dclp 2012 para digilenguas - Departamento Editorial Facultad de

Transcrição

dclp 2012 para digilenguas - Departamento Editorial Facultad de
AUTORIDADES U.N.C
Rector
Dr. Francisco Tamarit
Vicerrectora
Dra Silvia Barei
AUTORIDADES FACULTAD DE
LENGUAS
Decana
Dra. Miriam Carballo
DEPARTAMENTO EDITORIAL
FACULTAD DE LENGUAS
Coordinador
Dr. Roberto Oscar Páez
©2013
Revista DIGILENGUAS N° 14
Facultad de Lenguas
Desarrollo web, diseño y edición
Departamento Informático
de la Facultad de Lenguas.
Universidad Nacional de Córdoba
Consejo editorial
URL:
Mgtr. Hebe Gargiulo
ISSN 1852-3935
http://digilenguas.fl.unc.edu.ar
Esp. Ana Goenaga
Av. Valparaíso s/n, Ciudad Universitaria, Córdoba
Lic. Ana Maccioni
C.P. X5000- Argentina.
TELÉFONOS: 054-351-4331073/74/75
Dra. Liliana Tozzi
Fax: 054-351-4331073/74/75
Mgtr. Richard Brunel
E-MAIL:
[email protected]
0
Contenido
Presentación de DIGILENGUAS N° 14..................................................................................3
Prólogo...............................................................................................................................4
Observación y prácticas de la enseñanza de español de alumnas brasileñas en escuela
secundaria de Córdoba: interferencias pragmáticas y culturales. Elena Silvia Pérez
Moreno...............................................................................................................................5
Representações sociais e culturais sobre o Mercosul. Juan José Rodríguez........................23
Dificultades específicas de estudiantes de Ele en niveles avanzados. Daniele Corbetta
Piletti y Luciene Bassols Brisolara......................................................................................32
Interculturalidade e internacionalização no Cefet-mg. Henrique Rodrigues Leroy.............47
A interculturalidade no ensino comunicativo de português brasileiro a falantes nativos de
espanhol: um estudo em ambiente on-line. Karina Mendes Nunes Viana.........................67
A formação de professores de espanhol língua estrangeira (Ele) no Brasil e de português
língua estrangeira (Ple) na Argentina: identidade(s) em processo de construção e
reconstrução. Nildicéia Aparecida Rocha.........................................................................83
Identidades interculturais na aula de português como língua adicional na perspectiva de
estudantes latino-americanos em intercâmbio. Emanuele Bittencourt Neves Camani y
Franciele Farias Sepel........................................................................................................94
Ensino de português em contextos interculturais indígenas. Pedro Augusto Lino Silva Costa
y Tânia Ferreira Rezende................................................................................................108
La nación soñada y los sujetos reales en la guerra de canudos. Zoraida Ahumada...........117
O estranho em contos de a mulher que comia dedos, de Ítalo Ogliari. Pablo Andrés
Rothammel.....................................................................................................................136
O mito de macunaíma: uma proposta sobre a identidade brasileira. Renata Bacalini.....148
Desconstruir o campo da integração para construir novos sentidos. Por uma não teoria da
integração regional. Luiz Cristiano Naclerio Torres..........................................................158
Interculturalidad y formación docente. Nélida Beatriz Vasconcelo..................................176
Materiais interculturais no ensino de Ple. Natália Moreira Tosatti.................................183
A formação que acontece: histórias de professores de português no noa a partir da noção
de “auto-formação”. Geruza Queiroz Coutinho...............................................................195
Língua, identidade, imigração e assunção de novos papéis na integração aos novos
cenários sociais. Dificuldades na aquisição duma le em contextos endolingues. Romina
Jennifer Alves.................................................................................................................211
O sincretismo religioso na obra de Jorge Amado. Mariana Berenice Sabaini..................219
Lo hegemónico y subalterno en la disputa por la definición de la relación sujeto-historia en
las obras Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar (1975) y Lavourarcaica, de Fernando Carvalho
(2001). Julieta Kabalin Campos y María Elisa Santillán...................................................232
Walter Salles: integrando territórios e culturas. Maria Angélica Amâncio.......................251
Portugués brasileño: gramática y representaciones sociales del lenguaje. Luis Alejandro
Ballesteros......................................................................................................................261
A emergência da integração lingüística e cultural no Mercosul. Luciana Rodrigues Alves
Ribeiro............................................................................................................................272
Formas de tratamiento en español y en portugués: un enfoque contrastivo desde la
diacronía, la diatopía y la pragmática intercultural. Enrique Ricardo Doerflinger............282
Os seis poemas galegos de Federico García Lorca: uma ponte entre a lusofonia e a
hispanidad. Francisco Javier Calvo del Olmo....................................................................305
1
Formação de professores de língua portuguesa: por uma prática intercultural de ensino de
de leitura e produção de textos e produção de textos. Janayna Bertollo Cozer
Casotti............................................................................................................................324
Presenças lusófonas: imigração e experiências culturais na Argentina em chave histórica.
Adrián Canteiros.............................................................................................................340
A formação de professores de Ple no quadro das tradições de formação docente em
línguas estrangeiras na Argentina. Adrián Canteiros........................................................360
Interferências da língua espanhola no processo de aquisição do Ple em alunos
intercambistas hispanofalantes. Luana de Melo Lucena y Ana Berenice P. Martorelli....375
Relaciones caprichosas entre cine y literatura desde la lectocomprensión: una perspectiva
comunicativo-cultural en Doña Flor y sus dos maridos de Jorge Amado. Ana María
Hernando, María Teresa Pascual de Pessione y María Julia Sranko.................................387
O antropocentrismo na literatura brasileira: conscientização e defesa do meio-ambiente.
Claudia Ruarte Bravo y Jonathan Ventura.......................................................................400
Traduzindo contos de Juana Manuela Gorriti: uma experiência em uma universidade
brasileira. Artur Emilio Alarcon Vaz y Daniele Corbetta Piletti.........................................407
Jorge Amado: pontes entre o escritor e o homem. Cecilia del Carmen Herrera...............414
A revalorização da cultura do discente nas aulas de Ple através da perspectiva intercultural.
Osvaldo José Casero , Mariana Berenice Sabaini y Rosângela Ünser Holtz......................421
El orden de la lengua portuguesa en los Lds de Ple. Norma Beatriz Castelli y María
Adhelma Carrattini..........................................................................................................436
Ensino de Ple e cognição do professor: perspectivas comparadas sobre as teorias
implícitasde professores do litoral e do noroeste argentino. Adrián G. Canteros y Geruza
Queiroz Coutinho............................................................................................................450
A retextualização de gêneros escritos. Análises das brasilidades e produção intercultural
no ensino de Ple. Romina Soledad Macenchuk................................................................462
Contribución al desarrollo de la competencia interactiva intercultural en Pelse. Fanny
Bierbrauer.......................................................................................................................477
As práticas escriturais em documentos históricos de córdoba colonial, Como
representações de comunicação intercultural. Raquel Maggi y Ángela Pino....................485
A caminho de uma compreensão leitora intercultural: experiência nos cursos da facultad
de filosofía y humanidades, UNC. Sonia Regina Silva Tarabini .......................................494
2
PRESENTACIÓN DE DIGILENGUAS N° 14
Tengamos presente que DIGILENGUAS es una publicación periódica y digital que la
Facultad de Lenguas de la Universidad Nacional de Córdoba ofrece de manera gratuita a
quienes deseen entrar en su consulta. Se nutre de colaboradores con participación ad honorem,
que suman sus esfuerzos de autoría con calidad. Un equipo de profesionales universitarios
analizan/vigilan/aceptan la publicación de esos escritos en un sólido proceso de evaluación y
referato.
Cada número MONOGRÁFICO contiene una estructura conceptual proveniente de eventos
científicos organizados por la Facultad de Lenguas, o en aquellas oportunidades en que
integrantes de la Facultad han participado como conferencista o ponentes.
En esta ocasión del número 14 de DIGILENGUAS se incluyen trabajos presentados y
discutidos durante la realización de las “I Jornadas InternacionaisDescobrindo Culturas
emLíngua Portuguesa”. El propósito que movilizó a participantes provenientes
principalmente de universidades y academias del MERCOSUR fue intercambiar experiencias
referidas a la enseñanza y la investigación del portugués como lengua extranjera (PLE) en
instituciones educativas de la República Argentina.
Se puede consultar artículos tanto en español como en portugués los cuales reflejan con
acierto las problemáticas surgidas de hacer realidad unos puentes lingüísticoscomunicacionales-culturales entre dos lenguas hermanadas por su proximidad espacial y el
interés de los hablantes para “entenderse” y “enredarse” (formar redes de interacción fluida).
Trabajos relacionados con la didáctica de la lengua, con los problemas de posibles
interferencias lingüísticas, con el examen de literatos de la talla de Jorge Amado o de
Federico García Lorca, tomados como referentes imprescindibles para las lenguas cada vez
más próximas por el espíritu cooperativo de sus hablantes.
Ojalá que el lector pueda disfrutar de estas valiosas colaboraciones, además de enriquecer su
bagaje experiencial, tal como fue y sigue siendo la intención fundacional de las PRIMERAS
JORNADAS INTERNACIONALES “DESCUBRIENDO CULTURAS EN LENGUA
PORTUGUESA”.
Prof. Dr. Roberto Oscar Páez
Coordinador Departamento Editorial
Facultad de Lenguas de la U.N.C.
3
Prólogo
As I Jornadas Internacionais Descobrindo Culturas em Língua Portuguesa:
“comunicação intercultural e língua portuguesa” são o resultado de um trabalho de dois anos,
em que seus organizadores e colaboradores vem buscando dar ênfase às discussões sobre as
diferentes áreas implicadas no ensino do português como língua estrangeira.
Ao longo desses dois anos, em que foram realizadas as I e II Jornadas, o objetivo
principal era tratar o ensino e a pesquisa do português como língua estrangeira no âmbito
argentino. Contudo, durante esses encontros se evidenciava uma tendência à ampliação dos
eixos a serem tratados, tendo em vista as propostas que se apresentavam para a avaliação.
Atendendo esta projeção, a comissão organizadora ampliou os eixos norteadores do evento
com o propósito de abarcar temas também fundamentais às reflexões que se desejava.
Os trabalhos apresentados nesta publicação revelam o potencial abrangente das
problemáticas expostas nas I Jornadas Internacionais, que reuniram professores e
pesquisadores argentinos e sobretudo brasileiros, assim como uma participação do México.
Os artigos aqui apresentados versam sobre inquietudes que compreendem tanto o
ensino do português língua estrangeira e materna, como também alguns trabalhos expõem
pesquisas sobre a integração dos países signatários do Mercosul. Dessas discussões decorrem
outras que implicam as questões do bilinguismo, do multiculturalismo e das propostas de
ensino intercultural e literatura Sem descaracterizar o encontro que tem por objetivo promover
discussões sobre a Língua Portuguesa e a Cultura dos países Lusófonos, a ampliação os eixos
norteadores nas I jornadas propõe a interessante reflexão sobre a interface português/espanhol,
eixo que vem delineando-se como um importante tema gestado na história também nestes
encontros.
As investigações expostas nesta publicação demonstram um alto grau de
amadurecimento da área do Português língua estrangeira e também sua vocação na ampliação
de temáticas adjacentes que conformam a grande área do ensino de língua. O Leitor terá,
portanto, uma variedade de propostas que se desenvolvem a partir dos seguintes eixos:
estudos interdisciplinares sobre interculturalidade no mundo luso-afro-brasileiro; a integração
regional: problematizações e tendências do Mercosul; a integração regional: o MERCOSUL
Cultural e Educacional; a formação de formadores como agentes interculturais; ensino de PLE
em perspectiva intercultural e sociolinguística e interculturalidade no mundo luso-afrobrasileiro.
Dra. Mariana Cortez
Me. Richard Brunel Matias
Coordenadores das I Jornadas Internacionais Descobrindo Culturas em Língua Portuguesa
4
OBSERVACIÓN Y PRÁCTICAS DE LA ENSEÑANZA DE
ESPAÑOL DE ALUMNAS BRASILEÑAS
BRASILEÑAS EN ESCUELA
SECUNDARIA DE CÓRDOBA: INTERFERENCIAS
PRAGMÁTICAS Y CULTURALES
Elena Silvia PÉREZ MORENO1
Resumo
O objetivo deste trabalho é apresentar um estudo de caso das interações observadas
em orais e escritas de duas brasileiras alunas de intercâmbio do ensino profissional
na Facultad de Lenguas. Ambas são alunas da matéria "Observação e Prática de
Ensino" na carreira de professores de espanhol como língua materna e como língua
estrangeira. Estas alunas tiveram que fazer suas práticas de ensino com alunos
observados do sexto ano –o último- em uma escola pública na província de Córdoba.
Diferente, elas foram obrigadas a superar as dificuldades, especialmente relacionadas
com fenômenos de interferência do conhecimento pragmático e contexto
sociocultural. Vamos apresentar nosso estudo de caso estas interrupções no contexto
do ensino de línguas em uma cultura escolar e fora. Argumentamos que a
interferência pode ser uma importante dificuldade no contexto da aprendizagem,
uma vez que "A necessidade de conhecer o estilo dos falantes de interação
adequados estilo da linguagem aprendida é necessário não só interagir
adequadamente com eles, mas também, e isso é muitas vezes esquecida, de
reconhecer e avaliar corretamente as intenções dos membros da nova cultura"
(Escandell Vidal, 1995, p. 108).
Resumen
El objetivo del trabajo es dar a conocer un estudio de caso a partir de lo observado en
las interacciones orales y escritas de dos estudiantes de intercambio brasileñas en la
Facultad de Lenguas. Ambas se encuentra como alumnas en la materia “Observación
y Prácticas de la Enseñanza” en la carrera del Profesorado de Español como Lengua
Materna y como Lengua Extranjera. Estas alumnas debieron realizar sus prácticas de
enseñanza con los estudiantes secundarios observados en un sexto año –el último- de
una Escuela Secundaria pública de la Provincia de Córdoba. De diferente modo, se
vieron en la obligación de sortear dificultades, sobre todo con lo relacionado con los
Profesora de Español en las Carreras de Lenguas Extranjeras y Profesora de Observación y
Prácticas de la Enseñanza en la Carrera de Español como Lengua Materna y como Lengua
Extranjera. Facultad de Lenguas - Universidad Nacional de Córdoba - Argentina
1
5
fenómenos de interferencia pragmática y de conocimiento del contexto socio-cultural.
Expondremos en nuestro estudio de caso estas interrupciones en el contexto de
enseñanza de una lengua dentro de una cultura escolar como fuera de ella.
Sostenemos que las interferencias pueden llegar a ser una importante dificultad en el
contexto de la enseñanza aprendizaje, ya que “La necesidad de conocer el estilo de
interacción propio de los hablantes de la lengua que se aprende no solo es necesario
para interactuar adecuadamente con ellos, sino también –y esto muchas veces se
olvida- para reconocer y valorar adecuadamente las intenciones de los integrantes de
la nueva cultura” (Escandell Vidal, 1995, p. 108).
Introducción
El objetivo de nuestro trabajo es dar a conocer un estudio de caso a partir de lo
observado en las interacciones orales y escritas de dos estudiantes vocacionales
brasileñas en la Facultad de Lenguas. Ambas cursan una carrera de Enseñanza del
Español en una universidad de Brasil y, actualmente, son alumnas de intercambio de
la materia “Observación y Prácticas de la Enseñanza”, en la carrera del Profesorado
de Español como Lengua Materna y como Lengua Extranjera.
Dentro de las obligaciones de esta materia están las prácticas de la enseñanza del
español; para esto, ellas efectuaron una observación y posterior análisis de lo
observado en un curso secundario. Concluida esta actividad, ambas debieron realizar
sus prácticas de enseñanza con los estudiantes secundarios observados. Para esta
práctica, se les buscó un sexto año –el último- de una Escuela Secundaria pública de
la Provincia de Córdoba.
No fueron pocas las dificultades que ambas debieron sortear, sobre todo con lo
relacionado con los fenómenos de interferencia pragmática y de conocimiento del
contexto socio-cultural.
Como sabemos, para una clase feliz, se necesita conocer a los sujetos de nuestras
prácticas y el espacio en que se desenvuelven. Asimismo, como podemos adelantar,
las diferencias en los estilos de interacción y de realidades socio-culturales de cada
escuela en uno y otro país pueden ser, a veces, un modo de interferencia. Como
expondremos en nuestro estudio de caso, estas diferencias pueden producir efectos
de interferencia pragmática y cultural si los que están hablando una lengua
extranjera trasladan a esta y a sus prácticas el conjunto de supuestos y principios que
rigen su lengua materna y su cultura social y escolar.
6
Creemos que es importante estudiar esta interferencia pragmática y cultural porque
puede llegar a ser una importante dificultad en el contexto de la enseñanzaaprendizaje, ya que “La necesidad de conocer el estilo de interacción propio de los
hablantes de la lengua que se aprende no solo es necesario para interactuar
adecuadamente con ellos, sino también –y esto muchas veces se olvida- para
reconocer y valorar adecuadamente las intenciones de los integrantes de la nueva
cultura” (Escandell Vidal, 1995, p. 108).
Por medio de nuestro trabajo, buscamos replantear y redimensionar el papel que
pueden jugar la lengua materna –en este caso, el portugués- y la mayor o menor
proximidad entre esta lengua y el español en aspectos referidos a los intercambios
lingüísticos en determinados contextos socio-culturales, particularmente en el
espacio de una escuela argentina, en un proceso de adquisición de conocimientos en
Literatura en lengua española por parte de alumnos adolescentes, donde las docentes
brasileñas son estas alumnas practicantes; también en intercambios de ellas fuera de
la escuela, en espacios relacionados con su cotidiano.
Pensamos que este estudio2 colaborará fundamentalmente en revisar los modos de
ver las prácticas docentes de alumnos extranjeros, futuros enseñantes de lengua y
literatura en español como LE; con esto se puede lograr replantear y/o revisar los
modos de aprender para enseñar la lengua, su cultura y sociedad. Particularmente en
relación con la lengua y la literatura en español, esto implicaría que un futuro
profesor sea consciente de realizar un estudio, no solo desde distintos puntos de vista
teóricos, sino también teniendo en cuenta su formación desde el punto de vista de un
discurso situado: en relación con los autores, con los grupos sociales y la época en los
que estos están insertos; y, sobre todo, estudiar la literatura como una manifestación
de la lengua según prácticas socioculturales diferentes -en algunos aspectos- de otras
lenguas, culturas y sociedades.
Aquí nos remitiremos al estudio de solo tres casos de las dos estudiantes; debido a la
brevedad que implica el presente trabajo, debemos acotar nuestra investigación.
2
7
Tema. Enfoque teórico y metodológico
En este estudio, entendemos por contrastar al hecho de intentar, en nuestro análisis e
interpretación, de encontrar los puntos de convergencia y, específicamente, aquellos
de divergencia entre dos lenguas tan cercanas como son el español y el portugués.
Los modos de contraste no se limitarán a la sencilla comparación entre términos y
estructuras. Primará el empleo del paradigma funcional por el hecho de que con su
uso intentamos ir más allá de la gramática para privilegiar la consideración de
cuestiones de naturaleza cultural y pragmático-discursiva.
Para eso, tendremos en cuenta las posibles influencias de su lengua materna,
portugués brasileño, en su actuar social y académico.
Además de contar con producciones escritas, también hemos observado algunas
clases dictadas por ellas dentro del ámbito de la escuela secundaria y otros
intercambios fuera de las clases. Para completar y contextualizar esto, asimismo,
realizamos entrevistas en profundidad con ambas alumnas.
Las actividades de indagación3 para este estudio de caso fueron esencialmente: 1)
observación y registro etnográfico de algunas clases dictadas por ambas alumnas,
como de ellas interactuando en otros espacios y situaciones (dentro de la clase en la
facultad, en intercambios en horarios de consulta y en situaciones informales de
conversación); 2) entrevistas en profundidad, con ambas a la vez y registro grabado
de estas; y 3) relevamiento de fuentes escritas: correos, informes, planificaciones,
entre otros.
En relación con la perspectiva de abordaje que nos brinda la etnografía,
principalmente la empleamos para documentar lo no-documentado de la realidad sociocultural y puede aportar a una discusión de las descripciones de procesos que se dan
(Rockwell, 2009, p. 25-26).
En cuanto al enfoque teórico, privilegiamos el pragmático y cultural. Ya hace más de
treinta años que la competencia comunicativa es el objetivo central en la
enseñanza/aprendizaje de una segunda lengua o una lengua extranjera. La
competencia pragmática es uno de los componentes básicos del estudio de la
Como ya explicáramos, acotamos la muestra de casos por la extensión requerida para el
presente trabajo.
3
8
competencia comunicativa; de allí que la Pragmática se ha convertido en una disciplina
obligada en la formación del profesor de español como lengua extranjera. Esta le
ofrece a los docentes y futuros enseñantes las herramientas teóricas y metodológicas
que precisan para comprender la descripción de las reglas y los principios en los
intercambios comunicativos. A su vez, junto con la observación de carácter
etnográfico, nos permite a nosotros exponer, analizar e interpretar, en nuestro
estudio de caso, estas interrupciones en los contextos de enseñanza de una lengua
dentro de una cultura escolar argentina y en la sociedad.
¿Por qué el empleo de las interferencias pragmáticas para nuestro estudio?
Primeramente, queremos señalar que “El objetivo de la Pragmática es, así pues, tratar
de establecer con precisión qué factores determinan sistemáticamente el modo en que
funcionan nuestros intercambios comunicativos” (Escandell Vidal, 2004, p. 183). En
esos intercambios, cuando se realizan en diferentes lenguas, se producen muchas
veces interferencias pragmáticas las que se refieren, en un análisis contrastivo, a la
transferencia de la lengua objeto de estudio o aprendizaje de los hábitos verbales de
la lengua materna, es decir, de supuestos y pautas de conducta que rigen en esta.
En nuestro trabajo, sostenemos que el estudio de un caso va acompañado de su
explicación teórica; no obstante, estamos convencidos de que la teoría y la práctica
deben “dialogar” para dar mejores respuestas a los temas de investigación.
La lengua: medio y modo privilegiado de comunicación
Sabemos que el lenguaje es para los seres humanos un medio privilegiado de
comunicación que posibilita los intercambios y la interacción social, por lo mismo, es
primordial que los alumnos desarrollen, durante su escolaridad, la competencia
comunicativa relacionada con el uso de la lengua. Debido a que la cultura lingüística
ayuda a configurar la sociedad y su identidad, conjuntamente con este desarrollo, es
imprescindible que los estudiantes establezcan constantes interrelaciones con otras
competencias necesarias para su formación, como son la enciclopédica, pragmática,
textual y discursiva.
Existe una estrecha relación entre lenguaje y pensamiento, por lo mismo, aprender y
enseñar lengua se vincula con aprender a pensar y a actuar en la sociedad y en la
9
cultura en la que se emplea. Debido a esto, sostenemos que, en las prácticas de estas
alumnas como docentes de lengua y literatura españolas, se deben poseer
conocimientos y desempeños lingüísticos y comunicativos que respondan a las
demandas culturales y sociales del ámbito de la lengua que imparten. En relación
con esto, Neide González (2005) refiere:
El campo de la lingüística es, por definición – muestra González
Nieto (2001:45) – complejo, porque complejo es el campo de la
comunicación humana, pues una lengua es sistema, es historia, es
actividad mental y actividad comunicativa socialmente diferenciada
y es, en gran medida, literatura; en definitiva, es el medio de que se
valen los hombres para relacionarse entre sí y con el mundo, en su
vida cotidiana y en los procesos de aprendizaje y de enseñanza.
(González, 2005, p. 16)
Las alumnas practicantes
Ambas alumnas, que aquí nombraremos como Solange (23 años) y Laura4 (57 años),
cursan el último año de un profesorado de Español en la Universidade Federal de Goiás.
Se encuentran en el 4º y último año de su carrera, la primera que estudian luego de
haber concluido su escolaridad secundaria; ya tienen aprobadas todas las materias de
los años anteriores. Es la primera vez que visitan la Argentina y que tienen contacto
con hablantes nativos del español; aquí llegaron en febrero del presente año, 6 meses
antes de que iniciara con ellas este estudio. Nunca han viajado a otro país
hispanohablante. En la Argentina, se relacionan diariamente –tanto adentro como
fuera de la facultad- con hablantes nativos del español argentino.
Estarán un año completo en la Facultad de Lenguas, en calidad de alumnas de
intercambio. Con la aprobación de tres materias, una de las cuales es la de sus
prácticas de enseñanza, les darán aprobadas sus materias de cuarto año en la carrera
por medio de una convalidación. Cuando lleguen a su facultad, deberán presentar
una tesis, según nos refieren ambas, que ya se encuentra en proceso de elaboración y
que piensan aprobar para febrero del año 2013.
Los nombres propios utilizados en este trabajo son ficticios para sostener el anonimato y la
confidencialidad de las fuentes.
4
10
Durante su carrera, en Goiás, además de “Lengua Española”, poseen la materia
“Literatura Española”, ubicada en diferentes semestres y con diversos contenidos,
relacionados sobre todo con la comprensión y producción lingüística, más que con el
análisis y la interpretación con marco teórico-discursivo. Leen autores y obras como
Gabriel García Márquez y Cien años de soledad, hasta la historieta. También cursan
materias de Didáctica y Prácticas que las conducen a elaborar preproyectos para sus
prácticas. Estos tres núcleos de materias: Lengua, Literatura y Didáctica/Prácticas
son los requeridos para aprobar el profesorado en el que están5.
Como acabamos de referir, además del estudio de la lengua española, uno de los
cimientos que sustenta la formación de profesores de Español en el contexto de Brasil,
realizan un breve pasaje de contenidos de la literatura en lengua española, esencialmente
la de autores Hispanoamericanos. Esta brevedad, según hemos podido experimentar en
estos dos casos particular, no alcanza para profundizar en la cultura que rodea a un
autor o país en particular.
Según se señaló en una mesa redonda en el XII Congreso Brasileño de Profesores de
Español, llevado a cabo en Cuiabá (2007), cuyo tema para discusión La literatura
latinoamericana y los desafíos en la enseñanza y el aprendizaje, en lo referente a la
enseñanza:
Sin embargo, hay que señalar que por el hecho mismo de haberse
implantado muy recientemente la formación de profesores en esta
especialidad, diversos problemas tanto de estructura física y recursos
humanos como de naturaleza técnica y metodológica están
enfrentando las instituciones estatales y privadas formadoras de estos
profesionales. (Martines André, 2010, p. 105)
La escuela, la materia y los alumnos
Esta escuela tal como la conocemos actualmente, se inauguró en el primer cuarto del
siglo pasado. Es una de las tantas escuelas públicas y técnicas de la ciudad con sus
problemas y carencias. En Argentina, en la actualidad, “Las escuelas públicas son
visualizadas como escuelas para pobres, “de segunda”, mientras que las privadas
El título que reciben, las habilita solo para impartir clases en el Nivel Secundario, no en el
universitario.
5
11
parecen dar cuenta de “gente pudiente”, de poder, y como tales están organizadas de
modo de ofrecer servicios actualizados “de primera”” (Maldonado, 2006: p. 15).
Los alumnos, en su gran mayoría son varones6, y sienten y piensan a la escuela como
un lugar de formación para su profesión; desdeñan, en la gran mayoría de los casos,
en consecuencia, la enseñanza de contenidos que, según su visión particular, son
“complementarios”, pero no nucleares7, como los de lengua y literatura. Esto trae
aparejado que los alumnos lleguen a 6º año con escasos conocimientos de su lengua
materna y casi ninguna lectura sobre la Literatura en español –en relación con otras
escuelas secundarias públicas de Córdoba que no son técnicas.
Según lo que pudimos saber de los contenidos de la materia Lengua Castellana del
curso en donde debían observar para luego practicar Solange y Laura, los docentes
sostienen que la Literatura en esta materia debe ocupar un lugar importante, debido
principalmente a dos razones: en muchos casos, es única y exclusivamente en la
escuela donde se entra en contacto con ella y, por otro lado, es por medio de la
lectura y el conocimiento de los textos literarios y sus contextos que sus alumnos
pueden afianzar la disposición estética y la formación del gusto, dimensiones
fundamentales para el desarrollo de su personalidad. Por todo esto, la lectura y el
aprendizaje de Literatura, en su programa, está orientado a que el alumno por medio
de ella entre en contacto con formas más complejas de articulación discursiva, de
funcionamiento
cognitivo
y
de
transmisión
histórico-cultural,
dimensiones
primordiales en la construcción de su identidad social e individual.
En síntesis, no solo en esta materia se trata de promover aprendizajes referidos a la
función comunicativa de la lengua y la literatura, sino que también se propone que
los estudiantes desarrollen todas aquellas competencias intelectuales mediadas por el
lenguaje. Sobre todo, se refiere a los procesos cognitivos que se deben adquirir en la
escolaridad para que se conviertan en habilidades intelectuales que los alumnos
puedan aplicar como estrategias tendientes a lograr diferentes objetivos, en distintas
Hace unos años egresan alrededor de menos de un 10% de alumnas sobre el total que
constituye el alumnado de varones.
7 Para este tema se puede ver Morgade, G. y Alonso, G. (2008). Cuerpos y sexualidades en la
escuela. De la "normalidad" a la disidencia Buenos Aires: Paidós.
6
12
circunstancias y con independencia. Fundamentalmente, la propuesta pretende
abarcar la construcción y el crecimiento personal del alumno.
Las alumnas practicantes en la escuela
Tanto Solange como Laura debieron asistir previamente a diez horas de clases en el
curso donde realizarían ambas las prácticas. A esta observación la realizaron
asistiendo en forma conjunta; no obstante, los informes de observación y las
planificaciones de clases fueron realizados en forma individual, siempre asistidas por
el docente del curso y por la docente de prácticas.
La finalidad principal de la observación fue la de conocer al grupo de alumnos en la
clase de español como lengua materna en donde realizarían sus prácticas docentes.
Esencialmente se buscó que produjeran un nuevo conocimiento que les ayudara a
comprender el complejo mundo de las prácticas educativas. Además, la observación
de clases es importante porque significa el primer contacto del futuro profesor con la
vida de las aulas.
La consigna de trabajo de observación tuvo como objetivo la observación
participante como técnica, en donde el practicante –en un rol de investigadorcomparte con los alumnos y su docente su contexto áulico-escolar y la vida cotidiana
que desarrollan en él, para poder conocer de manera directa toda la información del
grupo desde el interior del mismo.
Debido a que es una necesidad observar y poder describir lo observado para un
posterior análisis, a las alumnas se les brindó una grilla con “modos” de registros.
Los puntos para observar que se presentaban eran solamente una orientación sobre
los aspectos centrales que se considerarían, no es tampoco un detalle exhaustivo de
"lo que hay que mirar".
Con esto, se aspiraba a que pueda ser empleada de modo tal que el alumno
practicante pudiese independizarse de este "listado" porque haya logrado orientar su
mirada sobre la realidad de los alumnos en la clase de lengua materna.
Con el posterior informe, se buscó una actitud reflexiva y crítica con respecto a la
realidad educativa de los alumnos en la clase de lengua materna. Este es un reto para
13
promover la transformación de las prácticas áulicas intuitivas en prácticas
significativas y superadoras.
El tema y la planificación de clases
El programa de los alumnos tenía como objetivos de Literatura:
•
Leer, contextualizar y analizar obras literarias de autores de la cultura
occidental de los siglos XX y XXI.
•
Confrontar características y temática de obras de otras épocas con la actual.
Como contenido temático: Literatura de los siglos XX y XXI: características
particulares de la época, los autores y sus obras. Lectura, contextualización y análisis
de los siguientes autores y textos literarios seleccionados:
•
Para Solange: Cuento fantástico y el texto “La noche boca arriba” de Julio
Cortázar (argentino).
•
Para Laura: Cuento del realismo mágico y el texto “Es que somos muy
pobres” de Juan Rufo (mexicano).
A partir de esto, las alumnas practicantes debían elaborar actividades para dos clases
de 80´ y una de 40´ minutos, aproximadamente, orientadas a: reconocer
características de los períodos literarios de los siglos XX y XXI en los textos
propuestos; leer, contextualizar y analizar los cuentos; investigar en bibliotecas, en
Internet o en otras fuentes propuestas; elaborar juicios de valoración de los textos
leídos; confrontar épocas y temas de obras.
El problema y nuestro análisis
Focalizaremos la particular relación que tienen el español y el portugués y los efectos
de la supuesta semejanza que poseen estas lenguas sobre los procesos de adquisición
del español por parte de los brasileños. Aplicaremos esto en un caso particular en
que estas dos nativas brasileñas enseñan a alumnos nativos argentinos Literatura
Hispanoamericana.
En realidad, estas alumnas no debían enseñar el español, ya que se daba por
supuesto que ellos ya han adquirido esta lengua; ambas debían enseñar un tema de
literatura que ellos desconocían -y ellas tampoco habían estudiado en profundidad
14
en su profesorado-, a partir de textos de dos autores hispanohablantes que los
alumnos y las practicantes nunca habían leído.
Para poder hacer un análisis contrastivo de los patrones comunicativos y para
comprender los problemas comunicativos que pueden surgir en una situación
intercultural, partimos del conocimiento de los modelos comunicativos que existen
entre los hablantes de español en Argentina y los hablantes de español y portugués
en Brasil, es decir, de las culturas implicadas.
Para esto, tendremos en cuenta los componentes materiales y relacionales de la
situación comunicativa que se daban en el aula. Los materiales son: alocutor:
alumnas practicantes brasileñas; alocutario: alumnos argentinos de 6º año;
enunciado: clase de Literatura Hispanoamericana; entorno o contexto: escuela
pública y técnica de la Ciudad de Córdoba; clase de Prácticas de la Enseñanza. Los
componentes relacionales: información pragmática, la intención, la relación social.
Estas alumnas, para poder realizar sus prácticas en la materia, precisaron hacer un
doble recorrido inverso al que estaban acostumbradas y en el cual habían sido
formadas, debido a que:
•
Se vieron obligadas a enseñar contenidos de Español a hablantes nativos
de la lengua, siendo que ellas habían estudiado para enseñar alumnos
nativos brasileños; además, habían realizado sus primeras prácticas de
enseñanza con alumnas nativos en Brasil;
•
necesitaron conocer el contexto de la escuela secundaria argentina y las
prácticas de enseñanza-aprendizaje que aquí se realizan, mientras que
ambas solo habían tenido experiencias y estudios sobre la escuela en Brasil.
En estos casos que siguen, veremos que, según Escandell Vidal (2004):
La naturalidad del intercambio muestra que nuestra actividad
comunicativa está sometida a otras pautas que van más allá no sólo
de las que regulan la buena formación de las estructuras gramaticales,
sino también de las que gobiernan la pura y simple transmisión eficaz
de información. Lo que parece evidente de entrada es que lo que se
comunica, en cierto sentido, va más allá de lo que se dice literalmente.
(Escandell Vidal, 2004. p.183)
Casos: De los tres casos que expondremos, dos se relacionan directamente con las
prácticas docentes (el 1º y el 3º); el otro, con otros intercambios lingüísticos.
15
Primeramente, nos referiremos a dos situaciones que se les presentaron a estas
estudiantes del último año del profesorado. En ambas, el centro de la confusión gira
en torno al sexo: sin duda, es el sexo y sus temas afines los que parecen ser la mayor
fuente de inspiración para las bromas, el humor y los dobles sentidos, tanto en la
cultura de los hablantes del español, como en la de los hablantes del portugués
brasileño. Una de estas situaciones se produjo fuera de la escuela, en viaje hacia la
facultad; la otra, en el curso de la escuela secundaria, durante la clase de Lengua
Castellana.
El tercer caso está más relacionado con los contenidos culturales y enciclopédicos
que poseen las alumnas y que también fueron objeto de dificultades en las horas de
clases.
Primer caso: Solange, acompañada por Laura, tomaron un taxi en febrero de este
año8; era un día de verano, a la siesta, con elevada temperatura. El vehículo no tenía
encendido el aire; lo que propició, según nos cuenta Solange, que ella dijera repetidas
veces: “Está caliente”.
El significado de las palabras y lo que ella realmente quiso significar con ellas a partir
del uso en este enunciado y en el contexto descripto, no siempre puede ser entendido
del modo en que se espera.
Lo que parece evidente es que lo que Solange trató de comunicar, según nos explica,
es “que el día estaba caluroso”, que por eso “tenía o sentía calor”, y lo que
seguramente le advirtió el taxista con “Señorita, no diga así”, es que este enunciado
podía ser interpretado más allá de lo que dice literalmente. Como sabemos muchos
de los que escuchamos su relato, se podía entender que esta joven decía “estoy
caliente, excitada”, según lo que ella misma también nos explicó y por lo cual dice
que nunca se olvidará de esta situación provocada por su expresión lingüística.
Alguien caliente, en español, es algo “que tiene o produce calor”. Ella quiso decirlo
con esa intención; no obstante, le advirtieron que se entendió como alguien
8
Año 2012.
16
“caliente”, lo que podía ser interpretado en Córdoba9 como “alguien lujurioso, muy
propenso al apetito sexual o excitado sexualmente”.
En el portugués brasileño para expresar que “Hace (mucho) calor”, se dice “Está
(muito) quente”, lo que se traduciría al español como “Está caliente”, de allí es que,
probablemente, según nos explicó Solange, surja el enunciado, al querer hacer una
traducción “palabra a palabra” de una expresión corriente y cotidiana en su lengua y,
particularmente en la región que ella habita en Brasil, donde, según nos explica,
también “estar caliente” tiene referencias a lo sexual.
Para comprender bien esta situación de comunicación, tendremos que tener claros:
quién le dijo, qué, a quien, en qué circunstancias. No obstante, no son los únicos
factores que precisamos. Tan importantes como los elementos, son las relaciones que
entre ellos se establecen: la intención. Es decir, el propósito o la meta que el alocutor
quiere conseguir por medio de su enunciado. Esta relación entre el alocutor y la
situación de enunciación puede concebirse como la relación dinámica entre el
alocutor y aquel aspecto de la situación sobre el que este quiere actuar: en nuestro
primer caso, Solange tiene la intención de manifestar que experimenta calor.
La intención es fundamental, en cuanto a que actúa como un principio regulador de
la conducta, en el sentido de que guía al alocutor a emplear los medios que considere
más adecuados para alcanzar sus fines. A su vez, para que haya un reconocimiento
de la intención del alocutor con su enunciado y no se produzcan malentendidos,
también es central el punto de vista del alocutario. Este, para poder interpretar se
basa en su conocimiento del mundo, en el comportamiento observable –verbal y no
verbal- y en las expectativas creadas por la situación de enunciación. En el caso del
taxista, es evidente que interpretó que esa expresión lingüística “Esta caliente” podía
resultar inadecuada, lo que originó su advertencia.
Segundo caso: En el curso, en la segunda clase que le tocaba dar a Laura, luego de
leer el texto, se planteó una duda con el significado de algunas palabras. De entre
estas, causó la atención principal “piruja”. En el texto, “Es que somos muy pobres”
de Juan Rulfo, aparece dos veces; la primera vez, en este contexto:
Este modo de interpretar no es propio de Córdoba Capital, también se da en otras partes de
la Argentina y en el Uruguay.
9
17
La apuración que tienen en mi casa es lo que pueda suceder el día de
mañana, ahora que mi hermana Tacha se quedó sin nada. Porque mi
papá con muchos trabajos había conseguido a la Serpentina, desde que
era una vaquilla, para dársela a mi hermana, con el fin de que ella
tuviera un capitalito y no se fuera a ir de piruja como lo hicieron mis
otras dos hermanas, las más grandes.
Según mi papá, ellas se habían echado a perder porque éramos muy
pobres en mi casa y ellas eran muy retobadas. Desde chiquillas ya
eran rezongonas. Y tan luego que crecieron les dio por andar con
hombres de lo peor, que les enseñaron cosas malas. Ellas aprendieron
pronto y entendían muy bien los chiflidos, cuando las llamaban a
altas horas de la noche. Después salían hasta de día. Iban cada rato
por agua al río y a veces, cuando uno menos se lo esperaba, allí
estaban en el corral, revolcándose en el suelo, todas encueradas y
cada una con un hombre trepado encima. (“Es que somos muy
pobres”, Juan Rulfo)
En los dos párrafos anteriores, para este tipo de alumnos, es claro poder interpretar el
significado del término; no obstante, ellos insistían en que se les especificara.
A los alumnos les llama la atención y les causa gracia el término “piruja” por dos
razones, según lo que pudimos establecer con el grupo de clase: porque se refiere a la
prostitución y lo asocian con “puta”; y porque le dan una correspondencia, más allá
del valor y el significado que refiere el texto y el significado que Laura encontró en el
diccionario. Según lo que pudimos hablar posteriormente acerca del porqué les había
causado gracia, ellos refirieron que les sonaba a términos como “pija, pinga”, es decir,
el miembro viril masculino; iguales comentarios manifestó el profesor cuando se lo
preguntamos.
Esta situación planteada no es igual a la anterior, ya que lo que dice el texto es
claramente interpretado por los alumnos. En este segundo caso, su explicación se
relaciona con los procesos de inferencia en un contexto socio-cultural particular. La
idea es la siguiente: si lo que comunicamos parece ir más allá de lo que decimos
literalmente es porque en la interpretación no intervienen solo procesos de
decodificación (palabra por palabra), sino también procesos de inferencia. Estos
procesos toman como premisas tanto las representaciones de tipo lingüístico como
las no lingüísticas (representaciones interiorizadas), y de la conjunción de ambas se
extraen nuevos contenidos. Estos contenidos reciben el nombre de implicaturas y son
18
precisamente ese plus que descubrimos en la interpretación del sentido de “piruja”
por parte de estos alumnos.
Las implicaturas explican, por ejemplo, que “piruja”, sea asociado a lo sexual
únicamente y no a una condición de pobreza –a la que se suma la muerte de la vacaque puede llevar a esa situación tan particular de que una niña busque explotar su
cuerpo para la subsistencia: las hermanas mayores ya se prostituyeron.
Una piruja es una prostituta en México; este término no es empleado ni conocido en
el contexto socio-cultural argentino. En otros contextos de habla hispana es una
mujer joven, libre y desenvuelta.
Estos alumnos son todos varones y adolescentes de entre 17 y 20 años, que
acostumbran a provocar este tipo de situaciones, lo que la alumna practicante no se
imagina, ya que lo desconoce.
No hubo por parte de Laura un deseo de expresar de manera indirecta el término con
alusiones sexuales; no obstante, sí hubo una intención por parte de los –
malintencionados- alumnos de llegar a este tipo de inferencias.
Tercer caso: En la materia, en la facultad en Córdoba, observan alrededor de diez
horas y practican solo cinco, como en la materia en la carrera en Brasil.
No obstante, la elaboración de preproyectos para sus prácticas no es igual: refieren
que allá eran más tendientes a “marcar tiempos”, no como les pedimos aquí:
observar y describir procesos, narrar el orden en que se cumplirían en una clase, para
luego planificar. En esto ambas vieron una notable diferencia que generó confusiones.
Según Solange, hay una diferencia de perspectiva que les dificultó muchísimo sus
prácticas. Además, poseían una casi total falta de información sobre nuestros modos
de planificación, estructuras de clases, régimen y organización escolar.
Cuestiones para pensar la observación. Los modos de superar las dificultades
Podemos señalar dos razones esenciales que apoyarán la necesidad de observar:
•
cada institución escolar y cada grupo de alumnos posee sus particularidades;
•
las prácticas de enseñanza se resignifican en cada espacio y con cada persona
en especial.
19
Debido a esto, se les tuvo que dar más tiempo para la entrega de informes (clases
extra y reelaboraciones con correcciones continuas).
Para la enseñanza de la lengua y la literatura extranjeras, los docentes deben estar
provistos de recursos de expresión y comprensión, dentro del enfoque comunicativo
de la enseñanza-aprendizaje de cada lengua en particular. A su vez, es necesario que
posean los instrumentos necesarios que les permitan realizar la reflexión sobre los
usos lingüísticos y comunicativos adecuados con
situaciones y contextos socio-
culturales variados, con diferente grado de formalización o planificación en sus
producciones escritas y orales. La literatura no solo es uno de los constituyentes del
proceso de enseñanza/aprendizaje general de la lengua, sino un modo particular en
que una comunidad hablante entiende su sociedad y su cultura. En todos los casos,
se deben vincular las producciones literarias con las ideas de la época, ya que la
literatura no es una manifestación aislada sino una expresión más de la cultura.
Se debe tener como fin fundamental el desarrollo de la competencia comunicativa,
entendida esta como la competencia de uso de la lengua en variados contextos y con
diferentes intenciones, incluida la literaria. Para esto, es necesario acompañar con
una reflexión de esos usos, junto con el desarrollo del hábito de lectura, debido a que,
en la actualidad, los alumnos adolescentes hacen uso más de la imagen y limitan sus
producciones discursivas a la brevedad y la síntesis.
Enseñar literatura en contextos de la enseñanza/aprendizaje de una lengua extranjera, es
tener conciencia del basto universo que abarca este aprendizaje y que amerita que con
constancia se revisen y actualicen los contenidos curriculares de estudio, siempre
teniendo en cuenta y por las necesidades de cada región o estado.
A su vez, para la clase, se deben tener en cuenta los contextos escolares en que se da
esta comunicación y los modos de organizar sus clases.
A modo de conclusión
Para la enseñanza/aprendizaje de la lengua y literatura extranjeras no solo es necesario
que se funde en marco teórico de teoría literaria, sino también en referencias históricas y
socio-culturales de cada región, lo que le permitirá al docente y a sus alumnos
comprender e interpretar este discurso en su complejidad.
20
Si bien en una clase de lengua extranjera no se puede superar la idea de condición de
ubicación del sujeto en lo local, en cuanto a espacio socio-cultural situado, sí se puede
hacer de la clase un espacio de encuentro entre los sujetos para que interactúen activa y
comprometidamente con otra cultura que, a través de su literatura, les posibilita crear la
experiencia dinámica y viva de sus modos de sentir y de pensar que brotan de sus
palabras. Porque sostenemos que la literatura es el discurso por excelencia de la
palabra situada en el tiempo, la cultura y la sociedad.
De ahí la relevancia de que en la formación de los profesores de lengua se estimule la
reflexión sobre qué significa la literatura, no únicamente desde distintos puntos de
vista teóricos, sino también en relación con los autores, los grupos sociales en los que
están insertos, la época y sobre todo, estudiar la literatura como una manifestación de
la lengua según prácticas socioculturales diferentes en algunos aspectos de otras
lenguas, culturas y sociedades.
Las prácticas de Solange y Laura fueron un modo de enfrentarse, con mucha valentía,
a lo desconocido, que en muchas ocasiones les resultó inesperadamente sorprendente,
lleno de la heterogeneidad y las contradicciones propias de las relaciones sociales y
que se dan a conocer en la lengua y la cultura y un contexto escolar distintivo.
Esperamos y deseamos que de la Argentina, puedan haber hecho una excelente
experiencia.
Referencias bibliográficas
AAVV. ACTAS DEL XII CONGRESO BRASILEÑO DE PROFESORES DE ESPAÑOL,
Cuiabá, 28 de agosto a 1 de setembro de 2007 – Brasília: Embajada de España en
Brasília – Consejería de Educación, Ministerio de Educación de España, 2010.
ESCANDELL VIDAL, María Victoria. Los fenómenos de interferencia pragmática. In:
Cuadernos del tiempo libre. E/LE 3. Madrid: Colección Expolingua, 1996, v. III, p.
95-109.
ESCANDELL VIDAL, María Victoria. Aportaciones de la Pragmática. In: SÁNCHEZ
LOBATO, J.; Santos Gargallo, I. (dirs.), Enseñar español como segunda lengua o
lengua extranjera. Vademécum para la formación de profesores. Madrid: SGEL,
2004. p. 179-198.
21
GONZÁLEZ, Neide Maia. Teoría Lingüística y Gramática en el aprendizaje y en la
Enseñanza de E/LE. In: ACTAS DEL XIII SEMINARIO DE DIFICULTADES
ESPECÍFICAS DE LA ENSEÑANZA DEL ESPAÑOL A LUSOHABLANTES –
“Nuevos enfoques de la gramática en la enseñanza del E/LE”. Brasília: MEC –
Consejería de Educación en Brasil, 2005, p. 13-19.
MALDONADO, Mónica. Una escuela dentro de una escuela. Un enfoque antropológico
sobre los estudiantes secundarios en una escuela pública de los ´90. Buenos Aires:
Eudeba, 2006.
ROCKWELL, Elsie. La experiencia etnográfica. Historia y cultura en los procesos educativos.
Buenos Aires: Paidós, 2009.
22
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS
SOBRE O MERCOSUL
Juan José RODRÍGUEZ10
Resumo
Esta comunicação analisa os resultados parciais do projeto de pesquisa: “Relações
interculturais no ensino e formação de professores de espanhol e português no
contexto do MERCOSUL: cidadania, identidade e representações sociais no âmbito
da integração educativa”. Trata-se de uma pesquisa que integra o Programa de
Parcerias Universitárias de Graduação de Línguas Espanhola e Portuguesa do
MERCOSUL, que prevê o intercâmbio de alunos das licenciaturas em Letras
Espanhol da Universidade Federal de Goiás (Brasil) e Línguas – Português da
Universidad Nacional de Córdoba (Argentina). Nosso objetivo é discutir os
processos de construção das representações sociais e culturais sobre a integração no
MERCOSUL, na mídia tradicional brasileira e na formação de professores de
português e de espanhol, nas respectivas instituições, com base nos resultados
parciais da pesquisa, ainda em andamento. Em nosso entendimento, têm sido
valiosas as discussões propiciadas pela realização deste projeto no questionamento e
(re)construção das representações sobre o MERCOSUL e para a construção de uma
identidade mercosulina nos dois contextos.
Palavras-chave: representações sociais –integração regional - MERCOSUR
Resumen
Esta comunicación analiza los resultados parciales del proyecto de investigación:
“Relaciones interculturales en la enseñanza y formación de profesores de español y
portugués en el contexto del MERCOSUR: ciudadanía, identidad y representaciones
sociales en el ámbito de la integración educativa”. Se trata de una investigación que
forma parte del Programa de Intercambio Académico Universitario de Grado en
lengua española y portuguesa, del MERCOSUR, que prevé el intercambio de
estudiantes de la Licenciatura en Letras-Español de la Universidade Federal de Goiás
(Brasil) y del Profesorado de Portugués de la Universidad Nacional de Córdoba
Profesor de Portugués en el Profesorado de Portugués. Facultad de Lenguas - Universidad
Nacional de Córdoba. Argentina. Maestrando en la Maestría en Lenguajes e
Interculturalidad de esta Universidad.
10
23
(Argentina). Nuestro objetivo es discutir los procesos de construcción de las
representaciones sociales y culturales sobre la integración en el MERCOSUR, en los
medios masivos de comunicación tradicionales de Brasil y en la formación de
profesores de portugués y de español en las respectivas instituciones, con base en los
resultados parciales de la investigación, aún en curso. A nuestro entender, han sido
valiosas las discusiones propiciadas por la realización de este proyecto en cuanto al
cuestionamiento y la (re)construcción de las representaciones sobre el MERCOSUR y
para la construcción de una identidad mercosureña en los dos contextos.
Palabras-clave: representaciones sociales – integración regional - MERCOSUR
A criação do Setor Educacional do MERCOSUL (SEM) é o resultado da formalização
da proposta de Acordo Cultural e Educativo surgida em 1991 frente à tomada de
consciência de que um processo de integração regional não podia se limitar à
dimensão econômica comercial, que permeava o Tratado de Assunção no momento
da sua criação. Para Daniela Perrota (2012, 6), o Tratado de Assunção inscreve-se no
modelo de integração regional comercial (1990 – 2002); caracterizado “por la
preponderancia otorgada a la liberalización del comercio a nivel intra- y extrazona;
es decir, con la puesta en marcha de la zona de libre comercio –1991 a 1994– y la
unión aduanera –desde la instalación del Arancel Externo Común (AEC) en el año
1995–.”
Apesar do espírito neoliberal que registrou a agenda de integração regional, em
grande medida resultado do contexto político dos anos 90, existiram agendas de
temas sociais e educativos desde o começo do MERCOSUL que conseguiram avançar
- sobretudo a educativa em geral, e a da Educação Superior em particular– graças a
que “não ‘pareciam afetar’ o desempenho dos fluxos de comércio e de
investimentos”. Neste sentido, Perrota (2012, p. 4) opina que “la agenda del Sector
Educativo del MERCOSUR (SEM) –una agenda “no comercial”– ha estado
invisibilizada durante la fase comercial”. As ações de integração e cooperação entre
os representantes governamentais foram duplamente invisibilizadas: por um lado,
academicamente, já que deram lugar a uma débil produção acadêmica neste campo,
e pelo outro, no plano político, em virtude de “uma combinação de indiferença pelo
24
que acontecia em agendas não comerciais e a hierarquia outorgada à agenda
comercial”.
A partir de 2002/3 iniciou-se uma segunda fase na história do MERCOSUL,
caracterizada pela visibilização de políticas, relacionada com o relançamento do
esquema de integração em geral, em grande medida pelo impulso dado pelo expresidente Lula, que colocou o MERCOSUL como um dos eixos norteadores da sua
política externa. Atualmente, transitamos a fase de “profundização de políticas”
(PERROTA, 2012, p. 11).
Os planos de ação do SEM dos últimos dez anos (2006-2010 y 2011-2015) definiram
sua missão no sentido “Formar um espaço educacional comum, por meio da
coordenação de políticas que articulem a educação com o processo de integração do
MERCOSUL, estimulando a mobilidade, o intercâmbio e a formação de uma
identidade e cidadania regional, com o objetivo de alcançar uma educação de
qualidade para todos, com atenção especial aos setores mais vulneráveis, em um
processo de desenvolvimento com justiça social e respeito à diversidade cultural dos
povos da região”. No âmbito da Educação Superior, a última década destaca-se pela
concretização de vários objetivos, como por exemplo, o Sistema de credenciamento
de cursos de graduação para o reconhecimento regional da qualidade acadêmica dos
respectivos diplomas no MERCOSUL e estados associados. Na área de mobilidade
acadêmica, o SEM deu início a diferentes programas de cooperação orientados ao
fortalecimento de cursos de pós-graduação, projetos de pesquisa conjuntos,
mobilidade de docentes de graduação e o Programa de intercâmbio universitário de
graduação em língua espanhola e portuguesa do MERCOSUL. Este Programa de
Intercâmbio definiu como objetivo “estimular o intercâmbio de estudantes e docentes
de cursos de graduação em língua, português e espanhol, como segunda língua”,
“para fomentar o intercâmbio em ambos os países e estimular a aproximação de
estruturas curriculares, inclusive o aproveitamento mútuo de créditos obtidos nas
instituições participantes”.
Um grupo de professores da Universidade Federal de Goiás e da Universidad
Nacional de Córdoba decidiram elaborar conjuntamente um plano de trabalho,
visando à associação das nossas universidades. Para a equipe local, a primeira
25
motivação surgida foi oferecer aos estudantes de português a possibilidade de
aprofundar os conhecimentos linguísticos e culturais através do intercâmbio
estudantil. Nossa motivação esteve regida pela convicção de que as experiências de
intercâmbio deviam ser reflexivas e críticas, potenciadoras da profundização do
conhecimento sobre a cultura de origem e a cultura receptora, atendendo aos
objetivos estratégicos definidos pelo SEM, principalmente contribuir à integração
regional coordenando políticas educativas que promovessem uma cidadania regional,
mas também sensíveis às descobertas de pesquisas como as de Nooy e Hanna (2003),
com estudantes australianos que fizeram parte dos seus estudos na França. Nesta
pesquisa, as autoras discutem o poderoso mito de que viajar abre a mente, de que
experimentando uma nova cultura de primeira mão, os estudantes desenvolvem
tolerância, compreensão e conhecimentos sobre outras visões de mundo. As autoras
confirmam nas entrevistas que, inclusive após um longo período de estadia na
França, as respostas mais frequentes apontam para o duradouro estereótipo da
ineficiência e do caos franceses. Assim, a compreensão intercultural muito
frequentemente assumida como resultado automático de períodos de permanência
no exterior apresenta-se elusiva.
A cidadania do MERCOSUL
Acreditamos que no âmbito das políticas linguístico-educativas é possível coincidir
com Perrota (2012, p. 16) em que “la política regional en educación superior se
construye y se afirma a partir de las políticas nacionales en este campo (en especial a
partir de la cooperación y coordinación entre las de los Estados Parte) y, al mismo
tiempo, el nivel regional refuerza y legitima el nivel nacional”. Prova disto é que os
governos argentino e brasileiro, através das Leis 11.161/2005 (Brasil) e 26.468/2009
(Argentina), vêm implementando o ensino de espanhol e de português em diferentes
níveis do sistema educativo. Estas iniciativas são necessárias –mas não suficientes–
para a integração com respeito à diversidade cultural dos povos da região. Neste
sentido, Arnoux (2010, p. 19) adverte que as políticas delineadas neste plano “deben
articularse con políticas culturales que atiendan al papel de las lenguas en la
construcción de las identidades colectivas”. Até o momento, os projetos mais
26
importantes na área cultural vêm sendo desenvolvidos por atores nãogovernamentais com um impacto significativo no estreitamento das relações com os
países vizinhos. Exemplos disso são a Associação de Universidade do Grupo
Montevidéu, a Rede de Mercocidades, a Bienal do MERCOSUL, dentre outros
eventos de menor magnitude.
Mas como destaca Maria Susana Arrosa Soares a atual situação dos cidadãos do
MERCOSUR se define em termos do que ainda é necessário fazer, já que:
O patrimônio cultural dos países, pouco conhecido pelos demais, não
tem sido utilizado para construir pontes entre seus povos, relações de
confiança e estimular o diálogo. Os cidadãos (...) desconhecem, quase
totalmente, os patrimônios histórico, material e intangível de seus
vizinhos. A reduzida informação que possuem tem como fontes
principais o turismo, as raras matérias publicadas na grande imprensa
ou transmitidas pela TV ou o futebol, paixão nacional nos quatro
países. (SOARES, 2008, p. 54)
É iniludível referir que os conhecimentos sobre o outro e sua cultura, história, etc.
fazem parte dos imaginários sociais e estão diretamente ligados às representações
sociais (RS), entendidas como uma “forma de conhecimento socialmente elaborada e
partilhada que tem uma meta prática e que coopera na construção de uma realidade
comum a um conjunto social” (JODELET, 1989, 36). Segundo Ferreira (2012, p. 554),
...as representações sociais permitem ao indivíduo ou ao grupo dar
um sentido a suas condutas e compreender a realidade através do seu
próprio sistema de referência, logo, adaptar-se e definir seu lugar
nessa realidade. Assim, elas têm suas origens nas práticas sociais e
diversidades grupais e sua função é dar sentido à realidade social,
organizar as comunicações e orientar as condutas, além de produzir
identidades. (FERREIRA, 2012, p. 554)
Para Moscovici (1976), citado por Mazzotti e Campos (2011, 465), as RS são
expressivas: pois elas demarcam a identidade dos grupos, orientam a formação de
estereótipos referentes a outros grupos e indicam a posição social de cada um deles
por meio dos significados que carregam. Além disso, elas são prescritivas, permitem a
leitura das situações, indicando aspectos relevantes e orientando o julgamento e a
27
decisão sobre as ações desejáveis, ou seja, elas prescrevem as condutas adequadas,
aceitas ou intoleráveis. .
Entendemos que conhecer as RS dos sujeitos participantes do intercâmbio
(estudantes ou docentes) e dos estudantes dos cursos de formação de professores em
língua espanhola e portuguesa é de fundamental importância se quisermos dar
sentidos próprios ao processo de integração regional desde o âmbito educativo. Os
processos de integração regional, como o MERCOSUL, são uma resposta estratégica
dos Estados frente às demandas impostas pela globalização, principalmente em
termos comerciais, mas seus alcances implicam a construção da integração no plano
político, social e cultural. Para alcançar a consolidação da sua estrutura e assegurar a
participação cidadã em todas suas manifestações, o MERCOSUL deve propiciar a
construção de uma identidade coletiva para os membros do bloco que, como pensa
Arnoux (2010, p. 19), permita “que os futuros cidadãos se compreendam uns aos
outros, que possam exprimir-se na língua dos outros e sejam capazes de elaborar
estratégias de aprendizagem de outras línguas”.
Andamento da pesquisa e ações realizadas
Na pesquisa em andamento foram definidos e aplicados questionários de perguntas
abertas e fechadas orientados a identificar o conteúdo das representações dos
estudantes no início do projeto (2012).
A amostra inicial está composta de 56 estudantes de PLE da UNC, dos quais 13 são
homens, 38, mulheres e 5 não se identificaram. Do total de estudantes, 50 tem o
espanhol como língua materna, 2 o português e 5 não responderam; 25 trabalham e
estudam, 25 só estudam e 6 não responderam a questão. 7 têm menos de 20 anos, 29
têm entre 20 e 30 anos, 14 entre 30 e 40 anos, 3 entre 40 e 50 anos e 3 não
responderam a questão. 20 ingressaram no curso em 2012. Os 36 restantes
ingressaram a partir de 2006.
Os resultados parciais analisados até o momento com o grupo local revelam
conteúdos representacionais acerca do MERCOSUL como um espaço de integração e
união com cerca de 70% de ocorrências, com um forte impacto da ideia de
homogeneidade, sem grande destaque para as possíveis dificuldades que supõe
28
encarar esse processo de integração, já que os conteúdos relacionados com a
diversidade e o desequilíbrio alcançaram aproximadamente 6% das ocorrências.
Os conteúdos relacionados à Economia e o Comércio colocaram-se em segunda
posição com 60% das ocorrências enquanto a referência a Cultura e Educação
registraram aproximadamente a metade daquela percentagem, isto é, quase 30%.
Um grupo de conteúdos ligados à ideia de troca e colaboração alcançaram
aproximadamente 34% enquanto a ideia de progresso e desenvolvimento registraram
24% das ocorrências. Todos estes resultados coincidem com as respostas à questão
Percebo que a Argentina faz parte do MERCOSUL que obteve quase 40% das ocorrências
para o âmbito Público, desagregado em interação social cotidiana que inclui o comércio, os
serviços, atividades culturais, mídia massiva, etc.
Todos estes conteúdos representacionais podem encontrar correlação com as
informações veiculadas pela grande mídia, que responde às principais preocupações
governamentais no Brasil e na Argentina, no seu caráter de principais sócios
comerciais do bloco. Uma grande preocupação no nosso contexto de formação são os
resultados obtidos em termos de representação do MERCOSUL que não refletem
uma percepção do grupo de futuros professores diferente da de outros grupos não
relacionados diretamente com as políticas linguístico-educativas. Em razão disto e
segundo as características de cada curso e instituição, desenvolveram-se atividades
formativas que têm como foco o MERCOSUR, sua composição, objetivos e ações e
sua relevância para os futuros professores de língua espanhola e portuguesa.
Na análise dos conteúdos das representações sobre o Brasil e os brasileiros obtidos
em coleta de dados com o grupo local, mais de 87% das respostas estiveram
orientadas a conteúdos ligados à alegria, ao entusiasmo e à diversão. As ocorrências
relacionadas com aspectos negativos não foram significativas, somando apenas 9
termos. Novamente neste quesito os estudantes argentinos revelam representações
ligadas ao estereótipo tradicional do brasileiro, que também foi registrado entre os
estudantes goianos. No caso dos estudantes brasileiros, as respostas marcam uma
forte tendência à identificação do Brasil e dos brasileiros com características positivas
e escassa margem para características que podem ser consideradas neutras ou
negativas. Neste sentido, refletimos acerca do forte impacto nos nossos estudantes
29
das ideias cristalizadas acerca da alegria e o entusiasmo brasileiros, apesar dos
esforços feitos na sala de aula para desconstruir visões estereotipadas.
Os intercambistas vêm realizando registros de experiência em forma de narrativas do
intercâmbio, que também fazem parte do nosso corpus de análise e permitirão
refletir sobre a permanência ou a mudança das representações ao longo do período
de intercâmbio.
É importante destacar que existe uma relação intrínseca entre
o caráter social da representação e a inserção social dos indivíduos. O
lugar, a posição social que eles ocupam ou as funções que assumem
determinam os conteúdos representacionais e sua organização, por
meio da relação ideológica que mantêm com o mundo social”
(JODELET, 1989, p. 32)
Neste sentido, consideramos importante avançar no desenvolvimento de ações no
âmbito cultural, sobretudo desde os espaços de formação docente, já que os futuros
professores, com a compreensão do contexto sócio-histórico e cultural dos países
membros do bloco regional e da América do Sul, terão possibilidades de contribuir à
desconstrução dos estereótipos, à construção de relações solidárias e à superação das
tensões inerentes a todo convívio. Este objetivo nos permite pensar a integração
regional e a globalização de forma alternativa ao modelo imposto pela hegemonia
dos mercados, do consumo e da grande mídia.
Referências bibliográficas
ARNOUX, Elvira Narvaja de. Representaciones sociolingüísticas y construcción de
identidades colectivas en el MERCOSUR. In: Celada, M.T et al. (Org.) Lenguas
en un espacio de integración. Buenos Aires: Editorial Biblos. 2010. p. 17-38.
FERREIRA, Fabiana Cunha. As representações sociais no ensino de idiomas elaboradas
pelos professores de inglês e espanhol da Força Aérea Brasileira e sua influência no
processo
de
ensino
e
aprendizagem.
Disponível
em:
<http://www.unifa.aer.mil.br/seminario3_pgrad/trabalhos_2009/Fabiana
%20da%20Cunha%20Ferreira.pdf> Acesso em: 10 jun 2012.
JODELET, D. As Representações Sociais. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1989.
30
MAZZOTTI, A. J. A.; Campos, P. H. F. Cibercultura: uma nova “era das
representações sociais”? In: Almeida, A. M.; Santos, M. F. S.; Trindade, Z. A.
(Org.). Teoria das representações sociais. 50 anos. Brasília: Technopolitik Ed.,
2011.
NOOY. J.; Hanna, B.E. Cultural Information Gathering by Australian Students in France.
In: Language and Intercultural Communication Vol. 3, No. 1, p64-80, 2003.
PERROTA, Daniela. ¿Realidades presentes-conceptos ausentes? La relación entre los niveles
nacional y regional en la construcción de políticas de educación superior en el
MERCOSUR. In: Sector Educativo del MERCOSUR. Revista del Núcleo de
Estudios e Investigaciones en Educación Superior del MERCOSUR. 2012.
Disponível em: <http://nemercosur.siu.edu.ar/publicacion.html> Acesso
em 10 Jun. 2012
SOARES, M. S. A. A diplomacia cultural no MERCOSUL. Revista brasileira de política
internacional.
Brasília,
v.
51,
n.
1.
2008.
Disponível
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003473292008000100003&lng=en&nrm=iso.> Acesso em: 10 Jun. 2012
31
em:
DIFICULTADES ESPECÍFICAS
DE ESTUDIANTES DE ELE EN NIVELES AVANZADOS
Daniele CORBETTA PILETTI11
Luciene BASSOLS BRISOLARA12
Resumen
Uno de los problemas que plantea la enseñanza del español a brasileños es la
semejanza existente en algunos aspectos lingüísticos entre esas lenguas. A pesar de
que el brasileño pueda comunicarse en español en el primer contacto con este idioma,
surgen muchas formas que no integran la lengua objeto, las cuales suelen constituir
transferencias de su lengua materna. En este trabajo se analiza la evolución de la
producción oral de alumnos de ELE de nivel avanzado del Curso de Licenciatura em
Letras, português - espanhol de la Universidade Federal do Rio Grande. Tomamos como
base de análisis de las producciones los estudios de los siguientes autores Baralo
Ottonello (1999), Corder (1992), Muñoz Liceras (1992), Sánchez Lobato y Santos
Gargallo (2004) para clasificar las dificultades de los alumnos dentro de este soporte
teórico y proponer estrategias que faciliten el aprendizaje. El objetivo es verificar las
principales dificultades encontradas en el habla de los estudiantes de Letras, con el
fin de buscar estrategias que los ayuden a progresar en la adquisición del idioma,
desarrollando de manera adecuada su competencia lingüística en esta lengua. Para la
realización de este estudio se seleccionaron muestras de habla de alumnos del cuarto
año. La conversación que duraba aproximadamente 15 minutos fue desarrollada de
una manera libre y natural. A través de este análisis, pretendemos encontrar
soluciones que faciliten la adquisición del español como LE, disminuyendo el grado
de interferencia de la lengua materna en la lengua extranjera.
PALABRAS CLAVE: contacto portugués-español; adquisición del español como LE;
interlengua; fosilización.
Resumo
Um dos maiores problemas que apresenta o ensino de espanhol a brasileiros é a
semelhança existente em alguns aspectos linguísticos entre essas línguas, fazendo
surgir dificuldades na aprendizagem. Apesar de o brasileiro poder comunicar-se em
espanhol no primeiro contato com este idioma, surgem muitas formas que não
integram a língua objeto, que costumam constituir transferências de sua língua
materna. Neste trabalho, portanto, analisamos a evolução da produção oral de alunos
11
12
Universidade Federal do Rio Grande.
Universidad Federal do Rio Grande.
32
de ELE de nível avançado do curso de Licenciatura em Letras, Português - Espanhol
da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Os estudos de Baralo Ottonello
(1999), Corder (1992), Muñoz Liceras (1992), Sánchez Lobato e Santos Gargallo (2004)
serviram de base de análise das produções para classificar as dificuldades dos alunos
e propor estratégias que facilitem a aprendizagem. O objetivo é verificar as principais
dificuldades encontradas na fala dos estudantes de Letras, com a finalidade de
buscar estratégias que os ajudem a progredir na aquisição do idioma, desenvolvendo
de maneira adequada a sua competência linguística nesta língua. Para a realização
deste estudo, foram selecionadas amostras de fala de alunos do quarto ano, com uma
conversação de aproximadamente 15 minutos, desenvolvida de forma livre e natural.
Através desta análise, pretendemos encontrar soluções que facilitem a aquisição do
espanhol como LE, diminuindo o grau de interferência da língua materna na língua
estrangeira.
INTRODUCCIÓN
Se sabe que en el proceso de enseñanza/aprendizaje de español como lengua
extranjera (ELE) en Brasil hay una gran preocupación del profesorado con la
influencia de la lengua materna (de aquí en adelante LM) en la lengua extranjera (de
aquí en adelante LE), dado que son lenguas hermanas. Lo que significa que
comparten el 85% de su léxico (Almeida Filho, 1995) y muchos rasgos morfológicos,
sintácticos y semánticos. De ahí que en niveles iniciales de aprendizaje haya un gran
avance en el aprendizaje de la lengua objeto (LO). Lo que, a su vez, dificulta el
perfeccionamiento en niveles avanzados de la LE.
Con base en nuestra práctica profesional y ante la necesidad de saber más sobre el
proceso de aprendizaje de una Lengua Extranjera, para poder formar alumnos más
proficientes, y, en consecuencia, mejores profesionales, realizamos esta investigación.
En ella proponemos describir las principales dificultades encontradas en la oralidad
de estudiantes del Curso de Letras Português/Espanhol de la Universidade Federal do Rio
Grande en niveles avanzados de la lengua, con el fin de buscar soluciones que
faciliten la adquisición del español como LE y disminuyan la fosilización.
Para poder mejorar el proceso de enseñanza/aprendizaje de ELE, debemos
investigar las estrategias de aprendizaje y de comunicación que usan los aprendices.
Para eso nos apoyamos en los estudios de Selinker (1992) que al analizar ciertos tipos
de errores, afirma que este es el subproducto del intento del aprendiz de una LE de
33
comunicarse de forma espontánea, sin un conocimiento adecuado, en la LO. A ese
discurso espontáneo Selinker denominó interlengua (IL).
También tomamos como base teórica los estudios de Corder (1967), uno de los
primeros lingüistas a destacar la importancia del error para alumnos, profesores e
investigadores, dada la rica información que proporcionan para el proceso de
aprendizaje de lenguas extranjeras (LEs). Fue este investigador que mostró la
necesidad de identificar y analizar los errores en dicho proceso. Desde entonces
estudiar los errores es el centro del trabajo de muchos investigadores.
Según Gargallo (1993) la mayoría de los científicos que estudian lenguas afirman que
cuanto más lejanas sean la LM y la LO, más difícil será el proceso de aprendizaje.
Nosotras no compartimos esa idea, dado que en nuestra práctica, en el caso de
lenguas hermanas, como las que están en cuestión, vemos que los alumnos de niveles
más avanzados no logran alcanzar la LO y, al permanecer en la IL, fosilizan los
errores.
Nuestro objetivo específico, en este trabajo, es analizar algunas particularidades de la
IL en la producción oral de estudiantes brasileños de ELE, apoyándonos, para eso, en
el Análisis de Errores (AE). A partir de él vamos a hacer un recorte dentro de los
errores detectados, dedicándonos a los casos en los que haya errores verbales.
También intentaremos identificar cuál es la principal fuente de los errores de la
interlengua, verificando la interferencia de la LM.
RUMBO A UN MODELO DE ANÁLISIS DE LA INTERLENGUA
El proceso de aprendizaje de una LE, en sus diferentes etapas, está plagado de
obstáculos para el estudiante. La función del profesor es ayudarle a superarlos y a
evitar, especialmente, que cometan los mismos errores por interferencia de la lengua
materna.
Sabemos, hoy en día, que el estudiante no usa sólo las transferencias de la LM a la LE
como estrategia de aprendizaje. También hay otras estrategias que son responsables
por los errores de los alumnos en la IL. Para Baralo (1999), el alumno tiende a realizar
generalizaciones y simplificaciones de la LO.
34
Los estudios científicos sobre el proceso de aprendizaje de una LE, desde los años de
1940, empezaron a cristalizarse en varios modelos que se agruparon bajo la
Lingüística Contrastiva (LC) que, presuponiendo que el aprendizaje de una LE
implica en una situación de contacto entre la LM y la LE, se interesa por los efectos
que producen las diferencias que existen entre las estructuras de ambas lengua en el
aprendizaje de la LO.
La LC desarrolla investigaciones importantes sobre el proceso de aprendizaje de una
LE. Estas investigaciones se hacen a partir de tres modelos de análisis: análisis
contrastivo13 (AC), análisis de errores14 (AE) y teoría de la interlengua15 (IL). Modelos
estos que se basan en diferentes principios metodológicos, usan distintos corpus de
datos y tienen resultados y consecuencias didácticas diferentes. Pasar de uno a otro
no significa abandonar un presupuesto teórico, sino una evolución y superación de
ellos en un esfuerzo científico común.
El análisis de errores los considera sistemáticos, pues sólo ellos son capaces de
suministrar datos fiables sobre el proceso de aprendizaje o adquisición de una LE.
Estos errores se ven como elementos valiosos por las informaciones que
proporcionan sobre el proceso de aprendizaje, pues remiten a lo que Corder
denomina competencia transitoria.
Los errores de los alumnos, por tanto, nos proporcionan evidencias
del sistema de la lengua que están utilizando (es decir, que han
aprendido) en un momento específico del curso (y debemos insistir
en que están utilizando algún sistema, aunque no sea aún el correcto)
y son importantes a tres niveles diferentes. En primer lugar, para el
profesor, puesto que le dicen, si emprende un análisis sistemático,
cuánto ha progresado el alumno hacia su meta y, consecuentemente,
qué es lo que queda por aprender. Segundo, proporcionan al
investigador evidencia de cómo se adquiere o se aprende una
segunda lengua, qué estrategias o procedimientos está empleando el
alumno en su descubrimiento de dicha lengua. Tercero (y en un
sentido es el aspecto más importante) son indispensables para el
Sus principales representantes (entre otros) fueron C. Fries (1945), Weinreich (1953) y R.
Lado (1957).
14 S. Pit Corder (1967) fue uno de los primeros lingüistas de esa nueva línea de investigación
a observar el error desde una perspectiva más tolerante.
15 Selinker (1992) creó este término para denominar lo que antes Corder (1992) había llamado
competencia transitoria y dialecto idiosincrático.
13
35
propio alumno, puesto que podemos considerar que cometer errores
es un mecanismo que este utiliza para aprender. Cometer errores es,
pues, una estrategia que se emplea tanto por los niños que adquieren
su lengua materna como por individuos que aprenden una lengua
segunda (CORDER, 1992, 37-38).
El AE no parte de la comparación de las dos lenguas en cuestión y sí de las
producciones reales de los aprendices. Según Fernández (1997), a partir de esas
producciones se deben seguir los siguientes pasos: identificar los errores en su
contexto, clasificarlos y describirlos y explicarlos buscando las fuentes de cada error:
en este punto entra la posible interferencia de la lengua materna como una estrategia.
Y, finalmente, se evalúa la gravedad del error y se busca la posible solución.
El cambio más significativo que trajo el AE fue una nueva concepción del error que,
desde ese momento, pasó a ser visto como un paso obligatorio para llegar a la LO y
como un índice del proceso que hace el aprendiz en ese camino. Las técnicas de
superación del error que se basan en el Análisis de Errores tienen en cuenta la
concienciación del aprendiz de sus propias estrategias y la interacción discursiva que
solicita la reestructuración del enunciado distorsionado (FERNÁNDEZ, 1999).
Uno de los objetivos fundamentales del AE es establecer un inventario de los errores
más frecuentes valorando su importancia y su gravedad con el objetivo de apuntar
las dificultades específicas en el aprendizaje de una lengua extranjera para un grupo
de estudiantes de la misma lengua materna. Analizar y clasificar errores es una
manera de evaluar el proceso de aprendizaje y los métodos de enseñanza.
A partir del análisis de las producciones de los que estudiaban una LE se descubrió
que esas producciones tenían características peculiares, idiosincráticas, que no se
encontraban ni en la LM del aprendiz, ni en la LE estudiada. Según el AE, los errores
de los alumnos nos indican los niveles por los que los aprendices pasan en el proceso
de aprendizaje de la LO, es decir, su competencia transitoria. Después de esa nueva
concepción de error, se pasa al concepto de interlengua para referirse al sistema
lingüístico intermediario que usa el alumno para alcanzar sus objetivos
comunicativos.
Tanto para Corder como para Selinker la lengua del estudiante es un sistema
lingüístico autónomo que tiene su propia gramática y un sistema coherente dentro de
36
su propia idiosincrasia. Este es el marco teórico que justifica el carácter positivo y
necesario del error como señal de que está sucediendo el aprendizaje. Hoy en día, el
término general y unánime adoptado por los lingüistas para esa lengua propia del
aprendiz es la IL.
Por todo lo expuesto anteriormente, en este trabajo tomaremos como modelo de
análisis de los errores los estudios de la interlengua. Según Ottonello (apud Sánchez
Lobato, 2004) los procesos de construcción de la IL reconocidos por los especialistas
se pueden resumir, fundamentalmente, en la transferencia, en las estrategias de
aprendizaje, en la fosilización, en la permeabilidad y en la variabilidad. Aquí
trataremos de analizar la transferencia, la simplificación y la hipergeneralización
(estrategias de aprendizaje) y la fosilización.
Con relación a la transferencia o interferencia de las normas de la LM en el sistema
de la IL, sabemos que las hipótesis que hace el estudiante pueden pasar por un
análisis contrastivo entre la LM y la LO para establecer los rasgos comunes, y por lo
tanto fáciles de adquirir, produciéndose una transferencia positiva. Son los rasgos
semejantes los que pueden suponer una interferencia. Por ejemplo, ‘No me gusta Ø
música’.
En la simplificación todos tienden, al menos en un primer momento, a reducir la
lengua a un sistema simple, como el género o el número dentro de un sintagma, o no
relevantes, como es el caso del artículo; un sistema regular y un léxico reducido, pero
muy funcional. Por ejemplo, en la primera etapa de aprendizaje de un alumno:
‘Madrid y Barcelona son dos ciudades *fantástica’.
La hipergeneralización es la extensión de reglas aprendidas o inferidas de las
muestras de lengua con las que se ha estado en contacto, a campos en los que no son
aceptables según la norma del español. Por ejemplo, ‘El joven está cursando el *según
año de letras’.
Ya la fosilización es la tendencia que manifiestan ciertos errores que pasan de un
estadio a otro de la interlengua o reaparecen cuando ya se creían erradicados. El
estudiante es capaz de autocorregirse y se explican generalmente por interferencias
de la LM, aunque también pueden reflejar un incorrecto uso de una regla de la LO.
Por ejemplo, ‘Él me *dije... dijo que no sabía nada’.
37
METODOLOGÍA
Para desarrollar este estudio se seleccionaron nueve grabaciones de estudiantes
brasileños del curso de Letras (Portugués/Español). Estas grabaciones son de
alumnos del cuarto año de la carrera (último), del diurno. La producción oral se
basaba en la interpretación de tres tiras de Mafalda, cada uno hablaba
aproximadamente 15 minutos. La actividad fue desarrollada de una manera libre y
natural en la que los alumnos podían usar todo el conocimiento que tenían de la
lengua española para comentar cada tira. Para este trabajo tomamos las nueve
interpretaciones de una única tira.
A través de las informaciones recogidas hicimos un análisis de los errores y
decidimos hacer un recorte de los verbos, ya que demostraban ser la dificultad
específica más recurrente. Clasificamos los tipos de errores verbales para verificar
dónde se encuentran las mayores dificultades de los alumnos con relación a las
estrategias de aprendizaje que usan para los verbos. De esa forma, esperamos
contribuir de forma significativa con la enseñanza de ELE y así alcancemos el gran
objetivo de capacitar a profesores que puedan ejercer su profesión con más seguridad
y dominio a la hora de enseñar.
ANÁLISIS DE LOS RESULTADOS
A continuación presentamos los resultados generales de los análisis de las
producciones orales de los informantes, referentes a los verbos en español.
Tabla 1 - Resultado estadístico de la producción de interlengua en verbos del español
Informantes
A
B
C
D
E
F
G
H
Total de errores y Porcentaje de errores
producciones
3/48
6,25%
1/23
4,34%
4/20
5,2%
0/23
0%
1/26
6,25%
1/24
4,16%
2/33
6,06%
1/25
4%
38
I
Promedio
Final
8/66
2,3/32
12,12%
7,18%
Como se puede ver en la tabla (1) el informante D no cometió ningún error en los
verbos del español a lo largo de su producción oral.
Tabla 2 - Informante A
Proceso
1)
Interferencia
LM
2)
Interferencia
LM
3)
Hipergeneralización de la regla
Portugués
Ela
fala
o
seguinte.
Então ela disse
que a sopa é...
Está fazendo uma
crítica.
Interlengua
Ella
habla
lo
siguiente.
Entonces ella dije
que la sopa es…
Está a hacer una
crítica.
Español
Ella
dice
lo
siguiente.
Entonces ella dijo
que la sopa es…
Hace una crítica.
El informante A tiene interferencias de su LM al hablar en la LO. En el primer error
hace una traducción literal de ‘falar’ para ‘hablar’, siendo que en español,
dependiendo del contexto, puede traducirse a ‘hablar’ o a ‘decir’, que sería lo
correcto en este caso. En el segundo error, aunque demuestre saber que decir es un
verbo irregular en pretérito, hace una transferencia de la desinencia como sería en su
lengua materna. Ya en el tercer error, hace una hipergeneralización de una regla de la
LO, que es ir + a + infinitivo, voy a hacer, por lo tanto produce *está a hacer,
construcción esta que podrá fosilizarse si no se le explica a tiempo que la
construcción no pertenece a ninguna de las dos lenguas. Este informante produjo 3
errores de un total de 48 producciones, lo que da un porcentaje total de errores del
6,25%.
Tabla 3 - Informante B
Proceso
Portugués
1)
Interferencia Está muito triste
LM
por ter que comer
todos os legumes.
Interlengua
Está muy triste
por ter que comer
todas
las
legumbres.
Español
Está muy triste
porque tiene que
comer todas las
legumbres.
En el único error cometido por este informante, en lo que se refiere a verbos, lo que
sucedió fue una interferencia de su LM por una transferencia directa del vocablo de
39
la LM a la LO. Considerando que es un alumno de nivel avanzado, nos damos cuenta
de que no comete errores a nivel lexical por ejemplo, propios de niveles iniciales, sino
que no tiene bien fija la estructura de los verbos que cambian de tiempo verbal de
una lengua a la otra, es decir, cometió un error propio de niveles avanzados. En este
caso, no se dio cuenta de que el infinitivo no flexionado en el contexto oracional
usado aquí no existe en español y que correspondería a la perífrasis verbal de ‘tener’
(en presente de indicativo) + que + verbo en infinitivo. Este informante cometió 1
error de un total de 23 producciones, lo que da un porcentaje total de errores verbales
del 4,34%.
Tabla 4 - Informante C
Proceso
Portugués
1)
Interferencia Então na primeira
LM
imagem temos a
personagem
Mafalda.
2)
Interferencia ... e se faz um
LM
questionamento
sobre as coisas...
3)
Interferencia ... mesmo sendo
LM
pequena
pode
começar a pensar
porque está muito
junto
com
a
sociedade.
4)
Interferencia Bom,
ela
se
LM
pergunta por que
tem que comer
sopa.
Interlengua
Entonces en la
primera imagen
temos
el
personaje
Mafalda.
…y se haz un
questionamento
sobre las cosas…
…mismo siendo
pequeña
pode
empezar a pensar
porque está muy
junto
con
la
sociedad.
Bueno, ella se
pregunta porque
que tiene que ir
comer sopa.
Español
Entonces en la
primera imagen
tenemos
el
personaje
Mafalda.
…y se hace un
cuestionamiento
sobre las cosas…
…aún
siendo
pequeña puede
empezar a pensar
porque está junto
con la sociedad.
Bueno, ella se
pregunta por qué
tiene que comer
sopa.
En el primero y en el tercer error el informante C hace transferencias directas del
portugués, es decir, el alumno usa la forma exacta de su LM ‘*pode’ cuando debería
usar ‘puede’. En el segundo error forma el verbos a partir de la desinencia del
portugués, es decir, de ‘faz’ para ‘*haz’, construcción existen en español para el
imperativo del verbo ‘hacer’ de segunda persona ‘haz tú’, pero aquí usado fuera de
contexto. En el cuarto caso el alumno usa la estructura del portugués coloquial y la
transfiere al español cometiendo el error al añadir el verbo ‘ir’.
40
Tabla 5 - Informante E
Proceso
Portugués
1)
Interferencia ...
são
duas
LM
ameaças, poderia
dizer assim,...
Interlengua
...
son
dos
amenazas,
podería
decir
así,...
Español
…son
dos
amenazas, podría
decir así,
Este informante produjo un único error en su producción oral, la interferencia
producida se refiere a una irregularidad verbal de la LO del verbo ‘poder’ que
todavía no ha sido asimilada por el alumno ‘podría’. De esa manera, recurre a la LM
‘poder’ que no tiene esa irregularidad ‘poderia’ y se equivoca produciendo ‘*podería’.
Tabla 6 - Informante F
Proceso
Portugués
1)
Interferencia ... é uma charge, o
LM
que a menina fala
é
Interlengua
… hay una tira, lo
que habla la niña
es…
Español
… hay una tira, lo
que dice la niña
es…
Este informante cometió el mismo error del informante A en el primer error
comentado. Una interferencia de su LM por una transferencia directa del vocablo de
esta a la LO. Hace una traducción literal de ‘falar’ para ‘hablar’, siendo que en
español, dependiendo del contexto, puede traducirse a ‘hablar’ o a ‘decir’, que sería
lo correcto en este caso. Este informante cometió 1 error de un total de 24
producciones, lo que da un porcentaje total de errores verbales del 4,16%.
Tabla 7 - Informante G
Proceso
Portugués
1)
Interferencia Pois acho que ela
LM
quer dizer que a
democracia
acontece em parte
2) Fosilización.
... não acontece
como
deveria...
como se fosse
assim, que a sopa
é boa para as
Interlengua
Pues creo que ella
quier decir que la
democracia
ocurre en parte.
…no ocurre como
debería… como
se fora… como si
fuera así, que la
sopa es buena
41
Español
Pues creo que ella
quiere decir que
la
democracia
ocurre en parte.
…no ocurre como
debería… como si
fuera así, que la
sopa es buena
para los niños.
crianças.
para los niños.
En el primer error, el informante G hace transferencia directa del portugués, forma el
verbos a partir de la desinencia del portugués, es decir, de ‘quer’ para ‘*quier’,
construcción inexistente en español cuya forma correcta sería ‘quiere’. El segundo
error es un caso típico de fosilización, el alumno se equivoca ‘*fora’, se da cuenta y se
corrige usando ‘fuera’. Este alumno cometió 2 errores de un total de 33 producciones,
lo que da un porcentaje total de errores verbales del 6,06%.
Tabla 8 - Informante H
Proceso
Portugués
1)
Interferencia Imagina
as
LM
crianças olhando
a sopa assim...
com cara de asco.
Interlengua
Imagina los niños
mirar la sopa así...
con cara de asco.
Español
Imagínate
los
niños mirando la
sopa así… con
cara de asco.
Aquí el informante hace bien la traducción del verbo ‘olhar’ por ‘mirar’, sin embargo
al producir el verbo usa erróneamente el infinitivo cuando en español también se
usaría el gerundio ‘mirando’. Probablemente esto haya ocurrido porque el alumno
transfirió el uso del portugués coloquial al español. Este alumno cometió 1 error de
un total de 25 producciones, lo que da un porcentaje total de errores verbales del 4%.
Tabla 9 - Informante I
Proceso
Portugués
1)
Interferencia ...uma charge de
LM
uma
menina
falando isso...
2)
Interferencia E ele se pergunta
LM
e ela diz que isso
é natural.
3)
Interferencia ...querendo dizer
LM
que deveria ser
algo real.
4)
Interferencia Deveríamos ter o
LM
direito de decidir
se queremos ou
não votar.
Interlengua
…una tirita de
una
niña
hablando eso…
Y él se pergunta y
ella dije, dice que
eso es natural.
…querendo decir
que debería ser
algo real.
Deberíamos ter el
derecho
de
decidir
si
queremos o no
votar.
5)
Interferencia Tem
muitas Tiene
muchas
LM
coisas
que cosas que ocurre
ocorrem que...
que…
42
Español
…una tirita de
una niña que dice
eso…
Y él se pregunta y
ella dice que eso
es natural.
…queriendo
decir que debería
ser algo real.
Deberíamos tener
el derecho de
decidir
si
queremos o no
votar.
Suceden muchas
cosas.
6)
Hipergeneralización de la regla
... como posso
falar, que não
estão de acordo
com os termos.
7)
Na prática isso
Hipergeneraliza- não
acontece,
ción de la regla
muitas vezes não
acontece.
8)
Interferencia O comunismo...
LM
não é defendido,
não é aplicado.
…como
puedo
decir, que no son
de acuerdo con
los termos.
En práctica eso no
se pasa, muchas
veces no se pasa.
…como
puedo
decir, que no
están de acuerdo
con los términos.
En la práctica eso
no pasa, muchas
veces no pasa.
El comunismo… No se defiende,
no es defendido, no se aplica el
no es aplicado.
comunismo.
En el primer error de este informante tenemos la elección equivocada del verbo
‘hablar’ en vez de haber elegido el verbo ‘decir’, que sería el correcto en este contexto
oracional. Y también el hecho de haberlo puesto en gerundio, una interferencia del
portugués coloquial en el que se usa el gerundio todo el tiempo, a veces, incluso de
forma equivocada. Ya en español lo usamos mucho menos, sólo para expresar
procesos, por ejemplo, en las perífrasis verbales ‘estoy terminando el texto.’, en
acciones simultáneas ‘Yo estudio escuchando la radio.’ y para acciones
inmediatamente anteriores a la acción principal ‘Poniéndose de pie empezó a
caminar.’. El segundo error se refiere a una transferencia directa de la LM
‘*perguntar’, cuando en español sería ‘preguntar’, también en esta frase cabe destacar
la fosilización del verbo ‘decir’ inmediatamente corregida.
El tercero y el cuarto error tienen son del mismo tipo, una transferencia directa de su
LM ‘*querendo’ por ‘queriendo’ y ‘*ter’ por ‘tener’. El quinto error es resultante de
una transferencia de estructura sintáctica del portugués que en español no existe. Al
traducirla literalmente comete el error en el verbo, aunque traduzca correctamente
los verbos usados. En el sexto error probablemente es una hipergeneralización de la
regla de uso de ‘ser’ y ‘estar’ por no saberlas de forma consolidada, dado que en
español tienen algunas diferencias de usos, pero en algunos casos, como en este, sería
‘estar como en su LM.
El séptimo error, como el anterior, también es una hipergeneralización de regla, los
alumnos aprende que hay verbos pronominales y al no haber sistematizados
exactamente cuáles son, generalizan la regla. El octavo error, como el quinto, es una
transferencia de la LM a la LO, en español, aunque haya voz pasiva, no se usa tanto
43
como en portugués, lo que genera una construcción mal hecha en la LO. Este
informante cometió 8 errores de un total de 66 producciones, lo que da un porcentaje
total de errores verbales del 12,12%.
CONCLUSIONES
En nuestra investigación el principal objetivo fue describir las principales
dificultades encontradas en la oralidad de estudiantes del Curso de Letras
Português/Espanhol de la Universidade Federal do Rio Grande en niveles avanzados de la
lengua, con el fin de buscar soluciones que faciliten la adquisición del español como
LE y disminuyan la fosilización.
Conforme verificamos en los análisis estadísticos del estudio, por más que el alumno
presente menos interferencia del portugués, esta no desaparece en los niveles
avanzados, sino que reduce significativamente, decimos esto con base en la tabla (1)
en la que verificamos que de un promedio de 32 producciones se realizan 2,3 errores,
lo que equivale a un porcentaje promedio de errores del 7,18%. De este porcentaje
pudimos verificar que de 288 producciones, 21 estaban equivocadas, y de estas 21,
una era fosilización, tres eran hipergeneralizaciones y 17 eran interferencias de la LM
en la LO.
Con base en el corpus de errores analizado constatamos que en niveles avanzados de
ELE los alumnos no hacen simplificaciones de la LO (0%), hacen pocas
hipergeneralizaciones de las reglas de la LO (14,28%), casi no fosilizan los errores
todavía (4,76%), pero comenten un número alto de interferencias de la LM (80,95%).
Por lo tanto, podemos concluir que a lo largo de la IL del alumnos, incluso en niveles
avanzados, estos tienen un gran número de interferencias, lo que equivale decir a
que no avanzan tanto en su IL como lo hacen en niveles iniciales.
Concluyendo, podemos decir que el profesor de ELE tiene un papel fundamental en
la disminución de las interferencias de la LM, pues debe promover el estudio
contrastivo de los verbos del portugués y del español, destacando y ejercitando cada
vez más las diferencias, que es donde suceden las interferencias, para que con base
en estudios contrastivos, los alumnos se den cuenta de que, a pesar de la facilidad
inicial de adquirir la LO, las semejanzas existentes entre ambas lenguas dificultan el
44
avance en la IL del alumno que no percibe las diferencias mínimas, complicando la
adquisición del español.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA FILHO, J. C. P. (Org.). Português para Estrangeiros - interface com o espanhol.
Campinas: Pontes Editores, 1995.
ALONSO, E., ¿Cómo ser profesor/a y querer seguir siéndolo? Madrid: Edelsa, 1994.
BARALO, M., Errores y fosilización. Colección Aula de Español. Fundación Antonio de
Nebrija, Madrid, 1994.
BARALO OTTONELLO, Marta. La interlengua del hablante no nativo. In: SÁNCHES
LOBATTO, JESÚS Y SANTOS GARGALLO, ISABEL (DIR.). VADEMÉCUM
PARA LA FORMACIÓN DE PROFESORES. ENSENÃR ESPAÑOL COMO
SEGUNDA LENGUA (L2)/ LENGUA EXTRANJERA (LE). Madrid: SGEL,
2004.
BLANCO PICADO, A.I., La Adquisición de una LE y sus implicaciones didácticas.
Itinerarios 2. Cátedra de Estudios Ibéricos, Universidad de Varsovia, 1999.
BOÉSSIO, C. P. D. Espanhol e português: proximidade, transferências, erros e correções na
flexão do infinitivo. Comunicação ao II FILE - Fórum Internacional de Língua
Estrangeira. Pelotas: UCPEL e UFPEL, 2001.
CORDER, S. P. La importancia de los errores del que aprende una lengua segunda. In:
MUÑOZ LICERAS, J. (comp). LA ADQUISICIÓN DE LAS LENGUAS
EXTRANJERAS:
INTERLENGUA.
HACIA
UN
MODELO
DE
ANÁLISIS
DE
LA
Madrid: Visor, 1992, p.31-40.
ELIZAINCÍN, A. Dialectos en contacto. Español y portugués en España y América.
Montevideo: Arca, 1992.
ESPIGA, J. W. Interferências do português no aprendizado de língua espanhola.
Comunicação ao II SENALE - Seminário Nacional de Linguagem e Ensino.
Pelotas:
UCPel, 1999.
FERNÁNDEZ, S. Interlengua y Análisis de Errores en el aprendizaje del español como
lengua extranjera. Madrid: Edelsa, 1997.
45
LICERAS, J.M., La adquisición de lenguas extranjeras: hacia un modelo de análisis de la
interlengua. Madrid: Visor, 1992.
LICERAS, J.M., "Sobre la noción de permeabilidad". Revista Española de Lingüística
Aplicada 2, 1986, p.49-61.
SANTOS GARGALLO, I. Análisis contrastivo, Análisis de errores e Interlengua en el
marco de la Lingüística Contrastiva. Madrid: Síntesis, 1993.
SCHÜTZ, Ricardo. Interlíngua e Fossilização in English Made in Brazil. Disponible en:
<http://www.sk.com.br/sk-interfoss.html> Consulta: 15 mayo 2006.
46
INTERCULTURALIDADE
INTERCULTURALIDADE
E INTERNACIONALIZAÇÃO NO CEFETCEFET-MG
Henrique RODRIGUES LEROY16
RESUMO
O presente trabalho visa a discorrer sobre os módulos interculturais dos cursos
intensivos de português como língua estrangeira, ministrados no Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) nos últimos meses. Ao
considerar a língua portuguesa como língua de mediação cultural (MENDES: 2011), a
competência intercultural como meio para internacionalização do CEFET-MG será
discutida. Assim, a internacionalização do CEFET-MG poderá ser diagnosticada não
somente pela quantidade de programas de mobilidade internacional discente/
docente, mas sim pelos aspectos que caracterizam o que é estar interculturalmente
competente (BYRAM: 1997): (1) conhecer a si mesmo e o outro; (2) aprender a
relacionar e a interpretar significados; (3) desenvolver senso crítico; (4) ter atitude em
descobrir informações culturais e (5) saber como relativizar a sua própria cultura,
valorizando e respeitando a cultura do outro.
Palavras-chave: Ensino de PLE; Língua-Cultura; Competência Intercultural (CI);
Internacionalização
RESUMEN
Esto trabajo intenta a discursionar sobre los módulos interculturales de los cursos
intensivos de lengua portuguesa para extranjeros, ocurridos em el Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) em los últimos meses. Al
considerar la lengua portuguesa como lengua de mediación cultural (MENDES:2011),
la competencia intercultural como medio para la internacionalización del CEFET-MG
será comentada. Además, la internacionalización del CEFET-MG podrá ser
diagnosticada no solo por la cuantidad de programas de mobilidad internacional
discente y docente, si no también por los aspectos que caracterizan lo que es estar
interculturalmente competente (BYRAM:1997): (1) conocer a si mismo a el outro; (2)
aprender a relacionar y a interpretar los significados; (3) desarrollar el senso crítico;
(4) tener la actitud de descubrir informaciones culturales y (5) saber como relativizar
su propia cultura, valorizando y respectando a la cultura del outro.
Palabras-llave: Esenanza de PLE; Lengua-Cultura; Competencia Intercultural (CI);
Internacionalización
16
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)
47
INTRODUÇÃO
O ensino da variante brasileira da língua portuguesa tem atraído cada vez mais um
número notável de aprendizes. Vários são os fatores motivadores que corroboram
essa atração: (1) o crescente desenvolvimento econômico, político, social e cultural do
Brasil, que pode chegar a ser a quinta economia do mundo daqui a uma década e
integrante do BRICS – grupo que abrange os países com grande potencial de
desenvolvimento como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; (2) a necessidade
de os estrangeiros, principalmente os dos países hipano-falantes vizinhos ao Brasil,
de melhorarem de vida, cursando uma graduação ou pós-graduação no Brasil; (3) o
intercâmbio empresarial e cultural crescente, fazendo com que o Brasil se torne cada
vez mais visitado por trabalhadores e turistas de todo o mundo; (4) o aumento
substantivo do número de candidatos que procuram o exame que confere o
Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), o
que projeta ainda mais o Brasil e suas idiossincrasias culturais em todo o planeta; e o
notável número de cursos livres ou de extensão universitária da língua portuguesa
para estrangeiros, conferindo assim um maior interesse na produção de material e
livros didáticos por parte dos elaboradores responsáveis. Tais cursos livres ou de
extensão universitária podem funcionar como verdadeiros laboratórios para
pesquisas acadêmicas na área de português língua estrangeira (PLE), transformando
os aprendizes em sujeitos informantes e os professores em pesquisadores atuantes.
Assim, surgem estudos e ou grupos de pesquisa em diversos ramos da área de
ensino e de aprendizagem de línguas estrangeiras, sendo um deles o campo de
estudo da interculturalidade, isto é, do contato entre as culturas proporcionado pelo
rico caldeirão intercultural que é uma sala de aula de PLA.
O presente trabalho visa a discorrer sobre os módulos interculturais dos cursos
intensivos de português como língua estrangeira, ministrados no Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) nos últimos meses. Ao
considerar a língua portuguesa como língua de mediação cultural (MENDES, 2011), a
competência intercultural como meio para internacionalização do CEFET-MG será
discutida. Assim, a internacionalização do CEFET-MG poderá ser diagnosticada não
somente pela quantidade de programas de mobilidade internacional discente/
48
docente, mas sim pelos aspectos que caracterizam o que é estar interculturalmente
competente (BYRAM, 1997): (1) conhecer a si mesmo e o outro; (2) aprender a
relacionar e a interpretar significados; (3) desenvolver senso crítico; (4) ter atitude em
descobrir informações culturais e (5) saber como relativizar a sua própria cultura,
valorizando e respeitando a cultura do outro. Assim, o ensino da variante brasileira
da língua-cultura portuguesa como língua adicional passa por três eixos basilares;
interculturalidade - abordagem intercultural (MORAN, 1990; KRAMSCH, 1993, 1998;
FONTES, 1997, 2002, 2003; FERREIRA, 1998, GIMENEZ, 2002; MENDES, 2003, 2004,
2008, 2010, 2011; OLIVEIRA & FURTOSO 2009; ZANATTA, 2009; BUSNARDO, 2010;
NIEDERAUER, 2010 e SANTOS, 2010; LEROY, 2011); competência intercultural
(BENNET, 1993; BYRAM, 1997; KRAMSCH, 1993, 1998; BELZ, 2002; DEARDORFF,
2004, 2006; MENDES, 2003, 2004, 2008, 2010, 2011; LEROY, 2008, 2009, 2010, 2011,
2012); e internacionalização (DEARDORFF, 2004, 2006).
A ABORDAGEM INTERCULTURAL, A COMPETÊNCIA INTERCULTURAL E A
INTERNACIONALIZAÇÃO
Em meio à urgência de se desenvolver uma abordagem comunicativa que englobasse
as conexões interculturais no ambiente da sala de aula de língua portuguesa, tanto
para falantes nativos como para falantes de outras línguas, Mendes (2008)
aprimorou17 o conceito de Abordagem Intercultural (AI). Para ela,
... é a força potencial que pretende orientar as ações de
professores, alunos e de outros envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem de uma língua, materna ou estrangeira, o
planejamento de cursos, a produção de materiais e a avaliação
da aprendizagem, com o objetivo de promover a construção
conjunta de significados para um diálogo entre culturas [...]
portanto [...] orienta um modo de ser e de agir, de ensinar e de
aprender, de produzir planejamentos e materiais culturalmente
Em tese de doutorado intitulada “Abordagem Comunicativa Intercultural: uma proposta
para ensinar e aprender língua no diálogo de culturas”, Mendes (2004) desenvolveu o
conceito de Abordagem Comunicativa Intercultural (ACIN). Em 2008, Mendes aprimorou
este conceito, modificando sua nomenclatura para Abordagem Intercultural (AI), em artigo
intitulado “Língua, Cultura e Formação de professores: por uma Abordagem de Ensino
Intercultural”.
17
49
sensíveis aos sujeitos participantes do processo de
aprendizagem, em busca da construção de um diálogo
intercultural (MENDES, 2008, p. 60-61).
Vale destacar o que Mendes (2008) entende como intercultural: as ações, atitudes ou
práticas que incitam os alunos a valorizarem o respeito ao outro, assim como as
diferenças e a diversidade cultural, construindo, desta forma novos significados por
meio da interação entre suas experiências advindas da cooperação e integração de
mundos culturais por vezes diferentes. A autora apresenta três princípios
norteadores da abordagem de ensino intercultural (MENDES, 2008): o primeiro
relaciona-se à alteridade, i.e., a maneira que vemos o outro e o mundo que nos cerca;
o segundo dialoga com a identidade, referindo-se a como agimos no mundo e como
dividimos a nossa experiência; e o terceiro é uma junção dos dois anteriores, pois
expõe como nós nos comunicamos com o outro.
É relevante considerar os conceitos de alteridade e identidade, tendo em vista os
objetos de análise desta pesquisa, que são os aspectos interculturais advindos das
percepções dos aprendizes e do professor sobre suas próprias culturas e sobre as
culturas dos outros. Tais percepções, que constituem os dados desta pesquisa, foram
coletadas a partir de perguntas sugeridas pelas autoras do livro didático Terra Brasil:
curso de língua e cultura (2008), como também por intermédio de perguntas
desenvolvidas pelo pesquisador.
Tosatti (2009) afirma que uma das funções do livro didático, uma vez que suas
atividades envolvem práticas interdiscursivas em que a identidade dos grupos
sociais aflora, é permitir a interação entre os aprendizes para que sejam expostos seus
estranhamentos (alteridade) e similitudes associadas ao mundo, que é reverberado
por meio da língua-cultura alvo. Tosatti (2009, p. 64) ressalta ainda que “a obra
didática deveria, portanto, apresentar um conteúdo interculturalista que considerasse
o lugar discursivo do brasileiro e motivasse a participação do estrangeiro.”
As abordagens comunicativas, em suas diferentes tendências, focalizam o uso
comunicativo da linguagem, uma vez que um ensino centrado na forma desloca a
língua que está sendo aprendida para um lugar fora da experiência do aprendiz,
50
promovendo um desacordo entre o que está sendo ensinado e o uso da língua. Esta
pesquisa apoia-se no conceito de abordagem de Almeida Filho (1997, p. 17):
Força que orienta, e portanto caracteriza em essência, todo um
processo específico de ensino de língua. Essa força advém de
competências implícita (básica), teórica, aplicada e (meta)
profissional do professor ou quaisquer outros agentes ativos de
ensino tais como autores de LDs, planejadores de cursos, produtores
de instrumento de avaliação, pais, tutores etc. [...] A abordagem
orienta o processo ou operação global de ensino que se compõe
ordenadamente no seu todo das fases de planejamento de cursos, de
produção ou adoção via análise dos materiais, das experiências
realizadas para aprender, e das avaliações de rendimento efetuadas
(ALMEIDA FILHO, 1997, p. 17).
Segundo Mendes (2003, p. 193), nesse conceito, a abordagem intercultural caracteriza-se
por uma mudança de enfoque em relação a diferentes aspectos que compõem o
processo de ensino-aprendizagem de uma Língua Estrangeira (LE): “1) a organização
das atividades; 2) a eleição de amostras da L-alvo e dos tópicos para praticar o uso da
língua; 3) o lugar pertencente aos aspectos formais da língua.” (MENDES, 2003, p.
193) Assim, as tarefas consideradas, unidas às maneiras de ensinar e aprender uma
língua estrangeira, devem se organizar, permitindo a interação/inter-relação dos
elementos
envolvidos
nesse
processo:
professor/aluno;
aluno/aluno;
professor/aluno/tarefas. Assim, as atividades de ensino devem possibilitar a
realização de práticas conjuntas, em que professor e alunos construam os insumos
promotores/provocadores da aprendizagem na língua-alvo. Essas tarefas devem ser
elencadas “dentro de ambientes propícios para a prática comunicativa da língua, os
quais são compostos por áreas de uso que focalizam a língua/cultura brasileira e as
relações interculturais.” (MENDES, 2003, p. 193-194) A partir da organização das
atividades por áreas de uso culturais, diferentes ambientes servirão de gatilhos para
a comunicação, mediante a realização de tarefas orientadas pelo professor para e com
os alunos, com o objetivo de construir, em conjunto, competência comunicativa na
51
língua-alvo. A competência envolvida na AI e que será adotada nesta pesquisa é a
competência comunicativa intercultural (CCI)18 (BYRAM, 1997).
A partir da organização das atividades por áreas de uso culturais, diferentes
ambientes servirão de gatilhos para a comunicação, mediante a realização de tarefas
orientadas pelo professor para e com os alunos, com o objetivo de construir, em
conjunto, competência comunicativa na língua-alvo. A competência envolvida na AI
e que será adotada nesta pesquisa é a competência comunicativa intercultural (CCI)
(BYRAM, 1997).
Para Byram (1997), a competência intercultural refere-se à habilidade dos falantes se
comunicarem em suas próprias línguas, com outras línguas e culturas. A
competência intercultural, somada às competências refinadas por Byram (1997),
como a linguística, a sociolinguística e a discursiva, compõem a competência
comunicativa intercultural. A competência linguística refere-se à habilidade de
aplicação das regras de uma língua padrão com fins comunicativos, a sociolinguística
se relaciona à habilidade do indivíduo de interpretar e negociar os significados
explícitos de uma interação comunicativa e a discursiva refere-se à negociação de
estratégias da comunicação a fim de seguirem as convenções da cultura do
interlocutor ou de textos interculturais em contextos determinados.
Apresentam-se a seguir alguns fatores que caracterizam a competência intercultural:
atitudes de curiosidade e abertura ao indivíduo e prontidão para bloquear e evitar
descrenças, estereótipos e julgamentos referentes às outras culturas; conhecimento do
indivíduo, do grupo social e de seus produtos e práticas, tanto do seu próprio país
como do país de seu interlocutor e também dos processos gerais de interação social e
individual; habilidades de interpretação e relacionamento, nas quais os indivíduos
necessitam estar aptos a interpretar as outras culturas, explicando-as e relacionandoas às suas próprias culturas, descobertas e interações relacionadas à habilidade de
adquirir novos conhecimentos de uma cultura e, por fim, a consciência cultural
Este artigo está fundamentado no conceito de competência comunicativa intercultural
(CCI) (Byram, 1997), apesar de os autores se referirem, na maioria das vezes, à competência
intercultural. Portanto, o que os autores chamam de competência intercultural equivale à
competência comunicativa intercultural.
18
52
crítica, na qual o indivíduo avalia criticamente os conhecimentos de sua própria
cultura, como também da cultura estrangeira.
Esses fatores que compõem a competência intercultural somados às competências
linguística, sociolinguística e discursiva, contemplam a definição de competência
comunicativa intercultural, na qual esta pesquisa encontra-se fundamentada.
Portanto, para Byram (1997, p. 71):
Alguém com Competência Comunicativa Intercultural está apto para
interagir com pessoas de outro país e cultura em uma língua
estrangeira. Eles são capazes de negociar um modo de comunicação
e interação que são satisfatórios para eles mesmos e para os outros e
também atuar como mediadores entre pessoas de diferentes origens
culturais. Seu conhecimento de outra cultura está relacionado com a
sua competência na língua através de sua habilidade para usar a
língua apropriadamente – competências linguística e sociolinguística
– e sua compreensão de significados, valores e conotações específicos
da língua. Eles também têm a base para adquirir novas línguas e
conhecimentos culturais como consequência das habilidades que
adquiriram anteriormente (BYRAM, 1997, p. 71).
Por fim, para Belz (2003 apud Byram 1997), a competência intercultural consiste em
cinco componentes interdependentes, que são também chamados de habilidades: (i)
atitudes, referente à atitude do aprendiz em descobrir informações culturais novas
em sala de aula, tanto no que diz respeito à língua-cultura alvo como também às
línguas-culturas alvo dos seus colegas estrangeiros; (ii) conhecer a si mesmo e o
outro, o que quer dizer o fortalecimento de sua identidade em razão do
conhecimento da identidade do outro, isto é, a alteridade; (iii) aprender a relacionar e
a interpretar significados; (iv) saber como relativizar a sua própria cultura,
valorizando e respeitando a cultura do outro, ou seja, os aprendizes podem ter uma
visão etnorrelativista em sala de aula, isto é, não pensar que sua cultura é o centro de
todas as outras culturas, evitando assim estranhamentos e impedindo uma visão
etnocentrista, ou seja, aquela em que a sua cultura nativa determina o que é bom e o
que é ruim na cultura do outro ou estrangeira e, (v) desenvolver senso crítico, o que
permite que o aluno (des) construa os esterótipos e lugares-comuns de suas culturas
nativas e das culturas estrangeiras para (re) construírem juntos percepções e visões
de mundo (inter) e (multi) culturais.
53
Todos esses componentes vão ao encontro do que é a intercultura, como foi destacada
por Bhabha (1998) e traduzida por Azibeiro (2003, p.93):
A miscigenação, ou hibridismo, passa a ser entendida como processo
inerente às interações e ao jogo de forças. As tradições e os valores
são recriados, reconstruídos de modo dinâmico e flexível, tal como
um organismo vivo. É esse o espaço liminar, fronteiriço, polifônico
da intercultura. Entendemos intercultura como os espaços e processos
de encontro-confronto dialógico entre as várias culturas, que podem
produzir transformações e desconstruir hierarquias. É esse o
entrelugar no qual todas as vozes podem emergir, manifestar-se, influir – se assim podemos caracterizar a inclusão dos diversos fluxos,
das inúmeras teias de significados.
Em artigo intitulado “Identificação e avaliação da competência intercultural como
resultado da internacionalização” Deardorff (2006) aponta que a internacionalização
advém da competência intercultural manifestada pelos aprendizes, professores e
funcionários
de
uma
determinada
instituição.
Para
Deardorff
(2006),
a
internacionalização em instituições de ensino superior deve partir da necessidade de
se implementar componentes de internacionalização, caracterizados como interesse
dos alunos em se tornarem competentes interculturais e internacionais, apoio dos
programas acadêmicos e liderança institucional, liderança estudantil, envolvimento e
parcerias com instituições internacionais, conteúdo intercultural e internacional
trabalhado na universidade, intercâmbios, presença de aprendizes estrangeiros na
universidade e bolsas acadêmicas para os aprendizes. Ainda segundo Deardorff
(2006), o número de alunos intercambistas, o número de programas de intercâmbio e
o número de aprendizes da instituição que estão estudando fora do país são
produtos da internacionalização de uma determinada universidade. Os resultados da
internacionalização de uma determinada instituição de nível superior podem ser
medidos, de acordo com Deardorff (2006), segundo o número de aprendizes,
professores e funcionários interculturalmente competentes.
O MÓDULO CULTURAL NO CEFET-MG: POSSIBILIDADES DE PESQUISAS
INTERCULTURAIS E INTERNACIONAIS
54
O Curso Intensivo de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira, composto por 45
horas/aula, está vinculado à Secretaria de Assuntos Internacionais do Centro Federal
de Educação Tecnológica de Minas Gerais (SEAI-CEFET-MG) e durou dois meses. O
curso foi composto por aprendizes de nível básico e intermediário provenientes da
Alemanha, Austrália, Cazaquistão, França, Polônia e Sérvia. O curso também foi
dividido em três módulos de 15 horas/aula: produção oral e escrita; língua
portuguesa e cultura brasileira. Cada módulo foi ministrado por um professor
diferente. O módulo que contempla esta investigação é o módulo sobre a cultura
brasileira, ministrado por este professor-pesquisador.
O módulo Cultura Brasileira foi composto por cinco encontros presenciais no CEFETMG. No primeiro encontro, os aprendizes visitaram as bibliotecas dos campi I e II do
CEFET-MG19 e, como tarefa, tiveram que escrever um e-mail a um amigo que está na
França, contando sobre o CEFET-MG e suas bibliotecas. Os alunos tentaram
convencer seus amigos franceses a estudarem no Brasil. Também foi dado a eles o
sítio do CEFET-MG – www.cefetmg.br – para que eles pudessem desenvolver o email. Neste primeiro encontro, as instruções para os trabalhos finais foram passadas
para os aprendizes franceses, uma vez que só tivemos cinco encontros. No segundo
encontro, os alunos visitaram o Parque das Mangabeiras20 em Belo Horizonte. Neste
O CEFET-MG possui dez bibliotecas distribuídas em seus dez campi no estado de Minas
Gerais. Três destas unidades encontram-se na cidade de Belo Horizonte, enquanto as outras
estão espalhadas por todo o estado mineiro, contemplando as cidades de Araxá, Curvelo,
Divinópolis, Leopoldina, Nepomuceno, Timóteo e Varginha. O acesso às bibliotecas é livre
para o público em geral, sendo atendidos internamente, alunos, professores e funcionários
da instituição. O acervo é composto de uma diversidade de materiais dentre eles: livros,
periódicos, normas técnicas, teses, dissertações, monografias, CD-ROM’s, fitas de vídeo,
catálogos, apostilas, etc. As bibliotecas oferecem os seguintes serviços: empréstimo
domiciliar, renovação e reserva presencial e via Web, comutação bibliográfica, dentre outros.
19
Localizado ao pé da Serra do Curral, patrimônio cultural de Belo Horizonte, o Parque das
Mangabeiras, projetado pelo paisagista Roberto Burle Marx, conserva em sua área de 2,8
milhões de metros quadrados, 59 nascentes do Córrego da Serra, que integra a Bacia do Rio
São Francisco. A uma altitude de 1.000 a 1.300 metros, o clima é ameno. A flora apresenta
vegetação nativa composta de exemplares típicos de campo, como bromélias e canelas-deema; de Cerrado, barbatimão e pequi; vestígios da Mata Atlântica, como o jequitibá e o paud’oleo, além de outras espécies, como o jacarandá, sucupira do cerrado, pau-de-tucano,
aroeira, corticeira, pau-ferro, candeia, caviúna, pau-santo e gabiroba. A fauna é composta por
29 espécies de mamíferos, como esquilos, gambás, tapitis, micos, tatus, quatis; 160 espécies
20
55
encontro, os alunos tiveram de ler uma reportagem publicada no jornal Estado de
Minas, com a ajuda do professor, sobre a invasão dos quatis no parque onde eles
visitaram. Após a leitura, eles tiveram que escrever uma carta ao chefe do
Departamento da Fundação dos Parques Municipais, objetivando promover a
educação ambiental dos visitantes do parque e justificando o conteúdo da carta por
meio das informações presentes na reportagem. No terceiro encontro, os aprendizes
visitaram o Jardim Zoológico21 de Belo Horizonte na região da Pampulha22. Como
tarefa, foram passadas algumas perguntas sobre os locais visitados. No quarto
encontro, os alunos visitaram o Museu de Artes e Ofícios23 em Belo Horizonte e
de aves: andorinhas, bico de veludo, cambacicas, marias-pretas, sanhaços, caras sujas,
azulões, pica-paus; 20 espécies de répteis e 19 anfíbios, como a rã Hylodes uai, que tem em seu
nome uma homenagem a Minas Gerais. Lugar para descanso, lazer e esportes, o Parque das
Mangabeiras recebe cerca de 30 mil pessoas por mês. Os visitantes podem usufruir de
recantos naturais, quadras de peteca, tênis e poliesportivas, pista de skate, brinquedos e
atividades culturais.
21 O Jardim Zoológico de Belo Horizonte está localizado na região da Pampulha e representa
um dos mais importantes pontos turísticos da cidade. Sua inauguração deu-se em janeiro de
1959. jardim zoológico conta com mais de mil animais que foram obtidos por permuta com
outras instituições, doações supervisionadas pelo IBAMA, nascimento dentro do Zoológico,
dentre outros. Duas atrações a mais que existem no zoológico é o borboletário o qual possui
mais de duas mil espécies de insetos e existe hoje programação noturna para visita. E
recentemente foi inaugurado o jardim japonês em comemoração ao centenário da imigração
japonesa, espaço este que conta com um ambiente totalmente trabalhado na cultura oriental.
Em 5 de março de 2010, foi inaugurado nas dependências do Zoológico, o maior aquário
temático de água doce do Brasil, e o primeiro a retratar exclusivamente a vida na Bacia do
São Francisco
Pampulha é uma região administrativa (regional) de Belo Horizonte, sendo a lagoa
artificial de mesmo nome uma das principais atrações turísticas dessa cidade. Nela
localizam-se os estádios Governador Magalhães Pinto (Mineirão) e Jornalista Felipe
Drummond (Mineirinho) e diversos clubes. Anualmente é disputada a Volta Internacional
da Pampulha, na Avenida Otacílio Negrão de Lima, que contorna a lagoa. Também na
virada do ano acontece o maior show de fogos do Estado, reunindo cerca de 300 mil pessoas
no entorno. A região também é sede do campus da UFMG, da Fundação Zoo-Botânica de
Belo Horizonte e do Aeroporto da Pampulha.
22
O Museu de Artes e Ofícios – MAO – é um espaço cultural que abriga e difunde um acervo
representativo do universo do trabalho, das artes e dos ofícios do Brasil. Um lugar de
encontro do trabalhador consigo mesmo, com sua história e com o seu tempo. Iniciativa do
Instituto Cultural Flávio Gutierrez – ICFG, em parceria com o Ministério da Cultura e a
CBTU, Companhia Brasileira de Trens Urbanos, o MAO preserva objetos, instrumentos e
utensílios de trabalho do período pré-industrial brasileiro.Criado a partir da doação ao
patrimônio público de mais de duas mil peças pela colecionadora e empreendedora cultural
23
56
tiveram que observar e refletir, por meio de um guia, sobre as representações
artísticas presentes no local. No quinto e último encontro, os aprendizes
apresentaram os trabalhos finais, que foram os instrumentos de coleta para esta
investigação.
Os trabalhos finais foram fundamentados nas tarefas de campo intercultural,
desenvolvidas por Corbett (2010). O objetivo era observar, descrever, refletir e
comparar as interações humanas em um lugar público de Belo Horizonte. Para
realizar a tarefa, em duplas ou grupos, os alunos exploraram um lugar público
escolhido, observando, registrando e refletindo sobre o comportamento e as
interações interpessoais nesses locais. Os aprendizes receberam algumas orientações
como o local observado e a hora da observação, o tipo de atividade desenvolvida
nesse local, a descrição das pessoas, como elas se comunicam, sobre o que elas
conversam, que tipo de comportamento é esperado e permitido e que tipo de
comportamento não é esperado. Após todas essas observações, os alunos expuseram
suas percepções, observando as interações, comparando-as à sua própria cultura e
identificando e opinando sobre o que foi similar, diferente e o que pôde mudar após
a interação entre as culturas brasileira e suas culturas de origem. A partir dessas
exposições vários aspectos concernentes à interculturalidade e à internacionalização
podem ser observados. No que tange à interculturalidade, podem-se observar e
analisar os componentes da competência intercultural dos alunos por meio dos
insumos e dados advindos das tarefas produzidas por eles após as visitas de campo
propostas. Assim, os professores podem observar (i) atitudes, referente à atitude do
aprendiz em descobrir informações culturais novas em sala de aula, tanto no que diz
respeito à língua-cultura alvo como também às línguas-culturas alvo dos seus colegas
Angela Gutierrez, o MAO revela a riqueza da produção popular, os fazeres, os ofícios e as
artes que deram origem a algumas das profissões contemporânea. O MAO está instalado na
Estação Central de Belo Horizonte, por onde transitam milhares de pessoas diariamente. É
assim, um espaço coerente com a natureza da coleção, bem próximo ao trabalhador. Para
abrigar o museu, foram restaurados dois prédios antigos, de rara beleza arquitetônica,
tombados pelo patrimônio público. A sua implantação incluiu ainda a recuperação, pela
Prefeitura de Belo Horizonte, da Praça da Estação, marco inaugural da cidade, que, cada vez
mais, se consolida como espaço destinado a eventos e manifestações culturais.
57
estrangeiros; (ii) conhecer a si mesmo e o outro, o que quer dizer o fortalecimento de
sua identidade em razão do conhecimento da identidade do outro, isto é, a
alteridade; (iii) aprender a relacionar e a interpretar significados; (iv) saber como
relativizar a sua própria cultura, valorizando e respeitando a cultura do outro, ou
seja, os aprendizes podem ter uma visão etnorrelativista em sala de aula, isto é, não
pensar que sua cultura é o centro de todas as outras culturas, evitando assim
estranhamentos e impedindo uma visão etnocentrista, ou seja, aquela em que a sua
cultura nativa determina o que é bom e o que é ruim na cultura do outro ou
estrangeira e, (v) desenvolver senso crítico, o que permite com que o aluno (des)
construa os esterótipos e lugares-comuns de suas culturas nativas e das culturas
estrangeiras para (re) construírem juntos percepções e visões de mundo (inter) e
(multi) culturais.
Considerando-se a internacionalização da instituição CEFET-MG, os professorespesquisadores também podem apreciar se houve interesse dos alunos em se
tornarem competentes interculturais e internacionais, se houve apoio dos programas
acadêmicos e de liderança institucional, liderança estudantil, envolvimento e
parcerias com instituições internacionais, se houve conteúdo intercultural e
internacional trabalhado na instituição, como também intercâmbios, presença de
aprendizes estrangeiros no CEFET-MG e bolsas acadêmicas para os aprendizes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho pode ser relevante no que concerne à formação de professores
interculturalistas de Português para estrangeiros no Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), estando ou não em processo de
sensibilização (inter) cultural.
Esta proposta de trabalho também aponta para outras possibilidades de
investigações envolvendo as competências interculturais advindas das percepções de
professores e aprendizes no processo de ensino de língua-cultura portuguesa
adicional em contextos (inter) (multi) culturais já que inúmeros contatos entre as
culturas existentes entre Brasil e outros países bem como entre as diversas culturas
do mundo podem surgir em sala de aula de Português para estrangeiros,
58
possibilitando variadas construções, reconstruções e desconstruções interculturais.
Também pode-se realizar pesquisas relacionando a interculturalidade ao Certificado
de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras), uma vez que
os aspectos interculturais podem ser identificados e/ou elaborados nas perguntas
que compõem os elementos provocadores da parte oral do exame, estimulando os
candidatos a expressarem suas percepções interculturais em suas falas. A
interculturalidade também pode estar presente nos enunciados que compõem as
tarefas da parte coletiva do exame, estimulando o candidato a redigir textos com
propósitos comunicativos reais e interculturais.
Por fim, os aspectos interculturais originários da produção dos aprendizes
estrangeiros em função do contexto de imersão (inter) (multi) cultural pode apontar
as referências culturais postas em perspectiva interacional e/ou intercultural
valorizadora de outras culturas e da cultura da língua materna dos aprendizes. Ao
considerar a variável contexto no ensino de língua-cultura portuguesa adicional, este
trabalho também elenca aspectos sobre o que concerne às percepções dos aspectos
culturais e interculturais apreendidos pelos aprendizes e professor, como também o
que muda para o professor na preparação de suas aulas.
Assim, pode-se apontar maneiras de se evitar que uma língua estrangeira reforce
estereótipos dificultadores do entendimento entre culturas. Assim, tenta-se mostrar
que a cultura incita o aprendiz a galgar caminhos além daqueles limitados pela
comparação entre suas experiências culturais. Pode-se dizer, portanto, que pode
haver a criação de um lugar intercultural ou entre-lugar, no qual o aprendiz e o
professor de língua-cultura portuguesa adicional se sensibilizam por meio de um
olhar crítico e cultural, para as suas próprias visões de mundo, ao descobrirem-se
capazes de aceitarem e respeitarem a eles mesmos e ao outro no espaço da
interculturalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
AGAR, M. Language shock: understanding the culture of conversation. New York:
William Morrow and Company, 1994.
59
ALMEIDA FILHO, J.C.P. (Org.) Parâmetros atuais para o ensino de Português-língua
estrangeira. Campinas: Pontes, 1997.
ALMEIDA FILHO, J.C.P. Língua além de cultura ou além de cultura, língua?
Aspectos do ensino da interculturalidade. In: CUNHA, Maria
Jandyra Cavalcanti e SANTOS, Percília (Orgs.). Tópicos em Português
Língua Estrangeira. Brasília: EDUnB, 2003.
ÁLVAREZ, M.L.O.; SANTOS, P. Aspectos culturais relevantes no ensino de
português para falantes de espanhol: as expressões idiomáticas e a
carga cultural compartilhada. In: SANTOS, P.; ALVAREZ, M.L.O.
(Orgs.). Língua e cultura no contexto de português língua estrangeira.
Campinas: Pontes Editores, 2010.
AZIBEIRO, N.E. Educação intercultural e complexidade: desafios emergentes a partir
das relações em comunidades populares. In: FLEURI, Reinaldo
Matias (Org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003. p. 85-107.
BELZ, J. A. (2003). Linguistic graduation and the development of intercultural competence
in Internet-mediated foreign language learning. Unpublished manuscript,
the Pennsylvania State University.
BENNET, M.J. Intercultural communication in a multicultural society: beyond
tolerance. In: TESOL Matters, v. 6, n.2, p 1-15; n. 3, p.6, 1996.
BENNET, M.J. (Ed.). Basic concepts of intercultural communication: selected readings.
Yarmouth, EUA: Intercultural Press, 1998. p. 1-34.
BHABA, H.K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. 395 p.
BOSI, A. Colônia, culto e cultura.” In: Dialética da colonização. São Paulo: Companhia
das Letras, 1992. p. 11-63.
BRASIL. Manual do aplicador do Exame Celpe-Bras. Secretaria de Educação Superior/
Ministério da Educação, 2006.
BRASIL. Manual do aplicador do Exame Celpe-Bras. Secretaria de Educação Superior/
Ministério da Educação, 2010.
BUSNARDO, J. Contextos pedagógicos e conceitos de cultura no ensino de línguas
estrangeiras. In: SANTOS, P.; ALVAREZ, M.L.O. (Orgs.). Língua e
60
cultura no contexto de português língua estrangeira. Campinas: Pontes
Editores, 2010.
BYRAM, M. Teaching and assessing intercultural communicative competence. Clevedon:
Multilingual Matters, 1997.
CORBETT, Jonh. Intercultural Language Activities. Cambridge Handbook for Teachers.
Cambridge: CUP,2010.
DAMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
DELL’ISOLA, R. L. P. A prática pedagógica subjacente à produção de materiais
didáticos para ensino/aprendizagem de PLE. In: SEMINÁRIO DA
SIPLE, 4., 1998, Rio de Janeiro, Anais... Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
p.51-70.
DELL´ISOLA, R.L.P. Em busca da formação continuada de professores de Português
como língua estrangeira: alguns parâmetros. In: JÚDICE, N. (Org.)
Ensino da língua e da cultura do Brasil para estrangeiros. Niterói:
Intertexto, 2005. p. 9-29.
DEARDORFF, D. K. (2004). The identification and assessment of intercultural competence
as a student outcome of international education at institutions of higher
education in the United States. Unpublished dissertation, North
Carolina State University, Raleigh.
DEARDORFF, D. K. Identification and assessment of intercultural competence as a student
outcome of international education at institutions of higher education in the
United States. In: Journal of Studies in International Education. North
Carolina State University, Raleigh, 2006.
DOURADO, M. R.; POSHAR, H. A. A cultura na educação lingüística no mundo
globalizado. In: SANTOS, P.; ALVAREZ, M. L. O. (Orgs.). Língua e
cultura no contexto de Português língua estrangeira. Campinas: Pontes
Editores, 2010.
DINIZ, L. R. A.; STRADIOTTI, L. M.; SCARAMUCCI, M. V. R. Uma análise
panorâmica de livros didáticos de português do Brasil para falantes
de outras línguas. In: DIAS, R.; CRISTÓVÃO, V. L. L. (Orgs.). O livro
61
didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas:
Mercado de Letras, 2009.
ERICKSON, F. Transformation and school success: The politics of educational
achievement. Anthropology and education quarterly, v. 18 (4), 1987. p.
335-356.
FERREIRA, I. A. Perspectivas interculturais na sala de aula de PLE. In: SILVEIRA, R.
C. (Org.). Português língua estrangeira: perspectivas. São Paulo: Cortez
Editora, 1998.
FONTES, S.M. Um lugar para a cultura. In: CUNHA, Maria Jandyra Cavalcanti e
SANTOS, Percília (Orgs.). Tópicos em português língua estrangeira.
Brasília: EDUnB, 2003.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
GIMENEZ, T. Eles comem cornflakes, nós comemos pão com manteiga: espaços para
reflexão sobre cultura na aula de língua estrangeira. In: ENCONTRO
DE PROFESSORES DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS, 10, Anais... 2002.
p. 107-114.
GIROUX, H.A. Professores como intelectuais transformadores. In: GIROUX, H.A. Os
professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Trad. Daniel Bueno. Porto Alegre: Artmed, 1997.
GOFFMAN, Erving. Les rifes d’interaction. Paris: Les Editions de Minuit, 1974.
HALL, S. Quem precisa de identidade? In: SILVA, T.T. da (Org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000. Cap.3, p.103-133.
___________. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2001.
___________. A identidade cultural na pós-modernidade. 9. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2004.
HYMES, D. On communicative competence. In: PRIDE, J.B. & HOLMES, J. (Orgs.).
Sociolinguistic. Hardmondsworth: Penguin, 1972. p. 269-285.
HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.
62
KRAMSCH, C. Context and culture in language teaching. Oxford: Oxford University
Press, 1993.
KRAMSCH, C. Language and culture. New York: Oxford, 1998.
LEROY, H. R. A didática integrada sobre o prisma da reflexão das culturas brasileira
e estrangeira. In: DOGLIANI, E. (Org.). Didática integrada das línguas.
Revista Viva Voz. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2008.
LEROY, Henrique R. A hipermídia no ensino de português como língua estrangeira:
compartilhando experiências. In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE
HIPRTEXTO, 3., 2009, Belo Horizonte,
Anais... Belo Horizonte:
CEFET-MG, 2009.
LEROY, Henrique R.; COURA-SOBRINHO; Jerônimo. A criação de novos ambientes de
aprendizagem no ensino de português para estrangeiros. In: SEMINÁRIO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
(SENEPT), 2., 2010, Belo Horizonte, Anais... Belo Horizonte: CEFETMG, 2010.
LEROY, Henrique R. Ensino de língua portuguesa para estrangeiros em contextos de
imersão e de não-imersão: percepções interculturais dos aprendizes e do
professor. 147 f. Dissertação. (Mestrado em Estudos de Linguagens) –
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFETMG, Belo Horizonte, 2011.
LEROY, Henrique R.; COURA-SOBRINHO; Jerônimo. Interculturalidade e ensino de
português língua estrangeira. In: CONGRESSO NACIONAL DE
LINGUÍSTICA E FILOLOGIA, XV., 2011, Rio de Janeiro, Anais... Rio
de Janeiro: UERJ, 2011.
LEROY, Henrique R.; COURA-SOBRINHO; Jerônimo. Terra Brasil: cultura e ensino em
livro didático de português para estrangeiros. In: Periódico Pesquisas em
Discurso Pedagógico, v.1., Rio de Janeiro, Departamento de Letras,
PUC-Rio, 2012.
LÉVI-STRAUSS, C. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1955.
LIMA, C. Tachos e panelas: historiografia da alimentação brasileira. 2 ed. Recife: Ed. da
Autora, 1999.
63
LO BIANCO, J.; LIDDICOAT, A.; CROZET, C. Striving for the third place –
intercultural competence through language education. Melbourne:
Language Australia, 1999.
MENDES, E. Aprender a língua, aprendendo a cultura: uma proposta para o ensino
de Português Língua Estrangeira (PLE). In: CUNHA, Maria Jandyra
Cavalcanti e SANTOS, Percília (Orgs.). Tópicos em Português língua
estrangeira. Brasília: EDUnB, 2003.
MENDES, E. Abordagem comunicativa intercultural: uma proposta para ensinar e
aprender língua no diálogo de culturas. 316 f. Tese (Doutorado em
Linguística Aplicada) – Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP/SP, São Paulo, 2004.
MENDES, E. Língua, cultura e formação de professores: por uma abordagem de
ensino intercultural. In: MENDES, E.; CASTRO, M. L. S. (Orgs.).
Saberes em Português: ensino e formação docente. Campinas, S.P.:
Pontes Editores, 2008.
MENDES, E. Por que ensinar língua como cultura? In: SANTOS, P.; ALVAREZ,
M.L.O. (Orgs.). Língua e cultura no contexto de português língua
estrangeira. Campinas: Pontes Editores, 2010.
MENDES, E. O Português como língua de mediação cultural: por uma formação
intercultural de professores e alunos de PLE.” In: MENDES, E. (Org.).
Diálogos interculturais: ensino e formação em português língua
estrangeira. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.
MORAN, P. A Framework for Teaching Culture. Material didático não publicado.
Brattleboro: School for International Training, 1990.
MOURA, R.P. O lugar da cultura em livros didáticos de Português como segunda
língua. In: SANTOS, P.; ALVAREZ, M.L.O. (Orgs.). Língua e cultura
no contexto de português língua estrangeira. Campinas: Pontes Editores,
2010.
NIEDERAUER, M.E.F. Estranhamentos culturais em sala de aula de Português para
estrangeiros. In: SANTOS, P.; ALVAREZ, M.L.O. (Orgs.). Língua e
64
cultura no contexto de Português língua estrangeira. Campinas: Pontes
Editores, 2010.
OLIVEIRA, E.V.M.; FURTOSO, V.B. Buscando critérios para avaliação de livros
didáticos: uma experiência no contexto de formação de professores
de português para falantes de outras línguas. In: DIAS, R.;
CRISTÓVÃO, V.L.L. O livro didático de língua estrangeira: múltiplas
perspectivas. Campinas: Mercado de Letras, 2009.
PRABHU, N. S. Materials as support; materials as constraint. RELC Seminar.
Cingapura, abril/1988 (mimeo.).
RIBEIRO, D. Os brasileiros: teoria do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981.
ROCHA, E.P.G. O que é etnocentrismo. 11 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
______________. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção
Primeiros Passos).
SANTOS, C. A. B. Orientações culturais para o ensino de português como segunda
língua (PSL) direcionado a estudantes dos Estados Unidos. In:
SANTOS, P.; ALVAREZ, M. L. O. (Orgs.). Língua e cultura no contexto
de Português língua estrangeira. Campinas: Pontes Editores, 2010.
SANTOS, D.T.; MELLO, A.C.M.R. Entre a praia e a nau: reflexões em torno dos
conceitos de identidade, cultura e competência intercultural em
contexto de ensino de PLE. In: SANTOS, P.; ALVAREZ, M. L. O.
(Orgs.). Língua e cultura no contexto de Português língua estrangeira.
Campinas: Pontes Editores, 2010.
SEEYLE. H.N. Teaching Culture: strategies for intercultural communication. Illinois:
National Textbook Company, 1984.
SEELYE, H.N. Cultural goals for achieving intercultural communicative competence.
In: FANTINI, A. E. (Ed.), New ways in teaching culture. Bloomington:
Tesol, 1997.
SERRANI, S. Discurso e cultura na aula de língua. Campinas: Pontes, 2005.
SILVA, Benedicto. (Coord.). Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: FGV, 1986.
65
SILVA, T.T. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T. T. (Org.).
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis:
Vozes, 2000. p. 213-230.
SILVA, N.S. Material didático de PLE essencialmente comunicativo: sonho ou
realidade? In: CUNHA, M.J.Ca. SANTOS, P. (Org.).Tópicos em
Português língua estrangeira. Brasília: Editora UnB, 2002. p.107-126.
STERNFELD, L. Materiais didáticos para o ensino de Português língua estrangeira.
In: ALMEIDA FILHO, J.C.P. Parâmetros atuais para o ensino de
Português-língua estrangeira. Campinas: Pontes, 1997.
TOSATTI, N. M. As representações de identidades em livro didático de Português
para estrangeiros. In: DELL’ISOLA, R.L.P. e JÚDICE, N. (Orgs.).
Português-língua estrangeira: novos diálogos. Niterói: Intertexto, 2009.
p. 57-67.
TROUCHE, L. M. G. Leitura e interpretação: inferências socioculturais. In: JÚDICE,
Norimar (Org.). Ensino da língua e da cultura do Brasil para estrangeiros.
Niterói: Intertexto, 2005.
VANNUCCHI, A. Cultura brasileira: o que é, como se faz. 3 ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2002.
ZANATTA, R. Abordagens de ensino de cultura na aula de Português (brasileiro)
para falantes de outras línguas. In: Formação de professores de
Português para falantes de outras línguas. Londrina: Eduel, 2009.
WIDDOWSON, H. G. Teaching language as communication. Oxford University Press,
1978.
66
A INTERCULTURALIDADE
NO ENSINO COMUNICATIVO DE PORTUGUÊS
BRASILEIRO A FALANTES NATIVOS DE ESPANHOL:
UM ESTUDO EM AMBIENTE ONON-LINE
Karina MENDES NUNES VIANA24
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo analisar as contribuições do ensino comunicativo de
Português a falantes nativos de espanhol para o desenvolvimento da competência
intercultural em ambiente on-line. Para isso, discutiremos, essencialmente, algumas
perspectivas teórico-metodológicas a respeito de propostas de ensino-aprendizagem
de línguas que contemplem a integração entre língua e cultura (HALL, 1992;
LARAIA, 2006; KRAMSCH, 1998; ALMEIDA FILHO, 2002); sobre as vantagens e
desvantagens da proximidade tipológica entre Espanhol e Português brasileiro
(SANTOS, 1999, 2002; FERREIRA, 2002; LOMBELLO, 1983) e a respeito da evolução
das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) no ensino comunicativo
de línguas em ambiente on-line (LEFFA, 2006b; PAIVA, 2006b; TELLES e VASSALO,
2006a; SOUZA, 2003a, dentre outros). A presente pesquisa configura-se como um
estudo de caso de natureza qualitativo-interpretativista. O estudo foi desenvolvido
com base nas interações realizadas ao longo do módulo intermediário, de um curso
comunicativo de Português brasileiro a falantes de Espanhol, em ambiente virtual,
mediado por professores brasileiros. Acreditamos que o ensino comunicativo
intercultural on-line pode contribuir de forma relevante para a formação do aprendiz
como “cidadão do mundo” e a capacidade de interagir com outros em sua própria
cultura e com outras culturas. Assim, com este estudo, oportunizaremos reflexões
sobre o ensino intercultural de línguas e possíveis novas abordagens dialógicas que,
no contexto on-line de ensino do Português brasileiro, possibilitem aos aprendizes
hispanofalantes a transformação de “barreiras” culturais em “pontes” interculturais.
Palavras-chave: ensino comunicativo, interface entre Português e Espanhol, ambiente
on-line, linguagem, sociedade, competência intercultural.
Resumen
Esta investigación tiene como objetivo analizar las contribuciones de enseñanza
comunicativa de portugués a hablantes nativos de español para el desarrollo de
lacompetencia intercultural en ambiente online. Para eso, discutiremos,
esencialmente, algunas perspectivas teórico-metodológicas a respecto de propuestas
24
Universidade de Brasília - UnB
67
de enseñanza-aprendizaje de lenguas que contemplenla integración entre lengua y
cultura HALL, 1992; LARAIA, 2006; KRAMSCH, 1998; ALMEIDA FILHO, 2002);
sobre las ventajas y desventajas de laproximidad tipológica entre Español y
Portugués Brasileño (SANTOS, 1999, 2002; FERREIRA, 2002; LOMBELLO, 1983) y a
respecto de laevolución de las nuevas tecnologías de información ycomunicación
(NTICs) en la enseñanza comunicativa de lenguasen ambiente on-line (LEFFA, 2006;
PAIVA, 2006b; TELLES e VASSALO, 2006ª; SOUZA, 2003a, dentre outros). La
presente investigación se configura como um estudio de caso de naturaleza
cualitativo-interpretativito. El estudio fue desarrollado en base a las interacciones
realizadas en el módulo intermedio, un curso de comunicación en portugués
brasileño para hispanohablantes en el entorno en línea, mediada por los profesores
brasileños. Entre los instrumentos de colecta de datos, están: cuestionarios, narrativas
orales y escritas, grabaciones, análisis de interacciones virtuales por medio de Skype
ye-mail, material didáctico y evaluaciones. Creemos que la enseñanza comunicativa
intercultural online pode contribuir de forma relevante para la formación del
aprendiz como “ciudadano del mundo”, capaz de relacionarse conotros en supropia
cultura y con otras culturas. Así, con este estudio, se enfatizará reflexiones sobre la
enseñanza intercultural de lenguas y posibles nuevos abordajes dialógicos que, el
contexto online de enseñanza del Portugués Brasileño, posibiliten a los aprendices
hispanohablantes la transformación de barreras culturales en puentes interculturales.
Palabras claves: enseñanza comunicativa, interface entre Portugués y Español,
ambiente online, lenguaje, sociedad, competencia intercultural.
Reflexões iniciais
A ideia para a realização deste breve estudo surgiu em uma aula de Português como
Língua Estrangeira (doravante PLE) a um aluno venezuelano pelo Skype. O aluno
que havia se mudado há algumas semanas para São Paulo, a trabalho, se queixou de
que, quando ia falar na língua-alvo (LA), não sentia segurança para saber se o que
dizia era adequado ou inadequado para determinadas situações cotidianas e atribuiu
essa dificuldade às “limitadas palavras de seu vocabulário”.
No entanto, após leituras, interações com o aluno via Skype e reflexões, verificamos
que o fato de o aluno se sentir embaraçado em algumas situações devia-se não só ao
seu domínio ainda restrito da língua, mas às limitações quanto a sua competência
intercultural. Numa outra oportunidade, durante uma aula de Português presencial,
um aluno colombiano, no Brasil há seis meses, foi questionado sobre seu
desempenho em situações formais e informais e ele nos confirmou o seguinte: “é
muito difícil saber se o que você diz está certo para a hora ou não. Mas, não fico pensando
nisso quando vou falar.” Nesse caso, a interação presencial com colegas da mesma
68
idade possibilitava mais trocas culturais. Esse paralelo entre as colocações dos dois
alunos nos conduziu a algumas reflexões iniciais, como: de que modo podemos
contribuir para o desenvolvimento intercultural do aprendiz em ambiente on-line? E
como o curso de PLE em questão contempla a competência intercultural no material
didático, nas interações e nas avaliações?
A partir daí, iniciamos uma análise do material didático elaborado pelo curso de
idiomas. Consideramos para fins de investigação, perspectivas que contemplassem o
desenvolvimento da competência intercultural, desde as aulas expositivas, exercícios
e interações até a avaliação do módulo.
O desenvolvimento da competência
intercultural no ensino de Línguas Estrangeiras (LE) é um dos principais desafios
que os professores de PLE encontram na sua prática. Diversos estudos têm sido
realizados a esse respeito, mas é notável a escassez de pesquisas que contemplem tais
perspectivas, especificamente, no ensino de línguas em ambiente virtual. Por isso, é
importante voltarmos a nossa atenção para o importante papel da interculturalidade
no ensino/ aprendizagem de línguas em ambiente on-line.
Para tanto, necessitamos revisitar alguns fundamentos teóricos como: integração
entre língua e cultura; entendimento do que seja competência intercultural;
vantagens e desvantagens da proximidade tipológica entre Português e Espanhol e
as contribuições das Novas Tecnologias para o ensino de PLE.
Fundamentação teórica
Integração entre língua e cultura: contribuições para o desenvolvimento da
competência intercultural
O processo de ensino-aprendizagem de PLE deve ir além do contato do aprendiz
com as estruturas e temas recorrentes da língua-alvo. Esse processo consiste também,
conforme Santos (2002), em expor o nosso país, a nossa cultura, nossas memórias,
nossa comida, nossas preferências, etc.
Contudo, apesar de todas essas situações serem, na maioria das vezes, simples aos
professores brasileiros de PLE, apresentá-las aos alunos e possibilitar que sejam não
só observadas, mas compreendidas e vivenciados pelos aprendizes, não é uma tarefa
fácil.
69
Ainda mais porque, como afirma Almeida Filho (2002), o conhecimento cultural não
está restrito a ser expresso por meio da linguagem verbalizada, mas pode, também,
constar nas nossas posturas corporais, no tom de voz, no sorriso, nas nossas escolhas,
nos nossos desejos. Assim, não é algo óbvio e que se apresente com clareza aos olhos
do aprendiz que está começando o processo de a aprendizagem de PLE. A esse
respeito, Hall (1992) já afirmava que a cultura está impregnada no ser humano e mais
do que podemos imaginar e perceber, pois, segundo ele, essa dimensão é, na maior
parte do tempo, uma realidade oculta que escapa ao nosso controle, mas que
constitui a trama da existência humana.
Nesta pesquisa, consideramos que língua e cultura são elementos inseparáveis e que
a língua ocupa um lugar de destaque no conjunto chamado cultura, da mesma forma
que a gastronomia, o vestuário e as formas de habitação pertencem ao domínio da
linguagem. Sobre essa íntima relação, Almeida Filho (2002) lança mão da seguinte
provocação “aprendemos língua e incorporamos aos poucos a cultura, ou
aprendemos o cultural, e dessa base nos esforçamos para absorver a língua-alvo?”. A
qual responde que o lugar relativo da cultura depende do foco. Em outras palavras,
depende dos interesses que orientam a aprendizagem dos alunos. Por fim, acrescenta
que o lugar da cultura é o mesmo da língua, quando esta se apresenta como ação
social propositada.
É nesse ponto que entra o papel da interculturalidade no ensino de PLE. Almeida
Filho (opp cit) enfatiza que deve haver um cuidado para que a Língua Estrangeira
(LE) se desestrangeirize gradualmente de modo que a experiência culturaleducacional correrá menos riscos de se tornar negativa. Para o autor, a
interculturalidade corresponde a uma subcompetência intercultural, pois implica na
reciprocidade de viver (mesmo que temporariamente) na esfera cultural do “outro”
e, simultaneamente, ter o “outro”, confortavelmente, na nossa esfera de cultura. No
nosso entender e com base em outras leituras a respeito do tema, a interculturalidade
pode ser vista não com uma subcompetência e, sim, como uma competência.
Explicaremos o nosso ponto de vista mais adiante.
Para Laraia (2006), a cultura orienta a visão de mundo do indivíduo, "o modo de ver
o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos
70
sociais e mesmo as posturas corporais são produtos de uma herança cultural: o
resultado de uma ação de uma determinada cultura". Laraia nos fornece um exemplo
simples, mas muito eficaz, para ilustrar tal perspectiva: o riso. Sujeitos de diferentes
culturas riem de coisas distintas e por motivos distintos. Um índio Kaapor25 pode rir
depois de um susto; os japoneses podem rir por educação; os americanos podem rir
muito de comédias pastelão, etc. Da mesma forma que o riso, o uso que se faz do
corpo também depende da cultura, dentre outras peculiaridades culturais. Assim, as
diferenças podem causar "repulsa ao que soa estranho". A esse respeito, o autor
chama a atenção para uma tendência etnocêntrica, a qual consiste, em termos gerais,
em considerar cada um o modo de viver da sua cultura como superior ao modo de
viver, presente nas demais culturas.
Faz-se importante ressaltar que Kramsch (1998) define cultura a forma como falantes
de uma determinada língua dão sentido ao mundo ao seu redor. Para ele, a língua é a
materialização da consciência humana, com a qual cada povo traduz a sua maneira.
Competência intercultural
Segundo Schneider (2010), por meio do uso de textos podemos conduzir o aprendiz à
reflexão sobre diferenças e semelhanças interculturais e à promoção da
aprendizagem intercultural. Esta deve despertar o interesse sobre a vida e os
diferentes sistemas de valores e interpretações do mundo do “outro”, e levar o
aprendente a perceber as diferenças culturais na própria cultura.
Muitas vezes, o desconhecimento das diferenças interculturais leva a mal-entendidos
e a constrangimentos como, por exemplo, podemos observar na negação em aceitar
um elogio “— Nossa, como você está bonita hoje!”. Na cultura brasileira, por
modéstia, respostas como “Imagina. Eu nem me arrumei direito hoje” ou “Bonita eu?
Que nada. Saí de casa às pressas e nem me produzi como de costume.” não
significam que a pessoa não aceite o elogio do interlocutor e nem que esteja
desmentindo a descrição. Estas respostas, geralmente, são sinônimos de modéstia e
Povo indígena que vive no estado do Maranhão, no Brasil. O seu nome significa "povo da
mata", através da junção dos termos tupis ka'a ("mata")[1] e poro ("povo").
25
71
não são recebidas de forma desagradável por quem elogiou. Isso se aplica a situações
informais na cultura brasileira.
Segundo a autora (opp cit), a competência comunicativa, portanto, implica
competência intercultural, ou seja, requer o (re)conhecimento e o respeito pelas
diferenças interculturais presentes nos comportamentos sociolinguísticos, nas
concepções e atitudes, bem como nos valores socioculturais acordados pelas
sociedades das culturas em contato.
E, aqui, retomamos a primeira pergunta orientadora deste trabalho “de que modo
podemos contribuir para o desenvolvimento intercultural do aprendiz em ambiente
on-line?” O desenvolvimento da competência intercultural exige muito mais do que
vontade de aprender sobre a nova cultura e o respeito pelas diferentes perspectivas e
formas de interpretar o mundo. Requer, principalmente, vontade de aprender a
mudar de perspectiva para entender a perspectiva do “outro”, de reconhecer e de
desconstruir preconceitos interculturais comumente veiculados pela mídia. Saber
reconhecer semelhanças e diferenças interculturais e estar aberto para aprender não
somente “sobre”, mas, primordialmente, “com” a cultura do outro.
Para o desenvolvimento da referida competência é, portanto, fundamental que os
materiais didáticos disponibilizados em Ambientes Virtuais de Aprendizagem
(AVAs) e os professores viabilizem a aprendizagem intercultural em suas interações.
Vantagens e desvantagens da proximidade tipológica entre Espanhol e Português
Brasileiro
Conforme Santos (1999), ao pensarmos sobre o processo de ensino-aprendizagem de
PLE, nós professores, devemos considerar aspectos que possam facilitar ou dificultar
a aprendizagem do nosso aluno. Dentre essas questões, a proximidade ou a distância
tipológica entre as línguas não pode passar despercebida, pois tanto uma quanto a
outra, requerem propostas de ensino específicas.
Para contextualizarmos esta breve reflexão e abordarmos os aspectos de proximidade
versus distância, ilustraremos a discussão com as relações entre o Português
Brasileiro e o Espanhol. Começamos com a transcrição de um vídeo muito acessado
no site hospedeiro youtube, intitulado “Telecom Personal — Portuñol/ Portugués”.
72
O diálogo acima ocorre entre um rapaz argentino que deseja fazer uma reserva em
um hotel de uma cidade do litoral do Brasil e, provavelmente, um atendente ou
agente de viagens. A interação apresentada foi acessada diversas vezes, no youtube e,
na maior parte dos comentários, consta a seguinte pergunta: “por que argentinos
pensam que sabem falar português?” Ora, a resposta é muito óbvia do ponto de vista
de que a principal função da linguagem é estabelecer comunicação. Nesse caso, o
falante entende e se faz entender, mas ainda assim, confunde-se com as semelhanças
entre as línguas e, provavelmente, por já ter ouvido que em português brasileiro,
usamos muito o diminutivo para conotar que algo é modesto, ou ainda, para
demonstrar carinho, o argentino, ao despedir-se arrisca, com toda segurança, um
“muchas gracinhas”. Claro que esta é só uma representação caricata de que as
semelhanças entre as línguas podem esconder “armadilhas”.
Após essa ilustração, depreendemos que a proximidade entre as línguas, como é o
caso do Português e do Espanhol, pode tanto facilitar quanto dificultar o ensinoaprendizagem da LA. Devido à natureza comum das duas línguas, a interação se
encaminha logo na direção comunicativa. Por outro lado, o que já seria uma
ambiguidade, esse aspecto pode também representar dificuldades ao aprendiz.
Se preferirmos, esses dois lados podem ser representador pela seguinte equação:
73
Diante do resultado dessa soma, tal ambiguidade pode ser explicada, dentre outras
questões, ao fato de que devido às muitas semelhanças e às poucas diferenças, a
comunicação entre aprendentes hispanofalantes e brasileiros é, muitas vezes,
instantânea. Mas o que há de mal nisso? A questão é que essa instantaneidade acaba
fazendo com que o aprendiz não se “entregue” com maior desprendimento à
produção oral na língua-alvo devido às constantes interferências de sua línguamaterna. E é aí que entra a fossilização, processo que, se perpetuado, em vez de
conduzir o aprendiz à aprendizagem da LA, o direciona rapidamente à interlíngua,
popularmente, conhecida como “portunhol”. Isso, sem citarmos as dificuldades em
relação à produção escrita.
Assim como sugere a composição da palavra portu + nhol = português + espanhol, o
que ocorre, geralmente, na interlíngua produzida pelo aprendiz hispanofalante é
também uma mistura, só que, lexical (principalmente verbos e nomes) e gramatical
entre as duas línguas (confusão entre as estruturas).
Para Lombello (1983), interlíngua é o processo de produção intermediária do
aprendiz na língua-alvo. Sobre essa fase, Almeida Filho (2011), advoga que esse
processo é esperado, mas passa a ser preocupante a partir do momento em que o
aprendiz não consegue superá-lo, pois considera que esta deveria ser apenas uma
fase inicial. Com isso, a fossilização ganha força e como define o autor, configura-se
na “cara feia” do portunhol.
A respeito da fossilização, Ferreira (2002) defende ser preciso e urgente que
professores e aprendizes de Português para Hispanofalantes tenham em mente a
importância de se “delimitar fronteiras” entre o português e o espanhol. Nesse
sentido, as possibilidades de o aprendiz aprender/ adquirir a língua-alvo podem ser
maiores, uma vez que, delimitando essas fronteiras, a atenção com as implicações
74
negativas na interlíngua podem contribuir para seus avanços em direção à línguaalvo e não à estagnação fossilizada que leva ao “estacionamento” no portunhol.
Para reforçar a necessidade dessa consciência, a autora (opp cit) ressalta que com a
assinatura do Tratado do MERCOSUL, falar português e espanhol tornou-se
“imperioso”, já que são os idiomas oficiais. Deste modo, famosa interlíngua, o
“portunhol”, já não é suficiente para dar conta da comunicação oral objetiva
destinada a tratar de diversos interesses e da produção escrita de documentos
oficiais, comerciais e de outras naturezas.
Diante dessas reflexões, como devemos, então, tratar essas dificuldades e ajudar o
nosso aluno falante de espanhol a ter um bom desempenho em português? Sobre
esse questionamento, pensamos na colocação de Ferreira (2002), em que afirma ser aí
que entra em cena o professor que, com experiência e respaldo teórico
(acrescentaríamos,
ainda,
maleabilidade
para
exercer
os
diversos
papéis
complementares de sua prática) convive com a interlíngua e diríamos ainda, no caso
dos falantes de línguas distantes, com as dificuldades fonéticas e léxico-gramaticais
sem conflitos, ajudando-os a superarem essas questões.
Ainda
sobre
isso,
conduzindo
as
aulas
e
os
processos
imbricados
à
desestrangeirização da língua estrangeira que, conforme Almeida Filho (2001),
evitaria que os alunos se frustrem. Enfim, como Santos (1999) mesmo sugere “não há
receitas prontas sobre o que fazer”, mas há possibilidades, por meio do envolvimento
e da consciência de professores e aprendizes de “não deixar a peteca cair” (expressão
idiomática que renderia boas discussões interculturais).
Evolução das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) no ensino
comunicativo de línguas em ambiente on-line
Aliar o processo de ensino/aprendizagem da língua (e da cultura)
alvo às novas tecnologias parece ser também um outro desafio que
teremos de enfrentar com segurança por meio da produção de
representações positivas, embora nunca livres de críticas, do Brasil e
demais países de língua portuguesa. (ALMEIDA FILHO, 2008, p. 9)
75
Com base na citação que abre esta seção e, segundo Silva (2010), o impacto das
Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs) no ensino de línguas
estrangeiras tem despertado o interesse de inúmeros estudiosos do âmbito da
linguagem, tanto no contexto brasileiro e, aqui, destacamos Leffa (2006b), Paiva
(2006b), Telles e Vassalo (2006), Souza (2003a), quanto no exterior, dando destaque a
Warschauer (2006). E no ensino de PLE não tem sido diferente. Esse interesse pelas
(NTICs) também é crescente, mas as iniciativas ainda deixam a desejar.
Ao levarmos em consideração o desenvolvimento e o acesso democratizado (até certo
ponto) às (NTICs) no ensino de PLE, mediado pelos computadores, ecoamos Telles
(2006), quando afirma que “não é mais aceitável que professores e alunos estejam
restritos às pedagogias arcaicas do giz e da lousa, que hoje, concorrem com a
velocidade dos bites e dos microships.” Acrescentamos, ainda, que as iniciativas do
Brasil, em relação a outros interessados em promover o ensino de PLE com o apoio
de CALL (Computer Assisted Language Learning), ainda são insípidas. Em outras
palavras, a escassez de estudos que possibilitem concretizar programas de ensinoaprendizagem de PLE em ambientes virtuais e a formação deficitária de profissionais
com competências para atuar nesses contextos têm configurado como lentas e
tímidas as iniciativas do nosso país.
Contudo, modalidades de ensino como o “Teletandem” motivam profissionais a
investirem em uma formação que lhes permita atuar em ambientes virtuais de ensino
de PLE. A respeito dessa modalidade, cabe citarmos algumas de suas intenções com
a finalidade de explicar por que se constitui num programa motivador.
O termo “tandem” significa “bicicleta de dois lugares”, o que remete à colaboração
entre dois aprendizes que buscam aprender uma LE, como se fossem dois ciclistas a
pedalarem uma bicicleta em movimento, conforme Souza (2003a). Trata-se de um
contexto autônomo de ensino-aprendizagem de uma LE, no qual cada um dos
integrantes se torna aprendiz de uma língua-alvo e tutor da sua língua materna, por
meio de comunicação síncrona e com a utilizaçao do Msn Messanger que é gratuito.
Na Argentina, temos o Curso “Portugués Online”, plataforma de ensinoaprendizagem de Português Brasileiro a falantes de Espanhol, em AVA, mediado por
professores brasileiros. A interface do tutorial baseia-se na orientação para a
76
realização de tarefas específicas solicitadas pelos exercícios e fundamentadas nas
aulas expositivas, nas quais constam texto e explicação audiovisual. Não é foco do
curso uma análise aprofundada de cada um dos tópicos trabalhados, em função da
escassez de tempo. O material didático é baseado na Internet, em vídeos de
telejornais brasileiros e textos de real circulação no país.
O curso argentino Portugués Online Nível Intermediário está organizado em 10
unidades. Cada unidade contém contempla conteúdos gramaticais e culturais, além
de possibilitar vários momentos de interação com professores nativos. Assim, para
identificarmos
os
tópicos
que
contemplem
a
competência
intercultural,
sistematizamos, abaixo, os índices das unidades.
PROGRAMA PARA O 3º NÍVEL
LÉXICO
FONOLOGIA
Classificações
vistas
nos
níveis Temas atuais do MERCOSUL;
anteriores, com aprofundamento e Debates e entrevistas sobre Ecologia
revisão;
(textos e vídeos);
Documentação pessoal e empresarial;
Vocabulário financeiro;
Siglas do Brasil;
A globalização;
Aptidão
profissional
(análise
das
aptidões e sua concretização na vida
profissional);
As profissões no Brasil (vídeo);
Vocação profissional;
Salários,
impostos
brasileiros,
vocabulário financeiro básico;
Organização da escolaridade no Brasil
(vestibular e universidades);
Material, ferramentas e objetos de uso
profissional;
77
ASPECTOS CULTURAIS/ PORTUGUÊS EMPRESARIAL
A idiossincrasia brasileira (contraste com a Argentina);
O brasileiro segundo ele mesmo (análise cultural);
A influência da cultura nos negócios;
Análise cultural e de costumes;
Uso da expressão “dar um jeitinho” e seu significado cultural;
Marketing no Brasil e marketing na Argentina;
Campanhas publicitárias – vídeo;
Tipo de consumidor brasileiro (análise contrastiva com a Argentina);
Manual do consumidor brasileiro;
A linguagem dos negócios;
Equivalência de expressões cotidianas;
A Ilha de Fernando de Noronha (vídeo e texto);
O consumo de energia elétrica – material de áudio;
Campanha para economia de energia elétrica (vídeo);
O consumo de água e sua economia (texto e vídeo);
A poluição do planeta;
Cuidados para evitar a poluição (vídeo e texto);
Cuidados com a preservação da natureza (texto e vídeo).
ASPECTOS GRAMATICAIS
Particípios irregulares (aspectos contrastivos com o espanhol);
Particípios regulares;
Verbos abundantes;
Acepções do verbo “dar”;
Modo subjuntivo;
Formação do presente do subjuntivo;
Uso do presente do subjuntivo;
Formação do pretérito imperfeito do subjuntivo;
Uso do pretérito imperfeito do subjuntivo;
Sistematização e prática do futuro do pretérito;
Formação do futuro do subjuntivo;
Uso do futuro do subjuntivo;
78
Uso do “alias”;
Plural dos vocábulos.
MATERIAL DIDÁTICO UTILIZADO
Uso de Músicas;
Interpretação de textos;
Material autêntico - textos extras com notícias atuais de revistas e jornais de acordo
com as necessidades do aluno ou grupo de alunos.
Boletim – informação mensal sobre atualidade – no site do Instituto.
Fonte: Programa de Estudios do Curso Portugués On-line
A qualidade do material permite que o aprendiz tenha contato não só com as
estruturas da língua, mas com as práticas sociais nas quais esta língua-alvo se faz
presente. É previsto um melhor aproveitamento do tempo destinado ao contato com
o professor, via Skype, pois a disponibilização da informação ocorre na plataforma.
Assim, o aluno realiza suas tarefas, estuda autonomamente e tem a oportunidade de
interagir e tirar suas dúvidas com o professores nativos qualificados. O grande
diferencial proposto pelo curso, no desenvolvimento do ambiente, é a participação
ativa do aprendiz no processo pedagógico criando suas próprias experiências de
aprendizagem. A avaliação formativa ocorre a partir da realização de um teste
congruente com o conteúdo explorado na plataforma. Há, também, durante as
interações com o professor, avaliação da competência intercultural, mas a esta, não é
atribuído um valor somativo.
Essa proposta de ensino representa uma importante integração entre língua e
cultura, pois apresenta a possibilidade de realização das atividades de aprendizagem
que destaquem o papel ativo dos alunos. A partir de retornos individualizados,
indicação de informações complementares ao tema tratado e análise crítica da
informação por meio do material didático disponibilizado e do contato síncrono com
o professor. Finalmente, em resposta à segunda pergunta orientadora deste estudo
“Como o curso em questão contempla a competência intercultural no material
didático, nas interações e nas avaliações?”. No curso em questão, o material didático,
as interações e as avaliações relacionam a autonomia com o ensino-aprendizagem de
79
LE em contexto virtual, à medida que amplia o espaço de trocas culturais entre
aprendizes e professores.
Para finalizar esta breve reflexão sobre o impacto das (NTICs) no ensinoaprendizagem de PLE, especificamente, lançamos, aqui, uma provocação para que
reflitamos acerca de nossas competências como professores “Quão dispostos estamos
em nos colocarmos no lugar de nossos aprendentes e conhecermos a língua a cultura
do país em que estamos ensinando PLE?” (ALMEIDA FILHO, 2008, p. 10). Afinal,
como todo bom diplomata público ou cultural, devemos sempre saber como e por
quais meios agir no ambiente cultural e linguístico em que estamos trocando
conhecimentos de mundo.
Conclusão
Para finalizar, podemos refletir que toda inovação tecnológica em ensinoaprendizagem de línguas precisar realizar-se com habilidoso uso das NTICs e da
instrumentalização de professores e alunos por meio dos vários gêneros digitais.
Assim, é preciso satisfazer as exigências daqueles que acreditam no ensinoaprendizagem on-line de uma LE capaz de proporcionar aos indivíduos que a
adquirem efetivas ações na sociedade. Cabe ressaltar, ainda, que essa modalidade de
ensino de LE precisa se basear em uma fundamentação epistemológica bem definida.
E com o desenvolvimento da competência intercultural não é diferente.
Competências interculturais, segundo Motta-Roth (2004) são habilidades em
sustentar comunicação com o “outro” (estrangeiro) que parte de sistemas de
referência diferentes dos nossos. Esse tipo de competência nos possibilita vislumbrar
como textos e contextos interagem dialeticamente de maneiras variadas em grupos
sociais diferentes, de tal modo que possamos refrear a tendência em resistir ao
diferente ou aderir ao estrangeiro sem qualquer criticidade.
Desenvolver competências interculturais em nós, professores, e em nossos
aprendentes, em ambiente on-line de ensino-aprendizagem de PLE, pressupõe uma
perspectiva de troca entre culturas diferentes, que nos possibilite transformar
“barreiras culturais” em “pontes interculturais”. Além disso, que nos possibilite
80
tornar explícitas as diferenças entre nossos contextos e práticas sociais, sem nos
aculturarmos.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Português para estrangeiros: interface com o
Espanhol. 2. ed. Campinas: Pontes, 2002.
____________________. Projetos iniciais em português para falantes de outras línguas.
Campinas: Pontes Editores, 2007.
____________________ e Moutinho, R. Sentidos de ensinar PLE no exterior. In: J.C.P.
Almeida Filho (org). Fundamentos de Abordagem e Formação de Professores de PLE
e Outras Línguas. Campinas: Pontes Editores, 2011.
BASTOS, Maria Inês de Souza Ribeiro. Inclusão digital e social de pessoas com deficiência:
textos de referência para monitores de telecentros. Brasília, DF: UNESCO, 2007.
FERREIRA, Itacira Araújo. “O português no contexto do MERCOSUL”. In:
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Português para estrangeiros: interface
com o Espanhol. 2. ed. Campinas: Pontes, 2001, p. 39-47.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro, 2006. DP&A Editora: Rio de Janeiro, 11ª Ed., 1992.
KRAMSCH, Claire. Language and culture. Oxford: Oxford University Press, 1998.
LARAIA,
Roque
de
Barros.
Cultura:
um
conceito
antropológico. 19ª ed.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2006.
LEFFA, V. J. “Interação simulada: um estudo da transposição da sala de aula para o
ambiente virtual”. In: LEFFA, V. J. (org.). A interação na aprendizagem das
línguas. 2 ed. Pelotas: EDUCAT, v. 1, 2006b.
LOMBELLO, Leonor Cantareiro. Articuladores e elementos de relação na aquisição
de português por um falante de espanhol. In: Trabalhos em Lingüística Aplicada,
vol. 1, n. 2. Campinas: Unicamp, 1983, p. 89-111.
MOTTA-ROTH, Désirée. Competências comunicativas interculturais No ensino de inglês
como língua estrangeira. Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.
Disponível
em:
<
coralx.ufsm.br/desireemroth/algumas_publicacoes/competencias.pdf>, 2004. Acesso
em 12 de setembro de 2012.
PAIVA, Vera Menezes. Comunidades virtuais de aprendizagem e colaboração. In
TRAVAGLIA, L. C. Encontro na linguagem: estudos lingüísticos e literários.
Uberlândia: UFU, 2006b.
SANTOS, Percília. O Ensino de Português para Falantes de Espanhol: teoria e prática.
In: CUNHA, Maria Jandyra e SANTOS, Percília. (Orgs.). Tópicos em Português
língua estrangeira. Brasília: EDUnB, 2002, p. 141-155.
81
____________________. Português/ Espanhol — fronteiras lingüísticas que devem ser
delimitadas. In: CUNHA, Maria Jandyra e SANTOS, Percília. (Orgs.). Ensino e
Pesquisa em Português para Estrangeiros. 1ª ed. Brasília: EDUnB, 1999, v. 1, p. 4957.
SCHNEIDER, Maria Nilse. Abordagens de ensino e aprendizagem de línguas:
comunicativa
e
intercultural.
Disponível
em:
<http://seer.ufrgs.br/contingentia/article/view/13321/6703>. Acesso em: 22 de
agosto de 2012.
SILVA, Kleber Aparecido. A pesquisa em formação de professores de línguas
estrangeiras para o meio virtual: do cenário geral brasileiro aoprojeto
“Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos”. In: SILVA, Kleber
Aparecido. Ensinar e aprender línguas na contemporaneidade: linhas e entrelinhas.
Campinas: Pontes Editores, 2010.
SOUZA, R.A. Aprendizagem de línguas em tandem: estudo da telcolaboração
através da comunicação mediada pelo computador. Dissertação de Mestrado
em Estudos Linguísticos – Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG,
2003a.
TELLES, João e VASSALO, M. L. ForeignlLanguage learning in-tandem: teletandem
as an alternative proposal in CALLT. The Especialist, v. 27, n. 2, 2006.
Warschauer, Brown. From the University to the elementary classroom: students’
experiences in learning to integrate technology in instruction. Technology and
teacher education, 2006.
Vídeo na Internet
TELECOM
PERSONAL.
TV
Campaña
te
conviene
2008.
Disponível
em:
http://www.youtube.com/watch?v=qB6GAEXdv4w. Acesso em 27 de setembro de
2012.
82
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PROFESSORES DE ESPANHOL
LÍNGUA ESTRANGEIRA (ELE) NO BRASIL
E DE PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA (PLE)
NA ARGENTINA: IDENTIDADE(S) EM PROCESSO
DE CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO
Nildicéia Aparecida ROCHA26
RESUMO
Na perspectiva discursiva, de linha francesa e segundo estudos realizados por Hall
(2002), Souza Santos (2005) dentre outros, que vêm analisando o conceito de
identidade, assim como os estudos de Celada (2002, 2009, 2010), Serrani (1997, 2003,
2005) e Zoppi-Fontana (2009), quanto ao processo de ensino e aprendizagem de
Língua Estrangeira, verificamos que a construção da identidade se dá em processo de
constante reconfiguração, uma vez que aprender outra língua implica entrar em
contato com outros modos de ver e de nomear o mundo, e deste modo faz-se
necessário “deslocar-se” de si mesmo e reconfigurar-se com relação ao(s) outro(s)
falante(s) desta nova língua a ser aprendida. Em nosso caso trata-se de aprender e
ensinar línguas próximas: português e espanhol, com traços linguístico-discursivos
de aproximações e de deslocamentos. Para tal, este estudo preliminar tem como
objetivos: verificar como acontece atualmente a constituição da(s) identidade(s) no
processo de ensino e aprendizagem de Espanhol Língua Estrangeira (ELE) no Brasil e
de Português Língua Estrangeira (PLE) na Argentina, em especial na formação do
professor destas línguas; observar contextos de ensino e aprendizagem, os quais
possibilitam a inserção do professor de Português (PLE) na Argentina e do professor
de Espanhol (ELE) em regiões centrais destes dois países, considerando as Leis
brasileira e argentina que determinam a oferta do ensino das referidas línguas: Ley
26.468, de enero de 2009, que determina la oferta obligatoria del Portugués en Argentina e a
Lei no. 11.161, de agosto de 2005, sobre o ensino de Língua Espanhola no Brasil. A
metodologia, de tipo interpretativista, pressupõe como instrumentos a realização de
análises das Leis que promovem o ensino de ELE no Brasil e de PLE na Argentina,
assim como de entrevistas, questionários e análise dos dados coletados.
26
FCL / UNESP - Araraquara
83
Palavras-chave: Análise de discurso. Ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras.
Português língua estrangeira (PLE). Espanhol língua estrangeira (ELE).
Identidade(s).RESUMEN
Bajo la perspectiva discursiva, específicamente francesa y según estudios realizados
por Hall (2002), Souza Santos (2005) entre otros, que están analizando el concepto de
identidad, como los estudios de Celada (2002, 2009, 2010), Serrani (1997, 2003, 2005) y
Zoppi-Fontana (2009), con relación al proceso de enseñanza y aprendizaje de Lengua
Extranjera, verificamos que la construcción de la identidad se da en proceso de
constante reconfiguración, visto que aprender otra lengua implica entrar en contacto
con otros modos de ver y de nombrar el mundo, y de este modo es necesario
“desplazarse” de sí mismo y reconfigurarse con relación a otro(s) hablante(s) de esta
nueva lengua a ser aprendida. En nuestro caso se trata de aprender y enseñar
lenguas próximas: portugués y español, con rasgos lingüístico-discursivos de
aproximaciones y de distanciamientos. Para tanto, este estudio preliminar tiene como
objetivos: verificar como acontece actualmente la constitución de la(s) identidad(es)
en el proceso de enseñanza y aprendizaje de Español Lengua Extranjera (ELE) en
Brasil y de Portugués Lengua Extranjera (PLE) en Argentina, en especial en la
formación del profesor de estas lenguas; observar contextos de enseñanza y
aprendizaje, los que posibilitan la inserción del profesor de Portugués (PLE) en
Argentina y del profesor de Español (ELE) en las regiones enfocadas, considerando
las Leyes brasileña y argentina que determinan la oferta de la enseñanza de las
referidas lenguas: Ley 26.468, de enero de 2009, que determina la oferta obligatoria del
Portugués en Argentina y la Ley no. 11.161, de agosto de 2005, sobre la enseñanza de la
Lengua Española en Brasil. La metodología, de tipo interpretativista, presupone
como instrumentos la realización de análisis de las Leyes que promueven la
enseñanza de ELE en Brasil y de PLE en Argentina, así como de entrevistas,
preguntas e análisis de los datos levantados.
Palabras-llave: Análisis del discurso. Enseñanza y aprendizaje de lenguas extranjeras.
Portugués lengua extranjera (PLE). Español lengua extranjera (ELE). Identidad(es).
Introdução
Contemporaneamente, o conceito de identidade já não assegura uma estabilidade
como em séculos passados, principalmente em processos de ensino e aprendizagem
de Línguas Estrangeiras próximas como é o caso do ensino e aprendizagem de
Espanhol como Língua Estrangeira (ELE) no Brasil e de Português como Língua
Estrangeira (PLE) na Argentina em cursos de formação de professores, mas desde
fins do século XX e princípio deste, tendo em vista estudos pós-estruturalistas em
especial a Análise de Discurso de linha francesa, intensificou-se a constatação da
contínua constituição e re-formulação no processo das construções das identidades,
consideradas múltiplas (LAURETIS, 1994, p.208), fragmentárias e às vezes
84
contraditórias (ROCHA, 2009, p.186), assim sendo discute-se certa “crise de
identidade”. Vários autores, como Hall (2002) e Souza Santos (2005) dentre outros,
vêm analisando o conceito de identidade dentro dessa nova perspectiva, assim como
Celada (2002, 2009, 2010), Serrani (1997, 2003, 2005), Zoppi-Fontana (2009), no âmbito
do ensino e aprendizagem de Espanhol como Língua Estrangeira (ELE) e de
Português como Língua Estrangeira (PLE) na formação de professores no Brasil e na
Argentina, respectivamente.
Segundo Hall (2002), que analisa a passagem da identidade do sujeito do Iluminismo
para o sujeito da pós-modernidade, a distinção faz-se no Iluminismo. A identidade
era fundamentada em uma concepção de pessoa humana como indivíduo totalmente
centrado, unificado e dotado das capacidades de razão, consciência e de ação. A
identidade de uma pessoa era o centro do seu eu. A partir de um olhar do sujeito
sociológico, a identidade está vinculada à ideia de não centralidade de seu eu, não
mais visto como autônomo ou auto-suficiente. Sucintamente, para este teórico, a
identidade por ser de três tipos:
- Iluminista: identidade centrada, unificada, dotada de razão; havendo um
núcleo interior que nasce com o sujeito e nele se desenvolve, permanecendo o mesmo
(idêntico) ao longo de sua existência;
- Sociológica: identidade preenche o espaço entre o interior e o exterior,
amarrando o sujeito à estrutura; estabiliza, portanto o sujeito e o mundo cultural que
ele habita, sendo assim unificado e predizível; neste tipo a identidade está se
tornando fragmentada, composta de várias identidades, às vezes contraditórias ou
não resolvidas;
- Pós-moderna: aqui a identidade não seria fixa ou permanente, torna-se “uma
celebração móvel” (HALL, 2002, p. 13) sendo formada e transformada continuamente.
Neste estudo é esta última identidade que nos interessa, ou seja, a identidade pósmoderna, na qual a identidade do sujeito não é vista como fixa e definida, mas sim
dentro de sua dispersão, heterogeneidade, o que temos, portanto, seria “ilusões de
identidades que se constroem no imaginário”. (ECKERT-HOFF, 2008, p. 63). Assim
sendo, a identidade é constantemente reconstruída na relação com o Outro (“rede de
85
significações, anterior e exterior ao sujeito, da qual ele depende para se instituir”
(idem, p. 45)) e emerge por momentos tendo em vista a porosidade da linguagem.
A identidade constitui-se, neste caso, em relações que o indivíduo possa manter com
aqueles que estão próximos ou que têm relevância. Por outro lado, na pósmodernidade, o sujeito vem se tornando cada vez mais fragmentado, não se percebe
como antes, centrado e unificado, passa a ser composto, visto e percebido com várias
identidades múltiplas ou contraditórias ou não resolvidas e que se modificam a cada
nova relação. Desse modo, pode-se considerar a fluidez das identidades (HALL,
2002).
No sentido psicanalítico articulado com a Análise de Discurso, de linha francesa, a
identidade é entendida como um “processo em movimento em que o sujeito se
constitui
pela
multiplicidade
de
discursos,
pela
heterogeneidade
e
pelo
descentramento de si” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 64). Portanto, consideramos as
identidades como
[...] fragmentadas, fraturadas; elas não são, nunca, singulares, mas
multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições
que podem se cruzar e ser antagônicas. Elas estão sujeitas a uma
historicização radical estando constantemente em processo de
mudança e transformação. (HALL, 2000, p. 108, apud ECKERT-HOFF,
2008, p. 64).
Para Zygmund Bauman (2001, p. 97) as identidades “são parecidas com crostas que
vez por outra endurecem sobre a lava vulcânica e que se fundem e dissolvem
novamente antes de ter tempo de esfriar e fixar-se”, estando, desta forma, em
constante processo de construção e reconstrução.
Ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (ELE e PLE)
Especificamente no processo de ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira, a
formação da identidade se dá de modo mais intensivo, em um processo de constante
reconfiguração, uma vez que aprender outra língua implica entrar em contato com
outros modos de ver e de nomear o mundo, e deste modo faz-se necessário
“deslocar-se” de si mesmo e reconfigurar-se com relação ao(s) outro(s) falante(s)
desta nova língua a ser aprendida. Em nosso caso trata-se de um aprender e um
ensinar línguas próximas: português e espanhol, com traços linguístico-discursivos
86
de aproximações e outros de grandes deslocamentos. Neste interstício nos
posicionamos para verificar como acontece atualmente a constituição da identidade
no processo de ensino e aprendizagem de ELE no Brasil e de PLE na Argentina, em
especial na formação do futuro professor destas línguas.
Segundo Serrani (2003, p. 284-5)
Enunciar em línguas estrangeiras talvez seja um das experiências mais
visivelmente mobilizadoras de questões identitárias no sujeito [...] pois
são solicitadas as bases mais antigas da estruturação subjetiva, isto é,
daquilo que de uma história, que sempre é social, sedimenta na
singularidade do sujeito.
Deste modo, aprender uma língua estrangeira consequentemente traz em si um
encontro com o outro e sua cultura, além de um “particular encontro consigo mesmo,
como outro, como visto de fora” (SANTOS, 2009, p. 54). Depreende daí a importância
de se perscrutar sobre a construção da identidade no processo de ensino e
aprendizagem de português e espanhol no contexto contemporâneo.
Considerando estudos versados sobre este tema, citamos um antecedente
investigativo realizado em 2003, pela pesquisadora junto a um programa de pósgraduação Lato Sensu, no qual se perscrutou sobre os preâmbulos de identidade e
alteridade na aprendizagem de espanhol como língua estrangeira. O corpus se
constituiu de entrevistas realizadas com estudantes do Curso de Letras PortuguêsEspanhol da UNIOESTE, Campus de Foz do Iguaçu. Segundo os dados observados e
analisados, tendo como referencial teórico também a Análise de Discurso de linha
francesa
(ORLANDI,
2001;
PÊCHEUX,
1984;
SERRANI-INFANTI,
1997;
VOLOSHINOV, 1976), além de outros teóricos como Zarate (1993), Stake (1998) e
Wittrock (1989); naquele estudo pode-se verificar que:
A) Interpretação dos dados quantificadores:
- quanto ao conhecimento de Língua Espanhola: mesmo sendo em região fronteiriça,
uma porcentagem pequena relata ter conhecimento sobre a língua;
- com relação à aprendizagem de espanhol: a maioria sente-se com certa insegurança
em seu processo de aprendizagem, considerando-o como mais ou menos
insatisfatório;
87
- sobre o campo de atuação docente no futuro: a maioria (63%) observa que há uma
grande possibilidade de trabalho na área de ensino de língua espanhola como língua
estrangeira.
B) Algumas categorias significativas quanto às formulações de subjetividade:
- na perspectiva sócio-histórica da subjetividade observa-se que estes sujeitos
representam sujeitos constituídos por uma heterogeneidade discursiva, resultante de
um
descentramento,
dispersão
e
por
vezes
contradição,
considerando-se
discursivamente como um sujeito atravessado pela ideologia e pelo inconsciente;
- quanto à identidade e alteridade: decorrente mesmo desta subjetividade
heterogênea, observou-se um sujeito afetado pelo desejo da completude com relação
ao conhecimento da língua, relatando certa insuficiência de conhecimento da língua,
e percebendo que a língua não é fragmentária como se faz em geral no ensino,
dividindo o estudo da língua em compartimentos estanques. Isto poderia decorrer,
segundo Serrani-Infante (1997) de um processo de aprendizagem de língua
estrangeira e de este outro, inicialmente, com representações de confronto entre a
língua materna e a língua estrangeira, que entra em conflito com este sujeito que se
sente descentrado.
De modo geral, a pesquisa de 2003, que pretendia verificar a relação
alteridade/identidade no processo de aprendizagem de espanhol (ELE) por
brasileiros, revelou-nos a presença identitária de um desejo de ser uno, centrado, e
reconhecer o outro como diferente em um primeiro momento no processo de
aprendizagem.
Entretanto
pode-se
verificar
que
durante
este
processo
o
distanciamento vai se reconfigurando em identidades e alteridades “outras”, pode-se
dizer movediças, fluídas ou simplesmente em constante processo de reformulação.
Esta primeira pesquisa deu início a uma trajetória investigativa sobre as questões
discursivas no processo de ensino e aprendizagem inicialmente sobre ELE. Agora no
contraste de ELE com PLE, instaurados em um novo acontecimento discursivo, isto é,
pós implementação das leis de oferta obrigatória das referidas línguas estrangeiras,
especificamente no contexto brasileiro e argentino, em região central destes países,
possibilita, portanto, que a proposta aqui apresentada se justifique, por um lado,
pela possibilidade de dar continuidade àquele estudo preliminar, e por outro, por
88
aprofundar este estudo no sentido de verificar as identidades que podem se
materializar neste novo contexto histórico, cultural e político, assim como contrastar
os dados no sentido de trazer contribuições ao ensino e aprendizagem de ELE e de
PLE ao meio acadêmico universitário e também a professores de Ensino Médio e
Fundamental, em ambos países.
Para a realização deste estudo, traçamos como objetivos:
2.1 - verificar a constituição da identidade linguístico-discursiva na formação de
professores de Espanhol como Língua Estrangeira (ELE) em regiões de interior do
Brasil, na UNESP de Araraquara e na formação de professores de Português como
Língua Estrangeira (PLE) em região de interior da Argentina, na Universidad Nacional
de Córdoba (UNC);
2.2 - observar contextos de ensino, os quais possibilitam a inserção do professor de
Português (PLE) na Argentina e do futuro professor de Espanhol (ELE) nas regiões
focalizadas, considerando as Leis brasileira e argentina que determinam a oferta do
ensino das referidas línguas: Ley 26.468, de enero de 2009, que determina la oferta
obligatoria del Portugués en Argentina e a Lei no. 11.161, de agosto de 2005, sobre o
ensino de Língua Espanhola no Brasil;
Metodologia
Como referencializado anteriormente, este estudo focaliza a questão da constituição
da identidade na formação de professores de Espanhol Língua Estrangeira (ELE) no
Brasil e de Português Língua Estrangeira (PLE) na Argentina. Para tal, a perspectiva
teórica que dá sustentação à metodologia selecionada para a investigação pretendida
se firma nas contribuições da área transdisciplinar da Análise de Discurso de
vertente francesa, retomando Serrani (1993, 2003), Orlandi (1996), Hall (2002) e Souza
Santos (2005) dentre outros que vem analisando a questão da construção da
identidade na pós-modernidade, assim como Celada (2002, 2009, 2010), Serrani (1997,
2005), Zoppi-Fontana (2009), Fanjul (2010), Arnoux (2010) entre outros que estão
focalizando temáticas específicas sobre ELE e PLE no contexto do MERCOSUL.
De acordo com Arnoux (2010):
La construcción de la “identidad europea” impone políticas
lingüísticas plurilingües sostenidas en políticas mediáticas y escolares
89
que hagan posible que los futuros ciudadanos comprendan a los otros,
puedan expresarse en la lengua de otros y ser capaces de elaborar
estrategias de aprendizaje de otras lenguas.
En el caso del Mercosur, ese proceso se ve facilitado porque conviven dos lenguas
mayoritarias, el español y el portugués, que se entrelazan con lenguas amerindias
que, en muchos casos, tienen hablantes a uno y otro lado de las fronteras estatales.
(…) el convencimiento de que nuestra integración regional, cuyos
límites geográficos dependen de los progresivos acuerdos, debe
construir un entramado identitario que haga posibles formas de
participación política, en lo cual el aprendizaje de la lengua del otro
(Arnoux, 2008) cumple una función decisiva no solo porque permite
ampliar las redes comunicativas sino también por el juego de
resonancias culturales al que cada lengua está asociada y que los
enunciados activan diversamente. (p.19-20)
Deste modo, concordamos com a afirmação de Arnoux (2010) também no sentido de
que aprender outras línguas, no caso ELE e PLE, é uma forma de participar dos jogos
que vão configurando e reconfigurando a subjetividade em “tensión y acuerdo” com
a língua e cultura próprias de cada um. Assim, tal dinâmica possibilitará desenvolver
um espaço sulamericano de “pensar en la conformación de un imaginário colectivo
que sostenga el ejercicio de una nueva ciudadanía”. (ARNOUX, 2010, p.20)
Discursivamente, tomamos como base o conceito de memória discursiva, observando
a forma como essas línguas, ELE e PLE, passam a ser significadas como lugar de
aprendizagem e de ensino nos contextos brasileiro e argentino, na formação de
professores de ELE e de PLE, atentando para a questão das formações imaginárias
desses sujeitos aprendizes e futuros professores. Além disso, essas análises estão
perpassadas por certas condições de produção e os efeitos de sentido, contexto pósimplementação de leis federais, que possibilitaram a construção de identidades.
A memória tem suas características quando pensada em relação ao discurso, e nessa
perspectiva ela é tratada como interdiscurso, definido como aquilo que fala antes, em
outro lugar, independentemente. Ou seja, é o que chamamos memória discursiva: o
saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do préconstruído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra.
O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em
uma situação discursiva dada (ORLANDI, 2001, p.30). A observação do interdiscurso
90
nos permite remeter o dizer a uma “filiação de dizeres, a uma memória e a identificála em sua historicidade, em sua significância, mostrando seus compromissos políticos
e ideológicos”. (idem, p.32)
Resultados esperados
Considerando que este estudo investiga a construção da(s) identidade(s) no processo
de ensino e aprendizagem na formação do professor de ELE no Brasil e de PLE na
Argentina em contextos variados, pressupõe-se que a contribuição se dê ao meio
acadêmico universitário, a docentes e estudantes, assim como a professores e alunos
do Ensino Médio e Fundamental, em ambos os países. Para tal, esperamos
especificamente que a pesquisa contribua:
- na focalização do contraste entre o ensino e aprendizagem de ELE com PLE,
instaurados em outro acontecimento discursivo, ou seja, pós-implementação das leis
de oferta obrigatória destas línguas em contexto brasileiro e argentino,
- na continuidade àquele estudo preliminar, agora verificando a construção e
reconstrução da(s) identidade(s) em contexto de ensino e aprendizagem de PLE e de
ELE, em regiões centrais da Argentina e do Brasil;
- no aprofundamento de estudos nesta linha de pesquisa, analisando como estão se
materializando discursivamente a(s) identidade(s) na formação de professores de
ELE e de PLE, neste novo contexto histórico, cultural e político;
- na construção de referentes interpretativos, quanto às possíveis identidades
observadas neste processo de ensino e aprendizagem de ELE e de PLE, nos dois
países.
Referências bibliográficas
ARNOUX, E. N. de
“Representaciones sociolingüísticas y construcción de
identidades colectivas en el Mercosur”, In: CELADA, M.T., FANJUL, A.P. &
NOTHSTEIN, S. Lenguas en un espacio de integración: Acontecimientos, acciones,
representaciones. Buenos Aires: Biblos, 2010, pp.17-38.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro> Jorge Zahar, 2001.
BAUMAN, Z. Identidad. Buenos Aires: Losada, 2010.
91
CELADA, M.T., FANJUL, A.P. & NOTHSTEIN, S.
Lenguas en un espacio de
integración: Acontecimientos, acciones, representaciones. Buenos Aires: Biblos, 2010.
CELADA, M.T. “O espanhol para brasileiro. Uma língua singularmente estrangeira”,
tese de Doutorado, UNICAMP/IEL, 2002.
________
“O que quer, o que pode uma língua. Língua estrangeira, memória
discursiva, subjetividade”, Revista Letras, no. 37, UFSM, pp. 37-56, Disponível
em: www.ufsm.br/revistaletras, Acesso em: 12 de nov. de 2009.
________ “Memoria discursiva e imágenes de lenguas sobre el español en Brasil y el
Portugués en la Argentina”, In: CELADA, M.T., FANJUL, A.P. &
NOTHSTEIN, S. Lenguas en un espacio de integración: Acontecimientos, acciones,
representaciones. Buenos Aires: Biblos, 2010, pp.39-66.
ECKERT-HOFF, B. M. Escritura de si e identidade: o sujeito-professor em formação.
Campinas: Mercado das Letras, 2008.
FANJUL, A.P. & CELADA, M.T. (Coord.) Signo E Seña: El español en Brasil.
Investigación, enseñanza, políticas. Revista del Instituto de Lingüística Facultad
de Filosofía y Letras – Universidad de Buenos Aires, Número 20, Enero de
2009.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
LAURETIS, T. “A tecnologia do gênero”. In: HOLLANDA, H.B.
Tendências e
impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 206242.
ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes,
4ed., 1996.
_______ , E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,
2001.
ROCHA, N.A. “A constituiçao da identidade feminina em Alfonsina Storni: uma voz
gritante na América”, Tese de Doutorado, Faculdade de Ciências e Letras
FCL/UNESP, 2009.
SERRANI, S. “Diversidade e alteridade na enunciação em línguas próximas”, Letras,
no.4, Porto Alegre, 1997, pp. 11-17.
92
________ “Memórias discursivas, Línguas e Identidades Socioculturais”, Organon,
2003, pp. 283-298.
________ A linguagem na Pesquisa Sócio-cultural: um estudo da repetição na discursividade.
Campinas: UNICAMP, 1993.
________ Discurso e cultura em sala de aula. Campinas: Pontes, 2005.
SANTOS, H. S. “As construções argumentativas como lugar de manifestação das
representações sobre argentinos, espanhóis e brasileiros. In: FANJUL, A.P. &
CELADA, M.T. (Coord.) Signo E Seña: El español en Brasil. Investigación,
enseñanza, políticas. Revista del Instituto de Lingüística Facultad de Filosofía y
Letras – Universidad de Buenos Aires, Número 20, Enero de 2009.
SOUZA SANTOS, B. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10 ed.,
São Paulo: Cortez, 2005.
ZOPPI-FONTANA, M. O português do Brasil como língua transnacional, Campinas: RG,
2009.
93
IDENTIDADES INTERCULTURAIS
NA AULA DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL
NA PERSPECTIVA DE ESTUDANTES
LATINOLATINO-AMERICANOS EM INTERCÂMBIO 27
Emanuele BITTENCOURT NEVES CAMANI28
Franciele FARIAS SEPEL29
RESUMO
A percepção da interculturalidade é pertinente ao ensino/aprendizagem de
português língua estrangeira, já que possibilita ao professor escolher estratégias
adequadas que visem aproximar as diferentes culturas ao aluno. Nessa perspectiva,
um estudo foi realizado a partir de atividades produzidas por alunos do curso de
Português – Língua Estrangeira, ministrado pelo projeto Entrelínguas, da
Universidade Federal de Santa Maria. Os alunos hispanofalantes possuem
procedência argentina, paraguaia, mexicana e guatemalteca e realizaram intercâmbio
no primeiro semestre de 2011. Nesta pesquisa, o corpus foi composto por textos
produzidos pelos alunos durante as aulas. Verificaram-se as suas percepções sobre a
cultura brasileira em comparação com a cultura dos seus países de origem. Os
resultados deste trabalho conduzem à compreensão de como a representação sobre a
cultura e a língua foram construídas nas aulas de português, com a realização dos
exercícios propostos dos quais emergem algumas das tradições culturais latinoamericanas.
Palavras-chave:
interculturalidade,
português
para
estrangeiros,
ensino/aprendizagem
RESUMEN
La percepción de interculturalidad es pertinente a la enseñanza/aprendizaje de
portugués lengua extranjera, pues posibilita al profesor elegir estrategias adecuadas
a fin de aproximar las diferentes culturas al alumno. En esta perspectiva, un estudio
Trabalho realizado no projeto Entrelínguas – UFSM, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Eliana
Rosa Sturza e disciplina de Núcleos de Estudos da Língua Portuguesa, sob orientação da
Prof.ª Cristiane Fuzer – UFSM.
28 Acadêmica do curso de Letras Espanhol da UFSM
29 Acadêmica do curso de Letras Espanhol da UFSM
27
94
fue realizado a través de actividades producidas por alumnos del curso de Portugués
– Lengua Extranjera, ministrado por el proyecto Entrelenguas, en Universidad
Federal de Santa María. Los alumnos hispanohablantes son de procedencia argentina,
paraguaya, mexicana y guatemalteca, y realizaron intercambio en el primer semestre
de 2011. En esa investigación, el corpus analizado es compuesto por diversos textos
producidos por estos alumnos durante las clases. Se verificaron las percepciones de
los alumnos sobre la cultura brasilera haciendo un comparativo con la cultura de sus
países de origen. Los resultes de este trabajo conducen a la comprensión de cómo la
representación sobre la cultura y la lengua fueron construidas en las clases de
portugués, con la realización de los ejercicios propuestos en que emergen algunas
tradiciones culturales latinoamericanas.
Palabras-claves: interculturalidad, portugués para extranjeros, enseñanza
/aprendizaje
INTRODUÇÃO
Segundo a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa 30 (CPLP), o idioma
português é falado por 250 milhões de pessoas, o 6º no mundo com maior número de
falantes e está em permanente expansão. Esse crescimento é percebido no Brasil,
pois este, permanentemente, recebe grande quantidade de estrangeiros por diversos
motivos que, imersos em nossa cultura, buscam aulas de português voltadas para
suas necessidades de comunicação. Percebendo esta realidade, o projeto Entrelínguas
(Centro de Práticas Linguísticas e Culturais), da Universidade Federal de Santa
Maria, oferece o curso de Português para Estrangeiros. Semestralmente, são ofertadas
duas turmas, uma para estrangeiros de diversos idiomas e outra para
hispanofalantes que estão em intercâmbio na UFSM, por meio do projeto Escala
Acadêmica, da AUGM (Associação das Universidades do Grupo Montevidéu).
Este trabalho investiga de que forma a cultura autóctone reconhece a nova cultura e a
“traduz”, denotando-lhe valores. Para melhor investigar este tema, foram
selecionados 12 textos dissertativos, produzidos por alunos hispanofalantes
provenientes da Argentina, Paraguai, México e Guatemala, que relataram suas
experiências no Brasil e na cidade de Santa Maria, no curso “Português para
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa foi fundada em 1996, possui sede em
Lisboa – Portugal, e tem como objetivo a integração entre os países lusófonos.
30
95
Estrangeiros”, no segundo semestre de 2011, como atividade avaliativa. Nesses textos,
são analisados pontos de aproximação e distanciamento entre a cultura nativa do
aluno e a cultura alvo. Com isso, apontamos quais pontos de identificação entre as
culturas influenciam o processo de aprendizagem da língua portuguesa. Verifica-se,
também, a viabilidade de duas hipóteses:
a. A cultura nativa influencia diretamente a aprendizagem de uma língua
estrangeira através de seus pontos de aproximação e distanciamento e
b. Hábitos, comidas típica, geografia (clima e vegetação) e danças são pontos
relevantes à identidade cultural e pontos de comparação.
A partir destas hipóteses e seguindo conceitos utilizados na linha de pesquisa
“Língua, Sujeito e História”, entende-se que língua e cultura são indissociáveis,
estando à cultura na forma de ver, ser, agir e pensar o mundo (GARCÉZ, 1998, p. 3386), desta forma, torna-se necessário compreender o papel da cultura nativa no
processo de aprendizado de língua estrangeira. A seguir, algumas reflexões de
cultura e interculturalidade.
CULTURA E INTERCULTURALIDADE
A palavra cultura pode ser entendida de várias maneiras, possui diversos conceitos, e
segundo Dourado e Poshar (2010, p.33), se compreende por:
um vasto conjunto de possibilidades que pode ser desde
inata ou hereditária à adquirida, de conjunto de realizações
artísticas a conjunto de saberes acumulados, de faculdades
intelectuais à visão de mundo, o termo cultura derrama sua
significância em diferentes contextos, evocando significados
múltiplos e complexos.
O ensino de línguas estrangeiras, durante relevante espaço de tempo, utilizou-se de
didáticas que dissociavam língua e cultura. Compreendia-se o ensino de Língua
estrangeira (LE) como sendo restrito à análise e compreensão das estruturas
morfológicas e sintáticas da língua alvo ou ao ensino das quatro habilidades,
variando da perspectiva estruturalista a comunicativa e, somente após adquirir tal
domínio, o estudante estaria apto ao acesso à cultura, entendida como literatura e
artes em geral. “Neste caso, a cultura é concebida como uma quinta habilidade
96
(KRAMSCH, 1996), e a língua, um instrumento de comunicação” (DOURADO e
POSHAR, 2010, p.33). Nessa perspectiva, entende-se cultura como sinônimo de
curiosidade.
Outra perspectiva é a língua como forma de interação social, em que emergem dois
pontos cruciais, Dourado e Poshar (2010, p.33) elucida:
O primeiro é que essa forma de conceber a língua abarca o
que Garcez chama de cultura invisível, i.e., forma de ver, ser,
agir, e pensar o mundo, a qual se constrói nas e pelas
práticas discursivas, sendo, portanto, constitutiva da língua e
vice-versa. Em consequência o segundo aspecto é a
necessidade de compreensão na comunicação intercultural.
A indissociabilidade entre língua e cultura é cada vez mais
visível no mundo globalizado, no qual urge uma educação
intercultural, em que cultura e língua caminhem lado a lado
como fatores fundamentais de uma convivência
compartilhada no planeta.
Assim, compreende-se que cultura não é algo constante ou imutável, mas está
intimamente relacionada ao contexto social e, assim sendo, esta é socioculturalmente
construída nas práticas discursivas: ser, dizer e agir. Essa forma de cultura é
denominada invisível e definida cultura (com a letra “c” minúscula), em oposição à
Cultura (com a letra “C” maiúscula) que se refere à literatura, pintura e artes de
forma geral (KRAMSCH, 1996).
Autores como Damen (1986) e Kramsch (1996) salientam a pouca atenção dada à
cultura invisível (com letra minúscula). Apontam que esta raramente é mencionada
em livros didáticos ou citada pelo professor nas aulas de línguas, apesar de ser parte
constitutiva da língua, por particularidades como léxico, formas comportamentais de
ser e dizer, etc. Ressalta que apenas a “Cultura” (com letra maiúscula) é abordada,
ainda que de forma isolada na língua, em condição de curiosidade ou informação
adicional.
É relevante, ao tratar-se do ensino de língua estrangeira, concebendo língua como
fundida à cultura, considerar a interculturalidade. Canclini (2007) (citado por
AMARAL, CHAPMAN e ZANELLA, 2010, p.11) refere-se à interculturalidade como
uma busca das diferenças convergindo num entrelaçamento entre elas quando há a
97
necessidade de relação e troca entre ambas. Logo “a interculturalidade toma as
diversidades, mas também as diferenças e as desigualdades. [...] é uma ação política,
econômica, social e cultural”. (CANCLINI, 2007).
Dessa forma, neste trabalho, buscamos identificar pontos de interculturalidade entre
as culturas autóctones e a cultura alvo, mapeando-os como relevantes ao ensino
aprendizado de uma língua estrangeira, nesse caso, a língua portuguesa. Para melhor
identificá-los, utilizamos uma metodologia específica, descrita a seguir.
METODOLOGIA
Corpus e contexto da pesquisa
Esta pesquisa é um levantamento acerca dos pontos de interculturalidade
emergentes
em
doze
textos
escritos
em
língua
portuguesa,
por
alunos
hispanofalantes. Tais alunos são de diferentes nacionalidades, sendo oito argentinos,
dois mexicanos, um paraguaio e um guatemalteco, em intercambio na UFSM, no
segundo semestre de 2011. Os estudantes não possuíam nenhum conhecimento ou
conhecimentos básicos de língua portuguesa e/ou cultura brasileira e, buscando
sanar suas dificuldades no novo idioma, frequentaram o curso “Português para
Estrangeiros”, que possuiu a carga horária de 30h/aula e um encontro semanal.
Os doze textos que compuseram o corpus foram produzidos como atividade
avaliativa do mencionado curso, em que os alunos discorreram sobre suas
impressões do local em que realizam o intercâmbio (UFSM, Santa Maria, Rio Grande
do Sul, Brasil) fazendo uma comparação com seus países de origem, em um texto
dissertativo argumentativo de 20 a 40 linhas.
Os participantes da pesquisa serão referidos por um código formado por uma letra e
um número, em que a letra se referirá ao país de origem (A – Argentina, M – México,
P – Paraguai e G – Guatemala), seguida pelo número que distinguirá cada aluno. Nos
excertos usados na análise, será preservada a escrita original dos mesmos, mantendose as inadequações gramaticais.
Etapas realizadas
A pesquisa ocorreu nas seguintes etapas:
98
• Coleta e formatação do corpus em arquivos eletrônicos, Word 2007,
objetivando
facilitar
a
análise
devido
à
caligrafia
de
difícil
compreensão;
• Identificação, nos referidos textos, de pontos de aproximação e
distanciamento entre a cultura de origem do aluno e a cultura alvo,
através de semelhanças e diferenças relatadas nos textos, indicadas por
informações contextuais, campo semântico e expressões que indiquem
avaliação;
• Verificação da frequência de palavras que indiquem o campo semântico
através de nominalizações, adjetivos e expressões de avaliação
identificando pontos de aproximação e distanciamento entre as culturas
e a avaliação do aluno de seu período de imersão na língua/cultura
alvo;
•
Verificação da frequência dos temas abordados apontando a possível
relevância destes na identidade cultural do aluno;
• Análise dos resultados.
RESULTADOS
Pontos de aproximação
Identificamos que o principal ponto de aproximação e significação entre a cultura
originária dos alunos participantes da pesquisa e a cultura alvo é a comida,
principalmente o churrasco e o chimarrão. Nove participantes afirmaram ser a
gastronomia semelhante nas duas culturas, à cultura de seu país de origem,
Argentina, e a do local onde realizaram o intercâmbio, o Rio Grande do Sul.
Em segundo lugar, percebemos a música e a dança, empatadas com a
origem/história da região sul do Brasil e da Argentina, ambas citadas por quatro
participantes argentinos. Eventualmente, encontramos: apreço pelo futebol (1),
aproximação dos sotaques (1) e geografia (1).
Na sequência, apresentamos fragmentos dos textos produzidos pelos alunos, em que
indicam pontos de aproximação entre as duas culturas, a de origem e a alvo, por
99
meio do campo semântico. A comida, ponto de maior identificação intercultural, está
inferida nos seguintes excertos:
A população “gaúcha” própria da região é singela e muito
legal, e têm costumes muito fortes como o chimarrão, o
churrasco, o qual é muito parecido à cidade onde moro lá na
Argentina.
[A1]
... adoração pelo chugasco é única.
[A2]
O sur do Brazil caracteriza-se por ter uma cultura bem
gaúcha, de tomar chimarron, do churrasco ao espeto, de
beber vinho.
[A4]
A cultura do gaúcho, o chimarrão, o churrasco, as danças
fizeram nos sentir quase como em casa.
[A3]
Também o jeito de fazer churrasco é, dependendo do lugar
igual porque utiliza-se espeto além disso é muito parecido
algumas das comidas como polenta e outros.
[P1]
Constatamos que a alimentação e os hábitos relacionados ao aspecto alimentar, como
forma de preparo dos alimentos e diversidade de bebidas, foram as referências
culturais mais identificadas pelos alunos estrangeiros.
Confirmando essa
tendência cultural, apresentamos a perspectiva proposta por Maciel (2004, p. 25), que
destaca a alimentação como um ato social e cultural permeado por representações,
escolhas e símbolos. No que se refere à representação e símbolos, o churrasco e o
chimarrão são os alimentos mais citados pelos estudantes como referencial alimentar
no estado do Rio Grande do Sul, onde vivenciaram a mobilidade acadêmica. Além
disso, através desses dois elementos, foi estabelecida pelos alunos uma identificação
cultural em relação ao seu país de origem no que concerne à alimentação. A maioria
dos participantes tem procedência argentina e logo fizeram alusão ao chimarrão e ao
churrasco, justificando as semelhanças de costumes em relação ao preparo desses
alimentos. Ainda, corrobora o fato de que houve uma miscigenação de elementos de
diversas procedências na alimentação brasileira (MACIEL, 2004), entre os quais, a
100
influência das iguarias rio-platenses como os diversos tipos de churrasco e chimarrão,
semelhantes aos encontrados no Rio Grande do Sul.
A música e a dança, segundo ponto de aproximação cultural mais citado, são
referidas nos fragmentos seguintes:
A cultura gaucha no Rio Grande do Sur tá presente na
musica, na dança...
[A2]
Mas, no sul do Brasil, por exemplo, a história, a música, as
comidas e as costumes são bem mais parecidas as nossas.
[A3]
Escutar sertanejo e música gaúcha. Eu achei isso muito
parecido com Argentina.
[A6]
As músicas e danças tradicionalistas do Rio Grande do Sul foram identificadas como
semelhantes às músicas e danças tradicionalistas argentinas. Estes dados vão ao
encontro da afirmação de Dourado e Poshar (2010, p. 33), que a cultura também se
constrói através do “conjunto de realizações artísticas”. Tais semelhanças
anteriormente mencionadas ocorrem, possivelmente, por serem oriundas de uma
mesma origem cultural (LEENHARDT, 2002, p.27). De forma distinta, notamos que
países mais distantes, como Guatemala, México e Paraguai, nenhum ponto de
identificação foi encontrado nessa forma de manifestação cultural.
Os últimos pontos relevantes de contato cultural, presentes nos textos formadores do
corpus, se referem à origem e a história do Rio Grande do Sul e da Argentina:
As pessoas que moram lá geralmente são descendentes de
alemães e italianos e então têm muito costumes de eles.
[A6]
Eu gostei muito de conhecer alguma coisa mais da história
de este país. Acho que teve momentos bem prosimos da
Argentina, mas com particularidades distintas. Por exemplo,
a ditadura em Brasil foi muito mais longa e com menos
mortos (isso não significa menos ruim).
[A7]
101
Porém o estado do Rio grande do Sul tem muitas coisas que
também tem no meu país, por exemplo as reduções
jesuíticas, que ficaram dos Jesuítas que vieram fazer a
evangelização na Américas nas épocas coloniais.
[P1]
... e em muitos destos costumbres é parecido en alguns
aspectos a cultura gaucha da argentina, que eu acho que
tem os mismos origens...
[A2]
As fronteiras são arranjos políticos, estratégias do estado para evitar a prática do
nomadismo. Dessa forma, por diversas vezes, sua implementação encontrou
resistência dos atores locais devido a possuírem hábitos, costumes e origens comuns
(LEENHARDT, 2002, p.27). Percebemos uma mescla de costumes em territórios do
sul brasileiro e argentino, tais costumes se caracterizam na comida, como o churrasco
e o chimarrão, ícones culturais das três regiões; na vestimenta, a figura do gaúcho é
uma constante, a bombacha, alpargata, entre outros; na economia, atividades
voltadas à agricultura e à pecuária, entre várias outras. Leenardt (2002, p.27) atesta
que
a cultura transcende as fronteiras inscritas sobre os mapas
entre a Argentina, o Brasil e o Uruguai. Aquilo que,
entretanto, caracteriza este território culturalmente é a
unidade simbólica do universo “gaúcho”, tal como ele foi
construído na prática e na literatura, ao passo que,
politicamente, é consequência de três entidades geopolíticas,
uma zona de conflito entre três soberanias.
[A8]
Tais constatações são indícios de uma origem comum e que apesar de serem países
diferentes, a fronteira cultural não acompanha a fronteira política.
Pontos de distanciamento
Apuramos serem os maiores pontos de distanciamento entre as culturas a música e a
dança, estas apontadas por 5 participantes, seguidas pela comida e receptividade,
ambas referidas por 2 participantes, e diferenças nas atividades universitárias,
referido no texto de 1 participante.
102
Constamos, nos excertos seguintes, o estranhamento dos alunos em relação a musica
de seus países de origem e a música brasileira, características de outras regiões que
não a sul:
Gostei muito de poder escutar samba e tentar dançar porque
é uma dança típica daqui, mas lá, na Argentina, não
escutamos muito e também não dançamos. Nós dançamos
cumbia, mas aqui isso não existe.
[A5]
Mas também há outras diferenças muito grandes como festas,
danças, algumas comidas, etc. O resto do Brasil não é como
meu país.
[A7]
Eu sou do paraguai é tem muitas coisas que são diferentes
entre meu país e o Brasil. Por exemplo, as músicas típicas de
nos é mais do que bem de España e também dos indígenas
guarani.
[P1]
Em este país conheci uma das músicas mais bonitas que eu
tinha escutado: o Samba. Em Argentina a gente tem uma
música com um nome similar, a Zamba, mas o som é muito
diferente. O Samba tem um ritmo ligeiro, um encanto de sol,
de calor. O Zamba tem mais melancolia, tem tristeza e frio.
[A7]
A não identificação musical ocorre na comparação da música, geralmente a argentina,
com ritmos musicais brasileiros, com exceção aos característicos do Rio Grande do
Sul. O samba, referência musical nacional, foi identificado como totalmente alheio às
culturas dos países de origem dos participantes, Argentina, México, Paraguai e
Guatemala. Encontramos no excerto do participante [P1], de nacionalidade paraguaia,
a afirmação de que as diferenças entre a cultura musical de seu país e a brasileira se
justificam pelo fato dos países possuírem diferentes origens coloniais e étnicas. O
Brasil possui uma cultura própria formada pela mescla de outras culturas, como
africana, indígena e europeia, enquanto o Paraguai é fortemente influenciado pela
Espanha e pela cultura indígena guarani. Ressaltamos, também, as diferenças
oriundas do distanciamento geográfico.
103
A hospitalidade dos santa-marienses é citada e comparada à cultura santafesina:
Mas, em minha experiência, a gente, igual que em Santa
María, é mais amável e receptiva que na Argentina, eles
perdem tempo para acompanhar você, para explicar as
coisas na rua, para convidar as suas casas e oferecer “carona”,
que nos não temos na cultura santafesina.
[A1]
O aluno [A1] compara a amabilidade e hospitalidade santa-mariense com a de seu
país de origem, a Argentina. Menciona uma série de situações de interação e conclui
ser o santa-mariense mais receptivo com os estrangeiros do que os argentinos nestas
situações.
A comida brasileira, com exceção da comida da região sul, mostra-se diferente à
comida argentina e a mexicana, evidenciadas nos exemplos:
Aprendi muitas coisas desste maravilhoso país, ainda que eu
senti muitas saudades de meu país porque encontrei muitas
coisas diferentes principalmente a comida.
[M1]
A diferença que eu vi com meu pais, é mais com o nordeste,
porque o sur do brazil é bem parecido. Essa diferença fica
na comida, nós fazemos os churrascos como a comida típica,
encuanto lá fazem os pratos com frutos do mar. A música é
outra, nós escutamos folclore e cumbia e bebemos vinho,
fernet e cerveja.
[A9]
Mais uma vez, verificamos a proximidade gastronômica da Argentina com a região
sul do Brasil, através do prato característico dessas duas regiões, o churrasco. Com
isso, constata-se o distanciamento do sul brasileiro, em especial o Rio Grande do Sul,
com o restante do território nacional, possuindo a região sul características que se
assemelham mais ao país vizinho do que aos demais estados de seu próprio país.
Não encontramos semelhanças gastronômicas entre Brasil e México, essa diferença se
mantém no Rio Grande do Sul, local onde ocorreu o intercâmbio, como também nos
demais estrados brasileiros. Este fato corrobora a teoria de Leenhardt (2002, p.27),
104
que as fronteiras geográficas não correspondem às fronteiras culturais na região sul
brasileira. No entanto, a fronteira cultural é percebida entre Brasil e México já que
este não é um país vizinho, estando distante geograficamente.
A universidade também é percebida como contexto de diversidade, este fato está
evidenciado no excerto abaixo:
Um fato importante que não é muito mencionado nos livros
é a forma de trabalho nas universidades; na Guatemala por
exemplo so tem um porcentage de universitários entre 1,5 e
2% além disso so temos uma universidade pública contra
doze universidades privadas e a maioria das pessoas tem
problemas para acceder à educação universitária...
[G1]
A diferença no número de universidades públicas entre Brasil e Guatemala admira o
aluno guatemalteco, que assinala que em seu país há uma dificuldade, talvez, maior
do que no Brasil para ingressar na universidade.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos, por meio da pesquisa, que afirmam ser a comida, músicas,
danças, origem e história do sul brasileiro e argentino semelhantes, e distintas à
cultura dos países não vizinhos e as demais regiões brasileiras, confirmam as
hipóteses anteriormente mencionadas: a cultura nativa influencia diretamente a
aprendizagem de uma língua estrangeira através de seus pontos de aproximação e
distanciamento. Da mesma forma, hábitos, comidas típica, geografia (clima e
vegetação) e danças são pontos relevantes à identidade cultural e pontos de
comparação.
Isso demonstra que a cultura invisível, cultura com a letra “c” minúscula,
mencionada por Kramsch (1996) percebida na comida, manifestações culturais, entre
outros, junto à cultura invisível do país onde se estuda a língua, deve possuir
relevância no ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira, neste caso, a Língua
Portuguesa, sob a pena de o aluno não ser capaz de comunicar-se efetivamente.
105
Assim, certifica-se que a língua é fundida à cultura. Nesse ponto, relembramos
Canclini (2007), que se refere à interculturalidade como uma busca das diferenças
convergindo num entrelaçamento entre elas quando há a necessidade de relação e
troca entre ambas.
Entendemos que estudar uma língua estrangeira requer muito mais do que regras
gramaticais e literatura. Requer uma atenção aprofundada a hábitos, comidas,
costumes, manifestações artísticas, etc., buscando desvendar a identidade do país da
língua alvo, através de um contraponto com o país de origem.
Consideramos, pois, que nosso trabalho no projeto Entrelínguas, especialmente na
área de Português Língua Estrangeira contempla uma abordagem intercultural que
apreende a sensibilidade do estudante na aula de Português ao expor os pontos de
vista desse sujeito. Logo, exemplifica as considerações desse estudante no que tange
às suas percepções em relação aos aspectos sociais e culturais do Brasil, Rio Grande
do Sul e Santa Maria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Maria da Graça Carvalho do; CHAPMAN, Michael; ZANELLA, Suzanne
Rey (Orgs). A Interculturalidade na lingua(gem) contemporânea : estudos,
desafios e perspectiva. 1ª ed, Curitiba : Editora CRV, 2010.
DAMEN, L. Culture learning: the fifith dimension in the language classroom.
Reading. Massachusetts: Addison-Wesley Publishing Company, 1986.
DOURADO, Maura Regina; POSHAR Heliane Andrade. A cultura na edicação
linguística no mundo globalizado. In: ALVAREZ, Maria Luisa Ortíz; SANTOS,
Percilia (Orgs.). Língua e cultura no contexto de português língua estrangeira.
Campinas, SP : Pontes Editores, 2010.
GARCEZ, P. Invisible culture and cultural varation in language use: Why language
educators should care. In: Linguagem e Ensino, 1, pp. 33-86, 1998.
KRAMSCH, C.J. Context and Culture in Language Teaching. Oxford: Oxford
University Press, 1993.
____________________. Context and culture in language teaching. 3a. ed. Oxford:
OUP, 1996.
106
LEENHARDT, Jacques. Fronteiras, Fronteiras Culturais e Globalização. In:
MARTINS, Maria Helena (Org.) Fronteiras Culturais Brasil – Uruguai –
Argentina, Ateliê Editora, São Paulo, 2002.
MACIEL, Maria Eunice . Uma cozinha à brasileira. Estudos Históricos (Rio de
Janeiro), Rio de Janeiro, v. 33, p. 25-39, 2004.
SANTOS, Percilia. ALVAREZ, Maria Luisa Ortiz (Orgs). Língua e cultura no
contexto de português língua estrangeira. Campinas, SP : Pontes Editores,
2010.
Sites consultados
CPLP Comunidade dos Países da Língua Portuguesa
http://www.cplp.org/Default.aspx?ID=316&M=News&PID=304&NewsID=1439
107
ENSINO DE PORTUGUÊS
EM CONTEXTOS INTERCULTURAIS INDÍGENAS
Pedro Augusto LINO SILVA COSTA31
Tânia FERREIRA REZENDE32
Resumo
A maioria das etnias indígenas brasileiras enfrenta problemas em seu contato com a
língua portuguesa. Por diferentes fatores, a experiência do primeiro contato com o
português é bastante traumática, por um lado, foi uma imposição e, por outro,
necessidade. Imposição quando observamos que há um processo histórico de
tentativa de apagamento da cultura indígena devido à relação assimétrica entre
indígenas e não indígenas. Necessidade enquanto ferramenta de luta e
apoderamento de suas próprias reivindicações, como sendo uma maneira de se
representarem na sociedade não-indígena. A Licenciatura Intercultural da
Universidade Federal de Goiás tem como um de seus princípios pedagógicos o
respeito pela constituição intercultural indígena na formação de professores. Ainda
que a Licenciatura Intercultural não se proponha àquela imposição, o conflito entre
esses dois valores dados à língua portuguesa transparece nos relatos dos alunos,
conforme pudemos observar nas turmas de Português Intercultural. Percebemos o
receio de que o português substitua a língua materna e, assim, ocorra a gradativa
perda da identidade étnica. Esse receio resulta na manutenção da barreira que existe
entre o indígena e a língua portuguesa, tornando a formação na licenciatura
intercultural um processo complicado, embora menos traumático que o primeiro
contato com a língua portuguesa. Através das observações das aulas da Licenciatura
Intercultural concluímos que a experiência forçada e deslocada dos contextos
interculturais indígenas não favorece o ensino de língua portuguesa. Nesse aspecto o
ensino de português imerso em contextos interculturais é providencial e podemos
ver a importância do ensino intercultural de português e a melhora nos resultados do
processo de aprendizagem.
Palavras-chave: interculturalidade; língua portuguesa; educação indígena.
Resumen
La mayoría de las etnias indígenas enfrenta problemas en su contacto con la lengua
portuguesa (LP). Por diferentes factores, esa experiencia es muy traumática; por un
lado, fue una imposición y, por otro, necesidad. Imposición cuando observamos que
31
32
Universidade Federal de Goiás
Universidade Federal de Goiás
108
hay un proceso histórico que intenta de borrar la cultura indígena debido a la
relación asimétrica entre blancos e indios. Necesidad en tanto herramienta de lucha y
empoderamiento de sus propias reivindicaciones, como una manera de representarse
en la sociedad no indígena. El Profesorado Intercultural de la Universidad Federal de
Goiás (CI) tiene como uno de sus principios el respeto por la constitución
intercultural indígena en la formación de los profesores. Aunque desde la carrera no
se proponga aquella imposición, el conflicto entre esos dos valores dados a la LP
transluce en los relatos de los alumnos, recogidos en las clases de Portugués
Intercultural. Percibimos el recelo de que la LP sustituya a la lengua materna y, así,
se produzca la gradual pérdida de la identidad étnica. Ese recelo resulta en la
manutención de la barrera que existe entre el indígena y la LP, haciendo de la
formación en CI un proceso complicado, aunque menos traumático que el primer
contacto con la LP. A través de las observaciones de las clases de la CI, concluimos
que la experiencia forzada y desplazada de los contextos interculturales indígenas no
favorece la enseñanza de LP. En ese aspecto, la enseñanza de LP inmersa en
contextos interculturales indígenas es providencial y podemos ver la importancia de
la enseñanza intercultural de portugués y la mejora en los resultados de aprendizaje.
Palabras clave: Interculturalidad: Lengua Portuguesa; Educación Indígena
Introdução
O presente texto se destina a apresentar as características do ensino intercultural, no
interior do curso de Licenciatura Intercultural de formação superior de professores
indígenas, na Universidade Federal de Goiás - Brasil, passando pela conflituosa
relação entre os povos indígenas e a língua portuguesa, finalizando com um relato de
experiência em uma sala de um curso de Português Intercultural, na Licenciatura
Intercultural, na Universidade Federal de Goiás. Nossa reflexão final é que a
educação bilíngue intercultural é uma abordagem bastante adequada para a
atenuação dos conflitos linguístico-culturais que envolvem as práticas linguísticas
dos indígenas brasileiros com a língua portuguesa. Veremos que a delicada questão
dos indígenas no Brasil pode ser atenuada.
Observamos através dos mecanismos do ensino intercultural como é providencial
que se valorizem todos os elementos culturais, históricos e sociais dos indivíduos
envolvidos no processo de aprendizagem. Dessa forma, essas vozes que por tanto
tempo permaneceram em silêncio, voltam a exercer direitos e estabelecer uma
relação de respeito.
Os indígenas têm interesse em aprender o português, eles tem suas razões e também
as ressalvas:
109
Vivemos no meio de uma sociedade que é totalmente diferente em
relação à sociedade indígena. E estamos cada vez mais cercados por
esta sociedade. E é por esta e outras razões que nós sentimos a
necessidade de aprender a língua portuguesa, para que possamos nos
comunicar com os não índios e também com os parentes em todo o
Brasil. (…)
(…) é muito importante que valorizemos a nossa própria língua, ou
seja, colocar a língua materna em primeiro plano e a língua portuguesa
como segunda opção. (GAVIÃO, 2010. p. 6)
Sobre educação intercultural
Nos anos 1970 surgia nos Estados Unidos e, em seguida, foi se espalhando pela
América Latina, uma nova perspectiva de ensino chamada de intercultural. Em
ambos os casos, nos Estados Unidos e na América Latina, essa nova perspectiva
surgiu pela organização de movimentos de minorias étnico-culturais. De modo que
essa nova perspectiva não buscava silenciar esses grupos marginalizados, pelo
contrário, buscava dar voz a partir de uma nova abordagem que não desprezava
nem os conhecimentos e nem os saberes dos alunos.
Segundo Pimentel da Silva (2010),
O desejável, do ponto de vista da educação bilíngue intercultural, é
gerar o intercâmbio recíproco de saberes, conhecimentos, técnicas,
artes, línguas etc., sem discriminação traduzido na igualdade de
oportunidades. Propõe-se superar a tradição histórica das relações de
exclusão, desigualdade, opressão e assimetria cultural e linguística que
se acentuou desde a Colônia, que se consolidou na República e ainda é
vigente em nível social, cultural, linguístico, político e, sobretudo,
econômico até os dias de hoje. (PIMENTEL DA SILVA, 2010, p. 12)
Embora seja uma abordagem que tem se dado de forma paralela ao ensino
convencional, a perspectiva intercultural propõe mudanças, de modo que se
construam novos paradigmas epistemológicos e que as pessoas, de modo geral,
sejam atingidas por esse tipo de construção de conhecimento.
Aqui no Brasil a educação intercultural abrange principalmente os indígenas. Ela se
dá dialogicamente e é a partir dos projetos dos indígenas que são pautados os
programas de educação intercultural. Embora já se observe a eficácia tanto em níveis
linguísticos e de formação, ainda há os aspectos políticos e econômicos em que não se
observa tal eficácia. Ainda assim, o nível de aproveitamento é grande, observando
110
que são aproveitados os conhecimentos e os saberes em vários níveis, desde os mais
científicos até os mais empíricos.
Até agora vínhamos falando apenas dos aspectos interculturais dessa abordagem,
mas é também uma abordagem bilíngue, de modo que não é apenas um processo de
ensino de língua, é um processo mais complexo e abrangente, em que são
apreendidos não só a língua, mas ciências e arte, visão de mundo e religião. Toda
essa perspectiva bilíngue intercultural parte de princípios transdisciplinares, em que
várias áreas de conhecimento são agrupadas para a construção do indivíduo.
É fundamental ainda lembrar que a educação bilíngue intercultural preza não só pelo
científico, mas também pela sabedoria empírica. Ela preza ainda pelo ser e pelo seu
contexto histórico e social. É uma perspectiva que não quer colonizar os indivíduos e
sim desconstruir essa situação, em que essas minorias são silenciadas. Ela dá voz e
amplia o campo do saber.
Por fim, podemos traçar como objetivos da educação bilíngue intercultural:
reconhecer a legitimidade dos conhecimentos e valores de cada povo indígena;
entender que a pluralidade de indivíduos contribui para a diversidade cultural do
planeta; possibilitar o respeito, a valorização no processo de crescimento mútuo entre
as diversas pessoas, povos e comunidades envolvidas; evidenciar a diversidade
como um aspecto que aumenta as possibilidades de trocas de conhecimentos e
saberes; estabelecer uma cooperação respeitosa entre as pessoas de características
culturais diferentes; reconhecer que a língua além de ser um meio de comunicação é
ainda conhecimento (PIMENTEL DA SILVA, 2010).
A relação histórica entre indígenas e a língua portuguesa
A Lei do Diretório de 03 de maio de 1757, ampliada a todo Brasil posteriormente pelo
Alvará de 17 de agosto de 1758, representou a primeira imposição legal da língua
portuguesa a todos os habitantes, indígenas ou não, ainda no período colonial.
Começa aí o processo de legalização do apagamento da cultura indígena perante a
sociedade não indígena e de outros grupos marginalizados por eventos como esse.
A escolarização e todo tipo de interlocução pública eram feitos em português a partir
dessa data. A norma assumida como padrão era a norma culta, literária e arcaica de
111
Portugal. Além da obrigatoriedade de se falar o português, ainda era necessário que
fosse feito dentro da norma culta, o que acabava por delimitar as ações de grupos
que não tinham acesso às escolas. Um processo cruel foi se desenvolvendo: os
habitantes dessa terra não podiam falar livremente o português tal qual eles
conheciam.
Após a abolição do Diretório, em 1798, já havia se estabelecido o estigma e boa
parcela da população, marginalizada, já estava no processo de silenciamento. Com
esse processo de estigmatização, estabeleceram-se os conceitos de culto e inculto, por
exemplo, segundo os quais os que falavam o português “correto” eram cultos e quem
não o fizesse era inculto. Dessa forma, sentimentos negativos faziam com que o medo
de falar dominasse as pessoas.
Ainda hoje, observam-se a dificuldade e a afirmação de não saber falar português,
trata-se da memória de uma dominação, que silenciou essas parcelas da população
por muitos anos, como podemos observar também no trecho da observação de
Rezende (2010):
A atitude dos alunos indígenas, os bilingues e os monolingues, com
relação a sua competência comunicativa em português, evoca
múltiplas vozes do passado do Brasil; vozes abafadas dos silenciados,
depois de serem linguística e socioculturalmente violentados, em nome
da imposição legal da língua portuguesa. Pode-se dizer que a
estigmatização das minorias linguísticas, no Brasil, possui uma origem
legal. (REZENDE, 2010, p. 123)
Todo esse panorama histórico traçado nos permite enxergar com mais clareza a
delicadeza da situação do indígena com a língua portuguesa. Os alunos indígenas
geralmente são muito empenhados, pois o domínio do português reflete a busca pelo
respeito social e pela independência. Eles frequentemente se autoavaliam de forma
negativa e isso se dá pela relação conflituosa que se estabeleceu historicamente entre
o indígena e a sociedade não indígena.
Sobre a experiência em curso de Português Intercultural
Estivemos acompanhando uma turma de Português Intercultural VIII, que é a
segunda turma que se formará desde a criação da Licenciatura Intercultural. A
112
Licenciatura Intercultural é um curso de formação de professores indígenas para que
eles próprios deem aula nas suas terras. Como responsáveis pela Licenciatura
Intercultural temos um conjunto de professores da UFG, com representações, por
exemplo, da Faculdade de História e da Faculdade de Letras. É um curso de
formação dentro da perspectiva bilíngue intercultural.
O curso de Português Intercultural surgiu como uma necessidade de ordem prática
para que os alunos fizessem produções acadêmicas e soubessem redigir documentos
oficiais, necessários ao exercício da cidadania e ao exercício dos direitos dentro e fora
das terras indígenas. Eles se comunicavam bem, oralmente, mas reclamavam de certo
desconhecimento das regras e normas de gramática e de ortografia.
Como um curso da mesma prática intercultural, sempre foi construído
dialogicamente, tendo em vista os interesses dos alunos. Mesmo com o diálogo, os
objetivos das aulas de português intercultural eram criados em tornos desses três
principais pontos:
(i) habilitar os alunos na expressão escrita do português; (ii) identificar
e discutir marcas da interação entre a oralidade e a escrita; (iii) buscar
maior adequação ao padrão escrito em português, em seus diferentes
domínios de análise. (REZENDE, 2010, p. 121).
Já na oitava etapa do curso de Português Intercultural, os alunos entendem que o
falar corretamente é adequar-se a um padrão culto e entendem ainda que mesmo que
isso signifique se submeter à língua que tanto os têm dominado, não segui-la é
manter-se excluído. Mas ainda são recorrentes falas que remetam a diferenças entre o
português escrito e o falado, ou sobre como eles sabem falar, mas não escrever.
No primeiro momento observado, realizamos uma atividade que partiu de um
exercício de oralidade para um de escrita. Os alunos fizeram um memorial de sua
relação com a escrita, primeiro de forma oral e depois escreveram. Durante essa
atividade, especialmente no que toca à parte oral, observamos claramente a forma
traumática com que se deu o primeiro contato com o português. O curioso era
observar que mesmo depois de tão difícil processo de aprendizagem, eles ainda
demonstravam interesse e buscavam aprimorar o português. De novo, é necessário
colocar em voga que o domínio do português representa certa independência. É
113
importante evidenciar, ainda, a diferença que há no tipo de processo de ensino no
primeiro contato e agora, no curso de português intercultural, da Licenciatura
Intercultural.
Em seguida, houve o processo de escritura que marca a finalização da graduação na
Licenciatura Intercultural. Os alunos deveriam escrever um artigo de divulgação
científico e um artigo científico, ambos sobre o tema de seus relatórios finais de
estágio. Utilizamos textos de cada gênero para exemplificar e a partir da leitura e
discussão dos textos, chegamos às propostas de cada trabalho. Os alunos então se
empenhavam em escrever os textos, depois de haver sido feita uma explanação sobre
os gêneros em questão. Os textos eram lidos com seus respectivos autores e depois
das reflexões feitas pelo professor ou monitor, acontecia a segunda parte do trabalho.
Depois da escritura dos textos, ocorriam várias etapas de reescritura desses textos.
As atividades sempre eram realizadas observando a relação entre a oralidade e a
escrita. Era a partir de uma que chegávamos à outra. É importante ter em mente que
essas duas modalidades não são tão diferentes assim e o que acontece com a escrita é
uma padronização, para algo que seja universal a todos os falantes de português.
Diferente da fala que é mais pessoal e pode sofrer diferentes influências e variações.
No trecho do trabalho de um dos alunos:
O projeto extraescolar foi criado e pensado para trabalhar com os
alunos e da comunidade Tapirapé sobre conhecimento praticado,
durante a pescaria. Neste projeto nós trabalhamos junto com as
pessoas da aldeia e alunos da escola, fortalecendo a sustentabilidade
do povo. (KT, 2012)
Na citação, podemos observar alguma marca de oralidade como no trecho trabalhar
com os alunos e da comunidade Tapirapé, mas o que é mais relevante ainda é como se
configura o trabalho do aluno. É um conhecimento empírico que é submetido a uma
análise científica. Há nesse trecho a ilustração dessa perspectiva bilíngue
intercultural, em que os saberes dos alunos não são desprezados e eles podem ter voz.
Em outro trecho de outro aluno podemos observar:
O nosso povo ainda é um povo bem tradicional e que preserva muito a
cultura, mas submisso à cultura dos não-indígenas. A cultura Krahô
não é sustentável sua as festas, é movida através das festas tradicionais,
114
se não tiverem festas, a cultura enfraquece, o povo fica fraco correndo
o risco de perder sua identidade cultural. (DPK & RYK, 2012)
Novamente identificamos um trabalho escrito sobre uma situação bem particular aos
alunos. A manutenção da cultura através da realização de festas. Dessa forma,
estamos todos inteirados do contexto social e cultural em que está inserido o aluno. E
é diante disso que é construído o conhecimento. Eles escrevem o texto em português
de maneira bem articulada e refletem sobre uma situação prática da vida em
comunidade deles.
Nos trechos acima, observamos como se dá o processo de aprendizagem depois de
uma carga negativa tão pesada de cunho histórico que vem silenciando os indígenas
por tanto tempo. Essa é uma oportunidade que eles possuem de perpetuarem a
língua, a história, a cultura, os hábitos. Antes de mais nada, esse é um curso que é
voltado para os interesses dos indígenas e as necessidades de suas comunidades.
Conclusão
O ensino bilíngue intercultural é descolonizador, ele encerra o silêncio que por tantos
anos viveram tantos grupos marginalizados. É de suma importância esse processo de
construção de saberes e conhecimentos através da relação do indivíduo com seu
contexto sociohistórico e cultural. É a possibilidade de manutenção de um respeito e
de uma independência há tempo perdidos ou mesmo nunca alcançados.
Ao fim do curso de Português Intercultural VIII, vimos os alunos entregarem seus
artigos, que eles escreveram e reescreveram. O processo foi árduo, mas o empenho
deles os fez chegar mais longe. A vontade, a necessidade de se fazer ouvir. A
necessidade de lutar pelos direitos. O que assistimos foram pessoas lutando pelo
direito de manterem as suas origens.
Referências Bibliográficas
GAVIÃO, P . “A importância da língua portuguesa para as comunidades indígenas e
seus aspectos negativos”. In: Jornal Takinahaky Intercultural do Núcleo
115
Takinahaky de Formação Superior de Professores Indígenas. Goiânia: UFG, 2010,
ano II, n. 1.
PIMENTEL DA SILVA, M. Reflexão político-pedagógica sobre educação bilíngue
intercultural. In: Cidadania, interculturalidade e formação de docentes indígenas.
Organização Leandro Mendes Rocha, Maria do Socorro Pimentel da Silva,
Mônica Veloso Borges. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2010.
REZENDE, T. Experiência de escrita e reescrita de textos em português por alunos
indígenas da licenciatura intercultural da UFG. In: Cidadania, interculturalidade
e formação de docentes indígenas. Organização Leandro Mendes Rocha, Maria do
Socorro Pimentel da Silva, Mônica Veloso Borges. Goiânia: Ed. da PUC Goiás,
2010.
116
LA NACIÓN SOÑADA Y LOS SUJETOS REALES
EN LA GUERRA DE CANUDOS
Zoraida AHUMADA33
RESUMEN
El presente trabajo analiza el papel de la literatura en el discurso de
conformación de la “Nación” utilizado por las oligarquías tanto de Argentina como
de Brasil en relación al aniquilamiento físico y discursivo de los sectores populares
en contraposición con la tradición oral que rescata el protagonismo de estos últimos.
Proponemos una lectura crítica de Euclides da Cunha en Os Sertões como
obra paradigmática para explicar al “ser nacional” de Brasil desde una visión que se
corresponde con el proyecto de civilización-barbarie sustentado por algunos
intelectuales entre ellos Domingo Faustino Sarmiento. Nos interesa contrastar dicha
visión adoptada por la historia oficial que intentó ocultar la participación de los
sectores populares de Brasil, en particular en la región Nordeste porque se oponían al
“orden” del latifundio agropecuario. Especialmente se intenta reflexionar acerca de
la importancia de la tradición oral acerca de historias personales y comunitarias que
permanecen en las manifestaciones culturales como ejemplo la Literatura de Cordel,
para indagar las percepciones desde los sectores populares acerca de la resistencia y
la masacre ocurrida en Canudos en el Nordeste.
Nación un espacio discursivo para la élite
A fines del siglo XVIII se inició el proceso de configuración de las naciones
en territorio de la actual América Latina, totalmente influido por los ideales de la
Revolución Francesa. El plan de sustituir el poder de los reyes fue ideado por las
elites locales latinoamericanas y en Argentina en particular, fue llevado a cabo por un
amplio sector de la base de la sociedad. Esta singular alianza garantizó la victoria de
las luchas independentistas militares. En la colonia portuguesa el proceso fue
distinto: la independencia, la proclamación del Imperio y luego de la República
ocurren como actos protocolares de la burguesía local, sin modificaciones
sustanciales en la calidad de vida de la mayoría. No obstante, había constantes
Lic. en Comunicación Social por la UNC, Técnica en Comunicación Social por INESCER,
Prof. idónea de Portugués – Alumna del Profesorado de Portugués – Fac. Lenguas -UNC
33
117
revueltas en las que participaban activamente por causas que consideraban muy
propias.
En el campo simbólico, la influencia de la metafísica en la oposición
“civilización-barbarie” cobra fuerza a apartir de los fundamentos del positivismo en
la construcción discursiva “homogeneizante” cuya función ideológica facilitó la
justificación de la apropiación de tierras y sometimiento de la mano de obra
destinada a consolidar el modelo agroexportador dependiente de Europa y Estados
Unidos.
En el texto “el mapa de la exclusión” 34, la autora hace referencia de como la
élite a través de los textos literarios delineó discursivamente el territorio y el límite
entre las zonas pobladas por la ciudad relacionada a la civilización y las
inmensidades pobladas por los aborígenes como “desierto”. En esta construcción, la
“metáfora del desierto” en Argentina desarrollada por el político y escritor argentino
Domingo Faustino Sarmiento en Facundo (1845) y 55 años después por el brasilero
Euclides da Cunha en Os Sertões (1902), es la descripción de un territorio que se
representa como “vacío”.
“La cuestión del vacío es recurrente en la textualidad de la época
(siglo XIX). Sarmiento habla de un vacío cultural que ha de superarse
a fuerza de escritura. Tanto en Sarmiento, como en el resto de sus
contemporáneos, el vacío por excelencia y que aglutina todos los
sentidos es el desierto, permanentemente aludido en los textos. Y,
justamente, se trata de un vacío que debe ser llenado: esta es l tarea
que les compete a los jóvenes.
Vacío significa, entonces estar arrojados, abandonados a una historia
desnuda que se debe cubrir, es asumir un punto cero de inicio que
implica una construcción y, paradójicamente, también una
reconstrucción” (Bocco, 1999, p.85)35
Tal recurso retórico consistió en describir a estas tierras invisibilizando a las
comunidades aborígenes, de mestizos y negros pobladores de tales regiones, esta
“delimitación” territorial plantea una frontera con lo desconocido, extraño, “no
civilizado”. Así la metáfora del “desierto” opera el vaciamiento “discursivo” del
34
35
Moyano Marisa, El mapa de la exclusión...
citada en Heredia, Pablo, El suelo. ensayos sobre regionalismos…
118
territorio para luego justificar su ocupación, apropiación y explotación económica
privada.
La fundación de la Nación positiva, consiste en civilizar estos vacíos e
inscribir otra realidad de poder centralizado en juego con los poderes regionales, a
fin de constituir hacia el mundo una integración simbólica36. Para estos menesteres
los intelectuales escritores fueron los artífices de “modelos de fidelidad referencial”
basado en el determinismo proponiendo la relación entre causas de la naturaleza y la
cultura. El programa de regionalización cultural inscribió una esencia del ser propio
de la nación. Esta homogeneización de tradiciones regionales a partir de las prácticas
de las clases dirigentes, presentaba en la literatura su legitimación como clase
conductora de la Nación.37
¿En qué se parecen los mestizos argentinos gauchos-criollos-indios-negros
con
los
caipira-caboclo-cafuzo-mameluco-indios-negros
mestizos
brasileros?
Salvando las particularidades históricas, culturales, regionales conformaron la base
de la explotación del latifundio en el capitalismo incipiente en Argentina y en Brasil
hacia el siglo XIX. A la vez, tal componente humano también conformaba la
“otredad” abyecta pasible de un programa de homogeneización social y cultural
desde un poder centralizado con fundamentos en la “identidad nacional”. Los planes
nacionales de educación por la generación del ’80 en Argentina y de saneamiento
público en 1ra. República en Brasil respondían a estos postulados.
En Brasil hacia 1822 las tierras productivas próximas a las ciudades y
puertos estaban todas distribuidas en manos privadas restando solamente zonas
habitadas por ex-esclavos huidos y por los indios: eran áreas sin “desbravar”. De este
modo, ocurrió el establecimiento de mestizos como trabajadores libres quienes al
asentarse en determinada zona, ocupaban, limpiaban y cultivaban la tierra y la
tornaban productiva. Posteriormente el latifundio se apropiaba de las mismas para el
emprendimiento del café, expulsando o fagocitando como sus dependientes,
agregados a estos mestizos-labradores.
36
37
Op. cit. idem.
Op.cit. idem.
119
En la región del Nordeste brasilero hacia fines del siglo la economía regional
había entrado en decadencia con las graves sequías y la baja en la exportación
azucarera, así se inició la venta de los esclavos como mano de obra para la
producción en la región Sur y Sudeste del ciclo cafetero. Región del país que
comprende Sao Paulo, Minas Gerais y Rio de Janeiro, los “Señores del café” se
apropiaban de las tierras productivas alegando títulos de propiedad, usando la
violencia de sus capangas para expulsar los trabajadores hacia las matas. En este
sentido, el Imperio brasilero garantizó el latifundio dando el marco legal con la “ley
de tierras” en 1850 que restringía el derecho de posesión a los ex-esclavos, los
poseros, los inmigrantes y los labradores pobres: sometiéndolos como mano de obra
substituta del trabajo esclavo con un mecanismo que hacía casi el único modo de
subsistencia el vender la fuerza de trabajo a los antiguos amos38. Entre los excluidos
mencionados anteriormente identificamos el caipira, el caboclo, Cafuzo, cuja
supervivencia se explica por una marginalidad impuesta ya sea sirviendo de
“capanga” del fazendeiro, sea como agregado, o viviendo “por el intercambio de
favores” de las tierras del señor y pagando con su servicio.
“...la posición inevitablemente marginal del mundo de vida y
trabajo del “caipira”. Esta marginalidad impuesta no es accidental,
al margen de la propia vida caipira. Por el contrario es lo que la
constituye.”(Rodrigues Brandão, 1998, p. 43)
Acerca de la condición de “marginalidad”39 se puede establecer un paralelo
con el criollo, gaucho y los indios asimilados a la vida en las campañas, en la
delimitación de los campos y trabajo agrario para la oligarquía de Buenos Aires
luego de la llamada “Conquista del Desierto” de 1869 a 1880. En el caso de ambos
países, estos trabajadores producían un excedente40, léase la riqueza generada con su
trabajo no remunerado y precario, pero estaban al margen sí, del consumo del
sistema económico capitalista. En ese sentido, la vida y cultura del trabajador
campesino “aparece” desvinculada de la producción económica y por tanto “aislada”
Martins, José de Souza. A questão agrária brasileira e o papel do MST
Rodrigues Brandão, Carlos, Os caipiras de São Paulo...
40 Op.cit. idem.
38
39
120
de la sociedad y de la “cultura civilizada” que las oligarquías importan de Europa.
Visto de esta manera, para las oligarquías tanto en Brasil como en Argentina el
campesino encarnó el “atraso del progreso” hacia la industrialización a fines de siglo
XIX.
Según Enid Yatsuda 41 , para muchos estudiosos el mestizo ocupa el polo
negativo en la oposición ciudad versus campo/roça en la “gran antinomia social
brasileira”. Cualquier referencia al mestizo pasa a ser negativa, peyorativa; justamente
para sostener la sumisión del colonizado es necesario al sistema colonialista la
difusión de tal “ideología”. En esa línea, el viajero francés Saint Hilaire, describe el
caipira como perezoso “por naturaleza”, sucio, idiotizado y violento. Este mismo
discurso es reiterado por los propios estudiosos brasileros como Augusto Emilio
Zaluar 42 , el
historiador Oliveira Viana y aun en la actualidad persiste la
estigmatización del caipira como el personaje “Jeca Tatu 43 ” creado por el escritor
Monteiro Lobato, gran admirador de Euclides da Cunha.
Fuerte como Hércules pero deforme como Quasimodo…
En el libro Os Sertões (1902), Euclides da Cunha relata hechos inspirado en la
llamada “Guerra de Canudos”, en el nordeste de Brasil donde fue enviado como
corresponsal por el diario el Estado de Sao Paulo. Se trata de un texto que fue
considerado La Biblia de la nacionalidad brasilera, un ensayo que intenta explicar a
partir las limitaciones geográficas del territorio, el carácter de sus habitantes,
especialmente su componente “racial” y la recurrente apelación a la “insania mental”
del líder Antonio Conselheiro y sus seguidores
además de la lucha contra la
Enid Yatsuda, el caipira y os outros, in Bossi Alfredo (org.) Cultura brasileira-temas y
situações...
42 Op. cit, idem.
43 Lobato, Monteiro, Irupê…La filmografía brasileira reforzó una visión estigmatizada en las
películas encarnadas por Amácio Mazzaropi a mitad de los `50 y `60 con título homónimo a
la canción que musicaliza la película “Tristeza de Jeca” en 1961, en la cual el caipira aparece
ridicularizado, ignorante, dejado y sucio con animales tan desaliñados y ociosos como “su
propio dueño” en el comentario de la esposa del personaje. La comedia Marvada Carne de
1985, dirigido por André Klotzel y con las actuaciones de Fernanda Torres, Adilson Barros y
Regina, narra las aventuras de un caboclo tan miserable que su única meta es “comer carne
vacuna” en cambio la joven hace de todo para conseguir marido.
41
121
República. El autor realizó un proceso de elaboración
justamente en los años
posteriores a los hechos presenciados en el conflicto, que resultó una denuncia de los
excesos del ejército en la masacre del poblado. Si bien hay una mirada sesgada hacia
los nordestinos a tono con la influencia positivista de la época y la identificación con
un “nosotros” defensores del orden republicano, también plantea interrogantes que
bajo esa misma óptica no pueden contestarse. Tanto es así, que aparece en nota
preliminar del libro su intento: dejar un testimonio de la existencia de “sub-razas”
que a futuro desaparecerán, lo afirma convencido y explica los múltiples factores, tales
como las intrínsecas a los cruzamientos raciales, las exigencias de la civilización, las
postergaciones históricas y por la “deplorable situación mental” de los mestizos
brasileros, razón esta última que apela constantemente para encontrar una
explicación al comportamiento de los habitantes de Canudos en particular y como
ley general a todo mestizo:
Intentamos esbozar, aunque pálidamente, ante la mirada de futuros
historiadores, los rasgos actuales más expresivos das sub-razas
sertanejas de Brasil. Y lo hacemos porque su inestabilidad por
complejos factores múltiples y diversamente combinados, aliada a las
vicisitudes históricas y deplorable situación mental en que yacen, las
tornan talvez efímeras, destinadas a un próximo desaparecimiento
ante las exigencias crecientes da civilización y la concurrencia material
intensiva de las corrientes migratorias que comienzan a invadir
profundamente nuestra tierra. El jagunço destemeroso, el tabaréu
ingenuo y el caipira simplorio serán en breve tipos relegados a las
tradiciones evanescentes, o extintas […] Retardatarios hoy, mañana se
extinguirán del todo. (Euclides da Cunha, 1902 p. 3)
Inspirado en las obras de Taine, Darwin, Comte, Spencer, Caryle, su obra se
revela
particularmente
influenciada
por
el
sociólogo
autraliano
Ludwing
Gumplowicz44. Este estudioso sostenía que la historia está guiada por las luchas entre
las razas y que la tendencia es el inevitable aplastamiento de las débiles por acción de
las fuertes. También podemos especular que había leído al Facundo de Sarmiento
debido a la referencia de esta obra entre los latinoamericanos a partir de su
publicación en 1845. Por eso, Os Sertões está estructurado en tres partes: 1) la tierra,
con una presentación detallada de las características del Sertao Nordestino, con
44
Ventura Roberto, Canudos como cidade iletrada: Euclides da Cunha na urbs monstruosa...
122
informaciones sobre el clima, la composición del suelo, relieve y vegetación; 2) el
hombre, descripción del sertanejo influido por el medio y el destaque al referente del
movimiento Antonio Conselheiro; por último 3) la lucha, capítulo en el cual narra las
refriegas entre las tropas del ejército y los pobladores de Canudos hasta su
aniquilamiento total.
El estilo de su escritura oscila entre la narración y el ensayo, la literatura y la
historia pero sobre todas las cosas muestra una contradicción constante entre sus
aseveraciones como verdad científica desde el positivismo y lo que experimentó
como inexplicable en su estadía45 de 18 días dada su partida 2 días antes del fin de la
guerra. Resulta muy impactante la descripción de los sertanejos entre el asombro y la
repulsión46 para mencionar su fuerza y monstruosidad. Dedica una buena parte del
capítulo El hombre, cuando describe al líder religioso Antonio Conselheiro, se basa en
los relatos de los prisioneros, en los pocos manuscritos que encuentra en las ruinas
del poblado y en posibles diagnósticos médicos para argumentar sobre su insania
mental47.
De este modo, la obra fue fundante acerca de una perspectiva del “ser
nacional” al que hay que “preservar” en Brasil. Para asombro del autor lo encuentra
en las circunstancias desafortunadas de una masacre cruel: el desacomodado y
deforme Quasimodo es el brasilero sertanejo. A pesar de todo el armazón teórico de
la mezcla racial, Euclides termina afirmando la constitución de raza fuerte en el
sertanejo, un Hércules “de color” (cobrizo) capaz de vivir en una región con un clima
totalmente adverso, de enfrentar y resistir la lógica, armamentos, instrucción y
tácticas militares por un convencimiento que sólo puede explicar con la locura. No
obstante, en la historia brasilera y en particular en el Nordeste había referencia de
experiencias de lucha y de resistencia populares de las cuales Canudos no es una
excepción.
El quilombaje
45Op.cit.
idem.
Sugiero la lectura del Texto Anexo o en Os Sertões, cap. O Homem, II “Um parêntesis
irritante” p. 62 a 65.
47 Op.cit., Os sertões, p. 86.
46
123
“el olvido e incluso el error histórico, son un factor esencial en la
creación de una nación, y de aquí que el progreso de los estudios
históricos sea frecuentemente un peligro para la nacionalidad. La
investigación histórica, en efecto, ilumina los hechos de violencia
ocurridos en el origen de todas las formaciones políticas […] (Ernest
Renan, 1882, p.56)48
Alejandro Solomianski
49
plantea a partir de un rescate histórico el
ocultamiento de los aportes africanos a la cultura argentina por la élite anti-rosista.
Rescata también la considerada inadmisible y por qué no subversiva relación que
tenía el líder federalista Juan Manuel Rosas con un sector de la población
conformado por hombres y mujeres negras, mestizos, gauchos. Este tipo de relatos
integran una versión de la historia secreta de la conformación social y cultural que no
convenía a la elite opositora a Rosas de la que Sarmiento era su principal mentor.
En Brasil, un capítulo aparte fue la constante resistencia de los africanos
esclavizados en organizaciones que resultaban de huídas masivas, desde mitad del
siglo XVII hacia fines del siglo XIX. Denominadas Quilombos, eran verdaderas
aldeas gobernadas por consejos de jefes lideradas por un rey, solían incluir indios,
mestizos y prostitutas. En 1630 se formó el Quilombo de Palmares con cerca de 20.000
personas en un cerro situado entre Pernambuco y Alagoas, en el Nordeste de Brasil.
Conocidos por férrea resistencia y capacidad organizativa, tuvieron en Ganga Zumba
su primer rey, asesinado por los propios quilombolas cuando éste se mostró
dispuesto a realizar un acuerdo con las autoridades coloniales. Luego lo sustituyó
Zumbi, que estuvo dieciséis años al frente resistiendo los embates contra la
comunidad de parte de los terratenientes lugareños. En 1695, fue asesinado por
mercenarios bandeirantes comandados por Domingos Jorge Velho50. La persistencia
de muchos quilombos y sus unidades constitutivas los mocambos se debe a que no
estaban totalmente aisladas en los bosques y mantenían una estrecha vinculación con
otros poblados, no siempre de depredación y saqueo de las grandes haciendas. La
existencia de estas comunidades y lo que significaba para los terratenientes obligaba
Fernandez Bravo, Alvaro (org.), La invención de la Nación…
Solomianski, Alejandro, Identidades secretas: la negritud argentina…
50 Bergel, María Laura, Los quilombos y su influencia en la interprenetación cultural afrobrasilera…
48
49
124
muchas veces a acordar pactos y treguas para la mutua sobrevivencia. Además de
generar sus propios cultivos, mantenían intercambios entre los productos de sus
huertas, artesanías a cambio conseguían armas, municiones, vestimenta e inclusive
algunos se empleaban como trabajadores libres en los poblados más próximos. La
omisión de estos reductos en la historia oficial brasilera revela la molestia que
causaba principalmente al sistema monárquico, además de la amenaza de permitir la
expansión de las mismas. Éstas con organización y jerarquía propia, propiciaban
además un espacio para la expresión y síntesis de las culturas de las distintas etnias
africanas y aborígenes, donde no intervenía la iglesia católica ni el régimen
monárquico. En los quilombos, el principal objetivo era la sobrevivencia después de
la vida en cautiverio, si bien participaban de numerosas revueltas e huidas, el
abolicionismo no era perseguido como única causa. Muchas de estas comunidades
fueron arrasadas, exterminadas pero otras persistieron y fueron los orígenes de
muchos poblados, además de las que siguen en la actualidad manteniendo su
identificación de quilombo.
Nada casual, pero curioso que el término quilombo según la Real Academia
Española aparece como: de origen africano utilizado en Argentina, Bolivia, Paraguay,
Uruguay relacionado a prostíbulo y en los mismos países sumando a Chile es
sinónimo de lío, barullo, gresca y desorden51. Puede que en el intercambio entre las
elites argentina y brasilera el término circulara con un sentido descalificante y
peyorativo, justamente porque estas organizaciones implicaban un desafío al orden
del latifundio.
Brasil: revueltas durante 1788 a 1930
El abordaje del conflicto como una “anomalía” de un grupo aislado
generando el caos en el orden civilizado, obedece mucho más al discurso del
proyecto centralizador excluyente de la oligarquía del latifundio que a la
constatación histórica de las revueltas de los quilombos apartir de 1630 y las luchas
entre 1788 a 1930. En este período, tanto en la Monarquía como en la República de
51
Real Academia Española, http://www.rae.es/rae.html
125
Brasil son protagonizadas por sectores populares conformados por indios, negros y
mestizos. Mucho más si tenemos en cuenta que la mayoría de estos movimientos
ocurrieron por todo el territorio de Brasil, pero recurrentemente en el Nordeste.
Los motivos tienen una base en común que es el descontento de la población
por la esclavitud, situación de miseria, impuestos altos, desacuerdos por
nombramientos de autoridades, intentos separatistas de algunos estados debido a
ideales libertarios que ya tenían vigencia en las ex colonias españolas. Hay que notar,
que la historia oficial rescató posteriormente la fallida Inconfidencia Minera
referencia y símbolo de emancipación aún cuando no planteó la igualdad de
derechos civiles y sociales, como la abolición de la esclavitud por ejemplo. En cambio,
la Revolución Pernambucana que fue llevada a cabo por los sectores populares,
derrocó las autoridades de la regencia monárquica e instituyó por dos meses un
gobierno autónomo de terratenientes, religiosos y militares, una elite que proclamaba
los ideales de libertad, igualdad y fraternidad pero lo imaginaban para un círculo
restringido de “ciudadanos respetables” que excluía a la mayoría: los esclavos, los
mestizos, artesanos, campesinos pobres etc.
En la revuelta de Cabanagem, en el estado de Pará en la región Norte
podemos encontrar elementos mucho mas perturbadores y subversivos al orden
establecido, el monárquico, con un involucramiento en las luchas que duraron cuatro
años en total, porque los rebeldes no cedían ni se entregaban, las motivaciones eran
su propio lugar conquistado en la sociedad y en la historia de la provincia, fueron
masacrados un total aproximadamente de 40.000 en las sucesivas luchas contra los
militares de la monarquía.52
La guerra de Canudos puede entenderse en la perspectiva histórica de
resistencia de una comunidad que ensayó una organización fuera de las instituciones
de control capitalista y religioso, experiencia que no era ajena y estaba presente en la
memoria de los sectores postergados en el Nordeste. Es importante destacar que más
allá de ser considerado un movimiento mesiánico por muchos historiadores, debido
a la profunda religiosidad de sus seguidores, también había una férrea búsqueda de
52
Mader, Maria Elisa, Tempos revolucionários, in Revista Historia da Biblioteca Nacional...
126
mejores condiciones de vida y de trato digno. En una población acostumbrada al
desprecio y humillación por su origen étnico y social, Antonio Conselheiro proponía
otro modelo de relaciones humanas más igualitarias. Desde 1893 a 1897, muchos
nordestinos afectados por la grave crisis económica vieron en la aldea de Canudos, el
paraíso: los rebaños y cosechas pertenecían a todos, se protegía a los viejos y
enfermos, no había diferencias sociales ni patrones. El lugar pasó a llamarse Belo
Monte.
La comunidad constituida por personas hábiles, trabajadoras contaba con
artesanos, carpinteros, herreros, además de que todos cuidaban de los rebaños y la
agricultura rotativamente. Había una jefe administrativo que se ocupaba de la
organización de la ciudad, especie de alcalde Joao Abade, un jefe en defensa de la
ciudad el ex_soldado Pajeu, el curandero Manuel Quadrado, y un jefe de la guardia
interna Calixto do Nascimento. En la ciudad no había delitos, los desacuerdos eran
resueltos con la intermediación de Conselheiro y cuando había un crimen de muerte,
el asesino era expulsado del poblado o entregado a las autoridades de la localidad de
Monte Santo para su juzgamiento.
Las poblaciones vecinas simpatizaban con los habitantes de Belo Monte y no
se puede pensar la permanencia del poblado sin una activa interacción con los
alrededores, inclusive en el recrudecimiento del conflicto, cuando muchos soldados
de las fuerzas de provincias cercanas ayudaban con armas y municiones de modo
clandestino53.
Otra falsedad que circulaba era que el beato quemaba el dinero y monedas
de la República, lo que nunca se comprobó. Por el contrario, el dinero era utilizado
para el comercio con los pueblos vecinos. También se decía que los recién llegados
dejaban más de la mitad de sus bienes en una administración comunal. El dinero de
la comunidad era guardado en un cofre, parte de ello era para cuidado de los
enfermos y ancianos que ya no podían contribuir con su trabajo.54 Es poco probable
que el Antonio Conselheiro predicara acerca del amor libre, debido al cuidado de la
moral cristiana que profesaba. Eso sí, no discriminaba las mujeres que eran madres
53
54
Moniz, Eduardo, Canudos a luta pela terra...
Op. cit.
127
solteras, ni tampoco los hijos naturales de los legítimos lo que debe haber choqueado
a la oligarquía local y visto como un escándalo, pero no era culpabilizado por él
como religioso. Si bien Conselheiro estaba en contra del casamiento por civil, al cual
interpretaba como una injerencia en los mandatos divinos, él mismo realizaba
casamientos según la norma religiosa católica55.
El énfasis en el fanatismo, es considerado por Clovis Moura56 como una
explicación mágica que implica una subestimación de los sectores populares en tanto
su capacidad de organización, claridad y adhesión de utopías por las cuales son
capaces de dar la vida. Otro factor que refuerza el prejuicio es presentar la
incompatibilidad del analfabetismo o ignorancia de los sectores populares con la
adhesión a ideales conscientemente defendidos.
Principales movimientos y rebeliones del Siglo XVII, XVIII57
NOMBRE
PROVÍNCIA
Inconfidencia
Baiana
FECHA
1788
BAHIA
Inconfidencia
MINAS
Minera
GERAIS
LÍDERES
CAUSAS
Asociación de los
Alfaiates(Sastres)
“Tiradentes”
1789
Joaquin
José
Intento de independencia de la
Monarquía, con abolición de la
esclavitud
Intento de independencia de la
da
Silva Xavier
Monarquía, grupo de la elite que
no eran abolicionistas
Ildefonso José da
Costa Abreu,
Conspiração
do
Rio
de
Janeiro
RIO
DE
JANEIRO
1794
Manuel Inácio da
Silva Alvarenga
João
Marques
HECHOS PRINCIPALES
Descontento con la miseria
y condiciones de vida en la
Colonia,
con
importante
participación popular
Aumento desmesurado de
impuestos,
métodos
de
cobranzas
crueles:
A
derrama
Sociedad
literaria
de
Intento de independencia de la
discusiones científicas que
Monarquía, con abolición de la
comienzan a debatir las
esclavitud
ideas
de
la
revolución
francesa
Pinto
Francisco de Paula,
Conspiração
dos Suassunas
PERNAMBUCO
1817
Luís Francisco de
Intento de independencia de la
Intento en 1801 es delatado
Paula,
Monarquía con abolición de la
pero fue referente para la
José Francisco de
esclavitud
insurrección en 1819
Paula Cavalcanti e
Op. cit.
citado en el artículo de Tavares, Mirela Conteúdo político das lutas camponesas, in Revista
Sem Terra...
57 Mader, Maria Elisa, Tempos revolucionários, in Revista Historia da Biblioteca Nacional...
55
56
128
Albuquerque,
Situación de miseria de los cabanos
y descontento de los comerciantes.
Una alianza entre los sectores
populares y fazendeiros resulto en
Cabanagem
PARÁ
1835-
Malcher,
1840
Angelim
Vinagre,
una Revuelta contra el –presidente
nombrado por la Monarquía. Hubo
una 2da. tomada de poder porque
las autoridades instauradas no
cumplieron con lo pactado con los
indios, negros y mestizos
ocuparon
la
casa
gobernador
del
su dominio
sobre Belém duro un ano y
las luchas en el
interior;
muerte de 40.000
pobladores de la provincia.
sectores populares.
se
rebelaron
por
reclutamiento
Sabinada
BAHIA
1837-
Dr.
Francisco
1838
Sabino Vieira
el
para
Insatisfacción con la Monarquía,
combatir en la Guerra dos
estaban en contra de un poder
Farrapos en el Sur
central a favor de la autonomía de
Organização da República
las provincias.
Bahiense.
de los rebeldes murieron
1000 y otros 3000 fueron
presos
Iniciaron una revuelta de
vaqueiros,
Balaiada
MARANHÃO
18381841
Manuel
“Balaio”,
Raimundo Gomes,
Cosme Bento
Insatisfacción con el autoritarismo
local y la crueldad de la policía
balaios
artesanos
con
apoyo
de
de
quilombolas, invasión de
2000 sertanejos en Vila de
Caxias
2da.
ciudad
importante de la provincia
Revolução
RIO
GRANDE
Farroupilha
DO SUL
18351845
Bento
Gonçalves,
de
repúblicas platinas.
Pedro Ivo Veloso
Praiera
exigência
Garibaldi
y Lima,
PERNAMBUCO
impostos,
mudanças políticas, exemplo das
José Ignacio Abreu
Revolução
Altos
Giuseppe
1848
da Silveira,
1850
Joaquim
Nunes
Machado ,
Antônio Borges da
Fonseca
Desacuerdo
entre
liberales
República
de
Piratini;
República Juliana, anistia.
y
conservadores que consiguió el
Ataque a los comercios
apoyo de sectores populares en
extranjeros
Proclamación de un manifiesto
populares apoyados por los
muy
fazendeiros en decadência,
progresista,
pero
los
conservadores no aceptaban la
de
setores
reunieron 5000 praieros.
abolición de la esclavitud
Ataque al poblado por un
Guerra
Canudos
De
BAHIA
18961897
Organización
Antonio
Conselheiro,
João
Abade, Pajeu,
de una
próspera
desentendimiento
comunidad al margen de Las leyes
comercial, Los pobladores
del Imperio y del control de la
de
Iglesia católica
hacen replegar al ejército
Canudos
resisten
en 4 incursiones
129
y
Canudos en la literatura de Cordel
Surgida en el Nordeste de Brasil, por fuerte tradición de la oralidad, la
literatura de cordel cumplió 116 años. La necesidad de mantener hechos y personajes
vivos entre una población con un alto índice de analfabetismo e instrumento por el
cual algunos aprenden a leer, determina su importancia en la cultura brasilera. Nos
referimos a un tipo de producción popular de versos narrativos que abordan
diferentes temáticas. Su lugar de venta por excelencia es la Feria Franca, de costo
accesible se caracteriza por estar colgados de un piolín (corda de allí cordel) e
ilustrado con xilograbados. Es considerada del pueblo y para el pueblo.
El cineasta Antonio Olavo58 entre otros destaca la importancia de la tradición
oral en la región y especialmente relacionado en el rescate de las vivencias de la
guerra de Canudos. En su película, Paixão y Guerra no Sertão de Canudos de 1993 parte
fundamental de relevamiento de los hechos se debió a los testimonios orales.
La guerra de Canudos, con sus personajes del poblado y del ejército fueron y
aún son muy referidos en los cordeis59, se podría afirmar que a partir de la literatura
de cordel la gente siempre supo lo que ocurría en el conflicto. Algunos de los
escritores más referenciados son el paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918)
creador de cerca de 1000 cordeis con más de 10.000 ediciones, Silvano Pirauá de Lima
(1848-1913) y otros autores más contemporáneos con José Soares autores de más de
300 títulos; Cuica de Santo Amaro cuenta aproximadamente 400 libritos y Rodolfo
Coelho Cavalcante en los `50 y `60 editor dueño de la librería Luzeiro do Norte, en
Recife.
Iniciado en el nordeste y debido al gran éxodo hacia los grandes centros
urbanos en el Sudeste y Sur del país, hoy también esta región produce mucha
literatura de cordel.
Funcionó además como un medio de comunicación a pesar de no ser este su
objetivo, por lo que en la dictadura del 64 en un momento de mayor represión pasó a
exigir y controlar permisos municipales para desestimular su producción. A la vez
Olavo, Antonio, Os intelectuais e Canudos: in Revista O discurso contemporâneo...
Amorim, Maria Alice, Folheto de Feira, a literatura do povo, In Revista Continente
Documento...
58
59
130
fue en los años 70 que la academia se interesó por esta producción literaria,
reconociendo el género como popular y a sus autores. Su tamaño es de 11x16
centímetros y tiene una estructura de forma fixa de seis líneas (sextilhas) o de siete
(septilhas) diez líneas (décima) con siete sílabas (redondilha maior) o diez sílabas
(decassílabo).
Según Câmara Cascudo, el escritor Ariano Suassuna mencionó que en 1836
circulaba un folleto en Pernambuco con el Romance D`A Pedra No Reino cuya historia
estaba relacionada al mito del rey portugués resucitado “Sebastianismo”. De allí que
se conoce que a partir de muchas de las revueltas y levantamientos populares
circulaban historias de gestas heroicas, de maldiciones, de creencias y mitos que
luego se pasaban a los libros de feria. Son muy leídas las historias sobre Antonio
Conselheiro, de su vida personal hasta anécdotas que siempre lo tratan heroicamente
o como un hombre santo. También hay historias de los hechos acaecidos en la aldea
de Belo Monte (Canudos) acerca del coraje de los jagunços, la integridad moral de los
pobladores en las batallas, la presencia de las mujeres en los combates, aventuras
como el intento de toma del cañón alemán por uno de los Maçambiras, aliado de la
gente del poblado. Si bien hay referencia es positiva de algunos autores 60 más
contemporáneos con relación a los personajes de Canudos, también están sus
detractores como João Melchíades Ferreira da Silva quien fue un ex soldado que
combatió el poblado de Canudos, una vez retirado se dedicó a escribir Cordeis Otro
relato es el relacionado al drama y muerte pasional del escritor Euclides da Cunha,
tratado como alguien exitoso en la literatura pero infeliz en el amor. De este modo,
por lo que implicó en la historia personal de muchos canudenses la masacre del
poblado, por el clamor de justicia social que aún tiene vigencia, seguirán circulando
los cordeles con la temática y los personajes por escrito, en internet, o colgados en la
Feria y también recitados61..
http://www.luizberto.com/mala-da-cobra-arievaldo-vianna/a-guerra-de-canudos-naliteratura-de-cordel
61 Amancio, Geraldo, A história de Antonio Conselheiro, Editora: Editora IMEPH, Ano: 2010.
60
131
A HISTÓRIA DE ANTONIO
CONSELHEIRO
De toda forma buscava
Conselheiro interpretava
(Geraldo Amancio)
Meios pra sobreviver.
A Bíblia à sua maneira.
Em qualquer trabalho tinha
Não obedecia a bispo,
Conselheiro foi um homem
Bravura e muita coragem.
Nem a padre, nem à freira.
De espírito combativo.
Porém, Euclides da Cunha
Se ainda existisse a mão
Obstinado e valente,
Denegrindo a sua imagem
Da tal Santa Inquisição
Decidido e combativo.
De uma maneira mesquinha
Seu destino era a fogueira.
Com tanta sabedoria
Diz n”Os Sertões que ele tinha
Com isso, logo alguns padres
Conselheiro merecia
Tendência pra vadiagem.
Mostraram-se intolerantes
Por mil anos ficar vivo.
(…)
Dizendo que as leis da Terra
Do homem cresce o valor
Com o padre Ibiapina
Tinham de ser como antes:
Quando a história compara.
Muitas lições aprendeu.
Que o cobre se desse ao nobre,
O Brasil tem a mania
Esse sim, amou os pobres,
Tinha que haver rico e pobre,
De enaltecer Che Guevara
Do que tinha ofereceu.
Os mandados e os mandantes.
Talvez por ser estrangeiro.
Angariou donativos…
(…)
Nosso Antonio Conselheiro
“É melhor dar pão aos vivos
Naqueles sertões desertos,
Foi uma jóia mais rara.
Do que chorar quem morreu”.
De esquisitos carrascais,
(…)
Antonio tornou-se arauto
Multidões embevecidas
Montou primeiro um comércio
Dos sem pátria, dos sem nome.
Ouviram sermões de paz
Para comprar e vender.
Sabia ouvir o sussurro
Do maior dos conselheiros.
No magistério ensinava
Da multidão que não come.
Isso para os fazendeiros
Ler, contar e escrever.
Uniu sua mágoa a eles,
Era incômodo demais.
E no foro trabalhava,
Porque também era um deles
Conhecia a dor da fome.(…)
Conclusión
Teniendo en cuenta la influencia del positivismo, evolucionismo y
determinismo en el discurso de conformación de la “Nación” creado por las
oligarquías locales tanto de Argentina como de Brasil, no es de extrañar que
predominasen consideraciones despectivas hacia los sectores populares conformados
por mestizos, aborígenes y negros. La literatura jugó un papel fundamental
modelizador para “vaciar” simbólica y luego justificar el vaciamiento físico de la
presencia de sectores populares e instalar su propio proyecto de civilización
exclusivo y excluyente.
132
En Brasil, año 1902, Euclides da Cunha se propone en Os Sertões explicar al
“ser nacional” de Brasil desde una visión que se corresponde con el proyecto de
civilización-barbarie sustentado por muchos intelectuales latinoamericanos. Si bien
empieza desde una descripción sesgada de los nordestinos, como “insanos mentales
y fanáticos” termina por reconocer el “sertanejo” como sujeto histórico que hasta
entonces no era visibilizado en la desigual sociedad brasilera. Inclusive el fenómeno
de resistencia llevado a cabo por los nordestinos es abordado como un movimiento
aislado en el orden establecido por la oligarquía en la reciente República de Brasil.
No obstante, hubo una operación de “silenciamiento” en la historia oficial al ocultar
la participación y luchas constantes de los sectores populares que generaron muchas
organizaciones en diferentes provincias de Brasil, con mayor incidencia en la región
Nordeste que se oponían al “orden” del latifundio agropecuario ya sea bajo el
sistema monárquico o la República.
La experiencia del quilombaje efectivizada por ex esclavos desde 1630 además
de las tantas revueltas y revoluciones durante la monarquía y la República entre 1788
a 1930 protagonizadas por los sectores populares revelan la determinación y
consciencia de sus demandas de modo tal que ya no es posible pensar en eventos
aislados sino como manifestaciones propias de la contradicción social generadas por
la avance del capitalismo latifundiario en Brasil.
Por lo tanto, se hace necesario contrastar los discursos oficiales de la nación
positiva con fuentes que valore a los sectores populares desde otra perspectiva: que
incluya las motivaciones, capacidades, demandas y las utopías que han movilizado a
muchos brasileros y latinoamericanos en la construcción y apropiación de sus reales
espacios de convivencia. Para ello, la tradición oral acerca de historias personales y
comunitarias puede iluminar una visión más equilibrada de los hechos históricos y
de los muchos relatos que permanecen vivos en las manifestaciones culturales
además de los presentes en la literatura consagrada. Siendo así, la literatura de cordel,
puede ser una fuente para investigar e indagar las percepciones desde los sectores
populares no sólo acerca de la masacre ocurrida en Canudos en el Nordeste, como así
también acerca de otros movimientos populares brasileros.
133
La reparación histórica ante determinados hechos protagonizados por los
sectores populares también deberá ser una construcción anclada en la experiencia de
la comunidad que contenga la mayor multiplicidad de relatos de los sobrevivientes y
sus descendientes encontradas en las canciones, fotos, leyendas, versos, rescate de
personajes que protagonizaron una historia de mucho coraje y valentía pero sobre
todas las cosas desde un gran convencimiento en su capacidad para defender las
conquistas logradas. Quizá sea necesario un profundo reconocimiento histórico de
estos sujetos como intervinientes fundamentales y determinantes en la constitución
nacional para que cualquier nordestino, brasilero, y latinoamericano puedan
referenciarse positivamente en una valiente resistencia que significó la lucha por la
tierra, por una vida más humana, más digna, más solidaria. Citando al propio
Mahatma Gandhi, (1869-1948) “En cuanto alguien comprende que obedecer leyes injustas
es contrario a su dignidad de hombre, ninguna tiranía puede dominarle”.
Bibliografía
AMANCIO, Geraldo, A história de Antonio Conselheiro, Editora: Editora IMEPH, Ano: 2010.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo, Biblioteca do Estudante Três, 1984.
ENID Yatsuda, O caipira e os outros, in Bosi Alfredo (org.) Cultura brasileira-temas e situações,
São Paulo, Ed. Ática, 2003.
FERNANDEZ BRAVO, Álvaro (comp.), La invención de la Nación, Lecturas de la identidad de
Herder a Homi Bhabha, pag.57, ed. Manantial, Bs.As, 2000.
HEREDIA, Pablo, La Nación Positiva, in El suelo. Ensayos sobre regionalismos y nacionalismos en
la literatura argentina, Córdoba, Editorial de la FFyH de UNC Universitas, Córdoba,
2005.
LOBATO, Monteiro, Irupê, 37ed., Brasiliense, São Paulo, 2004, p. 166-170.
MARTINS, José de Souza, A Questão Agrária Brasileira e o Papel do MST, A Reforma Agrária e
a Luta do MST , in João Pedro Stédile.(Org.) Petrópolis, Ed. Vozes, 1997.
MONIZ, Eduardo, Canudos a luta pela terra, p.19-111, São Paulo, Global editora, 1999.
MOYANO, Marisa. El mapa de la exclusión. Los discursos de la Frontera Sur y la construcción de la
Nación, Universidad Nacional de Río Cuarto, Río Cuarto, 2004.
RODRIGUES BRANDÃO, Carlos, Os caipiras de São Paulo; São Paulo, Ed. Brasiliense, 1998.
SOLOMIANSKI, Alejandro, Identidades secretas: la negritud argentina, Bs. As, ed. Beatriz
Viterbo, 2003
134
Artículos
AMORIM, Maria Alice, Folheto de Feira, a literatura do povo, In Revista Continente
Documento, p.20-28, São Paulo, 1996.
BERGEL, María Laura, Los quilombos y su influencia en la interpenetración cultural afro-brasilera,
Una
aproximación
antropológica.
Disponíble
en
www.choike.org/documentos/bergel/quilombos.pdf - Accesado el 20 de Julio de
2012.
MADER, Maria Elisa, Tempos revolucionários, in Revista Historia da Biblioteca Nacional, , São
Paulo, 2008.
OLAVO, Antonio, Os intelectuais e Canudos, in Revista O discurso contemporâneo, pag. 143
TAVARES, Mirela, Conteúdo político das lutas camponesas, in Revista Sem Terra, p.78-80
Jan./Fev.1999.
VENTURA, Roberto, Canudos como Cidade Iletrada: Euclides Da Cunha Urbs Monstruosa,
In REVISTA CANUDOS, V.1, N.1, Universidade do Estado da Bahia, 1997.
Paginas web consultadas
http://www.recantodasletras.com.br/ Antonio+Conselheiro&imageField.x=0&imageField.y=0
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/BUOSFMH5A/1/entre_fanaticos_e_her_is___gabriel_braga.pdf
http://www.luizberto.com/mala-da-cobra-arievaldo-vianna/a-guerra-de-canudos-na-literatura-decordel
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/698582 - /cordel/860384
http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/radar/9-4857-2008-10-07.html
135
O ESTRANHO EM CONTOS DE A MULHER QUE COMIA
DEDOS, DE ÍTALO OGLIARI
Pablo Andrés ROTHAMMEL62
Resumo
No presente trabalho, desenvolvido dentro linha de pesquisa “Literatura Sul-RioGrandense”, do Programa de Pós-Graduação em Letras/Mestrado em História da
Literatura, da Universidade Federal do Rio Grande, faz-se uma análise de alguns
contos e micro-contos do ficcionista sul-rio-grandense Ítalo Ogliari, selecionados de
sua obra A mulher que comia dedos, publicada em 2004. Nascido em 1977, em Porto
Alegre, o autor tem formação em Letras e é também roteirista e diretor de curtasmetragens. O propósito deste estudo é identificar, nas estruturas narrativas
escolhidas, elementos e características inerentes à denominada “literatura fantástica”,
segundo os pressupostos teóricos desenvolvidos e sistematizados por Tzvetan
Todorov em Introdução à literatura fantástica (2008). Desta maneira, após realizar uma
síntese da tipologia de Todorov para textos ficcionais que utilizam o elemento
fantástico, parte-se para a análise propriamente dita dos relatos em questão.
Resumen
En el presente trabajo, desarrollado dentro de la línea de investigación “Literatura
Sul-Rio-Grandense”, del Programa de Posgrado en Letras/Historia de la Literatura,
de la Universidade Federal do Rio Grande, se hace un análisis de algunos cuentos y
microcuentos del ficcionista Ítalo Ogliari, del estado de Rio Grande do Sul, Brasil,
seleccionados de su obra A mulher que comia dedos (La mujer que comía dedos, sin
traducción al castellano), publicada en 2004. Nacido en 1977, en Porto Alegre, el
autor tiene formación en letras y es también guionista y director de cortometrajes. El
propósito de este estudio es identificar, en las estructuras narrativas elegidas,
elementos y características inherentes a la denominada “literatura fantástica”, según
los presupuestos teóricos desarrollados y sistematizados por Tzvetan Todorov en
Introducción a la literatura fantástica. De esta manera, después de realizar una síntesis
de la tipología de Todorov para los textos ficcionales que utilizan el elemento
fantástico, se parte para el análisis propiamente dicho de los relatos en cuestión.
62
Mestrando em História da Literatura (Universidade Federal do Rio Grande/Brasil)
136
Em sua obra Introdução à literatura fantástica (2008), Todorov defende que o fantástico
ocorre no texto narrativo quando não há uma explicação plausível para um fato
ocorrido. Na verdade, o fantástico apoia-se na hesitação que a ocorrência de um fato
incomum suscita:
O fantástico ocorre nesta incerteza; ao escolher uma ou outra resposta,
deixa-se o fantástico para se entrar num gênero vizinho, o estranho
ou o maravilhoso. O fantástico é a hesitação experimentada por um
ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento
aparentemente sobrenatural. (Todorov, 2008, p. 31)
A hesitação é, pois, condição sine qua non para a ocorrência do fantástico dentro da
ficção. Mas essa hesitação é atribuição exclusiva do leitor ou pode estar também
representada no interior da obra? Segundo o teórico, tal fenômeno deve dar-se
obrigatoriamente no leitor (implícito). Todavia, frequentemente manifesta-se em alguma
das personagens. Outra questão levantada por Todorov é quanto à interpretação do
texto: em nome da preservação do caráter fantástico do texto ficcional, ela não pode
ser nem poética nem alegórica.
Por outro lado, o fantástico seria um gênero instável, na medida em que se localiza
no limite com outros dois gêneros: o estranho e o maravilhoso. O fantástico puro
seria quase uma abstração: ocorreria naqueles textos em que a hesitação permanece
mesmo após o término da leitura. Nestas obras, nenhuma explicação, seja real seja
sobrenatural, é encontrada de modo a justificar os acontecimentos narrados.
O fantástico, por um lado, limita com o estranho. Assim, numa gradação, existem os
textos de caráter fantástico-estranho e aqueles pertencentes ao gênero estranho puro.
Numa outra direção, o limite se dá com o maravilhoso, permitindo, por sua vez, a
ocorrência do fantástico-maravilhoso e do maravilhoso puro.
Em textos do tipo fantástico-estranho, acontecem fatos ou fenômenos que
normalmente fogem a uma explicação natural. No entanto, tais acontecimentos
encontram uma explicação racional, embora incomum, o que é revelado na obra: “Se
esses acontecimentos por muito tempo levaram a personagem e o leitor a acreditar na
intervenção do sobrenatural, é porque tinham um caráter insólito” (Todorov, 2008, p.
51).
137
Diferente é o que ocorre nos textos de estranho puro. Neles a hesitação inexiste: todos
os fatos e ações narrados podem ser explicados racionalmente. No entanto,
são [os acontecimentos], de uma maneira ou de outra, incríveis,
extraordinários, chocantes, singulares, inquietantes, insólitos e que,
por esta razão, provocam na personagem e no leitor reação
semelhante àquela que os textos fantásticos nos tornaram familiar.
(Todorov, 2008, p. 53)
No que concerne às obras do tipo fantástico-maravilhoso, o que há é uma aceitação
do sobrenatural para justificar os fatos. Às vezes é difícil definir se um texto pertence
ao gênero fantástico-maravilhoso ou ao fantástico puro, “pois este pelo próprio fato
de permanecer sem explicação, não-racionalizado, sugere-nos a existência do
sobrenatural” (Todorov, 2008, p. 58).
Por último, existe a ficção do tipo maravilhoso puro. Aqui, o sobrenatural não
provoca nenhuma surpresa nem no leitor nem nos personagens. Todos os
acontecimentos são aceitos e estão arranjados de modo a construir uma alegoria.
“Não é uma atitude para com os acontecimentos narrados que caracteriza o
maravilhoso, mas a própria natureza desses acontecimentos” (Todorov, 2008, p. 60).
No entanto, o teórico diferencia o maravilhoso puro de outras formas do
maravilhoso nas quais o sobrenatural ou é justificado ou tem certa funcionalidade.
Seriam eles: o maravilhoso hiperbólico (o maravilhoso não reside na natureza em si,
mas no seu dimensionamento), o maravilhoso exótico (o leitor implícito do texto
desconhece o local da ação narrada, de modo que o narrador pode apresentar fatos
sobrenaturais como se não o fossem), o maravilhoso instrumental (lança-se mão de
aparelhos e mecanismos improváveis na época descrita, mas factíveis na atualidade)
e o maravilhoso científico (há uma explicação racional, mas através de leis não
contempladas pela ciência atual).
Cabe ressaltar que o próprio Todorov admite a arbitrariedade, mais do que da
classificação, dos limites que separam um gênero de outro.
Ítalo Ogliari nasceu em 1977, em Porto Alegre. Além de ficcionista (condição que
exerce através da publicação de contos, micro-contos e romances), é roteirista e
138
diretor de curtas-metragens em super-8. Tem formação em Letras (obteve o grau de
doutor em dezembro de 2010), com experiência docente.
Até a presente data publicou dois livros de contos, A mulher que comia dedos – Contos
de estranho I (2004) e Ana Maria não tinha um braço (2005); e dois romances, Um sete um
(2007) e A volta (2010). A mulher que comia dedos divide-se em duas partes: a Seção I,
“Contos” (em número de 17); e Seção II, “Micro-contos” (em número de oito).
Na análise a seguir, sempre que for necessário fazer alguma referência ao texto
ficcional, utilizar-se-á a seguinte notação: entre colchetes as iniciais do título
[AMQCD], seguido do número da página correspondente.
Para começar, utilizo-me do relato intitulado “Conto”. De estrutura circular, inicia
com o narrador em 3ª pessoa, intruso, dando instruções ao leitor:
Imagine um homem de camisa branca, gravata solta, cueca vinho,
sentado em frente a uma mesa, em sua própria casa, com a cabeça
apoiada sobre as mãos.
Imaginou?
Agora imagine, ao seu lado, um cinzeiro, onde um cigarro queima,
chateado. A fumaça sobe e desmancha-se no teto.
Não é difícil, né? Sei que não. [AMQCD, 17]
Ocorre de início um certo estranhamento, em função da técnica narrativa empregada.
Temos aqui um narrador que dialoga diretamente com o leitor, mas que em vez de
propriamente contar, lhe dá instruções. Tal estranhamento aumenta com o
prosseguimento do texto:
Agora imagine que esse homem não possua rosto de homem, mas de
um equino, a cabeça grande, marrom e pesada, fazendo roncar as
narinas quando suspira.
Imaginou? Ficou um pouco mais complicado, sei disso, mas é
literatura, faça sua mente trabalhar.
Pois bem, esse é o nosso protagonista. Não é um Mito. Não escrevo
mitos, simplesmente contos. Então, agora, deixe-me contar. [AMQCD,
17]
Ora, aqui além da existência de um narrador que se evidencia através de instruções,
verificamos que ele se utiliza de metalinguagem. Interessante também destacar a
139
ambiguidade provocada com o uso do verbo imaginar, já que o produto da
imaginação não é prova suficiente da existência real daquilo que é imaginado.
A partir deste ponto o narrador inicia de fato a narração da história, por meio de uma
analepse que remete ao dia anterior do momento da enunciação. É contado que o
protagonista saiu em busca de emprego. Depois de várias tentativas frustradas, ao
cruzar com um carroceiro e conversar com ele, decide entrar no ramo. Encomenda
uma carroça e tenta comprar um cavalo, porém o animal custa mais do que ele
pensava. Tenta desfazer o pedido da carroça, mas o vendedor recusa-se a
desmanchar a operação. O protagonista e o vendedor discutem, xingam-se, agridemse. O protagonista volta para casa e dorme, sem contar nada à mulher, que sai cedo
para trabalhar. Ele senta-se a mesa, “como contei no início” [AMQCD, 19]. Deixam a
carroça na porta. Sua mulher volta. “Não encontrou o marido. Um cavalo comia o
estofado do sofá. Ao seu lado, um cinzeiro, onde um cigarro queimava, chateado. A
fumaça subia e desmanchava-se no teto” [AMQCD, 19, grifos meus].
Como definir este conto dentro da tipologia proposta por Todorov? Considero que
pertence ao gênero fantástico puro, na medida em que a hesitação provocada no
leitor não encontra nenhuma justificação real ou sobrenatural. Sequer há evidência
concreta de que o protagonista se transforma em cavalo. Por um lado porque não há
correspondência entre o ser presente no início do conto (um homem com cabeça de
cavalo) com o que está presente ao final (um cavalo). Por outro, pela natureza do
material linguístico utilizado pelo autor: no princípio, verbos instrucionais e
metalinguagem, o que coloca as ações no terreno da hipótese; durante a analepse,
estruturas frasais assertivas, com ações no campo factual. Dizendo de outro modo:
nada garante que aquilo que o narrador quer que imaginemos, corresponde de fato
àquilo que ele conta como realmente acontecido. A hesitação permanece mesmo
findo o relato.
À margem disto, creio reconhecer nele uma construção sintática incomum, em
função da carga semântica obtida, presente no início e no fim do texto: cigarro
chateado.
“O dia das marionetes” é narrado em 1ª pessoa pelo protagonista, um homem cujo
nome não é informado. Começa com ele voltando para sua casa depois do trabalho.
140
Encontra a esposa, Vivian, eufórica, que lhe propõe comemorar o aniversário de
casamento (que ocorria naquele dia) de uma maneira diferente. Ambos vão para uma
cidadezinha cujo nome não sabem pronunciar, para participar d’O dia das marionetes,
festival no qual os moradores levavam seus parentes falecidos naquele ano. Através
de fios e outros mecanismos, os mortos ganhavam movimento. Uma vez que chegam
lá, o protagonista impressiona-se com várias situações, em que pessoas manipulam
cadáveres, mas que se comportam com naturalidade. Inclusive Vivian passa a agir
como os habitantes do local:
O grito fez o povo vir em minha direção. Fui junto. Era Vivian. Ela
manuseava uma mulher com perfeição, extraía movimentos ridículos
da coitada. Todos riam. Estiquei-me para falar com ela. Gritei.
Alguém gritou mais alto, abafando-me. [AMQCD, 24]
O protagonista decide deixar Vivian sozinha e começa a perambular pelo local.
Acaba se deparando com uma marionete (um cadáver), experimenta manipulá-lo.
Vai para outro recinto, encontra uma mulher morta, bonita e nua. Decide fazê-la
mexer-se, apertando botões. Os movimentos sensuais dela despertam sua libido. “Eu
teria baixado as calças e me masturbado se não enxergasse o algodão em seu cu.
Escolhi novamente os degraus da entrada” [AMQCD, 25]. Descobre que Vivian,
chateada, o procurava. Decidem voltar para casa. Vivian despede-se de algumas
pessoas. Durante a viagem de volta, no carro, ela parece criticar a cidade: “Ela só
falava na mesma coisa: a cidade isso, a merda da cidade que ela não sabia pronunciar
o nome aquilo” [AMQCD, 25, grifado no original]. No entanto, inesperadamente,
propõe que ambos levem alguém no próximo ano.
Parece-me que este conto enquadra-se na categoria do estranho puro, embora utilize
recursos de outra categoria. O que provoca estranhamento é o caráter insólito,
incomum, aberrante da situação. Mas em nenhum momento cogita-se em dar uma
explicação sobrenatural aos fatos. O próprio narrador-protagonista explica
racionalmente o que ocorre: trata-se de um festival de marionetes, em que, no lugar
de bonecos convencionais, o que há são cadáveres manipulados por meio de
processo mecânico (cordas e botões de comando). Se se considera que não é possível
corroborar a existência de tal mecanismo em nossa realidade empírica extraliterária,
141
sobra a alternativa de aceitar o recurso do maravilhoso instrumental. Mas, como foi
visto em Todorov, tal recurso não torna propriamente maravilhoso um texto.
Curiosamente, o que dá um caráter estranho ao conto não são apenas as situações
insólitas. Talvez o que provoque mais desconforto seja justamente o comportamento
de normalidade dos personagens. No relato, ninguém, com exceção do protagonista
(e mesmo assim em atitude titubeante), se surpreende ou se choca com os
acontecimentos. Até mesmo Vivian comporta-se de modo natural diante do que
presencia (lembremos que é a primeira vez que ela visita a cidade e frequenta o
evento). Tal naturalidade mantém-se mesmo na hora de voltar para casa:
Ela queria ir para casa. Não queria pegar noite na volta. Concordei,
claro, Ela ainda foi se despedir de algumas pessoas. Demorou. Beijos
e beijos. Pareciam se conhecer há tempo. Prometeram coisas ridículas.
Chás, cafés, bingos, telefonemas. Não participei da cerimônia.
[AMQCD, 25]
Tem-se também o estranhamento provocado pela ambiguidade da penúltima frase:
“Também propôs levarmos alguém no próximo ano” [AMQCD, 25]. Como leitor, ése incapaz de entender a verdadeira vontade de Vivian: se ela sugere simplesmente
convidar alguém a acompanhá-los ou se deseja que ambos voltem à cidade levando
algum cadáver.
Já em “A carta”, como o título sugere, no formato epistolar, o protagonista noticia à
sua ex-parceira a morte do filho deles. O estranho surge logo no início da carta, pois
o autor da carta anuncia sem rodeios a tragédia:
Querida, escrevo para anunciar a morte do nosso filho. Sei que você
viria visitá-lo amanhã, ele completaria sete anos. Mas não se
desespere. Estas coisas acontecem. Ninguém está livre de tragédias.
Vou contar como foi. E quero registrar também que não tive culpa
pelo ocorrido. Foi um acidente, desses que a gente nunca espera.
[AMQCD, 26]
A sua tentativa de amenizar o ocorrido soa, num primeiro momento patético, e é
possível entendê-la como uma atitude de quem se encontra desesperado pela dor.
Mas, no decorrer do seu relato, tal impressão esvai-se aos poucos, e passa-se a
enxergar, em seus atos e pensamentos, reflexos de algum desvio patológico. Por um
142
lado, pelo excesso de detalhes que contextualizam o local e o momento da tragédia:
longamente ele conta que jogava bola com o menino. Por outro, chama a atenção
também o fato de o autor fazer referência à vida conjugal dos dois:
Eu só pensava em você naquele momento. Olhava os dentinhos dele,
sorrindo, e via os seus. Vieram as lembranças do nosso namoro.
Lembra quando tínhamos trabalho e já escolhíamos o nome para um
futuro menino? É, o sonho se concretizou. Botamos o mesmo nome.
Nunca imaginei que te perderia. Que me trocaria pelo Ricardo. E
amanhã, quando vier para o velório, por favor, não o traga. Ele me dá
nojo. Mas não era isso que eu estava dizendo. Contava sobre nosso
jogo de bola. [AMQCD, 26]
Num relance, a bola cai no pátio do vizinho. É a criança que vai buscá-la. Depois, o
autor passa a descrever, com requintes de sadismo, a morte do menino, até concluir o
relato:
Ele abriu o portão do vizinho. Entrou pé-por-pé. O vizinho tinha
aquela cachorrona, o seu Francisco que deu. Não me lembrei de
avisá-lo. O bicho pulou nele. Pulou e o agarrou pelo pescoço. Eu corri,
berrei, mas nada pude fazer. A desgraçada sacudiu o coitadinho.
Arrastou nosso filho para baixo da casa. Ficou um risco de sangue na
terra. Meti o rosto na fresta para espiar. Ele, ainda vivo, mexia as
mãozinhas. Ela, mastigando. Fui em casa e voltei com o revólver,
aquele só com duas balas. Disparei. A filha-da-puta grunhiu alto.
Saiu de lá e ficou se retorcendo aos meus pés. Nosso filho já estava
morto. Eu olhei para o bicho, agonizando, e gritei:
- Sofre, cadela. Sofre. [AMQCD, 27]
Este conto é do tipo estranho puro. Não há nenhuma hesitação aqui; o que
verificamos é o chocante da situação. A última frase, em sua ambiguidade, alimenta
ainda mais a sensação de estranhamento com o que é narrado: mais do que dirigir-se
ao animal assassino, parece destinada à mãe da criança, como numa espécie de
desforra pelo fato de a mulher ter trocado o autor da carta por outro.
Em “Rosa Margarida”, o que há é um narrador em 3ª pessoa. Nele narra-se a história
da personagem homônima, filha de Elisângela, mãe solteira. Esta, “crente e
espectadora de novelas mexicanas” [AMQCD, 28], decide criar a filha sozinha. Rosa
Margarida, à medida que vai crescendo, assume um comportamento transgressor.
Fuma maconha, começa a questionar as roupas que é obrigada a usar, tem a primeira
143
experiência sexual aos quinze anos, trafica e consome drogas com o namorado,
Alberto, e decide ir embora de casa. Durante os onze anos em que se afastou de casa,
Rosa Margarida apanha do marido, sofre cárcere privado e, finalmente, separa-se de
Alberto. Consegue um emprego num escritório de contabilidade, mas vê-se obrigada
a transar diariamente com seu patrão, paraplégico, que às vezes defeca durante o
orgasmo. Um dia ele pede a ela que lamba a sujeira. Ela se nega, leva um tiro na
porta durante a fuga e volta para a casa da mãe, onde tudo aparentemente
continuava como antes:
[...] Chegando ao quarto, sua mãe estava deitada. Não trabalhava
mais. O câncer no estômago a invalidara. Rosa Margarida sentou-se
ao lado. Agarrou a mão cadavérica de Elisângela e disse:
- Eu quase comi merda, mãe. Eu quase comi merda. [AMQCD, 31]
Este é outro caso de conto do tipo estranho puro. Tampouco aqui em nenhum
momento se põe em dúvida o que se conta, nem sua natureza. Novamente o que
provoca sensação incômoda no leitor é o inquietante da situação narrada. Vemos
neste relato uma espécie de antítese dos contos de fadas. Nestes, o uso metafórico da
língua, permite construir uma estrutura alegórica. Em “Rosa Margarida”, detectamos
o inverso: a linguagem transparente remete-nos ao próprio referente da realidade
narrada e a nada mais além dele, o que, em literatura, não deixa de ser irônico.
Quando Rosa Margarida diz “eu quase comi merda, mãe” é justa e somente isso o
que ela pretende dizer. Daí o insólito.
Conto narrado em 1ª pessoa, “Sentimento” relata as dificuldades de comunicação em
um relacionamento:
Falo pouco com ele. Muitas vezes, só respondo às suas perguntas.
Não sei se é timidez, teimosia. Um dia tentamos conversar um
assunto longo. Não deu certo: brigamos. As brigas são constantes
quando temos algo a discutir. Optamos, então, apenas pelos gestos.
Convivemos há dezessete anos. Impossível não se entender com um
simples olhar, ou uma tossida. No máximo duas ou três palavras.
No ano que perdi minha mãe, não imaginei como viveria. Pensei em
suicídio. Foi ele quem me incentivou a prosseguir. Disse para
continuar estudando, tocando meu violão, rindo. [AMQCD, 37]
144
As tarefas domésticas são divididas: “Não misturamos nossas roupas, meias e cuecas.
Cada um lava e passa as suas. Como estudo à tarde, faço o almoço” [AMQCD, 37]. É
somente no fim do relato que certo estranhamento pode surgir:
Depois sentamos para assistir TV. Nunca chego muito perto dele. É
sempre ele quem se aproxima, passa o braço sobre meu ombro e pega
minha mão do outro lado. Eu aperto-a com força. [AMQCD, 38, grifos
meus]
O conto narra uma cena do cotidiano, mas não sem uma dose de ambiguidade, o que
transmite tensão e desconforto. É-se levado a suspeitar de que se trata de uma
relação incestuosa. Mas nada é confirmado, tudo é sutilmente sugerido. O estranho,
aqui, reside novamente na nossa interpretação vacilante daquilo que é contado.
“A mulher que comia dedos” é narrado em 3ª pessoa e conta a história de uma
mulher que começa a roer as unhas. É importante destacar que o conto apresenta
uma narradora-testemunha: “Ela começou como todas nós: a roer unhas” [AMQCD, 39,
grifo nosso]. A protagonista passa depois a roer as pontas dos dedos e acaba por
deixá-los em carne viva. Pouco a pouco começa a comer literalmente seus dedos,
primeiro os da mão esquerda, depois os da direita. Vendo sua inutilidade, decide
matar-se. Segurando a arma com os pés, vê que ainda tem os dedos dos pés. Passa a
comê-los também. Um dia a campainha toca. É um menino vendendo rifas. Ela o
puxa para dentro da casa. Ambos se embatem numa luta corporal, mas o garoto
consegue fugir. A mulher decide ligar para uma amiga:
Sua amiga não imaginou que uma de nós chegaria ao decadente estado.
Mas evitou qualquer tipo de comentário extremista. Temos de
compreender nossas fraquezas. Para umas, a tolerância é menor. Fica
fácil perder o controle de tudo. [AMQCD, 41, grifo meu]
É outro conto em que não há hesitação quanto à explicação dos fatos narrados. O que
incomoda é o chocante, o insólito dos acontecimentos. Acredito, então, que este
relato também pertence ao gênero estranho puro. A intromissão da narradora na
história só faz aumentar o estranhamento. O fato de ela usar “uma de nós” e “todas
nós” deixa margem à dúvida. Afinal, que “nós” é esse? Abre-se a possibilidade de se
145
tratar de um grupo organizado de mulheres que roem unhas ou mesmo comem
dedos, o que tornaria os fatos ainda mais incomuns. Chama também a atenção o uso
de metalinguagem pelo narrador em duas passagens do texto: “Mas não nos
esqueçamos do título. A coisa vai piorar” [AMQCD, 39]. “Então. Como foi dito no
início: tudo piorou” [AMQCD, 41].
Por último, detenho-me em dois exemplos de micro-contos. “A carne” enquadra-se
no gênero estranho puro:
Demétrio ficava excitado ao ver a filha de doze anos despir-se à sua
frente, coisa que ela fazia sem maldade.
Certa noite, ao levantar-se para ir ao banheiro, passou pelo quarto da
menina. Espiou. Ela estava deitada, bunda para cima, só de calcinha.
Ele quis entrar, agarrá-la. Segurou-se no marco da porta. Chorou. Foi
à cozinha. Tomou dois copos d’água, abriu a gaveta dos talheres e viu
uma faca. Teve vontade de castrar-se, mas faltou-lhe coragem.
Decidiu fazer diferente. [AMQCD, 72]
Embora narre uma situação inquietante, pois sugere a possibilidade de um estupro
(incestuoso?), tudo aqui é explicado racionalmente. Novamente o que provoca
estranhamento é o final ambíguo. A expressão “fazer diferente” leva a pensar em
mais de uma alternativa: simples desistência, suicídio, estupro e/ou morte da
menina.
“Silêncio”, por sua parte, pertence ao gênero fantástico-maravilhoso, pois os fatos
narrados somente são justificados por meio de uma explicação sobrenatural, descrita
no próprio relato:
Crianças brincam, ao entardecer, no cemitério perto de suas casas.
Cadáver se levanta de onde jazia, cabelos e unhas longas. Boca de
carne podre diz:
- Vocês não sabem que precisamos de silêncio para descansar,
demônios? Brinquem fora daqui.
Meninas correm, meninos não. O mais valente, estrábico, baixa as
calças e põe seu minúsculo genital a balançar.
- Pega aqui – ele grita.
O morto é rápido. Mão ágil. Menino cai, vendo o sangue correr entre
suas pernas.
- Agora posso deitar – diz o monstro, levando à boca, como chupeta,
o pênis que acaba de extrair.
Menino morre, o resto de desaparece. [AMQCD, 75]
146
Porém, não temos propriamente um estranhamento aqui, pois o micro-conto parece
constituído como uma paródia. Tampouco há qualquer alegoria nele, de modo que
não pode ser classificado como maravilhoso puro.
Se há algo que chama a atenção é o aspecto sintático do texto. O uso de agentes sem
determinantes ou atributos, dá um ritmo incomum ao texto, assemelhando-o a um
texto de roteiro ou a didascálias: “crianças brincam”, “cadáver se levanta”, “meninas
correm, meninos não”, “menino cai”, “menino morre”.
Referências bibliográficas
OGLIARI, Ítalo. A mulher que comia dedos – contos de estranho I. Porto Alegre: WS,
2004.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 2008.
147
O MITO DE MACUNAÍMA:
UMA PROPOSTA SOBRE A IDENTIDADE BRASILEIRA
Renata BACALINI63
Resumo
Neste trabalho apresentaremos uma proposta sobre a interpretação do ser brasileiro
baseada na construção do representante do país como ser mitológico. Para isso,
começamos a análise examinando a noção do mito para identificar a importância dele
na construção do Brasil e na sua formação.
No trabalho pesquisaremos sobre os mitos emblemáticos do pensamento social
brasileiro e desenvolveremos a proposta do autor modernista Mário de Andrade
sobre a interpretação cultural da identidade brasileira proposta com o mito de
Macunaíma.
O ponto central do trabalho é a pesquisa da interpretação da construção da
personagem criada pelo autor e a análise da constituição da figura do herói como
representante do ser brasileiro.
Abordaremos alguns pontos de trabalho sobre a personagem de Macunaíma como: a
origem etimológica do nome, seus traços, características e ações principais, seu
processo de formação como homem, sua vinculação com o herói clássico, sua relação
com o resto das personagens do livro, entre outras, com o objetivo final de observar
que tipo de construção realiza Mário de Andrade sobre o imaginário da identidade
brasileira.
Resumen
En este trabajo presentaremos una propuesta sobre la interpretación del ser brasileiro
basada en la construcción del representante del país como ser mitológico. Para
conseguirlo, comenzaremos el análisis examinando la noción de mito para identificar
su importancia en la construcción y formación de Brasil.
En el trabajo investigaremos los mitos emblemáticos del pensamiento social brasilero
y desarrollaremos la propuesta de autor modernista, Mário de Andrade, sobre la
interpretación cultural de la identidad brasileira propuesta con el mito de
Macunaíma.
El punto central del trabajo es la investigación de la interpretación de la construcción
del personaje creada por el autor y el análisis de la constitución de la figura del héroe
como representante del ser brasilero.
Abordaremos algunos puntos de trabajo sobre el personaje de Macunaíma como: el
origen etimológico del nombre, sus rasgos centrales, características y acciones
principales, su proceso de formación como hombre, su vinculación con o héroe
63
Universidad Nacional de Rosario - UNR - CONICET
148
clásico, su relación con el resto de los personajes del libro, entre otras; con el objetivo
final de observar que tipo de construcción realiza Mário de Andrade sobre el
imaginario de la identidad brasileira.
O mito
Neste ponto tentaremos mostrar a idéia de mito com a qual trabalharemos. É
complexo oferecer um significado do termo, já que existem diferentes interpretações
sobre o mito e pode ser abordado desde diferentes perspectivas. Para começar,
pensaremos a ideia do mito desde seu significado etimológico. A palavra remete à
cultura grega e ao termo mythos, que foi traduzido como memória, lembrança,
pensamento, representação, etc.
Com o surgimento da filosofia o sentido do mito foi oposto ao logos e se começou a
pensar o mito como algo falso e enganoso. Nosso estudo tem como eixo outra
perspectiva de mito, que vai surgindo desde o romantismo com a interpretação
simbólica do mito como forma de voltar aos tempos remotos da humanidade, os
tempos originários, para conhecer melhor a natureza do homem. Esta acepção será
apresentada por antropólogos nos estudos de compreensão do homem primitivo,
primeiro por Bronislaw Malinowski (1974), quem a partir de seu trabalho de campo
nas ilhas de Trobriand de Melanesia, explica a importância da influência do mito
nessas sociedades; e por Claude Lévi-Strauss (1990), que examina uma interpretação
estruturalista do mito e explica seu labor intelectual para pensar os problemas do
homem e solucioná-los.
No século XX, o filósofo Mircea Elíade contribui na análise e desenvolvimento do
termo e tenta estabelecer os pontos centrais sobre sua concepção. O autor do livro
Mito y Realidad, escolhe uma definição para o mito que é muito geral:
La definición que me parece menos imperfecta, por ser la más amplia,
es la siguiente: el mito cuenta una historia sagrada; relata un
acontecimiento que ha tenido lugar en el tiempo primordial, el tiempo
fabuloso de los «comienzos». Dicho de otro modo: el mito cuenta
cómo, gracias a las hazañas de los Seres Sobrenaturales, una realidad
ha venido a la existencia, sea ésta la realidad total, el Cosmos, o
solamente un fragmento: una isla, una especie vegetal, un
comportamiento humano, una institución. Es, pues, siempre el relato
de una «creación»: se narra cómo algo ha sido producido, ha
comenzado a ser. Los mitos revelan, pues, la actividad creadora y
149
desvelan las acralidad (o simplemente la «sobre-naturalidad») de sus
obras. En suma, los mitos describen las diversas, y a veces dramáticas,
irrupciones de lo sagrado (o de lo «sobrenatural») en el Mundo.
(ELÍADE, 1991: 125)
Ronald Barthes, em seu livro Mitologías, estabelece que o mito é formado por um
esquema tridimensional composto por significante, significado e signo. O esquema
apresentado é complexo porque o significante do mito se apresenta ambiguamente: é
sentido e forma cheio de um lado e vazio do outro. Pela duplicidade de significante
(sentido e forma ao mesmo tempo) produz diferentes tipos de leituras: uma
significação literal, o mito como impostura, e uma leitura ambígua. Sobre isso o autor
acredita que:
La primera es cínica, la segunda es desmitificante. La tercera
forma es dinámica, consume el mito según los fines propios de
su estructura: el lector vive el mito a la manera de una historia a
la vez verdadera e irreal. (BARTHES, 1999: 137)
Para pensar a obra Macunaíma como mito do ser brasileiro, além do exposto, levamos
em conta o significado antropológico do termo, já que consideramos que é uma
narrativa que propõe uma solução imaginária para conflitos, tensões e contradições
que não podem ser resolvidos a partir da realidade.
No Brasil o mito surge como uma maneira de esconder uma realidade e, por sua vez,
de revelar uma realidade própria de uma sociedade, e se utiliza para estabilizar a
ordem.
A construção da identidade brasileira
Nosso interesse é analisar o uso do mito na formação sociocultural brasileira. Na
construção da identidade brasileira encontramos diferentes interpretações do país,
que podemos exemplificar a seguir com alguns mitos:
O mito do gaúcho: presente no período do romantismo na obra de José de Alencar no
livro O gaúcho, na obra de Caldre e Fião em O corsário, e na obra de Apolinário Porto
Alegre em O Monarca das Coxilhas. Este mito é retomado por Simões Lopes Neto nos
Contos Gauchescos. Um traço central do romantismo foi a procura de uma literatura
nacional para o Brasil. Para consegui-la, os autores mencionados trabalharam com a
150
figura do gaúcho como herói do país. Simões Lopes Neto retoma essa figura, mas
supera o mito e a transforma em personagem literário.
O mito da democracia racial brasileira: presente no livro Casa-Grande e Senzala de
Gilberto Freyre, a partir da formação do país como cultura luso-tropical. Freyre tenta
apresentar uma solução para os diferentes padrões culturais mostrando o Brasil
como multirracial - com três raças que constituem o povo brasileiro -, como afirma
Reis:
Freyre não fala quase de futuro; ele fala mais de passado, de
identidade brasileira consolidada. Nessa identidade, ele integra
índios e negros retrospectivamente – a identidade singular
brasileira é a da mistura de raças e culturas sob a liderança
portuguesa. (REIS, 1999: 81)
O mito do Bandeirante: a figura do bandeirante se constrói como mito representante
do Brasil através dos livros didáticos e dos manuais escolares que contribuem para a
disseminação de relatos lendários. Ele foi configurado como um ser sobrenatural e
caracterizado pela responsabilidade de expandir geograficamente o território
brasileiro.
O mito de Jeca Tatu: personagem criado por Monteiro Lobato no século XX como um
representante do povo brasileiro. Encontramos por primeira vez esta figura em 1914
no artigo “Velha Praga” no jornal O Estado de São Paulo, onde se mostra como um
trabalhador rural caracterizado pela preguiça e a impossibilidade de adaptação à
civilização, como síntese das doenças do país e denúncia do atraso brasileiro. Com o
transcurso dos anos, a personagem se transforma até virar em Zé Brasil, trabalhador
explorado num país submetido.
O mito do homem cordial: criado por Sérgio Buarque de Holanda no livro Raízes do
Brasil (1936), onde destaca o traço do brasileiro de comportamento de amizade:
A contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade –
daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza no trato, a
hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por
estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço
definido do caráter brasileiro. (146)
151
O mito de Macunaíma
No livro Macunaíma, um herói sem nenhum caráter, Mário de Andrade tem o objetivo
de escrever sobre sua preocupação e percepção sobre a cultura nacional, para isso
abarca diferentes tipo de recursos e pensa o Brasil como síntese de todos os modos de
ser brasileiro. O autor trabalha com a mistura de elementos, a polifonia, as falas do
Brasil, expressões do folclore do país, a desgeograficação, a antítese, etc. Mas neste
trabalho vamos analisar concretamente a construção da figura do herói como
representante do ser brasileiro.
O mito de Macunaíma começa apresentando o paradigma brasileiro das três raças,
com a idéia de retrabalhar a problemática da heterogeneidade do país e de criar a
diferença do ser brasileiro. O livro expõe a construção cultural a partir da
diversidade.
Mário de Andrade começa a construção do povo brasileiro como um palimpsesto já
que podemos pensar na hipótese de Broderston (1997) quando afirma que
Distintas en origen, idioma y forma de escritura, las literaturas
del Cuarto Mundo piden ser interpretadas como capítulos de
un mismo libro, el cual además de pautas de mitos interpolares
contiene diagramas físicos de la historia y la cosmogonía. A su
vez, este libro adquiere unidad funcional como el palimpsesto
de las literaturas angloamericanas y latinoamericanas.” (423)
O autor faz referência ao fato de reescritura dos livros, já que, como outras obras do
período, Macunaíma retrabalha as lendas do livro de KochGrünberg Von Roraima
zum Orinoco: Ergemnisse einer Reise in der Nordbrasilien und Venezuela in den Johren
1911-1913, segundo volume dedicado aos mitos e lendas dos taulipangue e arecuná.
Parece que o livro é uma coleção de histórias sobre Brasil.
Andrade aborda o mito das três raças, volta (de forma diferente) à ideia que propõe
Gilberto Freyre na obra Casa-Grande & senzala onde se proporciona uma nova
interpretação sobre a inferioridade racial no Brasil e valoriza as raízes étnicas do país.
Apresentam-se tradições indígenas, africanas e portuguesas, mas de forma irônica,
paródica e humorística.
A obra se escreveu em seis dias numas férias de fim de ano em dezembro de 1926,
depois foi corrigida até sua publicação em 1928. Este livro foi pensado, pela crítica
152
literária, como o máximo expoente do nacionalismo brasileiro devido à originalidade
do autor de criar esse novo mito do ser brasileiro a partir da ironia, do sarcasmo, dos
jogos de linguagem, da oralidade, da mistura de registros.
A construção da personagem
O herói recebeu o nome de Macunaíma pelo relato do herói do Caribe publicado por
KochGrunberg. Etimologicamente, o nome contém o termo “Maku” que significa
mau e o morfema “ima” que expressa: grande, por isso Macunaíma pode ser um
indivíduo muito malvado da literatura brasileira, mas na leitura da obra observamos
que esse não é o traço principal do herói. Fica claro assim, desde o título da obra, o
eixo antropofágico proposto desde os manifestos modernistas de Oswald de
Andrade. O nome do herói, assim como muitas das personagens e das ações do
romance foram extraídas do livro de KochGrünberg, Von Roraima zum Orinoco:
Ergemnisse einer Reise in der Nordbrasilien und Venezuelain den Johren 1911-1913, cujo
segundo volume está dedicado aos mitos e lendas dos taulipangue e arecuná.
O livro de Andrade começa com o nascimento do herói, sua descrição e
características: preto retinto, criança feia, filho de uma índia tapanhumas (tribo
legendária de ameríndios do Brasil de pele negra) sem pai, nasceu na noite no fundo
do mato-virgem; desde o início o autor põe a problemática das misturas de raças e
leva em conta a heterogeneidade do Brasil e de suas raízes. Além disso, na
apresentação da personagem, já está estabelecido que ele é “o herói de nossa gente” e
que vai ser narrada sua história. A mesma divindade Rei Nagô avisa que o herói era
inteligente. Mas temos que levar em conta que este não é um herói próprio das
mitologias gregas e romanas, Macunaíma tem poucas virtudes, como bem explica
Darcy Ribeiro no liminar do livro:
Este outro gênero de herói, o trickster, o insólito, que se
encontra com tanta frequência nas nossas mitologias indígenas.
São uns gozadores que mentindo, maliciando, enganando,
artreiros e treteiros, atribuem inteligência à ingenuidade do
herói principal. (XIX)
Macunaíma joga o tempo todo com as outras personagens do livro, sempre está
mentindo ou fazendo brincadeiras para elas: com a comida no principio do livro, no
153
episódio com Ci engana seus irmãos para que eles o ajudem a ganhar-lhe, embaça
sempre os opositores para vencê-los em seus combates.
Outro ponto na descrição de Macunaíma está relacionado com uma questão
linguística: a personagem não falou até os seis anos, só dizia; “Ai!, que preguiça!”
Neste ponto podemos observamos o jogo com o preconceito sobre os brasileiros que
não gostam de trabalhar, que já mencionamos com anterioridade no mito de Jeca tatu
de Monteiro Lobato. Também, em relação à língua, destacamos o uso dela por parte
da personagem, já que percebemos os traços próprios da oralidade, e isso leva os
brasileiros a identificar-se com a personagem e poder pensar que é um representante
do povo.
Outro traço relevante em relação ao mito, aos deuses e aos heróis clássicos é a
capacidade de metamorfose, não só do Macunaíma, mas também de outras pessoas,
animais e objetos das lendas da região. No primeiro capítulo vira um príncipe fogoso
e joga com sua cunhã Sofará; no segundo capítulo muda o corpo e fica como um
homem taludo, e também vira formiga e pé de urucum; vira francesa, etc. Ao longo
do livro muda tantas vezes de forma que não podemos citá-las todas.
Este herói vai fazendo proezas, algumas não são reconhecidas como quando caça
uma anta e o irmão lhe dá só as tripas para que ele coma, quando se salva do
Currupira, ou quando finalmente mata o gigante. A forma de conseguir as façanhas
podem ser questionadas, mas sempre, ou em geral, sai vitorioso.
Além disso, Macunaíma, como herói, tem um anti-herói: Venceslau Pietro Pietra com
o qual lutará em todo o romance para procurar o objeto perdido. Vemos os roles
actanciais próprios dos mitos clássicos.
Como todo herói clássico, Macunaíma é um ser sobrenatural, e percebemos isso nas
metamorfoses, mas também em outros atos, como por exemplo, no capítulo de
Maioridade quando muda o lugar onde está com a mãe passando fome:
Macunaíma pediu para ela ficar mais tempo com os olhos
fechados e carregou tejupar marombas flechas piquás sapiquás
corotes urupemas redes, todos esses trens para um aberto do
mato lá no teso do outro lado do rio. Quando a velha abriu os
olhos estava lá e tinha caça de peixes, bananeiras dando, tinha
comida de mais (16).
154
Encontramos outro fato paradigmático quando o herói volva da morte. Ele é caçado e
picado pelo gigante e depois seu irmão o ajuda: “Lá chegando o cesto de pé assoprou
fumo nele e Macunaíma veio meio pamonha ainda, muito desmerecido, do meio das
folhas...” (45).
Ele é apresentado com traços de herói e anti-herói, já que é um insaciável,
imprudente, perverso, mentiroso, covarde, egoísta, sem escrúpulos; mas também
inteligente e esperto. O melhor exemplo sobre a astucia do herói é o engano final
para matar o gigante e recuperar a Muiraquitã: “-Então aceito porém você vai
primeiro, gigante. Piaimã insistiu mas ele sempre falando pro gigante balançar
primeiro. Então Venceslau Pietro Pietra amontou no cipó e Macunaíma foi
balançando cada vez mais forte” (134), até que o gigante cai na macarronada
fervendo.
Macunaíma mostra ao longo do romance ser um personagem contraditório, sempre
jogando com os limites e atuado de um lado e do outro do bem e do mal, como
quando leva sua mãe para outro lugar com comida e porque ela quer compartilhar
com seus outros filhos, Macunaíma decide voltar ao espaço de fome, prefere não ter
comida que dividir com os manos.
Podemos falar no livro de uma crise da personagem, que era Imperador do MatoVirgem e abandona suas raízes após a morte do filho. Macunaíma, junto a seus
irmãos, vai para São Paulo para procurar sua muiraquitã perdida e fala da cidade
como um lugar de trabalho, e antes de partir ele deve deixar sua consciência “no
outro dia Macunaíma pulou cedo na ubá e deu uma chegada até a foz do rio Negro
para deixar a consciência na ilha de Maratapá” (36), como percebendo as coisas que
ia que ter que fazer na cidade, já que Macunaíma é corrompido pelo mundo e perde
a identidade.
Um traço essencial na personagem de Macunaíama é a mistura de raças e o jogo com
o mito das três raças. Ele é um índio negro, que no capítulo cinco do livro por umas
águas embranquece, realizando assim o desejo de virar homens brancos que esteve
presente no discurso dominante na história do País: “Quando o herói saiu do banho
estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele” (37). É
importante destacar que esse fato é visto de forma positiva, até seus irmãos tentam
155
também virar brancos. Mas também participa no capítulo sete de uma macumba,
prática religiosa com raízes afro-brasileiras que se misturou com elementos
ameríndios, do catolicismo, do espiritismo, do ocultismo, etc. Observamos a
participação do herói nesse ritual com a finalidade de pedir aos deuses uma vingança
do gigante.
Conclusão
Para concluir, podemos afirmar que o herói se converte na definição de seu povo que
também procura sua identidade e comete erros constantes, como afirma Ribeiro
(1995):
Ser Macunaíma, o herói de nossa gente, a meu juízo, só pode
ser porque ele veste a carne que nos veste; porque é a carapuça
que nos cabe, a nós brasileiros. Falo, é claro, não de nós, do
clube dos contemplados, mas do brasileiro-massa, povão, desde
sempre humilhado e ofendido, que, aparentemente, é toda uma
contradição. (XIX)
A personagem de Macunaíma foi construída na mistura de traços negativos e
positivos, se criou um ser ambíguo que pode transformar seus defeitos em virtudes e
sair airoso de muitas situações que se lhe apresentam.
Mário de Andrade escolhe apresentar o ser brasileiro desde um romance onde se
relata a vida de uma personagem de forma paródica e humorística, e com esses
recursos pode relevar verdades sobre o Brasil. O trabalho de pesquisa etnológica do
autor para recolher os mitos e lendas das diferentes regiões do país é importante na
criação de uma personagem onde se misturam e se juntam os diferentes traços do ser
brasileiro.
Bibliografia
Andrade de, Mário. (2008). Macunaíma, um herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro:
Agir.
Barthes, Roland. (1999). Mitologías. Madrid: Siglo XXI.
156
Brodeston, Gordon. (1997). La América indígena en su literatura: los libros de cuarto
mundo. México: Fondo de Cultura Económica.
Chauí, Marilena. (2001). Brasil – Mito fundador e sociedade autoritária, São Paulo: Perseu
Abramo.
Eliade, Mircea. (1991). Mito y realidad. España: Labor.
García Canclini, Néstor. (2004). Diferentes, desigualdades y desconectados. Mapas de la
interculturalidad. Barcelona: Gedisa.
Goncalves, Maria Alice R. (1996). “Brasil, meu Brasil brasileiro: notas sobre a
construção da identidade nacional”. En Educação e Cultura: pensando em
cidadania. Goncalves, Maria Alice R. (Org.) Rio de Janeiro: Quartet.
Holanda, Sérgio Buarque de. (1993). Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio.
Lévi-Strauss, Claude. (1990). Mito y significado. Madrid: Alianza Editorial.
MalinowskI, Bronislaw. (1974)Magia, Ciencia, Religión. Barcelona: Ed. Ariel.
Monteiro Lobato. (1972). Urupês. São Paulo: Brasiliense.
Pacheco Neto, Manuel. (2011). Heróis nos livros didáticos: bandeirantes paulistas.
Dourados: UFGD.
Reis, José Carlos. (1999). As identidades do Brasil – De Vanhagen a FHC. Rio de Janeiro:
Fundação Getulio Vargas.
Ribeiro, Darcy. (1995). O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das letras.
Vernant, Jean Pierre. (1994). Mito y sociedad en la Grecia antigua. Madrid: Ed. Siglo XXI.
157
DESCONSTRUIR O CAMPO DA INTEGRAÇÃO PARA
CONSTRUIR NOVOS SENTIDOS. POR UMA NÃO
NÃO
TEORIA DA INTEGRAÇÃO REGIONAL
Luiz Cristiano NACLERIO TORRES64
Resumo
Analisar a integração regional, em especial o MERCOSUL, a partir da ótica cultural,
enfocado-se nos estudos culturais permite desconstruir a imagem de uma integração
circunscrita à dimensão ecomômica e comercialista ou abordá-la somente desde a
esfera estatal. A integração no cone sul, consubstancia-se na vigência do pensamento
neoliberal como uma força contundente para dissociar o mercado da órbita da
cultura e dos componentes sociais aí envolvidos. Observa-se a existência da
construção de um campo de sentidos e conhecimento do fenômeno de forma
dicotômica entre as dimensões econômicas e culturais que foram camufladas com
intenção de desenvolver uma teoria da integração regional proclive ao pensamento
hegemônico. Neste sentido, valorizar diferentes aspectos relacionados com a cultura
contribui a fundamentar uma nova expressão para a proposta integracionista. A
língua como ferramenta de comunicação e expressão para conexão e coesão do tecido
social ainda é negligência como políticas linguística na dinâmica do MERCOSUL.
Palavras-chaves: Integração Regional, MERCOSUL, Política Linguística.
Resumen
Analizar la integración regional, en especial el MERCOSUR, a partir de la óptica
cultural, enfocándose en los estudios culturales permite decontruir la imagen de una
integración circunscripta a la dimensión económica y comercialista o abordarla
solamente desde la esfera estatal. La integración en el Conosur, se consustancia en la
vigencia del pensamiento neoliberal como fuerza contudente para disociar el
mercado de la orbita de la cultura y de los componentes sociales involucrados. Se
observa la existencia de la construcción de un campo de sentidos y conocimientos del
fenómeno de forma dicotómica entre las dimensiones económicas y culturales que
fueron ocultas con intención de desarrollar una teoría de la integración regional
proclive al pensamiento hegemónico. Así, valorizar diferentes aspectos relacionados
con la cultura contribuye a fundamentar una nueva expresión para la propuesta
integracionista. La lengua como herramienta de comunicación y expresión para la
conexión y cohesión social aún es negligenciada como política lingüística en la
dinámica del MERCOSUR.
Palabras clave: Integración Regional, Mercosur, Política Lingüística
Membro pesquisador do “Centro de Estudios históricos interdisciplinarios sobre las
mujeres”- CEHIM. Faculdad de Filosofía y Letras – UNT
64
158
Introdução
O MERCOSUL surge como uma proposta de integração regional em uma época de
execução de políticas neoliberales. A partir desta ótica, se observa que este fenômeno
esteve marcado pelo componente ideológico do período podendo ser resumido, para
nosso objetivo, como a transformação da função pública estatal em fiadores da
construção de um mercado no qual parte das forças produtivas, leia-se capital
transnacional, se encarregaria de propiciar o desenvolvimento socio-econômico do
conjunto da sociedade. Por outro lado, a ideia contemporânea de integração na
América do Sul está estreitamente vinculada a uma aproximação política entre
Argentina e Brasil acaecida, a partir de meados da década de 1980, em um contexto
de retorno à democracia nos respectivos países. A integração se orienta neste sentido
pela construção de um espaço de poder regional que pudesse
contrapor-se as
dificuldades, tanto internas como externas da região, em uma cenário internacional
de profundas incertezas e em presença de um quadro interno econômico de grande
crise e inestabilidade.
Este trabalho, portanto, enfoca o MERCOSUL como um fenômeno fruto de uma
experiência prévia da América Latina em matéria de integração regional que pode
ser rastreado desde as propostas CEPALINAS da década de 1950. Além disso, como
uma resposta política local a partir das modificações surgidas no sistema
internacional desde os anos 1970, e aceleradas com a reunificação alemã, bem como o
posterior desmantelamento da URSS e o consequente fim da orden bipolar.
Nos primeiros anos de construção do MERCOSUL as demandas econômicas
estiveram profundamente vigentes, gerando uma hipertrofia desta dimensão em
relação às demais. Esta vigência não foi fruto somente das necessidades de uma
integração econômica, senão deveu-se a preponderância ideológica das políticas
neoliberais existentes durante os inícios do processo.
A integração regional vem sendo estudada faz muito tempo, tanto na Europa como
na América Latina. Porém, na integração dos países do cone sul, por meio dos
estudos internacionalistas, houve a tendência a priorizar duas visões dos estudos das
relações internacionais. Primeiramente, na visão do realismo clássico, ou mesmo do
seu sucedáneo, o neorrealismo estrutural, os aspectos políticos orientados pela
159
segurança do Estado eram o prioritário. Em contra partida, na visão liberal as
interdependências econômicas, os aspectos jurídicos e institucionais tenderam a ser
os mais abordados. Houve um abandono ou marginalização da análise do campo
simbólico, isto é a construção de sentidos próprios da região para entender e explicar
a integração regional. Esta influência das Relações Internacionais como ciencia
hegemônica tendeu a gerar um discurso político e, algumas vezes, acadêmico que
contraponham a dimensão econômica à cultural.
Sendo assim, na primeira parte deste trabalho temos como objetivo destacar como a
lógica neoliberal resignificou o que Williams (2001) chamou de esferização da vida
social e como consequência gerou uma dissociação entre os aspectos econômicos dos
culturais.
Posterirmente, apresentaremos uma breve cronologia do desenvolvimento do
MERCOSUL relacionado com estas visões dicotômicas, o que contribuiu para, desde
uma proposta das Ciências Sociais, construir um enfoque que rompasse com a lógica
economicista comercial e avançasse em outras dimensões da integração.
Finalmente, analisaremos as contribuições que o ensino do português/espanhol pode
representar na construção de uma nova visão integracionista, posto que o idioma é o
veículo que permite o conhecimento do outro, assim como a construção de sentidos
compartilhados.
A proposta neoliberal da integração
A implantação das políticas neoliberais no centro mais dinâmico do capitalismo
mundial, Estados Unidos e Europa, tiveram o propósito de recompor o poder do
grande capital internacional que se vira afetados com a crise de acumulação ocorrida
durante a década de 1970.
Esta é a tese defendida por Harvey, quem caracteriza a onda neoliberal surgida nas
economias ocidentais mais avançadas, como um projeto utópico no sentido de
reorganizar o capitalismo internacional, ao mesmo tempo que, como um projeto
político, visa ao restabelecimento das condições para acumulação de capital e
restauraração do poder das elites económicas. (Harvey, 2007:24) Ao finalizar a II
Guerra Mundial as ideias Keynesianas tivera forte presença na Europa e até mesmo
160
nos EUA, além disso a ameaça constante de uma alternativa ao sistema capitalista e a
presença política crescente dos setores de esquerda e dos trabalhadores organizados
na europa ocidental permitiram a construção da um Estado de bem-estar social.
Uma aliança entre o capital e o trabalho para reconstruir a economia destruida com a
crise de 1929 e, posteriormente depois da guerra, garantir um ambiente de paz. Este
contexto tornou plausível ao sistema capitalista a emergência de um Estado de bemestar social de tipo Keynesiano implementado através, sobretudo da socialdemocracia. Entretanto, no caso da América Latina, e devido ao seu caráter de
capitalismo dependente, a sociedade se organizou em base a um Estado de corte
polulista. Deste Estado, em que existia um projeto articulado entre as burguesias
nacionais e as forças trabalhadoras, mediado pelo poder estatal, foi possível impulsar
um vigoroso processo de industrialização nacional. Na definição de Atilio Borón na
América Latina o que existiu foi uma modesta versão do modelo europeu. Entretanto,
devido a característica do capitalismo nesta região, baseado no processo histórico da
colonização ibérica e a cojuntura internacional as burguesias nacionais cresceram
como dependentes e se desenvolveram sob as hegemonias primeiro británica e
depois norte-americana.
Se observamos as duas maiores economia do MERCOSUL: a argentina e a brasileira,
este projeto de aliança classista foi representado pelo peronismo (1946-1955) e o
getulismo (1930-1945) respectivamente como arquetipos deste modelo. Não obstante,
a implantação destes projetos tiveram sucessivas marchas e contra-marchas e não
contaram com uma homogeneização em sua implementação devido às diferenças
sociais, ao desenvolvimento histórico desigual do capitalismo, às diferenças entre as
coliações de forças e a relação com o entorno internacional. Tanto na Argentina como
no Brasil a década de 1990 (auge neoliberal) caracterizou-se por um paulatino
desmonte deste legado histórico desenvolvimentista nacional, sendo substituido pelo
ideário da inserção competitiva no novo cenário internacional. Naturalmente, tal
como
as
disparidades
de
conformarmação
dos
modelos
nacional-
desenvolvimentistas, também a dinâmica da implatanção das políticas neoliberais
variaram muito de uma região a outra. Harvey chamará atenção para as
desigualdades geográficas destas políticas assim como seu carácter errático e
161
incomensurável. Isto posto, as políticas neoliberais enquanto idelogia não tiveram
um processo universal e constante de construção no mundo capitalista. Praticamente,
deu-se por meio de tentativa e erro, como explica Harvey não existia a priori a
possibilidade de saber o que se podia alcançar através destas propostas por mais que
estivessem circunscritas a uma estratégia política.
Neste sentido, a América Latina foi um laboratório para entender na prática a
implementação desse projeto de recomposição das forçar do capital. Se nos países
desenvolvidos não foi possível contar com o uso da violência como na América
Latina na primeira etapa, gerando porquanto uma primeira etapa de políticas
neoliberais de cunho autoritário e violento (Golpe militar no chile em 1973 e golpe
militar na Argentina em 1976). Já, na segunda etapa da implantação das políticas
neoliberais foi, portanto, necessário a elaboração de um consenso social sobre os
beneficios das políticas neoliberais, tal como previamente se havia construido nos
países centrais. Esta elaboração de consenso foi elaborada num processo de retorno e
estruturação de um regime democrático. Neste sentido, os valores culturais foram as
ferramentas disponíveis para a elaboração de um pensamento hegemonico pro
capital. Pode-se observar que o retorno da democracia na América Latina e o fim da
ordem bipolar restringiu a possibilidade do uso da violência para impor essas
medidas, de agora em diante era necessário também a construção de um consenso
por meio dos valores culturais.
Na América do Sul as propostas neoliberais calaram fundo como uma ideologia das
elites políticas, econômicas e intelectuais pós-guerra fria e penetraram desse modo
no tecido social dos países através do discurso da globalização inevitável. Sendo
assim,contrastaremos este ideia de globalização inevitável através da definição
broudeliana de Bernal-Meza no qual remarca a globalização como um fenômeno
recente de um longo processo histórico em que o neoliberalismo é a ideologia da
globalização, enquanto o capitalismo é a orden do sistema internacional (BernalMeza:2005)
Por essa razão, a proposta neoliberal em que surge o MERCOSUL se constroi em
base a oposição e negação de valores até então importantes ao pensamento latinoamericano o que só foi possível graças a profunda crise económica em que passam
162
estes países. Estes valores foram deixados de lado e em seu lugar tomados do centro
do sistema e transpassados para a periferia novas ideias-forças que orientaram a
regionalização no MERCOSUL. Estas entendidas como: 1) A supremacia dos direitos
individuais sobre os coletivos através da valorização da liberdade em oposição a
justiça social. 2) A Construção de mercado competitivo e moderno, isolando o
componente econômico do político, através de um discurso em que para incorporarse aos processos de desenvolvimento internacional dos países mais avançados, os
periféricos (agora eufemísticamente chamados “em desenvolvimento”) deveriam
limitar e controlar a esfera econômica da influência política. O vetor ideológico mais
importante neste caso foi a alteração da oposição entre os conceitos público e privado
para estatal e privado.
Estas ideias-forças, resumidas anteriormente, representaram a renuncia completa da
perspectiva de um desenvolvimento autônomo, ao contrario, a saída posta era um
acoplamento total a um desenvolvimento dependente do capital internacional.
Entretanto, isto não era defendido dessa manera se não era camuflado através de
uma crítica que os problemas existentes nestas latitudes foi porque não se soube
construir um mercado competitivo e dinâmico como das economias centrais. No qual
o Estado teria tido a responsabilidade, por sua exessiva atuação, na esfera econômica.
Para operacionalizar esta camuflagem se utilizou uma operação cognitiva em que se
separava a economia da esfera política. Isto era estranho ao pensamento latinoamericano mais crítico que se edificou em função de que o desenvolvimento era uma
política económica com fortes imbricações políticas e culturais. Como já foi
demostrado por diferentes autores (Marx, Wilimans, Grinsom) é uma estrategia
antiga por parte das elites econômicas que visam a diminuir as resistências para a
implantação de seus projetos de clase o uso dessas esferizações para explicar
realidades amplamente complexas e interconexas. Entretanto, no caso da América
Latina, e em particular no MERCOSUL, estes valores econômicos foram defendidos
em base a valores culturais alheios a história regional.
Assim compartilhamos neste trabalho a tese de Bernal-Meza em que expressa o
pensamento latino-americano como um esforço por romper a dicotômia entre
história e teoria e que a principal contribuição da escola para as relações
163
internacionais é a dimensão econômica traduzida na vertente do desenvolvimento
(Bernal-Meza, 2005:39)
As diferentes explicações modélicas, sejam da mão da tradição liberal norteamericana ou mesmo do realismo ou neorrealismo e até do neofuncionalismo
europeu são insuficientes para explicar a dinâmica da integração na América Latina
em particular na América do Sul. Por outro lado, se para as nações mais dinâmica do
sistema capitalista o eixo principal das políticas exteriores, da política internacional, e,
por conseguinte, dos estudos internacionais era a variável da segurança, para os
latino-americanos a dimensão econômica era de vital importância. Entretanto, dentro
de uma visão de economia internacional em que enfoca esta problemática a partir da
ótica do desenvolvimento como um projeto político e relacionado com os valores
culturais destas nações. Consequentemente, como uma lógica articulada ao campo da
política, da economia e da cultura.
Na visão de Amado Cervo, isto foi posível, a incorporação deste pensamento acrítico
por parte das elites econômicas e políticas na América do Sul, devido entre outras
coisas,
a construção de uma comunidade epistêmica
(intelectuais, jornalistas,
diplommatas e empressários) nos respectivos países que estabeleceram e fizeram os
ajustes necessários para conexão com o projeto da burguesia internacional com a
burguesía nacional dependente.(Cervo, 2008). Estes grupos organizaram as bases
cognitivas convenientes para a implementação de tais políticas. Assim mesmo, esta
comunidade de pensamento se articulava com outra externa a região e vinculadas
com universidades norte-americanas de prestígio assim como com funcionários do
Banco Mundial e do FMI.
Portanto, na visão de Cervo, as políticas neoliberais implantadas na América Latina –
cujo principal exemplo foi o caso argentino- foram oriundas de uma leitura e
consequente tomada de decisão estratégica, por parte de políticos, dirigentes,
intelectuais, empresarios e diplomatas sobre como deveria ser a inserção de seus
respectivos países. Uma opção que não contemplava a capacidade autonômica, senão
que reconhecia as imperiosas circustâncias externas as quais deveriam adpatar-se
sem outra alternativa (Ib, ibídem, 2008). Por essa razão, o autor caracterizará as
políticas neoliberais como um retrocesso ao século XIX.
164
Regionalização e construção do Mercosul
As décadas de 80 e 90 do século passado presenciaram mudanças substanciais no
sistema internacional e no interior das grandes potencias reitoras, ocasionando o
desenho de um novo cenário mundial em que se conformaria a integração no cone
sul. Este sistema internacional pós Guerra Fria, constituiu-se como um periodo de
transição da antiga orden bipolar a uma nova orden de contornos não plenamente
definidos (Moreira, 2010:291). Do ponto de vista das sociedades houve uma
mundança na forma de proceder a elaborar e executar os projetos nacionais. Octavi
Ianni chama atenção, desde as ciências sociais, de como estas foram desafiadas a
modificar suas escalas de análises denotando uma forte relação entre realidade e o
mundo acadêmico e em como um influencia ao outro. Expressa, pois, o autor que a
sociedade global cuja as relações, os processos e as estruturas econômicas, políticas,
demográficas, geográficas, históricas, culturais e sociais se desenvolvem a escala
mundial, adquirem preeminência sobre as relações, processos e estruturas que
desenvolvem a escala nacional (Ianni, 2007:237)
As mudanças na economia mundial a partir da desarticulação do modelo fordista de
produção e em seu lugar a revolução tecno-produtiva em que comprimia o espaço
físico em função dos novos meios de transporte e comunicação permitiu a
emergência de novos fenômenos, novas relações as quais exigiram desenho de outras
ferramentas conceituais nos países centrais no concernente as funções estatais.
Paralelamente a isto, na América do Sul, sobre tudo Argentina e Brasil, viviam-se
tempos de crise econômica, transição de um regime ditatorial a reconstrução da
democracia. Com efeito, eram fortes as demandas por restabelecer as práticas
participativas e rearticular um modelo econômico em que o Estado e a sociedade
pudessem incorporar a região na nova dinâmica do capitalismo. Por outro lado, os
crônico problemas de pobreza e marginalização que persistiam nestes países
pareciam que seriam resolvidos, não com o Estado, senão com as forças do mercado.
Naturalmente, este era o momento propício para inocular o vírus do livre mercado.
Porém, a integração surge como uma possibilidade de atenuar os difíceis obstáculos
em generar crescimento econômico, solucionar as dificuldades de desenvolvimento
165
regional em que se encontravam e também estreitar a cooperação (no sentido de
fortalecer as recentes democracias em uma sorte de resseguro mútuo), e ao mesmo,
tempo defender-se de forma coordenadas dos processos de transnacionalização do
capital em curso no mundo. Assim, a globalização nos países do MERCOSUL age em
uma avenida de duas mãos. Incorpora a convergência entre as nações em uma nova
orden imperialista, de ideología neoliberal e uma supremacia estratégica em termos
de segurança dos EUA que reafirmam a divisão internacional do trabalho. Assim
mesmo, os processos de integração revelam instintos de defesa diante do risco dos
efeitos adversos da orden internacional (Cervo, 2008:152)
Consequentemente, na prática a política de integração foi um abandono completo da
capacidade de construir poder regional próprio a partir de um esforço de
industrialização e construção de mercado regional, ao contrario primou pela
preocupação em ter acesso ao núcleo dinâmico do capitalismo (investimento
estrangeiro, importação de práticas e formas de gestão externa, corrente de comércio
etc) e não desenvolver sua base própria de desenvolvimento regional. Enquanto isto,
até alcançar este processo, e diante de possíveis resistências domésticas, utilizar-se-ia
a integração como uma forma de garantir um avanço consistente no tempo e espaço
regional do ideário neoliberal.
Os anos 1980 foram os anos do limite para o modelo de desenvolvimento que tinha
tido vigência desde o periodo posterior a Segunda Guerra Mundial (1940-50 do
século XX). Na América Latina, ao longo de muitos anos existiu uma polaridade de
visões sobre os modelos econômicos de desenvolvimento, inclusive em alguns países
representaravam - como foi o caso da Argentina - fortes embates políticos. Havia, um
modelo baseado nos interesses dos setores agro-exportadores que centralizavam suas
atenções no ranço do ideario da economia liberal clássica. Como assinalou Cervo, a
Europa com o seu progresso técnico, sua expansão comercial através da revolução
industrial transformou seus valores, interesses e padrões de conduta em um sistema
universal que alberga regras implícitas e explícitas de comércio, fluxos financeiros,
emprendimentos, diplomacia, tutela ou dominação (Cervo, 2008:68) Por outro lado,
existia um modelo que, se bem é certo não rompia com a lógica capitalista, sim
propunha um desenvolvimento de um capitalismo nacional.
166
Por essa razão, a periferia econômica, neste caso América do Sul, se acoplou a este
liberalismo europeu como produtora e exportadora de bens primários para Europa e
ao mesmo tempo receptora de suas manufaturas, com claro predomínio de
vantagens intangíveis para os eruopeus, em detrimento das vantagens comparativas
de ordem primária para as economias da América do Sul, cumprindo com o seu
papel
na
clásica
divisão
internacional
do
trabalho.
Logo,
o
modelo
desenvolvimentista ou nacionalista, que foi fruto de uma mesma vertente política e
ideológica que rompia com sta lógica tradicional de divisião do trabalho
internacional. Este modelo de desenvolvimento era um conjunto de ideias vinculadas
com uma teoria ou grupo de teorías constituidas em um modelo de desenvolvimento
econômico que conferia sentido a uma determinada situação econômica-política e
permitia assim exercer uma ação deliberada (Sikkink, 2009:2)
Para os efeitos destra trabalho, divide-se cronologicamente o MERCOSUL em duas
grandes macro etapas. A primeira que vai da aproximanção entre os governos da
Argentina e do Brasil. Já na segunda, enfoca-se o surgimento propiamente dito do
MERCOSUL com a assinatura do Tratado de Assunção. Esta divisão responde
precisamente a concepção de que os primeiros influxos da integração regional
estiveram pautados pela ideia de desenvolvimento em seu sentido mais amplo,
entretanto, no decorrer do processo houve modificações no interior de cada país que
conduziram a uma nova proposta integracionista.
1985 – 1988: Este periodo se caracteriza por un acercamiento entre as duas grandes
economias das região, Argentina e Brasil, com o objetivo de conformar um espaço
integrado entre ambos os países desde o ponto de vista econômico. Nesta etapa
houve os acordos de tipo “desenvolvimentistas”, segundo o espirito dos cepalinos
de promover o fortalecimento do mercado interno mediante a coordenação de
políticas nacionais intersetoriais, graduais e progressivas em vista de uma integração
regional.
1991-2002: Inaugurada com o Tratado de Assunção até o fim dos governos de clara
orientação neoliberal. Os acordos deste periodo tenderam a adoção de regras,
normas e institucionalização de interesses que apontavam a uma homegeneização
económica de abertura dos mercados internos. A pauta do processo esteve
167
influenciada pela idelogia da globalização no campo das ideias. A atuação dos
Estados Unidos na relação com o conjunto dos países latino-americanos no sentido
de preservar seus interesses nacionais e posicionar-se melhor economicamente de
modo a frear as economias rivais japonesa e europeia.
Uma integração multidimensional
Os estudos sobe integração regional e regionalização podem ser enfocados por varios
campos do conhecimento humano, precisamente por ser uma construção social
permitem estas variadas visões. Entretanto, as construções teóricas sobre integração
regional, desde o âmbito das relações internacionais, são tributárias dos estudos
estruturais sistémicos, em consonância com a dinâmica evolutiva da teoria das
relações internacionais. Consequentemente, o campo da integração está atravessado
por influxos provenientes daquela disciplina acadêmica. As Relações Internacionais,
desde o seu núcleo duro, abordaram o MERCOSUL como um dado fático da
realidade. Por essa razão, a contribuição de diferentes teorias, muitas delas
confeccionadas nos países mais desenvolvidos, tendeu a delimitá-lo com uma
preeminência dos enfoques políticos-institucionais e/ou econômicos-financeiros
sobre os enfoques culturais dada a preponderância das correntes teóricas tradicionais
nesta disciplina. Além disso, como bem reforça Hurrel, isto foi fruto do predomínio
da literatura por parte de teóricos liberais que se centraram em explicar a promoção
ou o obstáculo para uma integração econômica regional bem como as relações entre a
profundidade da integração econômica e as perspectivas políticas de uma
comunidade. (Hurrel, 1995). Em outro sentido de argumentação, Grimson assinala a
contribuição que os estudos culturais – em especial atenção os provistos pelas
abordagens antropológicas
para desarticular essa tendência etnocentrica do
pensamento occidental que tendeu a esferizar as dimensões humanas. Assim o autor
remarca que a cultura não é relevante porque seja uma esfera, é relevante porque não
existe nenhum processo social que careça de significação (Grimson, 2011:41) Neste
sentido as línguas utilizadas no espaço regional adquirem um papel relevante posto
que são os veículos deste processo de significação social.
168
Por outro lado, os debates mais recentes, na teoria das Relações Internacionais,
centraram-se em assinalar os limites teóricos, em oposição a preponderância que
consideravam-no entre os anos 1950-1980 do século pasado. Consequentemente,
muitos autores passaram a remarcar que o armado teórico não é isento, neutro nem
predicativo do comportamento dos atores internacionais. Ao contrário, tem um
caráter ideológico, histórico e possui vínculos com determinados interesses de
grupos socio-econômicos. São construções mentais que expressam a visão de uma
inteligentzia em função de suas experiências históricas e de seus interesses e valores.
Em consonância com esta linha de ideais é que seguimos aquilo expresado por
Amado Cervo. O autor sustenta que o alcance explicativo universal das teorias é
forjado, visto que estas se vinculam aos interesses, valores ou padrões de condutas
de países ou conjunto de países onde são elaboradas e paras os quais são úteis (Cervo,
2008). Assim que, propõe o autor, em seu lugar deveriamos utilizar conceitos, posto
que estes expõem as raizes nacionais ou regionais e não estão investidos de um
alcance explicativo global (id, ibídem, 2008)
Efetivamente, para aqueles países que são consumidores de teorias das Relações
Internacionais a proposta é atrativas, já que permite sopesar o compromisso com a
objetividade das análises, além de oferecer uma margem de manobra segura para
desviar-se das armadilhas a que muitas teorias levam os seus empregadores. Sendo
assim, os conceitos permitiram realizar a leitura do armado sistémico – proposto
pelas comunidades epistémicas – ao mesmo tempo que produz uma resposta local,
própria e em sintonia com seus interesses. No caso do MERCOSUL, a aproximação
entre Argentina e Brasil foi a base da construção do processo. Por essa razão, cabe
ressaltar que os influxos da integração estiveram influenciados pela ideia assentada
em construir um espaço regional, a partir das economias nacionais, vinculadas ao
desenvolvimento este não limitado a esfera económica senão política e cultural.
Entretanto, o sistema internacional atuou na construção de um MERCOSUL que
modificou as suposições iniciais a partir da condução das próprias elites nacionais.
A dimensão cultural sempre foi marginal ao processo de integração, esta visão, não
obstante, tendeu a ser matizada a partir de novos enfoques que abordaram a
integração como um processo multidimensional. Entretanto, este processo de
169
reiterpretação sobre a integração adquire efetivamente mais preponderância a partir
da metade dos anos 1990 em diante. Assim que, não se trata somente de aspectos
econômicos, políticos e comerciais, senão que existe uma integração cultural, eidética
e histórica que deve de ser contextualizada interpretada e explicada sob pena de que
as únicas forças que comandem o processo sejam efetivamente a do grande capital
internacional associadas ou não com as burguesias nacionais dependentes. Por um
lado, o reconhecimento de que o MERCOSUL é um acontecimento econômico não
implica centrar-se somente nesta dimensão, posto que precisamente isto se deriva de
uma estratégia de implementação da ideologia neoliberal que desarticulou em
termos interpretativos o enfoque cultural e político da dimensão econômica. O
MERCOSUL está composto pelos países e suas sociedades, existe ações humanas que
naturalmente estão condicionadas por uma estrutura socio-econômica, mas também
transpassada por uma multiplicidade de intencionalidades, projetos prévios, ideias
truncadas e uma historicidade regional que não deve e nem pode ser escamoteada.
Por isto, ao indicar o enfoque cultural como compreensível para explicar a integração
de imediato surgem um aguda complexidade para dar prosseguimento ao estudo.
Assim, Grimson assinala da necessidade de distinguir entre conceitos teóricos e
conceitos nativos, pois existe um grupo amplo de pesquisadores, no caso do
MERCOSUL, que utilizam os conceitos nativos do ator social que é o Estado
Nacional como um conceito teórico (Grinsom, 2002:197)
Esta confusão a que alude o autor se observa quando muitos estudos sobre a
integração regional desconhecem que existe uma ideia de regionalidade que é prévia
ao fenômeno, são estudos portanto ahistóricos. Observamos que a construção da
identidade latino-americana deu-se em face da interconexão de diferentes valores
que são históricamente situados. A ideia de colonização, mestiçagem, exploração
econômica, injustiça social, barbárie versus civilização, etc expressa-se no imaginário
social regional porque precisamente possui fortes laços com o devenir histórico
dessas nações. Assim, como sustenta Gloria Mendicoa o MERCOSUL não necessita
170
de uma integração social porque já é um dado que possui a mesma lengua (sic)65, a
mesma história e a mesma religião (Mendicoa, 2007:171)
Por essa razão o componente cultura é de vital importância para romper com a ideia
de esferização imposta pela pauta neoliberal. Lógicamente, o ensino das línguas
existentes neste espaço regional permite a construção de uma lógica associativista, de
articulação das partes, de reconhecimento da unidade no meio da diversidade assim
como da construção de um pensamento integracionista que não esteja baseado em
valores alheios as demanda da população local.
É um projeto societário em que uma ontología social relacional, que parte de uma
gênese institucional, condicionada por uma estrutura, cultura e ações a qual está
sujeita a permanente interação conduzindo ao esgotamento e a produção de novas
mudanças. (Ibídem, 170)
A política lingüística no MERCOSUL foi, até o momento, pouco ou nada trabalhada
em termos de política regional compartilhada. Vejamos alguns aspectos cruciais das
propostas línguísticas no campo da integração como política comunitária retiradas
do trabalho de Savedra sobre esta temática . Em 1997 ocorreu a primeira reunião do
Grupo de Trabalho de Política Lingüística – GTPL- em que se propôs uma série de
inicaitivas tais como: a realização de um diagnóstico da situação do ensino de língua
dos países membros (censo lingüístico) assim como a proposta de uma educação
plurilíngue no espaço regional. Em 2000, segundo a autora, novamente se reunem
para reforçar a importância e o aperfeiçamento dos profesores de línguas e apontam
três ações prioritárias: a) realização de diagnóstico sociolingüístico, b) implementação
dos certificados de proficiência de espanhol e português como línguas estrangeiras,
c) realização de projetos focados na formação e atualização dos profesores de língua.
Finalmente, na quarta reunião em 200166, dão por finalizado os labores do grupo de
trabalho com uma ausência de construção regional de um política neste campo.
A autora se expressa nestes termos. Neste sentido descordamos posto que existem outras
línguas hegemónicas ou não no espaço regional. Muito provavelmente a autora faz alusão a
uma base cultural comum
66 Anteriormente houve a terceira reunião em Porto Alegre em que voltaram a reafirmar os
pontos discutidos anteriormente sem que se tenha executado os projetos discutidos.
65
171
Assim a autora conclui em seu artigo que as sucessivas reuniões levadas a cabo
nunca transcenderam numa construção de política de integração lingüística,
entretanto, não aprofunda nas razões pelas quais ocorre esta falencia do Grupo de
Trabalho de Políticas Línguísticas no MERCOSUL. Não obstante, Savedra ressalta
que a política de defesa e divulgação do português e do español no MERCOSUL
desde então se restrigiu aos acordos bilaterais ou leis nacionais o que deixa em
evidência a falta de uma proposta integracionista (Savedra, 2009). No enfoque em
que se dá em nosso trabalho, saltam aos olhos os motivos pelos quais não se tenha
chegado a uma definição clara de uma proposta política regional nesta materia.
Alguns poderão opiniar que a opção pelos acordos bilaterais e nacionais foram uma
estratégia implementada diante de um MERCOSUL que sofria profunda paralisia a
partir da crise de 1999 o que não deixa de ser correto. Entretanto, não é possível
explicar o que acontece na política línguística no âmbito do MERCOSUL sem
relacioná-la com seu processo sistémico e a função que cumpre no sistema
internacional. Além disso,
a vigência de uma integração comercial em que o
economicismo deu a pauta para a elaboração das políticas, isto em convergência com
uma proposta ideológica que separava a esfera cultural (neste âmbito precisamente
estão os aspectos lingüísticos) ocasinou uma ruptura no qual não permitiu, tanto por
questão estruturais, como ideológicas uma política regional concertada sobre as
línguas no MERCOSUL independente dos esforços de muitos especialistas na
matéria.
Por outro lado, houve muitos avanços em materia de ensino e difusão tanto do
português como do espanhol nos países do MERCOSUL. O que demostrar a
dinâmica da integração a pesar dos muitos obstáculos. Como bem citado por Savedra,
alguns avanços foram obra de políticas nacionais, entretanto, existiu uma série de
iniciativas de organizações, criação de cursos, jornadas entre outras que
ultrapassaram o âmbito governamental.
O que denota que as forçar sociais
independente dos governos movem-se em um espaço regional. É certo que ainda
carece de mais estudo sobre esta matéria. Mereceria um maior esforço acadêmico
sobre o ensino de línguas no espaço integracionista bem como estudo histórico da
difusão por exemplo da lusofonia no territorio hispanoparlante. Por essa razão,
172
resgatamos os aspectos conceituais propostos por Mendicoa para enfocar uma nova
institucionalidade no MERCOSUL para estudar a difusão do espanhol e português
através de novos trabalhos.
A autora propõe cinco dimensões para analisar a criação deste espaço econômico,
político e social: a) Pertencimento: O dilema entre estar físicamente em um lugar e
fazer referência ao outro, b) Densidade de Interação: As partes confluem em uma
multiculturalidade, c) Participação: os atores para a opinião e a ação. d) Cooperação:
Garantia de acordos interorganizacionais, e) Estabilidade: Institucional e política.
Retomando estas apreciações da autora, temos que o enfoque lingüístico não deve
deixar de dar conta desta dissociação entre língua autóctone e língua alóctone em um
espaço de integração. Os consensos, conflitos e estigmas que representa falar ou
estudar uma língua estrangeira em outro país. As possibilidades de contatos, acordos
de mobilidade de estudantes, de docentes, curriculos flexíveis e articulados para
formação de docentes, desenvolvimento de planos estratégicos em que se possa
aproveitar e intercambiar profissionais neste espaço, propostas de pesquisas
conjuntas em um marco regulatório que aborde esta dinâmica de construção desigual
da difusão das línguas de ensino e línguas autóctones como o guaraní que
praticamente não aparece nos documentos além das outras línguas autóctones. As
línguas são veículos de comunicação de ideias, valores, tradições e costumes. Por
outro lado, também representam projetos hegemônicos, de domincação e controle.
Por essa razão, é necessário garantir um marco de participação dos diferentes atores
através de sua opinião e ações neste espaço, sobre tudo através da construção de
redes que resgatem os valores culturais próprios destas sociedades.
Entretanto, fundamentalmente, a percepção de que o processo de integração regional,
e com isto todas as políticas que daí advenham, insere-se em um sistema-mundo
capitalista do qual a participação poderá ser dependente ou autonôma. Isto
dependerá da capacidade de construção de projetos nacionais que se articulem com
seu entorno regional.
173
À guisa de conclusão
As políticas neoliberais implementadas nos países da América do Sul a partir da
década de 1990 representaram uma estratégia dos grandes capitais internacionais em
articulação com as elites econômicas, políticas e sociais destes países. Esta
transformação tendeu a separar os valores culturais e políticos do âmbito econômico.
Por outro lado, a integração regional inaugurada a partir da aproximação da
Argentia e Brasil na América do Sul não pode ser dissociada de uma processo
histórico de longo espectro que vive a América Latina, além do lugar em que ocupa
no desenvolvimento das forças do capitalismo. Assim mesmo, as propostas
integracionistas previamente elaboradas entre os dois países do cone sul foram
sucesivamente abandonadas quando confrontadas com um projeto hegemônico e
imperialista que foram mais atrativos paras as elites nacionais e se mostraram,
entretanto, nocivos ao desenvovimento social destas nações.
Finalmente, a ausência de uma política lingüística no MERCOSUL não se explica sem
examinar a dinâmica da integração regional e como este subsistema se insere no
sistema internacional. Falta ainda estudos que articulem o sistema internacional com
a perspectiva linguística. Nesse sentido, o âmbito cultura e o espaço primordial no
qual se dão essas interações.
Além disso, uma proposta alternativa de integração só será alcançada quando as
diferentes esferas sejam integradas em um projeto colectivo, solidário e inclusivo no
qual a comunicação (a língua é vetor principal para isto) for considerada como a
propulsão para a construção de uma proposta identitaria regional elaborada segundo
as demandas da população local.
Bibliografia
Bernal-Meza, Raúl. América Latina en el mundo. El pensamiento Latinoamericano y
la teoría de las relaciones internacionales. Buenos Aires,
Grupo editor
latinoamericano, 2005.
Cervo, Amado Luiz. Inserção Internacional. Formação dos conceitos brasileiros. São
Paulo, Saraiva, 2008.
174
Grimson, Alejandro. Los límites de la cultura. Critica de las teorías de la identidad,
Buenos Aires, Siglo XXI, 2011.
Harvey, David. Breve historia del neoliberalismo, Madrid, AKAL, 2° edição, 2011
Hurrell, Andrew. O Ressurgimento do regionalismo na política mundial in: Contexto
Internacional, Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica, vol 7 p. 23-59,
jan/jun 1995.
Ianni, Octavio. Teoria da Globalização. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 14°.
Reimpressão, 1995.
Mendicoa, Gloria Edel. El sentido de una ontología institucional y una nueva gobernanza
en el proceso de construcción e integración de la Red Mercociudades. Un aspecto clave
para una sociedad de incluidos. In: Fronteras abiertas para el MERCOSUR. Una
gobernanza con sentido estratégico y equidad social. Medicoa, Gloria Edel
(org) San Juan,
Instituto de Opinión Pública y proyectos sociales IOPPS,
Espacio editorial, Buenos Aires, 2007
Moreira Viel, Luiz Felipe (et alli). As Relacões Internacionais da América Latina.
Petrópolis, Vozes, 2010.
Savedra, Mônica M.G. O português no MERCOSUL. In: Cadernos de Letras. Dossiê
Difusão da língua portuguesa, Rio de Janeiro, UFF, número 39, p 175-184,
2009.
Sikkink, Kathryn, El proyecto desarrollista en la Argentina y Brasil: Frondizi y
Kubistchek. Buenos Aires, Siglo XXI, editora Iberoamericana, 2009.
Williams, Raymond. Cultura y sociedad 1780-1950 de Coleridge a Orwell. Buenos
Aires, Nueva Visión.
175
INTERCULTURALIDAD Y FORMACIÓN DOCENTE
Nélida Beatriz VASCONCELO67
Resumo
A interculturalidade pode ser entendida como o relacionamento e o diálogo de
culturas, é uma relação sustentada entre elas. É uma busca para atingir a superação
das diferenças sociais entre diferentes grupos. A educação intercultural visa a integrar
as potencialidades de pessoas e grupos que possuem diferenças culturais, baseandose no respeito e criatividade, muito além de atitudes individuais e coletivas. Promove
a construção de pontes de relacionamento que garantam a diversidade, a interrelação
criativa, ações que significam não só reconhecer o "outro", mas também entender que
o relacionamento enriquece grupos de estudantes criando um espaço para a
integração a uma nova realidade. É uma busca expressa de superação de preconceitos,
do racismo e das desigualdades com base nas condições de respeito, igualdade e
desenvolvimento de espaços comuns. A formação intercultural do docente de Língua
Estrangeira é sinônimo de abertura e de respeito para com os outros para
intercambiar, dialogar e concretizar.
O objetivo deste trabalho é demonstrar a importância da formação intercultural dos
docentes de Língua Estrangeira.
Palavras-chave: educação intercultural, docente, língua estrangeira.
Resumen
La interculturalidad se puede entender como la relación y el diálogo de culturas, es
una relación sostenida entre ellas. Es una búsqueda para lograr la superación de las
diferencias sociales entre distintos grupos. La educación intercultural tiene como
objetivo integrar las potencialidades de personas y grupos que tienen diferencias
culturales, sobre una base de respeto y creatividad, más allá de actitudes individuales y colectivas. Promueve la construcción de puentes de relación que garanticen
la diversidad, la interrelación creativa, acciones que significan no solo reconocer al
"otro" sino, también, entender que la relación enriquece a grupos de estudiantes
creando un espacio para la integración a una nueva realidad. Es una búsqueda
expresa de superación de prejuicios, del racismo y de las desigualdades bajo
condiciones de respeto, igualdad y desarrollo de espacios comunes. La formación
intercultural del docente de Lengua extranjera es sinónimo de apertura y respeto a
los otros, para intercambiar, dialogar y concertar. El objetivo de este trabajo es
demostrar la importancia de la formación intercultural en los docentes de Lengua
extranjera.
Palabras clave: educación intercultural, docente, lengua extranjera.
67
Profesora y Licenciada en Literaturas Modernas. Facultad de Lenguas. U.N.C.
176
INTRODUCCIÓN
La sociedad intercultural desarrolla un proceso dinámico, sostenido y permanente de
comunicación y aprendizaje mutuo. La educación intercultural tiene como objetivo
integrar las potencialidades de personas y grupos que tienen diferencias culturales,
sobre una base de respeto y creatividad, más allá de actitudes individuales y
colectivas.
Una sociedad intercultural es aquella en donde se da un proceso dinámico, sostenido
y permanente de relación, comunicación y aprendizaje mutuo. Allí se da un esfuerzo
colectivo y consciente para desarrollar las potencialidades de personas y grupos que
tienen diferencias culturales, para superar actitudes etnocéntricas y de desigualdad
social.
DESARROLLO
Las sociedades asumen formas culturales, transmitidas y generadas, caracterizadas
por la coexistencia de un conjunto de normas semejantes y diferentes. Lo cultural se
relaciona con patrones y modelos, y con la distribución de los individuos en un
sistema social. Una característica
importante de lo cultural es su carácter
transmisible, se asocia al devenir de la humanidad y es una herencia aprendida y
compartida.
El concepto cultura es de gran complejidad, puede decirse que incluye un conjunto
sincrético de ideas que tienen en común los miembros de una comunidad unidos en
una visión del mundo
que los diferencia de otra comunidad cultural. En la
diversidad de puntos de vista, se pueden ponderar, las definiciones que se fundan
en el componente del aprendizaje, estas consideran que hay una serie de reglas de
vida, de valores que son necesarios para interactuar socialmente y responder a una
serie de normas establecidas. Cada cultura establece una organización para la
interacción social, con pautas compartidas para hablar y sobrevivir en las situaciones
de vida que organizan su mundo e interpreta los hechos sociales que le acontecen.
Desde la perspectiva cognitiva de la cultura, se considera que los miembros de una
sociedad deben conocer y compartir parámetros sociales comunes con el objeto de
177
actuar de manera adecuada según las normas que ellos desearían recibir. García
García, Pilar (2004) sostiene que las pautas sociales o culturales pueden presentar
una situación de conflicto cuando adquieren un valor diferente en otros contextos,
produciendo malentendidos culturales. Por ej., en el espacio del aula, los docentes
tienen expectativas acerca de las acciones de sus alumnos que en algunas situaciones
no se satisfacen y se producen situaciones de conflicto. Cuando el profesor utiliza
muchas veces durante la clase la expresión “claro” para responder a sus alumnos
como signo de aprobación y no recibe de ellos una aprobación lingüística o gestual,
el docente piensa que su respuesta no es comprendida o interpretada. Este es un
ejemplo que muestra una mirada del aula como sociedad pluricultural y alcanza una
dimensión más amplia, la del compromiso por parte del individuo de ser más
consciente de sus presupuestos culturales y la de los otros, de compartir experiencias
diversas y ampliar la mirada cultural.
En las aulas de enseñanza de idiomas se conjugan diferentes culturas y sus modelos
culturales, ya que el aprendizaje de una lengua meta necesita el entendimiento de
quién es el otro, y lo que puede aportar de su cultura. El enfoque intercultural en la
enseñanza y aprendizaje de idiomas brinda la posibilidad del análisis de contenidos
culturales, valores, creencias y promueve la competencia intercultural con la que el
estudiante puede desarrollar la convivencia y las habilidades culturales, porque es en
la interacción cotidiana cuando surgen las confusiones culturales y se vuelve
necesario el diálogo para presentar alternativas de entendimiento. Este enfoque
ofrece al estudiante actividades presentadas en una progresión de adquisición de
conocimientos lingüísticos y culturales para que desarrolle estrategias y valore las
semejanzas y las diferencias culturales.
Alumnos y docentes en la dinámica del aula dialogan y reflexionan acerca de los
sistemas interpretativos de las distintas realidades y aceptan la diversidad cultural
como modo de convivencia. Los estudiantes de distinta procedencia llegan al aula
con conocimientos muy arraigados de su propia cultura y estos son el eje sobre el que
se fundamenta el aprendizaje de la lengua en la que están inmersos; es por lo tanto
necesario que se promueva una competencia para desarrollar valores.
178
Es conveniente que en el espacio donde se desarrolla el proceso de enseñanza el
docente proporcione un clima de confianza y participación para superar las
dificultades que presentan los estudiantes y proponga distintos tipos de actividades
comunicativas que se adecuen a los estilos de aprendizaje, para que los alumnos
adquieran competencias y habilidades que les permita: reconocer modelos sociales;
inferir normas a partir de las propias experiencias o modelos observados; posibilitar
el conocimiento y la identificación de los diversos referentes culturales; promover el
acercamiento entre culturas y adecuar su desempeño en situaciones interculturales.
La didáctica intercultural busca establecer la relación entre las culturas de la lengua
materna y la de la segunda lengua en sus contextos y para su logro se propone los
siguientes objetivos:1) facilitar la comunicación y la interacción a través de la
integración del aprendizaje lingüístico y cultural; 2) incentivar los procesos de
socialización para el cambio de perspectiva cultural; 3) plantear actividades
significativas para que los estudiantes expongan ideas, reflexiones, dudas; 4) analizar
las representaciones mentales y los valores de la cultura meta y las del estudiante; 5)
desarrollar habilidades para actuar como mediador intercultural y reflexionar en los
ámbitos en que interactúan con los interlocutores en los intercambios comunicativos
El enfoque intercultural busca superar las diferencias como obstáculo para la
comunicación, y evitar
las situaciones prejuiciosas y de discriminación, y se
promueva la comprensión y el respeto de culturas diferentes.
Es importante que el estudiante de lengua extranjera conozca las pautas sociales
distintas a las suyas. De esta manera mientras se le capacita con los objetivos
lingüísticos que necesita para incorporarse al grupo, adquiera, también, reglas de
cortesía que le permitirán un mejor acceso a la realidad que lo circunda e intervenir
en situaciones comunicativas.
Una mirada a los materiales didácticos para la enseñanza de lengua extranjera
posibilita hacer las siguientes consideraciones:
1) se incluyen actividades planificadas con
metodología por tareas, ellas
implican la integración de la cultura en el curso y no de un modo aislado,
organizadas gradualmente que permiten dinámicas interculturales durante el
proceso de aprendizaje. El libro “Voces del Sur 1 ,Español de Hoy, Nivel
179
Elemental” ( 2004: 97) propone: “Proyecto fuera el aula, Historias de vida”. Y
las consignas de trabajo son:
a) Elijan una persona que tenga una vida interesante,
historias para contar; b) Elaboren en clase una serie
de preguntas básicas que les permitan conocer los datos
claves de la vida de esa persona; c) Organicen un encuentro
con la persona y conversen utilizando como guía
el cuestionario preparado en clase; d) Escriban un texto
en el que reconstruyan la historia que escucharon”.
La solución de esta actividad le exige al alumno analizar, reflexionar, comparar,
interpretar e interactuar.
2) La consideración de otras actividades proponen:
presentaciones de situaciones alternativas para que el estudiante extranjero
las contraste y pueda ser competente en contactos culturales;
3) inclusión de situaciones a resolver a partir de los conocimientos previos o
conocidos de los alumnos
para incentivar la autoestima y fomentar la
búsqueda de material de consulta para que construyan sus conclusiones.
El profesor de lengua extranjera es conciente de que los alumnos que estudian
lengua son más sensibles y receptivos hacia su propia cultura después de haber
experimentado una cultura extranjera. El reconocimiento de la relación de lengua
y cultura supone asumir nuevas responsabilidades como formador de lengua
extranjera porque la lengua es un aspecto fundamental del acervo cultural de la
comunidad que la habla. Sin la lengua no es posible la transmisión de la memoria
de un pueblo y la construcción de una cultura.
Considerando que el lenguaje debe ser tratado en un contexto social, la relación
entre lenguaje y sociedad es muy importante para la didáctica intercultural en la
medida que el objetivo de los aprendizajes lingüísticos de otras lenguas tienen
algún tipo de contacto y comunicación fuera del grupo cultural de pertenencia o
de su comunidad de habla, razón por la cual sociedad y cultura son los conceptos
que representan a las personas con las que el estudiante extranjero tiene que
comunicarse.
180
CONCLUSIÓN
El docente de lengua extranjera pondera la planificación de una metodología que
brinde la posibilidad de negociación acerca del qué y cómo del aprendizaje, junto a
un enfoque intercultural que proponga la valoración de las diferencias y del uso
apropiado de las variantes socioculturales.El reconocimiento de la identidad y la
interculturalidad requiere de un diálogo que hay que impulsarlo con los aspectos
más atractivos de la cultura, favoreciendo la eliminación progresiva de rechazos y
prejuicios .En este sentido el Marco común de referencia europeo para las lenguas,
el aprendizaje, la enseñanza y la evaluación (2002), manifiesta que la relación entre
la cultura de origen y la cultura de la lengua extranjera, desarrolla una consciencia
intercultural que respeta la diversidad regional y social de ambas culturas.
BIBLIOGRAFÍA
Arnold, J.,Fonseca, C. “Reflexiones sobre aspectos del desarrollo de la competencia
comunicativa oral en el aula de español como segunda lengua”. Madrid.
Edinumen. 2003.
Autieri,B., Gassó, M.,Malamud,E., Moscón, L., Preve,P. (2004) “Voces del Sur 1.
Español de hoy.Nivel elemental”.Buenos Aires. ALEI. 2004.
Bernaus, M. “Un nuevo paradigma en la didáctica de las lenguas”. Glosas Didácticas
n 11.Murcia. Universidad de Murcia. 2004.
Cassany, D. “Tras las líneas”.Barcelona. Anagrama. 2006.
García García, Pilar. “La cultura, ¿universo compartido?. La didáctica intercultural en
la enseñanza de idiomas”, Carabela 45, Lengua y Cultura en el aula de ELE.
Madrid. SGEL. 2004.
García Parejo, I. (2004) “La enseñanza de español a inmigrantes adultos”.Madrid.
SGEL. 2004.
Ministerio de Educación, Cultura y Deporte “Marco común europeo de referencia
para las lenguas, aprendizaje, enseñanza, evaluación” Madrid. Secretaría
General Técnica del MECD y Grupo Anaya, Traducido y adaptado por el
Instituto Cervantes. 2002.
181
Sánchez Lobato, J, Santos Gargallo, I. (2004) “VADEMÉCUM Para la Formación de
profesores. Enseñar Español como segunda lengua (L2)/lengua extranjera
(LE)”. SGEL. Madrid.
Vez, José M.
(2001) “Formación en Didáctica de las Lenguas Extranjeras”.
HomoSapiens. Rosario.
182
MATERIAIS INTERCULTURAIS NO ENSINO DE PLE
Natália MOREIRA TOSATTI68
RESUMO
O papel da cultura nas aulas de Língua Estrangeira é hoje indiscutível. Porém isso
não pode se limitar a algumas lições ou a um tempo dedicado exclusivamente a
aspectos culturais no final de uma aula de LE. Língua e cultura estão imbricadas e
essa relação deve ser promovida em aulas que sejam, de fato, interculturais. Os
materiais didáticos, parceiros dos professores em sala de aula, contribuem para
estabelecer algumas das condições em que o ensino e a aprendizagem se realizam e,
nesse sentido, assumem lugar relevante de mediação entre professor, alunos e o
conhecimento a ser ensinado e aprendido e a cultura. Diante disso, a seleção dos
materiais que serão trabalhados em sala de aula deve ser feita com base na concepção
de língua e na abordagem de ensino adotada pelo professor. Neste trabalho, faremos,
à luz das abordagens comunicativa e intercultural considerações sobre materiais e
atividades propostas em sala de aula de PLE.
RESUMEN
La función de la cultura en clases de Legua Extranjera es hoy cuestión indiscutible.
Lengua y cultura se entrelazan y esta relación se debe promover en las aulas que son,
de hecho, intercultural. Los materiales educativos, los socios de los maestros en el
aula, ayudan a establecer algunas de las condiciones en las que la enseñanza y el
aprendizaje se llevan a cabo y, en consecuencia, asumen un importante lugar de
mediación entre el profesor, los estudiantes y el conocimiento que se enseña y se
aprende y la cultura. Por lo tanto, la selección de los materiales que serán trabajados
en el aula debe hacerse con base en la concepción del lenguaje y el enfoque
pedagógico adoptado por el profesor. En este trabajo, nosotros, a la luz del enfoque
comunicativo y del enfoque interculturale presentaremos consideraciones sobre los
materiales y las actividades propuestas en el aula PLE.
Introdução
As questões culturais já têm hoje seu lugar estabelecido no contexto ensinoaprendizagem de PLE. Ensinamos língua e com ela cultura. Também trocamos
experiência sobre culturas por meio da língua. Segundo Laraia (1986), interagimos
Doutoranda em Linguística Aplicada – UFMG. Pesquisadora do grupo INFORTEC CEFET/MG
68
183
como produtos da cultura, gerando símbolos e (re)construindo nossa identidade para
nós e para o Outro.
A experiência como professores de português em salas de aula multilíngues nos
torna sensíveis e atentos para o fato de que não apenas a cultura, mas também (e
principalmente), a interculturalidade são os pontos que facilitarão a aproximação dos
aprendizes à língua alvo e a tudo aquilo que a envolve. Assim, precisamos estar
cientes de que, embora, muitas vezes, questões culturais sejam pontos de discussão
durante as aulas, nem sempre elas promovem de fato a interculturalidade.
Precisamos estar conscientes da nossa postura em relação ao outro e atentos a como
estabelecemos as trocas em sala de aula.
Tomlinson and Masuhara (2004) defendem que provocar uma consciência cultural
pode facilitar a aquisição de uma língua, estimulando a curiosidade e a motivação
para o uso dela. A interação social que ocorre via linguagem permite compartilhar no
grupo experiências particulares e, a partir disso, (re)construir conhecimento. CouraSobrinho et al. (2012) defendem que
é por meio da cultura e de seus aspectos interculturais que
professores e alunos (re)(des)constroem seus conceitos, utilizando a
linguagem que representa e significa o mundo onde vivem. O sabor
para os aprendizes e seus interesses de serem alguém, para agirem no
mundo, vem desse universo intercultural de múltiplas semioses.
(COURA-SOBRINHO et. al., 2012, p. 89)
O filósofo Michel Serres, em sua obra O Terceiro Instruído, defende a ideia de que
"toda aprendizagem consiste em mestiçagem", em um caminho para alteridade. Em
contextos pluriétnicos de ensino de língua, professores representam no espaço da
sala de aula mais uma cultura entre as dos alunos. Assim, um ponto importante de
observação é como o próprio professor se posiciona frente à diversidade cultural e
que espaço ele abre para o intercultural.
Em relação ao professor, Serrani (2005), enfatiza que a atuação desse profissional é
fundamental na prática intercultural no contexto de ensino, uma vez que
O perfil profissional que, por falta de um termo melhor, chamarei de
professor de língua como interculturalista corresponde as de um docente
- de língua materna ou estrangeira – apto para realizar práticas de
mediação sócio-cultural, contemplando o tratamento de conflitos
identitários e contradições sociais, na linguagem da sala de aula.
184
Penso que a ‘falta de tempo’ muitas vezes alegada para justificar o
caráter acessório dado à dimensão sócio-cultural no ensino da
linguagem resulta de uma necessidade de transformações no
processo desse ensino. (SERRANI, 2005, P.15)
Mendes (2008) entende como intercultural, as ações, atitudes ou práticas que incitam
os alunos a valorizarem o respeito ao outro, como também as diferenças e a
diversidade cultural, construindo assim novos significados por meio da interação
entre suas experiências advindas da cooperação e integração de mundos culturais
diferentes, havendo assim a formação da esperada "consciência cultural" que nos
torna mais abertos a nossa cultura e também à dos outros. Para a pesquisadora, a
Abordagem Intercultural
... é a força potencial que pretende orientar as ações de professores,
alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem
de uma língua, materna ou estrangeira, o planejamento de cursos, a
produção de materiais e a avaliação da aprendizagem, com o objetivo
de promover a construção conjunta de significados para um diálogo
entre culturas... portanto... orienta um modo de ser e de agir, de
ensinar e de aprender, de produzir planejamentos e materiais
culturalmente sensíveis aos sujeitos participantes do processo de
aprendizagem, em busca da construção de um diálogo intercultural.”
(MENDES, 2008, p. 60-61)
O interculturalismo, além de afirmar como aspecto positivo as diferenças culturais,
as relativiza e propõe o diálogo e a troca entre a diversidade.
Ferraz (2012), em sensível artigo intitulado Mestiçagem cultural em sala de aula de
Português, chama atenção para o fato de que, na sala de aula de PLE,
embora reconheçamos seja a língua o elemento-chave mediador,
significador, capacitador para uma verdadeira adaptação e expressão
da identidade e ao mesmo tempo uma das fronteiras ela mesma a ser
transposta, são muitas as funções desempenhadas pelo curso [de
língua] que facilitam e melhor integram estes alunos, e é a língua ela
mesma a própria ferramenta de ação do professor em contato com
eles. (FERRAZ, 2012, p.117)
Porém, como fazer com que a aprendizagem se dê de uma forma - utilizando
conceito cunhado por Mendes - "culturalmente sensível"? Que materiais devemos
selecionar? Que aspectos considerar? Na seção seguinte apresentaremos sugestões
que podem orientar a preparação de uma aula dentro da abordagem intercultural.
185
A preparação de materiais didáticos
Muitas vezes nós, professores, encontramos um texto que consideramos genial e o
levamos para sala de aula, porém nos frustramos ao perceber que o trabalho não
fluiu tão bem quanto esperávamos. Será que os alunos não perceberam a qualidade
do material ou será que nós, depositando nossas fichas no texto, acreditamos que ele
sozinho daria conta de despertar o interesse dos alunos? Em outras situações,
selecionamos um tópico cultural para ser explorado em sala e estamos certos de que
propomos uma aula intercultural, mas a discussão se esgota rapidamente ou não
sabemos como dar andamento à aula. Os materiais didáticos levados para sala de
aula e as atividades propostas a partir deles são determinantes para que o grupo de
alunos reaja com maior ou menor interesse e contribua no modo como a aula
transcorre.
No contexto ensino-aprendizagem de Língua Estrangeira (LE), tudo o que é
selecionado para o propósito de aproximação e uso da língua-alvo pode se
transformar em material de didático. Uma história em Quadrinhos, a capa de uma
revista, um jogo de tabuleiro, uma música ou panfleto de supermercado são
materiais em potencial. Contudo, há que se ter cuidado com o que será produzido a
partir daquilo que foi escolhido.
Como constantemente professores se tornam criadores de materiais, além da
experiência em ensinar a língua é preciso, conforme ressalta Almeida Filho (2013),
uma especialização aprofundadora da capacidade reflexiva e do
conhecimento teórico relevante sobre os processos de aquisição e
ensino de idiomas, revelada por um currículo crescente em
sofisticação, por publicações e títulos de grau (especialização,
mestrado e doutorado). Trabalhando em equipes, esses produtores
podem dividir tarefas da criação em partes coincidentes com as
especialidades dos membros atuantes no grupo. (ALMEIDA FILHO,
2013, p.19)
A seleção dos materiais que serão trabalhados em sala de aula deve ser feita com
base na concepção de língua e na abordagem de ensino adotada pelo professor.
Segundo Nunam (1999, p. 75),
“fornecer condições pedagógicas para que através
186
delas os alunos possam estruturar e reestruturar o próprio conhecimento” é uma dos
papéis do professor.
Os materiais didáticos escolhidos para serem trabalhados em sala de aula devem
propiciar práticas interdiscursivas nas quais a identidade dos grupos sociais venham
à tona. Uma das funções de um material didático é permitir a interação entre os
aprendizes para que sejam expostos seus estranhamentos (alteridade) e similitudes
associadas ao mundo, que é reverberado por meio da língua-cultura alvo. Assim o
recurso didático escolhido deve apresentar um conteúdo interculturalista que
considere o lugar discursivo dos envolvidos, motivando a participação. Ele deve
constituir-se como elemento provocador que pode suscitar pontos para a troca de
ideias, de opiniões, de pontos de vista. Os recursos didáticos levados para sala de
aula devem expor os aprendizes a eventos e situações que buscam retratar a
identidade cultural dos envolvidos, colocando-os em contato com visões de mundo e
com parâmetros culturais diferentes dos de sua origem.
Almeida Filho (2013, p. 13) compara a elaboração de material de ensino à "escrita de
uma partitura para ser interpretada em execuções na materialidade da aula e suas
extensões. Escrever uma partitura inclui tradicionalmente a codificação de ações
premeditadas ao redor de conteúdos previstos para as unidades." (idem). Para não
desafinar, é preciso planejamento.
Planejando o material
Luckesi (1994) considera que os procedimentos de ensino geram consequências para
a prática docente. Para se definir procedimentos de ensino com certa precisão, é
necessário ter clara uma proposta pedagógica; é preciso compreender que os
procedimentos de ensino selecionados ou construídos são mediações da proposta
pedagógica e metodológica, devendo estar estreitamente articulados. Assim, a partir
da concepção de língua adotada pelo professor, as primeiras perguntas a se fazer são:
"Que objetivos quero atingir?", " De onde partir?",
"O que selecionar?", "Que
experiências poderão ser compartilhadas?". Devemos, portanto, olhar de forma
crítica e reflexiva as atividades que elaboramos.
187
Considerando essa importância do “fazer comunicativo” em aulas de LE acreditamos
que uma etapa importante na seleção e/ou criação dos materiais e que nos ajuda no
planejamento das atividades, é a escolha dos gêneros textuais a serem trabalhados.
Na crença de que os professores de língua estrangeira devem favorecer e facilitar a
interação comunicativa dos alunos, buscando meios que gerem uma participação
produtiva dos aprendizes em vários contextos interacionais, defendemos que os
gêneros textuais podem servir como importante ferramenta para o desenvolvimento
das habilidades e competências do aprendiz de PLE.
Dell’Isola (2007) afirma que
Gêneros textuais são práticas sócio-históricas que se constituem
como ações para agir sobre o mundo e dizer o mundo,
constituindo-o de algum modo. Por serem fenômenos
históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social;
fruto do trabalho coletivo; formas de ação social; modelos
comunicativos; eventos textuais, os GTs apresentam
características comunicativas, cognitivas, institucionais e
linguísticas/estruturais, cuja finalidade é predizer e interpretar
as ações humanas em qualquer contexto discursivo, além de
ordenar e estabilizar as atividades comunicativas cotidianas.
(DELL’ISOLA , 2007, p. 17)
Essa visão corrobora os objetivos de uma aula de LE de base comunicativa e
intercultural, em que são propostas ao aluno ações comunicativas, ou seja, atividades
que se vinculam a um contexto e a um propósito. Isso envolve escolhas linguísticodiscursivas e estratégias para se atingir um determinado número de ouvintes,
leitores, interlocutores e envolve competências específicas para se atingir aos fins
pré-determinados. Se gêneros textuais constituem-se como textos recorrentes,
situados em um contexto histórico e social, culturalmente sensíveis e relativamente
estáveis, eles funcionam como uma forma de ação social e servem como instrumento
de comunicação entre sujeitos de um grupo social. Logo, o trabalho com GTs em
aulas de língua estrangeira faz-se coerente com a proposta de estimular e encorajar a
participação do aluno em atividades, além de ser um facilitador do processo de
inserção do aprendiz na língua alvo. Também será por meio de gêneros textuais que
os aprendizes falarão sobre si e apresentarão seus questionamentos.
188
É possível que essa facilitação se dê pelo fato de os gêneros contribuírem para a
compreensão das relações discursivas que veiculam. Eles resultam das relações
complexas entre o uso da língua e o suporte em que estão situados. Devem, portanto,
ser analisados a partir das suas relações com as práticas sociais, os interesses e as
relações de poder, os aspectos cognitivos e discursivos, as tecnologias, e inseridos
dentro de uma cultura. A observação dos gêneros representados em um material
didático pode proporcionar uma visão das formas de ação de uma sociedade
concretizadas em linguagem. Tal aposta na utilidade de gêneros nos materiais
didáticos deve-se ao fato de eles trazerem, para as salas de aula, situações concretas
que viabilizam a instauração de situações comunicativas.
Segundo Júdice (2013, p. 151)
vale lembrar também que o fazer linguístico do aprendiz,
configurado em gêneros textuais elaborados com recurso a diversos
tipos, realiza-se nas modalidades falada e escrita, nos registros formal
e informal, em textos com suportes variados e tecidos em diferentes
situações de interação.
Tendo claro então: concepção de língua e abordagens, aspectos (inter)culturais e
gêneros textuais é momento de se pensar nos aspectos linguísticos que serão
ensinados ou reforçados.
Quando provocamos discussões em sala de aula, é impossível saber quais serão as
estruturas e o vocabulário empregado pelos alunos, mas é possível prever algumas
estruturas e palavras que provavelmente eles utilizarão dentro do contexto exposto.
Assim, na preparação da atividade é importante que o professor dedique espaço para
aspectos linguísticos como tempos verbais, registro mais ou menos formal,
expressões idiomáticas, entre muitos outros.
Apresentaremos a seguir um exemplo de atividade intercultural emprega em curso
de PLE.
Compartilhando um exemplo
A atividade apresentada a seguir foi aplicada em curso intensivo de PLE, com
duração de 45h/a, em contexto de imersão, oferecido pelo CEFET-MG a alunos
intercambistas.
189
Em citado curso, tivemos como propósito integrar aspectos culturais, gramaticais e
comunicativos com a finalidade de possibilitar aos aprendizes desenvolver
habilidades e competências comunicativa e intercultural. Para tanto, foram previstos
encontros divididos em três módulos, a saber, "Aspectos (inter)culturais", "Aspectos
gramaticais" e "Produção Oral e Escrita".
As expectativas de um falante de LE podem ser frustradas em relação ao ato de
comunicação, não só pelo fato de o aprendiz não dominar ou não ter acesso às
formas mais adequadas para determinada situação de comunicação, mas também
pelo fato de não ter uma competência intercultural. Sensíveis a isso, ao montar o
curso, tivemos o cuidado para que, embora modular, as atividades se completassem.
Assim língua e cultura caminharam juntas durante o curso, como resumo o Gráfico 1
a seguir.
Gráfico 1
Apresentaremos, como exemplo, a atividade que teve como tema Compras.
Fazer compras é uma atividade que, por menos que se goste, compõe a rotina de
qualquer pessoa. Vamos à padaria, ao supermercado, ao shopping, a um site da
internet e a uma série de outros estabelecimentos nos quais estabelecemos algum tipo
de transação comercial. Esse simples ritual pode sofrer variações de cultura para
cultura.
Nesse momento de prática cotidiana da língua, várias dúvidas podem surgir: como
abordar o vendedor? Como perguntar sobre as formas de pagamento? Como pedir
um desconto? Pede-se desconto em qualquer estabelecimento? Assim, para
contextualizar a prática, começamos nossa conversa sobre Feiras Livres.
190
Na cidade de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, tem lugar todos os
domingos a Feira de Artes e Artesanato da Avenida Afonso Pena, popularmente
conhecida como Feira Hippie. Fundada em 1969, tornou-se uma das maiores feiras
da América Latina. Nessa feira são vendidos artigos como: artes, bijouterias,
brinquedos, bolsas e calçados, móveis e decoração e roupas. Como ponto de atração
da cidade, não haveria como deixá-la de lado em nosso curso.
A seguir, um quadro sinótico com o mapeamento dos aspectos que foram abordados.
Tema
Aspectos
Linguístico
envolvidos
Gêneros
Aspectos
Culturais
Aspetos Interculturais
Compras
/
Feiras
Presente
Imperativo
Pretérito Perfeito
e
Imperfeito
Texto
informativo
Feiras no Brasil
Feiras em seu país
Vocabulário
Relato
Compras
em
feiras no Brasil
Compras em feiras em
seu país
Numerais/Preços
Música
Compras
em
outros
estabelecimentos
no Brasil
Compras em outros
estabelecimentos
em
seu país
Expressões
idiomáticas
Crônica
Aspectos curiosos
em relação à Feira
de Artesanato.
Curiosidades
em
relação às feiras em seu
país.
Sociedade
Brasil
Sociedade em seu país
Descrição
no
Frases
Interrogativas
Todos esses aspectos foram trabalhados por três professores diferentes, ao longo de
cinco aulas, totalizando 10 horas. Para ampliar as discussões, trabalhamos músicas e
textos literários e não literários relacionados ao tema. Como atividade de produção
191
escrita, os alunos elaboraram um texto informativo sobre uma feira de seus
respectivos países. A turma era composta por alunos franceses, alemães e africanos,
logo as diferenças facilmente afloraram e alunos e professores, utilizando a língua
portuguesa, faziam perguntas uns aos outros descobrindo pontos ora comuns, ora
bem distintos, em relação a comportamentos e hábitos, a partir da simples ação de se
fazer compras.
Considerações Finais
O filósofo Michel Serres acredita que o aprendizado, seja para o indivíduo, seja para
as ciências se dá sempre no limiar, nessas interconexões entre o que já é conhecido e
o que não é, assim, é importante investir em materiais que, sem abandonar os
aspectos formais da organização de uma determinada língua, se preocupem também
em enxergar o aluno como agente de seu processo de aprendizagem, motivando-o a
interagir com seus pares e a realizar ações, tornando-se, então, autônomo nesse "novo
mundo social" do qual ele pretende, de alguma forma, participar.
É preciso estar muito claro na concepção do professor que, para se atingir
determinados objetivos, é preciso assumir determinadas postura e ação, para que
sejam atingidos os resultados esperados. Por isso ao se eleger trabalhar com um
material didático, o responsável pela escolha e/ou pela elaboração, deve analisar se
esse material oferece, ao aprendiz, condições de acesso à língua alvo por meio de
atividades que promovam a aproximação do aluno com textos que circulam em
diversos cenários onde essa língua é falada. Além disso, é preciso que esse material
possibilite que haja em sala aula o cruzamento entre o novo e o já conhecido para que
a partir daí promova-se reflexões, comparações, análises, enfim, aprendizagem.
Neste artigo, defendemos a importância da interculturalidade em salas de aula de
PLE, tecendo considerações sobre a postura do professor frente a um contexto
multicultural e, principalmente, sobre a seleção e/ou elaboração de materiais que
promovam práticas pedagógicas interculturais. Dentro dessa perspectiva, foi
apresentado um exemplo de atividade aplicada em um curso de PLE.
192
REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, J.C.P. Codificar conteúdos, processo e reflexão formadora no
material didático para ensino de e aprendizagem de línguas. In:PEREIRA,
A.L.; GOTTHEIM, L (Orgs.) Materiais Didáticos para o ensino de Língua
Estrangeira: processos de criação e contextos de uso. Campinas, SP.: Mercado das
Letras, 2013. pp. 13-27.
CANDAU, Vera Maria. “Multiculturalismo e educação: desafios para a prática
pedagógica”. In. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria
(Org.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 2ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
COURA-SOBRINHO, J. et al. Gramática, gênero textual e cultura no livro Terra Brasil.
IN: DELL'ISOLA, R.L.P. (Org.) Português Língua Adicional: ensino e pesquisa.
Recife, PE. Editora Universitária UFPE, 2012. pp.71-90.
FERRAZ, A. Mestiçagem cultural em sala de aula de Português. IN: DELL'ISOLA,
R.L.P. (Org.) Português Língua Adicional: ensino e pesquisa. Recife, PE. Editora
Universitária UFPE, 2012. pp. 115 - 122.
JÚDICE, N. Módulos didáticos para grupos específicos de aprendizes estrangeiros de
português do Brasil: uma perspectiva e uma proposta. In:PEREIRA, A.L.;
GOTTHEIM, L (Orgs.) Materiais Didáticos para o ensino de Língua Estrangeira:
processos de criação e contextos de uso. Campinas, SP.: Mercado das Letras, 2013.
pp. 147-184.
LARAIA, R. B. (1986). Cultura: Um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.
MENDES, E. Língua, Cultura e formação de Professores: Por uma Abordagem de
Ensino Intercultural. In: MENDES, E. e CASTRO, M. L. S. (orgs.). Saberes em
Português: Ensino e Formação docente. Campinas, S.P.: Pontes Editores, 2008.
NUNAN, D. Designing Tasks for the Communicative Classroom. Cambridge: CUP, 1989.
SERRANI, Silvana. Discurso e cultura na aula de língua: currículo, leitura, escrita.
Campinas, SP: Pontes, 2005.
SERRES. M. O Terceiro Instruído. Tradução: Serafim Ferreira. Instituto Piaget, 1997.
193
TOMILSON, B and MASUHARA, H. Developing language course materials. Singapore:
RELC Portofolio Series, 2004
194
A FORMAÇÃ
FORMAÇÃO QUE ACONTECE: HISTÓRIAS DE
PROFESSORES DE PORTUGUÊS NO NOA A PARTIR
DA NOÇÃ
NOÇÃO DE “AUTO“AUTO-FORMAÇÃO”
Geruza QUEIROZ COUTINHO69
Resumo
Nosso objetivo é explorar - a partir de uma perspectiva histórica ancorada na história
oral - as possibilidades de formação docente para o ensino do PLE dos anos 90 até a
atualidade, no Noroeste Argentino. Apoiando-nos em depoimentos de um grupo de
quatro professoras (das províncias de Santiago del Estero, Salta e Jujuy), exploramos
trajetórias marcadas por um denominador comum: a adoção de uma perspectiva
ampliada para o que é a formação docente. Desta forma, as professoras entrevistadas,
que trabalham com o Português na Argentina, tiveram acesso a conteúdos e
aprendizagens de formação profissional em condições diferentes às de colegas que
receberam a chamada formação inicial. Trata-se, então, de uma oportunidade para
debater sobre o saber construído em instâncias da educação não formal e a sua
repercussão nas práticas profissionais. Outrossim, deve-se ter em conta que as
formas de aprendizagem, nesse caso as alternativas à formação na educação formal,
exploram recursos disponíveis numa determinada conjuntura, especialmente o que
está nas possibilidades do estudante. As experiências de formação e as soluções
situadas na cotidianidade são destacadas do corpo de entrevistas realizadas. Busca-se
entender as táticas e soluções adotadas em consonância com as crenças que
sustentam o seu fazer, sempre seguindo os relatos próprios. É assim que
encontramos a recorrência da auto-formação nas suas combinações com a formação à
distância e/ou com modalidades da formação continuada.Entendem-se as nuances
desses trajetos, valorizando-os, problematizando-os e situando-os na realidade
cultural e econômica da região. E buscamos evitar cair num jogo valorativo sobre
eles. Simplesmente são e foram as possibilidades reais que se apresentaram às
professoras com as quais dialogamos, situando-os no campo do debate sobre o
ensino do português na Argentina.
Perspectiva narrativista
A possibilidade de dar mais lugar às narrativas no mencionado projeto 1954, tendo
em conta que elas foram ganhando seu lugar no desenvolvimento das entrevistas, foi
o que nos permitiu explorar este campo das biografias escolares. Nos encontros, a
69
Mestre em Educação (UFF). UNSa – Universidad Nacional de Salta - Argentina
195
pausa para a reflexão do professor, o tempo permitido a reflexão da prática, foi se
instalando paulatinamente. E na medida que íamos aprendendo a trabalhar com os
relatos, o gravador foi ficando mais tempo ligado70.
O relato brindou o que buscávamos - uma aproximação às crenças - mas também nos
foi indicando trajetos de formação. No desenvolvimento da pesquisa e na negociação
implícita que foi se dando - por um lado internamente, no grupo de pesquisa, e por
outro na realização de cada entrevista - visualizamos a necessidade de explorar a
partir das formas de chegada à área do ensino de português. A construção narrativa
facilitou a exteriorização sobre tal percurso, com o docente contando - antes que tudo
para seu próprio entendimento - e revisitando momentos que ora se somam e ora se
atropelam na construção da memória. Um processo ativo que requer processamento:
buscar a experiência resguardada no passado, processá-la, selecionar e conferir dados
na imagem que no presente retorna ao pensamento, armar o relato e expressá-lo. Um
momento, um detalhe que seja, faz com que quem relembre, relacione, evoque - com
os tempos intermediários onde se solicita a confirmação do que vai dizer - enquanto
processa dados. Os que entrevistamos presenciamos o gesto de lembrar para relatar
(intrinsicamente relacionados). Inclusive nos transfere parte das suas inquietudes: é
isso mesmo né?
A história, sempre foi assim…, constrói-se entre pessoas, até mesmo nas instâncias
mais acadêmicas da sua conformação, porque alguém conta, escreve, registra (da
cozinha ao cartório, da sala de professores ao tribunal). Mas é no ato peregrino de
contar sobre a vida onde vemos com prontidão e sem filtros o seu caráter
descontínuo e complexo, da vida mesma (e, num jogo intertextual, a expressão “a
vida como ela é”71 espelha isso: a vida é descontínua e complexa72). Muitas vezes
No método qualitativo, e principalmente nas entrevistas, se dá o exercício do diálogo entre
duas pessoas; desta forma, entre idas e vindas, a elaboraç ão de uma história nao cronológica,
construida desde o presente e que privilegia a experiência (Mallimaci e Giménez Béliveau
em Vasilachis de Gialdino (coord.), 2006, 194).
71 A expressão popular
“a vida como ela é” está muito presente no imaginário e na
literatura, assim como na MPB (vide a canção Epitáfio, dos Titãs) e tem como um dos
principais referentes ao dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues (1912, 1980). Consideramos
pertinente a alusão por pemitir a relação da nossa com as exposiçoes dessas Jornadas que
homemageiam ao centenário de Nelson Rodrigues. .
70
196
houve um breve silêncio, registrado na gravação, onde se pode imaginar um olhar
viajando a outro tempo e um ligeiro sorriso nos lábios: assim vimos como se vencia
certa prevenção de abrir-se à narrativa, e de acordo a vontade de contar ou não, mas
ao fim exteriorizando parte da história própria, talvez uma história que nesse caso
não soe típica na história da docência, mas que era e é, e disso foi-se tomando
consciência no tempo narrativo (Ricouer, 1996), uma baita história trazida na mochila
do ofício.
O enfoque narrativista e as pautas da história oral foram também um aprendizado
para nós, que estávamos no papel de “pesquisadores”. Gerou a emergência de
conceitos não previstos originalmente no projeto e o desafio era - e é - o trabalho
interpretativo do que chamamos de histórias que realmente acontecem no território
da escola. Acreditamos que a narrativa permite trabalhar uma perspectiva de
interculturalidade que nesse caso soma histórias de gente que quer ensinar o
português no NOA. Espaço fértil para analisar o devir de uma formação
assistemática, que acontece (está é a sensação: de que a formação vai acontecendo, sem
seguir um caminho previsível, e seguindo táticas que se apoiam na força de vontade
dos que a experimentam73) em contraste com uma concepção muito instalada por sua
operatividade e por tradição no campo educacional, que é a de sistema educativo
(um espaço pensado a partir da noção de controle que parte do conceito mesmo de
sistema).
No viés da complexidade vemos que a formação assistemática é tão
vivencial enquanto formação como a outra (a chamada formação sistemática); em si
mesma é uma biografia escolar ainda quando formação espontânea e quem grandes
pretensões possibilita até mesmo a explorar relações tangenciais entre o que é formal
e não formal em termos de educação, exercitando formas de aprendizagem não
esperadas.
Seguindo a dinâmica das entrevistas, enquanto íamos tecendo conjuntamente os
relatos, instala-se a pergunta: onde ocorre essa formação “assistemática”? Uma coisa
Complexidade entendida como possibilidade de ser apreciada em diversos ángulos (a
partir de Houiass, 2009), o que enriquece a compreensão (e não só isso: faz o relato ser mais
dinâmico e mais verossímil; também mais interesante).
73 Nossa aposta numa concepção hermenéutica da história nos leva a “aproveitar” a
complexidade presente nos relatos para realçar a noção de formação que vai acontecendo.
72
197
é certa: esta formação subjaz no exercício do ofício de alguns colegas com quem
estabelecemos contato e geramos vínculos no período da pesquisa74. Quando nossos
colegas contaram suas histórias, abriram-nos portas para compreender táticas de
formação e nos permitiu por instantes retirar o véu que invisibiliza alicerces pouco
reconhecidos do trabalho docente.
No já mencionado projeto 1954 tal perspectiva nos levou a migrar ao campo das
biografias escolares, um conceito com amplidão que permite ver este lugar dos
bastidores da formação. Muitas vezes isso foi possível quando deixamos grades e
guias de análises de lado e na conversa íamos acompanhando a declaração
espontânea das professoras. Isso brindou o que buscávamos: uma aproximação às
crenças, mas também nos indicou trajetos de formação. No desenvolvimento da
pesquisa e na negociação implícita que foi se dando - por um lado internamente, no
grupo de pesquisa, e por outro na realização de cada entrevista - visualizamos a
necessidade de explorar esses trajetos como formas de chegada à área do ensino de
PLE. Começamos então a estimular a privilegiar o percurso, buscando que se
contasse e revisitasse momentos impregnados de expressividade na lembrança.
Tínhamos que dar tempo para o desenvolvimento das entrevistas, reconhecendo a
construção da memória como um processo ativo com vários passos: buscar a
experiência resguardada no passado, processá-la, selecionar e conferir dados na
imagem que no presente retorna ao pensamento e além disso armar o relato e
expressá-lo.
Um momento, um detalhe recordado que leve a relações, evoca
anedotas ao mesmo tempo que faz retornarem imagens. Os que entrevistamos
presenciamos o gesto da lembrança e do contar. E muitas vezes transfere-se a nós,
que somos interlocutores, partes das suas inquietudes: é isso mesmo né?. Como
interlocutores, acompanhamos a constituição do relato. Vimos como que, escutando
suas próprias vozes (condição fundamental para que se dê o relato) as professoras
O projeto CIUNSa 1954 já terminou mas seguimos com a realização e análise de entrevistas
como parte dos meus estudos para a especialização em Ciências da Linguagem do
Departamento de Posgrado, Facultad de Humanidades, Universidad Nacional de Salta em etapa
final de realização. O título do trabalho final proposto é “Creencias y actitudes lingüísticas
de profesores de portugués del NOA”, dirigido pelo Adrián Canteros.
74
198
seguiam experiências e imagens que falam de algo complexo, mas, não nos
esqueçamos, vividos em carne própria.
A história, sempre foi assim, constrói-se entre pessoas, até mesmo nas instâncias mais
acadêmicas da sua conformação. E suas nuances se fazem visíveis porque alguém
conta, registra, enumera, descreve (da cozinha ao cartório, da sala de professores ao
tribunal).
As histórias
O panorama do ensino de português na Argentina conta com agentes que atuam em
todos os sentidos para a sua promoção, de maneira individual e coletiva.
Entendemos que a projeção instituinte do agir deste coletivo muito tem feito pela
integração entre os países. Suas histórias têm uma marca diferencial frente às
políticas de Estado pelo caráter pragmático que apresentam, com suas táticas
adotadas e pela constância. Na verdade muita gente mantém vivo o projeto de união
entre povos com histórias desobedientes e muita teimosia, tecendo linhas de
continuidade subterrâneas que fazem que os projetos sigam vigentes apesar das idas
e vindas das negociações dos estados.
Na “lusofonia ao Sul” (Canteros, 2011), a dos imigrantes lusofônicos na Argentina e
onde se busca somar vozes a uma episteme menos eurocêntrica, estamos nós,
professores e professoras de Português. Pois as histórias que registramos somam-se a
um quadro de fixação, promoção e expansão do português como língua estrangeira,
ainda que uma língua estrangeira especial, a do vizinho, a do lugar onde se vai no
verão de passeio, a que se fala em igrejas alternativas, a dos encontros amorosos e
das amizades mais ou menos fugazes, enfim, língua inscrita num lugar próximo.
As histórias aqui contadas estão relacionadas a uma nacionalização da formação de
professores da área, com nuances distintivas na forma da sua federalização. Elas
representam a pluralidade no agir de cada ator social que com este projeto se
envolveu. Entre os atores, homens e mulheres, que fizeram que a expressão
“lusofonia ao sul” fique ainda mais bonita estão: os professores e os professores
formadores, em contextos variados de formação; os imigrantes, os simpatizantes, os
“apaixonados” pelo português e pelo Brasil, no âmbito da circulação da cultura.
199
Enfim, gente de lá e de cá que solicita um olhar mais esponjoso, explorando outras
possibilidades para pensar as fronteiras, já não como linhas de separação e sim como
espaços de contato. A partir desta perspectiva, a lusofonia ao sul ganha humanidade
– e é necessário isso dizer, saindo da cômoda opção de pensá-la como obviedade –
desvelando histórias resguardadas no discurso da uniformidade.
Nessas histórias há uma década que se destaca no devir do português na Argentina,
a dos 90. Com uma macro política, seguindo um modelo de eficiência, instalou-se,
sabemos, uma reforma educativa visando reduzir “gastos” do Estado e a
descentralização dos serviços educativos. Com a capacitação autofinanciada, as
possibilidades de ter “horas para dar aulas” ficava determinada pela possibilidade
de acesso a tais cursos.
Nas províncias do interior e no interior dessas, os docentes tiveram sua cota
específica de desafios para essa capacitação, considerando as distâncias e uma menor
oferta de cursos de capacitação.
O que passou em toda a territorialidade da docência argentina foram experiências
vividas muitas vezes de forma dramática num mapa de impasses pelo futuro desses
trabalhadores da educação. O não previsto, aquelas novidades que passaram a tomar
corpo como preocupação, foi discutido com os mais próximos - os pares da mesma
cidade ou até mesmo no seio da família. As redes que vinculavam os professores e
suas demandas não tinham as possibilidades que vemos na atualidade (como e-mails
ou redes sociais virtuais), mas ainda assim não deixaram de estar75.
No que se refere a nossa área, a formação implicava o aprendizado da língua e de
uma língua que se vai ensinar, o cenário foi de ofertas desiguais. Apesar da criação
do MERCOSUL era um desafio aprender o chamado PLE. (Português como Língua
Nas entrevistas realizadas enfatiza-se a sensação de distância geográfica dos centros de
decisão política, de maneira relacionada às formas particulares de responder a essa
necessidade de “capacitação”.
75
200
Estrangeira) para ensiná-lo76, somando-se às exigências de permanência no sistema
nos moldes propostos ou impostos pelo neoliberalismo77.
A primeira história
O MERCOSUL sendo criado e a lei dos 90 proporcionando as situações dramáticas;
enquanto isso, era uma vez… Assim nos contaram.
Trata-se da história de Gabriela 78 , a primera entrevistada para o nosso projeto
(fevereiro, marzo e abril de 2010), moradora de San Pedro, provincia de Jujuy. Ela
tem consciência de que esse é o seu lugar: “Acá trabajo, acá trabaja mi marido, acá se han
educado mis hijos, este es mi lugar, siento que ya es mi lugar, a esa edad creo no me iría a
ningún otro lado. Cuando voy a Córdoba o viajo a la Rioja y estoy unos días y extraño mi casa,
extraño mi lugar. Acá nos conocemos todos, yo creo que ahora está sucediendo cosas, de nuevo
se ve.... a 5 o 6 años atrás, habían locales vacíos, hoy ya no están, algunos ya están ocupados.
Entonces está un poco moderno, sí, más moderno”.
Fala de San Pedro como um povoado em comparação a San Salvador de Jujuy que é,
para ela, cidade. E na sociabilidade do seu lugar Gabriela encontra seus pares e na
interação com eles vai elaborando seu método de estudo e de trabalho. Aprendeu
fonética repetindo baixinho as palavras enquanto atravessava as ruas de San Pedro,
reforçou o vocabulário também nas saídas para as compras no armazém enquanto ia
enumerando em português tudo que via na sua frente e assim segue sua história de
aprendizagens.
Sua formação e seu perfil docente é um grito silencioso no meio do edifício
construído pelo sistema educativo para a educação no seu país.
Casada com dois filhos, é “técnica superior para la enseñanza de la lengua
portuguesa”, é o que objetivamente menciona mas não desperdiça a oportunidade
Muitas vezes como alternativa frente à possibilidade de extinção de cargos na área de
ensino do francês.
77 Já é em si mesmo um desafio fazer a história da formação docente sistemática e
acreditamos que coletivamente é uma demanda para a área de PLE na Argentina, incluindo,
é claro, a formação não sistêmica.
78 Os nomes das professoras foram alterados, conforme a proposta do projeto CIUNSa 1954.
No entanto, tal posição está sendo revista pela autora do presente trabalho acorde ao caráter
de pesquisa-ação que estamos buscando dar à nova etapa de entrevistas e de
problematizações com profesores de portugués do NOA.
76
201
para, no relato, dizer que se sente professora79. Formada neste trajeto em 2001 ainda
fala e sente a incomodidade pelo título que não veio, o de professor de português.
Gabriela é professora de português, mas quer o papel passado; pensou em terminar o
curso de formação de professor de francês em San Salvador, mas o curso de
Português foi mais plausível na distância e na época dos filhos pequenos. E o
português é uma paixão antiga, anterior à mesma formação à distancia. Seu primeiro
trabalho foi numa escola pública a dez quilômetros de San Pedro, um lugar “perdido
en el monte”. E assim foi se dando, “tomando las horas hasta completar todo el
Polimodal, por eso tengo nueve horitas ahí”.
Gabriela tem sua pequena biblioteca de livros para trabalhar e de contos e participa
com seus alunos dos karaokês organizados por escolas de cidades vizinhas80:
“hace dos años que participamos, siempre nos invitan, saben que es una escuela que tiene
portugués, el año pasado el anteaño pasado vinieron chicos de La Quiaca, de Libertador, de
Palpalá. Una alumnita que le encantaba el portugués, preparó una letra larguísima, vinieron
chicas del profesorado de portugués para ver la fonética y bueno esa chiquita no es de
portugués, la del primer premio, pero ganó con el portugués, una canción muy
linda…justamente se llama Uma canção”.
Entre cartões didáticos feitos com cartões de créditos inutilizados, sucateando, fala
das revistas que trouxe do Brasil, inspiradoras para os trabalhos na aula. Pousando
para a foto, destaca: “Por lo menos con las revistas, esta bueno por lo menos con las revistas,
me guardé las revistas para que vean, que puede conocerse y que pueden viajar, mas lo que
hicieron con la comida… Brasil esta tan cerca81”.
Nosso destaque em cursiva é para dar eco às palavras de Gabriela.
No presente trabalho e no conjunto conformado pro nossos estudos e reflexões sobre a
história dos profesores de portugués no NOA sempre vem à tona, a partir dos dados
empíricos, o trabalho em rede, a comunicação entre pares, instalando a demanda de uma
análise mais profunda que pretendemos realizar num momento posterior.
81 Grifo nosso motivado pela noção de proximidade, de vizinhança, presente no relato e nas
crenças da professora de San Pedro. Ressaltamos também, pela via da deconstrução, e ainda
que residualmente, uma noção de que as províncias do NOA não estão próximas ao Brasil e
por isso a implementação do ensino do portugués nessa região não pode apoiar-se na
justificativa da proximidade. Não é o único relato no corpus das entrevistas realizadas em
Jujuy que fala desta proximidade. Tais profesores, incluindo Graciela, não se sentem
distantes do Brasil.
79
80
202
Gabriela experimentou a formação à distância: na sua época, os cassetes chegavam
pelo correio prévios às viagens para realizar as consultas num dos pontos do
itinerário dos professores capacitadores e também houve auto formação no sentido
de ter que tomar decisões às vezes na solidão doméstica ou na interação com o colega
da mesma cidade ou de uma cidade próxima; também teve que desenvolver um
instrumental pedagógico próprio e com soluções alternativas à estrutura pedagógica
formal (ainda que ela aí estava presente, principalmente nas pautas de avaliação que
davam um caráter formal e ditava conteúdos e objetivos a ser alcançados pelo
docente). Ainda assim, e talvez por isso mesmo, a formação de Gabriela e das outras
professoras deste grupo, foi se completando, meio a tropeções, na opção de aulas
com professores particulares de português – nativos ou vizinhos que aprenderam o
idioma viajando - numa experiência pedagógica sem credenciamento institucional e
cuja aprendizagem podia estar mais ou menos sistematizada. Portanto, a decisão por
formalizar o contato com o português em alguma media “aproveita” – naquele
momento, nos anos 90 – a leva do português em função da assinatura do Tratado do
MERCOSUL, mas encontra nos vínculos sociais mais próximos o seu ponto de
partida ou de desenvolvimento: o trato com colegas, o idioma da viagem, a música,
as aulas particulares com um professor leigo da cidade conformam esta trama.
Nesse sentido a participação de idôneos nos processos de aprendizagem integra a
história da formação de professores de PLE, oscilando entre a educação não formal e
a educação informal, mas que sempre se mostram como um indicador da
complexidade das experiências de aprendizagem, chamando a atenção para o leque
de possibilidades presentes no devir da formação e de qualquer experiência
educativa. Fazem parte da vida tais possibilidades.
A segunda história
O segundo “era uma vez” é de Mariana (entrevistas realizadas em outubro de 2011,
extraviadas, e entre agosto e setembro de 2012).
Mariana realizou o segundo segmento do primeiro grau e o segundo grau quase
completo no Rio Grande do Sul. Voltando a morar na Argentina, estuda nutrição,
mas começa a dar aulas de português a vizinhos. Quando está na faculdade, resolve
203
fazer um curso de português para não perder o idioma (o que na família gerou
comentários do tipo “você não precisa...”) e acaba por participar do corpo docente do
curso técnico de tradutor de Português no Profesorado de Lenguas Vivas de Salta onde
ensina até hoje (dando aula numa tecnicatura de inglês com orientação ao turismo e o
PLE como língua adicional). Como Gabriela, Mariana também realizou a formação à
distância a partir de 1998 e a terminou rapidamente, por seus conhecimentos prévios
do idioma e por seu afinco. Sua aula final foi sobre alimentação, relacionando suas
duas formações, de nutricionista e de professora de Português.
Mariana conta com satisfação que depois de muitas voltas tomou consciência da
satisfação de ser professora de português. A questão do seu título foi resolvida com a
obtenção do título de professora de nutrição, depois dos estudos de bacharelado.
Posteriormente obtém o título de professora de português à distância através de uma
instituição saltenha particular. Cabe notar que a professora trabalha atualmente
como tutora de educação à distância e virtual, de maneira combinada ao magistério
como professora de português.
A terceira história
Também tem sua história Mônica, uma colega de Santiago del Estero que conseguiu,
como Mariana, realizar seus estudos à distância em dois anos e meio, terminando
antes da média de prazo dos seus colegas – “eu fiz rápido para realmente poder ensinar
logo”. Muito atuante na sua província, Mônica é também contadora e professora de
inglês. Já exercendo as duas profissões resolve estudar português: “Fui por trabalho ao
Brasil e não entendia nada, nada, nada... quando voltei eu vi no jornal da minha cidade sobre
a formação à distância no português, então aí decidi começar a estudar o português, mas
comecei a estudar só pra falar, entender, não ensinar. Dava aula de inglês, dava aula de
economia e depois comecei me dando conta que eu gostava muito do português. E comecei a
ensinar português. Eu já fiz um longo caminho, tenho quase quinze anos já ensinando
português na minha província e agora estou trabalhando em Tucumán também, comecei no
ano passado... realmente eu fiz muita coisa para estudar português, voltava do trabalho e
ficava até duas ou três da manhã estudando, sozinha, porque eu tive horários bem diferentes
das outras pessoas que estudavam na formação. Em Santiago somente quatro pessoas fizeram
204
(a formação), estão aposentadas, são professoras de francês, só eu sigo, eu e mais duas
professoras, mas elas são nativas do Brasil não são professoras não. E agora tem um jovem que
fez um curso em Tucumán e que está aqui em Santiago”.
Quarta história
A professora Teresa, de Tucumán, também expressa o amor pela língua. No caso
dela - oriunda da área de francês como Gabriela, de Jujuy - a decisão de fazer a
formação à distância nasceu “quando aconteceu o projeto do MERCOSUL, quando o
ministério decidiu – mas só verbalmente – que ia tirar o francês e ia colocar o português”. É
interessante voltar ao que mencionamos anteriormente que são as formas como se
viveu, às vezes dramaticamente, as mudanças da década de 90 na área educativa.
Um rumor inquietava, sendo, como nessa oportunidade, o bastante para catalisar
uma decisão. Decisão movida por uma dinâmica de grupo: “éramos uma turma de seis,
sete professores de francês” que nesse pequeno coletivo combinou uma forma de
estudar: “foi muito duro porque a gente tinha que trabalhar e estudar ao mesmo tempo”.
Apesar disso, se reitera no relato de Teresa o prazer do contato com a língua e uma
aproximação que passa por critérios estéticos ou emocionais expressados também
pelas professoras anteriores e confirma-se a perspectiva de rede que mencionamos ao
princípio: “foi lindo porque a gente conheceu gente do NOA, fizemos amigos, eu terminei
com uma aula que dei na escola Normal da cidade de Santa Maria de Catamarca, e eu sou
professora de uma escola normal” (conta destacando a coincidência, significativa para
ela, de estar entre duas escolas normais). Quase imediatamente Teresa vai trabalhar
com o desenho curricular para implementação do português em Tucumán, e logo,
logo começa a dar aulas de português na escola onde já trabalhava como professora
de francês. E seu trajeto segue, resolvendo sua condição “dividida”, professora de
português e de francês. A vida foi passando e na atualidade tem um cargo de gestão
no ministério de educação na província. Mas sempre atuando em prol da instalação e
permanência das línguas que diz amar, o português e o francês.
205
Fronteiras porosas entre a educação formal, educação formal e educação informal
Os trajetos vivenciados pelas docentes que aqui destacamos, e que muitas vezes hoje
reivindicam isso mesmo: ser consideradas docentes, falam das nuances da
formalização e se aqui são destacados é pela possibilidade de apre(e)nder dessas
possibilidades, em situações onde vale a criatividade e as táticas, muitas vezes
marcadas pela intuição, em busca da formação (e já sendo formação).
Como colegas que fizeram o programa de formação de professores a distância do
Ministerio de Educación de la Nación, iniciado em 1998, os relatos selecionados
denotam uma história de formação docente que tem muito de autoaprendizagem
frente a uma educação formal feita de maneira tangencial pelo Estado; tal iniciativa
se formalizou na instância jurídica, ainda que de maneira não satisfatória na
perspectiva das professoras entrevistadas e nas pautas de formalização política.
Como ação oficial desde a etapa de convocatória e de desenvolvimento (já não tanto
numa etapa posterior e frente à reivindicação dos docentes por receber um título em
vez de um certificado de proficiência não habilitante), tem um caráter de
formalização política e jurídica (pela certificação de proficiência dada aos que se
formaram no programa).
O exposto no parágrafo anterior é acompanhado de uma normalização
administrativa: houve um ritual de inscrição e a concretização de um calendário para
aulas de apoio e provas informados aos inscritos do programa à distância, através de
contatos telefônicos e de comunicações postais, o mesmo ocorrendo com as
avaliações.
De
forma
paralela
deu-se
uma
formalização
pedagógica
no
acompanhamento à distância que foi ministrado pelos professores responsáveis dos
módulos e das classes de apoio, dando sequência de aplicação aos programas de
conteúdos.
Por outro lado, essa experiência perfila-se como uma variante de educação não
formal pelo fato dos participantes já terem um conhecimento da língua portuguesa
estando na busca de uma formação sistematizada. No entanto, a intenção de formarse como docente tinha sua dinâmica de aprendizagem afetada pelos afazeres da vida
adulta, além das demandas (e pressões) do contexto trabalhista da década dos 90 e o
teor de capacitação ou de educação para o trabalho ou para um ofício dado ao
206
programa. Isso é o que diz a vida, através dos relatos. São os poréns de uma
formação feita com intensidade e que parte é assistemática se a vemos no prisma
ditado pela noção de sistema e, no entanto, é múltipla e criativa no seu devir.
Há uma parcialidade na abordagem que parte da formalidade para tratar do não
formal ou informal. E parece-nos interessante destacá-lo no sentido de estar alertas
para evitar um enfoque apoiado na dicotomização. Dito de outra maneira, vemos que
os avatares da vida pessoal impregnam ou condicionam a formação - digamos
informal - mas não impedem a realização de trajeto de formação. Consideramos tal
aspecto como um referente válido, até mesmo no cânon da educação formal, para
debater sobre a formação docente. Os percursos percebidos nas histórias de vida
dessas professoras denotam algo que vai além da força de vontade – por si mesma
válida – e indicam o valor do caráter experiencial que se faz presente no interior dos
grupos de estudos formados ou na aprendizagem em solidão. A solidariedade
conformada no âmbito doméstico pelos integrantes das famílias e que também
somaram seu grão de areia ao conjunto de táticas 82 (De Certeau, XVIX-L) para
resolver questões de ordem prática ou pedagógica necessárias para chegar à meta
almejada faz-nos ver que a formação de um docente é um fato social e deve ser
estudado e projetado como tal em termos de políticas de formação docente.
Voltando um pouco atrás: temos que somar o viés da complexidade que nos indica
as histórias de vida, também na nossa área, não sendo isso um discurso
estandardizado originário das ciências sociais.
Sempre partindo dos relatos de docentes que colaboraram nas entrevistas, e que
conformam o subgrupo dos que formalizaram seus conhecimentos prévios a partir
do projeto de formação à distância do Ministerio de Educación de la Nación vemos e
Depois de algumas repetidas alusões ao uso de táticas no presente texto cabe descatar que
tática é entendida por De Certeau como um recurso do mais débil frente à estratégia do mais
forte, esta última mais próxima das redes do poder. A tática não se impõe e atua frente à
estratégia com o recursos disponíveis. Aqui as vemos, as táticas, nas redes domésticas e
comunitárias e comunitárias (família e colegas mais próximos, já considerados como amigos
ou com potencial para chegar a ser) ajudando a fazer frente a circunstâncias desfavoráveis
que se apresentam aos que querem ser professores de português ou pretendem permanecer
sendo professores mas que encontram dificuldades para isso na própria dinâmica do sistema
educativo, especialmente no que tange à formação.
82
207
destacamos o valor da proposta vivenciada em chave de alternâncias: ora se vive
uma experiência pedagógica sob critérios de uma educação formal, ora vemos que há
um distanciamento aos requerimentos dela, instalando o vivenciado no âmbito da
educação informal. E vemos que ainda que nas experiências dadas num contexto de
não formalidade, as professoras entrevistadas demandam discursivamente a
formalização ou ressaltam nos relatos suas buscas para alcançar uma formalidade
(certa formalidade pelo menos oficial, com certificações acrescentadas no Curriculum
Vitae), como um passo para se chegar à meta que é uma profissionalização
reconhecida. Este é um argumento recorrente no plano discursivo, na reiteração da
reivindicação do título, que ainda não chegou, e na ação judicial iniciada
posteriormente (e, com isso, chamamos a atenção para o fato de os professores
seguirem fomentando a rede de contatos iniciada na época das viagens para a
realização dos exames, pelas províncias do interior, especialmente na parte Norte do
país)83.
Relato próprio
Entrevistei pessoalmente catorze dos quinze professores entrevistados no conjunto
da pesquisa inter-regional. Foram mais de vinte encontros em quatro cidades
diferentes do NOA neste poucos dois anos e meio (San Pedro, San Salvador de Jujuy,
Salta, Tucumán) e tenho entrevistas previstas para Santiago del Estero. Sem contar a
primeira entrevista com Mônica, não disponível porque o gravador com o qual se
realizou foi extraviado, somamos ao redor de sessenta horas de gravação (só no
NOA).
Seduziu-me o presente conjunto de entrevistas por retratar uma situação border no
campo de estudos da formação profissional, talvez porque essa é também a minha
situação já que sou um número mais na categoria “professora nativa”.
Graças a generosidade de colegas e especialmente do professor Canteros (codiretor
do projeto 1954) me formei com leituras sobre formação docente, eu mesma
Para a realização da parte que se finaliza nos apoiamos nas reflexões de SIRVENT e outros,
2006 (ver bibiliografia).
83
208
sobrevivendo na dinâmica da formação assistemática, mas com o ritmo e o rigor
solicitado pelo diálogo que estabelecemos. Confirmo então a regra: a formação fora
ou tangencial ao sistema também é realizável e a sua densidade é com certeza maior
do que a constatação que porventura vê-se aqui numa ótica simplificada (um risco
num texto como este, propositalmente escrito com singeleza, pelo menos na minha
intenção). Como minhas colegas entrevistadas, anseio uma formação sem as
atribulações da vida cotidiana; será isso possível? É possível e defende-se como
política linguística para o português na Argentina. Mas também, e com elas,
“aproveito” as aprendizagens do ofício, sem renegar do título de professora primária
e de professora de história que obtive no Brasil.
Vivemos contraditoriamente nossa condição mestiça que na sua complexidade
solicita mais tempo para o relato. No tempo da narrativa, o relato nos permite ver e
fortalecer nossa identidade.
O que é importante ressaltar, é a aprendizagem no ofício que somar, e só somar, na
história do português na Argentina, que vem sendo construída já há algumas
décadas. Essa história denota a condição identitária que portamos: migrantes de área
ou sobreviventes ao sistema produzimos assistematicamente (e, ao final, é uma
forma mais de produção) mais ainda assim, e teimosamente, seguimos vinculados ao
chão da escola84, viajando e fazendo amigos na estrada. O coletivo de docentes de
português na Argentina se enriquece com nossa heterogeneidade.
Bibliografia
CANTEROS, A. Lusofonia ao sul: imigração e experiências culturais na Argentina em
chave histórica (nesta mesma publicação).
DE CERTEAU, M. La invención de lo cotidiano. El arte de hacer. México, Universidad
Iberoamericana,1996 (1ª ed. 1979).
“Chão da escola” é expressão das mais recorrentes na discursividade docente e pedagógica
brasileira (vide sua presença no buscadores). E fica para outra oportunidade o trabalho de
deconstrui-la, partindo da imagem que evoca.
84
209
PAVIÉ, A. Formación docente: hacia una definición del concepto de competencia
profesional docente. REIFOP, 14 (1), 67-80, 2011 (http//www.aufop.com).
RICOUER, P. Tiempo y Narración. El tiempo narrado (vol. III). México, Siglo XXI, 1996
SIRVENT, M. T; TOUBES, A.; SANTOS, H.; LLOSA, S.; Lomagno C. Revisión del
concepto de Educación No Formal. Cuadernos de Cátedra de Educación No
Formal. Facultad de Filosofía y Letras UBA, Buenos Aires, 2006.
VASILACHIS DE GIALDINO, I. (coord.) Estrategias de investigación cualitativa.
Buenos Aires, Gedisa, 2006.
210
LÍNGUA, IDENTIDADE, IMIGRAÇÃO
E ASSUNÇÃO DE NOVOS PAPÉIS NA INTEGRAÇÃO
AOS NOVOS CENÁRIOS SOCIAIS. DIFICULDADES NA
AQUISIÇÃO DUMA LE EM CONTEXTOS ENDOLINGUES
Romina Jennifer ALVES85
Resumo
Este trabalho visa oferecer uma análise possível dos diversos fatores envolvidos nas
dificuldades que apresentam alguns grupos de imigrantes na aquisição duma língua
estrangeira em contextos endolingues, enquanto novos cenários sociais. Cenários nos
que a junção de variáveis como a língua, a identidade e o próprio fato, complexo e
multideterminado, da imigração se apresentariam como fatores potenciais no
desenvolvimento de resistências ao conhecimento e aprendizado do novo universo
simbólico em questão. A adaptação cultural e a assunção de diversos papéis nos
novos contextos, entendidos como endogrupos, são outros dos eixos analisados nos
processos de adaptação e aquisição da LE. O desenvolvimento da reflexão apoia-se
em construtos e aportes de áreas do conhecimento como a psicologia, a antropologia,
a psicolinguística e o amplo campo disciplinar do estudo das línguas. A variedade de
perspectivas oferecidas visa expor uma abordagem interdisciplinar da temática
escolhida, tentando com isso refletir sobre a complexidade do processo de aquisição
duma LE e a interação com os diversos universos simbólicos. Pensa-se que a
objetivação destas dificuldades é de suma importância para contribuir à integração
regional dos imigrantes, facilitar o processo de ensino-aprendizagem e propiciar o
bem-estar psicológico do alunado em geral. Procura-se oferecer uma visão fractal da
problemática com o intuito de contribuir à construção duma possível abordagem que
permita contemplar a multideterminação das dificuldades envolvidas na aquisição
duma LE.
Palavras Chave: Identidade, imigração, integração regional, dificuldades de
aquisição, assunção de novos papéis.
Resumen
Este trabajo se orienta a ofrecer un posible análisis de los diversos factores
involucrados en las dificultades que presentan algunos grupos de inmigrantes en la
adquisición de una lengua extranjera en contextos endolingues, en tanto nuevos
escenarios sociales. Escenarios en los que la conjugación de variables como la lengua,
Pesquisadora. Estudante do Instituto de Investigaciones, Facultad de Psicología,
Universidad de Buenos Aires. Estudante do Instituto de Enseñanza Superior en Lenguas
Vivas Juan Ramón Fernández.
85
211
la identidad y el proprio hecho, complejo y multideterminado, de la inmigración se
presentarían como potenciales factores de desarrollo de resistencias al conocimiento
y aprendizaje del nuevo universo simbólico en cuestión. La adaptación cultural y la
asunción de diversos roles en los nuevos contextos, entendidos como endogrupos,
son otros de los ejes analizados en los procesos de adaptación y adquisición de la LE.
El desarrollo de la reflexión se apoya en constructos y aportes de áreas del
conocimiento como la psicología, la antropología, la psicolingüística y el amplio
campo disciplinario del estudio de las lenguas. La variedad de perspectivas ofrecidas
se orienta a exponer un abordaje interdisciplinario de la temática escogida,
intentando con ello reflexionar sobre la complejidad del proceso de adquisición de
una LE y la interacción con los diversos universos simbólicos. Se piensa que la
objetivación de estas dificultades es de suma importancia para contribuir a la
integración regional de los inmigrantes, facilitar el proceso de enseñanza-aprendizaje
y propiciar el bienestar psicológico del alumnado en general. Se busca ofrecer una
visión fractal de la problemática con el objetivo de contribuir a la construcción de un
abordaje posible que permita contemplar la multideterminación de las dificultades
involucradas en la adquisición de una LE.
Palabras clave: Identidad, inmigración, integración regional, dificultades de
adquisición, asunción de nuevos roles.
Introdução
O propósito deste artigo é oferecer uma reflexão sobre os aspectos envolvidos nas
dificuldades da aquisição duma língua estrangeira em contextos endolingues,
enquanto cenários sociais, nomeadamente quando a inserção do sujeito nesses meios
é
produto
dum
processo
migratório.
A
exposição
visa
compreender
a
multideterminação das ocasionais resistências ao aprendizado e conhecimento dos
sistemas linguísticos entendidos como universos simbólicos, matrizes de todos os
significados objetivados socialmente e subjetivamente reais. Essa objetivação dos
significados da realidade social se apresenta construída, naturalizada e legitimada
pela linguagem, elemento que permite a interação social e que faz com que a vida
cotidiana tenha um sentido coerente (Berger & Luckman, 1966).
Segundo estes autores, a cotidianidade, o mundo da vida cotidiana, origina-se nos
pensamento e ações dos membros duma sociedade, ao tempo que é sustentada como
real por eles. Portanto, o mundo consistiria em múltiplas realidades sendo a principal
a da vida cotidiana, neste processo a linguagem é o elemento que traça as
coordenadas da vida social, providenciando-a de objetos significativos e
212
constituindo-se como depósito de sedimentações coletivas, no sentido de um espaço
intersubjetivo e comum, onde a atitude natural é a da consciência do sentido comum.
Conforme estas considerações e tomando os aportes do interacionismo simbólico nas
investigações linguísticas, reconhece-se a importância do papel da linguagem como
dimensão da vida simbólica, construída nas interações e dotando de sentido à ação
individual ao tempo que se revela como coordenadora das ações interindividuais.
Assim, a linguagem-expressão e a linguagem-racionalização se apresentam como
formas de representação possíveis, sendo o simbólico o resultado do sujeito,
constituído e projetado pela linguagem (Palma, 2004).
Encontra-se, ainda, que na construção de um “nós”, enquanto categoria, funda-se o
sentido individual, estabelecendo-se uma série de redes de significação através da
própria linguagem. Quanto à pertença dos sujeitos, às categorizações criadas na
interação e a consideração do contexto social, enquanto grupo, irão citar-se alguns
conceitos vindos da teoria da identidade social ( Tajfel e Turner, 1986; Cameira,
1997).
Posteriormente, e conforme o já exposto, irá realizar-se uma análise do processo de
reconstrução da subjetividade, entendida como resultado da interação sujeitomundo, produto do fenômeno da imigração e das dificuldades na adaptação aos
novos contextos ao momento da assunção de novos papéis sociais, assim como o
impacto destas conjunturas no aprendizado duma LE.
O endogrupo e a língua como fronteira
A teoria da identidade social propõe que o relacionamento interindividual é mediado
pelo
processo
de
categorização
social,
processo
que
produz
percepções
estereotipadas, ou seja: a percepção de que a totalidade dos membros de uma
categoria social ou grupo partilham características que os distinguem de outras
categorias (Tajfel & Turner, 1986; Cameira, 1997). Nesta percepção veem-se
envolvidos aspetos avaliativos e emocionais que constituem a natureza da pertença
grupal dos sujeitos e das relações entre grupos. Desse modo, quando os sujeitos se
comparam uns com outros, observa-se a existência de uma discriminação a favor do
próprio grupo, (endogrupo), em detrimento do grupo dos outros (exogrupo),
213
aparecendo, - através deste fenômeno -, o sentido do “nós” em oposição ao sentido
do “eles” como elementos distintivos de apropriação subjetiva.
Por outro lado, e conforme estes autores, a teoria da auto-categorização deriva desses
postulados, salientando a distinção entre identidade pessoal e identidade social.
Onde se encontra que a saliência da identidade pessoal, ou pertença a um grupo, é
determinada pelo contexto social no qual o sujeito se encontra inserido.
Transpondo estas ideias ao campo da linguística, contemplando os construtos
endolingue e exolingue como categorias contextuais e distintivas, considera-se à
língua, enquanto sistema de signos inter-relacionados e de natureza social e psíquica,
obrigatório para todos os membros de uma comunidade linguística, conforme o
pensamento saussuriano, como uma das fronteiras que os grupos possuem e que o
sujeito tem de atravessar em prol da pertença a dito contexto.
O grupo oferece segurança e sossego aos seus membros, resultando uma espécie de
espelho múltiplo no qual as identidades se refletem e internalizam, permitindo-lhe
ao sujeito fazer uso de três pronomes, a saber: nós, eu e eles. Esse “nós” conjuga em
si próprio ao “eu” e ao “eles”, conformando-se uma mesma unidade, unidade na que
o “eu” deve fundar a sua identidade na diferença do “eles”, eles tanto do exterior,
nível exogrupal, como do nível endogrupal.
O espaço social, entendido como realidade grupal, é o lócus no qual os atores
representam seus papéis sociais no ato de existir. Os sujeitos-atores estão sempre em
cena representando para si ou para outros, estabelecendo redes imediatas de
significação, formatadas pela contingência e asseguradas pelos meios de expressão
(Palma, 2004).
Imigração e reconstrução de subjetividades: Dificuldades
A assunção dos diversos papéis sociais é um processo complexo e dinâmico que
apresenta desafios para os sujeitos e a construção da sua subjetividade, pudendo
ocasionar situações conflituosas entre os interesses dos atores envolvidos e o
contexto, quanto às atribuições e expectativas presentes a partir da interação social.
Este interjogo dá-se num espaço de subtilezas indissociáveis dos universos
simbólicos em questão, fato que faz com que o sujeito alheio a essa realidade não
214
consiga decodificar plenamente aqueles sentidos pairantes sobre esse contexto,
ficando de fora daquela realidade social.
No caso dos sujeitos migrantes, estas dificuldades veem-se ainda mais acentuadas
pelos défices sociais específicos envolvidos nas fases iniciais do ato migratório
individual (Achotegui, 2000). Assim, a falta de conhecimento de políticas públicas,
inserção profissionais e, nomeadamente, o desconhecimento da língua se apresentam
como desvantagens que acabam gerando situações de exclusão que, aos poucos,
dificultam a integração ao contexto endogrupal.
Considerando os postulados da teoria da identidade social (Tajfel & Turner, 1986;
Cameira, 1997) que afirmam o envolvimento de aspetos avaliativos e emocionais na
constituição do sentido de pertença grupal dos sujeitos no processo de categorização
social, pode pensar-se que as dificuldades iniciais na inserção a uma nova realidade
grupal podem, de alguma maneira, reforçar a identificação do sujeito com o seu
grupo de origem, com aquela categoria “nós” do seu contexto primigênio e com os
elementos distintivos daquela grupalidade, dentre eles: a língua materna (LM). Esta
situação poderia travar o processo de reconstrução da subjetividade do imigrante.
Neste ponto deve esclarecer-se que é o que se entende por subjetividade a fim de
integrar os conceitos colocados e trazidos à baila até agora.
Segundo Najmanovich (2010) a subjetividade pode ser entendida como a forma que
toma o vínculo humano-mundo em cada um de nós, como o espaço da liberdade e a
criatividade, como o espaço da ética. Por conseguinte e conforme este
desenvolvimento, considera-se que no caso dos sujeitos migrantes há um processo
permanente de re-construção da subjetividade no cambiante jogo social, visto que
por um lado devem afrontar a inserção a um novo contexto, com todas as
dificuldades implicadas nesse processo, e por outro lado carregam com a pressão que
indiretamente, (ou diretamente, nalguns casos), a realidade social imprime sobre
eles através do fato da sua própria construção coletiva mediante uma língua
desconhecida e alheia. O espaço do universo simbólico como depósito de
sedimentações coletivas se apresenta estranho e incerto. Isto, acrescentado aos
ocasionais desequilíbrios emocionais que o processo migratório traz consigo,
conceituados e descritos no quadro conhecido como síndrome de Ulises (Achotegui,
215
2000), pode acarretar dificuldades na interação social e na expressão e comunicação.
Segundo este autor, aspetos como a LM, a família e amigos, a cultura, a terra, o status
social, os riscos físicos e o contato com o grupo nacional compõem as sete áreas de
luto que a pessoa migrante tem de enfrentar uma vez inserida no novo contexto
social.
Estes aportes somados aos da teoria da identidade social podem pôr em destaque o
ocasional intento do sujeito migrante de ficar “amparado” sob a égide da língua
materna (LM) como mecanismo de reforço da identificação com o seu grupo de
origem, com aquela categoria “nós” do seu contexto primigênio, enquanto categoria
de pertença social. Estas condutas de aferramento à LM, enquanto categoria de
pertença, podem obstaculizar a plena integração ao contexto social e linguístico,
contribuindo, ao mesmo tempo, com a formação de ocasionais estereótipos e
preconceitos produzidos e sustentados quer pelo contexto, quer pelo próprio sujeito.
Estes fenômenos cooperam com a ocasional problemática da estigmatização dos
atores envolvidos, enquanto “eles”, como não pertencentes à categoria ”nós”, e como
portadores da marca distintiva da sua origem na fala, na língua e nas maneiras de
construir a sua própria realidade. O “estigma” passa, desse jeito, a ser constitutivo da
identidade, desvendando-se como a possibilidade de pertencer, de ser perante o
sentimento de exclusão gerado a partir da diferenciação com aquele “nós” do
contexto de inserção.
Concluindo
Estes são alguns aspetos que podem ver-se envolvidos nas dificuldades do processo
de aquisição duma LE e que podem ser inscritos na dimensão psicológica da
problemática. Se considerarmos esta dimensão junto com a natureza simbólica da
interação intersubjetiva e com as relações de poder que se estabelecem a partir do
conhecimento e uso da linguagem numa sociedade, estaríamos contribuindo com a
objetivação do problema, e, com isto, permitindo a passagem à reflexão sobre a
necessidade de gerar tolerância e estratégias de comunicação que permitam esbater a
rigidez das fronteiras societárias em prol de procurar a criação de um espaço mais
integrativo na sala de aula. Quanto às estratégias de comunicação, deverá
216
reconhecer-se o fato de estarem em cruzamento num paradigma dialético em que a
horizontalização, a cooperação e emancipação se acham em confronto com a
verticalização, a individuação, a diferenciação e o poder (Palma, 2004).
A fim de promover a integração regional do imigrante e facilitar o aprendizado da
LE nos contextos endolingues, dever-se-iam gerar espaços de reflexão e apoio na sala
de aula que contemplem e estimulem o debate sobre estas questões oferecendo o
desenvolvimento de uma visão fractal do fenômeno, entendida segundo Almeidafilho (2006) como a possibilidade de poder contemplar o todo na parte e a parte no
todo, a partir do reconhecimento das múltiplas relações inacessíveis existentes entre
essas dimensões. Por outro lado, pensa-se que os desenhos dos planos curriculares
dos cursos de formação docente teriam de insistir no aprofundamento da dimensão
psicológica envolvida nos processos de ensino-aprendizagem e nos processos de
dinâmicas grupais, orientando os esforços à construção dum espaço de convívio mais
harmônico e coerente, tanto no contexto da sala de aula como no contexto societário.
Referências Bibliográficas:
ACHOTEGUI, J. Migración y crisis: El síndrome del inmigrante con estrés crónico y
múltiple
(Síndrome
de
Ulises).
Disponível
em:
www.bibliopsiquis.com/asmr/0701/achotegui.pdf. Acesso em: 06 out. 2012.
ALMEIDA-FILHO, N. Complejidad y Transdisciplinariedad en el campo de la salud
colectiva:
Evaluación
de
conceptos
y
aplicaciones.
Disponível
em:
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2484742. Acesso em: 10 out.
2012.
BERGER, P & LUCKMANN, T. La construcción social de la realidad. Madrid:
Amorrortu, 1966.
CAMEIRA, Miguel; SERODIO, Rui G.; PINTO, Isabel R. & MARQUES, José M.
Efeitos implícitos da pertença e identificação grupais na discriminação social.
Disponível
em:<http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S
0870-82312002000400005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 set.2012.
217
NAJMANOVICH, D. Pensar la Subjetividad. Complejidad, vínculos y emergencia.
Disponível em: http://www.denisenajmanovich.com.ar. Acesso em 15 set.
2012.
PALMA,
G.
O interaccionismo nas investigações linguísticas: características e
Disponível
procedimentos.
em:
www.sepq.org.br/IIsipeq/anais/pdf/mr1/mr1_4.pdf. Acesso em: 04 out. 2012.
218
O SINCRETISMO RELIGIOSO
NA OBRA DE JORGE AMADO
Mariana Berenice SABAINI86
Resumo
Como consequência da descoberta do Brasil pelos portugueses no século XVI, estes
legaram sua principal religião e não há dúvida quanto à doutrina católica romana ser
a herança mais duradoura em sua colônia. No entanto, com a chegada à região dos
primeiros navios negreiros, outras influências começaram a modelar o espírito dos
brasileiros. A expressão religiosa era de fundamental importância para os escravos
africanos e seus cultos primigênios revelaram-se tão resistentes e duradouros quanto
a religião oficial. Por essa razão este trabalho aborda o sincretismo religioso enquanto fenômeno sociocultural integrado à sociedade brasileira- fazendo destaque
no candomblé da Bahia, em particular, pois esse estado representa segundo muitos
estudiosos o berço dessa religião no país. A escolha da obra de Jorge Amado deve-se
a que o escritor baiano pode ser considerado como o melhor intérprete das
manifestações religiosas dessa sociedade, e nesse sentido é importante salientar as
questões nelas envolvidas como são as festas e as liturgias comunitárias, a dança, a
vestimenta e a culinária como alguns dos aspectos mais relevantes a serem
considerados no presente trabalho. Para tal fim será feito um recorte abordando dois
de seus livros: “O sumiço da santa” e “Dona Flor e seus dois maridos”, porquanto
representam apenas um exemplo da amalgama de “modelos religiosos” presentes
em toda sua obra. Neles se verá como a dualidade religiosa, sobretudo em suas
principais protagonistas femininas, isto é, Adalgisa e Dona Flor, é descrita
magnificamente pelo escritor demonstrando que fé católica e candomblé não são de
forma nenhuma inconciliáveis.
Resumen
Como consecuencia del descubrimiento de Brasil por los portugueses en el siglo XVI,
éstos legaron su principal religión e indudablemente el catolicismo es la herencia más
antigua en su colonia. Sin embargo, con la llegada de los primeros navíos esclavistas,
otras influencias comenzaron a moldear el espíritu de los brasileños. La expresión
religiosa era de fundamental importancia para los esclavos africanos y sus cultos
primigenios se revelaron tan resistentes y duraderos como la religión oficial. Por esa
razón este trabajo aborda el sincretismo religioso- como fenómeno sociocultural
integrado a la sociedad brasileña- destacándose el candomblé de Bahia, en particular,
pues ese estado representa según muchos estudiosos la cuna de esa religión en el
país. La elección de la obra de Jorge Amado se debe a que el escritor bahiano puede
ser considerado como el mejor intérprete de las manifestaciones religiosas de esa
Docente de Língua Portuguesa. Departamento Cultural -Facultad de Lenguas Universidad
Nacional de Córdoba (UNC)
86
219
sociedad y, en ese sentido, es importante focalizar las fiestas y las liturgias
comunitarias, la danza, la vestimenta y la culinaria como algunos de los aspectos más
relevantes a ser considerados en el presente trabajo. Para tal fin se hará un recorte
abordando sus libros: “O sumiço da santa” y “Dona Flor e seus dois maridos”, ya que
representan sólo un ejemplo de la amalgama de “modelos religiosos” presentes en
toda su obra. En los mismos se verá cómo la dualidad religiosa en sus protagonistas
femeninas, Adalgisa y Doña Flor, es descripta magníficamente por el escritor
demostrando que fe católica y candomblé no son de ningún modo inconciliables.
Introdução
O presente trabalho aborda o sincretismo religioso- enquanto fenômeno sociocultural
integrado à sociedade brasileira- fazendo destaque no candomblé da Bahia em
particular, pois esse estado representa, segundo muitos estudiosos, o berço dessa
religião no Brasil. É a Bahia de Jorge Amado, com sua gente e seus deuses quase
humanos. Uma Bahia acima de tudo sincrética, povoada por negros, mulatos e
brancos que se ajoelham nas igrejas e dançam nos terreiros com a mesma devoção e
total sinceridade.
A escolha da obra de Jorge Amado deve-se a que o escritor baiano, representante da
literatura regionalista, pode ser considerado como o melhor intérprete das
manifestações religiosas dessa sociedade, e nesse sentido é importante salientar as
questões nela envolvidas como são as festas e as liturgias comunitárias, a dança, a
vestimenta e a culinária como alguns dos aspectos mais relevantes a serem
considerados para a compreensão do trabalho.
Influências do regionalismo baiano
No sentido mais preciso, literatura regionalista segundo a concepção de Carlos
Faraco e Francisco Marto de Moura (1991) é a que emerge numa determinada área do
país e concentra os traços característicos regionais como: hábitos humanos peculiares,
temperamento, maneiras de falar, de vestir, de agir, de sentir, e de ser; influências
tradicionalistas e folclóricas, as lendas, os mitos, os costumes que passam de geração
para geração; influências geográficas, econômicas, em suma, toda uma gama de
elementos circunscritos a um território, fazem dele uma região distinta das demais.
Nas várias regiões geográficas do Brasil foram surgindo produções literárias cujos
autores, como Jorge Amado, procuraram ressaltar os assuntos da terra, valorizar o
220
homem em seu ambiente, criar seus herois dentro das características típicas de cada
região. E, precisamente, uma das regiões melhor caracterizadas a través da literatura
ficcional é o território da Bahia. Os contrastes da paisagem, os costumes, as tradições,
a flora, a fauna, o mar, o sertão, o homem da cidade, o garimpeiro, o pescador, o
plantador de cacau, entre outros, formam o leque de elementos que compõem o
cenário do Regionalismo baiano.
O candomblé: síntese do sincretismo religioso
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1986) define o termo “sincretismo” como “a
fusão de elementos culturais diferentes ou até antagônicos em apenas um elemento
continuando perceptíveis alguns sinais originários”.
Na presente abordagem, Reginaldo Prandi87 (PRANDI, R., 2009, 55) afirma que a
concepção de sincretismo de Jorge Amado se distancia daquela de Roger Bastide,
sociólogo francês, pesquisador pioneiro sobre o tema 88 cuja preocupação era
encontrar e entender a permanência da África no Brasil, isto é, a sobrevivência da
cultura africana naquele país.
A sobreposição de elementos do candomblé e do catolicismo teria
sido facilitada, segundo ele, graças às relações pessoais e à troca de
favores mágicos por devocionais, como as promessas e oferendas,
que os africanos mantinham com seus orixás, e os portugueses, com
seus santos católicos
Segundo Roger Bastide (1958, em Prandi, 2009) trata-se de uma justaposição: “Os três
folclores — índio, negro, branco — não se confundem [...] eles se superpõem e coexistem”.
(55) Jorge Amado, ao contrário, insistia na brasilidade dos africanismos, acreditava
Cabe salientar que o sociólogo Reginaldo Prandi, da Universidade de São Paulo, é um
estudioso das religiões africanas e analisa o papel do candomblé na literatura amadiana,
fornecendo subsídios para a melhor compreensão dos cultos afro-brasileiros nos romances
do autor baiano.
88 Em 1938 Bastide integrou a missão de professores europeus à recém-criada Universidade
de São Paulo, para ocupar a cátedra de sociologia. No Brasil, estudou durante muitos anos as
religiões afro-brasileiras, tornando-se um iniciado no candomblé da Bahia. Uma de suas
obras mais importantes é O Candomblé da Bahia de 1958, reeditada em 2001 pela editora
Companhia das Letras.
87
221
na fusão harmônica de tradições de origens diversas. Em Jorge Amado, fé católica e
candomblé não são de forma nenhuma inconciliáveis.
A denominação “candomblé” é originária do termo quicongo-angola, kandombile, que
significa culto e oração. Esse modelo de religião encontrou no Brasil campo fértil para
sua disseminação e reinterpretação nos locais em que se desenvolveu. Nesse sentido,
é válido ressalvar que o candomblé originou-se no Nordeste, entre os escravos
iorubas trazidos da costa da Guiné africana, no século XIX e, segundo Prandi (op.
cit.), “esteve até os anos 60, mais ou menos, restrito à Bahia, especialmente a Salvador e
cidades do Recôncavo Baiano. Depois disso, foi se tornando mais conhecido e se espalhou por
todo o país” (47); no entanto a macumba, outro culto animista, desenvolveu-se no sul,
a partir das religiões dos escravos bantos trazidos de Angola. Ambos os cultos
baseiam-se em médiuns capazes de entrar em contato com o mundo dos espíritos,
com o objetivo de curar doenças ou, então, invocar demônios para causar algum mal
a um inimigo.
Uma aproximação histórica
Como consequência da descoberta da região pelos portugueses no século XVI, estes
legaram sua principal religião e não há dúvida quanto à doutrina católica romana ser
a herança mais duradoura em sua colônia. Todavia, com a chegada ao Brasil dos
primeiros navios negreiros, outras influências começaram a modelar o destino da
sociedade brasileira. A expressão religiosa era de fundamental importância para os
escravos e seus cultos primigênios revelaram-se tão resistentes e duradouros quanto
a religião oficial.
Crucial para o desenvolvimento da cultura brasileira foi o fato de o catolicismo
português não se mostrar tão rígido nem tão exigente quanto aquele praticado pelos
espanhois em suas colônias. Seu formalismo pouco acentuado e sua flexibilidade
ecumênica facilitaram a absorção de outras influências. Isso não significa que a Igreja,
nos primórdios da colonização, não tenha procurado impor sua própria hegemonia
cultural. Os missionários católicos, especialmente os jesuítas, foram implacáveis em
seu propósito de converter tanto os indígenas quanto os escravos, supondo que eles
não possuíam nenhuma cultura própria, que suas mentes eram uma tábula rasa,
222
vazia de qualquer conceito ou crença. Muitos foram batizados em massa no
momento em que eram embarcados, de qualquer modo, todos foram convertidos à
força e obrigados a observar as práticas cristãs. Contudo, eles trouxeram consigo suas
próprias culturas, com frequência, bastante sofisticadas: alguns seguiam antigas
religiões com complexos rituais e inúmeras divindades. Durante o dia faziam
obedientemente o sinal da cruz perante as imagens da Virgem Maria, mas à noite, na
senzala, tocavam os tambores e invocavam seus antigos deuses como Xangó (deus
dos raios e dos trovões), Ogum (deus da guerra) e Oxóssi (deus dos caçadores).
Dessas práticas que foram oficialmente proibidas pela Igreja Católica, emergiriam
mais tarde vários cultos animistas brasileiros, como o candomblé.
Brasil: terra de muitos deuses
O Brasil pode ser considerado a maior nação católica romana do mundo, porém os
brasileiros exercem seu direito legal à liberdade de crenças. Muitos deles não veem
nenhuma contradição em serem católicos e, ao mesmo tempo, membros de cultos ou
seitas místicas que se originaram na África ou mesmo no Brasil.
Na verdade, os deuses da África acabaram se identificando com os santos cristãos,
em tal extensão e profundidade que as categorias denominadas como orixá, vodum,
inquice e caboclo são indistintamente chamadas de santos.
Os milhões de brasileiros que acreditam nessas divindades e espíritos não se limitam
de forma alguma aos afrodescendentes ou mesmo aos pobres; muitos brancos
instruídos de classe social média frequentam os terreiros em que são realizadas
cerimônias de ritos afro-brasileiros. Para eles não significa um abandono de sua fé,
mas sim um complemento de suas crenças religiosas mais ortodoxas. Por essa razão,
muitos consideram o sincretismo de cultos africanos e cristãos como a verdadeira
religião nacional do Brasil.
Para o estudioso Raul Lody 89 (LODY, R.,1987, 52) inicialmente parece uma
duplicação da fé, todavia, o que ocorre é uma soma e esclarece:
Raul Lody (Rio de Janeiro, 1952), é um antropólogo, museólogo e professor brasileiro,
responsável por vários estudos na área das religiões afro-brasileiras, sobretudo na Bahia.
Suas principais pesquisas antropológicas e etnológicas resultaram na publicação do
89
223
Muitos adeptos dos candomblés reconhecem nitidamente os limites
entre o santo católico e o deus africano. Alguns fundem essas duas
categorias; outros privilegiam a primeira em detrimento da segunda;
outros ainda, em menor número não aceitam a presença de imagens
católicas (...)
Sincretismo religioso: uma abordagem intertextual nas obras “O sumiço da santa”
e “Dona Flor e seus dois maridos” de Jorge Amado
A fim de conferir este conceito de sincretismo religioso, é que proponho a análise de
dois livros de Jorge Amado: “O sumiço da santa” e “Dona Flor e seus dois maridos”,
porquanto eles representam apenas um exemplo da amalgama de concepções
heterogêneas, neste caso de “modelos religiosos”. É claro que a análise bem poderia ser
realizada em outras obras do exímio escritor, contudo, é necessário fazer um recorte
em função da grandeza de sua bibliografia.
Qualificada de "história de feitiçaria" por seu autor, a obra O sumiço da santa, narra o
desaparecimento de uma estátua de santa Bárbara que fora levada de Santo Amaro
da Purificação a Salvador para uma exposição no Museu de Arte Sacra. Ao chegar à
capital da Bahia, porém, ganhou vida e saiu passeando pela cidade como um
“espírito vivente”, transformada em Iansã — sua outra face, sua identidade no
candomblé —, o que causou muita confusão. Assim, Jorge Amado mostra que tanto
Santa Bárbara como Iansã são uma só entidade.
O eixo narrativo, paralelamente ao sumiço da santa, é o embate entre duas mulheres
notáveis: a católica e puritana Adalgisa, filha de negra com espanhol, e sua fogosa
sobrinha adolescente Manela, adepta ao candomblé.
Por sua vez, o romance “Dona Flor e seus dois maridos” conta a história de
Florípedes Paiva, quem conhece em seus dois casamentos a dupla face do amor: com
o boêmio, jogador e alcoólatra Vadinho, Dona Flor vive uma paixão avassaladora.
Com Teodoro, um farmacêutico pacato e religioso, com quem se casa depois da
morte do primeiro marido, encontra a paz doméstica, a segurança material e o amor
metódico. Um dia, entretanto, Vadinho retorna sob a forma de um espírito - que era
Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-Brasileiras, com 1.416 verbetes e prefaciado pelo
também antropólogo Roberto DaMatta.
224
filho de Exú- e passa a atormentar Dona Flor. Somente ela vê esse fantasma capaz de
proporcionar-lhe de novo o êxtase dos encontros eróticos. Por obra da fantasia
literária de Jorge Amado e da intervenção das entidades do candomblé, Dona Flor
consegue conciliar no amor o fogo e a calmaria, a aventura e a segurança, a paixão e a
gentileza.
É necessário mencionar na intertextualidade de ambas obras o conceito de
materialização. O professor Hernani Guimarães Andrade, em seu livro "A Matéria Psi",
faz ponderações a respeito deste verbete: "O vocábulo materialização pode sugerir a ideia
de transformação da substância espiritual em substância material". No vocabulário espírita
trata-se de um fenômeno que se dá quando um ser ou objeto de outra dimensão
(espiritual) tornar-se visível e tangível. Por sua vez, segundo o dicionário
enciclopédico Salvat o termo materializar significa “converter ou fazer material uma
coisa que não é, predominando a matéria sobre o espírito”90.
Nessa linha de pensamento é valido constatar que, tanto Santa Bárbara do Trovão
quanto Vadinho são seres que carecem de integridade corporal, porém na obra do
autor cobram vida apesar de serem, a primeira, uma escultura e, o segundo, um
defunto, aí é quando a materialização dá sentido à passagem da matéria em espírito.
A mesma acontece para que as nossas heroínas- Adalgisa e Dona Flor- sintam o amor
físico em toda a sua dimensão, utilizando a magia, os ritos paganos, cristãos, os
deuses do candomblé para ajudar no conjuro amoroso e, desse jeito, conseguir a
harmonia física e espiritual.
Quanto à materialização da santa, Jorge Amado (AMADO, J., 1988, 21) a apresenta
como uma mulher de carne e osso com uma grande carga de sensualidade. Vejamos
algumas frases na obra:
“(...) a santa saiu do andor, deu um passo adiante, ajeitou as pregas
do manto e se mandou (...)” “Num meneio de ancas, passou entre
mestre Manuel e Maria Clara e para eles sorriu, sorriso afetuoso e
cúmplice (...) fez um aceno gentil para a freira, piscou o olho para o
padre (...)” “Lá se foi, subindo a Rampa do Mercado (...)” “Levava
certa pressa (...)”
90
Tradução da autora.
225
“Oyá atravessou altaneira e bela, vestida com um pano da costa; nos
ombros nus, nos braços e nos tornozelos, colares e pulseiras cor de
vinho. Viram-na os madrugadores (...)” (153)
“Ao leme, uma negra nua em pêlo, ora vestida com o ouro do sol, ora
com a prata da lua: carapinha de veludo, seios de ébano e a bunda
maior do que a popa do saveiro. Media ao menos sete metros, os pés
na barra do Paraguaçu, a cabeça nas dunas de Itapuã, nas águas
escuras do Abaeté”. (251)
No relato de Dona Flor e seus dois maridos se produz o sumiço de Vadinho, após o
feitiço feito pelo babalaô Didi, o Asobá por encargo de Dona Flor a Dionísia de
Oxóssi, a fim de levar Vadinho de retorno a sua morte. Como consequência desse
despacho Vadinho desaparece, dissolvendo-se em nada, ou seja, que ocorre uma
mudança de estado, de material a imaterial como acontecera com a imagem de Santa
Bárbara.
A dualidade religiosa se reflete na mudança experimentada por Adalgisa, como
consequência do exorcismo praticado nela. Após esse ritual, ela conseguiu livrar-se
dos malefícios e do fanatismo cristão adotando a religião candomblé que tanto tinha
recusado, merecendo um final feliz para sua vida. Entretanto, em Dona Flor, a
dualidade religiosa se caracteriza pela naturalidade de seu comportamento em
relação ao culto, ou seja, que sendo católica professa também a religião candomblé.
A seguir, algumas passagens da obra (AMADO, J. 1987, 119) que demonstram tal
comportamento:
“Na parede, um espelho partido e uma estampa do Senhor do Bonfim
com fitas bentas penduradas (...) No ângulo da parede ao fundo, o
peji com as armas de Oxóssi, o arco e a flecha, o erukerê, uma
estampa de São Jorge a matar o dragão, uma pedra verde, fetiche
talvez de Yemanjá, e um colar de contas, azul-turquesa”.
“Ao completar-se um mês da morte de Vadinho, após assistir à missa
(...) pela segunda vez saía de casa desde aquele singular domingo,
quando a morte golpeou, no carnaval. A primeira fora para a missa
de sétimo dia (...)”(161)
A materialização de Vadinho é percebida só pelo amigo jogador e a viuva Dona Flor,
já que o desejo de vê-lo vivo se torna realidade na imaginação de ambos. Jorge
Amado começa o relato da tal materialização desse modo: “Da terrível batalha entre o
226
espírito e a matéria, com acontecimentos singulares e pasmosas circunstâncias, possíveis de
ocorrer somente na cidade da Bahia, e acredite na narrativa quem quiser”. (337)
Por sua vez, observa-se uma desmaterialização no seguinte parágrafo (op. cit., 392):
“Dona Flor sorriu em concordância com o doutor, solidária com seu
desafogo e, em resposta ao piscar de olho de Vadinho. Na porta, o
tinhoso ria às gargalhadas, mas já um tanto imaterial e fluido (...) Foise-lhe acentuando aquela palidez, Vadinho cada vez menos concreto,
quase gaseoso, transparente, e, em certo momento, dona Flor pôde
ver através de seu corpo”.
No que tange às manifestações religiosas na vestimenta, pode-se dizer que materiais,
texturas, cores e conjugações de todos esses elementos formam o variado elenco de
roupas específicas de cada orixá. Exemplo de uma roupa básica e que demonstra um
conjunto simbólico afro-brasileiro é a chamada baiana. Ela apresenta uma exuberante
tropicalidade acrescida de enfeites em materiais nobres, como o ouro e prata,
avaliando o rigor do traje branco. Aliás, a mulher tem de usar os acessórios, em
virtude de sua importância para o candomblé indicando funções e hierarquias nos
terreiros.
Estas ideias se refletem em alguns trechos do livro “O sumiço da santa”:
“Chamava a atenção dos telespectadores para a pureza do traje
branco, ritual, para os colares e pulseiras, segundo ele expressões
autênticas de uma cultura; na opinião de Adalgisa, bárbara e
afrontosa paramentação de candomblé...” (op. cit. 75)
“Gente de candomblé, em quantidade... todos na estica do branco por
ser sexta-feira, dia de Oxalá. Aliás, a cor branca predominava nos
trajes dos convivas, mesmo quem não era de santo obedecia ao
preceito”. (op. cit. 393)
As mudanças na roupa devem-se à tradição católica de Dona Flor de estar de
luto fechado logo da morte de seu marido. Vejamos algumas frases:
“Ao cumprir seis meses de viuva, dona Flor aliviou o luto até então
fechado em nojo, obrigando-a na rua ou em casa, a negros vestidos
sem decote. Única nuance nessa negritude: as meias cor de fumo”.
(op. cit. 168).
No que se refere aos rituais na Bahia, Jorge Amado afirma na contracapa de seu livro
“O sumiço da Santa” que se trata de um “romance baiano”, para depois acrescentar
que “só na Bahia podia acontecer”, isso confirma que a história de Santa Bárbara
227
ocorre nessa terra do nordeste brasileiro carregada de datas festivas onde procissões
católicas e rituais afros são inseparáveis. A continuação, um segmento da obra alude
a um famoso rito celebrado lá:
“O cortejo ondula ao sabor da música dos trios: hinos religiosos,
cantigas de preceito, sambas e frevos de carnaval...” “...Caetano
Veloso entoa o hino ao Senhor do Bonfim”. “A subida da ladeira se
inicia ao som dos atabaques, ao canto dos afoxés, são as águas de
Oxalá. A massa do povo dirige-se para a Basílica, que está fechada
por decisão da Cúria. Antes lavava-se a igreja inteira, celebrava-se
Oxalá no
altar de Jesus...” “... as baianas ocupam o átrio e a
escadaria, a lavagem começa, cumpre-se a obrigação de candomblé...”
“Chegado de Portugal, ao tempo da
colônia, Nosso Senhor do
Bonfim, chegado da costa da África, ao tempo do tráfico dos negros,
no lombo em sangue de um escravo, Oxalá. Sobrevoam a procissão,
encontram-se no seio das baianas, mergulham na água- de cheiro e se
confundem, são uma única divindade brasileira” (op. cit. 53).
No que respeita à dança no candomblé é uma das linguagens mais eficazes para
travar diálogos entre os deuses, os adeptos e a natureza. A dança- enquanto
manifestação milenar- é imitativa desta última, ora de fenômenos meteorológicos,
ora de comportamentos animais.
Dançar para o santo, exige conhecimento elaborado sobre passos, gestos, sutilezas de
movimentos que traduzem sua personalidade, contando sua história, traços que o
identificam publicamente. Na mesma obra, as seguintes frases remetem a esse
aspecto:
“Num passo de alforria, Manela dançou defronte de Oxalá, Babá Okê,
pai da Colina do Bonfim... Como sabia aqueles passos, onde
aprendera aquele ponto, adquirira aquele fundamento? (op. cit. 62).
“Yansã percorreu o espaço do Largo de ponta a ponta, exibindo ao
povo obaile da guerreira...Parou diante de mestre Pastinha e o
achegou ao peito, prolongou o abraço ritual, ombro contra ombro,
rosto contra rosto... Oyá dançou para ele os passos da guerra e da
vitória: o corpo do encantado estremeceu, a boca se encheu de cuspo,
ronco de amor à voz, deusa e namorada...” (op. cit. 312).
Por sua vez, vale salientar que Vadinho, o primeiro marido de Dona Flor, morreu
dançando num domingo de carnaval fantasiado de baiana no Largo 2 de julho. Após
dançar durante três dias, bebendo cachaça, caiu morto de súbito. O seguinte
228
comentário do autor ilustra esta ideia: “... estava dançando muito entusiasmado
quando caiu de lado, com a morte dentro...” (12)
E por falar em rituais e danças, merece destacar-se o carnaval já que representa uma
síntese do sincretismo religioso-cultural. Originário da antiga Grécia (anos 600 a 520
a. C.) era celebrado em agradecimento aos deuses pela fertilidade do solo e pela
produção. Posteriormente, tanto gregos quanto romanos inseriram bebidas e práticas
sexuais na festa, tornando-a intolerável ao olhar da Igreja. Com o passar do tempo, o
carnaval passou a ser um festejo adotado pela Igreja Católica, o que ocorreu de fato
em 590 d.C. Por volta de 1723, o carnaval chegou ao Brasil sob influência europeia
sendo adotado pela população brasileira e tornando-se uma das maiores
comemorações do país. Misturado aos rituais africanos, em palavras de Zeca Ligiéro
(1999) “(...) o carnaval talvez seja a festa profana onde a afinidade entre o povo e o candomblé
é exposta com mais liberdade” (31).
Vejamos alguns trechos na obra O sumiço da Santa:
(...) a imensa maioria do povo, todavia, dançava ao ar livre, na rua, ao
som eletrônico dos trios: frevos e sambas, marchas de carnaval (...)
(op. cit. 64) “Foi um esplendor de música e de dança, as fantasias, as
mulheres belas, o samba, o frevo, os blocos, os afoxés, embaixadas
dos reinos africanos, a animação feérica do povo na festa singular e
coletiva (...) (op. cit. 369) (...) Patrícia, porta-bandeira, rainha
docarnaval baiano, revoluteava nos passos mais difíceis, exagerando
na cadência, esbanjando quadris no rebolado, o samba no pé (...) (op.
cit. 370)
Por último, em relação à culinária é possível afirmar que não há cerimônia sincrética
onde a comida não esteja presente. Cada comida diz das intenções dos deuses,
mostrando preferências e proibições. A relevância da culinária em Dona Flor está
fortemente marcada na obra. Como consequência de sua profissão, o relato abunda
em detalhes. Vejamos apenas alguns:
“Toda quarta-feira Xangó come amalá e nos dias de obrigação come
cágado ou
carneiro... Ewá, orixá das fontes, tem quizila com cachaça e com
galinha... Iyá Massê come conquém... Para Ogum guardem o bode e o akikó
que é galo em língua de terreiro... Omolu não suporta o caranguejo...”
“Doutor Teodoro é de Oxalá... suas comidas são ojojó de inhame, ebô
de milho
branco, catassol e acaçá. Oxalá não gosta de temperos, não usa
sal nem tolera
azeite... o santo de Vadinho era Exu... comida de Exu é
229
tudo quanto a boca prova e come, mas bebida é uma só, a cachaça pura...”
(op. cit. 316)
Conclusão
Para concluir vou citar dois trechos que se acham nas últimas páginas do livro “O
sumiço da Santa”, já que constituem, a meu ver, uma bela síntese do tema abordado:
“Quem quiser saber ainda mais sobre esses assuntos de santeria, de
vodum, de candomblé e macumba, de feitas, caboclos e orixás, trate
de arrumar um dinheirinho, embarque para a Bahia, capital geral do
sonho (...)” (op. cit. 423)
...............
“O viajante, seja rico ou pobre, negro ou branco, moço ou velho,
erudito ou analfabeto, seja quem for desde que dê paz, poderá
participar da festa do candomblé, onde deuses e homens são iguais,
cantam e dançam a fraternidade universal”. (op. cit. 424)
REFERÊNCIAS:
AMADO, J. Dona Flor e seus dois maridos. Ed. Record. Salvador. Bahia, Brasil. 1987.
_____________ O sumiço da santa. Uma história de feitiçaria. Ed. Record. Salvador.
Bahia,
Brasil. 1988.
BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, A. Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 1986.
FARACO, C. E. e MARTO DE MOURA, F. Literatura brasileira. Editora Ática, São
Paulo.
1991.
GUIMARÃES ANDRADE, H. A Matéria Psi. Disponível em:
<http://www.paginaespirita.com.br/materializacao.htm>. Acesso em: 25 de jul.
2012.
LIGIÉRO, J.L. Iniciação ao candomblé. Ed. Record: Nova Era. Rio de Janeiro. 1999.
LODY, R. Candomblé: Religião e Resistência cultural. Editora Ática, São Paulo. 1987.
PRANDI, R. Religião e sincretismo em Jorge Amado. Em Caderno de Leituras 2: O Universo
de Jorge Amado. Orientações para o trabalho em sala de aula.
Organização Lilia
Moritz Schwarcz e Ilana Seltzer Goldstein. Companhia das
Letras.Editora Schwarcz
Ltda. SP. 2009. Disponível em:
230
<http://www.companhiadasletras.com.br/sala_professor/pdfs/CadernoLeiturasOunive
rsodeJorgeAmado.pdf. >. Acesso em: 12 jun. 2012.
SALVAT, EDITORES. Enciclopedia Salvat. Diccionario. Barcelona, España. 1972
231
LO HEGEMÓNICO Y SUBALTERNO EN LA DISPUTA
POR LA DEFINICIÓN DE LA RELACIÓN SUJETO
SUJETOUJETOHISTORIA EN LAS OBRAS LAVOURA ARCAICA,
DE RADUAN NASSAR (1975) Y LAVOURARCAICA,
DE FERNANDO CARVALHO (2001)
Julieta KABALIN CAMPOS91
María Elisa SANTILLÁN92
Resumen
Analizaremos dos producciones artísticas brasileñas: la novela Lavoura arcaica, de Raduan
Nassar (1975), y la película homónima, de Fernando Carvalho (2001). Intentaremos
problematizarlas reconociendo los conflictos interculturales que presentan sus tramas, así
como también nos preguntaremos por las condiciones socio-culturales que posibilitaron su
emergencia.
La elección de trabajar con obras artísticas encuentra fundamento en la concepción del arte
como práctica social. Es decir, como un discurso que no debe entenderse en términos de
reacción (causa-efecto) frente a un contexto socio-cultural, sino como parte constitutiva y
constituyente de la dinámica social. Estas consideraciones se sustentan desde múltiples
teorías, de las cuales destacamos, para nuestros fines, la idea de dialogismo, en Bajtin, y la
noción de cultura, de Raymond Williams.
Atendiendo a estas inquietudes, un eje de lectura funcional y transversal a ambas obras es la
disputa por la representación de la relación sujeto-Historia, desde la configuración de un yo
en conflicto entre tradiciones hegemónicas o instituidas y representaciones subalternas.
Entendemos, así, que la cultura se define no como algo dado y homogéneo, sino como un
terreno en disputa. Esto implicaría considerarla en términos plurales, reconociendo los
distintos sistemas axiológicos y representacionales que, en su seno, se encuentran no sólo en
diálogo, sino en una tensión que involucra relaciones desiguales de poder.
Resumo
Analisaremos duas produções artísticas brasileiras: o romance Lavoura arcaica, de Raduan
Nassar (1975), e o filme homônimo, de Fernando Carvalho (2001). Tentaremos problematizálas reconhecendo os conflitos interculturais apresentados em suas tramas, como também nos
perguntaremos pelas condições sócio-culturais que possibilitaram suas emergências.
A opção de trabalhar com obras artísticas encontra fundamento na concepção da arte como
prática social. Portanto, como um discurso que não deve ser entendido em termos de reação
(causa-efeito) frente a um contexto sócio-cultural, mas sim como parte constitutiva e
91
Universidad Nacional de Córdoba, FFYH, Escuela de Letras
92
Universidad Nacional de Córdoba, FFYH, Escuela de Letras
232
constituinte da dinâmica social. Essas considerações são sustentadas a partir de múltiplas
teorias, das quais destacamos, para nossos fins, a idéia de dialogismo, em Bakhtin, e a noção
de cultura, de Raymond Williams.
Considerando estas inquietudes, propomos como eixo de leitura, transversal a ambas as
obras, a disputa pela representação da relação sujeito-História, a partir da configuração de
um eu em conflito entre tradições hegemônicas ou instituídas e representações subalternas.
Entendemos, nesse sentido, que a cultura se define não como algo dado e homogêneo, mas
sim como um terreno em disputa. Isto implicaria considerá-la em termos plurais,
reconhecendo os distintos sistemas axiológicos e representacionais que, no seu seio,
encontram-se não só em diálogo, mas também numa tensão que envolve relações desiguais
de poder.
En el presente estudio analizaremos dos producciones artísticas brasilenas: la novela
Lavoura arcaica, de Raduan Nassar (1975), y la película homónima, de Fernando
Carvalho
(2001).
Intentaremos problematizarlas reconociendo
los conflictos
interculturales que presentan sus tramas, así como también nos preguntaremos por
las condiciones socio-culturales que posibilitaron su emergencia. La elección de
trabajar con obras artísticas encuentra fundamento en la concepción del arte como
práctica social. Es decir, como un discurso que no debe entenderse en términos de
reacción (causa-efecto) frente a un contexto socio-cultural, sino como parte
constitutiva y constituyente de la dinámica social.
Partimos, entonces, de considerar que toda obra de arte se inscribe en un entramado
discursivo, como un eslabón más en la cadena infinita de textos que conforman lo
social, al decir de Bajtin (1982). La obra de arte está compuesta de palabras-signos
interindividuales, en tanto siempre esa voz propia carga una memoria y una
anticipación en relación con otras voces que, además, son inherentemente sociales. A
ello se refiere Bajtin con la noción de dialogismo: todo discurso incorpora un otro al
responder a un entramado discursivo mayor y, al mismo tiempo, al esperar una
respuesta en otros discursos, en una recreación infinita de sentido:
Para la palabra (y, por consiguiente, para el hombre) no existe nada
peor que la ausencia de respuesta. (…) El hecho de ser oído ya de por
sí representa una relación dialógica. La palabra quiere ser oída,
comprendida, contestada, y contestar a su vez a la respuesta, y así ad
infinitum. La palabra establece el diálogo que no posee un fin de
sentido. (BAJTIN, 1982, 319)
233
Estas nociones bajtinianas que nos resultan claves para pensar el funcionamiento de
una obra de arte en un entramado social encuentran mayor especificidad en el
análisis cultural propuesto por Williams (1980). Para el autor, desde su punto de
vista materialista, el estudio de la obra de arte nunca puede ser deslindado de la
consideración de la sociedad en la que actúa y, advierte, no de manera secundaria.
El valor de una obra de arte individual reside en la integración
particular de la experiencia que su forma plasma. Esta integración es
una selección y una respuesta al modo de vida colectivo sin el cual el
arte no puede ser comprendido y ni siquiera llegar a existir una vez
que su material y su significado proviene de ese colectivo.
(CEVASCO, 2003, 52-53)
Es a partir de estas consideraciones teóricas que nos proponemos reflexionar sobre el
modo en el que las obras se inscriben en la discursividad particular de la última
dictadura brasileña, en el caso de la novela, y de la primera década de los años 2000,
en el caso de la película. Creemos que, para dar cuenta de estos intereses, un eje de
lectura posible y transversal a ambas obras es la disputa por la representación de la
relación sujeto-Historia, desde la configuración de un yo en conflicto entre
tradiciones hegemónicas y representaciones subalternas.
En continuidad con lo que venimos planteando, es necesario como última aclaración,
advertir que pensamos que la cultura no se define como algo dado y homogéneo,
sino como un terreno en y de disputas. Esto implicaría considerarla en términos
plurales, reconociendo los distintos sistemas axiológicos y representacionales que, en
su seno, se encuentran no sólo en diálogo, sino en una tensión que involucra
relaciones desiguales de poder. Williams al estudiar la cultura recurre al concepto
gramsciano de hegemonía para dar cuenta de las relaciones de poder que
constituyen la dinámica social. De esta manera, concibe que toda sociedad supone
una hegemonía que regula un orden político, social, económico y cultural
determinado, en tanto existen relaciones de fuerza que median los vínculos
intersubjetivos, que son vividos y experimentados como si fueran dados
naturalmente formando parte del sentido común (WILLIAMS, 1980, 131).
Sin embargo, este concepto de hegemonía no tiene que entenderse reduciendo lo
social a prácticas y sentidos que se imponen de manera unidireccional y que
234
colocarían a algunas fuerzas como dominantes y a otras como dominadas de manera
pasiva. Por el contrario, esta idea de hegemonía implica una concepción dinámica y
procesual de la cultura, al considerar que existen otras fuerzas (otros sentidos,
prácticas, concepciones de mundo) que funcionan como límites, presiones,
resistencias, desafíos frente a lo dominante. El dinamismo enunciado se deriva,
justamente, de este juego entre las fuerzas en donde la función de lo hegemónico
constantemente debe ser “controlarlas, transformarlas o incluso incorporarlas”
(WILLIAMS, 1980, 135).
Antes de comenzar el análisis vale aquí realizar una última aclaración de orden
metodológico. El abordaje que realizaremos sobre las tramas de ambas obras no tiene
como intención deslindar y diferenciar las especificidades que cada dispositivo de
enunciación supone. No porque desconsideremos los particulares sentidos que son
producidos desde dos discursividades específicas, como los son la fílmica y la
literaria, sino porque nos interesa sobre todo advertir en la relectura que realiza
Carvalho, en el 2001, la significancia que, en términos generales, conlleva este tipo de
práctica cultural de reescritura. La selección de ese pasado y la reinscripción en una
nueva discursividad social, como veremos en nuestro último apartado, permitirán la
ampliación de los sentidos que en la palabra social de la novela se condensaban y
eran habilitados.
El árbol bifurcado: el orden familiar en Lavoura arcaica
Desde los inicios de la narración nos encontramos con el relato en primera persona
de un sujeto ocupando una posición solitaria y de angustia, en un espacio de encierro
pero, al mismo tiempo, de una intimidad valorada como trascendente: “cuarto
catedral”. Si bien el yo se encuentra en un estado de desespero, también se halla
habitando un momento de consagración y comunión sostenida en lo más íntimo y
propio: el cuerpo. De hecho, cuerpo y espacio se fusionan, llegando a ser las partes
del cuerpo los principales objetos de ese escenario total, sagrado e inviolable.
La irrupción de un segundo personaje configura, a la vez, la idea de estar ocupando
un lugar al que se ha arribado por el abandono de otro. El narrador es visitado
sorpresivamente por su hermano mayor, con el propósito de llevarlo de vuelta a la
235
casa familiar. ¿Cuál es ese espacio abandonado y por qué el refugio en una clausura
del yo? ¿Cómo explicar ese estado ambivalente entre angustia y contención? ¿Por qué
esa sacralización de lo corporal y lo íntimo?
Es a partir de estas preguntas detonadas al inicio de la narración que entendemos
que el relato se configura en un cruce de tiempos en donde el pasado es no sólo una
clave de lectura del presente, sino fundamentalmente una experiencia encarnada en
esa temporalidad.
Lo particular es que André -el narrador-, en ese conflicto de un pasado irresuelto o en
tensión con su presente, se encuentra atravesado por dos tradiciones en pugna
contenidas en su historia personal. La irrupción inesperada del hermano mayor Pedro-, como representante de la familia, en el espacio de intimidad absoluta en el
que se encuentra André, reaviva la tensión entre representaciones que suponen
distintos y encontrados modos de vida. La palabra del hermano, reguladora desde
los comienzos -“…ele disse ‘abotõe a camisa, André…’ (NASSAR, 1989, 10), “…ele
dissse ‘por que as venezianas estão fechadas?...’” (NASSAR, 1989, 14)-, no es sino la
encarnación de un relato y orden paterno del cual André se ha alejado: “…a voz do
meu irmão, calma e serena como combinha, era uma oração que ele dizia quando
começou a falar (era o meu pai)…” (NASSAR, 1989, 16)
La construcción del relato a través de las memorias del propio personaje, en ese
diálogo forzado que se establece con el hermano, permite entender de dónde
proviene y cómo se configura el conflicto del yo. Lo que parece separar y mantener
en una relación irreconciliable y en disputa las referidas tradiciones son las
concepciones implicadas de historia y sujeto (y su vínculo), puestas en juego para la
definición tanto del núcleo familiar como de la propia subjetividad.
Nos parece significativo, para desarrollar las problemáticas enunciadas y visibilizar
la composición del orden familiar, introducir una imagen simbólica recurrente en el
relato de André: el momento de la familia en la mesa. Allí, se materializa una
dicotomía rectora de la relación entre personajes: padre y madre van a representar no
sólo órdenes diferenciados, sino sobre todo la institución de un orden natural y
saludable y otro desviado y anómalo. El modo en el que se distribuyen los
236
integrantes de la familia en la mesa, por tanto, no es arbitrario, sino que las
posiciones ocupadas dan cuenta de la escisión mencionada.
Así, el padre ocupa el lugar de máxima jerarquía a la cabecera de la mesa. A su lado
derecho, se encuentra Pedro, su hijo primogénito, seguido por Rosa, Zuleika y Huda,
en un orden de edad decreciente. Al lado izquierdo del padre, la madre, seguida por
los tres hijos restantes (André, Ana y Lula). La idea de un lado derecho e izquierdo
ya carga consigo una serie de sentidos que nos permiten a priori realizar una
interpretación valorativa. Lo izquierdo como lo siniestro, desviado, desordenado y
hasta pecaminoso en relación con un patrón de normalidad, orden, rectitud y hasta
fidelidad, que estaría representado por el polo derecho93.
Nuestra interpretación encuentra sustento en el texto cuando André recurre a otra
imagen sugestiva para dar cuenta de este espacio de comunión94 familiar: los lados
de la mesa representan las ramas de un árbol que tienen como tronco la figura del
padre. Sólo que estas ramas no poseen los mismos atributos: la extensión derecha es
presentada como una continuidad del tronco, en tanto que la rama izquierda se
expone como una extremidad no natural, sino injertada; evidenciando, a su vez, los
signos externos de una enfermedad que la corrompen y la desvían, como un estigma,
de ese curso natural y vital que signa la línea paterna. Porque, advertimos, la rama
izquierda, en su condición de injerto, reconoce su origen en la madre y no en el padre.
El tronco, por otra parte, marca una continuidad con raíces ancestrales. El abuelo
muerto continúa presente en el reloj ubicado a espaldas del padre, siendo el tiempo
el elemento regulador que impregna la totalidad del espacio. La ascendencia familiar
se reconoce más allá de la autoridad de la figura paterna, en tanto la jerarquía del
padre está fundada en su condición de eslabón de una cadena mayor: el padre es el
Estas ideas pueden remitirnos, por ejemplo, a la tradición bíblica desde la cual Eva, la
culpable del pecado original, es creada con la costilla izquierda de Adán. Al mismo tiempo,
podemos pensar lo diestro vinculado a la idea de “brazo derecho” presente también en la
tradición cristiana en la figura de Jesucristo, Dios-hijo, que se ubica a la derecha de Diospadre.
94 Advertimos, nuevamente, los sentidos construidos e instalados desde la tradición cristiana
sobre el instante familiar de la mesa, donde se comparte el vino y el pan, sangre y cuerpo de
Cristo.
93
237
heredero de sus antepasados, su condición se ampara en una posición ancestral y
arcaica que, a su vez, garantiza la sucesión de generaciones siguientes.
Una característica más separa la familia en dos líneas: la polaridad palabra/cuerpo.
En la línea materna la anomalía citada está asociada a la cualidad afectiva de la
madre, la cual se manifiesta en relaciones donde el cuerpo es el principal mediador.
En contraposición, la impronta del padre es una palabra racional despojada de lo
sentimental y pasional, que se sostiene en el plano de las ideas y no de la
materialidad corporal. El sentido de la palabra que, como dijimos es heredada,
justamente radica en su capacidad coercitiva del mundo pasional.
El relato de André evidencia, de este modo, una unión familiar que en su mismo
seno contiene elementos disrruptores que marcan la dinámica familiar desde un
juego de controles y presiones, donde lo dominante se expresa en la línea paterna y
lo subalterno en la materna. ¿Cuál es entonces la concepción de sujeto que cada una
de estas líneas presenta? ¿Por qué André elige -o qué lo obliga a- escapar de esa
dinámica familiar? ¿Qué consecuencias apareja la puesta en crisis de André?
El árbol ancestral: el relato paterno
En la narración de André, la figura del padre se va delineando a través de la
introducción directa de los aprendizajes que han sido inculcados desde la palabra. La
memoria del padre, así, se construye desde las distintas enseñanzas que configuran
el deber ser del individuo siempre concebido como parte de la unidad familiar. Este
uso de la palabra se sustenta en la idea de que el padre tan sólo ocupa un lugar
mediador frente a un sistema mayor, en este caso, el de la doctrina religiosa heredada
ancestralmente que ampara su prédica. Fueron el tiempo y la paciencia los que le
permitieron ocupar ese lugar que antes era el de su padre:
...o avô, ao contrário dos discernimentos promíscuos do pai -em que
apareciam enxertos de várias geografias, respondia sempre com um
arroto tosco que valia por todas as ciências, por todas as igrejas e por
todos os sermões do pai: Maktub [Maktub, como explica el texto,
significa “está escrito”] (NASSAR, 1989, 89)
Esta prédica, al ser así concebida -como un discurso de autoridad que vincula la
enseñanza a una realidad trascendente que no reconoce origen y que tan sólo se
238
manifiesta como herencia- tiene el peso de lo incuestionable. Como todo discurso
religioso, su valor de verdad se funda en la inscripción en una comunidad, que parte
de la creencia (y nada más que de la creencia) de la existencia de esa realidad
superior que justifica la aceptación de los textos y la palabra sagrada.
El sermón, entonces, como parte de la rutina diaria familiar es uno de los momentos
colectivos y, por eso, este espacio no se limita a ser la instancia en donde el pan hecho
por ellos mismos es compartido, sino que constituye, fundamentalmente, el lugar de
aprendizaje y máxima obediencia, en donde se demarca el camino que los sujetos
deben atravesar: “onde fazíamos de olhos baixos o nosso aprendizado de justiça”
(NASSAR, 1989, 76) La imagen catedrática que André configura alrededor de la casa
tiene como líder doctrinal al padre, única voz validada para decir.
Los valores que sustentan la estructura axiológica del orden familiar son, entre otros,
la obediencia, el respeto por familia y por el trabajo, el recogimiento, la unión -ya que
la familia y la comunidad es más que la suma de sus partes- y, principalmente, la
paciencia -postulada como la “virtud de las virtudes” y entendida como resignación
frente a la corriente y los designios del tiempo.
En este sentido, un aspecto fundamental está en entender cómo el tiempo es
concebido. La enseñanza paterna indica que el tiempo es como una corriente de agua
de rumbo irreversible. La idea todopoderosa de esta metáfora exige pensar al hombre
en una actitud que va más allá de la contemplación: el hombre debe dejarse arrastrar
por el curso de sus aguas. Porque el tiempo será “o maior tesouro”, será “alimento”,
“será o bem de maior grandeza” (NASSAR, 1989, 51-52) siempre y cuando no se
intente contrarrestar su curso. La intención de ir contra-corriente es un desafío a la
divinidad, que conlleva el peligro de despertar una cólera que castigue el exceso de ir
más allá de los límites impuestos o la falta de humildad frente a la voluntad superior.
Esto implica el necesario control de las pasiones, entendidas como “convulsiones de
la naturaleza” humana. Frente al desborde emocional que las realidades adversas
pueden provocar, lo indicado -a modo de remedio- es la paciencia basada en la
sabiduría de un tiempo que con su cauce natural acomoda los desequilibrios. Así
como existe el castigo, también existe la recompensa para quien sabe esperar.
239
No arbitrariamente uno de los sermones predilectos del padre es la historia del
“faminto”, famélico o hambriento. En esta figura se concentran las concepciones de
tiempo y sujeto y, por tanto, todos los valores promovidos por el padre para instruir
sobre el camino correcto. El relato nos habla de un hombre que padece hambre y
necesidades y que, al advertir un gran palacio, se atreve a pedir limosna luego de
tomar conocimiento de que su dueño es un “rei dos povos, o mais poderoso do
Universo” (NASSAR, 1989, 77). El hambriento, como respuesta, recibe la invitación
de compartir la mesa con el soberano. Sin embargo, nos encontramos con la
sorpresiva actitud del poderoso que por cada plato anunciado sirve platos vacíos. La
reacción del hambriento frente a lo que juzga como caprichos del anciano, y a pesar
de su hambre exacerbada, da muestras de obediencia, de paciencia y de sumo control
de sus pasiones. El hambriento finge comer y disfrutar cada plato ofrecido sin
demostrar intolerancia y rebeldía. Frente a la aparente arbitrariedad del rey, el
huésped no pone en cuestión la imaginaria realidad ofrecida como verdadera.
Pasado el banquete fingido, finalmente, el famélico es recompensado por su
paciencia y sumisión, virtudes que en palabras del rey son excepcionalmente
encontradas. El premio no queda en una limosna o alimento, sino en la posibilidad
de formar parte del palacio como miembro.
El sermón que coloca como valor supremo a la paciencia, desde otra lectura, habilita
la idea de una pasividad irreductible del sujeto ante la historia, un conformismo que
lee su curso como fatalidad:
…entre posturas mais urgentes, cada um deve sentar-se num banco,
plantar bem os dois pés no chão, curvar a espinha, fincar o cotovelo
do braço no joelho, e depois, na altura do queixo apoiar a cabeça no
dorso da mão, e com olhos amenos assistir ao movimento do sol e das
chuvas e dos ventos, e com os mesmos olhos amenos assitir à
manipulação misteriosa de outras ferramentas que o tempo
habilmente emprega em suas transformações, não questionando
jamais sobre seus desígnios insondáveis, sinuosos. (NASSAR, 1989,
60)
Ese cuerpo petrificado, casi como inerte y sin vida, que contempla el devenir
histórico como una corriente natural, da cuenta de la imposibilidad de pensar al
sujeto como motor de cambios.
240
En contraposición a este sujeto que debe oprimir lo pasional y lo corporal en pos de
una reflexión pasiva frente al discurrir de la historia, encontraremos, sin embargo, la
latencia constante de un contenido vital y provocativo que no se apaga frente a la
presión contenedora de la palabra paterna.
La rama enferma: el contacto materno
La madre representa -en el relato de André y como sostuvimos anteriormente- un
afecto que mantiene lo verbal en un plano secundario al involucrar al cuerpo como
principal mediador. Pero lo característico de esta afectividad corporal es que guarda
semejanza con el comportamiento de instinto maternal y protector de las especies
animales. Ejemplo de ello es la imagen de la madre alimentando a André,
introduciendo la punta de sus dedos en la boca del hijo mientras enuncia -en una de
las pocas oportunidades en las que interviene la palabra- “é assim que se alimenta
um cordeiro” (NASSAR, 1989, 36).
A diferencia de la representación de mundo sostenida por la línea paterna -que
encuentra su validez en la creencia o fe del sujeto que la profesa, y que por ello
mismo no reclama explicaciones de su origen-, el saber instintivo que funda la línea
materna se ampara justamente en su origen sensitivo y emocional emanado del
propio cuerpo. El hecho de que sea una experiencia instintiva no le quita legitimidad,
sino que le da un sentido trascendente que es más vital, al partir de la propia práctica
subjetiva, en relación con los sentidos absolutos que impone el padre.
Esta oposición entre un verbo paternal impositivo y el contacto maternal instintivo y
protector, entendemos, inscribe a André -y a quienes conforman la línea maternadesde temprano en un universo de carácter dual y conflictivo. Dado que ya sabemos
que para el padre la norma equivale al control de la pasión y de las fuerzas que
escapan a la razón, André vivencia ambivalentemente la relación maternal: la entrega
a lo sensitivo constituye una instancia novedosa y de liberación, pero también
clandestina. El vínculo con la madre -naciente de la rama familiar anómalarepresenta para el narrador la posibilidad de una sociabilidad diferente, pero al
mismo tiempo marginal, ya que se establece desde tradiciones que no se reconocen o
son reprimidas (cuando no lisa y llanamente negadas) por el discurso del padre. En
241
definitiva, aunque en ambas tradiciones esté la idea de una naturaleza humana
pasional y afectiva, lo que cambia de una para otra es su valoración. Para el padre la
pasión es la parte negativa de la naturaleza humana, en tanto condición que amenaza
el ritmo impuesto por el tiempo. De allí deriva la necesidad de controlarla. En la
práctica maternal, por el contrario, lo afectivo y pasional no es sometido a un
cuestionamiento reflexivo que lo invalide.
En este sentido, la compulsión natural (exageradamente planteada en la figura del
epiléptico) o, en otros términos, el fervor incontrolado que manifiesta André (tanto
en su hacer como en su decir) le impide ingresar cabalmente en los códigos de
conducta familiar (desde la dominante paterna) y lo mantiene en una posición
marginal desde su infancia. Pero, al mismo tiempo, es esa condición la que le
permitirá encontrar un modo diferencial de relacionamiento con la naturaleza,
invirtiendo los sentidos de salud y enfermedad que instituye el relato familiar. En un
contacto que apela a fundirse con lo natural, André no se reconocerá una figura
marginal y anómala. Lejos de la mirada de control del padre logra invertir los
términos del desvío y filiarse en otra ascendencia.
…era num sítio lá do bosque que eu escapava aos olhos apreensivos
da família; amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria
meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura
quieta de uma planta enferma (…) não eram duendes aqueles troncos
todos ao meu redor, velando em silêncio e cheios de paciência meu
sono adolescente? que urnas tão antigas eram essas liberando as
vozes protetoras que me chamavam da varanda? de que adiantavam
aqueles gritos, se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam
melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? (NASSAR, 1989,
11-12)
Entonces, si para la familia la naturaleza es el medio productivo de subsistencia como lavoura- o, a lo sumo, un espacio donde se desarrollan sus actividades -como
las fiestas-, para André el contacto con lo natural adquiere una dimensión de
comunión mística en donde el yo y el espacio se confunden y lo absoluto habita allí y
es tocado con las manos. Como marcábamos al comienzo, en referencia al cuarto de
pensión donde André se refugia luego de la huida, la religiosidad desde su
perspectiva se sustenta en una fundición entre el cuerpo del yo y el espacio que
habita.
242
Esta resemantización de lo corporal, lo emocional y lo pasional, en consecuencia, le
permite a André construir un saber diferenciado y más profundo de lo familiar: el
narrador pasa a conocer el cuerpo familiar desde una mirada que busca atender los
estados más íntimos de sus pares. Lo que se le revela es la angustia, ya que André
logra palpar, con esa indagación, la represión y auto-censura operada por cada
miembro para su inscripción orgánica en el orden familiar. El verbo palpar no es
arbitrario, ya que este conocimiento profundo tiene lugar, nuevamente, a partir del
cuerpo como mediador. La imagen de André hurgando la cesta de ropa sucia con el
objeto de descubrir y amar a su familia en sentidos más hondos -desde el
reconocimiento de olores, colores y texturas que dan cuenta de lo íntimo- es un claro
ejemplo de ello.
Como vemos hasta aquí, André convive con el goce y la culpa; es un ser pleno fuera
del deber ser familiar, pero putrefacto, poseído, al interior de su vínculo.
La semilla contenida: André
La convivencia de ambas tradiciones enunciadas no tiene lugar de una manera
armónica. Por el contrario, se establece una lucha interna del personaje que da cuenta
de la tensión irreductible que existe entre ambas. Aquello que en la familia ocupa un
lugar marginal, aplacado o inhibido por el relato hegemónico del padre, al interior
del personaje es una fuerza que va cobrando visibilidad como potencialidad creadora
de un orden otro. No obstante, no debe entenderse aquí que el narrador realice un
cuestionamiento claramente orientado a socavar los códigos de conducta familiar
aprendidos (en una praxis conscientemente revolucionaria), pero sí que comienza a
gestar fisuras desde la imposibilidad práctica y efectiva de llevar a cabo sus
mandatos sagrados.
Este cuestionamiento se encausa, fundamentalmente, en la necesidad de adquirir
protagonismo y auto-dominio, en oposición al mandato de pasibilidad y
reproducción del curso familiar e histórico, que desde la línea paterna concibe al
sujeto como el eslabón de una cadena forjada en un tiempo pre-existente y por fuera
del hombre.
243
Como manifestación de esta incipiente rebeldía, emerge la palabra en André. Ya no la
palabra habitual, reproductiva del sermón del padre, sino una palabra nueva que
nace de su interior con un desmesurado poder creativo. En el capítulo catorce, el
narrador expresa el nacimiento de un verbo creador, un momento inaugural y de
quiebre que no casualmente coincide con la plenitud de la adolescencia, etapa en la
cual la sexualidad cobra mayor relevancia:
…meu verbo foi um princípio de mundo (…) eu disse cegado por
tanta luz e minha saúde é perfeita e sobre esta pedra fundarei minha
igreja particular, a igreja para o meu uso, a igreja que freqüentarei de
pés descalços e corpo desnudo, despido como vim ao mundo, e muita
coisa estava acontecendo comigo pois me senti num momento profeta
da minha própria história. (NASSAR, 1989, 86-88)
En otra parte del relato, este verbo fundacional llega incluso a devolverle la vida a
Dios; un ser todopoderoso que comparte sus atributos desenfrenados. En estos
sentidos, la creación también se encuentra asociada metafóricamente al concepto de
destrucción: lo nuevo emerge del corte abrupto con una experiencia pasada y
totalizante-opresiva.
Esta carga vital llega a su máxima expresión -una vez que André ya ha salido del
núcleo familiar y ya ha construido su templo en el cuarto oscuro de una pensión de
ciudad- cuando consigue exteriorizar esa palabra interna, acometiendo contra la
práctica ancestral de la paciencia y el recogimiento que su hermano Pedro aplica ante
las confesiones de vida de André. Ya en esa declamación se ponen en juego
valoraciones enfrentadas sobre el sujeto en relación a la historia: la palabra de André
es la re-escritura en sentido inverso de los preceptos del padre. El presente se lee
como contrapunto del pasado al posibilitar la existencia de un punto de vista
diferente y válido de la historia y su curso.
…já não contava sua dor [la de Pedro] misturada ao respeito pela
letra dos antigos, eu tinha de gritar em furor que a minha loucura era
mais sabia que a sabedoria do pai, que a minha enfermidade me era
mais conforme que a saúde da família (…) que era tudo uma questão
de perspectiva, e o que valia era o meu e só o meu ponto de vista, e
que era um requinte de saciados testar a virtude da paciência com a
fome de terceiros. (NASSAR, 1989, 109)
244
En la cita, se recupera el sermón del famélico, pero desde una re-escritura que deja en
evidencia los puntos de fuga que el mismo relato habilita. Desde un nuevo punto de
vista, donde el narrador se asume protagonista de la historia -él en tanto “faminto”-,
los caprichos del rey son juzgados desde la necesidad y, por ello, la impaciencia es
reivindicada. La furia provocada por el poderoso no es contenida sino que se
convierte en un crimen justiciero donde el rey es castigado con la muerte.
Ya para concluir, es necesario destacar lo irreconciliable entre las dos concepciones
de mundo que cada una de las líneas familiares expresa en lo que respecta a la
relación sujeto-historia. Para ello, es clave la segunda parte del libro, cuando André
regresa e intenta reincorporarse al seno familiar. Sin embargo, las fisuras que él trae
consigo (y que de distintas maneras ya se han expresado también, aunque aún de un
modo muy germinal, en Ana y Lula) irrumpen en el grupo provocando la desunión
definitiva. Dos momentos son centrales en la narración para entender esto: la charla
de André con su padre y la escena final del filicidio que tiene como víctima a Ana.
La conversación con su progenitor manifiesta, en primer lugar, que ya hay en André
una palabra que no puede ser contenida. Su reincorporación a la familia implica
necesariamente la revisión y negociación de un orden que atienda a la nueva
identidad madurada por el personaje. Sin embargo, en segundo lugar, se manifiesta
una distancia que persiste y que parece no encontrar solución. Ambas palabras se
contraponen de manera irreductible imposibilitando el diálogo. Este abismo que
tiene sus raíces en concepciones tan opuestas de mundo, se plasma hasta en la
formalidad del lenguaje: frente a la simplicidad exigida por el padre, la exacerbación
lingüística de André.
La escena del crimen, por su parte, da cuenta de que no cabe en la mentalidad de la
tradición familiar el desvío de la norma. Cuando el padre tiene conocimiento del
fracaso de su doctrina, al enterarse de los pecados imperdonables cometidos por sus
hijos, paradójicamente es él mismo quien pierde el control de sus actos y la ira más
pasional se convierte en un filicidio. La fisura desemboca en un punto sin retorno.
Todos estos desencuentros dan lugar a la interpretación de la obra como la no
concreción de la parábola del hijo pródigo. El hijo que se aleja del amparo paterno no
muestra arrepentimiento ni reconoce pecado en su hacer. El padre, por su parte, no
245
concibe el perdón. Lo subalterno no puede ser asimilado sino es desde la exclusión y,
al mismo tiempo, esas fuerzas no dominantes, una vez que despiertan de su estado
de latencia letárgica, no se conforman con la mera existencia marginal, exigiendo su
reconocimiento desde un ajuste del orden establecido.
Más allá de la ‘Lavoura’
Si como dijimos con Bajtin y Williams, la interpretación de una obra de arte
encuentra profundidad en la consideración de la obra como práctica social, creemos
que resulta imprescindible, aunque sea someramente dados los límites formales de
este trabajo, introducir algunos núcleos problemáticos que puedan echar luz sobre
las siempre complejas relaciones entre las obras y su inserción en lo social.
La obra de Raduan Nassar es producida en el año 1975, durante el extenso periodo
dictatorial, que va de los años 1964 hasta 1985. Si bien la temporalidad de su trama
no se circunscribe a este período, sino que alude de una manera imprecisa a un
contexto que reconocemos de principios del siglo XX, nuestra lectura puede operar
en claves sociales y políticas, en diálogo con el contexto dictatorial. Es decir, del
trabajo con la trama surgen conceptos que condensan y problematizan de una
manera referencial las problemáticas de la época. Desde elanálisis de los conflictos
familiares presentes en la obra que hemos venido desarrollando, podemos pensar en
el diálogo que ésta establece con un modelo social estructurado sobre la base de un
gobierno no democrático.
Ya en la descripción composicional de la familia, en la introducción de las tradiciones
paterna y materna como ramas de un árbol en donde lo izquierdo significa un desvío
anómalo del tronco familiar, se habilita una lectura política que percibe lo izquierdo
y lo derecho desde marcos ideológico-políticos en lucha. Por otra parte, y siempre
ateniéndonos a Bajtin para pensar la obra como una polifonía de voces, como un
espacio de cruce y diálogo al contener otros discursos sociales, esa misma
composición familiar remite a un discurso médico clínico muy recurrente en las
dictaduras de nuestro continente, en tanto estrategia política para legitimar la
irrupción de regímenes que cortan gobiernos y procesos democráticos. La sugestiva
combinación izquierda/anomalía, de la mano de una tradición paterna que se auto-
246
coloca en la posición de control y equilibrio, se puede asociar al golpe de estado en
tanto proceso necesario para el restablecimiento de un estado de sociedad que tendía
peligrosamente al desvío y el caos. La dictadura, desde esta concepción organicista y
biologicista, se piensa como un remedio o cura, un saneamiento del cuerpo social
enfermo.
Todo ello, a su vez, amparado en un discurso funcional-positivista que se instituyó
como paradigma ideológico-político de la dictadura no solo brasileña, sino
latinoamericana en su conjunto. El golpe de estado se realiza, en el discurso, siempre
en función de un bien mayor de preservación. La sociedad es un todo mayor a la
suma de sus partes y cada una de ellas, en consecuencia, funciona para el beneficio
colectivo. La sociedad es un cuerpo orgánico y cuando un elemento falla en su
función vital (en su engranaje) alguien debe acudir al restablecimiento del orden
perdido y amenazado. Basten a modo de ejemplo sólo algunas frases de Ernesto
Geisel en su discurso de posesión presidencial el día 15 de enero de 1974:
...não tenho quaisquer compromisos de ordem pessoal –meus deveres
são todos com a Nação, e meu Governo prosseguirá na directriz que
norteia a Revolução de 64 (...)...dedicarei o máximo de minhas forças
e toda minha capacidade de julgamento e decisão, não permitindo
que dela me desviem impulsos quaisquer (...) Não temo que a
desejada eficiência a alcançar pelo meu Governo, (...) possam-na
prejudicar reduzidas minorias de descrentes ou apáticos, derrotistas,
subversivos ou corruptos. (GEISEL, 1974)
La lucha por la reconstrucción de un orden así entendido es, básicamente, lo que
hace el padre desde el uso de la palabra reproductiva del deber ser; es lo que hace
Pedro cuando intenta hacer que su hermano vuelva a incorporarse al seno familiar; y,
también, es lo que hace el padre al matar a Ana, extirpando un mal (casi cancerígeno)
ya incontrolable.
Consecuentemente, el relato del padre, que cultiva la sumisión del sujeto frente a una
historia naturalizada e irrevocable, remite a la cultura del miedo y del terror, propias
del proceso dictatorial. Quien se atreva a establecer alguna mudanza en el orden
impuesto cargará con las consecuencias, es lo que sostiene tanto el padre como el
Estado. Alcanza con conocer las prácticas de persecución y censura, en pos de la
garantía de un supuesto orden, para establecer la relación que nuestra lectura traza.
De hecho, la propia estrategia discursiva de hablar del Golpe de Estado a partir de
247
un relato familiar, que en principio no refiere expresamente a una crítica social
claramente referenciada, instala en la propia materialidad del lenguaje la presencia
latente de la censura. Podríamos pensar así, que Lavoura arcaica, en su
funcionamiento socio-cultural, representa una maniobra de resistencia marginal a un
estado de sociedad que es puesto en cuestión, de manera sutil e indirecta, porque las
condiciones en alguna medida así lo exigían.
Finalmente, consignamos que la dicotomía irreductible entre ambas tradiciones
familiares -evidenciada primero en el conflicto interno de André y luego en la reescritura de la parábola del hijo pródigo- da cuenta de un orden impuesto que no
admite lo subalterno más que como fuerza sujeta a control. Es decir, el orden familiar
parece constituirse desde una hegemonía más impositiva que consensuada, más
expulsiva que negociada en un juego más abierto a las distintas fuerzas que la
componen. ¿No podríamos pensar aquí en la ausencia de lo democrático, en tanto
consenso construido por un diálogo (práctico)?
El caso de LavourArcaica, obra lanzada en el año 2001, obliga, sin embargo, a una
interpretación diferente. Contemplando el alto grado de fidelidad hacia el texto
madre de Nassar, nos preguntamos, no obstante, por la posibilidad de realizar una
lectura sólo en claves críticas a un proceso dictatorial, cuando ya el contexto
brasileño ha mudado bastante, pensando que del ’85 al 2001 han pasado casi veinte
años de redemocratización. La actualidad y permanencia del texto madre
(respondiendo a por qué es que se vuelve un punto de interés en los años 2000)
quizás se relacione más con una reflexión de carácter antropológico que a una
denuncia de una realidad particular en un contexto determinado.
Entendemos que la crítica de la novela tendría, en la película, un alcance más global,
en una advertencia sobre el inherente carácter de exclusión que cualquier sociedad
(por ser sociedad) posee. En otras palabras, por depender de una estructura
axiológica que jamás puede ser total -recordemos el concepto de hegemonía para
pensar lo social-, la sociedad supone siempre selecciones y exclusiones. El conflicto
familiar en LavourArcaica se resignifica en la figura de André como portavoz de los
gemidos y gritos desesperados de quienes sufren procesos de exclusión. La alteridad
es su marca, el otro definido siempre por lo que no es.
248
Debemos advertir, para finalizar, que no queremos, con nuestro análisis sobre la
significancia cultural de la película, dar a entender que esta crítica de carácter más
antropológico y global no se halla presente en la obra de Nassar. A pesar de que
vemos que esta última producción opera significativamente en una lectura más local,
también reconocemos una polisemia de sentidos que habilita la coexistencia de
ambas líneas interpretativas aquí desarrolladas. Y es en este punto que creemos que
las siguientes palabras de Raduan Nassar serían muy apropiadas al momento de
pensar en los sentidos que podemos construir sobre el texto (extensivos a la película
de Carvalho):
Talvez pudesse ver no Lavoura uma tentativa de se colocar
metaforicamente em xeque as utopias, quedando confrontadas com
os gritos e gemidos de excluídos, uma categoria que existirá sempre e
necessariamente em qualquer sociedade, partindo-se do pressuposto
de que uma organização social só se viabiliza em cima de valores.
(NASSAR, Raduan. Citado por FERREIRA ALVES, R. M., 2003, 55)
Es desde aquí que creemos que la operación cultural implicada en la película tiene
más que ver con la resemantización de ciertos tópicos que -presentes a nivel
argumental-, por la naturaleza de su formulación, se encuentran potencialmente
abiertos a revisiones contextuales y anclajes situacionales diversos. Como hemos
venido desarrollando, emergen de un modo especial los siguientes tópicos: las
representaciones de lo femenino y lo masculino, las representaciones de lo familiar,
la construcción y legitimación de la autoridad, la violencia simbólica, las nociones de
cuerpo y razón, los sistemas morales y sus juegos de poder, etc. y, fundamentalmente,
la concepción del sujeto y su relación con la historia, eje de nuestro trabajo. Todos
ellos implican, por otro lado, la inevitable dinámica entre lo hegemónico y lo
subalterno, que da cuenta del carácter conflictivo de la naturaleza social, quizás el
único aspecto que debería atravesar cualquier resemantización posterior sobre estos
tópicos.
Bibliografía
BAJTIN, M. Estética de la creación verbal, México: Siglo veintiuno editores, 1982.
CEVASCO, María Elisa. Para leer a Raymond Williams, Buenos Aires: Universidad
Nacional de Quilmes Ediciones, 2003.
249
FERREIRA ALVES, Roberta Maria (2003). Verbo em Cinema: As leituras cinematográficas
de Lavoura arcaica e Um Copo de Cólera, de Raduan Nassar. Dissertação do
MINTER – PUCMinas/UNILESTEMG. Belo Horizonte, 2003.
GEISEL,
Emilio. Discurso de posse. 15 de enero de 1974. Disponible
en:
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/ernestogeisel/discurso-de-posse/discurso-de-posse/view. Última consulta: 14 de
octubre de 2012.
LAVOURARCAICA. Dirección y Producciòn: Luiz Fernando Carvalho. Intérpretes:
Raúl Cortez, Selton Mello, Juliana Carneiro da Cunha, Leonardo Medeiros,
Simone Spoladore e outros. Música: Marco Antônio Guimarães. Brasil:
VideoFilmes, 2001. 163 minutos. Producción: Tibet Filmes.
NASSAR, Raduan. Lavoura Arcaica, São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo y Literatura, Barcelona: Península, 1980.
250
WALTER SALLES:
INTEGRANDO TERRITÓRIOS E CULTURAS
Maria Angélica AMÂNCIO95
Resumo
Este ensaio tem como objetivo analisar parte da obra do cineasta brasileiro Walter
Salles, pela perspectiva da integração cultural, do deslocamento e da busca de
identidade, dentro e fora do Brasil. Nesse recorte, focalizam-se os filmes Terra
Estrangeira (1995), Central do Brasil (1998) e, principalmente, Diários de Motocicleta
(2004), em seu potencial de reflexão sobre a América Latina, a América, as Américas.
Como respaldo teórico, utilizam-se trabalhos sobre o diretor, sobre o Cinema
Brasileiro, além dos ensaios de Octavio Paz, em El laberinto de la soledad.
Resumen
Este ensayo tiene como objetivo analizar parte de la obra del cineasta brasileño
Walter Salles desde la perspectiva de la integración cultural, del desplazamiento y de
la búsqueda de la identidad, dentro y fuera de Brasil. Para tal fin, el ensayo se centra
en los filmes Tierra Extranjira (1995), Estación Central (1998) y, principalmente, Diarios
de Motocicleta (2004), debido a su potencial de reflexión sobre América Latina,
América, Las Américas. Como respaldo teórico, se utilizan trabajos sobre el director y
sobre el cine brasileño, así como también, los ensayos de Octavio Paz, en El laberinto
de la soledad.
A delimitação do sentido de estrangeiro é tema constantemente problematizado pelo
cineasta brasileiro Walter Salles. Já pelos títulos de suas principais obras – Terra
Estrangeira, Central do Brasil, Diários de Motocicleta, Na estrada –, o autor traz à tona o
significado do movimento, do espaço, da busca: por uma identidade, um lugar, uma
comunhão. Adepto dos chamados road movies, Salles associa o deslocamento espacial
de seus personagens a fatores políticos, sócio-culturais, psicológicos, demonstrando
de que maneira o atravessamento de fronteiras se reflete, ou não, em ascensão social,
superação pessoal, integralização de culturas.
Doutoranda em Literatura Comparada pela UFMG. Universidade Federal de Minas Gerais
– Brasil
95
251
Nascido no Rio de Janeiro, em 1956, e filho do banqueiro e diplomata Walter Moreira
Salles, o diretor, que realizou seus estudos de cinema na Universidade de Artes
Cinematográficas do Sul da Califórnia, experimentou, desde muito cedo, a vida de
estrangeiro. Seu refúgio acabou sendo, nessa época, as salas de cinema. Foi, por
exemplo, durante os anos passados na França que o então adolescente desenvolveu
seu gosto pela sétima arte, tomando como referências obras como as de Michelangelo
Antonioni, Wim Wenders, François Truffaut, dentre outros. Esse período se faz notar
em seus trabalhos, tanto no aspecto da temática do desterro, quanto no que diz
respeito à estética influenciada por muitos dos diretores descobertos por ele nesse
momento.
Salles, no entanto, vai aos poucos sendo capaz de cristalizar uma estética própria,
que mescla o documental ao noir, o político ao filme de estrada, o urbano à aridez
nordestina, mas que, sobretudo, alinhava todas essas variações com uma tonalidade
muito particular de humanismo, capaz de universalizar situações a princípio tão
locais, pontuais, tão física e historicamente restritas.
I
Seu primeiro longa-metragem de destaque, Terra Estrangeira (Brasil/Portugal – 1995)
é lançado em um período que, ainda que controversamente, ficou conhecido como
Retomada do Cinema Brasileiro.96 Após a posse do presidente Fernando Collor de
Melo, no início da década de 1990, o país presenciou a paralisação de várias políticas
culturais, a transformação do Ministério da Cultura em Secretaria, a extinção da
Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S.A.), do Concine e da Fundação de
Cinema Brasileiro – o que gerou praticamente a anulação da produção
cinematográfica nacional. Entretanto, com o impeachment do presidente, em 1992, e a
partir da promulgação da Lei do Audiovisual e de outras leis de incentivo, a
cinematografia brasileira pôde ressurgir. Os filmes dessa época, ainda que muito
diferentes entre si e incapazes de constituir de fato um movimento, acabaram
Cf. NAGIB, Lúcia. O Cinema da Retomada: Depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São
Paulo: Editora 34, 2002.
96
252
discutindo as temáticas do sertão, da favela, da pobreza – da compreensão do país,
enfim.
Terra Estrangeira dialoga diretamente com a desesperança gerada pelo Governo
Collor, fase em que o país padeceu não apenas cultural como também
economicamente. A trama entrelaça as histórias de Paco (Fernando Alves Pinto) e
Alex (Fernanda Torres), ao mesmo tempo em que intercala os espaços geográficos de
São Paulo e Lisboa.
Aí há uma herança de Antonioni, que sempre dizia que os
personagens eram transformados, afetados, pelo mundo em que
viviam. Acho que todos os movimentos interessantes do cinema são
aqueles em que os personagens são transformados pelo entorno. A
gente queria que essa fosse a marca de Terra Estrangeira. (SALLES em
faixa comentada do DVD, 2005).
De fato, o cuidado com o cenário, com o entorno, se faz notar a todo momento. Em
uma das primeiras cenas do filme, a mãe de Paco, Manoela (Laura Cardoso),
atravessa uma rua movimentada da capital paulista, onde se nota, em um outdoor ao
fundo, a publicidade de uma marca de lingerie ironicamente chamada “Hope”. Não
há, todavia, muita esperança para a pequena família, para o jovem universitário que
deseja ser ator e a pobre costureira, descendente de espanhóis, que sonha em rever
sua terra natal, San Sebastián. O conflito é agravado, todavia, quando a então
ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, anuncia, em rede nacional, o novo
pacote econômico, que confisca as economias depositadas na caderneta de Poupança.
Diante da impossibilidade de realizar seu sonho, Manoela falece, frente ao televisor
ligado, de onde provém a única luz naquele cenário sombrio. As imagens da tevê são
reais, históricas, o que acentua o tom de realismo da obra, convidando à identificação
inúmeros brasileiros que passaram pela mesma injustiça.
Após a morte da mãe, Paco decide ver por ela, no lugar dela, a cidade espanhola em
questão, nem que para isso precise envolver-se com um grupo de contrabandistas. É
nesse contexto, em Lisboa, transportando um violino carregado de diamantes, que
ele conhece Alex, garçonete que corporifica o preconceito em relação ao brasileiro,
visto como preguiçoso e mau-caráter. O vínculo amoroso que acaba por se
253
estabelecer entre os dois é, antes de mais nada, a união de dois seres sem pátria,
perdidos em um país que não os aceita, temerosos em voltar à terra natal que nada
garante. Há uma inversão do movimento de descoberta do Brasil por Portugal,
quando os jovens brasileiros adentram o país colonizador, nele permanecendo, no
entanto, com o mesmo ressentimento e o mesmo abandono do ser ainda colonizado.
Esse imbricamento se acentua pelo núcleo africano que permeia a trama: jovens
vindos de Angola, Moçambique, Cabo Verde que se hospedam no mesmo hotel que
Paco – emblematicamente chamado “Viajantes” – despertam o olhar para as
diferentes formas de colonização e seus reflexos. Os vários sotaques do Português se
misturam nesse filme, que é também da dificuldade de comunicação, de integração,
de cruzamento de fronteiras – geográficas, históricas, humanas.
II
Em Central do Brasil (Brasil – 1998), que concorreu ao Oscar nas categorias de melhor
filme estrangeiro e melhor atriz, para Fernanda Montenegro, assiste-se a outro
encontro. Os protagonistas são Dora (Fernanda Montenegro), uma professora
aposentada e desiludida, que trabalha na estação central do Rio de Janeiro,
escrevendo, para simplórios analfabetos, cartas que ela jamais enviaria 97 ; e um
menino de nove anos, Josué, que perde a mãe, atropelada por um ônibus. Ele, então,
perdido ali, naquela antiga estação ferroviária, que ligava as grandes cidades ao
centro do país, acaba aproximando-se da mulher, a “escrevedora de cartas”. Ela, a
princípio, em troca de seu sonho de consumo – uma televisão com controle remoto –,
vende o garoto para um grupo que promete enviá-lo à adoção no exterior, mas que,
possivelmente, realiza contrabando de órgãos. Mais tarde, no entanto, Dora
arrepende-se, busca Josué e decide partir com ele em uma viagem do Rio de Janeiro
para o nordeste à procura do pai da criança.
Ao longo do percurso – que, na prática, correspondeu a mais de 10 mil quilômetros
através do país –, junto às intempéries, expectativas, frustrações, ocorre também o
O elemento da carta surgiu no documentário Socorro Nobre, de 1995, dirigido também por
Walter Salles, sobre a troca de correspondências entre a presidiária nordestina, Socorro
Nobre, e o artista plástico Franz Krajcberg.
97
254
processo de mutação dos personagens, que aprendem com os acontecimentos,
modificam-se com a paisagem, descobrem-se um ao outro, afeiçoam-se. A escolha
formal coloca-se a serviço da narrativa, como acontece
[...] no início do filme, na apresentação de Dora – uma mulher
incapaz de ver além do que está a sua frente e indiferente às pessoas
a sua volta. Para simular a visão de Dora, a lente permite o foco
somente naquele personagem a sua frente, sendo que o fundo
aparece embaçado, pois, para a personagem, nada é nítido. A perda
da identidade no espaço urbano é dada pela pouca profundidade de
campo.
Quando deixam a cidade e rumam em direção ao sertão, Dora se
aproxima de Josué e começa a perceber que o mundo é mais largo do
que ela via da janela da sua casa ou da estação. Na medida em que
ela vai se interessando por outras pessoas, também o filme ganha
profundidade de campo – as lentes passam de 300mm, no início,
para 24mm, às vezes 21mm, no final, de acordo com o diretor.
(GONÇALVES, 2008, pp.81-82)
O trajeto dos personagens inverte o processo migratório comum àqueles que,
provindos de condições de seca e miséria no nordeste, buscam melhores
possibilidades de vida na região sudeste, a mais rica do país. A viagem dos
protagonistas é, ao mesmo tempo, metonímia da busca do brasileiro por sua origem,
sua descoberta, realizada pelos portugueses através do litoral nordestino. A procura
pelo pai seria, portanto, a busca pela pátria. Contudo, pode-se entender a trama,
assim como em diversos momentos na obra de Walter Salles, também como metáfora
de autoconhecimento. É o que esclarece Mariana Mól Gonçalves: “As estradas, como
as de Central do Brasil, funcionam como divãs, e quando os personagens caem no
mundo estão fugindo de infortúnios, mas também estão em busca de uma nova
chance e de humanidade.” (GONÇALVES, 2008, p.15)
III
Ainda mais emblemático no sentido da humanização, da mudança, da descoberta
por meio da estrada é Diários de Motocicleta, de 2004, filme co-produzido por nove
países –Argentina, Brasil, Chile, Cuba, Peru, França, Reino Unido, Alemanha,
Estados Unidos –, sobre a viagem, em uma velha motocicleta, do bioquímico Alberto
Granado (Rodrigo de la Serna) e do jovem Che Guevara (Gael García Bernal).
255
No trajeto, que vai dos dias 04 de janeiro de 1952 a 26 de julho de 1952 e resulta em
12.425 quilômetros rodados, os jovens partem de Buenos Aires e percorrem Miramar,
Piedra del Águila, San Martín de los Andes, Lago Frias (todos na Argentina); Temuco,
Los Ángeles, Valparaíso, Deserto do Atacama, no Chile; Cuzco, Lima, Pucallpa e San
Pablo, no Peru; Letícia, na Colômbia; chegando a Caracas, na Venezuela.
O roteiro, de José Rivera, é baseado nos livros Notas de Viagem, de Ernesto Guevara, e
Con el Che por Latinoamérica, de Alberto Granado, tendo concorrido ao Oscar de
melhor roteiro adaptado. O filme também foi indicado a cerca de quarenta outros
prêmios internacionais, como à Palma de Ouro, conquistando, dentre outros, o Oscar
de melhor canção, por Al otro lado del rio, de Jorge Drexler, e o BAFTA (Reino Unido –
2005) de melhor filme de língua não-inglesa. O alcance da obra é tal que ele chega a
ser citado por Woody Allen, em Match Point (EUA, 2005): quando os personagens
vão ao cinema, eles assistem ao longa-metragem de Walter Salles.
O filme conquista diferentes públicos por saber mesclar com inteligência os
momentos dramáticos à comicidade, as paisagens exuberantes à acuidade na
composição, por contar com o carisma na interpretação dos protagonistas, além, é
claro, pela clareza da estrutura: em adequação ao título, as localizações e as datas vão
surgindo na tela, a exemplo de um diário, em que as sequências seriam as anotações,
localizando no percurso o espectador, que parece viajar junto aos personagens. Além
disso, a narração de Ernesto, a que se tem acesso por trechos das cartas que ele
enviara a sua mãe, possibilita o contato com a intimidade do viajante, seus
pensamentos, sensações e suas mudanças de perspectiva.
E muita coisa muda nesses seis meses de viagem. Aquilo que, no início, configuravase uma aventura de dois amigos, os quais, segundo o narrador, possuíam em comum
a “inquietude, o espírito sonhador e a paixão pela estrada”, transforma-se, aos
poucos, numa descoberta da América Latina, para bem além daquilo que se
compreende pelos livros. Em dado momento, ouve-se o questionamento do jovem
Che: “O que se perde ao cruzar uma fronteira? Cada momento parece partido em
dois. Saudade do que ficou para trás e, ao mesmo tempo, entusiasmo por entrar em
terras novas.”
256
Ficam, de fato, para trás a família, a namorada, o cãozinho – Comeback –, o curso
interrompido de Medicina, certos amigos e inimigos, algumas aventuras amorosas e
até mesmo o meio de transporte, a moto ironicamente chamada “La Poderosa”, de
que se despedem com os olhos úmidos. Mas separam-se, sobretudo, da inocência e,
mais do que ela, da ignorância, a zona de conforto dos universitários de classe média,
que, até então, mediam por títulos e livros lidos seu conhecimento de mundo.
E as novas terras agregam a eles toda a sorte de revelações, que se manifestam pela
variação da geografia, pelo rigor do clima, pela arquitetura, pela justaposição de
passado e presente, pela pungência das conquistas e barbáries históricas. Em Machu
Picchu, diante da beleza das construções incas, Ernesto reflete: “Os incas tinham
vasto conhecimento de astronomia, medicina, matemática, entre outras coisas. Mas
os invasores espanhóis tinham a pólvora. Como seria a América hoje se as coisas
tivessem sido diferentes?”
O jovem também se pergunta como poderia sentir nostalgia em relação a um lugar e
a um tempo que não conheceu, em que não esteve presente, mas que o maravilha
com a enormidade de sua herança física, sólida, sensorial. Ali, naquele espaço
sagrado, ele se integra com um império devastado, com as vidas perdidas nesse
processo incompreensível de destruição.
O sentimento de solidão, nostalgia de um corpo de que fomos
arrancados, é nostalgia do espaço. Segundo uma concepção muito
antiga e que se encontra em quase todos os povos, esse espaço não é
outro senão o centro do mundo, o “umbigo” do universo. Às vezes o
paraíso se identifica com esse local e ambos com o lugar de origem,
mítico ou real, do grupo. Entre os astecas, os mortos regressavam de
Mictlán, lugar situado ao norte, de onde haviam emigrado. Quase
todos os ritos de fundação [...] aludem à busca desse centro sagrado
do qual fomos expulsos. (PAZ, 1993, p.345)
Em El laberinto de la soledad, Octavio Paz, ao analisar a cultura mexicana, o processo
de conquista, a independência, o perfil do povo mexicano resultante desses
acontecimentos, apresenta diversas colocações que poderiam muito bem ser
atribuídas ao Peru, aos destroços do Império Inca, à reconstrução de uma civilização
invadida. Sua perspectiva, aliás, é capaz de apontar para a irmandade visível entre
257
todos os povos da América Latina. Independente do idioma oficial, há uma
humanidade dolorosa que subjaz várias dessas histórias.
Walter Salles logra transmitir esse sentimento de integração, ao retratar a experiência
dos dois amigos, com destaque para o ponto de vista de Ernesto Guevara, aquele que
futuramente se tornaria um grande revolucionário, lutando em nome da comunhão,
da igualdade, do Comunismo. As transformações que nele se operam ao longo da
viagem são apresentadas pela beleza do encontro, da empatia, da atenção e da troca
com outros seres humanos. No Chile, quando solicitado a visitar, como médico, uma
senhora doente, Ernesto confessa: “Eu sabia que não podia ajudar essa pobre mulher,
que há um mês servia às mesas, ofegante como eu. Tentando viver com dignidade.
Em seus olhos moribundos, mil pedidos de desculpas e uma súplica desesperada de
consolo, que se perde no vazio, como logo se perderia seu corpo na enormidade do
mistério que nos rodeia.”
Che parte dessa experiência de limiar, desse olhar melancólico da certeza da morte,
dessa comparação que a todos iguala, para o estupor diante de injustiças sociais que,
até então, passavam-lhe despercebidas. São mineiros, artesãos, agricultores expulsos
de suas terras, trabalhadores que se deslocam por montanhas geladas em busca de
um serviço que lhes garanta, ao menos, mais um dia. Em comum, em seus
semblantes, os traços indígenas, a cicatriz histórica da invasão e uma esperança triste
que não os deixa desistir. Nas palavras de Ernesto, a mudança: “Ao sairmos da mina,
sentimos que a realidade começava a mudar. Ou éramos nós?”
Cada um desses episódios, desses encontros, têm valor equivalente na condução da
trama. Soa, no entanto, como clímax, a chegada dos viajantes ao leprosário de San
Pablo, no Peru, onde o bioquímico, Alberto, e o estudante de medicina, Ernesto,
desejam especializar-se profissionalmente. Tem-se início, então, a uma série de
símbolos que manifestam a separação, a discriminação, o preconceito e a tentativa de
romper essas barreiras.
A começar pela estrutura do leprosário, que se divide em duas sedes, cortadas pelo
rio Amazonas – o segundo mais extenso do mundo e o primeiro em fluxo de água –:
em uma delas, os sãos, médicos, enfermeiros, freiras; do outro lado, os doentes. Junto
a estes, é preciso, segundo o regulamento do local, usar luvas de borracha, ainda que,
258
sob tratamento, a lepra não seja contagiosa. Os argentinos desobedecem a essa regra,
percebendo que as luvas seriam apenas um símbolo de segregação. Por esse gesto,
tem-se o início de um processo de amizade que ultrapassa a relação médico-paciente
e, essencialmente, que aproxima as pessoas, por tantos motivos, tão iguais.
Em uma das últimas cenas, o jovem Che, ao final de sua estadia no leprosário,
vencendo o medo dos animais selvagens, de afogar-se, de padecer diante de uma
crise de asma, atravessa o rio Amazonas a nado. Ainda que tivesse celebrado o
aniversário em uma festa bem-humorada preparada pela equipe médica que a ele se
afeiçoara, faltava comemorar ao lado dos leprosos, que, da mesma forma, ou com
mais genuíno amor, o haviam acolhido.
Antes, porém, ele é convidado a fazer um discurso, em que proclama: “A divisão da
América em nacionalidades vagas e ilusórias é totalmente fictícia. Constituímos uma
só raça mestiça do México até o Estreito de Magalhães. E assim, despindo-me de
qualquer provincianismo, brindo ao Peru. E à América unida.”
A união econômica da América do Sul, o seu fortalecimento diante da exploração
estrangeira, especialmente a estadunidense, justifica a criação do MERCOSUL, que,
após versões anteriores, institui-se de fato em 1991, com a assinatura do Tratado de
Assunção. No entanto, embora se saiba que a economia é uma das principais vias
para se garantir condições de vida satisfatórias a todos, também as escolhas políticas
e a preocupação social devem guiar governos, tratados, comunidades, para a
consolidação de uma América integrada, onde não se dividam apenas os históricos
de abuso e barbárie, como também o crescimento, as conquistas, os avanços de toda a
sorte.
A arte e, neste caso, o cinema, são aliados valiosos nesse esforço, que deve começar
pela reflexão, pela compreensão desse continente em que se está inserido, muitas
vezes de forma tão individualista. Diários de Motocicleta, além da impecável fotografia,
que coloca em destaque a beleza da paisagem sul-americana, destaca-se pela
habilidade em apresentar as transformações operadas nos dois viajantes, ao se
depararem com a disparidade econômica e a miséria de tantos latinos. A esperança,
no entanto, é a de que também o expectador se modifique e, à medida que se
avançam fronteiras, se dê conta dos destroços humanos e patrimoniais deixados
259
pelos exploradores espanhóis, sofrendo, junto aos personagens, um processo
gradativo de genuína humanização.
O filme – como boa parte da obra de Walter Salles – leva o expectador a refletir sobre
as muitas fronteiras e, neste caso, as muitas Américas, tão distintas, unidas ou não
por esse Mercado Comum do Sul e seus ecos, muitas vezes mais sócio-culturais do
que econômicos.
Bibliografia
D´AVILA, Roberto. Os Cineastas: conversas com Roberto D´Ávila. Rio de Janeiro: Bom
Texto, 2002.
GONÇALVES, Mariana Mól. Por um cinema humanista: A identidade cinematográfica
de Walter Salles, de A grande arte até Abril despedaçado. Orientadora:
ANDRADE, Ana Lúcia. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade
Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, 2008.
NAGIB, Lúcia. O Cinema da Retomada: Depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São
Paulo: Editora 34, 2002.
PAZ, Octavio. El Laberinto de la soledad. 2ed. México, D.F.: Fondo de Cultura
Econômica, 1993.
SALLES, Walter; THOMAS, Daniela; BERNSTEIN, Marcos. Terra Estrangeira. (roteiro).
Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
DVD´s
SALLES, Walter. Central do Brasil. Brasil, Rio de Janeiro, 2005. (Videofilmes)
SALLES, Walter & THOMAS, Daniela. Terra Estrangeira. DVD comemorativo 10 anos
de lançamento. Brasil, Rio de Janeiro, 2005 (Videofilmes)
SALLES, Walter. Diários de Motocicleta. Brasil, Rio de Janeiro, 2004. (Buena Vista
Home Entertainment)
Sites
http://www.mercosul.gov.br/ Consulta em: 13 de outubro de 2012.
http://www.mercosur.int/ Consulta em: 13 de outubro de 2012.
260
PORTUGUÉS BRASILEÑO:
GRAMÁTICA Y REPRESENTACIONES SOCIALES
DEL LENGUAJE
Luis Alejandro BALLESTEROS98
RESUMO
O projeto que apresentamos é continuação do anterior “Sociolinguística,
ecolinguística e gramática: para uma descrição do português brasileiro”, subsidiados
os dois por Secyt-UNC. Nesta ocasião centramos o estudo do português brasileiro
atual em duas linhas complementares: 1) a gramática descritiva do português falado
e escrito no Brasil; 2) as representações sociais da linguagem que é possível
identificar no discurso social brasileiro a respeito dessa gramática descritiva e sua
confrontação com a gramática prescritiva tradicional. Para o primeiro dos eixos,
recuperamos e sistematizamos os aportes de três gramáticas do português brasileiro
atual (Neves 1999; Perini 2010; Castilho 2010). Para o segundo eixo, retomamos a
pesquisa bibliográfica sobre sociolinguística e ecolinguística realizada na etapa
anterior, e a complementamos com aportes da política linguística (Calvet 2007;
Faraco 2001), da linguística crítica (Rajagopalan 2003 y 2004) e da análise do discurso
(Amossy 2008; Maingueneau 2008; Possenti 2008; Arnoux 2003). Nosso alvo é interrelacionar os dois eixos para destacar convergências e divergências entre a descrição
científica da língua e as representações sociais da linguagem que cruzam a
consolidação e a defesa da língua nacional desde a construção de um ethos
discursivo que se materializa no discurso social. Salientamos que as representações
sociais da linguagem são construções históricas no discurso social (Angenot 2010), e
por essa razão integramos à nossa pesquisa as investigações de E. P. Orlandi (1996,
2001, 2002, 2009) sobre a história das ideias linguísticas no Brasil, especialmente em
quanto tem a ver com a gramatização (Auroux 1992) e a consequente construção e
legitimação do saber metalinguístico e da língua nacional e a relação dessa língua
com a diversidade linguística e cultural de um país.
RESUMEN
El proyecto que presentamos es continuación del anterior “Sociolingüística,
ecolingüística y gramática: para una descripción del portugués brasileño”,
subsidiados ambos por Secyt-UNC.
En esta ocasión centramos el estudio del português brasileño actual en dos líneas
complementarias: 1) la gramática descriptiva del portugués hablado y escrito en
Brasil; 2) las representaciones sociales del lenguaje que es posible identificar en el
98
Facultad de Lenguas - Universidad Nacional de Córdoba
261
discurso social brasileño respecto de esa gramática descriptiva y su confrontación
con la gramática prescriptiva tradicional. Para el primero de los ejes, recuperamos y
sistematizamos los aportes de tres gramáticas del portugués brasileño actual (Neves
1999; Perini 2010; Castilho 2010). Para el segundo eje, retomamos la investigación
bibliográfica sobre sociolingüística y ecolingüística realizada en la etapa anterior, y la
complementamos con aportes de la política lingüística (Calvet 2007; Faraco 2001), de
la lingüística crítica (Rajagopalan 2003 y 2004) y del análisis del discurso (Amossy
2008; Maingueneau 2008; Possenti 2008; Arnoux 2003). Nuestro objetivo es
interrelacionar los dos ejes para destacar convergencias y divergencias entre la
descripción científica de la lengua y las representaciones sociales del lenguaje que
cruzan la consolidación y la defensa de la lengua nacional desde la construcción de
un ethos discursivo que se materializa en el discurso social. Destacamos que las
representaciones sociales del lenguaje son construcciones históricas en el discurso
social (Angenot 2010), y por esta razón integramos a nuestra investigación los
trabajos realizados por E. P. Orlandi (1996, 2001, 2002, 2009) sobre la historia de las
ideas lingüísticas en Brasil, especialmente en cuanto tiene que ver con la
gramatización (Auroux 1992) y la consecuente construcción y legitimación del saber
metalingüístico y de la lengua nacional y la relación de esa lengua con la diversidad
lingüística y cultural de un país.
INTRODUCCIÓN
Este proyecto constituye una continuación del Proyecto B titulado “Sociolingüística,
ecolingüística y gramática: para una descripción del portugués brasileño”, dirigido
por el Dr. Luis Alejandro Ballesteros y subsidiado por la Secretaría de Ciencia y
Tecnología de la Universidad Nacional de Córdoba en el período 2010-2011. Como
resultado del trabajo ya realizado, y como consecuencia de los intereses evidenciados
por los investigadores que continúan en el equipo, el proyecto actual diseñado para
el período 2012-2013 se propone centralizar los ejes del estudio del portugués
brasileño en dos líneas complementarias: 1) la gramática descriptiva del portugués
hablado y escrito en el Brasil; 2) las representaciones sociales del lenguaje que es
posible identificar en el discurso social brasileño respecto de esa gramática
descriptiva y su confrontación con la gramática prescriptiva tradicional. Para el
primero de los ejes, recuperamos y sistematizamos los aportes de tres gramáticas
descriptivas autorizadas del portugués brasileño actual: Gramática de usos do
português (1999) de Maria Helena de Moura Neves, Gramática do português brasileiro
(2010) de Mário Alberto Perini, y Nova gramática do português brasileiro (2010) de
Ataliba Teixeira do Castilho. Para el segundo eje, recuperamos la indagación
262
bibliográfica sobre sociolingüística y ecolingüística realizada en el período 2010-2011,
y la complementamos con aportes de la política lingüística (Calvet 2007; Faraco 2001),
de la lingüística crítica (Rajagopalan 2003 y 2004) y del análisis del discurso (Amossy
2008; Maingueneau 2008 a, b y c; Possenti 2008; Arnoux et al. 2003). Nuestro objetivo
es interrelacionar ambos ejes para destacar convergencias y divergencias entre la
descripción científica de la lengua y las representaciones sociales del lenguaje que
cruzan la consolidación y la defensa de una lengua nacional –en este caso, el
portugués brasileño– desde la construcción de un “ethos” discursivo, ya sea el del
gramático, el del lingüista, el del ciudadano, etc., y que se materializan en el discurso
social brasileño en lo que Bagno (1999) denominó “comandos paragramaticales”. Las
representaciones sociales (Jodelet 1984) –en nuestro caso, del lenguaje– resultan de
políticas lingüísticas tanto explícitas como implícitas y son, por lo tanto,
construcciones históricas dentro del discurso social (Angenot 2010). Por esta última
razón, integramos en este proyecto las investigaciones de Eni P. Orlandi (Orlandi et.
al. 1996, 2001 y 2002; Orlandi 2009) sobre la historia de las ideas lingüísticas en Brasil,
especialmente en cuanto tiene que ver con la gramatización (Auroux 1992), y la
consecuente construcción y legitimación del saber metalingüístico y de la lengua
nacional.
Cabe recordar, como se destacó tanto en la formulación cuanto en la ejecución del
proyecto 2010-2011, el importante desarrollo que la sociolingüística ha tenido en
Brasil en las últimas décadas, principalmente a través de propuestas metodológicas y
estudios monográficos como los de Fernando Tarallo (1985 y 1989) y, más
recientemente, en trabajos que destacan la necesidad de asociar en la investigación
sobre el portugués brasileño las perspectivas diacrónica y sincrónica, como se
observa en la serie de estudios de Anthony Julius Naro y Maria Marta Pereira
Scherre que integran el libro Origens do português brasileiro (2007), donde se rebate la
hipótesis de la “criollización” del portugués en Brasil y se afirma que todas sus
características actuales ya estaban presentes en el portugués de los conquistadores y
de los comienzos de la colonia. En esta línea se destacan también los trabajos de Rosa
Virgínia Mattos e Silva, entre los cuales cabe mencionar Ensaios para uma sócio-história
do português brasileiro (2004) y “O português são dois...” Novas fronteiras, velhos problemas
263
(2006). No debe escapársenos, sin embargo, que el hecho de hablar de “portugués
brasileño” es realizar una simplificación que, si bien es necesaria en términos
metodológicos, no puede conducir a descuidar las variedades que el portugués
presenta, a su vez, en Brasil. Entre los estudios sociolingüísticos más recientes sobre
esta última cuestión cabe destacar los que integran el volumen Introdução á
sociolingüística. O tratamento da variação (2004), organizado por Maria Cecília Mollica y
Maria Luiza Braga, quienes destacan que si bien desde una perspectiva científica
todas las manifestaciones lingüísticas son legítimas y previsibles y no se aplican
juicios de valor, los patrones lingüísticos están sujetos a evaluación social positiva o
negativa y, en esa medida, pueden determinar el tipo de inserción de un hablante en
la escala social (Mollica y Braga 2004: 13). En este sentido, los estudios
sociolingüísticos en Brasil se han inclinado frecuentemente hacia el estudio de la
estigmatización lingüística, y han demostrado un fuerte interés por una educación
lingüística que contribuya a resignificar los preconceptos o prejuicios en que tal
estigmatización se asienta; de ello son claros ejemplos los trabajos de Carlos Alberto
Faraco (2002; 2007), Marcos Bagno (1999; 2000; 2001; 2003; 2007; 2009) y Maria Marta
Pereira Scherre (2005).
Variedades prestigiadas y variedades estigmatizadas son los extremos de un
continuum (Bortoni-Ricardo 2006) que abarca una gradación que resulta útil
dimensionar desde la noción sociolingüística de “dialecto” en el ámbito de la
ecolingüística (Couto 2009), para el estudio de las relaciones entre lengua y medio
ambiente, las cuales constituyen el ecosistema fundamental de la lengua, que se
despliega a su vez en un ecosistema social, uno mental y otro natural. Couto (id.: 133)
interrelaciona los conceptos de multilingüismo y multidialectalismo, y afirma que la
“lengua nacional” equivale a un “dialecto oficial” o “dialecto estatal”, y destaca la
dificultad de definir “dialecto” por oposición a “lengua”, porque se trata de
conceptos relativos, y retoma por ello reiteradamente la frase “la lengua es un
dialecto con un ejército y una marina” –atribuida a Max Weinreich–, en la que la
metáfora resalta que se considera “lengua” la variedad cuyos hablantes tienen la
fuerza de imponerse, mientras que la de aquellos que no tienen esa fuerza es
considerada “dialecto”. La problemática involucra, entonces, la política lingüística de
264
un Estado, y conlleva selecciones y exclusiones, fuertes preconceptos o prejuicios, así
como estigmatizaciones, punto en el que la ecolingüística contribuye desde un nuevo
paradigma a problemas centrales de la sociolingüística. El “ejército” y la “marina”
que imponen un dialecto como lengua son la gramática normativa –generalmente
denominada simplemente “gramática”, en tanto que otras gramáticas se adjetivan:
“gramática descriptiva”, “gramática generativa”, “gramática funcional”, etc.–, y los
“comandos paragramaticales” (Bagno 1999) conformados por un conjunto discursivo
de importante circulación en Brasil constituido por manuales de estilo y para
concursos en la administración pública, diccionarios de “errores”, columnas de
diarios y revistas sobre las formas “correctas” de la lengua, intervenciones de
gramáticos normativistas en radio y televisión, etc. Esos comandos paragramaticales
suelen usar expresiones tales como “crimen contra la gramática” y “crimen contra la
lengua de Camões”, implicando con ello que presuponen que la gramática es una
sola –y, consecuentemente, ignorando el multidialectalismo y el continuum de
variedades– y asumiendo como evidente que el portugués “correcto” es el de
Portugal, identificado además con el uso literario aludido por la referencia a Camões.
La sociolingüística, en cambio, parte del axioma de la “heterogeneidad ordenada”
(Weinreich, Labov y Herzog 2006) formulada en 1968 y concebida como una realidad
inherente a las lenguas y no como un fenómeno marginal. La ecolingüística, a su vez,
parte del concepto ecológico de diversidad y estudia las variedades en el ecosistema
social de la lengua. Las variedades estigmatizadas, así, lejos de carecer de gramática
o de ir en contra de la gramática, tienen una gramática (o diversas gramáticas) que
una descripción lingüística que pretenda estatus científico no puede ignorar sin que
los datos empíricos contradigan sus formulaciones.
Frente a problemática tan compleja, este proyecto pretende contribuir a una revisión
de los contenidos gramaticales vigentes en la enseñanza de Portugués Lengua
Extranjera (PLE) en la Argentina, y particularmente en la formación docente en PLE,
desde la convicción de que la enseñanza de PLE no puede reproducir preconceptos o
prejuicios que no solo siguen en gran medida vigentes en la enseñanza de portugués
como lengua materna en Brasil, sino que ya han recibido un análisis crítico
exhaustivo en Bagno (1999) y para los que se encuentra una propuesta de superación
265
en Faraco (2007) con la formulación de una “pedagogía de la variación lingüística”,
retomada por Bagno (2007) en términos de “reeducación sociolingüística”. En una
línea que sigue a Labov en el uso del término “vernáculo”, Bagno propone hablar del
“vernáculo
brasileño”
como
fuente
más
segura
para
una
investigación
sociolingüística que identifique cuáles son las reglas gramaticales que realmente
pertenecen al portugués brasileño contemporáneo y cuáles las que están dejando de
ser usadas, y defiende llevar explícitamente el vernáculo a la enseñanza del
portugués como lengua materna, tomando en consideración que la educación
lingüística primordial se da antes de la educación formal, y que lo que resulta
necesario es entonces no una “corrección” de lo que ya se sabe para substituirlo por
un nuevo saber lingüístico, sino una “reeducación” que muestre los juicios de valor
que pesan sobre cada uso de la lengua. Este proceso pasa inevitablemente por la
reeducación sociolingüística de los profesores, para que no reproduzcan
preconceptos e ideologías arcaicos sobre la lengua. Es inevitable plantearse el mismo
problema respecto de la enseñanza de PLE, y cualquier intento serio de respuesta
desde una perspectiva lingüística científica lleva a rever los postulados de la
gramática normativa que siguen repitiéndose acríticamente. Conduce también al
análisis de las representaciones sociales del lenguaje en las cuales se asienta el
preconcepto lingüístico, a una descripción crítica del “ethos” discursivo que opera
como garante (Maingueneau 2008 b) de ese preconcepto y, finalmente, a un esfuerzo
de explicitud tanto del lugar desde el que se realiza la descripción gramatical como
de las pruebas empíricas que ésta aporta.
Destacamos, no obstante, una diferencia fundamental para el caso de PLE: por el
ámbito académico en que se produce el contacto con el portugués, así como por sus
mayores semejanzas con el español, quien estudia portugués en la Argentina se
acerca primeramente a las variedades prestigiadas del portugués brasileño, y la
dificultad mayor consiste en acceder a sus variedades estigmatizadas, no sólo para
conocerlas, y eventualmente aprenderlas/adquirirlas, sino también para describirlas
con fundamentos científicos y justificar con tales fundamentos su incorporación en
programas y currículos.
266
OBJETIVOS
Objetivos Generales:
1. Investigar las propiedades gramaticales del portugués brasileño actual con foco en
la sintaxis desde una perspectiva descriptivista que cuestione preconceptos
arraigados en representaciones sociales identificables en el discurso social brasileño
contemporáneo.
2. Analizar críticamente casos relevantes de muestras de representaciones sociales
preconceptuosas sobre las propiedades gramaticales del portugués brasileño actual
en el discurso social brasileño.
3. Propiciar la formación en la Facultad de Lenguas de la Universidad Nacional de
Córdoba de un grupo de estudio del portugués brasileño, especialidad escasamente
estudiada en la Argentina, para lo cual se cuenta con el antecedente del proyecto que
ya desarrollamos en 2010-2011.
Objetivos Específicos:
1. Conformar un corpus descriptivamente adecuado de tres de las propiedades
gramaticales del portugués brasileño actual: los cambios en la concordancia entre
sujeto y verbo; los cambios en la concordancia entre núcleo y determinantes dentro
del sintagma nominal; los cambios en la colocación de pronombres rectos y oblicuos.
2.
Analizar
críticamente
casos
específicos
de
representaciones
sociales
preconceptuosas –focalizando el “ethos” del enunciador– sobre el portugués
brasileño actual, por ejemplo: columnas de revistas y diarios sobre temas
gramaticales, espacios radiales y televisivos sobre educación lingüística, entrevistas
realizadas por medios de comunicación masiva tanto a defensores de la norma y
prescripción lingüísticas como a lingüistas descriptivistas.
3. Integrar conclusiones respecto de las propiedades sintácticas del portugués
brasileño actual, y de las representaciones sociales en torno a ellas, que puedan servir
posteriormente de base para la elaboración de intervenciones pedagógicas y
secuencias didácticas para la enseñanza de PLE en el ámbito universitario argentino.
267
MATERIALES Y METODOLOGÍA
La investigación propuesta incluye dos aspectos complementarios y paralelos: 1)
estudio de las gramáticas descriptivas más recientes y recolección de muestras; 2)
estudio de casos concretos de representaciones sociales preconceptuosas sobre el
portugués brasileño actual.
Para 1), se han seleccionado tres de las gramáticas descriptivas del portugués
brasileño más recientes y prestigiosas: Gramática de usos do português (1999) de Maria
Helena de Moura Neves, Gramática do português brasileiro (2010) de Mário Alberto
Perini y Nova gramática do português brasileiro (2010) de Ataliba Teixeira do Castilho.
Incorporamos, asimismo, los aportes teóricos y los estudios descriptivos de la
sociolingüística (v. gr. Scherre 2005; Bagno 2007 y 2009) y la ecolingüística (Couto
2009) en los cuales ya profundizamos en el proyecto 2010-2011.
Para 2), adoptaremos las perspectivas del análisis del discurso sobre la relación
lenguaje-sujeto (Maingueneau 2008 a; Possenti 2008) para el estudio de las
representaciones sociales del lenguaje (Arnoux et al. 2003), y en particular para la
descripción del “ethos” del enunciador (Maingueneau 2008 b y 2008 c; Amossy et al.
2008; Plantin 2008). Nos proponemos aquí, de este modo, describir la representación
de sí de quienes enuncian posiciones, ya sea en contra o a favor, del portugués
brasileño actual, así como la representación del otro en una dimensión polémica, y
cómo las posiciones del sujeto enunciador se legitiman en su relación con
representaciones sociales del lenguaje que se materializan en el discurso social
brasileño sobre la lengua nacional, punto en el que vinculamos nuestra propuesta
con la historia de las ideas lingüísticas en Brasil estudiadas por Orlandi (Orlandi et. al.
1996, 2001 y 2002; Orlandi 2009).
IMPORTANCIA DEL PROYECTO–IMPACTO
Se espera realizar una descripción detallada de tres propiedades sintácticas del
portugués brasileño actual: 1) los cambios en la concordancia entre sujeto y verbo; 2)
los cambios en la concordancia entre núcleo y determinantes dentro del sintagma
nominal; 3) los cambios en la colocación –y consecuentemente en las funciones
sintácticas– de pronombres rectos y oblicuos. Con ello pretendemos fundamentar la
268
modificación de contenidos gramaticales usualmente presentes en programas y
secuencias didácticas destinados a la enseñanza de PLE en el ámbito universitario
argentino, y en particular en la formación docente en PLE. La importancia del
proyecto se sustenta así no sólo en el conocimiento fundado y sistematizado del
objeto de estudio, sino también en la convicción de que la investigación puede
contribuir a mejorar la formación de grado en la especialidad desde la transferencia
de sus resultados. Asimismo, con el análisis del preconcepto lingüístico identificable
en el discurso social brasileño aspiramos a la resignificación de representaciones
sociales del lenguaje que se han extendido desde el portugués como lengua materna
hacia el estudio y la enseñanza de PLE. Además, por tratarse de un campo de
investigación nuevo en la Universidad Nacional de Córdoba y con escasos
antecedentes en la Argentina, esperamos lograr en nuestro ámbito académico la
conformación de un grupo de investigadores –en parte ya lo hemos hecho en 20102011 y queremos profundizarlo y expandirlo– centrado en el estudio del portugués
brasileño actual.
BIBIOGRAFÍA
Amossy, R. 2008. (org.). A imagem de si no discurso. A construção do ethos. São Paulo:
Contexto.
Angenot, M. 2010. Interdiscursividades. De hegemonías y disidencias. Córdoba:
Universidad Nacional de Córdoba.
Arnoux, E. N. de y C. R. Luis. 2003 (comps.). El pensamiento ilustrado y el lenguaje.
Buenos Aires: Eudeba.
Auroux, S. 1992. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas: Unicamp.
Bagno, M. 1999. Preconceito linguístico. O que é, como se faz. São Paulo: Loyola.
------------ 2000. Dramática da língua portuguesa. Tradição gramatical, mídia & exclusão
social. São Paulo: Loyola.
------------ 2001. Português ou brasileiro? Um convite á pesquisa. São Paulo: Parábola.
------------ 2003. A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira. São Paulo:
Parábola.
269
------------ 2007. Nada na língua é por acaso. Por uma pedagogia da variação linguística. São
Paulo: Parábola.
------------ 2009. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São Paulo:
Parábola.
------------ 2011. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola.
Bortoni-Ricardo, S. M. 2006. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística & educação.
São Paulo: Parábola.
Calvet, L.-J. 2002. Sociolinguística. Uma introdução crítica. São Paulo: Parábola.
-------------- 2007. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola.
Castilho, A. T. de. 2010. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto.
Couto, H. H. de. 2009. Linguística, ecologia e ecolingüística. Contato de línguas. São
Paulo: Contexto.
Faraco, C. A. 2002. “Norma-padrão brasileira. Desembaraçando alguns nós”, en
Bagno, M. 2002. (org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola: 37-61.
---------------- 2007. “Por uma pedagogia da variação linguística”, en Correa, D. A.
(org.). 2007. A relevância social da linguística. Linguagem, teoria e ensino. São
Paulo: Parábola: 21-50.
Gnerre, M. 2009. “Linguagem, poder e discriminação”, en Gnerre, M. 2009.
Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes: 5-34 [1985].
Jodelet, D. 1984. “La representación social: fenómenos, concepto y teoría”, en
Moscovici, S. (org.) Psicología social, II. Barcelona, Paidós: 469-494.
Maingueneau, D. 2008 a. Gênese dos discursos. São Paulo: Parábola.
-------------------- 2008 b. “A propósito do ethos”, en Motta, A. R. y L. Salgado (orgs.).
Ethos discursivo. São Paulo: Contexto: 11-29.
-------------------- 2008 c. Cenas de enunciação. São Paulo: Parábola.
Mattos e Silva, R. V. 2004. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. São
Paulo: Parábola.
-------------------------- 2006. “O português são dois...”Novas fronteiras, velhos problemas. São
Paulo: Parábola.
Mollica, M. C. y M. L. Braga (orgs.). 2004. Introdução á sociolinguística. O tratamento da
variação. São Paulo: Contexto.
270
Naro, A. J. y M. M. P. Scherre. 2007. Origens do português brasileiro. São Paulo:
Parábola.
Neves, M. H. de M. 1999. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP.
Noll, V. 2009. O português brasileiro. Formação e contrastes. São Paulo: Globo [1999].
Orlandi, E. P. 2009. Língua brasileira e outras histórias. Discurso sobre a língua e ensino no
Brasil. Campinas: RG.
-------------- 2001.
(org.).
História das ideias linguísticas. Construção do saber
metalinguístico e constituição da língua nacional. Campinas: Pontes.
---------------- y E. Guimarães (orgs.). 1996. Língua e cidadania. O português no Brasil.
Campinas: Pontes.
---------------- 2002. Institucionalização dos estudos da linguagem. A disciplinarização das
ideias linguísticas. Campinas: Pontes.
Perini, M. A. 2004. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática.
-------------- 2005. “Pesquisa em gramática (e será possível?)”, en Perini, M. A. 2005.
Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática: 77-102.
--------------- 2006. Princípios de linguística descritiva. São Paulo: Parábola.
--------------- 2008. Estudos de gramática descritiva. São Paulo: Parábola.
--------------- 2010. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola.
Plantin, C. 2008. A argumentação. História, teorias, perspectivas. São Paulo: Parábola.
Possenti, S. 2008. Os limites do discurso. Ensaios sobre discurso e sujeito. São Paulo,
Parábola.
Rajagopalan, K. 2003. Por uma linguística crítica. Linguagem, identidade e a questão ética.
São Paulo: Parábola.
------------------- y F. L. da Silva. 2004. (orgs.). A linguística que nos faz falhar. Investigação
crítica. São Paulo: Parábola.
Scherre, M. M. P. 2005. Doa-se lindos filhotes de poodle. Variação linguística, mídia e
preconceito. São Paulo: Parábola.
Tarallo, F. 1985. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática.
------------ (org.) 1989. Fotografias sociolinguísticas. São Paulo: Unicamp.
Weinreich, U., W. Labov y M. I. Herzog. 2006. Fundamentos empíricos para uma teoria
da mudança linguística. São Paulo: Parábola [1968].
271
A EMERGÊNCIA DA INTEGRAÇÃO
LINGÜÍSTICA E CULTURAL NO MERCOSUL
Luciana RODRIGUES ALVES RIBEIRO99
Resumo
Atualmente, dentro dos enfoques plurais, a perspectiva intercultural se destaca, mas,
obviamente, não pode ser pensada com o mesmo objetivo para todos os espaços. Na
América do Sul esse tipo de estudo exige um olhar muito diferente dos modelos
europeus ou norteamericanos. Com base em Walsh (2007a) vamos discutir o
posicionamento eurocêntrico como barreira para pensar o conhecimento e outras
racionalidades epistémicas no Cone Sul. Com a criação do MERCOSUL surgiu não
apenas a necessidade da integração econômica, mas também da integração
lingüística e cultural. A perspectiva intercultural atende a essas novas necessidades.
Porém, Walsh (2009) afirma que a interculturalidade nos moldes que a necesitamos
ainda não existe. Mignolo (2003) questiona a naturalidade com que aceitamos a ideia
que determinadas teorias produzidas em lugares geoistóricos e determinados
idiomas considerados superiores e têm indiscutível valor universal, enquanto outras
teorias produzidas a partir de línguas e histórias locais subalternizadas são pouco
valorizadas. Neste estudo vamos ressaltar a importância do espanhol e do português
como as línguas mais faladas no MERCOSUL e como línguas que têm um número
considerável de falantes no mundo – ocupando o 4º e o 7º lugar, respectivamente – e
da possibilidade que juntas possam vir a ser a língua mais falada do mundo.
Resumen
Actualmente, dentro de los enfoques plurales, la perspectiva intercultural se destaca,
pero, obviamente, no puede ser pensada con el mismo objetivo para todos los
espacios. En América del Sur, ese tipo de estudio exige una mirada muy distinta de
los modelos europeos o norteamericanos. Con base en Walsh (2007a) vamos a
discutir el posicionamiento eurocéntrico como barrera para pensar el conocimiento y
otras racionalidades epistémicas en el Cono Sur. Con la creación del MERCOSUR
vino no sólo la necesidad de integración económica, sino la integración lingüística y
cultural. La perspectiva intercultural atiende a esas nuevas necesidades. Sin embargo,
Walsh (2009) afirma que la interculturalidad en los marcos que la necesitamos,
todavía no existe. Mignolo (2003) cuestiona la naturalidad com que aceptamos la idea
de que determinadas teorías producidas en lugares geohistóricos y determinados
idiomas considerados superiores tienen indiscutible valor universal: En cambio, otras
teorías producidas a partir de lenguas e historias locales subalternizadas son poco
valoradas. En este trabajo vamos a enfatizar la importancia del español y del
portugués como las lenguas más habladas en el MERCOSUR y como lenguas que
poseen un número considerable de hablantes en el mundo – ocupando el 4º y el 7º
99
Instituição: Centro de Estudios Avanzados / Universidad Nacional de Córdoba
272
lugar, respectivamente – y de la posibilidad de que juntas vengan a ser la lengua más
hablada del mundo.
Palavras chave: Perspectiva intercultural; MERCOSUL; Políticas Linguísticas.
Introdução
Durante a última década, o conceito “interculturalidade” aparece cada vez com
maior frequência, especialmente no âmbito educativo. As propostas metodológicas
que encontramos atualmente dentro do ensino de línguas, especialmente de
segundas línguas, defendem o desenvolvimento de uma competência intercultural,
entendida como a habilidade para comunicar-se com pessoas de diferentes origens.
Porém, a observação de diferentes práticas educativas nos leva a pensar que nem
todos a entendemos ou a desenvolvemos da mesma maneira.
Nos Parâmetros Curriculares vigentes no Brasil está previsto o ensino de Língua
Materna e Estrangeiras dentro da perspectiva intercultural. Porém, quando
analisamos os materiais utilizados para o ensino de línguas notamos que tanto os
conhecimentos linguísticos dos estudantes, especialmente quando se trata de línguas
próximas como o Português e o Espanhol sul-americano, como seus conhecimentos
do mundo, não são levados em conta durante o processo de ensino, aprendizagem e
aquisição. Pennycook (2007) diz que os modelos de ensino idealizados pela
Lingüística
Aplicada
até
aos
anos
90,
criaram
uma
dicotomía
entre
língua/cultura/sociedade, um carácter apolítico e ahistórico e que ainda reproduzen
modelos eurocêntricos.
Atualmente, muito se discute a importância do ensino tanto da língua materna como
da língua estrangeira dentro do enfoque intercultural, mas na América do Sul esse
tipo de ensino exige um olhar muito diferente dos modelos europeus ou americanos.
Walsh (2007a) critica a aceitação do posicionamento eurocêntrico como a única
perspectiva do conhecimento que descarta a existência e viabilidade de outras
racionalidades epistêmicas e outros conhecimentos que não sejam os europeus. Esta
colonialidade do saber é particularmente evidente no sistema educativo (desde a
escola até à universidade) onde se eleva o conhecimento e a ciência europeias como o
marco científico, acadêmico, intelectual. Também está evidente no mesmo modelo
eurocentrista de Estado-nação, modelo alheio que se define a partir de somente uma
273
razão colonial[1], sob conceitos impostos e pouco afins com a realidade e a
pluralidade sulamericanas.
Com a criação do MERCOSUL, surgiu a necessidade não só de integração econômica,
mas também de integração linguística e cultural. Entretanto, Walsh (2009) afirma que
a interculturalidade ainda não existe, é algo por construir, indo muito mais além do
respeito, da tolerância e do reconhecimento da diversidade; sinaliza um processo e
projeto social e político dirigido à construção de sociedades, relações e condições de
vida novas e distintas. A autora se refere não só às condições econômicas, mas
também às que têm a ver com a cosmologia de vida em geral, incluindo os
conhecimentos e saberes, a memória ancestral, a relação com a mãe natureza e a
espiritualidade, entre outras. A autora parte do problema das relações e condições
históricas e atuais de dominação, exclusão, desigualdade, iniquidade e do conflito
que estas relações e condições acarretam, isto é, a “colonialidade” com seus quatro
eixos [2].
Os estudantes argentinos e brasileiros têm a vantagem de poder aprender o PLE
(português como língua estrangeira) ou ELE (español como língua estrangeira)
dentro da abordagem intercultural, pois os países da América do Sul compartilham
elementos culturais, históricos, geográficos, etc, que, muitas vezes, são dialógicos e se
expressam na nossa vida diária sem que os percebamos. Então, assim como a língua
materna do aprendiz serve para que o processo de aprendizagem e aquisição da LE
(língua estrangeira) aconteça de uma forma mais produtiva, estes elementos também
servem para o ensino contextualizado culturalmente e para o desenvolvimento da
competência intercultural [3] dos aprendizes. Muitos destes aspectos são parte do
legado deixado pelos povos originários que habitam/habitaram nossa terra muito
antes da chegada dos colonizadores e outros são provenientes do choque de culturas
entre os dois e que resultou na integração dos elementos trazidos pelos colonizadores
e por outros povos que contribuíram para a formação dos países sul-americanos.
De fato, chegamos a uma questão chave: não é possível ensinar uma língua/cultura
dentro da perspectiva intercultural sem apoiar-se nas ciências sociais. O caráter
transdisciplinar desta perspectiva muitas vezes é desconsiderado, mas, conforme se
explora o conceito de competência intercultural, fica mais óbvia a importância do
274
conhecimento compartilhado na construção de sentidos. Segundo Areizaga (2001). os
esquemas culturais que fazem parte do conhecimento do mundo não podem ser
transmitidos como uma informação isolada, pois são o resultado de um longo
processo de civilização.
Qual seria a função do ensino de LEs dentro da perspectiva intercultural na
América do Sul?
Em um mundo intolerante e violento, muito se fala sobre a necessidade de educar
para a alteridade. Por coincidência, esse é exactamente o objetivo do enfoque
formativo da perspectiva intercultural (Ariezaga, 2001). Não podemos pensar que
esta perspectiva se restringe a erradicar estereótipos ou preconceitos na
língua/cultura alvo, existe também um olhar sobre a própria cultura do aprendiz
que deve ser revisada antes de que ele seja apresentado a aspectos da LE.
Definitivamente, a versão histórica de América do Sul tem que ser re-pensada e reescrita, com uma visão mais realista, por sul-americanos.
Walsh (2007b) diz que é necessário criar novos lugares de pensamento dentro e fora da
universidade. Lugares de pensamento que permitam trascender, reconstruir e
ultrapassar as limitações (im)postas pela “ciência” e os sistemas de conhecimento
(epistemologia) da modernidade. Lugares que ponham em debate, diálogo e
discussões lógicas as racionalidades diversas.
Mignolo (2003) questiona a naturalidade com que aceitamos a ideia de que
determinadas teorias produzidas em certos lugares geoistóricos e idiomas
(principalmente Inglês, Francês e Alemão) são superiores, avançados e têm
indiscutível valor universal. Enquanto outras teorias produzidas a partir de línguas e
histórias locais subalternizadas (por exemplo, as teorías produzidas na Bolivia, em
espanhol, ou no Brasil, em português) são olhadas com desconfiança em relação a
sua validade universal. O autor afirma que o imaginário se constituiu ao longo da
formação da modernidade/colonialidade e mostra que houve uma colonização
epistemológica
baseada
no
etnocentrismo
e
no
eurocentrismo
dentro
da
modernidade em diversas disciplinas da ciência: filosofía, literatura, religião, etc.
Ainda afirma que os autores referenciais do pensamento moderno têm essa visão
275
negativa, soberba e arrogante, que somente alguns homens de lugares, culturas e
línguas determinadas têm direito ao pensamento, a filosofia e a ciência.
Na América do Sul, convivemos com o desconhecimento mútuo. Muito pouco
sabemos sobre nossos vizinhos, e muito pouco o ensino de ELE no Brasil ou de PLE
na Argentina fez para mudar essa realidade. A realidade é que o ensino obrigatório
de ELE no Brasil tem como base o espanhol peninsular – seja pelo poder das editoras
espanholas, pela manutenção de uma visão purista e colonial ou por falta de uma
política lingüística apropriada. Isso impede que materiais produzidos na América do
Sul tenham espaço nas instituições publicas de ensino. Na Argentina se privilegia a
variedade de prestígio do Brasil, discriminando as demais variedades. A questão
indígena ausente em todo e qualquer material de ensino das duas línguas nos dois
países bem exemplifica o problema.
Por que ensinar português na Argentina e espanhol no Brasil?
Mignolo (2003), questiona a essencialização da língua, da literatura, da cultura e do
território, demonstrando que essa equação não é ontológica, mas histórica e
construída ao longo de configurações do colonialismo moderno em um processo de
subalternização, de supressão e de silenciamiento de determinadas línguas, em
especial a dos colonizados. Porém, atualmente, o legado colonial se encontra com os
processos da globalização Este encontro se manifesta na crescente migração no
sentido (Periferia - Centro/Centro-Periferia), na diáspora, entre outros fenômenos
que subvertem as configurações nacionais guiadas pela ideologia da pureza, de uma
unidade coerente e homogênea de língua e de cultura nas fronteiras de um território.
Não apenas as migrações no sentido Periferia-Centro estão mudando as
configurações nacionais. Hoje em dia, temos que considerar também os movimentos
Periferia- Periferia que contribuem para a construção de um olhar para dentro. A
xenofobia e o preconceito que existe entre sul-americanos ainda são muito fortes e
impedem que se reconheça a importância de libertar-se do modelo purista e colonial.
Como exemplos podemos pensar em: a) no caso dos “nordestinos” e “nortistas” no
Brasil e na Argentina que sofrem com a discriminação b) O tratamento dado a
migrantes bolivianos, peruanos e paraguaios em determinados países da América do
276
Sul; c) O não reconhecimento da importância do substrato indígena nas línguas de
origem peninsular faladas pelos sul-americanos (a contribuição vai muito além do
Léxico); d) A negação das mudanças geradas tanto na língua como na cultura pela
massiva presença africana em grande parte do território sul-americano (em alguns
países podemos dizer que a língua e a cultura são muito mais parecidas à africana do
que à europeia).
Segundo Mignolo (op. cit.) as novas configurações sinalizam novos mapas
lingüísticos que já não são os mapas nacionais. Neste novo contexto a língua se
transfigura em novas formas, em uma língua limiar marcada pelo bilingüismo ou
pelo plurilingüismo, o que significa pensar entre as línguas, pensar a fronteira, o
pensamento limiar que rompe com o monolingüismo colonial e nacional. A
emergência de um pensamento limiar e uma nova língua limiar apontam para os
novos processos civilizatórios que alterem e superem as configurações históricas e
geopolíticas do ocidentalismo que marcou o sistema colonial moderno, arraigado na
colonização epistêmica e na subalterização de saberes, línguas, culturas e povos.
Conclusão
Existe uma importante diferença entre o ensino da cultura e a perspectiva
intercultural em línguas estrangeiras que ainda parece não haver sido compreendida:
o ensino de línguas estrangeiras através do estudo da cultura estrangeira visa
desenvolver a capacidade do estudante para poder expressar-se e criar hipóteses ao
comparar sua realidade com a do outro sem a necessidade de reflexão sobre as
origens dessas diferenças ou semelhanças; o ensino mediante uma visão intercultural
está destinado a fazer com que o estudante supere uma possível indiferença ante
outras culturas, de modo que o estudante possa entendê-la e faça uma interpretação
positiva sobre a pluralidade cultural e social tanto na língua/cultura alvo como en
sua própria cultura.
Os países da América do Sul compartilham muitos elementos: históricos, geográficos
e, principalmente, culturais. Apesar disso, o ensino de ELE no Brasil e o de PLE nos
países sul-americanos ainda segue modelos e teorias não idealizados para línguas
277
próximas e com tendência a passar uma imagem de nação homogênea, o que acarreta
não só o não aproveitamento de elementos que estão no conhecimiento lingüístico e
do mundo dos aprendizes, mas também inevitavelmente, a não assimilação de
valores sociais, morais e ideológicos contidos em cada informação cultural. É
necessário que os países da América do Sul adotem um modelo que faça com que se
conheçam primeiro a si mesmos para depois poder conhecer os demais países. Esta é
a ocasião perfeita para a implementação da perspectiva intercultural nos parâmetros
currículares e, principalmente, não deixá-los apenas no papel.
Muito se pesquisa sobre a interculturalidade entre América e Europa, mas, nós, sulamericanos, que convivemos sob o mesmo céu, fechamos os olhos e não nos vemos a
nós mesmos. A falta de materiais adequados e de conhecimento sobre a diversidade
linguística e cultural dos países sul-americanos continua sendo o maior obstáculo
para que o ensino de PLE e ELE cumpram a sua mais importante função: educar para
a alteridade. O ensino de PLE e ELE na América do Sul não pode ter o apredizado de
uma língua como finalidade em si mesma quando os horizontes são muito mais
amplos.
Por que o inglês tem que ser a língua franca para todas as publicações? Atualmente,
existem pesquisas sobre a importância do espanhol e do português como as línguas
mais faladas no MERCOSUL e como línguas que têm um número considerável de
falantes no mundo – ocupando o 4º e o 7º lugar, respectivamente – e da possibilidade
que juntas possam vir a ser a língua mais falada do mundo. Esse seria um caminho
para ganhar espaço no mercado editorial internacional e romper com antigas
barreiras.
[1] Maldonado-Torres (2007) criou o termo para designar a lógica e o modo de conhecer.
[2] Walsh (2008) aponta quatro eixos: a) a colonialidade do poder; b) a colonialidade do saber; c) a
colonialidade do ser; d) a colonialidade da mãe natureza.
[3] Ariezaga (2003) afirma que a competência intercultural consiste em aprender a relacionar-se com a
alteridade o que permite a formação de cidadãos capacitados para viver em sua própria comunidade,
em sociedades complexas e multiculturais e, ao mesmo tempo, preparados para a mobilidade e
identidades culturais.
278
Bibliografía:
AREIZAGA, M. E.: Cultura para la formación de la competencia comunicativa
intercultural: el enfoque formativo. Madrid: Revista Psicodidáctica Nº. 12: 157170, 2010.
El componente cultural en la enseñanza de lenguas: elementos para el
análisis y la evaluación del material didáctico. In: Cultura y educación, v.14,
n.2:161-175, 2002.
La interculturalidad en el aula de español como lengua extranjera. In: Revista
Textos de didáctica de la lengua y la literatura, n 34: 27-43, 2003.
Prácticas interculturales en la clase de lengua española para estudiantes del
programa Erasmus. In: Revista Textos de didáctica de la lengua y la literatura, n
56: 95-105, 2011.
AZIBEIRO, Nadir, E.: Educação intercultural e complexidade: desafios emergentes a
partir das relações em comunidades populares. In: FLEURI, Reinaldo Matias
(Org,) Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A,: 85107, 2003.
FLEURI, Reinaldo, M. Educação intercultural no Brasil: a perspectiva epistemológica
da complexidade. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 80, n. 195:
277-289, 1999.
(Org,). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 40 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.10ª ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2005.
KRAMSCH, C. Context and Culture in Language Teaching. Oxford: Oxford University
Press, 293 p, 1993.
2001a: El privilegio del hablante intercultural. In BYRAM, M. y FLEMING, M.
(1998): Perspectivas interculturales en el aprendizaje de idiomas. Enfoques a través
del teatro y la etnografía, Cambridge: CUP (Edición española del 2001).
279
2001b: Intercultural Communications, In: CARTER, R.; NUNAN, D. (Eds.).
The Cambridge guide to teaching English to speakers of other languages.
Cambridge: Cambridge University Press.
MIGNOLO,
Walter,
Historias
locales
/
diseños
globales.
Colonialidad,
conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo, Madrid, Akal, 2003.
OGAY, Tatiana: Por uma abordagem intercultural da educação: levar a cultura a
sério. Curitiba, Revista Diálogo Educacional, v 10, n 30: 367-387, 2010.
PENNYCOOK, A.: The Cultural Politics of English as an International Language,
Longman: London, 1994.
A lingüística Aplicada dos 90: em defesa de uma abordagem crítica. In:
SIGNORINI, I; CAVALCANTI, M. C. (Org.). Lingüística Aplicada e
transdisciplinaridade. São Paulo: Mercado das Letras: 21-46, 2007.
QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”, en
Edgardo Lander (comp.) La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias
sociales. Perspectivas latinoamericanas, Buenos Aires: CLACSO, 2000, 204.
TURBINO, Fidel. La interculturalidad crítica como proyecto ético-político. Encuentro
continental
de
educadores
agustinos,
Lima,
enero
24-28,
2005.
http//oala.villanova.edu/ congresos/educación/lima-ponen-02.html.
WALSH, Catherine.
2007a: Interculturalidad crítica / pedagogía decolonial. En: Arturo Grueso
Bonilla y Wilmer Villa (eds.), Diversidad, interculturalidad y construcción de
ciudad. Bogotá, Alcaldía Mayor de Bogotá; Universidad Pedagógica
Nacional.
2007b: ¿Son posibles unas ciencias sociales/culturales otras? Reflexiones en
torno a las epistemologías decoloniales. Nómadas 26, 102-113,
Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: las insurgencias
político-epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa: Bogotá - Colombia,
No.9: 131-152, julio-diciembre 2008
Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial. In-surgir, re-existir y revivir. In: Patricia Melgarejo (comp) Educación Intercultural en América
Latina: memorias, horizontes históricos y disyuntivas políticas, México
280
Universidad Pedagógica Nacional. – CONACIT., editorial Plaza y Valdés,
2009.
281
FORMAS DE TRATAMIENTO EN ESPAÑOL Y EN
PORTUGUÉS: UN ENFOQUE CONTRASTIVO DESDE
DESDE LA
DIACRONÍA, LA DIATOPÍA Y LA PRAGMÁTICA
INTERCULTURAL
Enrique Ricardo DOERFLINGER100
Resumen
Español y portugués presentan, a lo largo de sus desarrollos históricos, recorridos
paralelos con convergencias y divergencias en todos los planos lingüísticos. En tal
sentido, no pueden dejar de mencionarse las fórmulas de tratamiento, ámbito de la
deixis social que resulta de interés porque afecta tanto a los subsistemas gramaticales
morfo-sintáctico y léxico como a los dominios de la pragmática y de la cultura.
Proponemos en esta comunicación considerar tales fórmulas contrastivamente, en un
triple sentido:
En primer lugar, desde la diacronía, partiendo de constatar que ambas lenguas
innovaron, promediando el Medioevo, fórmulas especiales de tratamiento: Mientras
que el español obró el reacomodamiento del antiguo vos latino y creó innovaciones
como usted, el portugués hizo lo propio con la creación de você y con el empleo de o
senhor. Fuera de estas pronominalizaciones, se acuñó un nutrido repertorio de
fórmulas dignatarias, tales como: Vuestra Excelencia, Vuestra Majestad, Vuestra Señoría,
del lado hispano, y Vossa Excelência, Vossa Graça, del lado lusitano. Estas fórmulas
tendrían diversa suerte: algunas perdurarían, otras caerían en la obsolescencia.
En segundo lugar, desde la diatopía, el escenario sincrónico ostenta variados registros
de usos de tales fórmulas en español y en portugués, situación que se complejiza
cuando se analizan no sólo sus variantes diatópicas europeas sino también -y
principalmente- sus variantes americanas.
En tercer y último lugar, el enfoque contrastivo que proponemos incluye una mirada
desde una pragmática intercultural, dado que el empleo de las fórmulas de tratamiento
adecuadas a contextos sociales y culturales diversos es un complemento esencial del
funcionamiento de los códigos, puesto que contribuye al desarrollo de las
competencias comunicativa y socio-pragmática.
«Falo de plantas e de dinossauros e outros bichos, mas penso
mesmo é em gramáticas e colunas sobre língua. Também nelas
há velhos dinossauros. Por exemplo, todas, sem exeção, nos
dizem que os pronomes pessoais do caso reto são "eu, tu, ele/a,
nós, vós, eles/as". Isto mesmo. Nenhuma deixa de listar o
Facultad de Lenguas - Universidad Nacional de Córdoba. IAPCH – Universidad Nacional
de Villa María.
100
282
dinossauro "vós". Ora, este velho e desaparecido pronome —
desaparecido no uso — deveria constar, evidentemente, em um
estudo da história da língua portuguesa, mas não em uma
descrição gramatical sincrônica ou em uma gramática
normativa, ao lado de outros de uso notório e evidente. Por que
não fazemos como os ingleses, em cujas gramáticas já não se
encontra o velho "thou" (...)?»
Sírio Possenti, Mal Comportadas Línguas
Introducción, o “no basta con que te digan ‘señor’; hay que merecérselo…”
Tal vez la mayoría de los hispanohablantes –y quizás también de los lusofalantesdesconozca el significado de la palabra ‘axiónimo’, lo cual no sería de extrañar
porque, sencillamente, esa palabra no existe en español. Tampoco existe en la
mayoría de las lenguas. Curiosamente -¿o tal vez no?- la única lengua que parece
registrarla es el portugués, con sus variantes grafo-fonémicas axiónimo para Portugal
y axiônimo para Brasil. Pero, ¿qué es la axionimia y qué es un axiónimo?
El elusivo término procede del griego, pasando por sucesivas derivaciones
morfológicas desde sus elementos constitutivos
(también ‘merecimiento, mérito’) y
forma compuesta
ξία ‘dignidad, honor, categoría’
νοµα ‘nombre’ (también ‘titulo, dignidad’). La
ξιω-νυµία designaría entonces la cualidad o propiedad de que un
término sea ‘axiónimo’, es decir “Designação que se dá a forma cortês de tratamento,
ou a expressão de reverência como, p. ex., Sr., Dr., Ex.mo Sr., Vossa Santidade, etc.”
(243), tal como lo consigna la definición que ofrece el Novo Aurélio. Y si cito el Novo
Aurélio es porque el DRAE ni siquiera registra el término.
Cortesía y reverencia, menciona el inventario de Buarque de Holanda Ferreira. Tal
como está definido, los axiónimos parecerían ser una suerte de ‘ornamento del
lenguaje’, y no revestirían, quizás, mayor interés, si no fuese porque:
Proceden, en su mayoría de orígenes comunes a ambas lenguas.
Pese a lo anterior, en algunos casos han divergido en sus itinerarios evolutivos
y actualmente no siempre se corresponden sus empleos desde los puntos de
vista social y pragmático.
Algunos de los axiónimos ya se encuentran lexicalizadas en ambas lenguas.
283
Algunos de los axiónimos ya se encuentran pronominalizadas en ambas
lenguas, al punto tal que hay quienes directamente proponen denominarlos
‘pronombres de tratamiento’.
Sus empleos se encuentran altamente afectados por condicionamientos
pragmáticos.
Sus empleos se encuentran altamente afectados por condicionamientos
culturales.
Conforman una enmarañada y sofisticada red de usos sociales.
Tanto por el lado del español como por el lado del portugués, el dominio
adecuado de su uso es un componente de importancia en las competencias
lingüística, comunicativa, social y pragmática que se espera que desarrolle
todo aprendiz de ambas lenguas.
El axiónimo se constituye así, en un nodo en el que se intersectan la gramática, la
pragmática, la sociolingüística y los estudios interculturales. Su carácter de deícticos
sociales les confiere un particular estatuto de cruces epistemológicos. En lo que sigue
procuraremos, con un enfoque contrastivo entre ambas lenguas, dar cuenta de
algunas de esas características.
La Diacronía o: “de cómo un pronombre se vuelve aristocrático y luego plebeyo”
1°) Del vos plural al vos singular
El latín clásico desconocía una oposición pronominal entre tratamiento familiar y
tratamiento de respeto, tal como se puede encontrar actualmente en muchas lenguas:
sólo existía una forma para dirigirse directamente a un solo interlocutor, tu, y su
correspondiente plural vos, utilizado originalmente para varios interlocutores.
Siempre nos llamó la atención cómo fue posible que un pronombre que inicialmente
estaba en la lengua para ser utilizado con referentes plurales pasase a ser empleado
como forma solemne con referentes singulares. Todo parece indicar que la distinción
entre una forma familiar y una forma de respeto para dirigirse a un dignatario
apareció entre los siglos IV y V de nuestra era, en las postrimerías del Imperio
Romano, al decir de Kapović, “cuando se comienza a usar el pronombre de la
segunda persona de plural vos para dirigirse al Emperador” (66). Existen dos
284
hipótesis explicativas al respecto: para algunos autores ello se debería a la presencia
de dos emperadores después de la escisión del Imperio Romano, mientras que para
otros, este particular uso del vos sería la respuesta o réplica por parte de los súbditos
al nos que era utilizado por el propio emperador para referirse a sí mismo. Sería lo
que se ha dado en llamar “plural mayestático”. Como se aprecia, el porqué de esas
transformaciones pragmáticas es controversial.
Este empleo inicial del vos latino fue compartido desde antiguo por todas las lenguas
romances: Se registra, con las variantes fonológicas propias de cada lengua, en
francés, en italiano, etc. Pero veamos qué ocurrió en español y en portugués.
2°) Del vos latino al vos en español y vós en português
Si es cierto entonces que vos fue la ‘refuncionalizacón’ del viejo pronombre latino
para ser utilizado en el trato con el emperador, será comprensible entonces que, una
vez habiendo caído el Imperio, esta forma de tratamiento fuese transferida
(“heredada”) para ser empleada reverencialmente con los monarcas de los primitivos
reinos medievales. Y no sólo con los reyes: también se iría extendiendo su uso a todos
los miembros de la corte y de la nobleza. De esta manera, el pronombre vos
“singularizado” pasaría a ocupar un rango social más elevado que el tu (el que se
reservaría para tratar a “iguales” o “inferiores” en el escalafón social. Es decir que
ambos pronombres ostentarían el rasgo pragmático [+/-distancia] respectivamente).
Pero todavía perduraría su uso original con referentes plurales.
Se produciría entonces una suerte de desdoblamiento referencial del vos:
IMPERIO
MEDIOEVO
SINGULAR: tu
Vos [+ distancia]
tu [- distancia]
PLURAL: vos
vos
Estos empleos bifurcados de vos están atestiguados en textos del período arcaico de
ambas lenguas. Para el castellano arcaico, por ejemplo, en el poema épico de Mío Cid,
tenemos:
285
Vos con referente singular:
“Yo vos pido merced a vos, Rey natural” (línea 2131)
(Trad. “Os pido una gracia a vos mi Rey por naturaleza”)
Vos con referente plural:
“Raquel e Vidas (…)
por siempre vos faré ricos, que non seades menguados” (líneas 106-108)
(Trad.: “Raquel y Vidas (…), os haré ricos para siempre, para que no paséis
necesidad”)
Otro tanto ocurre en portugués arcaico:
Vos con referente singular:
“No mundo non me sei parelha
mentre me for como me vai,
ca ja moiro por vos e ai!” (Cantiga da Garvaia, s. XIII)
(Trad. “No hay nadie en el mundo que se me asemeje, mientras me fuere como me va,
porque muero por vos y ¡ay!”)
Vos con referente plural:
“Levade-me vosc’, ay, amigos meus” (S. XIII, Cantiga à Santa Maria 5.142)
(Trad.: “Llevadme con vosotros, ay, amigos míos”)
Otro rasgo que puede observarse a partir del empleo del vos con referente singular es
que no sólo comenzó a empleárselo para tratar al rey y a otros personajes cortesanos,
sino que también sería utilizado por el varón como forma de tratamiento para con la
mujer amada, dentro de lo que se denominaría precisamente como el ‘amor cortés’101.
Significa entonces que, ya en los respectivos períodos medievales de español y
101
Lo que se ve reflejado en las numerosas Cantigas d’Amor medievales galaico-portuguesas.
286
portugués, esta forma pronominal sería empleada con fines más ‘prosaicos’ y menos
formales que el trato ceremonioso que se le debía al monarca y a los cortesanos.
Ahora bien: si llegamos a un punto de convergencia en el que, durante algún tiempo,
español y portugués utilizaban vos con estos usos reverenciales y amatorios, en algún
momento dado ambas lenguas produjeron una innovación compartida, que sería
verdaderamente revolucionaria: empezaría a dejar de ser ‘bien visto’ el empleo de
una forma pronominal directa para tratar reverencialmente al interlocutor y se
pasaría a utilizar una indirecta, un sintagma nominal compuesto por el pronombre
posesivo correspondiente a vos y el nombre ‘merced’, y que sintácticamente se
corresponde con la flexión verbal de tercera persona gramatical. Esto probablemente
esté vinculado con la cortesía102 verbal: el apelar a un circunloquio de tercera persona
gramatical para referirse a una segunda persona ‘física’ a la que se le debe suma
reverencia, se percibe como más ‘cortés’ que hacerlo de manera directa con el
pronombre tú. Las expresiones así creadas, transitando diversas evoluciones
fonológicas darían:
ESPAÑOL: Vuestra Merced →
LATÍN:
mercede(m)
vostra(m) Usted
PORTUGUÉS: Vossa Mercê →
Você
Una vez acuñadas estas fórmulas mutuamente ‘calcadas’, ya nada sería igual en el
futuro. El romance español haría evolucionar esa fórmula de tratamiento reverente,
pasando por múltiples variantes: voacé, vucé, vuced, vuesa merced, vuesarced,
vuesançed, vusted, etc., hasta llegar finalmente a usted. Por su parte, el portugués
haría un recorrido análogo: vosmercê, vomercê, vossarcê, vossacê, etc., hasta unificarlas
en você.
Tanto en el sentido más propiamente etimológico del término: “forma de tratamiento
propia de la Corte”, como en el más moderno que le asigna la pragma-lingüística...
102
287
Uno podría esperar que, de allí en más, ambas lenguas utilizarían esos respectivos
pronombres de la misma manera. Pero nada más lejos de los hechos, y ello porque
cada lengua produciría drásticas innovaciones.
El caso del español
El español introduciría una importante novedad: la creación de dos nuevas formas
pronominales plurales.
Como el viejo pronombre latino vos venía siendo utilizado también con referentes
singulares, resultó necesaria la creación del pronombre vos-otros (a partir de la
composición latina vos + alteros), para desambiguar a aquél, y como contrarréplica,
análogamente se crearía nos-otros (< nos + alteros). Ya casi nunca más habría
ambigüedad referencial de número en cuanto al vos español 103 . El sistema ahora
quedaría:
SINGULAR
PLURAL
Yo
Nosotros
Vos
Vosotros
Pero ahora sí habría ambigüedad pragmática por el lado del vosotros, porque el
subsistema de 2ª persona quedaría:
SINGULAR PLURAL
TRATAMIENTO
[+ vos
vosotros
[- tú
vosotros
REVERENTE]
TRATAMIENTO
REVERENTE]
Tómese nota de que con este estado momentáneo de situación, finalizando el S. XV,
la lengua española llegaría a América. Las cosas luego cambiarían.
Porque casi inmediatamente después (inicios del S. XVI) entraría “un tercero en
discordia” en esta disputa axionímica: la fórmula recientemente creada vuestra merced
Y en cuanto al empleo de la antigua forma nos, no desaparecería del todo. La tradición
jurídica hispano-americana conservó algunos empleos arcaizantes. Recuérdese el inicio del
Preámbulo de la Constitución Argentina. “Nos, los representantes del pueblo de la Nación
Argentina…”
103
288
(> (v)usted) y su respectivo plural vuestras mercedes (> (v)ustedes). La pregunta que
surge es obvia: ¿dónde se incorporaron estas fórmulas en el subsistema pragmático
de tratamiento? Pues se las colocaría en el escalón superior de este ‘podio’, por
considerárselas más formales y reverentes todavía que vos y vosotros. El sistema
ahora quedaría configurado con tres posiciones pragmáticas:
SINGUL
PLURAL
AR
[+ (v)usted
TRATAMIENTO
(v)ustede
REVERENTE]
s
TRATAMIENTO [- REVERENTE] vos
vosotros
TRATAMIENTO [+ FAMILIAR]
tú
vosotros
Pero en España ocurriría algo muy curioso: el vos caería todavía un peldaño más en
el ‘podio’, situándose por debajo del tú, es decir se haría más “plebeyo”.
SINGULAR PLURA
L
[+ (v)usted
TRATAMIENTO
REVERENTE]
(v)usted
es
TRATAMIENTO [+ FAMILIAR]
tú
vosotro
s
[- vos
TRATAMIENTO
REVERENTE]
vosotro
s
E inclusive ocurriría algo todavía más dramático: vos no solamente sería considerado
en un momento dado, en la corte española, como “menos” reverente, sino que
pasaría a ser considerado directamente como “irreverente”, es decir como
“irrespetuoso”:
SINGULAR PLURAL
TRATAMIENTO
[+ (v)usted
289
(v)ustede
s
REVERENTE]
TRATAMIENTO
[+ tú
vosotros
FAMILIAR]
vos
TRATAMIENTO
vosotros
“IRREVERENTE”
¡Curioso destino el que tuvo el viejo pronombre latino, el de verse degradado
socialmente de esa manera!
Ahora bien, lo que ocurrió en América fue muy notable, porque mientras se estaban
dando estos cambios pragma-lingüísticos en la metrópoli, se estaba simultáneamente
conquistando y colonizando el Nuevo Mundo. Los Virreinatos y administraciones
que se estaban creando tendrían destinos bien diferentes: había regiones más ricas y
prestigiosas, herederas de civilizaciones precolombinas, como México, o Lima, a las
cuales las innovaciones lingüísticas peninsulares llegaban relativamente pronto (se
mantenían más “actualizadas”), en tanto que otras, como el Caribe, América Central,
Chile, Paraguay y el Río de la Plata, más pobres y marginales, menos favorecidas por
el interés de la corona española, tardaban más tiempo en enterarse de estos cambios.
Ésa es la razón por la cual el voseo, que ya estaba siendo mal visto en España, tendría
una desigual distribución en la América española. Volveré sobre este tópico más
adelante.
(Aquí se impone una breve digresión: El utilizar el pronombre personal vos como
pronombre de tratamiento en lugar de tú es el fenómeno conocido en español como
voseo. El voseo es un fenómeno lingüístico dentro de la lengua española en el que se
emplea el pronombre vos junto a ciertas conjugaciones verbales particulares para
dirigirse al interlocutor en lugar de emplear el pronombre "tú" en situaciones de
familiaridad; por extensión se puede referir al mero uso del pronombre vos.)
El Caso del Portugués
Paralelamente, ¿qué estaba sucediendo en la lengua lusitana? Un reacomodamiento
de los axiónimos y pronominalización de algunos de ellos, de manera similar a la vez
que diferente al proceso que se venía dando en el español.
290
Una de las grandes diferencias sería que el portugués no innovaría formas plurales
análogas a las españolas nosotros y vosotros. Seguiría siendo utilizado por algún
tiempo el viejo sistema derivado del latín (con los esperables cambios fonológicos):
SINGULAR
PLURAL
ego > eu
nos > nós
tu > tu
vos > vós
Y también, desde el punto de vista pragmático, habría cierta ambigüedad en el
empleo de vos, porque el sistema para la segunda persona quedaría:
TRATAMIENTO
SINGULAR
PLURAL
vós
vós
tu
vós
REVERENTE
TRATAMIENTO
FAMILIAR
Esta situación se
daría durante la primera mitad de la Edad Media,
aproximadamente. Hasta aquí este proceso se asemeja al del español. Y en portugués
también entraría, casi por la misma época en que lo hizo en español, el “tercero en
discordia”. Dijimos anteriormente que se había creado análogamente en portugués la
fórmula de tratamiento Vossa Mercê, origen del Você, y su respectivo plural Vossas
Mercês (> Vocês). Nuevamente se impone la pregunta: ¿dónde se insertaría você(s)?
Pues en el escalón más alto del podio, por encima del vós:
SINGULA
PLURAL
R
TRATAMIENTO
[+ você
vocês
[- vós
vós
REVERENTE]
TRATAMIENTO
REVERENTE]
TRATAMIENTO [+ FAMILIAR] tu
291
vós
Con el tiempo el você singular ‘absorbería’ el vós singular, el que quedaría relegado
casi exclusivamente para usos extremadamente formales y para su uso plural, en
coexistencia con vocês. Y esto comenzaría a provocar una cierta perturbación en el
sistema, porque, por un lado, você pasaría a ser usado con más o menos reverencia, y
por el otro lado ejercería una “presión hacia abajo” del rasgo pragmático [+
familiaridad] en el empleo del tu:
SINGULAR PLURAL
TRATAMIENTO
[+/-
REVERENTE]
Vós / você
[+ tu
TRATAMIENTO
vocês
vós
vós
FAMILIAR]
Con el tiempo se produciría una nueva perturbación en el sistema, que se daría
cuando vós plural pasaría a ser utilizado con mayor reverencia que vocês, es decir se
produciría una inversión pragmática:
SINGULAR
TRATAMIENTO
[+
/
-
REVERENTE]
você
TRATAMIENTO [+ FAMILIAR] tu
PLURAL
vós
vocês
vós
Y posteriormente vós ejercería también una presión hacia abajo y empujaría a vocês
directamente a un tratamiento [- reverente], [+ familiar]:
SINGULAR
TRATAMIENTO
[+
/
- você
PLURAL
vós
REVERENTE]
TRATAMIENTO [+ FAMILIAR]
tu
vocês
Pero ocurriría todavía algo más en portugués: la irrupción de un “cuarto personaje” en toda
esta compleja historia. Al percibirse que você había desdibujado su carácter inicial de
292
funcionar como forma de tratamiento reverente, resultó necesario introducir una nueva
forma de tratamiento que satisficiese esa necesidad de la deixis social. Se incorporaría de este
modo el axiónimo o senhor/a senhora, que pasaría a ocupar el lugar de privilegio en el podio:
SINGULAR
TRATAMIENTO [+ REVERENTE]
PLURAL
O/A
Senhor/a
TRATAMIENTO [ - REVERENTE]
você
TRATAMIENTO [+ FAMILIAR]
tu
vós
vocês
Y cuando este axiónimo se pluralizó gramaticalmente y su uso se generalizó a la mayor parte
de la geografía de habla portuguesa, acabaría empujando y desplazando a vós hacia usos
muy regionales y arcaizantes:
PLURAL
SINGUL
USO
AR
GENERA RESTRINGIDOS
USOS
L
TRATAMIENTO
[+
REVERENTE]
TRATAMIENTO
[
O/A
Os/As
Senhor/a
Senhor/a
En ciertas regiones
s
de Portugal
En ciertos ámbitos
- você
REVERENTE]
TRATAMIENTO
Vós
vocês
[+ tu
FAMILIAR]
‘arcaicos’
(Iglesia,
fórmulas
de
juramento, etc.)104
El “estallido” de axiónimos en ambas lenguas
Así como acabamos de ver que en etapas formativas de las lenguas española y
portuguesa se produciría toda una serie de novedades, dado que algunos
Con este uso arcaizante se lo puede encontrar en rezos católicos, en juramentos a la
bandera, en juicios, etc. Ilustro con el siguiente texto de Internet, extraído del blog de un
habitante de Açores con aparentes ideas nacionalistas (¿y ‘separatistas’?): “Açoreanos: Jurais
defender
esta
terra
até
ao
vosso
último
aliento?”
(En:
http://carlosmelobento.blogspot.com.ar/2008/01/soou-hora.html)
104
293
pronombres latinos se reacomodarían, se crearían otros nuevos y ciertos axiónimos
se pronominalizarían, aún no se daría por concluida esta verdadera revolución en las
formas de tratamiento.
Porque falta presentar nuevos personajes en esta compleja obra teatral: se hace
necesario incluir la extensísima lista de axiónimos altamente sofisticados que ambas
lenguas acuñarían, muchos de los cuales todavía tienen vigencia al día de hoy,
aunque con una distribución bastante dispar. Las razones de esta proliferación de
axiónimos entiendo que hay que buscarlas en las respectivas historias de las naciones
española y portuguesa. Cuando los reinos medievales peninsulares (Portugal, León,
Castilla, Aragón, Cataluña…), surgidos en el contexto histórico de las luchas por la
Reconquista
contra
los
moros,
se
fueron
configurando,
sus
estructuras
administrativas ve fueron volviendo cada vez más burocráticas y complejas. Los
primitivos reinos medievales eran inicialmente organismos estatales más simples.
Pero con el avance de los siglos, en torno al rey se congregaría una corte de
instituciones y funcionarios con atribuciones cada vez más especializadas: estarían
las Cancillerías, las Embajadas, los Juzgados, los Nuncios Apostólicos, los Doctores
en Leyes, etc.; y desde el S. XVI, con la conversión de los reinos en imperios, se
incorporarían los Adelantados, los Virreyes, los Regentes, los Corregidores, etc. Ello
sin contar a todos los componentes de la nobleza que ya existían desde tiempo atrás:
condes, marqueses, barones, duques...
La aparición de cada uno de estos nuevos funcionarios requeriría que las respectivas
lenguas se acomodasen a esta nueva realidad social: se hacía necesaria la creación de
expresiones que estuviesen a tono con la jerarquía, la dignidad y el trato honorífico
que emanaban de sus cargos. En consecuencia, ya no resultaban suficientes las
formas de tratamiento “Usted”, “Você” y “O Senhor” que el español y el portugués
habían generado. Cada nuevo cargo, cada nuevo funcionario reclamaba para sí
sofisticadas formas de tratamiento105.
Así fue cómo, finalizando la Edad Media e iniciando la Modernidad, las lenguas
española y portuguesa se irían saturando de elaborados axiónimos.
Y en ocasiones hasta había pleitos si una autoridad no recibía el trato que su jerarquía
exigía.
105
294
Como el listado para ambas lenguas es sumamente extenso, daremos una versión
acotadísima del mismo, haciéndolo en forma contrastiva.
Muchos de estos axiónimos conforman lo que hoy en día se conoce como formas
protocolares, y la adecuada utilización de éstas ha pasado a integrar la disciplina de
etiqueta que precisamente se denomina “Ceremonial y Protocolo”. Si bien en general
se encuentran bastante estandarizadas para cada país de habla española y lusitana,
pueden diferir bastante entre sí, porque pueden estar condicionadas por razones
históricas y políticas. Veamos algunas de ellas:
ESPAÑOL
PARA DIRIGIRSE A PORTUGUÉS
AUTORIDADES MONÁRQUICAS Y CARGOS NOBILIARIOS
Su/Vuestra
(Graciosa)
Sua/Vossa Majestade
El rey y la reina
Majestad
Alteza,
Su
Alteza
Sua/Vossa Alteza
(Serenísima) o su Alteza Príncipes
Real
Ciertos
Títulos
Su/Vuestra Excelencia
Sua/Vossa Graça
Nobiliarios
AUTORIDADES CIVILES
Sua/Vossa
Excelência
(Portugal)
Su/Vuestra Excelencia
Presidente
de
la Sua/Vossa
Excelência
o:
Excelentísimo República
(Brasil)
Señor/a…
Ministros
Excelentíssimo Sr./Sra.
(en España y algunos Gobernadores
(Presidente da República,
países
Diputados
Ministro
de
Estado,
hispanoamericanos)
Governadores, Deputados
Federais
e
Estaduais,
Prefeitos, Embaixadores)
Sr. Ministro
Sua Excelência (Portugal)
(en América hispana en Ministro
Vossa Excelência (Brasil)
general)
Vossa Excelência
Sr. Embajador
Embajador
España,
América:
(Sr.
Alcalde/Sr. Alcalde, Intendente
Vossa Excelência
Intendente
Portugal,
Brasil:
Prefeito
(Sr.) Senador
Senador
Vossa Excelência
Sr./a Rector/a Magnífico
Rector y Vicerrector Vossa Magnificência
(en España)
de Universidad
(en Portugal y en Brasil)
Sr./a. Rector/a
295
(en América)
AUTORIDADES JUDICIALES
Excelencia
Presidente
Excelentísimo Señor
Tribunal
Sr. Juez
Juez
Su Excelencia
Su/Vuestra Señoría
juez
AUTORIDADES ECLESIÁSTICAS
Su/Vuestra Santidad
Papa
Eminentísimo Sr.
Arzobispo
Reverendísimo Sr.
Obispo
Monseñor
Padre
Cura
de
Vossa Excelência
Meritíssimo Juiz
Vossa Senhoria
Vossa Santidade
Vossa
Eminência
Reverendíssima
Padre
La precedente es, repito, sólo una pequeñísima muestra de las formas de tratamiento
existentes en las lenguas española y portuguesa que se fueron creando
principalmente desde el siglo XVI en adelante. Presentar un listado completo es una
tarea bastante dificultosa por varios motivos, entre otros:
1. Aún no se ha hecho un inventario exhaustivo de los axiónimos, tanto para
el mundo de habla hispana como para el mundo de habla portuguesa.
2. Tal inventario tendría que contemplar a todos los ámbitos de la actividad
en los cuales es posible asignar un axiónimo. Dichos ámbitos no se refieren
exclusivamente a los del poder político, nobiliario y eclesiástico; hoy en día
también se consideran axiónimos los cargos militares de las diferentes
armas (Capitán, Teniente, Coronel, General, Almirante, etc.), los títulos
profesionales
(Ingeniero-a, Arquitecto-a,
Abogado-a,
etc.),
los
títulos
académicos (Profesor, Licenciado, Doctor, Doctor Honoris Causa, etc.). Y cada
uno requiere de tratamientos específicos.
3. Debe también tenerse en cuenta la amplísima variación de uso de los
axiónimos que se registra en los diferentes territorios de habla española y
portuguesa. En efecto, estas formas de tratamiento, si bien están en general
bastante estandarizadas, no funcionan de manera unívoca entre Portugal y
Brasil, de una parte, ni entre España y los países hispanoamericanos, de la
otra. Muchas veces no existe una correspondencia isomórfica de país a
país.
296
4. También debe tenerse en suma consideración el aspecto diacrónico:
¿cuántas de estas formas de tratamiento aún tendrán vigencia y cuántas
habrán caído en el olvido?
Diatopía o: “de cómo algunos países son más aristocráticos que otros”
Como dijimos anteriormente, los empleos de los axiónimos en español y portugués
registran notables variaciones de uso en las diferentes latitudes donde se hablan
estas lenguas. Por el momento detengámonos solamente en las diversas variantes
que se registran solamente para los axiónimos pronominalizados, es decir:
tú/vos/usted por el lado del español y tu/você/o senhor por el lado del portugués.
Resumamos la situación que en líneas generales se presenta actualmente mediante
un cuadro, que cruza al mismo tiempo la variable diatópica con la variable
pragmática formalidad/informalidad en el trato a la segunda persona en ambas lenguas.
El cuadro, ciertamente, no agota todas las posibles distribuciones geográficas de los
axiónimos pronominalizados, aunque pretende ser representativo:
SEGUNDA
PERSONA
SINGULAR
INFORMAL
ESPAÑOL
(PENINSULAR,
tú
GUINEA
ECUATORIAL,
MARRUECOS)
ESPAÑOL DE
AMÉRICA,
PARTES
DE
ANDALUCÍA
(SISTEMA
ALTERADO:
P.EJ.: USTEDES
tú o vos
ESTÁIS) Y LAS
ISLAS
CANARIAS
DONDE
EL
SISTEMA
ANTERIOR
REEMPLAZA
SEGUNDA
PERSONA
SINGULAR
FORMAL
SEGUNDA
PERSONA
PLURAL
INFORMAL
usted (antiguo vosotros
o
literario) (masc.)
vos, vuecencia,
vosotras (fem.)
usía, etc.)
SEGUNDA
PERSONA
PLURAL
FORMAL
ustedes
ustedes
(vosotros,
vosotras,
en ustedes
poesía,
himnos...)
usted
297
A ÉSTE
o
senhor/a
PORTUGUÉS
senhora (más vocês
(DE
tu
vós (arcaico,
PORTUGAL Y
formal)
vós
(uso
DE
LOS
você
literario
o
regional)
PALOPs
EN
vós (arcaico o regional)
GENERAL)
literario)
você
o
senhor/a
vocês
tu
(uso senhora
PORTUGUÉS
vós (arcaico o
(BRASIL)
regional
y vós (arcaico o
literario)
literario
literario)
os senhores/as
senhoras
os senhores/as
senhoras
Hay algunas observaciones de tipo general que podemos hacer respecto de esta
distribución:
Mientras que en Portugal hay un empleo generalizado del tuteo, en Brasil su uso está
mucho más restringido a ciertas zonas territoriales y a ciertos empleos estilísticos y
literarios. En consecuencia, Brasil ha hecho del axiónimo pronominalizado você su
marca de identidad por antonomasia.
Es imposible decir lo mismo en el caso del mundo de habla hispana en lo que
respecta a voseo y tuteo. Los usos de estos axiónimos pronominales varían
notablemente, no sólo en el plano diatópico (de país en país y a veces en el interior
de cada país), sino también en el nivel diastrático: así, mientras que en algunos países
como Argentina o Paraguay el voseo está absolutamente extendido y aceptado (ya
forma parte inclusive de las variedades estándares de los respectivos países), y el
tuteo se percibe como muy extraño y afectado, en otros es a la inversa: es el tuteo la
norma, y el empleo de vos se halla muy desprestigiado. Por caso, Uruguay ha sido un
país tuteante en buena medida, pero la cercana influencia de Buenos Aires está
haciendo que en los últimos años se incline cada vez más a favor del voseo, y el tuteo
está quedando restringido a regiones orientales del país. En otros países el voseo, si
bien registra usos, está mal visto, estigmatizado como marca proveniente de registros
campesinos o urbanos vulgares.
Es más: en varias naciones hispanoamericanas ha habido hasta la intención
(expresada por algunos intelectuales o incluso ejecutada a través de ciertas
decisiones gubernamentales) de extirpar el voseo, como si fuese un verdadero
“cáncer lingüístico”. En Chile, por ejemplo, el célebre gramático Andrés Bello hizo
298
una fuerte campaña condenatoria del voseo. Y quien fuera profesor del Colegio de
Monserrat perteneciente a esta Universidad Nacional de Córdoba Antonio Catinelli
decía:
¿Cuál es la actitud que el profesor y el maestro deben adoptar ante el
voseo? ¿Deberán considerarlo como una modalidad lingüística
aceptable o como un rasgo censurable? Nos inclinamos por lo segundo,
porque el voseo da un aire rústico y plebeyo al habla. […] este rasgo
lingüístico constituye una verdadera mancha del lenguaje argentino y
algo así como una viruela de la frase rioplatense. De ahí que en nuestra
opinión el docente debe desarrollar una acción continuada y tesonera
en orden a su progresiva eliminación. (12) (las negritas son nuestras)
Para complicar aún más las cosas, el voseo americano registra muchas variantes
morfológicas: vos cantáis, vos cantas, vos cantái, vos cantás…
Brasil afortunadamente parece librarse de estos prejuicios y de los problemas
mencionados anteriormente, porque el uso de você es de curso generalizado, y
además tiene una única forma flexiva en tercera persona gramatical.
Pragmática Intercultural o: “¿Por qué vosotros todavía tenéis reyes?”
¿Por qué consideramos que las formas de tratamiento o axiónimos son un tópico de
la lengua que también amerita ser abordado desde una pragmática intercultural?
En primer lugar porque, como dijimos al inicio, los axiónimos, tanto los
pronominalizados como los que no lo están, funcionan desde un punto de vista
pragmático como deícticos, particularmente como deícticos sociales. Pero la deixis es
un fenómeno lingüístico que excede los límites gramaticales: es antes que nada un
fenómeno ligado a la enunciación, y por lo tanto su ámbito propio es el de la
pragmática.
Detrás de toda opción por uno u otro axiónimo de los que ofrecen las lenguas hay
decisiones que no son inocentes, hay intencionalidades, hay, en términos de Searle
‘fuerza ilocutiva’; existen determinados propósitos, y su uso puede provocar efectos
perlocutivos: querer achicar o agrandar la distancia con el interlocutor, querer
persuadirlo, ganar su confianza, expresar familiaridad o por el contrario querer
reducirla, etc. En ocasiones, el brusco cambio en la modalidad de tratamiento
utilizada, puede hasta provocar conflictos diplomáticos. Nos viene a la memoria la
299
famosa anécdota que hace algunos años, en ocasión de celebrarse la Cumbre de
Presidentes Iberoamericanos en Santiago de Chile, protagonizaron el rey de España
Juan Carlos de Borbón y el presidente de Venezuela Hugo Chávez. El monarca,
irritado porque Chávez interrumpía con frecuencia al (por aquel entonces)
presidente de España Rodríguez Zapatero, le disparó al mandatario venezolano su
célebre “¡Por qué no te callas!”. El súbito cambio de tratamiento protocolar de “usted”
a “tú” es bastante ilustrativo de las intencionalidades pragmáticas a las que estamos
haciendo referencia.
En segundo lugar, porque el funcionamiento de los axiónimos resulta un elemento
muy sensible para observar el espectro de comportamientos sociales y culturales que
exhibe una sociedad.
Resulta interesante en este sentido prestar atención a las percepciones que tanto los
especialistas en lengua como los propios hablantes se forman sobre los usos de los
pronombres de tratamiento. En un foro de debate en Internet llamado Wordreference se
planteó un interesante intercambio de pareceres respecto de los usos de vós y você. De dicho
Foro escogí el siguiente comentario hecho por (nombre ficticio) ‘Olivinha’, brasileña:
Do vós eu só me lembro da época da decoreba para as classes de português e
dos domingos, quando a minha mãe me obrigava a ir a missa, ouvir o padre
dizendo:
“Tomai
e
comei
todos
vós.”
Apesar de tudo, não posso deixar de “confessar” que acho bonito quando
escuto, ou melhor, leio (na maioria das vezes da pluma de Machado de Assis)
um
verbo
conjugado
em
vós
com
a
maior
naturalidade.
E o “vosotros/as” que me disseram que já não se usa? Estudando espanhol
quando vivia nos EEUU, me disseram (professores!) que “no hacía falta
aprender a conjugar el verbo en la segunda del plural”, que se usa “ustedes” y
no “vosotros”… ¿Vosotros, qué vosotros? Agora, vivendo na Espanha,
300
descubro que o vosotros está tão vivo (na Espanha) como qualquer das outras
“pessoas”, e cada vez que tenho que utilizar-lo, siempre me sai o “ustedes”.106
España es un estado monárquico, que aún conserva profundas e inveteradas
tradiciones cortesanas y nobiliarias. En el caso de Portugal, si bien no hay
monarquía, aún existe una pequeña y antigua casta nobiliaria, y los herederos de la
Casa de Braganza aún reclaman sus derechos a la corona... Brasil hace tiempo que
dejó de ser Imperio y tanto allí como en la América Hispana tenemos gobiernos
republicanos. Sin embargo, ¿hasta qué punto influyen todavía estas viejas tradiciones
monárquicas en la cultura de los pueblos hispanófonos y lusófonos? ¿En qué medida
repercuten estas diferentes realidades políticas en el empleo de las formas de
tratamiento y viceversa?
¿Cuánto de los antiguos y medievales tratos ceremoniosos, cuánto de ‘monárquico’
han conservado todavía nuestros pueblos?
Conclusiones… de algo que no concluye
Para finalizar, sólo queremos compartir, en el espacio que nos brindan estas Jornadas,
algunas consideraciones finales e interrogantes que nos surgieron al abordar esta
problemática:
Creemos que el tema de la axionimia amerita ser estudiado en profundidad para
ambas lenguas, porque tiene incidencias en varios campos epistemológicos y de la
praxis social. Hacerlo contrastivamente y desde perspectivas interdisciplinarias
podría ser sumamente enriquecedor.
¿Estamos estudiando con el debido detenimiento las posibles correspondencias –o
no- en los empleos de los axiónimos pronominales españoles y portugueses, de
manera contrastiva en todos los posibles contextos socio-pragmáticos:
Intervenciones extraídas del sitio web:
http://forum.wordreference.com/showthread.php?t=290872&page=2&s=7bcad670d7ea9151
b403dd30e56aa324
106
301
ESPAÑOL
Usted
PORTUGUÊS
?
O senhor
Vos
Você
Tú
Tu
y sus respectivos plurales?
¿Qué representaciones sociales tienen las numerosas formas reverenciales de
tratamiento? ¿Cómo son percibidos los sofisticados tratamientos honoríficos por
nuestros pueblos? ¿Acaso se percibirán como violencias clasistas cristalizadas en el
lenguaje? Recordemos, en este sentido, cómo, durante la Revolución Francesa, época
en la que rodaron tantas cabezas, fueron prohibidos los empleos de los axiónimos
Monsieur y Madame, por considerárselos propios del ancient régime monárquico y se
quiso
sustituirlos
por
citoyen/citoyenne,
más
acordes
con
los
principios
revolucionarios…
Entonces, ¿se tienen en cuenta las percepciones de los pueblos, las percepciones que los
propios hablantes reales de carne y hueso tienen acerca del empleo de las formas
lingüísticas de tratamiento? ¿No será hora de prestarles atención?
Por ejemplo, ¿qué grado de correspondencia de usos sociales se pueden observar en
el empleo, tanto en español como en portugués, de una forma de tratamiento tan
extendida y popularizada en ambas culturas como Don/Dom? ¿Existen coincidencias
o prevalecen las diferencias de uso? ¿Y qué decir de los empleos del axiónimo (“título
académico”) Doctor/Doutor? ¿Se lo utiliza de manera análoga? ¿Se lo utiliza en otros
países, como estila hacerse en la Argentina, incluso con profesionales de las leyes o
de la medicina que no tienen hecho un doctorado?
¿Cuánto pueden hablar estos usos acerca de los comportamientos colectivos a uno y
otro lado de nuestras fronteras geográficas, lingüísticas y culturales?
¿Estamos enseñando en nuestras aulas de español y portugués el tema de la
axionimia con la importancia que parecen merecer?
¿Podría pensarse siquiera en la posibilidad, para los países que conforman el
MERCOSUR, de hacer una especie de intervención lingüística, estandarizando las
302
formas de tratamiento, al menos de un cierto número de ellas que puedan estar
siendo de hecho compartidas por las naciones integrantes?
¿Estarían las respectivas naciones miembros dispuestas a hacer lo anterior, o
prevalecería el peso de las tradiciones culturales, que ofrecerían fuertes resistencias?
Así como Sírio Possenti (citado como epígrafe de esta comunicación) se lamenta del
empleo del “dinosaurio” pronominal vós, nos preguntamos, y sin intención de
ofender a nadie: ¿no será quizás también exagerado y anacrónico el empleo del
axiónimo portugués Vossa Magnificência para referirse al rector de una universidad?
¿No será exagerado y anacrónico el empleo que todavía en muchas de nuestras
naciones se hace del axiónimo Excelentísimo para referirse a un/a presidente o
Ilustrísimo para referirse a un (arz)obispo? ¿No bastaría con el empleo de Senhor/
Reitor/a o Señor/a Presidente, o Señor (Arz)obispo (por poner sólo un par de ejemplos)?
¿No resulta una complicación innecesaria para los ciudadanos de los países
mercosurenses el tener que ‘lidiar’ con tamaña cantidad de rebuscados superlativos
axionímicos? ¿Acaso la realeza no nos resulta ajena y la Edad Media no quedó
mucho tiempo atrás?
Somos conscientes de que algunos de estos interrogantes pueden suscitar polémicas,
pero bueno, bienvenidas sean, porque entendemos que éste es uno de los objetivos
de este tipo de encuentros.
Si vos queréis, se vós quereis...
BIBLIOGRAFÍA
Anónimo: Poema del Cid. Buenos Aires: Losada 1978.
Buarque de Holanda Ferreira, A. (1999) Novo Aurélio Século XXI. O Dicionário da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Cano, R. (Coord.) (2004) Historia de la Lengua Española. Barcelona: Ariel Lingüística.
Catinelli, A. (1974). El Español en América y en la Argentina, Córdoba: Edición del
Centro de Estudios de la Lengua.
Da Cunha, A. G. (2007). Vocabulário Histórico-Cronológico do Português Medieval. Rio de
Janeiro: Fundação Casa do Rui Barbosa (Ministério da Cultura). CD Rom.
303
Fernández Rodríguez, M. (2003) Constitución del Orden Social y Desasosiego:
Pronombres de Segunda Persona y Fórmulas de Tratamiento en Español. Ponencia
presentada en el II Pronoms de 2e personnne et formes d’adresse dans les
langues
de
Europe,
Paris,
7-8-
mayo
2003.
[http://cvc.cervantes.es/lengua/coloquio_paris/indice.htm]
Fontanella de Weinberg, M. B. (1992) El Español de América, Madrid: MAFRE.
Kapović, M. (2007): Fórmulas de Tratamiento en Dialectos del Español; Fenómenos de
Voseo
y
Ustedeo,
en
Hyeronimus
I.
65-87.
[http://www.unizd.hr/Portals/43/broj_1_2007/Marko_Kapovic_Voseo_y_u
stedeo.pdf]
Lipski, J. (1996) El Español de América, Madrid: Cátedra.
Possenti, S. (2000). Mal Comportadas Línguas, Curitiba: Criar Edições.
Quinteros de Creus, S. y J. de A. Baladão (2008), Construcción Identitaria en el
Paradigma Voseante Rioplatense. Un proceso de interacción lingüística y
sociocultural. Actas del VIII Congreso de Lingüística General, Madrid.
[http://www.lllf.uam.es/clg8/actas/pdf/paperCLG27.pdf]
Real Academia Española de la Lengua (2001) Diccionario de la Lengua Española.
Madrid, 22° edición. [http://www.rae.es/rae.html]
Spina, S. (comp.) (2008): História da Língua Portuguesa. São Paulo: Atelie Editorial.
Teyssier, P. (1997) História da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes.
304
OS SEIS POEMAS GALEGOS
GALEGOS
DE FEDERICO GARCÍA LORCA:
UMA PONTE ENTRE A LUSOFONIA E A HISPANIDAD.
Francisco Javier CALVO DEL OLMO107
Resumo
O presente artigo aborda de maneira monográfica os Seis Poemas Galegos escritos por
Federico García Lorca entre 1932 e 1934 e publicados em 1935 na cidade de Santiago
de Compostela pela Editora Nós. Essas seis composições ocupam uma posição
particular dentro da produção lorquiana por terem sido escritas em galego e não em
espanhol, como homenagem à paisagem e à língua da Galiza. Em primeiro lugar,
reconstrói-se o processo de elaboração artística dos poemas a fim de classificá-los
dentro da tradição lírica galega. A sedução que o poeta andaluz sentia pela Galiza,
terra que visitou em quatro ocasiões, inspirou os poemas, mas o processo de escrita
aconteceu sob a influência de dois amigos galegos de Lorca: Ernesto Pérez Guerra e
Eduardo Blanco Amor, que prologou a primeira edição. Após contextualizar a
composição e o conteúdo da obra, busca-se inscrevê-la no âmbito da Lusofonia. A
esse fim, adota-se uma perspectiva intercultural que entenda a língua portuguesa
como um sistema linguístico plural. A Galiza e a sua língua ocupam uma posição
particular dentro da Lusofonia: foi lá onde se formou o idioma e atualmente é lá
onde a língua está ameaçada por uma situação diglóssica com o espanhol. Enfim, ao
integrar os Seis poemas galegos nas literaturas em língua portuguesa, na Lusografia,
estabelece-se uma ponte que possibilita uma leitura da poesia de Federico García
Lorca sob duas luzes: uma hispânica e outra lusófona.
Palavras-chave: Federico García Lorca, Seis Poemas Galegos, Galiza, Interculturalidade.
Resumen
Este artículo aborda de manera monográfica los Seis Poemas Galegos escritos por
Federico García Lorca entre 1932 y 1934 y publicados en 1935 en la ciudad
de Santiago de Compostela por la Editorial Nós. Esas seis composiciones ocupan una
posición particular dentro de la producción lorquiana por haber sido escritas en
gallego y no en español, como homenaje al paisaje y a la lengua de Galicia. En primer
lugar, se reconstruye el proceso de elaboración artística de los poemas para
clasificarlos dentro de la tradición lírica gallega. La seducción que el poeta andaluz
sentía por Galicia, tierra que visitó en cuatro ocasiones, inspiró los poemas, pero el
proceso de escritura estuvo condicionado por la influencia de dos amigos gallegos de
Lorca: Ernesto Pérez Guerra y Eduardo Blanco Amor, quien prologó la primera
Professor Leitor de Língua Espanhola (AECID), UFPR, Curitiba. Doutorando em Estudos
da Tradução, UFSC, Florianópolis.
107
305
edición. Después de contextualizar la composición y el contenido de la obra, se
pretende inscribirla en el ámbito de la Lusofonía. Para ello, se adopta una perspectiva
intercultural que entienda la lengua portuguesa como un sistema lingüístico plural.
Galicia y su lengua ocupan una posición particular dentro de la Lusofonía: pues fue
allí donde se formó el idioma y actualmente allí es donde la lengua está amenazada
por una situación de diglosia con el español. Por último, al integrar los Seis poemas
galegos en las literaturas de lengua portuguesa, en la Lusografía, se establece un
puente que posibilita una lectura de la poesía de Federico García Lorca bajo dos
luces: una hispánica y otra lusófona.
Palabras-clave: Federico García Lorca, Seis Poemas Galegos, Galicia, Interculturalidad.
1. Apresentação dos Seis Poemas Galegos
Entre 1932 e 1934, Lorca que se encontrava na sua plenitude como escritor compôs
seis poemas em língua galega: Madrigal á cibdá de Santiago, Romaxe de Nosa Señora da
Barca, Cántiga do neno da tenda, Noiturno do adolescente morto, Canzón de cuna pra Rosalía
Castro, morta e Danza da lúa en Santiago. Os Seis Poemas Galegos apareceram publicados
em 27 de dezembro de 1935 pela Editora Nós no volume LXXIII, sob a direção do
editor Anxo Casal, na cidade de Santiago de Compostela, um dos centros culturais
mais importantes da Galiza por sua longa tradição universitária. Essas seis
composições ocupam uma posição particular dentro da produção lorquiana por
terem sido escritas em galego e não em espanhol. Federico García Lorca, nascido
numa pequena localidade andaluza, Fuente Vaqueros, desenvolveu toda a sua
produção poética na sua língua materna: o espanhol ou castelhano ainda que talvez
pudesse ter alguns rudimentos de outras línguas europeias108.
Diz Staiger (1975, p. 22) que “o valor dos versos líricos é justamente essa unidade
entre a significação das palavras e a sua música”; parece assim tarefa complicada que
um poeta se lance a escrever numa língua alheia. A composição deve obedecer,
portanto, a uma vontade firme e se desenvolve seguindo um processo, não isento de
dificuldade, desde a ideia primordial do poema na mente (hispano falante) do
escritor até a sua forma definitiva em galego. O grande escritor galego Eduardo
Blanco Amor que colaborou no processo de composição dos seis poemas e que
Em 1930 residiu durante um tempo em Nova Iorque, cidade que lhe inspirou para
escrever Poeta em Nueva York; é de imaginar que durante essa estadia adquirisse certo
conhecimento da língua inglesa.
108
306
redigiu o prólogo dessa primeira edição não deixava de admirar-se ao se perguntar
como pôde o andaluz Federico encontrar uma expressão poética de tão alto nível
numa língua que não era a dele. Boa parte da produção poética (e também a
dramática) de Lorca sintetiza a tradição popular da sua Andaluzia natal. A atmosfera
luminosa dos olivais, o sol e o calor do Sul, as cores fortes, o particular modo de vida
dos ciganos; temas todos eles tratados de forma metafórica e mítica. Em contraste, os
Seis Poemas Galegos recriam a Galiza como terra das paisagens verdes, os nuances das
chuvas, os nevoeiros, a garoa, as cidades de musgo e pedras e o oceano bravio.
Motivos que nesses seis poemas também adquirem uma dimensão mítica. O próprio
Lorca definiu a língua galega como “fala de luces grises, deshuesada” frente ao
“resplandor hiriente”, ao “idioma tigre” com que ele qualificava a sua voz andaluza.
Assim, para realizar a homenagem que o escritor granadino se propõe fazer à Galiza
precisa apender palavra a palavra a fala tenra da terra, a língua da Galiza, poli-la dos
inevitáveis castelhanismos, adaptar a própria voz a ritmos e sons diferentes
preservando a sua identidade indiscutivelmente lorquiana. Estamos perante um
trabalho meticuloso, precioso e preciso que elabora cada poema como uma pequena
joia: breve e cheio de imagens.
Destarte, o processo de criação não pode ser entendido como algo automático e cabe
se questionar sobre os fins que levaram ao poeta a escolher o galego, quais fatores e
atores o acompanharam e/ou influíram e, por fim, se as seis composições do poeta
andaluz continuam uma tradição lírica em língua galega ou se, pelo contrário, se
inserem como um corpo estranho, como se fossem literatura traduzida pertencente a
outra tradição cultural e literária.
2. A fascinação galega de um poeta andaluz
Ao escrever os Seis Poemas Galegos, Federico García Lorca é um poeta alofone, ou seja,
escritor em uma língua diferente da própria. A ligação de Federico com a Galiza não
se deve a uma ascendência familiar, mas sim se construiu a partir da experiência
pessoal, das viagens que realizou nessa terra e dos encontros que na Galiza ou
alhures teve com as gentes, com a língua e com a cultura galegas. Não é possível aqui,
por causa do espaço, estendermos a exposição e a analise das viagens e das trocas
307
entre o poeta granadino e a Galiza. E só apontaremos alguns dos fatos que os
bibliógrafos de Lorca costumam salientar109. Em 1916 o então jovem poeta visita pela
primeira essa terra que lhe transmite ideias e sensações que transluzem alguns dos
tópicos mais difundidos sobre a Galiza e os galegos como o carácter triste e pensativo
deles, resultado do clima e da paisagem do lugar onde habitam. Entretanto já se
percebe a sensibilidade lorquiana voltada para o popular. Em 1917 Federico ingressa
na Residencia de Estudiantes de Madrid para prosseguir com os seus estudos e lá
conhece o Xesús Bal y Gay, musicólogo galego da Residencia e interessado no estudo
da etnografia e do folclore. A partir dessa relação, o jovem Lorca se interessa pela
música popular galega e, de fato, incorporou cantigas antigas galaico-portuguesas de
Afonso X o Sábio ao repertório de músicas dos concertos que oferecia à sua família e
aos seus amigos na casa de Granada pela festa de Reis. Em outras ocasiões,
interpretou canções populares como Nosa Señora da Barca ou Asubía, que fai vento e até
cantigas de amigo do trovador medieval Martim Codax. Anos mais tarde, em 1928,
um Lorca que está atingindo a sua plenitude como escritor e intelectual chamou a
atenção em uma conferência dedicada às canções de ninar sobre a presença de
inúmeras músicas de procedência galega e asturiana em Granada, herança da
colonização da Serra das Alpujarras ao final da Reconquista. Por outro lado, Federico
era admirador da grande poetisa Rosalía de Castro, a quem dedica um dos seis
poemas, e havia lido a poesia das outras duas coroas do Rexurdimento110: Eduardo
Pondal, representante de um Romantismo conservador, e Manuel Curros Enríquez,
considerado revolucionário. Ademais, na conferência que deu sobre Góngora em
1926, demostrou conhecer os três cancioneiros que recolhem a prática totalidade da
Cf. Gibson (1998) e para uma exposição pormenorizada das viagens Cf. Pérez Rodríguez
(1998, p. 19-76).
110 A literatura desenvolvida na Galiza, após o esplendor medieval, com a poesia
trovadoresca ou os romances de cavalaria ou a prosa histórica (por vezes lendária), ressurge
como projeto de intelectuais no século XIX, Rexurdimento, amparada na visão romântica dos
povos e cada vez mais auto afirmada com o descobrimento e a divulgação dos antigos
Cancioneiros, que garantia uma rica tradição poética e, ao mesmo tempo, recuperava a
irmandade linguístico-cultural luso-galaica. Rosalía de Castro (Cantares Galegos, 1863),
Eduardo Pondal e Manuel Curros Henriques são os primeiros mestres indisputados.
(CRISTÓVÃO, 2005, p. 344).
109
308
produção lírica medieval galaico-portuguesa conservada: o Cancioneiro da Vaticana,
o Cancioneiro Colocci-Brancuti e o Cancioneiro de Ajuda.
Com a bagagem cultural aqui brevemente enumerada, García Lorca realiza três
viagens à Galiza durante o ano de 1932. A primeira, que corresponde à segunda
visita, é feita sob petição dos Comités de Cooperação Intelectual da República para
dar conferências em várias cidades. A segunda vez, ou terceira visita, acontece em
agosto; nesse momento ele vai como diretor do grupo de teatro estudantil La Barraca,
cuja missão era levar o teatro clássico espanhol ao povo, até às vilas e as aldeias. Na
praça da Quintana de Santiago de Compostela, que ele próprio qualificou de “plazabutaca” –praça-poltrona–, o Lorca do macacão azul de La Barraca montou o cenário
da sua companhia. Finalmente, retorna por terceira vez, quarta visita, em novembro;
chega no dia 19 à cidade de Pontevedra e de novo participa em conferências e
reuniões com a juventude intelectual do país.
Pérez Rodríguez (1998) acrescenta uma “quinta” visita de Lorca à Galiza, não à
Galiza peninsular, mas à Galiza da diáspora, dos inúmeros emigrantes galegos que
moram em ambas as margens do Rio da Prata com os que o poeta andaluz teve
oportunidade de conversar durante a sua estadia em Buenos Aires e em Montevidéu
em 1933111. Essa passagem não pode ser omitida, pois ela inspirou o poema Cántiga
do neno da tenda.
Assim, a inspiração para os Seis Poemas Galegos veio a Lorca a partir das mencionadas
experiências, e talvez de mais algumas outras, acumuladas durante vários anos.
Ademais o poeta de Fuente Vaqueros conhecia toda uma geração de destacados
escritores e artistas galegos: Álvaro Cunqueiro, Feliciano Rolán, Arturo Cuadrado, os
irmãos Dieste, Luís Seoane, Carlos Martínez Barbeito, Suárez Picallo e Castelao. Ora,
o processo de escrita dos poemas acontece sob a influência ou a “vontade incitadora”
de dois amigos galegos de Lorca: Ernesto Pérez Guerra, que passou a se chamar
Ernesto Guerra da Cal em 1954 ao adotar a nacionalidade estadunidense, e o já citado
Eduardo Blanco Amor. Em princípio, parece que o desejo de escrever um poema
A Sociedade de Amigos da Arte o convidou para dar conferências sobre literatura e a
viagem prevista para uma semana terminou se prolongando por vários meses: desde 13 de
outubro de 1933 até o 27 de março de 1934.
111
309
dedicado à cidade de Santiago de Compostela possa ter surgido na mente de
Federico durante a sua terceira viagem à Galiza, quando foi com La Barraca no verão
de 1932. Porém, segundo Gibson (1998), não parece que ainda pensasse fazê-lo em
galego. Ao voltar a Madri, ele falou do assunto com o seu amigo Ernesto Pérez
Guerra, também poeta, e é nesse momento que surge a ideia de compor, a quatro
mãos, um poema dedicado à cidade visitada, em sua língua. Anos mais tarde, Blanco
Amor reiterava a influência que Ernesto, assumido nacionalista galego, exerceu sobre
um Federico fascinado por aquele jovem de belas fações, inteligente e apaixonado
pela terra dele que entoava cantigas em galego. Pérez Rodríguez (1998, p. 80) diz que
Ernesto deixava-se acompanhar habitualmente pelo também galego Serafim Ferro e
que nesse contexto Lorca escutou as conversas dos dois, podemos considerar como
hipótese que por essa via entraram os sons, desconhecidos e doces, dessa língua no
cotidiano do poeta andaluz. Em todo caso, o primeiro dos seis poemas, Madrigal á
cibdá de Santiago, aparece publicado pela revista Yunque no número de dezembro de
1932. No ano seguinte, 1933, o próprio Ernesto Pérez Guerra apresentou Lorca ao
escritor de Ourense Eduardo Blanco Amor, que na época trabalhava como
correspondente na Espanha do jornal argentino La Nación. A amizade de Eduardo
com Federico, depois percorreria um caminho autônomo (PÉREZ RODRÍGUEZ,
1998, p. 90).
Após a estadia na Argentina, Lorca retomou a composição desses poemas com a
colaboração de Pérez Guerra, tarefa que se vê interrompida pela escrita de Llanto por
Ignacio Sánchez Mejías. Ao final de outubro de 1934, os cinco poemas que se
acrescentam ao Madrigal á cibdá de Santiago estão prontos e, assim, durante a
primavera de 1935 um tenaz Blanco Amor consegue que Lorca lhe entregue os
manuscritos, com letra de Ernesto Pérez Guerra, junto ao recorte de jornal do
Madrigal á cibdá de Santiago. A publicação dos poemas foi anunciada pela revista Nós,
no seu número correspondente a maio-junho de 1935, entre as “novas obras
publicadas” pela editora. A intervenção de Blanco Amor na redação dos poemas
limitou-se à revisão ortográfica, a correção de certos castelhanismos e parece que
também teria sugerido algumas mudanças nos títulos dos poemas; alterações todas
que o poeta andaluz aceitou. Parece que nesse trabalho de edição o escritor de
310
Ourense suprimiu a dedicatória da Cantiga de neno da tenda a Ernesto Pérez Guerra,
do qual tampouco se menciona a coparticipação. Além disso, Eduardo Blanco Amor
escreveu o prólogo que introduzia a primeira edição dos Seis Poemas Galegos e que
começa relatando como chegaram até ele112: “Federico García Lorca me llegó, un día
cualquiera de nuestra amistad, con un puñado de versos gallegos. Todavía traían en
lo tierno de su blandor recién modelado, el movimiento arbitrario de una grafía
nerviosa de tachones, curvas y añadidos.” Explica também qual foi o mandato que
lhe deixou junto com eles: “Debes ser tú, por lo tanto, quien ordenes éstos y quien los
edite y quien los prologue. Y ya está. Y ya se acabó. Y no me hables más de esto hasta
que me traigas el libro”. Dando continuidade ao prólogo, Blanco Amor qualifica os
poemas não de “versos eruditos elaborados, por virtuosismo y presunción, en lengua
prestada,”, mas sim “tan naturales, tan irremediables y tan ‘inspirados’ como los que
le salen en su idioma de siempre”. Logo depois fala sobre as qualidades do galego
como língua de cultivo lírico e da imensa capacidade artística de Lorca, uma voz
fresca e despida de pedantismo que lhe permitiu penetrar “en el paisaje espiritual
[gallego], que es la saudade” assim como “en el paisaje de nuestro pasado, que son
las ciudades santas”.
Como escritor alofone Lorca não é o primeiro a usar o galego para compor lírica já
que essa é uma tradição muito antiga que se remonta até o alvorear das línguas
românicas peninsulares na Idade Média113. Assunto ao que Blanco Amor dedica a
última parte do prólogo dos Seis Poemas Galegos:
En el siglo XV un castellano, El Marqués de Santillana, escribía al
Condestable de Portugal una carta de información literaria. Y en ella:
«No ha mucho tiempo cualesquier dezidores e trovadores de estas
partes, agora fuesen castellanos, andaluces o de la Extremadura,
todas sus obras componían en lengua galaica o portuguesa». Y
terminando el XVI un sevillano, Argote de Molina, continuaba: «Si a
alguno le pareciera que Macías era portugués, esté advertido que
hasta los tiempos de Enrique III todas las coplas se hacían
comúnmente en lengua gallega». Y en el XIX Menéndez y Pelayo,
concluía: «No se puede desconocer que el primitivo instrumento del
Todos os trechos do prólogo de Eduardo Blanco Amor foram extraídos de Pérez
Rodríguez (1998) que reproduz o prólogo íntegro nas páginas 146 a 148.
113 Lembre-se que o rei Alfonso X o Sábio, impulsor indiscutido da prosa em espanhol foi
também o criador das Cantigas de Santa Maria, em galego-português.
112
311
lirismo peninsular, no fue la lengua castellana, ni la catalana
tampoco, sino la gallega que, indiferentemente para el caso, (en
aquella época eran la misma) podemos llamar gallega o portuguesa».
Los Cancioneros todos, desde el de Resende hasta el de Baena, que es
el de divisoria o deslinde, están llenos de poetas de otras tierras y
lenguas –el Rey don Alfonso, el propio Santillana, Villasandino– que
usaron con amorosa afición la de Galicia. Federico García Lorca viene
a ella con la gravitación natural de otros grandes de otros tiempos.
(BLANCO AMOR, Apud, PÉREZ RODRÍGUEZ, 1998, p. 148)
Lorca, bom conhecedor das literaturas peninsulares, não ignorava essa velha tradição.
Pérez Rodríguez (1998, p. 157-158) oferece pormenorizadamente os conhecimentos
que García Lorca tinha da tradição literária galega; ele manifestou a Rafael Alberti
que conhecia a poesia trovadoresca galaico-portuguesa e os cancioneiros, explicou a
Blanco Amor que tinha lido os clássicos portugueses Gil Vicente, Sá de Miranda e
Camões. Como já dissemos, ele também lera os clássicos galegos do Rexurdimento:
Rosalía de Castro, Curros Henriques e Eduardo Pondal além de outros mais
próximos a sua época: Amado Carballo, Manuel Antonio, Eugenio Montes e Álvaro
Cunqueiro. Existe uma relação mais estreita entre a lírica de Federico García Lorca e
a tradição poética galega moderna, encarnada na sua máxima figura, Rosalía de
Castro. Tanto um como a outra compartilharam um interesse pelas vozes populares;
Cantares Gallegos de Rosalía está impregnado das tradições da sua terra na mesma
medida em que o Romancero gitano transpira o ambiente e as tradições da Andaluzia.
A influência dessa tradição é forte também nos poemas:
Lorca, nestas cantigas, segue fundamentalmente o ronsel dos
Cancioneiros e de Rosalía de Castro. Os santuarios e as romarías
(pretexto e contexto para o encontro dos amantes), preto do mar (as
nosas barcarolas), son reelaborados poeticamente polo bardo
granadino. (PÉREZ RODRÍGUEZ, 1998, p. 158)
Chama poderosamente a atenção como García Lorca consegue assimilar a essência
da identidade galega em um punhado de versos. No nível formal, Os Seis Poemas
Galegos apresentam uma extensão similar (entre os quinze e os trinta versos
aproximadamente) e estruturas métricas tradicionais (romance, quartetos, entre
outras), Lorca não recorre ao verso livre da sua época de Nova Iorque. O poeta
sugere igualmente os tons das cantigas ao empregar esquemas de repetição e
312
estruturas paralelísticas. Assim, por exemplo, na Danza da lúa há um diálogo de filha
com a sua mãe, motivo comum nas cantigas de amigo medievais. Com essa mesma
palavra –amiga– o poeta interpela a Rosalía de Castro morta para que volte à vida:
“Érguete miña amiga!” No poema que lhe dedica.
Pérez Rodríguez (1998, p. 179) assinala outras influencias mais difusas a outros
autores da literatura galega como Amado Carballo e até mesmo Blanco Amor. Lorca
inicia e fecha a série de poemas com duas homenagens à cidade de Santiago de
Compostela. No primeiro, Madrigal á cibdá de Santiago, as pedras milenárias da cidade
desenha-se sob a chuva de maneira quase impressionista 114 . Há também um
sentimento constante e contido de ternura misturada com saudade. Cabe dizer que
esse poema foi posteriormente musicado e hoje é uma das mais populares canções na
Galiza. O segundo, Romaxe de Nosa Señora da Barca, canta uma das romarias mais
tradicionais do país. Tema de carácter popular, já abordado em um poema de Rosalía
que levava como título precisamente Nosa Señora da Barca. Pérez Rodríguez (1998, p.
159) salienta o paralelismo entre essa romaria e a que se faz com Nosa Señora da
Franqueira, a qual Ramón Cabanillas dedicou um poema. Essa coincidência temática
poderia revelar as influências das tertúlias de intelectuais galegos do Café Regina, às
quais Federico assistia em companhia de Ernesto Pérez Guerra. E diz que
possivelmente, Ramón Cabanillas contou a Federico, entre outras muitas lendas e
histórias populares, a romaria da Nosa Señora da Barca e a da Nosa Señora da
Franqueira; ainda que não se possa descartar que Lorca tenha ouvido a história da
romaria de outra fonte. O terceiro, a Cantiga do neno da tenda capta a imagem da
Galiza na diáspora. Lorca situa a epopeia da emigração no espaço concreto do Rio da
Prata e, de fato, nesse poema se encontra a única menção à cidade de Buenos Aires,
Bos Aires em galego, em toda a obra lorquiana; ademais fala das ruas sem fim da
capital portenha, pelas que o próprio poeta passou e passeou, e refere uma rua
concreta: a rua Esmeralda onde trabalha um emigrante galego –o Ramón Sismundi–
Santiago é famosa por ser uma das cidades do território espanhol onde mais chove ao
longo do ano.
114
313
que na sua saudade da terra ouve a gaita de fole e o som da “muiñeira115 d’agoa”,
entoado pelas águas do Rio da Prata.
Já os três últimos poemas trazem como tema central a morte e o sobrenatural. No
Noiturno do adolescente morto, o rio Sil116 leva o adolescente afogado para o mar; ou seja,
para a morte definitiva. Lorca atravessou o Sil nas suas viagens à Galiza, e Ernesto Pérez
Guerra assinou alguns dos seus poemas com o heterônimo Ernesto do Sil. O cortejo que o
poeta chama para acompanhar o morto dizendo “Vinde mozos loiros, vinde xente
escura” faz uma referência à lenda da Santa Companha117, fortemente enraizada nas
crenças galegas. Na Canzón de cuna pra Rosalía Castro, morta, Lorca dedica à poeta que
ele admira uma canção de ninar e invoca a morte e a vida para acordar Rosalía. Por
fim, no sexto, a Danza da lúa en Santiago, a lua, elemento fundamental na poética
lorquiana habitualmente associada com a morte, baila na praça da Quintana, do lado
da Catedral, onde como dissemos La Barraca representou as peças teatrais na sua
passagem por Santiago e que Lorca chamava de “plaza-butaca”. Nesse espaço teatral
a lua baila um simbólico baile da morte relatado por uma voz que chama a mãe,
“Nai”. Aparecem elementos como o “boi malencónico” e os “toxos”, planta típica da
paisagem galega, que remetem a realidades locais. Os Seis Poemas Galegos oferecem
inúmeras linhas de análise que, certamente, não se esgotam no breve espaço que lhe
dedicamos neste trabalho. A nossa intenção era apenas salientar como Federico
García Lorca bebe da tradição literária galega para compor seis poemas que se
inserem nela sem violentá-la e sem que a voz do poeta perca a sua identidade. A
integração completa dos Seis Poemas Galegos na literatura galega se produz
progressivamente quando gerações posteriores de escritores e de escritoras, de
críticos e de pesquisadores os estudam como marco dessa tradição poética.
A muiñeira é a dança tradicional e popular da Galiza.
Um dos mais caudalosos rios da Galiza cujas águas vertem no Minho.
117 Essa lenda também existe no norte de Portugal, sob diferentes versões. A Santa
Companha é uma comitiva de almas em pena que passeia durante a noite e chama nas portas
das casas onde mora alguém prestes a morrer. Essas almas são funestos anunciadores da
morte, conhecidos em outras regiões com outros nomes. Ademais a lenda tem conexões com
outras tradições célticas e nórdicas.
115
116
314
Uma vez esboçado o conteúdo da obra e o seu enquadramento no âmbito literário
galego, dedicaremos a segunda parte do trabalho a expor como pode se inserir no
âmbito maior das literaturas em língua portuguesa.
3. Língua galega, Lusofonia e Lusografia
Federico García Lorca representa, sem dúvida, uma das vozes mais brilhantes em
língua espanhola do século XX. É uma voz que cantou e recriou a sua terra natal, a
Andaluzia, em poemas e peças de teatro. Lorca é assim um dos escritores mais lidos
e celebrados das literaturas hispânicas entendidas estas como as produções literárias
escritas em língua castelhana ou espanhola no âmbito cultural da Hispanidad. Esse
termo, Hispanidad, é definido pelo DRAE (Diccionario de la Real Academia de la Lengua
Española) como o “carácter genérico de todos los pueblos de lengua y cultura
hispánica” e “conjunto y comunidad de los pueblos hispánicos”. Outro termo,
Hispanismo, tem uma significação próxima: “afición al estudio de las lenguas,
literaturas o cultura hispánicas”. Agrupações baseadas numa língua comum não são
exclusivas
do
mundo
hispânico
e
tem
correlatos
no
âmbito
do
inglês
(Commonwealth), no âmbito do francês (La Francophonie) e no âmbito do português,
no órgão político da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) que
encarna o conceito mais amplo da Lusofonia. Esse tipo de organização desenvolve-se
após o colapso dos antigos impérios coloniais e toma a língua como pátria comum
dos países e povos que as integram. A respeito da Lusofonia Tabucchi considera-a
suspeita de neocolonialismo “pelo fato de o país, tendo perdido o seu império e as
suas colônias, encontrar nela ‘terreno fértil para uma invenção meta-histórica como
esta, que funciona como sucedâneo, no imaginário coletivo’.” (CRISTOVÃO, 2005, p.
654). Deixando de lado essa crítica, interessa-nos aqui apresentar a Lusofonia como
uma “esfera de comunicação e de compreensão determinada pelo uso da língua
portuguesa,” (CRISTOVÃO, 2005, p. 654), “uma realidade em crescimento todos os
dias, a partir daquilo que, em qualquer fonia, é básico e essencial: a comunicação e o
diálogo, que aproximam as pessoas e as instituições” (CRISTOVÃO, 2005, p. 652).
Esse continente imaterial localiza-se nos vários continentes do globo:
315
Os oitos países que têm o português com sua língua materna, oficial
ou de patrimônio (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné, Moçambique,
Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor) e regiões que pertencem a
outros países e culturas, mas com as quais partilhamos ou
partilhámos a Língua e a História. Embora em situações diversas, e
em inúmeros lugares da diáspora, falam ou falaram português, suas
variedades ou crioulos, a Galiza, Casamansa (no Senegal), Ilha de
Ano Bom, Ajudá (no Benim), Goa, Damão, Diu, Mangalor, Mahé, Fort
Cochim, Tellicherry, Chaul, Korlai, Coromandel. (CRISTOVÃO, 2005,
p. 654)
A Galiza e a sua língua ocupam uma posição particular dentro da Lusofonia por ter
sido lá (junto com o norte de Portugal, até o rio Mondego) onde se formou a língua.
Porém nesse território a evolução dos usos do galego, vinculados às vicissitudes
históricas do país, sofreu a pressão de uma língua vizinha e próxima, todavia,
estrangeira: o espanhol ou castelhano118. Esse percurso histórico pode se resumir
muito brevemente da seguinte maneira:
A partir do século XVI o galego deixa de ser cultivado como língua
literária e só sobrevive no uso oral. Sofre, além disso, uma série de
evoluções fonéticas que vão afastá-lo cada vez mais do português (...).
Ao mesmo tempo, acentuam-se no interior do galego algumas
diferenças dialetais, e o vocabulário é invadido de hispanismos. Nos
séculos XIX e XX vai haver um Renascimento galego, e escritores e
filólogos esforçar-se por elaborar uma língua unificada. Mas, pela sua
fonética, pela sua morfologia, pelo seu vocabulário, pela sua sintaxe e
mesmo pela sua ortografia, este galego moderno é já uma língua
diferente do português — diferente, contudo suficientemente
próxima para que, em condições favoráveis, a intercompreensão
ainda seja possível. (TEYSSIER, 2007, p.34)
Desde o século XVI os portugueses, por sua vez, julgam os falares galegos arcaicos e
provinciais. “É assim é que o galego, que nas origens da língua tanto contribuiu para
definir a norma literária, veio a encontrar-se no polo oposto desta mesma norma. A
rusticidade da Galícia opõe-se, agora, à urbanidade de Lisboa.” (TEYSSIER, 2007,
p.34). Nesse sentido, algumas gramáticas portuguesas do século XVI consideram o
galego em termos negativos “por representar uma espécie de variedade da mesma
língua não elaborada, uma forma de português submetida à língua castelhana”
Para um estudo aprofundado do desenvolvimento histórico e dos usos sociais do galego a
través dos séculos Cf. Monteagudo (1999)
118
316
(LAGARES, 2011, p.180). É necessário considerar que Portugal vivia então um
período de expansão colonial e de consolidação de um reino autônomo que buscava
legitimar-se afirmando a identidade portuguesa o que passava por afirmar “o caráter,
independente e soberano da ‘língua portuguesa’, (...) sem vínculo com o galego,
pobre linguajar entregue à própria sorte como falar regional, submerso numa
permanente diglossia, relegado aos usos menos prestigiados” (BAGNO, 2012, p.3738).
Hoje o termo “português” e “galego” identificam duas línguas, entendida aqui
língua como instituição social 119 ; uma e a outra diferenciadas pelos fatores
socioculturais expostos mais do que por evoluções linguísticas. Dentro da esfera
românica, Posner (1998, p. 257) distingue “la lengua Abstand (‘que se tiene aparte’)
de la lengua Ausbau (‘elaborada’)”. E com base nessa premissa, postula uma
diferença no seio das línguas neolatinas:
Aunque los dialectos locales y similares puedan ser considerados
también “lenguas históricas”, sería útil distinguir el exclusivista
“club” románico, formado por las lenguas nacionales y literarias, de
la numerosa “familia” románica, con sus prolíficas ramificaciones,
que se extienden desde la unidad nuclear, que vive en el sur de
Europa, hasta los miembros más lejanos de la familia, fruto de la
emigración a los límites de los antiguos imperios. (POSNER, 1996, p.
67)
Consideramos que a visão da autora continua certa concepção hierárquica das
línguas: ainda que todas procedam do latim nem todas seriam igualmente legítimas e
só aquelas que ganharam prestígio cultural e político podem pertencer ao “clube”;
isto é, a priori, espanhol, francês, italiano, português e romeno. Desse modo
estabelece-se outra distinção entre a Romania Maior, correspondente ao clube
românico, e a Romania Minor, correspondente a uma ampla família de línguas,
dialetos e falares espalhada pelos cinco continentes. Cada membro da família gozaria
assim de um grau de codificação, historicidade e vitalidade diferente, o qual
Nesse sentido: “nossa ideia habitual de língua assenta sobre construções sociais ligadas a
realidades políticas concretas, quase sempre identificadas com os Estados nacionais”.
(LAGARES, 2011, p.175)
119
317
complica a possibilidade de chegar a classificações exaustivas fechadas. O português
se adscreve à Romania Maior enquanto o galego à Romania Minor, portanto, a
diferença entre um e outro é metalinguística e a fronteira linguística vem traçada, em
grande medida, pelos “domínios de uso de determinada ortografia e gramática
normativa, ou seja, às línguas padrão” (FINBOW, 2011, p. 96).
Frente a essa separação que corresponde a conflitos de natureza política, cultural,
econômica e ideológica, José Saramago propõe que “não existe uma só língua
portuguesa, mas sim, várias línguas em português”. Ideia muito sugestiva que não
deixa de ser a formulação literária do conceito linguístico das macrolínguas, ou seja,
uma categoria que designa uma língua que existe sob diferentes variedades, não
necessariamente inteligíveis, mas que por certas razões se consideram formas
dialetais do mesmo idioma. O caso não é exclusivo ao português e assim o árabe, o
chinês entre outras são também macrolínguas. Bagno (2012, p. 39) chama o grupo
que aqui referido “portugalego”.
O galego, ou se se prefere a variante do grupo portugalego falada na Galiza,
encontra-se hoje numa situação de conflito linguístico, ameaçado pela concorrência
com o espanhol que se impõe nas cidades e entre os jovens. Nesse contexto, o uso
normatizado da língua converte-se numa questão fulcral. Cientes da importância de
apertar os laços lusófonos para fortalecer o galego todos os projetos normatizadores
tomaram como referência o português em diversos graus “quer como padrão
ortográfico ou como modelo (certamente indefinido) de ‘língua culta’ (...), quer como
referência constante na elaboração de terminologias ou na adopção de padrões
morfológicos” (LAGARES, 2011, p.189). Entretanto a criação de uma norma para a
língua da Galiza faz parte do conflito:
A norma é ela própria motivo de incontáveis conflitos, pois o
processo de elaboração linguística diz respeito à identidade da língua,
à sua continuidade histórica, à sua possibilidade de existir como
realidade diferenciada ou como variedade reconhecida de alguma
outra língua, à delimitação, enfim, do sue espaço de ação de sua área
de influência. (LAGARES, 2011, p.173)
Ao tempo que a norma poderia contribuir para ser a solução do conflito. A
elaboração de uma norma, a padronização do galego, se desenvolve principalmente
318
ao longo do século XX e segue duas tendências contrastadas: uma chamada de
reintegracionista e desenvolvida por notáveis filólogos como Carbalho Calero, busca
reintegrar o galego na esfera lusófona; a outra, autonomista ou isolacionista, criada e
promovida pela Real Academia Galega da Lingua (RAG) a partir e 1982, procura
“delimitar um espaço próprio para o galego entre as línguas românicas, embora
usando para isso um sistema gráfico basicamente comum com o do castelhano”.
(LAGARES, 2011, p.174) Hoje o galego padrão regido pela norma isolacionista é
língua cooficial junto com o espanhol na comunidade autônoma da Galiza; ensinado
nas escolas, nas universidades assim como empregado na mídia, na imprensa e na
literatura.
É necessário lembrar que as línguas padrão “geralmente não correspondem
perfeitamente às vernáculas naturais mas constituem projeções codificadas baseadas
numa análise normativa de certos socioletos da sociedade em que são
desenvolvidas” (FINBOW, 2011, p. 96). Cabe assim questionar que o modelo
linguístico defendido pela RAG nas suas Normas Ortográficas e morfolóxicas do idioma
galego advoga por “unha lingua común asentada na fala, mais depurada de
castelanismos, supradialectal, enraizada na tradición, coherente e harmónica coas
demais linguas de cultura” (RAG, 2005, p.6). A esse fim é necessário, por um lado,
fugir da dependência do castelhano e, por outro, não recorrer nem ao arcaísmo nem à
hipercaracterização do idioma; o português propõe-se como guia que medeie entre
esses dois extremos:
1. Excluír o diferencialismo radical porque, aínda querendo ser unha
postura de defensa fronte ao castelán, manifesta de feito unha
posición dependente e dominada con respecto a esta lingua. Han de
excluírse, con maior razón, solucións diferencialistas que só sexan
falsas analoxías e vulgarismos.
2. Excluír tamén a evasión cara á lingua medieval: formas
definitivamente mortas e arcaicas non deben suplantar outras vivas e
galegas.
3. Valorar a contribución do portugués peninsular e brasileiro, mais
excluír solucións que, aínda sendo apropiadas para esa lingua, sexan
contrarias á estrutura lingüística do galego. O punto de partida e de
chegada en calquera escolla normativa ha de ser sempre o galego.
O modelo reintegracionista atualmente é defendido pela Associaçom Galega da Língua
(AGAL) e usado apenas por algumas editoras independentes. Ademais, em 2003 a
319
Real Academia Galega chegou a um acordo de mínimos pelo qual algumas propostas
morfológicas e ortográficas reintegracionistas foram aceitas. Esse fato, unido ao
avanço dos hábitos de leitura e escrita segundo o padrão da RAG fizeram com que o
reintegracionismo tenha perdido pujança. Por último, em 2008 criou-se a Academia
Galega da Língua Portuguesa (AGLP) que não defende uma norma próxima ao
português, mas sim a presença dessa língua na Galiza. Na sua ata de fundação define
ter por fins:
1. A defesa da unidade da língua portuguesa, o seu ensino,
aprendizado, uso correto e naturalização na Galiza.
2. Promover o estudo da língua da Galiza para que o processo da sua
normalização seja congruente com os usos que vigoram no conjunto
da Lusofonia.
3. Impulsar o achegamento e facilitar a circulação e intercâmbio
cultural da Galiza com o conjunto da Lusofonia, visando a
valorização e continuidade dos laços históricos e culturais.
4. Promover e difundir o conhecimento recíproco, em todas as suas
dimensões e nomeadamente no campo linguístico e cultural, da
Galiza e do conjunto de países da Lusofonia, das coletividades
emigradas e de outras pertencentes ou relacionadas com o sistema
linguístico galego-português.
5. Se proceder, assessorar e propor iniciativas aos poderes públicos e
quaisquer outras instituições interessadas na implementação do
Português nos territórios e comunidades da Lusofonia e no
desenvolvimento de ações tendentes a fomentar as relações entre a
Galiza e o conjunto da Lusofonia.
6. Promover ações de cooperação para o desenvolvimento no âmbito
dos países e territórios de língua portuguesa, nomeadamente no
campo da educação, pesquisa e política linguística. (AGLP, 2008)
Exposto o desenvolvimento da normativização da língua na Galiza e as suas
principais dificuldades, vale lembrar que os Seis Poemas Galegos foram compostos
décadas antes da normativização. Também não se pode esquecer o fato que Federico
García Lorca não era falante de nenhuma variedade de portugalego; era sim um
escritor andaluz que em um momento optou pelo galego para compor seis poemas
levado pelos fatores que foram examinados na seção precedente. A Lusografia foi
definida como “o espaço escrito da língua portuguesa. Escrito, ou seja, não falado
como o de Lusofonia, ao qual se não opõe, mas do qual se distingue” (CRISTÓVÃO,
2005, p.656). Aqui é relevante distinguir entre a língua escrita e a língua falada por
320
terem usos não inteiramente coincidentes. Lorca foi um poeta lusógrafo sem ser um
poeta lusófono. Ademais “há de fato duas lusografias: a que é obrigatória, política,
administrativa, e uma outra, bem diferente, que corresponde a uma escolha”
(CRISTÓVÃO, 2005, p.656). Na segunda, portanto, é donde se deve enquadrar o
trabalho de Federico García Lorca. Desta maneira esses seis poemas – breves e
preciosos – fazem parte do patrimônio lusógrafo, integrado por “milhões de textos,
um sem-número de palavras, escritos em língua portuguesa desde a noite dos
tempos, em Portugal, nos espaços colonizados, lusitanizados, o mesmo é dizer, o
mundo inteiro” (CRISTÓVÃO, 2005, p.656).
4. Considerações finais: os Seis poemas galegos sob duas luzes
Segundo Staiger (1975, p. 51), “a poesia autenticamente lírica é singular e
irreproduzível”. Essa qualidade dos seis poemas formula um problema para a leitura
deles quer na comunidade hispânica, quer na lusófona: pode o público hispano
falante ou lusófono aproximar-se desses poemas na sua versão original? As línguas
que se encontram numa situação minoritária parecem obrigadas a se relacionar com
o
resto
da
humanidade
recorrendo
necessariamente
à
“interposição”
ou
“mediatização” de uma língua hegemônica, entorno da qual elas orbitam como
satélites. Ora se a “mediatização” dos Seis Poemas Galegos passasse pela tradução para
o espanhol, cair-se-ia na contradição da vontade do poeta: para Lorca nada teria sido
mais simples que usar a própria voz andaluza para cantar a Galiza, mas o desejo dele
fez com que esse canto fosse composto em galego. Cientes disso as antologias de
Lorca reproduzem sempre os Seis Poemas Galegos na versão original. Por sua vez, a
“mediatização” do português poderia passar pelo arranjo da ortografia prenormativa
de Lorca para as convenções ortográficas do português atual. Essa solução tem o
risco de apagar as vozes dialetais, as quais conferem aos poemas a sua personalidade.
Assim seria mais respeitoso para com o poeta oferecer a versão original também ao
público lusófono como, por outro lado, é habitual editar os poemas de Fernando
Pessoa (entre outros escritores): respeitando a grafia original do autor.
Em síntese, esses seis poemas lorquianos admitem ser lidos sob duas luzes: uma
hispânica e outra lusófona. E a interpretação dependerá “mais do leitor do que da
321
leitura, embora esta em tudo dependa daquele”, retomando uma frase de José
Saramago que aparece na Jangada de Pedra (1980, p.78). Assim os estudados poemas
do escritor de Fuente Vaqueros descobrem um espaço literário bicultural e bilíngue, e
traçam uma ponte sobre as fronteiras linguísticas da Romania. Em definitiva são,
como talvez boa parte da literatura contemporânea galega, barcas ou jangadas que
navegam e bebem de dois oceanos contíguos: o lusófono portugalego e o hispânico.
5. Bibliografia
BAGNO, Marcos. O português não procede do latim Uma proposta de classificação das
línguas
derivadas
do
galego.
Disponível
em:
http://www.editorialgalaxia.es/imxd/libros/doc/1320761642191_Marcos_Ba
gno.pdf. Acesso em: 05 out. 2012.
CRISTOVÃO, Fernando (org.); AMORIM, Mª Adelina; GARCIA MARQUES, Mª
Lúcia; BRITES MOITA, Susana. Dicionário temático da Lusofonia. Lisboa/
Luanda/ Maputo/ Praia: Texto Editores, 2005.
FINBOW, Thomas Daniel. A formação dos conceitos de “latim” e de “romance”.
LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Orgs.) Políticas da norma e conflitos
linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011. p. 89-120.
GARCÍA LORCA, Federico. Obras Completas. Barcelona: Círculo de Lectores, 1996.
_______________, Federico. Seis poemas galegos de Federico García Lorca, edic. facsímile,
Santiago de Compostela: Biblioteca facsimilar do Consorcio da cidade de
Santiago, 1996.
GIBSON, Ian. Vida, pasión y muerte de Federico García Lorca (1898-1936). Barcelona,
Plaza-Janés Editores, 1998.
LAGARES, Xoan Carlos. Minorias linguísticas, políticas normativas e mercados uma
reflexão a partir do galego. LAGARES, Xoan Carlos; BAGNO, Marcos (Orgs.)
Políticas da norma e conflitos linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011. p. 169-192.
MONTEAGUDO, Henrique. Historia social da língua galega. Vigo: Galaxia, 1999.
PÉREZ RODRÍGUEZ, Luís. O pórtico poético dos Seis Poemas Galegos de F. García
Lorca. Santiago de Compostela: Consello de Cultura Galega, 1998.
POSNER, Rebecca. Las lenguas romances. Madrid: Catedra, 1998.
322
REAL ACADEMIA GALEGA INSTITUTO DA LINGUA GALEGA. Normas
ortográficas e morfolóxicas do idioma galego. Santiago de Compostela: Secretaría
Xeral de Política Lingüística, 2005.
SARAMAGO, José. A jangada de pedra. Rio de Janeiro: Record, 1986.
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro: tempo brasileiro,
1975.
TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
http://academiagalega.org/info-atualidade/criada-a-fundacao-academia-galega-dalingua-portuguesa.html Acesso em: 05 out. 2012.
http://www.rae.es/rae.html Acesso em: 09 out. 2012.
323
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PROFESSORES
DE LÍNGUA PORTUGUESA:
PORTUGUESA:
POR UMA PRÁTICA INTERCUL
INTERCULTURAL
RCULTURAL
DE ENSINO DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS
Janayna BERTOLLO COZER CASOTTI120
Resumo: Neste artigo, propõe-se uma reflexão em torno de ações que contribuem
para a prática de ensino intercultural. Como a Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro desenvolve ações dessa natureza, pretende-se abordar aqui uma
delas: a formação de professores das escolas públicas brasileiras. Para tanto, será
considerada uma das oficinas utilizadas no encontro de formação de professores do
Estado do Espírito Santo. Metodologicamente, essa oficina foi organizada em três
momentos: primeiro, a abordagem teórica em torno do gênero, com base em Bakhtin
(2000), Marcuschi (2011), Marquesi (2005), Rangel (2011); segundo, a leitura de
crônicas escritas por autores capixabas; terceiro, a análise de textos finalistas das
edições anteriores da Olimpíada. De modo especial, esta última etapa permitiu que
os professores (em formação) observassem não só as dificuldades apresentadas pelos
alunos-escritores, o que ajudou a pensar estratégias de intervenção, mas também as
potencialidades de uma produção textual que reflete a identidade, a cultura.
Palavras-chave: Formação de Professores. Olimpíada de Língua Portuguesa. Leitura
e produção de crônicas.
Resumen: En este articulo se propone una reflexión alrededor de acciones que
contribuyen a la práctica de la enseñanza intercultural en la formación de profesores
de escuelas publicas brasileñas. Como en la Olimpíada de Lengua Portuguesa
Escribiendo el Futuro, se desarrollan gestiones de esa naturaleza, se planea examinar
aquí una de esas acciones: la formación de profesores de la escuela pública brasileña.
Para ello se considera uno de los talleres utilizados en el encuentro de profesores del
Estado do Espírito Santo. Metodológicamente, ese trabajo se organizó en tres
momentos: primero, el enfoque teórico acerca del género, con base en Bakhtin (2000),
Marcuschi (2011), Marquesi (2005), Rangel (2011); segundo, la lectura de crónicas
escritas por autores capixabas; tercero, el análisis de textos finalistas de las ediciones
anteriores de la Olimpíada. De modo especial, esa última etapa permitió que los
profesores (en formación) observaran no solamente las dificultades presentadas por
los alumnos-escritores, lo que ha permitido plantear nuevas estrategias de
intervención, sino también las potencialidades de una producción textual que refleja
la identidad y la cultura.
120
Doutora em Letras pela UFF e Professora do Departamento de Línguas e Letras da UFES
324
Palabras-clave: Formación de Profesores. Olimpíada de Lengua Portuguesa. Lectura
y producción de crónicas.
Considerações iniciais
Hoje, tratar da diversidade que caracteriza o Brasil pode parecer clichê. Mas o que
colocamos em questão, aqui, é a possibilidade - e a necessidade - de se promover a
interação entre as culturas que constituem um país, como forma de enriquecimento
mútuo. Nesse sentido, vale lembrar que os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997,
p. 13) já se colocam como referenciais de educação, que procuram respeitar “as
diversidades culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas que atravessam uma
sociedade múltipla, estratificada e complexa”.
Considerando isso, nosso objetivo é promover uma reflexão em torno de ações que
contribuem para uma prática de ensino intercultural. Acompanhando, há um tempo,
a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (doravante OLP), percebemos
que tal programa desenvolve ações dessa natureza. Nos anos pares, a Olimpíada
realiza um concurso de produção de textos, com o tema O lugar onde vivo, destinado a
alunos de escolas públicas de todo o Brasil. Nos ímpares, promove encontros de
formação continuada para diversos agentes educacionais. Pretendemos, portanto,
com este trabalho, abordar uma dessas ações: a formação de professores das escolas
públicas brasileiras.
Para tanto, consideraremos uma das oficinas realizadas no encontro de formação.
Metodologicamente, essa oficina foi organizada em três momentos: primeiro, a
abordagem teórica em torno do gênero, com base em Bakhtin (2000), Marcuschi
(2011), Marquesi (2005), Silveira (2000), Rangel (2011); segundo, a leitura de crônicas
escritas por autores capixabas; terceiro, a análise de textos finalistas das edições
anteriores da OLP. É o resultado dessa oficina que apresentaremos a seguir. Antes
disso, porém, achamos fundamental recorrer ao histórico da Olimpíada, situando-a
no contexto de Brasil.
A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro no contexto brasileiro
Antes de abordarmos a OLP e sua história, para que possamos compreender tal
programa como um incentivo à prática intercultural de ensino de leitura e produção
325
de textos, é preciso pensar um pouco no contexto educacional brasileiro e no que a
Olimpíada representa em tal contexto.
Em relação à leitura, uma frase, há um tempo, vem ecoando na mídia - Os alunos não
conseguem entender o que leem - e reforçando o conceito já formado de que os alunos
aprendem menos do que o necessário. Anos após a primeira edição do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb)121, em 1990, e também após a instituição do
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)122, em 2007, a situação não se
modifica muito. A esse respeito, afirma Vasconcelos (2012):
A educação deveria ter a precedência sobre todos os aspectos da vida
social, pois constitui a base a partir da qual os outros se alicerçam. No
entanto, a educação brasileira não vai bem. Em avaliações nacionais,
como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), ou nas
internacionais, como o Pisa (Programme For Internacional Student
Assessment/Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o
Brasil sempre se encontra posicionado nas últimas colocações
(VASCONCELOS, 2012, p. 29-30).
Podemos lembrar aqui que os resultados da primeira edição do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos, o Pisa 2000, colocaram o Brasil em último
lugar no ranking mundial de desempenho em leitura, ciências e matemática. É bem
verdade que, em 2009, o relatório da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou uma melhoria em relação ao
resultado do Brasil, que ficou entre os quatro países que mais evoluíram no Pisa,
De acordo com o Inep, o Saeb é uma “avaliação externa em larga escala aplicada a cada
dois anos. Seu objetivo é realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro e de
alguns fatores que possam interferir no desempenho do aluno, fornecendo um indicativo
sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As informações produzidas visam subsidiar a
formulação, reformulação e o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas
municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da qualidade, eqüidade e
eficiência do ensino”. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/>. Acesso em: 12 dez. 2012.
122 Ainda segundo o Inep, o Ideb constitui “um indicador objetivo para a verificação do
cumprimento das metas fixadas no Termo de Adesão ao Compromisso ‘Todos pela
Educação’, eixo do Plano de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação, que
trata da educação básica. É nesse âmbito que se enquadra a ideia das metas intermediárias
para o Ideb. A lógica é a de que, para que o Brasil chegue à média 6,0 em 2021, período
estipulado tendo como base a simbologia do bicentenário da Independência em 2022, cada
sistema deve evoluir segundo pontos de partida distintos, e com esforço maior daqueles que
partem em pior situação, com um objetivo implícito de redução da desigualdade
educacional.” Disponível em: <http://www.inep.gov.br/>. Acesso em: 12 dez. 2012.
121
326
tendo atingido, em 2009, uma média de 401 pontos contra os 368 pontos da primeira
edição (2000).
Acrescentamos também a esses dados os relativos à produção de textos, a partir dos
relatórios pedagógicos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O relatório
pedagógico de 2008 mostra que a média geral em produção escrita foi 59,35; metade
dos alunos obteve nota igual ou inferior a 60,00; apenas 5% dos participantes
atingiram nota igual ou superior a 80,00. Se compararmos aos dados do relatório de
2007, vamos observar que houve um progresso. Em trabalho anterior, citamos os
dados referentes ao relatório pedagógico de 2007, ano em que a média geral em
produção escrita foi 55,99; metade dos alunos obteve nota igual ou inferior a 57,50;
apenas 5% dos alunos atingiram nota igual ou superior a 77,50.
Não há como negar a importância dessas avaliações e dos resultados que elas trazem.
No entanto, isso não é suficiente para que tenhamos, de fato, uma educação de
qualidade. Como bem aponta Vasconcelos (2012),
toda avaliação deve servir para a posterior tomada de decisões e
correção de rumos no currículo e na ação escolar, com vistas ao avanço
qualitativo nos resultados de desempenho dos alunos (...) Dar sentido e
significado à avaliação supõe mais do que a correta interpretação de
seus resultados. O processo de qualificação da avaliação supõe a
articulação de recursos para a formação de professores, o
monitoramento das intervenções necessárias ao aprimoramento do
processo de ensino-aprendizagem e para dotar de infraestrutura
adequada os espaços escolares. (VASCONCELOS, 2012, p. 31).
É nesse contexto que se coloca a Olimpíada. Não como mais uma avaliação, com
vistas a verificar o desempenho dos alunos em produção de textos. Mas como um
programa que visa, sobretudo, à formação de professores e que, assim, pretende
contribuir com o ensino de leitura e escrita. Para Rangel (2010), participar da
Olimpíada significa, “antes de tudo, envolver-se numa proposta de trabalho que
pode se constituir, para o professor, como uma referência interessante para, até
independentemente do concurso, articular e moldar as atividades de ensino e
aprendizagem em língua portuguesa.” (RANGEL, 2010, p. 9).
O regulamento da 3ª edição da OLP corrobora o fato de que tal programa vai “além
de um concurso: oferece propostas de formação dos educadores, seja por meio da
distribuição de materiais com orientações pedagógicas, seja pela participação do
327
educador
em
encontros
para
reflexão
sobre
as
práticas
educativas”.
(REGULAMENTO, 2012, p. 2). A Olimpíada conjuga, pelo menos, duas ações: a
realização de um concurso de produção de textos envolvendo escolas públicas
brasileiras e a formação presencial de professores e técnicos da rede pública. O
próprio histórico, disponível no site123 da OLP, a identifica como “um programa de
formação de professores fundamentado na experiência da Fundação Itaú Social e do
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec)”.
Quando da sua criação, em 2002, por iniciativa da Fundação Itaú Social, o programa,
que se denominava Escrevendo o Futuro, voltava-se a alunos do 5º e do 6º ano do
Ensino Fundamental, que escreviam reportagens, textos de opinião ou poesias, a
partir do tema O lugar onde vivo. Hoje, como Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro, o programa é também uma iniciativa do MEC124 que, desde 2008,
o incluiu como ação do Plano de Desenvolvimento da Educação e coloca em ação
professores do 5º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, orientando
os alunos na produção de poemas (5º e 6º ano do Ensino Fundamental), memórias
literárias (7º e 8º ano do Ensino Fundamental), crônicas (9º ano do Ensino
Fundamental e 1º ano do Ensino Médio) e artigos de opinião (2º e 3º ano do Ensino
Médio).
O tema continua o mesmo: O lugar onde vivo. Mas nem por isso deixa de ser
significativo. Pelo contrário, esse tema tem a peculiaridade de envolver muito mais
do que alunos e professores de uma escola. Como um dos objetivos da proposta é a
reflexão sobre a própria realidade, também ganha protagonismo a comunidade do
bairro ou da cidade a que a escola pertence, no sentido de que, por meio desses
sujeitos, pode-se, dialogicamente, recuperar outras vozes na escrita do texto. Nesse
sentido, vale lembrar a reflexão de Carvalho (2008):
O site da OLP é: <http://www.escrevendo.cenpec.org.br/>.
De acordo com o Regulamento da 3ª edição do programa, a OLP se constitui em
“iniciativa do Ministério da Educação (MEC) e da Fundação Itaú Social (Itaú Social) e tem a
coordenação técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária ( Cenpec).” (REGULAMENTO, 2012, p. 3).
123
124
328
O sentido de pertença e a iniciação ao mundo público são exercícios
fundamentais para a construção do ser social e percepção da
coletividade. Se, por um lado, valores, comportamentos, saberes e
ações de um povo em seu território são chaves para a indução desses
processos, por outro, é preciso garantir circulação e abertura a outros
mundos possíveis. Por isso, é importante compreender a ideia de
coalizão com a comunidade e com o território como algo mais fundo.
O conhecimento que a escola e seu currículo propõem precisa
envolver a prosa e a poesia que habitam os diferentes espaços e
sujeitos capazes de ensinar. Caso contrário, a aprendizagem de
crianças e adolescentes corre o risco da clausura. (CARVALHO, 2008,
p. 9)
Além disso, a cada edição, vários matizes diferentes vão se apresentando nas
produções dos alunos, o que mostra a rica variedade cultural que constitui o nosso
país. É, pois, a partir dessa temática que os alunos escrevem poemas, memórias,
crônicas ou artigos de opinião. Para isso, vivenciam na escola as sequências didáticas,
presentes no Caderno do Professor, material organizado pela equipe do Cenpec, com
orientações para a produção de textos. Antes disso, porém, esse material é objeto de
estudo e reflexão por parte dos professores que se preparam para atuar em sala de
aula, em um encontro de formação presencial. Como nosso objetivo, aqui, é abordar
a formação de professores como uma ação que contribui para a prática intercultual
de ensino da leitura e da escrita, passaremos, agora, a tratar efetivamente dessa ação
da OLP.
A Formação de Professores no contexto da Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro
Sem desconsiderar a importância de se pensar os caminhos da Universidade, tendo
em vista a fragilidade que pesa sobre a formação inicial dos professores,
concentraremos nossa atenção na formação continuada, visto que a ação
desenvolvida pela OLP envolve a formação de professores em serviço, como uma
educação permanente que traduz tanto o querer do professor quanto o querer da
instituição a que o docente está ligado:
Em termos ideais, teríamos, de um lado, um grupo de professores
ávidos por aprender sempre mais e, do outro lado, uma escola
realmente preocupada em investir na qualidade de seus recursos
humanos. Em termos reais, no entanto, o que se vê são alguns
professores buscando, a custa de seu próprio investimento pessoal e
material, o aperfeiçoamento necessário à atualização de seus
329
conhecimentos e algumas escolas buscando ofertar a seus docentes
algum tipo de formação continuada. Muitas vezes, no entanto, o que
se oferece ao professor são capacitações que não correspondem a seu
real interesse ou necessidade, esvaziando de sentido um processo que
deveria ser muito mais efetivo. (VASCONCELOS, 2012, p. 25).
Essa situação de falta de efetividade dos programas de formação de professores vai
se refletir nos resultados esperados. Estudos realizados pela Fundação Carlos Chagas
sobre as modalidades e as práticas de formação continuada em estados e municípios
brasileiros apontam para uma necessária revisão dos modelos de formação, tendo em
vista que relatórios do Programa de Promoção da Reforma Educativa na América
Latina e Caribe (Preal), do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE mostram
que tais programas não têm atingido às expectativas, ou seja, não têm revelado o
impacto esperado no processo ensino-aprendizagem. (Cf. RELATÓRIO FCC, 2011, p.
11).
Dessa maneira, acreditamos que realizar uma consulta acerca daquilo que o
professor considera como prioridade para a discussão no encontro de formação pode
ser um caminho para se garantir a efetividade das formações. Assim, o encontro vai
significar, de fato, um momento privilegiado de ampliação de conhecimentos e
também de troca de experiência, em que a prática de um docente possa iluminar a
prática do outro. Além disso, julgamos necessário substituir o discurso de coerção,
muitas vezes revelado na convocação dos professores a que participem dos encontros
de formação, pelo discurso de sensibilização, de modo que os professores,
espontaneamente, decidam pela participação. Isso só vai contribuir para aumentar a
confiança do professor no grupo gestor, possibilitando um maior engajamento nas
ações de formação.
No que diz respeito à OLP, o programa desenvolve ações de formação presencial e a
distância. Além disso, produz material que resulta de pesquisas na área de leitura e
produção de textos e elabora materiais pedagógicos e educativos. Em nosso caso,
focalizaremos a ação de formação presencial, em que atuamos como docente
formadora e de que participaram professores e/ou técnicos da rede municipal e
estadual do Estado do Espírito Santo.
330
Naquele momento, em consonância com os parceiros da OLP no Estado do Espírito
Santo - o Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed) e a União Nacional
dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime), que coordenaram o encontro de
formação, foram assim descritos os objetivos gerais da formação presencial oferecida
pela OLP:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Disseminar práticas de ensino da leitura e escrita na perspectiva do gênero.
Trabalhar com a concepção (língua, discurso, gênero) e metodologia
(sequência didática) propostas nos Cadernos do Professor - Orientação
para produção de textos.
Disseminar o conhecimento sobre gêneros textuais, acumulado pela
Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro.
Ampliar o repertório de práticas de ensino para o maior número possível
de educadores.
Possibilitar a formação de um grupo de educadores, de acordo com os
princípios de ensino de Língua Portuguesa presentes nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s) e adotados pela Olimpíada.
Apoiar os técnicos de secretarias na atuação como formadores.
Promover o protagonismo local e discutir o papel do formador.
Fortalecer a parceria com as Secretarias de Educação e com as
Universidades.
Contribuir para a melhoria da qualidade da leitura e da escrita nas escolas.
Para dar conta desses objetivos e também daqueles que se ligavam, especificamente,
ao desenvolvimento da oficina, o encontro de formação aconteceu em dois dias e
meio, num total de 20 horas, e se constituiu em momento privilegiado de reflexão e
ampliação dos conhecimentos necessários à função do professor multiplicador. Além
disso, a troca de experiências também possibilitou o exercício de reflexão sobre a
prática pedagógica e a relação com a teoria que é capaz de conferir fundamento ao
fazer do professor.
A respeito da relação teoria/prática, Vasconcelos (2001) alerta para o fato de que
em educação, teoria e prática se alimentam mutuamente num
processo de revisão e reforço contínuos, de tal forma que a teoria
educacional não tem sentido sem a prática, e esta não só aponta para
a sua aplicabilidade, como aponta os caminhos a serem pesquisados
em busca de soluções para novos problemas, trazidos pelo cotidiano
docente e que possibilitarão o afloramento de novas teorias.
(VASCONCELOS, 2001, p. 12)
331
Desse modo, procuramos realizar um encontro que conjugasse teoria e prática, a fim
de que os professores e os técnicos pudessem encontrar o melhor caminho para o
trabalho com a crônica.
O gênero crônica na Formação Presencial da Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro
Como dissemos na seção anterior, ter respaldo teórico é fundamental para a atuação
do professor em sala de aula. Retomaremos, pois, alguns conceitos que abordamos
em trabalhos anteriores (mas, aqui, sem a pretensão da exaustividade) e dos quais
nos utilizamos para preparar o encontro presencial: o conceito de gênero discursivo
e, mais especificamente, o conceito de crônica.
Se pretendemos, no encontro de formação, focalizar o gênero crônica, não poderíamos
partir de outro conceito que não o de gênero discursivo. É imperativo, portanto,
voltar a Bakhtin (2000) para que recuperemos a importância de seus trabalhos sobre
gênero do discurso.
Em seu livro Estética da Criação Verbal (2000), Bakhtin nos apresenta a noção de
gênero discursivo. Para o autor, os gêneros são caracterizados como atividades
sociodiscursivas que se definem por tipos relativamente estáveis de enunciados,
produzidos nas mais diversas esferas de comunicação. Entendendo a linguagem
como interação social, que se realiza, muitas vezes, sob a forma de enunciados orais
ou escritos, consideramos, tal como Bakhtin, que cada enunciado vai refletir as
condições e as finalidades das esferas de comunicação
não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja,
pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais -, mas também, e sobretudo, por sua
construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático,
estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no
todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de
uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado
isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo
isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2000, p. 279)
Ao tratar do enunciado como unidade real da comunicação verbal, Bakhtin aponta, como
332
pudemos ver acima, os três elementos responsáveis pela constituição dos gêneros: o
conteúdo temático, que designa aquilo de que se fala no enunciado e que é capaz de
provocar no interlocutor uma atitude responsiva; o estilo, que remete a questões de
seleção de recursos a serem utilizados, os quais permitem identificar o intuito
discursivo do locutor; e a construção composicional, que designa o modo como
conteúdo e estilo dão forma ao texto.
Levando em conta a multiplicidade dos gêneros do discurso, consideramos
importante a distinção que Bakhtin faz entre gêneros primários e gêneros
secundários. Para o autor, os primários (simples) surgem em situações de
comunicação espontâneas, enquanto os secundários (complexos) se constituem em
uma situação de comunicação mais complexa, mormente escrita, e, no processo de
sua formação, podem absorver e transmutar os gêneros primários. Para exemplificar,
o autor cita o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico como
gêneros secundários e a réplica do diálogo cotidiano ou a carta pessoal como gêneros
primários que podem ser, inclusive, componentes dos gêneros secundários.
Bakhtin considera a importância teórica dessa distinção entre gêneros primários e
secundários, tendo em vista a necessidade de se elucidar a natureza do enunciado.
Para ele,
aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a
fala do outro, sabemos logo, bem nas primeiras palavras, pressentirlhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo
discursivo), a dada estrutura composicional usada, prever-lhe o fim,
ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo (...) Se não
existissem os gêneros de discurso e se não os dominássemos, se
tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se
tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a
comunicação verbal seria quase impossível. (BAKHTIN, 2000, p. 302)
Como o encontro de formação focalizava o gênero crônica, consideramos também
muito importante nos determos na teoria que fundamentou o nosso trabalho com o
grupo de professores.
Bem sabemos que a crônica possui raízes historiográficas importantes. Todavia,
vamos nos concentrar, aqui, na origem da crônica no Brasil. É no momento da
imprensa que a crônica começa a fazer a sua história. Aqui, ela passa a ser publicada
333
em folhetim e vai se diferenciar dos outros gêneros, uma vez que, sendo um texto
curto, era publicada integralmente, diferentemente dos romances que, mais longos,
eram publicados em capítulos.
De acordo com Sá (2001), no início, o folhetim era eminentemente informativo. No
entanto, com Paulo Barreto, o João do Rio, tanto a linguagem quanto a estrutura do
folhetim se modificaram:
Com essa modificação, João do Rio consagrou-se como o cronista
mundano por excelência, dando à crônica uma roupagem mais
literária, que, tempos depois, será enriquecida por Rubem Braga: em
vez do simples registro formal, o comentário de acontecimentos que
tanto poderiam ser do conhecimento público como apenas do
imaginário do cronista, tudo examinado pelo ângulo subjetivo da
interpretação, ou melhor, pelo ângulo da recriação do real. (SÁ, 2001,
p. 9).
Nesse contexto, a crônica é entendida como um gênero jornalístico, uma vez que
herda do suporte onde é publicada as suas características: a efemeridade, a
simplicidade, o coloquialismo. Mas também é literatura, na medida em que o olhar
sobre o cotidiano se revela singular.
Em seu estudo sobre a crônica, Marquesi (2005) propõe algumas estratégias para a
leitura de textos desse gênero: a primeira se liga à possibilidade de identificar a
conversa imaginária instaurada entre o autor e o leitor; a segunda se relaciona com
possibilidade de determinar no texto marcas que remetem ao ponto de vista do
cronista;
a
terceira
se
volta
à
possibilidade
de
reconhecer
marcas
de
intertextualidade; por fim, a quarta se refere à possibilidade de perceber o fim
ilocutório do cronista, por meio de relações textuais e contextuais. De acordo com a
autora, o cronista é um observador de seu tempo. No entanto, seu objetivo não é dar
informações sobre os fatos do cotidiano, mas sim propor uma reflexão sobre eles.
Assim, depois das considerações acerca do gênero e também da leitura de várias
crônicas, a partir das quais se pôde reconhecer a função social de tal gênero, partimos
para a análise de textos escritos por alunos que participaram das edições da OLP.
334
As produções dos alunos na Olimpíada de Língua Portuguesa
Para análise, foram escolhidas produções dos estudantes que chegaram até a última
etapa da segunda edição da OLP e que, por conseguinte, foram publicadas em uma
coletânea125 de textos finalistas. Aqui, destacaremos um dos textos dessa coletânea:
O galho, o suspiro e o pulo
Logo pela manhã acordamos com o cheirinho do café que passeia
pelo meio da casa. Comemos um pedaço de pão para enganar o
estômago, e nem deixamos o sol abrir os olhos direito já apanhamos a
baladeira e saímos como foguetes descendo pela Rua dos Pioneiros
até chegar a um caminho estreito cheio de mato, sem errar a passada
para o sítio do seu Jorge, à beira do rio dos Garimpos.
O lugar é cheio de coqueiros, cajueiros e pés de manga que de tão alto
quase toca o céu. De vez em quando um pé de vento nos arrasta para
o rio, que nos agracia com o seu frescor. E as árvores? Ah, aquelas
árvores cheias de frutas deliciosas, suculentas, de cores variadas que
nos convidam para um banquete delicioso! Não demora muito para
toda a molecada chegar e começar a algazarra.
De todas as brincadeiras que inventamos aquela de que mais
gostamos é mesmo pega-pega e pular de galho em galho. Somos
verdadeiros macacos, habilidosos e brincalhões, pulamos cheios de
artimanhas sem errar o galho escolhido. Ficamos no topo das árvores
e, de lá, os meninos que não conseguem subir são vistos como
formiguinhas revoltadas indo de um lugar para outro. A tristeza
estampada nos seus rostos mostra o descontentamento inevitável,
protestos e gritos são ouvidos lá de baixo: “Assim eu não brinco!”,
“Isso é covardia!”, “Fazem isso porque não conseguimos subir”.
Quando o sol começa a se pôr, com seu tom avermelhado engolindo
as árvores, é o sinal para interrompermos a brincadeira. Indo embora,
o quase escuro é frio e calmo, uma brisa gostosa corre entre os matos
rasteiros; o barulho dos carros passando e dos pássaros do dia a
recolher as suas melodias é o anúncio de que estamos em casa. Até
que o cheirinho de café gostoso sirva, mais uma vez, como
despertador. (COLETÂNEA: textos finalistas 2012. Disponível em:
<http://www.escrevendo.cenpec.org.br/images/stories/publico/no
ticias/20101201cronica.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2013).
Observamos, nesse texto, que o sujeito comunicante focaliza o cotidiano de maneira
singular: o modo como se reporta a um momento de brincadeira de criança está
A coletânea está disponível no site da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro:
<http://www.escrevendo.cenpec.org.br/images/stories/publico/noticias/20101201cronica.
pdf>.
125
335
revestido de elementos eufóricos. Todas as outras situações se ligam ao instante que
é aqui focalizado: tanto o tempo – “Logo pela manhã acordamos com o cheirinho do
café que passeia pelo meio da casa” – quanto o local – “O lugar é cheio de coqueiros,
cajueiros e pés de manga que de tão alto quase toca o céu” – estão relacionados com a
brincadeira de criança, evocando seu início e fim, bem como o espaço escolhido pelas
crianças para o encontro festivo. De fato, para que uma brincadeira de pular de galho
em galho pudesse acontecer, seria mesmo necessário um local com árvores altas que
poderiam ser alcançadas por algumas crianças, e não por outras.
Como leitores, somos levados ao “sítio do seu Jorge, à beira do rio dos Garimpos”,
por meio do olhar daquele que fala no texto. A descrição que ele faz no segundo
parágrafo nos permite enxergar aquele local como propício para que a brincadeira
acontecesse. Da mesma forma que o locutor passa pelos coqueiros, cajueiros, pés de
manga, pelo rio, também nós vamos passando por esse local, até sermos levados ao
encontro da molecada que chega para começar a algazarra.
Não obstante a maneira como ele revela o tipo de brincadeira escolhida – “De todas
as brincadeiras que inventamos aquela de que mais gostamos é mesmo pega-pega e
pular de galho em galho” –, destoando da forma indireta com que vinha fazendo – o
terceiro parágrafo nos remete à brincadeira em si: ficamos sabendo que um grupo de
crianças consegue subir nas árvores e outro não consegue. Por isso, estas crianças são
vistas “como formiguinhas revoltadas indo de um lugar para outro”.
E mesmo que não tenha determinado bem o espaço de onde fala – observamos que o
advérbio lá ora designa o alto das árvores, ora o lugar onde estariam as crianças que
não conseguiram subir – a descrição que faz das que ficaram embaixo nos permite
pensar sobre isso e até – quem sabe – sentir o mesmo descontentamento que aquelas
crianças devem ter sentido.
No último parágrafo, o locutor se reporta ao término da brincadeira. Mais uma vez,
tempo e espaço são evocados – o pôr-do-sol e o caminho de volta para casa: “Indo
embora, o quase escuro é frio e calmo, uma brisa gostosa corre entre os matos
rasteiros”. No entanto, em uma fração de segundos, ele sai do mato rasteiro e chega
em casa, o que demonstra, mais uma vez, a dificuldade de localização no espaço e no
tempo.
336
Ao longo da crônica, observamos, portanto, as impressões muito particulares de um
sujeito que deseja compartilhar conosco algo que lhe é significativo. Assim, podemos
reconhecer no texto a conversa imaginária instaurada entre autor e leitor e também o
ponto de vista do cronista, dada a importância que confere a esse instante lúdico que
acontece na interação com outras crianças.
E embora a baladeira126 tenha sido mencionada no primeiro parágrafo e, depois, tenha
desaparecido, consideramos que a referência a ela e também à Rua dos Pioneiros, ao
sítio do seu Jorge, ao rio dos Garimpos, reveste o texto da identidade regional que traduz
a variedade do nosso país, tal como ocorre com diversos outros textos da coletânea.
Considerações Finais
Este artigo surgiu com a intenção de apresentar os resultados de uma oficina
realizada no encontro de formação presencial da Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro.
A abordagem teórica que fizemos acerca da noção de gênero discursivo e, em
especial, do gênero crônica, bem como a leitura de crônicas escritas por autores
capixabas, possibilitaram aos professores a compreensão de que o trabalho precisa
estar pautado na função social do gênero em questão. Nesse sentido, vale lembrar
Marcuschi (2011), para quem “as teorias do gênero que privilegiam a forma ou a
estrutura estão hoje em crise, tendo-se em vista que o gênero é essencialmente
flexível e variável, tal como seu componente crucial, a linguagem.” (MARCUSCHI,
2011, p. 19).
Além disso, as crônicas que foram produzidas pelos alunos permitiram que os
professores (em formação) observassem dois aspectos fundamentais: primeiro, a
necessidade de se estabelecerem estratégias de intervenção para os problemas que
surgem na prática da escrita, como, por exemplo, a dificuldade de localização no
espaço e no tempo, observada no texto que foi aqui analisado; segundo, as
potencialidades de uma produção textual que reflete a identidade, a cultura. De fato,
na variedade de textos que foram produzidos, pôde-se perceber como, dentro de um
No Nordeste, baladeira significa pequena
elástico, para atirar pedras; estilingue; atiradeira.
126
337
forquilha
de
madeira,
com
mesmo estado, ou de um estado para o outro, culturas diferentes movimentam
escritas também diferenciadas, sempre associadas ao lugar social à que pertencem os
sujeitos-escritores.
E, assim, vemos a formação de professores atendendo aos Parâmetros Curriculares,
segundo os quais, quando a escola leva em conta “a diversidade, tem como valor
máximo o respeito às diferenças – não o elogio à desigualdade. As diferenças não são
obstáculos para o cumprimento da ação educativa; podem e devem, portanto, ser
fator de enriquecimento” (PCN’s, 1997, p. 63).
Referências bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). Relatório Pedagógico Enem 2008. Brasília: MEC/Inep, 2008.
______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). Relatório Pedagógico Enem 2007. Brasília: MEC/Inep, 2007.
______.
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Língua
Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Como abraçar o lugar em que se vive. In:
REVISTA Na Ponta do Lápis, Cenpec, ano IV, nº 10, p. 8-9. dezembro, 2008.
COLETÂNEA
-
Textos
Finalistas
2012:
crônicas.
Disponível
em:
<http://www.escrevendo.cenpec.org.br/images/stories/publico/noticias/20
101201cronica.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2013.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e
circulação. In. KARWOSKI, Acir Mário Karwoski; GAYDECZKA, Beatriz;
BRITO, Karim Siebeneicher. (Orgs.) Gêneros textuais: reflexões e ensino. São
Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 17-31.
MARQUESI, Sueli Cristina. Lendo crônicas: perspectivas para a formação de leitores
críticos. In: ANDRADE, Carlos Augusto Baptista de; ROSSATO, Edson.
(Orgs.) Prática de Escrita - A Crônica: um estímulo à percepção e à criatividade. São
Paulo: Andross, 2005. p. 35-45.
338
RANGEL, Egon de Oliveira. A Olimpíada e as políticas públicas para o ensino e
aprendizagem de língua portuguesa. In: REVISTA Na Ponta do Lápis, Cenpec,
ano VI, nº 13, p. 7-9. fevereiro, 2010.
RELATÓRIO Fundação Carlos Chagas. Formação Continuada de professores: uma análise
das modalidades e das práticas em estados e municípios brasileiros. Disponível em: <
http://www.fvc.org.br/pdf/relatorio-formacao-continuada.pdf>. Acesso em:
10 nov. 2012.
REGULAMENTO Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Disponível em:
<http://www.escrevendo.cenpec.org.br/images/stories/publico/olimpiada/
2012regulamento.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2012.
SÁ, Jorge. A crônica. São Paulo: Ática, 2001.
VASCONCELOS, Maria Lucia. Educação Básica: a formação do professor, relação
professor-aluno, planejamento, mídia e educação. São Paulo: Contexto, 2012.
______.
A
pesquisa
como
princípio
pedagógico:
(in)disciplina
na
escola
contemporânea. In: VASCONCELOS, Maria Lucia. (Org.) (In)disciplina, escola e
contemporaneidade. Niterói: Intertexto/São Paulo: Editora Mackenzie, 2001.
339
PRESENÇAS LUSÓFONAS:
IMIGRAÇÃO E EXPERIÊNCIAS CULTURAIS
NA ARGENTINA EM CHAVE HISTÓRICA
Adrián CANTEROS127
Resumo
Este trabalho tem como objetivo analisar e descrever algumas dimensões da presença
da lusofonia na Argentina, com a intenção de tornar visíveis os processos sociohistóricos que foram ocultados no imaginário social nacional pela política estatal
triunfante no final do século XIX, que pretendeu fazer do país, através da imigração e
da importação da produção cultural do velho continente, um estado moderno nos
moldes europeus. Para tanto, em primeiro lugar exploraremos o processo imigratório
que levou à Argentina diferentes povos de fala portuguesa, como os lusitanos, os
cabo-verdianos e os brasileiros, tentando identificar as causas do esquecimento
desses fluxos imigratórios e a sua contribuição à formação da sua população atual; e
em segundo lugar, analisaremos as práticas culturais que, ao longo do século XX
permitiram que a língua e a cultura do Brasil, de diferentes maneiras em distintos
momentos históricos, tivessem uma forte presença em âmbitos variados da sociedade
nacional.
Palavras-chave: Imigração lusófona – cultura brasileira – língua portuguesa.
Resumen
El objetivo de este trabajo es analizar y describir algunas dimensiones de la presencia
de la lusofonía en la República Argentina, con el propósito de tornar visibles los
procesos sociohistóricos que permanecieron ocultos en el imaginario social nacional
por la política estatal triunfante al final del siglo XIX, que pretendió hacer del país,
mediante la inmigración y la importación de la producción cultural del viejo
continente, un estado moderno como los europeos. Para ello, en primer lugar
abordaremos el proceso inmigratorio que llevó a la Argentina a diferentes pueblos de
habla portuguesa, como los lusitanos, los caboverdianos y los brasileños, intentando
identificar las causas del olvido de esos flujos inmigratorios y de su contribución a la
formación de su población actual; y en segundo lugar, analizaremos las prácticas
culturales que, a lo largo del siglo XX permitieron que la lengua y la cultura de Brasil,
de diferentes maneras en diferentes momentos históricos, tuvieran una fuerte
presencia en diferentes ámbitos de la sociedad nacional.
127
Universidad Nacional de Entre Ríos y Universidad Nacional de Rosário.
340
Introdução
Este trabalho tem por objetivo analisar e descrever dois tipos de processos culturais:
a imigração lusófona à Argentina nos últimos quinhentos anos e a política de
integração cultural desenvolvida pelo Brasil e pela Argentina ao longo do século XX,
no contexto das suas relações bilaterais. O propósito é tornar visíveis os processos
socio-históricos que foram apagados no imaginário social nacional pelo projeto
político triunfante no final do século XIX na Argentina, que pretendeu fazer do país,
através da imigração e da importação da produção cultural do velho continente, um
estado moderno nos moldes europeus.
Para tanto, o texto explora, em primeiro lugar, o processo migratório que levou para
a Argentina levas de diferentes povos de fala portuguesa, como lusitanos, caboverdianos e brasileiros, tentando identificar as causas do esquecimento desses fluxos
imigratórios; e, em segundo lugar, analisam-se as políticas culturais que, ao longo do
século XX permitiram que a língua e a cultura do Brasil, de diferentes maneiras em
distintos momentos históricos, tivessem uma forte presença em âmbitos variados da
sociedade nacional.
A imigração lusófona na Argentina
Quanto à imigração lusófona na Argentina, notadamente, a imigração portuguesa,
chama a atenção o escasso conhecimento existente fora de alguns poucos âmbitos
acadêmicos. Uma das possíveis explicações da escassa relevância atribuída a essa
imigração no Rio da Prata (PADILLA, 2004; AFONSO, 2005) é que ela nunca foi
numericamente expressiva, se comparada com os fluxos migratórios procedentes da
Itália, da Espanha e de outros países europeus. No entanto, diferentemente das
outras, essa imigração apresentou algumas características singulares. Em primeiro
lugar, começou logo no século XVI e se manteve até grande parte do século XX.
Nesse sentido, podemos dizer que é o fluxo migratório mais antigo e persistente da
Argentina. Com efeito, a presença dos portugueses no Rio da Prata começou com os
descobrimentos e a fundação de vilas e cidades no território argentino, já que havia
portugueses entre os expedicionários, fundadores de cidades e de vilas e vizinhos
341
das primeiras cidades americanas 128 (REITANO, 2003) . Essa situação levou o
imperador Carlos V a conceder a exploração e a colonização da região platina a
Pedro de Mendoza, quem em 1536 fundou o porto de Santa Maria del Buen Ayre, a
futura Buenos Aires (SANTOS, 2004).
Além de expedicionários, piratas, contrabandistas, negreiros, aventureiros e capitães
de empresas, também chagaram os chamados “cristãos novos”, expulsos do reino
durante o ano de 1577 (GARVICH, 1987, apud REITANO, op. cit., 13). Com a União
Ibérica (1580-1640), o número de portugueses cresceu em todas as cidades hispanoamericanas, notadamente na região platina, onde se dedicaram ao comércio e ao
tráfego de escravos. A própria Coroa Portuguesa estimulava seus súditos a chegarem
ao Prata, por considerá-la uma região de controvérsia devido aos limites difusos
entre as posses dos reinos ibéricos. Como resposta, os espanhóis, desta vez através de
Juan de Garay, refundaram Buenos Aires em 1580, o que favoreceu a radicação de
muitos portugueses nessa cidade.
As dificuldades práticas para limites precisos serem estabelecidos na área fizeram
com que os súditos das duas Coroas considerassem essa região como um espaço
comum. Essa situação foi admitida enquanto durou a União Ibérica (1580-1640). Mas
quando as Coroas se separaram, a guerra resultante disso trouxe grandes prejuízos
para ambos os lados. Muitos portugueses ou luso-brasileiros já se tinham
estabelecido em Buenos Aires e várias cidades da mesopotâmia argentina, razão pela
qual, para meados do século XVII, havia grande quantidade de portugueses e filhos
de portugueses nas cidades da futura Argentina.
A Guerra da Restauração (1640-1688) deixara Portugal com enormes dificuldades
financeiras, mas a Espanha não estava melhor depois de ter que suportar tantas
guerras no século XVII. Aproveitando essa situação, e com o objetivo de ter acesso à
prata do Alto Peru, de consolidar o comércio com a região do Prata e de alargar os
seus domínios para além dos limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, o rei
português Pedro II mandou o governador do Brasil no Rio de Janeiro, Manuel Lobo,
SANTOS (op. cit., p. 3) por exemplo, registra a presença de Pedro Lopes de Souza, irmão
de Martim Afonso de Souza, no estuário do Rio da Prata em 1531 e antes dele, uma
expedição de 1512 comandada por Estêvão Flores e João de Lisboa.
128
342
fundar, no coração dos domínios espanhóis da América meridional, a Colônia do
Santíssimo Sacramento (1680). Para os espanhóis, que durante muito tempo tinham
considerado essa área como periférica em relação ao eixo México-Lima, deixando-a,
desse modo, praticamente abandonada, era necessário acabar com o perigo que
representava a presença dos portugueses e dos ingleses no mercado local, que
forneciam escravos, tecidos, ferro, sal, especiarias, alimentos, etc., em troca da prata
do Alto Peru, em uma prática comercial que convinha por igual aos colonos
(espanhóis) e aos comerciantes (portugueses e ingleses).
O perigo aumentou ainda mais no decorrer do século XVIII, com o descobrimento de
ouro e diamantes no Brasil. Isso atraiu elevado número de portugueses, muitos dos
quais se estabeleceram nas cidades-portos do litoral, que constituíam também um
atrativo especial, e dentro dessas cidades, Buenos Aires foi percebida como fazendo
parte do litoral brasileiro, segundo o imaginário português da época (Reitano: op. cit).
Como prova disso, a Colônia do Sacramento continuou a ser a ponte por onde os
portugueses ingressavam ao Prata como comerciantes, artesãos ou camponeses,
procedentes principalmente do norte de Portugal.
Para meados do século XVIII o perigo crescera tanto que levou os espanhóis a
pensarem diferentes estratégias para conter o expansionismo português. De fato, os
espanhóis nunca aceitaram a presença lusa no que eles consideravam seus domínios
e por isso fundaram perto de Colônia a cidade de Montevidéu em 1724 e, finalmente,
criaram o Vice-Reino do Rio da Prata em 1776.
Mas a criação dessa nova entidade política, que significou um crescimento inusitado
de Buenos Aires, se transformou em fator de maior atração para os portugueses
desejosos de comerciarem e se beneficiarem da prata potosina 129 , bem como de
usufruir das vantagens de uma cidade em transformação. E isso, apesar da política
de controle que limitava, ou mesmo rejeitava, a presença de estrangeiros nos
domínios coloniais.
Metal retirado pelos conquistadores espanhóis das jazidas do Cerro Rico na cidade de
Potosi, atual Bolívia, principalmente durante os séculos XVI e XVII. Sua exploração foi uma
das bases da riqueza e opulência da Espanha.
129
343
Para o final do período colonial, não surpreende que os portugueses tenham
representado o grupo de estrangeiros mais numerosos no Rio da Prata, depois dos
espanhóis. O estado de guerra civil em que viveu o país na primeira metade do
século XIX e os conflitos com o Império pelo controle do atual território uruguaio,
desencorajaram a imigração, mas na segunda metade, um fluxo lento e quase
imperceptível trouxe para a Argentina homens que se dedicaram às atividades
marítimas, comerciais, artesanais e rurais, na sua maioria procedentes das cidades de
Porto, Lisboa e do litoral português.
Já no século XX e segundo dados estatísticos, à Argentina ingressaram, entre 1910 e
1950, 32.178 portugueses, em grande parte procedentes do Algarve (34,7%) e de
Guarda (25,45%) (BORGES,1997, apud PADILLA, 2004, p. 10). Esses imigrantes se
estabeleceram na cidade de Buenos Aires, nos distritos de La Matanza, Escobar,
Esteban Echeverria e General Rodríguez e no litoral atlântico. Um grupo de famílias
fugiu da ditadura salazarista e se fixou como trabalhadores rurais na Província de
Buenos Aires, na cidade de Isidro Casanova. A década de cinquenta foi o ponto
máximo da imigração lusitana tardia, e na sua maioria foi constituída de mulheres
que vinham ao encontro dos seus maridos através das chamadas “cartas de
chamada”, bem como de jovens e famílias que abandonavam o país devido à
obrigatoriedade do serviço militar que os teriam levado às guerras de independência
da África. A partir da década de sessenta o número de imigrantes portugueses
decresceu, até chegar, no censo de 1991, a registrar-se a presença de apenas 13.285
portugueses, a maioria procedentes do Norte (Porto, Bragança e Leiria).
Segundo Padilla (op. cit., p. 12), a comunidade luso-argentina é hoje de entre 12.000 e
14.000 portugueses nativos, chegando a 30.000 com os seus descendentes.
Como vimos, um fator que pode explicar o desconhecimento social da imigração
portuguesa na Argentina é a sua inferioridade numérica em relação aos imigrantes
procedentes de outras nações, como os italianos, os espanhóis, os alemães, os galeses,
etc. Um segundo fator é a política assimilacionista do Estado argentino. Um exemplo
da tensão que gera o fenômeno de argentinização apresenta-se na comunidade
portuguesa de Isidro Casanova e Gonzalez Catán. Uma parte dos portugueses, os
mais velhos, mantém as suas tradições, enquanto os mais jovens abandonam o
344
trabalho agrícola e vão morar na cidade cosmopolita onde adquirem as pautas
culturais nacionais.
Apesar de numericamente inexpressivos, os imigrantes portugueses mantiveram
suas tradições e difundiram-nas através de associações como centros culturais e
clubes dos quais o mais antigo é o Clube Português de Buenos Aires, fundado em
1918. Hoje são 23 associações e clubes espalhados por todo o país, mantendo vivas a
suas tradições culturais.
Além dos portugueses, um outro grupo lusófono que decidiu fazer da Argentina o
seu novo lar foi o dos cabo-verdianos (MAFFIA, 2000, 2003a, 2003b). Segundo Maffia
(2003a), a emigração do arquipélago para a região platina aconteceu em três etapas: a
primeira fase se deu entre finais do século XIX e começo do XX; a segunda, entre 1927
e 1933; e finalmente a terceira depois de 1946. Na sua maioria, os imigrantes
procediam das ilhas de São Vicente e de Santo Amaro, que deixaram suas terras
devido a fatores climáticos e sócio-econômicos, como períodos de seca seguidos de
fome, falta de trabalho e ausência de expectativas de um futuro melhor para seus
filhos.
A ausência de dados estatísticos precisos em relação aos imigrantes cabo-verdianos
na Argentina obedece a que, na imigração legal, ingressavam ao país com passaporte
português e na imigração ilegal resultava impossível registrar os ingressos
clandestinos, que se supõe foram numerosos, segundo algumas histórias de vida130.
Já no país, a comunidade cabo-verdiana preferiu morar perto do mar (Ensenada,
Dock Sud, La Plata) ou na cidade de Buenos Aires.
Maffia (2003, p. 1) considera que as primeiras pesquisas sobre a imigração caboverdiana são do final da década de 1970, e os dados disponíveis nesse momento
indicavam que havia na Argentina aproximadamente quatro mil cabo-verdianos,
entre nativos e descendentes.
Muitos trabalhavam na Marinha Mercante e na Armada Nacional, e outros nas
fábricas e estaleiros da zona de residência. Como tantos outros imigrantes, os caboverdianos também fundaram suas Sociedades de Socorro Mutuo, destinadas a resolver
Como as de Adriano Nascimento Rocha . Vide http://www.lanacion.com.ar/862751caboverdianos-vientos-de-cambio
130
345
os problemas de trabalho, moradia e para ajudar os novos compatriotas que
chegavam.
A comunidade cabo-verdiana inseriu-se na comunidade de acolhimento sem grandes
conflitos, ainda mais tendo em conta que tanto no discurso quanto na prática, o
Estado e a sociedade civil formada em uma visão eurocêntrica da argentinidade,
recusaram, durante muito tempo, a presença africana na configuração da sua
população nativa. Esse fenômeno vem sendo discutido criticamente na última década,
gerando nas novas gerações processos sócio-culturais reivindicatórios de uma
identidade afro-argentina, que se firma através da inserção da comunidade em
diferentes expressões culturais como festas, férias e exposições ou na participação
política pelo reconhecimento da influência africana na cultura argentina131 (MAFFIA,
2000, p. 58).
Finalmente, quanto à imigração brasileira, SPRANDEL (2002) e FRIGERIO (2002)
consideram que ela adota duas formas bem diferenciadas. Por um lado, há uma
imigração integrada por trabalhadores e pequenos ou grandes proprietários rurais
que se estabeleceram nas províncias limítrofes de Corrientes e Misiones. Esta forma
apresenta pautas endogâmicas e é essencialmente familiar. Por outro, um fluxo
imigratório cujo destino principal são as cidades do país, predominantemente
Buenos Aires e seus municípios vizinhos, constituído principalmente, mas não
exclusivamente, de mulheres. Essa população é fortemente exogâmica, já que, no
geral, as causas da emigração se associam à decisão de formar matrimônios entre
brasileiros/as e argentinos/as. Para Frigerio (op. cit., 19), a imigração brasileira “...
não se relaciona a questões profissionais e pode ser explicada pelo intenso fluxo
turístico que existiu entre os dois países nas duas últimas décadas”. Isso representa
No Censo do bicentenário, e por iniciativa de associações de afrodescendentes, foi incluída
uma pergunta para tentar identificar os antepassados africanos dos argentinos. O atual
governo argentino vem impulsionando uma poítica orientada a reformular e resgatar a sua
identidade, já que se considera que a argentinidade está integrada pela contribuição dos
povos originários, das grandes migrações europeias, dos descendentes de africanos e das
migrações latinoamericanas. Vide http://africaysudiaspora.wordpress.com
131
346
uma grande diferença com relação à imigração procedente dos outros países
limítrofes, que é fortemente endogâmica.
Quanto aos dados disponíveis, Arruñada (1999, em FRIGERIO, op. cit) analisou o
censo de 1991 e mostrou que apenas 5,1% da população residente no país é formada
por estrangeiros e dessa percentagem, 51% era de imigração procedente dos países
limítrofes. No entanto, a participação da população brasileira é muito baixa, da
ordem de 4%, o que revela que a maioria dos imigrantes dos países vizinhos não é de
nacionalidade brasileira.
Quanto à inserção dos brasileiros na sociedade de acolhimento, Frigerio (op. cit.)
considera que os imigrantes brasileiros estabelecidos nas cidades, contrariamente aos
imigrantes procedentes de outros países vizinhos, geralmente são socialmente aceitos,
desde que considerados portadores de uma cultura socialmente reconhecida e
positivamente valorizada: da imagem de alegria e cordialidade associada à cultura
brasileira, passando pela difusão da música, da dança, da capoeira, da língua e de
outros gêneros culturais, os argentinos foram mudando sua visão do Brasil e dos
brasileiros, e a isso contribuiu tanto o turismo favorecido pela proximidade
geográfica e pelas boas condições macro-econômicas dos anos 80 e 90, quanto um
maior nível de aproximação entre diferentes atores sociais, como professores,
pesquisadores, estudantes, artistas, escritores, funcionários, etc. (CERVO: 2002;
ARROSA SOARES: 2008).
O autor também sugere que o maior grau de aceitação da cultura brasileira se associa
à substituição do modelo de brasilidade carioca ou sulista vigente nos anos setenta e
oitenta pelo baiano nos anos noventa, fortemente vinculado à cultura afro-brasileira.
No geral, parte significativa dos imigrantes brasileiros dedica-se ao ensino e à
difusão de gêneros culturais já mencionados, quais sejam a língua, a música, a dança,
a capoeira, o folclore, a literatura, etc. Ribeiro (2002: 41, em DOMÍNGUEZ e
FRIGERIO: 2002) chama esses grupos de “trabalhadores culturais” e representam
uma amostra da heterogeneidade e complexidade das práticas culturais brasileiras
parcialmente presentes na sociedade argentina.
Até aqui, então, uma breve descrição da imigração lusófona na Argentina. A seguir,
vou me referir às relações bilaterais entre a Argentina e o Brasil e às políticas
347
culturais desenvolvidas com o intuito de aprofundar no conhecimento da cultura do
vizinho.
O estudo das relações bilaterias pode ser feito desde várias perspectivas diferentes.
Aqui interessa focalizar como as mudanças acontecidas no plano econômico, político,
social e cultural durante grande parte do século XX contribuíram a enfraquecer a
centralidade do Estado, permitindo não apenas o surgimento de novos atores não
governamentais e intergovernamentais na promoção e desenvolvimento das relações
internacionais, mas também – e principalmente – a transformação ou mesmo a
substituição da tradicional rivalidade e concorrência pela cooperação e pela
interdependência, e nesse processo ganharam relevância outros valores, e portanto,
outras problemáticas, como o desenvolvimento econômico e social, a inclusão, a
ecologia e a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais não renováveis, a
promoção do turismo e dos intercâmbios artísticos, científicos e tecnológicos, os
direitos humanos, o conhecimento e a compreensão das diferenças culturais em
contextos de crescente internacionalização e mobilidade populacional, o mútuo
conhecimento da cultura letrada e a promoção de uma identidade regional, dentre
outros.
Ora, a política de integração cultural só pode vir à tona quando foi possível superar
as desconfianças mútuas mediante projetos de maior conhecimento e respeito
recíproco, de complementariedade econômica, de participação conjunta nas
negociações nos foros multilaterais, de difusão do turismo, de intercâmbios
acadêmicos, científicos e tecnológicos, de aproximação de suas lideranças intelectuais
e políticas, e principalmente, a partir do projeto de construção de uma identidade
regional.
Entre 1898 e 1961 as relações entre o Brasil e a Argentina se caracterizaram por sua
instabilidade conjuntural e pela busca de cooperação, forjando-se nessa o primeiro
projeto de política cultural desenvolvido mediante a chamada Diplomacia Cultural
(ARROSA SOARES, 2008; SANTOS, 2006).
Segundo Rusell e Tokatlian (2003, 14) para finais do século XIX o Brasil, ou melhor,
suas classes dirigentes, eram vistas pelas homônimas da Argentina com indiferença
no plano econômico e cultural e com desconfiança no plano estratégico, notadamente
348
pela necessidade de evitar uma aliança entre o Brasil e o Chile em um momento de
tensas relações com o país transandino por questões limítrofes.
No entanto, a crise capitalista de 1929 e seu impacto no modelo agroexportador, as
ameaças interiores à ordem estabelecida – que impulsionaram o surgimento de
governos autoritários em ambos os países – e a necessidade de solucionar o conflito
da Guerra do Chaco foram os fatores que permitiram reformular a política bilateral e
colocaram a necessidade de manter um equilíbrio sempre frágil entre a aproximação
e a cooperação, de um lado, e a rivalidade e a concorrência, de outro.
Foi nesse contexto que adquiriu importância fundamental a Diplomacia Cultural
(ARROSA SOARES, op. cit., 55), que salientava a necessidade de promover não
apenas a cooperação política e econômica, mas também a cultural, através de ações
como o conhecimento da história e da cultura dos “outros” ou os intercâmbios
acadêmicos, científicos e tecnológicos, para favorecer, assim, a convivência pacífica.
A ideia da “convivência pacífica e do mútuo conhecimento e reconhecimento” teve,
então, uma forte acolhida entre argentinos e brasileiros, o que se refletiu em uma
série de acordos e convênios assinados durante as décadas de trinta a cinquenta e nos
quais a cooperação expressava a transformação e ampliação da tradicional agenda
dos países. Durante esse período, o trabalho de atores estatais e não estatais como os
grupos de intelectuais integrados por críticos literários, tradutores, escritores,
editores, diplomatas, historiadores, cientistas sociais, professores, pesquisadores, etc.,
tentaram – e tentam ainda -, mediante diferentes ações, contribuir ao conhecimento e
difusão do Brasil e da sua língua e cultura através de diferentes práticas. Vários
projetos de promoção e realização de intercâmbios e de cooperação entre vários
grupos da sociedade civil surgiram por todo lado. Por isso, as visitas recíprocas dos
Presidentes Justo (1933) e Vargas (1955) e a assinatura de numerosos Tratados e
Convênios, como os do fomento do Turismo; de intercâmbio intelectual e artístico; de
revisão dos textos de história e geografia; de troca de publicações e de intercâmbio de
professores e estudantes (RUIZ MORENO, 1965; FRAGA, 2000, em SANTOS, 2009,
358) expressam essa nova fase de cooperação e amizade. Santos (op. cit.) mostra que
as principais linhas de ação político-cultural foram, nesse período, a criação dos
Institutos Culturais, cuja missão era promover, perante as autoridades de cada
349
Estado, os benefícios decorrentes de um maior e melhor conhecimento da geografia e
da história do Brasil e da Argentina, bem como difundir o ensino de suas respectivas
línguas e literaturas, a produção científica, comercial e industrial de cada país, e
estimular o turismo. Além dessas atividades, correspondia aos institutos organizar
Congressos, Seminários, Concursos literários, missões culturais, mostras de livros, de
cine, de música, de arte e de teatro, o que revela a importância dessas instituições
como agentes de difusão cultural.
Uma das práticas culturais mais relevantes para o conhecimento do outro foram as
de tradução e publicação de diferentes gêneros literários e científicos produzidos por
autores brasileiros, que permitiram construir um valioso acervo para o estudo das
relações culturais bilaterais.
A decisão de difundir a cultura letrada brasileira nasceu da consciência do
desconhecimento da produção cultural desse país na Argentina, e especialmente da
produção literária, e se expressou pela primeira vez em 1900, através do livro El
Brasil Intelectual (SORÁ, 2003, 21) do intelectual, jornalista e diplomata argentino
Martín García Mérou. Desde esse momento e ao longo dos últimos cem anos, a
tradução e publicação de autores brasileiros em Buenos Aires passou por diferentes
etapas, decorrente dos avatares das condições objetivas políticas, literárias, editoriais
e educacionais que permitiram ou dificultaram essas práticas.
Por exemplo, entre 1900 e 1937 a edição de autores brasileiros foi esporádica e quase
inexpressiva, devido aos conflitos bilaterais de início do século XX. Na verdade,
Garcia Mérou idealizou seu livro como uma contribuição ao movimento gerado a
partir da visita do Presidente Campos Salles à Argentina em 1900 e, portanto, como
um elemento simbólico de intercâmbio para reduzir as tensões deixadas pelo triunfo
brasileiro no conflito Misiones/Palmas. (DEVOTO e FAUSTO, 2008). É o próprio
autor que assume a sua obra como uma missão diplomática “inspirada nas
conveniências nacionais e nos sentimentos de respeito e mútua consideração que
alicerçam solidamente a amizade dos povos” 132 (GARCIA MÉROU, 1900, apud
SORÁ, op. cit., 81). No entanto, essa amizade não durou muito tempo, já que durante
132
A tradução é nossa.
350
a primeira década do novo século o Brasil e a Argentina quase chegaram à guerra em
1908.
Apesar disso, e nesse contexto político-diplomático a “Biblioteca La Nación”,
traduziu e publicou livros como Memorias Póstumas de Bras Cubas e Esaú y Jacob, de
Machado de Assis, Inocencia, de Alfredo de Taunay, El Mulato, de Aluízio de
Azevedo e La Esfinge, de Afrânio Peixoto, Canaán de Graça Aranha, Flor Seca y otros
cuentos de Madeiros e Albuquerque, e a primeira Antologia de autores brasileños, do
espanhol Braulio Sanchez Sáenz.
É só a partir da década de trinta que as relações entre o Brasil e Argentina ganham
novo impulso, pela necessidade de acabar com a Guerra do Chaco (1933-1935) e de
reconfigurar o circuito comercial entre ambos os Estados a partir da crise capitalista
de 1929 (MONIZ BANDEIRA, 2002). Essa aproximação nas relações bilaterais gerou
novo impulso na integração cultural, o que se revelou, por exemplo, em um aumento
considerável das traduções, que atingiram uma média de sete por ano, e se
consolidaram com a aparição de duas coleções dedicadas exclusivamente à difusão
dos autores brasileiros: a “Biblioteca de Novelistas Brasileños”, de caráter comercial,
publicou preferentemente romances; e a “Biblioteca de autores brasileños traducidos
al castellano”, de caráter oficial, privilegiou o chamado “pensamento social”.
Em 1942 e continuando a tradição inaugurada por Garcia Mérou, Ricardo Sáenz
Hayes publicou El Brasil Moderno. Nele, o autor apresentou um panorama histórico,
geográfico, político, econômico e regional que permitia explicar a vida cultural do
país. Na parte final do livro, analisou e descreveu personagens tão diferentes quanto
Ruy Barbosa, Getúlio Vargas e Gilberto Freire. O objetivo do livro, mais uma vez, foi
contribuir a um maior e melhor conhecimento do vizinho e, ao mesmo tempo,
continuar com o processo revisionista que inspirou o trabalho da Comissão Revisora
dirigida por Levene e Calmon (que traduziram obras como Historia de la Civilización
Brasileña, de Pedro Calmon, Los Sertones, de Euclides da Cunha; Casa Grande y Senzala
de Gilberto Freire, San Pablo en el siglo XVI. Historia de la villa de Piratininga, de
Alfonso de Taynay, etc. ) Destarte, segundo seu autor, a obra permitiria terminar com
os maus-entendidos gerados pelos manuais escolares e pela imprensa, “que
351
reproduzem estereótipos e mal-interpretam a verdadeira natureza do país vizinho”.
(SORÁ, op. cit., 171).
No nício dos anos quarenta, a difusão do pensamento brasileiro na Argentina atingiu
um grau de expressividade como nunca antes alcançara, e isso foi um fator decisivo
para que em 1942 fosse criada a Cadeira de Estudos Brasileiros do Colegio Libre de
Estudios Superiores, uma instituição parauniversitária que convocava intelectuais de
outros países da América Latina. Também durante a década de quarenta, várias
editoras comerciais difundiram a obra de autores como Monteiro Lobato, Erico
Verissimo, Jorge Amado, Aluízio de Azevedo, Machado de Assis, José de Alencar,
Manuel A. de Almeida, Olavo Bilac e José Lins do Rego.
Entre 1945 e 1952 a tradução e publicação de livros de autores brasileiros decresceu
significativamente, e só se recuperou a partir de 1960, com uma média de oito títulos
entre 1960 e 1990. A partir de 1953 começou a publicação de poesias de Carlos
Drumond de Andrade, Clarice Lispector e Vinícius de Moraes. Também o teatro de
Nelson Rodrigues, Guilherme Figueiredo, Pedro Bloch e Abílio Pereira de Almeida
tiveram seu espaço de publicação garantido. O mesmo aconteceu com a literatura
infantil, na obra de Maria Clara Machado.
Além dos gêneros literários, durante os anos sessenta e setenta foram publicados
numerosos trabalhos da área das ciências sociais e política, como Historia Económica
del Brasil e Evolución Política de Brasil, de Caio Prado Júnior; Burguesia y Proletariado en
el nacionalismo brasileño, de Hélio Jaguaribe; e Evolución Social y Económica de Brasil, de
Nelson Werneck Sodré.
Muitas outras ações, como a a realização de mostras de pintores argentinos e
brasileiros, o intercâmbio de professores e alunos, a criação de delegações que
visitavam os países, os concursos de redação e de poesia, e o outorgamento de bolsas
de estudo para pesquisar sobre o país vizinho, demostram que a política cultural se
orientava a criar um sentimento de fraternidade entre ambos os povos.
Terminando a década de cinquenta, a Argentina e o Brasil tentaram revitalizar o
espírito de cooperação cultural dos anos trinta e quarenta, que a Segunda Guerra
Mundial tinha sepultado. Para isso, mais uma vez foi assinado novo Convênio de
352
Intercâmbio Cultural133 mediante o qual os respectivos governos se comprometiam,
entre outras coisas, a renovar o intercâmbio cultural, subsidiando as atividades
realizadas pelas instituições culturais, educacionais e científicas dedicadas à difusão
das respectivas línguas e culturas; a tentar incluir no currículo do ensino médio e dos
cursos pré-universitários, o ensino do idioma da outra parte, bem como o ensino da
literatura nas cadeiras de Literatura Americana das Faculdade de Filosofia e/ou
Letras; e finalmente, a fomentar a criação de centros de ensino e difusão da língua e
da cultura da outra parte, oferecendo condições favoráveis para a mobilidade
acadêmica dos docentes encarregados de ministrar os cursos nesses centros.
Podemos ver, então, que entre 1930 e 1960 existiu um projeto de cooperação cultural
entre argentinos e brasileiros, com momentos de rivalidade, e que foi essa política
que gerou avanços significativos, mas também recuos provocados pelas demandas
do contexto internacional.
No início dos anos sessenta cada estado teve que resolver os próprios problemas
internos que se avolumavam, o que explica o abandono definitivo da aproximação e
sua extinção com a chegada dos governos militares em ambos os países. A
substituição da democracia pelos governos autoritários da década de sessenta
marcaram o início de uma nova fase de instabilidade conjuntural com predomínio da
rivalidade entre 1962 e 1979, período que se caracterizou pelas tensões geradas em
um contexto de ressurgimento da hipótese de conflito bélico com o Brasil, devido ao
problema do uso dos recursos hídricos do rio Paraná.
Para o final da década de setenta, ambos os Estados retomaram a cooperação,
primeiro no plano energético (assinatura do Acordo Tripartite para superar o
problema das barragens de Itaipu e de Corpus) e mais tarde no militar, o que revelou,
por fim, o abandono definitivo das possibilidades de conflito armado com o Brasil;
além disso, propôs-se a interconexão entre os sistemas elétricos dos dois países, a
construção de uma ponte internacional sobre o rio Iguaçu, que hoje é conhecida
como Ponte Tancredo Neves, e um acordo de cooperação científica e tecnológica.
Essas medidas inauguraram uma nova fase de construção da estabilidade estrutural
133
Aprovado quatro anos mais tarde por lei 7672/63.
353
pela cooperação (1979-1987) (Candeas, op. cit.). Fator chave para acabar com as
desconfianças e os receios foi a atitude assumida pelo Brasil durante a guerra pela
recuperação das Ilhas Malvinas, que não apenas defendeu o direito da Argentina
sobre as ilhas, mas também assumiu a representação dos interesses de Buenos Aires
em Londres. Segundo Moniz Bandeira (1993), o governo brasileiro, que poderia ter
tirado vantagem da conjuntura, preferiu acabar com o sentimento de rivalidade,
restabelecer a confiança e fomentar as condições para uma posterior integração
econômica com a Argentina.
Do processo histórico que inicia em finais dos anos setenta podemos salientar, em
primeiro lugar, que ao lado do maior ou menor protagonismo do Estado, outros
atores da sociedade civil, como aconteceu na década de trinta, adotaram o ideário
integracionista,
desenvolvendo
diferentes
projetos
e
programas
de
complementaridade em muitas e diferentes áreas; em segundo lugar, que a partir de
finais da década de setenta se produziram novas e melhores condições para uma
nova aproximação, com a recuperação da cooperação em áreas estratégias, como a
energética e a militar, primeiro, e da integração econômica, política e cultural mais
tarde; e finalmente, e no que diz respeito ao papel da língua e da cultura do Brasil
nesse processo de cooperação e integração, a situação se modificou radicalmente.
Quanto à difusão da cultura letrada, as últimas décadas do século XX são
testemunhas da publicação de obras de José Mauro de Vanconcelos, Jorge Amado e,
principalmente, Paulo Coelho. Além disso, da intensificação das relações entre
argentinos e brasileiros através dos intercâmbios acadêmicos, artísticos, etc.,
surgiram obras como as de Antelo, Confluencia: literatura argentina por brasileños,
literatura brasileña por argentinos; Rapoport, Argentina y Brasil en el Mercosur; políticas
comunes y alianzas regionales; Recondo, Mercosur: la dimensión cultural de la integración;
Amante e Garramuño, Absurdo Brasil. Polémicas en la cultura brasileña; Devoto e Fausto,
Argentina-Brasil: 1850-2000. Um ensayo de historia comparada, etc.
Esse projeto de difusão cultural através da tradução das obras de autores brasileiros
consagrados se vinculou e se vincula ainda, pelo menos do lado argentino, com o
interesse de suas elites intelectuais de difundir a produção literária e científica
brasileira como condição para um maior conhecimento e compreensão da cultura
354
brasileira e do seu povo; com o papel do Estado na definição de políticas culturais e
de acordos bilaterais que permitissem acabar com as tradicionais rivalidades; e com a
intensa atividade dos intérpretes e “importadores” (como Benjamín de Garay,
Bernardo Kordon, Haydé Jofré Barroso e Santiago Kovadlof) que mantinham
vínculos com
membros das elites intelectuais do Brasil 134 , fenômenos que vêm
aumentando nos últimos vinte anos (CERVO: 2002).
Considerações finais
Ao longo do trabalho vimos que a imigração lusófona para a Argentina apresenta
certo grau de complexidade, devido a várias razões: em primeiro lugar, por ter sido
uma imigração de caráter permanente, embora nunca massiva, nos últimos
quinhentos anos; em segundo lugar, por ter sido um processo multicausal, ou seja,
um fenômeno sócio-histórico associado a diferentes fatores em distintos momentos,
que vão da necessidade de descobrir e conquistar novas terras, de colonizar espaços
potencialmente lucrativos, de comerciar, de fugir das perseguições religiosas ou
políticas, das secas e da falta de expectativas, das ameaças de uma morte segura nas
guerras de independência da África, até os desejos, profundamente humanos, de
trabalhar e desenvolver uma vida melhor ou de formar núcleos familiares estáveis; e
em terceiro lugar, por ser um processo invisível para a maioria da população
argentina, apesar de ter recebido um certo tratamento nas ciências sociais (REITANO,
op. cit.; MAFFIA, op. cit.; FRIGERIO, op. cit.).
Do lado das políticas culturais, o breve percurso pela história das relações entre o
Brasil e Argentina permitiu mostrar que as políticas culturais marcaram, com
diferente intensidade em cada etapa, uma transformação na tradicional agenda
bilateral durante os anos 1930 a 1960 e 1987 a 2011. Isso revela a complexidade e o
dinamismo das relações entre ambos os países, que parecem encaminhadas, apesar
dos numerosos obstáculos de todo tipo, a construir a integração como uma resposta
própria aos desafios que coloca a globalização. É claro que isso não significa que não
existam os conflitos, já que as relações com o Brasil foram e são pendulares entre a
Sora (op. cit.) comenta que Graciliano Ramos escreveu mais cartas para o tradutor de
autores brasileiros Benjamin de Garay do que para sua mulher, Heloísa Ramos.
134
355
amizade e a rivalidade, predominando uma ou outra de acordo com a circunstância e
com o contexto regional e mundial.
Embora o Estado tenha sido e continue a ser um ator fundamental na promoção das
políticas públicas de cooperação e integração, isso não impediu que outros atores
sociais e políticos impulsionassem seus próprios projetos de difusão da língua e da
cultura do Brasil na Argentina, como os Institutos Culturais, as Associações de
Professores, os pesquisadores e especialistas de diferentes campos disciplinares, as
Universidades da região e outros agentes culturais. Também as relações culturais
espontâneas, notadamente aquelas que são decorrentes de contatos individuais com
uma cultura estrangeira por meio de viagens turísticas, da leitura de livros e, no geral,
do contato com filmes, música e programas de rádio e televisão contribuíram a
aumentar os contatos interculturais.
Nesse sentido, acreditamos que apesar dos avanços significativos, ainda resta um
longo caminho por percorrer na criação de uma identidade regional coletiva
(ARNOUX: 2010) e nesse projeto, tanto o Estado quanto a sociedade civil têm um
papel complementar e não intercambiável.
É importante salientar que as ações desenvolvidas entre 1930-1960 e 1987-2011,
revelam uma certa continuidade em áreas como: 1) a formação e o intercâmbios de
docentes, especialistas e alunos, com o objetivo de facilitar o conhecimento da
realidade e de promover um maior desenvolvimento humano, cultural, científico e
tecnológico; 2) a difusão da aprendizagem dos idiomas oficiais de ambos os países
através dos sistemas educacionais formal, não formal e informal; 3) o
desenvolvimento de programas para a formação e capacitação de docentes que
facilitem o ensino e a aprendizagem do português e do espanhol; 4) o conhecimento
da história, da geografia e da cultura letrada dos países da região e outros temas que
dão conta do reconhecimento do papel que cabe às diferentes ciências sociais na
construção de uma identidade regional.
Finalmente, novas perspectivas ideológicas e políticas nos últimos anos foram
contribuindo para que a Argentina começasse a reconhecer lentamente a influência
pluricultural e multiétnica na configuração da sua população. Além disso, a
importância da integração com o Brasil e com outros países lusófonos vem
356
promovendo um futuro de expansão da língua e da cultura brasileira no território
argentino que, com certeza, terá a outra face da moeda na expansão do espanhol
latino-americano, e da sua complexa e variada produção cultural, no território
brasileiro, em um diálogo Sul-Sul que instaure novos modos de vida mais inclusivos
e humanos, em um momento histórico das relações entre o Brasil e a Argentina que
representa “... não apenas a soma de dois países e sim a multiplicação de forças e de
potencialidades”135
Referências bibliográficas
AFONSO, Mónica. Los portugueses en el Gran Buenos Aires, pérdida y presencia de su
Disponível
lengua.
em
http://www.monografias.com/trabajos38/portugueses-buenosaires/portugueses-buenos-aires.shtml. Acesso em 25 out.2011.
ARNOUX, Elvira. Reflexiones glotopolíticas: hacia la integración sudamericana. In
ARNOUX, Elvira.; BEIN, Roberto. (comp.). La regulación política de las prácticas
linguísticas. Buenos Aires: Eudeba. 2010.
_________. Representaciones sociolinguísticas y construcción de identidades
colectivas en el Mercosur. In CELADA, María Teresa et al. (coor.). Lenguas en
um espacio de integración. Buenos Aires: Biblos. 2010.
ARROSA SOARES, María Susana. A Diplomacia cultural no MERCOSUL. Disponível
em http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v51n1/a03v51n1.pdf
Acesso em 7
jul.2011.
BEIN,
Roberto.
Los
idiomas
del
Mercosur.
Disponível
em
http://www.revistatodavia.com.ar/notas/bein/frame_bein1.htm. Acesso em
04 out. 2011.
__________. El plurilingüismo como realidad lingüística, como representación
sociolingüística y como estrategia glotopolítica. In ARNOUX, Elvira; BEIN,
Roberto (Comp.). Prácticas y representaciones del lenguaje. Buenos Aires: Eudeba,
1999.
Entrevista do ex-Presidente argentino Arturo Frondizi a Luis Alberto Moniz Bandeira.
Vide referências bibliográficas.
135
357
CANDEAS, Alessando. Relações Brasil-Argentina: uma análise dos avanços e recuos.
Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/pdf/358/35848107.pdf Acceso 5 de
jul.2011
CERVO, Amado. Intelectuais argentinos e brasileiros: olhares cruzados. In FRIGERIO,
Alejandro; RIBEIRO, Gustavo. (orgs.), Argentinos e brasileiros – encontros,
imagens e estereótipos. Petrópolis: Vozes, 2002.
DEVOTO, Fernando; Fausto, Boris. Argentina-Brasil 1850-2000. Buenos Aires:
Sudamericana. 2008,
FRIGERIO, Alejandro; DOMÍNGUEZ, Eugenia. Entre a brasilidade e a afrobrasilidade: trabalhadores culturais em Buenos Aires. In FRIGERIO,
Alejandro; RIBEIRO, Gustavo. (orgs.), Argentinos e brasileiros – encontros,
imagens e estereótipos. Petrópolis: Vozes, 2002.
FRIGERIO, Alejandro. A alegria é somente brasileira: a exotização dos migrantes
brasileiros em Buenos Aires. In FRIGERIO, Alejandro; RIBEIRO, Gustavo.
(orgs.), Argentinos e brasileiros – encontros, imagens e estereótipos. Petrópolis:
Vozes, 2002.
MAFFIA, M. (2000), Caboverdeanos en la Argentina. Alcances y límites de un proceso de
integración, em La Argentina y el África Subsahariana: hacia una relación
transatlántica, Buenos Aires, Fundación Novum Millenium-Centro de
Estudios Internacionales para el Desarrollo, pp. 55-59.
MAFFIA, Marta (2003a). La comunidad caboverdeana de Argentina. El desafío de las
nuevas
generaciones.
Disponível
em
http://ceaa.colmex.mx/aladaa/imagesmemoria/martamaffia.pdf. Acesso em
28 out. 2011
_________. (2003b). Una contribución a la construcción del mapa de la diáspora
caboverdeana. El caso argentino. In Memoria y Sociedad. Revista del
Departamento de Historia y Geografía, vol. 7, nº 15, Bogotá, Pontificia
Universidad Javeriana, pp. 239-254.
_________. (s/d), Migración, identidad y diáspora de caboverdeanos y sus
descendientes en Argentina. La Plata: Consejo Nacional de Investigaciones
Científicas y Universidad Nacional de La Plata.
358
MONIZ BANDEIRA, Luiz. Estado Nacional e Política internacional na América Latina: O
continente nas relações Argentina-Brasil (1930-1992). São Paulo: Ensaio. 1993.
PADILLA, Beatríz. Do fado ao tanto. A emigração “invisível” dos portugueses na
região platina. Disponível em http://cvc.instituto-camoes.pt. Acesso em 22
out.2011.
REITANO, Emir. Los portugueses del Buenos Aires tardocolonial. Inmigración, sociedad,
familia, vida cotidiana y religión.Tese de doutorado. Universidad Nacional de La
Plata. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Disponível em
http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/tesis/te.237/te.237.pdf. Acesso em
26 out. 2011
RUIZ MORENO, Iisidoro. Historia de las Relaciones Exteriores Argentinas (1810-1955),
Buenos Aires: Perrot, 1961.
RUSSELL, Roberto; TOLKATLIAN, Juan. El lugar de Brasil en la política exterior
argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Ecoómica, 2003.
SANTOS, Eugenio.
A presença portuguesa na região platina. Disponível em
http://cvc.instituto-camoes.pt. Acesso em 22 out.2011.
SANTOS, Raquel. La diplomacia cultural como un nuevo elemento para pensar las
relaciones argentino-brasileñas (1930-1954), em Actas del III Congreso de
Relaciones Internacionales realizado en Buenos Aires, 23 y 24 de noviembre de
2006.
_____________. Relações Brasil-Argentina: a cooperação cultural como instrumento de
integração regional, em Revista de Estudios Históricos, Rio de Janeiro, Vol. 22,
nº 44, p. 355-375, julio-dic./2009.
SKIDMORE, Thomas; Smith, PETER. Historia Contemporánea de América Latina.
América Latina en el siglo XX. Barcelona: Crítica. 1996.
SORÁ, Gustavo. Traducir el Brasil. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2002.
SPANDEL, María. Aquí não é como na casa da gente: comparando agricultores
brasileiros na Argentina e no Paraguai. In FRIGERIO, Alejandro; RIBEIRO,
Gustavo. (orgs.), Argentinos e brasileiros – encontros, imagens e estereótipos.
Petrópolis: Vozes, 2002.
359
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE PLE NO QUADRO
DAS TRADIÇÕES DE FORMAÇÃO DOCENTE EM
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS NA ARGENTINA
Adrián CANTEROS136
Resumo
O objetivo do trabalho é apresentar uma perspectiva didática da formação de
professores em Português como Língua Estrangeira (PLE), a partir da identificação
de algumas questões centrais que constituem respostas situadas, provisórias e
consensuadas em torno da complexa tarefa de preparar sujeitos para o exercício
profissional da educação linguística. Portanto, serão discutidos três núcleos temáticos
fundamentais da teoria e da prática da formação docente em LLEE: as tradições, os
trajetos e os dispositivos de formação. Acreditamos que esses conceitos são
extremamente relevantes para permitir tanto a pesquisa e a reflexão teórica nessa
área de conhecimento quanto a intervenção no âmbito da prática de formação. Ao
mesmo tempo, eles permitem compreender as tensões e as soluções sóciohistoricamente construídas para resolver problemas em que vozes diferentes,
tradições disciplinares distintas e interesses conflitantes se expressam no currículo
como espaço de possibilidades e limitações.
Palavras chave: formação de professores – tradições, trajetos e dispositivos de
formação – currículo.
Resumen: El objetivo del trabajo es presentar una perspectiva didáctica de la
formación de profesores en Portugués como Lengua Extranjera (PLE), a partir de la
identificación de algunas cuestiones centrales que constituyen respuestas situadas,
provisorias y consensuadas en torno a la compleja tarea de preparar sujetos para el
ejercicio profesional de la educación lingüística. Por lo tanto, se discutirán tres
núcleos temáticos fundamentales de la teoría y de la práctica de formación docente
en lenguas extranjeras: las tradiciones, los trayectos y los dispositivos de formación.
Creemos que esos conceptos son muy importantes para habilitar tanto la
investigación y la reflexión teórica en esa área del conocimiento, como la
intervención en el ámbito de la práctica de formación. Al mismo tiempo, permiten
comprender las tensiones y las soluciones sociohistóricamente construidas para
resolver los problemas en que diferentes voces, tradiciones disciplinarias e intereses
conflictos se expresan en el currículo como espacio de posibilidades y limitaciones.
136
Universidad Nacional de Entre Ríos e Universidad Nacional de Rosário.
360
Introdução
O trabalho se insere no âmbito da Didática das Línguas Estrangeiras, nomeadamente
na subárea de Formação de Professores, e tem como objetivo analisar e descrever as
chamadas tradições de formação (DICKER e TERIGI, 1997; DAVINI,1997) no contexto
das quais se insere a formação dos professores de PLE na República Argentina.
Portanto, o trabalho toma tanto conceitos quanto problemas do campo da Didática
Geral e da Teoria da Educação.
A área de Formação de Professores de Línguas Estrangeiras vem consolidando-se
como um campo de especialização dentro da Didática das Línguas Estrangeiras,
abrindo espaços para múltiplos domínios e campos de interesse, como podem ser as
funções docentes; a história da formação; os conhecimentos, saberes e competências
necessários para o desempenho profissional; a análise dos dispositivos, modalidades
e estratégias formativas mais apropriados para a formação inicial e continuada; a
profissionalização e/ou desprofissionalização; o currículo dos cursos; os vínculos
entre teoria e prática e entre formação pedagógica e formação disciplinar; as
instituições de formação; o papel da pesquisa na prática e na formação dos
professores, etc. (IMBERNÓN, 2007; DIKER e TERIGI, op. cit.)
Neste trabalho abordamos a história da formação e, dentro dela, identificamos as
tradições, modelos, paradigmas ou perspectivas que, como culturas de formação, se
desenvolveram e consolidaram desde o momento em que surgiu a preparação
sistemática de professores de línguas estrangeiras na Argentina, no início do século
XX.
Acreditamos, com Shulman (1989, 24) que os estudos e pesquisas científicas nesta
subárea permitirão não apenas uma compreensão mais profunda de sua natureza,
mas também desenvolver melhores programas e currículos de formação de
professores de línguas estrangeiras, no geral, e de Português como Língua
Estrangeira, em particular. Além disso, segundo Camilloni (2008, 24), hoje é ponto
pacífico que um dos aspectos que mais impacto tem na qualidade das aprendizagens
dos alunos é a qualidade do ensino dos docentes e, portanto, a qualidade de sua
formação disciplinar e pedagógica.
361
As tradições de formação
Uma característica do caráter complexo da problemática da formação docente em
Línguas Estrangeiras é que no debate sobre a definição de sua natureza, de suas
finalidades, de seus conteúdos, de seus dispositivos, de suas formas de organização,
de seu currículo, de sua pesquisa, etc., se escutam vozes que pertencem a diferentes
tradições intelectuais acadêmicas, não raro gerando desacordos e mesmo falta de
diálogo entre diferentes “tribos acadêmicas”137. Nesse sentido, convém lembrar que
enquanto em nível internacional os programas de formação docentes se inseriram
nos Departamentos de Linguística (Teórica ou Aplicada) ou no de Línguas e
Literaturas Modernas, no nosso país a experiência pioneira dos atuais Institutos de
Ensino Superior “Joaquin V. González” e “Juan Ramón Fernández” no começo do
século XX contribuiu a estabelecer um vínculo muito estreito entre Línguas
Estrangeiras e Educação, o que provocou uma forte ligação com os modelos de
formação docente geral, comum à formação docente em outros campos disciplinares.
Um segundo aspecto de relevância tem a ver com as finalidades da formação docente.
Quando surgiu a necessidade de contar com docentes formados sistematicamente no
começo do século XX foi porque a realidade educacional do país revelava que, apesar
de existir uma formação disciplinar de qualidade nas Universidades, ela não era
suficiente. Para formar um bom professor “não é suficiente que ele saiba tudo que
deve ensinar nem mais do que deve ensinar, mas que saiba como deve ensinar”138.
Portanto, vemos como desde o início da formação de professores de LLEE, a
formação em metodologia do ensino ou em didática assumiu papel de destaque,
coerente com a filosofia da época. Essa perspectiva se desenvolveu tanto, que hoje
contamos com um acervo impressionante de instrumentos, sob a forma de
conhecimentos, procedimentos, recursos, etc., que permitiram avanços consideráveis
na resolução do problema de como ensinar línguas estrangeiras. Mesmo assim, a
prática se revela muito mais complexa que os instrumentos disponíveis para agir
Segundo Camilloni (1998, 34), a expressão surge na obra de Evelyn Waugh (1959), é
retomada por Clark (1963) e por Becher (1989).
138 Vide “Decreto de fecha 16 de diciembre de 1904” [consulta: 13 de julho de 2008].
Disponível em http://institutojvgonzalez.buenosaires.edu.ar/instituto/decreto.html,
137
362
nela. Portanto, consideramos que a problemática da formação hoje é outra, e poderia
ser enunciada assim: Quais são as competências – conhecimentos, habilidades,
capacidades, atitudes, valores, etc. – necessárias para formar docentes que possam
intervir em ambientes educativos e sociais que são descritos como instáveis,
singulares, cambiantes, indeterminados, conflitivos e desiguais? Com certeza as
respostas não serão simples, mas as decisões que finalmente vierem a ser adotadas
deverão ter em conta os aportes de todos os que participam, de diferentes maneiras,
na complexa tarefa de formar docentes encarregados de transmitir às novas gerações
o acervo cultural do seu grupo social.
A terceira questão é de natureza teórica e se vincula com o fato de não existir acordo
entre os especialistas em educação em torno dos conceitos usados para se referirem à
preparação para o desempenho da docência. Madrid (1999, 98) considera que na
literatura anglo-americana foram usados, sucessivamente, os termos treinamento,
educação e desenvolvimento. Porém, tampouco existe consenso sobre os limites precisos
de cada um desses termos. Assim, por exemplo, para alguns autores (PETERS
SALGADO e HENRIQUE DIAS, 2005) a educação se associa ao processo de
transmissão de conteúdo cognitivo, conceitual, na forma de teorias sobre a
linguagem, a língua que se ensina, a educação, o ensino e a aprendizagem, a
formação em política educacional e em política e planejamento linguístico, etc. Por
sua vez, o treinamento, se vincula com o “saber fazer” profissional e supõe maior
espaço e tempo dedicado à prática de ensino em contextos variados; e finalmente o
desenvolvimento é definido como a participação dos docentes em práticas de pesquisa
e de reflexão que permitam desenvolver sua autonomia profissional. O problema
teórico é que, afinal, podemos considerar tanto o treinamento quanto o
desenvolvimento como diferentes modalidades da educação entendida em seu
sentido mais amplo, e não apenas como educação formal (COLL, 1999). Como essa
questão é caudatária dos quadros referencias em que se inserem esses conceitos – o
treinamento, ao condutismo, e o desenvolvimento às tendências humanistas e
construtivista, ou a diferentes paradigmas: o positivista e o pós-positivista,
respectivamente -, entendemos a formação docente, desde uma perspectiva didática,
e portanto, pedagógica, como uma modalidade específica da chamada Educação
363
Permanente. Esse movimento considera que a educação em uma sociedade tão
diversificada, complexa e cambiante como a nossa não pode restringir-se nem a
determinados contextos especializados – as instituições de educação formal – nem a
determinados períodos da vida do homem.
Os princípios filosóficos do movimento da Educação Permanente são que os homens
e mulheres não se educam para a vida, mas durante toda a vida, e que a sociedade
oferece inúmeras possibilidades de educação e crescimento, devido à enorme
diversidade de agentes educacionais, dentre os quais os que maior influência têm são
o trabalho, o lazer, os meios de comunicação social e a família. Na área da educação
profissional, a Unesco definia já em 1975 a formação permanente como “um processo
orientado à revisão e renovação das competências profissionais adquiridas, visando
atualizar os conhecimentos produzidos em decorrência das mudanças e avanços da
ciência e da tecnologia” (IMBERNON, op. cit.).
Portanto, e desde essa perspectiva, entendemos a formação docente:
como um processo dinâmico, que se desenvolve ao longo do tempo, e durante o
qual se adquirem e desenvolvem os conhecimentos, habilidades, atitudes e
capacidades necessárias para o desempenho profissional;
sendo um processo essencialmente social, sofre as influências dos fatores políticos,
econômicos, culturais e ideológicos que agem definindo suas possibilidades e
limitações;
constitui uma resposta, sempre provisória e culturalmente situada, às
necessidades que a contemporaneidade coloca a cada grupo sociocultural.
Nesse sentido, cada geração contribui com sua visão ao grande debate em torno a
quais são os elementos ou dimensões centrais da educação dos professores de
línguas estrangeiras, e as respostas e propostas configuram tradições de formação139
que foram classificadas a partir de diferentes critérios (WALLACE, 1991, apud
CÁRDENAS, 2009; DAVINI: op.cit.; DIKER e TERIGI: op. cit.). O primeiro desses
critérios é o das relações entre teoria e prática, que permite identificar três tradições ou
Davini (op. cit: 20) define as tradições de formação como “configurações de pensamento e
de ação que, construídas historicamente, mantém-se ao longo do tempo, pois estão
institucionalizadas, incorporadas às práticas e à consciência dos sujeitos”
139
364
modelos: o do artesão (em que se rejeita a teoria); o de ciência aplicada (em que a
teoria orienta e dirige a prática) e o reflexivo (em que a prática permite desenvolver
sua própria teoria, uma teoria prática)
1)
O modelo do artesão reconhece como antecedente o denominado método
lancasteriano desenvolvido por Bell e Lancaster no começo do S. XIX (NEVES,
2005). Mais para atrás, fundamenta-se nas antigas práticas de aprendizagem
de ofícios, que remontam ao período medieval, e nas quais o artesão experto
transmite seus conhecimentos e habilidades ao aprendiz, quem observa e
imita a prática do seu mestre. Segundo Anijovich et alii (2008, 25), esse é o
modelo na formação dos professores para a Universidade, seja da área que for,
dado que, no geral, os docentes desse nível não reconhecem como relevante a
preparação pedagógica e consideram como principais fontes de conhecimento
sua própria experiência como alunos, seu domínio da disciplina e o
conhecimento construído na própria prática do ensino. Coincide, nesse sentido,
com a tradição acadêmica que descreve Davini (op.cit., 28) e com a tradição
academicista de Diker e Terigi. (op. cit: 114).
2)
A segunda é a tradição eficientista (DAVINI, op. cit, 35), ou enfoque técnicoacademicista (DIKER e TERIGI, op. cit,: 115) ou modelo de ciência aplicada
(WALLACE, apud CÁRDENAS, op. cit, 69) que, em lugar de fundar-se nas
relações entre discípulo e experto, alicerça-se em uma concepção positivista da
relação entre teoria e prática segundo a qual a primeira, desenvolvida pelos
especialistas - teóricos ou aplicados - deve ser “aplicada” à prática pelos
docentes, formados como técnicos. O seguimento fiel das prescripções
constitui a garantia de sucesso da empreitada educativa, e portanto, a
realidade deve “encaixar” na teoria. Neste enfoque a formação é entendida
como um processo de aquisição de competências comportamentais necessárias
para executar o plano formulado pelos especialistas, inspirado no paradigma
do processo-produto (SHULMAN, 1989; PEREZ GÓMEZ, 1999) e nas
contribuições do audiolingualismo metodológico e do condutismo psicológico.
Na formação inicial se destaca a dimensão instrumental do ensino,
privilegiando o planejamento, a formulação de objetivos comportamentais, as
365
técnicas e recursos didáticos e a avaliação objetiva da aprendizagem, dentre
outros temas. Na formação continuada, no entanto, as políticas consistiam, e
em alguns casos ainda consistem, em privilegiar os “pacotes” e documentos
instrucionais preparados por especialistas, que os professores devem executar
e para o qual devem ser treinados. O modelo tecnológico enfatiza a
necessidade de uma formação intensa e profunda em metodologia e técnicas,
já que se considera que os instrumentos em si mesmo (os métodos, as técnicas
e os recursos) são necessários para atingir a “eficiência” pedagógica, ou seja,
para produzir os resultados educativos esperados.
3)
Finalmente, a tradição hermenéutico-reflexiva (PÉREZ GOMEZ, 1993), ou enfoque
do professor voltado para a pesquisa e o ensino reflexivo (DIKER e TERIGI, op. cit.,
p. 116) ou modelo reflexivo (WALLACE, 1991, apud CÁRDENAS: op.cit., p. 75;
RICHARDS e LOCKHART, 1998) coloca uma relação diferente entre teoria e
prática, inspirado na distinção aristotélica das virtudes intelectuais vinculadas
com o conhecimento prático. Foi Schwab (1999, 234-256) quem chamou a
atenção para a diferença entre modalidade técnica e modalide prática.
Rejeitando a ação técnica no campo educacional por insuficiente, revalorizou a
ação prática, cuja finalidade é a ação ética e está orientada pela prudência,
uma virtude ao mesmo tempo intelectual e moral que presupõe uma forma de
deliberação e reflexão mediante a qual é possível diferenciar o que é bom
daquilo que não é, e achar os meios apropriados para os nossos fins. Portanto,
a prática é, fundamentalmente, uma sucessão de tomadas de decisões que
norteiam a ação, decisões cujo valor é sempre situacional e cujo julgamento
depende de sua comparação com outras decisões semelhantes. É por isso que
as decisões práticas têm sempre uma aplicação limitada a tempos e a contextos
específicos, tomam-se com relação a problemas práticos e se caracterizam
porque se analisan e se realizam nos contextos em que os problemas surgiram
e por parte dos agentes envolvidos.
O enfoque hermenéutico/reflexivo parte do pressuposto de que o ensino é
uma atividade complexa, realizada em cenários singulares, determinada pelo
contextos e cujos resultados são, pelo menos em parte, imprevisíveis e
366
carregados de opções éticas. Em decorrência disso, o conhecimento docente é
sempre um conhecimento situado, que emerge da prática e se volta para ela, e
na qual intervêm, além disso, os fatores da situação. Portanto, a prática reúne,
em diferentes proporções, prescrição e configuração, e implica sempre uma
criação do sujeito, uma construção metodológica (EDELSTEIN, 1999) própria,
que surge da articulação da lógica disciplinar, das possibilidades de
apropriação dos sujeitos e das situações e contextos particulares em que essas
lógicas se integram. Já que o conhecimento emerge da prática, para que ele
não seja simples empiria, propõe-se a reflexão e a pesquisa sobre a própria
prática como estratégias formativas que favorecem a autonomia profissional.
O conhecimento fornecido pela teoria não se aplica, mas se reconstrói
situacionalmente.
O segundo critério com que se classificam os modelos é o das teorias psicológicas e as
concepções de aprendizagem que subjazem a cada enfoque. Esse critério recupera
uma tradição consolidada no campo da Didática (LITWIN, 1999; CAMILLONI, 1999;
FELDMAN, 1999, CONTRERAS DOMINGO, 1999) que consiste em derivar teorias
do ensino das teorias psicológicas da aprendizagem desenvolvidas pelos psicólogos
educacionais. Vejamos alguns exemplos de inspiração psicológica.
1. O modelo condutista interpreta o ensino como um conjunto discreto de
comportamentos de instrução que se associam significativamente com os
resultados das aprendizagens dos alunos, medidos em provas de rendimento
e outros testes. Fenstermacher e Soltis (1999) fazem uma excelente descrição
desse enfoque do ensino empregando a metáfora do executivo. Os
dispositivos de formação docente empregados são o microensino, a educação de
docentes baseada em competências, na qual o processo de formação se define a
partir da explicitação de objetivos comportamentais e utiliza como técnica a
observação sistemática dos futuros docentes; e o desenvlvimento de habilidades, que
consiste na observação de expertos, considerando-se o docente experto como
modelo, e o aprendiz, futuro docente, como alguém que observa e imita as
ações do perito.
367
2. O modelo cognitivista/constructivista abandona as condutas e focaliza a
cognição e a metacognição. O ensino é visto como um processo de tomada de
decisões pré-ativas, interativas e pós-ativas. Portanto, o comportamento é
mediado pela cognição, ou seja, pelo conteúdo do pensamento dos
professores. Assim, a formação é vista como um processo de construção e de
reconstrução do sistema de representações ou de crenças que norteiam a
atuação, a partir da interação entre os conhecimentos prévios que traz o futuro
docente e os novos conhecimentos adquiridos. Para favorecer esse processo
interativo, os dispositivos que se empregam são aqueles que permitem
explicitar, confrontar e reformular as concepções previamente adquiridas, o
que a literatura da área denomina teorias implícitas, subjetivas, pessoais, em
uso, etc. que se expressam em diferentes tipos de narrativas, como as
Autobiografias escolares e os diários e em novos sentidos para as observações e as
microaulas. Produz-se, então, uma mudança radical na concepção do docente,
que deixa de ser considerado um técnico que aplica prescrições ou algoritmos
derivados da pesquisa básica para passar a ser visto como um profissional que
age racionalmente para tomar decisões. Postula-se que a cognição em si
mesma é insuficiente sem a metacognição, fundamentalmente a reflexão e a
consciência como estratégias para a mudança conceitual e o desenvolvimento
autônomo.
3. O modelo humanista não propôs dispositivos concretos, mas difundiu
conceitos e valores que tiveram um amplo impacto no ensino e na formação
docente, como a importância do mundo dos sentimentos, das emoções, das
atitudes e dos interesses no processo de aprendizagem, a consideração de que
a verdadeira aprendizagem é aquela que envolve a globalidade da pessoa, e
não só a que visa o desenvolvimento cognitivo; a valorização da
individualidade e singularidade dos futuros docentes e sua concepção do
desenvolvimento
humano
como
o
resultado
de
seus
pensamentos,
sentimentos e emoções. Finalmente, destaca a importância de valores como a
autonomia pessoal dos professores; a função de conselheiro dos docentes
expertos nos processos de intervenção dos calouros ou novatos e a
368
importância das relações de associação e colaboração entre supervisores e
praticantes; o uso da autoavaliação; o trabalho e a tomada de decisões em
grupos e fundamentalmente, o reconhecimento do papel dos sentimentos, das
emoções e das relações no ensino e na aprendizagem de línguas estrangeiras.
Fenstermacher e Soltis (op. cit.) empregam a metáfora do terapeuta ou do
jardineiro para explorar profundamente esse enfoque.
4. O modelo sociocultural considera que a aprendizagem não é um processo
individual, mas fundamentalmente sociocultural, mediante o qual os sujeitos
adquirem a experiência social historicamente acumulada e organizada em
conhecimentos, habilidades, atitudes, capacidades, formas de pensar, perceber
e agir, linguagens e outros elementos culturais considerados legítimos no seio
desse grupo social. Para isso, devem apropriar-se dos instrumentos culturais
que vão lhes permitir inserir-se no seu grupo. Na Formação Docente, isso
significa que a preparação para a docência é um processo de construção da
identidade docente, que se produz a partir do contato com as imagens e ideias
sobre a profissão que circulam socialmente e que se adquirem na interação
com colegas, superiores, pais, estudantes, representantes das editoras, grupos
políticos e sindicais, meios de comunicação, etc. Esse processo se produz tanto
na formação inicial quanto na socialização profissional, durante a qual se
adquirem ou atualizam valores, princípios, atitudes, interesses, conhecimentos
e habilidades que são fundamentais na prática de ensino. Entre os dispositivos
formativos de inspiração sociocultural se inscrevem as diferentes narrativas e
os grupos de reflexão.
Todas as contribuições feitas a partir da rejeição do positivismo produziram,
na Formação Docente, o que se conhece genericamente como paradigma pós-positivista,
pós-clássico ou modelo hermenéutico-reflexivo, que reúne e condensa as contriuições
anteriores. Como vimos, esse modelo assume novas concepções sobre a prática, sobre
a relação entre teoria e prática, sobre a natureza do conhecimento profissional, sobre
a cognição e a metacognição, sobre o papel dos conhecimentos prévios na
aprendizagem e na compreensão, e principalmente, promove valores educativos
como a autonomia, a autoformação, a educação permanente e a mudança conceitual
369
e o engajamento com a transformação e o progresso social. Para isso, propõe
diferentes dispositivos formativos que privilegiam a prática reflexiva como estratégia
para a construção do conhecimento profissional que integre a teoria pública e a teoria
subjetiva, sem desconhecer a complexidade que isso tem para os docentes, já que
implica assumir a necessidade de mudar as formas de pensar e de agir; de adotar
uma posição crítica com relação à própria prática e com relação ao sistema de crenças
em que ela se baseia; e de identificar as consequências individuais e sociais da prática
de ensino.
Como qualquer estratégia cognitiva (a observação, a análise, a categorização ou
classificação, a conceitualização, a dedução, a indução, e inferência, etc.) as
metacognitivas, como a reflexão sobre a prática, também devem ser aprendidas. O
processo consiste em estabelecer um diálogo entre as teorias em uso e as teorias
adotadas na ação, com o propósito de gerar novos esquemas ou reestruturar os
existentes para aprofundar na compreensão da realidade e de sua própria realidade
profissional. Para isso, é necessário, em primeiro lugar, explicitar os referenciais
idiossincráticos,
questioná-los,
desnaturalizá-los,
confrontá-los
com
outros
referenciais públicos e com os referenciais de outros práticos.
Considerações finais
Ao analisarmos os modelos, pudemos observar que cada um deles ilumina de forma
parcial e portanto, incompleta, a complexa tarefa prática de formar docentes de
línguas estrangeiras. Assim, cada modelo fundou uma tradição, atacando o núcleo
central da tradição anterior sobre a que pretendeu levantar-se o que, até certo ponto,
não supreende, já que fazendo parte do discurso pedagógico, cuja natureza é ser um
discurso fundante e renovador, todos os modelos se apresentaram a si mesmos como
uma contribuição importante, se não a melhor, para resolver os problemas da prática
do ensino.
Vimos que cada modelo ou tradição se define pelas finalidades que persegue – o tipo
de docente que aspira a formar -, pelos conteúdos que privilegia e pelas estratégias
ou dispositivos que cria ou reformula. Vimos também que na atualidade, é o modelo
reflexivo o que vem se consolidando lentamente, concorrendo por um espaço
370
importante com outras tradições, notadamente a academicista e a eficientista, ainda
fortes na FD e na educação em geral.
A forte tendência existente a rejeitar tradições consagradas que fizeram sua
contribuição em um determinado momento histórico não pode nem deve fazer-nos
esquecer as vantagens e limitações de cada um. E principalmente, as vantagens e
limitações do paradigma clássico tão questionado atualmente. Do contrário,
corremos o risco de ser dogmáticos em tempos de incertezas e de recusarmos a
satisfazer as expectativas dos práticos (em formação inicial ou continuada) de saber
como proceder para ensinar conteúdos específicos. Afinal, é também a preocupação
dos formadores de formadores. Nesse sentido, é legítimo lembrar que o
conhecimento e uso de procedimentos orientados a favorecer as aprendizagens não é
um algoritmo que conduz sempre a obter os mesmos resultados, mas apenas
instrumentos que permitem operar sobre a realidade, mas não controlá-la garantindo
o sucesso da empreitada educativa. E isso porque o ensino como atividade supõe um
propósito e não uma conquista.
E, infelizmente, os propósitos nem sempre se
atingem, por, pelo menos, duas razões: a primeira é que os instrumentos podem ser
excelentes, mas não são infalíveis; e a segunda, porque as nossas ações como
docentes estão condicionadas por diferentes fatores e pela ação de outras pessoas,
como pais, colegas, autoridades, políticos, etc. Lion (1997,25) nos lembra que “o
anseio por incorporar o mais novo e avançado no campo científico e tecnológico, e
desvalorizar o anterior é outro dos legados histórico-pedagógicos que devemos
revisar.”
Os modelos abstratos são apenas isso: modelos que representam realidades muito
mais complexas. Como qualquer construção teórica, destaca certos aspectos e ignora
outros. A maioria deles, por exemplo, não aborda a multiplicidade de atividades que
implica na atualidade a prática docente, que é mais variada e menos especializada
nos níveis fundamental e médio e, portanto, mais afasta os docentes de sua
especificidade, que é o trabalho com o conhecimento.
Finalmente, a análise dos modelos permite compreender que a docência, como
qualquer outra atividade especializada, exige sim uma formação permanente,
variada, eclética e complementar, que se estende muito além do que se pensava até
371
faz pouco, e que conta hoje em dia com um conjunto de dispositivos, ferramentas,
técnicas, etc., que potenciam a capacidade dos sujeitos de operar em situações que
serão sempre singulares, instáveis e carregadas de conflitos de valor.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA FILHO, José Carlos et al. A formação auto-sustentada do professor de língua
estrangeira. In Boletim APLIESP, São Paulo: nº 47, 1998.
ANIJOVICH, Rebeca et al Transitar la Formación Pedagógica – Dispositivos y estrategias.
Buenos Aires: Paidós, 2009.
CAMILLONI, Alicia et al El saber didáctico. Buenos Aires: Paidós, 2008.
__________________ De herencias, deudas y legados. Una introducción a las
corrientes actuales de la didáctica. In CAMILLONI, Alicia et al. Corrientes
Didácticas Contemporáneas. Buenos Aires: Paidós, 1998.
__________________ Prólog., In ANIJOVICH, Rebeca et al. Transitar la Formación
Pedagógica – Dispositivos y estrategias. Buenos Aires: Paidós, 2009.
CÁRDENAS, Rosalba. Tendencias globales y locales en la formación de docentes de lenguas
extranjeras. In Ikala – Revista de Lenguaje y Cultura Vol, 14, nº 22., p. 71-104,
2009.
COLL, César. Psicología e currículo. São Paulo: Ática, 1999.
CONTRERAS DOMINGO, José. Enseñanza, Currículum y profesorado. Madrid: Akal,
1994.
COOPER, James. La microenseñanza: la precursora de la Formación del Profesorado
Basada en la Competencia. In GIMENO SACRISTÁN, José e PÉREZ GÓMEZ,
Angel. La enseñanza: su teoría y su práctica. Madrid: Akal, 1989.
DAVINI, María Cristina. La formación docente en cuestión: política y pedagogía. Buenos
Aires: Paidós, 1997.
____________________. Conflictos en la evolución de la didáctica. La demarcación de
la didáctica general y las didácticas especiales. In CAMILLONI, Alicia et al.
Corrientes Didácticas Contemporáneas. Buenos Aires: Paidós, 1998.
DIKER, Gabriela; TERIGI, Flavia La formación de maestros y profesores: hoja de ruta.
Buenos Aires: Paidós, 1997.
372
EDELSTEIN, Gloria. Un capítulo pendiente: el método en el debate didáctico
contemporáneo.
In
CAMILLONI,
Alicia
et
al.
Corrientes
Didácticas
Contemporáneas. Buenos Aires: Paidós, 1998.
FELDMAN, Daniel. Ayudar a enseñar. Buenos Aires: Aique, 1999.
FENSTERMACHER, Gary; SOLTIS, Jonas. Enfoques de la enseñanza. Buenos Aires:
Amorrortu, 1999.
GIMENEZ, Telma (org.). Trajetórias na formação de professores de línguas. Londrina:
Editoral da UEL, 2002.
GUILLÉN DIAZ, Carmen; CASTRO PRIETO, Paloma. Manual de autoformación para
una didáctica de la Lengua-Cultura Extranjera. Madrid: La Muralla, 1998.
IMBERNÓN, Francisco. La formación y el desarrollo profesional del profesorado – Hacia
una nueva cultura profesional. Barcelona: Graó, 2007.
LEFFA, Vilson. Aspectos políticos da formação do professor de Línguas Estrangeiras.
In LEFFA, Vilson (Org.). O professor de línguas estrangeiras:; construindo a
profissão. Pelotas, 2001, v. 1, p. 333-355.
LITWIN, Edith. El campo de la didáctica: la búsqueda de una nueva agenda. In
CAMILLONI, A et alii. Corrientes Didácticas Contemporáneas. Buenos Aires:
Paidós, 1998.
MADRID, Daniel. La formación inicial del profesorado de lengua extranjera. In Profesorado,
revista de currículum y formación del profesorado, 8 (1), 2004.
MCEWAN, Hunter; EGAN, Kieran (comps.). La narrativa en la enseñanza, el aprendizaje
y la investigación. Buenos Aires: Amorrortu, 1998.
PETERS SALGADO, A.; HENRIQUE DIAS, F. A formação do professor de Língua
Estrangeira: desenvolvimento profissional e prática reflexiva, In Anais do XV
Encontro de Professores de Línguas Estrangeiras do Paraná, Curitiba, 2007.
RICHARD, Jack; LOCKHART, Charles. Estrategias de reflexión sobre la enseñanza de
idiomas. Madrid: CUP, 1998.
SCHWAB, Joseph. Un enfoque práctico como lenguaje para el currículum. In
GIMENO SACRISTÁN, J; PÉREZ GÓMEZ, A. La enseñanza: su teoría y su
práctica. Madrid: Akal, 1989.
373
SHAVELSON, R; STERN, P. Investigación sobre el pensamiento pedagógico del
profesor, sus juicios, decisiones y conducta. In GIMENO SACRISTÁN, José;
PÉREZ GÓMEZ, Angel. La enseñanza: su teoría y su práctica. Madrid: Akal, 1989.
SHULMAN, Lee. Paradigmas y programas de investigación en el estudio de la
enseñanza: una perspectiva contemporánea. In WITTROCK, Merlin (comp.) La
investigación de la enseñanza, I – enfoques, teorías y métodos. Madrid: Paidós, 1989.
TELLES, João. A trajetória narrativa: histórias sobre a prática pedagógica e a
formação do professor de línguas. In GIMENEZ, Telma (org.) Trajetórias na
formação de professores de línguas. Londrina: Editora da UEL, 2002.
TORRES SANTOMÉ, Jurjo. La Práctica reflexiva y la comprensión de lo que acontece
en las aulas. In JACKSON, Philip. La Vida en las Aulas. Madrid: Morata, 1998.
VIEIRA ABRAHÃO, Maria Helena. Teoria e prática na formação pré-serviço do
professor de língua estrangeira. In GIMENEZ, Telma (org.) Trajetórias na
formação de professores de línguas. Londrina: Editora da UEL, 2002.
WILLIAMS, Mariom; BURDEN, Robert. Psicología para profesores de idiomas. Madrid.
CUP, 1999.
374
INTERFERÊNCIAS DA LÍNGUA ESPANHOLA NO
PROCESSO DE AQUISIÇÃO DO PLE EM ALUNOS
INTERCAMBISTAS HISPANOFALANTES
Luana DE MELO LUCENA140
Ana Berenice P. MARTORELLI141
RESUMO
Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa em andamento que tem, entre
outros objetivos, analisar e classificar as interferências da língua materna nas
produções escritas de alunos hispanofalantes na aquisição do Português como
Língua Estrangeira (PLE). Para esta pesquisa foram analisadas, num primeiro
momento, 20 redações de alunos intercambistas matriculados no Curso de Português
como Língua Estrangeira para Intercambistas (PLEI) da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB- Brasil). Esses alunos estavam matriculados no semestre letivo de
2012.1 na turma de Pré-intermediário e eram provenientes da Espanha e do México.
É importante destacar alguns conceitos que serviram de base para esta investigação,
em particular, a concepção do erro, que contrariamente à visão de muitos autores que
o classificam como desvios da aprendizagem, neste projeto são analisados como
interferências, ou seja, como uma alteração sofrida por uma língua em função da
influência de outra sobre ela, observando sempre a semelhança entre a língua
espanhola e o português, que, se no início da aprendizagem é um aspecto facilitador,
em estágios mais avançados pode se transformar em um elemento de dificuldade.
Outro conceito chave para este trabalho é o de interlíngua, visto aqui como uma
etapa obrigatória no processo de ensino aprendizagem de uma língua estrangeira,
como um sistema que evolui e que possui características próprias como a
sistematicidade e a variabilidade. Nas produções escritas analisadas, encontramos
interferências morfossintáticas, ortográficas, semânticas e traços da oralidade. Por
último, avaliamos a sistematicidade e a variabilidade das interferências selecionadas,
fazendo um estudo qualitativo e quantitativo das mesmas.
RESUMEN
Este trabajo forma parte de un proyecto de investigación en andamiento que tiene,
entre otros objetivos, analizar y clasificar las interferencias de la lengua materna y las
producciones escritas de alumnos hispanohablantes en la adquisición del Portugués
140
Graduanda em Letras – Espanhol pela Universidade Federal da Paraíba/UFPB
141
Mestre em Letras / Professora Mestre de Espanhol da Universidade Federal da Paraíba
375
como Lengua Extranjera (PLE). Para esta investigación fueron analizadas, en un
primer momento, 20 redacciones de alumnos intercambistas matriculados en el
Curso de Portugués como Lengua Extranjera para Intercambistas (PLEI) de
la
Universidade Federal da Paraíba (UFPB – Brasil). Esos alumnos estaban matriculados
en el semestre de 2012.1 en el grupo del Pre-Intermediario y eran provenientes de
España y México. Es importante destacar algunos conceptos que sirvieron de base
para esta investigación, en particular, la concepción del error, que contrariamente a la
visión de muchos autores que lo clasifican como desvíos del aprendizaje, en este
proyecto son analizados como interferencias, o sea, como una alteración sufrida por
una lengua en función de la influencia de otra sobre ella, observando siempre la
semejanza entre la lengua española y el portugués, que, si al inicio del aprendizaje es
un aspecto facilitador, en situaciones más avanzadas puede convertirse en un
elemento de dificultad. Otro concepto clave para este trabajo es el de interlengua,
visto aquí como una etapa obligatoria en el proceso de enseñanza aprendizaje de una
lengua extranjera, como un sistema que evoluciona y que posee características
propias como la sistematicidad y la variabilidad. En las producciones escritas
analizadas, encontramos interferencias morfosintácticas, ortográficas, semánticas y
rasgos de la oralidad. Por último, evaluamos la sistematicidad y la variabilidad de las
interferencias seleccionadas, haciendo un estudio cualitativo y cuantitativo de las
mismas.
1. Introdução
No presente trabalho analisamos e classificamos as interferências da língua materna
nas produções escritas de alunos hispanofalantes na aquisição do Português como
Língua Estrangeira (PLE). Para este artigo, trazemos, apenas, a análise de 20 (vinte)
redações de alunos intercambistas matriculados no Curso de Português como Língua
Estrangeira para Intercambistas (PLEI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPBBrasil). Os referidos alunos estavam matriculados no semestre letivo de 2012.1 na
turma de Pré-intermediário e eram provenientes da Espanha e do México.
É importante destacar, entre alguns conceitos que serviram de base para esta
investigação, a concepção do erro, que contrariamente à visão de muitos autores que
o classificam como desvios da aprendizagem, neste projeto são analisados como
interferências, ou seja, como uma alteração sofrida por uma língua em função da
influência de outra sobre ela, observando sempre a semelhança entre a língua
espanhola e o português. Devemos considerar, ainda, que se no início da
aprendizagem este é um aspecto facilitador, em estágios mais avançados pode
funcionar como um elemento chave para fossilizar as interferências no aprendizado.
376
Para facilitar nossa análise, estabelecemos uma classificação, dividida em quatro
classes: morfossintática, ortográfica, semântica e traços da oralidade da L2. Essa
classificação deu-se em função dos resultados obtidos, observando-se as produções
escritas dos alunos.
2. Pressupostos Teóricos
Para realizar esta pesquisa nos pautamos em diferentes teóricos e aspectos relativos
ao ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. No entanto, para este artigo,
apresentaremos, de maneira sucinta, apenas os mais relevantes.
2.1. Aquisição da secunda língua
Dentro do estudo da aquisição da segunda língua (ASL) não existe um conceito exato
que possa se referir ao complicado e variado processo de aprender a se comunicar,
principalmente, quando nos referimos a esse processo de aprender uma segunda
língua depois de haver aprendido a primeira. Neste caso, a primeira língua seria o
que alguns teóricos definem como língua nativa, língua materna, língua primeira,
língua forte, ou, mais precisamente, a L1, que seria a língua que aprendemos em
nossa infância, relacionada ao entorno em que nascemos ou fomos criados.
Dentro desse processo, é importante entender que L2 é qualquer língua aprendida
após a L1, independente de ser a segunda, terceira ou quarta língua aprendida.
Porém, há uma diferença entre o que é uma segunda língua e uma língua estrangeira.
Segundo Griffin, K. (2005) a “segunda língua” é a língua que é aprendida após a
primeira e que é aprendida dentro do país onde esta língua é a língua de
comunicação, no qual o indivíduo aprende por motivos extrínsecos e que geralmente
são pessoas que estudam e trabalham, e por tal motivo necessitam da língua para se
comunicar no país. A “língua estrangeira” também se refere à língua que é aprendida
após a primeira, porém se diferencia da segunda no sentido de que esta língua é
aprendida em um país que não a utiliza como língua de comunicação e, geralmente,
é aprendida por questões intrínsecas, por ter algum tipo de empatia ou por interesses
em viagens, trabalhos etc.
377
Neste estudo, tratamos como segunda língua, o português, pois os alunos nativos
intercambistas analisados por nós o aprenderam dentro do entorno brasileiro onde a
língua de comunicação é o português. Portanto, nesta pesquisa utilizamos L1 como
primeira língua, neste caso o espanhol, e L2 como segunda língua, ou seja, o
português.
Para explicar a diferenciação entre L1 e L2, cabe ressaltar que um dos fatores da
forma de aprender a segunda língua é a importância do entorno imediato onde o
aprendiz passa pelo processo de aquisição, no qual está todo o tempo exposto à
utilização dessa língua e inserido em uma comunidade que compõe uma referência
clara linguística e cultural. Sendo assim, essa constante exposição, implica um maior
nível de motivação no indivíduo, pois, devido a outros fatores, necessita da
utilização da L2 para sobreviver no entorno em que ela está sendo aprendida ou
adquirida, que, neste caso, é o entorno brasileiro no qual os estudantes estão
diretamente inseridos. Outro aspecto importante é o aspecto afetivo do indivíduo
que está intimamente ligado ao processo de aquisição da língua. A nossa
personalidade define a nossa maneira de aprender, de interagir, de nos mover dentro
do entorno, e isso é um fator que difere no processo de aquisição e aprendizagem de
uma L1 e uma L2, pois a nossa personalidade está se formando junto com a nossa L1,
e é essa personalidade já formada na L1 que vai, também, discernir como se dará o
processo de aprendizagem na L2. Este aspecto tornou-se visível nesta pesquisa a
partir do momento em que começamos a perceber que a evolução de um aluno
diferia do outro, que uns escreviam melhor que outros, ainda que todos tenham
iniciado seu processo de aprendizado na mesma época.
2.2. Teorias da aquisição
As teorias sobre esse processo complexo estão vinculadas a diversas áreas do
conhecimento,
como
a
psicologia,
sociologia,
antropologia,
neurologia,
psicolinguística, sociolinguística e neurolinguística. Tais teorias são definidas através
de diversos fatores que podem variar. Segundo Brown (1994), as teorias de aquisição
da segunda língua devem ser constituídas através de bases de classificações variáveis
como a língua nativa do indivíduo, a cognição, a idade, o input, o domínio afetivo e a
378
bagagem educacional. Através de tais classificações o autor propõe algumas
características-base relevantes que devem fazer parte dessas teorias.
A princípio, uma teoria de aquisição, segundo Brown, deve incluir um entendimento
do que seria a linguagem, aprendizado, aquisição e ensino; o fator idade também é
importante, dado que crianças e adultos aprendem e adquirem as línguas de maneira
diferente.
Além disso, existe uma grande variação entre os indivíduos quanto às
estratégias de escolha e cognição, e que a maneira como esses indivíduos se veem
dentro desse processo comunicativo influencia a qualidade e a quantidade da
aquisição. Aprender uma segunda língua significa aprender uma segunda cultura,
portanto, uma teoria da aquisição de L2 será muito mais relevante se incluir
aplicações práticas no mundo real. O contraste linguístico entre a L1 e a L2 do
aprendiz traduz a dificuldade em adquirir a L2, contraste esse que pode ser relativo,
provavelmente uma grande semelhança entre a L1 e a L2 pode acarretar dificuldades
específicas, como é o caso dos indivíduos analisados nesta pesquisa.
Sete teorias de aquisição da L2 que refletem a variedade das perspectivas nesses
estudos são revisadas por Ellis (1989, p. 248-281):
1. Modelo de Aculturação;
2. Acomodação;
3. Teoria do Discurso;
4. Modelo de Competência Variável;
5. Hipótese Universal;
6. Teoria Neurofuncional;
7. Modelo do Monitor de Krashen.
Larsen-Freeman e Long (1994) dividiram essas teorias hipotéticas existentes sobre a
ASL em três categorias: nativistas, ambientalistas e interacionistas.
Griffin, K. (2005, p. 33) ressalta que “esta é uma área de pesquisa relativamente
jovem, pode-se pensar que ainda há muito que pesquisar antes de decidir por uma
teoria ou outra...”. Portanto, para este estudo não nos centraremos em alguma teoria
específica da ASL, e sim em certos fatores importantes citados em algumas das
379
teorias que podem fazer parte do contexto desta pesquisa, como, por exemplo: a) a
língua nativa dos indivíduos desta pesquisa, que no caso é a língua espanhola (L1)
que possui uma grande semelhança com o português (L2); b) a língua de
comunicação do entorno onde fizeram o intercâmbio; c) a interação entre os
estudantes e os nativos da língua meta, como esses indivíduos se veem dentro desse
processo comunicativo e como se sentem dentro do entorno brasileiro; e d) que tipo
de motivação foi criada, consciente ou inconscientemente, para esse processo de
aquisição.
2.3. Aquisição X Aprendizagem
Aquisição e aprendizagem são dois termos empregados constantemente no estudo
sobre aquisição da L2, e que geralmente causam uma confusão de sentidos, pois
possuem situações parecidas, porém características diferentes que representam dois
sistemas de interiorização do conhecimento da língua.
Krashen (1981), com a sua Teoria do Monitor (Monitor Theory), afirmava que a
aquisição estava mais relacionada com o desenvolvimento biológico, processos
naturais do indivíduo e, mais precisamente, com o subconsciente. O aprendiz
exposto constantemente no entorno da língua meta, estará motivado pela força da
necessidade de se comunicar. O esforço consciente por parte do aluno, portanto não
se dará na ênfase no aspecto formal da língua, e sim no ato de comunicação em si.
Para esta aquisição ocorrer, tem que haver uma grande interação do indivíduo com a
sua língua meta. Um exemplo claro de aquisição são os intercambistas analisados
nesta pesquisa, que chegaram a um país no qual a língua de comunicação não é a sua
materna, e que para exercer o ato de comunicação adquiriram a língua local sem
possuir nenhum (ou quase nenhum) conhecimento formal e explícito sobre a língua.
Já a aprendizagem, segundo Krashen, estaria relacionada aos estudos mais concretos
da língua, às regras e estruturas gramaticais, e na qual, o aprendiz passa por um
processo consciente e formal da língua.
Anos depois, esse conceito evoluiu com N. C. Ellis (1994), que afirmava que o
biológico e o escolar não se distinguem, que ambos os conhecimentos estão
integrados à estrutura cognitiva: conhecimentos implícitos e explícitos. O implícito
380
estaria ligado ao processo subconsciente, em que o indivíduo está adquirindo a
língua de maneira espontânea e intuitiva de princípios gramaticais. O explícito seria
de um processo cognitivo diferente, no qual o indivíduo teria um estudo consciente e
intencionado da gramática.
2.4. Interlíngua
O termo interlíngua foi consolidado por Selinker, em 1972, para referir-se ao sistema
linguístico não nativo e independente no qual o aprendiz da L2 percebe a língua do
entorno e faz uma associação com seus conhecimentos prévios, gerando hipóteses
sobre seus significados e usos. Em outras palavras, é um intermediário entre a L1 e a
L2, um território “entre línguas” no qual o indivíduo transita de uma língua a outra
para atingir o ato de comunicação.
O seguinte diagrama mostra, de forma simplificada, a interlíngua criada quando
duas línguas parecidas entram em contato (no caso deste estudo, a língua espanhola
e a portuguesa):
Nesse contexto, Selinker (1972) propõe que a interlíngua é um sistema permeável,
aberto a modificações, pois é vista como dinâmica e sistemática. Esse conceito de
interlíngua surgiu com a Análise Contrastiva e Análise dos Erros, quando se
começou a observar que os erros espontâneos de estudantes podiam ser explicados
através de transferências da L1. Nesses casos, o aluno (criador de seu próprio sistema
interlinguístico) utiliza, de maneira inconsciente, os erros como estratégias de
aprendizagem. Griffin, K. (2005, p. 93), em suas explicações sobre o contraste e os
erros, explicita que Corder (1967) descreve a interlíngua como uma “restruturação”
381
do sistema linguístico que uma pessoa possui; uma mesma estrutura da L2 criada
pelo aprendiz vai mudando de acordo com a incorporação de elementos, e ocorre
uma implicação que é o aprendiz possuir duas estruturas linguísticas, uma
proveniente da L1 e outra da L2, e as duas sofrem modificações progressivas.
3. Análise das interferências
Os erros neste trabalho são vistos como interferências da L1 sobre a L2. O corpus
desta pesquisa é composto de 20 redações de alunos intercambistas hispanofalantes
provenientes da Espanha e México, estudantes do curso do PLEI (Português como
língua estrangeira para intercambistas) do semestre 2012.1 na UFPB – Brasil
(Universidade Federal da Paraíba).
Através das produções escritas, classificamos as interferências como:
morfossintáticas, ortográficas, semânticas e traços da oralidade da L2. Nos quadros a
seguir apresentamos, na primeira coluna, as sentenças em língua espanhola, na
segunda coluna, as sentenças produzidas pelos alunos e, na terceira coluna, as
sentenças em português.
3.1 Interferências Morfossintáticas:
ESPANHOL
Me gustaría quedarme
más tiempo
Creo que trabajaré en
servicios
sociales
cuando
llegar
en
España.
Con esta ideia de
hecho...
…las mujeres son tan
importantes como los
hombres...
La razón por la cual
las
mujeres
son
discriminadas…
¿Qué puedo hacer
INTERFERÊNCIA
Eu gostaria ficar mais
tempo.
Acho que trabalhare
em serviços sociais
quando chegar em
Espanha.
Com esta ideia, de
feito...
…as mulheres som tão
importantes como os
homens…
A razão por a qual as
mulheres
são
discriminadas...
O qué posso fazer para
382
PORTUGUÊS
Eu gostaria de ficar
mais tempo.
Acho que trabalharei
em serviços sociais
quando chegar na
Espanha.
Com esta ideia, de
fato...
...as mulheres são tão
importantes como os
homens...
A razão pela qual as
mulheres
são
discriminadas...
O que posso fazer
para
mejorar
situación…?
esta melhorar
situação...?
esta para melhorar
situação...?
essa
Nos casos das interferências morfossintáticas apresentadas, podemos
perceber que a língua materna dos estudantes analisados interfere,
principalmente, nas conjugações verbais, nas contrações dos artigos e em
alguns pronomes. Essa dificuldade se expressa na transferência da língua
espanhola para a portuguesa.
3.2 Interferências Ortográfica
Com relação as interferências ortográficas, podemos citar, entre as mais
recorrentes, as apresentadas a seguir:
ESPANHOL
Febrero
Unos
Creencia
Hombres
Posible
Polución
También
Trabajo
Actividad
INTERFERÊNCIA
Fevreiro
Umos
Crencia
Homems
Posível
Polução
Tambén
Travalho
Actividade
PORTUGUÊS
Fevereiro
Uns
Crença
Homens
Possível
Poluição
Também
Trabalho
Atividade
Nesses casos, as interferências se deram devido a uma confusão de detalhes
ortográficos entre a L1 e a L2. É possível notar que as interferências ortográficas se
dão principalmente:
a) Na falta de “ss” em espanhol (como no exemplo no quadro em que
“posible” em português se escreve “possível” com dois “s”).
b) Na perda da “c” quando as palavras são passadas de espanhol para
português, como por exemplo: actividad – atividade; actor – ator.
c) Na troca do “n” para o “m” no final das palavras: también – também.
d) Na transferência para a língua portuguesa, a dificuldade existente, em
espanhol, com relação ao uso de “b” e “v”, como quando o aluno
escreve travalho no lugar de trabalho.
383
3.3 Interferências Semânticas
Entre as interferências semânticas, ou seja, as relativas ao significado de
palavras ou expressões, destacamos:
ESPANHOL
Nuestras
clases
de
português.
La gente come mucho.
Compartir casa.
Conocer más países.
Yo quiero
vosotros.
mucho
INTERFERÊNCIAS
Nossas classes de
português.
A gente come muito.
PORTUGUÊS
Nossas aulas de
português.
As pessoas comem
muito.
Compartilhar casa.
Dividir casa.
Conocer mas países.
Conhecer
mais
países.
a Eu quero muito a Eu
amo
muito
vocês.
vocês.
Eu gosto muito de
vocês.
Neste caso, há uma transferência de palavras do espanhol para o português, ou seja,
os alunos analisados, provavelmente, pensavam que as palavras traduzidas
literalmente da L1 teriam o mesmo significado na L2.
Exemplificação da diferença de significados (em espanhol e em português) de
algumas das palavras classificadas destacadas são:
a) Em espanhol: Clase – Aula
Em português: Classe – Sala de aula;
b) Em espanhol: Más - mais
Em português: Mas – porém, contudo;
c) Em espanhol: Querer a alguien – Amar alguém
Em português: Querer alguém – Possuir alguém.
3.4 Interferências por Traços da oralidade
Durante a estadia dos intercambistas no Brasil, o contato diário com o
português era de forma oral. Desta maneira, a oralidade influenciou bastante nas
produções escritas, tendo em vista que o português falado, principalmente na região
Nordeste, foneticamente não é o mesmo que o escrito.
384
ESPANHOL
Julio
Pero
Hace
Tres
Lejos
INTERFERÊNCIA
Julhio
Mais
Fais
Treis
Longi
PORTUGUÊS
Julho
Mas
Faz
Três
Longe
Desta forma, é notável a influência da oralidade do português nas produções
escritas dos alunos hispanofalantes, em que:
a) Algumas palavras terminadas em “s” ou em “z” na oralidade do português se
transforma em “is”. Exemplo: mas – mais; faz – fais; paz – pais;
b) Palavras terminadas em “e” na oralidade se transformam em “i”. Exemplo:
longe – longi; identidade – identidadi; idade – idade;
c) Palavras terminadas em “o” na oralidade se transformam em “u”. Exemplo:
porto – portu; calado – caladu; sentado – sentadu;
4. Considerações finais
Como
mencionamos
anteriormente,
classificamos
as
interferências
como:
morfossintáticas, ortográficas, semânticas e traços da oralidade da L2. Porém, cabe
ressaltar que a escolha dessa classificação ocorreu devido às interferências
encontradas no nosso corpus. O que significa que elas não são as únicas
interferências possíveis de ocorrer e que não haja outras possíveis classificações para
identificar as causas das interferências no aprendizado de uma segunda língua ou de
uma língua estrangeira.
Podemos perceber, na fase inicial desta pesquisa, que a interferência da língua
materna influencia, de diferentes formas, no processo de aprendizado da segunda
língua. É importante destacar que esta influencia se deu de forma tão explícita
devido à proximidade entre as línguas L1 e L2, no nosso caso, espanhol e português,
respectivamente.
Provavelmente, se tivéssemos escolhido como sujeitos alunos
alemães, teríamos resultados diferentes.
Outro aspecto relevante encontrado no corpus foi a interferência da oralidade na
produção escrita dos alunos, interferências essas que, também, encontramos nos
brasileiros em processo de letramento.
385
Por fim, queremos registrar que pretendemos ampliar este estudo com um número
maior de intercambistas e que estejam em diferentes níveis de aprendizado da língua
portuguesa.
5. Referências
BROWN, H. D. Principles of language learning and teaching.
San Francisco: Prentice
Hall. 1994.
ELLIS, R. Understanding second language acquisition. Oxford: Oxford University Press.
1989
GRIFFIN, Kim.
Lingüística aplicada a la enseñanza del español como L2. Cuadernos
de didáctica del español. Madrid: Arco libros. 1994.
KRASHEN, S.. The input hypothesis: issues and implications. Harlow:
Longman. 1985.
LARSEN-FREEMAN, DIANE e LONG, MICHAEL. An Introduction to Second
Language Acquisition Research. London: Longman. 1994
SELINKER, L. “Interlanguage” en: IRAL Vol.10 No. 3. 1972. pp 209-231.
386
RELACIONES CAPRICHOSAS ENTRE CINE Y
LITERATURA DESDE LA LECTOCOMPRENSIÓN:
UNA PERSPECTIVA COMUNICATIVOCOMUNICATIVO-CULTURAL EN
EN
DOÑA FLOR Y SUS DOS MARIDOS DE JORGE AMADO
Ana María HERNANDO142
María Teresa PASCUAL DE PESSIONE
María Julia SRANKO
Resumen
Establecer una metodología de la enseñanza de la literatura en lengua española para
una clase de estudiantes de otra/s lengua/s, supone reflexionar sobre los distintos
enfoques y la distintas perspectivas de abordaje de este objeto de estudio. Más allá de
los debates teóricos sobre si se la enseña como objeto o como instrumento, nosotros
afirmamos que la literatura tiene su especificidad y no es subsidiaria de ninguna
otra disciplina o actividad y que promueve cruces, múltiples relaciones con otros
textos. Sostenemos la perspectiva comunicativo-cultural, enfoque que cada día se va
consolidando más en el aula de E/ LE .Es observable, en las prácticas docentes, que
se intentan transferir o se transfieren los marcos teóricos de la enseñanza y
aprendizaje de la Literatura en LM a la Literatura en LE, respetando las
particularidades de cada destinatario, su país de origen, su nivel de conocimiento de
la lengua meta, entre otros aspectos. Consecuentemente, una didáctica para la
Literatura, destinada a los formadores de ELM y ELE, requiere de la superación de
posturas centradas en la consideración de este objeto de estudio como herramienta,
usada asistemáticamente o con fines gramaticales. La vinculación entre Literatura y
cine como hipertexto cultural posibilita la puesta en práctica de la lectocomprensión
en lengua portuguesa y en lengua española. La obra de Jorge Amado, Doña Flor y sus
dos maridos, se constituye en un valioso recurso para abordar con los futuros docentes
y producir materiales para la enseñanza.
Establecer relaciones entre literatura y cine parece tarea simple. Sin embargo, hoy, en
la sociedad digital, esta construcción se configura mediante la conjunción de
elementos tales como la informática y las redes de comunicación, a través de la
As três autoras são professoras na Facultad de Lenguas – Universidad Nacional de
Córdoba – Argentina.
142
387
digitalización que permite convertir en información, elementos que estaban sujetos a
condiciones espacio temporales restringidas. La literatura, soporte de tantos filmes,
se vio adaptada desde hace varias décadas. Hoy, el cine también se tuvo que
modificar con la introducción de los sistemas de distribución a través de estas redes.
En el marco del Profesorado de Español como Lengua Materna y Lengua Extranjera
y de la cátedra, hace dos años, surgió la idea de establecer relaciones entre:
• Contenidos provenientes de lectocomprensión en lengua portuguesa (primer
año), lectocomprensión en lengua italiana (segundo año), y lectocomprensión
en lengua francesa (tercer año)
• Contenidos del currículo para la formación de los profesores de Español como
Lengua Materna (LM) y como Lengua Extranjera (LE), eje del plan de
estudios vigente.
• Corpus de obras literarias de habla hispana (hispanoamericana y argentina)
con obras canónicas de la literatura universal.
Desde los marcos teóricos sobre Cultura y Literatura, en cada una de estas lenguas,
establecimos el comparatismo literario como metodología de estudio para arribar al
establecimiento de relaciones entre la literatura en la lengua meta con otras obras de
ficción, conocidas en la lengua materna. Luego se vincularon con el cine y las TICs,
para aprovechar estos soportes. ¿Por qué lo hicimos?
Entendemos que “una cultura no es sólo contenidos, sino también, prácticas rituales
y medios de transmisión-comunicación que involucran a distintos agentes sociales.
En estas consideraciones, coincidimos con el Dr. Joaquín María Aguirre Romero
(1997)de la UCM, España, quien plantea “la incidencia de las Redes de comunicación
en el sistema literario” y observa cómo las redes permiten distribuir y comprender la
información, después de su procesamiento. A su vez, sabemos que existen múltiples
posibilidades de convertir distintos elementos a otros soportes. Uno de ellos es la
digitalización la que amplía horizontes y modifica los conceptos de auditorio o
público. El cine no es ajeno a estas transformaciones y, por ende, requirió
remodelaciones del sector por causas del cambio de hábitos de los espectadores
(distintos tipos de salas, reducción del tiempo de duración en pantalla de las
películas, entre otras cosas).
388
En este marco, los textos digitalizados, tanto ficcionales como no ficcionales, han
reemplazado a la imprenta, al soporte papel y las redes ponen a disposición todo tipo
de textos, en nuestro caso, los literarios.
Este somero recorrido argumentativo implica reconocer que los MCM (medios de
comunicación masivos) y las nuevas tecnologías en el aula de ELE (y ELM) tendrán
un efecto multiplicador en la construcción de los hábitos de acceso a las redes. En el
ámbito académico, la presencia de éstas promoverá el ingreso a un mundo pleno de
publicaciones, de investigaciones en forma directa, económica y veloz.
En esta propuesta que complementa la anterior, hacemos hincapié en el respeto a
ciertos criterios que no por conocidos desde hace más de una década dejan de tener
vigencia. Los criterios corresponden a la dimensión de lecturabilidad, la cual
comprende:
•
Legibilidad y comprensibilidad ,aspectos que han sido considerados en
investigaciones anteriores.
¿Cómo lograr la integración curricular de los MCM, el Cine y las TICs en la
enseñanza de la literatura en el aula de ELE?
Un currículo flexible y abierto da entrada a contenidos sociales relevantes. Hoy el
aula es Red, es un espacio cibernético. La integración parte del análisis de los
procesos de percepción y de las estrategias cognitivas que el discente debe
desarrollar para comprender y valorar estos nuevos soportes y los nuevos lenguajes
que coadyuvan con la literatura en la clase de ELE.
Situarnos en el ámbito de la literatura en general, universal y comparada, implica
pensar “en una literatura sin fronteras” (Camarero 2008: 1) y más, la idea de una
literatura como fenómeno único, independiente de su lengua y de su cultura. Es
factible, desde nuestro enfoque, hablar de una “teoría de las redes de textos” (2), un
sistema global de comprensión e interpretación de la literatura con todos sus textos
incluidos, por cuanto el sujeto lector sería capaz de abordar la interpretación de
grandes conjuntos y redes de obras seleccionadas entre sí o de crear relaciones entre
ellas en base a su propia interpretación.
Se supone aquí la necesidad de reconocer diversas prácticas semióticas que entran en
juego (paralelismos, cruces, características e identidades diversas). Surge, entonces,
389
un aspecto ineludible: la consideración de la transversalidad literaria propuesta
desde el comparatismo y el culturalismo, imprescindibles para la enseñanza de ELE
y también para ELM.
Sabemos que los argentinos leen literatura extranjera a partir de una tradición
nacional hegemónica europea, y también, a partir de la conciencia de esa tradición.
El caso de Brasil presenta una situación diferente, ya que existen, como mínimo, tres
vertientes literarias (portuguesa, indígena y africana) las dos últimas provienen de
pueblos ágrafos. Consecuentemente, en este país se mezclaron lenguas, se creó un
corpus híbrido, por lo cual los escritores tuvieron que asociarlos sincrónicamente. La
complejidad de esta tradición incide en la formación de los lectores brasileños que les
exige una perspectiva intertextual, entendida como diálogo de los centros y una
lectura fractal. Por eso, una de las características de este pueblo “…es la necesidad de
auto-narrarse, buscando medios de presentarse a sí mismos y de escapar, de la
propia imagen desconocida, huidiza, inacabada” (Pereira:2006)
En este contexto y con la incidencia de estas influencias, ubicamos al célebre Jorge
Amado y su obra Doña Flor y sus dos maridos.
Por otro lado, la división de las culturas en orales, tipográficas y digitales hace
referencia a distintos soportes actuales de comunicación y, por ende, nuevos lectores.
Los medios, en este caso, el cine, se instauran como instrumentos que coadyuvan en
la construcción de la cultura. La introducción de las nuevas tecnologías en las aulas
nos obliga a replantear el rol docente en la enseñanza de la literatura, en soporte
papel, como vehículo de transmisión cultural. Creemos que las redes de
telecomunicación ponen en los profesores de español los recursos necesarios para
permitir la innovación y la inclusión de las nuevas tecnologías en la enseñanza. Esta
es nuestra propuesta que consiste en:
1-Una selección de Obras Literarias de las tres lenguas extranjeras en las que los
alumnos ha completado Lectocomprensión (portuguesa, italiana y francesa),
adecuadas a los criterios de lecturabilidad, legibilidad y comprensibilidad ,en la que
incluimos a la famosa novela de Jorge Amado.
2-Reconocimiento de adaptaciones, de códigos fílmicos, en cada una de ellas.
3-Identificación de la finalidad didáctico-socio-cultural de estas adaptaciones.
390
4-Establecimiento de relaciones del código verbal con otros códigos.
5-Análisis de diferencias, semejanzas y conexiones entre el lenguaje verbal de la/s
obra/literaria/s y los lenguajes no verbales del/ los filmes.
6-Identificación en las adaptaciones de:
• descripción del texto literario y del texto fílmico o audiovisual;
• la narratología;
• el contexto de producción;
• la segmentación de la película en comparación con la versión original del texto
literario;
• otros procedimientos de adaptación y su función;
• identificación del sentido los sonidos en el lenguaje cinematográfico y su
relación con el sentido del texto ficcional.
El trabajo resultante, presentado en la Feria del Libro de Córdoba 2012, sobre
Literatura Comparada, Intertextualidad
y Redes de textos, revela la importancia del
conocimiento de estos conceptos para abordar la literatura desde una perspectiva
crítica que fomentará, en quien se ejercite en ellos ,el desarrollo de procesos de
percepción y estrategias cognitivas. Así, la persona podrá comprender, utilizar y
valorar los nuevos soportes del lenguaje desarrollando competencias mediáticas y
literarias.
Un grupo de alumnas de tercer año, analizó la estructura interna de la obra Doña flor
y sus dos maridos, de Jorge Amado, escritor brasileño nacido en Pirangi en 1912 ,
incluido en el modernismo brasileño. Es necesario aclarar que en la Cátedra se
considerarán rasgos propios del Realismo Mágico.
Doña Flor y sus dos maridos fue publicada en 1966 y llevada al cine en 1975 por Bruno
Barreto.
Para el análisis de la estructura interna que posibilitó la comparación de la obra
literaria y el filme, se utilizó el Modelo de Bremond para estructurar el relato desde la
situación inicial, pasando por un factor de crisis, por el proceso de eliminación del
obstáculo, por el empeoramiento y mejoramiento hasta la situación final. Desde el
ámbito de la lectocomprensión se seleccionaron citas en español y en portugués para
ilustrar segmentaciones y ver escenas de la película.
391
Esquema de Bremond
Situación inicial
Es una introducción al relato en la que se presentan los personajes, se describen los
lugares y los hechos al comiendo de la historia. Sería un punto de partida en la
ficción.
La historia se desarrolla en Salvador de Bahía, Florípides, el personaje principal tiene
una escuela culinaria en la que desarrolla su pasión por la cocina. Es hija de Rozilda,
una mujer con ansias de ascender en la escala social y apara ello quería casar a sus
hijas con un hombre adinerado y profesional. Se produce un racconto que nos remite
al noviazgo, casamiento y vida matrimonial de doña Flor y Vadinho.
La relación comienza con el engaño de Vadinho, quien se hacía pasar por un
importante funcionario público pero en realidad era un aficionado la fiesta, el juego,
las mujeres y las apuestas, además tenía un gran rechazo por el trabajo.
El casamiento se realizó a escondidas de la madre de Flor ya que ésta estaba en
desacuerdo en que se casara con un donnadie. Desde el comienzo del matrimonio
Vadinho le robaba el dinero a Flor, desaparecía varios días sin dar noticia de su
situación y se iba de fiesta con otras mujeres.
Los amores de Flor y Vadinho desembocaron directamente en el
casamiento, pues no
hubo noviazgo ni compromiso, como más
adelante se verá cuando se explique la causa y la razón de esa
anomalía que venía a romper con los procedimientos habituales,
consagrados por todas las familias que se precian de tales. Unos
amores por lo demás divididos en dos etapas distintas, perfectamente
delimitadas y con sus características propias. La primera, plácida y
risueña, toda azul y rosa, un cielo sin nubes, una verdadera fiesta, la
armonía universal. La segunda, confusa y asediada, clandestina, color
de vitriolo y de odio, el infierno en la tierra, el asco; la guerra
declarada.(Amado: 109)
O namoro de Flor e Vadinho desembocou direto no casamento, pois
noivado não houve, como logo adiante se constatará, exibindo-se
causa e razão dessa anomalia a romper os procedimentos habituais e
consagrados em todas as famílias que se prezam. Namoro, aliás,
dividido em duas etapas distintas, perfeitamente delimitadas, cada
uma delas com suas características próprias. A primeira, plácida e
risonha, toda azul e rosa, um céu aberto, verdadeira festa, a concórdia
universal. A segunda, confusa e perseguida, clandestina, cor do
392
vitríolo e do ódio, o inferno na terra, a malquerença, a repugnância, a
guerra declarada. (Parte II- capítulo 9- p.75)
Factor de crisis
Es una situación que irrumpe el equilibrio del punto de partida. Se plantea un
problema, un conflicto u obstáculo que desenlaza en nuevas acciones.Vadinho muere
durante los festejos de carnaval y se inicia en la vida de doña Flor un período de
tristeza y soledad debido a su viudez.
Vadinho, el primer marido de doña Flor, murió un
domingo de carnaval por la mañana, disfrazado de bahiana,
cuando sanbava en un grupo y en medio de la mayor
animación, en el Largo 2 de Julio, no muy lejos de su casa. No
formaba parte de la agrupación; acababa de mezclarse con ella
junto con otros cuatro amigos, todos con vestidos de bahiana,
viniendo de un bar de la calle Cabeza, en el que el wisky había
corrido con abundancia a costas de un tal Moysés Alves,
hacendado del cacao, rico y perdulario. (Amado: 17)
Vadinho o primeiro marido de dona Flor, morreu num
domingo de carnaval, pela manhã, quando, fantasiado de
baiana, sambava num bloco, na maior animação, no Largo Dois
de Julho, não longe de sua casa. Não pertencia ao bloco, acabara
de nele misturar-se, em companhia de mais quatro amigos,
todos com traje de baiana, e vinham de um bar no Cabeça onde
o uísque correra farto à custa de um certo Moysés Alves,
fazendeiro de cacau, rico e perdulário. (Parte I- capítulo 1- p.13)
Proceso de eliminación del obstáculo
Son las acciones que suceden al conflicto para intentar solucionarlo.
Luego de casi un año de la muerte de Vadinho, Flor conoce a
Teodoro, el
farmacéutico del barrio, un profesional responsable, educado que se caracterizaba
por tener una buena reputación. El entorno de doña Flor, su madre y sus amigas, al
incentivaban a que buscaba un nuevo pretendiente ya que era una mujer joven con
un futuro por delante.
Nadie sabe en qué momento comenzó a interesarse el
farmacéutico. No es fácil determinar la hora y el minuto
exactos en que comienza el amor, sobre todo ese que es el
393
definitivo amor de un hombre, el amor de su vida. Lacerante y
fatal, independiente del reloj y del almanaque. Tiempo después,
en un instante de mutuas confidencias, el doctor Teodoro le
confeso a doña Flor, con cierto risueño estiramiento, que la
venía mirando hacía mucho, desde antes de que enviudara.
Desde el pequeño alboratorio situado en los fondos de la
farmacia la veía cruzar el Largo, siguiendo sus pasos por
Cabeza, contemplándola absorto. (Amado: 331)
Quando tivera início o interesse do farmacêutico, ninguém
sabe; não é fácil determinar hora e minuto exatos para o começo
do amor, sobretudo daquele que é o definitivo amor de um
homem, o amor de sua vida, dilacerante e fatal, independente
do relógio e do almanaque. Em dia de confidências, tempos
depois, doutor Teodoro confessou a Dona Flor, com certo
acanhamento risonho, admirá-la de há muito, de antes da
viuvez; do pequeno laboratório nos fundos da farmácia ele a
via cruzar o Largo, seguindo seus passos pelo Cabeça, com
absorta mirada. (Parte III- capítulo 11- p.218)
Mejoramiento /empeoramiento
Posteriormente, surge lo que denominaremos un Mejoramiento, en el que se resuelve
el conflicto planteado en el factor de crisis o; Empeoramiento: en el que se complica la
situación conflictiva.
En el caso de la obra vemos un empeoramiento, este es la vida monótona,
estructurada y aburrida de Flor con Teodoro. Frente a esto ella llama a su difunto
esposo y este se le aparece, Flor tiene que elegir entre serle fiel a su marido y seguir
sus deseos y necesidades.
… Aquí entre nosotras te digo, hermanita, que a
pesar de su vida tan feliz, envidiada por los otros, a veces me
entra una angustia tan sin pie ni cabeza que no puedo
explicármela… un no sé qué… es la mala índole de esta tu
hermana que no sabe apreciar como es debido cuánto recibió
del cielo sin haberlo merecido: una vida tan tranquila
y un buen marido. (Amado: 464)
… Aqui para nós lhe digo, mana saudosa, que
mesmo com essa vida tão feliz, por todos invejada, por vezes
me dá uma agonia, tão sem pé e sem cabeça, difícil até de
explicação, um não-sei-quê... Natureza ruim dessa sua irmã que
não sabe apreciar como devido o quanto mereceu do céu sem
394
para tanto ter merecimento: vida tão tranquila e um bom
marido. (Parte IV- capítulo 09- p.306)
Situación final
Es la conclusión de la historia ficcional, refleja el estado final de los personajes y de
las acciones.
Doña Flor convive y acepta a sus dos maridos. El doctor Teodoro le da seguridad y
estabilidad económica y emocional. Vadinho le da satisfacción sexual. Ante esta
situación ella se siente satisfecha y supera las ligaduras morales.
Del brazo del marido, sonreía mansamente, doña Flor: ¡ah!
Manía de Vadinho, de ir por la calle, tocándole los pechos y los
cuadriles revoloteando en torno a ella como si fuese la briza de
la mañana. De esta limpia mañana de domingo, en la que doña
Flor va de paseo, feliz de la vida, satisfecha con sus dos amores.
(Amado: 598)
Do braço do marido felizardo, sorri mansa dona Flor: ah! Essa
mania do Vadinho de ir pela rua a lhe tocar os peitos e os
quadris, esvoaçando em torno dela como se fosse a brisa da
manhã. Da manhã lavada de domingo, onde passeia dona Flor,
feliz de sua vida, satisfeita de seus dois amores. (Parte –Vcapítulo 29- p.397)
Desde esta primera instancia de formación, que luego se prolongará en el Taller de
materiales para la enseñanza, arribamos a las primeras conclusiones. Dentro del
enfoque para la enseñanza de lenguas y la adquisición de la competencia
comunicativa que incluye a las competencias lingüística, sociolingüística, discursiva
y estratégica, la adecuación lingüística y pragmática y el componente cultural son
totalmente necesarios para adquirir una segunda lengua. El lenguaje real está lleno
de omisiones, contracciones y encadenamientos, entre otros, fundamentales para
adquirir una lengua y ser competentes.
La lengua debe estar presente en la enseñanza y en la vida, la literatura pasa a ser un
modo de aprendizaje ya que sirve de testimonio de la vida de cada grupo social y
propicia, en ella, un descubrimiento íntimo con cada lector convirtiendo a la lectura
en experiencia y a este encuentro en una apertura a nuevos horizontes, registros y
395
variedades dialectales. De este modo, la cultura se convierte en un momo de
comunicación entre la concepción cultural propia y la de otras personas.
Como todos sabemos, infinidades de obras literarias han sido llevadas al cine,
permitiéndonos tener la obra en soporte audiovisual. En una clase de lengua y
literatura o en una clase de español como lengua extranjera permite una
actualización constante de la lengua ya que, simultánea o alternativamente, el
interlocutor utiliza signos verbales en una situación de comunicación real y
contextualizada culturalmente, tal como lo postula el enfoque comunicativo.
Doña Flor y sus dos maridos es una obra que, a demás de despertar diversas emociones
y causar diferentes sensaciones mientras se avanza en la lectura, nos introduce en el
mundo bahiano. Mundo lleno de personas, hechos, lugares y características propias y
posibles de entender gracias al contexto literario que nos da la obra de Jorge Amado.
Sabemos que estas actividades serán muy útiles a la hora de enseñar español, ya que
es una propuesta posible de adaptar a un grupo de alumnos. Considerando que el
soporte audiovisual hoy en día atrae mucho a los adolescentes, esta puede ser la
puerta de entrada a la literatura.
Una puerta a la cultura es la literatura. Es un espejo de la realidad circundante
adaptada de acuerdo con la visión del autor que nos ofrece ese mundo inexplorado al
que solo podemos acceder a través de sus líneas.
La literatura y su posterior paso al cine se convierte en un reservorio de potenciales
aprendizajes que pueden ser desplegados en el aula para el desarrollo de
competencias y habilidades necesarias para promover un aprendizaje significativo y
útil para las demás áreas del conocimiento.
Nos sumamos, para fortalecer vínculos, las cátedras “Medios de Comunicación y
Enseñanza de Lenguas” y “Taller de Producción de Materiales para la Enseñanza del
Español como Lengua Materna y para Extranjeros”, con el objetivo de realizar, en
esta oportunidad, un recorrido de análisis de algunos de los componentes
cinematográficos, para visualizar e interpretar las huellas “culturales” de dos áreas
de conocimiento: Literatura y Cine.
La novela del escritor brasileño Jorge Amado (1912-2001), Doña Flor y sus dos maridos
(1966), objeto de análisis y de producción de materiales didácticos, es un significativo
396
y valioso corpus de estudio para abordar en la Cátedra de Taller de Producción de
Materiales.
Estas huellas muestran las distintas miradas que desde el cine y la literatura se han
realizado, en un intento por representar –tanto en la metaforización como en la
referenciación– un momento histórico-cultural. También, a partir de la recepción,
desde el marco académico institucional, se problematizan las visiones de la novela y
del film, Doña Flor y sus dos maridos. Se recuperan y analizan códigos
cinematográficos y códigos fílmicos, que se transforman en cada nueva mirada.
En primer lugar, es conveniente comprender y estudiar el fenómeno de la
trasposición entre un texto literario y otro fílmico, partiendo, en primer lugar, de
algunos postulados semióticos, para luego abarcar el espacio teórico de la
narratología y de la teoría cultural. De esta manera se ofrecerá una labor de
introducción en lo específico de los lenguajes del espectáculo fílmico y en lo relativo
a la sintaxis de la imagen, para luego comprender convenciones narrativas y
genéricas del universo fílmico. La tarea del análisis literario se plasmará en función
del cruce propuesto como objetivo central, es decir, la trasposición. La gama de
operaciones traspositivas involucra e incluye intertextualidades, interinfluencias,
reciprocidades, contextos, confluencias y transitividades; aspectos que se detallarán
en la elaboración de un power point, a manera de primer estadio de una modalidad
analítica, para pasar luego a la observación de las incidencias socioculturales que se
ponen en juego a la hora de movilizar un relato hacia un lenguaje casi totalmente
diferente.
Nos detendremos en los “códigos sonoros”. Hacemos referencia a aquellos códigos
que presiden la interacción de lo sonoro con lo visual, regulando la procedencia de lo
primero con respecto a lo segundo, y a algunos efectos relacionados con esta elección.
Es posible distinguir tres categorías de sonidos: el sonido in propiamente dicho, es
decir, la voz procedente de un hablante encuadrado; el sonido off propiamente dicho,
es decir, la que proviene de una fuente sonora excluida de la imagen de manera
temporal; y el sonido over, la que proviene de una fuente excluida de manera radical,
en cuanto perteneciente a otro orden de la realidad, como en el caso de la voz
narradora. Hechas estas precisiones se verán los tres tipos de elementos que
397
componen la materia sonora del film –las voces, los ruidos y los sonidos musicales–,
analizados a la luz de las categorías generales que se acaban de presentar. El hecho es
que la dimensión sonora, ya se trate de la voz, de los ruidos o de la música, asume
valencias “cinematográficas” esencialmente cuando entabla relaciones significativas
con los componentes visuales del film, cuando interactúas con la imagen.
Trabajaremos con los códigos sonoros del filme, entre otros, los vinculados a la
canción/poema, O Qué será cuyo intérprete es Chico Buarque. Se cita un fragmento
de la canción:
O que será que le da
o que será mi negro
será que le da
que no le da descanso,
será que le da
será que mi caricia
me quiere acosar
será que son las
horas de haraganear
será que pasa afuera el resto del día
será que ese chico me quiere matar
será que no se cansa de desafiar
que no tiene descanso ni nunca tendrá
que no tiene cansancio ni nunca lo sentirá
que no tiene límites
Naturalmente, se hará una actividad previa donde los alumnos establezcan
relaciones entre texto y film.
A continuación, se presentan algunas actividades por desarrollar:
1) Identifiquen en el fragmento citado de la canción, imágenes que se puedan
relacionar con las acciones-reacciones de los personajes de la película. Incluyan
aportes del marco teórico trabajado en el Taller.
2) ¿Los versos perfilan el aspecto psicológico del personaje Vadinho?. Fundamenten
la respuesta.
3) ¿Cuál es el sentido del fragmento seleccionado? ¿De qué modo se vinculan cine,
literatura y cultura? .Tengan en cuenta la Bibliografía seleccionada y contenidos
provenientes de cursos anteriores.
4-En grupo, expliquen en forma escrita la importancia que adquieren estos materiales
para la enseñanza de ELE.
398
5-Expongan conclusiones.
A manera de síntesis, fue posible apreciar , en una primera aproximación, la relación
entre lo literario y lo fílmico. El cine se instaura como un “cómplice caprichoso” para
la enseñanza de la literatura.
A partir de estas concepciones se pudo advertir
diferencias entre ambos discursos. Cada uno con sus códigos y especificidades
inherentes, colaboran en la tarea de formar docentes en ELM y ELE ,desde una
perspectiva sociocultural latinoamericana.
Bibliografia
Amado, Jorge (1997) Dona Flor e seus dois maridos. 48º ed.Rio de Janeiro.Record.
----------------- (1988) Doña Flor y sus dos maridos. Losada. Buenos Aires
Aguirre Romero, Joaquín(1997) www.ucm.es/info/especulo7/sistema.htm
Barcia, Pedro Luis (2008).No seamos ingenuos. Manual de lectura inteligente. Santillana.
Buenos Aires
Camarero, Jesús(2008) Intertextualidad. Redes de textos y literatura en dinámica
intercultural. Antrophos Editorial. Barcelona.
Cassetti ,F., Di Chio, F. y Ferro, M.(1991) Cómo analizar un film. Barcelona. Paidós
Pereira, María Antonieta.(2005).Vereda tropical. Antología del cuento brasileño Buenos
Aires . Corregidor.
399
O ANTROPOCENTRISMO
NA LITERATURA BRASILEIRA:
CONSCIENTIZAÇÃO
CONSCIENTIZAÇÃO E DEFESA
DO MEIOMEIO-AMBIENTE
Claudia RUARTE BRAVO143
Jonathan VENTURA
Resumo
No trabalho nos propomos realizar uma aproximação à “literatura brasileira, gênero:
novela alegórica” texto A árvore que dava dinheiro (Domingos Pellegrini, 1981) desde
conceitos da Ecologia profunda “Ecocentrismo e Antropocentrismo” (Arne Naess,
1984) para destacar a relação que existe entre a natureza e o homem, o último em
uma posição de dominação, acima da natureza. No referido texto Domingos
Pellegrini (1981), narra a história de uma cidade chamada Felicidade, município
pequeno do interior do Brasil, aonde se vive em harmonia e tranqüilidade, até o
momento em que um velho avaro, antes de morrer, deixa uma inesperada herança: a
árvore do dinheiro. Nesta narrativa alegórica, Domingos Pellegrini parte de um fato
fantástico, para traçar uma análise realista dos tempos em que vivemos, onde a
especulação financeira gera uma crise, que afeta inexoravelmente a todos. A árvore
que dava dinheiro não tem uma personagem principal com a que nos identifiquemos, a
protagonista é a própria cidade, observada dos mais diversos ângulos. O
consumismo exacerbado e a crise financeira se observam no comportamento dos
habitantes de Felicidade, nos adultos e nas crianças, que tentavam aproveitar-se da
situação, desvalorizando a natureza e as coisas mais simples do cotidiano. Para
concluir, pode-se destacar que o texto foi elaborado com a intenção de mostrar a
miséria moral e ética tanto dos habitantes de Felicidade como de quase todos os
habitantes do planeta, que não valoram a natureza e o pior de tudo é que acham
dominá-la e controlá-la, desde uma superioridade absoluta, prejudicando a saúde
humana e o bem-estar básico.
Resumen
En este trabajo nos proponemos realizar una aproximación a la “literatura brasileña,
género: novela alegórica texto A árvore que dava dinheiro (Domingos Pellegrini, 1981)
desde conceptos de la Ecología profunda “el Ecocentrismo y el Antroponcentrismo”
(Arne Naess, 1984) para destacar la relación, que existe entre la naturaleza y el
143
Os dois professores são da Universidad Nacional de Córdoba – Facultad de Lenguas.
400
hombre, el último en una posición de dominación por encima de la naturaleza. En el
referido texto el autor, narra la historia de una ciudad llamada Felicidad, municipio
pequeño del interior de Brasil, en donde se vive en armonía y tranquilidad, hasta el
momento en que un viejo avaro, antes de morir deja una inesperada herencia: el
árbol de dinero. En esta narrativa alegórica, Domingos Pellegrini parte de un hecho
fantástico, para trazar un análisis realista de los tempos en que vivimos, donde la
especulación financiera genera una crisis, que afecta inexorablemente a todos. A
árvore que dava dinheiro no tiene un personaje principal con el que nos identifiquemos,
la protagonista es la propia ciudad, observada desde los más diversos ángulos. El
consumismo exacerbado y la crisis financiera se observan en el comportamiento de
los habitantes de Felicidad, en los adultos y en los niños, que se aprovechan de la
situación, desvalorizando a la naturaleza y a las cosas más simples de lo cotidiano.
Para concluir, podemos destacar que el texto fue elaborado con la intención de
mostrar la miseria moral y ética tanto de los habitantes de Felicidad como de casi
todos los habitantes del planeta, que no valoran la naturaleza y lo peor de todo es
que creen dominarla y controlarla, desde una superioridad absoluta, perjudicando la
salud humana y el bien estar básico.
No trabalho nos propomos realizar uma aproximação à “literatura brasileira, gênero:
novela alegórica” texto A árvore que dava dinheiro (Domingos Pellegrini, 1981)
tomando os conceitos de Ecología profunda (Arne Naess, 1984) para destacar a
relação que existe entre a natureza e o homem, o último em uma posição de
dominação, acima da natureza.
No referido texto Domingos Pellegrini (1981), narra a história de uma cidade
chamada Felicidade, município pequeno do interior do Brasil, onde as pessoas
viviam em harmonia e tranqüilidade, até o momento em que um homem velho e
avaro, antes de morrer, deixa uma inesperada herança: a árvore do dinheiro.
O Velho, sem nenhum descendente, deixou aos seus inquilinos três sementes,
indicando-lhes que deviam plantá-las sem advertir-lhes de que se tratava. Os
locatários, sem duvidar cumpriram e plantaram na praça da cidade as sementes, que
logo depois se transformaram em imensas árvores de dinheiro.
Os habitantes da cidade, surpresos por esta situação se desesperaram e correram
para pegar pelo menos um galho das árvores, para plantá-lo em suas casas. Todos os
felicenses, exceto o açougueiro e o bêbado, plantaram os galhos e se sentaram a
esperar que essa planta lhes dera os valiosos frutos. Já não existiam lojas abertas na
cidade, os comerciantes fecharam as portas, para cuidar só das plantas e esperar o
nascimento do fruto, que mudaria a vida deles. A cidade havia-se transformado em
401
um deserto, já não tinha pessoas nas ruas, as crianças brincavam ao redor dessas
plantas, o bêbado tinha que caminhar até a cidade vizinha, para conseguir aquela
bebida, que sempre comprava, porque como diz o narrador era bêbado, mas tinha
princípios, ele não precisava de nenhuma planta milagrosa.
Um dia, logo após de tanto esperar apareceram as notas. As mulheres, os homens e
as crianças de Felicidade começaram a abrir as portas de suas casas, trazendo nas
mãos embrulhos de dinheiro. Todos os moradores, com olhos enormes de tanta
impressão iam de um lado a outro, querendo comprar de tudo, carne, botijões,
roupas, guloseimas, caviar, bebidas e em grandes quantidades.
A euforia consumista se espalhou pela cidade toda, as meninas feias imaginavam
tornar-se lindas graças ao dinheiro, os doentes esqueceram-se de suas doenças, as
donas-de-casa enchiam os armários com aqueles produtos, que jamais tinham
comprado.
Os preços subiam, mas ninguém se interessava, porque eram ricos e as árvores cada
dia lhes dava mais, até que um dos novos ricos decidiu atravessar a ponte e dirigir-se
à cidade vizinha e nesse instante descobriu a verdadeira história das árvores. As
notas tão caprichadas e lindas se esfarelavam, ou seja, só podiam ser usadas em
Felicidade.
Os habitantes de Felicidade, passaram da alegria à depressão ao ver que esses frutos
maravilhosos não lhes dava dinheiro verdadeiro, mas a tristeza na cidade durou
muito pouco, porque à televisão e os jornais não demoraram em encontrar a árvore
prodigiosa e informar ao resto do pais da enorme rareza.
Gente de todas as partes ia conhecer e fotografar esta maravilha, as lojas abriram
novamente suas portas, os comerciantes e o resto dos moradores vendiam de tudo,
além disso, havia que pagar todas as dividas contraídas por causa das notas falsas. A
cidade tinha perdido seus costumes, já não existiam as vizinhas conversando na
calçada nem as crianças brincando nela, só podiam-se ver turistas consumindo todo
o que os felicenses lhes ofereciam. Outra vez Felicidade se enchia de dinheiro, mas
do verdadeiro daquele que não se esfarelava.
Um dia como tantos outros, as belas árvores deixaram de dar os frutos e a cidade
ficou deserta, suja e poluída devido à infra-estrutura improvisada, para cobrir as
402
necessidades dos visitantes. Aquilo que parecia ser uma bênção virou uma desgraça.
Logo depois, das árvores saíram frutos deliciosos, os quais foram utilizados para
elaborar produtos muito gostosos, recuperar a alegria, a relação entre os vizinhos a
fraternidade e, sobretudo puderam novamente saborear as coisas simples da vida.
Esses frutos apareceram para recuperar a harmonia dos cidadãos de Felicidade.
Nesta narrativa alegórica, Domingos Pellegrini parte de um fato fantástico, uma
árvore que dá dinheiro, para traçar uma análise realista dos tempos em que vivemos,
onde a especulação financeira gera crise, que afeta inexoravelmente a todos.
A novela de Pellegrini não tem uma personagem principal com a qual nos
identifiquemos, a protagonista é a própria cidade, observada desde os mais diversos
ângulos. O consumismo exacerbado e a crise financeira se revelam no
comportamento dos habitantes de Felicidade, nos adultos e nas crianças, que
desvalorizam a natureza e as coisas mais simples do dia-a-dia.
A árvore que dava dinheiro, como produção cultural e lingüística pode ser
dimensionada no marco do movimento de Ecologia Profunda, tomando dois
conceitos “O antropocentrismo” e “O ecocentrismo”. O primeiro faz referencia ao
homem em cima da natureza, que ele controla e domina. Vê a natureza como fonte
fornecedora de recursos para ser explorados por ele, tal como se observa na novela.
O segundo manifesta que existe uma igualdade entre o humano e a ecosfera com
todos os seus seres, além do mais o homem desde esta perspectiva se encontra junto
ao
meio-ambiente.
Promulga
evitar
o desenvolvimento das culturas não
industrializadas, como é o caso do narrador do texto, quem nos oferece a
possibilidade de refletir acerca do prejuízo, que lhe provoca à natureza e a nós, a
gincana por obter dinheiro.
A biosfera ou, mais profissionalmente, a ecosfera em sua totalidade (conhecida
também como “ecocentrismo”), inclui indivíduos, espécies, populações, hábitats,
culturas humanas e não-humanas. O termo “vida” se utiliza aqui para incluir
também o que os biólogos classificam como “nao-vivo”: rios, paisagens, ecosistemas,
etc… Para os partidários da ecología profunda, frases do tipo “deixem viver ao rio”
enfeitam este uso mais amplo tão comum em muitas culturas. “Ecología profunda”
não constitui uma filosofia em nenhum sentido propriamente acadêmico, tampouco
403
está institucionalizada como uma religião. O que acontece é que várias pessoas se
unem durante campanhas ou ações. Formam um círculo de amigos que apóiam o
mesmo estilo de vida que outros podem questionar como “simples”, mas
considerado por eles rico e multifacético. Concordam em uma vasta gama de
assuntos políticos, embora possam ser partidários de diferentes agrupações políticas.
Como em todos os movimentos sociais, comandos e retórica são indispensáveis para
a coerência interna do grupo.
O enfoque profundo se concentra no que está acontecendo no ecossistema em sua
totalidade e faz um chamamento para uma luta altamente prioritária contra as
condições econômicas e a tecnologia responsável. A prioridade é combater as causas
profundas da poluição, e não simplesmente os efeitos superficiais de curto prazo.
Enquanto que no enfoque pouco profundo a ênfase se põe sobre os recursos para os
seres humanos, especialmente para a geração presente em sociedades prósperas.
Segundo esta visão, os recursos da terra pertencem aos que possuem a tecnologia
para explorá-los. Há confiança em que os recursos não se acabarão porque, à medida
que sejam cada vez mais escassos, um preço de mercado mais alto os conservará, e a
través do progresso tecnológico se encontrarão sucedâneos. Além do mais, plantas,
animais e objetos naturais são valiosos só quando constituem recursos para os seres
humanos como se pode observar na novela fantástica A árvore que dava dinheiro onde
os cidadãos aproveitaram para seu benefício os recursos da natureza.
Desde uma perspectiva “antropocentrista” a praça, o rio, a ponte, os espaços abertos
e as árvores da novela são partidos em segmentos considerados propriedades e
recursos dos indivíduos da cidade sem levar em conta os custos sociais nem
ecológicos globais.
A relação entre a natureza e a literatura nos permite analisar o relacionamento, que
existe entre o homem e o meio-ambiente. O autor do texto antes mencionado nos
mostra sua postura pro-ecológica, porque critica os estilos de vida, que atentam
contra a biodiversidade e a conservação do planeta. Salienta um modo de vida
alternativo e mostra um comportamento de compromisso com as causas ambientais.
404
Na narração Pellegrini atua em defesa da natureza a través das árvores exploradas
pelos cidadãos e realiza um chamamento à tomada de consciência de cada um dos
leitores, para que reflitam acerca da influencia do global sobre o regional.
As plantas do fruto valioso representam à natureza, vingándo-se do homem, de sua
avareza e ambição por aquilo que se pode conseguir sem esforço e como se fosse
combustível para a vida. Por tanto, essa natureza vingativa lhes dá aos moradores a
oportunidade de arrepender-se, como uma mãe lhes dá oportunidades aos seus
filhos, para que valorem as coisas simples, a harmonia e a fraternidade entre os
habitantes do mesmo lugar.
Dado este estado de situação é que achamos pertinente recorrer ao conceito de
“Ecología profunda”, elaborado por (Arne Naess, 1984), para favorecer à relação
entre o homem e o meio-ambiente, demonstrando que: o florescimento e o bem-estar
da vida humana e não-humana na Terra possuem um valor por si mesmos. Estes
valores não dependem da utilidade do mundo não-humano para os objetivos
humanos. A riqueza e
a diversidade das formas de vida contribuem à realização destes valores e
constituem além do mais valores por si mesmas. Os seres humanos não têm direito a
reduzir esta riqueza e diversidade exceto para satisfazer necessidades vitais. A
interferência humana atual com o mundo não-humano é excessiva, e a situação está
piorando rapidamente. A transição ideológica será a de apreciar a qualidade de vida
mais que aderir-se a um standard de vida cada vez mais elevado.
Para concluir, é importante salientar que o livro foi elaborado com o intuito de
mostrar a miséria moral e ética tanto dos habitantes de Felicidade como de quase
todos os habitantes do planeta, que não valoram a natureza e o pior ainda é que
acreditam dominá-la e controlá-la, desde uma superioridade absoluta, prejudicando
a saúde humana e o bem-estar básico.
Bibliografia:
Naess, A. (1984). El movimiento de ecología profunda: Algunos aspectos filosóficos
Disponible en: www.sangay.org/naess2.html
405
Pellegrini, D. (1981) A árvore que dava dinheiro. Literatura em minha casa. São Paulo.
Ed. Ática
406
TRADUZINDO CONTOS DE JUANA MANUELA
GORRITI: UMA EXPERIÊNCIA EM UMA
UNIVERSIDADE BRASILEIRA
Artur Emilio ALARCON VAZ144
Daniele CORBETTA PILETTI145
RESUMEN
Este trabajo pretende divulgar la obra de Juana Manuela Gorriti (1818-1892), autora
argentina relevante en su país de origen e, incluso, en países de lengua inglesa, cuya
obra todavía no fue traducida a la lengua portuguesa y, consecuentemente, es poco
conocida y citada en artículos y tesis académicas en Brasil. Con ese fin, se creó el
proyecto de investigación “Juana Manuela Gorriti: análisis y traducción”, coordinado
por los profesores Artur Emilio Alarcon Vaz y Daniele Corbetta Piletti, en la
Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
RESUMO
Este trabalho pretende divulgar a obra de Juana Manuela Gorriti (1818-1892), autora
argentina relevante em seu país de origem e, também, em países de língua inglesa,
cuja obra ainda não foi traduzida à língua portuguesa e, consequentemente, é pouco
conhecida e citada em artigos e teses acadêmicas no Brasil. Com essa finalidade, foi
criado o projeto de pesquisa “Juana Manuela Gorriti: análisis y traducción”,
coordenado pelos professores Artur Emilio Alarcon Vaz e Daniele Corbetta Piletti, na
Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
INTRODUÇÃO
Esta proposta fundamenta-se na necessidade de repensar o espaço atualmente dado
no Brasil para as obras produzidas por Juana Manuela Gorriti, que ainda são
republicadas em países de língua espanhola e até mesmo em países de língua inglesa.
Professor de literatura do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio
Grande (FURG), doutor em Literatura Comparada.
144
Professora de língua espanhola do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do
Rio Grande (FURG), mestre em Linguística Aplicada
145
407
No entanto, a autora é praticamente desconhecida nos meios literários e acadêmicos
brasileiros, já que não conta com traduções para a língua portuguesa, mesmo após
mais de um século de sua morte e décadas após seus textos terem entrado em
domínio público.
Esse intercâmbio entre os países latino-americanos é extremamente necessário
devido à enorme diferença de status dessa autora, pois embora as obras estejam
inseridas entre os clássicos latino-americanos do século XIX e reimpressos até hoje,
como na inclusão da obra Dreams and realities na Coleção “Biblioteca da America
Latina”, pela editora Oxford, seu nome no Brasil é raramente citado entre obras de
mulheres importantes e que influenciaram na reflexão feminista da America Latina,
mesmo entre disciplinas de literatura hispano-americana.
A pouca produção acadêmica no Brasil sobre a obra dessa escritora é comprovada
numa busca nos currículos do sistema Lattes, em que se verificam apenas três
pesquisadores relativos à obra de Juana Manuela Gorriti 146 . Numa pesquisa no
sistema de busca Google, constatou-se uma significativa diferença entre o número de
sites publicados em língua espanhola, quase noventa e três mil, e os sites publicados
em língua portuguesa, apenas duas mil ocorrências.
Outro indicador é a presença de romances dessa autora na Biblioteca Nacional
brasileira, sendo que há apenas um romance de Juana Manuela Gorriti (Páginas
literarias). Para comparação, na Biblioteca Nacional da Argentina, há oitenta e dois
livros com textos de Gorriti. Igualmente, na Biblioteca Nacional do Chile, há onze
romances e na Biblioteca Nacional do Peru, quatorze obras. Indicadores como estes
reforçam que as ações planejadas pelo grupo de pesquisa irão aumentar a
apresentação e publicação de artigos, além de dissertações e livros. Com isso, será
ampliado o status dessa autora no Brasil, para aumentar, consequentemente, o
146 Há a tese de doutorado “O espaço feminino na escritura de Juana Manuela Gorriti e
Martha Mercader”, defendida por Clara Angélica Agustina Suarez Cruz na Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. em 2005; a dissertação “Tradução comentada de
Peregrinaciones de un alma triste de Juana Manuela Gorriti”, de Andreza Aparecida Gomes
de Andrade, em andamento na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
UNESP e o artigo “entre espectros e miragens: memória e identidade nos escritos de Juana
Manuela Gorriti”, de Cláudia Heloisa Impellizieri Luna Ferreira da Silva, publicado no livro
Entre o estético e o político: a mulher nas literaturas de línguas estrangeiras (2006).
408
número de ocorrências dessa autora na Plataforma Lattes, nas citações do Google em
português, entre outras.
Portanto, uma das formas de corrigir esse problema é a análise de suas obras,
inclusive com a tradução e publicação de seus contos. Assim, formou-se na
Universidade Federal do Rio Grande (FURG) uma equipe de alunos da graduação,
coordenados por duas professoras de língua espanhola com experiência em tradução
e um professor de literatura com experiência em textos do século XIX.
A etapa inicial foi a leitura dos contos da autora e de alguns referências teóricos,
assim como a análise dos contos à luz de teorias de literatura. Foram realizadas
igualmente oficinas de tradução de materiais diversos, com a finalidade dos alunos
perceberem diferenças entre as traduções técnica e literária. Essas atividades foram
realizadas com o software SANAKO 100, que organiza e ajuda o trabalho do tradutor.
Após a leitura de diversos contos, a lista inicial dos textos a serem traduzidos ficou
estabelecida em dez: “O anjo caído”, “A namorada do morto”, “Cair das nuvens”, “A
filha do mazorca”, “A luva negra", “Se praticas o mal, não esperes o bem”, “O
emparedado” “A luz do manancial”, “Ervas e alfinetes” e “Um drama em 15
minutos”.
Na etapa seguinte, fez-se uma análise preliminar dos contos, detalhando não só
elementos textuais (enredo, personagens, tempo, espaço, etc.), mas também o
contexto em que foi produzido e lido e analisando também aspectos de diversos
interesses: feminismo, literatura, historiografia, sociologia etc.
O estágio atual está constituído na revisão das traduções dos contos, verificando
erros dos tradutores, dificuldades com o contexto histórico do ambiente dos contos,
entre outros. Assim, ocorrem dificuldades como a identificação de pássaros e insetos,
como “coyuyo” e “pacuí”, e de árvores, como o sauce e algarrobeira, ou mesmo de
pequenas plantas, como retama.
Outro exemplo é o uso de palavras específicas, como “edecán”, no conto “El guante
negro”, em que o tradutor ficou entre usar um simples “ajudante” ou detalhar a
função específica contida na palavra em espanhol. Assim como nomes, tais como
“Gerônimo”, “Wenceslao” e “Enrique”, já que o mais usual em língua portuguesa é
“Jerônimo”, “Wenceslau” e “Henrique”.
409
Expressões também se estabeleceram como uma certa dificuldade para reproduzir
aspectos literários construídos pela autora argentina, tal como no conto “La hija del
mashorquero”, em que aparece a frase “La verdad toda entera se mostró a sus ojos,”,
traduzida por uma expressão idiomática em português: “A verdade nua e
crua mostrou-se a seus olhos”. A expressão idiomática “en capilla”, usada no conto
“A luva negra”, foi traduzida – pelo menos na primeira versão – por “vigilante”, que
dá o mesmo tom da expressão original, embora não mantenha a qualidade estética. A
palavra “acento”, largamente usada originalmente nos contos, foi traduzida como
“tom”, e não “sotaque”, por exemplo.
Dados e personagens históricos como Rosas, Lavalle, Pueyrredon, e Carlos Maria de
Alvear Mazorca receberam, em geral, notas explicativas, visando um leitor brasileiro
leigo. Peças e utensílios comuns ao século XIX também criaram certas dificuldades,
como “lámpara de gas”, que não pode ser traduzido literalmente como “lâmpada a
gás”, pois se refere ao querosene líquido e não gasoso, como um leitor atual
entenderia uma simples lamparina, ou um lâmpada de querosene. O mesmo ocorreu
com “panóplias de armas”, em que se manteve a tradução exata, sem notas
explicativas, já que essa expressão consta em dicionários de língua portuguesa.
Outras situações precisaram de notas explicativas, como o trecho “lúgubre inscrição
do Dante”, referência ao trecho d’A divina comédia, que mostra que a porta do Inferno
teria a seguinte inscrição: "Deixai toda esperança, vós que entrais!". Um segundo caso
semelhante é a citação da ópera Os Capuletos e os Montecchio, de Vincenzo Bellini, com
libreto de Felice Romani (1788-1865), baseada na obra de Shakespeare, atualmente
desconhecida do grande público, mas extremamente popular no século XIX: “aquela
adorável música de Romeu e Julieta. - Sei pur tu che ancor rivedo?”.
Um terceiro caso é a frase inicial do conto “A luva negra”: “dando passagem a uma
figura branca, vaporosa e aérea como as Wilis das baladas alemãs”, referência aos
textos sobre a mitologia nórdica. Esse conto também serve de exemplo da
necessidade de conferência em diversas fontes, já que – por enquanto – pouco
tivemos acesso a edições mais antigas. Dessa forma, a antologia publicada em 2001
pelo jornal Clarín contém erros que foram esclarecidos em outras fontes, como a
confusão entre “porta” e “puena”.
410
O conto “A luva negra” também gerou debates em torno da tradução do título, já que
“negra” em espanhol poderia ser traduzido por “negra”, que em português possui
um sentido metafórico da morte, adequado ao conto, ou simplesmente “preta”,
usada usualmente como cor. Outro trecho do mesmo conto foi o trecho “prenda de
amistad”, em que é feito um trocadilho no original impossível de manter-se na
tradução em português: “– Como uma conquista ou como um presente? – Como uma
prova de amizade”. A expressão em espanhol “arroyos de sangre” foi igualmente
traduzida por “rios de sangue”, já que a expressão literal – arroios de sangue – não é
usual em língua portuguesa.
Em alguns casos, a melhor tradução ainda não foi encontrada, como a descrição de
“góticas ojivas de la ventana”, no início do conto “El lucero del manantial”, cuja
tradução literal ficaria incompreensível para um leitor brasileiro.
Dessa forma, o projeto de pesquisa ainda encontra-se em fase inicial, mesmo após o
primeiro momento, em que a tradução dos contos já foi realizada, mas precisam
passar por diversas etapas de revisão e unificação de critérios. Ao longo ainda de
2012 e 2013, pretende-se alinhar e fazer diversas etapas de revisão, para possibilitar
enfim a publicação da primeira antologia da Juana Manoela Gorriti em língua
portuguesa.
Parte dos objetivos já está sendo alcançado, tanto pela qualificação dos graduandos
através das leituras das teorias tradutórias e dos contos em língua espanhola, como
pela possibilidade de trabalhar com uma autora canônica argentina. Igualmente,
pretende-se aprofundar mais em aspectos teóricos e que relatos dessas experiências
de traduções sejam publicados pelos alunos, promovendo reflexões teóricas das
técnicas aplicadas, seja em monografias de especializações ou em dissertações de
mestrado.
Assim, as atividades realizadas não só irão resultar na publicação da obra de Gorriti,
mas a tradução será usada como uma atividade pedagógica, servindo como recurso
didático na aprendizagem do Espanhol como Língua Estrangeira (ELE), pois os
graduandos têm a oportunidade de desenvolver igualmente as habilidades de
análise literária, assim como as habilidades linguísticas de compreensão e expressão
escrita.
411
REFERÊNCIAS
BARRETO, João. O poço de babel. Para uma poética da tradução literária. Lisboa:
Relógio
D’Água Editores, 2002.
BERMAN, Antoine. A tradução e a letra. Trad. Marie Helene Torres, Andréia Guerini y
Mauri Furlan. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.
BLEY-VROMAN, R. What is the logical problem of foreign language learning? En
GASS, S.
M. y J. SCHACHTER (eds.), Linguistic Perspectives on Second
Language
Acquisition. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
BOHN, H.; VANDRESEN, P. Tópicos de Lingüística Aplicada: o ensino de línguas
estrangeiras. Florianópolis: UFSC, 1988.
BORGES, Jorge Luis. Las dos maneras de traducir. En Textos Recobrados. Buenos
Aires: Emecé, 1997.
BRISLIN, R. W. Comparative research methodology: Cross-cultural studies. International
Journal of Psychology, 1976.
COOK, G. Applied linguistics. Oxford: Oxford University Press. 2003.
COSTA, D. C. Tradução e ensino de línguas. In: Bohn, H. e P. Vandresen (orgs.),
TÓPICOS
DE
LINGÜÍSTICA APLICADA: O ENSINO DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS. Florianópolis: Editora da UFSC, 1988.
ELLIS, R. Understanding Second Language Acquisition. Oxford: Oxford University Press,
1986.
FIGUEIREDO, F. A aprendizagem colaborativa: foco no processo de correção
dialogada. In:
LEFFA, V. (Org.). A INTERAÇÃO NA APRENDIZAGEM
DAS LÍNGUAS.
Pelotas: EDUCAT, 2003.
GABBIANI, Beatriz. Aspectos metodológicos de la enseñanza de E/LE. In: MASELLO, L.
(Org.). ESPAÑOL COMO LENGUA EXTRANJERA. ASPECTOS
DESCRIPTIVOS
Y METODOLÓGICOS. Montevideo: Departamento de
publicaciones de la Facultad de Humanidades y
- Universidad de la República,
2002.
412
Ciencias de la Educación
GORRITI, Juana Manoela. Sueños y Realidades. Buenos Aires: Imprenta de Mayo de C.
Casavalle, 1865. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=7xDAAAAcAAJ. Acesso em 9 out. 2012.
GORRITI, Juana Manoela. Dreams and realities. New York: Oxford University, 2003.
Trad.
Sérgio
Waisman.
Disponível
em
books.google.com.br/books?id=UssVK2H0U4wC. Acesso em 9 out. 2012.
GORRITI, Juana Manuela. Narraciones. Buenos Aires: Estrada, 1958.
HAMMES, Wallney Joelmir; VETROMILLE-CASTRO, Rafael (Org.). Transformando a
sala de aula, transformando o mundo: ensino e pesquisa em lingual estrangeira.
Pelotas: Educat, 2001.
JAKOBSON,
R.
Aspectos
lingüísticos
da
tradução.
In:
LINGÜÍSTICA
E
COMUNICAÇÃO. São Paulo: Cultrix, 1971.
MASELLO, L. (Org.). Español como lengua extranjera. Aspectos descriptivos y
metodológicos. Montevideo: Departamento de publicaciones de la
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación - Universidad de la
República, 2002.
MOUNIN, G. Os problemas teóricos da tradução. São Paulo: Cultrix, 1975.
URGESE, T. Translation: how, when, and why. English Teaching Forum: July, 1989.
413
JORGE AMADO:
PONTES ENTRE O ESCRITOR E O HOMEM
Cecilia DEL CARMEN HERRERA147
Resumo
Para homenagear Jorge Amado, vou tentar refazer o caminho que me conduziu a ele
e a sua literatura e tentar ver com maior claridade o porquê de minha grande paixão.
Quando li os primeiros livros de Amado, pouco conhecia de sua pessoa, de sua
biografia e da cultura de seu povo. Um dos aspectos surpreendentes nos romances
de Amado é a quantidade de personagens. Contudo, não é só a quantidade o que
chama a atenção, senão a diversidade e a profundidade com que suas psicologias são
apresentadas, não só de forma descritivas, mas principalmente mediante sua forma
de atuar, de pensar, e de ver o mundo. Foi através da literatura amadiana que me
aproximei da realidade de outros lugares e de outros tempos ao mesmo tempo em
que tomei consciência dos valores e anti-valores que vigoram em nossa sociedade.
Com o passo do tempo, além de ler seus livros, comecei a descobrir o escritor. Andei
boa parte deste caminho da mão de Zélia Gattai. Ajudaram-me, também, a conhecer
Jorge, os livros que ele escreveu sobre si mesmo: “O menino grapiúna” e “Navegação
de cabotagem.” Ao me aproximar do homem, pude constatar quantos valores
presentes em suas obras foram valores de vida. Entre eles vou referir-me à amizade,
ao compromisso, à alegria e ao senso de humor.
“Seja-bem vindo! Se for de paz, pode entrar!” (Jorge Amado)
Para homenagear Jorge Amado, escritor a quem amo profundamente, vou tentar
refazer o caminho que me conduziu a ele e a sua literatura e tentar ver com maior
claridade o porquê de minha grande paixão.
Quando li os primeiros livros de Amado, pouco conhecia de sua pessoa, de sua
biografia e da cultura de seu povo. Tive a sorte de lê-lo em português, sua língua
materna.
Faz pouco tempo, vi uma entrevista ao escritor na qual a repórter lhe pedia para
descrever sua personagem “Gabriela”. Ele respondeu que “tem cheiro de cravo e cor
147
Departamento Cultural, Facultad de Lenguas, Universidad Nacional de Córdoba.
414
de canela”. A repórter tentou pôr outras palavras na boca do escritor e ele contestou
dizendo que ele não descrevia seus personagens, que essa era tarefa do leitor. Fiquei
pensando.... É verdade, quase não descreve fisicamente seus personagens, mas a
descrição psicológica é tão profunda, com tantos detalhes que temos a sensação de
vê-los e de tocá-los. Seus personagens são tão completos, tão reais, tão vivos que
parecem estar em frente do leitor ou ao seu lado ao mesmo tempo em que o leitor se
sente que está dentro da obra vivendo os acontecimentos contados na história.
Um dos aspectos que me surpreendeu reiteradamente nos romances de Amado é a
quantidade de personagens. Contudo, não é só a quantidade o que chama a atenção,
senão a diversidade e a profundidade com que suas psicologias são apresentadas,
não só de forma descritivas, mas principalmente mediante sua forma de atuar, de
pensar, e de ver o mundo. Em Teresa Batista Cansada de Guerra são 359 personagens,
quase um personagem por página (Fundação Casa de Jorge Amado, 2008: 56), que
vivem tantas situações, tão diversas, tão terríveis, em diferentes lugares e momentos
da vida de Teresa que eu, como leitora, terminava esgotada, quase aniquilada e
precisava parar a leitura para poder digeri-la e continuar lendo.
O que mais me impacta é que o escritor possa captar e contar com tamanha clareza a
diversidade de formas de ver e de mover-se no mundo e não emitir nenhum tipo de
juízo de valor. Jorge Amado pinta a sociedade de um lugar, de uma época, em seus
mais mínimos detalhes, em suas pobrezas e riquezas, em seus valores e misérias e
deixa o leitor livre para ele fazer o seu juízo de valor. Ao saber que o romance “O
país do carnaval” tinha sido escrito quando Jorge estava com 18 anos de idade, fiquei
perplexa: Como uma pessoa de tão curta idade pode ter uma cosmo visão tão ampla
e perceber a existência da pluralidade a tal ponto? Obviamente a experiência de vida
e a maturidade de Jorge Amado naquele momento deviam ser algo fora do comum.
Foi através da literatura amadiana que me aproximei da realidade de outros lugares
e de outros tempos. Por exemplo, conheci grandes pessoas, verdadeiramente
comprometidas, como Castro Alves, poeta abolicionista, e Luiz Carlos Prestes,
dirigente do partido comunista, que foram, ambos, um exemplo de luta por um ideal.
Aprendi sobre as tensões políticas na época “Vargas”, sobre a consciência de classe e
sobre a força potencial do trabalhador organizado. Descobri o agreste nordestino e as
415
dificuldades das pessoas que migram expulsas pela seca; visitei as fazendas de cacau
e tomei consciência da exploração do trabalhador rural; caminhei pelas ruas de
Salvador e senti quase em carne própria as dificuldades tanto das pessoas que
moravam em cortiços como dos meninos de rua, dos trabalhadores do cais, dos
pescadores e das prostitutas. Ao mesmo tempo, tive a possibilidade de aproximar-me
ao misticismo religioso, à magia, ao candomblé de herança africana, à mestiçagem, à
capoeira. Viajei por cada canto de Salvador e conheci pessoas que nunca vi nem verei.
Comi todo tipo de pratos típicos baianos, pude sentir seus sabores e seus perfumes
sem nunca tê-los visto ou experimentado. Por outra parte, essas leituras me abriram
janelas ao interior do ser humano, ao mesmo tempo em que me levaram a refletir
sobre a vigência de numerosas problemáticas sociais daqueles tempos e lugares, na
atualidade e em nosso país, em nosso campo, em nossas cidades, em nosso povo e no
mundo.
Junto à desigualdade e pobreza econômicas, problemas profundos no mundo em que
vivemos e muito presentes nas histórias de Amado, aparece a pobreza humana, a
falta de valores, tão arraigada nas nossas sociedades e em cada um de nós. Alguns
anti-valores presentes em seus personagens são: a ambição desmedida, a avareza, a
agressividade, a violência, o autoritarismo, a arrogância, o desprezo pelo outro, a
hipocrisia, o machismo, o racismo, a intolerância religiosa, os preconceitos, a injustiça,
a preguiça. Desde esta óptica, o escritor me ofereceu a possibilidade da introspecção,
de revisar meus valores e analisar minhas condutas.
Felizmente, encontramos tanto em sua literatura como na vida, a outra face da
moeda. Alguns dos valores defendidos e transmitidos pelo escritor são: a amizade, o
amor à vida, o amor ao próximo, a fé, a solidariedade, a bondade, a igualdade de
direitos, o compromisso, o trabalho, a perseverança, a alegria, a simplicidade, o senso
do humor, o otimismo, a riqueza da diversidade, a liberdade e a paz.
Frequentemente me perguntam do qual livro de Jorge Amado mais gostei.
Geralmente respondo: Perguntem do qual não gostei que será mais fácil responder.
Mesmo assim, devo reconhecer que algumas obras me marcaram muito mais que
outras e não gostaria de desaproveitar esta oportunidade para recomendar-lhes sua
416
leitura. Entre elas encontram-se: Jubiabá, Teresa Batista Cansada de Guerra, Os
Capitães da Areia, Tenda dos Milagres, O ABC de Castro Alves y Tocaia Grande.
Com o passo do tempo, além de ler seus livros, comecei a descobrir o escritor. Andei
boa parte deste caminho da mão de Zélia Gattai, sua esposa e companheira, quem
escreveu vários livros sobre suas vidas, e foi através de suas leituras que pude quase
compartilhar os acontecimentos vividos por eles. Considero esses livros de Zélia
como um gesto de generosidade com os leitores e admiradores de Jorge já que ela
abriu sua casa, sua família, sua intimidade, sua vida para compartilhá-la conosco.
Ajudaram-me, também, a conhecer Jorge, os livros que ele escreveu sobre si mesmo:
“O menino grapiúna” e “Navegação de cabotagem.”
Ao aproximar-me ao homem, à pessoa, ao ser humano que vivia trás a pena, pude
constatar quantos valores presentes em suas obras foram valores de vida. Entre ele
poderia começar salientando a amizade. Nos dois livros de memórias de Jorge e em
numerosos livros de Zélia transparece a importância que teve a amizade na vida de
ambos. Em entrevista publicada em “Jorge Amado, Literatura Comentada” o escritor
afirmou:
A amizade pra mim é a coisa mais importante, é o sal da vida.
Eu tenho amigos em todas as partes do mundo. (...) Ter amigos
é fundamental e eu tenho no mundo inteiro, mas pra mim
nenhum deles é mais importante que o povo da Bahia. (...) Eles
chegam nesta casa e entram, são donos desta casa. Qualquer
sujeito importante que chega aqui, para entrar tem de bater
palmas na porta, mas eles não; entram sem pedir licença, Pra
eles não tem hora, não tem porta fechada. (11-12)
Outro valor que norteou sua vida foi o compromisso. Posso citar sem medo a errar o
compromisso político, social, religioso e humanitário. Quando foi deputado lutou
pela liberdade de culto para seu povo e conseguiu a emenda na Constituição de 1946.
Participou ativamente na organização dos Congressos Mundiais de Partidários da
Paz. Foi membro do partido comunista e a arma que empunhou durante sua luta foi
a pena, o que lhe valeu a censurar, a prisão em reiteradas oportunidades e o exílio.
Muito lutou e sofreu por defender seus ideais. Foi a voz dos sem voz, daqueles que
nada têm, dos que ninguém escuta. Em O Menino Grapiúna asseverou:
417
Que outra coisa tenho sido senão um romancista de putas e
vagabundos? Se alguma beleza existe no que escrevi, provém
desses despossuídos, dessas mulheres marcadas com ferro em
brasa, os que estão na fímbria da morte, no último escalão do
abandono. Na literatura e na vida, sinto-me cada vez mais
distante dos líderes e dos heróis, mais perto daqueles que todos
os regimes e todas as sociedades desprezam, repelem e
condenam. (57-58)
Durante um de seus exílios, em Buenos Aires, Jorge Amado escreveu um livro sobre
Luiz Carlos Prestes que foi publicado em espanhol devido à censurar. Esta obra
circulou clandestinamente no Brasil até que, três anos mais tarde, foi editada em
português. Sobre esta obra Amado declarou:
Certa ocasião um homem estava na cadeia pelo único crime de
suas idéias, pesava sobre ele longa pena, haviam lhe
assassinado a esposa. Escrevi um livro para ajudar a luta por
sua libertação e a luta contra a ditadura brasileira, e honro-me
de tê-lo escrito. ( 27)
No que se refere a sua posição política, o escritor foi evoluindo e mudando de ponto
de vista à medida que a vida ia mostrando-lhe que o Comunismo não era aquilo com
que realmente sonhava. Em O Menino Grapiúna, o escritor disse:
A longa e dura experiência ensinou-me, no passar dos anos, a
importância de pensar pela própria cabeça. Para pensar e agir
por minha cabeça, pago um preço muito alto, alvo que sou do
patrulhamento de todas as ideologias, de todos os radicalismos
ortodoxos. Preço muito alto, ainda assim barato. (103)
No mesmo livro, escreveu:
Sonho com uma revolução sem ideologia, onde o destino do ser
humano, seu direito a comer, a trabalhar, a amar, a viver a vida
plenamente não esteja condicionado ao conceito expresso e
importo por uma ideologia seja ela qual for. Um sonho
absurdo? Não possuímos direito maior e mais inalienável do
que o direito ao sonho. O único que nenhum ditador pode
reduzir ou exterminar. (108)
Seria interessante saber como ele próprio considerava-se no tocante a seu
compromisso social, com o ser humano em general e com seu povo em particular. No
discurso de assunção na Academia Brasileira de Letras, proclamou:
Quanto ao meu comprometimento e à minha parcialidade, meu
único compromisso, dos meus começos até hoje, e espero,
certamente até a última linha que venha a escrever tem sido
com o povo, com o Brasil e com o futuro. Minha parcialidade
418
tem sido pela liberdade contra o despotismo e a prepotência;
pelo explorado contra o explorador; pelo oprimido contra o
opressor; pelo fraco contra o forte; pela alegria contra a dor;
pela esperança contra o desespero, e orgulho-me dessa
parcialidade. Jamais fui nem serei imparcial nessa luta do
homem, na luta do futuro e o passado entre o amanhã e o
ontem.
Outros valores aos que não posso deixar de referir-me são a alegria e o senso de
humor. A alegria podemos notá-la, por uma parte, na forma que escolhia para se
vestir. Frequentemente usava camisas floridas ou estampadas, muito coloridas. Por
outra parte, Jorge gostava de pilheriar, de brincar com crianças e com animais, de
viajar com familiares e com amigos. Sua profissão era parte dessa alegria. Ele
afirmava que escrever lhe divertia e que era o único que sabia fazer. Em seu livro
Navegação de cabotagem declarou:
A vida me deu mais do que pedi, mereci e desejei. Vivi
ardentemente cada dia, cada hora, cada instante, fiz coisas que
Deus duvida, conivente com o Diabo compadre de Exu nas
encruzilhadas dos ebós. Briguei pela boa causa, a do homem e a
da grandeza, a do pão e a da liberdade, bati-me contra os
preconceitos, ousei as práticas condenadas, percorri os
caminhos proibidos, fui o oposto, o vice-versa, o não, me
consumi, chorei e ri, sofri, amei, me diverti. ( 637)
Antes de concluir gostaria de citar outro grande representante das letras do Brasil,
Érico Veríssimo, quem, depois da publicação do ABC de Castro Alves, afirmou:
Se eu tivesse engenho e arte havia de escrever o ABC de Jorge
Amado, um sujeito (...) que nasceu na Bahia, foi rebelde, fugiu
de casa, viu a vida e viveu-a com ânsia, um sujeito que ama os
humildes e os oprimidos e que, aos vinte e três anos, é um dos
maiores romancistas que o Brasil tem. ( 22)
Em síntese, Jorge Amado não me ensinou somente língua portuguesa do Brasil, não
me transmitiu apenas conhecimentos sobre um povo vizinho, não me ajudou
unicamente a ver coisas que acontecem em outro lugar. Tenho que agradecer-lhe que
ao mesmo tempo em que me proporcionou tudo o que acabo de mencionar, mostroume o mundo e a raça humana, fez-me viajar ao interior de mim mesma, convidou-me
a refletir, ajudou-me a crescer como pessoa e a encontrar a felicidade nas pequenas
coisas de cada dia. Por tudo isso: OBRIGADA JORGE, DE TODO O CORAÇÃO.
419
Referencias bibliográficas:
Academia Brasileira de Letras. Disponível em:
[http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=723
&sid=244] Consultado em 23/07/2012
Amado, Jorge (1992): Navegação de cabotagem. Rio de Janeiro: Editora Record.
Amado, Jorge (2001): O menino grapiúna. Rio de Janeiro: Editora Record.
Fundação Casa De Jorge Amado (2008): Jorge Amado. Salvador: Casa de Palavras.
Jorge Amado Literatura Comentada (1981). São Paulo: Abril Educação
420
A REVALORIZAÇÃO DA CULTURA DO DISCENTE
NAS AULAS DE PLE ATRAVÉS DA PERSPECTIVA
INTERCULTURAL
Osvaldo José CASERO148
Mariana Berenice SABAINI
Rosângela ÜNSER HOLTZ
Resumo
O objetivo de nosso trabalho é criar elos de interculturalidade na sala de aula, visto
que a competência comunicativa em LE aborda a língua como um elemento
indissociável da cultura. Entendemos por interculturalidade um conjunto de práticas
sociais relacionadas com “estar com outro”, compreendê-lo, trabalhar com ele,
produzir senso conjuntamente. Nessa dimensão da interculturalidade estão presentes
em nosso currículo do Departamento Cultural da Faculdade de Línguas da UNCArgentina- conteúdos relacionados à história, à geografia, às dimensões literárias,
artísticas e religiosas do Brasil. Esse eixo transversal é a dimensão informacional da
interculturalidade transferida em nossa prática pedagógica em sala de aula.
Por sua vez, entendemos por cultura, o esquema preconizado pelas autoras Lourdes
Miquel e Neus Sans, citadas por Daniela María Maiz Ugarte:
-“cultura com maiúscula, é aquela relacionada aos fenômenos emblemáticos da
cultura de um país, referidos à arte, história, literatura;
-a cultura ‘a secas’ ou implícitos culturais, referida à vida cotidiana e aos modos de
agir de uma comunidade;
-a cultura com K, aquela dos códigos que só dominam os que pertencem a
determinados grupos de uma comunidade”.
A partir dessa classificação daremos destaque à segunda, ou seja, aos implícitos
culturais, já que, na medida em que o aluno incorpore práticas e valores
socioculturais, ele poderá dimensionar a cultura com maiúscula e a com K.
Sendo assim, focalizaremos nossa análise nas festas juninas, resultado de práticas
sociais brasileiras. Cabe destacar que elas também chegaram ao território argentino,
contudo, sendo atualmente festejadas de maneira isolada neste país. Portanto, em
nosso âmbito educativo, ensino de PLE, indagamos como elas subsistem e se
caracterizam na cultura argentina. Nesse sentido, a nossa proposta é promover não
só, a reflexão sobre o Outro, mas também sobre o Eu, isto é, induzir a revalorização
sobre a própria cultura do discente.
148
Os três professores são da Facultad de Lenguas da Universidad Nacional de Córdoba.
421
Sobre o conceito de cultura
Ao abordarmos a interculturalidade na sala de aula em contexto de PLE, é preciso
desenvolver em primeiro lugar o que entendemos por “cultura”. Seguindo os
alinhamentos de pesquisa propostos por Daniela María Maiz Ugarte (2010) 149 , a
autora refere-se ao Trabalho "para uma teoria da cultura" (2002) do Professor Thomas
Austin Millán quem pesquisa a gênese do conceito de cultura e as inúmeras
definições decorrentes historicamente do termo. Neste caso, Maiz Ugarte dentre o
grande número de definições existentes, salienta aquela de Austin Millán quem
distingue dois conceitos básicos: por um lado, o predominante até os anos 30, que
entende a cultura como o conjunto formado por valores, tradições, costumes, mitos e
folclore herdados e transmitidos de geração em geração, apresentando-se a cultura
como uma coisa do passado, e por outro, um conceito embasado na antropologia
definindo-a como um sistema significante desenvolvido com base em padrões de
comportamento válidos dentro de um determinado grupo.
Desde os anos 50, diz Austin Millán (2002, em Maiz Ugarte, 2010), seguindo a
perspectiva antropológica, a cultura é definida como "o que você deve saber (ou
acreditar saber) para comportar-se de forma aceitável, de acordo com as regras do outro"
(p.14). O autor também se refere a um conceito humanista, incluindo-se os
fenômenos da cultura clássica: arte, música, literatura, escultura, cinema e outras
artes.
Por sua vez, Clara Gómez Jimeno (2006, em Maiz Ugarte, 2010), refere-se a Galloway
(1992), quem entendeu a cultura como:
um sistema complexo de pensamento e comportamento produzido
por seres humanos, o que constitui a estrutura que permite que o
grupo selecione, construa e interprete percepções, enquanto eles estão
continuamente agregando valor e sentido à existência cotidiana. (p.
15)
Gómez Jimeno salienta que o pensamento de Galloway propõe a criação de um novo
quadro para a transmissão de cultura em sala de aula, com base em um sistema que
149
Cabe esclarecer que essa fonte foi traduzida pelos autores.
422
tenha como alicerces as funções e formas de cultura, seus significados e propósitos,
de um lado, e as formas de realização e variações, de outro.
Na mesma obra a dita autora, também se refere a um autor como Seeley (1974),
quem fornece um conceito muito amplo de cultura e de ensino e cita textualmente
por parecer muito importante e esclarecedor para um trabalho de análise:
1 - O sentido da função de comportamento, que é sempre
culturalmente condicionada, isto nos permite compreender por que
as pessoas reagem da forma como eles fazem por causa das opções
socialmente
aceitas.
2 - A interação de linguagem e de variáveis sociais como "gênero",
"idade", "classe social" e "ambiente onde se vive" influenciam o
comportamento e o discurso.
3 - As convenções de comportamento comum em situações
cotidianas,
contribuem para a compreensão do papel das convenções na
formação e na padronização da linguagem e reações a situações
diárias e momentos de crises.
4 - As conotações culturais de palavras e frases que nos fazem
entender que as imagens são culturalmente condicionadas e
associadas às expressões e palavras mais frequentes na língua.
5 - A necessidade de avaliar os sistemas sociais através de provas das
declarações, para que os alunos possam conferir a validade da cultura
geral em relação à língua estudada.
6 - A promoção da investigação sobre a cultura da língua em
diferentes fontes a fim de desenvolver habilidades para se concentrar
e organizar informações visando o uso posterior.
7 - A análise da atitude dos estudantes em direção à nova cultura,
incentivando-os a ser curiosos sobre o assunto e desenvolver empatia
por seus membros. (p.16)
Assim, é possível, através deste desenvolvimento teórico-conceitual, reconhecermos
a impossibilidade de localizar, analisando os conteúdos socioculturais de uma
determinada fonte bibliográfica, um conceito unívoco de cultura.
A partir de uma perspectiva ampla, tentar entender a cultura, tanto a própria como a
alheia, envolve o exame de muitos aspectos da vida, alguns óbvios, outros mais sutis
e profundos.
Os Implícitos Culturais
Depois de explorar algumas definições de cultura, as autoras Lourdes Miquel e Neus
Sans (2004, em Maiz Ugarte, 2010), estabelecem uma classificação dos fenômenos
423
culturais através de um esquema onde incorporam uma concepção de cultura que é
dividida em três: cultura com Maiúscula, aquela relacionada aos fenômenos
emblemáticos da cultura de um país, referindo-se à arte, à história e à literatura, logo,
a cultura "a secas" ou implícitos culturais, referida à vida cotidiana e aos modos de
agir de uma comunidade e, finalmente, o que elas denominam de cultura com K,
aquela dos códigos que empregam só quem pertencerem a certos grupos
comunitários.
Neste esquema, as autoras voltam sua atenção para o corpo central, que corresponde
ao que é chamado de "cultura a secas", já que é este aspecto da cultura que remete
aos outros dois e possibilita a compreensão não só das práticas culturais, mas
também das situações comunicativas específicas, e desse modo poder participar
delas. A "cultura a secas" é o que está subjacente, entendido e compartilhado por
todas as pessoas pertencentes à mesma cultura: a cor preta para representar o luto,
evitar falar em certos assuntos se não houver muita confiança, minimizar os elogios,
etc. Elas afirmam que a maior parte do trabalho dos professores deve se concentrar
neste foco central: na medida em que os alunos incorporarem práticas sociais e
valores culturais podem se aventurar para as outras duas pontas do esquema, a
cultura com maiúscula; isto é, "Don Quixote", "O Guernica", por exemplo, e a cultura
com K, ou seja, gíria, cultura não padronizada, etc.
Para as autoras, o trabalho da “cultura a secas” exige que o professor se centre nos
implícitos culturais, isto é, em tudo aquilo que para um nativo é tão natural e óbvio e
que, em vez disso, para um estrangeiro pode ser motivo de incompreensão, enganos
e mal-entendidos.
O conceito de Interculturalidade
É possível deduzirmos que os intercâmbios culturais entre sociedades coincidem com
o início da história da humanidade. Um exemplo marcante são as inúmeras trocas e
interações ocorridas no Mediterrâneo durante milhares de anos, com o surgimento
da Grécia clássica e o Império Romano, passando pela expansão da Europa em
direção à América e à África; sempre ocorrendo o contato entre diferentes culturas,
424
segundo explica Luciana Machado de Vasconcelos citando a Canclini (2006, em
Machado de Vasconcelos150).
Porém, salienta esta autora, a questão da diversidade cultural começa a ser tema de
interesse de cientistas sociais, a partir do processo de descolonização ocorrido na
África, América e Ásia, com o consequente fluxo numeroso de emigrantes das excolônias para o continente europeu. Este movimento migratório, que alcançou seu
auge nos anos setenta e oitenta do século XX, provocando uma transformação
demográfica em algumas cidades europeias teve como consequência o surgimento de
situações limites de tolerância. A sociedade europeia agora era forçada à convivência
com o “outro”, que até então vivia distante, “seguramente controlado”. O “outro”, o
ex-colonizado, frequenta agora as “ruas e praças, mercados e igrejas, escolas e
cinemas” cotidianamente, disputa vagas de emprego, submete-se à tutela do estado
que é responsável por sua saúde, pela educação de seus filhos e por sua seguridade
social e traz consigo valores que colocam em cheque suas tradições morais como
instituição familiar e monogamia. Conforme o preconizado por Moura (2005, em
Machado de Vasconcelos151), a discussão sobre esta situação “seja da parte dos excolonizados, seja na perspectiva dos antigos colonizadores, não pode não se
constituir como um drama”.
É neste contexto que surge o conceito de interculturalidade, usado para indicar um
conjunto de propostas de convivência democrática entre diferentes culturas,
buscando a integração entre elas sem anular sua diversidade, ao contrário, enfatiza
Fleuri (2005, em Machado de Vasconcelos152): “fomentando o potencial criativo e
vital resultante das relações entre diferentes agentes e seus respectivos contextos”. É
importante reconhecermos que o termo tem origem e vem sendo utilizado com
frequência nas teorias e ações pedagógicas, mas saiu do contexto educacional e
Cabe ressalvar que não consta número de página nem ano de publicação para esta
referência.
150
151
152
Idem comentário 2
Idem comentário 2
425
ganhou maior amplitude passando a referir-se também às práticas culturais e
políticas públicas.
Este autor salienta que é nesse contexto que o termo interculturalidade, diferencia-se
de outro bastante usado no estudo da diversidade cultural que é o da
multiculturalidade, o qual indica apenas a coexistência de diversos grupos culturais
na mesma sociedade sem apontar para uma política de convivência.
O diálogo entre língua e cultura no processo de ensino-aprendizagem
O vínculo entre língua e cultura, sobretudo nas últimas décadas, tem sido alvo de
discussões muito frutíferas para o processo de ensino-aprendizagem de línguas
estrangeiras. Segundo Voloshinov, (1986, em Paiva, 2009) a língua não se separa do
seu conteúdo ideológico, para o autor, “tudo que é ideológico possui um ‘significado’
e remete a algo situado fora de si mesmo” (p. 48), isto é, as variações linguísticas
refletem variações socioculturais. No ensino de língua estrangeira é importante
apresentar a língua inserida em contextos concretos, despertando no aluno a
consciência de mutabilidade contextual, de diferença e de novidade.
Nesse contexto, vale salientar que a relação entre língua e cultura tornou-se mais
fecunda e com mais reflexões teóricas, a partir do advento da abordagem
comunicativa de finais da década de 70.
Almeida Filho (2005) a define como “um conjunto nem sempre harmônico de
pressupostos teóricos, de princípios e até de crenças, ainda que só implícitas, sobre o
que é uma língua natural, o que é aprender e o que é ensinar outras línguas”. (p. 78)
Levando em conta o contexto social e a situação dialógica imediata, tal abordagem
implica uma análise das situações reais de interação, de modo que possibilitem um
processo de ensino-aprendizagem com o uso efetivo da LE em diversas situações
comunicativas.
Por sua parte, Kramsch (1996, em Paiva, 2009) buscando demonstrar a
interdependência entre língua e cultura, faz alusão a um “terceiro espaço”,
definindo-o como um espaço no processo de ensino-aprendizagem de línguas onde
haveria uma fresta, quer dizer, um espaço de novos olhares que se dá por causa do
entrecruzamento de culturas, dentre as quais estão aquela na qual o aprendente está
426
imerso desde seu nascimento e as novas culturas que vai adquirindo por sua vez, por
meio de novas línguas. Esse espaço entre-culturas é denominado de ‘terceiro espaço’.
(p.51)
Por sua parte, Delgado (2004, em Paiva, 2009) ao falar sobre a abordagem de aspectos
culturais no ensino de LE, constata que os materiais didáticos utilizados para o
ensino de línguas explicitam expressões ‘observáveis’ da cultura, bem como fatores ‘não
observáveis’ implícitos. (p. 51)
Por decorrência, a autora diz ser primordial examinar essas ideias à luz da cultura que as
produziu e relacioná-las às manifestações da própria cultura do aprendente. Assim
sendo, Delgado esclarece que:
independentemente da área de cultura que os professores escolham,
há a necessidade maior de ênfase no desenvolvimento de habilidades
de conscientização da cultura do que na mera transmissão de fatos
culturais.
Tornar-se culturalmente consciente é um processo de duas vias.
Envolve não apenas a atividade intelectual como também a
sensibilidade para desvelar contradições imbricadas na cultura (p. 5152)
Concordamos com a autora nessa noção de “processo de duas vias” no que tange à
abordagem de base intercultural para o ensino-aprendizagem de línguas na qual se
prioriza a relação dialógica entre culturas para a sensibilização (inter) cultural de
nossos aprendentes.
Cabe mencionar que esse contexto de dialogia entre indivíduo e mundo, pressupõe
uma interação entre o eu e o outro, na qual, segundo Bakhtin (1997, em Paiva, 2009) a
través das diferenças nos identificamos, porquanto o estranhamento promove um
olhar de aspectos não semelhantes entre o eu e o outro, revelando-se, desse modo, a
afirmação do eu enquanto diferente do outro, e a evidência do outro na constituição
do eu.
Assim, nessa perspectiva simbólica o eu apenas ocupa seu lugar único e específico
quando existe percepção ou consciência da existência do outro. Por isso, numa
interação, por mais esforço na tentativa de compreensão do outro, é impensável
assimilar todas as percepções e sentidos construídos a partir de seu campo de visão,
427
daí que nesse espaço oculto não explícito de nossa cultura, muitas vezes, uma parcela
da compreensão mútua seja dada apenas pelas informações subentendidas.
Conforme foi exprimido anteriormente a dimensão intercultural envolve relação de
troca entre indivíduos embasada em princípios de alteridade, ou seja, uma relação na
qual
o eu só existe em diálogo com os outros, sem os quais não se poderá
definir. O processo de auto compreensão só se pode realizar através
da alteridade, isto é, pela aceitação e percepção dos valores do Outro.
(Carlos Ceia, 2005 em Paiva, 2009). (p. 54)
No artigo Língua além de cultura ou além de cultura, língua? Aspectos do ensino da
interculturalidade elaborado por Almeida Filho (2002, em Paiva, 2009), o pesquisador
reforça a necessidade de haver uma consciência cultural tanto por parte dos
professores quanto dos aprendentes, argumentando (a partir de Zarate, 1986) que o
termo “intercultural implica a reciprocidade de viver (mesmo que temporariamente)
na esfera cultural do outro e simultaneamente ter o outro confortavelmente na nossa
esfera de cultura”. (p. 56)
Por último, em defesa dessa perspectiva, não podemos deixar de mencionar a
Abordagem Intercultural desenvolvida no contexto do ensino/aprendizagem de
português como segunda língua para hispano-falantes, proposta por Mendes (2004,
em Oliveira Moura153) a qual focaliza o conceito de língua como um instrumento de
diálogos entre mundos culturais diferentes. Assim, a autora pretende que:
professores e profissionais da linguagem possam modificar ou
adaptar a sua prática no sentido de incorporar a língua como
dimensão complexa do humano, a qual extrapola o círculo fechado
do sistema de formas e regras, para assentar-se naquilo que nos faz
humanos: ser e estar socialmente no mundo.
Em relação a tal ensino, Mendes (2008, em Oliveira Moura 154 ) afirma que a
aprendizagem da língua portuguesa deve significar para os alunos desenvolver
competências para ser e agir em sua própria língua com criticidade em diferentes
Vale salientar que não consta número de página nem ano para esse trabalho de Mestrado
em Língua e Cultura– UFBA da autora publicado em uma página eletrônica.
154 Idem comentário 2
153
428
contextos, daí que se almeje a formação de um cidadão linguisticamente crítico e
competente, a partir da ampliação de suas competências comunicativo-interacionais.
Nesse sentido, o professor tem papel fundamental, por conduzir e orientar as
experiências de uso da língua em sala de aula.
Tal abordagem que tem por alvo a reflexão sobre o próprio processo de ensinar e
aprender línguas, é sintetizada magistralmente pela autora (Mendes, 2004 em
Oliveira Moura155) como:
a força potencial que pretende orientar as ações de professores,
alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem
de uma nova língua-cultura, o planejamento de cursos, a produção de
materiais e a avaliação da aprendizagem, com o objetivo de promover
a construção conjunta de significados para um diálogo entre culturas.
Uma aproximação às festas de São João
Nessa dimensão da interculturalidade proposta por Mendes (op. cit.) e conforme a
categorização do conceito de cultura na obra de Maiz Ugarte (op. cit.), estão
presentes na no currículo do Departamento Cultural da Faculdade de Línguas da
UNC- Argentina- conteúdos relacionados à história, à geografia, às dimensões
literárias, artísticas e religiosas do Brasil. Esse eixo transversal é a dimensão
informacional da interculturalidade transferida em nossa prática pedagógica em sala
de aula.
Ela, é desenvolvida no âmbito do terceiro nível de PLE e entre os conteúdos do
programa, ensinamos diversos aspectos que abrangem a Região Nordeste. Dentro do
leque cultural o foco está centrado nas festas juninas por serem parte desse acervo
pertencente principalmente a essa região. Além disso, também é preciso destacar que
essa manifestação religiosa chegou ao território argentino a través do contato com a
cultura hispânica, sendo, contudo, atualmente festejada de maneira isolada e não
emblemática neste país. Portanto, em nosso âmbito educativo, ensino de PLE,
indagamos como estas festas subsistem e se caracterizam na cultura argentina.
Matrizes culturais contribuem para gerar patrimônios culturais e conforme
Hobsbawn (1984, em Souza, 2012), uma festa, um bem patrimonial, uma tradição
155
Idem comentário 2
429
pode ser inventada ou reinventada composta por diversidade e realidades de
diversos períodos de sua história e de diversos diálogos interculturais vividos pelos
povos em momentos diferentes. É neste esquema que a origem das Festas Juninas
traz no bojo de suas celebrações elementos oriundos de diversas culturas. Por trás do
verniz cristão e sua associação com os santos católicos, o folclore e os temas de fundo
das Festas Juninas remetem às tradições espirituais pré-cristãs da Europa segundo
Araújo156 (1973, em Souza, 2012) e que também reforça o folclorista e ex-presidente da
Associação de Folclore de Minas Gerais, Carlos Felipe Horta. A contribuição mais
visível vem dos antigos festivais sazonais pagãos. Considerando que a palavra pagão
vem do latim “pagus”, ou seja: o campo, a natureza, é fácil perceber porque a
espiritualidade pagã pré-cristã possui uma forte ligação com o mundo natural e seus
ciclos.
Originários do clima temperado, os ritos e celebrações dão-se no mês de junho, pois,
o Hemisfério Norte assiste à chegada do verão no dia mais longo do ano: o Solstício
de Verão. É um período no qual as terras se encontravam banhadas pelo sol. Plantas,
animais e demais criaturas atravessam nesta época do ano seu período de maior
fertilidade e este era o tema central das festividades juninas, pois as populações
festejavam as colheitas e faziam os sacrifícios para afastar os demônios da
esterilidade, pestes dos cereais, estiagens, etc.
É nessa atmosfera que toda a comunidade agrícola desfrutava do apogeu e devido
aos atos cerimoniais realizados, pode-se dizer que tal festival sempre teve um cunho
religioso, pois, as pessoas ofereciam comidas, bebidas e animais aos deuses para
abençoar a safra. No decorrer da Idade Média, a festa foi cristianizada e a Igreja
Católica deu-lhe como padroeiros os santos cujas datas hagiográficas localizam-se na
época da mudança de estação: Santo Antônio, São João e São Pedro. Os rituais
ligados ao fogo (balões, fogueira, foguetes) também ganharam outra significação e
Alceu Maynard Araújo em Cultura Popular Brasileira: o autor apresenta as principais
manifestações folclóricas, oferecendo um painel completo do folclore nacional e estuda os
costumes folclóricos brasileiros com descrições detalhadas de festas, bailados, danças,
folguedos, músicas, ritos, sabenças lendas, arte, cozinha regional, entre outros principais
acontecimentos da cultura popular.
156
430
nessa simbiose cultural, a fogueira pagã é cristianizada e sua representação está
embasada em um acordo feito pelas primas Maria e Isabel. Para avisar Maria sobre o
nascimento de São João Batista e assim ter seu auxílio após o parto, Isabel teria de
acender uma fogueira sobre um monte.
Na Península Ibérica, acabou se tornando uma das mais antigas e populares
tradições da religiosidade popular Araújo (1973, em Souza, 2012) e ainda hoje é
possível se identificar diversos elementos pré-cristãos que sobrevivem nas festas
juninas.
De acordo com historiadores, esta festividade foi trazida para a América pelos
colonizadores espanhóis e portugueses, ainda durante o período colonial. Nesta
época, havia uma grande influência de elementos culturais portugueses, chineses,
espanhois e franceses. Da França veio a quadrilha, a qual o pesquisador Mário de
Andrade157 (1930, em Cavalcanti, 2004), define como "dança de salão”, aos pares, e
que no Brasil, com a chegada de D. João VI, rei de Portugal e da corte, trouxe muitos
hábitos europeus sendo um deles o de se dançar quadrilha. Os participantes
obedecem às marcas ditadas por um organizador de dança. Já a tradição de soltar
fogos de artifício veio da China, região de onde teria surgido a manipulação da
pólvora para a fabricação de fogos. Da península Ibérica teria vindo a dança de fitas,
muito comum em Portugal e na Espanha. Ao implantar as festas em nosso território,
os elementos lusitanos se encharcam de ingredientes de origem latino-americana,
somando-se, assim, aos elementos indígenas e afro-brasileiros, configurando as
características locais de cada região do Brasil com o passar do tempo. Além disso,
misturam-se aos aspectos culturais europeus nas diversas regiões do país, tomando
características particulares em cada uma delas.
No
território
hispânico,
(Paraguai,
Bolívia, Chile, Peru,
Venezuela
e
Argentina) festeja-se “La noche de San Juan” e está relacionada, além das
antiquíssimas tradições pagãs, às lendas espanholas como a “Leyenda de la
As obras do autor principalmente “Clã do jabuti” e “Remate de males” recaem sobre uma
perspectiva folclórica, por ser Mário de Andrade um historiador ligado às raízes folclóricas
adquiridas nas suas viagens às cidades históricas brasileiras, e a todo o Brasil, inclusive do
Amazonas até o Peru.
157
431
Encantada”. Na Argentina “San Juan” se celebra no dia 21 de junho, data na qual
ocorre, ao contrário que na Europa, o solstício de inverno que coincide com a
celebração indígena: INTI RAYMI158 que significa “Festa do Sol”, durante esta data
se acendem “fogatas” nos bairros o povoados (muitas vezes denominadas “fogaratas”
ou “judas” quando há uma efígie na fogueira), ao redor delas se reúnem
principalmente famílias, vizinhos, crianças e jovens; além de pratos típicos é,
também, um emblema cozinhar milhos, “batatas” ou “boniatos” (batata-doce)
e
pular sobre a fogueira. Nesse contexto as festas de “San Juan” são comemorações
isoladas, que estão perdendo adeptos pouco a pouco. Alguns pontos do país como
em “Los Cardales” em Buenos Aires, a comunidade em geral, inclusive instituições e
comércios, preparam bonecos representando neles sentimentos para serem
queimados no auge da festa e, através das chamas, elevar ao céu todos os desejos e
pedidos que serão realizados antes da próxima “fogata”. Dentre outras atividades
recreativas, brincadeiras e jogos, as crianças recebem o tradicional “chocolate
caliente”. Em Córdoba, na Argentina, procura-se recuperar a tradição e o jornal La
Voz Del Interior159 publicou no dia 25 de junho de 2010:
En el corazón de barrio Güemes, anoche hubo una fiesta.
Después de varios años, el barrio volvió a vivir la Fiesta de San
Juan, con presencia y asistencia comunitarias. Los vecinos
alimentaron las llamas, acompañando a los tambores y
murgueros que danzaban alrededor del fuego. Como si el
tiempo se hubiera detenido (…) desde la tarde los vecinos se
acercaron a colgar en la estructura muñecos y siluetas de
edificios, una réplica artística del barrio que ardería por la
noche. Algunos vecinos pusieron cajitas con recuerdos, para
quemar esta noche el pasado (…)
É neste contexto que a festa junina e “San Juan” se sincretizam com elementos e
substratos culturais das zonas implantadas e, segundo Canclini, é o resultado da
interface entre grupos culturais distintos. Hibridação é o termo escolhido para
Profundamente enraizada en la Cosmovisión Indígena, nuestros antiguos sabios,
comprendieron que en el devenir del mundo, hay un momento en que todo vuelve a
comenzar y le rindieron culto. Este momento es el INTI RAYMI.
158
159
Jornal La Voz del Interior da cidade de Córdoba em sua versão digital de grande difusão.
432
“designar as misturas interculturais propriamente modernas, entre outras, aquelas
geradas pelas integrações dos Estados nacionais, os populismos políticos e as
indústrias culturais” (2003, em Machado Vasconcelos). A hibridação seria o termo
adequado para traduzir os processos derivados da interculturalidade, não só as
fusões raciais comumente denominadas de mestiçagem ou o sincretismo religioso, mas
também as misturas modernas do artesanal com o industrial, do culto com o popular
e do escrito com o visual, ou seja, trata-se de um conceito de maior amplitude e
atualidade
que
explicaria
melhor
os
complexos
processos
combinatórios
contemporâneos “não só as combinações de elementos étnicos ou religiosos, mas
também a de produtos de tecnologia avançadas e processos sociais modernos ou pósmodernos” (2003, em Machado Vasconcelos).
Ao ensinarmos uma língua, temos que levar em conta que ela não é neutra, ou seja,
não está desprovida de um contexto histórico e sociocultural. Por isso, é importante o
diálogo intercultural nas aulas de português como língua estrangeira. Ela deve ser o
veículo de aprendizado não só da cultura brasileira, mas também da própria cultura
e contribuindo, assim, a (re)valorização dos traços pertencentes ao processo sóciohistórico-cultural que configuram a língua do discente.
Considerações finais
Em relação aos festejos juninos, constatou-se que o São João revela-se um dos
principais eventos culturais que contribui para o corpo identitário das manifestações
populares do Brasil. Através do ensino/aprendizado dos elementos culturais e
retomando o conceito de cultura com maiúscula podemos observar que no Brasil, as
festas juninas fazem parte da cultura maiúscula, pois, são emblemáticas e se
conjugam com outros aspectos que fazem parte do patrimônio cultural brasileiro. Já
no contexto argentino as celebrações de São João estão, com o passo do tempo,
perdendo protagonismo ao ponto que o alunado, em geral, desconhece a
implantação no território. É neste cenário que nós, professores, inclusive os com
longa trajetória, devemos empreitar novos rumos, experimentar novos enfoques,
provar estratégias, incorporar ou até atualizar informações e nesta retroalimentação
poder, assim, fornecer subsídios significativos aos nossos alunos. Além disso, se
433
concebemos o docente como mediador intercultural temos que, em consequência,
pensar em um pesquisador constante, que procura aprimorar seus saberes (teóricos,
pedagógicos e tecnológicos) e ter, assim, uma maior abertura profissional. Ao adotar
uma abordagem de cultura em termos relacionais, estaremos favorecendo a que o
aluno possa pensar e realizar, como ator social, entrecruzamentos culturais, visando
enriquecer seus conhecimentos de mundo e desta maneira sair ou não cair em uma
visão, própria e/ou alheia, de cultura de estereótipos. Neste ponto é relevante o uso
de materiais sérios, com conteúdos significativos que contribuam com as propostas
dos desenhos curriculares e que possibilitem a análise das diferenças entre grupos
culturais sem emissão de juízo axiológico.
Bibliografia
ALDÉ, L. (2009), A festa é do
povo.[http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/a-festa-e-do-povo]
Acesso
em: 11 de out. 2012.
ALMEIDA FILHO, José C. P. (2007). Lingüística Aplicada - ensino de línguas e
comunicação. Campinas, SP: Pontes.
CAVALCANTI, M. (2004), “Cultura popular e sensibilidade romântica: as danças
dramáticas de Mário de Andrade”. Revista Brasileira de Ciências Sociais - vol.
19 nº. 54
[http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v19n54/a04v1954.pdf.] Acesso em: o7 de
out.
2012.
IBGE. Histórico de Ubaíra. [http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/
dtbs/bahia/ubaira.pdf.] Acesso em: 02 de out. 2012.
La Voz Del Interior (2010) [http://www.lavoz.com.ar/movil?nota=195970] Acesso
em: 26 de jun. 2012.
MACHADO DE VASCONCELOS, L. Mais definições em transito. Interculturalidade.
[http://www.cult.ufba.br/maisdefinicoes/interculturalidade.pdf] Acesso em: 04 de
jun. de 2012.
MAIZ UGARTE, Daniela M. (2010). Memoria de la maestría “Formación de profesores de
español
lengua
extranjera”.
434
Universidad
de
León.
[http://www.educacion.gob.es/dctm/redele/materialredele/biblioteca/2011
_bv_12/2011_bv_12_2do_semestre/2011_bv_12_16maiz.pdf?documentid=090
1e72b81037e8f] Acesso em: 10 de jun. de 2012.
OLIVEIRA MOURA, W. Ensino/aprendizagem de língua portuguesa: diversidade
linguística e formação docente. Mestrado em Língua e Cultura –UFBA.
[http://www.inventario.ufba.br/09/9/ensinoaprendizagem%20de%20l%c3%
8dngua%20portuguesa%20diversidade%20lingu%c3%8dstica.pdf] Acesso em:
24 de jun. de 2012.
PAIVA, Aline F. (2009). Perspectivas (Inter) Culturais em Séries Didáticas de Português
Língua Estrangeira. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de São
Carlos.
[http://www.ppgl.ufscar.br/novo/arqs/resumos/1308143582_049dissafp.pd
f] Acesso em: 12 de jul. de 2012.
SALDAÑO, A. (2012) Creencias, mitos y leyendas. Raíces Argentina. Portal de Arte
Popular
Argentino.[http://www.raicesargentinas.com.ar/Notas/mitos/inti.htm]
Acesso em: o7 de
out. 2012.
SOUZA, A. (2012). Os Festejos Juninos e suas dimensões culturais e identitárias como
sinônimo de desenvolvimento econômico através do turismo no Município De UbaíraBa. Em Sociedade e Cultura. [http://www.webartigos.com/artigos/osfestejos-juninos-e-suas-dimensoes-culturais-e-identitarias-como-sinonimo-dedesenvolvimento-economico-atraves-do-turismo-no-municipio-de-ubairaba/89331/] Acesso em: o4 de out. 2012.
VITALLI RANGEL, Lúcia H. (2008). Festas juninas, festas de São João: origens,
tradições e história / Lúcia Helena Vitalli Rangel. – São Paulo: Publishing
Solutions.
435
EL ORDEN DE LA LENGUA PORTUGUESA
EN LOS LDS DE PLE
Norma Beatriz CASTELLI160
María Adhelma CARRATTINI
Resumo
O livro didático como material para o ensino de português LE - Perspectivas políticas:
indústria editorial e trabalho simbólico – é um projeto de pesquisa do Programa de
Semiótica da Faculdade de Humanidade e Ciências Sociais da UNaM no qual
trabalhamos entre 2009 e 2011.
Analisamos alguns livros didáticos (LDs) utilizados para o ensino de português
língua estrangeira (PLE) em instituições educativas.
A abordagem desta investigação é desde o Paradigma Interpretativo e da
perspectiva teórica multidisciplinar da semiótica e da Análise do Discurso (AD).
Desenvolvemos três linhas de trabalho objetivando a configuração de matrizes
discursivas de análise e leitura para confrontar semelhanças e diferenças num cotejo
intensivo de composições textuais e significações colocadas em jogo. Estudamos
quais os modos em que os LDs concebem um produto editorial, uma ordem da língua
oficial, um enfoque de ensino do objeto-língua e um dispositivo gramatical envolvido,
a colocação em discurso da construção identitária da brasilidade nas distintas
modalidades textuais. Pesquisamos conceitos de língua (língua materna / segunda
língua / língua estrangeira) e gramaticalização da língua no Brasil e Hiperlíngua e
sua materialização nos LDs de PLE.
Sugeridos pela leitura e a análise dos LDS chamamos de Matrizes discursivas os
modos textuais e discursivos. O trabalho intensivo dado aos subcorpora analítico foi
desenhado em uma tabela que permite a leitura dos modos de constituição de três
matrizes discursivas diferentes e constituem assim, a primeira aproximação de
síntese e visualização das Matrizes Discursivas.
Palavras clave: livro didático – língua oficial – Português Língua Estrangeira –
gramaticalização.- matrizes discursivas
Resumen
El libro didáctico como material para la enseñanza de portugués LE - Perspectivas políticas:
industria editorial y trabajo simbólico - es un proyecto de investigación que realizamos
160
FHyCS – UNAM
436
en la Facultad Humanidades y Ciencias Sociales – UNaM, en el marco del Programa
de Semiótica de la Secretaría de Investigación, entre 2009 y 2011.
Analizamos algunos libros didácticos (LDs) utilizados para la enseñanza de
portugués lengua extranjera (PLE).en instituciones educativas.
Abordamos esta investigación, desde el Paradigma Interpretativo y de la perspectiva
teórica multidisciplinar de la semiótica y del Análisis del Discurso (AD).
Desplegamos tres líneas de trabajo a fin de configurar matrices discursivas de
análisis y lectura para contrastar afinidades y diferencias en un cotejo intensivo de
composiciones textuales y significaciones puestas en juego. Estudiamos de qué
modos los LDs conciben un producto editorial, un orden de la lengua oficial, un
enfoque de enseñanza del objeto-lengua y un dispositivo gramatical involucrado, la
puesta en discurso de la construcción identitaria de la brasilidad en las distintas
modalidades textuales. Investigamos conceptos de lengua (lengua materna /
segunda lengua / lengua extranjera) y gramaticalización de la lengua en Brasil e
Hiperlengua y su materialización en los LDs de PLE.
La lectura y análisis de los LDs sugirió que sus modos textuales y discursivos
respondan a lo que llamamos Matrices discursivas. El trabajo intensivo dado al subcorpus analítico fue graficado en cuadros que permiten leer los modos de
constitución de tres matrices discursivas diferentes y constituyen la primera
aproximación de síntesis y visualización de las Matrices Discursivas.
Palabras clave: libro didáctico – lengua oficial – Portugués Lengua Extranjera –
gramaticalización.- matrices discursivas
Este proyecto tuvo como propósito el análisis de los libros didácticos, utilizados para
la enseñanza del portugués lengua extranjera (PLE), en las instituciones educativas
primarias y secundarias de la Provincia de Misiones.
Enmarcamos esta investigación en el paradigma cualitativo con métodos flexibles y
abiertos e inscriptos en una teoría de la interpretación desde la perspectiva
discursiva y desde las políticas del lenguaje. El AD nos permitió comprender de qué
manera lo político y lo lingüístico se interrelacionan en la constitución de los sujetos
y en la producción de los sentidos. Y, en la discursividad del LD, observamos esa
interrelación.
Entendemos al libro didáctico (LD) como una de las instancias de gramaticalización
de la “lengua brasileña”, que produce sentidos en la relación que el sujeto no nativo
establece con Brasil, su pueblo y su lengua nacional. Como define MARCUSCHI
(2003:12)
[…] o livro didático (LD), particularmente o LD de língua
portuguesa, é um suporte que contém muitos gêneros, que mesmo
437
depois de reunidos no livro, continuam com suas especificidades,
pois a incorporação dos gêneros textuais pelo LDs não muda esses
gêneros em suas identidades, embora lhe dê outra funcionalidade
[…] reversibilidade de função.
BOURDIEU (2008) sostiene que hablar de la lengua es aceptar tácitamente
la
definición de que la lengua oficial es una unidad política. Es decir, la lengua oficial
se constituye vinculada al Estado desde su génesis hasta en sus usos sociales.
En el proceso de constitución del Estado es cuando se crean las
condiciones de la constitución de un mercado lingüístico unificado y
dominado por la lengua oficial: obligatoria en los actos y en los
espacios oficiales (escuela, administración pública, instituciones
políticas, etc.), esta lengua de estado se convierte en la norma teórica
a las que se someten todas las prácticas lingüísticas. (BOURDIEU,
2008: 22)
Los tratados de integración política, económica, cultural y educativa, a partir de los
años ’90, originaron nuevos espacios geopolíticos transnacionales que afectaron la
circulación de las lenguas nacionales de los países involucrados. Esos espacios son
definidos por Auroux (1998:p 19) como hiperlengua, es decir, un espacio/tiempo
estructurado por las relaciones entre individuos que tienen acceso a determinados
artefactos técnicos. La instrumentalización del portugués como lengua transnacional
se da a través de gramáticas, diccionarios y libros didácticos, lo que Auroux
denomina gramaticalización. Pulcinelli Orlandi (2000:28) la define de la siguiente
manera:
A gramatização do portugués brasileiro, mais do que um processo
de construção de um saber sobre a língua nacional, tem como
consequência algo mais substabcial e definidor: a constituição do
sujeito nacional, um cidadão brasileiro com sua língua própria,
visível na gramática. (PULCINELLI ORLANDI, 2000: 28)
Otro de los conceptos trabajados en esta investigación es el de matriz discursiva,
definida según del diccionario de Análisis del Discurso de Charaudeau e
Maingueneau (2005: 376) como “la suma de rasgos comunes o ampliamente
compartidos propios de un conjunto de textos postulados como tributarios de un
mismo discurso”.
Cuestiones metodológicas nos llevaron a reducir el corpus inicial - superior a 20
volúmenes- a los siguientes cinco LDs indicados por siglas (en negrita):
438
- Avenida Brasil 1. Curso básico de Português para estrangeiros (1991). Lima, Emma E.
/ Rohrmann, Lutz / Ishihara, Tokiko / Bergweiler, Cristián / Iunes,
Samira. SP: EPU. (AB1)
- Falar... Ler... Escrever... Português. Um curso para estrangeiros (1999). Lima, Emma
E. / Iunes, Samira A. São Paulo: EPU, 2ª edição revista. (FLEP)
- Bem-Vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicação (2000). De Ponce,
Maria Harumi / Andrade Burim, Silvia R. B / Florissi, Susanna. SP: Special
Book Services Livraria, 2ª edição. (BV!)
- Tudo Bem? Português para a nova geração. Volume 1 (2000). De Ponce, Maria
Harumi / Andrade Burim, Silvia R. B. / Florissi, Susanna. SP: Special Book
Services Livraria, 1ª edição. (TB?)
- Aprendendo Português do Brasil: um curso para estrangeiros (1998). Carvalho
Laroca, Maria Nazaré de / Bara, Nadime / Cunha Pereira, Sonia Maria da
Cunha. Campinas, SP: Pontes, 3ª edição. (APB)
Consideramos tres matrices discursivas como universos dentro de la serie: dos pares
textuales y un ejemplar de contrastación según los siguientes criterios:
-
LDs utilizados en establecimientos educativos públicos y privados [ …]
-
Reiteración de grupos autoriales enmarcados en el mismo proyecto editorial,
(dos casos) y un quinto de autoría unipersonal y de una tercera empresa
editorial.
-
Sus modos textuales y discursivos responden a lo que denominamos Matrices
Discursivas.(Daviña, L. Informe final 2012)
Tanto las matrices discursivas como las dimensiones de análisis fueron
sintetizadas en un cuadro de doble entrada:
439
Fig.1
Matriz discursiva
Matriz 1
Matriz 2
de la
AB /FLEP
BV/TB?
lengua/gramática
Destinatario/Nivel*
Método/Enfoque*
Texto/género
Artefactos
gramaticales
Lengua-cultura
* Declarado en prefacio o inferido por interpretación.
Matriz 3
APB
Para esta ponencia seleccionamos las siguientes dimensiones de análisis: Artefactos
gramaticales y Lengua-cultura.
Matriz 1
AB
Artefactos gramaticales: se refieren a los modos tradicionales e innovadores de
inscripción de la práctica gramatical.
Observamos una variada práctica de la mecánica preguntas-respuestas y formulación
de sentencia por completación o sustitución. La sección Interacción promueve
conversaciones de aplicación y automatización de formas verbales y uso de
vocabulario pertinente.
Este ejercicio tiende a la automatización de los verbos ter, estar e fazer que ya habían
sido sistematizados anteriormente en la unidad.
Lição 3 – Avenida Brasil,
p. 26.
Lengua-cultura: Según
expresión de las autoras en el Prefacio, todo el libro
proporciona informaciones y consideraciones sobre el Brasil, su gente y sus
440
costumbres, estimulando así la reflexión intercultural. Los textos son prototípicos,
aislados de la significación sociocultural y están al servicio de la tarea gramatical.
FLEP
Artefactos gramaticales: Encontramos un gran número de ejercicios con las distintas
categorías gramaticales y expresiones idiomáticas para empleo en distintos textos.
La lengua está didactizada en una gimnasia de complejización, recorridos en
“cajitas” categoriales repetitivas.
UNIDADE 10 - Pág 131
Verbo dever
Suposição: Você deve estar enganado.
Obrigação, dever. Você deve fazer seu trabalho sozinho
A. Complete com dever. Suposição ou obrigação?
Ele trabalhou muito hoje. Ele deve estra cansado (suposição)
1.- Eles estão em dificuldades. Nós______________ajudá-los (_________)
2.- Já são duas horas e você ainda não almoçou.
Você_________estar com fome. (__________)
3.- Ele precisa precisa falar com você. Você__________esperá-lo
(________)
4.- Todo mundo___________ respeitar as leis. (_________)
Lengua-cultura: Presenta tópicas textuales escolarizadas sobre geografía, historia y
música. La lengua aparece desplegada como artefacto de ejercitaciones y fijaciones de
aprendizaje con un enfoque estructuralista.
El elemento centralizador es el diálogo, localizado generalmente al inicio de la
unidad,
y caracterizado por la descontextualización y por la no posibilidad de
ampliación.
El lenguaje es esencialmente metafórico en el sentido de que, continuamente, se
generan nuevos significados de las formas ya existentes
El ejemplo siguiente muestra nuevos usos:
441
FLE-UNIDADE 14 - Pág 190
La expresión “bater papo” está constituida por un verbo en infinitivo cuyo significado
es dar golpes con la mano o con otro instrumento y “papo” que es el esófago o bolsa
de retención de los alimentos en las aves e insectos. La unión de estas dos palabras
originó una expresión coloquial que significa conversación informal, cotidiana,
descontraida; al mismo tiempo dio lugar al verbo
papear, cuyo significado es
conversar.
Matriz 2
BV
Artefactos gramaticales: Se despliega en la mayoría de las secciones. Repetición,
trascripción y completación de enunciados, de listados, para sustitución de categorías
apoyadas en el texto escrito y audio, selección de formas correctas e incorrectas.
Lengua-cultura: La noción se lengua se amplía a la comparación entre lengua
portuguesa de Portugal (LPP) y lengua portuguesa de Brasil (LPB) en forma de audio
y escritura. Otros usos de LPP en el mundo ejemplificados en canciones.
En los siguientes diálogos orales identificamos marcadores discursivos característicos
del habla. Intuimos que responden a la marcada tendencia al enfoque comunicativo
propio de este libro. La contextualización de estos diálogos está marcada con las
leyendas “Na alfândega”, “Ainda no areoporto”, “Na polícia”, “No duty-free”. A pesar da
brevedad de estos textos, se percibe una comunicación espontánea.
442
BV- Unidad 7-p 63
En Bem-Vindo encontramos orientaciones en cuanto a los diferentes grados de
formalidad de la lengua, a lo coloquial, a valores afectivos suficientemente claras
para que el profesor de portugués no nativo pueda transmitirlas a sus alumnos.
TB?
Artefactos gramaticales: Secuencia repetitiva: leer y repetir. Ejercicios de
completación de enunciados sueltos, ejercitación morfológica, relaciones segmentos
para
completar
frases,
formulación
de
oraciones
por
núcleo
temático,
preguntas/respuestas de cuestionarios para comprensión textual.
Unidade 5– Tudo bem?, p. 64
Lengua-cultura: orientada a la representación de un sociolecto etario/urbano de
clase media.
443
El recurso de la conectividad reenvía a un sitio editorial ofreciendo más recursos a
los distintos volúmenes de este libro.
Presenta algunas características de la cultura brasileña a través de diferentes
matrices discursivas: canciones, textos auténticos adaptados con fines didácticos,
diálogos. Por ejemplo:
Unidade 7 - Tudo bem?, p. 88.
En el siguiente gráfico, se muestran diálogos con esas características mencionadas. El
lenguaje coloquial observado, responde al discurso de las autoras en la presentación
del libro al afirmar que tienen como objetivo dar énfasis a “expressões coloquiais úteis
ao dia-a-dia, objetivando, principalmente, a comunicação natural e espontânea”
444
Unidade 9 – Tudo
bem?, p. 116
En la sección Conectándo-se se ofrece una variedad de sitios web vinculados a los
distintos contenidos que componen la noción de brasilidad.
Matriz 3
APB
Artefactos gramaticales: hay ejercitaciones tradicionales como en las matrices 1 y 2,
con el agregado de otros tipos de aplicaciones: construir frases, a partir de
ilustraciones y textos que permiten narrar, describir, argumentar, recomponer el
orden disperso de un enunciado; reconocer las formas funcionales de un texto,
variaciones funcionales en contexto.
El modelo funcional propone procesos de gramaticalización ampliados en la
escritura (narrar, describir, disertar, producir resúmenes y otros géneros discursivos);
a partir de modelos (carta, menú) hay producción de nuevos textos.
445
Lengua-cultura: trabajo con la multifuncionalidad de la lengua, y el universo de la
historieta amplía esferas de comunicación a través de un juego imaginario de
situaciones con los personajes y las historias.
Hay una única mención al portugués hablado en el mundo, ampliando la noción
territorial pero sin memoria histórica. Se historiza en presente el sentido lingüístico a
través del discurso periodístico y la inclusión de textos auténticos hacia el final.
Este libro se caracteriza por el dominio de las estructuras del portugués en las
modalidades oral y escrita, casi se podría decir, en una situación de inmersión de los
alumnos en contextos estructurales y situacionales en las propuestas.
Algunas consideraciones finales:
En este trabajo, tuvimos presente que el Análisis del Discurso (AD) y sus bases
teóricas, explicitan los mecanismos y las condiciones de producción de textos y hacen
visible las relaciones de poder en el acto comunicativo. A través del mismo, es
posible identificar las marcas textuales que configuran la enunciación.
A modo de síntesis, observamos que:
En Bem-Vindo encontramos orientaciones en cuanto a los diferentes grados de
formalidad de la lengua, a lo coloquial, a valores afectivos suficientemente claras
para que el profesor de portugués no nativo pueda transmitirlas a sus alumnos. Estas
orientaciones no están presentes en el Avenida Brasil.
Ambos libros incluyen en sus propuestas, además de la enseñanza de la lengua
portuguesa, la preparación de los alumnos para situaciones cotidianas en el Brasil
446
proporcionando diversas explicaciones sobre hábitos, alimentación, vivienda, entre
otros.
En cuanto a las diferencias entre portugués del Brasil y el portugués europeo, son
presentadas en los dos libros: el texto está escrito en portugués del Brasil, pero las
palabras en negrito/itálico corresponden al portugués de Portugal. Bem-Vindo incluye
además, el portugués de otros países de habla portuguesa. Los dos tienen
grabaciones para ilustrar esas diferencias.
Si bien Avenida Brasil hace más tiempo que está en el mercado, en los dos libros
observamos una variedad de situaciones y temas adecuados, en menor cantidad al
turista y en mayor número a quien decide vivir en el Brasil. Esto queda
más
evidenciado en Bem-Vindo, que tiene cuatro unidades dedicadas al trabajo, por
ejemplo, contra una en Avenida Brasil. Esto podría ser interpretado como una
preocupación, del último libro puesto en circulación, con la adaptación del aprendiz
en su nuevo lugar de residencia (Brasil), ya que contiene valiosas informaciones para
su sobrevivencia en la vida diaria (informaciones sobre cheques y otras formas de
pago, procedimiento para el envío de correspondencia, informaciones sobre feriados
y fechas nacionales, costumbres de los brasileños, entre otras). Esta característica nos
habla de la preocupación de los autores de ofrecer un material didáctico adecuado a
la realidad y con mayor probabilidad de cumplir con su papel de promotor de una
comunicación exitosa en PLE.
La comparación efectuada entre los datos obtenidos a través del análisis de estos
aspectos nos permite inferir que hay una mayor aproximación del Bem-Vindo, al
enfoque comunicativo de enseñanza del PLE, ya sea en la forma de presentar las
funciones comunicativas, como en las orientaciones dadas a los aspectos pragmáticocomunicativos. Esto revela que hubo - en Brasil- a lo largo de la década del ’90,
modificaciones significativas en la elaboración de libros destinados a la enseñanza
del PLE.
Sin embargo, no dejamos de percibir que, en los dos libros hay una presencia masiva
de sistematización de la gramática. Avenida Brasil, tiene una sección especial
destinada a la gramática al final del libro, mientras que Bem-Vindo, la distribuye en
447
secciones a lo largo de cada unidad. A simple vista parece imposible pensar que
ambos tengan un sello comunicativo, dada la cantidad de páginas utilizadas para las
reglas gramaticales, tablas con conjugaciones verbales, etc. Avenida Brasil, por
ejemplo, mantiene resquicios de la tradición estructuralista en los ejercicios
gramaticales muy semejantes a los drills del audiolingüismo
En cuanto a Aprendendo português do Brasil: um curso para estrangeiros,
observamos que en este libro no se hace referencia a la lengua portuguesa como
lengua oficial/nacional, al Estado-Nación. Proporciona información cultural,
particularmente sobre ciudades de Brasil y algunas costumbres. Las características
de la cultura brasileña es presentada a través de diferentes matrices discursivas:
canciones, textos auténticos o adaptados con finalidades didácticas, diálogos breves.
448
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, P. ¿Qué significa hablar? Economía de los intercambios lingüísticos.
Madrid, Ed. AKAL. (2008)
CHARAUDEAU Y MAINGUENEAU
Diccionario de Análisis del Discurso.
Buenos Aires, Amorrertu Editores. (2005)
MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade, en AA:VV Gêneros
Textuais & Ensino- RÍO DE Janeiro: Lucerna. (2003)
PULCINELLI ORLANDI, E. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas:
Unicamp, “Metalinguagem e gramatização no Brasil: Gramática-filologiaLingüística”. In Revista da ANPOLL, 8, São Paulo, Humanitas, (2000).
AUROUX, S. “Lengua e Hiperlíngua”, en Língua e intrumentos lingüísticos. Nº 1. São
Paulo Ed. Pontes .pp.17-30(1998)
BIBLIOGRAFÍA DEL CORPUS
LIMA, E.E. / ROHRMANN, L / ISHIHARA, T / BERGWEILER, C. / IUNES,
S..Avenida
Brasil 1. Curso básico de Português para estrangeiros SP: EPU. 1991.
LIMA, E E. / IUNES, S A- Falar... Ler... Escrever... Português. Um curso para estrangeiros
São Paulo: EPU, 2ª edição revista. 1999.
DE PONCE, MA H / ANDRADE BURIM, S R. B / FLORISSI, S. - Bem-Vindo! A
língua portuguesa no mundo da comunicação SP: Special Book Services Livraria, 2ª
edição. 2000.
DE PONCE, M H / ANDRADE BURIM, S R. B. / FLORISSI, S - Tudo Bem? Português
para a nova geração. Volume 1. SP: Special Book Services Livraria, 1ª edição.
2000.
CARVALHO LAROCA, M N DE / BARA, N / CUNHA PEREIRA, S M DA CUNHA
-Aprendendo Português do Brasil: um curso para estrangeiros. Campinas, SP:
Pontes, 3ª edição. 1998.
449
ENSINO DE PLE E COGNIÇÃO
COGNIÇÃO DO PROFESSOR:
PERSPECTIVAS COMPARADAS SOBRE AS TEORIAS
IMPLÍCITASDE PROFESSORES DO LITORAL E DO
NOROESTE ARGENTINO
Adrián G. CANTEROS161
Geruza QUEIROZ COUTINHO162
Resumo
Esta comunicação apresenta alguns resultados da pesquisa desenvolvida no projeto
CIUNSa 1954 - "Sistema de creencias y enseñanza de Portugués como Lengua
Extranjera: análisis comparativo de las teorías implícitas de futuros docentes y de
docentes en ejercicio del litoral y del noroeste argentino”.
A proposta se insere no âmbito da Didática das Línguas Estrangeiras, nomeadamente
no Paradigma da Cognição do Docente, que explora a natureza, origem e
funcionamento do sistema de crenças na prática pedagógica dos educadores.
Portanto, o nosso intuito é descrever e explicar as semelhanças e diferenças de um
aspecto central do chamado “conhecimento didático do conteúdo” (SHULMAN,
1986), analisando o sistema de crenças de uma amostra teórica de docentes de PLE
das regiões noroeste e litoral da Argentina, com o fim de compreender esse elemento
fundamental da “cultura do ensino” (RICHARD, Jack; LOCKHART, Charles, 1986,
35).
Outrossim, tenta contribuir à formação de professores, à medida que coloca a
pesquisa como estratégia para a reflexão sobre as teorias implícitas e, portanto, como
uma das forma de favorecer a tomada de consciência sobre os pressupostos e as
concepções que alicerçam as decisões didáticas, núcleo central do trabalho docente
em torno ao conhecimento.
Para a realização do projeto, um grupo de pesquisadores das duas regiões realizaram
entrevistas estruturadas e semiestruturadas que nos permitem apresentar alguns
resultados sobre os sistemas de crenças dos docentes das duas regiões trabalhadas.
Palavras chave: formação de professores – sistema de crenças - pesquisa comparativa.
Resumen
161
162
Universidad Nacional de Entre Ríos e Universidad Nacional de Rosario.
Universidad Nacional de Salta.
450
Esta comunicación presenta algunos resultados de la investigación desarrollada en el
marco del Proyecto CIUNSa 1954 - "Sistema de creencias y enseñanza de Portugués
como Lengua Extranjera: análisis comparativo de las teorías implícitas de futuros
docentes y de docentes en ejercicio del litoral y del noroeste argentino”.
La propuesta se inserta en el ámbito de la Didáctica de las Lenguas Extranjeras,
específicamente en el Paradigma de la Cognición del Docente, que aborda la
naturaleza, origen y funcionamiento del sistema de creencias en la práctica
pedagógica de los educadores. Por lo tanto, nuestro objetivo es describir y explicar
las semejanzas y diferencias de un aspecto central del llamado “conocimiento
didáctico del contenido” (SHULMAN, 1986), analizando el sistema de creencias de
una muestra teórica de docentes de PLE de las regiones noroeste y litoral de la
Argentina, con la finalidad de comprender ese elemento fundamental de la “cultura
de la enseñanza” (RICHARD, Jack; LOCKHART, Charles, 1986, 35).
Introdução
O objetivo deste trabalho é discutir alguns resultados da pesquisa desenvolvida no
projeto CIUNSa 1954 - "Sistema de creencias y enseñanza de Portugués como Lengua
Extranjera: análisis comparativo de las teorías implícitas de futuros docentes y de
docentes en ejercicio del litoral y del noroeste argentino”.
Esse projeto visa a identificar e descrever o sistema de crenças dos professores de
PLE das regiões mencionadas, a partir do pressuposto teórico de que o que os
professores fazem reflete o que eles sabem e acreditam (CLARK, Christopher;
PETERSON, Penelope, 1997, 345). Portanto, a pesquisa (agora entendida na sua
continuidade) focaliza o contexto psicológico do ensino no âmbito da Didática das
Línguas Estrangeiras no que se conhece como Paradigma da Cognição do Docente,
cujo interesse fundamental é explorar a natureza, origen e funcionamento do sistema
de crenças na prática pedagógica dos educadores como um horizonte de interpretação
(WILLIAMS, Marion; BURDEN, Robert, 1997, 61) a partir do qual os educadores
compreendem e dão sentido a suas ações pedagógicas.
Outrossim, o projeto pretende contribuir à formação continuada dos professores de
PLE, à medida que coloca a pesquisa como estratégia para a reflexão sobre as
próprias crenças e, portanto, como uma maneira a mais de tomar consciência dos
451
pressupostos e concepções que fundamentam as tomadas de decisões didáticas,
núcleo central do trabalho docente em torno ao conhecimento.
Referencial teórico
Até a década de setenta do século XX, a maior parte da pesquisa empírica sobre o
ensino baseou-se nos pressupostos teóricos e metodológicos do Paradigma ProcessoProduto (SHULMAN, 1986; PÉREZ GÓMEZ, 1983; CONTRERAS DOMINGO, 1992)
que focalizava o seu interesse no estudo das ações e comportamentos que os
docentes realizavam em sala de aula, com o intuito de determinar que tipos de
condutas discretas se associavam com elevados níveis de rendimento acadêmico dos
alunos, medidos através de diferentes tipos de provas.
No entanto, o enfraquecimento desse paradigma, de um lado, bem como o
desenvolvimento da Psicologia Cognitiva, de outro, permitiram o surgimento de um
novo programa de investigação científica (PIC), conhecido como Pensamento do
Professor, ou Cognição do Professor, que partia, como vimos, do pressuposto de
considerar que “os processos de pensamento dos professores influenciam
substancialmente sua conduta e até mesmo a determinam” (CLARK, Christopher;
PETERSON, Penelope,: op. cit., p. 446). Isso quer dizer que o que os professores
refletem, de diferentes maneiras, o que eles sabem e acreditam, e por isso é possível
reconhecer no ensino uma dimensão cognitiva, outra afetiva e outra comportamental
(RICHARD, Jack; LOCKHART, Charles, op. cit., p. 34).
A fim de analisar, descrever e explicar a complexidade dos processos de pensamento,
foram colocadas, dentro desses paradigmas, três linhas de pesquisa que tomam os
conceitos do psicólogo educacional Philip Jackson (1998, p. 184-185) de ensino
préativo e ensino interativo: o estudo do planejamento do docente, o estudo dos
pensamentos e decisões interativos e o estudo das teorias e das crenças dos
professores.
Para Feldman (1997, p. 69) compreender a complexidade do ensino significa
compreender “a rede de significados em que se inserem as ações e as perspectivas
dos atores”, ou seja, os esquemas, conhecimentos, teorias, etc., a partir dos quais se
atribuem sentidos e orientação à ação, sentidos esses que se constroem durante a
biografia escolar do sujeito (ANIJOVICH et al, 2009, p. 83), durante sua formação
452
docente (seja ela formal, não-formal ou informal), durante as primeiras experiências
profissionais ou a partir das características do trabalho em sala de aula.
A fecundidade deste novo campo de pesquisa se reflete na profusão de conceitos
propostos para descrever o conhecimento que os docentes empregam em sua atuação
profissional. Um dos mais importantes e que mais influência teve na área é o
proposto por Freema Elbaz (em FELDMAN, op.cit.: p. 74), quem cunhou o conceito
de “conhecimento prático”, um conhecimento que surge da prática e se volta para ela.
Para a autora, esse construto permite explicar como os docentes dão sentido e
orientam a ação em função de suas valorações pessoais. O conhecimento prático se
organiza e estrutura em três níveis com funções diferentes: as regras da prática, os
princípios práticos e as imagens (TELLES, 2002: 26). Deles, interessam-nos as imagens,
porque nelas a autora inclui os sentimentos, valores, necessidades e crenças do
professor, que se expressam em afirmações breves e metafóricas de como deveria ser
o ensino.
Por seu lado, Clandinin (1986, em TELLES: op. cit: p. 20), propõe o conceito de
conhecimento pessoal prático entendido como “o conjunto de convicções, conscientes ou
inconscientes, que surge da experiência íntima, social e tradicional e que se expressa
nas ações da pessoa.”
A proliferação de conceitos é diretamente proporcional ao número de definições que
se têm dado ao termo crença e sistema de crenças. Silva (2007, p. 235-247), arrola
diferentes definições propostas na área da Linguística Aplicada, tanto no Brasil
quanto no exterior. Aos propósitos deste trabalho, consideramos crenças, com
Barcelos (2006, p. 18) “uma forma de pensamento, uma construção mental da
realidade, uma forma de ver e de perceber o mundo e seus fenômenos”, cujas
características marcantes são:
•
Sua natureza poligenética, ou seja, que têm diferentes origens: a própria
experiência do sujeito enquanto aprendiz e/ou como docente; as imposições
institucionais; a personalidade do docente; os princípios pedagógicos e científicos; a
adesão a um enfoque ou método de ensino determinado, etc.
•
Sua natureza social e contextual, ou seja, as crenças são um elemento fundamental
de qualquer cultura e, portanto, são construídas mediante processos de socialização
453
que são sempre educacionais. Por isso mesmo, são experienciais, ou seja, o resultado
das interações entre o sujeito e o ambiente social;
•
São paradoxais e contraditórias, desde que as crenças não estão isoladas, mas
formam redes, sistemas em que se estabelecem relações ora harmônicas, ora tensas e
contraditórias;
•
Finalmente, estão relacionadas com a ação de uma maneira indireta e complexa.
Metodologia
Para realizar a pesquisa empregamos a entrevista estruturada e semiestruturada
como ferramenta primária para a coleta de dados (VIEIRA ABRAHÃO, 2006;
BARCELOS: op. cit.). Em razão da natureza exploratória do trabalho, as entrevistas
foram aplicadas a uma amostra teórica construída a partir dos critérios de
nacionalidade e formação de grau, com o que obtivemos quatro grupos, como mostra
o quadro a seguir:
Nacionalidade
Nativos (brasileiros)
Não-nativos (argentinos)
Nativos sem graduação.
Não-nativos
Formación
sem graduação
sem
graduação
com graduação
Nativos com graduação
Nao-nativos
com
graduação
Realizaram-se doze entrevistas no litoral e doze no noroeste do país. Essas
entrevistas foram gravadas em áudio e desgravadas para proceder a sua análise,
empregando para tanto o chamado método das comparações constantes de Glasser &
Strauss (SONEIRA, 2006), consistente em comparar os dados coletados (primero
intra-regional e mais tarde interregional), com o propósito de encontrar categorias
comuns, algumas das quais foram pré-codificadas (crenças sobre o objeto do ensino,
crenças sobre o ensino, crenças sobre a aprendizagem e crenças sobre a profissão)
enquanto outras foram surgindo a partir do discurso dos entrevistados. Finalmente,
454
esses dados foram comparados com a produção teórica disponível até o momento na
área.
Dada a limitação de tempo e de espaço, vamos nos referir brevemente apenas às
categorias centrais de crenças sobre o ensino, crenças sobre a língua, crenças sobre a
aprendizagem e crenças sobre a profissão docente. Essa centralidade advém do
pressuposto de considerar que uma compreensão profunda do ensino de PLE só se
pode fazer por referência ao objeto que se ensina e aos sujeitos que nele intervém, e
portanto, ao que se sabe e acredita sobre esse objeto, sobre os sujeitos envolvidos e
sobre as imagens e representações sobre a profissão docente.
Análise dos dados
Um primeiro aspecto comum entre os sujeitos entrevistados é a posição ocupada pela
docência em PLE como opção de vida. Com efeito, nenhum dos sujeitos da amostra
chegou à profissão por uma decisão consciente e deliberada para ser docente da
especialidade. No caso dos não-nativos, formados ou não, ser docente em PLE se
colocou como uma continuação dos estudos prévios em língua portuguesa, como um
complemento do curso principal ou como uma resposta à demanda do contexto
sociohistórico que impulsionou a procura de cursos de português durante a década
de noventa. Em nenhum caso refletiu uma opção consciente para ser docente de PLE
o que, de alguma maneira, e dada a escassa tradição de formação docente no país
antes da década de noventa, não resulta estranho que a docência em PLE não tenha
constituído uma opção profissional atraente antes desse momento histórico.
De outra parte, e abonando essa hipótese, contrariamente à maioria dos docentes de
outras línguas estrangeiras, que chegam à docência depois de vários anos de estudos
e, portanto, de um contato mais profundo com a LE (como no caso dos professores
nativos e os não-nativos sem graduação), os docentes não-nativos com formação
tiveram um contato indireto e esporádico, e sua motivação para ser professor proveio,
fundamentalmente, do gosto pela língua decorrente do conhecimento de diferentes
manifestações da cultura brasileira, notadamente da sua música.
Apesar das crenças sobre a formação inicial só terem sido explicitamente formuladas
pelos docentes que fizeram estudos superiores, eles consideraram que, embora
tenham existido insuficiências ou mesmo deficiência de diferentes tipos, pelo menos
455
os estudos forneceram os elementos básicos, mesmo quando, como todos
reconhecem, a maior parte do conhecimento necessário para o exercício da docência é
adquirido na prática. Essa é uma das crenças mais fortes e está corroborada, como
vimos, pelo conceito de “conhecimento pessoal prático” segundo o qual, o
conhecimento dos docentes é um conhecimento prático, que emerge da prática e se
volta para ela, e é pessoal por estar impregnado de todas as experiências que
configuram a identidade da pessoa.
Por outro lado, é no mínimo paradoxal que, se por um lado os docentes entrevistados
salientam o valor da experiência como docentes, não consideram, pelo menos não
conscientemente, que a sua biografia escolar, ou seja, a sua trajetória pelo sistema
educativo formal tenha ou tenha tido algum tipo de influência sobre suas práticas de
ensino. Com efeito, perguntados sobre se reconhecem em sua prática a influência de
algum modelo didático, de algum docente ou de alguma situação de ensino, os
docentes, no geral, dão uma resposta contundentemente negativa; só os docentes
não-nativos com graduação destacam alguns modelos da formação superior. No
entanto, quando perguntados sobre que experiências positivas e negativas
lembravam do seu passo pela educação formal não superior, os docentes
entrevistados fizeram explícitas uma série de crenças como as arroladas a seguir:
•
Um bom ensino é aquele no qual os professores usam uma metodologia
inovadora, não tradicional, e no qual estabelecem bons vínculos com os alunos;
•
Um bom ensino é aquele em que os professores encorajam os alunos, porque isso
contribui ao processo de aprendizagem;
•
Um bom ensino se define pelo que NÃO DEVE SER O ENSINO; por exemplo,
empregar apenas o manual didático; usar o tempo da aula para tratar temas que não
se relacionam com os conteúdos curriculares; exigir memorização de dados sem
preocupar-se por tornar compreensível a temática desenvolvida; não preparar a aula,
etc.
•
Um bom ensino é aquele em que o docente conhece profundamente seu campo
disciplinar, mas além disso transmite paixão pelo conhecimento.
Outra crença comum entre os docentes se refere à aprendizagem da língua
estrangeira. Quase todos os docentes entrevistados salientaram o papel dos fatores
456
que condicionam a aprendizagem, mais do que os processos cognitivos que a
aprendizagem implica (RICHARDS, Jack; RODGERS, Theodore, 1986, 25). Nesse
sentido, todos assinalaram a importância da “motivação” para aprender. Mas aí
acabam as semelhanças. Alguns docentes salientam como fator determinante a
aptidão, entendida como o tempo que demanda aprender um conteúdo
determinado; outros, frisam que a persistência e o esforço são fundamentais para
apoiar a capacidade para aprender; outros consideram que na realidade, existem
diferentes maneiras de aprender que se manifestam nos diferentes estilos de
aprendizagem que empregam os adolescentes e os adultos; outros, por fim,
consideram que a aprendizagem é principalmente uma decorrência do tipo de
interação que os alunos estabelecem com os textos orais e escritos autênticos na
língua estrangeira. Uma docente considera que aprender uma língua estrangeira
“depende de la combinación de exposición controlada y libre. Si es muy controlada
siempre, es limitada, y si es absolutamente libre, el alumno se pierde.”
Dado o caráter fortemente valorativo, moral das crenças, consideramos que um
elemento que pode ter influência na prática do ensino é o que os docentes vivem
como experiências positivas e negativas dentro da sala de aula ou na própria
profissão. A experiência positiva mais relatada, na qual todos os entrevistados
coincidem, é a satisfação que produz que os alunos aprendam, que demonstrem
interesse e que sejam autônomos, ou seja, que vão além do que aprendem em sala de
aula. Mas uma categoria que surgiu com força no discurso dos docentes como
aspecto positivo é “o divertimento” (e sua contra cara negativa, “o tédio”). É comum
os professores entrevistados expressarem como positivo o fato de ser a sala um local
no qual o docente se diverte, desfruta do que faz, da relação que estabelece com seus
alunos. Todavia, eles também reconhecem que pode ser um local de tédio, causado
pela apatia dos estudantes ou pela impossibilidade de inovar ou de criar.
Quanto às crenças sobre a natureza da língua, que é o objeto de ensino e de
aprendizagem, chama a atenção que quando solicitados a revelar suas concepções, os
docentes não incluam nem uma definição formal – o que é lógico no contexto de uma
entrevista – nem uma delimitação precisa dos aspectos que envolve o conhecimento
de uma língua. Todavia, quando interrogados acerca de que conteúdos deveriam
457
existir numa aula de PLE, os docentes salientavam, invariavelmente, os conteúdos
fonéticos, gramaticais e lexicais que fazem parte da competência linguística, mas
também os conteúdos pragmáticos vinculados com as situações de uso e as funções
linguísticas,
bem
como
os
conteúdos
socioculturais,
entendidos
como
o
conhecimento de objetos, instrumentos, artefatos, mas também eventos, fenômenos e
processos de interação produzidos por diferentes grupos sociais. Acreditamos que
isso estaria revelando que, no geral, a visão da língua como sistema para codificar
significados vem sendo substituída por uma perspectiva mais social da linguagem,
em que os significados que se negociam e os sentidos que se constroem não
dependem, apenas, do conhecimento do sistema da língua.
Finalmente, algo semelhante acontece com as concepções de ensinar. No geral, os
docentes pesquisados subscrevem explicitamente uma visão tradicional do ensino
que a vê como transmissão de conhecimento. No entanto, quando pedidos para
dizerem quais acreditam eles serem as principais funções do docente, os docentes
com formação ampliaram essa visão para incluir papéis como orientar a
aprendizagem, favorecer a compreensão, selecionar os conteúdos e os materiais, etc.
Considerações finais
Desenvolver essa linha de pesquisa significou para nós assumirmos o esforço de
instalar questões sobre o trabalho docente recuperando empiricamente informações
fornecidas pelos mesmos professores. Ratificando isso, estivemos e estamos muito
próximos dos colegas com os quais estabelecemos contato. Proximidade no momento
da realização da entrevista, proximidade apoiada na condição comum de colegas e
assim nos sentimos em todas as etapas deste trabalho, o que se explicitou
especialmente no ato de realização da entrevista.
Isso que esteve latente já nos tempos de elaboração do projeto, quando
reiteradamente nos explicávamos a nós mesmos que exploraríamos histórias de
professores junto dos professores com a intenção de evitar falar sobre alguém que se
materializa na ausência, tornou-se finalmente um viés que determinou o rumo do
nosso trabalho até agora. O eixo formação docente expandiu-se sobre os outros
campos propostos na pesquisa inicial e, sem dúvidas, é um campo prometedor para
458
pesquisas vindouras na área de PLE na Argentina: o lugar das vozes de nossos
professores e professoras. Implica uma perspectiva que abre a abordagens que
trabalhem partindo de outro lugar (é incrível, numa área de pesquisa tão tradicional
como a pesquisa sobre a docência, ainda é preciso reivindicar discursividades
próprias). Pensado já a partir do desenho original (em meados de 2009), claro que
esta questão não se esgotou ao longo dos dois anos de pesquisa institucionalizada.
No entanto, e tendo em conta a instalação e o avanço de tal discursividade que se faz
observável e comparável na pesquisa (mas mais do que tudo se faz presente), vimosnos debatendo sobre uma questão metodológica a partir do dilema: levantar dados
em entrevistas semiestruturadas até uma saturação desses mesmos dados ou deixar o
gravador ligado e dar curso ao relato espontâneo?
Os tempos institucionais e os requerimentos de apresentação em congressos, além da
feitura de relatórios sumamente descritivos, mais o esforço que representa gravar e
transcrever entrevistas e relatos, nem sempre com os recursos financeiros devidos
para tal fim, tudo isso não impediu que aproveitássemos os aspectos favoráveis das
narrativas docentes, apesar do valorável que foi para o estudo inter-regional o
método das comparações constantes. É no relato que a abordagem se completa e se
faz complexa. Na trama de elaborações discursivas do contar experiências a história
da nossa área vai se fazendo presente e, gravação após gravação, sentimos aí o devir
do PLE na Argentina (ainda quando circunscrito a apenas duas regiões do país).
Sem dúvida que encontramos diferenças na comparação regional com questões
temporais e contextos culturais mais do que interessantes abrindo-se ao estudo. Por
isso acreditamos na necessidade de seguir com essa linha de pesquisa, tendo este
trabalho uma intenção de convocatória nesse sentido. E, por isso, justamente, é que
reconhecemos o valor do relato.
Interessante é notar que, partindo de um âmbito teórico que nasce na Psicologia
Cognitiva, o lugar que procuramos é político e histórico, com base numa visão
hermenêutica: nossas narrativas somadas, acreditamos, colaboram expressivamente
na construção da nossa identidade.
459
Referencias bibliográficas
ANIJOVICH, Rebeca et al. Transitar la Formación Pedagógica – Dispositivos y estrateigas.
Buenos Aires: Paidós, 2009.
BARCELOS, Ana Maria. Cognição de Professores e alunos: tendências recentes na
pesquisa de crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas. In BARCELOS,
Ana Maria; VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helana (orgs.) Crenças e ensino de
línguas – foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas-SP:
Pontes, 2006.
CLARK, Christopher; PETERSON, Penelope.
Procesos de pensamiento de los
Docentes. In WITTROCK, Merlin (comp.) La Investigación de la Enseñanza, I –
enfoques, teorías y métodos. Barcelona: Paidós, 1997.
CONTRERAS DOMINGO, José. Enseñanza, Currículum y Profesorado. Madrid: Akal,
1994
FELDMAN, Daniel. Ayudar a enseñar. Buenos Aires: Aique, 1999.
JACKSON, Philip. La vida en la aulas. Barcelona: Morata, 1998.
PEREZ GOMEZ, Angel. Paradigmas Contemporáneos en investigación didáctica. In
GIMENO SACRISTÁN, José; PÉREZ GÓMEZ, Angel (comp). La enseñanza: su
teoría y su práctica. Madrid:, Akal, 1986.
RICHARD, Jack; LOCKHART, Charles. Estrategias de reflexión sobre la enseñanza de
idiomas. Madrid: CUP, 1998.
SHULMAN, Lee. Paradigmas y Programas de Investigación en el estudio de la
enseñanza: una perspectiva contemporánea. In WITTROCK, Merlin (comp.) La
Investigación de la Enseñanza, I – enfoques, teorías y métodos. Barcelona: Paidós,
1997.
SILVA, Kleber da. Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na Lingüística
Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no contexto brasileiro. In
Linguagem & Ensino, v.10, n.1,p. 235-271, jan./jun. 2007.
SONEIRA, Abelardo. La Teoría Fundamentada en los datos. In VASILACHIS DE
GIALDINO, Irene (coord.). Estrategias de investigación cualitativa. Buenos Aires:
Gedisa, 2006.
460
TELLES, João. A trajetória narrativa: histórias sobre a prática pedagógica e a
formação do professor de línguas. In GIMENEZ, Telma (org). Trajetórias na
formação de professores de línguas. Londrina: Ed. UEL, 2002.
VIEIRA ABRAHÃO, Maria Helana. Metodologia na investigação das crenças. In
BARCELOS, Ana Maria; VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helana (orgs.) Crenças e
ensino de línguas – foco no professor, no aluno e na formação de professores.
Campinas-SP: Pontes, 2006.
WILLIAMS, Marion; BURDEN, Robert (1997) Psicología para profesores de idiomas –
Enfoque del constructivismo social. Barcelona, CUP.
461
A RETEXTUALIZAÇÃO DE GÊNEROS ESCRITOS.
ANÁLISES DAS
BRASILIDADES E PRODUÇÃO
INTERCULTURAL NO ENSINO DE PLE
Romina Soledad MACENCHUK163
Resumo
A oficina de retextualização é uma proposta para trabalhar a problemática da
produção e reflexão em PLE164 num cenário multicultural como é a sala de aula.
Tendo como objetivo responder às necessidades que surgem na formação de sujeitos
portadores da língua estrangeira; gerando um espaço que fortalece o intercambio e a
interpretação de diferentes aspetos: culturais, sócio-políticos, históricos e linguísticos,
por meio de textos.
O discurso é uma prática, uma ação do sujeito sobre o mundo. Por isso, sua aparição
deve ser contextualizada como um acontecimento, já que ele funda uma
interpretação e constrói o desejo de verdade. Quando pronunciamos um discurso
atuamos marcando uma posição – ou selecionando sentidos, ou excluindo-os no
processo interlocutório.
Neste sentido, os textos prometem outorgar significância aos diferentes aspetos da
cotidianidade brasileira, refletindo mais além do texto. Trabalhar o discurso é
caracterizar as inscrições ideológicas que coexistem nas diferencias sociais, inscritas
na produção discursiva dos sujeitos. A AD busca promover uma melhor
compreensão por parte do homem de uma das ilusões formadoras: a de que, o
homem é dono do seu discurso (PLATÃO e FIORIN;1998;16).
A metodologia centra-se na leitura de textos, reflexão e retextualização dos mesmos.
Abordaremos perspectivas de AD vinculadas à leitura crítica e à produção discursiva.
Mas também trabalharemos a articulação com diferentes áreas do conhecimento –
língua, historia, e cultura – obtendo como resultado a reflexão e a produção de textos.
Resumen
El taller de re-textualización es una propuesta para trabajar la problemática de la
producción y reflexión en PLE, en un escenario multicultural como es el aula.
Teniendo como objetivo responder a las necesidades que surgen en la formación de
sujetos portadores de una lengua extranjera; generando un espacio que fortalece el
intercambio y la interpretación de diferentes aspectos: culturales, socio-políticos,
históricos y lingüísticos, por medio de textos.
El discurso es una práctica, una acción del sujeto sobre el mundo. Por eso, su
participación debe ser contextualizada como un acontecimiento, ya que funda una
interpretación y construye el deseo de verdad. Cuando pronunciamos un discurso,
163
164
Instituição à que pertence: Universidad de la Cuenca del Plata
PLE: Português Língua Estrangeira
462
actuamos marcando una posición –o seleccionando sentidos, o excluyéndolos – en el
proceso interlocutorio.
En este sentido, los textos prometen otorgar significado a los diferentes aspectos de la
cotidianeidad brasileña, reflexionando más allá de los textos. Trabajar el discurso es
caracterizar las inscripciones ideológicas que coexisten en las diferencias sociales,
inscriptas en la producción discursiva de los sujetos. El AD busca promover una
mejor comprensión por parte del hombre de una de las ilusiones formadoras: la de
que, el hombre es dueño de su discurso.
La metodología se centra en la lectura de textos, reflexión y re-textualización de los
mismos. Abordaremos perspectivas de AD vinculadas a la lectura crítica y a la
producción discursiva. Pero también trabajaremos la articulación con diferentes áreas
del conocimiento – lengua, historia e cultura – obteniendo como resultado la
reflexión y la producción de textos.
Fundamentação
A oficina “A RETEXTUALIZAÇÃO DE GÊNEROS ESCRITOS. Análises das
Brasilidades e produção intercultural no ensino de PLE” tem como objetivo mostrar as
marcas da cultura, da historia e da língua do Brasil; a traves de textos que expressem
a complexa trama social do país vizinho. Visa resgatar os aspectos relevantes que
denotem o significado de identidade brasileira nos textos apresentados e desse modo
compreender a formação do povo brasileiro.
O discurso é uma pratica, uma ação do sujeito sobre o mundo. Por isso, sua aparição
deve ser contextualizada como um acontecimento, pois funda uma interpretação e
constrói um desejo de verdade. Quando pronunciamos um discurso atuamos sobre o
mundo, marcamos uma posição – ou selecionando sentidos, ou excluindo-os no
processo interlocutório.
A Análise de Discurso adota ideias e teorias de outras áreas. A linha francesa (a qual
seguimos) trabalha com a língua, como estrutura simbólica que comporta o nãosistematizado com o sujeito como ser-em-falta, efeito dessa estrutura de linguajem
sendo ao mesmo tempo sujeito de desejo e da ideologia; e com o discurso, como
materialidade linguística e histórica, que incorpora a exterioridade não como
complemento mas como elemento constituinte. Representam (sujeito e discurso) um
modo único e próprio da maneira como a AD compõe seu tabuleiro, escolhe suas
peças principais e arma seu jogo no campo da linguajem.
463
Neste sentido, os textos prometem outorgar significância aos diferentes aspetos da
cotidianidade brasileira, permitindo repensar no processo sócio-históricos pelo qual
foi atravessado a sociedade brasileira; refletindo mais além das visões do mundo que
os textos oferecem. Estudar o discurso, então, é caracterizar as inscrições ideológicas
contraditórias que coexistem na diferencias sociais, na produção discursiva dos
sujeitos, materialidade da língua. A AD desenvolve seus estudos sobre as visões do
mundo inscritas no discurso. Os estudos realizados desde esta perspectiva visam
promover uma melhor compreensão por parte do homem, de uma das ilusões
fundadoras: a de que - tomando palavras de Fiorin (PLATÃO e FIORIN;1998;16) - o
homem é dono de seu discurso.
A oficina procura interpretar e dar sentido à diversidade cultural, social e discursiva
que oferece o Brasil; centrando-se nas experiências de debates que possibilitem o
crescimento e o enriquecimento das competências em PLE; favorecendo assim, à
aprendizagem significativa.
El aprendizaje significativo, ya sea por recepción, ya sea por
descubrimiento (…) comprende la adquisición de nuevos significados.
(…) la clave del aprendizaje significativo está en la vinculación
sustancial de las nuevas ideas y conceptos con el bagaje cognitivo del
individuo. (GIMENEO e PÉREZ GOMEZ; 1993; 57)
Nos diversos textos selecionados, encontramos refletida a relação entre a linguagem
e a cultura brasileira, quer dizer a memória dos dizeres e as diferentes
representações:
sistemas
simbólicos
e
interdiscursividade dos processos históricos.
464
ideológicos
-
conformados
na
Textos selecionados:
Texto N°1
ANTROPOFAGIA
Carlos Drummond de Andrade, “Brasil/Tarsila”
(...)
Tarsila acordando para o pesadelo
de assombrações pré-colombianas tão vivas agora como outrora
abaporu das noites na fazenda
bichos que não existem? Mas existentes
cactos-animais, predas-árvores,
Monstros a expulsar de nossa mente
o arrecolher para melhor
seguir nosso trassado preternatural.
Tarsila mágica,
meu Deus, tão simples
alheia às técnicas analíticas de Freud
e desvenenado
as grutas, os alçapões, as perambeiras
da conciência rural,
expondo ao sol
a alegria colorida da libertação.
(...)
465
Texto N°2
TARSILA DO AMARAL: ABAPORU
Texto N°3
FESTA JUNINA - TELA DE YOLE TRAVASSOS
466
Texto N°4
O VIOLEIRO, DE ALMEIDA JÚNIOR, 1899 - Sertanejos
Texto N°5
O NEGRINHO DO PASTOREIO
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/3contos/negrinho.html
(...)
E cerrava as esporas no mouro. Mas os fletes corriam, compassados como numa
colhera.
Quando foi na última quadra, o mouro vinha arrematado e o baio vinha aos tirões...
mas sempre juntos, sempre emparelhados. E a duas braças da raia, quase em cima do
laço, o baio assentou de supetão, pôs-se um pé e fez uma cara-volta, de modo que
deu ao mouro tempo mais que preciso para passar, ganhando de luz aberta! E o
Negrinho,
de
um
pêlo,
agarrou-se
como
um
ginetaço.
Foi
mau
jogo!,
gritava
o
estancieiro.
- Mau jogo!, secundavam os outros da sua parceria.
467
Texto N°6
TARSILA
DO
AMARAL:
OPERÁRIOS, 1933
TEXTO N°7
PÉ-DE-MOLEQUE
http://tvg.globo.com/receitas/pe-de-moleque-caseiro-4c7031b9e7a7366ac2000001
INGREDIENTES:
•
•
•
•
•
3 xícaras de açúcar
1 lata de leite condensado
½ quilo de amendoim (com as peles)
2 colheres de sopa de Nescau
1 colher de sopa de manteiga
MODO DE PREPARO
Misture à parte: leite condensando, Nescau e manteiga – reserve. Unte um tabuleiro e
reserve. Coloque numa panela bem grande o açúcar misturado com o amendoim
(com pele e tudo) para cozinhar em fogo médio. Mexa a mistura até que o açúcar
derreta (fica meio caramelo). Quando já estiver derretido junte a mistura do leite
condensado. Para isso use uma colher de pau grande porque a mistura sobe fervendo
(como se fosse um brigadeiro mole efervescente) e você pode queimar as mãos. Ao
misturar desligue o fogo e bata (misture com vigor) por uns 10 a 15 minutos. Despeje,
então, a mistura no tabuleiro untado. Quando começar a endurecer marque os
retângulos dos doces. Espere esfriar de vez e tire os retângulos.
468
Texto N°8
Canto das três raças
(Alcione)
Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas como
Um soluçar de dor.
Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
Num canto do Brasil.
Um lamento triste sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou.
Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
Do quilombo dos palmares
Onde se refugiou.
Fora a luta dos inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou.
E de guerra em paz, e de paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar, canta de dor
E ecoa noite e dia
Ensurdecedor.
Ah! Mas que agonia
O canto do trabalhador,
Esse canto que devia
ser um canto de alegria
soa apenas como
um soluçar de dor.
Texto N°9
A TERCEIRA OPÇÃO DA TRILHA SONORA DO GUETO
Celular, ókyoc na mão, do Zé povim
É uma arma poderosa nisso eu acredito sim
Embocamo num assalto de pistola e matraca
E eu grudei logo o gerente com a quadrada engatilhada
O meu parceiro com a matraca dominava o salão
Zé povim era mato tudo deitado no chão
469
Nóis achava que é o seguinte que o bagaio tava agüentado
Mó engano sangue bom, tava memo era secado
Tinha rota tava o goe a PM mais o GAP
Tava tipo aquela fita que ce viu na reportagem
E eu grudado cum refém, comecei raciocinar
Os motivos que fizeram eu no crime ingressar
Residente do Capão, ser humano pique jão
Que não teve uma cultura uma boa educação
Morador de uma favela que aprendeu morrer por ela
Nego, né comédia não, sofredor que num dá guela
Voltando para a real, eu me vi logo enquadrado
Me lembrei ni um minuto que eu tava ni um assalto
Escutava e gritava “vamô pega e lixar
Vagabundo não tem vaga nesse mundo que Deus dá”
Veja bem come as coisas ninguém tinha coração
Só eu, e Deus sabia da minha situação
E eu peguei minha quadrada fui pra guerra cum o sistema
Só que pá é o seguinte sempre existe um dilema
A vida traiçoeira me pregou uma lição
Eu só tinha 2 minutos pá vivê 3 opções
Se eu saísse pelo fundo eu morria assassinado
Se eu vazasse pela frente pelos bicos era lixado
E a 3ª opção era eu engatilhar
A quadrada na cabeça e eu mesmo me matar (...)
Texto N°10
DEBRET em viagem histórica e quadrinhesca ao Brasil.
470
Texto N°11
A MORTE DO MENINO – TELA DE CÂNDIDO PORTINARI
Texto N°12
O engenho
471
Texto N°13
A favela
Texto N°14
A Felicidade -Tom Jobim
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
e tudo se acabar na quarta feira
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
472
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite
Passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Prá que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Tristeza não tem fim
Texto N°15
Triste Fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto pp.53
“Então, para espantar os maus pensamentos, ela se punha a olhar o aspecto
pueril da rua, marchetada de papeluchos multicores, e as serpenti- nas irisadas
pendentes nas sacadas, mas o que fazia bem à sua natureza pobre, comprimida,
eram os cordões, aquele ruído de atabaques, e adufes, de tambores e pratos.
Mergulhando nessa barulheira, o seu pensamento repousava e como que a idéia
que a perseguia desde tanto tempo ficava impedida de lhe entrar na cabeça.”
473
Texto N°16
A Banda
Chico Buarque
Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
474
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor...
Bibliografia:
Carissini da Maia, Ivene: Definindo o estudo da cultura brasileira: a simbiose entre
língua e cultura. Cultura Brasileña Profesorado em Português de la FH y CS –
U.Na.M.
_________________Sujetos de lenguas/sujetos a las lenguas: relación LM/LE.
Cultura Brasileña Profesorado em Português de la FH y CS – U.Na.M.
CÂMARA CASCUDO, Luis da: Geografia dos Mitos Brasileiros. São Paulo: Global,
2002.
_____________Antologia do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2001.
GIMENEO SACRISTÁN y PÉREZ GOMEZ, ANGEL: “Los procesos de enseñanza
aprendizaje: análisis didáctico de las principales teorías del aprendizaje” en:
Comprender y transformar la enseñanza. Madrid. Ed. Morata. 1993
LOTMAN, IURI M.: A cerca de la semiosfera en La Semiósfera I. Semiótica de la
Cultura y del Texto – Ediciones Cátedra, Madrid, 1996.
_______________ La memoria de la cultura en La Semiósfera II. Semiótica de la
cultura, del texto, de la conducta y del espacio. Madrid: Ediciones Cátedra,
1998.
_______________ “El ensamble artístico como espacio de la vida cotidiana y Sobre la
dinámica de la cultura” en La Semiósfera III. Semiótica de las artes y de la
cultura. Madrid: Ediciones Cátedra, 2000.
PÊCHEUX, M. “A forma-sujeito do discurso” em Semântica e Discurso. Uma Crítica à
Afirmação do Óbvio. (Trad. De Eni P. Orlandio, Lourenço Ch. Jurado Filho,
475
Manoel L. Gonçalez Correa e Silvana Serrani) Campinas: Editora da
UNICAMP, 1988. (Original en francês, 1975).
PILETTI, Nelson: História do Brasil. Editora Ática, São Paulo, Ed. 18º , 1996.
PLATÃO; FIORIN: “Lições de texto: leitura e redação”. São Paulo: Ática, 1998
RIBEIRO, Darcy. “Os Brasis” em O Povo Brasileiro. Editora
Ática- Ed.
1980SERRANI-INFANTE, S. Discurso e Cultura na Aula de Língua.
Campinas, SP: Pontes, 2005.
SPACCA: Debret em Viagem Histórica e QUADRINHESCA ao Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
ALVIM, Zuleika: Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo em História da
vida privada no Brasil. República: da Belle Época à Era do Rádio. Coleção
dirigida por Fernando A. Novais. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
476
CONTRIBUCIÓN AL DESARROLLO
DESARROLLO
DE LA COMPETENCIA INTERACTIVA
INTERCULTURAL EN PELSE
Fanny BIERBRAUER165
Resumen
La lengua, como transmisora de cultura, despliega un amplio conjunto de creencias,
experiencias, supuestos y conceptualizaciones del mundo y de las relaciones
interpersonales distintas en cada cultura. Si no logramos interpretar con fluidez
todos estos aspectos, que varían de una cultura a otra puede resultar afectada la
comunicación eficaz. Pensamos que, para aprender a comunicarnos en un encuentro
intercultural, debemos aprender la lengua, pero también la cultura que va unida a
ella. El proyecto Comunicándonos sin fronteras, destinado a estudiantes de la escuela
secundaria, trabaja a partir del uso de la lengua hacia la formación ciudadana: como
espacio para el diálogo intercultural y como camino hacia la integración regional. La
competencia intercultural incluye conocimientos, habilidades, actuaciones y
actitudes abarcando los tres saberes: saber, saber hacer, saber ser, pilares de la
educación.
Con la elaboración de los materiales multimedia se espera generar herramientas
útiles a la hora de desarrollar y conocer temas básicos de español y portugués como
lengua segunda y extranjera, que puedan utilizarse en las escuelas de nivel medio. A
través de estos recursos se espera sensibilizar, promover el aprendizaje de PELSE a
partir de temas transversales en las diferentes disciplinas que se imparten en la
escuela media.
Resumo
A língua, como transmissora de cultura, emprega um amplo conjunto de crenças,
experiências, hipóteses e conceitualizações do mundo e das relações interpessoais
diferentes em cada cultura. Se não conseguimos interpretar com fluidez todos estes
aspectos, que variam de uma cultura a outra, se pode afetar a comunicação eficaz.
Pensamos que, para aprender a comunicar num encontro intercultural, devemos
aprender a língua, mas também a cultura que vai unida a ela. O projeto
Comunicando-nos sem fronteiras, destinado a estudantes da escola secundária,
trabalha a partir do uso da língua para a formação cidadã: como espaço para o
diálogo intercultural e como caminho para a integração regional. A competência
intercultural inclui conhecimentos, habilidades, atuações e atitudes abarcando os três
saberes: saber, saber fazer e saber ser, pilares da educação. Com a elaboração dos
materiais multimídia, espera-se gerar ferramentas úteis na hora de desenvolver e
165
Facultad de Lenguas (UNC)
477
conhecer temas básicos de espanhol e português como segunda língua e estrangeira,
que possam utilizar nas escolas de nível médio. Através destes recursos espera-se
sensibilizar, promover a aprendizagem de PELSE a partir de temas transversais nas
diferentes disciplinas que se dão no ensino médio.
El proyecto Comunicándonos sin fronteras, destinado a estudiantes de la escuela
secundaria, lleva a cabo acciones tendientes al desarrollo en el ámbito universitario
de la enseñanza, investigación y extensión relacionadas con la enseñanza y el
aprendizaje
Propone
del español y el portugués como lenguas segundas y extranjeras.
una alternativa de abordaje comunicativo intercultural a partir de los
materiales audiovisualesi producidos en el marco de la investigación.
Partimos del uso de la lengua hacia la formación ciudadana como espacio para el
diálogo intercultural. La lengua, como transmisora de cultura, despliega un amplio
conjunto de creencias, experiencias, supuestos y conceptualizaciones del mundo y de
las relaciones interpersonales distintas en cada cultura, el término intercultural desde
nuestra perspectiva alude a la adopción de un enfoque intercultural al mirar y
comprender la diversidad humana en educación, ponemos el acento sobre los
procesos y las interacciones que unen y definen a los individuos y a los grupos en
relación los unos con los otros. Lo primordial no es describir las culturas sino indagar
lo que sucede entre los individuos y grupos que dicen pertenecer a culturas
diferentes; considerar sus usos culturales y comunicativos. La dimensión cultural
está siempre presente en los contextos educativos y en especial en las clases de
segundas lenguas. (Abdallah-Pretceille, 2006)
Uno de los referentes más importante para el marco teórico es Cantero (2003, 2004 y
2009), por la novedad de su aporte con un enfoque apoyado en la teoría de la
complejidad para explicar las relaciones entre los elementos que integran la
competencia comunicativa y, más significativo aún, el potencial descriptivo y
normativo de su modelo de análisis para la enseñanza de lenguas. En su análisis,
Cantero retoma de MRE la diferenciación entre competencias generales y
competencias comunicativas específicas,
en el primer grupo reúne las cuatro
categorías ya propuestas por Canale & Swain (1980) que dan cuenta de la mayoría de
los procesos diferenciados que intervienen en la formulación del discurso:
478
También, este autor, tiene en cuenta los modelos de van Ek (1988) añade matices a lo
propuesto en MCRE. En su análisis de la competencia comunicativa incluye no sólo
las
competencias de tipo general o estratégico sino también las competencias
relacionadas con cada una de las actividades comunicativas específicas:
En este modelo, la capacidad nuclear y más importante es la competencia interactiva,
por varias razones, Cantero (2009) argumenta que: sin interacción no surge la
comunicación, con la interacción es que se adquiere la lengua, mediante la
interacción se gestiona la vida cotidiana y relaciones interpersonales personales,
sintetiza que la interacción posibilita nuestra misma existencia.
La competencia interactiva constituye el eje de la competencia comunicativa, su
motor, porque consiste precisamente en los recursos que el hablante pone en juego
para relacionar sus conocimientos, saberes y habilidades. Como motor de la
competencia comunicativa, es la que determina la zona de desarrollo próximo del
hablante: su capacidad de adaptarse a nuevos contextos e interlocutores, así como su
capacidad de aprender/adquirir nuevos códigos.
Figura 1. Triángulo múltiple de subcompetenciasii
479
A partir de lo que observamos en la Figura 1, la competencia interactiva ejerce, en
este nivel, también de eje y engranaje de las competencias comunicativas específicas.
La interacción es la actividad comunicativa más importante, la principal vía de
acceso a las demás actividades comunicativas que desarrolla el hablante, el primer
formato de la comunicación humana y también el más común: toda nuestra vida
afectiva, por ejemplo, está vehiculada mediante la relación directa, la interacción
personal. La propia adquisición de la lengua es producto, esencialmente, de la
interacción comunicativa con los demás.
Hasta aquí observamos la importancia de la competencia interactiva, otro dato
significativo para nuestro proyecto se relaciona con el componente intercultural,
siguiendo en la línea de Cantero (op.cit) el término cultura refiere a lo que otros han
llamado sociolingüístico, sociocultural o social, y define esta competencia como:
la capacidad de manejar los saberes implicados en la comunicación,
desde los significados de las palabras y sus connotaciones hasta las
implicaturas conversacionales y las intenciones reflejadas en el
discurso [los contenidos ilocutivo y perlocutivo]. Todo el mundo
nocional comprometido con el discurso, incluido el modelo del
mundo del hablante, así como los contenidos culturales específicos
del grupo a que pertenece. (Cantero 2009, p. 5)
El valor de esta competencia es, en primer término, la base de la identidad del
hablante. Es decir que la competencia intercultural se ubica en el punto nuclear de la
persona: su identidad psicológica individual, su modelo de mundo, sus actitudes, su
carácter.
A partir de la explicación del funcionamiento complejo de la competencia
comunicativa de Cantero podemos expresar, a modo de síntesis, que a mayor
desarrollo de la competencia intercultural, mayores posibilidades tendrá un hablante
de activar exitosamente su competencia mediadora. Es una condición posibilitadora,
ya que,
la interacción de ambas competencias depende del desarrollo de la
competencia estratégica/interactiva: la capacidad de aprovechar los recursos que se
posean y generar nuevos para afrontar las dificultades que surjan en encuentros
comunicativos inéditos a la experiencia habitual.
480
En el proyecto comunicándonos sin fronteras, partimos de la noción de competencia
intercultural que viene del contexto europeoiii, lo analizamos llegar a plantear una
propuesta acorde a nuestro contexto de enseñanza y de aprendizaje según en el
modelo de competencia comunicativa de Cantero, indicando su desglose en tres
dimensiones de aprendizaje: conocimientos, actitudes, habilidades y/o destrezas,
que faciliten el diseño de intervenciones didácticas.
El objetivo de la didáctica de la lengua es la creación y el desarrollo de esta
competencia estratégica en los estudiantes, más allá de cualquier otra dimensión
instructiva, independientemente de los aprendizajes lingüísticos que también puedan
realizar e incluso independientemente del grado de adquisición de las demás
competencias que el alumno haya alcanzado en un momento determinado: una
competencia estratégica rica y diversa, generadora de recursos, capaz de crecer y
hacer crecer al resto de las competencias y de multiplicar la estrella comunicativa es
todo lo que el alumno necesita para gestionar su comunicación. Todo lo demás irá
apareciendo
a medida que como hablante se encuentre con nuevos contextos, nuevos
interlocutores y
nuevas situaciones comunicativas.
Consideramos que desde nuestra región se debe continuar en la indagación acerca
de la función de interacción positiva que tienen los idiomas, puesto que sostenemos
que es primordial en la integración regional, no desde la compentencia o lucha de
poder entre las lenguas de la región sino más bien identificar la relación afectiva
positiva para con la/s lenguas que pueda estar manifiesta, más allá de los avances
en la implementación en los sistemas educativos de español y del portugués.
La promoción de la interculturalidad debe ir a la par del fortalecimiento de la
identidad, de la conciencia crítica y la autoestima, del conocimiento y respeto de
otras culturas. Luis Enrique López (1997) define muy claramente este concepto
amplio de interculturalidad:
La interculturalidad es vista, a la vez, como opción de política
educativa, como estrategia pedagógica y como enfoque
metodológico.
Como
opción
de
política
educativa,
la
interculturalidad constituye una alternativa a los enfoques
481
homogeneizadores y propende a la transformación de las relaciones
entre sociedades, culturas y lenguas desde una perspectiva de
equidad, de pertinencia y relevancia curricular; es además una
herramienta en la construcción de una ciudadanía que no se base en
la exclusión del otro y de lo diferente. (López, 1997p.57)
Añade que, como estrategia pedagógica, constituye un recurso para construir una
pedagogía diferente y significativa en sociedades pluriculturales y multilingües.
Además que como enfoque metodológico, se basa en la necesidad de repensar la
relación conocimiento, lengua y cultura en el aula y en la comunidad, para
considerar los valores, saberes, conocimientos, lenguas y otras expresiones culturales
de las comunidades étnicas como recursos que coadyuven a la transformación
sustancial de la práctica pedagógica.
Trabajar para el logro de una competencia comunicativa interactiva intercultural
debe significar brindar herramientas para que los alumnos, como agentes sociales,
puedan participar activamente desde su campo de acción individual en la
construcción de una sociedad respetuosa de la diversidad, donde se fortalezcan los
canales de cooperación y la confianza, la igualdad de derechos y oportunidades, el
interés positivo por el otro y la voluntad de aprendizaje.
Esperamos, con nuestra propuesta de materiales y la intervención didácticopedagógicas que ofrecemos, contribuir a la formación ciudadana de las jóvenes y los
jóvenes a partir del aprendizaje de una segunda lengua, brindándoles herramientas
que los habiliten como participantes activos en los grupos y en las comunidades de
las que forman parte.
Pensamos que para ellos se tratará de una experiencia sumamente enriquecedora y
valiosa que les permitirá conocer otras realidades, ejercitarse en la práctica de la
reflexión crítica y la expresión de sus ideas, conocer el funcionamiento de otras
sociedades y realidades de otros jóvenes, participar en debates constructivos.
Favorecer la creación de contextos participativos juveniles significa también aportar
al protagonismo cívico de las jóvenes y los jóvenes, permitiéndoles desarrollar
identidades y sentimientos de pertenencia a un nosotros común, e implicarse
activamente en la esfera pública, ejerciendo sus derechos y reclamando su
participación en la toma de decisiones colectivas.
482
Para concluir, expresamos que una educación intercultural implica no clasificar a las
personas y a los hablantes en función de una supuesta cultura (habitualmente
asociada a un lugar de residencia, origen, etc.; de hacerlo desvirtuamos todo lo que
son como personas. Lo cultural es aquello que cada persona es y manifiesta en las
interacciones con los otros. La educación intercultural sitúa el foco de la reflexión y la
práctica educativas en lo cultural y considera que la diversidad es la norma en
cualquier grupo de personas. (Aguado,2003)
Bibliografía
Abdallah-Pretceille, Martine (2006). Lo intercultural como paradigma para pensar la
diversidad. Actas del Congreso INTER (CD). UNED. Madrid
Aguado, Teresa, 2003, Pedagogía Intercultural, McGraw-Hill, Madrid
Cantero, Francisco José y Clara De Arriba (2004) «Actividades de mediación
lingüística
para
la
clase
de
ELE»,
Disponible
en
http://www.mec.es/redele/revista2/cantero_arriba.shtmll [consulta: julio de
2012], Red ELE 2.
Cantero, Francisco José y Antonio Mendoza (2003) «Conceptos básicos en didáctica
de la lengua y la literatura», en Didáctica de la Lengua y la Literatura, compilado
por Antonio Mendoza, Pearson Educación, Madrid, pp. 33-78.
Cantero, Francisco José (2009) «Complejidad y competencia comunicativa», Rev.
Horizontes
de
Lingüística
Aplicada,v.7,n.1,p.71-87.
Disponible
en:
http://seer.bce.unb.br/index.php/horizontesla/article/view/2994/2596
[consulta: julio de 2012]
Fanjul, A. Da Silva Castela, G. org. (2011) Línguas, políticas e ensino na intregraçao
regional. Assoeste, Cascavel.
Grupo INTER (2005). Guía INTER. Una guía práctica para aplicar la educación
intercultural en la escuela. Servicio de Publicaciones del MEC. Madrid.
López, Luis Enrique (1997) «La Diversidad Étnica, Cultural y Lingüística
Latinoamericana y los Recursos Humanos que la Educación Requiere», Revista
Iberoamericana de Educación n. 13, pp. 47-98
483
Mendes, E. Org. (2011) Diálogos interculturais: Ensino e formaçao em portugués
lingua estrangeira. Editora Pontes, Campinas.
i
Los títulos de la serie son: Tribus urbanas, Nuevas formas de comunicación, Música de Garage, Participación
ciudadana, Espacios adolescentes en entornos rurales. Coproducción entre el CePIC-ECI y la Facultad de
Lenguas de la Universidad Nacional de Córdoba, en el marco del Proyecto "Comunicándonos sin fronteras". El
equipo de trabajo estuvo compuesto por Productor en Jefe: Guillermo Iparraguirre, Productora ejecutiva:
Elizabeth Vidal, Asistente de producción ejecutiva: Amelia Orquera, Asistente de Producción: Yanina Arraya,
Cámara: Rafael Caminos y Manuel Vivas, Edición: Manuel Vivas, Posproducción, animación y gráfica: Rafael
Caminos, Directora del Proyecto: Prof. Fanny Bierbrauer. Facultad de Lenguas-UNC, Codirector: Prof. Richard
Brunel Matías. Facultad de Lenguas-UNC, Codirectora: Mgter. Elizabeth Vidal - Departamento Universitario de
Informática-UNC, Organizaciones asociadas: Departamento Universitario de Informática-UNC, Escuela de
Ciencias de la Información-UNC.
Los videos están disponibles en el siguiente enlace:
http://www.youtube.com/playlist?list=PL50CB0035F4A54C14
ii
Cantero, Francisco José, (2009) «Complejidad y competencia comunicativa», en Congreso Horizontes de
Lingüística Aplicada, Brasilia. Pág. 8
iii
En nuestro proyecto trabajamos también desde los enfoques plurales en la enseñanza de lenguas proponemos
a los adolescentes y jóvenes brasileños, nuestro público meta, el desarrollo de competencias parciales
plurilingües y pluriculturales. Tenemos una visión ecléctica que propicie la mejor implementación del trabajo
con el material producido dentro y fuera del aula
484
AS PRÁTICAS ESCRITURAIS EM DOCUMENTOS
HISTÓRICOS DE CÓRDOBA COLONIAL,
COMO REPRESENTAÇÕES
DE COMUNICAÇÃO
COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL
Licenciada Raquel Maggi
Licenciada Ángela Pino
A Sociedade entre Cordobeses e Portugueses.
A descoberta do ouro nas minas de Potosí produzido na Coroa Portuguesa, a
necessidade de centralizar e organizar a exploração do trabalho no Brasil através da
criação do primeiro governo geral na Baía de todos os Santos. De outros territórios
distantes pertencentes à coroa espanhola foi o Governo de Córdoba del Tucumán,
com uma posição estratégica importante como um meio de comunicação entre o
porto de Buenos Aires e a estrada ao Alto Peru. Esta posição trouxe uma série de
ações comerciais, administrativas, jurídicas e econômicas, nascido em grande parte
pela atração oferecida por metais em Potosí e fabulosos ganhos obtidos pela prática
do comércio de escravos na região. A este respeito, são numerosos e variados
documentos que testemunham essas operações, cujos testemunhos manuscritos são
creditados pelo património documental que agora mantém o Arquivo Histórico de
Córdoba.
O texto a seguir dá conta disso:
(…) e vem um jentes ansimismo do Brasil para o porto de Buenos Aires e della terra para a
cidade de Córdoba e della às províncias do Piru, costurar o mais nezecaria e melhor azertada
de todos os Yndias relativamente curto caminho para ir para o Piru Potosi e lagoas Espanha
ay e menor trabalho (...)1
485
Córdoba foi o caminho que permitiu aos comerciantes da Província de Tucumán,
como também os comerciantes portugueses prosperarem em práticas de negócios
legais e ilegais e vão constituir redes de empresas sólidas com frutos da terra, troca
de mercadorias importadas e compra e venda de escravos.
Este tipo de contrato é evidenciado:
(…) Gaspar Díaz Suarez, da nação portuguesa, residente o presente na cidade de Córdoba
vende para Diego López de Lisboa, seu vizinho, uma escrava negra, de Angola, chamada
Blanca, 20 anos de idade por quatrocentos pesos atuais, comprometendo-se com a comida,
segurança e saneamento da escrava. Testemunhas: Diego Carrasco del Castillo, Francisco
Lopez Correa e Francisco Narbaez .Escrivão público: Juan de Ocaña. 2
No início do século XVII os escravos eram objetos do maior volume de circulação de
mercadorias entre o Brasil e a Província de Tucumán e de grande valor para os
impactos econômicos e sociais que acarretavam para a comercialização. Conforme
Assadourian, Córdoba foi uma cidade que agiu como um centro de transporte e
distribuição do comércio de escravos, de 1595 até 1610 539 negros pelo valor de
143.821 $ (Assadourian, C.:1965). . 1 AHP Registro 11606-1607.fs, 174rto 172
Também pela localização, Córdoba uma cidade interiorana, favoreceu a instalação
das sociedades marítimas que foram dedicadas exclusivamente para o comércio de
escravos, que eram grandes empresas de relações diretas com Brasil e Angola.
Córdoba procurou abandonar o papel de cidade intermediária, para obter maiores
lucros no tráfego comercial.
Expressa o contrato comercial escrito por um dos seus membros:
(...) Eu, Lorenço Garçes coloco meu trabalho, minha ocupação e minha diligência,
comprometo me a ir com o dinheiro da cidade para o gênero do Rio Genero (sic)( das
províncias do Brasil neste ano e que a viagem será feita em nome de Deus e utilizar esse
dinheiro para a compra de escravos negros da Guiné e com eles me obrigo a retornar, em
seguida, ao porto de Buenos Aires, no primeiro navio , para que estes escravos vão para a
Imperial Villa de Potosí, por conta e risco desta companhia e às custas dela, onde (os escravos)
serão vendidos ou trocados na forma e na ordem, conforme declaração desta escritura (...) 3
Nós não podemos ignorar que as necessidades econômicas de uma pequena
população da nascente cidade de Córdova, fez com que a maioria de seus moradores
486
participassem do comércio de escravos ou seja, comprá-los em Buenos Aires, para
vendê-los em Córdoba ou Potosi. Outra modalidade era entregar dinheiro e
mercadorias para os comerciantes adquirirem os escravos no Brasil e Angola. Estas
estratégias eram necessárias para negócios com os comerciantes potugueses e fazêlos sócios, porque a operação exigia grandes riscos.
Tudo por escrito
O "Português" deixou suas pegadas escritas em documentos, costumes e palavras,
permanecendo por séculos suas impressões em diferentes palavras das línguas
latinas. A expulsão dos judeus das coroas espanhola e portuguesa contribuiu para
que inúmeros portugueses chegassem às terras do interior, como a Província de
Córdoba: eram os chamados cristãos novos ou convertidos. Com a criação da
Companhia Geral de Comércio de Tráfico com o Brasil, em 1649, os convertidos ou
cristãos foram os sócios mais poderosos. Estes novos comerciantes instalaram-se nos
principais portos, como Rio de Janeiro, Pernambuco, Buenos Aires e outros portos
americanos e Antilhas. Notamos nas pesquisas, a presença portuguesa em censos,
registros, livros, registros de
batismos ou de registros dos tribunais de várias
instâncias, protocolos ou escrituras de venda de escravos. Os mais comuns nos
arquivos de Córdoba são aqueles relacionados ao comércio, no início do século XVII,
como contratos comerciais ou contratos particulares entre os indivíduos, que eram
realizados perante os escrivães públicos, nomeados pelo Rei. Aumentaram as
atividades dos escrivães e, consequentemente, o contexto cultural das escritas, que
eram feitas em todos os tipos de manifestações. As Monarquias viam crescer seus
volumes de documentos, devido ao aumento da burocracia. É como o documento
moderno, que diminui o seu valor como objeto raro ou como um fetiche, para tornarse legal, administrativo ou instrumento de comunicação oficial, ou privada por
excelência. Entretanto continua mantendo uma riqueza de informações e
testemunhos de mudanças nas estratégias de ação e comunicação de textos escritos. 3
AHP Registro 1 1602 Protocolos 1593.Folio 1
487
De acordo com investigações feitas por Darcy Ribeiro, a principal função da Bahia e
de Pernambuco foi aportuguesar o Brasil. Isso se deu, graças à maioria dos negros que
ingressaram no Brasil . Os negros, ao desafricanizarse e ter que viver e conviver em
um ambiente totalmente novo e imposto, tiveram de aprender a língua de seu
mestre ou capataz, à custa de gritos e maus-tratos, a fim de comunicarem-se uns
com os outros, porque aos negros não era permitido ficarem juntos, os que
pertencessem a uma mesma origem africana, ou que vivessem no mesmo espaço de
trabalho ou nos engenhos.
Este foi também, um dos motivos pelos quais, a língua tupi, falada no primeiro
século, (quando da colonização), se fixou em São Paulo até os anos 1700 e
sobrevivendo no Paraguai, fosse cedendo espaço ao linguajar português-brasileiro
“adoçado” pelo jeito de falar do negro, mais parecido com o Português falado na
África. Por este motivo, conforme Darcy, ficou mais fácil para os brasileiros o
entendimento com eles (os africanos) do que com um habitante de Portugal (Ribeiro)
( D: 1992).
MIGUEL TELEZ MENESES-PORTUGUES 1776
Don Miguel Teles Meneses Sodre hace presente a V.S. que siendo natural de Portugal y
hallándose de Theniente de Exercito, en servicio de S.M fidelissima fue hecho prisionero en el
año de 1776 por las armas de S.M. Catoholica desde cuyo tiempo prendado del Real Servicio
de tan gran Monarca, le emprendió (sic) en esta ciudad y sin haver querido usar del indulto
488
que los tratados de paz [sobrerenglon:proporcionaran] para el regreso de los prisioneros
dedico todo su celo, y actividad al arreglo de los mismos destinados a esta ciudad que
amenazada de los indios nesessitaba mas que las diferiencias (sic) que había entre estos para
sujetarse a una verdadera subordinación, consiguio formar una compañía de quatrocientos y
quarenta hombres voluntarios con que guarnecio el Pueblo, y el Fuerte de San Carlos en el
conflicto de ser invadido por los indios de cuyo procedimiento resultó que el Exelentisimo
Señor Don Pedro de Ceballos previniesse al Corregidor que era entonces Don Jose Sebastian
de Soto Mayor, le nombrasse Capitan de ellos como se verifico en 6 de Abril de 1777 y cuyo
empleo sirvió a satisfacción de sus Gefes haviendose
hallado en todas quantas salidas y destacamentos de consideración han ocurrido hasta el
presente según consta de los documentos que acompaña en testimonio; que en 8 de Mayo de
1780 fue nombrado Sargento mayor de estas Milicias por el Excemo Señor Virrey Juan Josè de
Vertiz (…)
(..) se halla en una total indigencia para mantener la decencia de su carrera y nacimiento (sic)
y el de una Señora de lo más distinguida de esta ciudad con quien ha contraído Matrimonio,
exponiendo que aspiraba a que el mérito que hace contar, le alcanzasse de la Real piedad (…)
(…) assi lo espera de la justificación de V.S por constarle las legítimas y fundadas causas con
que solicita su protección para el alivio de las estrechezes que le oprimen.
Miguel Zeles Meneses Sodre [firma rubricada]
Concluindo, podemos afirmar que não podemos separar o suporte material e o
conteúdo discursivo de uma escrita: a escrita expressa a necessidade de se
comunicar, compartilhar e transmitir através de suas práticas, os sinais ou as
imagens, os caminhos que constituem a nossa própria identidade, como construtores
de cultura e história.
A Representação Escrita como instrumento legitimador de Poder
489
Na cidade de Córdoba encontra-se em conservação documentos históricos em
diversos arquivos da Provincia que datam do século XVII, os quais nos interpelam
em várias dimenções acerca da presença portuguesa e espanhola e seus vestígios por
estes lares.
12-09-1602: Eu Francisco Pereyra natural do povo de São Jorge no arzobispado de Braga e
juridição da Villa de Barcelo, estante (sic) otorga poder especial a Paulo Pereyra seu irmão,
residente na Villa de Marin capitania de Pernambuco, para fazer informação sobre sua filiação
e sua condição de homem livre. Testificantes: Diego Hernández, Francisco Narváez, e
Francisco de Victoria.
Consideramos necessário refletir a questão da comunicação desde um contexto
histórico, no qual estes textos viriam a informar de um sistema de reparto de
propriedade de terras, compra-venda de sujeitos tratados como coisas. Nesta cena é
inviável a comunicação, aliás, não existe, e nos confronta com o que trouxe o
chamado projeto colonizador, projeto geopolítico fundante, tanto espanhol quanto
português no Conosul, onde índio, negro e mestiço foram os principais corpos
submetidos ao serviço de um tipo de produção econômica do sistema colonial.
Dizemos corpos submetidos, sujeitados tanto no plano real quanto simbólico e
imaginário a uma praxis ideológica, política e social que instalou-se desde un
constructo teórico que podemos ver, para dar um exemplo, o Conde Gibineau, quem
desde sua posição teórica promove a negação do outro entanto existencia outra,
negação de suas visões, significações, cosmogonias. Nesse contexto o projeto político
europeu tenta instalar um tal sono civilizador com um discurso do qual poderiamos
inferir de contraste:“o superior” fortemente identificado com o amo em contraposição
com o inferior. Essas duas categorias como elementos antagônicos negaram toda crisis.
11-07-1602. Venta de escravos capitão Alonso de la Cámara, vizinho, vende a Alonso
Rodriguez de Roa, estante (sic), cuatro escravos negros de Angôla, chamados Isabel de vinte e
cinco anos, que comprou ao capitão Baltazar Gallegos; Lucrecia de dezessete anos que trouxe
do Brasil Diego Lopez de Lisboa Juliana de quinze anos comprada no 4AHP Registro 1.1602.
porto de Buenos Aires e Pedro de dezesseis anos ao que comprou nesta cidade a Fabian
Maldonado, todos eles livres de hipoteca. Testificantes: Manuel Machado, Fernando de
Bustamanete, Francisco de Victoria espanhoi.5
490
Nos textos-documentos aqui apresentados, vemos como se naturaliza um sistema de
reparto, compra-venda de negros escravizados desterrados da Àfrica. Estas visões
vieram a obturar todas as tensões nesse projeto.
Existem posições epistemológicas que explicam o exposto desde o fenomenológico,
fazendo descripções de clichés, estereótipos que funcionalmente têm colaborado a
obturar o abismo.
Para Jean Paul Sartre a negritude simboliza a negação da negação, o homem negro é
um momento de passo e não um término, um médio e não um fim
último.(Sartre,J.P.:1947).
Podemos perceber a contrução racial no espaço colonial, em cujo pensamento
hegemônico o índio, negro, mestiço entraram em um campo de serviço nas unidades
de produções econômicas do colonato: ora fazendas, ora estâncias, ora reduções
religiosas ou casa grande. Podemos registrar, também a forte participação das
órdenes religiosas, as quais, colaboraram ao disciplinamento e controle dos sujeitos
dispostos na produção de uma plusvalia que provinha do comércio.
Desde uma perspectiva antropológica, Alejandro Grimson (1968:133) diz que
Durkheim concebia uma agrupação ideal onde os seres humanos têm organizado
sistemas de similitudes e diferenças a partir do conhecimento dos outros,
organizados de maneira diferente de un nós. Esta diferença implica um fato
cognitivo fundamental no sentido que permite estabelecer um primeiro limite,
conceito fundacional de toda clasificação.
Estas taxonomias têm por objeto estabelecer relações de subordinação e coordinação
cujas partes ficam dispostas segundo uma ordem hierárquica o qual mostra
novamente a origen social das clasificações, já que na sociedade para esta teoria,
existiriam os superiores, os inferiores e os iguais. Neste corpus teóricoepistemológico e de acordo à posição de Durkheim a sociedade só seria possivel se os
sujeitos e os grupos se encontrarem clasificados uns em relação a outros. Aqui
491
poderíamos perguntar em que categoria entrariam homens e mulheres vendidos
como coisas?
5AHP.Registro 1.Año 1602.
Por último queremos colocar a questão da violência simbólica inserida no tecido
cultural, e refletir em relação ao poder por parte dos sujeitos e instituções envolvidos
e cujos objetivos têm sido a acumulação de poder simbólico e económico, como
instalaria Pierre Bourdieu. Estes documentos que aqui apresentamos constituem a
representação de um instrumento legitimador que contribuiu à construção cultural,
ideológica e política da dominação de uns sobre outros.
O documento, capital real e simbólico, é uma testemunha do projeto colonizador,
veículo estruturante da prática de violência e do submetimento, tanto espanhol
quanto português desde as Antilhas até o Conosul na conquista lusohispanoamericana da empresa européia. Nesta palestra se abrem as seguintes
interrogações: como poderíamos pensar um projeto de integração na região? Quê
tipo de comunicação poderia existir sem cair no dispositivo superior, inferior como
Durkhein sostinha e que ainda convivem no imaginário, nas práticas e nos discursos
coletivos que deixam por fora um entre-nós?
Para finalizar este aporte, levamos a consideração que os discursos nestes
documentos têm um nó da complexa conformação imaginaria do sistema colonial
que nos convidam a refletir, desentranhar este presente.
Ao dizer de Aimé Césaire:
A negritude ante meus olhos não é uma filosofía
A negritude não é uma metafísica
A negritude não é uma pretensiosa concepção do universo,
É uma maneira de viver a história na história:
A história de uma comunidade onde a experiência
Aparece a dizer verdade singular,
Con suas deportações de populações
Suas transferências de homens, mulheres, crianças.
492
De um continente a outro.
Aimé Césaire:
Bibliografía
ASSADOURIAN, Carlos S.: El tráfico de Esclavos en Córdoba. De Angola a Potosí. Siglos
XVI-XVII.. Facultad de Filosofía y Humanidades. Instituto de Estudios
Americanistas “Doctor Enrique Martínez Paz”. Cuadernos de Historia
NªXXXVI. Dirección General de Publicaciones. Córdoba 1966.
BOURDIEU,, Pierre. La Estructura Social de la Economía Edit. Siglo XXI .2000.
BOURDIEU, Pierre. Capital Cultural, Escuela y Espacio Social. Edit. Siglo XXI .2001
CELTON, Dora, (coord.)Poblaciones históricas fuentes, métodos y líneas de investigación.
Serie Investigaciones Nº 9 -2009
CESAIRE, Aimé. Discurso sobre Colonialismo y Negritud en la Florida, Internacional
University. 1987.
DA MATTA, Roberto. O que faz, Brasil Brasil? Edit. Rocco .1984.
FIGUEROA, Mariano F.Notas sobre Afronegrismos en Documentos Americanos del Caribe
en los siglos XVI y XVII. Alap Editor.2009
GRIMSON, Alejandro. Interculturalidad y Comunicación. Edit. Siglo XXI Editores. 1999
REITANO, Emir: Ascenso social consolidación y prestigio.El caso de los portugueses y sus
redes socio familiares en el Buenos Aires tardo colonial, en Trabajos y
comunicaciones
(2ª
Época)2006-2007
nª32-39.pp
115-139
http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.3336/pr.3336.pdf.co
nsultado el 15 de setiembre de 2012
RIBEIRO Darcy, Carlos de Araujo Moreira: La Fundación de Brasil: Testimonios 15001700.Fundaciòn biblioteca Ayacucho. Venezuela 1992.
SARTRE, Jean Paul.Discurso sobre el colonialismo. Cuaderno de un retorno al país natal.
1947.
TANODI, Branka: Directora de la publicación: Aproximaciones a las fuentes históricas de
Córdoba Colonial – Paleografía y Diplomática, Cuaderno de Cátedra – 2ª edición,
Córdoba, ed. Brujas, 2005 (ISBN 987-1142-79-x)
TANODI, Branka “La escritura en la época colonial em Córdoba - Argentina”, en
Caderno de Arquivologia Nº 3, Departamento de Documentaçao, Universidad
Federal de Santa María, Rio Grande do Sul, Brasil, 2007.
493
A CAMINHO DE UMA COMPREENSÃO LEITORA
INTERCULTURAL:
INTERCULTURAL: EXPERIÊNCIA
EXPERIÊNCIA NOS CURSOS DA
FACULTAD DE FILOSOFÍA Y HUMANIDADES, UNC
Sonia Regina Silva Tarabiniiii
“O velho mundo está morrendo.
O novo demora em aparecer.
E nesse claro-escuro surgem os monstros”.
Antonio Gramsci
Resumo
O presente trabalho faz parte de um projeto maior, a Apostila de Compreensão Leitora em
português, do Departamento de Idiomas para Fines Acadêmicos (DIFA) da Facultad de
Lenguas, para a Facultad de Filosofía y Humanidades, da UNC. Esta apostila está dirigida a
alunos universitários dos cursos de: Antropologia, Archivologia, Ciências da Educação,
Filosofia, História e Letras. A Apostila está dividida em sete Unidades Temáticas, com textos
autênticos em português, sobre alguns aspectos da realidade brasileira em relação a assuntos
relevantes e significativos para os alunos. A abordagem é linguística e intercultural, quer
dizer, os alunos não somente aprenderão a língua portuguesa, mas também a cultura brasileira.
E aqui aparece um grande desafio – que cultura apresentar? Ao confeccionar o material
didático levamos em conta essa reflexão e pensamos que a cultura deve ser problematizada,
ou seja, apresentar conflitos, como é na realidade. Por isso, neste caso vamos analisar dois
textos incluídos na Unidade 4 da apostila, que estão atravessados por essa cultura brasileira
problematizada, como é o caso da inserção de alunos indígenas na Universidade, através de
cotas afirmativas, em seus aspectos positivos e negativos; numa abordagem em que
trabalharemos as categorias de preconceito/ discriminação, igualdade/diferença e
empoderamento.
Palavras chaves: cultura problematizada, abordagem intercultural, entendimento crítico.
Resumen
494
El presente trabajo es parte de um proyecto más amplio, el Manual de Comprensión Lectora
en portugués, del Departamento de Idiomas con Fines Académicos (DIFA) de la Facultad de
Lenguas, para la Facultad de Filosofía y Humanidades, de la UNC, Este manual se dirige a
alumnos universitarios de las carreras de: Antropología, Archivología, Ciencias de la
Educación, Filosofía, Historia y Letras. El manual está dividido en siete unidades temáticas,
con textos auténticos en portugués, sobre algunos aspectos de la realidad brasileña en relación
a temas relevantes y significativos para los alumnos. El abordaje es lingüistico e intercultural,
es decir, los alumnos no solo aprenderán la lengua portuguesa, sino también la cultura
brasileña. Y aquí surge un gran desafío, ¿qué cultura presentar? En la confección del material
tuvimos en cuenta esa reflexión y creemos que la cultura debe ser problematizada, es decir, la
cultura presenta conflictos, como lo es en realidad. Por ello, en este caso vamos a analizar
dos textos de la Unidad 4 del manual, que están atravesados por esa cultura brasileña
problematizada, como es el caso de la inclusión de alumnos indígenas en la Universidad, a
través de “cotas afirmativas”, en sus aspectos positivos y negativos; en un abordaje en que
trabajaremos las categorías de prejuicio/ discriminación, igualdad/diferencia y
empoderamiento.
Palabras claves: cultura problematizada, abordaje intercultural, entendimiento crítico.
Introdução
O presente trabalho faz parte de um projeto maior, o material didático de Compreensão
leitora de Português para alunos da Facultad de Filosofía y Humanidades, da Universidad
Nacional
de
Córdoba(UNC),
dado
pelo
Departamento
de
Idiomas
com
Fins
Acadêmicos(DIFA), da Facultad de Lenguas da UNC.
Devido ao interesse e a curiosidade dos alunos pela cultura brasileira além da língua
portuguesa, decidimos adotar uma orientação não somente linguística (Didática Contextual),
mas também intercultural (DMIS- The Developmental Model of Intercultural Sensitivity –
Modelo para o desenvolvimento da Competência Intercultural) neste material.
Sabemos que a língua faz parte da cultura e também é o meio essencial através do qual se
exprimem as práticas culturais e as crenças dos grupos sociais. É por isso que todo
intercâmbio comunicativo leva junto uma dimensão cultural. O ensino de uma língua não se
circunscreve somente à competência linguística, mas abrange também a relação entre a língua
e as práticas culturais e as crenças de um grupo, porque estas últimas têm um papel
importante nas interações comunicativas. Portanto, o ensino e a aprendizagem de línguas
495
estrangeras têm que estar sempre em relação com o contexto social, político econômico e
cultural onde se desenvolvem.
O material didático está formado de sete unidades temáticas sobre o Brasil, em diferentes
aspectos culturais, levando em conta a heterogeneidade dos alunos de Humanidades: Artes,
Antropologia, Arquivologia, Ciências da Educação, Filosofia, Letras e História. Diante dessa
diversidade de experiências acadêmicas e pessoais, adotamos teorias que se complementam e
podem dar ao aluno uma vivência intercultural, através de textos autênticos em português, que
refletem uma parte da realidade brasileira quanto à língua e à cultura e que sejam relevantes
para eles. Queríamos que o aluno fizesse um curso engajando-se intensamente, e que não
fosse um mero “fluent fool”, expressão criada por Winston Bremback e usada por Milton
Bennett, e que significa uma pessoa que conhece uma língua mas nada da cultura dessa
língua.
Na comunicação abordaremos dois textos que fazem parte da Unidade 4 (Indios: Os antigos
donos da terra), Gónve quer voar e A igualdade não é branca, de Clóvis Victória, exemplos
de textos atravessados por uma cultura problematizada e que tratam da inserção do indígena
na universidade pública do Brasil, através do sistema de cotas. A abordagem será feita
segundo alguns aspectos das teorias mencionadas.
Detalharemos brevemente as teorias e usaremos delas o que for mais relevante para nossa
análise.
Didática contextual
No linguístico, o enfoque que escolhemos é o da Didática Contextual porque é integrador,
propõe o ensino não só dos aspectos do código (conteúdos declarativos), estratégias de leitura
(conteúdos procedimentais), mas também aspectos do contexto a partir dos quais adquirem
sentido os elementos linguísticos e a estratégia de leitura. Em uma proposta áulica contextual
são prioridade os textos e os propósitos de leitura. Para que os textos sejam considerados
elementos do contexto, os textos propostos devem ser materiais “autênticos”, atraentes,
funcionais e apropriados às necessidades e interesses dos alunos, para conseguir uma
496
aprendizagem contextualizada e significativa. Em relação ao projeto de leitura ou propósito de
leitura, segundo Charmeux (op. Cit.: 90,1987; em Dorronzoro 2005:25) o leitor pode fazer
leituras para si, “texto-leitor” e outras leituras ao exterior, leituras a serviço de um projeto
social, e escolar ou não. Para Charmeux (op.cit.:53,1987: em Dorronzoro 2005:26): “ Saber
ler é ser capaz de servir-se de um texto escrito para fazer um projeto que pode ser ações para
realizar (práticas ou cognitivas) ou de prazer... Esta realização do projeto é também o que se
chama compreender”. A didática contextual entende a leitura como um diálogo entre o autor e
o leitor através do texto. Desta forma, não há subordinação nem do leitor ao texto (Didática
declarativa) nem do texto ao leitor (Didática procedimental). A didática contextual permite a
superação do aspecto individual dos conhecimentos declarativos e procedimentais. As
propostas contextuais não se centram só no processo de ensino e no de aprendizagem, mas
consideram em conjunto aos sujeitos, ao objeto de conhecimento e ao contexto, no qual se
desenvolvem estes processos.
O DMIS
A abordagem intercultural que privilegiamos é o DMIS que se trata de um modelo para o
desenvolvimento da competência intercultural e foi criado por Milton Bennett(1986,1993),
como um marco de trabalho para explicar as reações das pessoas diante das diferenças
culturais. Ele notou que os indivíduos enfrentam diferenças culturais de maneira previsível à
medida que aprendem a se tornar comunicadores interculturalmente mais competentes.
Bennett, a partir de conceitos de psicologia cognitiva e do construtivismo, organizou as
observações em suas etapas de nascente sensibilidade à diferença cultural. O desenvolvimento
do DMIS se divide em duas fases: Etnocêntrica e Etnorrelativa. Na primeira, os sujeitos
experimentam sua própria cultura como o centro da realidade. Nesta etapa se vê a diferença
cultural como uma ameaça, implícita ou explícita. Na segunda, significa que os sujeitos
experimentam sua própria cultura no contexto de outras culturas. Reconhece-se a diferença
cultural como uma forma enriquecedora da própria experiência e um meio para entender o
outro.
A fase etnocêntrica se divide em três etapas:
Negação (Denial): se recusam outras culturas através de uma separação física e psicológica
diante das diferenças culturais. Geralmente os sujeitos não se interessam por diferenças
497
culturais, no entanto, podem atuar de forma agressiva para eliminar uma diferença que os
afetem.
Defesa (Defense): se vê a própria cultura como a melhor. O mundo se divide entre “nós e
eles”, onde o “nós” era superior e “eles” era inferior. Nesta etapa os sujeitos se sentem
ameaçados pelas diferenças culturais, por isso tendem a criticar muito outras culturas, sem se
preocupar se os outros são seus anfitriões, convidados ou recém-chegados.
Minimização (Minimization): se minimizam as diferenças culturais e se esperam
semelhanças entre as culturas, e se corrige o comportamento dos outros segundo as
expectativas que se esperam. As outras culturas podem ser consideradas triviais ou românticas.
A fase etnorrelativa apresenta as seguintes etapas:
Aceitação (Acceptance): os sujeitos experimentam a própria cultura como uma mais entre
outras igualmente complexas. Aceitação não significa estar de acordo, as diferenças culturais
podem ser julgadas negativamente, mas o julgamento não é etnocêntrico.
Adaptação (Adaptation): a experiência de outras culturas traz percepção e costumes próprios
delas. Expande-se a própria visão de mundo dos sujeitos ao incluir na sua, constructos de
outras culturas, o que lhes permite ver o mundo com outros olhos e inclusive podem mudar
sua maneira de ser, para comunicar-se mais eficazmente na outra cultura.
Integração (Integration): nesta última etapa do etnorrelativismo, os sujeitos expandem sua
própria identidade para incluir outras visões de mundo e estão tratando de sua própria
“marginalidade cultural”.
Neste modelo se podem ajustar os níveis linguísticos e os de sensibilidade intercultural, ao
combinar no nível elementar as etapas de negação e defesa, no nível intermediário a
minimização e a aceitação e no nível avançado a adaptação e a integração. Com este modelo,
o professor dispõe de dois caminhos: aprendizagem intercultural e competência intercultural.
O modelo considera que o essencial na aprendizagem de uma cultura não é só o conteúdo,
mas a capacidade para mudar as perspectivas culturais, desenvolvendo uma “mente
intercultural”.
498
Cultura problematizada
No que se refere à cultura problematizada não existe uma teoria em que a fundamente, mas
considerações teóricas a partir das quais desenvolvemos esta forma de ver a cultura levando
em conta o que dizem os seguintes autores:
Boaventura Santos (2003): “As pessoas e os grupos sociais tem o direito de ser iguais quando
a diferença os inferioriza, e o direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.
(p.10).
Vera Maria Candau, por sua vez, diz que “não se pode pensar numa igualdade que não
incorpore o tema das diferenças, o que supõe lutar contra todas as formas de desigualdade,
preconceito e discriminação”. (Candau, 2003,p.6).
Esta autora reconhece que a abordagem intercultural que privilegia se aproxima do
multiculturalismo crítico e revolucionário de Mc Laren (1997 e 2000), que parte da afirmação
de que o multiculturalismo tem que ser situado a partir de uma agenda política de
transformação, sem a qual corre o risco de se reduzir a outra forma de acomodação à ordem
social vigente. Ele se recusa a ver a cultura como não conflitiva, argumenta que a diversidade
deve ser afirmada “dentro de uma
política crítica e compromisso com a justiça
social”.(1997,p.123).
Outro conceito importante é o “empoderamento”, favorecer processos de “empoderamento”
principalmente orientados aos atores sociais que historicamente tiveram menor poder na
sociedade, ou seja, menores possibilidades de influir nas decisões e nos processos coletivos.
O‘empoderamento” tem também uma dimensão coletiva, trabalha com grupos sociais
minoritários, discriminados, marginalizados, etc., favorecendo sua organização e participação
ativa na sociedade civil.
Em síntese, estas são algumas considerações teóricas em que fundamentamos nossas reflexões.
Abordagem de dois textos autênticos segundo as perspectivas vistas
499
Os textos autênticos que vamos abordar tratam da inserção de alunos indígenas kaigangues na
universidade, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), pelo sistema de cotas.
Por sistema de cotas entende-se uma medida governamental que cria uma reserva de vagas em
instituições públicas ou privadas para determinados segmentos sociais. É considerada uma
forma de ação afirmativa, segundo conceito surgido nos Estados Unidos na década de 1960. O
sistema de cotas visa a acelerar um processo de inclusão social de grupos à margem da
sociedade. O conceito de cotização de vagas aplica-se a populações específicas, geralmente
por tempo determinado. Estas populações podem ser grupos étnicos ou raciais, classes sociais,
imigrantes, deficientes físicos, mulheres, idosos, dentre outros. A justificativa para o sistema
de cotas é que certos grupos específicos, em razão de algum processo histórico depreciativo,
teriam maior dificuldade para aproveitarem as oportunidades que surgem no mercado de
trabalho, bem como seriam vítimas de discriminação nas suas interações com a sociedade. A
política de cotas é uma iniciativa de cunho institucional incentivada pelo Governo Federal. As
universidades possuem autonomia para a definição de suas políticas afirmativas, inclusive em
relação à adoção de sistema de cotas. O Projeto de Lei número3913/2008 que institui o
sistema de cotas nas instituições federais de educação profissional, tecnológica e superior
encontra-se em tramitação no Congresso Nacional. O sistema de cotas é considerado uma
medida polêmica, gerando debates acalorados nos círculos acadêmicos. É algo que divide
opiniões, embora seja um consenso de que algo deva ser feito para a diminuição das
desigualdades entre os cidadãos e grupos sociais. Alguns argumentam que o problema é de
base e que atacar as consequências não resolve o problema, apenas cria outro. A Ufrgs é uma
das universidades brasileiras com programas de ação afirmativa e reserva dez vagas para
todas as comunidades indígenas do estado.
No que se refere aos textos que vamos abordar, o primeiro “Gónve quer voar” (Clóvis
Victória, Extra Classe, Maio/2012), trata da primeira indígena e primeira aluna cotista da
Ufrgs que vai se formar neste ano e que pretende retornar a aldeia para ajudar sua comunidade
como enfermeira. Denize Marcolino, indígena kaingang fez o ensino básico na escola da
comunidade e ingressou na universidade no primeiro semestre de 2008, como cotista, no
curso de Enfermagem. A jovem diz não ter relatos de discriminação para contar, apenas uma
leve desconfiança em relação a sua capacidade de aprendizado. Desconfiança que ela
transformou em potência para jamais ser reprovada em suas disciplinas. Passou sempre,
500
concluiu o curso no tempo certo e agora se forma. Ela diz: “Gosto muito da minha profissão,
sei que através disso vou conseguir ajudar a minha comunidade, principalmente na área da
saúde. Meu plano é voltar para a aldeia depois de concluir o curso. Quero exercer a profissão
na Saúde Pública principalmente na minha comunidade. Mas também quero buscar melhorias
na área da saúde para povos indígenas, em geral, pois há muito a ser feito. Também pretendo
continuar meus estudos, fazer pós-graduação”.
O segundo texto “A igualdade não é branca” apresenta dois indígenas da etnia kaingang,
Lucíola Maria Inácio Belfort 35, e Mauro Vergueiro,22, que ingressaram em 2008 e 2009 na
Faculdade de Medicina da Ufrgs, como cotistas. Ambos esbarraram no preconceito e na
discriminação de professores da própria instituição. Para eles a motivação de se formarem
médicos tem cobrado alto preço. Estudar no Ensino Superior público passou a exigir mais do
que boas notas, frequência às aulas e adaptação, mas também uma luta contra a discriminação
racial. No caso de Lucíola, depois de ouvir que “tirou vaga”, que “lugar de índio não era uma
faculdade como a de Medicina da Ufrgs”, ter sua capacidade de aprendizado muitas vezes
colocada em dúvida e ser insultada por um professor, respondeu com uma ação civil no
Ministério Público Federal(MPF). Quanto a Mauro, devido ao maltrato e atos de
discriminação de professores da universidade, abandonou o curso voltando para sua aldeia.
Felizmente, graças à intercessão de um professor é que continuou os estudos. O sonho dos
dois é melhorar as condições de vida kaingang.
Os textos nos mostram a cultura brasileira em relação ao ingresso na universidade, que
continua sendo um privilegio para poucos e dentre estes certamente não os indígenas e menos
ainda na Medicina. O que também deve ser destacado é que na Cultura brasileira o médico
possui um status acima de todos, o que não ocorre com um enfermeiro. Para conseguir um
acesso a esta faculdade custa muito, a disputa de vagas é muito acirrada. No caso de Denize,
podemos dizer se “empoderou”, usou o empoderamento a seu favor, se potenciou e se tornou
sujeito de sua vida e um ator social, organizando-se e participando ativamente na sociedade
civil. Quanto à Lucíola e Mauro mostraram que têm todo o direito de ser iguais, quando a
diferença os inferioriza, e que podem lutar contra a desigualdade no trato, contra o
preconceito e contra a discriminação. Por isso fazemos nossa as ideias de Peter McLaren de
que se recusava de ver a cultura como não conflitiva e em que a diversidade deve ser afirmada
“dentro de uma política crítica e compromisso com a justiça social”. Como diz Candau
501
devemos reconhecer e assumir os conflitos procurando as estratégias mais adequadas para
enfrentá-los. Outro aspecto interessante a destacar é que todos os estudantes querem saber o
que a outra cultura tem a oferecer e voltar a suas comunidades para beneficiá-las desse
conhecimento, querem dialogar com os saberes.
Estes textos são trabalhados partindo de um projeto de leitura para toda a unidade e passando
pelo linguístico e pelo intercultural. Os dois textos são metafóricos nos seus títulos, o primeiro
Gonve quer voar faz referencia ao nome indígena de Denize, Gonve, que quer dizer pomba e
o segundo A igualdade não é branca se refere ao guarda-pó que os médicos usam e que é
branco igualando-os, mas nesse caso existe um jogo de palavras, a igualdade não é só de
brancos mas de todas as peles, da pele indígena também. Estes textos são os últimos da
Unidade 4, e aqui começamos com o debate, quer dizer, os alunos vão explorar os textos
linguística e interculturalmente através do debate: primeiro, o linguístico como ser os títulos
dos textos e seu sentido metafórico; segundo, entrando no intercultural propriamente dito, vão
investigar e conhecer sobre a comunidade kaigangue no Rio Grande do Sul, o Sistema de
Cotas para o ingresso na Universidade pública como ação afirmativa e os problemas que isso
gera na sociedade brasileira, o ingresso na Universidade e o fato do indígena ser minoria no
Brasil. E só depois desse percurso vai debater as suas opiniões Em relação ao DMIS,
esclarecemos que a fase etnocêntrica de Negação, Defesa e Minimização não acontece aqui, já
que os alunos se identificam mais com a fase etnorrelativa de Aceitação, Adaptação e
Integração. O aluno percorre as diferentes etapas dessas perspectivas até poder chegar a um
grau de entendimento crítico do outro e como diz Gerd Wessling “...aceitar o outro mesmo
sem entendê-lo”.
Conclusão
Como conclusão, podemos dizer que esta experiência didática, linguística e intercultural que
compartilhamos com vocês, começamos há dois anos com o desejo de que o aluno vivesse
outro tipo de experiência áulica que não fosse somente o linguístico. Nossa intenção era que o
aluno fosse além do texto e transferisse suas leituras a uma experiência intercultural, como
bem o diz Marcuschi, “ que transfira o foco de interesse da ação do individuo sobre o texto
502
para a inserção do sujeito na sociedade e no contexto de interpretação ligado a realidade
sociocultural”(Marcushi,2008:232).
Procuramos que o aluno não fosse um “fluent fool” e nessa procura deparamos com a
Didática Contextual, mas queríamos mostrar parte da cultura brasileira e assim encontramos a
Milton Bennettt no intercultural, só nos faltava problematizar a cultura. Nessa etapa o que
procuramos é que o aluno mergulhe nesses claro-escuros da cultura e reaja desde o seu lugarnão queremos que surjam monstros nestas zonas pouco difundidas- e que se torne
interculturalmente competente, com um entendimento crítico do outro. Vamos continuar
explorando essas teorias para despertar o interesse, a curiosidade e o desejo do aluno de entrar
em contato com a cultura brasileira, tão próxima e tão distante ao mesmo tempo.
Por tudo isso, acreditamos que este projeto é um desafio porque queremos transformar a aula
num espaço intercultural em que se debata, se contraste, se dialogue e se negocie criticamente
e a partir desse espaço possamos impedir que surjam os monstros da intolerância, da
discriminação e do racismo num novo mundo que demora em aparecer.
.
Bibliografia
ALONSO MARKS, E. y OROZ BRETÓN, N. (2005). La influencia de los estudios en el
extranjero en la percepción de la cultura anfitriona. Primer Congreso Internacional; El
español,
lengua
del
futuro.
Toledo,marzo
2005.Recuperado
en;
www3.educacion.es/redele/biblioteca 2005/fiape/Alonso_oroz.pdF
BENNETT, M.J. A developmental approach to training for intercultural sensitivity,
International Journal of Intercultural Relations 10 (2), 179-95, 1986
BENNETT, M.J. Towards ethnorelativism: A developmental model of intercultural
sensitivity.In M.Paige (Ed.), Education for the intercultural experience. Yarmouth, M.
E: Intercultural Press., 1993.
BENNETT, M.J. Milton Bennett talks about the DMIS- SIETAREUROPA Journal-March,
2011.
503
CANDAU, V.M. e NEHME SIMÃO e KOFF,A.M . Conversas com...sobre a didática e a
perspectiva multi/intercultural, Educ.Soc.,vol.27,n.95, p.471-493, 2006. Disponível
em http://www.cedes.unicamp.br
CLÓVIS,V. A igualdade não é branca. Extra Classe, p.14, 2012.
CLÓVIS, V.. Gónve quer voar. Extra Classe, p.5., 2012
DORRONZORO,M. I. Didáctica de la lectura en lengua extranjera. En Klett, Estela et al.
Didáctica de las Lenguas extranjeras; una agenda actual. Buenos Aires: Araucaria
Editora, 2005.
GRAMSCHI, A. Perlas cultivadas. Ñ Revista de cultura,p.2, 2012.
IGLESIAS CASAL, I. Construyendo la competencia intercultural: sobre creencias,
conocimientos y destrezas. Disponible en: www.aulaintercultural.org/ IMG /pdf
/Isabel_Iglesias.pdf
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola, 2008.
MOREIRA ALVES,J.R. Considerações acerca do sistema de cotas no Brasil. Instituto de
Pesquisas Avançadas em Educação. Rio de Janeiro, 2010.
OLIVERAS, A. Hacia la competencia intercultural en el aprendizaje de una lengua
extranjera. Madrid, Edinumen, 2000.
PARICIO, M.S. (s/f). Dimensión intercultural en la enseñanza de las lenguas y formación del
profesorado. Revista Iberoamericana de Educación. Recuperado en 8 de agosto de
2011. Disponible en: www.rieoei.org/deloslectores/810Paricio.PDF
VACAS HERMIDA, A. y Benavente, J.C. Hacia la competencia intercultural en el
aprendizaje del español. 2002 Recuperado en 8 de agosto de 2011. Disponible en:
http://www:tierradenadie.de/articulos/intercultura.htm
504

Documentos relacionados