Anais do I Seminário da História da Guerra da Tríplice

Transcrição

Anais do I Seminário da História da Guerra da Tríplice
2
D I R E T O R I A D O P A T R I M Ô N I O H I S T Ó R I C O E C U L T U R A L D O E XÉ R C I T O
C E N T R O D E E S T U D O S E P E S Q U I S A S D E H I S T Ó R I A M IL I T A R D O E X É R C I T O
I SEMINÁRIO DA
HISTÓRIA DA GUERRA DA
TRÍPLICE ALIANÇA
Anais
3
I SEMINÁRIO DA HISTÓRIA DA
GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA
Palacete Laguna, Maracanã,
Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 2011.
Comissão Organizadora:
Cel (R1) Fernando Velôzo Gomes Pedrosa, CEPHiMEx e UFRJ/IH/PPGHC
Profa. Doutoranda Vanessa Ferreira de Sá Codeço, UFRJ/IH/PPGHC/LHIA
Prof. Mestrando Márcio Felipe Almeida da Silva, CEPHiMEx e
PPGH/UFF/Translatio Studii
Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército
(CEPHiMEx)
Palacete Laguna - Rua General Canabarro, nº 731, Maracanã
Telefone: (0 xx 21) 2565-8390
Seg a quin: 09:00h às 17:00h e às sextas: 08:00h às 12:00h
http://www.dphcex.ensino.eb.br/
[email protected]
4
EXÉRCITO BRASILEIRO
Diretor do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército
Gen Div EDUARDO JOSÉ BARBOSA
Chefe do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército
Gen Bda (R1) MARCIO TADEU BETTEGA BERGO
Imagem da Capa:
Oficiais do Exército Brasileiro no Paraguai (Excursão ao Paraguai, FBN)
Revisão dos Textos: Fernando Velôzo Gomes Pedrosa, Daiana Gomes Félix, Márcio Felipe
Almeida da Silva e Vanessa Ferreira de Sá Codeço.
Seminário de História da Guerra da Tríplice Aliança (1 : 2011: Rio de Janeiro,
RJ)
Anais do I Seminário de História da Guerra da Tríplice Aliança, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil, 19 de out. 2011. / Organizado por: Fernando Velôzo Gomes
Pedrosa, Vanessa Ferreira de Sá Codeço e Márcio Felipe Almeida da Silva. Rio
de Janeiro: CEPHiMEx, 2011.
ISBN 978-85-65480-01-7
1.História Militar. 2.História do Brasil. 3.História da Guerra da Tríplice
Aliança. 4. História da Guerra do Paraguai. I.Pedrosa, Fernando Velôzo Gomes
(Org.) II.Codeço, Vanessa Ferreira de Sá (Org.) III. Silva, Márcio Felipe
Almeida da (Org.). IV. Anais do I Seminário de História da Guerra da Tríplice
Aliança.
daiana gomes félix
CDD 355.00981
O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade de seus autores.
5
Sumário
Apresentação
Cel (R1) Fernando Velôzo Gomes Pedrosa ............................................................... 7
Trabalhos
A GUERRA DO PARAGUAI E A EMERGÊNCIA DO EXÉRCITO BRASILEIRO
COMO FORÇA POLÍTICA NO OCASO DO IMPÉRIO
Prof. Dr. Vitor Izecksohn ................................................................................................. 11
OPERAÇÕES CONJUNTAS E COMBINADAS NA GUERRA DA TRÍPLICE
ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI
V Alte (Ref-EN) Armando de Senna Bittencourt .............................................................. 28
A QUESTÃO DE FALTA DE UNIDADE DE COMANDO ALIADO NO INÍCIO
DA CAMPANHA DO PARAGUAI
Cel (Ref) Darzan Neto da Silva ............................................................................................ 42
AS DIFICULDADES DE UNIDADE DE COMANDO ALIADO NO INÍCIO DA
GUERRA DO PARAGUAI – 1864-1866
Porf. Dr. Braz Batista Vas ................................................................................................... 53
O COMANDO DE CAXIAS NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA: DECISÃO
MILITAR E CRISE POLÍTICA
Prof. Dr. Marcos Guimarães Sanches ............................................................................. 71
O COMANDO DO MARQUÊS DE CAXIAS E O FIM DO IMPASSE EM TUIUTI
Gen Bda (Ref) Sergio Roberto Dentino Morgado ........................................................... 82
O COMANDO DO MARQUÊS DE CAXIAS E O FIM DO IMPASSE EM TUIUTI:
ANÁLISE ATRAVÉS DOS FATORES DA DECISÃO
Cap Elton Licério Rodrigues Machado ........................................................................... 91
O CORPO DE SAÚDE DO EXÉRCITO NA TRÍPLICE ALIANÇA
Gen Div Med (Ref) Aureliano Pinto de Moura .............................................................. 106
6
ASPECTOS DA LOGÍSTICA NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA - 1864/1870
Gen Bda R/1 Marcio Tadeu Bettega Bergo ......................................................................... 132
A “SURPRESA DA GUERRA”: UM ESTUDO SOBRE A CONDUTA POLÍTICA
DO IMPÉRIO DO BRASIL EM TERMOS DE USO DA FORÇA NAVAL NO
PRATA (1850-1876)
1º Ten Renato Jorge Paranhos Restier Junior ............................................................... 147
7
Apresentação
Cel (R1) Fernando Velôzo Gomes Pedrosa*
O Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército (CEPHiMEx) sente-se
honrado em apresentar ao público o resultado do I Seminário de História da Guerra da Tríplice
Aliança, realizado no Palacete Laguna no dia 19 de outubro de 2011. Esse evento se propôs a
concretizar uma das finalidades da criação do CEPHiMEx, o de ser um local de encontro de
estudantes, professores e pesquisadores dedicados ao estudo da História Militar.
O CEPHiMEx foi criado em 30 de novembro de 2010 com a missão de desenvolver
estudos e pesquisas no campo da História Militar de interesse do Exército Brasileiro,
constituindo-se em um pólo irradiador da História Militar. Seus objetivos são: estudar e
pesquisar a evolução da arte da guerra e do pensamento militar no mundo moderno e no Brasil,
com vistas ao desenvolvimento da doutrina e da liderança militar; contribuir para a preservação
dos valores e tradições do Exército Brasileiro e da memória institucional da Força; promover o
intercâmbio entre instituições, pesquisadores e estudantes que se dedicam ao estudo e à pesquisa
da História Militar; cooperar com o ensino e a pesquisa da História Militar nos estabelecimentos
de ensino do Exército; e conduzir o Projeto História Oral do Exército.
Do ponto de vista das instituições armadas, o estudo da História Militar tem caráter
fundamentalmente utilitário. É uma ferramenta para aprender com o passado, facilitando a
compreensão de conceitos militares teóricos por meio de exemplos históricos de sua aplicação.
Auxilia a aprendizagem do emprego de forças militares nos níveis estratégico, operacional e
tático, bem como a compreensão da evolução da doutrina militar, servindo como uma ponte
entre a teoria militar e a aplicação dessa teoria. A História Militar também tem papel
fundamental no desenvolvimento de valores e virtudes cívicas e militares, e na preservação das
tradições, da cultura militar e da memória institucional das forças armadas e das unidades
militares. Além disso, o estudo da História Militar tem alta relevância para a compreensão de
aspectos de liderança militar a partir do estudo da vida dos chefes militares e soldados do
passado.
Os últimos anos viram o crescente interesse do meio acadêmico brasileiro pelo estudo e a
pesquisa no campo da História Militar. Essas investigações têm sido realizadas principalmente
por acadêmicos ligados a instituições civis. Embora esse fenômeno seja uma demonstração de
enriquecimento do ambiente acadêmico nacional, é necessária maior participação de
historiadores e pesquisadores militares junto a esses grupos de pesquisa, no sentido de reocupar o

Pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército.
8
espaço que os profissionais militares tradicionalmente detinham no estudo e na produção
historiográfica militar. A criação do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do
Exército procurou dotar o Sistema de Educação e Cultura do Exército de um órgão especializado
e dedicado a dar resposta a essa demanda.
A Guerra da Tríplice Aliança foi o maior conflito armado ocorrido na América do Sul.
Iniciou-se em dezembro de 1864, com a invasão da província do Mato Grosso por forças
paraguaias, e prolongou-se até março de 1870, com a morte do marechal-presidente Francisco
Solano López e a rendição dos últimos contingentes do exército paraguaio. Foram mais de cinco
anos de lutas, perdas humanas, materiais e econômicas que marcaram profundamente todos os
países envolvidos. Foi, indiscutivelmente, um dos eventos históricos mais relevantes da região,
influenciando a decisivamente a formação das identidades nacionais da Argentina, do Brasil, do
Paraguai e do Uruguai.
Este I Seminário de História da Guerra da Tríplice Aliança foi o primeiro de uma série
que se realizará nos próximos anos com o propósito de rememorar o transcurso do
sesquicentenário daquele conflito. Levando em conta os enormes sofrimentos a que foram
submetidos civis e militares nele envolvidos, o seminário não teve qualquer caráter
comemorativo, sendo de cunho estritamente acadêmico.
Sendo o evento inaugural, a programação procurou privilegiar os aspectos mais gerais da
guerra, deixando temas mais específicos e as operações militares para os seminários futuros. A
escolha dos conferencistas e participantes das mesas buscou reunir pesquisadores militares e
civis, que trabalham segundo perspectivas da História Militar tradicional e do que se tem
chamado de Nova História Militar. O resultado foi um rico painel das questões políticas que
levaram à guerra e que condicionaram sua condução nos campos de batalha.
A conferência de abertura, proferida pelo Prof Dr Vitor Izecksohn, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, tratou da emergência do Exército Brasileiro como força política no
ocaso do Império em função da sua participação na guerra. A primeira mesa redonda abordou a
questão da falta de unidade de comando aliada no início da campanha do Paraguai e as
dificuldades decorrentes das disputas e desconfianças surgidas dessa situação e agravadas pelo
fato de tratar-se de uma guerra de coalizão entre aliados que nutriam forte rivalidade. Os atritos
entre os comandantes aliados ganhavam maior dimensão pela presença no teatro de operações do
próprio Presidente da República Argentina, o general Bartolomé Mitre, como comandante-emchefe aliado. Participaram da mesa o vice-almirante Armando Senna Bittencourt, Diretor do
Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, o coronel Darzan Neto da Silva, membro do
9
Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, e o professor Dr. Braz Batista Vas, da
Universidade Federal de Tocantins.
A segunda mesa tratou da reorganização do Exército Imperial sob o comando do Marquês
de Caxias, dos seus esforços para a reestruturação, reaparelhamento e treinamento das forças e
do reinício das operações após um longo período de inação. Integraram a mesa o Prof. Dr.
Marcos Sanches, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e coordenador
dos cursos de História e Pedagogia da Universidade Gama Filho, o general de brigada Sérgio
Roberto Dentino Morgado, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, e o
capitão Elton Licério Rodrigues Machado, professor da Cadeira de História Militar da Academia
Militar das Agulhas Negras.
A última mesa ocupou-se da logística brasileira, discutindo aspectos referentes aos
aspectos logísticos da guerra. As apresentações ficaram a cargo do general de divisão médico
Aureliano Pinto de Moura, Presidente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, que
abordou o serviço médico brasileiro; o general de brigada Marcio Tadeu Bettega Bergo, Chefe
do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército, tratando dos suprimentos
militares e das demais atividades do serviço de intendência em campanha; e o 1º Ten Renato
Jorge Paranhos Restier Junior, da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da
Marinha, que expôs as demandas de reorganização da Marinha Imperial para a guerra fluvial na
bacia do Prata.
Com a publicação destes Anais do I Seminário de História da Guerra da Tríplice
Aliança, o CEPHiMEx pretende deixar registrados os temas selecionados para o evento, segundo
os diversos enfoques de um grupo de pesquisadores de origens e formações acadêmicas variadas.
Espera-se que da interação e discussão entre acadêmicos e profissionais militares dedicados à
História se obtenha uma mais completa compreensão daquele trágico conflito.
10
TRABALHOS
11
A GUERRA DO PARAGUAI E A EMERGÊNCIA DO EXÉRCITO BRASILEIRO
COMO FORÇA POLÍTICA NO OCASO DO IMPÉRIO
Prof Dr Vitor Izecksohn
Bom dia a todos. É uma satisfação estar aqui presente, hoje, nesta manhã para abrir o
Seminário da Guerra da Tríplice Aliança. Eu agradeço à organização do evento pelo convite,
enfim, para mim é importante estar aqui de volta, dialogando especialmente com um público
majoritariamente militar, e o meu interesse pela Guerra do Paraguai vem de longe.
Há muitos anos atrás eu tive contato com o trabalho de um sociólogo norte-americano,
que tinha sido ex-oficial da Marinha na Guerra da Coréia, que é o Professor Charles Tilly, que é
um grande estudioso dos processos de construção de Estados na Europa, e ele tem uma frase,
usada com muita frequência, em que ele diz que “para a Europa as guerras fizeram os Estados,
e vice-versa”. A guerra, na Europa, gerou uma relação, um ciclo de extração e coerção, no qual
os reis foram capazes de expropriar o poder dos barões e criar, digamos assim, o embrião dos
exércitos modernos. Evidentemente que esse modelo funcionou melhor em países da Europa
Ocidental, como a Prússia — mais ou menos Europa Ocidental — e a França e, de alguma
maneira, através desse processo, os exércitos também permitiram aos Estados modernos
monopolizar o processo de cobrança de impostos.
Então é um ciclo de extração e coerção que permite na Europa que as guerras se tornem
um instrumento de centralização do Estado nacional moderno e, efetivamente, as guerras dos
séculos XVI e XVII contribuíram tanto para a formação dos exércitos modernos quanto das
monarquias centralizadas, que são os embriões dos Estados europeus. Esse processo vai avançar
na direção da criação dos exércitos de massa, a partir da Revolução Francesa, no final do século
XVIII.
Bom, na América Latina, a gente tem um enigma, porque esse processo de extração e
coerção não funciona da mesma maneira e nem com a mesma eficiência.
As guerras aqui, pelo menos entendidas como processos de execução da violência
organizada, constituíram processos relativamente raros no século XIX. Guerras entre Estados são
raras. Houve as guerras de independência, mas essas não são guerras entre Estados, são ou
podem ser consideradas como guerras civis, entre partidários e opositores da Espanha e Portugal.

Professor do Instituto de História e do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro; Licenciado e Bacharel em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Mestre
em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ); Doutor em História pela
Universidade de New Hampshire (EUA); possui Pós-Doutorado pela Brown University (EUA); é professor visitante
no Departamento de História da Brown University e pesquisador visitante na John Carter Brown Library.
12
Houve a Guerra Cisplatina, houve a Guerra da Tríplice Aliança e, por fim, houve a
Guerra do Pacífico. Mas as guerras foram — devo ter esquecido alguma — mas acho
constituíram um evento relativamente raro, o que permitiu que alguns autores caracterizassem a
América Latina como um continente pacífico.
Nem tão pacífico assim. Houve muita violência.
Os latino-americanos se mataram uns aos outros com bastante frequência, através seja de
guerras civis, seja da criminalidade, seja de formas de banditismo.
O que eles não fizeram com freqüência foi matarem-se uns aos outros através de formas
organizadas, e isso diz alguma coisa a respeito da fraqueza dos Estados latino-americanos.
Talvez muito mais do que uma índole pacífica, a ausência de guerras aponta para uma
incapacidade dos Estados nacionais de obter poder coercitivo suficiente para serem capazes de
travar guerras uns aos outros.
Quando isso aconteceu, em geral a guerra tendeu muito mais a desorganizar os Estados
do que a fortalecê-los. Um caso típico é o caso das Províncias Unidas do Prata, durante a Guerra
Cisplatina. As Províncias Unidas foram capazes de travar uma guerra que acabou resultando no
desmembramento da Província Cisplatina do Império Brasileiro, mas não foram capazes seja de
absorvê-la, seja de manter a unidade do próprio país após o final da guerra.
Então, a tendência geral é que esse processo que o Charles Tilly define como a violência
organizada, não tenha se dado da mesma forma, e as consequências são, evidentemente, uma
incapacidade do Estado de taxar a sua população, uma incapacidade do Estado de concentrar
aquilo que Max Weber definiu como “o monopólio da violência legítima em suas mãos”, ou seja,
expropriar os grupos privados de barões, de caudilhos ou outros que possuem esse poder nas
localidades e, muitas vezes, uma incapacidade de constituir exércitos — no século XIX, pelo
menos — fortes. Como eu sou historiador que trabalha com o século XIX, eu tenho que me
concentrar nesse período e nos problemas que ocorrem naquela época.
Processo similar ocorreu nos Estados Unidos, ainda que por razões diferentes. Os norteamericanos sempre, desde o século XVIII, eram avessos à questão da criação de um exército de
grandes proporções. Não basicamente porque eles temessem o fenômeno do militarismo, esse
fenômeno não existia na época. O que eles temiam era — como definiu Samuel Huntington, que
era um sociólogo americano, editado inclusive pela BIBLIEX, no Brasil — eles temiam o
fortalecimento do poder central. Por isso mesmo a constituição norte-americana tende a criar, a
duplicar, a dividir, a execução do poder, tanto entre os Estados e o governo federal, quanto entre
o Presidente e o Congresso. Então, mesmo os Estados Unidos saindo de uma longa guerra de
independência, não foram capazes de manter um exército de grandes proporções, o que resulta
13
num processo curioso levando-se em conta que se tornaram a grande potência militar do século
XX e desse início de século XXI. Mas, naquela circunstância, foi menos a fraqueza do estado
nacional do que a questão central de uma forte oposição física à concentração armada nas mãos
do Estado.
Bom, no caso brasileiro, a evolução é um pouco distinta, tanto do caso norte-americano,
quanto dos casos hispano-americanos.
Nós herdamos, de certa forma, a organização militar que Portugal criou a partir da Guerra
de Restauração — Guerra de Restauração 1640-1688 — que dividia a Força Armada em pelo
menos três ramos: o Exército de linha, as Milícias e as Ordenanças. A independência do Brasil
encontrou o Exército de linha organizado de uma forma ainda um pouco precária, uma vez que
do ponto de vista, pelo menos da oficialidade, os vínculos mais fortes não eram com a
instituição, mas eram com as localidades, e essa oficialidade ela circulava muito pouco pelo país.
Durante o I Reinado houve uma tentativa de nacionalizar o Exército, uma tentativa muito
tímida, a partir da circulação dos oficiais, uma tentativa de circular os oficiais pelo território e
uma tentativa, também, de apartar esses oficiais das influências locais.
Como nós sabemos esse processo não foi efetivo e ele foi profundamente afetado pela
participação brasileira na Guerra Cisplatina.
Após a Guerra Cisplatina, com o início da Regência, ocorreu o processo conhecido como
o “licenciamento parcial do Exército”, ou seja, os regentes, liberais-moderados, tenderam a
buscar um licenciamento muito grande do Exército, e isso redundou na diminuição da influência
dessa instituição na política.
Era um problema do I Reinado, um problema herdado do I Reinado, principalmente por
causa das rebeliões envolvendo povo e tropa nas cidades, e esse processo de enfraquecimento ele
é aprofundado pela criação, em agosto de 1831, da Guarda Nacional, que dividiu as atribuições
da segurança entre o Exército profissional, já bastante enfraquecido naquele momento, e essa
instituição nova que foi criada, que era a Guarda Nacional, cujo controle era exercido pelas
notabilidades locais.
Então esse processo de enfraquecimento do Exército tem repercussões na década de 30,
principalmente através das diversas rebeliões regionais que ocorrem no ciclo que vai de 31(1831)
até o final da última rebelião, a Praieira, em 1849.
Estudos recentes têm demonstrado que, já a partir de 1837, com o regresso conservador,
ou seja, com a ocupação do governo central da Regência por forças interessadas em reconstituir
o poder centralizante do Estado, existem tentativas de reconstituir, ou fortalecer um Exército
nacional. Isso, evidentemente, está relacionado, esse processo, à necessidade de enfrentar o ciclo
14
de revoltas de caráter separatista desse momento da história do país, especialmente a Revolta
Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Não teria sido possível derrotar a Farroupilha e reconstituir a
unidade territorial sem um Exército profissional.
A Guarda Nacional era uma faca de dois gumes: ela podia auxiliar os interesses da
centralização, mas ela podia se voltar contra eles, como ocorreu em boa parte do Rio Grande do
Sul. Portanto a Guarda sempre foi uma instituição suspeita aos olhos das forças centralizantes.
Mas, de qualquer maneira, ela funcionava como uma milícia auxiliar do Exército e ela foi de
certa utilidade nas guerras platinas do início da década de 1850 e campanhas contra Oribe e
Rosas.
Bom. Charles Tilly, como lhes falei, trabalha com o conceito de guerra total para explicar
as guerras européias e seu processo de centralização, e outros estudiosos trabalham com o
conceito de guerra limitada, para tentar classificar as guerras latino-americanas do século XIX.
Uma guerra limitada, basicamente, é o tipo de conflito no qual o Estado central consegue
mobilizar apenas parcialmente seus recursos para guerra. Ele não consegue, por exemplo, formar
uma burocracia voltada para a execução da guerra que engendra uma situação na qual ele tem
que negociar com parte da sociedade a mobilização e o desvio desses recursos.
É importante ressaltar que o recrutamento militar no século XIX era uma tarefa executada
por civis. No Brasil, basicamente, ele era executado pelos Presidentes de Províncias em
negociação com uma extensa rede de autoridades, que envolvia Juizes de Paz, Delegados, SubDelegados e Comandos da Guarda Nacional. A Guarda acabava funcionando como uma grande
reserva para o Exército, não porque ela cedesse soldados, pelo contrário, ela funcionava como
um “guarda-chuva” contra o recrutamento militar. Mas porque através da Guarda era feita a
seleção daqueles indivíduos que seriam enviados para o Exército.
Esse Exército vinha mudando muito desde a Independência. Eu diria que as mudanças
mais expressivas são as leis de 24, 28 e 37, que legalizaram o serviço militar de setores não
brancos.
Nossa discussão sobre a composição racial do Exército Brasileiro ainda é, infelizmente,
muito influenciada pela historiografia norte-americana sobre o assunto. Isso é um problema para
quem estuda composição social e racial do Exército, porque os Estados Unidos tem uma linha de
cor, nessa época, muito marcada, e a palavra negro, lá, tem significado diferente daqui. A
questão básica do Exército Americano, é que era um exército basicamente branco. Ele aceitava,
muito eventualmente, setores não brancos — negros e índios — e por tempo limitado. O
Exército Brasileiro abriu-se, de alguma forma, pelo menos ao nível dos seus soldados, a esses
grupos, desde que não fossem escravos ou libertos africanos, nesse período, que vai de 24 a 37.
15
A legislação final sobre o assunto é de 37, eu esqueci o número da Lei, mas enfim.... eu posso
fornecer esse dado, posteriormente por e-mail.
De qualquer forma, na verdade essa situação só legalizou uma composição que já existia,
até porque a composição social do Exército Brasileiro já incorporava setores não brancos muito
antes disso, muito antes de 37, enquanto nos Estados Unidos esse assunto permaneceu um
anátema, tendo sido levantado muito rapidamente durante a Guerra Civil, voltou a ser segregado,
efetivamente ainda houve inclusões na I Guerra Mundial, mas o assunto só foi resolvido
definitivamente após da Guerra da Coréia.
Portanto esse Exército já vinha mudando muito, mas ele era limitado em termos do seu
tamanho. O Exército Brasileiro, em 1860, possuía um efetivo entre 15 e 17.000 soldados,
enquanto a Guarda Nacional possuía, incluindo a sua reserva, um efetivo de 400.000 soldados.
Falar de efetivos é complicado porque não eram mobilizáveis mas, enfim, o Exército era
pequeno, numericamente. Isso não era um fato isolado, o Exército Americano, até a Guerra
Civil, também era pequeno. A diferença entre os dois países estava na capacidade de ampliação.
Nos Estados Unidos, hoje, apesar de não existir uma burocracia especifica para ampliar o
Exército, os governos contavam com instituições nacionais, principalmente os partidos políticos
e as cortes, através das quais era possível, rapidamente, ampliar.
Um caso clássico é a ação do Partido Republicano durante a Guerra Civil. Como quase
todos os governos do norte dos Estados Unidos eram Republicanos, o partido atuava como uma
agência de mobilização de soldados. Ele praticamente fundia-se ao Estado nessa capacidade. No
Brasil os partidos políticos imperiais não cumpriam essa missão, eles eram partidos que não
tinham essa capacidade mobilizadora.
E a Guerra do Paraguai, o início da Guerra do Paraguai, encontra portanto o Brasil num
momento de despreparo militar em relação a esse tipo de necessidade.
Lógico, a guerra foi prevista, sabia-se que ela podia acontecer, mas o governo não se
preparou para isso. O governo tinha sérios problemas de orçamento, tinha impedimentos,
também, em relação à ampliação do tamanho das Forças Armadas, confiava, talvez, um pouco
demais na diplomacia, e ele não se preparou portanto, para a possibilidade de uma invasão do
Mato Grosso e do Rio Grande do Sul.
A guerra surge, na verdade, a partir de questões que são locais. Ela é um efeito não
antecipado do longo processo de formação dos Estados nacionais na bacia do Prata. O Brasil
saiu na frente, conseguiu uma centralização precoce em relação aos outros países, mas essa
centralização era macrocefálica, como definiu o Visconde do Uruguai: a cabeça do Estado era
muito grande mas a sua capacidade de capilarizar, de chegar à periferia, era limitada.
16
E assim problemas ligados à fronteira do Uruguai e basicamente à situação dos
fazendeiros gaúchos residentes naquela república — é um problema que na verdade datava ainda
da década de 1820, mas que foi acirrado no início da década de 60 — acabarão levando à
intervenção brasileira no Uruguai e precipitando as ações que levaram à invasão do território
brasileiro por forças paraguaias.
Bom, recrutar, no Brasil, sempre foi muito difícil. O recrutamento militar era impopular.
Era impopular, basicamente, porque nas camadas de soldado serviam na verdade setores menos
prestigiados da sociedade, como definiu o historiador norte-americano Peter Beattie, o serviço
militar cumpria uma função proto-penal, ou seja, ele atuava com uma função de disciplina social
e havia uma forte resistência da sociedade em participar do Exército, pelo menos como soldado.
A diferença marcante dos primeiros meses da Guerra do Paraguai é ligada justamente ao
surto de patriotismo que essa situação gerou e que levou na verdade a manifestações de
patriotismo que eram talvez desconhecidas em termos de recrutamento militar até aquela época.
Esse assunto ainda não é ainda bem estudado o suficiente. Não se sabe por que a
população se manifestou como o fez em localidades muitas vezes distantes 3.000 Km do teatro
de guerra. A gente trabalha ainda com hipóteses.
A unidade nacional brasileira era um fenômeno relativamente recente naquela época. Se a
gente data essa unidade a partir da derrota da última rebelião provincial, teria no máximo 15
anos. Talvez a opinião pública tenha se mobilizado por conta da ação dos partidos políticos,
talvez ela tenha se mobilizado por conta da circulação de uma imprensa, que nessa época se
popularizava. O certo é que a invasão paraguaia gerou um surto de protestos e manifestações que
procuravam levantar a idéia da vingança da honra nacional e, nesse sentido, os primeiros meses,
os meses que vão pelo menos de janeiro a agosto de 65 — as primeiras notícias da invasão
paraguaia chegam bem no final de dezembro — então esse primeiro semestre de 65, incluindo
julho e agosto, são meses de intensa mobilização. Na verdade o Império conseguiu uma reserva
de soldados que foi fundamental nesse período para continuar a guerra durante os anos seguintes.
Agora, o Exército que se mobilizou para servir no Paraguai, como eu falei anteriormente,
não possuía, especificamente, uma burocracia encarregada de realizar o recrutamento. Ele
dependia de ações baseadas nas províncias, e esse Exército foi criado a partir da sobreposição de
vários grupos. Havia o Exército de linha, que já existia, e que continua recrutando soldados
através dos métodos convencionais, ou seja, as províncias tinham cotas e essas cotas tinham que
ser cumpridas, algumas províncias cumpriam as cotas, algumas províncias ultrapassavam as
cotas, e outras ficaram muito aquém das cotas, como é o caso de Minas Gerais.
17
As razões pelas quais a gente consegue perceber essa enorme desigualdade regional, por
exemplo, quando se compara o Rio Grande do Sul e o Pará, de um lado, e Minas Gerais do outro,
também ainda são desconhecidas.
Em minha opinião isso está relacionado à vinculação entre a presidência dessas
províncias e a centralização. O Rio Grande do Sul era uma província que, historicamente, sempre
contribuiu muito. O estudo do General Paulo de Queiroz Duarte encontrou cerca de 32.000
soldados provenientes do Rio Grande do Sul servindo no “front” paraguaio. Se a gente estima
uma população de 450.000 para a província, tal como aparece no censo de 1872, população total,
isso significa uma mobilização gigantesca, de quase 10% da população. Se a gente baixa apenas
para a população em idade militar, é mais expressivo ainda. Os efeitos desse processo, por
exemplo, sobre a economia da província não são conhecidos.
Mas quando chegamos a Minas Gerais encontramos números muito pequenos. Minas
Gerais— que era a província mais populosa do Império, com aproximadamente 1.600.000 de
habitantes — mobilizou cerca de 1,6%. Então as razões para essa disparidade podem estar
ligadas à baixíssima capacidade de centralização naquela província. É uma província que saiu de
uma revolta separatista em 1843 através de negociação.
Já no Pará, onde a revolta foi derrotada militarmente, os índices são mais altos e a
presidência coopera muito com o governo central.
Então eu acredito que o maior ou menor grau de centralização política está ligado à
capacidade de executar o recrutamento por província.
Bom, antecipando-se a essa onda de patriotismo, o governo imperial, o governo central
brasileiro, criou duas medidas, em janeiro de 1865, para absorver esse enorme contingente.
Uma foi a criação dos corpos de Voluntários da Pátria. Os corpos de Voluntários da
Pátria diferenciavam-se dos corpos regulares do Exército porque eles ofereciam uma série de
vantagens, tais como pensões, acesso a cargos públicos, — nesse sentido isso lembra um pouco a
legislação prussiana, a Prússia, na Alemanha, foi um Estado no qual os veteranos de guerra
sempre tiveram um acesso privilegiado ao serviço público, acesso a terras, enfim, vantagens, que
procuravam atrair para o Exército indivíduos normalmente alheios ao recrutamento militar. A
criação dos corpos de voluntários objetivava criar um setor diferenciado dentro do Exército para
o recrutamento dos soldados.
E a outra medida, foi o processo de designação de guardas nacionais para o Exército.
Esse processo sempre foi previsto na legislação. A Guarda sempre deveria coadjuvar o Exército
em caso de revolta interna, rebelião ou dissensão. O que a legislação não havia previsto é como
18
essa tarefa seria cumprida em caso de guerra internacional, quando os corpos da Guarda fossem
mobilizados para fora do país.
No caso da Província do Rio Grande do Sul, devido às intervenções no Uruguai e na
Argentina, essa tarefa era mais corriqueira. Mas a Guerra do Paraguai, como uma guerra
nacional, ou como a primeira guerra nacional, no sentido de mobilizar todas as províncias, ela
levou a uma situação em que corpos da Guarda Nacional de províncias muito distantes do teatro
de guerra eram mobilizados, tinham seu comando transferido para o comando de oficiais
profissionais. Então nesse sentido, também, ela cria uma modificação, até porque se pensava, na
verdade, na criação de um exército de grandes proporções. Esse exército pode ter chegado —
novamente os cálculos são do General Paulo de Queiroz Duarte, que na minha opinião fornece
os dados mais precisos, é um trabalho soberbo, pena que ele faleceu há cerca de 30 anos atrás e
nós não temos acesso aos dados que ele coletou, à maneira como ele coletou — mas pode ter
chegado a 127.000 soldados, o que numa população estimada de 10 milhões, é um número
bastante razoável
Lembro que os dados do relatório do Ministério da Guerra de 1872 apontavam para
92.000 soldados. Então essa discrepância é muito grande, mas eu tendo a concordar com os
dados do general por que, por exemplo, o relatório está errado para o caso da Província do Rio
Grande do Sul, onde ele só considera o 3º Corpo de Exército, com 4.000 soldados. Não faz
sentido, porquanto a contribuição rio-grandense foi muito maior antes do levantamento do 3º
Corpo.
Então a guerra foi feita com o Exército regular, com voluntários, com guardas nacionais
designados — que depois foram equiparados, em vantagens, aos voluntários — e, finalmente, a
partir do final de 1866, com os grupos de libertos. Existem pelo menos quatro segmentos na
formação desse Exército que lutou na Guerra do Paraguai.
Bom, uma guerra limitada, o governo imperial encontrou, a partir do 2º semestre de 1865,
enormes dificuldades para continuar a campanha. Havia um problema sério de abastecimento, o
abastecimento também era realizado por comerciantes, não havia uma estrutura de
abastecimento, o fato de que a guerra passa a ser travada em território argentino, que não
contribui, também, para criação de infra-estrutura no território nacional, exceções feitas,
naturalmente, à ampliação dos arsenais de guerra, as cooperativas de alfaiates e algumas outras
iniciativas, mas a guerra não potencializa o desenvolvimento de infra-estrutura, e vamos dizer, a
impopularidade. Porque uma coisa é retirar o inimigo do território, outra coisa é travar uma
guerra distante do território e por prazo indeterminado.
19
Por outro lado, também, as péssimas condições sanitárias, que não são uma característica
apenas do Exército Brasileiro nessa época,— a maioria das pessoas que morreram, não morreram
em combate, morreram como resultado de epidemias — reunião de grandes contingentes de
soldados, uma grande parte deles vinda do interior predispõe ao contágio de epidemias — a mais
famosa delas foi o cólera, mas não foi a única — isso vai tornando, então, a campanha impopular
e, evidentemente, criando as dificuldades para a obtenção de novos soldados que dessem
continuidade a esse esforço que vai ser feito ao longo dos anos de 66, 67 e 68. Do meio de 68 em
diante o recrutamento praticamente pára e, nesse sentido, a gente tem várias formas de
resistência ao recrutamento.
A 1ª forma, a forma mais normal, é a da inércia: o indivíduo simplesmente não se
apresenta. O governo cobra dos Presidentes das Províncias — o Presidente da Província
equivalia a posição de Governador de Estado, só que o Presidente era apontado pelo Imperador
através do Chefe do Gabinete dos Ministros — portanto ele não era um representante local, ele
era um delegado do Império, o Presidente tinha que se entender com os Comandantes da Guarda
Nacional, com os Juízes, e com os Sub-Delegados para obter os recrutas, portanto ele tinha que,
normalmente, negociar com as autoridades locais. Dependia delas para a infra-estrutura
necessária, especialmente o alojamento, a alimentação e o transporte desses soldados até o Rio
de Janeiro para serem enviados ao sul. Os Presidentes vão tendo dificuldades crescentes e
reportam isso à autoridade central. É um primeiro problema: a resistência da inércia.
O 2º problema surge, na verdade, pelo facciosismo. A Guarda Nacional ela era uma
milícia organizada segundo linhas partidárias, então havia o predomínio dessa ou daquela força
política nas localidades e, evidentemente, as forças predominantes elas protegiam os seus
agregados do recrutamento. A tendência era recrutar no adversário político. Isso causava
verdadeiras batalhas locais. Muito comum no nordeste, onde o recrutamento envolveu muitas
vezes a fuga dos trabalhadores para o interior. Esse processo também não era novo na história do
Brasil.
Durante a Guerra dos 7 anos, no Brasil Colonial, a gente já encontra várias descrições
desse padrão, em que as pessoas se refugiam nos matos. Mas essa era só uma possibilidade. A
outra possibilidade era da luta mesmo, na qual muitas vezes os comandantes da Guarda Nacional
alojavam e defendiam os seus agregados, seus protegidos, do recrutamento militar.
Então a resistência na verdade tinha muito mais chance de funcionar nos casos em que ela
envolvia alguma autoridade local, fosse um Juiz de Paz, fosse um Sub-Delegado, fosse um
Comandante da Guarda Nacional, que protegia e, portanto, não cooperava com as determinações
do Governo Imperial através dos Presidentes de Província.
20
A situação foi tão séria que, no final de 1866, o Imperador reúne o Gabinete e tenta
discutir o que teria sido um processo agressivo de emancipação de escravos para inclusão no
Exército, e aí eu acho teria sido um dos temas mais polêmicos da história da guerra, porque
muitas vezes o Exército Brasileiro erradamente foi descrito como um Exército de escravos,
informação incorreta.
Escravos, como escravos, nunca puderam servir. Escravos para servirem tinham que ser
libertos. Isso se chama emancipação condicional. O Exército como eu falei, desde a década de
30, ele possuía um enorme contingente de afro-brasileiros, basicamente porque entre os soldados
havia uma presença grande dos setores mais pobres da sociedade, entre os quais estão os afrobrasileiros.
Desde 1850 havia grande tensão entre a “cabeça” do Império, entre o Imperador e os
barões, devido, justamente, à pressão internacional pela abolição. O Imperador tinha interesse
em acelerar o processo e os barões, os proprietários de escravos, enfim, pretendiam retardar o
processo, e essa história toda é muito bem descrita no livro do Leslie Bethell sobre a questão. Ela
é coroada na “Questão Christie”, mas a tensão era muito grande.
Aparentemente, o contato do Imperador Pedro II com os Comandantes militares
argentinos e uruguaios em Uruguaiana, reforçou a ideia de que era necessário acelerar o processo
de emancipação.
Então, a partir do final dessa reunião ao final de 1866, o Império tenta estimular um
processo de emancipação para as Forças Armadas. Mas essa questão não era consensual.
Sabe-se hoje em dia que vários comandantes militares da época não queriam essa
situação porque eles achavam que isso degradava a força militar. Caxias escreveu, o então
Marques de Caxias escreveu muito intensamente sobre esse processo.
Por outro lado, na metade da década de 60 — estamos aí a 15 anos do fim do tráfico
internacional — a oferta era pequena, os preços dos escravos tinham se tornado muito altos e,
portanto, o governo não consegue a cooperação dos entes privados, os fazendeiros não estão
dispostos a liberar os seus escravos, nem mesmo por meio de venda. Então na verdade o esforço
que foi feito recaiu sobre escravos pertencentes à Casa Imperial, alguma coisa que a gente podia
chamar de escravos públicos, a libertação de escravos públicos, e também recaiu sobre a
libertação sobre escravos das ordens religiosas,
A Igreja Católica possuía muitos escravos, que eram empregados nos serviços das igrejas,
fosse dos conventos e dos mosteiros. Então há uma tensão com a Igreja para a libertação desses
escravos. Mas os números ficaram muito aquém do que pretendiam as autoridades.
21
Oficialmente, no relatório de 1872, eles são cerca de 7.000, incluindo 2.500 da Marinha.
Eu imagino, mas sem uma precisão, que esse número possa ter chegado a 12.000, o que tem um
impacto muito pequeno, em relação tanto às atividades econômicas, quanto à própria dimensão
do Exército dessa época.
Mas, enfim, foi com esses contingentes que o Exército travou a Guerra do Paraguai.
Contingentes principalmente de voluntários, que são os maiores, contingentes da Guarda
Nacional, que é o segundo grupo, o Exército regular, que já servia e foi ampliado, e os libertos.
Devo lembrar, também, que diferentemente dos Estados Unidos, no Brasil não havia
segregação nas fileiras. Inicialmente houve alguns batalhões de zuavos, principalmente
levantados na Bahia, mas rapidamente esses batalhões — copiando, na verdade, instituições
francesas da Argélia — mas rapidamente esses zuavos foram inseridos na tropa regular, portanto,
diferentemente dos Estados Unidos, não houve segregação racial oficial.
Nos Estados Unidos, pelo contrário, durante o ano de 1862, durante a Guerra Civil,
paralelamente com o processo que levaria à abolição da escravidão, o governo Lincoln vai
criando batalhões que eles chamam de “United Stated Colored Troops”. Esses batalhões eram
batalhões negros, segregados dos batalhões brancos, e comandados por soldados brancos.
Há um filme, chamado “Tempo de Glória”, que trata desse assunto, e há uma imensa
literatura, em inglês, sobre esse assunto. Os negros só podiam chegar a postos de oficiais nesses
batalhões como capelães. No final da guerra alguns chegaram a tenentes, mas foram muito
poucos. Na verdade eles eram segregados e eram recrutados, basicamente do sul.
O que acontece: no sul havia um enorme êxodo de escravos, e as tropas da União
chamavam esses escravos de contrabando, que era um termo híbrido, para dizer que eles não
eram propriedade, que inicialmente a guerra não era para libertar escravos, então eles forjaram o
termo: isso não é propriedade, isso é contrabando. E, depois, o termo contrabando evoluiu para
uma situação através do que eles chamavam do “Confiscation Act”, uma situação na qual
qualquer propriedade confederada podia ser expropriada e então como os escravos apreendidos
eram propriedade dos confederados, podiam ser expropriados, libertos e transformados em
soldados. Isso é um processo que vai tomar corpo a partir de 1863 e no qual cerca de 180.000
soldados, ou seja, 13% do Exército da União foram incorporados às fileiras.
No Brasil o processo não foi desse tipo. Foi diferente.
Primeiro que não se recrutava no inimigo. Eram escravos que pertenciam, na verdade, aos
principais setores da economia nacional.
22
Em segundo lugar, porque as mesmas dificuldades que o governo possuía para recrutar
livres, ele possuía maiores dificuldades para recrutar escravos, mesmo indenizando. Recrutar e
libertar. Portanto, é um processo diferente.
Bom. A invasão do Paraguai, que ocorre a partir de 1866, trata-se de uma guerra de
posições. Primeiro com aquela linha do Passo da Pátria, depois o cerco de Humaitá, enfim, não
vou entrar em aspectos estratégicos, depois a Dezembrada .... são guerras de posições, de alguma
forma antecipando o que aconteceria na I Guerra Mundial, mas com recursos muito diferentes.
Comparando à Guerra Civil americana, a gente tem situações semelhantes do Teatro da
Virgínia. São guerras de posições, mas com problemas muito sérios de abastecimento, porque
não havia estrada de ferro. Portanto essa guerra não estimulava o desenvolvimento da economia
brasileira, a produção para a guerra.
Na verdade, também, não estimulava o aumento dos impostos, que é um caminho através
do qual o Estado sempre se fortaleceu. Pelo contrário, o Governo Imperial contraiu dívidas para
poder tocar a guerra e, também, permitiu que a economia fosse inflacionada, para poder sustentar
a campanha.
Eu acho que uma conclusão que pode ser tirada disso é que, onde há a possibilidade de
endividamento, raramente o governo vai enfrentar a sociedade com o lançamento de impostos.
Então ele se endividou, ele inflacionou a economia e, com isso, ele conseguiu sustentar o
prosseguimento da guerra, mas as conseqüências, efetivamente, foram nefastas para o
funcionamento da economia,
Se compararmos, por exemplo, com a situação do norte-americano durante a Guerra
Civil, a economia do norte, apesar de inflacionada, ela sai profundamente fortalecida, porque
durante a Guerra Civil americana o Partido Republicano conseguiu colocar em funcionamento
uma agenda que era desejada desde a época da independência, agenda essa que incluía proteção
tarifária para os produtos internos, desenvolvimento das ferrovias, desenvolvimento industrial e,
particularmente, a compartimentalização, que eles chamam de “sistema americano” e outros
chamam de “fordismo”, a estandarlização das peças, que foi inicialmente implementada na
montagem dos rifles.
Isso até é um fato muito curioso, porque algumas pessoas falam que a economia teria
passado a ser planejada nos Estados Unidos. Ela não foi planejada. Na verdade o número, a
quilometragem média das ferrovias não aumentou muito, além do que aumentava em períodos de
paz. O que houve é que a guerra permitiu às empresas ferroviárias criar suas próprias agendas, o
que levou, por exemplo, à unificação dos horários, que era uma demanda muito antiga dessas
ferrovias. Também levou a uma nova disciplina de trabalho, principalmente nas indústrias que
23
produziam forjas e, também, nas minas de carvão, um processo, também de aumento de preços
nas cidades. Então, isso não foi muito popular, esse processo não foi muito popular.
E aí eu chego ao último ponto da minha apresentação, que diz respeito ao Exército, que é,
enfim, o tema dessa palestra.
O que é que mudou com a guerra?
Bom, A guerra foi travada, na verdade, nos pântanos do Paraguai, ela não era uma guerra
convencional, na qual se pudesse resolver o problema com o uso da cavalaria gaúcha, tal como
havia sido feito nas campanhas contra Rosas e Oribe, ela implicava questões muito complexas de
engenharia, de balística, de abastecimento, e ela abriu espaço para um grupo de oficiais que tinha
formação técnica.
Havia vários tipos de oficiais, assim como havia vários tipos de soldados. De oficiais que
vinham, ou da Guarda Nacional, ou do sistema anterior, que era o sistema do “cadetismo”,
sistema em que não necessariamente a progressão na carreira dependia da participação em cursos
profissionais.
Mas, a partir de 1850, com as reformas do Ministro Manoel Felizardo de Souza e Melo,
começou a se intensificar a necessidade de oficiais profissionais, e mudou também o padrão do
oficial.
Esse oficial vinha, cada vez mais, seja de setores empobrecidos da oligarquia rural, seja
da classe média, e ele basicamente dependia muito mais das suas conexões internas na instituição
para progredir do que, como tinha sido antes, das conexões externas ou das conexões políticas.
Ao dizer isso eu não estou querendo ressaltar que oficiais como Caxias, Osório, ou outros
mais antigos, não tivessem conhecimento militar técnico. Esse conhecimento também existia
nesse grupo e, certamente, a marcha de flanco do Caxias, na campanha da Dezembrada, é um
símbolo desse conhecimento.
Mas é necessário ressaltar que a marcha não teria sido possível se o Exército não contasse
com oficiais engenheiros que pudessem construir e planejar pontes e estradas.
Então eu acho que a Guerra do Paraguai ela fortaleceu, dentro da instituição, a posição
desses segmentos, que eram segmentos que possuíam, na minha opinião, aquilo que o Samuel
Huntington chama de “mentalidade militar”, uma mentalidade muito mais forjada nos
procedimentos internos hierárquicos, do que nas conexões com o mundo externo.
Evidentemente muitos desses oficiais, como era o caso de Senna Madureira, Benjamin
Constant, e outros -- criticavam muito a forma como a política influenciava na condução da
guerra. A condução da guerra, para eles, era limitada pelas questões político-partidárias.
24
Entendo que ao fortalecer esse grupo, a Guerra do Paraguai tem uma importância central
no surgimento de uma camada de oficiais do Exército que vai ser crítica aos procedimentos
políticos da monarquia.
Evidentemente que essa situação foi agravada por questões que nada têm a ver com ela.
A primeira é a intervenção permanente do Imperador no mundo político.
O Imperador intervém duas vezes: a primeira, em 1868, quando o gabinete liberalprogressista é derrubado e os conservadores são chamados novamente ao poder, e essa
intervenção tem relação direta com a guerra porque ela está ligada efetivamente a uma
necessidade de facilitar o comando do então Marquês de Caxias.
Caxias era o oficial mais prestigiado do Exército Brasileiro, ele não tinha assumido
comando nos primeiros anos da guerra, em primeiro lugar porque o comando pertencia ao
Presidente Argentino, Bartolomeu Mitre, até 1866. Após a derrota de Curupaiti, Mitre se retira
do comando por conta de questões internas argentinas, a eclosão de revoltas, então, a partir daí
há a convivência de um Gabinete Liberal com um Comandante-em-Chefe Conservador. Essa
convivência era bastante difícil e ela evolui, com muitos atritos, que acabam levando o
Imperador a dissolver o Gabinete Progressista.
A dissolução de gabinetes ela é uma prerrogativa do Poder Moderador, não foi a primeira
vez que isso foi feito. Possivelmente o Imperador não imaginava os efeitos desse ato, mas tendo
sido feito em período de guerra e mesmo levando-se em conta que o Marques de Caxias, além de
General-em-Chefe também era um político do Partido Conservador nessa época, ela teve efeitos
muito complicados. Inclusive, com a criação do Partido Republicano, posteriormente, é retirada
dos liberais, de qualquer sistema de colaboração com a monarquia.
E o segundo procedimento é pós-guerra. Está ligado à execução da Lei do Ventre Livre,
quando o Imperador intervém, novamente, no mundo político, dessa vez contra os
Conservadores.
Ele chama o Barão do Rio Branco e ele força a passagem de uma Lei que, na verdade,
contrariava os principais interesses do Partido Conservador, que era um partido majoritariamente
formado por fazendeiros da região do Vale do Paraíba.
Então, nesse sentido, ele intervém duplamente e essas medidas isolam o Imperador.
Esse isolamento vai ser maior. Elas isolam o Imperador e elas efetivamente têm um peso
em relação ao funcionamento do sistema representativo no Brasil.
Você pode dizer: bom, o sistema representativo era representativo somente para as
camadas mais bem aquinhoadas da sociedade. Está certo, era. No entanto, em todos os países
onde houve parlamento — esse Parlamento, como por exemplo, na Inglaterra esse Parlamento
25
foi composto por esses setores e, ao longo da história, ele evoluiu e se popularizou — a
intervenção do Imperador de alguma maneira minou o poder representativo do Parlamento.
Então essa é uma situação, sem dúvida, muito séria.
Um outro problema, está ligado às bases de apoio do Imperador.
Eu acho que pouca gente deu atenção devida a isso, e realmente a gente tem carência de
estudos.
Lincoln quando travou a Guerra Civil contra a Confederação, contava com um
instrumento fantástico, que era o Partido Republicano. Era um partido capilarizado, organizado
em todos os estados do norte. Como eles chamam, um partido seccional.
Esse partido sustentou o governo Lincoln através de eleições estaduais, nas quais o
governo podia balizar a sua popularidade. Esse partido foi o partido da guerra.
No Brasil não tem um partido político da guerra.
A guerra foi travada, primeiro, sob o comando do partido, da liga, progressista-liberal, e,
depois que a liga saiu, o Partido Conservador assumiu. Mas, enfim, esses partidos, na verdade,
não tinham compromisso com a guerra, eles tinham compromisso com o poder político.
Portanto a impopularidade da guerra não podia ser medida por eleições. Inclusive
eleições provinciais chegaram a ser canceladas. O caso mais famoso é o do Rio Grande do Sul,
por causa justamente do medo de que o período eleitoral fosse utilizado como período de
recrutamento.
Consequentemente, a impopularidade da guerra, que vai crescendo a partir de 67, recaía
sobre o Imperador, ou seja, ela se torna uma impopularidade pessoal e, como nós sabemos, rixas
pessoais costumam ser muito mais danosas do que rixas políticas.
Então o Imperador sai da guerra profundamente desgastado com esse processo no mundo
político, ou seja, ele perde apoio no mundo político. Perde apoio porque interveio, perde apoio
porque foi a alma da guerra, ou seja, o Imperador — e aí é um ponto interessante: ele queria, de
qualquer maneira, que o Brasil chegasse à derrota total do Paraguai, e esse é um outro ponto
polêmico: por que ele queria isso? O próprio Caxias, depois da tomada de Humaitá propõe que
se pare as operações ali, que já está “de bom tamanho”, que o Paraguai não oferece mais perigo,
e o Imperador insiste: “Não, vamos até o fim!”. E esse fim custou muito caro. Esse último ano e
meio da guerra, mais a campanha das cordilheiras ....
Bom, na minha opinião ....
Antes de falar da minha opinião: a literatura histórica ligada à chamada “Teoria da
Dependência”, ela tendeu a justificar essa posição do Imperador pela sua submissão aos
26
interesses capitalistas ingleses no intuito de derrotar o Paraguai, que seria um bastião
progressista na América.
Na minha opinião, o Paraguai não era nem progressista, nem avançado. Era um Estado
Bourbônico, no qual o governo tinha amplo comando sobre a sociedade, e a atitude do
Imperador, está ligada a uma postura que ele já tinha tomado em relação à intervenção contra
Rosas, ou seja, ele imaginava que a guerra devia servir como um exemplo para os demais países
platinos, para que não se repetisse os casos de invasão.
De certa forma ele estava certo, porque não ocorreu nenhuma outra guerra platina das
mesmas proporções. Mas isso lhe custou muito caro. Custou muito caro em termos da sua
impopularidade, que contrastou com a insatisfação crescente — essa é a tese de John Schulz, que
é um historiador que trabalhou com a relação entre a profissionalização militar e sua intervenção
na política — insatisfação crescente nos setores militares, que saíram da guerra e que não se
sentiam prestigiados, tiveram sua instituição reduzida a efetivos muito similares àqueles do préguerra, e que não se sentiram, enfim, prestigiados após o final da guerra.
Não quer dizer, também, que os setores monárquicos fossem totalmente contrários a
prestigiar os militares. O Conde D’Eu tentou, ao final da guerra, criar uma série de desfiles, etc.
Mas não foi isso que prevaleceu.
O que prevaleceu foi uma desmobilização muito rápida das forças que voltam do
Paraguai.
Então, está ligada a um outro processo que ainda também precisa ser analisado, que é
questão das pensões e do tratamento dos veteranos da guerra.
Quando Caxias assume, durante 17 meses ele organiza, ele reorganiza o Exército. É um
costume que ele tinha. Já tinha feito isso nas campanhas provinciais, no Maranhão e,
principalmente, no Rio Grande do Sul. Ele gastava um certo tempo reorganizando.
No caso do Paraguai, a principal tentativa dele foi de fundir esses corpos diferentes,
voluntários, recrutas, etc, e ele fez isso fora do país. A autoridade que ele teve foi muito grande e
isso gerou, talvez, um sentimento de autonomia entre esses corpos que estavam organizados fora
do país. Um sentimento de autonomia e de capacidade de analisar a política a partir de fora. Essa
é uma questão.
A segunda questão, talvez mais importante do que essa: quando essas forças voltam, a
economia do país está quebrada. A guerra não ajudou a desenvolver a economia e esse
novamente é um problema latino-americano: Estados fracos não conseguem usar uma guerra
para se fortalecer. É um círculo vicioso.
27
Então, quando as tropas voltam, o Estado está quebrado e ele não consegue. Todos se
chamavam de Voluntários da Pátria, no final, ainda que na correspondência o Conde D’Eu diga:
“Bom, vamos primeiramente ajudar os Voluntários, todos os soldados que foram, passaram a se
denominar “Voluntários” na volta”, e o Estado não teve condições de honrar boa parte dos
compromissos, em termos de pensões, privilégios, etc. Alguns compromissos foram honrados,
mas de forma muito precária. Creio que isso também tenha gerado enorme insatisfação.
Nós conhecemos muito pouco sobre como funcionou o sistema de pensões após a guerra.
Apenas por comparação, no caso norte-americano, novamente, a Guerra Civil gerou um
sistema de pensões que sustentou as famílias dos veteranos até, mais ou menos, a década de
1920. Ainda tinha gente na década de 20 recebendo pensão. E esse sistema de pensões era tão
abrangente que funcionava como uma espécie de “Welfare State” para eles. Os Estados Unidos
não tem “Welfare” hoje em dia, praticamente, ou tem cada vez menos, mas tiveram alguma coisa
muito parecida até a década de 20.
Por comparação, no Brasil, isso não aconteceu. Os veteranos se sentiram, de certa forma,
abandonados. Eu acho que essa insatisfação contribuiu, também, para um sentimento muito forte
da oficialidade.
Se a gente trabalha com a ideia de que o governo é exercido por elites, então a minha
conclusão geral, partindo dos estudos de John Schulz, é que no período que vai de 1870 a 1879,
especialmente com a passagem dos mais antigos, a morte deles, e com a ascensão dos mais
modernos, esse núcleo da oficialidade se transformou numa contra-elite, e essa contra-elite ainda
que não tivesse um projeto político muito forte, muito consistente, ela seria muito mais central
para a derrubada da monarquia do que o desenvolvimento de elites econômicas antagônicas.
Eu paro por aqui, agradeço a audiência dos senhores e senhoras e vamos então dar início
aos debates.
Muito obrigado.
28
OPERAÇÕES CONJUNTAS E COMBINADAS NA GUERRA DA
TRÍPLICE ALIANÇA CONTRA O PARAGUAI
Vice-Almirante (Ref-EN) Armando de Senna Bittencourt
A Guerra Civil Americana (1861-1865), que foi o conflito mais sangrento do continente
americano, ainda não havia terminado, quando se iniciou a Guerra da Tríplice Aliança contra o
Paraguai (1865-1870), na América do Sul. Nela, ocorreram os sacrifícios e barbaridades
peculiares à violência dos conflitos humanos de longa duração. Foi uma guerra terrível. Não se
sabe exatamente seu número de vítimas, mas pode-se assegurar que ela tem o segundo lugar
garantido. Foram cinco longos anos, que exigiram do Brasil um enorme esforço de mobilização,
que, por outro lado, muito contribuiu para sedimentar a nacionalidade brasileira. Nessa época as
regiões do País mal se comunicavam por terra e foi nessa guerra que os brasileiros de todas as
origens – regionais e sociais – se conheceram melhor. Eles alcançaram uma vitória notável, em
condições muito adversas, motivados pela defesa dos interesses da Pátria.
A principal estratégia empregada pelos vencedores dessas guerras foi o bloqueio e, além de
ambiente tecnológico semelhante, tecnologia e táticas desenvolvidas durante a Guerra Civil
Americana tiveram aplicação na Guerra da Tríplice Aliança. Desenvolvimentos tecnológicos
ocorridos naquele conflito, como os navios encouraçados com propulsão exclusivamente a vapor
para operar em rios, a mina naval, balões para observação e foguetes, também foram empregados
na Guerra da Tríplice Aliança. A influência é notável e, portanto, é imprescindível estudar o
conflito norte-americano para poder entender melhor o sul-americano.
Na bacia do Mississipi e na do Paraná-Paraguai, a logística e as operações militares
dependeram fortemente dos rios dessas regiões. De forma semelhante ao que ocorreu durante a
Guerra Civil Americana nesse Teatro de Operações, a Guerra da Tríplice Aliança se caracterizou
pela importância das operações combinadas ou conjuntas – o termo depende de haver ou não
unidade de comando na operação – entre Marinha e Exército.
Na fase inicial da guerra, o Comando Geral dos Exércitos Aliados era exercido pelo
Presidente da República da Argentina, General Bartolomé Mitre. As Forças Navais do Brasil não
estavam diretamente subordinadas a ele. Havia-se intencionalmente previsto no Tratado da
Tríplice Aliança que não haveria essa subordinação. O comando das Forças Navais brasileiras,
que representavam praticamente a totalidade do Poder Naval presente no Teatro de Operações,
era exercido pelo Visconde de Tamandaré, que também não estava subordinado ao comando das

Diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha. Membro Emérito do Instituto de Geografia e
História Militar do Brasil e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
29
Forças Terrestres brasileiras. As operações em que participavam forças navais e terrestres eram,
portanto, operações conjuntas, sem unidade de comando. Aliás, durante a guerra Civil
Americana, também não houvera unidade de comando entre forças navais e terrestres, o que não
impediu o bom êxito em uma grande quantidade de operações conjuntas realizadas pelos Estados
Unidos, na Bacia do Misissipi. Concorreu para isto o bom entendimento, confiança, amizade e
cooperação entre os que lá exerciam o comando, principalmente entre o General Ullysses S.
Grant e o Comodoro David D. Porter. Cabe observar que, o início da Guerra da Tríplice Aliança
contra o Paraguai se caracterizou pela falta de unidade de comando, mesmo nos exércitos, onde,
formalmente, cabia a Mitre o comando geral. Ocorreram, portanto, vários desentendimentos,
principalmente em operações conjuntas. Eram, em minha opinião, inevitáveis e operações
combinadas, se então possíveis, poderiam ser catastróficas.
Os brasileiros não confiavam nos argentinos, seus inimigos recentes nos conflitos
anteriores da Região do Rio da Prata. Artur Silveira da Mota, o Barão de Jaceguay, que exercia,
então, a função de secretário de Tamandaré, é bastante claro neste aspecto, em seu livro
“Reminiscências da Guerra do Paraguai”. Richard Burton, em seu “Cartas dos Campos de
Batalha do Paraguai”, opina que a aliança entre brasileiros e argentinos era uma “amizade de cão
e gato”.
O problema tinha raízes históricas profundas. A política externa luso-brasileira na Região
do Rio da Prata sempre foi muito ativa. Segundo Francisco Doratioto, a Guerra Cisplatina foi “o
último conflito gerado pela lógica geopolítica das potências coloniais”. Essa guerra também
demonstrou que: “a Marinha era indispensável para projetar o poder do Estado monárquico
brasileiro no Rio da Prata. A partir de então, diplomacia e poder naval se complementariam na
ação...”.1 A partir de 1840, a diplomacia brasileira tornou-se cada vez mais influente no Rio da
Prata. O Chanceler Visconde do Uruguai (José Paulino Soares de Souza), do Partido
Conservador, no poder de 1848 a 1862, tinha a opinião de que o Brasil devia ser hegemônico em
relação a seus vizinhos2, definindo, entre outros, o objetivo de garantir a livre navegação nos rios
da região. Para isso, deveria apoiar as independências do Uruguai e do Paraguai, o que,
inclusive, detinha o expansionismo de Buenos Aires. As intervenções brasileiras contra RosasOribe e, depois, contra Aguirre destacaram ainda mais a importância da Força Naval.
Evidentemente, a Argentina foi a grande prejudicada em seu interesse de recuperar o antigo
território do Vice-Reino do Rio da Prata. A Marinha do Brasil, que, por sua importância como
1
DORATIOTO, Francisco. Poder Naval e Política Externa do Império do Brasil no Rio da Prata 1822-1852, in
Navigator dez.2010.
2
Ibidem.
30
instrumento dessa política, com sua capacidade de projeção de poder, foi o óbice mais visível
para os argentinos.
Tamandaré, durante a Guerra da Tríplice Aliança, suspeitava que Mitre desejasse a
destruição da Força Naval Brasileira, insistindo em uma ação temerária contra as fortificações do
Rio Paraguai. Mais tarde, essa opinião foi corroborada por Inhaúma e Caxias. A suspeita era
válida e, até, em minha opinião, uma obrigação para um oficial-general na situação de
Tamandaré. Aliás, o próprio Tratado da Tríplice Aliança afastava o comando argentino da Força
Naval, por precaução.
Nada prova, porém, que Mitre tivesse essa má intenção. É possível, no entanto, que
desconhecesse o correto emprego de forças navais, que Grant soube utilizar com muita
habilidade na Guerra Civil Americana, poucos anos antes, sem precisar de comando unificado.
Aliás, dos oficiais generais mais antigos presentes no início do conflito, Tamandaré era,
provavelmente, o que tinha maior experiência em operações com forças navais e terrestres.
O ditador do Paraguai, Francisco Solano Lopez, poderia ter vencido, se fosse uma guerra
rápida e ele conseguisse efetivar a adesão dos argentinos fiéis a Urquiza e dos uruguaios do
Partido Blanco, seus potenciais aliados. Apesar de o Paraguai estar se mobilizando, desde o
início de 1864, ele deveria ter esperado o recebimento dos navios encouraçados que
encomendara na Europa, que lhe garantiriam o controle dos rios, que eram as principais vias de
comunicação na região. A sucessão de vitórias, que Lopez conseguiu no início, foi interrompida
pela Batalha Naval do Riachuelo, no rio Paraná, em junho de 1865.
Riachuelo foi uma batalha que pode ser considerada decisiva para a estratégia aliada.
Garantiu o bloqueio do Paraguai; praticamente eliminou a participação futura da esquadra
paraguaia; e mostrou aos argentinos e uruguaios simpatizantes de Lopez o risco que correriam
com sua participação no conflito, pois aquela não seria mais uma guerra rápida, em que o
Paraguai tinha uma boa probabilidade de vitória. Riachuelo mudou o curso da guerra.
Essa batalha teve como origem uma operação conjunta aliada, que pretendia recuperar a
cidade de Corrientes, então ocupada pelos inimigos. As tropas desembarcadas foram repelidas,
pouco depois. O ataque foi um fracasso, mas mostrou para os paraguaios o perigo do flanco
exposto à projeção de poder naval, para sua coluna de exército, que ocupara território argentino e
avançava para o Sul, pela margem esquerda do Paraná, provavelmente buscando o contato com a
província argentina de Entre Rios. Era óbvio que era necessário derrotar a força naval brasileira
que, em junho de 1865, estava em frente à Corrientes após o reembarque das tropas aliadas,
praticamente na retaguarda das forças terrestres invasoras. O ataque paraguaio, em 11 de junho
de 1865, levou à derrota de sua esquadra em Riachuelo. Poderia, talvez, ser bem sucedido, se
31
tivessem levado adiante a abordagem dos navios brasileiros fundeados, ou se Barroso aceitasse a
perda de três de seus nove navios e não regressasse rio acima para vencer a batalha, após
conseguir passar pela primeira vez pela região do Rio Paraná próxima à foz do Riachuelo,
escapando de uma verdadeira armadilha ali montada pelos paraguaios..
Desde o início da Guerra da Tríplice Aliança, a Força Naval Brasileira no Rio Paraná, além
de efetivar o bloqueio, apoiou as operações da Força Terrestre. Críticas da atuação inicialmente
tímida do comando, inclusive pela imprensa de Buenos Aires, fizeram Tamandaré designar seu
chefe de estado maior, Chefe de Divisão (Comodoro) Francisco Manoel Barroso para assumir o
comando, pouco antes de Riachuelo. Apesar da vitória nessa batalha, a presença da Força Naval
de Barroso em território argentino ocupado pelo inimigo mostrou-se vulnerável, inclusive pelo
risco crescente de encalhar com a diminuição do nível do rio e pela dificuldade logística de
suprir os navios com carvão e mantimentos. Resolveu-se descer o Rio Paraná e, depois, subir
acompanhando o progresso das Forças Terrestres aliadas, até a retomada de Corrientes. Desta
cidade, planejou-se a grande operação conjunta de Passo da Pátria.
A invasão pelo Rio Paraguai, com suas fortificações, exigia o emprego de navios
protegidos por couraça, para não ficarem em terrível desvantagem em relação à artilharia
instalada em margens próximas. A artilharia havia progredido notavelmente nesse período, já se
empregando alguns canhões de retrocarga e alma raiada, que atiravam projéteis explosivos,
embora a grande maioria dos canhões paraguaios ainda atirasse balas esféricas sólidas. Essas
fortificações não poderiam ser enfrentadas com os navios de madeira da Força Naval brasileira
que combateu em Riachuelo.
O Brasil obteve 17 navios encouraçados modernos durante a guerra, comprando-os na
Europa e projetando e construindo no País, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. O primeiro
chegou à linha de frente após Riachuelo. Foram fundamentais para ultrapassar as fortificações.
Desses navios encouraçados (ironclads, em inglês), os mais inovadores obedeciam às principais
características de projeto do USS Monitor, navio inventado poucos anos antes nos Estados
Unidos da América, durante a Guerra Civil. O notável é que os monitores brasileiros da classe
Pará foram projetados e construídos por brasileiros, obedecendo a requisitos especialmente
estabelecidos para operarem com bom êxito no Rio Paraguai. Tinham pequena borda livre acima
da linha d’água, porém suficiente para chegarem ao Rio Paraná navegando pelo oceano, desde o
Rio de Janeiro; parte da estrutura era de ferro e o casco de madeira protegido por uma couraça de
chapas de ferro forjado; o canhão – de 120 mm em três deles e de 70 mm nos outros três – estava
instalado em uma torre rotativa couraçada, na linha de centro do convés; a propulsão era por
hélice, acionado por máquina alternativa a vapor. Richard Burton (já citado) viu esses monitores
32
brasileiros na visita que fez, em 1868, à linha de frente da guerra e o descreve, em “Cartas dos
Campos de Batalha do Paraguai”, como uma embarcação fluvial muitíssimo eficiente. Observou,
também, a grande quantidade de impactos nas chapas da couraça que o navio sofrera nos
combates com as fortificações paraguaias. As chapas estavam profundamente marcadas por balas
de 68 libras e, em alguns casos, perfuradas por projéteis com ponta de aço. São muito
importantes esses comentários de Burton, um dos maiores exploradores do século XIX, por sua
experiência militar e vasta cultura.
O arsenal de marinha do Rio de Janeiro construiu, de 1865 a 1869, nove navios
encouraçados, dos quais seis eram monitores. Entre os navios adquiridos no exterior pelo Brasil,
cinco foram encomendados inicialmente pelo Paraguai, em 1864. Após Riachuelo e efetivado o
bloqueio, não os podia mais receber. Eram navios encouraçados adequados para o Rio Paraguai e
alguns deles tinham características de monitores.
Em fevereiro de 1866, Tamandaré chegou a Corrientes e assumiu o comando da Força
Naval, mantendo Barroso como seu chefe de estado maior. Em março, os navios partiram, para
iniciar as operações que antecederam a invasão do território do Paraguai.
O início da invasão não ocorreu exatamente em Passo da Pátria, como era previsível, mas
na margem esquerda do Rio Paraguai, próximo à confluência com o Paraná. Foi uma operação
conjunta de grande porte, bem planejada e executada, em que os navios transportaram cerca de
45 mil homens, equipamentos bélicos e suprimentos e também foram empregados para
bombardear as posições paraguaias.
Em seguida, ocupou-se Curuzu, com apoio da Força Naval e seus navios encouraçados,
porém, logo depois, em Curupaiti, houve a maior derrota aliada nessa guerra. O preparo da
operação foi, provavelmente, insuficiente. Mitre não fizera um reconhecimento completo e,
também, faltara-lhe a habilidade que Ullysses Grant demonstrou possuir, na Batalha de Shiloh,
utilizando, oportunamente o bombardeio naval e deslocando reforços, em navios, para as
posições críticas. Mitre poderia, por exemplo, ter embarcado um destacamento de infantaria para
desembarcá-lo entre Curupaiti e Humaitá, atacando Curupaiti por todos os lados, na opinião de
Tasso Fragoso (ref. 8). Houve, também, desentendimentos entre os generais brasileiros; Polidoro
ficara inativo. O fato, porém, é que o bombardeamento realizado pelos navios não danificou
suficientemente as defesas paraguaias, como também ocorreu, muitas décadas depois, no ataque
norte-americano à Ilha de Iwojima, durante a Segunda Guerra Mundial. Seguiram-se acusações e
críticas, principalmente contra Tamandaré. As inimizades vieram à tona. Tamandaré, que era
acusado de ser excessivamente cauteloso, inclusive pela imprensa da Argentina, desta vez não
teria dado a cobertura de fogo suficiente. Ele, por outro lado, insinuava que Mitre, como
33
argentino, queria que os navios brasileiros se arriscassem, pois poderia ter o interesse de
sacrificá-los, para reduzir o Poder Naval brasileiro.
Como resultado da derrota de Curupaiti e para superar a crise, aceitou-se o afastamento de
Tamandaré, que tantos bons serviços prestou, na fase inicial da guerra, inclusive organizando um
excelente sistema de apoio logístico. Ele é, por tudo que fez antes, durante e depois da Guerra do
Paraguai, muito justamente, o patrono da Marinha do Brasil. Tamandaré, porém, estava
esgotado, já solicitara sua substituição e, dificilmente se entenderia, daí por diante, com Mitre.
O Marquês de Caxias foi, então, designado para o cargo de Comandante em Chefe de todas
as Forças Brasileiras em operações contra o governo do Paraguai. Caxias já havia demonstrado
ser um excelente general e estadista. O Comando da Força Naval do Brasil coube, por escolha
dele, ao Chefe-de-Esquadra (atualmente Contra-Almirante) Joaquim José Ignácio, futuro
Visconde de Inhaúma, que foi subordinado a Caxias, mas não ao Comando Geral de Mitre,
mantendo-se o previsto no Tratado da Tríplice Aliança. Agora, havia unidade de comando nas
Forças Brasileiras, mas, provavelmente, mais importante do que isso eram a experiência política
dos dois comandantes brasileiros e a amizade que existia entre eles.
Caxias e Joaquim José Ignácio se conheciam há muito tempo; eram amigos e assim se
tratavam. Em 1861, por exemplo, quando Caxias foi incumbido de organizar o Gabinete,
escolheu o futuro Inhaúma para a pasta de Marinha e para, também, implantar o Ministério da
Agricultura e Obras Públicas, recém criado.
Nomeado em 3 de dezembro de 1866, Joaquim José Ignácio viajou imediatamente para o
Paraguai; visitou o túmulo do filho, Tenente Mariz e Barros, morto em combate, no Rio Paraná,
em frente ao forte de Itapiru, quando comandava o Encouraçado Tamandaré; e, no dia 22,
recebeu do Almirante Tamandaré o comando da Força Naval. Assumiu-o como interino. Em 21
de fevereiro de 1867, já promovido a Vice-Almirante, em janeiro, foi nomeado Comandante-emChefe.
Os navios bombardeavam, freqüentemente, Curupaiti, ao realizarem reconhecimentos e,
em 15 de agosto de 1867, cerca de oito meses após sua posse, Joaquim José Ignácio comandou a
Passagem de Curupaiti, enfrentando o fogo das baterias de terra e ultrapassando estacadas de
madeira, no rio. Participaram da passagem dez encouraçados, que, logo em seguida, começaram
a bombardear Humaitá. Pelo feito, recebeu, pouco depois – em 27 de setembro –, o título de
Barão de Inhaúma.
Em sua Ordem do Dia nº 78, de 29 de agosto, Joaquim José Ignácio transcreveu dois
ofícios de Caxias, elogiando a operação do dia 15. Caxias reconheceu o zelo e perícia de seu
34
amigo, em quem confiava, e, sem dúvida, seus elogios formais aos feitos da Força Naval foram
importantes, para estimular as tripulações.
A nova posição dos navios da esquadra brasileira, entre Curupaiti e Humaitá, expunha-os
aos tiros dos canhões de Humaitá. Inhaúma considerava que ainda era impossível forçar
Humaitá. Caxias, portanto, o autorizou a retornar para Curuzu, se assim julgasse necessário. Isto
causou um protesto de Mitre e sua correspondência com Caxias se tornou tensa, com relação ao
emprego das forças navais. Mitre acreditava que não se deveria abandonar uma posição
conquistada, pois isso afetaria negativamente o ânimo dos aliados e fortaleceria o do inimigo.
Mitre questionou a conveniência da ordem de retirada dada à esquadra, negando a Caxias a
competência para expedi-la sem que tivesse havido prévio acordo e solicitou que a suspendesse.
Considerou que aquela posição era importante e que o forçamento de Humaitá deveria ser
realizado, por estar no plano de campanha acordado. Mitre também argumentou que, se era o
General-em-Chefe dos exércitos aliados, ele comandava, não somente as forças terrestres, mas
também, as outras forças que concorriam para a guerra no Teatro de Operações e, portanto, a
esquadra estaria sob sua direção, enquanto estivesse naquelas águas.
Caxias respondeu no dia seguinte, recordando que já havia relatado que considerava uma
“indesculpável temeridade arriscar a Esquadra a destroço completo e inevitável, não só na falta
de esperança fundada de êxito feliz, como tendo certeza de resultado infrutífero”. Lembrou,
também, entre outras observações, que, em suas ordens ao Vice-Almirante, havia ponderado que,
do estado dos navios após a passagem de Curupaiti, decidir-se-ia o que fazer quanto à passagem
de Humaitá. Considerando, portanto, as avarias decorrentes da passagem de Curupaiti e a
posição difícil em que ficaram os navios, ele havia autorizado o Vice-Almirante a regressar,
quando entendesse que era necessário. Respondeu, também, que pelo Tratado da Tríplice
Aliança, não fora conferido a Mitre o comando direto da esquadra brasileira, mas que isto não
queria dizer que ela não estava à disposição para as manobras dos exércitos aliados. Concluiu
que, se no plano de operações constasse a passagem de Humaitá pela Força Naval, ela o faria, se
fosse humanamente possível. Caso contrário, ela cooperaria com os exércitos aliados onde se
achava, ou em qualquer posição rio abaixo.
Enquanto isso, Inhaúma, de sua difícil posição, mantinha as fortificações de Humaitá sob
freqüente bombardeio. Os suprimentos vinham por terra, de um local denominado de Porto
Elisário; no início, através de um caminho precário aberto no Chaco, na margem direita do rio.
Depois, construiu-se uma estrada de ferro, para apoiar a esquadra em Porto Elisário. Até do
ponto de vista exclusivamente logístico, somente com uma base de suprimentos estabelecida
35
pelos exércitos, acima de Humaitá, haveria condições de efetuar a passagem e manter os navios
rio acima.
Mitre considerava que a passagem de Humaitá era tão importante, que aceitava a perda de
dois terços da esquadra, ou mesmo, sua perda total, para realizá-la. Voltou, portanto, ao assunto,
em setembro, através de novo ofício, que incluía uma memória sobre a situação da guerra e
operações que deveriam ser realizadas, insistindo na passagem de Humaitá pela esquadra. Após
um resumo dos ofícios anteriores, ele insistia para que a posição da Esquadra, junto a Humaitá,
fosse mantida, como vinha sendo até então, por ser uma posição conquistada, inclusive devido às
vantagens que trazia, em relação ao inimigo. Considerava que isso era válido, mesmo sem forçar
a passagem de Humaitá, até que se resolvesse, de comum acordo o que seria mais conveniente.
Afirmou, também, que o abandono dessa posição seria considerado uma derrota. Quanto ao
comando da esquadra, bastava-lhe, por enquanto, que Caxias reconhecesse que não poderia
deixar de prestar sua cooperação eficaz, toda vez que ele a solicitasse, para realizar as operações
acordadas entre ambos. Em seguida, voltou a insistir em sua interpretação sobre a subordinação
da Força Naval brasileira a ele, no Teatro de Operações, deixando, porém, para os governos dos
respectivos países a solução do impasse.
Inhaúma, por sua vez, continuava mantendo a posição conquistada. O bombardeio
realizado por seus navios, além de enfraquecer o ânimo dos defensores, conseguiu afundar
quatro das chatas que sustentavam as correntes passadas de uma para outra margem do rio, que
eram obstáculos em frente à fortaleza.
Caxias respondeu ao oficio de Mitre somente em 24 de dezembro de 1867. Explicou a
demora, por ter esperado a resposta de Inhaúma, que permanecia muito ocupado, entre Curupaiti
e Humaitá. Comentou a memória anexa ao ofício de Mitre e, com referência à passagem de
Humaitá, citou um texto de jornal, que descrevia o insucesso do ataque do Comodoro Dupont, da
Marinha dos Estados Unidos, com navios-encouraçados, a Charlestown, durante a Guerra Civil
Americana. Comentou que Charlestown não estava mais bem defendida que Humaitá e que os
encouraçados brasileiros não eram melhores do que os do Comodoro Dupont. Referiu-se,
também, a outros exemplos, que demonstravam que esquadras de encouraçados tinham seus
impossíveis e estes não eram raros, em circunstâncias mais favoráveis do que aquelas em que se
achava a Força Naval de Inhaúma. Comentou, também, a vantagem obtida pelos exércitos
aliados, que haviam estabelecido uma fortificação acima de Humaitá, junto ao rio, no Taji. Além
de cortar as comunicações de Humaitá com o interior do Paraguai, por via fluvial, também
serviria de base para os navios. Negou-se, em seguida a comentar as acusações que Mitre
também fizera, em seu ofício, a Tamandaré e, depois, disse que não se alongaria na discussão das
36
opiniões emitidas por Mitre, com algumas das quais não concordava inteiramente, ou
absolutamente. Desculpou-se, concluindo que, com o inimigo à vista e as preocupações da
guerra, declinava dessa discussão, que, em sua opinião, naquele momento, não teria razão de ser.
Em 14 de janeiro de 1868, devido ao falecimento do Vice-Presidente da Argentina, Mitre
precisou reassumir a presidência e deixou o Paraguai, passando o Comando-em-Chefe das
Forças Aliadas para Caxias.
Enquanto isso, Inhaúma, mantendo Humaitá sob bombardeio, esperava o momento certo
para agir. O respaldo e a confiança que sempre tivera de Caxias, seu superior, durante todo esse
período de dificuldades, permitia-lhe agir sem precipitações. Os primeiros três monitores
construídos no Arsenal de Marinha, que seriam fundamentais para o sucesso da operação,
chegaram ao Paraguai no final de dezembro e juntaram-se à Força Naval, em Porto Elisário.
Em 14 de janeiro, uma enchente do Rio Paraguai mostrou que o sistema defensivo de
correntes podia ser ultrapassado, por navios de pequeno calado, bombardeando antes as chatas
que sustentavam as correntes, e aproveitando uma próxima oportunidade.
Na madrugada de 19 de fevereiro de 1868, iniciou-se a Passagem de Humaitá. A esquadra
de Inhaúma intensificou o bombardeio e a Divisão Avançada comandada pelo Capitão-de-Mar-eGuerra Delfim Carlos de Carvalho, genro de Inhaúma, depois Almirante e Barão da Passagem,
avançou, rio acima, para ultrapassar os obstáculos e as fortificações da margem. Essa Divisão era
formada por seis navios, os encouraçados Barroso, Tamandaré e Bahia e os monitores Rio
Grande, Pará e Alagoas. Deles, somente o Bahia não fora construído no Brasil. O Bahia, por
suas características, também era um monitor, mas, nessa guerra, somente os construídos no
Arsenal do Rio de Janeiro são assim denominados pelos brasileiros. Eles acometeram a
passagem formando três pares compostos, cada um, de um encouraçado com um monitor
amarrado ao seu contrabordo. Esse arranjo, aos pares, ficando os encouraçados no lado mais
vulnerável ao fogo de artilharia de terra, repetia um arranjo semelhante, que ocorrera na
campanha do Mississipi, em uma das passagens da Força Naval nortista por Vicksburg, em abril
de 1863. Vários Oficiais da Marinha e do Exército do Brasil estudaram a Guerra Civil
Americana, que era muito relevante para as táticas a serem empregadas no Rio Paraguai. Caxias,
como já foi mostrado, citou o insucesso do Comodoro Dupont em Charlestown; Inhaúma citou
Porter e Farragut, como exemplos, em sua ordem do dia nº 76, de 14 de agosto de 1867, mas, não
conheço referência de terem conscientemente copiado o arranjo de Vicksburg.
Ao meio dia, os seis navios da Divisão Avançada chegaram a Taji, tendo, antes,
enfrentado as baterias do forte paraguaio do Timbó, que tinha, na avaliação do comandante do
Alagoas, cerca de doze canhões de grosso calibre, até então desconhecido dos aliados. Três dos
37
seis navios tiveram que ser encalhados, para não afundarem. O Alagoas fora atingido por mais de
cento e sessenta projéteis. Estava, no entanto, vencida Humaitá, que, aos poucos, seria
desguarnecida pelos paraguaios. O Brasil não perdera um único navio. Caxias escreveu uma
carta para Inhaúma, datada de 20 de fevereiro:
Meu amigo. A sua Esquadra brilhou: não se podia fazer mais, nem com mais
habilidade. Estive já ontem com o Delfim (Delfim Carlos de Carvalho) a quem
dei um apertado abraço. E agora vem o cumprimento do plano por parte do
Exército: Eu por terra fiz o que lhe prometi: não mandei, fui em pessoa dirigir
uma coluna de seis mil homens das três armas, na hora ajustada para a
passagem dos monitores e encouraçados da Esquadra, e com essa força atacar
o exterior de Humaitá; tomei depois de três horas de renhido combate, o forte
do flanco esquerdo daquela praça, que estava guarnecido com 15 bocas de
fogo, todas já estão no meu acampamento.”.....”Seu amigo e colega Luís”.
Em sua Ordem do Dia nº 123, de 1º de março, Inhaúma transcreveu a Ordem do Dia nº 5,
de Caxias, sobre a Passagem de Humaitá. Inhaúma comentou que “nunca os serviços da marinha
brasileira foram tão autênticos e pomposamente reconhecidos, nunca foi ela tão eloqüentemente
recomendada ao reconhecimento da Pátria e ao da posteridade”.
Ultrapassada e flanqueada, a posição defensiva do Paraguai, baseada em Curupaiti e
Humaitá, perdeu sua importância. Foi sendo abandonada e acabou conquistada pelos exércitos da
Tríplice Aliança. As tropas paraguaias recuaram para o norte do Rio Tebiquari.. Lopez preferiu,
em seguida, concentrar suas defesas no Piquissiri, mais próximo de Assunção, fortificando,
posteriormente, Angostura, na sua foz. A linha paraguaia possuía cerca de cem canhões, apoiavase à direita em Angostura, e à esquerda em alagados, chamados de esteiros.
Cabia a Caxias avançar em direção à capital, Assunção, no norte. Essa é uma fase do
conflito em que as operações combinadas foram de vital importância para o resultado da guerra.
A interação entre Caxias e Inhaúma foi intensa e eficaz.
No dia 8 de agosto de 1868, Caxias embarcou no Encouraçado Bahia, para examinar um
local de desembarque para as tropas que atacariam o reduto paraguaio do Timbó. Muitas vezes
depois, ele utilizou os navios para realizar reconhecimentos ao longo do Rio Paraguai.
Empregou-os, também, para transportar tropas, que eram desembarcadas em locais convenientes
para os ataques, e utilizou a artilharia naval para apoiar operações ribeirinhas, até mesmo para
distrair a atenção do inimigo.
Pouco depois, Inhaúma começou a subir o Rio Paraguai com parte da Força Naval
Brasileira, passando pela bateria paraguaia instalada no Timbó, com poucas avarias em seus
navios. No mesmo dia, no Taji, incorporou à sua Força os navios da Divisão Avançada que
vencera Humaitá, comandada por Delfim e prosseguiu para Pilar. A maior parte do Exército
iniciou sua marcha para o norte, pela margem esquerda do Paraguai. No dia 22, o Encouraçado
38
Lima Barros informou que o Timbó fora abandonado pelos paraguaios. Por ordem de Caxias, um
dos monitores transportou um destacamento de engenheiros para arrasar o reduto.
Seguiu-se, de importante, a transposição do Tebiquari pelas forças terrestres aliadas.
Caxias empregou novamente, com competência, a força naval. Três monitores penetraram no
Rio Tebiquari e encouraçados bombardearam a bateria paraguaia instalada na foz desse rio, até
ser abandonada. Depois, outros navios de guerra brasileiros entraram no Tebiquari,
transportando o trem de pontes do exército. Em primeiro de setembro, iniciou-se a transposição e
no dia 6, quase todo o exército já estava na margem direita e, pouco depois, prosseguiu em seu
avanço para o Norte, em terreno praticamente desconhecido, e chegou a Palmas, vencendo
diversos cursos d’água e atoleiros.
Simultaneamente, a Segunda Divisão da Esquadra, comandada pelo Capitão-de-Mar-eGuerra Mamede Simões da Silva foi designada para hostilizar Angostura, no Piquissiri. Chegou
ao objetivo em 7 de setembro. O Encouraçado Silvado ultrapassou Angostura, recebendo trinta
acertos de balas inimigas. Depois de bombardear a fortificação e outros alvos na margem, com
seus navios, Mamede foi fundear à jusante, fora do alcance das baterias inimigas.
Concentrando-se em Palmas, o exército aliado iniciou os primeiros reconhecimentos das
defesas paraguaias no Piquissiri. Os navios foram empregados para bombardear o flanco direito
do inimigo. O Barão da Passagem, no dia primeiro de outubro, com quatro navios,
simultaneamente a um desses reconhecimentos por terra, ultrapassou Angostura, com a tarefa de
fazer um reconhecimento, rio acima. Logo depois, outros navios brasileiros ultrapassaram
Angostura, inclusive o Encouraçado Brasil, capitania de Inhaúma, porém ainda sem o Almirante
a bordo. O Brasil voltou a passar Angostura, rio abaixo, para regressar transportando munição e
o Almirante Inhaúma, rio acima. Dessa posição à montante de Angostura, os navios foram
empregados para bombardear e metralhar o campo inimigo e a fortificação, para distrair a
atenção do inimigo, durante os principais reconhecimentos e surtidas de forças terrestres.
Verificando que as defesas paraguaias no Piquissiri eram muito difíceis de vencer com um
ataque frontal, Caxias optou por uma ousada manobra de flanco pela margem direita do Rio
Paraguai, onde se situava o Chaco. Era um terreno pantanoso, com lagoas e cursos d’água,
sujeito a alagamentos imprevisíveis. Era preciso construir uma estrada com os materiais
existentes no local, forrando o solo dos atoleiros e improvisando pontes com troncos da palmeira
carandá, para passar as tropas, canhões, carretas; todo o equipamento de guerra. Foi uma obra
notável, com 10,7 quilômetros de extensão, que utilizou aproximadamente mil palmeiras e que,
poucos dias depois de usada, foi submergida por uma enchente do Rio Paraguai. Essa estrada
39
terminava acima de Angostura, pois não se poderia transportar tropas nos conveses dos navios ao
passar pelas baterias dessa fortificação.
No dia 4 de setembro, Caxias percorreu a nova estrada, a cavalo, até a margem em frente à
Vileta. Embarcou, em seguida, no Monitor Rio Grande e subiu o rio, para escolher um local do
desembarque, na margem esquerda. Voltou a percorrê-la outras vezes, não deixando de interagir
com os navios de Inhaúma, que estavam disponíveis a montante de Angostura.
Nos últimos dias de setembro, com o nível do Rio Paraguai subindo, tornou-se urgente a
realização da operação. Logo, as tropas iniciaram seu deslocamento. Enquanto isso, a força naval
de Inhaúma bombardeava Vileta com freqüência, para dificultar a construção de defesas.
Inhaúma expediu, em 2 de dezembro, suas instruções para a Força Naval sobre a operação
combinada cujo propósito era desembarcar as tropas, que haviam avançado pela estrada do
Chaco, na margem esquerda do Rio Paraguai. Alguns dos navios serviriam de transporte, outros
bombardeariam Vileta, que era onde os paraguaios esperavam que ocorresse o desembarque.
Na noite de 4 para 5 de dezembro os navios designados para transportar as tropas para a
margem esquerda, na retaguarda das defesas paraguaias, iniciaram a cumprir sua missão. O
ponto escolhido para desembarque foi Santo Antonio, acima de Vileta. No final do dia 5, haviam
desembarcado uns 17 mil homens e prosseguiram transportando tropas, até o dia 9. O avanço por
terra para o Sul iniciou-se no dia 6. Essa magnífica operação militar possibilitou a
“dezembrada”, em que, em uma sucessão de combates – Itororó, Avaí, Lomas Valentinas e
outros –, o exército paraguaio foi derrotado. Seguiu-se a ocupação de Assunção. A guerra teria
acabado se Solano Lopez não tivesse fugido para a Cordilheira, onde prolongou a agonia do
Paraguai por mais um ano, até 1870, recrutando crianças e velhos para reforçar o que restara de
seu exército.
Caxias e Inhaúma estavam exaustos, nesse final do ano de 1868 e início de 1869. A saúde
de ambos estava abalada, não tinham mais condições físicas e psicológicas para prosseguir.
Caxias desanimara após o enorme e corajoso esforço dos últimos meses, para manter um exército
extenuado atacando posições defensivas. As doenças antigas de Inhaúma haviam se agravado,
sua vida chegava ao fim. Caxias o autorizou a se retirar para Montevidéu. Passou “a direção de
todo o movimento” da Força Naval para o Barão da Passagem, em 16 de janeiro de 1869. Em
Montevidéu, foi exonerado do cargo, conforme solicitara, e para substituí-lo foi designado o
Chefe-de-Esquadra Elisiário Antonio dos Santos. Faleceu poucos dias depois de chegar ao Rio
de Janeiro.
Caxias também, não permaneceu no comando, retornando pouco tempo depois, também,
para o Rio de Janeiro.
40
Sem dúvida, ele, tendo sob seu comando a força Naval de Inhaúma, realizou uma
sequência de operações combinadas muito bem coordenadas. Tão importante, porém, quanto a
ter um comando unificado, foi sua competência e a confiança existente entre ele e Inhaúma.
Operações combinadas ou conjuntas são, em geral, muito difíceis e, em minha opinião,
dependem de bom entendimento, difícil de obter apenas formalmente. A Guerra Civil Americana
mostra que, talvez, o comando unificado seja menos importante do que a competência aliada ao
bom entendimento e à confiança.
BIBLIOGRAFIA
BETHEL, Leslie. A Guerra do Paraguai: História e Historiografia. In: Guerra do Paraguai, 130
anos depois, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 1995. . pp. 11-26
BITTENCOURT, Armando de Senna. Conexões e Semelhanças Navais da Guerra do
Paraguai com a Guerra Civil Americana. Revista Marítima Brasileira, Rio de Janeiro, Serviço
de Documentação da Marinha, 119 (1/3);pp. 45-60. , jan./mar.1999
_______________.A Batalha Naval do Riachuelo, na Guerra da Tríplice Aliança contra o
Paraguai. In: Guerra no Mar: Batalhas e Campanhas Navais que Mudaram a História.
Organização de Armando Vidigal e Francisco E. Alves de Almeida. Rio de Janeiro: Record,
2007.
_______________. A Interação entre Caxias e Inhaúma no Rio Paraguai. Navigator, Rio de
Janeiro, v.5, n.9. Editora Serviço de Documentação da Marinha, junho de 2009.
BURTON, Sir Richard Francis. Cartas dos Campos de Batalha da Guerra do Paraguai. Rio
de Janeiro, Biblioteca do Exército Editora, 1997.
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita Guerra: Nova História da Guerra do
Paraguai, São Paulo, Companhia das Letras, 2002.
________________. Poder Naval e Política Externa do Império do Brasil no Rio da Prata (18221852). Navigator, v.6, n.12. Rio de Janeiro, Editora Serviço de Documentação da Marinha,
2010.
FRAGOSO, Augusto Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. I
volume, Rio de Janeiro, Imprensa do Estado-Maior do Exército, 1934.
41
GRATZ, George A. Encouraçados para o Paraguai? Revista Marítima Brasileira, v.119, n.7/9.
Serviço de Documentação da Marinha, jul./set 1999.
SCHNEIDER, L. A Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo da República do Paragua.
Traduzido do alemão por Manuel Tomás Alves Nogueira, anotado por José Maria da Silva
Paranhos, Tomo 1, São Paulo, Edições Cultura, 1945.
42
A QUESTÃO DE FALTA DE UNIDADE DE COMANDO ALIADO NO INÍCIO DA CAMPANHA DO PARAGUAI Cel Darzan Neto da Silva
O presente trabalho que tem como tema “A questão de falta de unidade de comando
aliado no início da campanha do Paraguai, período em que o Gen Bartolomeu Mitre, Presidente
da Argentina; foi o Comandante em Chefe dos Aliados.
Antecedentes
Portugal e Espanha emergiram da Guerra para expulsão dos mouros da Península Ibérica
como Estados nacionais assentados na Monarquia Absoluta e na Doutrina Mercantilista.
Buscavam colonizar as suas terras na América do Sul, onde estabeleceram um Sistema Colonial
que lhes garantia o domínio, a posse e a exploração econômica das suas respectiva colônias,
então demarcadas pelo Tratado de Tordesilhas na América.
Ao verificar que as terras brasileiras localizadas a Leste do meridiano de Tordesilhas não
ofereciam uma unidade geográfica que favorecesse a sua colonização, Portugal formulou os
objetivos das suas conquistas que deveriam se expandir até os limites das posses espanholas, ao
Norte, na Calha do rio Amazonas e, ao Sul, na Bacia do Prata.
O Rei Espanhol favoreceu essa expansão ao Norte, para defender as terras espanholas
localizadas na Amazônia, o Rei da Espanha, durante a união das Coroas ibéricas (1580-1640),
concedeu ao português Bento Manuel Parente a Capitania do Cabo Norte e permitiu que os lusos
adentrassem na região a Oeste de Tordesilhas, admitindo, na prática, o rompimento daquela linha
divisórias entre as duas colonizações.
Os espanhóis centraram a sua colonização, a princípio, nos altiplanos andinos voltados
para o Oceano Pacífico, em torno das ricas minas de ouro e prata ali existentes. A região do Prata
foi inicialmente desprezada pelo colonizador espanhol; a partir da Reforma dos Bourbons no
século XVIII, o interesse da Metrópole por essa região tornou-se crescente, quando da ameaça
do estabelecimento dos jesuítas, expulsos em meados do século, e da ocupação por estrangeiros.
Expedições colonizadoras, vindas do Vice Reinado do Peru e da Capitania Geral do
Chile, penetraram na Região Platina e estabeleceram-se no interior e na calha do rio da Prata.
No período colonial, os portugueses fundaram a Colônia de Sacramento em 1680, e os
espanhóis, sucessivamente, em 1724, estabeleceram-se em Montevidéu, e criaram em 1780, o

Membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil.
43
Vice Reinado do Prata, que englobava as terras dos atuais países Argentina, Bolívia, Paraguai e
Uruguai, com o objetivo de se oporem aos portugueses nessa região
Os tratados coloniais de Utrecht, Madri e Santo Idelfonso homologaram a expansão da
Colônia portuguesa ao Norte, porém, ao Sul, face à resistência lusitana para devolver a Colônia
de Sacramento, ocorreram conflitos bélicos entre portugueses e espanhóis e, posteriormente,
entre o Brasil e os países platinos
Com a fragmentação do Vice-reinado do Prata pelo processo de independência, surgiram
as Províncias Unidas do Prata, atual Argentina, com capital em Buenos Aires; a Bolívia
reintegrou-se ao Vice-reinado do Peru; o Paraguai tornou-se independente, com capital em
Assunção, e o Uruguai foi incorporado por D. João VI ao Brasil com a denominação de
Província Cisplatina, com capital em Montevidéu.
Os portenhos, desejosos de manterem as terras pertencentes ao antigo Vice-reinado do
Prata sob a sua jurisdição, tentaram, por duas oportunidades, conquistar Assunção, com
incursões mal-sucedidas comandadas pelo General Belgrano. Esses anseios expansionistas se
fizeram presentes na condução da política externa das Províncias Unidas do Prata.
A Província Cisplatina, incorporada ao Brasil, era palco de constantes lutas entre os
partidos Blanco e Colorado, em que se entremeavam, com frequência, os ideais de emancipação
dos orientais e as intenções de domínio do Governo argentino, que, por essas manobras,
pretendia abarcar a margem Norte do Prata.
Política externa brasileira no Período Monárquico, polarizada na região Platina
O Brasil procurou resolver o estabelecimento das suas fronteiras, na região platina, por
via diplomática, tendo como objetivo:
• manter a Cisplatina (Uruguai);
• evitar a formação de um grande país no Sul;
• defender seu território contra as agressões externas;
• obter a livre navegação nos rios da Bacia do Prata.
Na defesa de sua Política externa, o Brasil envolveu-se com os países oriundos do Vicereinado do Prata, Argentina, Paraguai e Uruguai, nas guerras:
• Cisplatina;
• contra Oribe e Rosas;
• contra Aguirre;
• Guerra da Tríplice Aliança contra Solano López
44
A região Platina constituiu-se no alvo principal dessas disputas, palco de um embate
bélico sangrento, que originou uma série de atos e de documentos que pretendiam garantir a
posse de seu território e o estabelecimento das suas fronteiras.
Os tratados de paz pacificaram a área Platina e acertaram o desenho das fronteiras entre
os países envolvidos, empregaram a diplomacia e o arbitramento das suas divergências.
Situação Política e Militar dos países Platinos
♦ Argentina
A República da Argentina, tendo proclamado a independência da Espanha, em 1813,
através do Congresso das Províncias Unidas, reunido em Tucuman, não se organizou
politicamente, em face das tendências políticas antagônicas que marcaram essa decisão.
Após o Congresso em Tucuman, estabeleceu-se uma aguda disputa, entre a os líderes da
República Unitária, estabelecidos em Buenos Aires, e os da República Federal, representada
pelos caudilhos das províncias do interior– essas divergências degeneram-se em guerras civis,
dificultando a unidade nacional do país.
Em 1853, O Gen Bartolomé Mitre foi designado Ministro da Guerra do Governo de
Buenos Aires, com uma expressiva maioria “unitárista” ou “centralista”, corrente política que
lutava por uma Argentina com um forte governo central, com sede nessa Província e resistente às
pressões de Manoel Urquiza, que liderava os caudilhos das províncias do interior República
Federal,
Em 1859, Urquiza, vitorioso na guerra civil contra o Ditador Juan Manoel Ortiz de Rosas,
assumiu a presidência da Argentina.
Buenos Aires uniu-se à Federação, em 1860. Um ano depois, ocorreu outra guerra civil
na qual Urquiza foi derrotados por Mitre na Batalha de Pavón; no entanto Buenos Aires
continuou unida à República Federal.
Urquiza retirou-se do Governo, porém continua sua política de oposição ao Governo
Unitarista de Buenos Aires, como Governador da província de Entre Rios.
Entrementes Mitre tornou-se Presidente da República Argentina no ano de 1862, e seu
principal objetivo passou a ser a consolidação da república.
As províncias de Corrientes e Entre Rios, devido o sentimento federalista de ambas, eram
as principais opositoras ao Governo. O novo Governo argentino precisava neutralizar essas
províncias, de modo a impedir que elas contassem com qualquer tipo de apoio externo. Porém,
as províncias federativas da Argentina escapando do controle alfandegário de Bueno Aires,
utilizando o porto de Montevidéu para o comércio.
45
♦ Uruguai
O caudilho José Gervásio Artigas, na sua luta heróica e tenaz pela independência do
Uruguai, antes de morrer, em seu melancólico retiro em Assunção, viu seu ideal realizado
quando, em 27 de agosto de 1828, tornou-se independente a República Oriental do Uruguai, após
a Guerra da Cisplatina.
Em 1836, surgiram dois partidos tradicionais do Uruguai – o
Blanco, ligado aos
intelectuais e conservadores, e o Colorado, liberal, libertário e ligado ao povo da campanha, o
gaúcho.
A instabilidade política derivada da luta pelo poder entre "blancos" e "colorados" fez-se
presente no Uruguai. Dessa disputa, resultou a ascenção ao poder no Uruguai o caudilho
Atanastacio Cruz Aguirre, pertencente ao partido Blanco.
Na segunda metade do século XIX, era comum o roubo de gado e os ataques às estâncias
no Sul Brasil por salteadores que se homiziavam no Uruguai, costume que recrudescera no
Governo Blanco. Além do mais, 40.000 brasileiros residentes naquele país, proprietários de
cerca de 30% do território, exerciam forte influência no Governo do Rio Grande do Sul, onde
eram ainda recentes as cicatrizes da Guerra dos Farrapos, razão pela qual, na Corte, reclamavam
de perseguições realizadas ou acobertadas pelo Governo de Montevidéu.
Acolhendo tais reclamações, o Governo do Rio de Janeiro enviou o Conselheiro José
Antônio Saraiva como emissário junto ao Uruguai, a fim de resolver a questão, com poderes para
exigir a reparação dos prejuízos causados aos brasileiros.
Saraiva começou tentando a solução pacífica da contenda, conseguindo, para tanto, a
intermediação do Ministro das Relações Exteriores da Argentina.
A nova realidade no Rio da Prata fez convergirem os interesses do Império do Brasil e da
República Argentina, após décadas desentendimentos. Para ambos, interessava a vitória do
Partido Colorado, ao contrário do Paraguai, que apoiava o Blanco, com a intenção de obter a sua
desejada saída para o oceano, vital para o desenvolvimento do país e para o estabelecimento do
Paraguai Maior.
Instalou-se uma crise com o Brasil e, após esgotadas as possibilidades de resolvê-la por
negociação, o diplomata brasileiro encarregado da questão consultou Bartolomeu Mitre,
Presidente da Argentina, para quem também o Governo Blanco constituía um problema, sobre a
possibilidade de participar de uma intervenção armada. Mitre responde negativamente,
preferindo manter a neutralidade, o que equivale a lucrar com a situação, deixando o Brasil
sozinho contra a eventual represália.
46
Na política uruguaia, os colorados, membros do partido de oposição ao então Governo,
do partido Blanco, apoiados por Mitre, permitiram que os mesmos se organizassem militarmente
na Argentina, de onde invadem o Uruguai em 1863, iniciando uma guerra civil no país.
O Presidente uruguaio, tentando criar um ponto de equilíbrio de forças no Prata,
estabelece o eixo Montevídéu-Assunção, ao qual se poderiam associar as províncias argentinas
dissidentes do Governo central.
Nas divergências entre o Governo brasileiro e o Presidente Anastácio Aguirre, Solano
Lopez se ofereceu como mediador, mas sua proposta foi ignorada da mesma forma que um
ultimato enviado anteriormente, ameaçando o Brasil de reação armada caso interviesse no
Uruguai.
O Governo Blanco do Uruguai se mostrou inflexível, quanto às exigências do Brasil, que
desencadeia a Guerra contra Aguirre. Após vários combates, instalou-se o Governo Colorado de
Venâncio Flores.
♦ Paraguai
O Império do Brasil mantinha relações diplomáticas bem satisfatórias com o Paraguai, já
que havia sido o primeiro país da América latina a reconhecer a sua independência. Foi graças
também, à diplomacia brasileira que os desejos expansionistas das Províncias Unidas do Rio da
Prata e da Confederação Argentina não lograram êxito em relação à soberania e à integridade
territorial paraguaias.
Solano López acreditou estar suficientemente bem preparado para a guerra, já que, à
época, era o país mais armado da América do Sul: possuía um Exército de 80.000 homens,
equipamentos adquiridos na Europa, esquadra composta de 23 vapores e chatas, sistema de
defesa assentada nos fortes de Itapiru, Curuzu, Curupaiti e Humaitá, fábricas de material bélico,
ferrovia Assunção-Paraguai e rede telegráfica. A limitação paraguaia era a de não possuir acesso
para o mar, o que restringia o desenvolvimento do comércio, realizado através ao porto de
Buenos Aires. López acreditava na necessidade de romper o cerco geográfico a que estava
submetido seu país.
Em decorrência da intervenção brasileira no Uruguai, presidido por Aguirre, Lópes
aprisionou o navio brasileiro “Marquês de Olinda”, invadiu a província de Mato Grosso em fins
de dezembro de 1864 e declarou Guerra ao Brasil.
O Governo do Paraguai, não conseguindo autorização de passagem por território
argentino para atacar o Sul do Brasil, invadiu o território argentino em 13 de abril de 1965.
Como consequência desses acontecimentos, foi assinado o Tratado de Tríplice Aliança
em 1º de maio de 1865, entre o Brasil, a Argentina e o Uruguai.
47
Iniciou-se, então, a sangrenta guerra, que duraria cinco anos.
♦ Conclusão Parcial
• A Argentina ressentia-se das lutas internas entre os unitaristas de Buenos Aires e os
federalistas das províncias do interior.
• O Brasil dispunha de uma esquadra adestrada e experiente em conflitos platinos. Parte
do seu Exército encontrava-se disperso e distribuído no território brasileiro, realizando missões
de Garantia de Lei e de Ordem e seu Exército do Sul, comandado pelo Brigadeiro Manuel Luiz
Osório estava estacionado no Uruguai; no entanto contava com a potencialidade de fazer ampla
mobilização e de realizar uma guerra de longa duração.
• O Uruguai estava em plena guerra civil entre blancos e colorados.
• O Paraguai preparava-se para guerra, tendo Lópes formado e treinado seu Exército,
construído fortalezas e extensas trincheiras para sua defesa e armazenado armamento e
munições.
O Tratado de Tríplice Aliança, 1º de maio de 1865
O ato de assinatura ocorreu em Buenos Aires a 1* de maio de 1865, após as hostilidades
de López contra a República Argentina. O Tratado aliou a Argentina e o Uruguai ao Brasil na
guerra que o Ditador paraguaio havia empreendido contra o Império. Os seus termos
estabeleceram convenções militares para coordenação das operações; políticas, para assegurar a
paz na Bacia do Prata e econômicas, para organizar as despesas de guerra e a navegação fluvial.
O Tratado determinava o seguinte:
Art. 1° - Fixava uma aliança ofensiva e defensiva contra o Governo do Paraguai. Desse
modo ficou bem esclarecido ser a guerra contra o Governo e não contra o povo paraguaio.
Art. 2° - Determinava que os aliados concorressem com os meios de guerra segundo o
necessário.
(A redação desse artigo era muito vaga: não determinava quem julgaria “o necessário”?)
Art. 3º - Estabelecia que o Comandante em Chefe seria do General Bartolomeu Mitre
sempre que as operações tivessem lugar nos territórios argentino e uruguaio.
(Firmava o princípio de reciprocidade para o Comando-em-Chefe, caso as operações
passassem para o território brasileiro ou oriental. A esquadra aliada operaria sob o comando de
Vice-Almirante Marques Lisboa, Visconde de Tamandaré: o artigo designava os comandantes de
Exército pelos nomes).
48
As forças marítimas dos aliados ficarão
sob o imediato comando do
Vice-Almirante Visconde de Tamandaré,
Comandante Chefe da Esquadra
de Sua Majestade o Imperador do Brasil.
FORÇAS TERRESTRES
MITRE
Ex de
Osório
Div
Brasileira
Ex de
Flores
Ex de
Mitre
Div
Oriental
Div
Argentina
FORÇAS NAVAIS
TAMANDARÉ
ARGENTINAS
BRASILEIRAS
Observações sobre o Art. 3º
• O Brasil sendo o mais forte, populoso e dispondo de grande esquadra, sobre ele
fatalmente recairiam os maiores ônus da guerra, apesar de ser o menos vitalmente ameaçado pelo
expansionismo paraguaio
• Previa a separação dos comandos terrestres e navais numa guerra em que era essencial a
coordenação das operações.
• Determinava recair o Comando em Chefe das forças terrestres sobre um Comandante de
Exército que ainda não estava organizado e, quando o fosse, não teria o maior efetivo.
• Reconhecia não ter sido separado o problema de Direção de Guerra do de Comandante
em Chefe.
• Acumulava o Comando-em-Chefe e o Comando do Exército.
• Expunha não se ter constituído um Estado-Maior para o Comandante-em-Chefe, ou pelo
menos, um Conselho de Guerra permanente para assisti-lo nas suas tarefas de coordenação.
b. Justificativas
Políticas: ascendência do Gen Bartolomeu Mitre e Gen Venâncio Flores sobre o
Brigadeiro Manoel Luiz Osório e Vice-Almirante Marques Lisboa, Visconde de Tamandaré,
uma vez que os primeiro eram também Chefes de Estado. Facilitação do estabelecimento da
Aliança.
Psicológicas: busca da simpatia das populações argentina e uruguaia e concessão de uma
posição de relevo ao General Flores, confiando-lhe um Comando, que era, na forma, da mesma
importância que o de Mitre.
Econômicas: cooperação de Mitre e dos argentinos, de modo geral, no apoio logístico
dos Exércitos Aliados.
A questão da falta de unidade de Comando aliado durante o Comando do Gen Bartolomeu
Mitre e Presidente da Argentina
49
Rendição do Coronel Estigarríbia em Uruguaiana
A rendição do Coronel Antonio de La Cruz Estigarríbia ocorreu em 18/09/1865, pouco
depois de os aliados terem obtido sua primeira vitória terrestre na guerra: o Gen General
Venâncio Flores, comandando o “Exército de Vanguarda”, composto por 4500 argentinos, 2440
uruguaios e 1450 brasileiros, destroçou o destacamento do Major Duarte, em Jataí (17/08/1865),
na margem argentina do Rio Uruguai, próximo a Passo de Los Libres, em frente a Uruguaiana,
onde estava Estigarríbia, que, mesmo avisado, não tentou cruzar o rio para apoiar seu
companheiro, Major Duarte, em Jataí, como previra o plano original.
Estigarríbia havia entrado em Uruguaiana a 05/08/1865, tendo se entricheirado na Cidade
(o que também contrariava o plano de Solano Lopez), deixando-se sitiar pelos brasileiros,
mesmo antes da batalha de Jataí.
Após essa vitória, as forças de Flores cruzaram o rio e incorporaram-se ao sítio de
Uruguaiana e, quando era iminente o ataque aliado àquela Cidade, Mitre transferiu-se para o
posto de Comando, o qual pretendeu assumir, apesar de ser território brasileiro, alegando que se
tratava de uma perseguição ao inimigo, iniciada em território argentino. Essa situação não foi
aceita pelo General Conde de Porto Alegre, recém-nomeado para o Comando do Exército em
operações no Rio Grande do Sul. O mal-estar foi desfeito pela chegada do Imperador que, por
aquele momento, assumiu o comando, e por consequência a rendição de Estigarríbia.
Esse fato demonstra que Mitre procurou engrandecer o seu papel e o da Argentina no
contexto da guerra, em uma operação já próxima a um desfecho favorável, da qual não
participara.
Batalha de Tuiuti
Na Batalha de Tuiuti, Mitre negou a solicitação de Osório em perseguir os guaranis:
Osório adoentado, ferido e desgostoso retirou-se passando o Comando ao Gen Polidoro da
Fonseca Quintanilha Jordão, depois Visconde de Santa Teresa.
As divergências entre Mitre e alguns chefes brasileiros, principalmente Tamandaré e
Porto Alegre, que já eram grandes, aumentaram desde então e, nos preparativos do desembarque
em Curuzu, Mitre ameaçou deixar o Comando-em-Chefe, mantendo apenas o comando da tropa
argentina, caso Porto Alegre realizasse a manobra de forma autônoma, sem responder ao
Comando superior.
Conselho de Guerra após a batalha de Tuiuti
50
Um Conselho de Guerra solicitado por Flores a Mitre para avaliar a situação resultante
daquela batalha, contou com a participação de Mitre, Flores e Osório.
Mitre expôs que, embora fosse o Comandante-em-Chefe pelo Tratado, por ocasião de sua
assinatura, havia sido acertado verbalmente que as operações importantes deveriam ser
combinadas entre os três comandantes aliados. Lembrou ainda que, como a Esquadra imperial
não estava sob seu Comando, seu Chefe deveria ser comunicado do resultado do Conselho de
Guerra para que observasse as sugestões do Conselho.
O historiador Francisco Doratioto considera essa postura pragmática e leal e assinala que
Tasso Fragoso a classifica de abdicação do presidente argentino de sua condição de
Comandante-em-Chefe. Cabe lembrar que Mitre era um estadista e parecia reconhecer não ter a
mesma competência militar dos outros dois comandantes e que, durante a batalha de Tuiuti, os
argentinos estiveram em grande perigo, tendo sido salvos por Osório – a maior figura do dia, que
circulou a cavalo por todo o campo de batalha, combatendo e assegurando a vitória aliada.
Segundo Doratioto, foram tomadas algumas medidas por iniciativa de comandantes
subordinados, que contrariavam as intenções de Mitre. Um exemplo disso foi a proposta do
Visconde de Tamandaré ao Conde de Porto Alegre, para transportar para Tuiuti o seu 2ºC Ex, o
que contrariava a intenção do Comandante-em-Chefe. Porto Alegre pediu, então, a Mitre um
Conselho de Guerra para apreciar o assunto, que ele acabou por concordar com a manobra para
evitar problemas na aliança, renunciando ao plano previsto no tratado, qual seja o de usar as
tropas de Porto Alegre num largo movimento estratégico.
Batalha de Curuzu
As divergências entre Mitre e alguns chefes brasileiros, principalmente Tamandaré e
Porto Alegre, que já eram grandes, aumentaram desde então e, nos preparativos do desembarque
em Curuzu, em 3 de setembro de 1866, Mitre ameaçou deixar o Comando-em-Chefe, mantendo
apenas o comando da tropa argentina, caso Porto Alegre realizasse a manobra de forma
autônoma, sem responder ao Comando superior.
Conferência na entre Mitre e Solano Lopez em Iataiti-Corá
Durante os preparativos para o ataque aliado a Curupaiti, houve uma conferência
solicitada por Lópes, na “terra de ninguém” em Iataiti-Corá a 12 de setembro de 1866, entre
Mitre e López.
51
A solicitação do Chefe paraguaio deveria incluir os três Comandantes aliados que, em
reunião, decidiram a sua aceitação por Mitre e Flores, visto que Polidoro se recusara a
comparecer, em obediência a uma instrução brasileira.
O encontro acabou sendo atendido apenas por Mitre, porque Flores se retirou logo no
início por ter entrado em discussão com Lopez. O fato fez aumentar as desconfianças para com
os argentinos apesar de, segundo Mitre, em 5 horas de reunião, ele ter recusado várias propostas
de retirada da Argentina da guerra. Houve, além disso, um efeito útil para os paraguaios: tiveram
mais tempo para reforçar as suas fortalezas e a defesa de Curupaiti.
Batalha de Curupaiti
As acusações recíprocas resultantes da derrota na tentativa de conquistar a fortaleza de
Curupaiti, em 22 de setembro de 1866, causaram grande perturbação entre o Comandante em
Chefe e seus subordinados.
O relacionamento de Tamandaré com Mitre ficou tão abalado que pôs em risco a própria
condução da guerra, mas a maioria das acusações, no campo estritamente militar, pesou sobre
Polidoro, que não teria atendido ao sinal para avançar com a tropa de reserva.
Alarmado com a repercussão do desastre, o Ministério argentino autorizou Mitre a
negociar com o Paraguai a trégua ou a paz definitiva, com prévio entendimento com o Brasil e o
Uruguai. O conhecimento dessa medida causou grande desconfiança no Brasil contra os
argentinos, e mesmo um influente diplomata, José Mármol, escreveu a Mitre defendendo a
retirada Argentina da guerra, o que Mitre recusou pelos seguintes motivos:
• questão de princípios: não cumprir um acordo internacional seria a desonra argentina;
• aspectos pragmáticos: se a Argentina rompesse a aliança teria como alternativas, ou
manter-se neutra, esperando que o Império levasse a guerra adiante para tirar vantagens ou aliarse a López. Qualquer uma dessas possibilidades comprometeria o futuro argentino, pois “se o
Paraguai triunfasse sobre o Brasil, nos tornaria sós e debilitados, e se o Brasil triunfasse sobre o
Paraguai, ficaria com as vantagens e nos faria pagar, com justiça, as conseqüências de nossa
fraqueza”.
Conclusão
A questão de falta de unidade de comando aliado no início da campanha do Paraguai
encontra-se caracterizada principalmente pelos seguintes fatos:
♦ o Comando em Chefe dos aliados ser atribuído a um Presidente em exercício da
Presidência da Argentina cumulando as responsabilidade de Comandante do Exercito argentino;
52
♦ a ascendência de Mitre, Comandante do Exército argentino; e Flores, Comandante do
Exército uruguaio sobre Osório, Comandante do Exército brasileiro e Tamandaré, Comandante
da Esquadra, uma vez que os primeiro eram também Chefes de Estado;
♦ a falta de separação do problema de Direção de Guerra do Comandante em Chefe;
♦ a falta de organização de um Estado maior para o Comandante em Chefe;
♦ a abdicação pelo Gen Mitre da sua condição de Comandante-em-Chefe, ao aceitar a
formação de um Conselho de Guerra para tomada de decisões;
♦ a não participação do Comandante a Marinha Aliada do Conselho de Guerra;
♦ a negativa de Mitre à solicitação de Osório para perseguir os guaranis;
♦ a Conferência entre Mitre e Solano López em Iataiti-Corá, contrariando o texto do
Tratado da Tríplice Aliança;
♦ as divergências e acusações recíprocas resultantes da derrota em Curupaiti,
♦ a diferença na formação, preparo e experiência profissional em campanha do
Comandante-em-Chefe e do Comandante do Exército uruguaio em comparação ao Comandante
da Marinha Aliada e do Comandante do Exército brasileiro
Bibliografia
DONGHI, Halperin. História da América Latina. Trad. Coutinho, Nelson. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1975.
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
FRAGOSO, Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Vol. I, II e III.
Rio de Janeiro: Imprensa do Estado-Maior do Exército, 1934.
FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos anos de História do Brasil. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 2000.
FUNDAÇÃO PARQUE HISTÓRICO MARECHAL DE EXÉRCITO MANOEL LUÍS
OSÓRIO. Porto Alegre (RS).
MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai – Como Construímos o Conflito. São Paulo:
Editora Contexto, 1998.
TELESCA, Ignacio (Coord.). Historia del Paraguay. /Paraguay/Taurus historia /2010/.
WASSERMAN, Claudia (Coord.). História da América Latina; cinco séculos. 3.ed. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
53
AS DIFICULDADES DE UNIDADE DE COMANDO ALIADO NO INÍCIO DA GUERRA
DO PARAGUAI – 1864-1866
Prof. Dr. Braz Batista Vas3
Quanto ao evento conhecido como Guerra do Paraguai, vários projetos de memória
sacralizam ou obscurecem variações de um mesmo tema. Seja na duração ou nos elementos que
se destacaram por qualquer ato, fato ou façanha, guerras e conflitos têm o que comumente se
chama de momento decisivo. Este pode ser apenas um ou vários num mesmo evento histórico à
razão do prisma historiográfico com que é decomposto e estudado em seus detalhes. Trata-se,
assim, de um grande desafio, do qual procuraremos discorrer sobre os problemas de unidade de
comando aliado, que compõe alguns desses momentos decisivos, reais ou potenciais, em
pequena e em grande escala.
A Guerra do Paraguai, um dos maiores eventos bélicos da América no transcurso do
século XIX, por sua duração e crueza dos fatos, teve alguns desses momentos ‘decisivos’, que,
nas suas múltiplas possibilidades, enveredou pela indefinição quanto à sua rápida conclusão. A
guerra principiou entre novembro e dezembro de 1864 e se arrastou até março de 1870, quando
da morte do presidente paraguaio Francisco Solano López.
A cosmologia historiográfica sobre a Guerra do Paraguai é vasta e bastante diversa, e,
como tal, por ser um evento marcante, suscitou uma ampla gama de reflexões e análises, que, ao
sabor e com o tempero de seu tempo, marcaram de forma indelével as construções e
reconstruções culturais a respeito. Além da documentação oficial produzida pelo e para o
conflito, este gerou uma série de relatos, reminiscências, rememorações, histórias oficiais e
oficiosas, representações, leituras e releituras que compõem uma rica e profusa historiografia
específica sobre esse evento histórico.
Vários estudos sobre a Guerra do Paraguai visam ou geram o congelamento de certas
memórias ou histórias, sejam estas construídas ficcionalmente ou não. Esse congelamento, esse
“fundamentalismo da memória”,4 autoriza a exibição de um passado exemplar, de uma visão
cristalizada e escrava dos determinantes históricos que a geraram sem esclarecê-las totalmente. O
3
Doutor em História pela UNESP-Franca; Professor Adjunto da Universidade Federal do Tocantins - UFT; Membro
do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Violência – NUPEV; Membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança
Internacional e do Grupo História e Ensino.
4
TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: temporalidade, experiência e narração. Passo Fundo: ed.
UPF; Caxias do Sul: EDUCS, 2004, p. 80.
54
tema Guerra do Paraguai em si não tem sido muito divulgado em sua nova fase historiográfica;
por exemplo, livros didáticos que incorporaram muitas teses da historiografia revisionista das
décadas de 1970 e 80 tardam em absorver a vanguarda historiográfica atual sobre o conflito.
Diversos aspectos extremamente relevantes desse conflito, seja na história cultural,
política e até econômica, ficaram em estado de latência até quase o fim da década de 1980,
quando outros estudos começaram a surgir. Dessa feita, é significativo para o debate
historiográfico em torno desse tema o estudo de aspectos diplomáticos, político-militares e suas
inter-relações, na esteira do avanço historiográfico em curso. Noutro exemplo dessa dinâmica,
verifica-se que os primeiros heróis de guerra, pela conjuntura e pelo desenrolar dos fatos,
serviram mais aos propósitos republicanos do que propriamente à monarquia. Esta última se
enveredou por uma espiral de crises, culminando em seu fim. A monarquia não soube se
assenhorear das imagens dos ditos heróis de guerra, ou dos feitos da guerra, com a mesma
destreza e oportunidade com que o fizeram aqueles que os pintaram,5 a exemplo de Pedro
Américo, ainda no período monárquico. Essa guerra esteve, desde o seu início, calcada numa
lógica de apropriação de espaços perdidos ou ainda em disputa, seja esse espaço no campo
político, econômico-comercial ou meramente territorial.
Também chamada de Guerra Guaçu ou Guerra Grande ou — como Caxias a chamou —
Guerra Maldita6, não foi uma simples guerra: foi a principal grande guerra envolvendo países da
região platina, a saber, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai; um conflito que marcou
profundamente os rumos das nações que o levaram a cabo, com soma elevada de perdas
humanas, alterações na configuração geográfica da porção meridional da América do Sul, abalos
estruturais político-econômicos nas nações contenciosas (no caso do Paraguai, foi uma mudança
drástica) e influências nas esferas sociais, no âmbito cultural e nos ideários nacionais.
Em 1864, quando o conflito começou, o Império necessitava reforçar suas bases políticas.
Para tal, eram necessárias vitórias rápidas e efetivas, o que não se verificou com a guerra contra
o Paraguai, pois a resistência paraguaia e a ineficiência dos aliados fizeram os combates se
arrastarem por mais de cinco anos. O Brasil encontrava-se totalmente desaparelhado para um
esforço de guerra dessa magnitude e, devido a isso, necessitou mobilizar recursos, humanos e
materiais, nunca antes despendidos e de uma forma muito diferente dos conflitos aos quais se
envolvera até aquele momento.
5
Pedro Américo, com seu quadro Batalha de Campo Grande, ao mesmo tempo em que celebrava um herói de
guerra e membro da família real — o conde d’Eu —, promovia seu nome e seu trabalho como pintor.
6
Cf. DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
55
A Guerra do Paraguai é um evento de suma importância na história, pois foi o ponto de
partida para o fortalecimento e a relativa “modernização” do Exército brasileiro como
instituição, com reflexos marcantes na sociedade, e que deu outros rumos à história militar
brasileira. Trata-se de um momento extremamente peculiar da história militar nacional na
segunda metade do século XIX.
O século XIX, portanto, é marcante na vida militar brasileira, tanto pela independência
quanto pelos eventos bélicos em que o Brasil se viu envolvido. É no século XIX que se dará
realmente a consolidação das forças militares terrestres e navais, processo este em contínua
construção. No dizer de Ricardo Salles,
A Guerra do Paraguai se constituiu numa das primeiras experiências de
guerra total, coletiva, moderna e nacional do mundo contemporâneo.
Um tipo de guerra em que as cinco dimensões do Estado apontadas por
Smith (1992) estariam claramente presentes e em que o conjunto das
sociedades envolvidas fosse afetado de modo significativo. Assim como a
Guerra Civil Americana, a Guerra do Paraguai implicou este esforço
conjunto das principais sociedades protagonistas do conflito. Máquinas
administrativas bélicas, direta ou indiretamente sob o controle do
Estado, foram montadas para apoiar a ação militar de exércitos
baseados no recrutamento universal para alimentar o esforço de guerra
que visava à destruição completa do adversário, pronunciando a guerra
total de 1914.7
Assim, as experiências militares provenientes da guerra civil dos Estados Unidos, além
de jogarem por terra a concepção napoleônica de “batalha decisiva”, alcançaram a Guerra do
Paraguai em seus anos finais. O esforço de guerra criou problemas que, na maioria das vezes,
não foram equacionados de maneira estratégica e taticamente satisfatória. A princípio,
acreditava-se numa guerra rápida — como diz Figueira:
Acreditava-se naquele momento que a guerra seria rápida. Os dois lados
tinham essa convicção. López estava otimista: tinha uma confiança
ilimitada no soldado paraguaio e não acreditava no potencial militar do
Brasil. Por sua vez, o otimismo dos aliados pode ser avaliado pela
proclamação de Mitre ao falar a uma multidão em Buenos Aires, no dia 16
de abril de 1865: “Em 24 horas aos quartéis, em três semanas em
Corrientes, em três meses em Assunção!”.8
7
SALLES, Ricardo. Memórias de guerra: Guerra do Paraguai e narrativa nacional. História, São Paulo:
Universidade Estadual Paulista/UNESP, v. 16, 1997, p. 134–5.
8
FIGUEIRA, Divalte Garcia. Soldados e negociantes na Guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas FFLCHUSP; FAPESP, 2001, p. 23.
56
Porém, a guerra se mostrou demorada, em renhidos combates com vantagem paraguaia
até quase o fim de 1865 e o posterior avanço aliado — tortuoso e intercalado por períodos de
inação e reorganização das forças até a ocupação da capital paraguaia, Assunção, entre o fim de
1868 e o início de 1869. Na sequência, quando a guerra parecia ganha, o inimigo paraguaio
persiste, e o conflito se estende por mais um ano.
O Brasil da segunda metade do século XIX, com população estimada em quase dez
milhões de habitantes, estava em profunda transformação, sobretudo sua economia, que crescia
na esteira da produção cafeeira. O país crescia e se desenvolvia na vida política, com a
estabilidade construída no segundo reinado, no florescimento e crescimento cultural e na política
externa, com uma fase marcadamente mais presente quanto aos acontecimentos do cone sul,
dentre outros aspectos.
Politicamente, o predomínio saquarema — ou conservador — estendeu-se praticamente de
1848 a 1862, quando os liberais voltaram ao controle político. Entre 1862 e 1868, dissidentes
conservadores e liberais assumiram o comando político, com a posterior predominância liberal. Foi o
período de criação do Partido Liberal Progressista ou ‘liga progressista’9. Dessa forma, com os
conflitos internos controlados e a realização das reformas pendentes, o governo imperial pôde voltar
sua atenção aos assuntos externos, notadamente os da região platina. O Brasil imperial, após debelar
uma série de revoltas internas e tendo superado o período de regência, passou a um momento de
mudança de rumos quanto a sua atuação direta no contexto regional e sub-regional da Bacia do Rio
da Prata.10 Além disso, foram condicionantes da política brasileira de limites de fronteira no século
XIX, segundo Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, as seguintes variáveis:
a) consolidação prévia do Estado Nacional; b) tardio despertar da
consciência pública ante o problema; ausência de um mito de fronteira,
com capacidade de determinação sobre a política; percepção do significado
da fronteira no quadro da idéia de nacionalidade, nutrida pelo mito da
grandeza legada; e) redução da questão à sua dimensão jurídico-política; f)
elaboração de uma doutrina que vinculasse coerentemente os limites àquela
idéia de nacionalidade; g) pouca interferência do sistema produtivo, que se
expandia voltado para dentro (açúcar, café) ou preservando a ocupação
interior (gado, mineração, borracha).11
9
A partir de 1862, alguns membros do partido conservador, descontentes com seu partido, formam uma facção
política dissidente, a ‘liga progressista’, que sobrevive de 1862 a 1868, quando este grupo se une ao Partido Liberal.
Destacaram na ‘liga progressista’ Nabuco de Araújo, João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, José Maria Saraiva,
João Lustoza da Cunha Paranaguá e Zacarias de Góis e Vasconcellos.
10
Cf. FERREIRA, Gabriela Nunes. O rio da Prata e a consolidação do Estado imperial. São Paulo: Hucitec,
2006.
11
CERVO, Amado L.; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 2. ed. Brasília: ed. UnB, 2002,
p. 90.
57
A estabilidade política interna alçou o país a uma nova etapa do seu processo de consolidação
nacional, agora dedicando atenção à consolidação jurídica, diplomática e territorial das delicadas
controvérsias fronteiriças e político-econômicas quanto à livre navegação e ao acesso à província de
Mato Grosso. Por esse período, destacam-se a guerra contra Oribe e Rosas (1851–2), a campanha
contra Aguirre (1864–5), além da Guerra do Paraguai (1864–70).
Do princípio da vida independente até meados do século XIX, a organização militar do
Império do Brasil ainda não contava, em sua estrutura organizacional-corporativa, com um
espírito da profissionalização de seus quadros, racionalização de procedimentos, condutas e
estímulos próprios ao fazer militar. A constituição e composição das forças militares do estado
imperial sofreram importante reordenação a partir do segundo reinado, de tal forma que,
Com a maioridade, a Coroa procedeu a uma ordenação institucional por
meio de diversas políticas, entre as quais a política de terras, de mão-deobra, tributária, monetária e creditícia, empreendendo ainda uma
política específica de reestruturação das forças militares. O Exército,
nesse processo, era resgatado como um dos braços do poder central no
combate às rebeliões provinciais e, o que é mais importante, sua própria
estrutura interna articulava uma rede burocrática cuja hierarquia
reproduzia pela sociedade valores e princípios políticos que
rearticulariam os antigos privilégios e demarcações de origem social.12
Essa dinâmica afastou a instituição do exército de linha como possível via de ascensão
social e afastou o próprio exército do caminho rumo a uma estrutura militar eficiente para o seu
fim específico. A atenção ao contingente e à infraestrutura necessária ao seu funcionamento se
tornou pontual, na medida em que eram privilegiadas essencialmente algumas zonas de conflito,
a exemplo da Corte e da região Sul. A corte, por ser o centro político do Império; a região Sul,
pela potencialidade dos conflitos internos, haja vista a memória da revolução farroupilha e as
indefinições fronteiriças, questões quanto à navegação pelo sistema fluvial platino e potencial
econômico regional. Na acepção de José Murilo de Carvalho, após o período regencial, em
meados do século XIX, estavam lançadas as bases de “construção da ordem”13 do Estado
monárquico brasileiro. Desse modo, o projeto conservador de uma força militar para o Estado
monárquico privilegiou a criação e manutenção de uma força mais suscetível às barganhas
políticas, do nível local ao nacional, como a Guarda Nacional, em detrimento de uma
distribuição mais homogênea, capilar e estruturada do Exército de linha pelo restante do país.
12
SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico sobre a política
militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999, p. 38.
13
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro das sombras: a política
imperial. Rio de Janeiro: ed. UFRJ; Relume Dumará, 1996, p. 229–39.
58
Nesse contexto, a porção meridional da América do Sul passou a demandar mais atenção
e preocupações por parte do governo imperial. A Província Cisplatina — como queria o Brasil
— ou a República Oriental do Uruguai sempre esteve diretamente ligada a disputas pelos
interesses de atores maiores do cone sul, quais sejam, Brasil e Argentina, ou mesmo antes, pelos
interesses de portugueses e espanhóis na região. Essa estreita ligação foi determinante no
desenrolar de diversos fatos e eventos históricos, dos quais muitos confluíram depois para a
guerra e a participação uruguaia nesta contra o Paraguai.
O Uruguai, desde a colonização, foi fruto de uma longa disputa. Primeiro entre Portugal e
Espanha, depois entre Brasil e Argentina. Em 1821, o Uruguai foi anexado ao Reino Unido de
Brasil, Portugal e Algarves sob a designação de Província Cisplatina, mas logo em 1825 ocorre
um levante da Banda Oriental (Uruguai) contra as leis brasileiras, e de 1825 a 1828 se desenrola
uma guerra entre as Províncias Unidas (Argentina) e o Brasil pela posse da Banda Oriental. Essa
questão foi resolvida em 1828, com a intermediação inglesa, no evento conhecido como Guerra
Cisplatina. Estabeleceu-se, então, a independência da Banda Oriental como República do
Uruguai, um estado frágil que, embora independente, sofria constantes intervenções brasileiras e
argentinas, direta ou indiretamente, sobre sua organização política. Foi justamente uma dessas
ingerências que desembocou na guerra com o Paraguai.
As intervenções se davam em geral para apoiar uma das facções que disputavam o poder
no Uruguai, Blancos e Colorados. Em 1864, estavam no controle político do Uruguai os
Blancos, consubstanciados na figura do então presidente Bernardo Berro, eleito em 1860. Berro
adotou uma postura mais dura e rigorosa em relação à presença e penetração brasileira em terras
uruguaias, o que descontentou seriamente aos rio-grandenses que tocavam seus negócios com
ampla liberdade na fronteira entre ambos os países. As preocupações rio-grandenses, dessa feita,
rapidamente chegaram à Corte, e o Império designou, em maio de 1864, José Antonio Saraiva
para mediar à questão com o Uruguai. Pouco antes de Saraiva ser indicado, no Uruguai,
Bernardo Berro renuncia à presidência e transfere o controle do poder executivo a Atanasio
Aguirre, então presidente do Senado, também membro do partido blanco.
A alteração de nomes na presidência uruguaia não mudou as preocupações do Brasil
quanto ao desenrolar da política naquele país. Essa situação movimenta as forças políticas
uruguaias, e “[...] o partido Blanco, no poder no Uruguai, vai procurar aproximação com o
Paraguai para, em conjunto, tentarem enfrentar possíveis pressões dos vizinhos maiores”14. A
atuação de Saraiva em Montevidéu, com uma esquadra brasileira, sob o comando de Tamandaré,
14
MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai — como construímos o conflito. São Paulo: Contexto,
Cuiabá (MT): ed. UFMT, 1998, p. 67.
59
a lhe garantir capacidade de pressão, atingiu seu ápice num ultimato apresentado ao governo
uruguaio para que este garantisse os interesses brasileiros. Aguirre, por sua vez, afiançou-se de
sua aproximação com o Paraguai como um novo elemento a se tornar atuante na geopolítica
platina.
Na sua atuação na crise uruguaia, Saraiva, em julho de 1864, não se sentiu seguro quanto
à organização do exército ao longo da fronteira entre Rio Grande do Sul e Uruguai e logo
Tamandaré foi instado pelo Império a posicionar a frota brasileira diante dos uruguaios. Em 6 de
agosto de 1864 Saraiva comunicou o ultimatum brasileiro ao governo uruguaio. A 22 do mesmo
mês Saraiva e Rufino Elizalde, representante argentino, entraram em acordo quanto a atuação
dos dois países em relação ao Uruguai. Com a missão de Saraiva encerrada, este retornou a corte
deixando no Uruguai suas instruções sobre as ações que deveriam se seguir.
Tamandaré passou a gerenciar a situação. Estabeleceu uma aliança, por conveniente, com
Flores em 20 de outubro de 1864, chamado de acordo de Santa Lucia15 - em função do local
onde se desenrolaram tais conversações - antes de iniciar suas ações, seguindo as instruções
imperiais. Todavia, por terra, uma brigada da força comandada por Mena Barreto promoveu uma
incursão contra uma localidade uruguaia alguns dias antes, em 12 de outubro16. A ação por terra
colaborou na consolidação da aliança com Flores. Durante esta crise no Uruguai não houve
unidade quanto à postura brasileira nos meios políticos imperiais.
No Uruguai, o Comando Supremo das forças terrestres e navais foi exercido por
Tamandaré, que, atuando como chefe diplomático e militar, pendeu a solução militar para esta
campanha.
Em função do contato com o Paraguai, Aguirre recusou-se a ceder à pressão brasileira, o
que motivou a aplicação do ultimato brasileiro. Diante das recusas de Aguirre, a partir de 12 de
setembro de 1864 o Brasil avançou sobre o território uruguaio.
Devido às gestões político-diplomáticas brasileiras e argentinas no Uruguai e,
posteriormente, à intervenção brasileira nesse mesmo país, os fatos se precipitaram no final de
1864. Em 16 de outubro, o Exército brasileiro invade a Banda Oriental, a despeito dos protestos
de Solano López. Com a questão uruguaia, o Paraguai declara um casus belli com o Império
15
FRAGOSO, Augusto Tasso. História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2. ed. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1956, p. 167, v. I; Doratioto, 2002, p. 63; BITTENCOURT, Armando de Senna. O
Almirante Tamandaré na Campanha Oriental. In: Tamandaré. Rio de Janeiro: Diretoria do Patrimônio Histórico e
Documentação da Marinha, 2009. p. 65.
16
Fragoso, 1956, p. 169, v. I.
60
brasileiro, despachando a 4 de dezembro uma coluna expedicionária para invadir a província do
Mato Grosso.
A 12 de novembro de 1864, o Paraguai capturou o navio mercante brasileiro Marquês de
Olinda, em que se encontrava o presidente da província do Mato Grosso, a caminho de Corumbá.
Esta foi uma resposta à intervenção brasileira no Uruguai. A seguir, as relações diplomáticas
com o Brasil foram rompidas; o passo seguinte foi invadir o Mato Grosso. Após a apreensão do
vapor mercante brasileiro, em 13 de dezembro de 1864, o Brasil entra em estado de guerra contra
o Paraguai. A formalização da declaração de guerra brasileira só se efetiva em 27 de janeiro de
1865. Por sua vez, o apresamento de dois navios de guerra argentinos e a invasão da cidade de
Corrientes forneceu a Mitre o respaldo necessário para uma aliança com o Brasil sem provocar
gritaria política na frágil organização nacional argentina.
Solano López manteve as posturas recentes de seu pai em relação ao Brasil, que logo
após a aliança para derrotar Rosas considerou as pretensões brasileiras em relação às disputas
fronteiriças desfavoráveis ao Paraguai, repelindo qualquer tratativa a respeito. Diante das
potenciais ameaças de Brasil e Argentina, Solano López não via alternativa além da solução
militar. Faltou-lhe, no entanto, nesse jogo geopolítico, a habilidade de explorar a rivalidade entre
Brasil e Argentina e as próprias divisões internas da Argentina, como forma de compensar a
ausência de superioridade militar ante os dois futuros inimigos. Pareceu-lhe apenas ser
necessário aguardar um momento ou fato oportuno para pôr em prática suas intenções; e eis que
o Uruguai lhe favoreceu com o que precisava.
O Paraguai havia feito acordos de mútua cooperação com a facção blanca; a Argentina e
o Brasil apoiaram os Colorados. Para garantir seus interesses, a Argentina convenceu o Brasil,
que também tinha planos em relação ao Uruguai, a intervir militarmente no Uruguai para depor o
governo blanco em 1864, pois este não atendia aos anseios dos planos brasileiros e argentinos
para aquela localidade. Com uma resposta ao ultimato considerada inadequada pelo Império,
mediante a diplomacia da canhoneira e contando com relativa anuência argentina e com o total
apoio do partido colorado, o Uruguai foi tomado de assalto entre setembro de 1864 e fevereiro
de 1865, elevando ao controle político daquele país o colorado Venâncio Flores.
61
Com Venâncio Flores, enfim, tomando o poder em Montevidéu, foi assinada a paz com o
Brasil, e os colorados de novo foram alçados ao poder no Uruguai sob certa tutela brasileira.
Abriu-se, com isso, uma nova temporada de guerras na região.17
Essa intervenção levou o Paraguai a declarar a guerra, primeiro ao Brasil, depois à
Argentina. O Uruguai, à época com uma população estimada entre 250 mil e 300 mil habitantes,
com os colorados então no poder, se aliou ao Brasil e à Argentina por considerar ofensivas as
atitudes paraguaias em relação à região do Prata. Em realidade, foi uma rara conjunção de
interesses do Brasil e da Argentina e a atuação destes no Uruguai que permitiu aos colorados
chegar ao poder. Logo, na inércia política de ambos e tomando o Paraguai como aliado dos
blancos uruguaios, não sobrou alternativa ao Uruguai — diga-se, colorados — a não ser compor
a aliança com o Brasil e Argentina.18
Por outro lado, os blancos uruguaios se mostraram muito eficientes nas artimanhas
diplomáticas para seduzir e envolver o Paraguai quanto a uma possível aliança.
Na verdade, em termos militares, os Blancos tinham pouca coisa a
oferecer ao Paraguai. Era um simples partido no poder, com agudos
problemas internos e desavenças externas. Em termos práticos não
possuíam quase nada para dar em contrapartida ao Paraguai em uma
aliança.19
Todavia, a retórica blanca seduziu Solano López. Ao mesmo tempo, a diplomacia
brasileira no Uruguai praticamente desconsiderou o Paraguai e sua possível conexão com os
problemas internos uruguaios. Militarmente, para garantir os interesses brasileiros no Uruguai, o
Império auxiliou financeiramente a criação e manutenção de um batalhão de soldados
estrangeiros, sediado no Uruguai, chamado batalhão Garibaldino,20 que chegou a participar dos
combates contra os paraguaios.
O Uruguai, a reboque das alterações políticas que lhe foram impostas, figurou, dessa
forma, na aliança militar que se conformou contra o Paraguai como satélite da geopolítica
brasileira e argentina. Também foi o primeiro país dessa aliança a divulgar o teor do tratado
firmado entre os três países a representantes ingleses, que trataram de dar-lhes publicidade.
17
Cf. DORATIOTO, 2002; SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar — 1850–1894.
São Paulo: ed. USP, 1994.; MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai — como construímos o conflito.
São Paulo: Contexto, Cuiabá (MT): ed. UFMT, 1998.
18
MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai — como construímos o conflito. São Paulo: Contexto,
Cuiabá (MT): ed. UFMT, 1998. p. 117–46.
19
Ibidem, p. 79.
20
LACONTE, Wanderlei. Guerra do Paraguai. São Paulo: Ática, 1994, p. 28.
62
A intervenção militar no Uruguai para favorecer o líder colorado não seria prejudicial aos
interesses argentinos, contanto que fosse rápida e não implicasse permanência ou ampliação da
preponderância brasileira naquele Estado. O Brasil, por sua vez, estava relativamente preparado
para intervir militarmente no Uruguai, mas não para responder de imediato à iniciativa militar
paraguaia, que surpreendeu o Brasil e a Argentina. O erro estratégico paraguaio de iniciar uma
guerra contra Brasil e Argentina, com o Uruguai a reboque destes, acrescido das dificuldades de
um esforço de guerra de grandes proporções, em geral fez o conflito se estender por longos anos,
afetando profundamente os estados beligerantes.
Em 1 de maio de 1865 foi assinado o Tratado da Tríplice Aliança, que consolidou a
atuação conjunta de Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. Pelas convenções desse
tratado o presidente argentino Bartolomé Mitre foi designado como comandante-em-chefe das
forças aliadas. A 5 de agosto deste mesmo ano as tropas paraguaias tomaram Uruguaiana, para se
renderem pouco mais de um mês depois as forças brasileiras. Após esse episódio o exército
paraguaio recuou para seu próprio território.
Com a invasão paraguaia, o Brasil se viu obrigado a ampliar e organizar seus
contingentes para rechaçar o invasor. A reação à invasão paraguaia foi emblemática no episódio
do cerco e retomada da cidade de Uruguaiana. Nesse cerco, o Exército foi comandado por
Manuel Marques de Sousa, Conde de Porto Alegre, além da presença de D. Pedro II e do general
Flores, que negociaram e acompanharam a rendição paraguaia. Na sequência desse episódio. em
território argentino, Osório já chefiava outra força brasileira que se organizava para enfrentar os
paraguaios. Ficavam, assim, estruturadas as forças brasileiras e seus comandos: o 1º Corpo de
Exército, comandado por Osório, e o 2º Corpo, comandado por Porto Alegre.
Inicialmente o contingente comandado por Porto Alegre operaria na Província do Rio
Grande do Sul e daria suporte às forças comandadas por Osório, já em território argentino. Com
o avanço das forças aliadas sobre o território paraguaio, esses dois corpos passaram a atuar em
operações conjuntas ou combinadas. As operações que marcaram o início da invasão do
território paraguaio só ocorreram a partir de abril de 1866. Também neste ano o general Polidoro
assumiu o comando do 1º corpo de Exército, substituindo Osório, devido a problemas de saúde
deste último. Sobre esta troca, segundo Doratioto,
Em contraste com Osório, Polidoro era inexperiente em combate e visto
com antipatia pela tropa, devido a sua intolerância. O rigor “feroz” do
novo comandante era tão intenso que muitos oficiais abandonaram o
teatro de operações. Com Polidoro no comando, o 1º Corpo descambou
63
para significativo desânimo, aprofundando o abatimento e o desgosto
que já lavravam pela tropa.21
As operações dos dois corpos de exército brasileiros e da armada, mais Flores
comandando a pequena participação uruguaia e Mitre com o contingente argentino e a aliança
como um todo começaram a apresentar dificuldades, especialmente na relação dos generais
comandantes com Mitre, enquanto comandante-em-chefe, e, no caso brasileiro, entre os generais
da força terrestre e o comando da esquadra.
As relações entre Mitre e Porto Alegre no início da campanha foram marcadas por
discordâncias e desconfianças que beiraram a insubordinação deste último. Segundo Doratioto,
Em ofício datado de 18 de agosto, Mitre deu instruções a Porto Alegre,
recomendando-lhe que agisse sob a direção de Tamandaré. A resposta
do general brasileiro abriu uma crise entre os chefes militares da
Tríplice Aliança, pois Porto Alegre não aceitou subordinar-se a
Tamandaré, argumentando terem ambos a mesma antiguidade como
generais. Porto Alegre escreveu a Mitre que, ao desembarcar em
Curuzú, somente ele teria a competência e a responsabilidade de tomar
decisões e, após “concluída a operação, darei imediatamente
conhecimento de seu resultado a V. Exa.”. Do exposto ficava, inclusive,
a dúvida se esse general se subordinava a Mitre ou se atuaria de forma
autônoma.22
Na preparação para as operações contra Curuzu, as reuniões dos generais aliados em de
junta militar tinham as decisões questionadas quase imediatamente após sua realização. Foi o
que ocorreu entre Mitre e Porto Alegre. Em 18 de agosto de 1866, Mitre oficia Porto Alegre
sobre operações combinadas com a esquadra e sua subordinação a Tamandaré. Esta última
deliberação gerou protestos de Porto Alegre.
Quando as deliberações por meio de junta militar indicaram a possibilidade de uma
operação na qual Mitre e Flores comandariam generais brasileiros, Porto Alegre, Tamandaré e o
Ministro Francisco Octaviano de Almeida Rosa ficaram desgostosos com a situação.
A preocupação com a desproporção das forças em atuação, considerando seus
contingentes por países, e a perspectiva de reconhecimento individual por maio de uma gloriosa
e heroica atuação em grandes e decisivas batalhas inebriou a avaliação dos generais comandantes
em relação à preparação e execução das operações combinadas. A exemplo disso, diante dos
21
22
Doratioto, 2002, p. 234.
Ibidem, p. 234-235.
64
planos traçados por junta militar realizada entre agosto e setembro de 1866, após a aprovação
dos planos, quando Porto Alegre e Tamandaré tomaram conhecimento da ata da reunião,
verifica-se que
a irritação de ambos foi grande quando souberam que, nos pontos por
onde iriam operar os aliados, ficariam, segundo a ata, as tropas e os
generais brasileiros sob o comando de generais estrangeiros,
representantes de países que entravam com tão inferior contingente para
luta: Mitre em Curuzú e Flores em Curupayty. O ministro Otaviano, um
dos negociadores do tratado da Tríplice Aliança, não leu com menos
desgosto esta parte da ata, e escreveu sobre o assunto ao general
Polidoro.23
Esse episódio gerou a reação de Porto Alegre, que, na sequencia, comunicou a Mitre que
não se subordinaria a Tamandaré. Inicia-se aí a crise de comando que antecedeu os eventos de
Curupaity.
No acampamento de Tuiuti, esse contexto foi debatido por Mitre, Polidoro e Flores, que
conferenciaram sobre a situação de Porto Alegre em 4 de setembro de 1866. Tanto quanto a
preocupação com as atitudes de Porto Alegre, por parte dos generais brasileiros, havia a
preocupação sobre a formatação e comando das ações que se desencadeariam em Curupaity. O
acúmulo das desconfianças que antecedem e que não foram devidamente dissipados com a
assinatura do Tratado da Tríplice Aliança favoreceu a ampliação progressiva da instabilidade
entre os generais comandantes, especialmente entre os brasileiros e o comando argentino.
Para Tamandaré e Porto Alegre, no ajuste das operações combinadas para as ações
próximas, caberia a eles o comando no ataque a Curupaity. Porto Alegre, nas suas
correspondências, receava ficar paralisado após a tomada de Curupaity, por isso solicitava
reforços e dava como certa a vitória nessa batalha, de modo que, em carta a Mitre dizia:
A tomada de Curupaity por minhas forças combinadas com as da
esquadra é um movimento que me desvaneço de poder efetuar
independentemente de qualquer outro concurso. O que se observou
prudentemente é que para impedir-se inútil derramamento de sangue
brasileiro, devia-se-me garantir eficazmente a impossibilidade de
destacar-se o inimigo das linhas de frente aos exércitos aliados ou darse-me reforço.24
Para Fragoso, a decisão de Mitre e comandar pessoalmente as forças argentinas em
Curupaity e de entregar o comando das forças de Tuiuti a Flores poderiam ter sido evitadas, de
23
24
Rio Branco apud Fragoso, 1958. p. 108, v. III.
Fragoso, 1958. p. 109, v. III.
65
forma a melhor contentar aos reclames de Porto Alegre e Tamandaré. Porém, Mitre manteve seu
plano25.
As desconfianças, então, se consolidavam, especialmente entre Porto Alegre, Tamandaré
e Mitre. Pouco antes dos eventos que levaram a derrota em Curupaity, outro episódio contribuiu
para a situação de descompasso entre os comandantes aliados. Trata da conferência de YataytyCorá, realizada a 12 de setembro de 1866.
Neste episódio, Lopez solicitou uma entrevista pessoal com o comando aliado. Após
Mitre conferenciar com Flores e Polidoro, aceitaram o convite de Lopez. Mitre convidou
Polidoro e Flores a participarem, a pedido de Lopez. Flores compareceu brevemente e Polidoro
declinou ao convite. Dessa conferência, mais que algum resultado prático, resultou a
potencialização das fragilidades do Tratado da Tríplice Aliança, especialmente quando Mitre foi
autorizado por seu governo a negociar a paz, caso lhe aprouvesse.
Tal tipo de negociação afrontava o texto do tratado que uniu Brasil, Argentina e Uruguai,
e previa a finalização da guerra apenas com a rendição ou capitulação de Lopez. Mitre, por fim,
após as discussões diplomáticas com seus aliados, respondeu a Lopez que o fim do conflito só se
daria, enfim, com sua rendição ou capitulação, respeitando o Tratado da Tríplice Aliança.
Entretanto, o encontro em si e as suas prováveis repercussões, ainda persistem no debate
historiográfico sobre a Guerra do Paraguai.
O ataque a Curupaity, que previa a ação combinada da esquadra com as forças de terra e
se amparou demasiadamente em simples combinações verbais26. Fragoso caracterizou
Tamandaré com lacônico, em seus registros em relação a esta operação, por falta de maior
detalhamento das ações da esquadra. A parte que cabia a Flores, quanto a explorar um dos
flancos, não se converteu em resultados práticos efetivos. A parte que cabia a Polidoro ficou
prejudicada pelas dificuldades de comunicação com a esquadra e melhor comunicação com
Mitre, quanto ao que este último esperava, entendia e como deveriam ser, efetivamente, as
atividades de cada um dos generais aliados.
Somando os problemas de comunicação entre os generais aliados, mais a falta de
informações consistentes, especialmente para a esquadra, sobre o dispositivo paraguaio, para
efetuar o bombardeio, e a ação pouco efetiva de Polidoro e Flores, restou a derrota aos aliados, e,
junto com a derrota de Curupaity, a busca dos culpados, ponto culminante nas dificuldades de
unidade de comando nessa fase inicial da guerra.
25
26
Ibidem, p. 110-111, v. III.
Ibidem, p. 129, v. III.
66
Porto Alegre, após a derrota em Curupaity, culpou a ausência de reforços para que, no
ataque a Curuzú, suas forças pudessem dar prosseguimento a perseguição do inimigo, e a
Polidoro, que não teria cumprido sua parte no plano. Polidoro se defendeu esclarecendo que suas
instruções eram para realização de reconhecimento, que poderia se tornar ‘ataque decisivo’ em
ocasião oportuna, fato que muito diferia de um ataque simultâneo.
Os argentinos descarregaram o peso da culpa pelo fracasso em Curupaity, sobretudo, em
Tamandaré, acusando-o de postergar a operação e de não ter destruído a posição inimiga em
‘duas horas’, como havia prometido. Tamandaré se defendeu, alegando que não se procurou
conhecer previamente a natureza das fortificações inimigas, razão pela qual o bombardeio não
atingiu seu objetivo e que, no que lhe coube, executou a sinalização com as forças de terra
corretamente.
A derrota de Curupaity só fez expor a cizânia no comando aliado, que tinha de um lado
Porto Alegre e Tamandaré se opondo a Mitre e de outro, Polidoro e Flores, solidários ao
argentino. Ficava também evidente que o comando das forças brasileiras, divididas entre Porto
Alegre, Polidoro e Tamandaré, carecia de unidade de comando.
As suspeições mútuas foram elevadas ao extremo naqueles dias de guerra. O poder das
suspeições fez com que a hierarquia fosse questionada e fragilizada de modo a interferir em
ações conjuntas e combinadas pelos conselhos de guerra. Mitre suspeitava que o Ministro
Otaviano conspirava, com Tamandaré e Porto Alegre, para que Polidoro fosse substituído e o
comando dos corpos de exército brasileiros ficassem com Porto Alegre. Os brasileiros
suspeitavam que Mitre desejava enfraquecer a Marinha Imperial e fazer os negócios argentinos
prosperarem com a guerra.
No entender de José Maria Paranhos, futuro visconde do Rio Branco, ao analisar a
documentação de que dispunha sobre os eventos de Curupaity,
A leitura atenta dos documentos e informações publicadas anteriormente
mostra que os erros não foram deste ou daquele general, mas de todos,
por não conheceram o terreno em que operavam e os recursos do
inimigo.27
Mitre, com o revés em Curupaity, procurou manter a serenidade e diplomacia com
relação às forças aliadas, a fim de evitar problemas maiores. Como desfecho desse contexto, em
1 de outubro de 1866, Polidoro solicitou oficialmente o seu para retorno ao Rio de Janeiro,
27
Ibidem, p. 157, v. III.
67
alegando problemas de saúde pela sua idade (64 anos) e recomendando unir os comandos dos
dois corpos de Exército brasileiros.
Enquanto isso, no Brasil, a par de toda a ebulição política, o imperador envelhecia com
tantos problemas relacionados guerra. Foi grande o desgaste físico e psicológico de Pedro II com
os problemas e as necessidades da guerra, fato que se tornou visível na sua fisionomia ao final do
conflito.28 Zeloso, o próprio imperador procura estar sempre a par dos negócios da guerra, “[...]
sua correspondência com Cotejipe, novo ministro da Marinha, é uma coleção de bilhetes em que
dá ordens, sugere e cobra medidas, pede informações, intromete-se em todos os assuntos da
guerra, mesmo os mais miúdos”.29 Seu empenho foi grande.
Apostara tudo numa vitória que fosse honrosa para o país e para ele
próprio. Trabalhara obsessivamente, interviera no jogo partidário a um
alto custo para a legitimidade do Poder Moderador, lutara contra o
desânimo de aliados e de brasileiros, tivera de mediar conflitos entre
generais e ministros. E realizara tudo isso para fazer algo que detestava,
a guerra.30
No teatro de operações, em maio de 1867, Polidoro passou o comando ao Marechal de
Campo Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, e retirou-se para cuidar de sua saúde. Tamandaré
também ‘pediu licença’ e foi substituído pelo Almirante Joaquim José Inácio, visconde de
Inhaúma.
Os afastamentos, especialmente aqueles em razão de desentendimentos, geralmente eram
por motivo de saúde, de forma que “ao longo da guerra do Paraguai, os desacordos entre os
comandantes brasileiros normalmente culminavam com o afastamento por motivo de doença.
Assim fora com Polídoro, Tamandaré e Osório” 31, dentre outros.
Por seu turno, o Império se viu obrigado a promover alterações na estrutura de comando
brasileira. Como consequência, em decreto de 10 de outubro de 1866, Caxias foi nomeado
comandante das forças brasileiras em operações contra o Paraguai e para a direção das operações
da esquadra. Logo após sua nomeação Caxias solicitou a Osório a organização de um 3º Corpo
de Exército e, depois de um período de reorganização das forças brasileiras, Caxias centralizou e
prosseguiu com as ações militares.
28
CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 121–3.
Ibidem, p. 119.
30
Ibidem, p. 121.
31
LAGE, Nelson. Paraguai, a guerra total — rios de sangue e lágrimas correm no Prata. In: Os grandes enigmas de
nossa história. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1982.p. 253–4.
29
68
Essa fase inicial da guerra nos leva a considerar alguns elementos que contribuíram
destacadamente para a confluência de ações e episódios que levaram as dificuldades de unidade
de comando aliado, tomando como referencial o início da campanha até a derrota de Curupaity,
dentre os quais destacamos:
 O foco diplomático-militar, centrado nas ações relacionadas ao contexto uruguaio, entre o
final de 1864 e início de 1865, subestimando atuação e intenções paraguaias no contexto
da geopolítica da região platina;
 O peso do regionalismo e a valorização política de figuras quanto à ação-atuação em suas
zonas de conforto político-institucional, caso das personagens que atuaram diplomática e
militarmente na intervenção no Uruguai, em 1864;
 No caso das forças brasileiras, a ausência de atuação estratégica unificada para as duas
frentes de combate, a do Mato Grosso e a do sul do Brasil, em que se pesem todas as
dificuldades práticas de tais procedimentos unificados;
 Os personalismos brasileiros e o processo de construção e obediência ao Tratado da
Tríplice Aliança, caso dos generais e diplomatas brasileiros, que não souberam
equacionar, naquele momento, uma formatação hierárquica que minimizasse as tensões,
especialmente no planejamento e ações de combate efetivo;
 A desproporcionalidade numérica de forças militares dentre os aliados e a ausência de
deliberações claras sobre as hierarquias militares na relação entre os Estados;
 As desconfianças sobre o Comando Militar de Mitre, agravadas pelas deficiências
logísticas, pela formação de corpos militares multiformes e pelas imprecisões no
planejamento estratégico;
 A falta de informações consistentes e a confusão entre o potencial do inimigo e o inimigo
real, fato evidente com as dificuldades e a derrota na batalha de Curupaity, que perdurou,
porém, ao longo de toda a guerra, com as dificuldades de obtenção de informações sobre
o inimigo, seu território e seu modus operandi;
 A dinâmica política do Império e as fragilidades financeiras e operacionais do início da
campanha;
 As dificuldades de entrosamento mais eficiente entre forças de terra e Marinha e, em
especial, entre as forças navais brasileiras e o comando argentino;
 Aos problemas de informação e comunicação entre os generais brasileiros e entre estes e
Mitre, situação que aflorou nas divergências entre o que se estabelecia nos conselhos de
guerra e os procedimentos posteriores a estes.
69
Estes são apenas alguns dos pontos que tendem a suscitar maiores debates. As
dificuldades da guerra foram grandes e
[...] os erros militares do início da campanha, conforme Nelson Werneck
Sodré, “não têm conta nem medida”. Eles serviram, na análise de
Paranhos, para se retomarem ressentimentos e desconfianças entre a
Argentina e o Império, que acabaram por se aprofundar com o
prolongamento do conflito.32
O amadurecimento da instituição militar, desse modo, foi forjado no calor da guerra,
contribuindo, bem assim, na construção dos elementos de nossa “identidade nacional”, e que, no
dizer de Alambert, esculpiu também uma identidade militar e novos condicionantes para uma
prática militar. Este texto, por fim, procurou explorar alguns dos aspectos dessa prática militar na
fase inicial da Guerra do Paraguai.
Referências Bibliográficas
BITTENCOURT, Armando de Senna. O Almirante Tamandaré na Campanha Oriental. In:
Tamandaré. Rio de Janeiro: Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha,
2009. p. 59-70.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro das
sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: ed. UFRJ; Relume Dumará, 1996.
CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
CERVO, Amado L.; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 2. ed.
Brasília: ed. UnB, 2002.
DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
FERREIRA, Gabriela Nunes. O rio da Prata e a consolidação do Estado imperial. São Paulo:
Hucitec, 2006.
FIGUEIRA, Divalte Garcia. Soldados e negociantes na Guerra do Paraguai. São Paulo:
Humanitas FFLCH-USP; FAPESP, 2001.
32
DORATIOTO, 2002. p. 203.
70
FRAGOSO, Augusto Tasso. História da guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2. ed.
Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1956, v. I.; 1958, v. III.
LACONTE, Wanderlei. Guerra do Paraguai. São Paulo: Ática, 1994.
LAGE, Nelson. Paraguai, a guerra total — rios de sangue e lágrimas correm no Prata. In: Os
grandes enigmas de nossa história. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1982.
MENEZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai — como construímos o conflito. São Paulo:
Contexto, Cuiabá (MT): ed. UFMT, 1998.
SALLES, Ricardo. Memórias de guerra: Guerra do Paraguai e narrativa nacional. História, São
Paulo: Universidade Estadual Paulista/UNESP, v. 16, 1997, p. 134–5.
SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção militar — 1850–1894. São
Paulo: ed. USP, 1994.
SOUZA, Adriana Barreto de. O Exército na consolidação do Império: um estudo histórico
sobre a política militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.
TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: temporalidade, experiência e narração.
Passo Fundo: ed. UPF; Caxias do Sul: EDUCS, 2004.
71
O COMANDO DE CAXIAS NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA: DECISÃO
MILITAR E CRISE POLÍTICA
Prof. Dr. Marcos Guimarães Sanches*
O poder moderador pode chamar a quem quiser para dirigir o exército... A nossa
paráfrase tem fonte bastante citada, o discurso conhecido como “sorites” pronunciado por
Nabuco de Araujo no Senado no calor da crise política de 186833.
Protestava-se contra a dissolução da Câmara, prerrogativa exercida pelo Poder
Moderador face a negativa de voto de confiança ao Gabinete chefiado pelo Visconde de Itaboraí
do Partido Conservador, em substituição ao de Zacarias de Góes e Vasconcelos representante da
incipiente Liga Progressista, que mesmo desfrutando de maioria deixara o governo.
A justificativa para o pedido de demissão era a escolha de Torres Homem, um ex-liberal
radical convertido ao partido conservador, para senador pelo Rio Grande do Norte, em
detrimento do candidato da preferência do ministério. Coerente com as teses defendidas em seu
conhecido texto Da Natureza e Limites do Poder Moderador argumentava o Chefe do Gabinete
que não considerando acertado [o ato], “o gabinete não podia tomar a responsabilidade deste
ato”.
Faltava dizer o principal: a demissão concedida pelo Imperador em 14 de julho de 1868,
atendia pedido do dia 11 daquele mês, mas repetia o apresentado na reunião do Conselho de
Estado a 20 de fevereiro, quando compareceu o Presidente do Conselho para comunicar o pedido
de demissão do Marques de Caxias do Comando das forças brasileiras em operação na guerra
platina.
Se a decisão do Conselho foi pela não aceitação de nenhum dos dois pedidos de
demissão, a inclinação pela opção do Comandante era nítida e a receita estava prescrita pelo
Barão do Bom Retiro ao final da sessão. Se não fosse possível conciliar a divergência e o
ministério realmente se demitisse, deveria ser substituído por um Gabinete conservador, pois um
novo governo do mesmo grupo colocaria o Marques de Caxias refém dos que a ele se opuseram
desde o início da guerra, numa alusão ao Gabinete liberal chefiado por Francisco José Furtado34.
A nomeação do Marques de Caxias para o comando das forças brasileiras em operação
no Prata ocorrera no momento mais delicado da guerra, após a derrota de Curupaiti, em setembro
*
Doutor em História. Professor de História do Brasil das Universidades Federal do Estado do Rio de Janeiro e
Gama Filho. Sócio Titular dos Institutos Histórico e Geográfico Brasileiro e de Geografia e História Militar do
Brasil.
33
NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975, p. 660 – 666.
34
BRASIL. Atas do Conselho de Estado. Brasília: Senado Federal, 1978, Vol. 7, p. 335 – 358.
72
de 1866. Dá-se como consenso que a indicação do Marques fora iniciativa do Imperador Pedro
II, mas, de qualquer forma, seu provimento criou fissuras no gabinete da Liga Progressista
chefiado por Zacarias de Góes e Vasconcelos, expressa na demissão do Ministro da Guerra,
Ângelo Ferraz.
A Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) coincidia com um conjunto de problemas que
podem ser entendidos como indícios do esgotamento do poder imperial e crise de natureza
estrutural, onde se destacava o equacionamento da substituição do trabalho escravo,
considerando a afirmativa clássica de Stuart Schwartz que definia o Brasil como uma sociedade
escravista “não meramente devidos ao óbvio fato de sua força de trabalho ser
predominantemente cativa, mas principalmente devido as distinções jurídicas entre escravos e
livres, aos princípios hierárquicos baseados na escravidão e na raça, às atitudes senhoriais dos
proprietários e à deferência dos socialmente inferiores”. Conclui que o “escravismo criou os
fatos fundamentais da vida brasileira”35.
A historiografia aponta a década de 1840 como o momento de consolidação do Império.
Desde 1848, a ascensão dos saquaremas pusera fim ao “qüinqüênio” liberal, desgastado o Partido
pelo problema do tráfico e pelos pronunciamentos dos seus elementos mais radicais como os
praieiros de Pernambuco.
Capistrano de Abreu em sua clássica periodização do Império associa para o período
1850 -1864 a estabilidade política às realizações materiais, sempre exemplificadas no boom de
empreendimentos urbano-industriais do Barão de Mauá36. No entanto, outras realizações
merecem ser destacadas por seu caráter reformista das estruturas do país37 como a solução do
problema do tráfico, a Lei de Terras, o Código Comercial e a política externa “ativa”, expressão
de Amado Cervo38.
Tal apogeu teria como símbolo o Gabinete dito da “Conciliação” chefiado pelo Marques
de Paraná e, após a sua morte, pelo Marques de Caxias, cumulativamente a direção da pasta da
Guerra. O período foi a época denominado, por um publicista conservador como a "Transação",
a maturidade política do Império, quando em nome dos interesses da Nação, conciliam-se as
forças políticas para evitar uma nova ação"39. Segue o pensamento político dos líderes
35
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia
das Letras, 1988, p. 209.
36
ABREU, Capistrano de. Fases do Segundo Reinado In Ensaios e Estudos, 3ª série. Rio de Janeiro/ Brasília:
Civilização Brasileira/ INL, 1976, p. 73-88.
37
SANCHES, Marcos G. Conservação e Reforma no projeto de construção do Império In Revista da Universidade
Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, v. 4, n. 4/5, p. 34 – 40, jan. – dez. 1994.
38
CERVO, Amado e BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo, Ática, 1992.
39
ROCHA, Justiniano José - Ação, Reação e Transação In MAGALHÃES Jr., Raimundo - Três Panfletários do
Segundo Reinado, São Paulo: Nacional, 1956. O apresenta uma p e r iod iza ç ão do I mp ér io . "Aç ão , Rea ção
e Tr an sação". A "A ção" corr espond e ao predomín io do s lib erais n a ma io r p ar te do p er íodo
73
conservadores e conciliados (Vasconcelos, Paulino, Torres e Nabuco), que da defesa do regresso
feita por Vasconcelos à "Ponte de Ouro" e Nabuco, advertem para os riscos da "Ação ".
A idéia ou a necessidade de conciliação, de alguma forma já fora mencionada em vários
momentos desde a Maioridade. Joaquim Nabuco considera que a conciliação só foi efetiva no
Gabinete Paraná, certamente colocando em posição central, o seu pai, José Tomás Nabuco de
Araújo, Ministro da Justiça do Gabinete e ideólogo da proposta no seu conhecido discurso “a
ponte de ouro”.
Nas suas palavras, a Conciliação significava a manutenção do “princípio da autoridade”,
servindo a “política conservadora como base” e “o progresso refletido e explicado pela
experiência” como acessório40.
Apogeu ou consolidação do Império, sem dúvida, mas também um primeiro indício do
esgotamento do modelo. Os 11 Gabinetes que governaram entre 1857 e 1866 e a curta duração
dos seus exercícios sugerem a crescente preeminência da Coroa como o mais efetivo “partido”
no governo do Império.
Para Lucia Bastos Pereira das Neves “a fidelidade à pessoa do monarca, fiador da
estabilidade e da integridade do país, substituía a fidelidade à nação inexistente”41. A ascensão
dos conservadores resultara, para Faoro, de um "arranjo oligárquico", embora situe os liberais
mais próximos da grande propriedade. A Coroa fortalecida pela luta partidária fora a promotora
da conciliação, estabelecendo o consenso dos Partidos no reconhecimento da autoridade
imperial42, entendimento reiterado na mesma linha de interpretação weberiana por Uricoechea
para quem o Estado Nacional sistematizou e institucionalizou em padrão de organização estatal,
"uma estrutura burocrática patrimonial de grande alcance".
A autoridade política forjou-se a partir de uma "tensão inerente e estrutural": de um lado,
a "existência de um aparato administrativo controlado burocraticamente pelo estado e
impulsionando a burocratização total do governo" e, de outro lado, a "existência paralela de um
aparato administrativo controlado patrimonialmente pelas classes sociais"43.
Se a Coroa era a “ponte de ouro” que unia as diferentes frações de uma sociedade que se
tornava cada vez mais complexa, a imobilizava diante de novas demandas com as questões do
trabalho e da propriedade, esta claramente presente no malogro de projeto de Código Civil
encomendado a Teixeira de Freitas.
r egen c ial ( até 1837 /1838). A "Reação" r epresen ta o Regr esso, a Maior id ade e a imp lan tação
do novo Rein ado e a "Transação " era a própria Conciliação.
40
NABUCO, Joaquim - Op. Cit. , p. 141-149
41
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das e MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 288
42
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Porto Alegre: Globo, 1976, Cap. X.
43
URICOECHEA, Fernando - O Minotauro Imperial. São Paulo: Difel, 1978, p. 14-15
74
Os Partidos que dominaram o Segundo Reinado (Conservadores e Liberais) foram vistos
durante muito tempo, à base da semelhança consagrada por Nabuco. Ilmar Mattos estabeleceu
uma relação hierárquica nos seus respectivos projetos políticos e Paula Beiguelmam, observoulhes uma assimetria, que fortalecia a Coroa, vista como mentora das reformas como no caso da
supressão do tráfico44. Faoro já definira uma "linha inconfundível entre os Partidos: os liberais
defendiam a soberania popular, chegando a medir forças com a Coroa, em vários momentos. De
outro lado, "os conservadores obedientes ao trono", eram os defensores do princípio de que o rei
"reina, governa e administra"45.
Ilmar Mattos vê um Império de três mundos: "Governo, Trabalho e Desordem". Parte dos
dois
conjuntos
tradicionalmente
apresentados
pelos
Liberais,
Casa
(Casa=Liberdade
/Cidadania=Liberal) e Estado (Estado= Ausência de Liberdade/Autoridade = Não Liberal),
acrescentando-lhes um terceiro, a Rua (Rua=Revolução). A "rua" é o mundo da desordem, risco
permanente para o "Trabalho", base da "Casa", que combate o "Estado". Localiza neste ponto a
fraqueza dos liberais, que ao defenderem a liberdade e a igualdade, colocando o Estado como
diligência da Nação, enfraqueceram o governo responsável pelo controle da rua46.
O realinhamento do político determinado pela consolidação do Império não pode ser
compreendido na simplicidade do confronto entre as "máximas patrimoniais e os princípios
burocráticos", compreendendo-se que "a forma do relacionamento entre a sociedade e seu
aparelho administrativo depende fundamentalmente do modo como as diversas forças sociais
conseguem que seus valores, direitos e prerrogativas sejam veiculados e reconhecidos pela
burocracia47.
Configura-se o que José Murilo de Carvalho denominou de "dialética da ambiguidade",
na qual o Estado, mesmo não dispondo de um estamento clássico, projetava-se como o
construtor da ordem social com seus interesses dominantes e hegemônicos48.
A análise dos debates parlamentares sumariados por Francisco Iglesias na obra de síntese
dirigida por Sérgio Buarque de Holanda em clássico estudo do período 1848 – 186849 nos indica
que ao mesmo tempo, que a idéia de Conciliação permeava todo o período, há um certo
imobilismo político, repetindo-se o conteúdo dos discursos a cada Gabinete que se apresentava a
44
BEIGUELMAM, Paula - Formação Política do Brasil, São Paulo: Pioneira, 1976, Cap. "Sistemática e Dinâmica
da Organização Política Imperial".
45
FAORO, Raymundo - Op. Cit., Cap. X
46
MATTOS, Ilmar R. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1990, Cap. II "Luzias e Saquaremas: Liberdades e
Hierarquias".
47
URICOECHEA, Fernando - Coronéis e Burocratas no Brasil Imperial: crônica analítica de uma síntese histórica In
A Aventura Sociológica, Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
48
CARVALHO, José Murilo de - A Dialética da Ambiguidade in Dados, 21, Rio de Janeiro, IUPERJ, 1979.
49
IGLÉSIAS, Francisco. Vida Política 1848 / 1868 In: HOLANDA, Sérgio Buarque. O Brasil Monárquico.
História Geral da Civilização Brasileira, Tomo II, 3º vol., 1969, p. 9-112.
75
Assembléia Geral, assim como os ministros e lideranças se sucediam nos cargos, a exemplo da
Chefia do Gabinete exercida duas vezes por Olinda – um conservados flexível – e três por
Zacarias de Góes e Vasconcelos – um liberal moderado.
Conclui Iglésias:
A longa séria de gabinetes instáveis é conseqüência das divisões políticas e da
insegurança dos partidos. Desde o aparecimento bem marcado, no fim da
Regência, eles como que se esgotaram, seja pelo cansaço da luta, seja pela
falta de idéias claras que lhes dessem consistência. Essa indefinição leva às
maiorias precárias de interesses episódicos50.
A incipiente “Liga Progressista” não se mostrava viável, pois a própria idéia de progresso
passava necessariamente por questões limites para a sociedade como a escravidão que a própria
Coroa colocou na ordem-do-dia na Fala do Trono de 1865.
A conjuntura econômica era também complexa. Se na década de 1861 – 1870 as
exportações (1.537.175 contos de réis) superavam em mais de 70% a década precedente, elas
estavam cada vez mais concentradas em poucos produtos, respondendo o café com mais de 45%
do total, tornando-as mais vulneráveis as flutuações externas e mais agudas as crises de
abastecimento, uma das motivações da criação do Ministério da Agricultura.
A partir de 1861 reverteu-se o crônico déficit da balança de comércio, mas 63% do seu
saldo, na média da década, estava comprometido com a amortização da dívida, que continuará
crescendo, em parte, por conta do esforço de guerra.
A falta de liquidez, a inexistência de acumulação de capital e a elevação cambial
motivaram o recorrente debate sobre a unidade ou pluralidade de emissão monetária, cujo
apogeu foi a crise bancária iniciada em setembro de 1864 com a falência da Casa Souto & Cia e
só debelada dois anos depois, quando se estabeleceu a exclusividade do Tesouro para a emissão
de papel moeda.
O início da Guerra da Tríplice Aliança foi de certa forma, um desdobramento da política
platina do Império e seu envolvimento com os conflitos internos na República Oriental e na
Argentina. As intervenções na região e o interesse na livre navegação do Paraná-Paraguai, não
combinavam com o forte protecionismo paraguaio, seu crescimento exportador e a modernização
da sua economia, inclusive com a abertura ao capital estrangeiro. Neste quadro, quando da
ascensão de Solano Lopez ao poder em 1862, uma aliança Brasil-Argentina-Uruguai
representava uma ameaça real ao projeto modernizador do Paraguai.
No Brasil, as condições militares para o confronto eram precárias. Desde a ascensão
conservadora em 1848, sucessivos ministros da Guerra reconheciam a necessidade de
50
Idem, p.103.
76
reorganização da Força, sendo recorrentes queixas, por exemplo, sobre o recrutamento. O
próprio Marques de Caxias pode, pelos seus Relatórios de 1855 e 1856 ser tomado como medida
do diagnóstico que então se fazia.
A “longa série de gabinetes instáveis”, na expressão de Francisco Iglésias, já era vista
pelo Ministro como um risco para a administração do Exército, argumento utilizado para
justificar a criação do cargo de Ajudante General.
Caxias em seu exercício parlamentar sempre se mostrou atento aos problemas das forças
militares como a fixação de efetivos e o recrutamento. Discreto na sua atuação legislativa, como
ele próprio reconheceu em várias ocasiões, defendeu posições voltadas para a profissionalização
da força. Considerava que os engajamentos por curto período, eram caros e não permitiam a boa
formação do soldado (8.3.1850) e defendia que os indivíduos da reserva ou desmobilizados
deveriam perceber o mesmo vencimento da ativa, pois estavam prontos para o emprego
(9.3.1850)51.
Mostrava-se sempre muito preocupado com a disciplina, como no caso dos estrangeiros,
preocupação constante em seus discursos e no governo, que entendia deveriam ser regidos por
uma “disciplina rigorosa” (3.9.1850)52 e dos alunos da Academia para a qual sempre defendeu
uma localização afastada da Corte, evitando que o seu corpo sofresse influências políticas. No
geral defendia a absoluta fidelidade do Exército, às instruções do governo53, mesmo quando
vinculada a retribuição em dinheiro.
No Senado, em julho de 1852, Caxias defendeu a autorização para que o governo pudesse
alterar livremente a organização do Exército54, objeto de novo Decreto, em fins do ano (30 de
novembro), acrescida de nova regra para o recrutamento (Decreto 1089, de 14.12.1852) para o
qual, já reconhecera a necessidade de exceções como na defesa da dispensa dos empregados das
fábricas de tecido, em 184655.
No exercício do mandato de Senador foi um permanente defensor da ampliação do
efetivo da força, desde 1846 quando admitia o emprego de oficiais da Guarda Nacional para
complementar o Regimento de Cavalaria do Rio Grande do Sul (4, 20 e 21.8.1846)56 até 1854
quando debateu intensamente com os senadores liberais sobre a fixação do efetivo da força
(22.6.1854)57.
51
BRASIL, Anais do Senado do Império. Brasília: Senado Federal, 1978. 1850, Vol. 2, p. 384 e 396.
Idem, 1850, Vol. 5, p. 59.
53
Idem, 1850, Vol. 2, p. 501.
54
Idem, 1852, Vol. 2, p. 252.
55
Idem, 1846, Vol. 1, p. 211.
56
Idem, Idem, p. 378,468-469 e485.
57
Idem, 1854, Vol, 3, p. 440-476.
52
77
À ascensão dos conservadores correspondeu uma intenção de reformas no Exército
dentro do contexto de afirmação de uma política conservadora58. Os três ministros militares da
primeira metade da década de 1850 (Felizardo, Belegarde e Caxias) representaram, de certa
forma, a intercessão entre a prevalência dos oficiais portadores de valores sociais aristocráticos e
a ascendência de militares com uma formação quase que exclusivamente profissional.
Caxias é caso típico, ou seja, atendia as condições da legislação portuguesa setecentista,
de serem os oficiais “nobres, fidalgos ou filhos de militares de alta patente” e cumpria uma
carreira profissional. Os três ministros tiveram também, principalmente no caso de Manuel
Felizardo, amplo percurso na burocracia imperial e as reformas então empreendidas buscavam
harmonizar duas condições dos militares: a honra e a profissão.
O prestigiado Marques de Caxias foi o primeiro nome cogitado pelo Marques do Paraná
para dirigir a pasta Da Guerra. Declinando do convite por razões de saúde, a pasta coube ao
General Pedro de Alcântara Belegarde (6.7.1853) que não completou dois anos no cargo sendo
substituído pelo próprio Caxias em 14.5.1855. O programa reformista teve continuidade
destacando-se a reorganização do curso de Escola Militar (Decreto 1534 de 23.1.1855) e a
criação da Escola de Aplicação (Decreto 1536 de 23.1.1855).
Sobre o novo Ministro, no entanto, incidiu a mesma oposição parlamentar que sofrera o
seu antecessor, então acrescida de manifestações nascidas no próprio meio militar como as
expressas no periódico “O Militar”, editado entre julho de 1854 e julho de 1855 e com a sua
autoria provavelmente localizada na Escola Militar.
Parecem clarear as contradições e os limites do próprio sistema: de um lado, a oposição
parlamentar continuava expressando majoritariamente posições de fundo liberal e, de outro, o
“Militar” dava voz a resistências do próprio Exército a sua reorganização/profissionalização. A
proposta de restrição ao casamento de militares e a pretendida implantação de internato na
Escola Militar, bem ilustram a origem das posições de resistência.
Em meio às duas linhas de resistência e pressão, emerge a figura de Caxias como a
conciliação, o “epítome”, para repetir a expressão já utilizada, do militar de tipo aristocrático,
mas com uma sólida e bem sucedida carreira profissional. O vocábulo conciliação já havia sido
utilizado pelo então Conde de Caxias no Senado, em 8.6.1846, ao definir sua ação na campanha
farroupilha – “o emprego dos meios de conciliação sem desprezar os de força”59. Na ocasião
reafirmava a sua filiação à crença na “razão de Estado”, considerando imprudente divulgar no
58
SOUZA, Adriana Barreto. O Exército na consolidação do Império: Um estudo histórico sobre a política
militar conservadora. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.
59
BRASIL, Anais, 1846, Vol. 1, p. 160.
78
Senado as instruções por ele recebidas, durante a direção das operações militares no Rio Grande
do Sul.
A estratégia de conciliação constante nas ações políticas e militares de Caxias parece
levar em conta a avaliação de Justiniano José da Rocha, de que a transação ou conciliação era
necessária para evitar os riscos de uma nova ação, entendida em grande parte como uma
revolução.
A crise decorrente da oposição ao Ministro Belegarde foi conjurada com assunção da
pasta da Guerra por Caxias, tendo o “Militar” deixado de ser publicado no mês seguinte. A sua
atuação deu continuidade as reformas. Deu especial atenção ao ensino militar e ao
aperfeiçoamento do Almanaque, fonte da organização e das promoções da carreira, preocupação
já corrente em 1847 quando manifestara temor de que a eminente dissolução do corpo de
artilharia da marinha e a absorção de seus oficiais pelo Exército pudesse desorganizar o quadro
de promoções (8.7.1847)60.
No Ministério buscou imprimir uma certa racionalidade burocrática na gestão
administrativa. A criação dos Conselhos Econômicos ( Decreto 1.649 de 6.10.1855) em cada
Corpo tornava impessoal e colegiada a aplicação dos recursos orçamentários. Os Conselhos, a
Contadoria e o Quartel Mestre passaram a formar um tripé que, encimado pelo Ajudante General
dava a administração do Exército uma feição mais orgânica e burocrática.
A criação do cargo de Ajudante General do Exército (Lei 826 de 30.6.1856 e Decreto
1881 de 31.1.1857) foi a culminância de sua gestão. Definido como a “primeira autoridade do
Exército” e “responsável perante o Governo”, o novo cargo nos parece emblemático para a
problemática aqui trabalhada. De um lado, deixava a administração militar mais “imune” as
flutuações político partidárias e, de outro, garantia a uniformidade e regularidade do exército, um
dos “bons resultados” que o governo esperava colher na avaliação do próprio Caxias no
Relatório ministerial de 1856:
o governo conta porém que em breve conseguirá seus desejos por esta parte; e
que o ministro e secretário d´estado dos negócios da guerra terá junto a si no
ajudante general do exército uma autoridade profissional competentemente
habilitada para informa-lo exactammente, e em qualquer ocasião necessaria,
do estado do pessoal do exército; a qual será ao mesmo tempo, segundo os
principios de seu regulamento, o responsavel perante o dito ministro pela
conservação da uniformidade de disciplina, administração, instrução e
movimento daquelle pessoal.61
60
BRASIL, Anais, 1847, Vol. 2, p. 97.
Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na Sexta Sessão na Nona Legislatura pelo Ministro e
Secretário de Estado nos Negócios da Guerra Marques de Caxias (1856). In htpp://wwwcrljunkebox.uchicago.edu/bsl/bsl/u2200/000002.html.
61
79
Uniformização de procedimentos, reforço da disciplina, melhoria dos meios, nova
política de vencimentos e fixação de efetivos e um novo sistema tático “conveniente harmônico”
não escaparam das preocupações e intenções do ministro como expressam os Relatórios
ministeriais de 1855 e 1856, já citados62.
Parecia premonizar as dificuldades que enfrentaria no difícil teatro de operações do Rio
da Prata, no qual, dia-a-dia se frustrou a expectativa de uma guerra rápida.
Do início das hostilidades em novembro de 1864 ao Tratado da Tríplice Aliança em maio
do ano seguinte e aos sucessos de Riachuelo, Tuiuti e no Rio Grande era corrente a idéia de que
o fim das hostilidades estava próximo, mas na ofensiva em território paraguaio as múltiplas
dificuldades foram expostas, desde a precariedade de meios até a falta de coordenação dos
comandantes.
Porto Alegre, Tamandaré e Polidoro não se impunham uma unidade de comando e
uniformização de organização e ação e ainda guardavam reservas, principalmente os dois
primeiros, em relação ao Comando-em-Chefe de Mitre. Ressalte-se que as divergências não
estavam circunscritas a arte da guerra. Porto Alegre e Tamandaré, ligados ao Partido Liberal,
tinham compreensão distinta de Polidoro, inclusive na relação do Império com a Confederação
Argentina.
A derrota de Curupaiti em setembro de 1866 levou a nomeação de Caxias para o
comando do Exército em operações no mês seguinte e, na prática a comandante geral aliado, a
partir de fevereiro de 1867 quando da retirada de Mitre para a Argentina.
Menos de dois anos depois, na sessão do Conselho de Estado de 20.2.1868, Zacarias de
Góes e Vasconcelos apresenta o pedido de Caxias para se ausentar do comando, alegando
doença, mas correspondência privada ao ministro Paranaguá dava conta da sua insatisfação com
as críticas da imprensa, o que entendia como falta de apoio do governo.
O Chefe do Gabinete argumentava que quando do convite ao General em outubro de
1866 teria cogitado com Caxias da demissão do Gabinete caso os campos políticos opostos dos
dois constrangessem o militar.
O pedido de Caxias, assim como as demissões do Gabinete não foram acolhidas, mas o
Imperador deixa claro que se deveria pensar no “mal menor”, a demissão do Ministro ou do
Comandante.
62
Sobre a atuação ministerial de Caxias no período ver SANCHES, Marcos. Caxias e o Exército na consolidação do
Império In: Revista do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, Rio de Janeiro, Ano 63, Nº 90, 2003,
p. 109 – 120.
80
A elucidação do conflito do Comandante com o Gabinete foi exposta pelos seus
protagonistas – Zacarias e Caxias - em julho de 1870 em debate no Senado e mais uma vez, a
desavença tinha como ponto de partida a imprensa.
Em 7 de julho, Zacarias pronunciou violento discurso contra o que considerava matéria
tendenciosa publicada na Revista Dous Mundos que entendia como apologética de Caxias.
Insinuava que os amigos do militar se valiam do expediente – usar a imprensa com fins políticos
– por ele atribuído ao seu Gabinete na carta privada ao Marques de Paranaguá em fevereiro de
1868.
Apontava imprecisões como a afirmativa de que Caxias teria posto fim ao conflito,
concluindo que o “Conde d’Eu é o general a quem devemos a terminação da guerra”. Cita ainda
o equívoco de atribuir a Caxias o comando da batalha de Caseros, em demérito da atuação de
Porto Alegre.
Recebendo apenas apartes pontuais do Duque, o ex-Presidente do Conselho lhe imputou
diretamente erros na condução da guerra como nos combates de Itororó, Angustura e no fato de
não perseguido Solano Lopez63.
A resposta de Caxias veio a 15 do mesmo mês e logo no início da fala fica claro que as
divergências e o imobilismo político comprometeram a condução da guerra. Argumentando que
não se esquivou de atuar no conflito, informou ter preparado um plano de ação, após o início das
hostilidades, a pedido do Ministro Henrique Beaupaire-Rohan, mas que não aceitou o comando
das operações, porque entendia dever acumular, tal como em outras ocasiões, a direção militar
com a Presidência da Província do Rio Grande do Sul, já que era inevitável o uso dos efetivos da
Guarda Nacional, subordinados àquela autoridade, o que lhe foi negado pelo ministro, pois tal
“nomeação iria prejudicar a política do Partido”64.
No seu extenso discurso descreve as precárias condições em que encontrou as forças
aliadas, enumerando as providências tomadas, o que confirmado pala historiografia
contemporânea a exemplo de Doratioto entendendo que os “grandes combates, a partir de
dezembro de 1868 só “foram viabilizados graças à sua atuação como organizador e disciplinador
das tropas nos anos críticos de 1867 e 1868”65.
Além da necessidade de organização disciplinar, melhorar a saúde da tropa e seu
abastecimento, justificando sua imobilidade pela escassez de efetivos, aguardando a chegada do
3º Corpo de Exército em organização no Rio Grande do Sul por Osório.
63
BRASIL. Anais do Senado. 1870, Volo. 3, p. 29 -45. Disponível em:
wwwhttp://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp. Acesso em 10.9.2011.
64
Idem, p. 94 – 102.
65
DORIATOTO, Francisco. Caxias na Guera do Paraguai. Os anos críticos de 1866 e 1867. Da Cultura, Rio de
Janeiro, Ano III, Nº 5, p. 14-20.
81
Conclui reiterando os termos da carta privada de fevereiro de 1868, quando do seu pedido
de demissão, quando entendia não dispor de pleno apoio do Gabinete:
O exercito achava-se no estado já referido. Era necessario organisal-o,
disciplinal-o, procurar meios de mobilidade que não havia sufficientes; não
obstante, proseguiam as accusações mais injustas na imprensa, e até na tribuna
algumas vozes se erguiam contra o general em chefe. Ora, coincidiam essas
accusações com algumas ordens que daqui foram e me pareceram não
significar a mesma consideração com que até ahi havia sido tratado. Minha
boa fé suggeriu-me então o receio que o ministrerio já tinha em mim a
confiança que até então parecia ter; que algum motivo haveria para supor
fundadas accusações, embora injustissimas, que me eram dirigidas66.
Reiterava sua consideração ao Senador Zacarias, reconhecendo que “nunca ministro
algum me fez os elogios que recebi do nobre ex presidente do gabinete de 3 de agosto”, mas
estranhava-lhe a atitude, pois aceitou a recusa ao seu pedido de demissão e as ponderações do
Gabinete, mas após a sua dissolução em 16 de julho por motivos que “ignorava”, o ex presidente
Zacarias, de quem sempre recebera os já citados maiores elogios da sua carreira, se tornara seu
inimigo, procurando “por todos os meios mortificar-me, desacreditar-me ...”.
Voltando a crise de 1868, Da mesma forma que o Imperador havia sugerido a Zacarias a
indicação de Caxias para o comando, em 1866, provocando a demissão do Ministro da Guerra
Ângelo Ferraz, agora novamente se inclinava pelo General, – “mal menor”, seguindo a fórmula
já enunciada por Bom Retiro e anteriormente citada – ainda que a saída do Gabinete provocasse
as graves conseqüências que o processo político posterior vai desnudar.
O mal menor era a demissão do Gabinete. Mais uma confirmava-se a máxima do
Visconde do Uruguay: “O Rei reina governa e administra”.
66
Idem, p. 97- 98.
82
O COMANDO DO MARQUÊS DE CAXIAS E O FIM DO IMPASSE EM TUIUTI
Gen Bda (Ref) Sergio Roberto Dentino Morgado
1.
INTRODUÇÃO
A Guerra da Tríplice Aliança é um fato singular, de grande relevância na História da
América Latina e, infelizmente, muito pouco tratada pela historiografia contemporânea.
Entretanto, suas lições são muito preciosas, particularmente as que envolvem as questões de
chefia e liderança.
O estudo desse caso, o impasse de Tuiuti, é estimulante, na medida em que permite analisar
e tirar ensinamentos sobre a questão do mando envolvendo interesses de toda ordem, as
dificuldades existentes para a execução das missões estabelecidas, ou o seu planejamento, em
face das carências ou da natureza do terreno.
Associo o impasse de Tuiuti ao tempo que os aliados levaram para ocupar a Fortaleza de
Humaitá, primeiro objetivo a ser conquistado, estabelecido no Tratado da Tríplice Aliança, ou
seja, 1.196 dias – três anos, três meses e 11 dias.
Estudar as razões que possam explicar esse tempo é como interpreto o tema que me foi
colocado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército, incorporando outra
questão – o Comando de Caxias, convocado pelo Império para resolver o impasse estabelecido
com a derrota de Curupaiti.
Integrar os dois aspectos é como me proponho percorrer esse caminho que então estabeleço.
2.
O IMPASSE ANTES DA CHEGADA DE CAXIAS AO TEATRO DE OPERAÇÕES
As diferentes propostas na forma de conquistar Humaitá existente nos três planos
apresentados ao Gen Beaurepaire-Rohan, Ministro da Guerra do Império em 1864, quando
eclodiu o conflito, mostram as divergências iniciais.
O primeiro, de 03 de janeiro de 1865, do Senador Pimenta Bueno, que tinha sido
embaixador do Brasil em Assunção à época de Carlos Lopes e presidira a Província de Mato
Grosso, portanto conhecedor da área, previa primeiro a conquista de Assunção, para daí alcançar
Humaitá descendo o rio Paraguai.
O segundo, datado de 25 do mesmo mês, da autoria de Caxias, propunha uma ação terrestre
sobre Humaitá a partir do Passo da Pátria, combinada com uma ação secundária sobre o território

Membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil. Antigo Diretor de Assuntos Culturais do Exército.
83
invadido de Mato Grosso e uma diversão na Região de Encarnación (Itapua) para dividir os
meios paraguaios existentes no sul do Teatro de Operações.
O terceiro, datado de 03 de março, proposto pelo então Barão de Tamandaré, Comandanteem-Chefe das operações navais brasileiras no Rio da Prata, priorizava uma operação combinada
sobre a cidadela com a ação principal sendo desenvolvida pelo rio.
Como se sabe, prevaleceu a proposta de Caxias, que foi incorporada ao Tratado da Tríplice
Aliança, após terem sido debatidas as linhas de ação que foram apresentadas ao Conselho de
Guerra estabelecido em Buenos Aires em maio de 1865 e do qual participaram Mitre, Flores,
Tamandaré, Osório e Urquiza.
O impasse continuou após a 1ª Batalha de Tuiuti, quando um novo Conselho de Guerra,
realizado em 30 de maio, concluiu pelas razões que impediram o aproveitamento do êxito após a
vitória, declarando que o desgaste sofrido na batalha, a falta de meios de mobilidade para o tipo
de operações a serem executadas, referindo-se a inexistência de cavalos, bois e mulas necessários
ao prosseguimento e aliados à falta de informações sobre o terreno e o inimigo, justificavam a
paralisação das operações.
A presença de Tamandaré em Passo da Pátria estimulou as discussões sobre o
prosseguimento e sua proposta inicial para uma ação conjunta pelo rio sobre Humaitá resultou na
conquista de uma segunda cabeça de ponte na região de Curuzú.
Novamente ocorreu o impasse pelas divergências de mando entre Mitre, Tamandaré, o
General Polidoro da Fonseca – que substituiu Osório após a vitória de Tuiuti e o Conde de Porto
Alegre, trazido de São Borja, onde estacionara o 2º Corpo de Exército após os embates de
Uruguaiana, por Tamandaré, seu primo, para as ações ribeirinhas que este propôs executar.
Atribui-se a Porto Alegre falta de agressividade e decisão no prosseguimento sobre
Curupaiti, que segundo o Tenente Coronel George Thompson, engenheiro inglês a serviço de
Solano Lopes, não dispunha de meios, naquela ocasião, para conter o avanço e se conquistada,
permitiria o investimento sobre a maioria dos meios paraguaios localizados sobre o corte do
Estero Rojas, decidindo, ali, a guerra.
Curupaiti é outro exemplo das divergências de mando, da falta de comando e um primeiro
indício da procrastinação de Mitre em benefício do prosseguimento da guerra. Curupaiti, mesmo
antes do desastre, determinou a presença de Caxias na guerra.
3.
O IMPASSE APÓS A CHEGADA DE CAXIAS AO TEATRO DE OPERAÇÕES
84
De Caxias esperava-se a solução do impasse, a terminação rápida da guerra. Não aconteceu.
Humaitá só foi ocupada 980 dias – dois anos, oito meses e sete dias – após a sua chegada ao
Teatro de Operações, em 18 de novembro de 1866. Por quê ?
Resumo das ações realizadas durante o período:
a. A avaliação da situação em Tuiuti, Curuzu, Passo da Pátria e Corrientes quando da
chegada de Caxias ao Teatro de Operações
b. Mitre se retira (1ª vez)
c. Discussões e tratativas realizadas em torno das operações a realizar
d. A preparação da tropa para a retomada do movimento
e. A Marcha de Flanco
f. Discussões em torno do emprego da Esquadra
g. O completamento do cerco terrestre
h. pioO estreitamento da linha de defesa paraguaia
i. Mitre se retira definitivamente – Caxias assume
j. A conclusão do cerco com o rompimento de Humaitá
k. Lopes abandona Humaitá
l. O estreitamento do cerco terrestre
m. A ocupação de Humaitá
n. Os combates na península de Acaiuasá
O estudo dessa sequência de fatos permite compreender as razões que levaram ao impasse e
o seu desenvolvimento detalhado será uma motivação para discussões futuras neste e em outros
plenários.
Antes de prosseguir, reflitamos sobre o que se esperava do Comando de Caxias ao assumir o
Comando-em-Chefe das Forças Imperiais no Teatro de Operações.
Comandar, tratado como aforismo, é mandar com, e o problema do mando, como já me
referi no começo, envolveu a questão das atribuições de autoridade, que devem ser consideradas
não só em relação as prescrições do Tratado, mas também em relação aos efetivos envolvidos.
Observemos a questão dos efetivos:
Efetivos existentes na área de operações no período considerado:
Região de Corrientes
– 15Nov 1865 –
Brasileiros – 19.294 h
Argentinos - 16. 170 h
85
Uruguaios -
3.569 h
TOTAL - 39.033 h
Batalha de Tuiuti
– 24mai1866 –
Brasileiros – 18.000 h
Argentinos - 12.000 h
Uruguaios -
1.400 h
TOTAL - 31.400 h
Durante o Cmdo de Caxias (em relação a Humaitá)
Brasileiros – 46.388 h
Argentinos - 6.016 h
Uruguaios -
600 h
TOTAL - 53.004 h
Paraguaios – 30.000 h
Vejamos a questão do mando.
Antes de assumir, Caxias consultou o Senador Zacarias de Góis e Vasconcelos, Presidente
do Conselho de Ministros, que o convidara, sobre suas atribuições no comando da Força e suas
relações com Mitre.
Da longa troca de informações destaco duas assertivas:
1 – Sobre a sua subordinação:
O Cmdo-em-Ch de Mitre não impede a divergência de opinião de Caxias que, entretanto,
não pode prevalecer contra a decisão de Mitre relativa à direção militar – parte técnica e
estratégica – que é da sua atribuição.
2 – Sobre uma possível procrastinação de Mitre:
Se o Cmt-em-Ch persistir em retardar as operações de guerra, podendo manifestadamente
o seu procedimento prejudicar o fim principal da Aliança, Caxias poderia, julgando-se
habilitado, operar por si só, fazendo-o sob sua maior responsabilidade.
Sintetizemos alguns desses itens dentro do espaço de tempo concedido:
1º - A situação encontrada por Caxias e o tempo gasto para prosseguir nas ações.
 O 1º CEx ocupava a linha de Tuiuti, o 2º CEx estava em Curuzu; não havia mais de 3
mil cavalos e estes não estavam em muito bom estado; a Cavalaria do 2º Corpo estava toda
apeada; não havia carros suficientes para se empreender qualquer movimento; não havia bois
para a condução das carretas.
86
 Os 2 CEx eram inteiramente diversos em número e organização; pareciam pertencer a
diferentes nações, tais eram as disparidades que neles se notavam.
 Em cada um deles havia uma economia uma numeração e uma promoção particular;
havia valores diversos para as etapas...
 Era preciso, portanto, fazer uma nova reorganização e para tudo isso era indispensável
haver tempo.
Considerando esses fatos e mais a situação sanitária precária que encontrou, e ainda, a
epidemia de cólera trazida da Corte a bordo de um dos transportes de tropa, que se disseminou e
causou mais de 4.000 vítimas, segundo Tasso Fragoso, além do processo de recompletamento e
aumento de efetivo necessário para a execução dos planejamentos estabelecidos, encontramos
explicação para os pouco mais de oito meses que foram necessários para retomar o movimento
em direção a Humaitá.
2º - As tratativas com Mitre sobre o prosseguimento
Após assumir suas funções no Passo da Pátria, Caxias procurou Mitre, o Comandante-emChefe para se inteirar da situação.
Convém reproduzir trecho de sua correspondência com o Ministro da Guerra, datada de 11
de setembro de 1867, que registra suas intenções no relacionamento com Mitre:
“Partindo para o teatro da guerra acreditei que a lealdade com que vim
disposto a cumprir as prescrições do tratado seria apreciada e correspondida
por nossos aliados, não só pelas ofensas que também eles haviam recebido do
inimigo comum, como pela franqueza e prontidão com que sempre satisfizemos
suas exigências, por mais impertinentes que tenham sido.”
Esse relacionamento, de certo modo conturbado, estabelecido no campo de batalha, durou
dois anos e quase dois meses. Nesse período, os primeiros contatos foram cordiais e duraram
quase três meses, pois a 09 de fevereiro Mitre se retirou com mais da metade do efetivo
argentino para debelar uma revolta interna que eclodira em sua pátria. Caxias, como também
relatou no documento acima citado, imaginou que não contaria mais com sua presença no
Paraguai.
Mitre se ausentou por apenas seis meses, quase o tempo gasto na preparação para a retomada
do movimento, sob a qual opinava constantemente, dando suas diretivas como Comandante-emChefe, que não chegavam a ser conclusivas.
A intenção de Caxias com a Marcha de Flanco também não é clara nos documentos que a
determinaram. A Ordem do Dia de 21 de julho, véspera do início do movimento, não contém
nenhuma indicação do objetivo da marcha.
87
Entretanto, nas suas ordens preparatórias, sua intenção parece clara, pois nas instruções que
mandou ao Conde de Porto Alegre, Comandante do 2º Corpo de Exército que ficara encarregado
de proteger a Área de Retaguarda dos aliados em Tuiuti, determinou:
Sendo o fim do movimento que vai empreender o Exército flanquear as
trincheiras inimigas e atacá-las pela retaguarda, se este caso se der e V.Exa.
pressentir o ataque, deverá acometê-las de frente pelo lugar que melhor lhe
pareça.
Outro indício, encontramos numa publicação denominada “Manuscrito de 1869”,
documento produzido por amigos de Caxias para defendê-lo dos ataques que sofria no
Parlamento por elementos do Partido Liberal, em função de ter se afastado do Paraguai após a
vitória definitiva de Itá Ivaté, no contexto da Dezembrada.
Na descrição que faz da reassunção de Mitre como Comandante-em-Chefe, lhe atribui a
responsabilidade da paralisação da ofensiva sobre o flanco paraguaio, em Tuiu-Cué, que se
encontrava fracamente defendido e com entrincheiramento singelo. Repetia-se Curupaiti.
O próprio Caxias se queixou da inação de Mitre no seu ofício de 11 de setembro ao se referir
a um reconhecimento que havia planejado para o dia 1º de agosto, com a colaboração da
Esquadra, relatando:
Bem fundadas esperanças tinha eu de que esse reconhecimento provocaria o
inimigo a aceitar batalha, na qual me parece provável nossa vitória, atento o
estado satisfatório de nossas denodadas cavalarias, o ardor para combater que
dominava todo o Exército e o efeito que causaria sobre o inimigo um ataque
inesperado em três pontos de suas fortificações, que, pelo lado em que hoje nos
achamos, só poderiam opor a esse tempo fraca resistência.
3º - As discussões sobre o emprego da Esquadra
As discussões e as tratativas sobre o emprego da Esquadra sobre os baluartes de Curupaiti e
Humaitá influíram bastante sobre as ações terrestres desencadeadas a partir de julho.
Mitre insistiu no emprego da Esquadra, mesmo antes do completamento do cerco em Tayi.
A firme e bem ponderada determinação do Almirante Joaquim José Inácio deram a Caxias os
argumentos para se opor à essas determinações.
As discussões, através trocas de ofícios e cartas, visitas entre ambos os chefes, duraram
cerca de 40 dias.
Uma Memória de Mitre datada de 09 de setembro, mas só entregue a 14, exigia o emprego
da Esquadra sobre Humaitá. Destaco o trecho:
Se a esquadra lhe pertencesse, não vacilaria um instante em reiterar a ordem
dada para forçar Humaitá, até perderem-se, pelo menos, dois terços dos
encouraçados, pois se toda a esquadra se perdesse, ficaria bem perdida e só
assim se provaria, com um único argumento concludente, ser a empresa
88
humanamente impossível. Se a dita esquadra não serve para forçar Humaitá,
não tem nenhum objetivo nesta guerra.
Voltando ao desabafo de Caxias com Paranaguá, ressalto o texto:
Os fatos que se estão passando, cada vez mais me convencem que o General
Mitre, presidente da República Argentina, nutre idéia sinistra a respeito da
Esquadra brasileira. Os nossos navios encouraçados e os vapores de madeira
formam já uma esquadra respeitável, que as Repúblicas do Prata,
especialmente a Argentina, encaram como um elemento poderoso de nossa
preponderância nos Mares da América do Sul; é por estas razões que as
referidas Repúblicas declaram, sem rebuço, pelos orgãos de sua imprensa, que
o Brasil tem vistas de usurpação contra o seu território e que sua esquadra é
uma ameaça permanente às suas instituições. Daqui o desejo afincado de fazer
desaparecer os elementos de que tanto se assustam ou fingem se assustar;
felizes se contarão se antes de terminar a guerra, ou mesmo em seu desfecho, se
ache completamente destruída a esquadra brasileira.
E afirma ainda que:
No espírito do General D. Bartolomeu Mitre atua pensamento oculto e maléfico
com referência ao Império e à presente guerra, e que nossa boa fé e
sinceridade estão bem longe de serem por ele compreendidas.
O Diário de Campanha de Caxias, publicado na íntegra pelo Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro em 1922 (Revista do Instituto – Tomo 91 – Volume 145) faz o seguinte registro no dia
12 de setembro:
As 4 horas menos ¼ da tarde, compareceu o general Mitre e teve com s.ex. o
Sr. general em chefe uma conferencia de uma hora, durante a qual apresentou
o seu plano de operações, que não foi aceito por s.ex.
Creio que neste instante Caxias se libertou de Mitre e ofício que redigiu para o Senador
Paranaguá, Ministro da Guerra, reflete esse tipo de atitude que só os grandes líderes são capazes
de tomar. Consciente da dimensão de sua atitude, que poderia por em risco o Tratado, sutilmente
coloca o cargo à disposição do governo, afirmando que desejava permanecer no posto, mas
receava que a idade e a saúde comprometida pelo clima não lhe permitiriam continuar.
A resposta de Paranaguá é direta:
Se, porém, a vista dos fatos ocorridos e dos que porventura tenham ocorrido
depois do seu reservado, V.Exa. continuar a crer que da parte do general Mitre
há plano oculto de procrastinar o tempo de guerra e ver que pode empreender
operações conducentes à derrota do inimigo, está V.Exa. autorizado a operar
independentemente de Mitre, ficando V.Exa. na inteligência de que não devem
embaraçá-lo as palavras ou a cláusula a que alude em seu dito ofício
reservado.
4º - O completamento do cerco e suas consequências
89
A liberdade de ação adquirida permite que o completamento do cerco terrestre se realize
com relativa rapidez, já que o terreno dificultava as ações. Assim temos:
- 20 de setembro - o reconhecimento de Pilar, nas margens do rio Nhembucú, que delimitava
pelo norte o TO de Humaitá.
- 21 de outubro - o combate de Tataibá, onde a cavalaria de Lopes foi praticamente
destroçada, dando maior segurança ao prosseguimento das ações.
- 29 de outubro – a posse do Potreiro Obella, onde Lopes invernava o gado que alimentava
seus efetivos em Humaitá.
- 02 de novembro – conquista do porto de Tayi, de onde Lopes estabelecia seus contatos
com o interior do Paraguai e por onde recebia seus reforços.
A conquista de Tayi resultou na segunda Batalha de Tuiuti, a 03 de novembro, uma tentativa
de aliviar o cerco terrestre estabelecido no dia anterior.
Determinou também a decisão de Lopes em preparar sua saída de Humaitá, estreitando seus
limites de defesa ao sul para a linha Curupaiti – Passo Pocu – Espinilho, mandando construir um
caminho pelo Chaco que saia no rio Tebiquerí, onde mais tarde tentaria estabelecer uma nova
linha de resistência. Estabeleceu, também, um reduto em Timbó, na margem do Chaco, para
proteger a retirada de seus efetivos de Humaitá e criar um novo canal de ligação com o interior,
através do Tebiquari.
A chegada dos monitores, em dezembro, possibilitou o planejamento da ultrapassagem
fluvial da fortaleza, que foi realizada, com êxito, a 19 de fevereiro, obedecendo a um
planejamento que envolveu todo o efetivo que sitiava Humaitá
Lopes abandonou Humaitá a 03 de março de 1868, levando cerca de 15.000 homens, ali
deixando quase a totalidade de sua artilharia e cerca de 4.000 homens. Mas a ocupação daquele
objetivo só se concretizou a 25 de julho, quase 4 meses depois, em função do seu formidável
entrincheiramento e da natureza do terreno circundante, que dificultava, e, em muitos lugares
impedia o movimento.
Foi necessária a ocupação da parte do Chaco, fronteira à fortaleza, a península de Acaiuasá,
onde aconteceram ações singulares, inclusive a conquista do baluarte de Timbó e a rendição final
do contingente deixado por Lopes em Humaitá, para proteger a sua retirada e retardar o avanço
aliado para o norte.
Humaitá foi transformada na grande base aliada que possibilitou o prosseguimento das
operações e permitiu desativar os depósitos e os parques do Passo da Pátria, de Corrientes, do
Cerrito e de Tuiuti.
90
A conquista de Humaitá terminou com o impasse de Tuiuti e criou condições para a
destruição do exército de Lopes na linha do Piquiciri.
Bibliografia:
FRAGOSO, Tasso Augusto. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai.
Volumes II e III. Edição de 1934. Imprensa do Estado-Maior do Exército. Rio de Janeiro
Diário do exército em operações (Diário de Campanha do Marques de Caxias) – in: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 91 – Volume 145, 1922.
BRASÍLICUS (LIMA, Patrício Augusto Câmara). Manuscrito de 1869 ou Resumo Histórico
das Operações Militares dirigidas pelo Marques de Caxias na Campanha do Paraguai. Rio
de Janeiro: Livraria e Litografia Popular de Azevedo Leite, 1872,174 páginas.
91
O COMANDO DO MARQUÊS DE CAXIAS EO FIM DO IMPASSE EM
TUIUTI: ANÁLISE ATRAVÉS DOS FATORES DA DECISÃO
Cap Elton Licério Rodrigues Machado
Introdução
O tema que foi atribuído pela organização do evento, ou seja, o comando do Marquês
de Caxias e, por conseguinte, o fim do impasse em Tuiuti, é um dos aspectos mais relevantes e,
ao mesmo tempo, discutidos na historiografia, principalmente a produzida por autores militares,
sobre o conflito. Assim, qualquer discussão sobre o referido tema, necessariamente seria uma
apresentação das principais decisões e fatos que marcaram o episódio, não raramente em ordem
cronológica e que buscam uma história total do conflito. Apesar da importância dos trabalhos
expostos desta forma, a historiografia contemporânea busca privilegiar determinados aspectos
específicos (enfoque e métodos) dentro dos inúmeros domínios (temas) propostos para a ciência
histórica. Portanto, o presente tema possibilita a oportunidade de enquadrar a problemática
proposta a partir de um “olhar” (metodologia) típica, que poderíamos chamar de militar e, ao
mesmo tempo, apresentar o método de se abordar (didaticamente), a História Militar na
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).
Desta forma, para atingir os objetivos propostos, o presente trabalho é dividido em
duas partes. Na primeira, juntamente com a discussão da abordagem (didática) específica
empregada, é realizada a apresentação de uma pequena parte da bibliografia sobre a guerra, que é
utilizada, com maior ênfase, no ensino de História da AMAN. Na segunda parte ocorre a
discussão da problemática proposta, a partir de uma abordagem específica, ou seja, a análise do
tema por meio dos “fatores da decisão”: missão, inimigo, terreno e condições meteorológicas,
meios e tempo. (Conf. BRASIL, 1997, 4-17/4-19).
História Militar na AMAN e sua metodologia, a Guerra da Tríplice Aliança e uma breve
revisão bibliográfica.
Esse trabalho não tem o caráter de análise aprofundada dos textos bibliográficos, tais
como o contexto sócio-cultural ou interesses políticos atuais ou passados da produção. O
empenho é somente o estabelecer alguns parâmetros iniciais para a discussão e de como se
apresenta os objetivos da disciplina de História Militar na Academia Militar das Agulhas Negras
(AMAN), particularmente sobre a Guerra da Tríplice Aliança.

Capitão do Quadro Complementar de Oficiais. Licenciado em História, com mestrado em História Social pela
Universidade Severino Sombra. Professor da Cadeira de História Militar da Academia Militar das Agulhas Negras.
92
Na AMAN, o curso de História Militar, dentre outros objetivos, visa também o de
instrumentalizar os cadetes (alunos) com fundamentos e conceitos que serão empregados no seu
cotidiano profissional. Os fundamentos das operações como princípios de guerra, fatores da
decisão e os estudos sobre a manobra (BRASIL, 1997), definem os principais objetivos do curso.
Mas estes objetivos não são atingidos apenas estudando a batalha, que significa o desfecho de
um conflito através do emprego do poder militar. Portanto, a História Militar se ocupa da guerra,
mas vai muito além da narrativa do fenômeno propriamente dito.
Hoje, mais do que nunca, a História Militar, em nossa opinião, é um estudo
profundo e amplo das guerras passadas, de como as nações se prepararam
para elas, ou de como as evitaram, das suas causas, das operações militares,
dos seus resultados, de suas conseqüências e reflexos, enfim; de todos os
ensinamentos que delas se pode tirar. (GIGOLOTTI, 2003, p. 23).
Para alcançar estes objetivos a metodologia utilizada é o estudo do fenômeno através
dos elementos da doutrina militar que são: a) organização; b) equipamento; c) preparo e
instrução; d) desenvolvimento das forças morais e; e) emprego do poder militar na guerra.
(BENTO, 1999, p. 4-10/4-11).
Mas isto não significa que a produção e o estudo da História Militar permaneçam
restritos ao campo ou domínio do bélico, ao contrário, são ampliados em inúmeras dimensões
com enfoques, dentre outros, em história social, cultural, política e econômica. Da mesma forma,
as abordagens (metodologias) são diversificadas podendo ir da arqueologia a biografia.
(BARROS, 2002, p. 18).
Como um aprofundamento sobre questões de teoria da história não é possível, em
face tanto a restrição temática quanto de espaço da presente comunicação. O exemplo a seguir
demonstra a amplitude temática oferecida à História Militar: a doutrina militar napoleônica é
fruto, em grande parte, das condições político-sociais impostas pela Revolução Francesa,
portanto ao se estudar a doutrina militar francesa do início da idade contemporânea, os assuntos
relativos à Franca revolucionária são condicionantes essenciais. Assim, ao se estudar as
instituições militares de uma sociedade o pesquisador perceberá que a sua organização,
equipamentos, adestramento, as suas forças morais e até mesmo o seu emprego em combate
(elementos da doutrina militar) são produtos da organização social, política e econômica da
mesma sociedade.
Assim, a historiografia atual da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai,
superado as análises revisionistas dependentista próprios de uma produção das décadas de 1960 e
1970 (TORAL, 2001, p. 40), oferece um diversificação de trabalhos, oriundos das universidades,
93
com enfoques em história política, econômica, social e com abordagens do tema através de
inúmeras fontes: iconográficas, relatórios médicos, biografias etc.
São exemplos significativos das novas abordagens as obras dos professores Vitor
Izecksohn, André Toral e Adriana B. de Souza. O professor Izecksohn (1997), discute o advento
do Exército enquanto instituição, como consequência da guerra. A obra de André Toral (2002),
que aborda o tema através das fontes iconográficas produzidas pelos beligerantes, que foram
utilizadas, tanto durante a guerra como após o conflito, para construir uma leitura do passado e,
também, de um futuro. Da mesma forma, a obra da professora Adriana (SOUZA, 2008), que
com novas abordagens produz uma leitura biográfica que despe o patrono do Exército tanto do
seu manto sagrado quanto da máscara do vilão. Ainda, duas teses de doutorado ainda não
publicadas: dos professores Marcelo (GOMES, 2007) e do Professor Braz (VAS, 2011), são
exemplos do amplo horizonte aberto nos últimos nos últimos anos.
As obras acima citadas, não pretendem fazer uma história geral do conflito, ao
contrário, o fato é o pano de fundo, para responder a outras indagações. Mas ao mesmo tempo,
evidenciam aspectos significativos dos campos sociais, políticos, econômicos e culturais das
sociedades envolvidas. Mesmo assim, produzem reflexões necessárias para estudos no campo da
doutrina militar.
O livro Maldita Guerra (DORATIOTO, 2002), não fugindo do rigor acadêmico,
procura abordar a história do conflito de maneira geral, ou melhor, procura recuperar a história
total do conflito. Assim, analisa as causas da guerra; os objetivos dos beligerantes; aponta os
fatos em ordem cronológica e descreve as inúmeras batalhas e; consequentemente termina com a
análise das diferentes consequências para os envolvidos. Na busca de encerrar em uma obra a
complexidade do fato histórico, o livro conseguiu levar ao grande público os resultados das
inquietações e pesquisas antes restritas ao ambiente acadêmico.
Ainda, o livro do professor Doratioto, abriu caminho para se revisitar antigas obras
sobre a guerra e que são as principais referências bibliográficas sobre o conflito a partir de um
enfoque na doutrina militar, objetivo da AMAN ao se estudar o conflito.
Uma das principais obras é o livro “Reminiscências da Guerra do Paraguai”
(CERQUEIRA, 1980). Este livro é importante no sentido de ser um testemunho pessoal e muito
particular do conflito. Ao abordar a rotina dos acampamentos e das marchas, o perigo das
batalhas e, a interpretação dos soldados das ordens, dos fatos e dos chefes; despe a narrativa
burocrática do conflito. Mesmo escrita após quarenta anos, o tom despretensioso da narrativa
corrobora, pelo menos em parte, a seriedade da obra. Para a História Militar na AMAN, a
importância está em achar respostas para inúmeras questões, tais como: como os combatentes
94
estavam organizados, como se relacionavam hierarquicamente e disciplinarmente, como era a
sua instrução, o que os motivava a lutar, qual era o seu armamento e como o usavam.
Outro importante trabalho é a obra de fôlego do General Tasso Fragoso: a História da
Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai (1956/1961). Publicada originalmente em 1924,
teve sua segunda edição no final da década de 1950 pela Biblioteca do Exército (BIBLIEx).
Publicada em cinco volumes é referência bibliográfica obrigatória sobre a Guerra. Uma obra que
busca realizar a história total do conflito, das causas políticas às operações militares é
praticamente um relatório sobre todas as operações da guerra desde o planejamento, preparação e
execução das manobras.
Assim, a obra “Reminiscências da Guerra do Paraguai” (CERQUEIRA, 1980) é um
olhar aproximado do objeto (a guerra), onde o drama humano se faz presente. A “História da
Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai” (FRAGOSO, 1956/1961), já apresenta um olhar
panorâmico e generalizante. Na primeira obra, o leitor/pesquisador observa o drama com uma
lupa, no segundo com uma potente luneta.
Para completar esta breve revisão bibliográfica os testemunhos de observadores
estrangeiros, e seu particular olhar sobre o conflito, merecem destaque. Dentre elas, o livro do
então cônsul britânico em Santos (BURTON, 1997), com suas impressões tanto sobre o ambiente
operacional quanto sobre os homens que fizeram a guerra, fornece importantes informações para
entender os aspectos doutrinários empregados.
A principal fonte das obras publicadas sobre a guerra, no que se refere às ações
militares, é “Atlas histórico da Guerra do Paraguay” (JOURDAN, 1871). Com desenhos, e cartas
detalhados e produzidos pela comissão de engenheiros do Exército, foram os documentos nos
quais os chefes militares obtiveram subsídios imprescindíveis para o planejamento das operações
militares, bem como se pode (re) construir os eventos nas inúmeras obras memorialísticas.
Assim, pode-se apresentar outra fonte valiosa para conseguir informações sobre a doutrina
militar: a iconografia produzida sobre o conflito.
Para o estudo com enfoque doutrinário são importantes as fontes que foram
produzidas durante ou após o conflito por personagens, que de alguma forma, participaram do
conflito e que deixaram registradas em imagens seu testemunho.
Duas obras se destacam: as pinturas de Cândido Lopez (TAMOYO, 1973) e as
fotografias, em sua maioria, da “Companhia Báte e W.” do Uruguai (CUARTEROLO, 2000). As
imagens retratadas nestas obras são componentes obrigatórios em qualquer trabalho sobre o
conflito e de certa forma, compõem cenário imagético atual, quando se pensa na Guerra da
Tríplice Aliança. As pinturas e as fotografias compõem um quadro importante de informações ao
95
se abordar a doutrina militar da época. O equipamento, a tropa, a organização do terreno (como o
flagrante das trincheiras) e a doutrina de emprego (as formações durante os ataques) ficam
evidentes ao observador.
Outra fonte importante são os desenhos reproduzidos na imprensa, através das
técnicas de litogravura. Entre ufanismos e críticas, a sátira era empregada por ambos os
contendores. Da mesma forma que a fotografia (CUARTEROLO, 2000) e a pintura de Lopez
(TAMOYO 1973), as caricaturas são parte integrante das obras sobre o conflito. As mais
reproduzidas são as publicadas nos periódicos paraguaios editados durante o conflito, como o
“Cabichuí” e “El Sentinela”. No Brasil são mais conhecidas as ilustrações de Ângelo Agostini no
jornal “Cabrião” e, da “Semana Ilustrada”. Este tipo de fonte pode demonstrar, a posição de
determinado grupo social ou político frente o desenrolar do conflito ou das atitudes dos chefes
militares, tais como os reproduzidos no livro “Maldita Guerra” (DORATIOTO, 2002, p. 181),
que satiriza a imobilidade das operações militares aliadas no início do ano de 1867. Ainda, como
“El Sentinela” satirizando o emprego pelos aliados de balões cativos para observação.
(DORATIOTO, 2002, p. 296).
A breve apresentação bibliografia, que neste trabalho é aproveitada para evidenciar,
de forma resumida, o comando de Caxias e o fim do imobilismo dos aliados após invadir o
território paraguaio. Portanto, com base nesta produção historiográfica buscou-se a análise, a
partir dos fatores da decisão, que procuram responder questões como: quais os aspectos que
levaram a guerra ser mantida por mais de dois anos em uma pequena área de pouco menos de
100 quilômetros quadrados; ou ainda, quais foram às atitudes de Caxias que procuraram
estabelecer a ofensiva aliada.
O comando do Marquês de Caxias e o fim do impasse em Tuiuti: uma breve análise a
partir dos fatores de decisão.
O conceito dos fatores da decisão, conforme o atual Manual de Operações do
Exército Brasileiro é definido como:
A sistematização do estudo de uma situação de combate, em qualquer nível,
divide de forma cartesiana tal estudo em partes para maior detalhamento de
cada questão. As partes constitutivas deste estudo estão consagradas na
doutrina militar brasileira e de muitos outros países, por meio dos chamados
fatores da decisão, que tradicionalmente se dividem em: MISSÃO, INIMIGO,
TERRENO E CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS, MEIOS e TEMPO.
(BRASIL, 1997, p. 4-17)
96
As operações militares, que possibilitaram os aliados cercar a fortaleza de Humaitá e
prosseguir a marcha rumo à capital paraguaia, ocorreu sob o comando de Caxias. Assim, as
ações a partir dos campos de Tuiuti deveram-se as decisões e os planejamentos propostos pelo
comandante a partir do cenário que ele encontra. Portanto, o estudo e a análise dos fatores da
decisão são importantes no sentido de reconstruir os problemas enfrentados e as soluções
empregadas pelos comandantes e pelas forças aliadas em um conflito. Assim, o exame das
decisões tomadas por Caxias durante seu comando deveu-se, muito particularmente ao
julgamento que ele e seus subordinados realizaram a partir: da interpretação da missão que
receberam; do estudo do inimigo; do reconhecimento do terreno e da análise das condições
meteorológicas impostas; dos meios dos quais dispunham e; do tempo disponível para as ações.
O tratado da Tríplice Aliança era claro em seus objetivos, pois a paz só aconteceria
após rendição incondicional das tropas paraguaias e do exílio de Solano López. Este era o
objetivo político, dos aliados e particularmente do império. E assim iria permanecer até o
término do conflito. Mas, para López, após o fracasso da invasão de suas tropas em território
argentino e rio-grandense e da assinatura do tratado seu objetivo político foi procurar negociar
uma acordo de paz, que fosse o melhor possível. Para isto: “Restava-lhe, como opção mais
segura, recuar suas tropas de volta ao território paraguaio e negociar a paz em inferioridade, mas
em forte posição defensiva, atrás da poderosa fortaleza de Humaitá”. (DORATIOTO, 2002,
p.158). Portanto, o presidente paraguaio, a partir dos seus objetivos políticos, esboça uma
estratégia militar baseada em posições defensivas, que visava ganhar o máximo de tempo
possível para desgastar militar e politicamente os aliados.
Assim, esse era o cenário que se encontrava o conflito, desde 22 de setembro de
1866, após o desastre aliado em Curupaiti. A estratégia de López estava fazendo efeito. Uma
guerra de posições, onde os meses, as derrotas e inúmeras dificuldades impostas pela logística
levariam o desgaste das forças e tornariam cada vez mais frágil aliança dos seus inimigos. Após
a travessia e a ocupação do território entre o forte Itapirú e os campos de Tuiuti (entre abril e
maio de 1866), o aliados não conseguiram mais prosseguir. As batalhas de julho de 1866
definiram uma guerra de trincheiras e de posições defensivas fortificadas, não só do lado
paraguaio, pois foi o que se tornou, em poucos meses, a posição aliada em Tuiuti. (Conf.
JOURDAN, 1871, Nr 5-6).
Com o caminho terrestre que levava para o norte, rumo a Humaitá, muito protegido
e, a leste, um território totalmente desconhecido, a opção aliada passou a ser o ataque, apoiado
pela Armada em transporte e artilharia, dos fortes ao longo da calha do rio Paraguai. Curuzú é
ocupada após ataque, em 02 de setembro, mas vinte dias após ocorre o insucesso na frente de
97
Curupaiti. Fracasso que demonstrou, além da fragilidade dos ataques frontais contra as posições
cada vez mais fortificadas do inimigo, também expôs os atritos entre os comandantes e as
desconfianças entre os chefes aliados.
Nesse cenário, Caxias é nomeado comandante as forças brasileiras no Teatro de
Operações. Diante de tal panorama, a missão de Caxias era clara, fazer com que a guerra de
posição, estratégia que favorecia o inimigo, se tornasse uma “guerra de movimento”, que
favorecesse o término no mais curto prazo possível, ou seja, uma guerra rápida, intento inicial
dos aliados.
Sobre a guerra de movimento o Manual de Operações (1997, p. 4-12) define:
Este conceito preconiza a busca da decisão da batalha terrestre por meio de
ações ofensivas extremamente rápidas e profundas, convenientemente
apoiadas, orientadas sobre segmentos vulneráveis do dispositivo do inimigo e
conduzidas a cavaleiro dos eixos disponíveis, em frentes amplas e descontínuas.
A missão imposta ao novo comandante, portanto exigia a busca de batalhas
decisivas. Adiante, em rápido resumo das operações, pode-se verificar se Caxias procurou
atender a esta exigência imposta pelo conflito.
Em 17 de novembro de 1866 Caxias chega a Itapiru e dois dias depois, assume o
comando das forças brasileiras em Tuiuti. Entre os meses de janeiro a julho de 1867 acumula
interinamente o Comando-em-Chefe aliado, função que assumirá definitivamente no mês de
janeiro de 1868.
No final de Julho de 1867, contornando pelo oeste o Estero Belaco (acidente natural
em que se baseava a defensiva paraguaia), Caxias ocupa, com o 1º e o 3º Corpo de Exércitos, a
posição de Tuiu-Cuê. Iniciou-se assim, o movimento para romper o impasse imposto pelo
inimigo. A partir de então, a cavalaria aliada faria reconhecimentos ao norte, atacando a vila de
Pilar (trinta quilômetros acima da fortaleza) e, em novembro de 1867, com o ataque a Tahí,
Humaitá está cercada por terra. Com o movimento da Esquadra, ocorrido no mês de agosto, onde
Curupaiti foi ultrapassada o cerco sobre Humaitá começa a se fechar. Testemunho disto é um
novo ataque de López a Tuiuti, no dia 03 de novembro do mesmo ano, procurando aliviar a
pressão exercida ao norte pelos aliados.
Quando da ocupação de Humaitá em agosto 1968, a vanguarda aliada já estava na
foz do rio Tebicuari (cerca de 60 quilômetros acima de Humaitá) e a esquadra já havia alcançado
Assunção, ou seja, pouco mais de um ano após iniciar as operações da manobra de flanco.
Enfim, se a guerra de movimento preconiza ações ofensivas, rápidas e profundas em
território inimigo, assim foram as ações planejadas e comandadas por Caxias frente a Humaitá.
E, para concluir, em 24 setembro de 1968, a vanguarda dos exércitos aliados, após marchar
98
duzentos quilômetros em 36 dias, por terreno pantanoso e desconhecido chega próximo a
fortaleza de Angustura. (DORATIOTO, 2002, p. 569). Nova manobra de flanco é planejada e,
rapidamente concluída (manobra do Piquissiri). Após três meses o poder combativo das forças
militares de Solano López é destruída. Angustura, não se torna uma nova Humaitá. Em 1º de
janeiro a capital paraguaia é conquistada.
Desta forma, pode-se concluir que Caxias planejou e executou uma guerra de
movimento.
Mas, ao analisar-se o período que vai do início do comando de Caxias e a começo
das operações ofensivas, que visava a manobra de flanco sobre Humaitá, decorreram-se oito
meses. A ocupação definitiva de Humaitá somente ocorreu um ano depois (em julho de 1868).
Este período de tempo, de quase dois anos, parece demonstrar que a missão proposta a Caxias de
por término rapidamente ao conflito que se traduz em uma guerra de movimento não foi
alcançada, pelo menos imediatamente.
Certo ainda, houve um imobilismo, de pelo menos oito meses, dos aliados na posição
de Tuiuti. Portanto, um exame das inúmeras dificuldades impostas ao comando do Marquês e as
suas forças para concluir a sua missão, se faz necessário. Para isto, um meio proposto para
ponderar, de forma resumida, este problema é a partir da análise dos outros fatores da decisão.
O segundo fator da decisão é o inimigo. O Manual de Operações (BRASIL, 1997, p.
4-17) preconiza que:
a. O estudo do inimigo, em face de cada situação apresentada, deve dirigir-se
para o levantamento das peculiaridades e deficiências deste inimigo que
poderão influir, favorável ou desfavoravelmente, na sua eficiência de combate.
(...)
b. O levantamento das peculiaridades e deficiências servirá de base para a
determinação das vulnerabilidades do inimigo, bem como auxiliará quando da
análise das linhas de ação. (...).
Sobre o inimigo, os comandantes da Tríplice Aliança, já possuíam muitas
informações. A atitude defensiva dentro de posições fortificadas, mas utilizando golpes de mão
em rápidas surtidas, para desgastar a tropa aliada demonstrava a tática das forças de Solano
López. Mas um fator que levou não só o imobilismo da frente de combate, como também,
aumentou a duração do conflito foi a tenacidade dos soldados paraguaios.
Esta obstinação dos soldados de López, traduzida como coragem e valentia era fruto,
segundo muitos autores do patriotismo do povo paraguaio, que via seu país invadido por forças
militares. Um exemplo foi deixado por Dionísio Cerqueira, que relata a resposta de um velho
soldado inimigo após ser instado pelo autor a se render responde: “Nos otros somos soldados,
99
como tu, y nuestro honor nos manda morir por La pátria. Eres mui jovem, retirate”.
(CERQUEIRA, 1980 p. 201).
Mas também, o medo era um ingrediente que se apresentava no espírito do soldado
paraguaio. Este medo era proveniente das atitudes de seu comandante (Solano López), como
relata Tasso Fragoso:
López mostrou-se indignado com o procedimento da guarnição de Curuzú,
sobretudo com a do 10º Batalhão, que se encontrava no flanco esquerdo, e não
soubre anteparar a manobra dos brasileiros. Ordenou que este corpo fosse
dizimado. Todas as praças a quem tocou por sorte o número 10 padeceram o
castigo do fuzilamento. Os oficiais foram sorteados por meio de palhas
compridas e curtas. Os que tiravam as primeiras eram imediatamente passados
pelas armas. (FRAGOSO, 1959, p. 93)
Mas quando Caxias assumiu o comando existia também um fator importante, que foi
consequência do ataque do inimigo de 24 de maio de 1866. Segundo Doratioto (2002, p. 223224), em Tuiuti “o Exército paraguaio, perdeu seus melhores homens, e não conseguiu substituílos por outros com igual preparo”. Observa o mesmo autor, que naquela ocasião o ataque
paraguaio, como também, em outras durante o conflito, foi caracterizado por nenhuma
observância dos preceitos da guerra. Ainda, “que ninguém ousou lembrar a Solano López que os
aliados tinham superioridade esmagadora em homens e em artilharia, que disporiam da vantagem
da defesa, e, ademais que os soldados portavam armamento inferior”.
Assim, quando Caxias assume o comando, algumas informações sobre as
deficiências do inimigo, já eram claras. O inimigo, além de ter a atitude defensiva também:
apresentava armamento obsoleto, possuía efetivos inferiores, perdera seus melhores combatentes
e não possuía tropa adequadamente adestrada.
Se estas eram as condições do inimigo encontradas por Caxias, qual foram os
motivos que o levou a permanecer meses ainda em Tuiuti? Uma reposta pode ser considerada ao
se verificar o terreno e as condições metereológicas.
Sobre o Terreno e as condições metereológicas, enquanto fatores da decisão, o
Manual de Operações (BRASIL, 1997, p. 4-18) preconiza que:
a. O estudo do terreno e das condições meteorológicas está condicionado ao
escalão considerado.
b. Nos mais altos escalões, é realizado por meio do estudo estratégico de área
operacional, desde o tempo de paz, e mantido constantemente atualizado. Esse
levantamento constitui a base dos estudos do comandante da FTTOT e traz
consigo o estudo geográfico militar da área de operações, que é de particular
importância para os comandantes operacionais.
100
Um consenso na historiografia, principalmente militar, se refere a importância que o
terreno, agravado pelos fatores de ordem climática, tiveram no desenrolar da guerra, sobretudo,
são acusados de serem os principais motivos da sua longa duração do conflito.
Para bem compreender as dificuldades que os aliados encontrariam pela frente, é
interessante que se faça um ligeiro estudo do terreno do Passo da Pátria até Humaitá, palco onde
se desenvolveu a maior parte da guerra.
Notava-se nessa região desde logo a presença de dois obstáculos fluviais o Esteiro
Bellaco e o Esteiro Rojas, fora outros de não menor importância militar. Os Esteiros eram
depressões do terreno onde, na época das enchentes, uniam-se as águas do Rio Paraná às do
Paraguai. Naquela época, uma infinidade de pequenos canais paralelos e laterais formava, no
território mais ao sul do Paraguai, uma grande ilha.
O terreno por onde é traçado o caminho Passo da Pátria - Humaitá (de sul para norte)
cruza os dois esteiros, que o dividem em três seções: uma do Passo da Pátria ao Estero Bellaco,
outra entre Bellaco e o Estero Rojas (Tuiuti) e a terceira entre Rojas e Humaitá.
O flanco esquerdo dessa região era apoiado em várias lagoas que se ligavam com o
Rio Paraguai e, nos obstáculos naturais produzidos pelo Estero Rojas, se estendia a linha
defensiva paraguaia, que chegava até as margens do rio Paraguai, em Curupaiti. O flanco direito
tinha saída para leste, mas desconhecida, até a chegada de Caxias. Por esta parte leste entre
Bellaco e Rojas que se abriram comunicações e o trânsito para os comboios que circularam, após
julho de 1867, entre Tuiuti e Tuyu-Cué. (GIGOLOTTI, 2003, p. 441 – 442).
Mas ao tempo da chegada de Caxias, toda essa região era desconhecida aos aliados
que palmilhavam o terreno sempre aguardando surpresas. Cartas topográficas não havia de
espécie alguma, pois foram lentamente confeccionadas pela Comissão de Engenheiros. Os
aliados, do Passo da Pátria até Tuiuti, marcharam às cegas até chocarem-se com as trincheiras,
levantadas na borda do Esteiro Rojas. Penetraram por uma espécie de desfiladeiro, formado por
obstáculos fluviais e agravados pelos inimigos.
A margem esquerda do rio Paraguai oferecia sítios que proporcionavam posições
defensivas, como as de Curuzú e Curupaiti, que somente foram atacadas com o transporte de
tropas pela esquadra. Neste ponto, o regime hídrico dos rios e as chuvas também impunham
restrições às operações, que ficavam limitadas a certos meses do ano. Dionísio Cerqueira, ao
escrever sobre o Almirante Tamandaré, deixa entrever as dificuldades impostas pelo regime
hídrico dos rios:
O velho marinheiro devia saber bem o que fazia e não achou conveniente subir
com seus navios senão depois de começar a enchente e chegar o exército.
Poucos sofreram, no entanto, as armas da Aliança com essa demora. Quando
101
chegamos à sua margem em fim de março, o rio crescia aos palmos, e as águas
revoltas tinham perdido a suave limpidez azulada da estiagem. (CERQUEIRA,
1980, p. 120).
Outro exemplo, da imposição das intempéries, Tasso Fragoso registrou ao relatar o
abandono pelos aliados das trincheiras de Curuzú:
A 27 de maio, começou uma enchente excepcional nos rios Paraguai e Paraná;
os dois cursos dágua desbordaram francamente e invadiram tudo: depósitos,
hospitais de Itapirú e acampamento de Curuzú. Há 60 anos não se via o
Paraguai ascender a tão grande altura. (FRAGOSO, 1959, p. 207).
Da mesma forma, as dificuldades impostas pelas condições climáticas acometiam
também os homens. A maior parte dos efetivos brasileiros, nos anos iniciais do conflito, era
proveniente do norte e nordeste do Império. Sofreram, portanto com o frio do inverno que
caracterizava a região platina. (DORATIOTO, 2002, p. 117).
Sem dúvidas, o espaço de tempo entre a chegada de Caxias e o início da manobra de
flanco sobre Humaitá, período de aproximadamente oito meses, que muitos contemporâneos da
guerra criticam como total imobilismo foi na realidade, de intensas atividades. Uma das
principais atividades que ocupavam os comandantes era o reconhecimento do terreno, a outra,
também de grande relevância, a reunião dos meios materiais para realizar a guerra de
movimento.
Sobre os meios, enquanto fatores da decisão, o Manual de Operações (BRASIL,
1997, p. 4-18) preconiza que:
a. A estratégia operacional terrestre vale-se dos meios materiais e morais, que
vão desde o emprego de armas e instrumentos da mais avançada tecnologia e
de tropas suficientemente adestradas, até a propaganda. A escolha adequada
dos meios e sua aplicação no tempo e no espaço, para alcançar osobjetivos
impostos ou eleitos, constituem propriamente a arte de planejar.
b. Na análise realizada, o planejamento deve avaliar as necessidades
decorrentes do estudo dos demais fatores. Após o confronto entre os meios
necessários e os disponíveis, estudam-se os reajustamentos necessários no
planejamento, adequando-o à realidade e levando-se em conta as eventuais
peculiaridades, deficiências e vulnerabilidades do inimigo.
c. Desde os menores escalões, devem ser analisadas as características da
tropa, as condições de mobilidade tática e estratégica, as informações
disponíveis sobre pessoal, logística e assuntos civis, entre outras. É necessário
considerar, também, o apoio a ser prestado por outras forças singulares, tais
como os apoio aéreo e naval, este último quando possível.
Desde antes de sua chegada a Tuiuti, Caxias já havia tomado providências para o
retorno de Osório à frente, com mais uma grande unidade. O 3° Corpo de Exército que chegará
em 20 de julho de 1867 e que juntamente com o 1º iniciaram a marcha de flanco sobre Humaitá.
Constatou, também, que a cavalaria do 2° Corpo de Exército estava toda a pé; não havia carros
102
para empreender qualquer movimento; não havia bois para a condução das carretas; e os dois
Corpos de Exército eram inteiramente diversos em número e organização, parecendo pertencer a
diferentes nações. Nessas condições era indispensável restabelecer a ordem, reorganizar as
forças, instruí-las, daí a atitude defensiva adotada nos primeiros meses de comando. Além da
necessária uniformização do armamento e aprovisionamento. (GIGOLOTTI, 2003, p. 447).
O trabalho para a reorganização, reunião dos meios necessários ao planejamento
foram uma das causas do aparente imobilismo da frente aliada. Aeróstatos (balões cativos) foram
colocados no teatro de operações para auxiliarem no reconhecimento do terreno. Navios da
classe Monitor e encouraçados foram construídos com o intuito de forçar a passagem sobre as
fortalezas.
Mas o maior o melhor meio que Caxias pôde ter a disposição na guerra foram os
soldados brasileiros. Esta observação mereceu reflexões de Sir Richard Burton:
Normalmente os brasileiros recusavam estrangeiros e estavam certos em
preferir, eles próprios, travas suas batalhas. No início da guerra o Império
poderia facilmente ter recrutado oficiais experientes, recém-saídos dos Estados
Sulistas, que o teriam logo provido de combatentes. Legiões estrangeiras
também têm-lhe sido repetidamente propostas e rejeitadas. Nesse particular, o
Brasil escolheu certamente a parte mais nobre, e o espírito e a Têmpera dessa
nação, sob as mais adversas circunstâncias, ser-lhe-ão sempre lembrados como
um ponto de honra. (BURTON, 1997, p. 321).
Finalmente, o comando de Caxias e, consequentemente, o fim do impasse frente à
Humaitá com retomada de uma “guerra de movimento” será analisada através do último fator de
decisão: o tempo.
Sobre o tempo, enquanto fator da decisão, o Manual de Operações (BRASIL, 1997,
p. 4-18/4-19) preconiza que:
a. Embora o fator tempo tenha estado sempre presente nos estudos de situação
e nas considerações para a tomada de decisão, o advento de meios cada vez
mais modernos de combate, com melhora sensível na mobilidade, na rapidez e
na aquisição das informações, potencializou a importância da oportunidade.
Não basta planejar bem, o desencadeamento das ações deve acontecer no
tempo oportuno.
b. Na defesa, (...).
c. No ataque, o fator tempo torna-se fundamental para que nossa ação ocorra
antes do reforço do inimigo ou de que este inimigo organize adequadamente
sua defesa. É decisivo quando a missão do escalão superior impõe a abertura
do prosseguimento ou outra ação qualquer em um prazo restrito, de maneira a
garantir, com o mínimo de perdas, o sucesso da operação como um todo.
103
Como visto anteriormente, o fator tempo era um dos principais motivos que levaram
Caxias a ser nomeado comandante das forças no Teatro de Operações. Numa guerra de
movimento, as operações deviam ser planejadas e desencadeadas no mais curto prazo possível.
E, aparentemente, apesar de inúmeras criticas de seus contemporâneos, foi o que
aconteceu. Caxias após ter recebido o comando, e estabelecer seus objetivos (missão), trabalhou
continuamente para estudar o inimigo, reconhecer o terreno e minimizar as dificuldades impostas
pelo clima. Ao mesmo tempo procurou reunir os meios materiais e adequados necessários ao
cumprimento da missão. Dentre elas, a organização do apoio logístico, reorganização das forças
em campanha, e o adestramento das tropas, sofreram atenções especiais.
Quando o Marquês de Caxias reuniu os meios com os quais poderia dar início a
operação ofensiva não hesitou, pois logo após a chegada do General Osório com o 3º Corpo de
Exército, mesmo que esta Grande Unidade estivesse com pouco mais de cinco mil homens,
inicia o movimento para cercar Humaitá. Da mesma forma, assim que a Esquadra recebe navios
adequados para transpor Humaitá, ordena ao Comandante da Armada que force a fortaleza, e que
estabeleça contato com as forças terrestres amigas estacionadas ao norte. Fato que ocorre no mês
de fevereiro de 1868. (DORATIOTO, 2002, p. 319).
O tempo, enquanto fator da decisão se tornou prioritário. Em agosto de 1968, Caxias
não entra em Humaitá, pois esta já se tornara um objetivo secundário. A perseguição as forças
paraguaias é intensa. São percorridas mais de duas centenas de quilômetros e batalhas campais e
decisivas são travadas em pouco mais de três meses. O poder militar paraguaio foi derrotado e
sua capital tomada. Em síntese estas ações definem uma guerra de movimento. (Conf. BRASIL,
1997, p. 4-12).
Considerações finais
Caxias foi fundamental para por fim ao impasse em que as forças aliadas se
encontravam em Tuiuti. Esta afirmação fica mais evidente ao analisar seu comando à luz dos
fatores da decisão. Caxias foi escolhido pelos políticos e pelos militares do Império. Da mesma
forma conduziu suas campanhas anteriores, no combate às revoltas provinciais, onde procurou
centralizar, sob sua responsabilidade, o poder político e militar.
Ao analisar o comando de Caxias através dos fatores de decisão, não se pretendeu a
redução ou a simplificação do tema. Mas, ao lado da exposição da metodologia didática que é
utilizada no curso de História Militar da AMAN, apresentar também um modelo de análise,
comum no meio historiográfico militar.
104
Como conclusão é forçoso deixar alguns testemunhos bibliográficos, que corroboram
as reflexões sobre a importância da figura do Marquês de Caxias, ao conseguir desfazer a guerra
de posição e as condições impostas em Tuiuti pelo inimigo.
O inglês Richard F. Burton enxergou em Caxias o trabalho da organização do
Exército Imperial:
O principal mérito do “Wellington da América do Sul” é o de ser um excelente
organizador. Antes de ter assumido o comando, o Exército Brasileiro estava
nas piores condições possíveis; hoje pode ser comparado favoravelmente, no
que concerne aos recursos modernos, aos mais civilizados (BURTON, 1997, p.
323-324).
E concluindo: o professor Francisco Doratioto, eu sua obra “Maldita Guerra”,
procurou afastar a mística em torno da figura de Caxias, isto é, despojá-lo do sagrado e
apresentá-lo como um homem que viveu o seu tempo.
Caxias no Paraguai teve dúvidas, orgulho, ressentimentos, e cometeu erros, foi
um personagem real [...], porém conseguiu transcender suas limitações, impôsse grandes sacrifícios pessoais [...]. Neste contexto, Caxias foi, sim , um herói;
trazia em si, é verdade, preconceitos sociais e políticos de sua época, mas não
se pode cobrar do passado a observância dos valores do presente.
(DORATIOTO, 2002, p. 392-393).
Referências Bibliográficas
BARROS, José D’Assunção. O campo Histórico. Rio de Janeiro: CELA, 2002.
BENTO, Claudio Moreira. Como estudar e pesquisar a História do Exército Brasileiro.
Resende: AHMTB, 1999.
BOX, Pelham Horton. Los Origenes de La Guerra Del Paraguay contra La Triple Alianza.
Asunción: Editorial El Lector, 1996. (1ª Ed. 1927, University of Illinois Studies in the Social
Sciences).
BRASIL. Manual de Campanha: Operações (C 100-5). Brasília: Estado-Maior do Exército,
1997.
BURTON, Richard. Cartas sobre a Guerra do Paraguai contra a Tríplice Aliança. Rio de
Janeiro: BIBLIEx, 1997.
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Guerra do Paraguai (1865-1870). Rio de Janeiro:
BIBLIEx, 1980.
CUARTEROLO. Miguel Ángel. Soldado de la memória: imágenes y hombres de la Guerra
Del Paraguay. Buenos Aires: Editorial Planeta, 2000.
105
DORATIOTO. Francisco Fernando Monteoliva. Maldita Guerra: nova história da Guerra do
Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
FRAGOSO. Augusto Tasso: História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ª ed.
Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1956/1961.
GIGOLOTTI, João Carlos Jânio. Estudo de História Militar. 02 Vol. Resende – AMAN História Militar, 2003.
GOMES, Marcelo Augusto Moraes. A Espuma das Províncias: um estudo sobre os Inválidos
da Pátria e o Asilo dos Inválidos da Pátria, na Corte (1864-1930). Tese de Doutorado:
FFLCH/USP, 2007.
IZECKSOHN, Vitor. O cerne da discórdia: a Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do
Exército. Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1997.
JOURDAN, Emílio Carlos. Atlas históricos da Guerra do Paraguay: organizado pelo
primeiro tenente E.C. Jourdan membro da comissão de engenheiros sobre trabalhos seus e
de outros oficiais da mesma comissão. Rio de Janeiro: Lithografia Imperial de Eduardo
Rensburg, 1871.
SOUSA, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: o homem por trás do monumento. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
TAMOYO, Marcos. A Campanha do Paraguai / De Corrientes a Curupaiti / Vista pelo tenente
Candido López. Rio de Janeiro: Editora Record,1973.
TORAL, André. Imagens em Desordem: iconografia da Guerra do Paraguai (1864-1870).
São Paulo: Humanitas/FFCL-USP, 2001.
VAS, Braz Batista. O final de uma guerra e suas questões logísticas: o Conde d’Eu na
Guerra do Paraguai (1869 – 1870). Tese de Doutorado: Unesp, 2011.
106
O CORPO DE SAÚDE DO EXÉRCITO NA TRÍPLICE ALIANÇA
Gen Div Med Aureliano Pinto de Moura
1.
ANTECEDENTES
As Casas de Misericórdia
Até chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, no início do século XIX, a medicina no Brasil
deixava a desejar. Nos séculos XVI e XVII fundaram no Brasil nada menos que sete Casas de
Misericórdia: Santos (1543), Rio de Janeiro (1545), Bahia (1549), Olinda (1606) e Itamaracá
(1611). No interior da colônia a população dependia muito das enfermarias e hospitais humildes
e de parcos recursos, dos padres jesuítas.
Em meados de 1727 passou a funcionar, o Hospital do Quartel da Guarnição da Armada à
Rua dos Quartéis da Armada, depois Rua do Bragança e por último, Rua Conselheiro Saraiva, o
segundo serviço hospitalar da cidade, criado em Carta Régia (21 Mar 1702). Ali eram atendidos
também os demais militares. Mal situado, no Morro de São Bento.
Despejados do Colégio do Morro do Castelo, em 1759 e expulso para Portugal no ano
seguinte, o imóvel começou a ser recuperado para transformá-lo no em palácio residencial para o
vice-rei, com o que não concordou o conde de Azambuja, ao assumir o cargo. Ali seria instalado
o Hospital Real Militar do Castelo, conforme decisão de sua Majestade, pois o antigo já não
atendia a demanda. Foi seu diretor o Cirurgião-Mór Theotônio Santos de Almeida.
No Rio de Janeiro, a população contava com os limitados recursos da Santa Casa de
Misericórdia e de enfermarias mantidas pela Companhia de Jesus, até o meado do século XVII,
no Colégio do Morro do Castelo. Eventualmente contavam com o Hospital Militar, com Hospital
da Venerável e Arquiepiscopal Ordem Terceira de N.S. do Carmo, com Hospital da Ordem
Terceira de S. Francisco de Paula e o Hospital dos Lázaros.
Os atendimentos eram precários e grande era o número de enfermos que chegavam, no dia a
dia, trazidos pelas embarcações, vindas de outras localidades.
Em 1790, no Hospital da Misericórdia, no Rio de Janeiro, o cirurgião Antonio José Pinto,
deu o primeiro Curso de Cirurgia. Hospital que logo passou a ser a primeira Academia MédicoCirúrgica, precedendo a Escola de Medicina, criada por D.João, em 1808. (67)

Presidente do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil; Membro do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro; Presidente da Comissão Brasileira de História Militar; Ex-presidente da Academia Brasileira de
Medicina Militar; Mestre em Aplicações Militares e Doutor em Aplicações, Planejamento e Estudos Militares.
67
Santos Fº, Lycurgo – História da Medicina no Brasil –Ed.Brasiliense Lta. 1945 –S. Paulo
107
Até meados do século XVIII os militares, doentes e feridos eram tratados nos hospitais da
Misericórdia pelos cirurgiões da “tropa”, do “partido” de Sua Majestade ou do “partido da
Câmara”. Da mesma forma como os presos e condenados.
Nas ocasiões de socorro as grandes massas de doentes e feridas, eram aos irmãos da
Misericórdia que os chefes militares recorriam. Com aconteceu n o cerco de Olinda, quando João
Fernandes Vieira ordenou a Santa Casa de Olinda atender aos seus feridos, conforme relato de
Frei Manuel Calado 68.
Os Hospitais Reais Militares
Com a expulsão dos jesuítas, no século XVIII, o marquês de Pombal determinou que fossem
instalados nos colégios da Companhia de Jesus, os “hospitais reais militares” para o
atendimento da tropa. Assim as principais vilas passaram a possuir os seus hospitais militares.
Em 1768, criados: o Hospital Real Militar do Rio de Janeiro, o de São Salvador, o de São
Luis, o do Desterro, o de Porto Alegre, o de São Paulo, o de Santos, o de Belém, o de São José
do Rio Negro e o de Barcelos. Alguns desses hospitais atendiam também os indigentes.69
No Rio de Janeiro, o Hospital Real Militar e as enfermarias militares eram atendidos pelos
poucos cirurgiões militares da guarnição, eventualmente contavam com o Hospital da
Misericórdia e nos das Ordens Terceiras.
Alguns cirurgiões militares eram diplomados em Coimbra, mas a maioria não era
diplomada. Era famoso, no final do século XVII o cirurgião mor da Capitania do Rio de Janeiro,
Matheus Saraiva, diplomado por Coimbra e médico do conde de Bobadela, vice-rei do Brasil.
Com a chegada da Família Real, a direção do Hospital Real Militar foi entregue ao Frei
Custódio de Campos Oliveira, leigo professo da Ordem de Cristo e Cirurgião-Mór de todos os
Exércitos e de Ultramar. O 1º Diretor de Saúde do Exército e da Marinha, até o retorno de
D.João VI para Portugal.
Durante o período que aqui esteve, frei Custódio ”tirou do caos o serviço sanitário,
sujeitando-o ao respeito e à disciplina de um chefe único e incontroverso”
Naquela época a hierarquia do pessoal do Corpo de Saúde não possuía uma equivalência
paralela aos oficiais combatentes. Os físicos, cirurgiões e boticários militares, só foram
equiparados aos oficiais combatentes e ter os mesmos direitos e soldos, após o Regulamento do
Corpo de Saúde, de 1857.70
68
Santos Fº, Lycurgo – História da Medicina no Brasil –Ed.Brasiliense Lta. 1945 –S. Paulo
Santos Fº, Lycurgo – História da Medicina no Brasil. Ed.Brasiliense Lta. 1945 –S. Paulo
70
Lobo da Silva, Arthur. O Serviço de Saúde do Exercito Brasileiro. Bibliex. Ed. Rio de Janeiro – 1958.
69
108
2.
O CORPO DE SAÚDE DO EXÉRCITO
No meado do século XIX, os conflitos no Prata mantinham o Império com as suas Forças
Armadas voltadas para o Sul. Já durante a Guerra dos Farrapos, o general Antonio José Rosas,
ofereceu ajuda aos farrapos, que o repeliram. No Uruguai, Rosas apoiava os Blancos, de Oribe
contra Rivera. A aliança entre Oribe e Rosas levou o Império aliar-se a Urquiza, presidente de
Entre Rios, invadindo a Argentina e depondo Rosas. O que ocorreu nos idos de 1852.
Em 7 de julho de 1849, o cirurgião Antonio José Ramos (1849 – 1856), nomeado Cirurgião
Mor do Exército, Chefe do Corpo de Saúde, ao assumir o cargo procurou melhorá-lo, mesmo
antes do envolvimento do \Império com Urquiza.
Consciente das dificuldades que se avizinhavam. Visando aprimorar o padrão dos cirurgiões,
Antonio Ramos, propôs ao Ministro da Guerra um programa de admissão ao quadro. Os
candidatos deveriam apresentar documentos comprobatórios das habilitações exigidas,
inspecionados de saúde e inscrição na Secretaria do Corpo de Saúde, para serem admitidos,
mediante concurso.
O concurso deveria ser realizado no Hospital Real Militar, perante uma Comissão, versando
sobre: Clínica Médica e Cirúrgica, Medicina Operatória, Higiene Militar e sobre sistema de
ambulâncias e hospitais de campanha. Uma vez aprovado ingressariam no Corpo de Saúde,
como segundo-cirurgião, Alferes. O Regulamento do Corpo de Saúde, de 1851, (Dec.763, de 22
de fevereiro) prescrevia normas rígidas para o ingresso na carreira militar, o que de certo modo
afastava os candidatos.
Com a crise no Prata, em 1851 o Exército adquiriu algumas ambulâncias volantes, de
origem prussiana e posteriormente, em 1857, de origem francesa.
Em 17 de junho de 1851, o cirurgião José Ramos apresentou ao Ministro da Guerra,
marechal Antero José de Brito, segundo sua determinação, os oficiais de Saúde que deveriam ser
deslocado para o Exército do Sul. Em 6 de agosto foi nomeado Delegados do Cirurgião Mor, na
Províncias do Rio Grande do Sul, o cirurgião Manoel Feliciano de Carvalho. Ficando
subordinados a ele todos os cirurgiões do Exército, empenhados no Sul. Por já possuir
experiência de combate, Feliciano de Carvalho imprimiu novo impulso à medicina de guerra e
não teve dificuldade em administrar o Corpo de Saúde. Mas a situação, exigia maior número de
cirurgiões.
Além das ações de combate, doenças, como a cólera, a varíola, a febre tifóide e doenças
sexualmente transmitidas (DST), também eram causas de baixas e perdas.
O Marquês de Caxias, quando Ministro procurou melhorar o padrão e as condições de
trabalho dos cirurgiões. O que resultou no Decreto nº1900, de 7 de março de 1857, que
109
estabeleceu o novo Regulamento do Corpo de Saúde do Exército, obrigatoriamente composto
“por doutores formados em medicina, farmacêuticos formados e enfermeiros convenientemente
habilitados”.
O Corpo de Saúde passou a ter:
- um Cirurgião-Mór, Chefe do Corpo de Saúde - [coronel];
- quatro Cirurgiões-Móres de Divisão - [tenente- coronel]
- oito Cirurgião-Móres de brigada - [major];
- trinta e dois 1º Cirurgiões - [capitão];
- sessenta e quatro 2º Cirurgiões - [tenente];
- oito boticários - [alferes].
- uma Companhia de Enfermeiros composta de um 1º sargento, quatro 2º sargentos,
oito cabos de esquadra, e cento e cinqüenta soldados, dos quais cem enfermeiros-mores e
enfermeiros, e mais cinqüenta ajudantes.
Pelo novo Regulamento, “os oficiais do Corpo de Saúde teriam todas as honras,
previlégios, liberdade, isenções e franquezas, que pelas leis do Império competirem aos oficiais
combatentes de postos iguais”.
Quando houvesse falta de cirurgião ou boticário militar, o Presidente da Província poderia
contratar civis com as vantagens do 2º cirurgião, até que se resolvesse o problema.
O Regulamento ainda permitia “alunos pensionistas” que prestavam serviços e estudavam
nos hospitais militares. 71
O referido Regulamento subordinava a Direção dos Hospitais Militares a um oficial combatente [??]
de hierarquia compatível com a do médico, enquanto “as enfermarias militares ficavam sob a
administração geral do Comandante do Corpo ou Destacamento a que pertencerem”.
Em 26 de dezembro de 1856 assumiu a Chefia do Corpo de Saúde o Cirurgião-Mor Feliciano Pereira
de Carvalho, um dos melhores cirurgiões brasileiros de sua época. O segundo a empregar a anestesia
geral no mundo [no HCE] e o criador do Montepio Militar para médico
Os problemas no Sul continuavam exigindo maior apoio de Saúde. Em 29 de agosto de 1857, o
Ministro da Guerra, Jerônimo Coelho determinou a remessa de “meios necessários para o apoio de um
efetivo de 1.000 homens. Correspondendo a oito ambulâncias [equipes]; três ambulâncias de cirurgia e
três ambulâncias de botica [farmácia]”. 72 Assim como uma força de 100 homens deveria ter consigo um
par de caixas para ambulância cirúrgicas, em forma de mochila.
71
72
Dec. Nº1900, de 7 de março de 1857
(Doc. Arquivo Nacional)
110
No final daquele ano o Corpo de Saúde foi aquinhoado com dez viaturas ambulâncias, várias
liteiras, cacolets, padiolas, além de albardas para bestas, tudo importado da França. Nesta mesma época
ambulâncias-mochilas de botica foram remetidas para Mato Grosso. 73
Na época a dotação prevista para um Corpo de Exército era a seguinte:
Viaturas (carruagem) ambulâncias para feridos..... ........ 6
Pares de liteiras .............................................................. 20
Pares de cacolet.............................................................. 20
Padiolas.......................................................................... 30
Ambulâncias portáteis de Infantaria............................... 14
Ambulâncias portáteis de Cavalaria............................... 10
Ambulâncias cirúrgicas ................................................ 7
Caixa para socorro de asfixia ....................................... 1
Mesa para amputação (de campanha) .......................... 6
Estojos de algibeira....................................................... 4
No início de 1862, o Cirurgião Mor do Exército enviou ao Ministro da Guerra o seu Relatório Anual
do Corpo de Saúde, referente ao ano de 1861. Documento que bem mostra a situação do Corpo de Saúde,
nas vésperas da Guerra da Tríplice Aliança. A falta de profissionais era uma realidade e uma
preocupação. Dos 152 médicos previstos para todo o Exército só existiam 136. Quanto aos farmacêuticos
eram apenas 20.
Na época, o Cirurgião Mor do Exército sugeriu a Ministro que fosse criada uma Escola
Prática de Medicina, Cirurgia e Farmácia Militar. O que não ocorreu. 74
Nas Províncias, os Hospitais Militares necessitam de concertos e grandes reformas. Nas
Enfermarias, com exceção do Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso, as instalações são
precárias necessitando concertos e higienização. Pouco adiantou esse Relatório. Em janeiro de
1863 foi levado um novo Relatório, ao Ministro da Guerra, General Polidoro, reiterando o que já
se havia pedido no ano anterior. Mas pouco ou nada conseguiu.
3.
AS BEIRAS DA GUERRA
A Guerra da Tríplice Aliança teve o seu curso no mesmo século XIX quando os
ensinamentos e os erros das grandes campanhas de Napoleão e da Guerra Civil norte-americana
refletiram sobre os chefes militares brasileiros. Havendo princípios e normas a serem seguidos e
exemplos comprometedores que deveriam ser evitados.
73
(Doc. Arquivo Nacional)
7 Motta Texeira, Roberto C. da – “Aspectos Históricos da Medicina Militar na Guerra da Tríplice Aliança” –
Problemas de Medicina Militar – Academia Brasileira de Medicina – 1964.
111
Em 1864, o Exército Imperial estava em estado deplorável. Estava mal armado, mal
equipado e pouco adestrado. Contava com um efetivo insignificante, de 18.000 homens,
considerando a extensão territorial brasileira e os freqüentes conflitos no Prata. O Exército não
era prioridade do Império.
Na campanha do Uruguai, o Marechal Menna Barreto contava apenas com 2.747 homens
dos 4.825 previstos. Que se somavam aos 3.818 soldados de Osório. Na sua maioria eram da
Guarda Nacional mal montados e mal armados.
Em 1º de dezembro foram deslocadas tropas rumo ao Uruguai. A ordem de Mena Barreto
era “organizar com pressa e marchar”. Partiram deixando as carretas com munição em Pirahy
Grande, levando nos armões apenas 70 tiros por peça. Essa era a tropa do Exército do Sul. Não
levou para Paissandu nem artilharia de sitio, nem munição suficiente. 75
Iniciada a Guerra da Tríplice Aliança, o Corpo de Saúde era teoricamente bem organizado.
Não era como alguns escritores se referem: “improvisado e sem competência”.
Era mal
dimensionado. Os meios materiais eram tão precários, quanto o que ocorria na tropa combatente.
Não por culpa ou incompetência do Corpo de Saúde e sim da do descaso do Império com a
defesa nacional.
O nível dos médicos, na maioria era bom. Assim como dos boticários. Não eram como
descreveram Dionísio Cerqueira e Taunay, como se fossem leigos.
Com a crescente necessidade de oficiais de Saúde, foram convocados médicos civis e
acadêmicos de medicina. Nem todos preparados para atuar em um campo de batalha. As
cirurgias necessárias durante a guerra foram bem realizadas, no mesmo nível do que ocorreu na
Europa e nos Estados Unidos. O instrumental era bom, mas nem sempre disponível. Os registros
dos livros existentes na Diretoria de Saúde do Exército assim o confirmam.
4.
O CORPO DE SAÚDE EM CAMPANHA
O atendimento médico
O livro de cabeceira dos cirurgiões brasileiros, tanto do Exército como da Marinha era
“Clinica Médica de Grave”, do Dr. Robert James, reconhecido médico do meado do século
XIX. A deficiência existente, na época, estava mais no tratamento, pela falta de meios, de
suprimentos. Não pela capacidade profissional dos médicos e boticários. 76
75
JOURDAN, E.S. – “História das Campanhas do Uruguai. Enciclopédia pela Imagem – Lello Ltd, Porto, PT
Motta Texeira, Roberto C. da – “Aspectos Históricos da Medicina Militar na Guerra da Tríplice Aliança” –
Problemas de Medicina Militar – Academia Brasileira de Medicina - 1964
76
112
As enfermidades surgidas durante o conflito foram sendo atendidas com os recursos
existentes, na época e quando possíveis, em função de fluxo de suprimento distante e
insuficiente:

Os casos de escorbuto foram tratados pelo clorato de potássio, em dose moderada; o
suco de limão; infusão de quina ou cozimento de jequitibá;

Na anemia foram usadas as pílulas de Biancard e as de Vallet (a base de ferro);

As pneumonias foram tratadas antimoniais e vesicatórias ou a quina, o sulfato de
quinino, o vinho e alguns tônicos da época, conforme o caso;

A febre tifóide era medicada com tônicos ou purgativos;

Nas febres intermitentes [malária] era usado o sulfato de quinino;

As diarréias e disenterias eram tratadas com bebidas mucilaginosas, preparações
opiáceas e calmantes;

No inverno, as geladuras, em algumas vezes exigiram tratamento cirúrgico (não muito
comum);
As complicações de ferimentos de pacientes baixados foram mais comuns: o tétano, a
erisipela, a gangrena, e a septicemia. Em dois casos de tétano, com êxito, foi usada a anestesia
pelo clorofórmio, sudoríferos, banhos a vapor, e uso de estufa (regular temperatura). O
amoníaco, ópio em alta dose, ventosas ao longo da coluna vertebral, clister de fumo, além de
mercuriais e bebida alcoólica, de hora em hora até a embriaguez total. O clorofórmio já vinha
sendo empregado como anestésico nas cirurgias, em alguns dos hospitais, com bons resultados.
O Emprego do Corpo de Saúde em Combate
Durante o combate, era realizado o atendimento ao ferido, em primeiro escalão. Sempre que
possível, eram socorridos e transportados para a retaguarda, logo atrás da linha de fogo, onde
eram atendidos nos hospitais de sangue. Isso nem sempre era possível.
Em alguns casos, terminado o combate, os médicos e seus auxiliares percorriam o campo de
batalha em busca de sobreviventes. Nem sempre era fácil. Muitas vezes feito a noite.
Os feridos graves eram evacuados para os hospitais fixos, mais afastados da linha de fogo ou
para um navio, quando disponível nas proximidades.
Vejamos as instalações:
Hospital de Sangue: Instalação semelhante ao atual posto de triagem, imediatamente à
retaguarda da linha de fogo. Onde eram imobilizadas as fraturas e tamponadas as hemorragias e
suturas de alguns ferimentos leves. Os hospitais de sangue eram instalados em barracas, em
construções quando existentes no local ou mesmo ao ar livre. Daí evacuados para hospitais, dos
113
mais rudimentares ou para o Hospital de Corrientes, construído em madeira, igual aos usados na
Guerra Civil norte-americana.
Os medicamentos, o instrumental e demais materiais médicos eram transportados em
maletas de mão, ou ambulâncias de botica ou cirúrgicas. Como eram chamadas as atuais
canastras. Eram caixas ou mochilas, dependendo do volume e do que se queria transportar. Ou
dos meios de transporte, disponíveis, no momento.
As ambulâncias levavam medicamentos, material de penso e instrumental. Tudo
padronizado. Os medicamentos guardados nas Boticas, ou no hospital. Não havia depósito de
material de Saúde. Por necessidade de momento, a Marinha e Exército realizavam apoio mútuo.
Os meios de evacuação foram dos mais variados, como eram na época. A semelhança das
tropas napoleônicas. Dentre esses podemos citar: a padiola, as cadeiras (ou liteiras), o cacolet, a
rede, a pelota (de couro de boi amarrado formando um bote para transposição de curso de água),
o carro de boi; a carreta de artilharia e as carruagens para feridos (ambulância de Larrey),
tracionadas por mulas ou boi manso.
5.
A OFENSIVA PARAGUAIA
Invasão de Mato Grosso
Conforme quadro demonstrativo do Visconde do Rio Branco, a Província de Mato Grosso
contava apenas com um efetivo de 875 homens, distribuídos em pequenos destacamentos, pelos
Distritos Militares. Em relação ao apoio de Saúde, apenas o Hospital Militar de Cuiabá e as
enfermarias, precárias, existentes nos destacamentos. Hospital que tinha como diretor um major
da Reserva (combatente). Um absurdo não só pela hierarquia (o médico era um cirurgião-mor)
como por se tratar um leigo. 77
A Província de Mato Grosso, 1864 dividia-se em quatro Distritos Militares: Cuiabá, cidade
de Mato Grosso, Vila Maria, Baixo Paraguai e Vila Miranda. Assim como vários destacamentos
guarnecendo a fronteira.
78
Destacamentos em: Forte Coimbra, Corumbá, Vila Miranda, Nioac.
Além das colônias militares de Dourados e Miranda.
Pelo Relatório do Ministro da Guerra de 1864, “o efetivo militar existente, no momento da
invasão era de 1327 homens e o estado da Província uma lástima” Isso para a defesa de 400km
de fronteira. Desses homens apenas 600 poderiam ser considerados prontos para o combate. Na
Província de Mato Grosso, em 1864 existiam apenas oito médicos e um boticário.
77
Schneider, L A Guerra da Tríplice Aliança, contra o Paraguai. Ed. Cultura;
Tasso Fragoso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd, Biblioteca do Exército, Liv Freitas
Bastos -1956 – Rio de Janeiro;
78
114
No dia 26 de dezembro, chegou diante de Forte Coimbra, comandado pelo coronel
Portocarrero, a coluna paraguaia comandada pelo coronel Vicente Barrios, integrada por 3.500
homens e quatro navios. No Forte uma guarnição de 120 homens, entre eles o 2º cirurgião
Pereira Lopes. Além de 50 civis e 70 mulheres. Após dois dias de combate Porto Carrero
evacuou Forte Coimbra, no vapor Anambahy, sem ser ter sido percebido pelo inimigo. Após
ocupar o Forte Coimbra, Vicente Barrrios navegou para o norte, até Corumbá. 79
Por sua vez, o tenente-coronel Francisco Isidorto Resquin partia de Concepción com sua
coluna montada, com seus 3.500 jinetes em direção a Miranda, Nioaque e Dourados. Deveria ter
seguido até Corumbá, mas não o fez.
Enquanto Paraguai, com 1.000.000 habitantes contavam com um exército de 92.000
homens, o Império, com 10.000.000 habitantes contava com insignificantes 18.000 homens.
Na defesa de Mato Grosso, assim como do Rio Grande não havia condições para uma boa
atuação do Corpo de Saúde. Faltava suprimento, medicamentos e faltava médico. Além das
caixas de suprimentos vazias. Por desvio no caminho.
Para agravar a situação uma Circular do Ministro da Guerra (OD nº493, de 10 Jan 1866)
ordenou o atendimento dos inimigos feridos. A Convenção de Genebra já existia desde 22 de
agosto de 1864, mas o Brasil ainda não a integrava.
No ataque a Coimbra foram mortos 33 e feridos 23 brasileiros. Atendidos pelo 2º cirurgião
Pereira Lago. Os 18 feridos paraguaios, aprisionados, também foram atendidos, mas deixados no
Forte quando este foi abandonado pelos brasileiros. (80)
Após ocupar Forte Coimbra os navios paraguaios seguiram até Corumbá, onde chegam em 4
de janeiro de 1865, enquanto coluna Resquin atravessava o rio Apa, no dia 29, ocupando
Miranda e em 31 alcançava Nioaque.
A Retirada da Laguna
Um capítulo interessante, relativo ao Corpo de Saúde, foi a campanha de Mato Grosso. Uma
história sangrenta, diante das dificuldades enfrentadas, onde não faltou sacrifício, nem bravura.
Os integrantes do Corpo de Saúde participaram de toda a jornada bélica com o denodo exigido.
A ação brasileira em Mato Grosso iniciou dois anos depois da queda de Forte Coimbra. Uma
coluna de 3.000 homens foi organizada em Uberaba, com soldados vindos de vários estados.
Cuja missão era procurar o contacto com o inimigo, distante 3.300km de seu ponto de partida.
Sua marcha foi uma tragédia onde percorreram um terreno ingrato e desconhecido, sob péssimas
79
Relatório do Ministro da Guerra de 1864;
Tasso Fragoso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd, Biblioteca do Exército, Liv Freitas
Bastos -1956 – Rio de Janeiro;
80
115
condições climáticas, onde imperavam a fome e as enfermidades. Chegaram à fronteira
paraguaia apenas 1.600 homens, sobreviventes das enfermidades, da ação do inimigo e as
péssimas condições físicas que apresentavam.
Em 25 de dezembro de 1864, os paraguaios ancoraram seus navios nas proximidades de
Forte Coimbra, iniciando um ataque no dia seguinte. Que no dia 28 após combate os brasileiros
abandonaram o forte diante da superioridade do inimigo. Chegando a Corumbá no dia 4 de
janeiro de 1965.
Em Mato Grosso, atuaram apenas 16 médicos, chefiados pelo capitão cirurgião Antonio de
Jesus e Souza. Destacando-se na campanha os 1º cirurgiões Cândido Quintana e Aragão Gesteira
abnegados médicos citados nas obras de Taunay.
Invasão do Rio Grande do Sul
O Exército Imperial, no Uruguai, sob o comando do General Manoel Luiz Osorio, em março
de 1865, contava com um efetivo de 9.466 homens, dos quais 17 médicos sendo 10 veteranos de
Paissandu. 81
No dia 13 de abril de 1865, o general W. Robles entrou em Corrientes, província argentina,
com cerca de 22.000 homens prosseguindo até Goya, enfrentando parca resistência.
Praticamente ao mesmo tempo, o tenente-coronel Antônio de La Cruz Estigarribia, parte de
Encarnación, com 12.300 homens, transpões o rio Paraná e entra em território de Missiones, na
Argentina, sem qualquer resistência.
Em 10 de junho, partindo de San Thomé, Estigarribia transpõe o rio Uruguai e invade São
Borja, com 10.000 homens, enquanto 2.300 paraguaios, sob o comando do major Pedro Duarte,
seguem para o sul, pela margem direita do rio, em direção a Paso de Los Libres.
Estigarribia conquista e saqueia São Borja, Itaqui e Uruguaiana. A resistência brasileira foi
dentro do possível, considerando e as tropas disponíveis. As perdas brasileiras não foram muito
grandes, mas o apoio de Saúde deixava a desejar.
Defendiam o Rio Grande os generais Caldwell, Canabarro e o barão de Jacuí. Mal armados e
em desentendimento, contínuo entre os generais. Enquanto Estigarribia marchava até
Uruguaiana, Osorio marchava com suas tropas para Entre Rios e o almirante Barroso atacava
Corrientes, com um reforço de tropa argentina comandada pelo general Paunero. Após
desembarque e violento combate, foi obrigado retirar, tendo sofrido 200 perdas, por não haver
médico presente.
81
FRAGOSO,Tasso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd, Biblioteca do Exército, Liv
Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro;
116
Após a derrota do Major Pedro Duarte, em 13 de agosto, em Yatahy, diante dos 4.300
homens de Venâncio Flores, Estigarribia ficou isolado em Uruguaiana, \cercado por cerca de
7.000 homens de Canabarro e Fernandes Lima. 82
Após a chegada das tropas aliadas e a presença dos generais Bartolomeu Mitre, Porto Alegre
e Venâncio Flores e do Imperador D.Pedro II com a sua comitiva, não tendo opção, Estigarribia
rendeu-se. Na comitiva do Imperador o Dr Soares Meireles, médico da Casa Imperial.
Durante a defesa do Rio Grande do Sul a situação da tropa brasileira era preocupante.
As 1ª e 2ª Divisão
passavam privações e miséria. Não tinham mais que pura carne magra e
cansada, e muitas vezes, esta mesma faltou. Completamente nus, sem soldo há
muitos meses, abatidos pela fome, mortos de fadiga, sem abarracamento e
expostos ao tempo no rigor do inverno, os soldados começaram a desde logo a
povoar os hospitais, que nunca passavam de improvisadas enfermarias, onde
tudo faltava, tudo era um perfeito caos; faleceram muitas praças,inclusive
vários oficiais. Assim ocorreram coisas até o dia 17 em que o General Flores
atacou os paraguaios em Yatahy. 83
Em 5 de julho o vapor 11 de Junho [navio hospital] partiu de Curralito em direção a
Uruguaiana para apoiar as tropas de Canabarro.
6.
A MARCHA PARA O COMBATE
De Uruguaiana ao Rio Paraná
O Exército Brasileiro acampado em 11 de junho de 1865 estava acampado a margem do rio
Uruguai. Deveriam transpor o rio e prosseguir por território argentino, em direção a Corrientes,
na margem sul do rio Paraná. Marcha difícil pelo terreno encharcado e pela chuva.
No dia 15 de julho iniciou-se a transposição do Uruguai incluindo um hospital móvel com
1.000 baixados, além de toda tralha logística, suas carretas e seus bois. Levaram sete horas para
passar o rio. 84
A situação agravara-se pelas enfermidades surgidas, na tropa já abatida pela fome e pela
fadiga. Grande parte de soldados, não acostumados com o frio, sofreram bastante, ocasionando
muitas baixas.
Em 1º de julho, ao completar a passagem do rio Uruguai, próximo a Concórdia, foi instalado
um hospital para 260 doentes, que chegou a ter 760 nos dias que se seguiram. Com sete
enfermarias, cada uma delas com um médico. Onde o índice de mortalidade era inferior a 10%.
82
MOTTA TEXEIRA, Roberto C. da – Aspectos Históricos da Medicina Militar na Guerra da Tríplice Aliança –
Problemas de Medicina Militar – Academi8a Brasileira de Medicina - - 1964
83
FRAGOSO,Tasso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd.Biblioteca do Exército, Liv
Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro;
84
Jourdan, E.S. – “História das Campanhas do Uruguai”. Enciclopédia pela Imagem – Lello Ltda Porto – Pt;
117
Além do hospital de Concórdia, um outro foi instalado em Salto, que chegou abrigar 1000
doentes, contando com oito médicos para atendê-los. 85
As forças aliadas transpuseram o rio Uruguai em Paso de los Libres seguindo em direção ao
norte até as barrancas do Paraná, frente a Paso da Pátria. Osorio, nesse momento já contava com
18.365 homens, contando o Corpo de Saúde com apenas 58 médicos. Os baixados nos diversos
hospitais chegavam a 2.295 homens.
A imprensa do Rio de Janeiro relatava a situação deplorável porque passavam os doentes no
teatro de operações. Isso levou o General Ângelo Muniz da Silva Ferraz, Ministro da Guerra
cobrasse de Osório informações a respeito. Em ofício de 29 de novembro, Osório confirmou
tudo o que havia sido dito pela imprensa e ainda acrescentou: “...no Exército não havia culpa
por não haver hospitais, médicos, medicamentos, alimentos, barracas ou ambulâncias,
suficientes”. Para ele o Exército Imperial havia sido relegado a um segundo plano, por
negligência omissão ou má fé. 86
Os 1º Cirurgiões transpuseram o rio Paraná, junto a 3ª Divisão do Exército, na tomada de
Itapiru. Onde instalaram um hospital provisório em uma palhoça com capacidade para 262
feridos. Desde o desembarque no Atajo, que médicos, boticários, enfermeiros e serventes
acompanharam, sob intensa chuva, os alagados até Itapiru e depois Passo da Pátria,
acompanhando de perto a tropa combatente. Os feridos foram sendo colocados em leitos de
capim, logo após receberem o atendimento.
O Corpo de Saúde no Teatro de Operações
Com o afastamento de Manoel Feliciano do Teatro de Operações, Souza Fontes não foi
substituí-lo, no Paraguai, devido ao seu estado de Saúde.
Em sua Ordem do Dia, nº133, de 3 de outubro de 1867, datada de Tuyu-Cuê, Caxias
nomeia do Cirurgião Francisco Bonifácio de Abreu Inspetor de todos os hospitais e enfermarias
permanentes do Exército, visando.”87
Nem sempre o trabalho do médico se restringia ao atendimento de doentes e feridos.
Dionísio Cerqueira, em suas “Reminiscências da Guerra do Paraguai”, relata um terrível
espetáculo de violência humana. Normal para a época e ainda em uso pelo Exército Imperial
brasileiro. Pela manhã bem cedo, certo dia, a tropa foi mandada formar um grande quadrado, no
centro do acampamento. Sob rufar de tambores e toques de corneta e clarim avançaram até o
85
Mitchell, Gilberto de Medeiros. História do Serviço de Saúde. Ed. Cultura,1963.
Tasso Fragoso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv Freitas
Bastos -1956 – Rio de Janeiro;
87
Mitchell, Gilberto de Medeiros. História do Serviço de Saúde. Ed. Cultura – 1963.
86
118
centro do quadrado, dois jovens soldados acompanhados de vários clarins e corneteiros,
portando “elásticas espadas de prancha”, sem corte nem ponta. Avançaram também: um padre
e um médico. Enquadrados no “código de guerra” (Art 18) e que se referia a pena de morte.
Atendendo ordens um dos soldados avança ao centro do quadrado, acompanhado por dois
corneteiros, portando as suas espadas. Parados ao centro, cada corneteiro de um lado do infeliz
soldado e passaram a dar-lhe “pranchadas”, com os algozes sendo substituído. O limite de 50
pranchadas já ia longe, quando em determinado momento o soldado desaba no solo, o médico se
aproxima examina a vítima e faz sinal positivo. Ainda estava vivo.
Os corneteiros, usando fuzis como se fossem uma padiola, levantam o soldado e as pancadas
continuam. “Castiga-se pelas armas”.
Novamente o médico (em realidade um acadêmico voluntário) examina a vítima. Desta vez
o sinal foi negativo. O soldado estava morto. Enquanto era retirado em uma padiola, enquanto o
seu companheiro de infortúnio marcha para o centro do quadrado. Agora era a sua vez. Tudo
porque tiveram um conflito com oficiais argentinos, chegando à luta corporal.88
Em outra oportunidade, mais tarde, um soldado desembainhou a espada ameaçando o
General Osório e foi “castigado pelas armas,” da mesma forma. Mas esse morreu. Os dois
primeiros, três meses mais tarde foram vistos se apresentando em um regimento.
Em Território Inimigo
A ofensiva paraguaia terminara. Até então as forças aliadas combatiam em terreno escolhido
pelo inimigo e o pouco caso do Império pelo preparo do Exército, antes da guerra, levou à
improvisação. Chegara o momento de passar a ofensiva. Para isso, os aliados teriam que transpor
o rio Paraná, frente a Passo da Pátria e Itapiru. Operação de vulto planejada e executada pelo Corpo
de Engenheiros, sob o comando do TC José Carlos de Carvalho.
Nesse momento o Corpo de Saúde do Exército contava com hospital em Montevidéu, em
Buenos Aires e em Salto, com 300 leitos cada um e uma enfermaria em Uruguaiana.
No dia 16 de abril de 1866, os aliados atravessaram o Paraná e desembarcam próximo ao
Atajo, na margem esquerda do rio Paraguai. No dia seguinte novo desembarque, agora na
margem direita do Paraná, logo abaixo de Itapiru. Foram 32.868 brasileiros, sendo 4.380
enfermos.
88
Tasso Fragoso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv Freitas
Bastos -1956 – Rio de Janeiro;
119
Na noite de 16 para 17, frente a Itapiru em um hospital improvisado em uma palhoça. quatro
médicos e um boticário atendiam 267 feridos (dentre os quais alguns paraguaios), pouco ao oeste
de Itapiru. Dentre os médicos estava João Severiano da Fonseca. Tão logo foi possível os
feridos foram evacuados para o Hospital de Corriente.
No dia 18 é conquistado Itapiru. Três dias depois López abandonou Passo da Pátria. As
tropas aliadas prosseguem, para o norte em busca de loca\l para desdobrar uma base. Em 2 de
maio, acampados em Estero Bellaco os aliados foram atacados por 8.000 paraguaios, causando
que causaram 1.200 feridos e 2.500 mortos. Durante o confronto, sete médicos da Marinha foram
mandados reforçar o Hospital de Sangue, durante os combates.
Em prosseguimento para o norte, no dia 20 de maio, os aliados entram em Tuiuty, local
inicado para uma boa base de operações.
Acampamento de Tuiuty
Em maio de 1866, conforme Tasso Fragoso estava instalado o Hospital de Corrientes
construído pela Marinha, no estilo norte-americano da época. Tinha seis pavilhões de madeira,
piso elevado, com ventilação por baixo e por cima. Seus leitos eram de ferro, com mosquiteiros e
roupa de cama completa. Tinha sala de cirurgia e farmácia bem suprida
Logo em seguida, no dia 24 de maio de 1966, os aliados foram outra vez surpreendidos.
Eram meio-dia, quando surgem das linhas do Sauce e do Estero Rojas, 25.000 paraguaios,
lançando-se sobre a posição aliada defendida por 28.000 soldados aliados desdobrados
defensivamente. Osório já alertara Mitre sobre essa possibilidade, “visto que o inimigo muitas
vezes pensa como nós”. Mas não foi ouvido. 89
Três colunas desencadearam forte ataque. O general Vicente Barrios 8.700h + 4 obuse)
investe pelo Sauce; o coronel José Diáz (4.950h) o Major Hilário Marcó (4.200h) investem sobre
a vanguarda de Venâncio Flores fazendo-o retrair sobre a artilharia brasileira; enquanto o general
Isidoro Resquin (5.300h) avança com a sua cavalaria, sobre a tropa argentina, na ala direita do
dispositivo, levando-a de roldão. Nada os detém.
O flanco esquerdo brasileiro não resiste o ataque inimigo e é obrigado a retrair. A 3ª Divisão
de Sampaio resiste à baioneta, apoiada pela 4ª Divisão de Argolo. Enxergando o perigo, Osório,
apoiado pela artilharia de Mallet contra-ataca levando Dias retrair. Enquanto a cavalaria do
major Marcó era arrasada pela artilharia brasileira. Após ser ferido por três vezes Sampaio foi
evacuado, vindo a falecer, dias depois.
89
FRAGOSO,Tasso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv
Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro.
120
Com ala direita em perigo, Osório sai em socorro dos generais Paunero e Emílio Mitre,
fazendo Resquin retroceder, refazendo a linha de frente.
A esquerda brasileira fraqueja e outra vez Osório intervém, em tempo,
repelindo os
paraguaios a baionetas, obrigando o inimigo a retrair e campo de batalha. Findo o combate,
muitos eram os mortos e feridos de ambos os lados.
No campo de Tuiuty jaziam cerca de 7.000 paraguaios mortos e 6.000 feridos. No mesmo
campo onde ficaram 737 brasileiros, mortos e 3.029 feridos. Entre argentinos e orientais eram
259 mortos e 643 feridos. Durante todo o combate os médicos e seus auxiliares não tiveram
descanso. À noite, ainda percorriam o campo de batalha com suas lanternas (a vela) recolhendo
os sobreviventes. João Severiano da Fonseca, que lá estava foi louvado, pelo seu desempenho,
em combate e no Hospital de Sangue. 90 Em 2 de setembro, João Severiano foi nomeado Chefe
do Corpo Médico das Forças Expedicionárias.
Em 19 de junho de 1866, o 2ºCirurgião da Armada, Philippe Pereiras Caldas, colocado a
disposição do Exército foi encarregado de elaborar As “Instruções para o Serviço Médico dos
Hospitais Provisórios do Exército em Operações” 91
Em 15 de julho de 1866, o marechal Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão assumiu o
comando do 1º Corpo brasileiro, em função do afastamento de Osório. No dia 29, em sua Ordem
do Dia, como Comandante do 1º Corpo de Exército determina que:
..o .reconhecendo que o Serviço de Saúde, sempre digno de toda a atenção,
exige providências especiais para que seja regularmente feito nos dias de
combate, em que a missão dos senhores médicos é duplamente importante,
porque interessa tanto à humanidade, quanto à sorte das famílias, e à justiça
daqueles que na defesa da causa sagrada da Pátria sacrificam até a própria
existência; determino que as seguintes instruções entrem em execução:
Instruções: Para regular o Serviço do Hospital de Sangue, que tiver
de funcionar nos dias de combate:
- Art. 1º....
-Art. 2º A reunião terá lugar no ponto que ffor anteriormente
designado pelo General em Chefe, sendo assinalado aquele lugar por uma
bandeira vermelha, que servirá de guia para a condução dos feridos.
-Art. 9º O Médico Diretor do Serviço remeterá sem demora a este
Comando em Chefe, não só o seu relatório como os das Seções, enviando uma
Cópia de todos ao S.r Cirurgião-Mór do Exército, em cumprimento das
disposições dos Arts. 239, 240, e 241 do Regulamento de 7 de março de 1857.
Em Tuiuty instalara-se o primeiro Hospital Ambulante, instalado em barracas, do Exército
Brasileiro. Retratado em quadro do pintor argentino Candido López, com a sua insígnia
vermelha no mastro. Insígnia de identificação de hospital, criada pelo general Polidoro. Onde se
90
FRAGOSO,Tasso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv
Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro.
91
MITCHELL, Gilberto de Medeiros. História do Serviço de Saúde. Ed. Cultura – 1963.
121
pode ver, também, uma carruagem (ambulância) brasileira cercada de várias padiolas com
feridos em atendimento. 92
De Curuzu a Curupaiti
No dia 1º de setembro, Curuzu foi bombardeada pelos encouraçados. No dia seguinte o 2º
Corpo de Exército desembarca frente à Curuzu, com os seus médicos transportados pelo vapor
Onze de Junho. Dois dias depois suas tropas investem e ocupam Curuzu, após violento combate,
fazendo 3.000 baixas paraguaias. Enquanto Venâncio Flores, perseguindo o inimigo, chega até
as trincheiras de Curupaiti.
Diante do obstáculo a vencer, Porto Alegre solicitou reforços a Mitre, para investir contra
Curupaiti. Mas Mitre não permitiu o prosseguimento, nas condições existentes. No terreno 159
morto e 629 feridos brasileiros.
No dia 22 de setembro, às 07,00 horas da manhã, inicia-se o ataque a Curupaiti. Ao
amanhecer a esquadra já bombardeara a posição paraguaia, defendida por seus 60 canhões. Ao
meio dia, suspenso o fogo naval, inicia-se o assalto com 16.000 homens, que avançam, debaixo
do fogo serrado. O ataque foi um fracasso.
Diante da situação, às 16 horas Mitre ordena a retirada. Os argentinos haviam abandonado a
posição e Porto Alegre ficara sozinho, sem condições de prosseguir. Foi um desastre total. A
maior derrota sofrida pelos aliados. Segundo Tasso Fragoso tombaram mortos 411 brasileiros,
além de 1540 feridos.
Em apoio ao combate, o cirurgião Christovão José Vieira, organizou seis “turmas de
médicos” para atender os baixados no hospital de sangue. Eram 406 feridos graves, obrigando a
realizarem 69 amputações e uma desarticulação, do úmero. Os feridos leves, por falta de pessoal
foram evacuados diretamente para um navio da esquadra que funcionava como hospital de
sangue. As perdas brasileiras foram de 2.011 homens, as argentinas 2.082.
Segundo Rio Branco, desde 24 de dezembro de 1864, inicia da guerra, até Curupaiti, em 22
de setembro de 1866, o Império teve 2714 mortos, 9516 feridos e 215 extraviados, enquanto os
argentinos tiveram 4.818 perdas, no total e os Orientais 1160.
Os paraguaios haviam perdido 13.110 mortos, 17190 feridos e 7.853 extraviados. 93
7.
92
SOB O COMANDO DE CAXIAS
MITCHELL, Gilberto de Medeiros. História do Serviço de Saúde. Ed. Cultura – 1963.
FRAGOSO,Tasso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv
Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro.
93
122
Com o retorno de Osório ao Brasil para se tratar na Província do Rio Grande, o marques de
Caxias foi nomeado Comandante em Chefe das Forças Brasileira no teatro de operações no
Paraguai. Inclusive a Marinha. De imediato (18 de setembro de 1866) iniciou o seu trabalho, em
viagem para o Paraguai.
Naquele momento o Exército brasileiro já havia instalado onze hospitais. Dois em
Montevidéu, dois em Buenos Aires, três em Corrientes, um em Cerrito, um em Itapiru, um em
Passo da Pátria e um em Tuiuty. Com um terço da tropa baixada a hospital ou em enfermarias.
Caxias mandou desativou os dois hospitais de Buenos Aires e transferiu pacientes e pessoal de
Saúde para Montevidéu.
Ao assumir o comando, Caxias foi prodigioso em instalar arsenais, depósitos, hospitais e
normalizar o funcionamento das cadeias logísticas. De todas as classes.
Em 25 de novembro de 1866, seguiu para o Paraguai o cirurgião mor do Exército José
Ribeiro de Souza Fontes, para chefiar interinamente o Corpo de Saúde, em substituição ao
cirurgião-mor Manoel Feliciano de Carvalho, que retornara ao Rio de Janeiro, por estar enfermo.
Pelos seus méritos, Feliciano de Carvalho, em 27 de julho, foi promovido a brigadeiro. Foi assim
o primeiro oficial general, médico, do Exército Brasileiro.
Pela Ordem do dia nº 34, de 24 de janeiro de 1867, Caxias, atendendo as sugestão do
cirurgião-mor Feliciano de Carvalho, ordenou a redistribuição dos médicos do 1º Corpo de
Exército. Dentre os quais estava o 1º cirurgião João Severiano da Fonseca, com seus auxiliares:
1º cirurgião Antonio de Souza Dantas, Antonio Pires de Carvalho e Albuquerque, Alexandre
Marcelino Bayma, destinados à Brigada de Artilharia. Todos três futuros chefes do Corpo de
Saúde do Exército.
No início de 1867, surgiu a cólera no teatro de operações. Através de soldados vindos do
Rio de Janeiro. Ao identificar a doença, o navio retornou para Desterro. Em 26 de março a
doença aparece em Itapiru e em 29 em Corrientes. Os hospitais ficaram lotados com os coléricos.
Felizmente, em abril a doença começou regredir.
Jordan, que servia no 2º Corpo de Exército descreveu, em seu livro, a situação, dos doentes.
Quando mostra grande número de perdas por cólera, em Curuzu.
Abre-se para o Exército um terrível quadro. No Passo da Pátria, em Tuiuty, em
Cerrito a cólera faz muitas vítimas. “Porém o pior foi em Curuzu...”, segundo
comenta Jordan em seu livro. As 4000 perdas deixaram um terrível claro em
nossas fileiras. “Na ocasião todas as melhores casas foram usadas como
hospital... 94
94
Pt.
JOURDAN, E.S. – “História das Campanhas do Uruguai”. Enciclopédia pela Imagem.– Lello Ltda. Porto –
123
O general Joaquim José Bernardino Bormann, jovem oficial, propôs tratar os coléricos em
barracões construídos por trás das posições de artilharia, voltadas para o Potreiro Pires. Passando
ao controle do próprio Bormann. Dos 96 pacientes recebidos, apenas quatro morreram.95
Os médicos aconselhavam o álcool como profilático. Os barracões do comércio
enchiam de vinho. Mas a tropa continuava tomara a água de cacimbas rasas,
cavadas no areal, poluída pela vizinhança dos mortos. As más línguas
acusavam Caxias de beber água vinda do Rio de Janeiro.96
Em maio de 1867, o general Polidoro, enfermo, deixou o teatro de operações, sendo
substituído pelo marechal Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, no comando do 1º Corpo de
Exército. Na época em que, as chuvas eram grandes, e as enchentes, dos rios Paraguai e Paraná,
não tardavam a transbordar. Para agravar a situação, em 16 de junho, desembarcaram em Passo
da Pátria 5.451 homens, dentre os quais 406 chegaram doentes. No mês seguinte dos 45.000
brasileiros, no teatro de operações, nada menos do que 10.577 estavam baixados nas enfermarias
e hospitais de Passo da Pátria e de Tuiuti.
O grande número de baixados fez Caxias tomar providências. Uma delas uma Junta Miitar
de Saúde para periciar os baixados. Para presidi-la foi nomeado o brigadeiro Guimarães, oficial
combatente, um militar combatente. Mas formado em medicina. Em sete dias cerca de 4.000
homens voltaram a linha de frente.
Nesse momento da guerra, o número de instalações de Saúde não era pequeno. Existiam
hospitais em: Cerrito, Corrientes, Tuiuty e Passo da Pátria, além de várias enfermarias. O
número de médicos e boticários é que não condizia com as necessidades. Segundo Tasso
Fragoso, eram 101 médicos e alguns acadêmicos. Além dos 31 boticários.
A falta de médicos militares levou a contratação de civis. Nem sempre competentes. Os
acadêmicos retornaram ao Brasil, por decisão de Caxias.
Em apoio existia uma Ambulância Central, em Tuiuty (em reserva), uma ambulância
volante, em apoio ao 1º Corpo e oito em apoio ao 3º Corpo. Em relação ao 2º Corpo não foi
possível saber. Em Passo da Pátria permanecem três médicos e dois boticários.
Em 16 de junho de 1867, desembarcou no Passo da Pátria o 3º Corpo de Exército, sob o
comando de Osorio. Eram 5.451 homens. Trazia com ele uma Ambulância volante.
95
FRAGOSO, Tasso. A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai . 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv
Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro.
96
CERQUEIRA, Gen Dionísio. Reminiscências da Guerra do Paraguai. Biblioteca do Exército Ed. –Edição
Especial – 1980.
124
Caxias iniciou a sua marcha de flanco, em 28 de agosto de 1867, em direção a Tuyu-cuê,
com cerca de 29.000 soldados aliados, posicionando-se ao noroeste de Humaitá. Um mês depois
contava, apenas com 10.577 doentes, nas enfermarias. 97
8.
NA CONQUISTA DE HUMAITÁ E NO PROSSEGUIMENTO
Em 21 de março de 1868 foi conquistada Curupaiti, Sauce Estero Rojas e Espinillo. E em 25
de julho Caxias entra em Humaitá, já abandonada por López. Ficara ali apenas um reduzido
efetivo para garantir que o grosso das tropas de López deixasse Humaitá, atravessassem o rio
Paraguai e se homiziasse temporariamente no Chaco.
Caxias entra em Humaitá, onde captura 180 canhões e faz 1.350 prisioneiros. Muitos dos
quais velhos, mulheres, doentes e feridos.
Pelas avaliações de Rio Branco, no período de 23 de setembro de 1866 (Curupaiti) e 5 de
agosto de 1868 (Humaitá) as perdas aliadas eram de: 1.479 mortos, 5.498 feridos, 572
extraviados e mais 7.549 fora de combate.
Em maio de 1868, uma revolução em Buenos Aires, obriga Mitre retornar para Buenos
Aires, levando consigo cerca de 4.000 homens. Caxias assume o Comando em Chefe das tropas
aliadas.
As dificuldades de recrutamento para a guerra fizeram aumentar o número de libertos,
substitutos e “voluntários” e a presença de homens sem a higidez, verdadeiros inválidos, que
vão chegando ao teatro de operações. A linha de defesa do Piquiciri era inabordável, com os
paraguaios entrincheirados. Diante do obstáculo Caxias passou suas tropas para o Chaco,
marchando para o norte até as alturas de San Antonio, na margem esquerda do rio Paraguai.
Durante a marcha a malária castigou muito aos brasileiros. Que foram sendo medicados com:
sulfato de quinino “as colheres de sopa”, conforme Dionísio Cerqueira.
No combate de 2 de maio, foi grande o número de feridos. Os que podiam caminhar
seguiam até encontrar uma embarcação. Os outros, feridos graves, seguiam transportados em
“capotes e mantas” ou em “andas improvisadas com varas e cipó”. Os navios recolhiam os
feridos e os doentes, transportando-os pela lagoa Ciervas onde eram baldeados para lanchões que
os levavam até Estabelecimento, onde embarcavam em ambulâncias e carretas de artilharia até o
Hospital de Parecuê.
A manobra pelo Chaco foi muito difícil. Não só pela ação do inimigo, mas também pelo
terreno difícil e obras (estradas) realizadas.
97
FRAGOSO,Tasso. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv Freitas
Bastos -1956 – Rio de Janeiro.
125
No geral os médicos eram “hábeis e caridosos”, mas um ou outro “causava arrepios”. Foi o
caso de um médico “contratado” que tinha horror à enfermaria, com medo de doenças infecto
contagiosas. Não passava da porta. Todo o dia ao chegar pela manhã pedia ao seu auxiliar que
relatasse a situação dos pacientes. Em seguida receitava oralmente:“para o lado direito purgante
e para o esquerdo vomitório”. No dia seguinte alternava a receita. “Para a direita dava
vomitório e para a esquerda purgante.
De certa feita, o “Esculápio” foi chamado a atender um ferido com “o ventre aberto e os
intestinos para fora.” Deixou o cigarro cheio de sarro, no “lençol ensangüentado” e sem lavar as
mão tentou reduzir a hérnia rebelde. Nada conseguindo, tirou da caixa de amputação uma faca
fina e longa, agarrou com a mão esquerda, o intestino mais saliente e com a direita empunhando
a faca ameaçadoramente, olhou para o seu auxiliar e perguntou-lhe: ”corto?” A resposta do
auxiliar apavorado foi: “não, senhor doutor!”. Sem constrangimento, o doutor determinou:
“então te arranja”. E virando as costas deixou o local. O auxiliar apavorado, sem saber o que
fazer, procurou resolver o problema. E resolveu. Colocou as vísceras para dentro do abdome e
suturou o abdome do infeliz. Não sei se o paciente sobreviveu. O tal “doutor” não era formado.
Tratava-se de um francês reprovado no 3º ano de medicina. Ao estourar a guerra apresentou-se
como médico e seguiu para o teatro de operações. Não se soube mais do seu destino. 98
Em determinada manhã, o 16º Batalhão foi surpreendido pelo toque de: “general em chefe,
sentido!” Era Caxias e alguns oficiais do seu estado-maior. Após visitar o acampamento,
permaneceu para assistir o funeral de inúmeros mortos, da unidade. O encarregado de enterrar os
mortos disse a Caxias:”que se ouviam muitos gemidos saídos dos montões de mortos”, para
surpresa do marquês. Mas logo retrucou: ”se o senhor der ouvidos às lamurias desses defuntos,
não enterra ninguém”.99
O hospital de Humaitá foi criado após o encerramento de Cerrito, nos galpões que tinham sido
enfermarias paraguaias. Atendendo um número grande número de feridos, evacuados de Itororó, Avai,
Lomas Valentinas e Angostura. O material usado foi oriundo do hospital de Cerrito, recém desativado.
Eram cinco grandes casas cobertas de palha.
9.
A DEZEMBRADA
No dia 6 de dezembro de 1868 travou-se a batalha de Itororó, onde se destacou a atitude de Caxias.
Diante de um impasse, desembainhou sua espada e comandou o ataque final pessoalmente. Apesar de
estarem em desvantagem de efetivos, os paraguaios estavam bem posicionados no terreno, ao sul do rio
98
CERQUEIRA, Dionísio. Gen. Reminiscências da Guerra do Paraguai. Biblioteca do Exército Ed. –Edição
Especial – 1980
99
CERQUEIRA, Dionísio, Gen. Reminiscências da Guerra do Paraguai. Biblioteca do Exército Ed. –Edição
Especial – 1980
126
Itororó, um obstáculo a tropa a pé ou montada. Apesar de vitoriosos, os brasileiros tiveram 1806 perdas,
das quais 241 foram de mortos. Os paraguaios perderam cerca de 600 mortos. Após o combate, Caxias
marcha até Ypané, onde foi instalado um hospital na igreja local.
No dia 11, em prosseguimento, Caxias desloca seus 18.000 homens, acompanhado pelo 3º
Corpo, de Osório, para enfrentar os 6000 paraguaios desdobrados ao sul do arroio Avai. Onde se
deu uma batalha sangrenta, onde se destacaram as tropas de Osório e de Andrade Neves. Ferido
com um tiro na boca, Osório deixou o campo nas mãos de Caxias. Na carga final, os paraguaios
formaram um quadrado para se defenderem, mas não foi suficiente. Foi um massacre. Tendo o
general Bernardino Caballero fugido com alguns de seus homens. Entre os brasileiros tiveram
729 feridos e 166 mortos. Enquanto os paraguaios, tiveram 4.616 perdas, dos quais 3000 mortos.
Foram feitos prisioneiros 900 paraguaios. .
Ao término do combate foi instalado um hospital e um depósito, na capela de Villeta. Pelo
excesso de feridos, muitos foram evacuados para Palmas e para Humaitá.
No dia 21 de dezembro, os aliados atacaram as trincheiras do Lomas Valentinas.e Ita-Ibaté.
Resultando 1326 perdas aliadas e cerca de 8000, paraguaias. 100
O ataque à posição Lomas Valentinas, iniciada a 21 de dezembro, foi uma das mais
sangrentas da guerra. A tropa dormia ao relento, sob fortes chuvas e mal alimentada. O ataque
desembocou sobre um terreno difícil, sob nuvens de mosquitos.
Nesse dia foi ferido Dionísio Cerqueira, fato que descreve em suas Reminiscências. Assim
descreveu o episódio: “levantei-me cambaleante e relancei o olhar ao derredor, em busca do
meu boné e só vi mortos e feridos....”. Foi então levado para um hospital de sangue, instalado em
um rancho, coberto de palha, no meio de um laranjal, atopetado de feridos. Chegavam carregados no
ombro de um companheiro, ou em “andas” improvisadas com as armas e com o capote.
O médico recebeu Dionísio, examinou-o, limpou o ferimento com água colhida em um
banhado próximo, colocou um chumaço de fios e colocou uma bandagem de queixo. Terminado
o atendimento Dionísio dirigiu-se ao seu acampamento onde foi atendido pelo acadêmico Acioli,
seu colega de colégio, na Bahia. Como medicamento, um copo de vinho do Porto. Dionísio
vomitou e dormiu. No dia seguinte foi levado para o Hospital de Villeta, onde ficou deitado em
uma manta, no chão. Feita nova limpeza do ferimento, com água retirada de uma bacia de ferro
contendo acido fênico. Com essa água eram atendidos vários feridos. Naquele hospital estavam
internados milhares de feridos, entre aliados e paraguaios. Conta Dionísio Cerqueira em suas
Reminiscências.
100
JOURDAN, E.S. História das Campanhas do Uruguai. Enciclopédia pela Imagem – Lello Ltda – Porto – Portugal.
127
Em Villeta estava Artur Rios seu amigo, ainda acadêmico. Pelo seu trabalho já estava sendo
reconhecido como um bom cirurgião. Após abraçar Dionísio, Artur Rios lavou o ferimento com
água limpa contendo acido fênico usando uma bacia limpa. Lavou o ferimento, cortou os tecidos
já mortos e o lavou com clorato de potássio.
Durante a Dezembrada, ( 6 a 27 de dezembro), muitos eram os feridos a serem evacuados.
Inicialmente levados para os encouraçados e ali atendidos e operados. E em seguida levados para
enfermarias no Chaco. Médicos da Armada realizavam o trabalho, auxiliados por cirurgiões do
Exército. Só em Villeta, estavam baixados cerca de 2000 feridos aliados e paraguaios, que
ocupavam a capela e várias casas e barracas.
Em 30 de dezembro foi conquistada Angostura e aprisionados 1350 paraguaios e 16
canhões. Assunção é ocupada e López foge para Ascurra.
Na Ordem do Dia nº272, de 14 de janeiro de 1869 Caxias deixou escrito:
Tenho o prazer patenteando ainda mais uma vez a minha gratidão e a do
Exército, ao digno cirurgião-mor em comissão e Chefe interino do Corpo de
Saúde, Dr. Francisco Bonifácio de Abreu e a todos os cirurgiões militares,
médicos contratados e farmacêuticos, que abaixo de suas ordens estão servindo
e que nos hospitais fixos e nos de sangue tem cumprido religiosamente os
deveres de sua profissão com o maior zelo, abnegação e humanidade.
Na manhã do dia 17 de janeiro, o marquês de Caxias foi acometido de uma síncope quando
ouvia uma missa na Catedral de Assunção. O seu organismo já mostrava haver chegado ao limite
extremo da resistência e reclamava urgente repouso.
Ouvindo o conselho dos médicos Caxias passou o comando ao marechal Guilherme Xavier
de Souza e retirou-se para Montevidéu. Seguiu acompanhado do cirurgião-mor Francisco
Bonifácio Abreu e alguns oficiais de seu estado-maior. Ao chegar em Montevidéu o seu estado
era tão delicado que teve que ser amparado para ser levado para o hotel.
Em 5 de fevereiro ficou determinado que deveria retornar ao Rio de Janeiro. No dia 22 de
março foi exonerado do Comando e no dia seguinte foi agraciado com o título de duque de
Caxias.
Caxias foi substituído pelo conde D´Eu, em 1º de abril de 1869. Apesar do seu empenho,
pouco pode fazer pelo Corpo de Saúde. O afastamento do rio Paraguai, com as distâncias cada
vez maiores o apoio logístico foi muito prejudicado. Assim como os meios de transporte, onde a
evacuação naval era impossível e as instalações de hospitais cada vez mais rudimentares. Foi uma faz
crítica.
101
101
FRAGOSO,Tasso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do Exército, Liv
Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro.
128
10. O CORPO DE SAÚDE PELOS SEUS COMANDANTES
Muito se tem dito sobre o Exército Brasileiro na Tríplice Aliança. Da sua organização, do
seu desempenho, dos seus homens, do seu armamento e do seu equipamento, das manobras
realizadas. E sobre tudo dos seus condutores. Muito se tem falado em função dos escritos,
baseados, ou não, em fontes primárias. São críticas De mal informados ou revisionistas, levados
por suas analises ideológicas e desvirtuadas.
Vejamos o que disseram aqueles que lá estiveram, que lá combateram e que apesar dos
pesares, nos levaram à vitória.
No Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra, de 1872, consta o relato apresentado à
Assembléia Geral Legislativa (1ª Sessão da 14ª Legislatura) assinado pelo General João José de
Oliveira Junqueira, então Ministro e Secretário de Estados dos Negócios da Guerra.
Oliveira Junqueira, em sua apresentação ao Legislativo, fez o seu relato complementando, o
de seu antecessor, descrevendo a realidade do Exército Brasileiro, reduzido, ao término da
guerra, a “14.474 praças das três armas, distribuídas por diversos pontos do Império...” sendo
que 2.870 continuavam na República do Paraguai, integrando uma divisão de ocupação.
Em 16 de maio de 1872, o então Ministro da Guerra, Visconde do Rio Branco, enviou a
vários chefes militares, veteranos da Tríplice Aliança, um expediente onde pediu se que
manifestassem, com seus pareceres, louvados na “proveitosa experiência” da guerra.
Em sua carta assim se expressou:
Não sendo suficientes as informações que se podem colher da correspondência
oficial do comando em chefe do exército imperial, que fez a campanha do
Paraguai, a respeito das necessidades que, durante essa longa e proveitosa
experiência, se manifestaram em nossa organização militar: houve Sua
Majestade o Imperador por bem ordenar que cada um dos generais, a quem
coube a gloriosa missão de comandar o dito exército, informe com seu parecer
sobre os seguintes quesitos: [...]
Tal solicitação foi endereçada ao Conde D´Eu, ao Duque de Caxias, ao Marquês do Herval,
ao Conde de Porto Alegre, ao Visconde de Santa Thereza e ao Visconde de Pelotas. No referido
Relatório, constam apenas as respostas de Caxias, o visconde de Pelotas e o conde D´Eu. Suas
contribuições ao estudo realizado.
Os quesitos são direcionados à organização dos corpos das três armas (Infantaria, Cavalaria
e Artilharia) assim como os corpos especiais (Engenheiros e Estado-Maior); a qualidade e
defeitos do armamento e do equipamento das praças de pret; a criação de um comissariado para
o abastecimento das forças combatentes; as instruções, as manobras e as evoluções militares, das
três armas; o aperfeiçoamento do material bélico e os meios de condução; assim como as
reformas necessárias ao serviço medico e eclesiástico.
129
Segundo o Visconde do Rio Branco: os conselhos da esclarecida experiência, seriam
aproveitados para se colocar o Exército em condições da maior eficiência e tornar mais fácil
elevá-lo com prontidão ao pé de guerra, quando a defesa do Império o exigisse.
Responderam aos quesitos: o Conde D´Eu, o Duque de Caxias e o Visconde de Pelotas. Caxias foi
sucinto e objetivo, o Visconde de Pelotas foi claro e objetivo. O Conde D´Eu foi prolixo e minucioso.
Vejamos a opinião dos três chefes militares sobre o que se refere ao Corpo Sanitário.
O SERVIÇO MÉDICO
Duque de Caxias
O Corpo de Saúde não estava na proporção desejada. Seu efetivo deveria ser no mínimo de
200 médicos, ao contrário da realidade dos 169 oficiais, incluídos os boticários.
Visconde de Pelotas
Segundo o general Câmara, ele pouco ou nada tinha a comentar sobre o Corpo
Sanitário. Seria entretanto recomendável dispor de mais transporte compatíveis para ambulâncias
ligeiras, farmácias móveis e carros com instrumentos cirúrgicos indispensáveis para os primeiros
atendimentos, em combate.
Conde D´Eu
Para o Conde, não havia muita necessidade de reformas, a serem introduzidas, nesse corpo
(Sanitário), porque a sua organização não devia ser complicada.
No seu entendimento, não se justificava que o médico tivesse uma hierarquia igual aos
demais oficiais. Segundo ele também assim pensavam os generais Polidoro, Henrique Rohan e o
próprio barão de Villa da Barra, que dirigiu o Corpo, no Paraguai, por algum tempo. Segundo o
barão, os médicos não estavam preocupados com a hierarquia, contanto que lhes dessem
vantagens pecuniárias.
Não parecia ao Conde D´Eu que a hierarquia de capitão fosse recomendável ao médico,
como preconizava Villa da Barra, considerando que teria que exercer o cargo de diretor de
hospital. Para Polidoro, segundo o conde, deviam ser majores, com exceção dos chefes, que
podiam chegar a brigadeiro.
O efetivo de médicos não poderia ser pequeno, como aconteceu no Paraguai. Em particular
em uma situação de guerra, como foi o caso. Civis contratados exigiram remunerações
extraordinárias para seguir para o teatro de operações, tendo sido muito dispendiosos para o
exército.
130
O que seria de fato recomendável que se atribuíssem gratificações ao respectivo quadro.
Havia pouco interesse pela carreira de médico militar. Em 1871, existiam apenas cerca de 80
vagas ao primeiro posto.
Na opinião do conde, era essencial que o médico militar recebesse um ensino especial,
criando-se cadeiras específicas, anexas à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a semelhança
da França e outros países europeus.
O que foi considerado inconveniente, em campanha, para o Conde, foi a existência nos
hospitais de um diretor médico e o 1º cirurgião, também diretor. O que causava sempre uma
desarmonia. O médico ficava tolhido em atuar no estado-maior do hospital. O decreto nº2715, de
26 de dezembro de 1860, estipulava a presença de um oficial mais antigo do que o médico de
maior patente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corpo Sanitário:
- Médicos em número insuficiente;
- Choque de autoridade nos hospitais entre médicos, cirurgiões e combatente;
- Médicos civis contratados muito onerosos, nem sempre competentes;
- Carência de transporte compatível com a evacuação médica;
- Falta de mobilidade na evacuação, no suprimento e nas ambulâncias;
- Carreira de pouca atração. Ganha pouco e exige sacrifícios;
- Necessidade do estudo da cirurgia de guerra, nas faculdades;
DOCUMENTAÇÃO:
Dec. Nº1900, de 7 de março de 1857;
Doc. Arquivo Nacional;
Ordem do Dia nº 272, de 14 de janeiro de 1869, do major de Caxias, Comandante em Chefe das
tropas brasileiras no Teatro de Operações.
Relatório do Ministro da Guerra de 1864; Schneider, L. A Guerra da Tríplice Aliança, contra
o Paraguai. Ed. Cultura;
BIBLIOGRAFIA
CERQUEIRA, Dionísio Gen. Reminiscências da Guerra do Paraguai. Biblioteca do Exército
Ed. –Edição Especial – 1980.
131
JOURDAN, E.S. História das Campanhas do Uruguai. Enciclopédia pela Imagem – Lello
Ltda – Porto – Portugal;
MITCHELL, Gilberto de Medeiros – “História do Serviço de Saúde” – Ed. Cultura – 1963.
MOTTA TEIXEIRA Roberto C. da. Aspectos Históricos da Medicina Militar na Guerra da
Tríplice Aliança. Problemas de Medicina Militar. Academia Brasileira de Medicina – 1964;
SANTOS, Lycurgo. História da Medicina no Brasil.Ed.Brasiliense Lta. 1945 –S. Paulo
SILVA, Arthur Lobo da. O Serviço de Saúde do Exercito Brasileiro – Bibliex
Ed. Rio de
Janeiro – 1958;
FRAGOSO,Tasso, A. A Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. 2ªEd. Biblioteca do
Exército, Liv Freitas Bastos -1956 – Rio de Janeiro.
132
ASPECTOS DA LOGÍSTICA NA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA - 1864/1870
102
Gen Bda R/1 Marcio Tadeu Bettega Bergo
“Nada acontece sem logística... principalmente em campanha!”
1. INTRODUÇÃO
O objetivo desta comunicação é destacar os principais aspectos da Logística durante a
Campanha da Tríplice Aliança, o maior conflito armado do continente sul-americano, entre 1865
e 1870, que opôs o Império do Brasil, as Repúblicas Argentina e Oriental do Uruguai contra a
República do Paraguai.
No decorrer de qualquer campanha militar, as forças participantes precisam ter,
disponíveis, uma série de bens e serviços que lhes possibilitem atingir seus objetivos. De modo
geral, tais necessidades compreendem transporte, alimentação, alojamento, banho, lavanderia,
barbearia, correio, apoio moral, bem-estar, lazer, assistência aos familiares, água (para consumo
humano e animal, além de serviços como cozinha, limpeza etc), fardamento e equipamentos,
armamento e munição, saúde, coleta de mortos e sepultamento, apoio aéreo (suprimento,
evacuação médica), destruição/remoção de engenhos falhados, gestão de recursos humanos,
apoio humanitário, finanças, assistência jurídica. Ao complexo sistema que se encarrega de
atender a tais demandas convencionou-se chamar “Logística”.
Estas necessidades se fazem presentes desde sempre. E, lógico, elas evoluem conforme a
história da humanidade, alterando-se a forma, os métodos e os utensílios com que são atendidas.
Algumas são inovações, fruto das tecnologias, como as relativas aos meios aéreos, ou
consequência de imposições sociais, como as questões jurídicas, as preocupações com as
populações civis e com o meio ambiente, assuntos atuais, com importância crescente. Outras
desapareceram, como o uso de animais no combate e condução de bovinos em pé, para fins de
alimentação.
Em adição, à época da Campanha da Tríplice Aliança, existiam, ainda, necessidades
características daquele Teatro de Operações (conceito não usado, naqueles tempos). Havia
acompanhantes civis às tropas, como famílias (esposas e crianças), mulheres (que realizavam
trabalhos variados e prestavam assistência), profissionais de saúde e comerciantes. Os animais
102
Chefe do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar do Exército.
133
eram outra preocupação de vulto, tanto pelos cavalos, ferramentas de combate, como pelos
muares, usados na carga e na tração de veículos e canhões. E, mais, os bovinos, conduzidos
vivos, para serem abatidos e usados na alimentação. Os animais demandavam pastos e água,
além de forragem (milho, alfafa) e medicamentos.
2. DEFINIÇÃO E HISTÓRIA DA LOGÍSTICA
Logística “É tudo, ou quase tudo, no campo das atividades militares, exceto o combate”,
na definição do Barão de Jomini, em sua obra “Précis de l’art de la guerre”.
Em nosso trabalho “Apoio Logístico - Considerações e Propostas (um estudo)”,
apresentamos uma definição mais detalhada, citando-a como “A função de prever e prover, no
local e no momento adequados, com os menores custos, os meios materiais e/ou os serviços
necessários a uma organização, para que esta atinja seus objetivos com eficiência”. Isso constitui
um processo, que envolve planejamento, levantamento de necessidades, cuidados com pessoal,
trato de material, aquisições, cálculos de peso e volume, acondicionamento, armazenagem,
transporte etc. As questões permanentes são “quem”, “o quê”, “para onde”, “quando”, “a que
custo”, “quais as disponibilidades”, “como levar” e outras tantas. E as respostas quase sempre
conduzem ao dilema “pode ser feito?”, com seus complementos “quando?” e “os custos podem
ser atendidos?”
A atuação do Sistema Logístico se estende desde a retaguarda, no Centro de Comando,
até o Teatro de Operações, onde os produtos e serviços são consumidos.
A história da Logística se inicia com o aproveitamento dos recursos locais, existentes nos
próprios sítios onde ocorriam as campanhas. O transporte era em base individual, os petrechos
eram carregados pela tropa. Eram comuns os saques, as pilhagens e o confisco.
Epaminondas (general e político grego do século IV a.C) criou um Sistema de
Requisições. Gustavo Adolfo (Suécia, século XVII) instituiu os “trens” (agrupamento de serviços
em apoio às operações), os alojamentos regulares e tomou cuidados com a alimentação e os
uniformes. Frederico II (Prússia, século XVIII) introduziu o Estado-Maior, onde existiam oficiais
encarregados de assuntos específicos (Pessoal, Inteligência, Operações, Apoio Logístico e
Comunicação Social). Napoleão (França, século XVIII) foi o responsável pela criação dos Trens
de Artilharia, dos Parques de Engenharia e dos Transportes Administrativos, além de efetuar a
separação de Armas e Serviços e de instituir a “Legião de Honra” (providência destinada a elevar
e manter elevado o moral da tropa).
134
O General Von Scharnhorst (Prússia, 1806), estudando a derrota prussiana frente às tropas
de Napoleão, concluiu que a causa foi a falta de Apoio Logístico. Foram tomadas providências e
aquele país chegou à vitória na guerra franco-prussiana, em 1870.
General Jomini (Suiça/França) foi quem criou o termo “Logistique”, em sua obra, já
citada, em 1836.
Os Norte-Americanos, em seu processo de expansão territorial, tiveram preocupações
com a Logística. Seus “Quartermasters” foram criados ainda no século XVIII, logo após a
Infantaria, antes mesmo da independência do país. Na Guerra de Secessão (1861/1865), já
dispunham de um sistema bastante organizado, utilizando-se das ferrovias, da Mobilização e
introduzindo inovações tecnológicas (armas, comunicações, embarcações).
3. O CONE SUL DA AMÉRICA E A GUERRA
O Cone Sul da América, englobando Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, países
dirigidos, nos anos 1860, respectivamente, por D. Pedro II, Bartolomeu Mitre, Venâncio Flores e
Solano Lopez apresentava, em resumo, as seguintes características:
Os valores citados estão em Libras. Naquela ocasião, século XIX, £ 1 valia
aproximadamente R$ 0,50 de hoje, num cálculo sem grandes precisões.
O conflito, acontecido entre 1864 e 1870, deu-se em regiões remotas, longe dos grandes
centros. Havia completa ausência de infra-estrutura e as comunicações eram bastante precárias.
Os combatentes provinham de diversas origens e atuavam num ambiente extremamente hostil.
Os custos financeiros foram consideráveis. Em contrapartida, inexistiam pressões ambientais e
de mídia.
O conflito da Tríplice Aliança pode ser considerado como uma “guerra de transição”
entre o período napoleônico e a 1ª Guerra Mundial.
135
Ao longo da campanha, a participação de combatentes e o número de baixas podem ser
vistos no quadro abaixo, sempre se levando em consideração que as estatísticas e os registros são
muito pouco precisos e os números variam conforma a fonte consultada:
(*) = A imensa maioria devida a doenças e à subnutrição.
(**) = Os dados são divergentes e imprecisos.
Quanto às mortes de militares em ação de combate, ressalta-se que ocorreram 10.000 em
Tuiuti e 5.000 em Curupaiti.
Uma ligeira cronologia dos principais acontecimentos assim se apresenta:
1864 - Ofensiva guarani, com o apresamento vapor “Marquês de Olinda” e a invasão de
Mato Grosso;
1865 - Tomada de Corrientes e invasão do Rio Grande do Sul; Assinatura do Tratado da
Tríplice Aliança;
1865 - Batalha naval do Riachuelo;
1866 - Invasão do Paraguai, pelo Passo da Pátria, e passagem de Curuzu;
1867 - Manobra de flanco em Humaitá;
1868 - Passagem de Humaitá, batalhas da “Dezembrada” (Itororó, Avaí, Lomas
Valentinas e Angostura) e bombardeio de Assunção pela Esquadra Brasileira;
1869 - Tomada de Assunção e campanhas de Peribebuí e das Cordilheiras;
1870 - Morte de Lopez e fim da guerra.
4. ESTRUTURA NO BRASIL
O Império do Brasil contava, à época, com um Exército pequeno, mal equipado e mal
adestrado. O governo nele pouco investia, dedicando-lhe parcos recursos, deixando mesmo de
arcar com o fornecimento básico para seu funcionamento. Faltavam-lhe homens, armamentos,
víveres e, principalmente, treinamento.
136
Existia grave conflito entre o profissionalismo e as influências políticas. O recrutamento
era forçado, sendo que as praças provinham das classes baixas, verdadeira escória social. Os
efetivos existentes eram esparsamente distribuídos pelo território nacional.
Ou seja, a Força Terrestre carecia de todas as condições necessárias para a defesa da
Pátria.
Na realidade, num processo de divisão do poder, a Guarda Nacional era que gozava de
maior prestígio. Esta, subordinada a comandos locais, era auto financiada e recebia melhores
recursos.
No esforço da guerra, foram, depois, criados os corpos de Voluntários da Pátria e
verificados recrutamentos de escravos.
A insuficiência das tropas brasileiras pode ser perfeitamente compreendida através do
seguinte depoimento de Dionísio Cerqueira:
“O nosso pequeno e mal aparelhado Exército deixava muito, senão tudo, a desejar, desde
a instrução técnica e o preparo indispensável para a guerra, até o comissariado de víveres e
forragens, o serviço sanitário, o aprovisionamento de armas, fardamento, equipamento, meios de
transporte etc.”
O quadro a seguir mostra o total de efetivos terrestres brasileiros que atuaram no conflito:
Em paralelo, a Armada Nacional (como era denominada a Marinha de Guerra, na época),
era poderosa e mais moderna. Dispunha de 42 navios e de 4.000 homens, bem treinados. Estava,
em sua maioria, estacionada no Rio da Prata, em consequência dos conflitos anteriores na região.
A estrutura existente no Exército era a decorrente da modernização realizada por Caxias,
quando de sua passagem pelo Ministério da Guerra entre 1855 e 1857.
Em 1856, foi instituída a Repartição do Quartel-Mestre General, uma espécie de
Intendente-Mór, responsável pela aquisição, depósito, recolhimento, conservação, suprimento,
transportes de armamentos, munições, equipamentos e materiais diversos, pelas comunicações,
arsenais e fábricas, pela remonta, hospitais e farmácias. O Quartel-Mestre General daria origem
à criação da Repartição de Intendência Geral, em 1859, raiz do atual Serviço de Intendência.
Em 1858, foi criada uma Comissão de Melhoramentos do Material do Exército, destinada
a modernizar e equipar a tropa, com aquartelamentos e meios. No entanto, verificaram-se
demora e burocracia.
137
Um grave empecilho era o embate, interno ao Sistema, entre o “Comissariado”
(aquisições centralizadas pela Força, com entrega às Unidades) e os “Fornecedores”
(comerciantes, contratados localmente).
Em resumo, então, o apoio às tropas, na sede da Corte, dava-se por intermédio de/do:
 Comissariado Militar, adquirindo principalmente materiais no exterior;
 Arsenal da Marinha - construindo embarcações e armas;
 Laboratório Pirotécnico (da Marinha) - produzindo munições;
 Arsenal da Corte (antiga Casa do Trem, atual Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro) produzindo canhões e uniformes;
 Fábrica da Estrela - fabricando pólvoras diversas;
 Fábrica da Conceição - fabricando armas leves; e
 Hospital Militar da Guarnição da Corte - atendendo feridos.
Havia uma grande demanda em fazer com que tais produtos chegassem à linha de frente.
Nesse mister, a atuação da Marinha foi crucial, todo o transporte era marítimo.
5. A LOGÍSTICA NA GUERRA
Assim, as hostilidades tiveram início e a tropa foi envolvida nos combates, despreparada
como estava. De fato, o que aconteceu durante o desenrolar das ações, foram imprevistos e
dificuldades de toda ordem. Eram faltas e falhas, a atuação da Repartição de Intendência Geral
(sucessora do Quartel-Mestre General) era limitada à capital do Império, não havia um serviço
organizado e regular de intendência no Teatro de Operações.
As grandes “armas” foram a resignação, a sobriedade e o patriotismo. Era o ardor do
Brasileiro a lutar pela sua pátria!
A rotina da campanha impôs acampamentos de longa duração. Havia exploração dos
recursos locais, pelas próprias forças, mais ou menos como nas guerras da antiguidade.
Considerável parcela dos artigos era entregue por fornecedores contratados. Estes
apresentavam um fluxo irregular, resultante das disponibilidades e da sua boa (ou má!) vontade.
Os preços eram muito variáveis, decorrentes de fatores como distância, época do ano, local de
entrega etc. A propósito dos contratos fixando locais para entregas, ocorria interferência na
manobra tática, pois os comerciantes ficavam conhecendo os planejamentos!
Os fornecedores principais eram comerciantes das regiões argentinas de Corrientes e
Entre-Rios. Entre eles se destacaram o General Urquiza (que vendia cavalos e gado, chegando a
138
comerciar mais de 500 mil cabeças), Mariano Cabal, Apolinário Benites, Francisco Javier Bravo,
Ambrosio Placido Lezaca e Anacarsis Lanús. Dentre os brasileiros, citam-se José Luiz Cardoso
de Sales (o Barão de Irapuá, proprietário do estabelecimento comercial “Curral de Pedra”),
Irineu Evangelista de Souza (o Visconde de Mauá, empresário com diversos interesses) e
Antonio Gomes Pereira.
Durante as ações, foi instalado um Arsenal avançado, na Ilha do Cerrito (no Rio Paraná) e
uma base de apoio em Porto Elisiário (Rio Paraguai).
Em fins de 1866 o marechal Luís Alves de Lima e Silva (marquês e, posteriormente,
Duque de Caxias) foi designado para o comando das forças brasileiras. Encontrou o Exército
praticamente paralisado. Os contingentes argentinos e uruguaios vinham sendo retirados aos
poucos do campo de batalha, assolado por epidemias. Caxias assumiu o comando geral das
operações e providenciou uma reestruturação geral. Organizou um corpo de saúde (para dar
assistência aos inúmeros feridos e combater a epidemia de cólera) e um sistema de
abastecimento para as tropas.
Além desta reestruturação, da instalação de bases e de linhas de suprimento, foi
implantada uma padronização de equipamentos e, também, introduzidos no cenário da guerra um
componente aéreo, com o uso de balões para observação. Estes artefatos foram provenientes dos
Estados Unidos, introduzidos durante a Guerra Civil americana. Importante se destacar um
“discípulo” de Caxias, o então Tenente Carlos Machado Bittencourt - posteriormente, como
Ministro da Guerra, reorganizaria o serviço de suprimento às operações em Canudos, tornandose o Patrono da Intendência do Exército Brasileiro.
a. transportes
Como já foi dito, a importância da Marinha foi marcante - os rios (Paraguai e Paraná) se
constituíam nos eixos de suprimento. As embarcações eram meios de transporte, depósitos e
“bases”. Os ancoradouros, terminais e pontos de transferência de cargas para as carretas
tracionadas por muares ou bovinos. A via férrea existente entre Assunção e Paraguari foi
utilizada, porém já no final da campanha.
Tarefa importantíssima era o afretamento de barcos e carretas (estas para constituírem as
“comitivas” ou comboios), com a organização de tropas de cargueiros. Era necessária a
contratação de peões e condutores.
b. alimentação
139
A “munição de boca” é necessidade nº 1 do combatente, a preocupação maior do
logístico. Na sua famosa frase “Os exércitos marcham sobre seus estômagos”, Napoleão
Bonaparte resume magnificamente tal verdade.
A base da alimentação era a carne verde. As reses eram conduzidas em pé e abatidas na
medida das necessidades. Os dias de abate eram conhecidos como “carneação” e a média era de
uma rês para 50 homens. Dependendo da situação, era fornecida carne seca (salgada, também
conhecida como charque ou “jabá”). Às vezes, havia consumo de bacalhau, peixe e toucinho.
Outros itens adquiridos dos fornecedores eram azeite, bolachas, arroz, feijão, café, chá, açúcar,
sal, farinha, batata, aguardente e vinho.
Vegetais eram colhidos no local, inclusive com elevado consumo de frutos não
amadurecidos. A água era proveniente dos rios e córregos, de fontes e de poços. Havia filtros
improvisados, com lonas, ou utilizava-se o processo de decantação.
Tudo isso acarretava, como consequência, um elevado número de doenças
gastrointestinais.
O combustível era a lenha, captada nas matas. Quando possível, fazia-se o preparo de
carvão. As necessidades fisiológicas aconteciam no mato. Tudo sem grandes preocupações
ambientais.
Em suas “Instruções Provisórias”, de 09 de julho de 1851. no Art 17, o então Conde de
Caxias estabelecera uma tabela de rações. Citam-se algumas definições de cardápios:
N. 1: carne fresca, uma libra; farinha, 1/40 avos d’alqueire; arroz, 4 onças; toicinho, 2
onças; sal, 1 onça; e lenha, 24 onças.
N. 2: carne secca, meia libra; farinha, 1/40 avos d’alqueire; feijão, 1/160 avos d’alqueire;
toicinho, 2 onças; sal, 1 onça; e lenha, 24 onças.
N. 3: bacalhau, meia libra; farinha, 1/40 avos d’alqueire; feijão, 1/160 avos d’alqueire;
azeite, 1/32 avos de quartilho; vinagre, 1/16 avos de quartilho; sal, 1 onça; e lenha, 24 onças.
N. 4 (mais usada para os deslocamentos, propiciando aumento da velocidade de marcha):
carne fresca, duas libras; farinha, 1/40 avos d’alqueire; sal, 1 onça; erva matte, 2 onças; fumo, 1
onça; e aguardente, 1/48 avos de medida.
Para melhor entendimento, transcreve-se que 1 libra = 0,453 Kg; 1 onça = 28,69 gramas;
1 quartilho = 0,665 litro (1/4 de canada, um pote); e 1 alqueire = 13,8 litros.
No entanto, deve ser sempre lembrado que esses artigos, conforme já explicado, tinham
suas disponibilidades dependentes das contratações, com muitas variáveis nas entregas e
inúmeras condicionantes de preços.
140
No decorrer da campanha, as alternâncias no quesito “alimentação” levaram à
composição, pela tropa, de uma trova sempre recitada, constante na obra “Reminiscências da
Campanha do Paraguai”, de Dionísio Cerqueira:
“Osório dava churrasco, o Polidoro, farinha. O Marquês deu-nos jabá, e sua Alteza,
sardinha.”
c. uniformes e equipamentos
Quando disponíveis, utilizavam-se barracas e tendas, além de arreamentos. Os soldados
tinham sacos e alforjes para transporte de seus itens pessoais.
Era imensa a diversidade de uniformes, que eram adquiridos pela Unidade ou pelo
próprio Soldado. A inclemência do clima era grande, impingindo enormes sofrimentos.
Como ilustração, uma tabela de uniformes:
Ainda conforme a descrição de Dionísio Cerqueira, os soldados “faziam marchas
ordinariamente com alpercatas espanholas, chinelas de couro ou descalços. Os banhados eram
muitos, os atoleiros frequentes, e as botas enchiam-se de água e de lama. Com os sapatos e
botinas acontecia o mesmo e os pés se feriam. Raro era o soldado calçado.
Segundo o Coronel Chicuta, participante da Guerra, “faltavam às tropas brasileiras todas
as condições básicas que um Exército é obrigado a possuir, a fim de realizar um combate:
agasalho (abrigo) não se encontra, então não se tem onde comprar sabão para lavar roupa [...] até
o presente temos farinha e sal, um resto de sabão e erva para tomar mate [...] os cavalos já andam
muito magros, não dá para se fazerem marchas muito grandes em cima deles”.
d. armamentos individuais
141
As armas de fogo individuais utilizadas eram tipo pederneira e percussão (fulminato e
agulha): espingardas, fuzis, carabinas, clavinas, pistolas e revólveres. As origens eram das mais
diversas, sendo as principais as Minié, as Enfield, as Roberts e as Spencer. Os calibres também
eram variados, dificultando sobremaneira o suprimento. À época, a classificação dos projetís era
pelo “adarme”, medida pelo peso (oitavas, aproximadamente 1,8 g) e não pelas dimensões.
Empregavam-se também as armas brancas, como baionetas, espadas, sabres, lanças,
facões e punhais.
e. armamentos coletivos
O Exército Brasileiro utilizava-se de canhões (alma lisa e raiada) dos tipos La Hitte,
Whitworth e Parrot. Empregaram-se também pequena quantidade de obuses, morteiros e
metralhas. Estas, uma inovação recente, chegaram ao Brasil quase ao final da guerra.
Um artefato bastante empregado era a massa inflamável, conhecida como “racha-fogo”,
uma espécie de precursora do lança-chamas. Outros itens importantes eram os foguetes
“Congrève” e as granadas “shrapnel” (conhecidas como “lanternetas”).
Da mesma forma que as armas individuais, estas também eram de diversos calibres. As
espoletas eram de tempo e de percussão.
f. finanças, assistência e lazer
Existem relatos da edição de um pequeno jornal, chamado “A SAUDADE”, que teria
circulado entre a tropa.
Importantes atividades eram os serviços religiosos, missas eram frequentemente rezadas.
As tropas eram seguidas por “Acompanhantes”, multidão heterogênea composta de
esposas, filhos, prestadores de serviços etc. E, logicamente, incluíam os comerciantes. Como
curiosidade, num cálculo sem maiores pretensões, um litro de cachaça custava $50,
aproximadamente R$ 3,00.
Sobre as finanças, os vencimentos de um Coronel eram de 2:000$000 anuais
(aproximadamente R$ 112.000,00). Um Capitão percebia 720$000 anuais (aproximadamente R$
40.300,00). O pagamento de um Soldado perfazia 64$000 anuais (aproximadamente R$
3.600,00) e um Voluntário da Pátria fazia jus a $ 300/dia (aproximadamente R$ 20,00), mais
300$000 por ocasião da sua baixa (aproximadamente R$ 16.800,00), além de terras (que, na
verdade, não se sabe se chegaram a ser distribuídas como prometido).
142
A etapa média, devida à alimentação/alojamento, era de 1$400 (aproximadamente R$
78,00).
Quanto aos pagamentos, estes eram mantidos em dia para os oficiais. Já para as praças,
havia um atraso proposital, a fim de se evitarem as deserções e, ainda, em caso de morte,
proporcionar economia de soldos a serem pagos.
Os cálculos financeiros são aproximados. Havia um início de processo inflacionário, na
época, e os registros são inconsistentes, variando conforme a fonte. Foram apresentados valores
médios. O câmbio era 1$000 = £ 110 - aproximadamente R$ 56,00; 1:000$000 = £ 110.000 aproximadamente R4 56.000,00; e £ 1 = $10 - aproximadamente R$ 0,50.
g. custos
A Logística tem sua porção “business”, Napoleão afirmou que “A guerra é um negócio”.
O cantor popular Falcão possui uma canção em que diz que “Dinheiro não é tudo, mas é 100%”.
O fato é que a guerra envolveu grandes negócios, que incluíam armas, víveres etc. E as maiores
dúvidas, do ponto de vista Logístico, são “Quanto custa?” e “Quem paga?”
Pois a guerra custou caro, e muito caro. Quem pagou foi o Império Brasileiro ou, em
última instância, seu povo. O gráfico mostra a participação do Exército no orçamento nacional:
Estima-se um gasto total de 614:000$000 (aproximadamente R$ 34.400.000,00), num
orçamento anual de 57:000$000 (aproximadamente R$ 3.200.000,00). Ou seja, a campanha
custou quase 11 vezes o orçamento anual do Império, ou o dobro das receitas a cada ano. Houve
143
aumento nos impostos e a realização de empréstimos. O maior resultado foi um brutal
endividamento.
6. CONSEQUÊNCIAS
Com o final das operações, ocorreu um fortalecimento e maior prestígio do Exército e da
Marinha. Desencadeou-se um processo de absorção da Guarda Nacional pelo Exército.
Uma consequência marcante foi maior unificação e sentimento de nacionalidade no
âmbito da população. A obra “A Chama da Nacionalidade - Ecos da Guerra do Paraguai”, do
Coronel Marco Antonio Cunha retrata isso muito bem.
No campo das finanças, como já foi dito, aconteceu grande endividamento nacional e
aceleração do ciclo inflacionário.
Houve padronizações em equipamentos e uniformes, o início de uma reordenação.
Mas as principais lições logísticas não foram aprendidas. Isto somente iria acontecer bem
depois, com o episódio de Canudos, com a intervenção do Marechal Bittencourt.
No campo político, notou-se sensível desgaste do regime monárquico, com incremento do
abolicionismo. Verificou-se aumento na recepção de imigrantes.
No campo da Assistência Social, aconteceram a criação do Asilo dos Inválidos da Pátria
(instituição extinta, cujo prédio até hoje existe, na Ilha do Bom Jesus, colada à Ilha do Fundão,
no Rio), do Imperial Colégio Militar da Corte (hoje Colégio Militar do Rio de Janeiro e
precursor do Sistema Colégio Militar) e do Orphanato Osório (hoje Fundação Osório). Houve a
consolidação do instituto da Pensão Militar, que funciona até hoje, com alterações e
aperfeiçoamentos.
Na Argentina foi que se verificaram os maiores ganhos financeiros, pelos comerciantes
que atuaram na guerra. Chegou-se a pilheriar, com a alcunha “Rio do Ouro” sendo aplicada ao
Rio da Prata.
7. CONCLUSÃO
A importância da Logística é inquestionável. A guerra, por si só um foco de sofrimentos e
de privações, tem sua inclemência ampliada com a carência de itens que atendam às
144
necessidades de quem nela se envolve. Se tal é verdadeiro hoje, mais ainda o era no século XIX,
na região das operações da Guerra da Tríplice Aliança.
Para melhor ilustração, passamos a palavra ao Gen Tasso Fragoso, em “História da
Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai”:
“Basta atentar...
no modo como as tropas estacionavam (em barracas erguidas no campo ou em
bivaques)...
na falta de um serviço regular de intendência (o abastecimento tinha por base o
fornecedor ou contratante)...
na carência de comboios formados por viaturas capazes de transitar sem grandes
embaraços por aqueles caminhos...
na míngua de solípedes (a que não se dava forragem e que saciavam a fome, depois de
penoso trabalho, raspando o pasto das coxilhas)...
na alimentação...
na ausência de um serviço de saúde bem concebido e aparelhado...
Para compreender de relance a gravidade do problema que se antolhava àqueles chefes
quando tivessem de impulsionar para a frente tropas tão numerosas e tão heterogêneas.”
Euclides da Cunha voltaria ao tema da importância da Logística, afirmando que “Em
Canudos, mil burros mansos valiam por dez mil heróis.” (Os Sertões).
O poema de Ben Franklin demonstra as consequências das falhas na Logística:
“For want of a nail, the shoe was lost
For want of the shoe, the horse was lost
For want of the horse, the rider was lost
For want of the rider, the battle was lost
For want of the battle, the kingdom was lost
And all for the want of a nail...”
Numa tradução e adaptação nossa, sem preocupações de rima e metrologia, afirmamos
que:
“Pela falta de um cravo, perdeu-se uma ferradura;
Pela falta da ferradura, perdeu-se um cavalo;
Com a morte do cavalo, perdeu-se um combatente;
Sem o soldado, perdeu-se a batalha;
145
Na batalha, a guerra foi decidida e a nação derrotada.
E tudo pela falta de um cravo...”
Referências Bibliográficas
BERGO, Marcio Tadeu Bettega. Alimentação em campanha. In: Revista do Exército Brasileiro,
Rio de Janeiro, RJ, Vol 131, nº 1 - Jan/Mar 1994, p. 62-69.
______ Apoio Logístico - Considerações e Propostas (um estudo). PADECEME, Rio de Janeiro,
RJ, nº 9, 3º Quadrimestre/2004, p.29-40 e Revista de Intendência, Rio de Janeiro, RJ, nº 1, 1º
Semestre/2005, p. 27-34.
______ Operações Multinacionais: condicionantes para a participação brasileira e reflexos para o
país (enfoque: Logística). PADECEME, Rio de Janeiro, RJ, nº 12, 2º Quadrimestre/2006, p. 1931.
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Uniformes da Guerra do Paraguai. Disponível em
http://www.bndigital.bn.br/guerradoparaguai/artigos/Adler Uniformes da Guerra do Paraguai.pdf
______
Notas
sobre
o
armamento
na
Guerra
http://www.bndigital.bn.br/guerradoparaguai/artigos/Adler
do
Paraguai.
Armamento
da
Disponível
em
Guerra
do
Paraguai.pdf
CUNHA, Marco Antonio. A Chama da Nacionalidade - Ecos da Guerra do Paraguai. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2000.
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita Guerra: Nova História da Guerra do
Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
FERRER, Francisca Carla Santos. A (re)organização do Exército Brasileiro na Guerra do
Paraguai. Disponível em http://www.brapci.ufpr.br/download.php?dd0=11039
MEIRA, Antonio Gonçalves; CABEDA, Coralio Bragança Pardo. Nossas Guerras Considerações históricas dos seus recursos. Porto Alegre: EDIGAL - Editora e Distribuidora
Gaúcha, 2009.
MOITREL, Mônica Hartz Oliveira. A Logística Naval na Marinha Imperial durante a
Guerra da Tríplice Aliança: um ponto de inflexão, a saúde em terras distantes. Disponível
em http://www.uel.br/pos/mesthis/abed/anais/MonicaHartzOliveiraMoitrel.doc
146
NETO, Manoel Soriano. Guerra do Paraguai (Aspectos Sumários). Centro de Documentação
do
Exército.
Disponível
em
http://www.cdocex.eb.mil.br/site_cdocex/Arquivos
em
PDF/Guerra_do_Paraguai.pdf
PERNIDJI, Joseph Eskenazi; PERNIDJI, Mauricio Eskenazi. Homens e mulheres na Guerra
do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2010.
VAS, Braz Batista. Aspectos “logísticos” da Guerra do Paraguai - 1864-1870: algumas
considerações. Disponível em http://www.arqanalagoa.ufscar.br/abed/integra/braz batista vas,
2012-08-07.pdf
VIDEIRA, Antonio Celente. Logística - História e Evolução. Leituras Selecionadas - Escola
Superior de Guerra/DALMob LS 712-05. Rio de Janeiro, RJ, 2005.
147
A “SURPRESA DA GUERRA”: UM ESTUDO SOBRE A CONDUTA
POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL EM TERMOS DE USO DA FORÇA
NAVAL NO PRATA (1850-1876)
1º Ten Renato Jorge Paranhos Restier Junior
Introdução
É lugar comum nos estudos sobre a Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870) a convicção
de que as forças de terra e mar se encontravam despreparadas ao iniciar aquele conflito. Duas
possíveis explicações já foram ensaiadas, mas não aprofundadas. De um lado o despreparo seria
resultante da “surpresa”, ou seja, a guerra teria surpreendido o governo imperial que, portanto,
não pode se preparar adequadamente. De outro, o despreparo seria fruto da falta de recursos
financeiros, tendo em vista a frágil economia brasileira. Para esse debate, discutiremos a segunda
proposta explicativa, contudo faremos uma breve reflexão sobre a primeira proposta, ou seja,
problematizaremos a idéia de que as instâncias de poder no Brasil foram surpreendidas com os
ataques paraguaios ao Mato Grosso e ao Rio Grande do Sul, encontrando o Império
desprevenido em sua defesa.
Se fizermos uma análise mais minuciosa dos debates políticos em torno da política
externa do Império, abordando o posicionamento dos Ministérios da Guerra e da Marinha, bem
como se empreendermos um olhar mais atento aos relatórios das Províncias do Mato Grosso, do
Rio Grande do Sul e os debates no Parlamento sobre as leis de meios, ou seja, os orçamentos
para as instituições militares, identificaremos que muitos políticos e militares importantes
daquele período já se preocupavam com a possibilidade de novos conflitos no Prata. Quando
afirmamos que o Império foi surpreendido, devemos primeiro questionar quem foi surpreendido?
O estudo dos relatórios do Ministério da Marinha confirmam que a cerca de uma década anterior
os ministros, dentre eles Rio Branco e Marques de Muritiba, tinham grandes preocupações
geoestratégicas com o Prata.
No plano externo, devemos atentar ao fato de que a região platina era um espaço de
tensão constante, cujos países estavam ainda em processo de formação, de definição territorial, e
nesse cenário o Brasil ocupava uma posição de gestor subregional. Soma-se ainda que o Império

Mestre em História Política (UERJ) e Especialista em História Militar (UNIRIO/IGHMB); Primeiro-Tenente do
Quadro Técnico Temporário da Marinha do Brasil; Encarregado da Divisão de Pesquisas Históricas do
Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha; Sócio-Honorário do
Instituto de Geografia e História Militar do Brasil; Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História
Militar (NEPHIM/IGHMB).
148
sustentasse grandes pendências territoriais. Esse quadro não passava despercebido pelos
contemporâneos, pois os debates parlamentares sobre a região do Prata evidenciam essas
questões.
A “surpresa” precisa ser relativizada a partir de uma precisão maior sobre os grupos
inseridos na esfera de poder do Estado Imperial e que atuaram contra e a favor de uma política
de força na região platina.
Direcionaremos-nos agora ao cerne de nosso debate que é a segunda proposta explicativa
apresentada no início dessa discussão, cujos argumentos se aplicam também a primeira proposta.
Nossa contribuição aqui é identificar alguns motivos que explicam o despreparo do Poder Naval
do Império ao iniciar a Guerra a Tríplice Aliança, ocasionando uma rápida atualização do
material flutuante da Armada Imperial no decorrer da guerra que gerou atrasos operacionais,
gastos enormes aos cofres públicos e uma nova e limitada esquadra.
Atribuir à economia imperial, constantemente deficitária,103 o problema da obsolescência
do material flutuante da Armada Imperial, sobretudo às vésperas do maior conflito da América
do Sul, seria apenas atentar para uma parcela do problema. A questão envolve os diferentes
posicionamentos do governo em relação à política de distribuição de recursos, às formas de
entender o papel da Armada Imperial em termos de Política Externa, e, por fim, está relacionado
diretamente com as oscilações do pensamento político do Parlamento sobre a política externa no
Prata.
O pensamento político parlamentar e o papel do Poder Naval brasileiro na política externa
Ken Booth, teórico da British International Relations, publicou em 1977 uma obra
intitulada Navies and foreign policy,104 onde afirmou que as funções das forças navais dependem
especialmente da ideia de “uso do mar”. Conforme o autor:
El tema de las armadas y de la política exterior es el uso del mar. En un sentido
amplio, los Estados se interesan en el uso del mar por tres motivos: 1) para el
tránsito de las mercadorías y de las personas; 2) para el paso de las fuerzas
militares por razones diplomáticas, o para usarlas contra objetivos terrestres o
marinos; 3) para explotar riquezas del mar o del fondo del mar. Las armadas
son el medio para realizar esos fines.105
Nesse sentido, Booth apresenta três papéis atribuídos às forças navais dos Estados
modernos: militar, diplomático e policial. Todavia, adverte que os mesmos não esgotam todas as
103
Cf.: CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império no Brasil. Brasília: Senado Federal;
Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.
104
Traduzido por Issac Wolberg, oficial engenheiro da Marinha argentina, sob o título Las armadas y la politica exterior.
105
BOOTH, Ken. Las armadas y la politica exterior. Buenos Aires: Instituto de Publicaciones Navales del Centro Naval de
Buenos Aires, 1980, p. 19-20.
149
possibilidades de uso das marinhas de guerra ou se eliminam. Para o autor, o papel militar é a
base do triângulo, representava a capacidade efetiva de emprego violento de seu potencial naval,
ou apenas a ameaça de seu emprego se fazendo sentir nas relações diplomáticas. O papel
diplomático se baseia na articulação da diplomacia com as forças armadas sem propriamente o
emprego da força, ou seja, o exercício da diplomacia do Estado sendo apoiado em seu Poder
Naval. Por último, o papel de polícia, interna e externa, principalmente a capacidade de manter a
soberania de um Estado em suas próprias fronteiras marítimas.106 Podemos identificar esses
elementos apresentados em Booth nos discursos parlamentares, tanto na defesa quanto na crítica
às propostas de reaparelhamento militar.
O deputado pelo Rio de Janeiro, José Joaquim Pacheco, ao defender o programa
apresentado por Muritiba, em maio de 1851, e tendo em vista as tensões no Prata, evidenciou a
função da Armada enquanto instrumento de defesa nacional, em especial contra ameaças de
guerra. Ciente da fragilidade militar naval do Império em relação às ações que viesse a ter que
tomar na região platina, atentou que a possibilidade de uma guerra gerava necessidades
extraordinárias.
Não tendo havido mudança nas nossas circunstacias; sendo ainda as mesmas
as previsões que então existão, isto é, a possibilidade de uma collisão com os
nossos vizinhos, não vejo razão plausível para que lhe escasseemos a força que
pede. Da minha parte nenhum escrupulo tenho em dar esse voto; e até para
maior força, se necessaria fosse. Não considero esta questão uma questão de
confiança ministerial; considero-a antes de defeza nacional (apoiados): a força
que se pede, eu a concedo ao illustre Sr. ministro da marinha, assim como
concederia a qualquer outro ministro que a viesse pedir nas actuaes
circumstancias.107
Em 1854, o Deputado Pacheco, dessa vez criticando o orçamento solicitado pelo
Ministério da Marinha por considerá-lo imperfeito em termos de organização das forças, não
deixou de enumerar as atribuições do Poder Naval: segurança do comércio, defesa contra
agressões externas e a repressão ao tráfico de escravos.108 Argumentou ainda que não se poderia
pretender tornar o Brasil uma potência marítima, sem a gestão correta dos recursos públicos.
Acusou as administrações anteriores por não ter estruturado bases para uma gradativa
organização da Armada que favorecesse a imagem do Império junto a outros países. O Visconde
106
Ibid., p. 21. (grifos do autor).
Anais da Câmara dos Deputados, 20 de maio de 1851, p. 151. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=20/5/1851
108
Anais da Câmara dos Deputados, 24 de maio de 1854, p. 109. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=24/5/1854
107
150
do Rio Branco rebateu essas críticas argumentando que o Ministério da Marinha nunca recebeu
subsídios financeiros “a par de suas necessidades ordinárias”.109
Uma das questões que envolvia as discussões do Poder Naval brasileiro era a consciência
de sua inferioridade material em relação aos países da Europa. No Parlamento, os debates acerca
do Poder Naval brasileiro dividiam-se em duas tendências: os que constatavam a inferioridade da
Armada do Império em relação às Armadas das potências européias, e defendiam um esforço
para que essa assimetria diminuísse; e os que consideravam que para sua atuação no cenário
regional, sobretudo na América do Sul, a Armada Imperial estaria perfeitamente adequada para
as suas atribuições militares. Ou seja, para a proteção dos portos, para a defesa costeira, do
comércio e, ainda, enquanto instrumento de poder político na América do Sul, o Brasil poderia
manter uma “boa marinha”,110 com recursos limitados, porém suficientes para se manter numa
posição política destacada em relação aos demais países da América do Sul, considerados muito
inferiores em termos navais. Essa visão resultou numa grande falta de percepção das reais
necessidades do Poder Naval brasileiro para aquela região.
A documentação analisada também revelou uma clara consciência geopolítica por parte
de muitos envolvidos nos negócios do Estado, e que nos leva a aprofundar a discussão para
entendermos os motivos que geraram a desorganização e grande carência do material de guerra
do Império. Joaquim Pacheco, ainda no mesmo debate de maio de 1851, atentou para o que os
chefes navais estavam defendendo: que o Império do Brasil, possuidor de um imenso território e
de uma grande área marítima era, por natureza, segundo a avaliação do deputado, uma nação
marítima a qual faltava apenas o aparato militar naval condizente. Em função de sua localização
geográfica na América, o Brasil estaria fadado a uma posição de influência no cenário da
América do Sul que, no entanto, carecia de um Poder Naval adequado:
Está o Brasil destinado pela Providencia para o ser, e a sua força maritima é
que ha de fazer pesar a sua benefica influencia sobre as nações que o
circundão. Eu uno os meus votos sinceros aos votos de todos que procurem ir
desenvolvendo a nossa marinha militar e mercante, preparando assim os
elementos do nosso futuro poder e influencia.111
Nesse discurso, que recebeu manifestações de apoio no Parlamento, a Armada era
apresentada como um instrumento de influência e poder, mantenedora da “posição
109
Anais da Câmara dos Deputados, 24 de maio de 1854, p. 114. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=24/5/1854
110
Anais da Câmara dos Deputados, 20 de maio de 1854, p. 151. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=20/5/1854
111
Anais da Câmara dos Deputados, 24 de maio de 1851, p. 111. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=24/5/1851
151
internacional”112 do Império, segundo o então Ministro da Marinha Conselheiro Saraiva.
Entretanto, durante as frequentes conturbações do final da década de 1850, com o Paraguai, e
início dos anos de 1860 com o Uruguai, momento em que o Brasil ocupava uma posição de
controlador do cenário platino, o Império empreendeu apenas três ações de força na região.
Todavia, coexistia à visão acima a idéia de que a Armada não era capaz de atender as
demandas de defesa contra agressões de nações mais poderosas como as da Europa, pois não
conseguiria desenvolver um Poder Naval à altura de países como a Inglaterra. Joaquim Octávio
Nebias, deputado pela Província de São Paulo e grande crítico da teoria intervencionista na
região do Prata, questionou o ex-Ministro da Marinha, Raimundo De Lamare, se a Armada tinha
a capacidade de “acudir a todo este serviço, a satisfazer a todas as necessidades”. O próprio
Nebias respondeu negativamente, sem receber de De Lamare e nem do Ministro da Marinha em
exercício qualquer objeção. Concluiu, então: “E sendo assim, Sr. Presidente, pergunto eu ao Sr.
ministro, não seria melhor que não conservássemos uma esquadra tão dispendiosa, que não
serve, no estado em que está, para produzir os seus grandes resultados?”113
Nebias não considerava o papel da Armada Imperial na política externa regional. Em sua
visão, o governo deveria investir nas fortificações, reduzindo a capacidade da Armada Imperial
na missão de promover a defesa do país em caso de assédio possível, mas improvável, de
inimigos como as potências da Europa. Na ocorrência de um ataque desta monta, as fortificações
permitiriam uma “defensiva heróica”, afirmando ainda que se havia necessidade de material
flutuante para estudos de oficiais e praças da Marinha, bastava encomendar canhoneiras.
Entendia como sendo um luxo a aquisição de três navios encouraçados, solicitados pelo
ministério, tendo em vista o reduzido orçamento do governo para aquele ano.
Em vez de augmenta-la, como o nobre ex-ministro indica no seu
relatorio, com alguns navios encouraçados, não acha V. Ex. que a esquadra
diminuída não deixa inconveniente algum ao serviço publico, segundo as
considerações que eu fiz? Para que augmenta-la, e com tres vasos
encouraçados?
As leis de meios, o Parlamento e a Esquadra
O Capitão-Tenente Euzébio José Antunes, que se tornou ajudante de ordens de
Tamandaré durante a intervenção no Uruguai e na guerra contra o Paraguai, publicava
frequentemente artigos em inúmeros jornais sob diversos pseudônimos, em especial o Jornal do
Commercio e o Diário de Pernambuco. A relevância de seu testemunho para nossa pesquisa
transcende a qualidade intrínseca de suas observações e críticas na medida em que Euzébio
112
Anais da Câmara dos Deputados, 29 de julho de 1858, p. 320. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=29/7/1858
113
Anais da Câmara dos Deputados, 24 de fevereiro de 1864, p. 190. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=24/2/1864
152
Antunes destacava-se por suas considerações realistas e objetivas, ao contrário da maioria dos
testemunhos da época, de caráter ufanista e pró-governista. A lucidez incomum para um oficial
de Marinha da época, oriunda de sua prática jornalística, revestiu de maior sobriedade seus
escritos, de objetividade na defesa de suas convicções político-militares naquele momento e
numa avaliação no pós-guerra dos erros políticos cometidos pelo Império do Brasil. Dentre
tantas conclusões, algumas bastante equivocadas, outras talvez não pudéssemos ser tão precisos
quanto esse oficial e jornalista, a saber:
Dissemos que a prolongação da guerra contra o Paraguai não provém da
lentidão nem da inércia na marcha das operações no presente nem de erros dos
governos últimos, mas sim na confiança no passado em uma paz estável, e da
imprevidência que das altas regiões do poder e do seio do Parlamento
Nacional se preocupava implantar nas massas populares, e que nos fez
adormecer nas proximidades de um vulcão […]
[…] No afã de elevar o Brasil à grandeza que lhe está fadada, a geração que
atualmente dirige seus destinos só pensava em despesas produtivas, e, no
empenho de diminuir os encargos do orçamento se esforçava em reduzir a
Força Pública, e os armamentos militares, que consumiam anualmente somas
avultadas e improdutivas, quando a colonização, a agricultura e a viação
114
estavam clamando urgentemente maior proteção.
Suas críticas apontam para algumas questões centrais que nos permite ampliar a
compreensão sobre a política de armamentos brasileira no oitocentos, como, por exemplo, sobre
as leis orçamentárias cujas propostas deveriam ser submetidas obrigatoriamente ao Parlamento.
Quando reprovadas o Estado poderia utilizar o mecanismo de dissolver o legislativo de forma a
prorrogar a vigência da lei anterior. Ainda assim, conforme apontou José Murilo de Carvalho, a
dinâmica de poder envolvendo as questões orçamentárias era uma poderosa arma do Legislativo
contra o Executivo, pois o Parlamento poderia negar “os meios de governar”.115 Aliás, as
disputas orçamentárias transcendiam a simples disputas entre as duas esferas do Estado, pois
segundo Carvalho:
Representava o conflito interno de uma elite política que hesitava entre as
necessidades do governo, que ela dirigia, e os interesses dos proprietários que
ela devia representar. Traduzia, enfim, o conflito entre os vários grupos de
proprietários com interesses e demandas distintas em relação ao poder público.
Pelo lado da despesa, pode-se detectar quais eram as prioridades do governo e
116
a quem elas beneficiava.
114
ANTUNES, Euzébio José. Memórias das campanhas contra o Estado Oriental do Uruguai e a República do Paraguai
durante o Comando do Almirante Visconde de Tamandaré. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2007, p. 31.
Grifos do autor.
115
CARVALHO, Jose Murilo de, A Construção da Ordem: a elite política imperial – Teatro das Sombras: a política imperial.
Rio de Janeiro: UFRJ, 1996, p. 263. Nesta obra, podemos encontrar um estudo sobre a natureza, a classificação das despesas e
receitas além das flutuações da distribuição de recursos durante o Império.
116
Ibid., p. 263-264.
153
Assim, o debate sobre os orçamentos refletia o jogo de forças que caracterizava “o
sistema político do Império”. A Câmara tornava-se o espaço em que as bancadas se encontravam
“mobilizadas para a defesa cada qual de sua província”, conforme salientou Mirian
Dolhnikoff.117 E nesse ponto, as forças militares, em especial as forças navais, não eram
privilegiadas. Após os conflitos internos do período regencial, a tendência foi o
contingenciamento dos orçamentos militares. Durante toda segunda a metade do século XIX, a
Armada representou entre a quarta e a quinta despesa do Império.
A Fala do trono, na abertura da Assembleia Geral em 3 de maio de 1851, revelou não
apenas as indisposições do Brasil com Oribe e Rosas, como também destacou o momento de
prosperidade econômica em que, pela primeira vez, a renda do Império, segundo o próprio D.
Pedro II, teria “augmentado progressivamente”.118
Logo, para além da falta de recursos orçamentários, havia uma política de distribuição de
recursos que não privilegiavam as forças armadas. Devemos observar que as disputas no
Parlamento, pela definição dos orçamentos, eram controladas por uma maioria de grandes
proprietários rurais, desinteressados de outros assuntos que não os beneficiassem direta ou
indiretamente.
O tema da agricultura e os interesses a ela vinculados, como a melhoria de infraestrutura,
portos, estradas, ferrovias (além da questão da imigração), enfim, todos os benefícios provinciais
de uma maneira geral, constantemente se misturavam aos debates sobre a promulgação das “leis
de fixação de forças”.119 Numa das sessões do Senado, em 31 de julho de 1861, o Presidente
Antonio Paulino Limpo de Abreu advertiu ao Senador José Manoel da Fonseca para que
centrasse sua análise na matéria em questão: “Não me persuado que seja esta a occasião para tal
debate”.120
Um dos argumentos políticos mais utilizados nos debates parlamentares por parte dos
opositores aos projetos de modernização eram as acusações de incompetência dos ministros da
Marinha, de administrações mal sucedidas, de gastos avultados e de poucos resultados positivos.
O Deputado Joaquim Pacheco argumentava que não era contra o desenvolvimento da Marinha de
Guerra “a par do crescimento da riqueza publica”, mas acusava o governo de não explicitar “se a
117
DOLHNIKOFF, Mirian. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005, p. 262.
Anais da Câmara dos Deputados, 3 de maio de 1851. Apud: Falas do trono: desde o ano de 1823 até o ano de 1889. Prefácio
de Pedro Calmon. São Paulo: Edições Melhoramentos, p. 278.
119
Entenda-se a lei que determinava a distribuição e organização das Organizações Militares, do material de guerra e do pessoal,
previsto para um prazo de dois anos.
120
Anais do Senado, 31 de julho de 1861, p. 191. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp/PQ_Edita.asp?Periodo=4&Ano=1861&Livro=2&Tipo=9&PagMin=3&PagMax
=201&Pagina=191
118
154
força pedida é ou não sufficiente em relação aos serviços que costuma prestar”. No mesmo
discurso, fez outras acusações:
E porque nós até o presente, com um pessoal e um material que talvez seja
superior aos nossos meios, não temos colhido vantagens, não temos conseguido
elevar a marinha ao ponto de esperar um grande futuro? E’ porque, na minha
opinião, o vicio tem estado na administração, que não tem estudado
sufficientemente o que é uma marinha de guerra […].121
Tavares Bastos, conhecido político liberal, fez graves acusações de nepotismo ao
Ministro da Marinha Almirante Joaquim José Ignácio. Para ele, José Ignácio “não esqueceu de
aproveitar todas as occasiões em que pudesse promover os interesses desse seu filho”.122
Acusações como essas foram constantes. Contudo, o que mais nos chamou a atenção foi
justamente a conclusão do discurso de Pacheco, o qual apresentou o principal elemento de sua
argumentação para a redução da força de mar: o problema de mão-de-obra para a lavoura após o
fim do comércio de escravos.
Quando conseguirmos colonisação, quando houver emigração para o paiz, a
marinha tera então seus recursos naturaes, e desenvolverá.
Tambem por ora uma grande armada seria apenas um luxo apparatoso com as
potencias maritimas européas, e com os Estados-Unidos não podemos
competir; teriamos de nos defender na nossa propria casa. Na America
meridional não ha potencias maritimas que nos contestem no mar, e pois
podemos dispensar grande pessoal e material.123
Em partes seu discurso estava correto em relação à Europa. Quanto aos Estados Unidos,
estava um pouco precipitado, pois estes não eram uma potência naval comparável às potências
européias nesse momento. Soma-se ainda o pouco conhecimento geoestratégico, pois naquele
período um Rio Branco e um Muritiba já tinham a percepção de que as necessidades da Armada
no cenário fluvial platino transcendiam a apenas o combate direto contra as forças navais das
repúblicas vizinhas, cujo poder era muito inferior. Os demais papéis da Armada, como a
circulação naquela região e o apoio logístico em momentos de crise, que eram prejudicados pela
inadequação do material flutuante, como foi visto com a missão naval no Paraguai em 1854 e a
própria guerra na década de 1860, foram negligenciados em seu discurso. Todavia, o que mais
nos interessa é justamente o argumento central de sua análise, pois não via com bons olhos
desviar recursos do setor agrícola para o reaparelhamento naval.
121
Anais da Câmara dos Deputados, 24 de maio de 1854, p. 109. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=24/5/1854
122
Anais da Câmara dos Deputados, 3 de junho de 1862, p. 26. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=3/6/1862
123
Anais da Câmara dos Deputados, 24 de maio de 1854, p. 109. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=24/5/1854
155
A voz de Pacheco não soou solitária no Parlamento. Em 1851, às vésperas do conflito
contra Oribe e Rosas, encontramos discursos semelhantes. Francisco de Melo Franco, deputado
por Minas Gerais, ao debater a proposta de fixação das forças de mar para os anos de 1852-1853,
defendeu que as rendas ainda não comportavam as despesas solicitadas pelo Ministério da
Marinha. Desta feita, não concordava em despender recursos para o material da Armada, visto
que havia ainda necessidades no setor agrícola, a única fonte de fornecimento de receitas. A
construção de estradas seria uma das prioridades a serem empreendidas por meio dos recursos do
Estado.
Demonstrar-se-hia com muita facilidade que a politica que se propõe a
considerar de preferencia qualquer das necessidades publicas, como, por
exemplo, a marinha, com que ella gasta uma grande parte da renda do estado,
prescinde dos melhoramentos materiaes, e se falla nelles é talvez para distrahir
a attenção publica, e continuar a empregar quantias que, a serem destinadas
para a primeira e mais palpitante necessidade do paiz, que são as estradas,
brevemente compensarião o thesouro, ao mesmo tempo que animarião o
trabalho e augmentarião a producção.124
Segundo o mesmo deputado, não era uma questão de se negar à Armada suas
necessidades, mas estas não poderiam se sobrepor às necessidades do setor agrícola. O desejo de
“elevar a Marinha a um ponto extraordinário e não compatível com as nossas necessidades era
contrário aos verdadeiros interesses públicos”. Principalmente porque a agricultura, de acordo
com Melo Franco, era a “única fonte de recursos com que suprimos as necessidades do País”.125
No mesmo debate, o Deputado pelo Grão-Pará, Bernardo de Souza Franco, Visconde de
Souza Franco, outro defensor da redução do orçamento do Ministério da Marinha, argumentou
que o Estado não poderia gastar acima do que arrecadava. Para ele um súdito, em especial um
agricultor, poderia fazer gastos excessivos momentaneamente, pois sua finalidade era gerar
“rendas para satisfazer as suas despesas ordinárias”,126 porém investir nas forças militares
considerava o deputado, era desperdiçar recursos em “agentes de destruição”, prejudicando os
“agentes de produção”. Souza Franco completou seu discurso assim:
Não se dignárão attender a que é preciso diminuir em parte as nossas despezas
de guerra e da marinha, e applicar parte da receita nos meios de
desenvolvimento do commercio, á agricultura, ás artes, á colonisação, etc,
etc.127
124
Anais da Câmara dos Deputados, 20 de maio de 1851, p. 144. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=20/5/1851
125
Ibid.
126
Ibidem, p. 154.
127
Ibid.
156
Anos mais tarde, Nebias repetiu o mesmo julgamento. Já que àquela altura o Brasil não
dispunha de uma esquadra respeitável, não seria naquele momento, procurando encomendar três
navios encouraçados, que o Brasil poderia sustentar uma “grande força maritima”, nem mesmo
num futuro próximo. O Brasil não deveria aumentar suas rendas e investimentos em forças
navais, “esquadra tem caracter principalmente improductivo”. Seu discurso recebeu muitos
apoiados, como de Tavares Bastos.128 Em 1856, criticando a missão diplomático-militar do
Brasil no Paraguai, de 1854, o Deputado Francisco Carlos Brandão considerou que a missão foi
desnecessária porque o governou tinha acordado a livre navegação do Rio Paraguai pelo Tratado
de 1850, e serviu apenas para causar muitas despesas “arrancadas à nossa lavoura”.129
As vicissitudes do pensamento político parlamentar e o Prata
Além das questões relacionadas à forma como a elite política entendia o papel da Armada
Imperial na política externa do Império e a política de distribuição de recursos orçamentários,
devemos analisar a influência das oscilações da política externa brasileira sobre o processo de
modernização da esquadra.
O exame de quase 30 anos de debates parlamentares demonstra as flutuações do
pensamento político parlamentar no trato das questões do Prata. É claro que a luta políticopartidária influenciou em diferentes níveis e em diversos momentos as questões platinas. Nunca
houve uma homogeneidade no que se refere à política externa no Prata, exceto em relação às
guerras. Maioria e oposição se embrenhavam em debates políticos que se enquadravam
basicamente entre defesa e crítica ao gabinete vigente. Entretanto, a despeito desse quadro,
pregava-se à época a submissão político-partidária aos interesses externos do Brasil. Amado
Cervo afirmou em seu grande trabalho O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores (18261889) que no âmbito da política externa, na maioria dos casos, as conciliações foram maiores do
que as dissensões:
Na realidade houve uma ‘Conciliação’ em política externa, por sobre a vida
partidária, através de todo o século XIX. Decorria ela da consciência nacional,
cultivada nas câmaras, e era alimentada sobretudo pelos riscos, fracassos e
sucessos externos. Esta conciliação precedeu e sucedeu a interna, por mais que
se alargue seu triunfo (1843-1860?). Reclamações no Parlamento, por uma
conciliação de partidos, de maioria e oposição, ante à política externa do
governo, que se pressupõe ‘nacional’, são constantes e produzem seus efeitos.
A unanimidade, por inteiro ou quase, é muitas vezes alcançada após reflexão e
130
debate, em torno de concepções e posições.
128
Anais da Câmara dos Deputados, 24 de fevereiro de 1864, p. 191. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=24/2/1864
129
Anais da Câmara dos Deputados, 23 de maio de 1856, p. 51. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=23/5/1856
130
Ibid., p. 11.
157
Em meados do século XIX a postura política do Império em relação ao Prata passou
gradativamente de uma completa paralisia para a ação político-militar. No Parlamento, a defesa
pela intervenção superava a postura neutralista no final dos anos 1840. Que postura adotar:
observar, intervir pelas vias diplomáticas ou pela força?131 As tensões cresceram durante a guerra
entre blancos de Manuel Oribe e os colorados de Frutuoso Rivera, muito em função das
reclamações dos sulistas brasileiros que tinham propriedades no Uruguai. O uso da força foi
defendido incisivamente pelo Senador do Rio Grande do Sul José de Araújo Ribeiro. A guerra
civil no Uruguai e na Argentina alimentou a ideia de “guerra humanitária”, um
“intervencionismo solidário e humanitarista”, cujas simpatias voltavam-se cada vez mais para o
caudilho de Entre Rios e adversário de Juan Manuel Rosas, Justo J. Urquiza. Somado a isso,
havia um sentimento de superioridade das instituições monárquicas sobre “os regimes infrapolíticos da América espanhola”, ou a civilização contra a barbárie, defendidas pelo Senador
pelo Espírito Santo e Conselheiro José Martins da Cruz Jobim.132
O projeto de lei do Ministro da Guerra, Manuel Felizardo de Souza e Melo, de ampliação
das forças de terra para o combate contra Oribe e Rosas, recrutando inclusive praças
estrangeiras, recebeu apoio de muitos importantes nomes da política nacional, como Miranda
Ribeiro e Caxias. Contudo, houve ainda políticos reagindo contra o referido projeto como Alvez
Branco e Paula Souza. Francisco Gê Acaiaba de Montezuma defendia no Senado que o Império
do Brasil não deveria se comportar como uma instituição humanitária, pois os problemas dos
argentinos com Rosas não legitimavam a intervenção brasileira, que deveria ter uma política
guiada pela paz.133
Entretanto, os acontecimentos no Uruguai e na Argentina contribuíram para uma postura
de intervenção militar brasileira, mesmo em face da indecisão do Conselho de Estado sobre essa
questão. Montezuma, o defensor da não intervenção, ficou isolado. A teoria de segurança do
Império, formulada a partir da idéia de um equilíbrio de poder favorável ao Brasil, paralelamente
à teoria da guerra humanitária conquistaram mais adeptos, sendo seus maiores expoentes Manoel
de Assis Mascarenhas e Honório Hermeto Carneiro Leão. Para estes, a guerra se fazia necessária
para um bem supranacional, ou seja, os interesses de Rosas não eram os mesmos que os do povo
argentino, menos ainda em relação aos demais países platinos, pois não atendia a um bem
comum.
131
Ibid., p. 56.
Ibid., p. 59.
133
Anais do Senado, maio e junho de 1851. Apud: O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores (1826-1889). Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 61.
132
158
Em 1852, quando as forças de Rosas foram derrotadas, permaneceram as exigências de
manutenção da intervenção no Prata, argumentando-se incisivamente que o Império deveria
impedir o surgimento de um novo líder que empreendesse outra política expansionista rosista.
Defendiam esta tese Manoel Mascarenhas e, mais radicalmente, o Senador pelo Rio Grande do
Sul Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, Barão de Quaraim.
Entretanto, as tendências extremistas como as de Pedro Chaves foram abafadas no
Parlamento, onde havia ainda uma forte tendência neutralista. Limpo de Abreu, Ministro dos
Negócios Estrangeiros, advertiu ao Senado, em junho de 1853, que as intervenções promovidas
pelo Império no Prata entre 1851 e 1852 se fundamentavam no direito adquirido pela Convenção
de Paz de 1828, resolução da contenda da Guerra da Cisplatina (1825-1828) em que o Brasil e as
Províncias Unidas do Rio da Prata se comprometeram em manter a soberania da recém-criada
República Oriental do Uruguai. Uma segunda intervenção não teria o menor fundamento, tendo
em vista ainda que o Brasil se sujeitaria as antipatias e desconfianças dos demais Estados
platinos, bem como teria dificuldades no cenário internacional.134
Manoel Mascarenhas contrapõe à doutrina dos tratados a doutrina de “segurança
imediata e interesses essenciais”, conforme citado em sua fala. Para o mesmo, quando são
comprometidas “a segurança imediata e os interesses essências”, o Estado pode agir
independente das determinações de tratados.
Entretanto, ao final da nona legislatura, a tendência intervencionista sofreu grandes
críticas em nome de uma política menos “prepotente” do Império em relação aos Estados do
Prata que, diferente de anos anteriores, naquele momento, final da década de 1850, já haviam
atingido maior estabilidade política. Conforme Cervo: “Longe se estava então da ideologia da
‘segurança imediata e interesses essenciais’”.135
No final dos anos de 1850, o Parlamento se dividiu em três posições diferentes. As
tensões quanto à navegação do Rio Paraguai fizeram com que a vertente intervencionista
ganhasse mais força. O processo de militarização do Paraguai levou representantes do Mato
Grosso a observar a situação de vulnerabilidade a que aquela província estava legada. O próprio
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Caetano Maria Lopes Gama, Visconde de Maranguape,
atentava para o estado de tensões que se criara na fronteira do Mato Grosso em função das
dificuldades nas relações com os paraguaios.136 Nesse mesmo ínterim, agravaram-se ainda as
134
Anais do Senado, 20 de junho de 1853, p. 259-265. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp/PQ_Edita.asp?Periodo=4&Ano=1853&Livro=1&Tipo=9&PagMin=3&PagMax
=487&Pagina=259
135
Ibid., p. 69.
136
Relatório
do
Ministério
dos
Negócios
Estrangeiros,
1857,
p.
29.
Disponível
em:
<
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2311/000031.html>
159
tensões com o Uruguai, que não saldava os empréstimos contraídos com o Império, e nem
saldava as indenizações devidas aos súditos brasileiros em função das suas convulsões internas.
Os conflitos entre Buenos Aires e a Confederação Argentina acabaram também por envolver o
Brasil, que procurou não intervir a favor de nenhum dos lados, o que gerou indisposições
diplomáticas com ambos os contendores.
Ao mesmo tempo em que os espíritos tornavam-se cada vez mais agressivos, surgiu o que
Cervo caracteriza como a vertente abstencionista. Montezuma se apresentou mais uma vez como
o ideólogo da não intervenção, defendendo que a política intervencionista acabou se tornando
um ciclo vicioso, o qual sempre poderia ser alimentado. Defensores antigos da neutralidade,
como Limpo de Abreu, não surpreendem ao sustentar tal posição. Entretanto, Assis Mascarenhas
também se apresentou como partidário da não-intervenção: “Senhores, não é para o século em
que vivemos declarar guerra a uma nação por causa de uma questão de navegação fluvial ou de
limites”.137 Mascarenhas atentou para a inferioridade do Paraguai em exigir direitos por meio
militar, logo, a via diplomática se apresentava como a mais sensata. Esta corrente foi defendida
por expressivos políticos, além dos já citados, como Silva Campos, Tito Franco de Almeida e o
Visconde de Jequitinhonha.
O Visconde do Rio Branco propôs uma terceira via, uma “neutralidade limitada”, por
considerar ter encontrado um meio termo entre as duas vertentes existentes (intervencionista e
neutralista).138 Teve que articular dois grandes problemas: os tratados de navegação que eram
desrespeitados pelos paraguaios e o crescimento das hostilidades no Parlamento em relação ao
país guarani. Procurou acabar com as desconfianças sobre a política paraguaia nas fronteiras,
propondo “o desarmamento dos espíritos” entre ambas as partes, a partir de uma política de paz.
Seu discurso foi bastante aplaudido, até mesmo por aqueles que desejavam a intervenção direta.
Paranhos conseguiu não se omitir em relação ao Paraguai, mas abafar as exaltações no
Parlamento, pregando sempre a moderação. A intervenção, para ele, era uma “necessidade” que
eventualmente poderia ser utilizadas pelos governos. Entretanto, a partir de “poderosos motivos,
por interesses indeclináveis do nosso País”.139 Cervo sintetizou perfeitamente esse momento da
definição da política externa do Brasil na região do Prata:
Entre 1856 e 1860, o pensamento político brasileiro, aplicado às relações
exteriores, atravessa uma fase em que se chocam duas tendências antagônicas:
a corrente neutralista, conduzida por Limpo de Abreu, Olinda e Montezuma é
137
Anais do Senado, maio de junho de 1858. Apud: CERVO, op. cit., p. 81.
CERVO, Amado. O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores (1826-1889). Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1981, p. 84.
139
Anais do Senado, 18 de julho de 1859, p. 88. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/asp/PQ_Edita.asp?Periodo=4&Ano=1859&Livro=2&Tipo=9&PagMin=3&PagMax
=177&Pagina=88
138
160
posta em cheque pela ‘política americanista’, implantada por Paulino José
Soares de Souza, que desenvolveu a corrente intervencionista. O surgimento de
Paranhos, elevando a reflexão a um nível jamais alcançado, permite superar a
140
contradição.
No início dos anos de 1860, o cenário político alterou-se novamente com a assunção de
Solano López na Presidência do Paraguai, que tomou medidas para inserir seu país numa posição
de destaque na política platina. Uma nova guerra civil entre blancos e colorados no Uruguai se
iniciou e envolveu súditos do Império. Obviamente, esse cenário acabou se refletindo nos
debates parlamentares no Brasil e no crescimento de uma postura cada vez mais agressiva,
principalmente em relação ao Uruguai. O ambiente para o conflito já havia se estabelecido.
Considerações finais
Durante nosso debate, procuramos demonstrar como o despreparo para a guerra contra o
Paraguai foi resultado de fatores que transcenderam a simples falta de recursos. Conforme
dissemos no início, não queremos negar esse argumento, mas propor uma reflexão a partir dos
fatores políticos que ajudam a explicar esse despreparo.
Primeiro, a questão da política de distribuição de recursos que privilegiava o setor
agrário-exportador brasileiro em detrimento do militar, em nosso caso mais especificamente o
Poder Naval. Tendo em vista as características econômicas da elite política e a própria
dependência econômica imperial do setor agrícola, ficam claros nos discursos que a preocupação
da maioria parlamentar era direcionar as rendas do Estado para atender às necessidades do
sustentáculo econômico do Império, acarretando negligência da defesa.
Outro aspecto salientado foi que entre o final da guerra contra Oribe e Rosas (1851-52) e
o início dos anos de 1860, a política externa do Brasil obedeceu frequentemente a moderação, e
foi justamente nesse período que ocorreu o progressivo declínio dos investimentos em forças
militares. Os estudos orçamentários da segunda metade do século XIX desenvolvidos por José
Murilo de Carvalho sustentam essa afirmação. Segundo Carvalho, nesse período “a grande
redução dos gastos administrativos se deu nas despesas militares, isto é, no orçamento dos
Ministérios da Guerra e da Marinha”.141 As despesas aumentaram no final da década de 1840,
para sofrer um grande declínio no decorrer da década seguinte, e receber uma injeção de recursos
140
CERVO, op. cit., p. 88.
CARVALHO, Jose Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial – Teatro das Sombras: a política imperial.
Rio de Janeiro: UFRJ, 1996, p. 274.
141
161
nunca antes investidos em função da Guerra do Paraguai.142 Tão logo a guerra demonstrou seu
desfecho, os recursos para as forças de mar despencaram novamente.
A relação que estabelecemos entre as despesas militares e as flutuações da política
externa do Império, bem como os discursos Parlamentares em torno dos orçamentos navais, nos
permite concluir que havia no Parlamento sempre uma tendência reativa, e não preventiva. Ou
seja, o aparato militar só era prioridade quando o Brasil sofria de fato ataque de um inimigo, em
nosso caso das repúblicas platinas. O comportamento imprevidente do Parlamento foi percebido
pelos contemporâneos, como o Deputado Couto que em discussão na Câmara dos deputados,
argumentou:
Tenho notado uma cousa, e é que quando estamos em desintelligencias com o
Paraguay procura-se então remetter tudo ás pressas para a provincia do MatoGrosso; entretanto que nessas occasiões os objectos não vão bem
acondicionados; o governo não tem remedio senão submetter-se a pagar as
conducções por aquillo que os conductores querem, o que não aconteceria se se
aproveitassem estas idéas que acabo de emittir, e se com vagar se fosse
depositando no arsenal de guerra de Mato-Grosso estes objectos, afim de se
não ver o governo na necessidade de ter de remetter tudo de repente, e sujeitar143
se a contratos muitas vezes onerosos aos cofres publicos.
O debate mais emblemático deste pensamento político ocorreu entre o Deputado pelo Rio
Grande do Sul, Silva Neves, e o Barão de Laguna em 1871. Este defendia o Ministro da
Marinha, Duarte de Azevedo que havia reduzido as solicitações de recursos orçamentários para a
aquisição de navios encouraçados, tendo em vista o complexo cenário econômico que vivenciava
o País. Em suma, o Barão de Laguna argumentou que a Armada Imperial deveria se contentar
com os encouraçados que possuía, pois eram suficientes para aquele momento das relações
exteriores. Esperava que o Brasil se recuperasse economicamente e, a partir daí, planejasse a
compra ou a construção de novos navios encouraçados. Silva Neves contrargumentou: “Nós
temos vizinhos”. O Barão de Laguna respondeu: “Tenhamos nessa occasião encouraçados de
forte artilharia para combatermos com elles”.144
De todas as formas, inegavelmente, a despeito de suas limitações, o Brasil era o único
país a possuir alguma expressão em termos de Poder Naval até aquele momento. Entretanto, os
contemporâneos, como o Barão de Cotegipe cujo discurso reproduzimos abaixo, já apontavam a
grande falha política imperial:
142
Conclusões retiradas dos dados e gráficos apresentados por José Murilo de Carvalho em sua obra A construção da ordem e
teatro das sombras. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
143
Anais da Câmara dos Deputados, 2 de agosto de 1858, p. 11. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=2/8/1858
144
Anais da Câmara dos Deputados, 20 de junho de 1871, p. 145. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=20/6/1871
162
E’ uma verdade: os Estados quando se armão, excitão mutuamente ciumes;
mas nem por isso deixão de fazer quanto lhes cumpre para a sua defesa, nem
por isso diminuem a força de mar e terra, necessária para qualquer
emergencia.
Foi um grande erro em que cahimos quando reduzimos os nossos recursos
militares: quando soou a hora da necessidade, tivemos de fazer esforços
extraordinarios, tivemos que despender aquillo que poderiamos ter melhor e
com menos dinheiros.145
Referências Bibliográficas
BANDEIRA, Moniz. O Expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do
Prata. São Paulo/Brasília: Ensaio/Unb, 1995.
BARROS, Orlando de. Sinopse da História das Relações Externas Brasileiras in LESSA, Mônica
Leite; GONÇALVES, Wiliams da Silva (Org.), História das Relações Internacionais: teorias e
processos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007.
BITTENCOURT, Armando de Senna. “Batalha Naval do Riachuelo, na Guerra da Tríplice
Aliança” in VIDIGAL, Armando; ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de (Org). Guerra no
mar: batalhas e campanhas navais que mudaram a história. Rio de Janeiro: Record, 2009.
BOOTH, Keen. Las armadas y la politica exterior. Buenos Aires: Instituto de Publicaciones
Navales Del Centro Naval de Buenos Aires, 1980.
CALOGERAS, João Pandiá. A política exterior do império. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1927-28. 2v.
CAMINHA, Herick Marques. História Administrativa do Brasil; organização e administração
do Ministério da Marinha no Império. Coord. Vicente Tatapajós. Brasília – Rio de Janeiro.
Fundação Centro de Formação do Servidor Público. Serviço de Documentação Geral da
Marinha, 1986.
CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império no Brasil.
Brasília: Senado Federal; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.
CARVALHO, Delgado. História Diplomática do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional
CARVALHO, Jose Murilo de, A Construção da Ordem: a elite política imperial – Teatro das
Sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.
145
Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 27 de maio de 1870. Disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=27/5/1870
163
CERVO, Amado. “O controle do Prata” in CERVO, Amado Luiz e BUENO, Clodoaldo.
História da política exterior do Brasil. 3 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008
______. O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores (1826-1889). Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1981.
DOLHNIKOFF, Mirian. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo,
2005.
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva de. As relações entre o Império do Brasil e a
República do Paraguai (1822-1889). Dissertação de Mestrado pela UnB, 1989.
______. A ocupação político-militar do Paraguai (1869-1876) in CASTRO, Celso;
IZECKSOHN, Vitor e KRAAY, Hendrik (Org.). Nova História Militar Brasileira. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2004
______. De aliados a rivais: o fracasso da primeira cooperação entre Brasil e Argentina
(1865-1876). Revista Múltipla, Brasília, 4(6), julho de 1999.
______. A Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia das Letras,
2002.
FRAGOSO, Augusto Tasso. Paz com o Paraguai depois da guerra da Tríplice Aliança. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941.
______. História da Guerra da Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1956-9.
GAMA, Edina Laura Nogueira da. A Marinha Imperial e sua ação contra Rosas e Oribe
(1850-1852). Monografia apresentada no Curso de Pós-Graduação em História Militar –
Universidade do Rio de Janeiro – UNI-RIO, 2001.
MAIA, João do Prado, A Marinha de Guerra do Brasil na Colônia e no Império: tentativa de
reconstituição histórica. Rio de Janeiro, Cátedra; Brasília, INL, 1975.
MARTINS, Helio Leoncio. “Tamandaré e a evolução tecnológica” in Tamandaré. Rio de
Janeiro: Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, 2009
_____. A estratégia naval brasileira da Guerra do Paraguai. Revista Marítima Brasileira, 3º
Tomo, 1997, p. 59 – 86.
MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A Velha Arte de governar: um estudo sobre política e
elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007.
164
MATTOS, Ilmar R. de. O Tempo Saquarema. Rio de Janeiro: ACCESS, 1994.
OLIVEIRA, Henrique Altemani. Política externa brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005.
POMER, Leon. Os Conflitos na Bacia do Prata. São Paulo: brasiliense, 1979.
RODRIGUES, José Honório; SEITENFUS, Ricardo A S., Uma História Diplomática do Brasil
(1531-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
SILVA, José Luiz Werneck da e GONÇALVES, Williams. Relações exteriores do Brasil I: a
política do sistema agroexportador. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
SOARES, Teixeira, Historia da Formação das Fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro:
Conquista, 1975.
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. “A campanha naval na Guerra da Tríplice Aliança contra
o Paraguai”. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da
Marinha, 4º trimestre 2009.
______. “A evolução tecnológica no setor naval na segunda metade do século XIX e as
conseqüências para o Brasil”. Revista Marítima Brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação da Marinha, 4 trimestre de 2000
______. Evolução do pensamento estratégico naval brasileiro. 3º ed. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército Editora, 1985.
Fontes primárias
Center for Research Libraries (CRL). Disponível em http://www.crl.edu/brazil/ministerial
[acesso em 10/08/2011]:
- Relatório do Ministério da Marinha entre 1850 a 1876
- Relatório do Ministro das Relações Estrangeiras 1850 a 1876
- Relatório do Ministério da Fazenda entre 1850 a 1876
Site da Câmara dos Deputados disponível em:
http://imagem.camara.gov.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=20/4/1866
- Anais da Câmara dos deputados e Anais do Senado entre 1850 e 1876
165
Memórias
ANTUNES, Euzébio José. Memórias das Campanhas contra o Estado Oriental do Uruguai e
a República do Paraguai durante o Comando do Almirante Visconde de Tamandaré. Rio
de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2007.
JACEGUAI, Artur da Silveira Mota, Barão de. Reminiscências da Guerra do Paraguai. 2º ed.
Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha, 1982.
OURO PRETO, Visconde. A Marinha D’Outrora. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação
Geral da Marinha, 1995.
______. “A Esquadra e a Oposição Parlamentar”. Revista Marítima Brasileira, anos de 1884 e
1885.
166
Realização:
Apoio: