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Especial
4
Cinquenta anos de história
APAE DE SÃO PAULO completa 50 anos e reúne conquistas, experiência e
desenvolvimento científico em prol da pessoa com deficiência intelectual
Artigos
Aspectos biológicos da
deficiência intelectual......................................................... 10
Causas ambientais de
deficiência intelectual......................................................... 16
Direitos e garantias da pessoa
com deficiência: um processo
em construção........................................................................ 22
Envelhecimento e
Deficiência Intelectual........................................................ 26
Pílulas....................................................................................... 3
Mitos e verdades......................................................... 42
Assuntos gerais........................................................... 46
Reflexão............................................................................... 48
Estudo das causas das
deficiências intelectuais no Brasil................................ 30
Impacto da atividade física em
pessoas com deficiência intelectual........................... 38
Editorial
Marco Antonio Fernandes David
Presidente do Conselho de Administração da APAE
DE SÃO PAULO
Jô Clemente
Presidente de Honra
Cássio dos Santos Clemente
Diretor-Presidente da APAE DE SÃO PAULO
Q
uando há cinqüenta anos um pequeno grupo de pessoas
se reuniu num sobrado da Zona Sul de São Paulo para
formar a APAE DE SÃO PAULO, a deficiência intelectual era um assunto que quase todos evitavam. Os erros e
os preconceitos eram a regra quando se pensava em deficiência intelectual, e naquela época a APAE não era mais que uma promissora
exceção posta em prática pelo amor e pela dedicação daqueles pais e
mães que se reuniram em 1961.
Atualmente, a APAE DE SÃO PAULO realiza mais de 1 milhão
de Testes do Pezinho e faz mais de 140 mil atendimentos por ano.
A atenção dedicada às pessoas com deficiência intelectual pela sociedade também é outra e os preconceitos, apesar de ainda existirem,
estão em menores patamares.
Mas vivemos em uma sociedade diferente, temos novos desafios. E justamente por reconhecer que muito ainda precisa ser feito,
o Instituto APAE DE SÃO PAULO resolveu lançar a revista D.I.
Nosso objetivo é apresentar de forma clara e acessível informações
importantes sobre os diversos aspectos da deficiência intelectual.
Dos avanços científicos à psicologia, dos aspectos jurídicos à medicina, nossos artigos trazem informações e opiniões dos mais renomados especialistas da área.
Dirigida a todos aqueles que se interessem pelo tema – profissionais da saúde, pais e familiares de pessoas com deficiência intelectual etc. –, esperamos com a revista dar mais um passo no cumprimento da nossa missão de “Promover a prevenção e a inclusão
da pessoa com Deficiência Intelectual produzindo e difundindo
conhecimento”.
1º. Diretor Vice-presidente: Cláudio Pacheco do
Amaral / 2º. Diretor Vice-presidente: Felipe Clemente
Santos / 1º. Diretor Secretário: Cristiano Frederico
Ruschmann / 2º. Diretor Secretário: Eduardo
Camasmie Gabriel / 1º. Diretor Financeiro: Raul
Manuel Alves / 2º. Diretor Financeiro: Leo Braga
Furness Filho
Grupo Executivo
Aracélia Lúcia Costa - Superintendente
Instituto APAE DE SÃO PAULO
Conselho Científico e Orientador do INSTITUTO APAE
DE SÃO PAULO
Presidente de Honra: Antônio S. Clemente Filho
Presidente do Conselho Científico: Esper Abrão
Cavalheiro
Conselheiros: José Fernando Peres, Elza Marcia
Yacubian, José Eduardo Krieger, Oswaldo Luiz Alves
Membros Honorários do Conselho Científico
Presidente de Honra: Dr. Antonio S. Clemente Filho
Dr. Seme Gabriel
Dr. Fernando José de Nóbrega
Dr. Aron Diament
Sra. Mina Regen
Sr. Tuca Munhoz
Sra. Rosana Cunha
Dra. Darcy R. Schussel
Dr. Hélio Egydio Nogueira
Editor-chefe
Esper Abrão Cavalheiro
Editoras Assistente
Dalci Maria dos Santos
Laura Maria de Figueiredo Ferreira Guilhoto
Produção Editorial
Zeppelini Editorial
Editor de Arte
Rafael Tadeu Sarto
Editor de publicação
Marcio Zeppelini (MTB 43.722/SP)
Periodicidade: semestral
Propriedades e direitos: A revista DI é uma publicação
em parceria do Instituto APAE DE SÃO PAULO e a
Zeppelini Editorial com o apoio da APAE DE SÃO
PAULO. É proibida a reprodução de fotos e matérias
sem prévia autorização e sem citação da fonte.
Esper Abrão Cavalheiro
Presidente do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO
Dúvidas, críticas e sugestões:
[email protected]
Os artigos assinados não refletem necessariamente
a opinião da APAE DE SÃO PAULO.
Pílulas
Síndrome de Down diminui
o risco de câncer sólido
Olimpíadas Especiais
Na década de 1960, Eunice Kennedy Shriver, irmã do
presidente americano John Kennedy, participou de um
acampamento para pessoas com Deficiência Intelectual e
notou a importância dos jogos e atividades físicas. Assim,
em 1968, por meio da Fundação Joseph P. Kennedy Jr,
foram realizados os primeiros jogos das Olimpíadas
Especiais (Special Olympics), em Chicago. Nesses jogos
só competia quem tivesse algum tipo de Deficiência
Intelectual. Hoje, as Olimpíadas Especiais tornaram-se o
maior programa de competições e treinamento no mundo
todo. Aqui no Brasil, as Olimpíadas Especiais são agora
chamadas de Special Olympics Brasil, uma filiada da Special
Olympics que fica nos Estados Unidos. Destinam-se às
pessoas com Deficiência Intelectual com idade superior a
oito anos, porém crianças entre cinco a sete anos podem
participar do programa de treinamento. O evento acontece a
cada quatro anos. As atividades incluem atletismo, ciclismo,
patinação, equitação, futebol, golfe, vôlei, judô, entre outras.
Sabe-se que existem mais de 200 mil atletas olímpicos
especiais na América Latina. Para se ter uma ideia, no
México, 5 mil atletas participaram das Olimpíadas Especiais
em 2000. Hoje, já são mais de 22 mil participantes.
Oxford Project to Investigate
Memory and Ageing (OPTIMA)
Pesquisadores do Oxford Project to Investigate Memory and Ageing
(OPTIMA) publicaram os resultados de uma pesquisa de dois anos
que testou o uso de suplementos de vitaminas B12, B6 e ácido fólico
na prevenção da perda de massa encefálica encontrada nas pessoas
com demência precoce. Os indivíduos que tomaram as vitaminas
apresentaram ganhos em comparação ao grupo que tomou placebo.
Adultos com síndrome de Down apresentam maiores riscos em
desenvolver demência precocemente. A Down Syndrome Research
Foundation entrou em contato com a equipe de pesquisadores
do grupo OPTIMA, e serão realizados estudos de suplementação
vitamínica e nutrição funcional que possam beneficiar as pessoas
com síndrome de Down. Os estudos serão baseados na Europa.
Pessoas com síndrome de Down têm menor
incidência de tumores sólidos. A angiogênese,
um processo externo às células tumorais,
porém imprescindível para o crescimento e
manutenção das mesmas, é o mecanismo
pelo qual se formam e se proliferam novos
vasos sanguíneos responsáveis pela irrigação
tecidual. De acordo com um estudo publicado
pela revista Nature, em 2009, pessoas com
síndrome de Down têm menos chances
de desenvolver tumores sólidos porque
possuem cópias de genes que impedem
o crescimento tumoral. Os pesquisadores
observaram que uma terceira cópia do gene
DSCR1 (Down Syndrome Candidate Region-1
ou RCAN1), presente no cromossomo 21
dos indivíduos com síndrome de Down,
pode reduzir a capacidade angiogênica,
ou seja, suprimir o crescimento dos vasos
sanguíneos que alimentam tumores
cancerígenos. Agora, os cientistas dedicam-se
ao desenvolvimento de novas terapias
e acreditam que as novas descobertas
podem trazer esperanças no combate
ao câncer para a população em geral.
Novo teste informa perfil
genético do feto por
meio do sangue da mãe
Agora o genoma completo do feto pode
ser identificado no sangue da mãe. No
estudo publicado pela revista americana
Science Translational Medicine, os cientistas
propuseram um método para identificação
do perfil genético do feto graças a uma
simples amostra de sangue da mãe. Até
o presente, os métodos mais confiáveis
para a detecção de anomalias genéticas
potenciais nos fetos, como a muito
realizada amniocentese, representam
riscos. A amniocentese é um método de
diagnóstico pré-natal que consiste na
aspiração transabdominal de pequena
quantidade de fluido diretamente da bolsa
amniótica, que envolve o feto. Dessa
forma, em 2011, estudos preliminares já
realizados em 753 grávidas comprovaram
a viabilidade em diagnosticar doenças
genéticas pré-natais de modo não invasivo.
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Especial
Por Thaís Iannarelli
Cinquenta
anos de
história
APAE DE SÃO PAULO completa 50 anos e reúne
conquistas, experiência e desenvolvimento científico
em prol da pessoa com deficiência intelectual
M
ais de 1,2 milhão de exames de triagem; 313.695 Testes do Pezinho;
8.209 profissionais capacitados;
142.220 atendimentos na área da
saúde. Números como esses, que refletem algumas
ações da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE DE SÃO PAULO) somente no ano
de 2009, são um retrato da força e do trabalho que
a Organização realiza e tornam evidente a importância de sua atuação para a sociedade. Em 2011,
ao completar 50 anos, a Organização tem motivos para comemorar. “Esses 50 anos representam
um marco na busca pela melhor qualidade de vida
e pela inclusão na sociedade da pessoa com deficiência intelectual. Ao longo desse período, pais,
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
irmãos, médicos, técnicos e voluntários têm buscado diariamente cuidar, entender, ensinar, treinar e incluir a pessoa com deficiência intelectual,
para que ela possa ter um papel na sociedade e se
realizar como parte integrante da mesma”, complementa Cássio Clemente, Diretor Presidente da
APAE DE SÃO PAULO.
Ações de prevenção, de fomento à pesquisa,
de aprimoramento tecnológico de ponta e também de inclusão, por meio de atividades de apoio
socioeducativo, capacitação para o trabalho,
defesa e garantia de direitos e educação, mudam
realidades e imprimem, de fato, alterações significativas nas vidas das pessoas com deficiência intelectual e de seus familiares. “Tenho acompanhado
a Organização praticamente desde a sua fundação,
junto à Sra. Jô Clemente e ao seu marido, Antônio Clemente, baluartes importantíssimos dessa
Organização. Durante todo esse tempo, constatei a importância que a APAE DE SÃO PAULO
dá não só à criança com deficiência intelectual,
mas também à sua família”, conta o Dr. Fernando
José de Nóbrega, membro honorário do Conselho
Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO.
Evolução ao longo do tempo
No dia 4 de abril de 1961, 50 anos atrás, a história da Organização começava oficialmente com
um grupo de 48 pais e mães que se reunia regularmente para discutir o assunto da deficiência
intelectual com especialistas. No mesmo ano, em
um espaço cedido pela Prefeitura do Município de
São Paulo, no bairro do Itaim, tiveram início os
primeiros treinamentos para crianças e adolescentes com deficiência intelectual, assim como cursos
intensivos voltados para a preparação de professores. “Assim nasceu a APAE DE SÃO PAULO, a
partir da boa vontade de pessoas que foram pioneiras em um aspecto ainda pouco entendido
da saúde das crianças com síndrome de Down e
outras patologias relacionadas à deficiência intelectual. Foi um marco que, posteriormente, se
ampliou por todo o país”, explica o Dr. Esper
Abrão Cavalheiro, presidente do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO.
Vista do prédio
da APAE DE
SÃO PAULO unidade central
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Especial
Durante a década de 1960, outros fatos marcaram a existência da Organização. Um deles foi
a realização do primeiro Congresso da Federação
das APAEs, que reuniu as 12 unidades existentes no país à época. No mesmo ano, o Sr. Antonio Clemente Filho, um dos fundadores da APAE
DE SÃO PAULO, foi eleito presidente da Federação Nacional das APAEs. Em 1966, a instituição lançou a primeira edição da Feira da Bondade, no prédio da Bienal de São Paulo, com o
objetivo de arrecadar recursos para a construção
do Centro de Habilitação. “A Feira da Bondade
transformou-se num ícone e, através dele, foi possível chamar a atenção da sociedade para a questão da deficiência intelectual”, conta Felipe Clemente, segundo Diretor Vice-Presidente da APAE
DE SÃO PAULO, e neto da Sra. Jô Clemente.
Outras iniciativas marcaram ainda essa década,
como a fundação da Clínica de Diagnóstico e
Terapêutica dos Distúrbios do Desenvolvimento
Mental (CLIDEME), em convênio com a Escola
Paulista de Medicina, que serviu para lançar as
bases da pesquisa institucional na Organização. A
CLIDEME tinha como função formar profissionais de Medicina e Psicologia para atuar no Centro de Habilitação, quando este fosse inaugurado.
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Atendidos da
APAE DE SÃO
PAULO
“Iniciei minha atuação na APAE DE
SÃO PAULO na década de 1960, na
CLIDEME. Fui convidado pelo diretor clínico da Organização, Prof. Dr.
Stanislau Krynski para, em conjunto
com o Prof. Dr. Benjamin J. Schmidt, professor de Pediatria da Escola
Paulista de Medicina, e com o Prof.
Pedro Henrique Saldanha, professor
de Genética da Faculdade de Medicina da USP, fazer um estudo sob a
caracterização clínica da síndrome de
Down. O resultado desse estudo foi
publicado ainda na década de 1960”,
conta Aron Diament, membro honorário do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO.
Já na década de 1970, as ações
começaram a tomar proporções maiores, além da inauguração do Laboratório de Genética e Erros Inatos do
Metabolismo no Centro de Habilitação da Organização. O principal
marco da década foi a implementação do Teste do
Pezinho no país, que auxilia no diagnóstico e no
tratamento precoces de doenças que podem levar
à deficiência intelectual, tais como a fenilcetonúria
e o hipotireoidismo congênito. “Com o incentivo
da APAE DE SÃO PAULO na implementação
do teste no Brasil, foi possível monitorar e prevenir. Diagnosticar cedo e tratar”, complementa
Felipe. Nos anos 1970, houve também a fundação do corpo de voluntários e sua capacitação para
o adequado enfrentamento dos desafios ligado à
deficiência intelectual.
Proporções maiores
Com o objetivo de ampliar o cenário de inclusão das pessoas com deficiência intelectual, a
Organização das Nações Unidas (ONU), em
1981, proclamou o Ano Internacional dos Deficientes, abrindo espaço para discussões sobre o
tema no mundo todo. Em São Paulo, nessa época,
a Organização continuava também ampliando seu
espaço de atuação.
Foi assim que, em 1983, criou-se o Instituto de
Pesquisa e Preparação de Pessoal na Área da Deficiência Mental (IPPE), que tinha entre seus objetivos estimular o desenvolvimento de pesquisas que
pudessem trazer respostas de cunho mais científico às questões desafiadoras relacionadas à deficiência intelectual. Além desse papel fundamental,
era função do Instituto organizar ações voltadas
ao treinamento de recursos humanos especializados. Atualmente, optou-se por uma denominação mais simples, isto é, Instituto APAE DE SÃO
PAULO; entretanto, seus objetivos de desenvolvimento científico e formação de recursos humanos
continuam mais ativos do que nunca. Em 1984,
por iniciativa da organização, foi promulgada a
lei estadual nº 3.914/84, que tornou obrigatória
a realização do Teste do Pezinho no Estado de São
Paulo e, em 1988, a Organização sediou o I Simpósio Internacional de Triagem de Erros Inatos
do Metabolismo, que reuniu mais de 300 profissionais do Brasil e de outros países. “A APAE DE
SÃO PAULO deu foco à importante questão dos
Erros Inatos do Metabolismo quando começou a
executar o Teste do pezinho para
o grande público. Ao fazer o
diagnóstico e o tratamento desses distúrbios, deixou claro que
a questão da deficiência intelectual era mais ampla e não se
restringia apenas à síndrome de
Down. Seu trabalho foi fundamental para alertar o público e
os órgãos governamentais que se
ocupam da saúde humana. Era
necessária uma ação mais corajosa de enfrentamento dessa
questão, que pode afligir parcela
significativa da população. Essa
foi uma das grandes bandeiras da Organização em
prol da saúde pública no país”, completa Dr. Esper.
Na década de 1990, mais feitos na área de pesquisa científica foram realizados, além da contínua
prática de atendimento às pessoas com deficiência
intelectual e seus familiares. Em 1991, a APAE DE
SÃO PAULO sediou o XV Congresso da Federação Nacional das APAEs, com a participação de
mais de 1.500 representantes de todo o país. No
ano seguinte, o Instituto passou por uma reorganização e, em substituição ao Conselho Diretor,
formou-se o Conselho Científico, com o objetivo
de aprimorar e desenvolver ainda mais as pesquisas científicas e a formação de recursos humanos
especializados. “A APAE DE SÃO PAULO tem
Triagem neonatal
Após publicação da portaria GM/MS nº 822, assinada pelo ministro
José Serra, em 6 de junho de 2001, todos os Estados brasileiros
contam com, pelo menos, um Serviço de Referência em Triagem
Neonatal e postos de coleta para o Teste do Pezinho. O Teste do
Pezinho é um exame de prevenção realizado a partir de gotinhas
de sangue coletadas no calcanhar do bebê. Por meio dele é possível
detectar doenças que, se tratadas adequadamente, evitarão que
a criança desenvolva Deficiência Intelectual e/ou outras doenças
relacionadas a outras sintomatologias. O incentivo à implantação do
Teste do Pezinho, iniciado pela APAE DE SÃO PAULO, tem seus frutos
colhidos com grande impacto na sociedade.
Atualmente, todas as crianças nascidas em território nacional têm o
direito à triagem neonatal, que prevê o diagnóstico de quatro doenças:
o hipotireoidismo congênito, a fenilcetonúria, as hemoglobinopatias
e a fibrose cística. A coleta deve ser realizada após 48 horas do
nascimento, ainda na primeira semana de vida da criança.
É importante frisar que o Teste do Pezinho é apenas um dos
testes para a triagem neonatal de doenças que podem interferir
no desenvolvimento das crianças. Porém, é de grande valia para a
detecção precoce de doenças que podem causar sequelas futuras.
A APAE DE SÃO PAULO tem grande
significado para as pessoas com deficiência
intelectual, na medida em que criou uma
estrutura que permite prevenir, acompanhar,
minimizar e estudar as diferentes
dificuldades decorrentes dessa situação
grande significado para as pessoas com deficiência
intelectual, na medida em que criou uma estrutura
que permite prevenir, acompanhar, minimizar e
estudar as diferentes dificuldades decorrentes dessa
situação. Além de possuir um dos mais importantes acervos de informações sobre a questão da deficiência intelectual, organizou uma importante
rede de centros de atendimento baseados em protocolos bem definidos de atuação, que têm impactos diretos não só sobre a pessoas com deficiência intelectual, mas também sobre seus familiares”,
explica o Dr. Oswaldo Luiz Alves, membro do
Conselho Científico do Instituto.
Em 1992, mais uma grande conquista: a primeira contratação pelo mercado de trabalho de
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Especial
Mercado de trabalho
Este ano, a lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas,
completa duas décadas de existência. A norma estabelece que
as empresas com cem ou mais funcionários reservem uma
parcela de seus cargos para pessoas com deficiências.
Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS),
realizada em 2008, existem no mercado de trabalho 323,2
mil trabalhadores com deficiências. Os homens têm a maior
representatividade, com participação de 64,32%. Os dados ainda
apontam que a remuneração média desses profissionais é de R$
1.717,00, superior à média dos rendimentos do total de vínculos
formais (R$ 1.494,66).
Por tipo de deficiência, o levantamento revela que as pessoas
com deficiências físicas representam 55,24% dos trabalhadores.
Em seguida, estão aqueles com deficiência auditiva, com
24,65%, e os com deficiência visual, com 3,86%. Pessoas
com deficiência intelectual representam 3,37% e aquelas com
deficiências múltiplas, 1,09%.
um atendido pela Organização, como reflexo
da Lei de Cotas, de 1991, e em vigor até hoje,
a qual estabelece uma proporção de pessoas com
deficiência a serem contratadas de acordo com o
porte da empresa. “Acho que os direitos adquiridos foram muito importantes com a aprovação
das leis do mercado de trabalho para a pessoa com
deficiência. Mas esse foi apenas o primeiro passo,
embora extremamente significativo, pois amplia o
leque de oportunidades oferecido às pessoas com
deficiências. Um passo mais importante, e também mais difícil, é ter a sociedade preparada para
isso”, explica Felipe.
Também na década de 1990 aconteceu a
última edição da Feira da Bondade. Em 1998,
em parceria com a PUC-SP, teve início o curso
de pós-graduação de Educação Inclusiva, e, em
1999, foi lançado o Manual da Organização
Mundial da Saúde voltado para o atendimento
da pessoa com deficiência intelectual em português, em parceria com a Federação Nacional das
APAEs.
Nos dias atuais, o Instituto APAE DE SÃO
PAULO busca revitalizar seus objetivos e metas
de caráter científico, educacional e cultural, e
tem como alvos principais registrar, criar, sistematizar e disseminar conhecimentos sobre a deficiência intelectual, buscando levar informação
atualizada para os diversos agentes da sociedade,
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
além de fomentar reflexões sobre o tema e sobre
os avanços científicos e sociais, promovendo a
inclusão e a melhoria das condições de vida dos
cidadãos com deficiência intelectual. Atua desenvolvendo programas e projetos nas áreas de formação e qualificação profissionais, assim como
é responsável pela estruturação e gestão da pesquisa científica por meio do apoio à elaboração
de propostas, visando à transformação da prática
de atendimento em produção de conhecimento.
Conquistas recentes
No decorrer dos anos, e com o avanço do Terceiro Setor no Brasil, a Organização tornou-se
referência também no que diz respeito à gestão.
“Vejo que a instituição vem buscando um processo de mudança, atualização e profissionalização, e isso é constante. Acredito que os funcionários que fazem parte da organização não são
importantes só por serem profissionais competentes, mas, mais que isso, são comprometidos
com a Instituição. Oferecem o melhor de si para
o trabalho”, explica Claudio Amaral, vice-presidente executivo da Organização.
A partir do ano 2000, a instituição recebeu vários prêmios, entre os quais se incluem o
TOP Hospitalar 2001, o TOP 3 – Ibest 2001,
o Prêmio Criança, da Fundação Abrinq, o Prêmio Reina Sofia de Espanha de Prevención de La
Discapacidad e o Prêmio Ação da Rede Globo.
Outras atividades de grande significado foram
a criação do Centro de Capacitação e Orientação para o Trabalho e da Cozinha Experimental, voltada à produção de alimentos especiais
direcionados às pessoas diagnosticadas com
fenilcetonúria.
O laboratório da organização recebeu a ISO
9001, atestando a qualidade do serviço prestado
na realização dos exames. “Estamos direcionando
os nossos esforços também para a captura e disseminação de conhecimento sobre a deficiência
intelectual, desenvolvendo pesquisas importantes
para toda a sociedade. A inclusão das pessoas com
deficiência intelectual continua sendo uma bandeira; porém, hoje, torna-se também relevante a
busca por influenciar políticas públicas e incentivar a melhoria na qualidade de vida dessas pessoas”, explica Raul Alves, diretor tesoureiro da
APAE DE SÃO PAULO.
“Considero os 50 anos de
fundação da APAE DE SÃO
PAULO um marco nos estudos
e divulgação da doença intelectual que se revelaram importantes para os aspectos de inclusão
escolar, familiar e social das pessoas com deficiências em geral”,
complementa Aron.
Uma coisa é você saber o que tem de
ser feito. Outra coisa é estar preparado
para isso. Acho que é esse momento que
vivemos agora. Na inclusão escolar, por
exemplo, muitas vezes o professor não está
preparado para lidar com uma pessoa que
tem um tempo de aprendizado diferente.
Por outro lado, falta, ainda, às pessoas
com deficiência intelectual o treinamento
adequado que lhes permita enfrentar as
novas regras do mercado de trabalho
Planos para o futuro
Após 50 anos de tantas conquistas e avanços, a Organização pretende ampliar ainda
mais sua linha de atuação e
atingir positivamente cada vez
mais vidas. A luta pela inclusão continua, já que algumas
dificuldades ainda persistem.
“Toda essa evolução transformou a sociedade que temos hoje, pois o preconceito diminuiu fortemente (apesar de ainda existir), e a inclusão veio para valer. Já faz parte do
nosso dia-a-dia, tanto no trabalho quanto na
escola dos nossos filhos e na nossa vida pessoal”,
completa Raul.
Mesmo assim, os desafios ainda são muitos.
Apesar dos direitos adquiridos, a sociedade ainda
não está apta a receber de forma adequada e sem
discriminação a pessoa com deficiência intelectual. “Uma coisa é você saber o que tem de ser
feito. Outra coisa é estar preparado para isso.
Acho que é esse momento que vivemos agora. Na
inclusão escolar, por exemplo, muitas vezes o professor não está preparado para lidar com uma pessoa que tem um tempo de aprendizado diferente.
Por outro lado, falta, ainda às pessoas com deficiência intelectual a formação adequada que lhes
permita enfrentar as novas regras do mercado de
trabalho. Esses são os desafios mais prementes, e
a sociedade deve estar preparada para lidar com
eles de forma harmônica, facilitando o desenvolvimento pleno da pessoa com deficiência intelectual”, explica Felipe.
Na área científica, a expectativa é de mais
desenvolvimento em pesquisa. “Ao assumir a
presidência do Conselho Científico do Instituto
APAE DE SÃO PAULO, pude verificar com que
intensidade são desenvolvidas as atividades de
diagnóstico, de exames laboratoriais e de outros
setores mais voltados para a assistência da pessoa com deficiência intelectual, e é necessário que
esse vasto conhecimento acumulado ao longo dos
50 anos da APAE DE SÃO PAULO possa gerar
ações importantes em outras instituições de natureza semelhante, aqui mesmo ou em outras regiões e países e, para isso, necessita ser divulgado
adequadamente para sua apropriação pela sociedade. Além disso, e com a ativa participação dos
demais membros do Conselho Científico, constatamos a necessidade de implantar dentro da
Organização a nova lógica da pesquisa translacional, isto é, aquela que traduz de forma mais eficaz
a pesquisa experimental em ações voltadas para a
saúde humana”, conta o Dr. Esper.
A grande bandeira da APAE DE SÃO PAULO,
em todos os aspectos, é a inclusão. E nas frentes
social e científica, faz isso com excelência. Como
define Marco Antonio David, presidente do Conselho de Administração da Organização, “é justo
dizer que nossa missão como instituição e, particularmente, como pais e amigos de excepcionais,
é mostrar à sociedade o potencial das pessoas com
deficiência intelectual e seus limites de atuação
através de novos padrões científicos, de forma que
o conjunto de pessoas com e sem deficiência intelectual possa conviver harmonicamente e com
maior respeito às diferenças individuais”.
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Artigos
Laura Maria de Figueiredo Ferreira Guilhoto
Aspectos biológicos da
deficiência intelectual
A
deficiência intelectual (DI), segundo
a Organização Mundial de Saúde
(OMS), se caracteriza por uma redução
significativa da habilidade em entender informações novas ou complexas e de desenvolver novas habilidades (comprometimento da
inteligência). Isso resulta em uma capacidade
reduzida de viver de forma independente (funcionamento social comprometido) e inicia-se antes
da idade adulta, com um efeito prolongado no
desenvolvimento.
No Brasil, do ponto de vista legal, o decreto
nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, Capítulo
I, Artigo 4º, considera deficiência mental quando
há funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, com manifestação antes dos 18
anos e limitações associadas a 2 ou mais áreas de
habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d)
utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e
segurança; f ) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h)
trabalho.
Uma pergunta surge então: como se chegou a
essa definição na atualidade? Quais são as tendências futuras? Como podemos incluir uma pessoa
nessa nomenclatura? Quais são os motivos mais
frequentes que causam essa condição? Ela pode ser
evitada ou mesmo curada? Qual a importância da
definição e classificação? Há implicações terapêuticas, assistenciais, legais e sociais? Todas as respostas a essas questões certamente serão modificadas
com os avanços emergentes científicos e sociais.
Diariamente, são publicadas nas revistas científicas novas evidências de melhor caracterização de
alguns indivíduos com DI, tornando-os detentores de um diagnóstico específico além da própria DI, o que, muitas vezes, auxilia o seu diagnóstico e orientação terapêutica, e, outras vezes,
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
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Artigos
Deficiência ou retardo mental eram os
termos mais utilizados antigamente;
porém, devido ao fato de serem associados
muitas vezes de forma errônea a outras
condições médicas, como doenças
psiquiátricas, e mesmo serem considerados
pejorativos para o público leigo, o termo
“deficiência intelectual” passou a ser
considerado mais apropriado
acrescenta apenas um nome a um diagnóstico clínico já conhecido, promovendo, no entanto, esperanças para um tratamento específico a ser aguardado futuramente.
Histórico
Deficiência ou retardo mental eram os termos mais utilizados antigamente; porém, devido
ao fato de serem associados muitas vezes de forma
errônea a outras condições médicas, como doenças psiquiátricas, e mesmo serem considerados
pejorativos para o público leigo, o termo “deficiência intelectual” passou a ser considerado mais
apropriado.
No século passado, surgiram iniciativas da
sociedade de promover atendimento mais adequado a indivíduos com DI, com a criação de grupos de apoio em alguns países, como o Association
for Retarded Citizens of the United States (The
ARC), nos Estados Unidos, em 1953, e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no
Brasil, em 1954.
Apesar de algumas descobertas na metade do
século 20, como a identificação da trissomia 21
na síndrome de Down em 1959, cerca de 90 anos
após sua descrição clínica, houve maior avanço
científico na DI nos últimos 50 anos. A Associação Internacional para o Estudo Científico da
Deficiência Intelectual (IASSID), do inglês International Association for the Scientific Study of
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Intellectual Disabilities) foi fundada em 1964 e,
já naquela época, os anais de seu congresso descritos em dois volumes cobriam 19 áreas de pesquisa.
Em 2002, a OMS publicou o documento
“Classificação Internacional do Funcionamento,
Deficiência e Saúde” (ICF, do inglês International Classification on Functioning, Disability and
Health), cuja ênfase foi dada aos aspectos relacionados à saúde e ao funcionamento do indivíduo,
mais do que à deficiência. Nessa classificação, os
domínios considerados são os das funções e estruturas corporais, grau de atividades e participação
na sociedade. Desse modo, a deficiência é considerada quando há uma dificuldade no funcionamento individual dentro da sociedade, levando-se
em consideração fatores biológicos e sociais, permitindo, assim, planejar melhor atividades de prevenção e intervenção terapêutica.
A Associação Americana de Deficiência Intelectual (AAIDD, do inglês American Association
on Intelectual and Development Disabilities) caracteriza a DI como uma condição com limitações no
funcionamento intelectual e do comportamento
adaptativo, que engloba habilidades de conceituação (linguagem verbal e escrita), sociais e práticas,
iniciando-se antes dos 18 anos.
O funcionamento intelectual é medido por
testes padronizados que avaliam o Quociente Intelectual (QI), cujos valores distribuem-se em um
grupo social em um padrão normal, com média
em torno de 100, sendo DI considerada quando
o valor encontrado está abaixo de dois desvios
padrão desse valor. No entanto, deve-se lembrar
que a definição atual é mais ampla, considerando-se também fatores de adaptação do indivíduo ao
ambiente, além de fatores culturais importantes
na realização dos testes. Esses testes quantitativos
da inteligência foram introduzidos em 1907 por
Binet e Simon para organizar estudantes com dificuldades escolares em grupos semelhantes e homogêneos e não tinham como objetivo inicial realizar classificação em níveis de inteligência, como
foram posteriormente adaptados e utilizados.
Causas
Diversas são as causas da DI. O cérebro é composto por cerca de 100 bilhões de neurônios que
se conectam e formam uma ampla rede neural, e
a troca de informações nesse sistema faz com que
exerçamos nossas funções neurológicas, desde as
vitais, como respirar e manter a frequência cardíaca, até as mais complexas, como pensar, abstrair,
tomar decisões e, especialmente, vivenciar as emoções humanas, como a paixão, o amor, a raiva, o
prazer, a compaixão etc. Portanto, partindo do
princípio da rede neuronal, a DI é causada pela
disfunção de um ponto dessa rede que leva a dificuldades específicas no funcionamento cognitivo,
especialmente no raciocínio abstrato. Como mencionamos, ela deve estar presente desde a infância;
caso contrário, trata-se de uma condição adquirida após o desenvolvimento pleno dessas funções
e, nesse caso, tecnicamente é chamado de um processo de demenciação, que foge ao enfoque deste
texto. Podemos dividir assim disfunções da célula
cerebral (neurônio) que ocorrem de forma localizada ou difusa e ainda causadas por conexões
anormais. Muitas dessas disfunções são conhecidas atualmente e outras são teorizadas, dada a
escassa evidência de uma causa celular definida da
DI na atualidade.
Deve-se mencionar também a relevância da
prevenção de fatores considerados de risco para a
DI. Segundo a AAIDD, fatores de risco presentes durante uma fase crítica do desenvolvimento
cerebral são de vital importância, podendo-se citar
elementos biológicos, sociais, comportamentais e
educacionais. O desenvolvimento cerebral se dá
desde a formação neuronal na vida intrauterina
até o amadurecimento de suas conexões (sinapses)
ao longo da infância e adolescência. Desta forma,
se pode dividir esses fatores de risco em pré-natais,
perinatais e pós-natais. Entre os fatores pré-natais,
podemos citar doenças genéticas, metabólicas
congênitas (erros inatos do metabolismo), malformações cerebrais, desnutrição materna, falta de
cuidados pré-natais, uso de drogas, álcool, tabaco
etc. Os fatores perinatais incluem prematuridade,
insuficiência placentária, anoxia neonatal, infecções e alterações metabólicas no recém-nascido; os
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
13
Artigos
Dentre as causas genéticas mais
comuns de DI podemos citar
a síndrome de Down (1/700
nascimentos) e X frágil (1/3.500
nascidos do sexo masculino), além
de outras menos comuns, como
as síndromes de Rett, Angelman,
Prader-Willi etc.
pós-natais incluem desnutrição infantil, infecções,
falta de estimulação adequada etc.
As doenças causadoras da DI são inúmeras e
poderíamos nos deter longamente nesse assunto,
dada a ampla causa de patologias neurológicas que
cursam com DI. Podemos citar exemplos mais
conhecidos, como a síndrome de Down, o hipotireoidismo congênito, a fenilcetonúria etc. A síndrome de Down, por ser a causa genética mais
frequente de DI e poder ser diagnosticada clinicamente, é amplamente estudada e torna-se um
modelo de tratamento e inclusão social, especialmente pelos fatores adicionais, como a sociabilidade e a longevidade.
Outras condições consideradas como causadas
por uma deficiência metabólica conhecida e reversível com reposição específica, como o hipotireoidismo congênito, permitem que o seu diagnóstico
precoce seja de vital importância para que a DI
se instale. Com o passar do tempo, outras formas
de DI potencialmente tratáveis e, portanto, reversíveis, foram identificadas e, com isso, testes de
triagem neonatal tornaram-se importantíssimos
mundialmente, a fim de se estabelecer tratamento
precoce, pois várias doenças neles incluídas apresentam DI.
Existem grandes diferenças regionais nos testes de triagem neonatal. No Canadá, em 2007, já
eram testadas 21 doenças metabólicas no teste de
triagem neonatal e, na Finlândia, em 2005, apenas
o hipotireoidismo congênito.
No Brasil, a triagem neonatal foi iniciada
com o Programa de Triagem Neonatal para
14
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Fenilcetonúria, em 1976, por meio da APAE de
São Paulo. A implantação nacional do “teste do
pezinho”, no entanto, ocorreu em 2001 e é realizada por meio de etapas nos estados, tais como:
fase I (Fenilcetonúria e Hipotireoidismo Congênito); fase II (+ Hemoglobinopatias); fase III (+
Fibrose Cística). Em avaliação oficial de 2005, as
fases I, II e III estavam disponíveis em 13, 11 e
3 estados, respectivamente. Atualmente, apenas
cinco estados oferecem no setor público as três
fases do programa: Paraná, Santa Catarina, Minas
Gerais, Espírito Santo e São Paulo.
Em outros países, essa triagem foi aumentada
com o passar do tempo. Nos Estados Unidos, a
quantidade de testes varia de estado para estado,
sendo, no entanto, realizados em todos testes de
hiporiteoidismo congênito, fenilcetonúria, galactosemia, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, entre outros.
Em 2004, na Europa, com exceção da Armênia, Finlândia e Malta, todos os países tinham um
programa nacional para fenilcetonúria, embora
em alguns a cobertura ainda não fosse universal e,
exceto Maldova e Ucrânia, todos avaliavam hipotireoidismo congênito; 12 tinham triagem para
hiperplasia adrenal congênita, 6 para galactosemia, 6 para biotinidase e 4 para deficiência de desidrogenase de acil-CoA de cadeia média. Em revisão de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz,
em 2007, foi observado que, na Europa Ocidental, com exceção de Bélgica e Chipre, todos os países tinham cobertura superior a 95% e, na Europa
Oriental, o grau do desenvolvimento dos programas variava de 19 (Bósnia-Herzegovia) a 106%
(Estônia).
Deve-se lembrar que essa modificação decorreu do avanço laboratorial possível nos últimos
anos e, certamente, nas próximas décadas, novos
testes surgirão.
Dentre as causas genéticas mais comuns de DI
podemos citar a síndrome de Down (1/700 nascimentos) e X frágil (1/3.500 nascidos do sexo masculino), além de outras menos comuns, como as
síndromes de Rett, Angelman, Prader-Willi etc.
Existem várias pesquisas em animais com alterações genéticas semelhantes às encontradas em
algumas síndromes citadas, o que proporcionará
novos conhecimentos no funcionamento cerebral dos indivíduos com DI, assim como dará
oportunidade ao surgimento de novas possibilidades terapêuticas.
Apesar da importância do reconhecimento das
causas subjacentes de DI citadas anteriormente,
sabe-se que, em cerca de 30% dos casos graves e
em 50% dos leves, a causa é desconhecida pelos
métodos rotineiros de diagnóstico. Com o avanço
das técnicas de mapeamento genético, pequenas
alterações no DNA podem ser detectadas nesses
casos, por sua vez, constituindo um fator de pesquisa futura, assim como a possibilidade de intervenções específicas, quando alguma forma de tratamento for conhecida.
Tratamento
Como tratar uma condição de causas tão
diversificadas com uma apresentação clínica tão
constante como a DI?
Como já mencionamos anteriormente, o tratamento da doença de base, quando de causa conhecida e de natureza reversível, como em algumas
condições anormais do metabolismo, é o primeiro
passo. Apenas um profissional capacitado da área
de saúde será responsável por essa etapa, que inclui
médicos, nutricionistas, além de suporte multidisciplinar de enfermeiras, psicólogos etc. Por vezes,
se faz necessária a adaptação dietética; outras vezes,
a reposição do agente deficitário, como o hormônio tireoidiano, por exemplo.
E quando não se conhece uma causa reversível potencialmente tratável?
Nesse caso, cabe ao profissional médico decidir
quando prosseguir na investigação, iniciando sempre concomitante tratamento de suporte de reabilitação especializado, com estimulação de profissionais que se tornam necessários, dependendo
da variação, caso a caso. Há crianças com DI que
apresentam condições associadas, as quais necessitam de reabilitação física ou motora, que é realizada por profissionais como fisiatras, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
Nos casos de DI isolada, além do tratamento
da doença de base quando possível aliam-se
diversas metodologias de suporte e reabilitação
cognitiva. Qual é a melhor?
Várias são as possibilidades, dependendo da
área mais afetada (visuo-construtiva, verbal, emocional, etc.). Cada caso é sempre um desafio ao
profissional, e não há método único capaz de
auxiliar todas as crianças e seus familiares. Como
se sabe, além do suporte técnico profissional, é
de vital importância os suportes familiar e social,
assim como a inclusão da criança com DI na
sociedade.
Há tratamento medicamentoso para a DI?
Além do tratamento da doença de base, como
citado anteriormente, não há tratamento específico para a DI, nem medicamentos que promovam a cura. No entanto, muitas vezes, são utilizadas medicações para as condições que podem ou
não estar associadas, como crises epilépticas, distúrbios psiquiátricos, como depressão, ansiedade,
psicose e alterações do comportamento que comprometam a integração individual à família e à
sociedade.
O que se deve fazer enquanto cidadãos para
colaborar com as famílias e crianças com DI?
É importante refletir e pensar que qualquer um
pode estar nessa situação um dia. Como lidaria
com o diagnóstico? Como procederia para obter
mais informações, recentes e de confiabilidade?
Como poderia auxiliar?
Todos podem colaborar, e o conhecimento
adquirido nas universidades e a experiência junto
às famílias e indivíduos com DI é de fundamental
importância nesse processo.
Laura Maria de Figueiredo Ferreira Guilhoto é Mestre e
Doutora em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Neurologista Infantil da Divisão de Clínica Pediátrica do Hospital Universitário da USP.
Coordenadora de Pesquisa do Instituto Apae De São Paulo
Referências
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universal and effective coverage. Ciência & Saúde Coletiva,
v. 15, n. 2, p. 493-508, 2010.
BRASIL. Indicadores do Programa Nacional de Triagem
Neonatal. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/
arquivos/pdf/INDICADORES_TRIAGEM_NEONATAL.pdf
KUEHN, B. M. Scientists find promising therapies for fragile X
and Down syndromes, JAMA, v. 305, n. 4, p. 344-346, 2011.
NELSON, D. L. Mental Retardation and Intellectual Disability.
In: SPEICHER, M. R.; ANTONARAKIS, S. E.; MOTULSKY, A. G.
Vogel and Motulsky’s Human Genetics. 4. ed. Heildelberg:
Springer, 2010, p. 663-680.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Atlas: global resources for
persons with intellectual disabilities. (2007). Disponível em:
http://www.who.int/mental_health/evidence/atlas_id_2007.
pdf
______. Regional Office for Europe. Disponível em: http://
www.euro.who.int/en/what-we-do/health-topics/diseasesand-conditions/mental-health/news2/news/2010/15/
childrens-right-to-family-life/definition-intellectual-disability
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
15
Artigo
Carolina Araújo Rodrigues Funayama
Causas ambientais de
deficiência intelectual
Deficiência intelectual (ou mental) é uma modalidade de
deficiência, definida pela incapacidade de resolver tarefas
de acordo com o esperado para a idade e condizentes
com o meio cultural, torna-se aparente no período
do desenvolvimento infantil ou juvenil e é detectada
por testes apropriados, com resultados que podem
se modificar ao longo do desenvolvimento da criança.
Focalizaremos aqui as principais causas ambientais.
Infecções
As infecções podem passar da grávida para o
feto, muitas vezes sem sintomas na mulher e com
graves repercussões no feto. As infecções congênitas transmitidas da gestante para o feto mais
frequentes são causadas por 1) citomegalovirus,
vírus transmitido através do contato por mucosas (mão-olho, mão-boca, narinas e sexual); lavagem frequente das mãos é a principal orientação
preventiva; 2) Toxoplasma gondii, um protozoário
presente nas fezes de gato. Para evitar a toxoplasmose, é necessário extremo cuidado no contato
com gatos, jardinagem, terra e areia, mesmo com
luvas; lavar sempre as mãos, especialmente antes
de comer. Ambas não têm vacina.
A rubéola, transmitida por um vírus por via
respiratória e também transmitida da grávida para
o feto, ainda é uma preocupação mundial. Embora
a vacinação tenha sido iniciada em 1992 no Brasil,
surtos de rubéola têm ocorrido, levando às recentes campanhas de vacinação para jovens e mulheres em idade fértil. Em um desses surtos, no ano
2000, a incidência de rubéola congênita foi de 3
para cada 100.000 bebês nascidos vivos. A vacina
16
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
para a rubéola deve ser tomada desde a infância e
até 30 dias antes de engravidar nas mulheres ainda
não vacinadas, porque o vírus da vacina pode prejudicar o feto.
Antes ou após o nascimento, infecções de qualquer natureza, atingindo o sistema nervoso do feto
ou da criança, também podem levar à deficiência
intelectual, como ocorre às outras infecções sexualmente transmissíveis, como herpes e sífilis, assim
como infecções bacterianas levando a meningites.
São enfoque de investigação científica em todo o
mundo as infecções genitais e de envoltórios fetais
na grávida, por seu envolvimento com aborto,
parto prematuro, e suas consequências adversas
sobre a saúde do bebê. As consultas pré-natais
asseguram grande parte das medidas preventivas e
curativas em período oportuno.
Alcoolismo
Uma das maiores preocupações atuais em relação à prevenção da deficiência intelectual e distúrbios de comportamento nos filhos é a tendência cultural de consumo de álcool entre mulheres,
futuras mães. Os efeitos do álcool sobre o cérebro
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
17
Artigos
A deficiência intelectual pode ser decorrente de doenças por
diversas causas: 1) hereditárias, com tipos variados de herança,
acometendo os mecanismos de formação e função de estruturas
cerebrais, como ocorre à síndrome do X-frágil, aniridia,
neurofibromatose tipo I, ou provocando lesões nas estruturas já
formadas, como ocorre a acidentes vasculares cerebrais já no
período fetal, por exemplo, por erros genéticos do metabolismo,
geralmente autossômicos recessivos, sendo exemplo a
homocistinúria; 2) não herdadas, porém com alterações gênicas
ou cromossômicas, já bem definidas, como as síndromes de
Down e outras trissomias, Williams, Rett, Angelman, PraderWilli, e as mal definidas, como o hipotireoidismo congênito;
3) ambientais, sem relação com alterações cromossômicas
ou gênicas, como causa determinada por infecções, efeitos
de tóxicos, como as bebidas alcoólicas, falta de oxigênio ou
interrupção na irrigação sanguínea para o cérebro do bebê por
intercorrências durante os períodos de gestação e parto ou após
o nascimento; 4) origem multifatorial, na qual estão em jogo
a predisposição genética da criança aos efeitos dos fatores
ambientais adversos e a presença desses fatores, o que ocorre à
exposição ao chumbo, por exemplo.
do feto estão bem conhecidos, e ainda não se chegou a um consenso sobre qual é a dose de bebida
e concentração alcoólica segura para a mulher gestante, o que implica na recomendação para que
não se utilize bebida alcoólica durante a gravidez.
Chumbo
Na prática clínica, ainda não há rotina de investigação de níveis de chumbo em crianças com deficiências na aprendizagem ou deficiência mental já
definida, em busca de um diagnóstico causal. No
entanto, estudos sobre efeitos adversos do chumbo
no sistema nervoso estão bem avançados e em uma
grande amostra de crianças dos Estados Unidos foi
demonstrado que o nível intelectual das crianças
sofre queda na medida em que aumenta a concentração sanguínea do chumbo, mesmo ainda dentro da faixa de valores do chumbo considerados
seguros. No momento atual, é importante estarmos atentos para locais de risco e fontes de exposição, para medidas de prevenção. A contaminação
pode vir pelo ar, contato com a terra e ingestão
de superfícies de objetos e brinquedos coloridos.
A criança pré-escolar está particularmente sujeita
a contaminação por morder, por exemplo, grade
de berço e brinquedos. Fontes industriais são fundições − refino de minério de chumbo, fusão de
sucatas ou barras de chumbo para fins variados,
produção de ligas (bronze, latão), fabricação e
18
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
recuperação de baterias, esmaltação de cerâmicas,
fabricação de PVC e outros plásticos, indústria
de borracha, fabricação de cabos elétricos, operação de corte e solda de peças e chapas metálicas
contendo chumbo, jateamento de areia de estruturas metálicas pintadas com tintas com chumbo
(pontes, navios) solda eletrônica e produção de
compostos orgânicos de chumbo. Lembramos as
ocasionais, porém danosas ocorrências de contaminação em áreas próximas a fábricas de baterias
no Brasil. Fontes não industriais ou não ocupacionais são bebidas alcoólicas (vinhos e destilados),
uso de cristais finos e porcelana esmaltada, utensílios de PVC, fabricação caseira de “chumbadas”
de pesca e cartuchos, tinturas de cabelo, prática de
tiro ao alvo, cerâmica artística caseira, projétil de
arma de fogo alojado no corpo, alimentos industrializados, tintas em brinquedos. Lembramos o
recente recall de brinquedos realizado pela Mattel®
devido à alta contaminação da tinta pelo chumbo.
No Brasil, uma lei recente, de 2008, foi aprovada
para redução dos níveis de chumbo na fabricação
de tintas.
Desnutrição
Má alimentação, levando à anemia e desnutrição proteica e calórica, muitas vezes está associada
à falta de afeto, negligência ou incapacidade dos
pais. Em um grupo de 73 crianças encaminhadas
para estimulação essencial na APAE de Batatais
(SP), por atraso no desenvolvimento, 11 apresentavam desnutrição, sendo 8 filhos de mães analfabetas. Observa-se, portanto, que ainda em cidades
consideradas de bom nível econômico, detectamos crianças com desnutrição.
Radiação
Os efeitos deletérios de radiações sobre o cérebro fetal foram verificados em crianças entre 10 e
11 anos de idade, expostas no período perinatal às
bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Oito em 470 expostas no período intrauterino a 0,01 Gy ou mais apresentavam retardo
mental grave, enquanto que entre 608 expostas a
níveis inferiores a 0,01 Gy não foram encontrados
casos com retardo grave. Nessa amostra de crianças
das duas cidades, entre 595 não expostas à radiação, 2 foram detectadas com retardo, considerados grupo controle. Nos dias atuais, entre outras
Oligodendrócito
fontes de radiação (acidentes
célula que produz a
em usinas atômicas, por exemmielina em torno do
axônio do neurônio
Corpo
do
neurônio
plo), as radiografias (raios X)
Dendritos
têm aumentado como recurso
Astrócito
célula que retira do
diagnóstico na Medicina, requesangue o alimento
para o neurônio; faz
rendo mais atenção na prevenAxônio
Espinhas dendríticas
trocas e influencia o
(botões) em um
ção de seus efeitos sobre o céremetabolismo de
segmento de
neurônios e sinapses
bro em desenvolvimento.
dendrito. As espinhas
são
locais
de
sinapse,
Anóxia cerebral no bebê
que recebem a
Micróglia
durante a gestação e períodos
transmissão neural
Dendritos
células que
excitatória
do
axônio
perinatal ou neonatal (perinapertencem ao
de outro neurônio
sistema de
tal refere-se ao período entre
imunidade; origem
não neural
uma semana antes e depois do
parto; neonatal: até 28 dias após
Sinapses
o parto): várias doenças materligações entre
Vasos sanguíneos
nas, placentárias ou do próneurônios
Figura
1
–
Tecido
nervoso
cerebral.
prio feto podem levar a problemas na circulação sanguínea
cerebral do feto, desde a sua formação inicial até
clínico de problema cerebral no período perinatal,
o momento do parto. Estão neste rol as doenças
nem evoluíram posteriormente (avaliados até os
maternas que afetam o estado nutricional, função
seis anos de vida) com qualquer sequela motora ou
cardíaca, renal (hipertensão) e endócrina (como
mental. Quando houve alteração no exame neurotireoide), as disfunções placentárias secundálógico por mais de uma semana, indicando comrias ao uso de cigarro, por exemplo, ou próprias
prometimento cerebral, a evolução foi com risco
da placenta, como malformações na sua circulade 80% de a criança apresentar problemas motoção e infecções percebidas e, muitas vezes, não
res, como atraso no desenvolvimento postural
percebidas pela mulher. No feto, são relevantes as
(demora para firmar o pescoço, sentar ou andar)
malformações nos diversos órgãos, ou exclusivaou paralisia cerebral (a maioria com espasticidade
mente no cérebro. Esses problemas maternos, planos membros). A deficiência mental nestes casos
centários ou fetais, muitas vezes levam ao parto
pode não ocorrer, sendo da ordem de 10% entre
em más condições e antes do tempo previsto (preaquelas com atraso motor até 80% entre aquematuro, o mesmo que pré-termo). As condições
las com paralisia cerebral mais grave. Nota-se que
ao nascimento podem ser avaliadas pelo índice de
não ocorreram casos com deficiência mental isoApgar. Esse índice foi criado em 1953 pela aneslada neste grupo, e isso tem sido reafirmado na
tesista Virgínia Apgar para avaliar objetivamente
literatura. A deficiência mental isolada (sem atraso
o recém-nascido após o primeiro minuto do nasmotor) é causada principalmente por problemas
cimento. Posteriormente, estendeu-se a avaliação
genéticos e outras causas ambientais, como expodo mesmo índice de Apgar para o quinto minuto
sição a tóxicos (álcool, chumbo e outros metais e
ou também décimo e vigésimo, conforme a necesdrogas, danosos ao sistema nervoso). A deficiênsidade. No cálculo do índice de Apgar, atribui-se
cia mental na criança que nasceu prematura pode
uma nota, que é a soma dos 5 quesitos (notas de 0
ser decorrente de um estado mais grave de problea 2 para cada um): 1) frequência cardíaca, 2) respimas na circulação cerebral no período neonatal,
ração, 3) atividade reflexa, 4) tônus e 5) tonalidade
ou quando se somam outras complicações nos prida pele, sendo 10 o máximo valor. Em casos em
meiros meses de vida, como estados de choque e
que o índice de Apgar é menor do que 7 no priinfecções, que dão comprometimento mais difuso
meiro minuto, pode ter ocorrido falta de oxigênio
cerebral.
no cérebro, com ou sem comprometimento defiQuando as causas são ambientais, existem
nitivo. Em estudo de 294 recém-nascidos nestas
particularidades segundo a causa, mas de modo
condições, 216 não apresentaram qualquer sinal
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
19
Artigos
geral, o cérebro é acometido em áreas específicas segundo a distribuição da irrigação sanguínea, por exemplo, vias de ligação entre as diversas
áreas (corticais, subcorticais, mesencefálicas, pontinas, bulbares e medulares), ou ainda a ambos e
de modo difuso.
A extensão das lesões pode ser variável, sendo
às vezes tão pequenas, que somente seriam visíveis por microscópio potente, e, nesse caso, exames de imagem cerebral de rotina, como a ressonância magnética e tomografia, resultam normais.
Estamos apontando aqui alteração na estrutura
material do cérebro (tecido cerebral), o que equivale a dizer que, comparando-se a uma máquina,
o problema estaria em alguma peça ou muitas com
defeito na sua forma (erro na fabricação da peça
ou na sua montagem).
A extensão da lesão pode não corresponder ao
grau de deficiência, pois este grau se deve a um
conjunto de fatores além do orgânico, como os
sociais (afeto familiar e acesso a meios adequados de aprendizagem). Há ainda particularidades
sobre o local da lesão, a seletividade funcional: há
lesões que acometem somente a motricidade e não
a parte responsável pela aprendizagem e capacidade de decisão, organização, atenção, concentração e habilidades para resolver desafios cotidianos.
Muitas das causas ambientais, no entanto,
levam a acometimento mais difuso, sendo exemplos os efeitos dos tóxicos e drogas como bebida
alcoólica, que acometem, entre várias estruturas,
as microscópicas espinhas dendríticas (Figura 1)
do cérebro em formação, resultando em um cérebro de volume reduzido (microcefalia) e com lentidão na transmissão de informações, além de
gerar distúrbios comportamentais, como agressividade, irritabilidade, embotamento. Um outro tipo
de lesão difusa ocorre por falhas na composição
do gene (mutações genéticas) por radiações. Também ocorrem alterações difusas no tecido cerebral,
porém com maior intensidade nas áreas responsáveis por postura e movimento, quando ocorre
algum problema na circulação sanguínea ou fornecimento de oxigênio ao feto, ou após o nascimento, principalmente se o bebê for prematuro,
levando à redução na geração de células ou suas
conexões, ou dano no tecido cerebral já formado.
20
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Uma das maiores preocupações
atuais em relação à prevenção da
deficiência intelectual e distúrbios
de comportamento nos filhos é a
tendência cultural de consumo de
álcool entre mulheres, futuras mães.
Ressalta-se que as causas citadas até aqui podem
não ser a única explicação para a deficiência intelectual detectada. A criança pode estar sujeita a
fatores adversos, que agravam a condição mental.
Entre os fatores mais comuns estão a negligência
familiar, traduzida pela falta de contato com os
pais, mesmo em famílias de boas condições socioeconômicas, com babás mal preparadas, as quais
não interagem, deixando a criança por horas a fio
em carrinho na frente de TV. E o pior, pode haver
deficiência motora, se a criança fica apenas na
cama, sem qualquer estímulo. Ocorre também o
contrário, como a superproteção familiar, em função dos cuidados que a criança requer no passo
a passo de seu desenvolvimento, especialmente
aquelas que nascem antes do termo.
Carolina Araújo Rodrigues Funayama é Livre-Docente do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (USP).
Espectrômetro
de Massas
detecta até 46
patologias
Em lesões cerebrais por qualquer das causas
citadas, muitas vezes ocorre interferência na transmissão elétrica entre os neurônios (células principais do sistema nervoso), culminando em dificuldades mentais e da linguagem, desequilibrando
o impulso nervoso e levando ao aparecimento
de epilepsia: crises convulsivas (com repuxos nos
braços e pernas) ou não convulsivas, por exemplo, as crises de quietude súbita com olho aberto,
parado, olhar distante. Também ocorre com frequência interferência na transmissão entre o córtex cerebral e medula, núcleos da base ou cerebelo,
levando a distúrbios de movimento, do desenvolvimento postural e da coordenação.
Cabe lembrar que certos problemas decorrem
somente do mau funcionamento na transmissão entre neurônios e podem ou não se apresentar com deficiência mental. Assim, é a epilepsia
como doença principal ou única ou são os distúrbios comportamentais e ainda deficiências sensoriais isoladas como na audição e visão que podem
dificultar a aprendizagem. A origem pode estar em
qualquer dos quatro fatores citados no início deste
texto.
Referências
CARAM, L.H.A. Sobre o diagnóstico de crianças seguidas
em um projeto “Estimulação Precoce”. Enfoque nos fatores
de risco e prevenção. 2002. Dissertação (Mestrado em
Neurologia). Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto,
2002.
FUNAYAMA, C.A. Estudos sobre encefalopatia hipóxicoisquêmica perinatal e neurodesenvolvimento. Livre-docência.
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo, FMRP-USP, Brasil. 2004.
MARTURANO, E.M.; ELIAS, L.C.S. Efeitos cognitivos,
neuropsicológicos e comportamentais da exposição a baixas
concentrações de chumbo na infância. Revista Medicina
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OTAKE, M.; SCHULL, W.J.; YOSHIMARU, H. A review of fortyfive years study of Hiroshima and Nagasaki atomic bomb
survivors. Brain damage among the prenatally exposed.
Journal of Radiation Research, v. 32, Suppl, p. 249-264,
1991.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
21
Artigo
Fábio Ramazzini Bechara
Direitos e garantias da
pessoa com deficiência:
um processo em construção
O
conceito de direitos humanos possui três importantes características. A
primeira identifica um modelo lógico
de questões a serem enfrentadas; a
segunda provoca uma revisão intensiva pelos tribunais quanto ao caminho por meio do qual as
referidas questões devem ser formuladas e respondidas e a terceira impõe um ônus importante à
autoridade pública de autossatisfação e de satisfação dos tribunais no sentido de que se construam
respostas adequadas.
A Declaração Universal de Direitos Humanos
de 1948 constitui o divisor de águas no reconhecimento do ser humano como sujeito de direitos, e
não mais como objeto das relações. Inúmeros tratados se sucederam ao longo dos últimos 60 anos,
tanto no plano universal, como, por exemplo, o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
e a Convenção de Viena, quanto no plano regional, como, por exemplo, a Convenção Europeia de
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Direitos Humanos e a Convenção Interamericana
de Direitos Civis e Políticos. Na mesma intensidade, foram elaborados importantes acordos internacionais, que tiveram como objeto um olhar especial sobre as minorias, como as convenções contra
o tráfico de mulheres, contra os abusos à criança
e ao adolescente, contra o trabalho escravo e, em
particular, os acordos sobre os direitos das pessoas
com necessidades especiais, como, por exemplo, a
Declaração de Salamanca e a Convenção de 2006.
Muito embora a normativa internacional não
tenha força cogente sobre os Estados que aderem,
na medida em que há qualquer sanção que os obrigue a implantá-la, é inegável que os tratados internacionais de direitos humanos acabam por exercer um papel indutor junto aos Estados, de modo
a influenciá-los ideologicamente e, assim, gerar a
sua nacionalização.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 é
um bom exemplo da influência do processo de
internacionalização dos direitos humanos, com
particular destaque para a tutela das minorias, na
medida em que prescreve como compromisso do
Estado Brasileiro uma atuação pautada pela solidariedade e pela redução das desigualdades.
As pessoas com deficiência, neste início de
século, estão protegidas normativamente de forma
mais do que suficiente. Sobram artigos da lei,
previsões em documentos internacionais e dispositivos na Constituição Federal para sustentar
o direito de serem tratadas equitativamente e na
medida da sua desigualdade. O problema não é
de lei, tampouco de reconhecimento de direitos
e garantias.
A questão que toca é de caráter eminentemente
comportamental, seja do Estado, da coletividade,
da sociedade, dos indivíduos.
Tomemos dois exemplos para ilustrar a afirmação citada e demonstrar como é possível avançar: o
direito à educação e o direito ao trabalho.
Em primeiro lugar, o
direito à educação
A Constituição Federal Brasileira reconheceu o direito à educação como direito fundamental, enquanto necessidade social básica ao pleno
desenvolvimento humano, e, ao mesmo tempo,
estabeleceu a responsabilidade pela sua promoção
e incentivo ao Estado, à família e à sociedade. Tal
regime de responsabilidade igualmente se estende
à inclusão da pessoa com deficiência, que possui
direito a um atendimento especializado preferencialmente na rede regular de ensino, pública ou
privada.
Nesse contexto, é importante reconhecer o
desempenho de dois papéis distintos por parte do
Estado: o de prestador do serviço de educação em
nível federal, estadual e municipal, e o de fiscalizador do cumprimento das diretrizes que norteiam
o ensino público e privado no país.
A exploração da educação pela iniciativa privada, enquanto expressão da livre iniciativa, fundamento da ordem econômica, não a exime dos
mesmos deveres que norteiam a Administração
Pública, principalmente no que se refere à acessibilidade à escola da pessoa com deficiência, na
medida em que presta uma função pública por
delegação.
Daí porque não prosperar o argumento de que
a rede particular de ensino não está obrigada a
matricular as pessoas com deficiência.
Soma-se ao discurso da falta de capacitação
dos profissionais o medo, a desinformação, a
ignorância, a falta de sensibilidade e, sobretudo,
a falta de crença na inclusão por parte da rede
de ensino e, principalmente, pelas famílias das
crianças e adolescentes que convivem em sala
de aula com a pessoa especial. Toda essa percepção precisa ser superada pela simples disposição
de se buscar o suporte necessário nas mais variadas áreas do conhecimento, cuja produção nacional e internacional representa importante fonte
para o aprimoramento e revisão de conceitos
tradicionais.
As experiências bem e mal sucedidas precisam
ser associadas a esse conhecimento desenvolvido
e em desenvolvimento, e somente a implementação de uma política inclusiva, corajosa e responsável pode gerar a reconstrução de um novo
pensamento. O processo de educação inclusiva
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
23
Artigos
Sobram artigos da lei, previsões
em documentos internacionais
e dispositivos na Constituição
Federal para sustentar o direito de
serem tratadas equitativamente e
na medida da sua desigualdade. O
problema não é de lei, tampouco
de reconhecimento de direitos e
garantias.
pressupõe, acima de tudo, predisposição ao novo
desafio e, ao mesmo tempo, paciência para transformar o tempo no seu maior aliado e não no
seu pior inimigo, justamente porque somente o
tempo gera o amadurecimento necessário à convivência com as diferenças, à construção da tolerância recíproca e à ruptura com o preconceito.
É importante aceitar que os métodos pedagógicos associados à educação inclusiva somente
poderão ser testados e melhorados se forem efetivamente aplicados, convertendo a teoria em
um instrumento de redução das desigualdades e
da melhora da qualidade de vida das pessoas. Da
mesma forma que as mais variadas áreas do conhecimento evoluem, a expectativa de vida da pessoa
com deficiência aumenta e suas aptidões e autonomia se confirmam, sendo fundamental que se
persista na crença da sua capacidade de superação,
adequação e transformação de si própria e do meio
que a acolhe.
O reconhecimento de um direito somente
prospera se a respectiva responsabilidade for exigida e cumprida.
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Em segundo lugar, o
direito ao trabalho
A questão que envolve a inserção da pessoa
com deficiência no mercado de trabalho merece
particular destaque. Isso porque há uma clara
combinação de cobrança de responsabilidades,
reivindicação de direitos e geração de oportunidades e vantagens.
A pessoa especial vem sendo reconhecida como
pessoa apta ao exercício de funções hoje desempenhadas por outras pessoas que possuem a deficiência, assim como o paradigma da incapacidade civil
como sinônimo de incapacidade para o trabalho
vem sendo quebrado.
O trabalho é reconhecidamente um instrumento de realização do ser humano e do desenvolvimento da sua personalidade. Não importa a
deficiência e a intensidade com que se manifesta,
é assegurado o direito de trabalhar, expressão da
autonomia sempre perseguida, núcleo essencial da
dignidade humana.
Deficiência não é sinônimo de incapacidade,
da mesma forma que incapacidade para os atos
da vida civil não é sinônimo de inaptidão para
o trabalho. Ser civilmente incapaz não significa
impossibilidade de trabalhar. Quando o Código
Civil trata da incapacidade, não procura marginalizar o incapaz, afastando-o das situações de vida
comum. Pelo contrário, a intenção é proteger dos
outros, justamente por considerar a impossibilidade ou mesmo a maior dificuldade do incapaz
em expressar a sua vontade de forma livre e consciente. Quando menor, o incapaz é representado
pelos pais e, quando incapaz por conta da deficiência ou enfermidade, este é representando pela
figura do curador. A função do representante legal
é instrumentalizar os interesses do incapaz, cujo
grau de dependência o impede de agir por sua
conta e risco em determinadas situações, e a presença do curador traduz a garantia necessária para
evitar a exploração ilegal.
Por outro lado, a evolução do grau de discernimento da pessoa especial pressupõe a adoção de
um método pedagógico apropriado, a convivência e o apoio social e familiar, o trabalho e o apoio
psicológico. As limitações naturais da pessoa especial jamais podem ser utilizadas como mecanismo
de exclusão. O reconhecimento do trabalho como
expressão de dignidade mantém-se hígido não
É importante aceitar que os
métodos pedagógicos associados
à educação inclusiva somente
poderão ser testados e melhorados
se forem efetivamente aplicados,
convertendo a teoria em um
instrumento de redução das
desigualdades e da melhora da
qualidade de vida das pessoas
somente quando gera riqueza e reflexos econômicos, mas principalmente quando proporciona
felicidade, oportunidade de aprendizado, de tratamento, de desenvolvimento. Isso significa dizer
que a pessoa especial, civilmente incapaz ou não,
tem no trabalho uma porta para restabelecer a sua
condição humana, pouco importando se o seu trabalho tem repercussão econômica.
Nesse sentido, mostra-se absurda e atentatória à dignidade da pessoa especial a aceitação do
argumento de que a formalização do contrato de
trabalho representa um obstáculo à sua inserção.
Em primeiro lugar, por mais visíveis que sejam os
sinais de deficiência, a ninguém é dado o direito
de presumir ou julgá-lo incapaz, tarefa reservada
somente ao Poder Judiciário, sob pena de restar
configurada inequívoca prática discriminatória.
Em segundo lugar, tem-se que, mesmo nos casos
em que a pessoa com deficiência é civilmente incapaz, a assinatura do contrato não será feita por ela,
mas por seu representante legal, assegurados todos
os direitos sociais que assistem os trabalhadores
em geral.
Embora o potencial de competitividade da pessoa com deficiência intelectual seja diferenciado,
isso não lhe retira o direito de trabalhar. A cadeia
de efeitos positivos gerada pela presença da pessoa
especial no ambiente do trabalho abrange desde o
reforço da imagem institucional, a interação com
o público consumidor, a satisfação dos colegas de
trabalho, até a melhora na qualidade do serviço
prestado e do produto oferecido.
A quebra do preconceito impõe o fim do medo
e da prepotência, que devem ser substituídos pela
ousadia, pela solidariedade e, principalmente, pelo
espírito empreendedor e criativo. Respeito ao próximo e oportunidade de negócios são duas percepções absolutamente conciliáveis e, ao mesmo
tempo, complementares. Constituem dois valores
que se agregam e a partir dos quais se multiplicam
os fatores positivos que decorrem de tal associação, abandonando-se de vez os aspectos negativos,
fruto da resistência e da indiferença.
Por que não acreditar na pessoa com deficiência intelectual? O que ela menos precisa é do
sentimento de piedade, mas é fundamental a confiança e a primeira oportunidade. Potencial ela
tem, como toda e qualquer pessoa. Falta mesmo é
pôr um fim, de uma vez por todas, na discriminação e acreditar no incansável poder de superação
do ser humano.
Fábio Ramazzini Bechara é Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Promotor de Justiça em
São Paulo. Ex-Diretor Presidente da APAE de São Paulo.
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of proporcionality. In: JOWELL, J.; COOPER, J. (Eds).
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internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
RAMOS, A.C. Teoria geral dos direitos humanos na ordem
internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
25
Artigo
Esper Abrão Cavalheiro e Carla Alessandra Scorza
Envelhecimento
e Deficiência
Intelectual
O
envelhecimento populacional é hoje um
proeminente fenômeno mundial. O crescimento da população idosa em relação
aos demais grupos etários é um dos maiores desafios da saúde pública contemporânea, e o
Brasil não está fora desse cenário. O envelhecimento
da população brasileira tem ocorrido de forma rápida
e intensa; basta observar que, em 1940, o país tinha
1,7 milhão de idosos, cerca de 4% da população,
enquanto que, em 1991, o contingente idoso já era
de 10,7 milhões de pessoas (7,3% do total). Atualmente, os quase 20 milhões de idosos representam
10,5% da população, e estima-se que alcançarão 32
milhões em 2020. Na China, o país mais populoso
do mundo, a projeção é ainda mais impactante, com
uma estimativa de 100 milhões de idosos em 2030.
O que está em jogo na velhice é a autonomia, ou
seja, a capacidade do indivíduo de determinar e executar seus próprios desígnios. Nesse contexto, a capacidade funcional surge como um novo paradigma de
saúde, particularmente relevante para o idoso. O
resultado é que o envelhecimento saudável passa a
ser compreendido a partir da interação multidimensional entre saúde física, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica.
Ainda assim, o envelhecimento é um tema cercado de preconceitos. A noção de fragilidade física
continua a passar a ideia de que a velhice está ligada
a estereótipos negativos, como decadência, invalidez,
infantilização, incapacidade, doença, dependência
física e econômica. Assim, percebe-se que a velhice,
sob esse enfoque, tende a relegar os idosos às margens
da sociedade e da própria família.
Essa exclusão é mais profunda e notória quando
estamos diante de um idoso com Deficiência
26
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Intelectual, alvo de vários preconceitos sociais que
se manifestam, muitas vezes, por meio de práticas
sociais discriminatórias e pela ausência de políticas
igualitárias. Nesse contexto, até a década de 1980,
os idosos com deficiência intelectual representavam
uma população essencialmente desconhecida e invisível. Porém, nos últimos 30 anos, o aumento da
expectativa de vida no grupo de pessoas com deficiência intelectual foi mais expressivo do que aquele
visto na população em geral. Esse crescimento ocorre
como resultado de melhores condições sociais, educação, saúde e aumento da expectativa de vida geral.
Como todos os indivíduos, as pessoas com deficiência intelectual também têm potencial de envelhecer com sucesso. Meio século atrás, pessoas com
síndrome de Down raramente sobreviviam além da
adolescência. Essa situação mudou inteiramente.
Para se ter uma ideia, enquanto em 1947 a expectativa de vida estava entre 12 e 15 anos, em 1989,
subiu para 50 anos. Atualmente, é comum pessoas
com síndrome de Down chegarem aos 60, 70 anos,
ou seja, uma expectativa de vida muito parecida com
a da população em geral.
Desde meados dos anos 1980, vários pesquisadores notaram a necessidade premente de entender as
novas exigências demandadas por essa população que
envelhece com deficiência intelectual. Em 1993, uma
revisão feita em nove países identificou a urgência de
políticas e desenvolvimento de serviços voltados para
esse setor. Já era tempo de revisarmos os avanços e
progressos alcançados desde então. Em março de
2010, o Journal of Policy and Practice in Intellectual
Disabilities fez uma edição especial sobre o envelhecimento. Na publicação, Christine Bigby discutiu um
dos assuntos já levantados em 1993 sobre as políticas
de apoio aos idosos com Deficiência Intelectual em
cinco países: Irlanda, Estados Unidos, Reino Unido,
Austrália e Canadá. Esses países especificaram que
todos os indivíduos com deficiência intelectual são
cidadãos iguais a todos os outros e com os mesmos
direitos aos serviços e estruturas sociais. Em comum,
existem neles fortes diretrizes políticas que incentivam a pessoa com deficiência intelectual a permanecer durante o envelhecimento no mesmo local onde
sempre esteve, seja no lar com os familiares, em lares
adotivos ou em instituições especializadas.
Houve, porém, pouco progresso na implantação
estratégica e no desenvolvimento de políticas concretas para a acomodação dessa população. Hoje, ainda
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
27
Artigos
persistem as mesmas deficiências de 20 anos atrás.
Portanto, nos cinco países estudados, há uma distância entre o que determina a lei e as práticas do
dia-a-dia. Isso nos chama a atenção para o fato de
que, mesmo nos países mais desenvolvidos, as políticas públicas não estão preparadas para lidar de forma
adequada com a questão do envelhecimento em
geral e, mais particularmente, daquele das pessoas
com deficiência intelectual.
No Brasil, por sua vez, a falta de ações públicas
específicas para essa população agrava ainda mais um
quadro bastante difícil. As iniciativas existentes em
nosso país ainda são poucas, isoladas e muito recentes. Apenas em 1998 foi criado pela APAE de São
Paulo o Centro Sócio-Ocupacional Zequinha, a primeira instituição do Brasil e da América Latina diri-
intelectual e, quando ambos envelhecem, estes últimos naturalmente substituem o cuidado que antes
estava a cargo dos pais.
Nos Estados Unidos, mais de 75% dos adultos
com deficiência intelectual moram em casa com seus
familiares cuidadores e, ainda, cerca de 25% desses
cuidadores têm mais de 60 anos. Dessa forma, cuidados também devem ser prestados aos familiares para
garantir apoio na sua desgastante tarefa. E esse apoio
tem que ir além da simples transferência de informações e orientações. O ideal é que tais pessoas participem das decisões sobre os rumos da assistência aos
seus idosos com deficiência intelectual, sabendo que
contarão com suporte técnico necessário.
A demência é outro tema abordado na edição
especial do Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities. O diagnóstico da
demência nas pessoas com deficiência intelectual é mais difícil devido à
prévia existência de déficits cognitivos. O resultado é que alterações iniciais podem não ser imediatamente
identificadas. Nesse sentido, o artigo
sugere que relatos retrospectivos feitos pelos cuidadores mostraram-se
eficientes, senão melhores do que as
taxações prospectivas na identificação
das demências.
Sabemos também que a prevalência da demência praticamente
duplica a cada cinco anos a partir dos
60 anos. Estudos mostram que adultos com síndrome de Down têm maior probabilidade de desenvolver demência precoce. Uma intrigante associação entre a doença de Alzheimer e a
síndrome de Down levou à descoberta do primeiro
gene da doença de Alzheimer no cromossomo 21,
que é o cromossomo extra, envolvido na síndrome
de Down.
De qualquer forma, dentro do leque de patologias associadas à deficiência intelectual, verifica-se
que apenas a síndrome de Down apresenta, concomitantemente, os aspectos clínicos de deficiência intelectual e envelhecimento prematuro. Acredita-se que o estudo das alterações fisiopatológicas
observadas precocemente nas pessoas com síndrome
de Down pode contribuir para o entendimento do
processo de envelhecimento biológico e, assim, para
O que está em jogo na velhice é a
autonomia, ou seja, a capacidade do
indivíduo de determinar e executar seus
próprios desígnios. Nesse contexto, a
capacidade funcional surge como um novo
paradigma de saúde, particularmente
relevante para o idoso
gida às pessoas com deficiência intelectual em fase de
envelhecimento. O novo desafio é como planejar a
velhice dos indivíduos com deficiência intelectual e
como lhes proporcionar os cuidados de que necessitam. Além do mais, quando chegam nessa fase
da vida, seus pais ou parentes próximos − ou seja,
as pessoas que geralmente lhes davam atenção desde
pequenos − ou estão muito velhos ou morreram.
Interessa perceber como as famílias lidam com o
envelhecimento do deficiente ao lado de seu próprio
envelhecimento; portanto, com o envelhecimento
mútuo. Nesse sentido, foi feito um levantamento das
publicações científicas internacionais entre 1970 e
2008 e verificou-se que pessoas com deficiência intelectual tendem a desenvolver relacionamentos fortes e duradouros com seus irmãos sem deficiência
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
o desenvolvimento de estratégias terapêuticas específicas. Ainda não está claro para os estudiosos se a
presença de demência nas pessoas com deficiência
intelectual, por outras causas que não a síndrome de
Down, ocorre na mesma proporção que na população geral.
Os principais fatores de risco à saúde dos idosos
com deficiência intelectual são parte de um universo
palpitante de questionamentos. Por exemplo, se, por
um lado, a literatura científica é rica em estudos sobre
a menopausa, por outro, pouco se publica a respeito
da menopausa nas mulheres com deficiência intelectual. Esses poucos estudos sugerem que a menopausa
acontece mais cedo nas mulheres com Deficiência
Intelectual do que na população em geral e também
que os cuidadores têm grande dificuldade em separar
as consequências físicas e psicológicas da menopausa
daqueles comportamentos e sintomas advindos da
própria deficiência intelectual. Outros aspectos de
saúde ainda pouco estudados e que demandam atenção urgente são as doenças cardiovasculares, o diabetes − que apresenta maior incidência nas pessoas com
deficiência intelectual −, a alta incidência de refluxo
gastroesofágico etc.
Ainda nessa população, foi identificada uma
maior prevalência de osteoporose e osteopenia, principalmente devido à inatividade física, à pouca exposição solar e ao uso de drogas anticonvulsivantes.
Embora já estejam bem estabelecidos os benefícios
das mudanças nos hábitos de vida na melhoria da
saúde óssea, sua importância e o fato de que a prevenção de perda de massa óssea pode ser feita com alimentação bem balanceada, suplementação adequada
e a prática regular de exercício físico, nem sempre são
do conhecimento da população. A literatura indica
que a prática de atividade física representa uma das
intervenções mais efetivas para a melhora do status
geral de saúde da população de adultos com deficiência intelectual. Um estudo piloto mostrou que foi
possível introduzir a prática de exercício físico em
idosos com deficiência física e intelectual grave, e os
resultados indicaram que 92% dessas pessoas experimentaram melhora em, pelo menos, um domínio
do funcionamento físico. Ainda quanto aos riscos à
saúde, os problemas de higiene bucal estão entre as
dez condições secundárias que mais causam limitações às atividades diárias das pessoas com deficiência
intelectual e podem causar doenças que ameaçam a
vida. A incidência de gengivite é, por exemplo, quase
o dobro daquela da população geral.
Em resumo, o quadro de boa saúde nas pessoas
idosas com deficiência intelectual é resultado de
estilos de vida e intervenções que devem acontecer
durante todo o desenrolar da vida. De acordo com
o censo populacional de 2000, que adotou os critérios da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial
de Saúde, quase 4% da população idosa brasileira é
formada por pessoas com deficiência intelectual. Essa
população também apresenta os mesmos padrões da
população idosa em geral: prevalência de mulheres
e residência em áreas urbanas. Os dados também
indicam que parcela significante desses idosos trabalha, principalmente aqueles do sexo masculino
e com renda de até um salário mínimo mensal. O
IBGE ainda não disponibilizou os dados do censo
de 2010, mas, pelas razões descritas anteriormente,
imaginamos que a população de idosos com deficiência intelectual tenha aumentado nesses dez anos.
Portanto, essas pessoas também alcançaram a terceira
idade pela maior oportunidade de convívio social,
pelo maior acesso à escola e ao mercado de trabalho e, principalmente, graças aos esforços dos pais e
familiares que muito lutaram e continuam lutando
por direitos iguais e pela inclusão de seus filhos com
deficiência intelectual.
Esper Abrão Cavalheiro é Professor Titular da Escola
Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP). Presidente do Conselho Científico da APAE de São
Paulo. Carla Alessandra Scorza é Pesquisadora do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista
de Medicina da UNIFESP.
Referências
BIGBY, C. A five-country comparative review of
accommodation support policies for older people with
intellectual disability. Journal of Policy and Practice in
Intellectual Disabilities, v. 7, n. 1, p. 3-15, 2010.
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NERI, A.L. Palavras-chave em gerontologia. Campinas, SP:
Alínea, 2005.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
29
Artigo
João Monteiro de Pina-Neto
Estudo das causas das
deficiências intelectuais no Brasil
Introdução
A solução que todos os países desenvolvidos
adotaram em relação às deficiências intelectuais
(DIs) foi o trabalho integrado nos três níveis de prevenção: o nível primário, desenvolvendo ações para
evitar que crianças com deficiências sejam geradas;
o nível da prevenção secundária, desenvolvendo
ações para o estabelecimento do diagnóstico precoce, objetivando medidas terapêuticas que evitem
o aparecimento da condição clínica (como é o caso
do Teste do Pezinho), e a prevenção terciária, que
busca limitar as consequências adversas da condição
existente, trabalho hercúleo ao qual as Associações
de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) se dedicam há tantos anos no país. Hoje, perante a realidade da melhora das condições econômicas e sanitárias no Brasil, levando à queda acentuada das taxas
da mortalidade infantil, a integração entre estes três
níveis de prevenção das DIs é a ação mais necessária
para se evitar um aumento cada vez maior de pessoas com deficiência intelectual no país. Seguindo
o exemplo pioneiro de Krinsky, na APAE de São
Paulo, estes três níveis de ação devem estar disponíveis em todas as APAEs do Brasil.
Nas quatro últimas décadas, principalmente,
tem-se constatado uma queda acentuada das
taxas de mortalidade infantil em todos os municípios brasileiros (por exemplo, em Ribeirão Preto
(SP), estas taxas caíram de cerca de 50 por mil, na
década de 1970, para cerca de 8 a 9 por mil, atualmente – conforme dados da Secretaria de Saúde
do município). O que isso significa? Que a sobrevida dessas pessoas vai aumentar cada vez mais e
que cada um nascido com DI (e que poderia ter
sido evitado na grande maioria dos casos) vai elevar o número absoluto e relativo de DI na população brasileira (cada vez mais), o que acentuará a
pressão por cuidados especiais de saúde, educação
e trabalho em níveis insuportáveis.
30
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Por outro lado, o próprio desenvolvimento dos
países leva ao aparecimento de outros fatores que
aumentam as frequências de nascimentos de pessoas com deficiência intelectual, como:
a)mudança no perfil etário dos pais, com
aumento relativo nas faixas abaixo de 20 anos
(aumentando a prematuridade e suas consequências), assim como das mulheres acima de 35
anos (facilitando as cromossomopatias numéricas), e dos homens acima de 45 anos (facilitando as doenças por mutações gênicas e translocações cromossômicas relacionadas à idade
paterna);
b) o aumento do contato com o álcool e drogas
psicotrópicas que se estabelece nas sociedades
cada vez mais cedo, os quais são potentes agentes tóxicos e teratogênicos, elevando as taxas
de lesões fetais, como, por exemplo, na região
de Ribeirão Preto, onde se constatou o uso do
álcool em níveis nocivos entre 10 e 30% das
gestantes em diferentes municípios, o que leva
a taxas assustadoras de até 1% dos recém-nascidos com lesões decorrentes do uso do álcool;
c) falta de controle da automedicação na gestação, pelo acesso fácil, por exemplo, ao abortivo
misoprostol;
d) universalização dos maus hábitos alimentares,
elevando as taxas de obesidade mórbida e de
carências alimentares específicas, como a hipofolemia, aumentando as taxas de malformações
fetais;
e)falta de compreensão dos fatores genéticos
como responsáveis por parcela significativa das
DIs e, em consequência, falta de diagnósticos corretos, falta de definição das famílias em
alto risco genético de recorrência e de seguimento das gestações subsequentes, com altas
taxas de recorrência e pauperização maior pelo
aumento de incapazes na família.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
31
Artigos
É importante saber que, quanto
menor for o recém-nascido (por
exemplo, com menos de 1.000 g
possuem uma chance de cerca
de 80% de DI), maiores são as
chances de desenvolver quadros
hemorrágicos e anóxicos no
período perinatal, mesmo que
estejam em uma boa UTI infantil
O sistema das APAEs e outras entidades que
se dedicam ao atendimento às pessoas com DI no
Brasil desenvolveram muito bem o nível secundário (universalização do Teste do Pezinho) e terciário de prevenção. O momento é o de ampliar o
trabalho de prevenção primária das DIs. Para isso,
torna-se necessário entender melhor as causas destas deficiências.
Estudos das Causas de DI em APAEs
da Região de Ribeirão Preto (SP)
Por que estudar as causas de DI no Brasil?
Em que local estudar?
O que se tem hoje na maioria das capitais e
cidades maiores do interior do país (principalmente do Sul e Sudeste brasileiro) para o atendimento médico e de saúde das pessoas com DI
são ambulatórios em hospitais de nível terciário (geralmente universitários) que se dedicam à
Neuropediatria, à Genética e à Psiquiatria infantil.
Esses ambulatórios têm pouca troca de experiências, por não serem integrados, e são muito centralizadores, levando ao erro de deslocar o atendido
das APAEs, que possui geralmente um agravo crônico, para consultas nestes locais de alta complexidade, desnecessariamente. Cada grupo desses,
que atende pessoas com DI, tem uma visão parcial
32
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
sobre as doenças envolvidas com a DI, e atende
a aspectos específicos (distúrbios comportamentais, epilepsia, síndromes genéticas, etc). O que é
necessário é a integração dos esforços.
Por outro lado, as instituições têm dificuldade
de conseguir vagas para encaminhar seus atendidos para avaliações nesses centros e, muitas vezes,
mesmo que estes recebam atendimento, os resultados são pouco aproveitados e, frequentemente,
são desconsiderados por falta de maior integração e pela crença de que o máximo que se precisa
conhecer sobre uma DI é o nível de atraso ou as
necessidades a serem estimuladas e, com isso, controlar seu comportamento. Uma vez mais, isso é
resultante da falta de integração. Os médicos existentes nas instituições para pessoas com DI normalmente estão voltados para o trabalho de controle dos agravos agudos de saúde ou dos crônicos
restritos a sua especialidade, sem uma visão holística e uma visão geral das causas das DIs, não procurando conhecer qual é a doença específica do
seu atendido e o que este diagnóstico significa,
sem conhecer melhor a história natural do agravo,
além de incorrer no erro de não prevenir recorrências que sabidamente podem ocorrer em cerca de
15 a 20% das famílias. Essa situação leva a que,
no Brasil, apesar de se trabalhar com DI há muito
tempo, não se saibam em termos reais as prevalências e incidências dos diversos agravos que estão
envolvidos com a DI, conhecimento essencial para
o delineamento da prevenção primária.
Quais são as causas de DI no Brasil?
O grupo de pesquisa em Genética da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto,
vem fazendo um estudo usando metodologia adequada e extensa em quatro APAEs no município de São Paulo (Batatais, Altinópolis, Serrana
e Limeira) no qual cerca de mil pessoas com DI
estão sendo avaliadas. O estudo está completo em
duas APAEs, com 200 pessoas com DI avaliadas.
Este grupo é caracterizado por um predomínio
acentuado de DI grave (86%), somente 6% de DI
leve, e 8% de crianças abaixo de 3 anos caracterizados como atraso neuropsicomotor. Nesta amostra há predomínio do sexo masculino (57%), e as
idades variam de abaixo de 1 ano a 69 anos. A
metodologia empregada envolve história clínica
completa, heredograma, exame físico detalhado,
incluindo exames neurológico e dismorfológico,
e a obtenção de exames complementares detalhados como exame de imagem do SNC (145 estudos de neuroimagem em 200 casos), cariótipo (91
em 200 casos), exames de DNA principalmente a
triagem da Síndrome do X-frágil por PCR (35 em
200 casos) e exames metabólicos para erros inatos
do metabolismo (17 em 200 casos).
Os diagnósticos etiológicos (de causa da DI)
obtidos foram:
a) causa genética = 29% - 58 em 200 casos;
b) causa não genética ou ambiental = 42,5% - 85
em 200 casos;
c) provável doença genética (necessitando confirmação) = 7 em 200 casos;
d) doença de ocorrência esporádica sem etiologia
definida na literatura = 3 em 200 casos;
e)doença cuja etiologia é heterogênea sendo
impossível definir no caso estudado = 7 em
200 casos;
f ) doença com diagnóstico não definido = 40 em
200 casos.
As causas ambientais ou não genéticas foram:
a)encefalopatia hipóxico-isquêmica ou injúria
anóxica = 16,5% (33 em 200 casos);
b) prematuridade = 14% (28 em 200 casos);
c) infecção congênita = 5,5% (11 em 200 casos,
sendo 7 casos de toxoplasmose, 1 caso de rubéola congênita, 1 de citomegalovirose e 2 casos
de infecção sem definir o tipo);
d)infecção pós-natal = 3,5% (7 em 200 casos,
sendo todos de meningite bacteriana);
e) teratógenos químicos = 2,5% (5 em 200 casos,
sendo todos da síndrome do álcool fetal. Neste
caso, cabe o questionamento se é esta a prevalência atual nas APAEs do Brasil, com níveis de
predomínio de DI grave);
f ) sequela de traumatismo cranioencefálico = 1
caso em 200.
As causas genéticas foram:
a) cromossômicas = 14% (28 em 200, sendo 24
casos de síndrome de Down e 4 anomalias cromossômicas estruturais, sendo 2 familiais e 2
novas ou não familiais);
b)monogênicas = 14,5% (29 em 200 casos,
sendo 16 síndromes genéticas, das quais 12
autossômicas recessivas, 2 ligadas ao X recessivas, 1 autossômica dominante e 1 doença de
O sistema das APAEs e outras
entidades que se dedicam ao
atendimento às pessoas com
DI no Brasil desenvolveram
muito bem o nível secundário
(universalização do Teste do
Pezinho) e terciário de prevenção
imprinting) e 13 famílias de DI pura ou não
sindrômicos (das quais 8 autossômicas dominantes, 4 ligadas ao X recessivas e 1 autossômica recessiva);
c) multifatorial = 1 caso.
Como se pôde verificar, pelo menos 28 famílias
em 200 (14%) possuem alto risco de recorrência
da doença na irmandade. Precisam de aconselhamento genético não diretivo contínuo e seguimento reprodutivo.
O estudo realizado mostrou que há necessidade de se estudar mais instituições nesta região
para conhecer melhor as frequências relativas de
cada uma das causas de DI e, principalmente,
estudar instituições com predomínio de DI leve,
para se elucidar melhor a etiologia deste tipo de
DI, o que este grupo está realizando agora em duas
outras APAEs que possuem ainda um número
relativamente alto de DI leve entre seus atendidos.
O grupo está, também, introduzindo novas metodologias genéticas (como estudos de microdeleções e microduplicações por MLPA e array-CGH,
e estudos de mutações de genes do cromossomo
X em DI pura) e realizando revisão detalhada nos
casos sem diagnósticos definidos para elucidação
mais completa das etiologias.
Apesar de estes dados serem provenientes de
uma amostra pequena de DI estudadas, ao realizar uma análise comparativa em relação aos dados
obtidos no estudo de Stevenson e colaboradores,
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
33
Artigos
Apesar de a amostra do estudo brasileiro ainda ser pequena,
é representativa de dois municípios relativamente pequenos
(populações de 20 a 30 mil habitantes) do interior de São Paulo
e de uma das regiões mais ricas e desenvolvidas do país. O que
chama a atenção na comparação com os estudos da Carolina do
Sul, nos Estados Unidos?
1)A grande incidência das causas ambientais nos municípios
brasileiros estudados (prevalência de 42,5%, em relação a
18% nos Estados Unidos). E em quais fatores ambientais se
concentram essas diferenças tão grandes? Na prevalência de
acidentes hipóxico-isquêmicos (injúria anóxica) e prematuridade.
Ao realizar uma comparação, observam-se 16,5% de injúria e
14% de prematuridade na amostra estudada no Brasil, num
total de 30,5%, enquanto esses dois fatores juntos, nos Estados
Unidos, representam somente 10%. Ao avaliar a questão das
infecções na amostra estudada, a prevalência é de 9%, em
relação a 5% nos Estados Unidos (quase o dobro). A questão
da teratogênese química, principalmente representada pelo uso
nocivo do álcool, mostrou-se semelhante aqui (2,5%) e lá (2%).
Acredita-se que o problema do álcool aqui no Brasil ainda vá
aumentar muito na próxima década. Em análise que foi realizada
sobre o ano de nascimento dos afetados por DI devido à injúria e
prematuridade, a impressão que se tem é de que o número vem
aumentando a cada ano, talvez em função da maior sobrevida
de prematuros extremos e anoxiados graves;
2)As causas genéticas envolvidas com a DI grave parecem
semelhantes tanto aqui (29%) quanto nos Estados Unidos (29%).
O que preocupa nestas causas? A falta de reconhecimento (de
diagnóstico). Por outro lado, há um número considerável de
doenças genéticas com porcentagem considerável (14%) de
famílias com alto risco de recorrência. Geralmente as famílias
não sabem e vão tendo filhos com deficiências, e, assim,
agravam-se os problemas familiar e social. É importante,
também, notar a grande prevalência da síndrome de Down (24
em 200 casos), mesmo em municípios pequenos, com cerca de
400 nascimentos anuais (o que leva à estimativa de que surja
1 caso de síndrome de Down a cada 1 ou 2 anos). Este número
alto provavelmente deve-se à sobrevivência aumentada em
função dos cuidados médicos e sociais. Também chama muito
a atenção o número relativamente grande de famílias com DI
pura, com diferentes etiologias genéticas, patologias que não
são vistas em Hospitais Terciários (pois são casos de DI leve a
moderada, sem outras alterações orgânicas). Ressalta-se o fato
de que, atualmente, estas famílias com DI pura passam a ser
muito importantes nas pesquisas genéticas relacionadas à DI, já
que inúmeros genes estão sendo mapeados e clonados a partir
destas famílias;
3)Há grande (na verdade, enorme) diferença de não diagnóstico
nos Estados Unidos (56%) em relação ao nosso estudo (20%).
Por que isso ocorre? Não se sabe toda a resposta. Talvez
seja porque ao se controlar as causas ambientais, as causas
genéticas ainda não conhecidas (novas síndromes, novos
mecanismos genéticos ainda não revelados por falta de
tecnologia adequada), aumentem e também sua importância
relativa. É um assunto para discussão.
34
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
realizado na Carolina do Sul, Estados Unidos, em
cerca de 10 mil DI estudadas, constata-se que:
a) causas genéticas = 29%; porcentual exatamente
igual ao obtido no estudo brasileiro, sendo 11%
de cromossomopatias (porcentual muito próximo da amostra brasileira de 14%), 8% de
doenças monogênicas (porcentual um pouco
menor do que a amostra brasileira de 14,5%);
b) causas não genéticas ou ambientais = 18%, porcentual muito menor do que aquele obtido
neste estudo, que foi de 42,5%, com uma frequência de encefalopatia hipóxico-isquêmica de
5% (diferentemente da amostra brasileira, de
16,5%), prematuridade de 5% (diferentemente
da amostra brasileira, de 14,5%), infecções =
5% (diferentemente da amostra brasileira, de
9%) e agentes químicos de 2% (diferentemente
da amostra brasileira, de 2,5%);
c) causas desconhecidas = 56%, taxa muito elevada em relação ao estudo brasileiro, que foi de
20%, provavelmente pelo maior controle das
causas ambientais, aumentando relativamente
os casos em que o nível da ciência atual não
consegue detectar a causa subjacente.
Ficou claro, também, para o grupo de pesquisa
que, ao sair da atuação somente em Hospitais Terciários e se envolver diretamente com as instituições que atendem diariamente as DIs, se alcançou
a possibilidade de maior geração de dados muito
importantes para conhecimento da realidade brasileira sobre as causas de DI em nossas populações
e de que esses dados são fundamentais para se que
se organizem estratégias de prevenção primária no
Brasil.
Definições dos grupos de causas
de Deficiência Intelectual
Para uma melhor compreensão das causas de
DI em cada uma das APAEs é necessário que todas
as equipes dessas instituições busquem compreender as diferentes etiologias da DI e os métodos de
estabelecer a causa em cada um dos seus atendidos. Para isso, é importante ter definidos os grupos de causas e, como se estabelece em cada caso,
a causa principal do agravo intelectual.
As causas não genéticas ou ambientais são
identificadas mediante a avaliação das condições da saúde materna durante o período
pré-natal, das condições do parto e nascimento
e do exame clínico do atendido, o qual pode
ser feito pelo pediatra da instituição. As causas comuns não genéticas, conforme observado
anteriormente, são condições que lesam o sistema nervoso central, como sofrimento fetal
crônico ou agudo, dificultando a oxigenação
do encéfalo, levando à injúria anóxica perinatal, que parece ser ainda a causa mais comum
de DI no Brasil, principalmente das DIs graves. No exame físico desse tipo de atendido,
ficam evidentes a microcefalia (ou seja, a diminuição do perímetro cefálico), o desenvolvimento de quadros motores de paralisia cerebral, o aparecimento de crises convulsivas, a
ausência de malformações associadas e o quadro de lesões típicas de anóxia nos exames de
neuroimagem.
A prematuridade tem um mecanismo semelhante para levar uma criança a desenvolver
quadros de DI, ou seja, apresenta também
quadro de lesões de injúria anóxica, porém
devendo ser diferenciada da anóxia da criança
a termo, já que é importante saber, nas APAEs
do Brasil, quantos são atendidos por causa das
condições do pré-natal, que levam à prematuridade, visando a estabelecer a prevenção dessas condições nas comunidades brasileiras. É
importante saber que, quanto menor for o
recém-nascido (por exemplo, com menos de
1.000 g possuem uma chance de cerca de 80%
de DI), maiores são as chances de desenvolver quadros hemorrágicos e anóxicos no período perinatal, mesmo que estejam em uma boa
UTI infantil. Além destas, as infecções congênitas, como a toxoplasmose (que parece ser a
mais frequente em na região estudada), a rubéola congênita e a citomegalovirose são causas
não genéticas importantes e podem ser diagnosticadas e controladas na gestação, sendo de
relativa facilidade de diagnóstico pela microcefalia, cataratas, lesões de fundo de olho, surdez, lesões cardíacas, lesões cutâneas, etc. Das
infecções pós-natais, a meningite bacteriana é
a principal a ser controlada. Em relação a agentes químicos, se destacam as ações do álcool na
gravidez, tanto a síndrome alcoólica como os
efeitos fetais do álcool, como o uso indiscriminado do Misoprostol como agente abortivo.
Para uma melhor compreensão
das causas de DI em cada
uma das APAEs é necessário
que todas as equipes
dessas instituições busquem
compreender as diferentes
etiologias da DI e os métodos de
estabelecer a causa em cada um
dos seus atendidos
Em relação às doenças genéticas, a principal que se encontra nas APAEs é a síndrome
de Down. Quando se deve indicar o estudo
do cariótipo na síndrome de Down? Principalmente nos casais jovens que ainda vão ter
filhos, pois é importante saber se a criança
que nasceu com Down é devido a um acidente
genético (com risco de recorrência entre 1 e
2%) ou se é um caso familial por translocação
balanceada presente em um dos pais (quando o
risco teórico de recorrência na irmandade pode
ser alto, cerca de 33 ou até de 100%). Quando
outros atendidos devem fazer estudo de cariótipo? Essa é uma questão que o geneticista é
quem deve indicar o cariótipo e o fará em todos
as DI leves, e, nos graves, somente naqueles
em que os fatores ambientais foram excluídos
e que possuam malformações ou dismorfias
associadas. Outra importante orientação para
localizar os casos genéticos é a realização de um
exame clínico-dismorfológico detalhado e criterioso do atendido, o qual deve ser realizado
pelo geneticista. Também o estudo da genealogia das famílias é outro importante recurso
para o diagnóstico das doenças genéticas. Portanto, um geneticista é de fundamental importância e deveria ser disponibilizado para todas
as APAEs do país.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
35
Artigos
O sistema das APAEs e outras
entidades que se dedicam ao
atendimento às pessoas com
deficiência intelectual no Brasil
desenvolveram muito bem o nível
secundário (universalização do Teste
do Pezinho) e terciário de prevenção
Comentários finais
Em termos práticos, o que se pode fazer nas
APAEs brasileiras?
a)a criação de um grupo de prevenção em
cada APAE, que promova ações de prevenção primária nos municípios brasileiros,
por meio da divulgação, em nível municipal, dos fatores de risco, principalmente o
esclarecimento do perigo de álcool e drogas
na gravidez, da automedicação, da necessidade do seguimento do pré-natal pelas gestantes (e a melhora da sua qualidade) e de
uma boa atenção peri e neonatal nos municípios (incentivar o parto normal);
b) a organização de palestras no calendário das
escolas do município, sobre educação para
adolescentes e sobre os fatores de risco. Procurar os professores de Ciências e organizar o ensino sobre fatores de risco para o
desenvolvimento fetal; enfatizar os perigos
do álcool e das drogas;
c)o levantamento, nas APAEs, de todas as
famílias que possuem mais de um membro afetado por DI, e a disponibilização
de geneticistas para orientação de diagnóstico e prevenção. Estas famílias com mais
de um membro afetado são as mais importantes para o seguimento reprodutivo. Para
isso, organizar grupo de aconselhamento na
instituição;
36
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
d) a busca, junto aos médicos das instituições,
para organizar os grupos diagnósticos, procurando definir quais casos são devidos a
agentes ambientais (por exemplo, para um
pediatra ou um neurologista é relativamente fácil estabelecer quem foi afetado
por anóxia, prematuridade ou infecções).
Neste grupo, um exame de neuroimagem
auxilia muito o diagnóstico;
e)para os casos mais difíceis, os sindrômicos, fazer fotos evidenciando as características físicas e buscar contato com geneticistas disponíveis na região, ou mesmo utilizar
consultas on-line, para detalhamento dos
diagnósticos e levantamento de quais exames são necessários;
f ) para os grupos de alto risco genético de recorrência, ressaltar a importância de aconselhamento genético e seguimento reprodutivo;
g)atuação junto às equipes de pré-natal dos
municípios, conscientizando-as sobre a questão do controle da qualidade do pré-natal e
do parto e organizando a aplicação de um
instrumento de detecção do uso nocivo do
álcool na gestação (T-ACE ou AUDIT).
Uma vez detectada uma gestante que faz uso
nocivo, realizar encaminhamento urgente
para a equipe de saúde mental do município;
h) organização, junto com o PSF de cada município, de ação e detecção casa a casa de pessoas com deficiência intelectual dos municípios e repassar ao PSF as famílias em risco
genético alto de deficiência intelectual para
seguimento reprodutivo e médico da família.
João Monteiro de Pina-Neto é Professor Titular de
Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (USP).
Referências
KRINSKY, S. Novos Rumos da Deficiência Mental. São Paulo:
Sarvier, 1983.
PINA-NETO, J. M. Deficiência Mental (ou Intelectual):
Atualização Terapêutica. Ed. ArtMédica. No prelo.
STEVENSON, R.E.; SCHWARTZ C.E.; SCHROER, R.J. X-linked
Mental Retardation. Oxford University Press (Monography
on Medical Genetics no. 39). Oxford: Oxford University Press,
2000.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
37
Artigo
Ricardo Mario Arida
Impacto da atividade
física em pessoas com
deficiência intelectual
A
pesar de estudos indicarem a atividade física como uma importante ferramenta para manter ou melhorar a
saúde de pessoas com deficiência intelectual (DI), essa intervenção tem recebido pouca
atenção no meio científico. Ainda, a literatura
científica apresenta pouca informação a respeito
da influência da atividade física, de programas
de exercícios físicos ou de atividades esportivas.
Antes de fornecer informação sobre esse assunto,
é importante definir os termos “atividade física”,
“exercício” ou “atividade esportiva”.
Entende-se por atividade física qualquer movimento corporal produzido por contração muscular que aumente o gasto energético. Quando a atividade física é realizada regularmente, sua definição
muda para exercício físico, pois o organismo adapta-se a esse estímulo por meio de modificações morfológicas e funcionais que podem resultar em desenvolvimento do desempenho físico e benefícios à saúde
em geral. Atividade esportiva é uma atividade física
sujeita a determinados regulamentos e que geralmente visa à competição entre praticantes. Destaca-se também a necessidade de habilidades e capacidades motoras e a regência de uma confederação.
Pessoas com DI apresentam alta taxa de doenças crônicas associadas com níveis baixos ou insuficientes de atividade física. Apesar de apresentarem
os mesmos problemas de saúde que a população
sem DI, quando comparados com a população em
geral, apresentam um maior índice de massa corporal
(valores de obesidade), baixa condição cardiorrespiratória, redução da flexibilidade, da força, da potência muscular e de habilidades motoras. Um estilo de
vida sedentário ou uma baixa participação em atividades físicas ou esportivas são as principais razões
para os resultados desfavoráveis descritos acima.
38
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Esforços na promoção
de atividades físicas
A maioria dos estudos que investigam e incentivam programas de exercício físico para pessoas com
DI são conduzidos em países desenvolvidos (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá), onde existem
maiores recursos para o apoio às pesquisas e assistência para indivíduos com DI. Em países desenvolvidos, as agências governamentais têm promovido
campanhas de saúde para pessoas com DI, considerando que essa população específica apresenta um
estilo de vida sedentário e, consequentemente, associado a problemas de saúde. Dessa forma, muitos
esforços têm sido realizados para desenvolver estratégias para melhorar a condição de saúde e níveis de
atividade física para pessoas com DI.
A implementação de programas de exercícios
físicos tem atraído muito interesse de “cuidadores” de pessoas com DI nos últimos anos. Entretanto, alguns pesquisadores no assunto têm observado que uma das maiores barreiras para o sucesso
desses programas é a falta de motivação para manter as atividades esportivas e protocolos de exercícios físicos adequados por períodos de tempo suficiente para se verificarem os efeitos benéficos da
atividade física regular. Dentre as várias justificativas, o déficit cognitivo parece ser um fator importante para esse insucesso.
Dos vários critérios estabelecidos por diferentes organizações, o Colégio Americano de Ciências do Esporte (American College of Sports Medicine – ACSM) e a Associação Americana de
Cardiologia (American Heart Association – AHA)
indicam 30 minutos ou mais de atividade física
aeróbia moderada e atividade de resistência muscular em vários dias da semana, preferencialmente
todos os dias. Estudo recente mostrou que apenas
uma pequena proporção de adultos com DI (17,5
a 33%) encaixa-se nos critérios estabelecidos para
indivíduos ativos. Outras pesquisas mostram que
pessoas com DI são mais ativas durante a semana
do que nos fins de semana, com uma grande variação na quantidade e tipo de atividade física praticada. Resultados positivos são observados em
pesquisas que utilizam estratégias para aumentar
a prática de atividade física regular. Por exemplo,
estudos mostraram que programas de exercício
físico de 12 a 18 semanas aumentaram significantemente a capacidade aeróbia desses indivíduos.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
39
Artigos
Além de programas de exercício físico, as atividades esportivas podem ter um papel importante
na melhora da autoestima e sociabilização de indivíduos com DI. Nesse sentido, mostrou-se recentemente que a prática de esportes apresentou melhor
efeito na condição física geral desses indivíduos do
que outros programas de exercício físico ou mesmo
atividades recreacionais ou de lazer. Uma vez que
existe pouca informação na literatura a esse respeito,
devemos considerar que o exercício físico regular, de
forma geral, quando aplicado coerentemente, pode
promover benefícios para essas pessoas.
Fatores determinantes na
participação de atividades físicas
É importante identificar os fatores que influenciam a participação de pessoas com DI em atividades físicas e, nesse sentido, estratégias são utilizadas
para motivar a participação e aderência nos programas de exercícios físicos. Trabalhos da literatura
científica descrevem que vários tipos de recompensas ou estímulos como prêmios, medalhas, música
etc. modificaram o comportamento dos participantes, fazendo com que eles aumentassem o tempo e
a frequência de exercício físico durante a semana.
Portanto, essas informações indicam que as pessoas
com DI aumentam sua participação em atividades
físicas ou esportivas com reforço extrínseco positivo.
Em contrapartida, observou-se que a falta de reforço
extrínseco interferiu na participação nessas atividades. Por exemplo, em um estudo foi observado que,
após um período de 6 meses de exercício físico supervisionado, a maioria dos participantes (87%) interrompeu a prática de exercícios físicos, mesmo com
o apoio de material para sua realização. Apesar dos
estudos demonstrarem uma descontinuidade dessa
atividade na população sem DI, essa atitude parece
ser mais evidente em pessoas com DI.
Várias barreiras na participação de atividades físicas e/ou esportivas são observadas, como a falta de
profissionais treinados, superproteção por parte dos
profissionais da área da saúde, facilidades para a prática de exercício físico, entre outros. Como exemplo, podemos considerar que o custo de serviços e
transporte pode ser muito maior para as pessoas com
DI que apresentam certa dependência. Ainda, um
melhor conhecimento dos profissionais da área de
Educação Física para modificar ou ajustar os exercícios físicos para diferentes níveis de habilidades
40
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
motoras pode contribuir para uma
melhora dessa condição. Os fatores
que influenciam negativamente na
participação são similares em adolescentes e adultos.
Outros pesquisadores sugerem
que os baixos níveis de condição
física em pessoas com DI pode estar
atribuído a: 1) vida sedentária e poucas oportunidades de participação
em programas estruturados de exercícios físicos; 2) característica física,
como baixa estatura; 3) pouca coordenação e eficiência nos movimentos e 4) falta de motivação durante as
atividades e tendência a interrompê-las quando se sente desconfortável.
A seguir, são descritas algumas estratégias que podem ser implementadas
nos programas de exercício físico para
pessoas com DI:
a)incluir estratégias motivacionais e reforço
positivo;
b) incluir atividades físicas com intensidades baixa
e moderada (por exemplo, caminhadas) para
não criar excessivo desconforto durante o esforço
físico;
c) promover atividades prazerosas e que envolvam
interação social;
d) selecionar atividades apropriadas para cada faixa
etária;
e) estar preparado para modificar as atividades físicas, quando necessário, a fim de acomodar os
diferentes tipos de habilidades motoras encontradas em pessoas com DI.
Entende-se por atividade física qualquer
movimento corporal produzido por contração
muscular que aumente o gasto energético.
Quando a atividade física é realizada
regularmente, sua definição muda para
exercício físico, pois o organismo adapta-se
a esse estímulo por meio de modificações
morfológicas e funcionais que podem resultar
em desenvolvimento do desempenho físico e
benefícios à saúde em geral
Atendido
da APAE DE
SÃO PAULO
em atividade
esportiva
Conclusão
As informações da literatura científica indicam
que a maioria das pessoas com DI não participa
“suficientemente” de atividades físicas para alcançar os benefícios esperados. Considerando-se o risco
de aumento de doenças crônicas nessa população,
o incentivo à participação em atividades físicas e/
ou esportivas é de suma importância. Apoio social e
familiar são fundamentais para a iniciação e manutenção dos programas de atividade física ou esportiva.
Ricardo Mario Arida é Professor Adjunto do Departamento
de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Referências
FREY, G.C.; STANISH, H.; TEMPLE, V.A. Physical activity of
youth with intellectual disability: review and research
agenda. Adapted Physical Activity Quarterly, v. 25, n. 2, p.
95-117, 2008.
GRAHAM, A.; REID, G. Physical fitness of adults with an
intellectual disability: a 13-year follow-up study. Research
Quarterly for Exercise and Sport, v. 71, n. 2, p. 152-161,
2000.
HASKELL. W.L., et al. Physical activity and public health:
updated recommendation for adults from the American
College of Sports Medicine and the American Heart
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39, n. 8, p. 1423-1434, 2007.
HELLER, T.; HSIEH, K.; RIMMER, J.H. Attitudinal and
psychosocial outcomes of a fitness and health education
program on adults with Down Syndrome. American Journal
of Mental Retardation, v. 109, n. 2, p. 175-185, 2004.
PATE, R.R., et al. Physical activity and public health. A
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Prevention and the American College of Sports Medicine.
JAMA, v. 273, n.5, p. 402-407, 1995.
RIMMER, J.H., et al. Improvements in physical fitness in
adults with Down syndrome. American Journal of Mental
Retardation, v. 109, n. 2, p. 165-174, 2004.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
41
Mitos e verdades
em Deficiência Intelectual
Planos de Saúde podem rejeitar
a inclusão de pessoas com
deficiência
_Mito
A recusa de inclusão em plano de assistência
médica para atendimento a uma pessoa com
deficiência intelectual constitui hipótese de
discriminação, conforme o artigo 14 da lei
federal nº 9.656/98, de 3 de junho de 1998.
Não pode haver impedimento de participação
nos planos ou seguros privados de assistência
à saúde às pessoas com deficiência.
As pessoas com deficiência
intelectual são totalmente
dependentes
As pessoas com deficiência intelectual podem
trabalhar normalmente em empresas e
organizações
_Verdade
A lei 8.213/91 prevê a contratação de pessoas com deficiência
e estabelece a contratação por parte das empresas com cotas
para deficientes, conforme o número de trabalhadores que
possui. A lei tem beneficiado muitas pessoas com deficiência
intelectual e dá oportunidade de inclusão social por meio do
trabalho. A pessoa, para ser incluída na cota de uma empresa,
tem que comprovar que possui a deficiência por meio de laudos
médicos atualizados. As pessoas com deficiência intelectual,
dependendo de suas habilidades e potenciais, se devidamente
preparadas, podem participar de processos de seleção e exercer
determinadas funções no ambiente social. Em geral, a pessoa
com deficiência intelectual habilitada para o trabalho pode
exercer diversas atividades em vários setores nas mais diferentes
empresas. Podem ser professores, atores, modelos, cozinheiros,
mensageiros, assistentes administrativos, entre outras funções,
pois suas habilidades estão vinculadas, exclusivamente, às suas
limitações, potenciais, qualidades, dificuldades e características
específicas.
42
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
_Mito
As pessoas com deficiência intelectual
têm suas habilidades vinculadas às suas
limitações. Entretanto, com a devida educação
e preparação para a vida em sociedade,
muitas dessas pessoas podem fazer quase
tudo sozinhas, e devem ser auxiliadas
somente naquilo que for necessário, para que
garantam sua autonomia, independência e
protagonismo de suas próprias vidas. Existem
pessoas com deficiência intelectual que são
muito independentes, trabalham, estudam, se
deslocam sozinhas, se casam e têm vida sexual
ativa. Além disso, podem ter autonomia para
decidirem suas vidas pessoais e profissionais.
É fato que as pessoas com atraso cognitivo
precisarão de mais tempo para aprender as
competências necessárias para cuidarem de si
mesmas e para o aprendizado em geral. Porém,
a grande maioria das pessoas com deficiência
intelectual consegue aprender a fazer muitas
coisas nos ambientes escolar, familiar e social
e todas elas são capazes de aprender algo útil
e para seu bem-estar na comunidade em que
vivem. Para tanto, necessitam de mais tempo
e de apoio adequado a fim de aprender e se
desenvolver, mas com ajuda, podem viver de
maneira satisfatória.
Deficiência intelectual é a
mesma coisa que doença mental
_Mito
Não! Muita gente confunde, mas
são coisas bem diferentes. O
Transtorno Mental é uma doença
psiquiátrica e seu tratamento
é feito com o uso de remédios,
receitados por um psiquiatra. Já a
deficiência intelectual é apenas
um atraso no desenvolvimento.
A pessoa tem dificuldades em
aprender certas atividades, porém
não está doente.
A deficiência intelectual não deve
ser confundida com uma doença
mental, como a esquizofrenia, por
exemplo. A deficiência intelectual
é caracterizada por limitações
significativas no funcionamento
intelectual envolvendo o
raciocínio, a capacidade de
resolver problemas, de pensamento
abstrato, de compreender
idéias complexas, de aprender
rapidamente e de aprender com
a experiência. Essa deficiência
origina-se antes dos 18 anos.
As pessoas com deficiência
intelectual necessitam de super
proteção
_Mito
As pessoas com deficiência intelectual devem
ser incentivadas a se tornarem independentes
e aprender a ter responsabilidades, de modo
a desenvolver suas competências e, assim,
ganhar autonomia. Devem também aprender
a se comunicar com outras pessoas, participar
da vida familiar e satisfazer suas necessidades
pessoais, tais como comer sozinho, tomar
banho, aprender a reconhecer e usar o dinheiro.
Além disso, precisam ser incentivadas a
participar de atividades sociais e a desenvolver
competências sociais, compreendendo questões
de saúde e segurança, bem como ter acesso,
no mínimo, à educação formal básica (leitura,
escrita e matemática básica).
As crianças com deficiência intelectual
têm direito ao ensino comum e ao ensino
especializado
_Verdade
Até pouco tempo, os pais eram obrigados a escolher se queriam
matricular seu filho em uma escola especial ou comum, pois não
havia articulação formal entre os dois sistemas. Hoje, a criança
com deficiência tem o direito de se integrar às duas modalidades
de ensino, não a uma ou a outra, ou seja, ela tem direito aos
dois atendimentos. Assim, o aluno com deficiência intelectual
tem o direito de estudar na escola comum e, no contraturno,
receber o atendimento educacional especializado, voltado à suas
características específicas, sendo que os profissionais envolvidos
devem manter constante diálogo.
As pessoas com deficiência intelectual são
doentes
_Mito
A deficiência intelectual não é uma doença, é uma limitação, uma
condição que pode ser resultado ou consequência de uma doença.
Portanto, não existe tratamento, mas sim acompanhamento,
que deve ser realizado por meio de trabalhos terapêuticos, com
profissionais de Psicologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e
Fonoaudiologia, com acompanhamento médico, caso necessário.
Como não é uma doença, não pode ser contraída por meio
de contágio. Além disso, a convivência com as pessoas com
deficiência intelectual não provoca nenhum prejuízo ou dano nas
pessoas que não a possuem.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
43
Mitos e verdades em Deficiência Intelectual
As pessoas com deficiência
intelectual são mais carinhosas e/
ou são agressivas
_Mito
As pessoas com deficiência intelectual não são
mais ou menos carinhosas ou agressivas. Elas
são como as pessoas normais, que podem ou
não ter essas características. Podem ser mais
carinhosas ou mais agressivas dependendo
de outros fatores sociais e da formação da
personalidade. Entretanto, é fundamental que
uma pessoa com deficiência intelectual seja
orientada a ter um comportamento adequado
nos ambientes social e de trabalho.
As leis que regulamentam a educação no Brasil
foram revistas e hoje está disposto que todas as
crianças têm direito à educação
_Verdade
Na Constituição Federal de 1988 fica estabelecido que o direito da
criança à educação é inalienável e indisponível, e deve ser efetivado
pelo Estado e pela família. Para dar conta dessa crescente demanda
social, vem sendo construída uma política de Estado na perspectiva
da inclusão escolar de todos, sem discriminação.
No caso das crianças com deficiência, o ano de 2008 estabeleceu
um marco nesse processo: em janeiro, foi lançada uma nova Política
Nacional de Educação Especial; em julho, foi ratificada a Convenção
dos Direitos das Pessoas com Deficiência (decreto 186), que passou
a fazer parte da Constituição Federal e, em setembro, foi assinado
o decreto 6.571, que dispõe sobre o atendimento educacional
especializado. Esse conjunto de leis reafirma que as crianças com
deficiência têm direito ao conhecimento na escola comum e aos
apoios e recursos necessários para viabilizar esse acesso.
As pessoas com deficiência intelectual não
necessitam do diagnóstico
_Mito
Para confirmar que uma pessoa tem deficiência intelectual,
é necessário realizar o diagnóstico. O atraso cognitivo é
diagnosticado observando-se a capacidade cerebral da pessoa
para aprender, pensar, resolver problemas, encontrar sentido
e compreender o mundo em que vive, ou seja, analisandose o seu funcionamento intelectual. Além disso, observa-se o
comportamento adaptativo dessa pessoa, ou seja, a capacidade
de autonomia e independência, o desempenho em atividades
reais da vida cotidiana, bem como a capacidade de se relacionar
em sociedade.
44
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
As pessoas com deficiência
intelectual podem tirar todos os
documentos
_Verdade
As pessoas com deficiência intelectual, assim
como todos os cidadãos, devem tirar todos
os documentos. Devem procurar as instâncias
apropriadas (Caixa Econômica Federal, Banco
do Brasil, agências dos Correios etc.) para tirar
carteira de identidade, Cadastro de Pessoa
Física (CPF) e outros documentos.
O meu filho terá dificuldade na
aprendizagem se conviver com uma
criança com deficiência intelectual
_Mito
A escola regular comum, por sua
heterogeneidade, é sempre mais desafiadora
do que ambientes homogêneos, como
as classes e as escolas especiais, sendo,
portanto, um contexto gerador de inúmeras
possibilidades de aprendizado. Esse desafio
não está posto exclusivamente ao aluno com
deficiência, mas sim para todos os alunos,
para o professor e para o próprio sistema
de ensino. Conviver com as diferenças altera
nossa compreensão do que é aprender e
ensinar, pois demanda a criação e a utilização
de recursos que podem ajudar todos a
terem acesso aos níveis mais elevados de
aprendizagem, estimulando os indivíduos a
serem cooperativos e criativos.
Fazer uso de
álcool, cigarro e
drogas durante
a gestação pode
causar Deficiência
Intelectual no bebê
_Verdade
No caso do álcool e
das drogas, o efeito
das substâncias
afeta diretamente
o desenvolvimento
do sistema nervoso.
No caso do cigarro,
a deficiência pode
acontecer por efeito
secundário, isto é, o
cigarro causa um menor
desenvolvimento da
placenta que “alimenta”
o bebê. Assim, filhos de
mães fumantes tendem
a ter baixo peso ao
nascer, o que torna o
bebê mais suscetível
às complicações
na hora do parto e,
consequentemente,
à deficiência em
decorrência das
mesmas.
A pessoa com deficiência intelectual pode ter
uma vida normal
_Verdade
Pode não, deve! A pessoa com deficiência intelectual tem os
mesmos sentimentos que qualquer indivíduo possui. E, como
qualquer um de nós, percebe tudo o que se passa ao seu redor.
Portanto, devemos dar oportunidade a essa pessoa para realizar
todas as atividades que achar interessante e auxiliá-la no que
for possível. Desde que esta se sinta à vontade, deve realizar
atividades como passear, sair com os amigos, namorar, trabalhar,
enfim, ter realmente uma vida normal, respeitando-se as suas
limitações.
Não adianta a criança com deficiência intelectual
ir para escola, pois ela não vai conseguir
aprender
_Mito
A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que
passou a fazer parte da Constituição Federal a partir de 9
de julho de 2008, define que pessoas com deficiência são
aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual
ou sensorial, em interação com diversas barreiras atitudinais e
ambientais resultam na obstrução de sua participação com as
demais pessoas.
Assim, hoje temos que a deficiência é um conceito em constante
evolução, pois resulta da interação entre as pessoas. Assim,
quanto mais cedo a criança com deficiência participar do mesmo
ambiente escolar junto com todas as crianças de sua geração,
mais essa relação contribuirá para que as barreiras sejam
rompidas e a deficiência intelectual não impeça a plena e efetiva
participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas.
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
45
Assuntos gerais
Leitura recomendada
Deficiência Intelectual – definição,
classificação e sistemas de
suportes (Intellectual Disability
– definition, classification, and
systems of supports)
Este manual contém as informações
mais atualizadas e conhecimento sobre a
deficiência intelectual, incluindo as melhores
orientações práticas sobre diagnóstico e
classificação de deficiência intelectual e sobre
desenvolvimento de sistemas de suporte para
as pessoas com deficiência intelectual.
Escrito por um Comité de 18 peritos, esta
décima primeira edição é baseada em
sete anos de trabalho em: uma síntese de
informações atuais e melhores práticas
sobre deficiência intelectual; numerosos
comentários e críticas da edição 10 do
manual de definição de AAIDD; e informações
advindas de uma série de artigos publicados
pelo Comitê. Este é o primeiro manual oficial
de definição AAIDD que utiliza a terminologia
“deficiência intelectual” (anteriormente
retardo mental). Apresenta uma definição
oficial e um sistema de diagnóstico de
deficiência intelectual projetado para lhe dar
uma compreensão aprofundada do processo,
mostrando passo a passo, todos os factores
que devem ser considerados para determinar
a deficiência intelectual.
O Manual contém orientações sobre as
questões críticas, tais como o como o papel
da avaliação no processo de diagnóstico,
os desafios enfrentados na quantificação
de inteligência, avaliações do papel do QI
em um diagnóstico, sobre como avaliar
o comportamento adaptativo, bem como
quanto as principais estratégias de
julgamento clínico que podem auxiliar o
médico na decisão de validar o diagnóstico
da deficiência intelectual.
Este Manual é leitura obrigatória para
psicólogos e outros profissionais que
trabalham com deficiência intelectual bem
como para estudantes que desejam entender
mais sobre as necessidades exclusivas de
pessoas com deficiência intelectual.
http://www.aaidd.org/
The 11th Edition of the AAIDD Definition Manual
Contributors: Robert L. Schalock (author), Sharon A.
Borthwick-Duffy (author), Valerie J. Bradley (author),
Wil Buntinx (author), David L. Coulter (author)
Format: Hardback , 259 pp.
Publication date: 15 Feb 2010
Publisher: American Association on Intellectual &
Developmental Disabilities
EAN: 9781935304043
46
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Eventos de interesse
Relatório Mundial sobre Deficiência
(World Report on Disability)
No dia 9 de junho de 2011, na sede
da Organização Mundial da Saúde OMS, em Genebra, Suíça, ocorreu o
lançamento internacional do WORLD
REPORT ON DISABILITY, com a presença
de autoridades internacionais e estatais,
celebridades com deficiências e
representantes de organizações científicas,
organizações não-governamentais e
organizações profissionais que lidam
com pessoas com deficiências. O
RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA
é um documento que resume as mais
importantes evidências científicas sobre
o tema, com recomendações para ações
de apoio à Convenção dos Direitos das
Pessoas com Deficiências (2006).
A OMS informa que pessoas com
deficiências são as que mais sofrem
desvantagem social e econômica e
têm seus diretos negados em muitos
países. Cerca de 80% das pessoas com
deficiências vivem em países de baixa
renda. Apesar das grandes proporções
deste problema, há pouca informação
científica disponível. O RELATÓRIO
MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA aborda a
necessidade de se ter dados confiáveis
e se desenvolver pesquisas de melhor
qualidade. O documento é uma
atualização sobre o que aconteceu nos
últimos trinta anos e explora as evidências
atuais incluindo as diferentes situações
de discriminação e barreiras, oferecendo
uma análise de diversas experiências
que contribuíram para melhorar a vida
de pessoas com incapacidades quanto
à saúde, reabilitação, serviços de apoio,
infra-estrutura, transporte, educação e
emprego.
Quatro pequenos filmes sobre pessoas
com deficiências vivendo na Tanzânia,
Líbano, Reino Unido e Bolívia foram
produzidos para sensibilizar a população
mundial sobre os desafios de ser
deficiente. Os filmes estão disponíveis no
portal da OMS, no canal WHO do YouTube
e por meio de links no Facebook.
Maiores informações sobre o documento da OMS
em http://www.who.int/disabilities/world_report/en/
index.html http://www.youtube.com/who
You Tube: http://www.youtube.com/user/who#grid/
user/50649F9C524CBAC4
Facebook: http://www.facebook.com/
WorldHealthOrganization?v=wall
Relatório Seneca – Federação
Catalã Pró-Pessoas Com
Deficiência Intelectual (APPS)
A Federação Catalã Pró-Pessoas com
Deficiência Intelectual (APPS) agrupa
entidades de iniciativa social que velam
pela defesa e o exercício pleno dos
direitos das pessoas com deficiência
intelectual e suas famílias. Trabalha para
melhorar a qualidade de vida e o bemestar destas pessoas e realiza atuações
nos âmbitos da atenção residencial,
trabalho e lazer para promover sua
integração social.
O estudo Seneca é um exemplo de
trabalho de pesquisa que propõe
conhecer as necessidades das pessoas
com deficiência intelectual em processo
de envelhecimento.
Seus objetivos foram identificar as
necessidades assistenciais e sociais
das pessoas com deficiência intelectual,
leve e moderada, maiores de 40 anos,
descrever o perfil de comportamento e
psicopatológico que pode acompanhar
o processo de envelhecimento e fazer
propostas concretas para a formulação
de políticas de modo a adequar o
sistema de atenção existente às novas
necessidades e eliminar as barreiras que
impedem a população com deficiência
intelectual a manter um nível de saúde
similar ao da população em geral.
http://www.dincat.cat/informe-ejecutivoseneca-en-castell%C3%A0-_21051
Envelhecimento e Deficiência Intelectual na
Catalunha – 2000-2008 (Envejecimiento y
Discapacidad Intelectual en Cataluña – 2000-2008)
Ramón Novell; Margarida Nadal; Alfredo Smilges;
Josep Pascual; Jordi Pujola
Conferência anual – the AAIDD
135TH annual meeting
6 a 9 de junho de 2011
TWIN CITIES – MIN
Inclusive Communities: pathways to
realizing the vision (Comunidades
Inclusivas: caminhos para concretizar a
visão)
De 06 a 09 de junho, nos Estados
Unidos, a APAE DE SÃO PAULO participou
da Conferência Anual da Associação
Americana de Deficiência Intelectual
(American Association on Intellectual and
Developmental Disabilities – THE AAIDD
135TH ANNUAL MEETING), “Inclusive
Communities: pathways to realizing
the Vision (Comunidades Inclusivas:
caminhos para concretizar a visão), com
a apresentação de 2 trabalhos:
“Questionamentos acerca do papel
social e potencial educativo das escolas
especiais”, de Marília Costa Dias, Roseli
Olher e Esper Cavalheiro, em formato
de pôster, que apresentou uma reflexão
sobre os avanços em termos de
aprendizagem de alunos com deficiência
intelectual que passaram para a rede
pública e tiveram acesso ao atendimento
educacional especializado, de forma
complementara classe comum.
“Ampliando o Conhecimento sobre
Deficiência Intelectual na Rede Pública
Espaço do leitor
Caro leitor,
Reservamos este espaço para incluir você neste
trabalho que nos propomos a fazer, a fim de
promover a conscientização e atualização de
conhecimentos sobre a pessoa com deficiência intelectual. Com isto, queremos convidá-lo
a participar diretamente por meio do compartilhamento de experiências e troca de informações que possam auxiliar a todos na construção de valores e conhecimentos que ajudem a
melhorar a qualidade de vida das pessoas com
deficiência intelectual.
Escreva para [email protected] ou envie sua correspondência para o INSTITUTO APAE
DE SÃO PAULO – Rua Loefgren, 2.109 – Vila
Clementino – CEP 04040-033 – São Paulo (SP).
da Cidade de São Paulo” (Projeto Informar),
de Antonio Ribeiro, Esper Cavalheiro e Dalci
Maria dos Santos, em apresentação oral,
que ressaltou a atuação deste projeto,
em 350 Unidades Básicas de Saúde
(UBS), realizando a disseminação de
conhecimentos sobre deficiência intelectual,
International Association for The
Scientific Study of Intellectual
Disabilities – IASSID
Julho, 9 a 14
2012 IASSID World Congress –
Halifax, Nova Scotia, Canadá
A Associação Internacional para Estudo
Científico da Deficiência Intelectual
(IASSID) é uma organização não
governamental, científica, interdisciplinar
com relações oficiais com a Organização
Mundial da Saúde. Promove a pesquisa
científica em todo o mundo e também
o intercâmbio de informações sobre
Deficiência Intelectual. A Associação
(originalmente chamada Associação
Internacional para o Estudo Científico da
Deficiência Mental) foi fundada em 1964
e patrocinou 11 congressos mundiais. A
IASSID é o primeiro e único grupo mundial
dedicado somente ao estudo científico da
Deficiência Intelectual.
seu diagnóstico, recursos de apoio na
cidade e direitos fundamentais das
pessoas com deficiência e mobilizou mais
de 1.100 profissionais por meio de visitas
de assistentes sociais e reuniões técnicas
conduzidas por médicos do projeto.
http://www.aaidd.org/
XXIV Congresso Nacional das
APAES e V Fórum de Autogestão
e Autodefensoria
6 a 9 de novembro de 2011
Hangar Centro de Convenções e Feiras da
Amazônia – Belém (PA)
Organizado pela Federação Nacional
das APAEs do Brasil (Fenapaes), este
evento visa promover e articular debates
em torno da pessoa com Deficiência
Intelectual de modo a promover a
inclusão, a melhoria da qualidade dos
serviços e a defesa dos direitos das
pessoas com Deficiência Intelectual.
http://www.congressoapae.org.br/index.php
Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
47
Reflexão
Sempre é bom
agradecer!
Cinquenta anos... foi ontem, o tempo correu...
E, olhando pra trás, custo a acreditar que são 50
anos mesmo. Eu era moça, e o meu Zequinha era
um menino lindo, à espera, naturalmente, daquilo
que o mundo podia lhe oferecer... E esse mundo
dependia, naquele momento, de um grupo de pessoas, pais, amigos e tantos outros que se interessavam pelo inédito, pelo desafio ou, ainda, por um
sentimento de solidariedade. Foi esse grupo que, há
50 anos, fundou a APAE de São Paulo. Idealistas, sonhadores, chamem-nos de qualquer coisa,
mas a verdade é que juntos, unidos pela mesma
força, pelo mesmo ideal − ou, por que não dizer,
pela mesma necessidade de resolver um problema
que, naquela época, era intransponível −, iniciamos
esse trabalho digno e bem sucedido.
Com o grupo formado, pergunta-se: O que fazer? Uma
escola? Uma clínica? Qual era a
maior demanda? Perguntas que
são feitas para qualquer início
de uma atividade... Alugamos
uma casinha na Rua Martiniano
de Carvalho e, assim, podíamos
ter uma sede para início das pesquisas. Foi formada uma diretoria, cada diretor com uma tarefa.
Coube a mim o trabalho de
marketing (promover o trabalho que pretendíamos
fazer por meio de promoções, eventos, comunicação
em rádio, TV, revistas etc.). Aqui faço menção de
um pormenor: eu nunca tinha feito nada parecido
na minha vida, mas, pelo jeito, valeu! Aprendi e faço
até hoje quando me pedem. Com as Feiras da Bondade, a APAE de São Paulo conseguiu não só
dinheiro para construir sua sede, mas também divulgar seu trabalho. Essa sede, em princípio, teve como
objetivo a formação de técnicos na área da deficiência
mental... Psicólogos, professores, fisiatras, foniatras e
por aí afora. A APAE de São Paulo já começava a ter importância internacional. Tínhamos um
lugar de destaque na Liga Internacional Pró Combate à Deficiência Mental, por meio de um de nossos diretores, Antonio Clemente Filho, que fez parte
daquela entidade como vice-presidente.
Cinquenta anos de trabalho profícuo propiciou à APAE
de São Paulo ter cumprido
a tarefa a que se propôs lá atrás,
naquela pequenina sede na Rua
Martiniano de Carvalho. E hoje,
para nossa alegria, temos o Instituto APAE de São Paulo,
que se especializa em pesquisas,
estudando principalmente a prevenção. Aqui teremos um longo
tempo a percorrer, mas o mundo
deve ganhar, as nossas crianças terão um mundo
mais bem preparado. Não devemos fraquejar. Há
muito a fazer, mas o caminho está aberto, é só seguir
em frente. Hoje, eu tenho 85 anos e estou feliz por
ver que aquilo que se plantou há 50 anos frutificou
com respeito e dignidade.
Deixo aqui, em nome de tantos e tantos que não
tiveram a oportunidade de agradecer, o nosso muito
obrigado a todos que abraçaram a nossa causa por
esses 50 anos!
Aqui faço menção de um
pormenor: eu nunca tinha
feito nada parecido na
minha vida, mas, pelo jeito,
valeu! Aprendi e faço até
hoje quando me pedem
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Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro
Jô Clemente
Presidente de Honra da APAE DE SÃO PAULO