2005.06 - LLC.RI
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A LEI SARBANES-OXLEY ASPECTOS DA LEI SARBANES-OXLEY Em virtude dos escândalos corporativos que provocaram um sério abalo na credibilidade do mercado de capitais dos Estados Unidos, o Congresso daquele país procurou, com a edição da Lei Sarbanes-Oxley, dar uma resposta rápida aos fatos ocorridos, procurando restaurar a credibilidade do mercado acionário daquele país. por Luiz Leonardo Cantidiano* Jamais alguém pudera imaginar que eventos como os que envolveram as empresas do porte da Enron e da WorldCom viessem a acontecer logo nos Estados Unidos, um país que sempre foi admirado pela pujança de seu mercado de capitais, dotado de uma rígida estrutura regulatória e de uma agência que sempre serviu de inspiração para os demais reguladores do mundo. No entanto, os fatos ocorridos nos EUA acabaram por demonstrar que a qualidade das leis e a eficiência do órgão regulador não são garantia suficiente contra investidas fraudulentas de pessoas que, movidas por uma ganância quase cega, são capazes de feitos tão astuciosos como os que foram constatados, e que produziram conseqüências nefastas para o mercado norte-americano e, por conseqüência, para o sistema a nível mundial. A crise de credibilidade e a conseqüente perda de confiança dos investidores nas empresas e em certas categorias de profissionais do mercado, notadamente os auditores, foi de tal magnitude que não ficaram limitados ao mercado norte-americano, transformando-se em motivo de preocupação e de profunda reflexão por parte dos profissionais ligados ao mercado de capitais e de órgãos reguladores em todos os países do mundo. A Lei Sarbanes-Oxley é o resultado de uma rápida mobilização das autoridades norte-americanas, na ânsia de minimizar, através de medidas concretas, os danos decorrentes das fraudes envolvendo a Enron, que foram seguidas pelos problemas encontrados nas demonstrações contábeis de empresas como a WorldCom e a Xerox. As autoridades americanas atuaram com a maior rapidez possível para evitar o 20 • Revista RI • junho 2005 “A Lei Sarbanes-Oxley é o resultado de uma rápida mobilização das autoridades americanas, na ânsia de minimizar, através de medidas concretas, os danos decorrentes das fraudes envolvendo a Enron, que foram seguidas pelos problemas encontrados nas demonstrações contábeis de empresas como a WorldCom e a Xerox.” aprofundamento da crise, de forma a estancar o processo de incerteza e desconfiança que passou a existir no mercado. Dentro desse conjunto de medidas, destaca-se o significativo aumento do orçamento destinado à SEC, o que representa uma clara sinalização da importância que um órgão regulador forte e bem equipado possui nesse contexto. A essa medida se soma a criação do Public Company Accounting Oversight Board, com competência para exercer uma fiscalização específica da atividade de auditoria nas empresas emissoras de securities. Outro aspecto que chama nossa atenção é o fato de a Sarbanes-Oxley, uma lei federal, invadir o campo antes reservado às leis estaduais ao instituir normas que dizem respeito à governança das “public companies”, fazendo com que a SEC também passe a ter uma competência para interferir nessa esfera. Isso se deu notadamente com relação às seguintes regras: 1) exigência de certificação, por parte do CEO e o CFO das companhias, quanto à adequação das demonstrações financeiras e outras informações periódicas, fazendo também com que esses executivos sejam responsáveis pela criação e a manutenção de controles internos destinados a garantir a colheita, a análise e a divulgação das informações da companhia; 2) exigência de divulgação de um relatório no qual os executivos da companhia devem fazer uma declaração sobre a efetividade dos controles internos referentes à elaboração das demonstrações financeiras, e uma declaração de que o auditor atestou a avaliação da companhia sobre seus controles internos; 3) restrições sobre os empréstimos a administradores das companhias, ressalvados os empréstimos feitos em condições com que a companhia normalmente contrata com o público ou em condições normais de mercado; 4) imposição de constituição de um comitê de auditoria composto por membros independentes e dotado de um “financial expert”. As duas primeiras regras, por exemplo, se traduzem em novos deveres de diligência que são impostos aos executivos das companhias, aumentando sensivelmente a sua responsabilidade, já que a eventual descoberta de problemas EM PAUTA nas demonstrações financeiras de suas empresas, ainda que involuntárias, poderá sujeitá-los a processos tanto perante a SEC como perante o Judiciário. O mesmo se pode dizer em relação ao comitê de auditoria, que terá funções relevantes em relação à elaboração das demonstrações contábeis da companhia, em especial no acompanhamento do trabalho feito pelo auditor independente. Considerando suas atribuições, fica evidenciado um aumento da responsabilidade dos membros que fizerem parte desse comitê, aumentando na mesma proporção o risco dessas pessoas de responder a processos judiciais e punitivos perante a SEC se algo de errado for encontrado nos balanços de suas empresas. americanos nos fez lembrar da importância do papel do auditor independente, da importância do papel do analista, assim como do potencial que esses profissionais possuem para construir e também para destruir os alicerces em que se baseia o mercado de capitais. Não se pode dizer que, antes dos acontecimentos que deflagraram essa reforma, a regulação da SEC sobre esses profissionais fosse fraca ou ineficiente, ou que se desse pouca importância à função que eles desempenham. O que parece surgir de novo nas normas que foram direcionadas a esses profissionais é que se colocou mais ênfase no seu relacionamento com as empresas, exigindo uma independência ainda maior. Uma coisa, porém, é inquestionável: esse subconjunto de regras denota a importância que foi dada à questão da governança corporativa. Apesar da discussão em torno desse tema não ser uma novidade, o que se extrai de novo da Lei Sarbanes-Oxley é a investida do legislador nessa seara, que sem qualquer hesitação tratou de aprofundar e detalhar as normas de conduta dos administradores das companhias. Se a Lei acertou na medida ou acabou praticando excessos, essa é uma questão que somente o decurso do tempo poderá responder. Entretanto, hoje, mais do que nunca, a governança corporativa se transformou em questão central. A boa governança é um ingrediente indispensável para o desenvolvimento do mercado, sem o qual é impossível cultivar a confiança do investidor e formar uma cultura favorável à aplicação em ações e valores mobiliários de companhias abertas. E a Lei Sarbanes-Oxley é prova inequívoca disso: diante da crise de confiabilidade pela qual passaram as empresas americanas, o que se fez foi mexer nas normas de conduta dos seus administradores. Outra faceta interessante da Sarbanes-Oxley foi a preocupação com profissionais de mercado que gravitam em torno da empresa: os auditores, os analistas e até mesmo os advogados. As novas regras baixadas demonstram que a preocupação com o que se passa do lado de dentro companhia, por si só, não é suficiente. É necessário poder contar com agentes externos à companhia para que se possa ter um controle adequado sobre a qualidade de suas informações e sobre a probidade da conduta dos seus administradores. De novo, não se trata de uma lição nova. Mas os eventos envolvendo empresas de auditoria e bancos de investimento mento dos recursos e do staff da SEC, indicam o propósito de incrementar a repressão a esse tipo de ilícitos. Penso que a Sarbanes-Oxley fez uma aposta maior naquilo que se chama “private enforcement”. As normas sobre certificação, controles internos, independência dos auditores, conflito de interesses dos analistas, e inclusive a garantia dada a qualquer empregado da empresa que delatar desvios de conduta relativos à elaboração de suas demonstrações financeiras, todas essas normas representam uma tentativa de mobilizar os próprios agentes do mercado, quer estejam dentro ou fora da empresa, em torno da prevenção e da auto-correção de qualquer tipo de desvio. Acho que, nesse ponto, o legislador americano apoiou-se muito na noção da auto-regulação do mercado, sabendo que a fiscalização feita pelo órgão regulador não é capaz de, sozinha, detectar todos os desvios de conduta que ocorrem dentro das empresas, e muito menos de prevenir que tais desvios ocorram. Assim sendo, creio que um dos principais objetivos da lei foi fazer com que os agentes de mercado atuem como fiscais de seus pares, colocando mais ênfase na prevenção do que propriamente na repressão de ilícitos dessa natureza. De certa forma, o que está por trás da lei nesse aspecto é a noção de que esses profissionais são verdadeiros guardiões dos interesses dos investidores, e que para continuarem a agir em benefício dos investidores é necessário um distanciamento ainda maior em relação às companhias. Não creio que a Sarbanes-Oxley tenha tido o propósito de punir os auditores ou os analistas. Na minha opinião, essa lei veio reforçar a importância deles, criando regras que representam uma tentativa de resguardar suas funções e de restaurar a sua credibilidade perante o público. Exemplo bastante eloqüente disso é a regra a respeito da influência indevida sobre o trabalho realizado pelo auditor. Outro ponto da lei que merece destaque é a previsão de novos tipos penais, com penas bastante severas para os ilícitos relacionados a fraudes contábeis e aos crimes por fraude contra os investidores. Esse fato, juntamente com o au- A essa altura, a grande pergunta que se faz é saber se as medidas imprimidas pela Sarbanes-Oxley serão ou não capazes de produzir os efeitos desejados. Na minha opinião, ainda é muito cedo para que se possa dizer se as novas regras trazidas pela SarbanesOxley serão eficazes o suficiente para evitar o surgimento de novos escândalos corporativos. Temos opiniões divergentes sobre esse ponto. Alguns acham que a nova lei tem esse potencial de coibir novas fraudes, especialmente em função das exigências que passaram a incidir sobre os executivos das companhias. Outra corrente de pensamento, contrária ao excesso de regulação, considera que, a despeito do rigor das regras, a possibilidade de novas fraudes continuará existindo, e assim a Lei Sarbanes-Oxley representa um custo adicional desnecessário para as empresas. (*) LUIZ LEONARDO CANTIDIANO é advogado e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM. (E-mail: [email protected]) junho 2005 • Revista RI • 21
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