beneficiar do patrimônio mineral dos turcomenos a um custo abaixo daquele praticado no mercado. Agrava ainda a situação turcomena o fato de sua infraestrutura, além de defasada, não possuir meios ideais de escoamento para os mercados consumidores.99 95 OLCOTT, Martha Brill op. cit., pp. 37-41. Ibd., pp. 157-165. 97 BBC. Turkmenistan’s ‘iron ruler’ dies. Disponível em: <<http://news.bbc.co.uk/2/hi/6198983.stm>>. Acesso em: 27 jun. 2011. 98 TURKMENISTAN.RU. Saparmurat Niyazov inaugurates gas compressor station at Korpeje natural gas field. Disponível em: <<http://www.turkmenistan.ru/?page_id=3&lang_id=en&elem_id=7108&type=event&s ort=date_desc>>. Acesso em: 27 jun. 2011. 99 OLCOTT, Martha Brill, op. cit., pp. 37-39. 96 44 3. INTEGRAÇÃO, COOPERAÇÃO E ESTABILIDADE NA ÁSIA PARA O SÉCULO XXI 3.1. Geopolítica da Ásia pós-2001 3.1.1. O lugar da Ásia Central no novo paradigma da Guerra ao Terror Os atentados terroristas de 11 de setembro mudaram radicalmente as relações internacionais no pós-Guerra Fria. Evidências dessa mudança são a formação de uma coalizão, liderada pelos Estados Unidos e engajada na luta contra o terrorismo, e a impressionante evolução das relações entre Moscou e Washington, que tinham se deteriorado sensivelmente desde a intervenção da OTAN na Iugoslávia em 1999.100 As ações da Al Qaeda no território americano levaram a uma mudança radical na construção das relações internacionais. No período posterior à Guerra Fria, imperava uma sensação de segurança e impenetrabilidade do território americano em razão do colapso do inimigo soviético e as estruturas internacionais passavam por um processo de reinvenção, agora livres do confrontamento com a União Soviética. Com os atentados de 2001, o combate ao terrorismo internacional e a prevenção de ataques com armas de destruição em massa se tornaram os grandes imperativos da diplomacia mundial.101 A guerra ao terrorismo, liderada pelos Estados Unidos, está amplamente fundamentada na percepção americana de que o mundo pós-11 de setembro deve ser orientado pelo combate a uma ameaça assimétrica e extremamente difícil de prever. O espaço que outrora havia sido ocupado por um Estado (a União Soviética), concorrente em recursos, similar em estrutura e adversário pelo poder, passou a ser preenchido por 100 KAKIHARA, Kuniharu. The Post-9/11 Paradigm Shift and Its Effects on East Asia. Institute for International Policy Studies, Tokyo, Japan, January, 2003. 101 KAKIHARA, Kuniharu, op. cit. 45 um universo vasto de grupos terroristas cuja dispersão impossibilita o seu combate por meios convencionais.102 O novo paradigma da guerra ao terror é caracterizado por dois grandes problemas. O primeiro deles é o anacronismo de algumas instituições diante da nova ameaça. Não se pode combater inimigos não estatais com ferramentas outrora desenhadas especificamente para lidar com um Estado, um adversário bem definido. O outro problema é o fato de que nem todos os países do mundo enxergam o combate ao terrorismo como a prioridade que ele é para os americanos.103 Com as transformações decorrentes da Guerra ao Terror, a Ásia Central deixou o isolamento geográfico e político e sua importância para a Rússia, a China e os Estados Unidos foi além do potencial energético da região. A formação da Organização para a Cooperação de Xangai é expressão de um processo de aproximação entre Rússia, China e as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, baseada em interesses comuns e em contraposição à crescente hegemonia americana no mundo.104 A crescente importância da região no novo paradigma de combate ao terrorismo certamente reflete uma das poucas agendas que Rússia, China, Estados Unidos e cada uma das ex-repúblicas soviéticas da OCX têm em comum: o combate ao extremismo islâmico.105 A Rússia se preocupa com a ascensão de grupos separatistas no Cáucaso, a China com a sua integridade territorial no Oeste, os Estados Unidos com a segurança da presença ocidental na região e os países da Ásia Central com a manutenção de seus regimes.106 3.1.2. Percepções nacionais do novo papel da Ásia Central 3.1.2.1. Rússia Os atentados de 11 de setembro trouxeram um novo ponto de vista para a relação entre Rússia e Estados Unidos. Nos primeiros anos da Guerra ao Terror, a aproximação entre Moscou e Ocidente foi intensa por dois motivos: a) a Rússia é um aliado vital para o sucesso do combate ao terrorismo internacional; e b) a política 102 Ibidem. Ibidem. 104 GIRAGOSIAN, Richard. The Strategic Central Asian Arena. China and Eurasia Forum Quarterly, Washington DC, v. 4, n. 1, p. 133-153, February, 2006. 105 Ibidem. 106 Ibidem. 103 46 externa russa sob a administração Putin foi muito mais eficiente e pragmática do que vinha sendo no período Yeltsin. Já em 2002, a Rússia foi admitida no Grupo dos Oito e foi criado o Conselho OTAN-Rússia, marco das novas relações entre a Rússia e o Ocidente.107 Do ponto de vista russo, a Guerra ao Terror é uma excelente justificativa doméstica para a nova estratégia externa do governo Putin. Muito mais do que uma genuína simpatia pelo combate ao terrorismo, os russos viram diante de si uma janela de oportunidades para obter o suporte financeiro e a cooperação do Ocidente, necessária para reestruturar a economia russa e se reafirmar como uma das mais importantes esferas de influência no mundo. Os atentados de 11 de setembro serviram à administração Putin para obter incentivos financeiros americanos e recolocar a Rússia em uma posição relevante no cenário internacional. Adicionalmente, a cooperação com os Estados Unidos vai estimular a renovação do Exército Vermelho, reaproximando as capacidades militares russas das americanas e ampliando sua vantagem militar sobre os chineses.108 As novas relações entre Estados Unidos e Rússia são orientadas muito mais por interesses comuns do que pela confrontação típica da Guerra Fria.109 3.1.2.2. China Desde o colapso da União Soviética, a Ásia Central tem sido um elemento importante da política externa chinesa, por uma série de fatores. Em primeiro lugar, há a fragilidade das fronteiras ocidentais chinesas, distantes dos centros de poder da costa Leste da China. Além disso, há um interesse chinês em usar a integração regional com os países da Ásia Central como forma de impulsionar o desenvolvimento econômico no interior do país, de modo a reduzir a sua abissal disparidade econômica. Finalmente, a 107 KAKIHARA, Kuniharu, op. cit. Ibidem. 109 GIRAGOSIAN, Richard, op. cit. 108 47 China vê na extensão de sua influência política para os países da região uma forma de se reafirmar como potência mundial em um cenário multipolar, visão compartilhada pela Rússia.110 Com os atentados de 11 de setembro, a China rapidamente se juntou à Guerra ao Terror, de modo a recuperar as suas relações com os Estados Unidos, as quais vinham se deteriorando fortemente desde o começo da administração Bush. Por trás dessa decisão, estão problemas com grupos separatistas em Xinjiang, por exemplo. Ao se juntar à guerra ao terrorismo, a China constrói para si uma imagem positiva diante do Ocidente e, ao mesmo tempo, enquadra o combate ao separatismo como luta contra o terrorismo, reduzindo o criticismo sobre suas alegadas violações de direitos humanos. Por outro lado, o crescente poder do extremismo islâmico na Ásia ameaça a estabilidade da região no longo prazo, o que pode impedir a manutenção de um crescimento sustentado na economia chinesa, fundamental para o regime.111 Assim, se juntar à Guerra ao Terror e preservar suas relações com os Estados Unidos cumprem uma função vital na política chinesa para a Ásia Central. No entanto, com a intensificação da presença americana em países como Paquistão, Índia e nas repúblicas da Ásia Central e o aprofundamento da cooperação entre Rússia e Estados Unidos, existe uma sensação em Pequim de que os chineses estão sendo manobrados pelas políticas russo-americanas e a China tem sido cada vez mais cautelosa em sua cooperação com o Ocidente.112 3.1.2.3. Os países da Ásia Central Para o Uzbequistão, o Quirguistão e o Tajiquistão, o aumento da presença americana na Ásia Central representou uma oportunidade ímpar para reduzir a sua dependência de Rússia e China e aumentar a sua capacidade de combater o extremismo e o separatismo na região.113 Dois temas dividem os países da Ásia Central: a Guerra ao Terror e o papel da Rússia em qualquer que seja o futuro da região. No que diz respeito à intervenção no 110 GIRAGOSIAN, Richard, op. cit. KAKIHARA, Kuniharu, op. cit. 112 Ibidem. 113 MANKOFF, Jeffrey. Central Asia After the War on Terror. International Research & Exchanges Board, Washington DC, September, 2009. 111 48 Afeganistão, à situação no Paquistão e ao combate aos grupos extremistas islâmicos, existem duas posições muito claras na região: de um lado, o Cazaquistão apresenta um nível de preocupação menor do que o restante dos países centro-asiáticos, provavelmente por ter uma situação mais estável, um grau de interação econômica e militar mais elevado com a Rússia e estar mais distante do foco do problema; os outros países, em especial o Quirguistão, apresentam um elevado grau de preocupação, com regimes mais ameaçados por grupos minoritários e por estarem mais próximos do Afeganistão e do Paquistão. Essa divergência de opiniões é causa da persistente inabilidade dos países da Ásia Central de coordenar respostas quando é necessário.114 Quanto ao papel russo na Ásia Central, é preciso ressaltar que a disposição dos países da região em cooperar com os esforços ocidentais depende fundamentalmente da inclinação russa a também fazê-lo. Com exceção do Uzbequistão, todos os países da região são favoráveis a uma maior presença russa na Ásia Central, seja por afinidade cultural ou pelo ceticismo quanto aos benefícios de longo prazo dessa importância – talvez momentânea – da região para as considerações de segurança do Ocidente. No entanto, mesmo os quatro países restantes divergem quanto à intensidade dessa presença russa. O Cazaquistão é o país mais propenso a manter uma aliança com Moscou, tanto pelo elevado grau de cooperação econômica, quanto pela extensa fronteira dividida pelos países. Astana tem muito mais a perder por não desenvolver uma boa relação com a Rússia do que os outros países. Fica claro, assim, que, qualquer que seja o interesse externo na região – combate ao terrorismo internacional, energia ou comércio –, um ator externo terá que desenvolver boas relações também com a Federação da Rússia.115 3.1.2. 2005 a 2008 A segunda metade da primeira década do milênio é engolfada por conflitos crônicos dos povos asiáticos e por novas controvérsias surgidas com novos líderes 114 115 Ibidem. Ibidem. 49 assumindo o poder em diversos países do continente. No Irã, Mahmoud Ahmadinejad chega à presidência do país e retoma o desenvolvimento do programa nuclear, o que inicia inúmeras controvérsias com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que perduram até hoje. Centenas de protestantes são mortos no Uzbequistão em um evento ainda cercado de muitas incertezas conhecido como o Massacre de Andijan; atos violentos eclodem na região da Chechênia na Rússia e em Xinjiang, na China, a qual também enfrenta revoltas separatistas tibetanas. Em resposta ao ocorrido em Andijan, a UE adota sanções contra o Uzbequistão por desrespeito aos direitos humanos, mas as alivia nos anos seguintes. A Rússia entra em conflito com a Geórgia e termina reconhecendo a independência das regiões da Ossétia do Sul e Abcásia. Com o avanço do Ocidente na área de influência russa (Geórgia sendo um exemplo), especificamente os planos norteamericanos de expansão do sistema de defesa antimíssil pela Europa Oriental, Putin toma uma postura mais agressiva na política russa para assegurar a posição do país na balança do poder da região, inclusive realizando exercícios e retomando atividades militares como demonstrações de seu poderio. No sentido de resolver a disputa quanto à defesa antimíssil, Putin sugere o desenvolvimento de um sistema conjunto com os EUA. No ano de 2005 é realizada a primeira Peace Mission da OCX por China e Rússia, que se tornou exercício militar constante da Organização. A China resolve disputas de fronteira com a Rússia e retoma o diálogo com a Índia no mesmo escopo. Ainda, a república chinesa protagoniza uma reaproximação inédita em anos com o Japão e Taiwan (com este último, inclusive, firma um pacto econômico de diminuição de tarifas e barreiras comerciais). Nesse período, a situação no Iraque se encontrava bastante deteriorada. As ondas de violência nos anos pós-invasão só aumentam conforme a operação dos EUA se torna cada vez mais custosa. Apesar das enormes dificuldades enfrentadas no território afegão, Saddam Hussein é preso e posteriormente executado por crimes contra a humanidade. O mundo é assaltado em 2008 pelo estouro da crise financeira que atravessa continentes e derruba as economias mundiais num evento comparável apenas à crise de 1929. Seus efeitos foram devastadores nas economias norte-americana e europeias atingindo a Ásia com menor força. Ainda assim, o impacto foi maior do que o previsto e 50 os governos, destacadamente o russo e o chinês, adotam medidas de estímulo e ajuda financeira para bancos e, em especial no caso da China, para evitar a diminuição do ritmo de crescimento econômico. Para muitos estudiosos, esse período demarca o início do declínio da supremacia norte-americana no mundo116, quando os paradigmas neoliberais são abalados e outros modelos de governança econômica se sobressaem mostrando-se mais eficientes perante as inconstâncias do mercado. 3.1.3. 2009 a 2012 Nos últimos quatro anos, o desenvolvimento nas políticas externas centradas no território asiático, pertinente aos países da OCX, tem sido direcionado à operacionalização das negociações discutidas no escopo do combate ao terrorismo, separatismo e extremismo, materializados na forma de treinamentos militares em conjunto e fortalecimento da cooperação em inteligência. Contudo, a Organização, em seu timbre típico de condescendência com governos centralizadores autoritaristas, maneira e e coerente de cores de certa com sua política interna de medidas contra fenômenos separatistas e respeito literal à autonomia dos países-membros na resolução de conflitos internos, pareceu distante e omissa quanto aos eventos que eclodiram no Quirguistão em 2010 que depuseram Kurmanbek Bakiyev da presidência. Uma preocupação central certamente se deve à questão nuclear do Irã e seus atritos com as Nações Unidas, e em sentido estrito com os Estados Unidos e alguns de seus aliados europeus. O desenvolvimento de um programa nuclear iraniano tem colocado em divergência a situação de um Irã considerado pária na comunidade 116 EVANS, Michael. Power and Paradox: Asian Geopolitics and Sino-American Relations in the 21st Century. Disponível em: <<http://www.fpri.org/orbis/5501/evans.asiangeopolitics.pdf>>. Acesso em: 17 abr. 2012. 51 internacional, mas ao mesmo tempo possuidor de status de observador no seio dos diálogos de Xangai, o que esporadicamente deu lugar à indisposição entre EUA e Rússia. Somado a isso, de maneira evidente, ainda restam os assuntos inacabados no Afeganistão e a ameaça que sua instabilidade representa para a segurança coletiva regional.117 Além disso, nos últimos quatro anos, a Ásia compreendida pelos territórios da Organização viu a emergência de potências regionais a um status cada vez mais grandiloquente nas complexas relações de poder e influência no continente, em especial quanto à Índia, atualmente associada à Rússia e China no grupo de países emergentes denominados de BRICS, que inclui também Brasil e África do Sul. Certamente o Paquistão também se move, enquanto potência do sudeste asiático, para um papel mais proeminente nos diálogos para cooperação regional, em verdade como um meio para solucionar sua grave necessidade de contenção de violência urbana decorrente de factoides terroristas e atuação cada vez menos tímida da ala paquistanesa do Talibã. Outra mudança gradual vem se dando com uma inclinação mais acentuada da OTAN para diálogo com a OCX ao invés de sua contraparte mais tenaz, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (Collective Security Treaty Organisation – CSTO), ainda que haja contragosto por parte da União Europeia a respeito, em contraposição a um interesse de cooperação mais franco por parte dos EUA. Esse desenvolvimento dos fatos se entrelaça com a renovação da presença americana na Base Aérea de Manas, no Quirguistão, após ameaça de expulsão e intensa negociação com russos e quirguizes. 3.2. Cooperação em Energia A questão de cooperação em energia possui especial destaque dentro dos diálogos da Organização, principalmente quando se leva em conta um recente desenvolvimento de seus objetivos fundamentais, isto é, o estreitamento das relações 117 WAITZ, Richard. Growing Alarm about Central Asia’s Security: SCO to the Rescue? Disponível em: <<http://www.chinausfocus.com/peace-security/growing-alarm-about-central-asia%E2%80%99ssecuritysco-to-the-rescue/>>. Acesso em: 17 mar. 2012. 52 entre seus membros com o intuito de formar um verdadeiro “clube da energia” na Ásia.118 De fato, a estruturação de um mercado energético entre os países-membros iria facilitar a formação de um comércio privilegiado que fomentaria a competitividade da Organização frente ao cenário econômico mundial, principalmente quando se vê a presença de países emergentes em seu âmbito. O quadro da OCX conta com Rússia, Cazaquistão e Uzbequistão, vastos possuidores de recursos energéticos e combustíveis de hidrocarbonetos, juntamente com o Tajiquistão e Quirguistão, detentores de considerável potencial hidrelétrico. Além disso, a pujança econômica da China e da Índia exigem um fornecimento contínuo e cada vez mais elevado de energia para que o crescimento prossiga de modo estável e progressivo. Nessa perspectiva, tem-se que uma exploração conjunta e uso racional desses recursos facilitariam o desenvolvimento dos países da região no que tange à tecnologia e indústria da energia.119 A dependência crescente do mercado mundial em relação aos recursos energéticos, diretamente interligada à viabilidade do crescimento econômico dos países, 118 PANNIER, Bruce. Central Asia: SCO Leaders Focus On Energy, Security, Cooperation. Disponível em: <<http://www.rferl.org/content/article/1078178.html>>. Acesso em: 14 jan. 2011. 119 MATUSOV, Artyom. Energy Cooperation in the SCO: Club or Gathering? Disponível em: <<http://www.silkroadstudies.org/new/docs/CEF/Quarterly/August_2007/Matusov.pdf>>. Acesso em: 15 abr. 2012. 53 faz com que a região atraia interesses diversos, não apenas de seus vizinhos, mas também da comunidade internacional e de grupos econômicos. Tal fenômeno inevitavelmente cria uma teia de necessidades em um cenário de forte potencial para quaisquer questões envolvendo a exploração desses recursos, como o petróleo e o gás natural.120 A produção petrolífera dos países da Ásia Central, por exemplo, vem crescendo gradativamente, o que exige a revisão na política para países e companhias investidoras na intenção de criar estratégias adequadas para a estruturação desse mercado ascendente que atendam os interesses da Organização. Além disso, a movimentação político-econômica acerca das vias de transmissão dos recursos energéticos, que inclui o petróleo, gás e urânio, pode ser englobada no conceito de geopolítica dos oleodutos121. Esse viés dentro das políticas públicas regionais tem por principal objeto de discussão o posicionamento dos canais que levam esses produtos aos mais variados destinos, constituindo um conjunto de investidas de perfil econômico, político, diplomático e militar que visa, em regra, a autossuficiência em energia.122 Especial menção pode ser feita ao delicado equilíbrio estabelecido pela Rússia e China no que se refere às questões de energia. Nesse sentido, é crucial que não haja conflitos de esferas de influência sobre o território da Organização, em especial seu setor centro-asiático, visto que acarretariam prejuízos graves não apenas para ambos, mas para todo o quadro de desenvolvimento econômico regional.123 3.3. Cooperação Econômica A ideia de cooperação econômica da forma como é constituída hoje é relativamente nova nas relações internacionais. Com o fim da Segunda Guerra, os esforços de cooperação regional foram guiados pelo imperativo de proteger mercados 120 LIAO, Xuanli. Central Asia and China's Energy Security. Disponível em: <<http://www.cejiss.org/sites/defa ult/files/l.hu_chinas_energy_security.pdf>>. Acesso em: 14 jan. 2011. pp. 61– 2. 121 GEOPOLÍTICA DO PETRÓLEO. Geopolítica dos Oleodutos. Disponível em <<http://geopoliticadopetroleo.wordpress.com/geopolitica-dos-oleodutos/>>. Acesso em: 4 mar. 2011. 122 Tradução livre para “The New Great Game”. Disponível em: <<http://www.newgreatgame.com/>>. Acesso em: 20 jul. 2011. 123 WIKILEAKS. KAZAKHSTAN: CHINESE AMBASSADOR COMMENTS ON KEY FOREIGN. Disponível em: <<http://wikileaks.ch/cable/2009/06/09ASTANA982.html>>. Acesso em: 10 fev. 2011. 54 regionais da competição internacional ou tentar reverter os danos causados pela descolonização da África e da Ásia à estrutura anterior da economia mundial. Nas últimas décadas, no entanto, a cooperação econômica passou a ser pensada no sentido de auxiliar os países não apenas a se integrarem regionalmente, mas a se inserirem de forma mais consistente nos mercados globais. Com o colapso da União Soviética, a Ásia Central enfrentou problemas de desintegração política e econômica e esforços foram feitos com o objetivo de fortalecer a cooperação regional. Nesse sentido, a CEI falhou em manter a mobilidade de pessoas, bens, comércio e capital entre os seus países constituintes e, desde então, várias organizações foram criadas para construir o que ela não foi capaz. Dentre elas, destacam-se a EurAsEC, o Programa de Cooperação Econômica Regional da Ásia Central (CAREC) e, é claro, a OCX.124 A Organização para a Cooperação de Xangai tem sido bem sucedida enquanto fórum para que os líderes regionais possam discutir questões de segurança e, em uma medida muito menor, de cooperação econômica. A OCX também foi ferramenta fundamental para o desenvolvimento das relações entre Rússia e China e o estabelecimento de uma posição comum entre eles de não permitir a interferência externa na região. Para a China, a Organização assegurou que os rebeldes de Xinjiang fossem isolados politicamente pelos vizinhos da Ásia Central e exercícios militares conjuntos fortaleceram as forças armadas dos países da região. No entanto, no que diz respeito à articulação de um sistema eficiente de combate ao tráfico de drogas ou do desenvolvimento de um panorama regional de cooperação econômica, Xangai pouco tem se diferenciado dos fracassos anteriores.125 Paralelamente, os objetivos da EurAsEC (como a criação de um sistema unificado de tarifas alfandegárias) não foram cumpridos e a instituição também não tem obtido sucesso em desenvolver projetos regionais de infraestrutura. As instituições financeiras existentes (como o Banco de Desenvolvimento da Eurásia) necessitam de mais recursos para financiar iniciativas. Falta, inclusive, uma política ampla de desenvolvimento de projetos, que geralmente são aprovados de forma atomística, sem muita coordenação global e na total ausência de um objetivo de longo prazo para a 124 LINN, Johannes, F.; PIDUFALA, Oksana. The Experience with Regional Economic Cooperation Organisations: Lessons for Central Asia, Wolfensohn Centre for Development, Washington DC, Working Paper 4, October, 2008. 125 Ibidem. 55 cooperação econômica regional, devido a perspectivas irreconciliáveis até o momento, especialmente entre Rússia e China.126 Embora muitos dos seus líderes tenham expressado inúmeras vezes nos últimos anos a importância de Xangai para o desenvolvimento econômico da Ásia Central, esses discursos raramente se convertem em ações. Muitos documentos já foram aprovados, como o Memorando sobre os Principais Objetivos e Áreas de Cooperação Econômica Regional (Memorandum on the Main Goals and Areas of Regional Economic Cooperation – 2001), o Programa de Comércio e Cooperação Econômica Multilateral até 2020 (Program For Multilateral Trade and Economic Cooperation until 2020 – 2003), o Mecanismo de Implementação de Planos de Ação (Mechanism for Implementing the Plan of Actions – 2005), dentre outros. Xangai também estabeleceu o Conselho de Negócios (SCO Business Council) e a Associação Interbancária (SCO Interbank Association), como forma de harmonizar as políticas econômicas e financeiras da região. Mesmo com todas essas iniciativas, poucos projetos chegam ao estágio de serem colocados em prática pela Organização, seja pelo seu baixíssimo orçamento (cobre apenas os custos administrativos da sua existência) ou por falta de vontade política de membros importantes.127 O grande entrave para o desenvolvimento da cooperação econômica na Ásia Central é a irreconciliabilidade Encontro anual de 2011. dos interesses russos e chineses. De um lado, temos a China, que se vê como a força motriz do processo de desenvolvimento econômico na região. No entanto, o governo chinês não parece muito interessado em prover ajuda internacional aos vizinhos da Ásia Central e demonstra ter em mente priorizar o investimento em infraestrutura em território chinês, não em seus vizinhos. Por hora, o que Pequim oferece é a intensificação do comércio regional, muito mais benéfico para a China do que para 126 LINN, Johannes, F.; PIDUFALA, Oksana, op. cit. LUKIN, Alexander. The Shanghai Cooperation Organization: What Next? Russia In Global Affairs, Moscow, v. 5, n. 3, p. 140-156, September, 2007. 127 56 qualquer outro envolvido. Enquanto os chineses não adotarem uma abordagem mais equilibrada das questões econômicas, a cooperação não sairá dos estágios iniciais.128 Do outro lado, temos a Rússia, que rejeita a ideia de ter Estados financiando projetos econômicos de Xangai (como o Fundo de Desenvolvimento de Xangai, similar ao que a ONU faz com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD), por uma série de razões. A primeira delas é o fato de que qualquer contribuição russa pode ser facilmente superada pelos cofres chineses, e Moscou teme que essa se torne uma forma objetiva de mensurar influência na Organização. A Rússia teme que a China compre poder político na Ásia Central e, portanto, é avessa ao financiamento estatal do desenvolvimento regional. No entanto, fica claro que o investimento privado não é suficiente para suprir as necessidades da região e que a OCX não tem como evoluir enquanto organização se não estiver fundamentada em bases orçamentárias sólidas.129 Para que Xangai desenvolva seu potencial econômico, é preciso levar alguns fatores em conta. Em primeiro lugar, cooperação não é simples e implementar projetos nesse sentido é um problema mundial. Fatores que facilitam o processo são o desenvolvimento de interesses comuns entre os países, a existência de uma dificuldade em comum para ser superada pela região, a construção de um ambiente de regras claras de interação entre as partes e, acima de tudo, a harmonia entre os objetivos regionais e os interesses nacionais dos países envolvidos.130 Além disso, o processo de desenvolvimento de cooperação econômica regional demanda paciência, um foco inicial limitado, ao invés de se promover o desenvolvimento de várias áreas de uma só vez. Adicionalmente, é preciso que os países mais fortes da região assumam um compromisso maior com a cooperação econômica e estejam dispostos a carregar um pouco mais de peso pelo processo coletivo. Países que desejam de fato cooperar devem estar dispostos a sacrificar um pouco de sua soberania, recursos e prestígio no processo.131 128 Ibidem. LUKIN, Alexander, op. cit. 130 LINN, Johannes, F.; PIDUFALA, Oksana, op. cit. 131 Ibidem. 129 57 3.4. Combate ao terrorismo e ao crime organizado 3.4.1. Definições do terrorismo, sua relação com o crime organizado e as tensões asiáticas Não obstante a questão do terrorismo já fazer parte da agenda internacional desde 1934 e, sob os auspícios da ONU e de suas agências especializadas, já terem sido elaborados 14 instrumentos normativos internacionais para evitar atos dessa natureza132, ainda assim a comunidade internacional carece de uma definição conceitual clara, definitiva e universalmente aceita acerca do que seria tal fenômeno.133 134 O Departamento de Estado dos Estados Unidos, por exemplo, define terrorismo como uma violência politicamente motivada e perpetrada por um grupo subnacional ou por agentes clandestinos contra alvos não combatentes, sendo usualmente voltada para influenciar um público. A literatura especializada, ademais, também aponta que o terrorismo tem como precípua intenção criar um estado mental de medo generalizado (fearful state of mind), de modo que a injeção de medo não se direciona às vítimas diretas da violência, e sim a um público que pode não ter nenhuma relação com os alvos imediatos da ação.135 Diante de tal miríade conceitual, a OCX deu um passo importante no delineamento de uma definição vinculante para os seus Estados-membros com a promulgação da Convenção de Xangai sobre Combate ao Terrorismo, Separatismo e Extremismo (The Shanghai Convention on Combating Terrorism, Separatism and Extremism) em 15 junho de 2001. Seu art. 1º, 1, item 1, letra “b” define o terrorismo nos termos a seguir: 132 UNITED NATIONS. UN Action to Counter Terrorism. Disponível em: <<http://www.un.org/terrorism/instruments.shtml>>. Acesso em: 03 abr. 2012. 133 Um estudo de 1988 já chegou a contabilizar 109 definições diferentes de terrorismo, cobrindo um total de 22 elementos de definição diferentes. O expert em terrorismo Walter Laqueur, por sua vez, contabilizou cerca de 100 definições e concluiu que a única característica amplamente aceita era a de que o terrorismo envolve violência e a ameaça de violência (Cf. RECORD, Jeffrey. Bounding The Global War On Terrorism. Disponível em: << http://www.strategicstudiesinstitute.army.mil/pdffiles/pub207.pdf>>. Acesso em: 03 abr. 2012). 134 Uma definição eminentemente política pode ser depreendida da “Declaração sobre Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional” estabelecida pela A/RES/49/60 da Assembleia Geral, em 09 de dezembro de 1994: “atos criminosos pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror em um público em geral, em um grupo de pessoas ou em pessoas específicas para propósitos políticos são em qualquer circunstância injustificáveis, independente das considerações políticas, filosóficas, ideológicas, raciais, étnicas, religiosas ou de qualquer outra natureza que possam ser invocadas para justificá-los”. Texto em inglês: <<http://www.un.org/documents/ga/res/49/a49r060.htm>>. Acesso em: 04 abr. 2012. 135 RUBY, Charles L. The Definition of Terrorism. Disponível em: <<http://www.asapspssi.org/pdf/asap019.pdf>>. Acesso em: 04 abr. 2012. 58 (…) ato intencionado a causar morte ou lesões corporais graves a um civil, ou qualquer outra pessoa não representando uma parte ativa nas hostilidades em uma situação de conflito armado ou a causar grande dano a qualquer instalação física, assim como organizar, planejar, ajudar e instigar tal ato, quando o propósito de tal ato, por sua natureza ou contexto, é intimidar uma população, violar segurança pública ou compelir autoridades públicas ou uma organização internacional a fazer ou abster-se de fazer qualquer ato (...).136 Independentemente do conceito adotado, é importante salientar que o fenômeno do terrorismo sofreu mudanças cruciais a partir do colapso da União Soviética, o que afetou substancialmente o comportamento dos atores estatais e não estatais no desenvolvimento da questão. Ao contrário dos tempos de Guerra Fria, caracterizados por um patrocínio sistemático por parte de Estados (os EUA e a União Soviética entre os principais, por óbvio)137 a grupos terroristas “clientes”, a era pós-Guerra Fria passou a testemunhar o crescimento de grupos irrestritos e incontroláveis na escolha de seus alvos.138 A despeito das mudanças de transição acima referidas, tornou-se forçoso reconhecer que o terrorismo e o seu combate obtiveram proeminência nunca dantes vista, sobretudo após os acontecimentos de 11 de setembro de 2001. Os ataques às torres gêmeas do World Trade Center e ao Pentágono, coração financeiro e estratégico, respectivamente, da potência hegemônica estadunidense, marcaram uma nova era na qual o terrorismo é levado a cabo por indivíduos que utilizam a seu favor as facilidades da globalização. A Guerra contra o Terror, como foi alcunhada, não se apresentou como uma problemática 136 Tradução livre. Texto original disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=68>>. Acesso em: 09 abr. 2012. 137 A título exemplificativo, podemos apontar o patrocínio maciço conferido pelos EUA aos mujahideen afegãos que lutaram uma espécie de “guerra por procuração” para derrotar o controle soviético que se iniciou no Afeganistão a partir de 1979 e, também, o amparo dedicado aos rebeldes nicaraguenses que lutaram contra o regime sandinista claramente pró-soviético durante a década de 80. 138 GUNARATNA, Rohan. Asia Pacific Organised Crime & International Terrorist Networks. Disponível em: <<http://www.satp.org/satporgtp/publication/books/global/gunaratna.htm#9>>. Acesso em: 06 abr. 2012. 59 interestatal, como nos moldes tradicionais – a visão pretérita do “inimigo” como um Estado-nação ou um bloco de nações oponente deu lugar a uma entidade sem fronteiras: o terrorista internacional.139 Nesse contexto, a Ásia Central tornou-se estrategicamente primordial, vez que se encontra contígua ao país-chave do contraterrorismo capitaneado pelos EUA, o Afeganistão. Reforçando tal importância, é possível indicar a instalação de bases militares norte-americanas em Karshi-Khanabad, no Uzbequistão, e em Manas, no Quirguistão, para condução das ofensivas no território afegão com o intuito de derrubar o regime do Talibã.140 Aproveitando-se dos avanços tecnológicos, comunicacionais, financeiros e de transporte viabilizados por um mundo cada vez mais interligado, o terrorismo hodierno coliga-se com outros grupos criminosos organizados que exploram atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e de armas e a lavagem de dinheiro. Assim como governos, os grupos terroristas também cooperam entre si, compartilhando recursos (tecnológicos e humanos) e know-how, aumentando significativamente o espectro e alcance de suas empreitadas.141 O tráfico de drogas tem contribuído em especial para um estado de insegurança na região asiática por causa do supracitado nexo terrorismo-crime. Enquanto grupos criminosos organizados ligados a grupos terroristas controlam a distribuição dos narcóticos, redes terroristas controlam os territórios onde os entorpecentes são cultivados ou refinados. Um grande exemplo é o próprio Talibã que, em seus tempos de glória, dominava diversas regiões de produção de ópio no Afeganistão, taxando os cultivadores e transportadores da mercadoria.142 O país ainda permanece o líder mundial na produção de ópio (matéria-prima para a heroína), utilizando a Ásia Central como a sua principal rota de distribuição, visto que a região é caracterizada por fronteiras 139 QERIMI, Qerim R. The Real Face of the New World Order: Sovereignty and International Security in the Age of Globalization. Disponível em: << http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1097284>>. Acesso em: 03 abr. 2012. 140 Com o bloqueio do Paquistão ao trânsito das forças da OTAN pelo país em novembro de 2011, os EUA tornaram-se cada vez mais dependentes dos países da Ásia Central, notadamente o Uzbequistão e o Quirguistão, para viabilizar uma rota alternativa chamada Northern Distribution Network (NDN) e suprir as tropas ainda em serviço no Afeganistão. A dependência norte-americana claramente vem sendo estrategicamente manipulada por esses países para obtenção de maior poder de barganha com os EUA e maior espectro de influência na região (Cf. FOREIGN POLICY. Northern Distribution Nightmare. Disponível em: <<http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/12/06/afghanistan_resupply_nato_ndn?page=full>>. Acesso em: 16 fev. 2012). 141 UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. Crime and its deadly link to terrorism. Disponível em: <<http://www.unodc.org/unodc/en/frontpage/2011/March/crime-and-its-deadlyconnection-to-terrorism.html>>. Acesso em: 27 mar. 2012. 142 GUNARTNA, Rohan., op. cit. 60 porosas, equipamentos e métodos alfandegários inadequados e oficiais corruptos.143 À parte a questão do tráfico de entorpecentes, a Ásia ainda hoje está pontuada por insurgências frequentemente ligadas a movimentos extremistas e separatistas, os quais também representam elementos de desestabilização na área: a China continua preocupada com a integridade do oeste de seu território em razão dos constantes província de levantes Xinjiang na (cuja maior parte da população é Uighurs) 144 e na região autônoma do Tibet 145 composta por uma étnica muçulmana, minoria os ; a Rússia ainda enfrenta tensões de grupos terroristas no Cáucaso do Norte, sobretudo na Chechênia146; o Uzbequistão empreende grandes esforços para dissipar a presença de grupos extremistas como o Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU), supostamente ligado ao Talibã e à Al-Qaeda, e o Hizb ut-Tahrir (Partido da Liberação Islâmica ou Islamic Liberation Party); os atritos entre Índia e Paquistão permanecem em relação à Caxemira, com a proliferação de diversos grupos extremistas na região controvertida – Harakat ul-Mujahideen (HUM), Jaish-eMohammed (JEM) e Lashkar-e-Taiba (LeT)147 –, assim como as tensões entre o Afeganistão e o Paquistão continuam palpáveis graças às suspeitas do apoio deste ao Talibã e a redes terroristas como Haqqani, sabotando os esforços norte-americanos de reconstrução do território afegão148. 143 KOZHOKIN, Yevgeniy. Problem of Terrorism in the Post-Soviet Era. Disponível em: <<http://www.satp.org/satporgtp/publication/books/global/kozhokin.htm>>. Acesso em: 06 abr. 2012. 144 Cf. ALJAZEERA. Xinjiang: China’s ‘other Tibet’. Disponível em: <<http://www.aljazeera.com/news/asia-pacific/2008/03/2008525184819409441.html>>. Acesso em: 09 de abr. 2012. 145 Cf. BBC. Tibet Profile. Disponível em: <<http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-pacific16689779>>. Acesso em: 11 abr. 2012. 146 Cf. COUNCIL OF FOREIGN RELATIONS. Chechen Terrorism (Russia, Chechnya, Separatist). <<http://www.cfr.org/terrorism/chechen-terrorism-russia-chechnya-separatist/p9181#p7>>. Acesso em: 11 abr. 2012. 147 Cf. COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. Kashmir Militant Extremists. Disponível em: <<http://www.cfr.org/kashmir/kashmir-militant-extremists/p9135>>. Acesso em: 11 abr. 2012. 148 Cf. BBC. Presidente afegão admite que não conseguiu tornar o país seguro. Disponível em: <<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/10/111007_afeganistao_harzai_rc.shtml>>. Acesso em: 15 fev. 2012. Cf. também: FOREIGN POLICY. Pakistan’s Alternate Universe: What possible 61 Estes são apenas alguns dos exemplos emblemáticos da luta regional contra alegadas expressões de terrorismo, episódios que reforçam, aos olhos da comunidade internacional, a importância da conjunção de esforços e de ações concertadas entre os Estados para a prevenção e o combate à problemática. É justamente inserida nesse contexto que a Organização para Cooperação de Xangai representa e concretiza as aspirações de cooperação para a manutenção da paz e da estabilidade na região. 3.4.2. A postura da OCX A OCX reconhece que a rápida evolução da globalização contribui para a interdependência dos Estados, de forma que a segurança e o desenvolvimento destes tornam-se interconectados. Este é o teor da Declaração de Bisqueque dos Chefes dos Estados-membros da OCX (Bishkek Declaration of the Heads of the Member States of the Shanghai Cooperation Organisation), de 16 de agosto de 2007, a qual preconiza que as ameaças e os desafios modernos podem ser combatidos efetivamente através de esforços conjuntos da comunidade internacional com base em princípios acordados e dentro da estrutura de mecanismos multilaterais. E arremata: “A ação unilateral não pode resolver os problemas existentes”.149 Imbuída do espírito cooperativo e ciente da importância cada vez mais crescente dessas temáticas para a manutenção da segurança e da paz internacional e regional, a Organização, desde a sua fundação, elegeu o combate conjunto ao terrorismo, separatismo e extremismo, em todas as suas manifestações, assim como ao tráfico ilícito de narcóticos e armas, à migração ilegal e a outros tipos de atividades criminosas transnacionais como uma de suas maiores missões e áreas de cooperação (arts. 1º e 3º da Carta da OCX). A contínua definição de tais prioridades, vale salientar, é herança motives does Islamabad have for supporting Afghanistan’s bloody insurgency? Disponível em: <<http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/10/18/pakistan_haqqani_network_us_relations?page=0,2> >. Acesso em: 16 fev. 2012. 149 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Bishkek Declaration of the Heads of the Member States of the Shanghai Cooperation Organisation. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=92>>. Acesso em: 05 abr. 2012. 62 direta das discussões travadas ainda no seio do Shanghai Five, sobretudo a partir da terceira conferência de 3 de julho de 1998 na cidade de Almaty no Cazaquistão, a qual inseriu, pela primeira vez, assuntos não militares (como promoção da paz e da estabilidade na região e cooperação econômica) na pauta de discussão entre os Estadosmembros (na época, sem a presença do Uzbequistão).150 A preocupação com a escalada do tráfico de drogas, umas das principais fontes de recursos do terrorismo, é um dos tópicos mais recorrentes na agenda da OCX. A preocupação da Organização, sobretudo com a região de instabilidade representada pelo Afeganistão, culminou em um Acordo sobre Cooperação no Combate ao Tráfico Ilícito de Narcóticos, Substâncias Entorpecentes e Precursores (Agreement on Cooperation in Combating Illicit Trafficking of Narcotic Drugs, Psychotropic Substances and Precursors of 17 June, 2004), em 17 de junho de 2004. Este documento ensejou o estabelecimento de uma base legal para ações conjuntas pelos Estados-membros para combater o tráfico de drogas e outros crimes relacionados. Ademais, a adoção pelo Conselho dos Chefes de Estado, em junho de 2011 na Conferência de Astana, da Estratégia Contra Narcótica dos Estados-membros da OCX para 2011-2016 e o seu Plano de Ação (Counternarcotics Strategy of the SCO Member States for 2011-2016 and its Action Plan) contribui sobremaneira para promover a efetividade dos esforços conjuntos no combate à “ameaça narcótica” na região da Organização.151 O estreitamento das relações entre a OCX e o Afeganistão mostra-se evidente nessa área, vez que o país é o responsável pela produção de cerca de 90% do ópio no mundo. Grande parte dessa produção acaba em mercados na Rússia e na Europa via uma rede de rotas que perpassam os Estados montanhosos e mal monitorados da Ásia Central.152 Nesse sentido, Xangai defende que a paz e a estabilidade do Afeganistão representa uma peça fundamental para o desenvolvimento social e econômico da região153, o que pode ser facilmente depreendido da Declaração da Organização para 150 JIA, Qingguo, op. cit. SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Joint Communiqué of meeting of the Council of the Heads of the Member States of the Shanghai Cooperation Organisation commemorating the 10th anniversary of the SCO. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=293>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 152 UNIVERSAL NEWSWIRES. China, Russia combine forces to stem drug flow through Central Asia. Disponível em: <<http://www.universalnewswires.com/centralasia/viewstory.aspx?id=11736>>. Acesso em: 04 abr. 2012. 153 PAJHWOK AFGHAN NEWS. SCO vows to help fight drug, terror in Afghanistan. Disponível em: <<http://www.pajhwok.com/en/2010/06/11/sco-vows-help-fight-drug-terror-afghanistan>>. Acesso em: 22 mar. 2012. 151 63 Cooperação de Xangai e a República Islâmica do Afeganistão no combate ao terrorismo, tráfico ilícito de drogas e crime organizado (Statement by the Shanghai Cooperation Organization Member States and the Islamic Republic of Afghanistan on combating terrorism, illicit drug trafficking and organized crime)154 e do Plano de Ação dos Estados-membros da Organização para Cooperação de Xangai e a República Islâmica do Afeganistão no combate ao terrorismo, tráfico ilícito de drogas e crime organizado (Plan of Action of the Shanghai Cooperation Organization Member States and the Islamic Republic of Afghanistan on combating terrorism, illicit drug trafficking and organized crime).155 Neste último documento, aliás, inúmeras medidas foram visionadas para promover uma interação prática no combate ao tráfico ilícito de entorpecentes, tais como: a) intercâmbio de informações; b) condução de operações conjuntas; c) controle sobre o tráfico de drogas, substâncias psicotrópicas e os seus precursores; d) treinamento de pessoal das agências antidrogas; e) atividades de prevenção do abuso de drogas (medidas de redução de demanda, desenvolvimento de novos métodos de tratamento, reabilitação social e médica de viciados); f) cooperação entre as agências dos Estados-membros da OCX e do Afeganistão que combatem grupos criminosos organizados transnacionais; g) colaboração entre a OCX e a CSTO; h) acirramento do controle sobre as substâncias químicas utilizadas na produção das drogas. Quanto ao combate ao terrorismo, separatismo e extremismo, o documento mais importante é, sem dúvida, a já citada Convenção de Xangai sobre Combate ao Terrorismo, Separatismo e Extremismo, de 15 de junho de 2001. Esta congrega o entendimento dos países-membros no sentido de que estes três 154 Texto em inglês disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=100>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 155 Texto em inglês disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=99>>. Acesso em: 14 abr. 2012. 64 elementos (comumente referidos como the three evils ou “os três males”) representam uma ameaça à segurança e paz internacionais, à promoção de relações interestatais amigáveis, ao gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e à integridade territorial, segurança e estabilidade política, econômica e social dos Estados. Apesar de fazer referência também ao separatismo e extremismo e, inclusive, trazer os seus próprios conceitos para cada um destes fenômenos156, a maioria das disposições da Convenção está especialmente voltada à prevenção, identificação e supressão do terrorismo, elegendo este como o principal foco de sua atenção. Nesse sentido, o art. 6º elenca uma série de medidas a serem tomadas pelos Estados-partes para atingir esses três objetivos, tais como: a) intercâmbio de informações; b) execução de requerimentos de outros Estados concernentes a ações de busca operacionais; c) prevenção, identificação e supressão do financiamento, suprimento de armas e munições ou qualquer outra forma de assistência a qualquer indivíduo ou organização com propósitos terroristas; d) compartilhamento de experiências; e) treinamento de experts; f) celebração de acordos sobre outras formas de cooperação.157 O art. 2º, ademais, determina que os Estados-partes devem reputar atos terroristas como violações passíveis de extradição. O braço operacional da OCX na assistência, coordenação e interação das agências competentes dos Estados-membros para combater os três males é a já citada Estrutura Regional Anti-Terrorista ou “RATS”, criada em janeiro de 2004 e guiada pelos princípios consagrados na mencionada Convenção, na Carta da OCX, no Acordo entre Estados-membros da OCX sobre a Estrutura Regional Anti-Terrorista (Agreement among the SCO member states on the Regional Anti-Terrorism Structure, de 7 de junho 156 Art. 1º, 1, item 2: “‘separatismo’ significa qualquer ato intencionado a violar a integridade territorial de um Estado, incluindo por anexação de qualquer parte de seu território, ou a desintegrar um Estado, cometido de uma maneira violenta, assim como planejar e preparar, e instigar tal ato (...)”. Art. 1º, 1, item 3: “‘extremismo’ é um ato que visa tomar ou manter o poder através do uso de violência ou mudar violentamente o regime constitucional de um Estado, assim como mediante a usurpação da segurança pública, incluindo a organização, para os propósitos acima, de formações armadas ilegais e a participação nelas (...)” (tradução livre). 157 Outro documento importantíssimo no âmbito do combate ao terrorismo, separatismo e extremismo é o Conceito de Cooperação entre os Estados-membros da OCX sobre combate ao Terrorismo, Separatismo e Extremismo (Concept of Cooperation Between SCO Member States in Combating Terrorism, Separatism, and Extremism), adotado pela Resolução nº 01 do Conselho dos Chefes de Estado em 5 de junho de 2005. Texto em inglês disponível em: <<http://www.fidh.org/Concept-of-CooperationBetween-SCO>>. Acesso em: 12 abr. 2012. 65 de 2002)158 e nos documentos e decisões adotados no quadro da Organização. Os objetivos e funções fundamentais da RATS, segundo o art. 6º do Acordo acima referido, constituem, em síntese, desenvolver propostas e recomendações no que tange ao desenvolvimento da cooperação no combate ao terrorismo, separatismo e extremismo; dar a assistência necessária às agências competentes dos Estados-partes quando requisitada; coletar e analisar informações fornecidas pelos Estados e formar uma base de dados; participar da feitura de documentos legais internacionais atinentes ao assunto; assistir na preparação e execução de exercícios operacionais e táticos antiterroristas; treinar especialistas e instrutores em subdivisões antiterroristas e estabelecer e apoiar grupos de contato entre a OCX e organizações internacionais engajadas. A Organização, importante salientar, frequentemente promove a realização de exercícios antiterroristas no território dos Estados-membros, sendo atribuição do Comitê Executivo da RATS a assistência na preparação e condução de tais treinamentos.159 A primeira ação conjunta sob os auspícios da OCX deu-se em outubro de 2002, ocasião na qual a China e o Quirguistão executaram o primeiro exercício bilateral antiterror da Organização, envolvendo centenas de tropas em operações de fronteira. No ano seguinte, todos os exércitos dos Estados-membros, com exceção do Uzbequistão160, participaram da “Cooperação 2003” (Cooperation 2003) na região oriental do Cazaquistão e na província de Xinjiang na China. Treinamentos também foram operacionalizados em agosto de 2010 na região de Saratov, na Rússia (participaram Rússia, Cazaquistão e Quirguistão), e em maio de 2011 na região de Kashgar na província de Xinjiang – este sob o codinome “Tianshan-2-2011”. Os exercícios mais proeminentes da OCX, no entanto, são os que vêm sendo 158 Texto em inglês disponível em: <<http://www.fidh.org/Agreement-Between-the-Member>>. Acesso em: 12 abr. 2012. 159 Nesse sentido, ver o Acordo sobre Procedimento para Organizar e Conduzir Exercícios AntiTerroristas Conjuntos pelos Estados-membros da Organização para Cooperação de Xangai (Agreement on the Procedure for Organizing and Conducting Joint Anti-Terrorist Exercises by Member States of the Shanghai Cooperation Organization), de 28 de agosto de 2008. Texto em inglês disponível em: <<http://www.fidh.org/Agreement-on-the-Procedure-for#pagination_artz>>. Acesso em: 12 abr. 2012. 160 O Uzbequistão adota um posicionamento bastante cauteloso e relutante no que tange à expansão das funções militares da OCX, participando minimamente das operações militares conjuntas. A despeito disso, acabou sediando em março de 2006 o exercício multilateral chamado “Antiterror-Leste-2006” (East-Antiterror-2006). Para saber mais sobre a política externa ambivalente do Uzbequistão, conferir: UNIVERSAL NEWSWIRES. Treaties to no avail: what's wrong with Uzbekistan? Disponível em: <<http://www.universalnewswires.com/centralasia/viewstory.aspx?id=11651>>. Acesso em: 23 mar. 2012. 66 promovidos desde 2005 sob a alcunha “Missões de Paz” (Peace Missions): o primeiro deles, de 18 a 25 de agosto, ocorreu somente com a participação da Rússia (2.000 tropas) e da China (8.000 tropas), consistindo em uma operação de três fases que começou em Vladivostok, no extremo oriente russo, e terminou na Península de Shandong na China. Em agosto de 2007, uma segunda Missão foi desempenhada em duas fases – uma em Xinjiang e outra no distrito militar Volga-Ural, perto da cidade russa de Tchelyabinsk –, porém dessa vez com tropas de todos os seis Estados-membros da OCX, perfazendo um contingente de 6.500 tropas (2.000 da Rússia e 1.600 da China) e 80 aeronaves. Em julho de 2009, outra operação bilateral se deu entre a Rússia e a China, tendo os outros Estados-membros participado como observadores. A última das Missões deu-se em setembro de 2010 na área de treinamento Matybulak no Cazaquistão, com a contribuição de todos os Estados-membros, exceto o Uzbequistão. Na ocasião, 5.000 tropas, 300 artilharias de combate e mais de 50 aviões de combate e helicópteros foram empregados. A próxima Missão de Paz ocorrerá em junho de 2012 na área militar de treinamento Chorugdagon no Tajiquistão (a ausência do Uzbequistão já foi confirmada161). Os propósitos dos exercícios militares acima mencionados são variados. De um lado, representam oportunidades de desenvolvimento das habilidades das forças armadas dos Estados-membros para deter e suprimir focos de terrorismo regional e de rebeliões populares, além de aperfeiçoar a proficiência tática e operacional dos exércitos participantes e aumentar a interoperabilidade entre eles. De outro, as ações conjuntas servem de instrumento de persuasão para a Rússia e a China: convencendo os governos da Ásia Central de que eles não precisam se virar para Washington ou Bruxelas (sede da OTAN) a fim de obter assistência de segurança, tais potências enfraquecem a influência do Oeste na região.162 A despeito da importância evidente de tais iniciativas de cooperação entre os Estados, críticas contundentes são constantemente tecidas contra a política antiterror empreendida pelos países-membros da OCX. Organizações de direitos humanos como a Human Rights Watch vêm denunciando o cometimento de sérias violações de direitos 161 UNIVERSAL NEWSWIRES. Uzbek military again opts out of SCO exercises. Disponível em: <<http://www.universalnewswires.com/centralasia/uzbekistan/viewstory.aspx?id=11577>>. Acesso em: 13 abr. 2012. 162 WEITZ, Richard., op. cit. 67 humanos e humanitários em nome de uma pretensa luta contra o terrorismo.163 Segundo tais denúncias, o governo chinês utiliza-se da agenda antiterrorista para conter violentamente a minoria étnica muçulmana Uighur em Xinjiang, promovendo prisões arbitrárias, fechamento de locais de adoração, repressão sobre atividades religiosas tradicionais e condenação de milhares de pessoas a prisões severas ou à pena de morte sem a observância do devido processo legal. O Uzbequistão, por sua vez, desde a década de 90 utiliza a luta contra o terrorismo para justificar a prisão e a tortura de milhares de muçulmanos cujas práticas religiosas, filiações e crenças pacíficas são contrárias ao governo.164 A Rússia também é alvo de repreensões pela maneira como vem lidando com os levantes na Chechênia – a utilização sistemática de tortura, desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais e prisões arbitrárias foram relatadas. 3.5. As relações entre Rússia e China Rússia e China são duas nações de longa e rica história, que sofreram intensas transformações ao longo do tempo e cuja relação é caracterizada pela oscilação entre períodos de aproximação e de distanciamento. O primeiro grande período de aproximação entre os dois países remonta à segunda metade do século XIX, quando a relação evoluiu de uma mera negociação de fronteiras a uma aliança militar consolidada. No entanto, com a participação russa (em apoio às potências ocidentais) na supressão das revoltas populares do final do século XIX e início do século XX, a China se sentiu traída por Moscou e as relações entraram em uma profunda crise, que persistiu durante toda a existência do Império Russo.165 163 HUMAN RIGHTS WATCH. Eurasia: Uphold Human Rights in Combating Terrorism. Disponível em: <<http://www.hrw.org/en/news/2006/06/13/eurasia-uphold-human-rights-combatingterrorism>>. Acesso em: 04 abr. 2012. 164 O episódio mais emblemático de repressão do governo uzbeque foi o massacre de Andijan em 2005, no qual o governo de Islam Karimov impiedosamente matou centenas de cidadãos que protestavam pacificamente por melhores condições de vida. O Estado até hoje não se responsabiliza pelo acontecido e continua culpabilizando terroristas (cf. HUMAN RIGHTS WATCH. 2005: Exposing the Andijan Massacre. Disponível em: <<http://www.hrw.org/video/2011/03/11/2005-exposing-andijan-massacre>>. Acesso em: 13 abr. 2012). 165 PARAMONOV, Vladimir; SROKOV, Aleksey. Russian-Chinese Relations, Past, Present & Future. Conflict Studies Research Centre, Swindon, England, September, 2006. Eu encontrei esse texto na internet, citar aqui como “disponível em:”. Seria uma fonte interessante para consulta dos delegados mais interessados. 68 Com a criação da União Soviética, uma reaproximação tomou forma e novamente foi criada uma aliança militar com os chineses. A participação soviética na libertação da China ocupada pelo Japão na Segunda Guerra Mundial foi fundamental na reconstrução da confiança chinesa em seus vizinhos do norte. As relações sino-russas atingiram o ápice na Guerra da Coreia (1950-1953), em que URSS e China interviram em favor da Coreia do Norte.166 No entanto, a partir da década de 60, divergências entre o Partido Comunista Chinês e o Partido Comunista da União Soviética levaram a uma nova crise das relações sino-russas, que só seria reconstruída no final da década de 80, por iniciativa do então líder soviético Mikhail Gorbachev. Com o fim da URSS, os dois países ensaiaram uma nova aproximação ao longo de toda a década de 90, mas apenas no século XXI, já na administração Putin, ela tomou forma.167 Com a intervenção ocidental na Iugoslávia, em 1999, Rússia e China enxergaram em uma parceria a oportunidade de se consolidar enquanto um centro de poder alternativo na comunidade internacional, em oposição ao crescente unilateralismo 166 167 Ibidem. Ibidem. 69 americano. A construção dessa relação sino-russa só foi possível porque ambos compartilham uma visão de mundo que passa pela criação de um sistema internacional multipolar, em que a soberania dos países é uma variável da mais elevada importância e que não haja uma “missão” de propagação de um “modelo democrático” específico, como entende os Estados Unidos.168 Ao longo da primeira década do século XXI, as relações entre os dois países têm se desenvolvido bastante, especialmente no campo militar. A Rússia vê na China um excelente comprador de equipamento (e eventualmente tecnologia) militar, e o dinheiro chinês nessas transações é importante para a recuperação do Exército Vermelho, amplamente sucateado com a dissolução da União Soviética. A China, por outro lado, vê na Rússia uma fonte de equipamento e tecnologia para superar o abismo tecnológico que a separa dos melhores exércitos do mundo. Essa relação, no entanto, tem um lado ruim para os russos, na medida em que a China diminui a distância entre os dois países e já se começa a tomar mercados dos armamentos fabricados na Rússia.169 A relação entre os dois países atualmente é alicerçada em uma série de interesses comuns. O primeiro deles é a oposição à presença americana na Ásia Central. Ambos os países querem explorar os mercados potenciais e ter acesso aos recursos energéticos das ex-repúblicas soviéticas da região, e é positivo para os dois que os Estados Unidos não se estabeleçam como competidores por ambos, mercados e recursos.170 Rússia e China também compartilham o mesmo interesse em combater o terrorismo, o extremismo e o separatismo, as grandes ameaças regionais da Ásia Central, seja para suprimir grupos separatistas que atuam dentro de seus territórios (como a Chechênia e Taiwan), seja para garantir a estabilidade política dos regimes dos outros países da região, de modo a construir um cenário regional mais estável.171 Além disso, é interessante para os países da Ásia Central ter o apoio russo e chinês no combate a rebeldes internos. Em 2005, governos do Uzbequistão e do Quirguistão foram duramente criticados pelo Ocidente, acusados de violar os direitos humanos no combate a grupos oposicionistas em seus territórios. No encontro anual da OCX, Rússia e China deram apoio aos dois países, enfatizando o direito que os Estados 168 PARAMONOV, Vladimir; SROKOV, Aleksey, op. cit. Ibidem. 170 ARIS, Stephen, op. cit. 171 Ibidem. 169 70 da Ásia Central têm de proteger a lei e a ordem e, assim, preservar a sua soberania. Os países de Xangai tendem a ver Rússia e China como aliados muito mais confiáveis do que os países do Ocidente.172 A Organização para a Cooperação de Xangai tem se desenvolvido na medida em que as relações entre Rússia e China evoluem. Os dois países têm usado a OCX como ferramenta substituta à criação de acordos bilaterais na construção de suas relações. Da mesma forma, os grandes obstáculos que a Organização enfrentará no futuro são causados justamente por diferenças até então irreconciliáveis entre os interesses de Pequim e Moscou. Xangai pode deixar de ser um resultado da cooperação entre Rússia e China e passar a servir como instrumento de uma competição entre as duas potências.173 A Rússia prefere manter a cooperação na área de segurança como o foco de Xangai, enquanto a China quer alterar o foco para aspectos econômicos da região. Os chineses querem que a OCX seja um instrumento de redução de barreiras alfandegárias e integração comercial na Ásia Central, enquanto todo o restante da Organização, em especial o Kremlin, teme que isso possa ser apenas uma forma de os chineses inundarem o mercado da região com produtos mais baratos, quebrando os produtores nacionais.174 As preocupações russas quanto a uma maior penetração econômica na Ásia Central refletem uma projeção pessimista do Kremlin de como será a balança de poder entre os países no longo prazo. Em outras palavras, a Rússia precisa mais da China do que a China da Rússia e o governo de Moscou teme que, no futuro, os russos sejam relegados a um papel secundário na dinâmica de poder na Ásia, em detrimento do fortalecimento da China enquanto polo global de poder político e econômico. Xangai 172 ARIS, Stephen, op. cit. Ibidem. 174 Ibidem. 173 71 poderia se tornar mais um instrumento através do qual a China fortalece a sua posição na Ásia Central e relega à Rússia o papel de potência coadjuvante.175 Uma forma encontrada pela Rússia para contornar essa alegada tendência é o envolvimento em outras organizações regionais, onde não existe essa preocupação em desempenhar um papel de segunda classe, ofuscado pela China. Explica-se, então, o esforço da diplomacia russa em fortalecer a CSTO e a EurAsEC, organizações que são muito mais orientáveis pelo interesse russo do que Xangai. É a forma que os russos encontraram de deixar claro à China que a cooperação entre os dois países (e indiretamente entre a Ásia Central inteira) se dará apenas em áreas que forem realmente vantajosas a todos.176 É provável que a OCX continue funcionando como um elemento positivo das relações sino-russas, mas a sua eficiência no longo prazo dependerá muito da discussão das diferenças entre as duas grandes potências regionais e do esforço delas em integrar os outros membros ao processo. Se eventualmente as repúblicas da Ásia Central passarem a ver Xangai como um mero instrumento de exercício de poder chinês ou russo, a legitimidade da Organização pode viver um processo de esvaziamento por uma terceira via que não a de Moscou ou de Pequim. Assim sendo, China e Rússia devem se esforçar para que a OCX seja mais do que apenas um canal para o desenvolvimento de políticas bilaterais.177 4. RELAÇÕES DA OCX 4.1. CSTO e CEI Com a derrocada da URSS, a Rússia buscou preservar alguma unidade entre os países recém-formados, mantendo sua influência de perto na forma da CEI. Todavia, divergências ideológicas afetaram – e ainda afetam – a coordenação e a efetividade da CEI. Em um caso extremo, também como consequência do conflito com a Rússia, a Geórgia deixou a organização. Países como Ucrânia, Moldávia e Azerbaijão apresentam inclinação pró-Ocidente, o que costuma entrar em choque com os interesses russos. 175 Ibidem. ARIS, Stephen, op. cit. 177 Ibidem. 176 72 Diante da falha de se estabelecer uma parceria confiável no âmbito da CEI, Rússia, Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Tajiquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Armênia, Azerbaijão e Geórgia passaram a formar a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO). Azerbaijão e Geórgia se retiraram da organização em 1999. Diferentemente da CEI, a CSTO surgiu com distinto propósito militar e se enquadrou melhor no objetivo russo de reintegrar o espaço pós-soviético em oposição aos blocos ocidentais. Na agenda da CSTO, encontram-se, dentre outras metas, a cooperação em defesa aérea, fabricação de armas, atividades pacificadoras, combate ao tráfico de drogas e ao terrorismo. De maneira semelhante à OTAN, a CSTO possui uma Força de Reação Rápida Coletiva para responder a agressões militares aos países-membros, ao tráfico de drogas e ao terrorismo. A CSTO realiza exercícios militares de forma regular como a OCX. Curiosamente, em ambas as organizações, o Uzbequistão se mostra relutante em participar dos treinamentos (apesar de abrigar a sede da RATS da OCX)178. Ao mesmo tempo em que tem estabelecido laços com as forças ocidentais, a exemplo do apoio às rotas da OTAN até o Afeganistão, a liderança uzbeque teme a presença e a intenção russa na Ásia Central.179 Apesar de algumas similaridades óbvias e importantes, como membros e objetivos, a OCX e a CSTO não costumam interagir como organizações. São encaradas como duas plataformas de atuação diferentes pelos países que as compõem, sendo uma mais afeita à linha de ação da Rússia (CSTO) e a outra, bem mais ampla em termos territoriais e de objetivos (OCX), abarca interesses por vezes divergentes aos russos, como os da China, por exemplo. Diante da insurgência de conflitos, é natural que os países façam uso da plataforma mais pertinente e confortável política e militarmente. Em geral, a CSTO e a OCX compartilham propósitos parecidos, o combate às mesmas ameaças e a ideia de união e fortalecimento regional. Entretanto, não é costume da CSTO figurar como convidada da OCX, ao contrário da CEI, que já participou de reuniões da Organização. 178 EURASIANET. CSTO To Exercise In Armenia; SCO In Tajikistan (And Uzbekistan To Stay Home). Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/node/65133>>. Acesso em: 05 abr. 2012. 179 EURASIANET. Improve CSTO? Kick Out Uzbekistan, Says Medvedev's Think Tank. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/node/64137>>. Acesso em: 05 abr. 2012. 73 A efetividade da CSTO foi posta em dúvida quando se manteve inerte perante o conflito étnico entre quirguizes e uzbeques em que centenas foram mortos no sul do Quirguistão no ano passado, mesmo após pedido do país para que a organização agisse.180 4.2. ASEAN A Associação de Nações do Sudeste Asiático, ou Association of Southeast Asian Nations (ASEAN), é uma organização de cunho político e econômico da qual fazem parte Tailândia, Filipinas, Malásia, Singapura, Indonésia, Brunei, Vietnã, Mianmar, Laos e Camboja. Em busca de integração e fortalecimento regional, foi criada uma zona de livre comércio da ASEAN, assim como estabelecidas outras zonas semelhantes entre a Associação e outros países, tais como China, Coreia, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Diante do agigantamento da influência chinesa, a Associação foi criada para proteger os países-membros e contrabalancear os poderes atuantes na região.181 Com vistas à cooperação asiática, a ASEAN já foi convidada para reuniões da OCX justamente no sentido de familiarizar as economias e políticas do Pacífico. Além disso, a maior aproximação de potências ocidentais – com destaque para os Estados Unidos – aos países do sul asiático é uma movimentação percebida com cautela e preocupação pelas grandes forças orientais. 4.3. Afeganistão O Afeganistão vem pavimentando seu caminho rumo à aceitação como membro observador na OCX nos últimos anos, no que já conta com apoio russo. Sua importância no contexto asiático, sob todos os aspectos, é notável e, naturalmente, não é negligenciada pela Organização. Em 2005, foi criado o Grupo de Contato OCXAfeganistão182 com o propósito de aprimorar a cooperação em questões de interesse 180 REUTERS. Russian-led bloc undecided on aid for Kyrgyzstan. Disponível em: <<http://www.reuters.com/article/2010/08/20/idUSLDE67J1KU>>. Acesso em: 10 abr. 2012. 181 BAJPAEE, Chietigj. The search for an Asia face. Disponível em: <<http://www.atimes.com/atimes/Asian_Economy/IF21Dk03.html>>. Acesso em: 02 fev. 2012. 182 SHANGHAI COOPERATION ORGANISATION. Protocol on Establishment of the SCOAfghanistan Contact Group betweeen the Shanghai Cooperation Organisation and the Islamic Republic of Afghanistan. Disponível em: <<http://www.sectsco.org/EN/show.asp?id=70>>. Acesso em: 15 fev. 2012. 74 mútuo. Desde então a aproximação do país com o bloco asiático tem aumentado de forma gradual. Os inúmeros problemas que assolam o Afeganistão são motivo de preocupação não somente em nível regional, mas global – o país é uma peça primordial na estratégia de diversos países e atores internacionais. A instabilidade no país asiático fez Ocidente e Oriente unirem esforços sob os auspícios da ONU para intervir e ocupá-lo a fim de reverter o quadro. O comando da ISAF, força criada pelo Conselho de Segurança da ONU, que também conta com tropas de países asiáticos, como Mongólia, Malásia e Coreia do Sul, foi repassado para a OTAN.183 Na perspectiva de melhor planejar e coordenar as atuações das várias forças internacionais direcionadas ao Afeganistão, a OCX sediou em Moscou uma conferência em março de 2009, da qual participaram representantes do Afeganistão, Turcomenistão, Turquia, Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Canadá, Japão, além de delegados da CEI, CSTO, UE, OTAN, OSCE, dentre outras organizações, assim como o Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon. Dessa conferência, inédita na história da OCX em termos de abrangência – inclusive sendo a primeira participação dos EUA numa reunião oficial com a Organização –, resultou uma declaração que salientou a importância dos esforços internacionais para se alcançar um Afeganistão estável, pacífico, próspero e democrático, destacando a liderança do próprio país e o papel central da ONU no processo. 184 Ainda nessa oportunidade, Xangai e o Afeganistão estabeleceram um Plano de Ação para o combate 183 INTERNATIONAL SECURITY ASSISTANCE FORCE. International Security Assistance Force: troop contributing nations. Disponível em: <<http://www.isaf.nato.int/images/media/PDFs/18%20october%202011%20isaf%20placemat.pdf>>. Acesso em: 03 fev. 2012. 184 PERMANENT MISSION OF AFGHANISTAN TO THE UNITED NATIONS IN NEW YORK. Declaration of the Special Conference on Afghanistan convened under the auspices of the Shanghai Cooperation Organization. Disponível em: <<http://www.afghanistan-un.org/wpcontent/uploads/2009/03/declaration_of_the_special_conference_on_afghanistan2.pdf>>. Acesso em: 03 fev. 2012. 75 ao terrorismo, ao tráfico de drogas ilícitas e ao crime organizado e traçaram formas, abordagens e áreas de cooperação comuns às duas partes.185 Diante da anunciada retirada das tropas internacionais do território afegão até 2014, a Organização enxerga a possibilidade e a necessidade de fortalecer sua atuação junto ao país. Como respostas unicamente militares não são as mais apropriadas ao conflito afegão, a OCX se propõe a focar nas questões socioeconômicas e pode tirar proveito de certas vantagens (como a identificação e proximidade étnica de suas populações e o alegado desinteresse de imposição político-ideológica) no campo político no sentido de desenvolver negociações para a resolução da problemática186, bem como no plano econômico, principalmente por seus membros compartilharem fronteiras, implementando cooperação em comércio, transporte, energia, agricultura e investimentos. No topo da lista das importações do Afeganistão estão Paquistão, Índia e Irã, e liderando as exportações do país estão Uzbequistão, China e Paquistão, o que já demonstra uma conexão natural entre a economia afegã e as da OCX.187 A localização geográfica central faz do transporte um tópico crucial para a interligação do continente e desenvolvimento econômico afegão. Projetos direcionados ao setor energético também são valiosos para o Afeganistão, como o sistema de transporte de eletricidade Ásia Central-Ásia Meridional (CASA-1000)188 e o gasoduto Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia (TAPI)189. Apesar da Rússia ter sido o maior investidor no país na era soviética, quem mais investe atualmente é a China190, o que coloca esses dois países em posição de comandar os investimentos vindouros. 185 Ibidem. VALDAI DISCUSSION CLUB. SCO and NATO: Is dialogue possible? Disponível em: <<http://valdaiclub.com/asia/28720.html>>. Acesso em: 03 fev. 2012. 187 ECONOMIC AND COMMERCIAL COUSELLOR’S OFFICE OF THE EMBASSY OF THE PEOPLE’S REPUBLIC OF CHINA IN THE ISLAMIC REPUBLIC OF AFGHANISTAN. Crescimento substancial no comércio com a China no Afeganistão. Disponível em: <<http://af.mofcom.gov.cn/aarticle/zxhz/tjsj/201110/20111007773306.html>>. Acesso em: 05 fev. 2012. 188 CUTLER, Robert M. Security group stumbles forward. Disponível em: <<http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/MK11Ag01.html>>. Acesso em: 10 mar. 2012. 189 FOSTER, John. A PIPELINE THROUGH A TROUBLED LAND: AFGHANISTAN, CANADA, AND THE NEW GREAT ENERGY GAME. Canadian Centre For Policy Alternatives, v. 3, n. 1, 19 jun. 2008. Disponível em: <<http://www.policyalternatives.ca/sites/default/files/uploads/publications/National_Office_Pubs/2008/A _Pipeline_Through_a_Troubled_Land.pdf>>. Acesso em: 15 mar. 2012. 190 CHANSORIA, Monika. China is expanding its footprint in Afghanistan. Disponível em: <<http://www.sunday-guardian.com/analysis/china-is-expanding-its-footprint-in-afghanistan>>. Acesso em: 15 mar. 2012. 186 76 A conferência de 2009 reconheceu a OCX como uma arena adequada para um diálogo amplo entre os envolvidos e interessados no Afeganistão, e o interesse de que o país se integre efetivamente na Organização só vem a reforçar a mensagem de que a segurança regional é melhor administrada e passará cada vez mais para as mãos dos países da região, fazendo da OCX a verdadeira protagonista no Oriente. 4.4. EUA Diante dos aspectos estratégicos intrínsecos à Ásia, em especial à região de alinhamento ambíguo que é a Ásia Central, os EUA têm desempenhado um papel propulsor que polariza a rede de políticas relacionadas em uma encruzilhada de interesses das potências adjacentes, mais proeminentes no caso da Rússia e da China, ou em ascensão, como a Índia. As tentativas de Washington de extrapolar sua esfera de influência para a região possui um histórico considerável, o que ganhou força mais recentemente, junto à crescente integração dos países da OCX aos mercados ocidentais.191 De uma visão puramente econômica e desenvolvimentista, pode-se auferir que os EUA possuem em sua linha de foco interesses centrados na perspectiva de exploração energética dos recursos minerais que abundam no território da Organização. Todavia, essa é apenas uma das meadas que delineiam a política externa americana junto à OCX. Uma delas está no fator primordial de conflito de interesses que colocam EUA de um lado, e, primariamente, Rússia e China de outro, no que tange à influência regional, em especial sobre os coadjuvantes centro-asiáticos, e com eles sua cobiçada parceria no aproveitamento de commodities, por exemplo. Outro desdobramento se refere à necessidade estratégica militar, em virtude da proximidade geográfica com o Afeganistão e Irã, pontos áridos na política externa 191 YEE, Andy. Engaging Central Asia: the EU-Shanghai Cooperation Organisation (SCO) axis. Disponível em: <<http://www.eastasiaforum.org/2009/11/07/engaging-central-asia-the-eu-shanghaicooperation-organisation-sco-axis/>>. Acesso em: 17 mar. 2012. 77 americana no desenvolvimento pós-11 de Setembro. De fato, a presença do Irã como membro observador já recebeu clara manifestação de desaprovação de Washington. Tal pretensão de influência também envolve naturalmente uma presença de viés sociocultural ou de soft power, com intuito de promover a democracia e liberdades civis e políticas na região a fim de alegadamente reduzir o desafio da instabilidade políticosocial e reduzir o risco representado pelo terrorismo de brotar do extremismo e da violência civil. Entretanto, Xangai decerto apresenta dificuldades aos objetivos americanos. Atuando no cerne das lideranças regionais há uma década, a Organização amealha vantagens que vêm com a sincronia cultural e entendimento mais afinado em relação à natureza de seus países-membros, caracterizando-se como catalisador das identidades ideológicas na Ásia e colocando as nações da região em uma relação de diálogo mais direta e compreensiva que aquela traçada pelo Ocidente, em especial Estados Unidos e União Europeia, sob a forma da OTAN, ISAF e outras instituições.192 Para ilustrar a complexidade da interação EUA-OCX, pode-se citar o caso do Uzbequistão, que desde 1994 tem se tornado parceiro estratégico no combate contra o terrorismo na região e proximidades, em especial na guerra do Afeganistão e Iraque, mas que em 2005 expulsou os americanos da base aérea de Karshi-Khanabad, que vinha servindo de reduto militar de apoio no embate contra a Al Qaeda193. Outra demonstração pode ser feita apontando o caso do Tajiquistão, que recebe periodicamente dos EUA treinamento militar junto ao exército em seu território, enquanto que as fronteiras próximas ao Afeganistão são resguardadas coincidentemente pelos russos, dando vestígios da ambivalência das relações internacionais que ligam os dois polos envolvidos.194 Para Washington, a forte esfera de influência russa e chinesa no centro asiático, e seus desdobramentos no sudeste da Ásia e leste do Oriente Médio, é uma preocupação antiga e ainda assim presente. Segurança, energia e democracia resumem a essência do 192 REEVES, Jeffrey. US Cooperation with the Shanghai Cooperation Organization: Challenges and Opportunities. Disponível em: <<http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/us-cooperation-with-the-shanghaicooperation-organization-challenges-and-opportunities>> . Acesso em: 17 mar. 2012. 193 OLCOTT, Martha Brill, op. cit. 194 GLOBAL SECURITY.ORG. Operational Group of Russian Forces in Tajikistan. Disponível em: <<http://www.globalsecurity.org/military/world/russia/ogrv-tajikistan.htm>>. Acesso em: 27 jun. 2011. 78 interesse norte-americano na região195. Empreitadas de caráter variado e a presença de suas forças os tornaram símbolo da manifestação ocidental no Oriente, o que incomoda alguns e agrada outros – principalmente aqueles que buscam parcerias alternativas àquelas dos maiores poderes vizinhos. Um maior refinamento da sua política regional e um diálogo formal com a OCX representam o meio mais promissor para os EUA diversificarem seus suprimentos energéticos, promoverem os valores democráticos e liberais que tanto prezam, além de defenderem seus interesses de segurança. 4.5. União Europeia Do ponto de vista da União Europeia, pode-se dizer que a OCX seria um vago equivalente à OSCE no conceito de desenvolvimento de confiança mútua e gerenciamento de fronteiras, caracteres comumente associados ao antigo grupo Shanghai Five propriamente dito; não semelhante à OTAN, como por vezes se avalia. Contudo, ainda que reconheça a importância desse núcleo de cooperação e a tenha considerado em seu plano de Segurança Estratégica desde 2003, ainda parece carecer de meios de se aproximar de fato da Organização. A coalizão entre os russos, chineses e centro-asiáticos atiça uma interação mais dinâmica que pressiona os europeus a considerarem com mais cuidado suas intenções e objetivos, junto não apenas à Organização como um todo, mas a cada um de seus membros individualmente, em aspecto bilateral. A força de Moscou e Pequim combinadas em um delicado equilíbrio de poderes de fato representa a consolidação de uma nova forma de estabelecer multilateralismos diferentes daqueles consagrados na esfera ocidental. Nessa seara, a principal dificuldade provavelmente se encontra na diferença de valores, refletido em uma visão de políticas públicas em comum que rejeitam as concepções euro-americanas de direitos humanos, liberdades políticas e boa governança em geral, além de fortalecer seus regimes internos com cores autoritárias e outros aspectos tidos como negativos de seus governos. Em verdade, por parte da OCX, também não se pode dizer que houve esforços genuínos para estabelecer ligações junto 195 EURASIANET. Security, Energy and Democracy: US Interests in Central Asia. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav120606a.shtml>>. Acesso em: 12 mar. 2011. 79 à União Europeia, o que tem se resumido a algumas poucas participações em foros europeus.196 A UE certamente tem grande interesse em uma parceria mais estreita com os países da OCX e vem empenhando esforços para que isso seja realidade, principalmente em face da forte influência russa e chinesa na Organização. A dependência energética da União Europeia pode de fato ser considerada um fator muito relevante para a adoção de uma postura estratégica frente ao vasto potencial natural da Ásia. Além disso, sob um olhar mais especulativo, é possível distinguir a preocupação da UE como legítima frente à intensa influência da Rússia sobre os ex-membros da União Soviética, tradicional e historicamente incluídos em sua esfera de domínio. De forma natural, e como consequência, avalia-se que a União Europeia tema a cartelização do preço dos combustíveis fósseis entre a Rússia e a Ásia Central, que, por sua vez, implique em complicações severas no mercado energético Ásia-Europa.197 4.6. OTAN A OTAN, como coalizão militar do Ocidente, constitui maior núcleo divergente frente ao jogo de interesses e influências orquestrado pela OCX nas deliberações regionais centro-asiáticas. Perfaz com a Rússia sucessores espirituais do que um dia se estabeleceu como Guerra Fria, transladados para uma realidade multifacetada de fortalecimento multilateral e surgimento de novos focos de poder. Nessa esfera, é na força de cooperação interna da OCX que a OTAN encontra dificuldades quanto ao aprofundamento de suas relações com os governos envolvidos. De fato, a OTAN provou em diversas ocasiões sua capacidade de intervir em regiões normalmente fora do território estabelecido por seus membros, caso julgasse necessária para confrontar possível ameaça ou risco envolvendo seus integrantes ou em requisição de países parceiros no limite dos territórios dessas nações. No contexto da OCX, então, fica evidente a participação de seus membros, com exceção de Rússia e 196 BAILES, Alyson JK. The Shanghai Cooperation Organization and Europe. Disponível em: <<http://www.silkroadstudies.org/new/docs/CEF/Quarterly/August_2007/Bailes.pdf>>. Acesso em: 17 mar. 2012. 197 CRS REPORT FOR CONGRESS. NATO and Energy Security. Disponível em: <<http://www.fas.org/sgp/crs/row/RS22409.pdf>>. Acesso em: 07 nov. 2010. 80 China, no programa de acordos bilaterais Parcerias para a Paz idealizado pela Aliança.198 O território da OCX, em especial, é área na qual se desenvolvem múltiplos interesses associados à sua importância energética, favorecendo o surgimento de disputas e situações que ferem diretamente as pretensões dos atores mais diversos, entre governos, corporações e outras organizações. Para ilustrar essa importância, podem-se observar os ocorridos em: a) julho de 2001, quando houve a expulsão da British Petroleum do Azerbaijão pelos iranianos199; b) em 2001/2002, quando ocorreu intimidação naval da Rússia sobre países cáspios a fim de dissuadir o Cazaquistão de se unir ao projeto trans-Cáspio de dutos submarinos, apoiado pelos EUA, conectando-se ao oleoduto Baku-Ceyhan200; e por fim, c) em 2006, quando a Rússia propôs à OCX e ao Irã o amalgamento dos dutos de gás na tentativa de prevenir os Estados da Ásia Central de comercializarem gás natural no mercado internacional aberto.201 Diante dos fatos, o acesso direto aos recursos energéticos através de dutos e corredores comerciais, bem como a criação de bases para operações aliadas contra grupos terroristas que possam ameaçar o fornecimento energético acabaram por se integrar ao escopo da OTAN em sua política para o centro-asiático. Como área estrategicamente relevante, pode-se deduzir que a OTAN encontre em seu melhor interesse a aproximação com os países da região a fim de assegurar acordos bilaterais de 198 ADAMIA, Revaz. NATO: Caucasus in the context of Partnership for Peace. Disponível em: <<http://www.sam.gov.tr/perceptions/Volume4/March-May1999/adamia.PDF>>. Acesso em: 17 fev. 2011. 199 COHEN, Ariel. Iran's Claims Over Caspian Sea Resources Threaten Energy Security. Disponível em: <<http://s3.amazonaws.com/thf_media/2002/pdf/bg1582.pdf>>. Acesso em: 17 fev. 2011. 200 JOURNAL OF ENERGY SECURITY. The Caspian's Unsettled Legal Framework: Energy Security Implications. Disponível em: <<http://www.ensec.org/index.php?option=com_content&view=article&id=244:the-caspians-unsettledlegal-framework-energy-security-implications&catid=106:energysecuritycontent0510&Itemid=361>>. Acesso em 17 fev. 2011. 201 HU, Liyan; CHENG, Ter-Shing. China’s Energy Security and Geo-Economic Interests in Central Asia. Disponível em: <<http://www.cejiss.org/sites/default/files/l.hu_chinas_energy_security.pdf>>. Acesso em: 14 jan. 2011, pp. 49 – 50. 81 segurança e garantias quanto à manutenção da estabilidade. Tais iniciativas podem ser atualmente vislumbradas no diálogo crescente da OTAN com o Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão e Cazaquistão, através de acordos que permitem a presença militar na região, ainda que a contragosto da vizinha Rússia.202 O apoio político regional em relação à atuação da OTAN, nessa perspectiva, parece estar aos poucos se cristalizando como um meio de influência importante do Ocidente nas relações com Xangai, principalmente do ponto de vista de seus membros separadamente, ao invés de um diálogo direto com a Organização. A pertinência do interesse da OTAN junto à OCX parece pairar em torno do desafio do terrorismo internacional e a sua potencial ameaça regional, incluindo aí o terrorismo energético, bem como a necessidade militar de assegurar permanentemente os corredores de infraestrutura logística para facilitar o acesso da OTAN ao palco de operações antiterroristas na região. Em contrapartida, é crescente no Oriente – na Ásia Central em especial – um contrabalanço da OCX. Um engajamento mais vigoroso da OTAN com Xangai pode se mostrar como a melhor forma de contenção de sua influência e de evitar prováveis e iminentes conflitos de interesses. Embates seriam debilitantes para ambas as organizações, enquanto uma cooperação reforçaria a capacidade dessas instituições de administrar os complexos desafios transnacionais da Eurásia como um todo.203 Entretanto, um choque de políticas quanto à região centro-asiática divide alguns membros da OTAN, considerando-se que o impasse seja com a política russa, maior antagonista na área em questão. Alguns dos países da Aliança possuem relevantes laços econômicos em termos energéticos com a Rússia. Para exemplificar, Bélgica, Alemanha, França e Itália não enxergam com bons olhos um confronto direto com os interesses russos, uma quebra do status quo.204 202 NATO PARLIAMENTARY ASSEMBLY. 069 PCNP 06 E - CENTRAL ASIAN SECURITY: THE ROLE OF NATO. Disponível em: <<http://natopa.ibicenter.net/default.asp?SHORTCUT=902>>. Acesso em: 13 abr. 2011. 203 EURASIANET. Russia Urges Formation of Central Asian Energy Club. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav110707a.shtml>>. Acesso em: 12 mar. 2011. 204 EURASIANET. US Ponders Moves to Counter Aggressive Russian Energy Maneuvers. Disponível em: <<http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav032707a.shtml>>. Acesso em: 12 mar. 2011. 82 Para a OTAN, a importância estratégica do território representado pela OCX só aumentará. Assim como desafios, a região fornece à Aliança oportunidades de ampliação de colaborações que podem auxiliar na determinação de ameaças à segurança do século XXI. 5. PERSPECTIVAS PARA A DÉCADA Há mais de dez anos, a criação da Organização para Cooperação de Xangai foi um importante e estrategicamente calculado passo histórico, não só para seus membros, mas para a região asiática e para a geopolítica internacional. Xangai estabeleceu fundações sólidas para atingir suas metas de salvaguarda da paz, segurança e estabilidade, assim como desenvolver multilateral na cooperação região da Organização em diversos campos – políticos, econômicos, culturais, para citar alguns. No decorrer da última década, a OCX conseguiu consolidar uma confiança mútua, uma cooperação efetiva na esfera da segurança voltada ao combate do terrorismo, separatismo e extremismo, circulação ilegal de narcóticos e armas e crime organizado transnacional, assim como planos e programas econômicos de desenvolvimento em longo prazo dos países-membros, tudo possibilitado pelo funcionamento eficaz dos órgãos permanentes – o Secretariado em Pequim e a RATS em Tashkent – e agregado à abertura para cooperação com outros países e organizações regionais e internacionais. Nessa linha, a OCX tem como meta prioritária a consolidação e expansão das ligações externas com a ONU no âmbito da luta contra novas ameaças, bem como visando ao desenvolvimento econômico, social, humanitário e cultural. 83 Transformações e mudanças fundamentais vêm ocorrendo nas relações internacionais. Os problemas de ação conjunta efetiva contra os desafios da segurança global e garantia de desenvolvimento sustentável, os quais dizem respeito a todos os Estados, tornam-se cada vez mais proeminentes. Inúmeras ameaças e obstáculos se revelam à comunidade internacional, tais como conflitos regionais, instabilidade econômico-financeira, proliferação de armamentos, crimes transnacionais, terrorismo, falta de alimentos e mudanças climáticas. A fim de combatê-las, e como exemplo de sua atuação, a Organização sustenta a observância estrita das disposições do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, que objetiva conter tal disseminação, garantir o desarmamento e a ampla cooperação internacional para o uso pacífico da energia nuclear. As prioridades imediatas da OCX permanecem sendo o combate ao terrorismo, separatismo e extremismo, assim como aos crimes transnacionais e à circulação ilegal de narcóticos. Combater o surgimento de ideologias extremistas e propagandas terroristas também adquire relevância especial ante o atual cenário internacional. Dito isso, Xangai reconhece a importância do Afeganistão para a segurança regional e transnacional e incentiva sua independência, neutralidade e prosperidade, além de uma maior participação no cenário cooperativo asiático. Não menos importante é a intensificação da interação econômica e comercial na Ásia, incluindo, para tanto, o envolvimento de países observadores e de parceiros. Neste início de segunda década do século, bem como dos próximos dez anos de sua existência, a OCX se prontifica a discutir, cooperar e agir em prol da paz, estabilidade e desenvolvimento em nível regional e global, da democratização das relações internacionais e da salvaguarda do papel supremo da lei internacional nas relações mundiais. 84 ANEXOS 85 86 REFERÊNCIAS ADAMIA, Revaz. NATO: Caucasus in the context of Partnership for Peace. Disponível em: <<http://www.sam.gov.tr/perceptions/Volume4/March-May1999/adamia.PDF>>. Acesso em: 17 fev. 2011. AGENTURA.RU. The Regional Anti-Terrorist Structure of the Shanghai Cooperation Organisation (RATS SCO). Disponível em: <<http://www.agentura.ru/english/dossier/ratssco/>>. Acesso em: 05 mar. 2012. ALJAZEERA. Xinjiang: China’s ‘other Tibet’. 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