Premiado com a MEDALHA NEWBERY 2004 para o melhor livro

Transcrição

Premiado com a MEDALHA NEWBERY 2004 para o melhor livro
(A história de um rato, uma princesa,
uma colher de sopa e um carrinho de
linhas)
Premiado com a
MEDALHA NEWBERY 2004
para o melhor livro infanto-juvenil
O mundo é escuro e a luz preciosa.
Aproxima- te, querido leitor.
Deves confiar em mim.
Vou contar- te uma história.
SINOPSE
Despereaux Tilling, um pequeno mas corajoso rato, é
diferente dos restantes ratos. Os seus sonhos conduzem-no
para fora do mundo dos ratos e para o mundo das pessoas
e das ratazanas. Pelo caminho, ele descobre algumas coisas surpreendentes sobre si mesmo e sobre aqueles que o
rodeiam. No final, Despereaux descobre que mesmo o
ratinho mais pequeno pode ser corajoso e bem sucedido
como qualquer cavaleiro andante.
PREFÁCIO
Despereaux Tilling é um rato que nasceu num castelo,
numa manhã de Abril. Seus pais e irmãs olham-no com
espanto e desilusão. Desde o momento em que nasce,
Despereaux é invulgar. É o único e frágil sobrevivente de
uma grande ninhada, os seus olhos abrem-se demasiado
cedo, tem orelhas grandes e uma estatura estranhamente
pequena para um rato. Despereaux parece estar condenado a ter uma existência bastante curta.
Felizmente, este rato especial sobrevive. Escuta sons
que mais ninguém ouve e sabe ler. Estes dois talentos
especiais, como o leitor vem a descobrir, podem ser perigosos para um rato. Certo dia, Despereaux encontra o rei
Phillip e a Princesa Ervilha. O rato é atraído pela música
que o rei toca para a sua filha e dá consigo a falar – e a
apaixonar-se – pela princesa.
O irmão de Despereaux, Furlough, testemunha a cena,
cada vez mais assustado. Um rato a falar com um ser
humano e a permitir que lhe toquem? Tal coisa nunca
poderia ser permitida, ou significaria o fim da comunidade dos ratos. Furlough desata a correr e conta a seu pai e ao
conselho dos ratos exactamente aquilo que sucedeu. É
nessa altura que o destino do rato é decidido.
Entretanto, uma ratazana malvada chamada Roscuro
habita as masmorras com as suas companheiras ratazanas
e os prisioneiros do rei. O que torna Roscuro diferente de
todas as outras ratazanas é a sua crescente obsessão com a
luz e a sopa. E Miggery Sow é uma simples camponesa
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pobre de espírito, que habita o reino com o seu tio. Mig
não tem realmente um tio, mas foi vendida a um homem
por seu pai, em troca de uma toalha de cozinha vermelha,
uma galinha e uma mão-cheia de cigarros. Por que motivo um pai faria tal coisa à sua filha? O leitor pode nunca
perceber. Mas se há algo que o leitor sabe certamente é
que Mig quer ser uma princesa.
O que acontecerá a estas personagens e de que forma
estão ligadas? As respostas aguardam-nos na leitura do
livro.
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EXCERTO
Livro Primeiro
NASCE UM RATO
Capítulo Um
o último
Esta história começa dentro das muralhas, com o nascimento de um rato. Um rato pequenino. O último rato a
nascer de seus pais e o único sobrevivente da sua ninhada.
– Onde estão os meus filhos? – perguntou a mãe
exausta, quando o seu sofrimento terminou. – Mostrem-me os meus filhos.
O pai rato ergueu um ratinho pequenino no alto.
– Apenas este resistiu – disse. – Os outros morreram.
– Mon dieu, só um ratinho bebé?
– Só um. Queres dar-lhe um nome?
– Tanto trabalho para nada – comentou a mãe.
Suspirou. – É tão triste. É tanta a desilusão.
Tratava-se de uma ratinha francesa que chegara ao castelo há muito, muito tempo, na bagagem de um diplomata francês que viera de visita. «Desilusão» era uma das
suas palavras preferidas e usava-a muitas vezes.
– Vais dar-lhe um nome? – repetiu o pai.
– Se vou dar-lhe um nome? Se vou dar-lhe um nome?
Claro que sim, mas ele morrerá como os outros. Oh, é tão
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triste. Oh, é tamanha a tragédia.
A mãe rata levou um lenço ao focinho e abanou-o em
frente à cara. Fungou.
– Vou dar-lhe um nome. Sim. Chamarei a este rato
Despereaux, por toda a tristeza, pelos muitos desesperos
deste lugar. Agora, onde está o meu espelho?
O seu marido entregou-lhe um pequeno estilhaço de
espelho. A mãe rata, que se chamava Antoinette, olhou
para o seu reflexo e gritou de espanto.
– Toulèse – disse a um dos seus filhos –, vai buscar a
minha bolsa de maquilhagem. Os meus olhos estão um
susto.
Enquanto a Antoinette retocava a pintura dos olhos, o
pai rato pousou Despereaux numa cama feita de trapos de
cobertor. O sol de Abril, débil mas determinado, brilhava por uma das janelas do castelo e espremia-se por um
buraquinho pequeno na parede, lançando um dedo dourado sobre o ratinho.
Os outros ratos, mais velhos, juntaram-se todos para
observarem Despereaux.
– As orelhas dele são muito grandes – disse a sua irmã
Merlot. – Nunca vi orelhas tão grandes.
– Vejam – disse um irmão chamado Furlough –, os
olhos dele estão abertos. Papá, ele tem os olhos abertos.
Não deviam estar abertos.
É verdade. Os olhos do Despereaux não deviam estar
abertos. Mas estavam. Estava a fitar o sol que se reflectia
do espelho da sua mãe. A luz brilhava em direcção ao
tecto, numa auréola cintilante, e ele sorria ao vê-la.
– Passa-se alguma coisa com ele – disse o pai. –
Deixem-no em paz.
Os irmãos e irmãs do Despereaux afastaram-se do novo
ratinho.
– Este é o último – declarou a Antoinette, deitada na
cama. – Recuso-me a ter mais ratinhos. São uma completa desilusão. Destroem-me a beleza. Estragam-me a aparência. Este foi o último. Nunca mais.
– O último – disse o pai. – E morrerá em breve. Não
pode sobreviver. Não com os olhos assim abertos.
Mas, leitor, ele sobreviveu.
E esta é a sua história.
Kate DiCamillo
Kate DiCamillo atribui ao
filho de uma amiga a inspiração para o seu extraordinário
livro, A Lenda de Despereaux:
a História de um Rato, uma
Princesa, uma Colher de Sopa
e um Carrinho de Linhas.
Como a própria afirma, “há
uns anos atrás, o filho da
minha melhor amiga perguntou-me se poderia escrever
uma história para ele. Bem,
Luke Bailey, três anos mais tarde, aqui está a história do
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que se passou com o nosso improvável herói, de orelhas
enormes”.
A Lenda de Despereaux é o terceiro livro de Kate
DiCamillo. O primeiro, Por Causa de Winn-Dixie, recebeu vários prémios, incluindo a medalha de honra dos
Prémios Newberry. O seu segundo romance, o finalista do
National Book Award, A Libertação do Tigre, é “consideravelmente mais negro” do que Por Causa de Winn-Dixie,
observa, “mas está cheio de luz e redenção”.
Kate DiCamillo nasceu em Filadélfia, Pennsylvania,
mas mudou-se para a Florida aos cinco anos de idade.
Actualmente, mora em Minneapolis, Minnesota, onde
escreve cumpridoramente duas páginas por dia, cinco dias
por semana. “E. B. White disse que ‘Tudo o que espero
dizer nos livros e tudo o que alguma vez esperei dizer foi
que amo o mundo”, cita “Sinto exactamente o mesmo.”
Timothy Basil Ering
Nas suas ilustrações de A
Lenda de Despereaux: a história de um rato, uma princesa,
uma colher de sopa e um carrinho de linhas, Tim Ering conduz o seu extraordinário talento na direcção de um estilo
clássico, com um toque contemporâneo. Afirma o ilustrador que “A minha mãe pode
ter sido um rato na sua vida passada, pois durante a minha
infância vi-a salvar muitos ratos na nossa casa. As ilustrações que fiz de Despereaux Tilling são, de certa forma, o
meu tributo a ela”.
Tim Ering ilustra livros, revistas, cenários de teatro,
murais privados e expõe em galerias de arte. O artista,
invariavelmente salpicado de tinta, vive e trabalha em
Somerville, Massachusetts.
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A CRÍTICA
“A Autora de Por Causa de Winn-Dixie e de A Libertação
do Tigre muda de orientação, demonstrando a sua versatilidade, enquanto torna a provar o seu génio, passeando-se
pelos temas universais da infância. Leitor, … tenho a dizer-te que vais adorar.”
Publishers Weekly
“DiCamillo cria o cenário para uma batalha entre as forças da Escuridão e da Luz em A Lenda de Desperaux, e o livro
é uma extraordinária demonstração de coragem.”
The New York Times
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“Um conto cheio de voltas e reviravoltas, com sopa proibida e colheres de sopa, ratos ansiosos por sangue de rato,
uma criada que quer ser princesa, um cavaleiro de armadura cintilante – ou pelo menos peluda – e todos os ingredientes de um drama à moda antiga.”
Kirkus Review
“Com mão de mestre, DiCamillo tece quatro histórias em
conjunto, numa narrativa bem-humorada e carregada de
suspense, que pede para ser lida em voz alta.”
School Library Journal
“Tão comovente como delicioso… Um conto de fadas
clássico, rico e, que nos satisfaz por inteiro.”
Booklist
“De parar e aquecer o coração… Uma leitura perfeita para
ser feita em voz alta.”
San Francisco Chronicle
“Inesperadamente complexo, graças às relações entre as
diferentes personagens, a fábula de DiCamillo, encantadoramente ilustrada por Timithy Basil Ering, oferece-nos uma
cuidadosa orquestração, sem exageros, de elogio ao poder do
amor e do perdão.”
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San Francisco Chronicle
“Dou a este livro a classificação mais alta: cinco estrelas
em cinco.”
Newsday
PRÉMIOS E DISTINÇÕES
Mais de 1 milhão de exemplares vendidos nos E. U. A.
Medalha Newberry 2004
Bestseller do New York Times (Mais de 90 semanas no Top)
Melhor livro do ano para crianças – Publishers Weekly
ENTREVISTA
Por Heidi Henneman
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Quando Kate DiCamillo
tinha 20 anos (não há muito
tempo atrás), disse a toda a
gente que era uma escritora.
Pelo menos, assim pensava.
Na verdade, ela sabia que era.
Mas havia um problema: ainda
não tinha escrito nada.
Depois de se licenciar na
Universidade da Florida, no curso de Inglês, teve empregos no Circus World e na Disney World. Chegou a gritar
“bingo” num acampamento infantil. “Naquela altura,
pensava que não ia a lado nenhum”, admite a autora aclamada pela crítica. “Agora consigo ver que havia uma certa
lógica.”
Quando se mudou do seu lar na Florida para o
Minnesota e assumiu um lugar numa livraria para crianças, a lógica – trabalhar com crianças – começou a materializar-se e o seu sonho de se tornar uma autora em breve
se tornou realidade. “Finalmente descobri que precisava de
escrever alguma coisa para ser uma escritora”, diz
DiCamillo, “por isso, comecei a escrever contos”.
Sendo uma sulista longe de casa, o primeiro Inverno
gelado no Minnesota foi demasiado exigente para a autora.
“Tinha saudades de casa, mas não podia regressar”, recorda,
“e era a primeira vez que eu não tinha um cão”. Foi a partir desta experiência que desenvolveu a ideia para o seu
primeiro livro, Por Causa de Winn-Dixie (2000).
Apresentando a história de uma menina solitária chamada
Opal, que adopta Winn-Dixie, um rafeiro de coração generoso, o livro – com o cenário da Florida – ganhou a
Medalha de Honra do Prémio Newberry e atingiu os primeiros lugares da lista de best sellers do New York Times.
A obra que se seguiu, A Libertação do Tigre (2001)
baseia-se numa personagem que ela criara num dos seus
contos. Rob Horton, um menino de doze anos que chora
a morte da sua mãe, faz uma descoberta impressionante:
existe um tigre no bosque, atrás do Motel Estrela de
Kentucky, onde mora com o seu pai. A mágica criatura
abre uma série de novas possibilidades na vida de Rob,
incluindo uma amizade com uma menina de olhos negros
chamada Sistina, muito animada. Outro sucesso entre a
crítica, A Libertação do Tigre foi finalista do National
Book Award e integrou a selecção do Book Sense 76.
O seu livro mais recente para jovens leitores surgiu
de forma muito diferente. A Lenda de Despereaux foi
inspirada no filho de uma das amigas mais queridas de
Kate DiCamillo. “Ele queria uma história sobre um
herói pouco provável”, lembra DiCamillo, “e o herói
tinha de ter orelhas muito grandes”. Tentou explicar ao
rapaz que as personagens não se materializam por encomenda; têm de existir como ideias na cabeça do escritor,
para que possam funcionar. Contudo, nos meses que se
seguiram, pensando sobre o projecto, algo fez sentido
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para DiCamillo. Três anos mais tarde, A Lenda de
Despereaux estava terminada.
O ratinho herói do romance, Despereaux Tilling apaixonou-se por um ser humano, a bonita Princesa Ervilha,
cuja família é proprietária do castelo que ele considera
como lar. Mas o romance é impedido pelo pai e, logo de
seguida, Despereaux é aprisionado numas masmorras
húmidas. À história mágica do rato, DiCamillo acrescenta
as aventuras dos restantes habitantes do castelo, incluindo
uma ratazana chamada Chiaroscuro e Miggery Sow, uma
jovem criada que sonha em tornar-se princesa. Com as
qualidades de um conto de fadas à moda antiga e os deliciosos desenhos a lápis de Timothy Basil Ering, o livro é
sem dúvida um novo impulso na carreira de DiCamillo,
que os leitores certamente apreciarão.
Quanto ao futuro dos romances para crianças,
DiCamillo promete que haverá mais. “Estou à mercê de
tudo o que vier à minha cabeça”, explica. “Todos os dias
me levanto e escrevo duas páginas. É um objectivo simples que eu sei que posso cumprir, esteja a escrever um
livro ou não.”
Mais importante, esta antiga funcionária da Disney e
apresentadora de bingo assegura que continuará a provar
que é uma genuína escritora, embora isso não seja alvo de
desconfiança por parte dos leitores.
O FILME
Sylvain Chomet será o responsável pela passagem do
livro de Kate de DiCamillo ao grande ecrã. Indigitado
para os Oscares de 2004 pelo filme de animação Belleville
Rendez-Vous, o realizador francês dirigirá o projecto da
Universal Pictures, com argumento baseado na história de
A Lenda de Despereaux.
Ao contrário do que se pensava, Gary Ross não terá a
seu cargo a adaptação do livro. A dupla Will McRobb e
Chris Viscardi, que já trabalha junta há algum tempo,
tendo assinado a comédia Quebrando o Gelo e alguns episódios da série Ed, acabou por ser a escolhida.
Embora se saiba muito pouco sobre o argumento do
filme, pensa-se que andará à volta de uma menina que trabalha como criada, tendo como amigos apenas dois ratinhos: Despereaux, que foi banido por se apaixonar por
uma princesa; e Chiaroscuro que em vez de preferir esconderijos escuros gosta de ficar exposto à luz.
O lançamento do filme está previsto para este ano.
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SINOPSE
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India Opal é uma menina de 9 anos que se vê obrigada a mudar de cidade com o pai. Para trás ficam todos os
seus amigos... Um dia vai ao supermercado e sai de lá com
Winn-Dixie.
Um cão meio tolo, de pêlo escasso e sorriso contagiante, que é uma permanente fonte de inspiração. Por causa
dele, a amizade, a solidariedade, o valor da alegria e da
tristeza, e também o valor de aceitar o que a vida nos traz,
entram definitivamente no dia-a-dia de Opal...
Por causa de Winn-Dixie é muito mais do que o primeiro livro de Kate DiCamillo publicado em Portugal. É
uma oportunidade única para aceder ao discreto encanto e
ao lirismo tocante da escrita de uma das mais premiadas e
prestigiadas escritoras dos EUA.
Um livro que passou a filme com o mesmo sucesso!
(disponível em DVD)
EXCERTO
Capítulo Um
O meu nome é India Opal Buloni, e, no Verão passado, o meu papá, o pregador, mandou-me à loja para comprar uma caixa de macarrão com queijo, arroz branco e
dois tomates, e eu voltei com um cão. Foi assim que aconteceu: entrei na secção de produtos de mercearia da loja
Winn-Dixie para comprar os tomates, e quase fui contra
o gerente de loja. Ele estava de pé, muito corado, a gritar
e a agitar os braços por todos os lados.
– Quem deixou entrar o cão? – continuava a gritar. –
Quem deixou entrar um cão sujo destes?
A princípio, eu não vi nenhum cão. Só havia montes
de vegetais a rebolar pelo chão, tomates e cebolas e
pimentos verdes. E havia o que parecia ser um exército
enorme de empregados da Winn-Dixie, a correr dum lado
para o outro, acenando os braços da mesma forma que o
gerente de loja fazia.
E então, o cão veio a correr do outro lado. Era um cão
grande. E feio. E parecia estar a divertir-se mesmo muito.
A sua língua pendia na sua boca e abanava a cauda.
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Derrapou até parar e sorriu só para mim. Nunca na vida
tinha visto um cão a sorrir, mas foi isso que ele fez.
Repuxou os lábios e mostrou-me os dentes todos. Depois,
abanou a cauda com tal força que derrubou algumas
laranjas duma caixa e elas começaram a rolar por toda a
parte, misturando-se com os tomates e as cebolas e os
pimentos verdes.
O gerente gritava:
– Alguém agarre aquele cão!
O cão começou a correr para o gerente, abanando a sua
cauda e a sorrir. Pôs-se nas suas patas traseiras. Dava para
perceber que o que ele queria fazer era pôr-se cara a cara
com o gerente e agradecer-lhe pelo divertimento que estava a ter no corredor das mercearias; mas, de alguma
forma, acabou por derrubar o gerente. E o gerente devia
estar a ter um mau dia, porque, deitado no chão, mesmo
à frente de toda a gente, começou a chorar. O cão inclinou-se para ele, muito preocupado, e lambeu-lhe a cara.
– Por favor – disse o gerente –, alguém chame o canil.
– Espere um minuto! – gritei. – Esse é o meu cão. Não
chamem o canil.
Todos os empregados da Winn-Dixie se voltaram e
olharam para mim, e eu soube que tinha feito algo errado. E talvez estúpido, também. Mas não consegui evitar.
Não podia deixar que aquele cão fosse para o canil.
– Aqui, rapaz – disse.
O cão parou de lamber a cara do gerente e levantou as
orelhas bem no ar e olhou para mim, como se estivesse a
tentar lembrar-se de onde me conhecia.
– Aqui, rapaz – repeti. E então imaginei que talvez o
cão fosse como toda a gente no mundo e que talvez gostasse de ser chamado por um nome, mas eu não sabia que
nome era esse, por isso, disse a primeira coisa que me veio
à cabeça. Chamei:
– Anda cá, Winn-Dixie.
E o cão veio a trotar para mim, como se o tivesse feito
a vida toda.
O gerente sentou-se e fixou o meu olhar, para ver se eu
estava a fazer pouco dele.
– É o nome dele – disse. – Juro.
O gerente disse:
– Não sabes que não deves trazer um cão para uma
loja?
– Sim, senhor – disse-lhe. – Ele entrou por engano.
Desculpe. Não volta a acontecer. Vamos lá, Winn-Dixie –
disse eu ao cão.
Comecei a caminhar e ele seguiu-me enquanto me
dirigia para o corredor das mercearias e pelo corredor de
cereais, passando por todos os caixas e saindo pela porta.
Quando estávamos em segurança lá fora, observei-o
com muito cuidado e ele não me pareceu muito bem. Era
grande, mas magricelas, pois dava para ver as costelas. E
tinha peladas por todo o corpo, havendo lugares onde não
tinha um único pêlo. Enfim, ele parecia mais um grande
bocado de carpete castanha velha deixado à chuva.
– Como tu estás! – disse-lhe. – Aposto que não pertences a ninguém.
Ele sorriu-me. Tornou a fazer aquela coisa estranha,
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em que repuxava os lábios e me mostrava os dentes. Deu-me um sorriso tão grande que espirrou. Era como se dissesse: “Eu sei que estou com mau aspecto. Não é engraçado?”
É difícil não nos apaixonarmos imediatamente por um
cão com sentido de humor.
– Vamos lá – disse-lhe. – Vamos ver o que o pregador
tem a dizer sobre ti.
E os dois, eu e o Winn-Dixie, começámos a caminhar
para casa.
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PRINCIPAIS PRÉMIOS E DISTINÇÕES
Parents’ Choice Awards Gold Award
New York Times Book Review Notable Books of the Year
Publishers Weekly Best Books of the Year
Newbery Award Honor Book
Book Sense Book of the Year Award
IRA Young Adults’ Choice
Mark Twain Award
Book Sense Best Books
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SINOPSE
Rob Horton, um menino triste e introvertido de 12
anos, encontra um tigre enjaulado nos bosques por trás do
Motel Estrela de Kentucky, onde mora o pai! A situação é
inacreditável...
E por isso Rob encara esta aparição como uma espécie
de truque de magia. Mas, o facto é que a sua vida começa a mudar...
Pequena novela, de um simbolismo claro como a água,
extremamente intensa na forma como transmite uma
emoção profundamente genuína. Kate DiCamillo não
pára de nos surpreender!
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EXCERTO
Capítulo Um
Naquela manhã, depois de ter descoberto o tigre, Rob
avançou, colocou-se debaixo do letreiro do Motel Estrela
de Kentucky, à espera do autocarro da escola, como se
fosse um dia perfeitamente normal. O letreiro do Estrela
de Kentucky era composto por uma estrela amarela em
néon, que subia e descia sobre um desenho do Estado de
Kentucky, em néon azul. Rob gostava do letreiro, pois
acalentava uma frágil mas permanente impressão de que a
estrela lhe traria boa sorte.
Encontrar o tigre tinha sido para sorte, ele sabia disso.
Tinha-se embrenhado nos bosques por detrás do Motel
Estrela de Kentucky, muito longe, sem ir à procura do
que quer que fosse, apenas vagueando, esperando perder-se ou ser comido por um urso e não ter de ir à escola,
nunca mais. Foi aí que ele viu o edifício da velha bomba
de gasolina Beauchamp. Perto dali havia uma jaula e,
dentro da jaula, estava um tigre – um tigre a sério – caminhando de trás para a frente. Era alaranjado, dourado e tão
luzidio, que era quase como estar a olhar de frente para o
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próprio sol, e estava zangado e enclausurado numa jaula.
Era de manhã cedo e parecia que ia chover. Tinha chovido todos os dias nas últimas duas semanas. O céu estava cinzento e o ar espesso e quieto. A neblina abraçava o
solo. Para Rob, parecia que o tigre tinha sido um truque
de magia, surgindo da neblina. Estava tão espantado com
a sua descoberta, tão maravilhado, que apenas ficou parado, a olhar. Mas apenas por um minuto. Tinha medo de
olhar para o tigre por muito tempo, medo de que o tigre
desaparecesse. Olhou, deu meia volta e correu de volta
para os bosques, em direcção ao Estrela de Kentucky. E,
durante o caminho para casa, enquanto o seu cérebro tentava perceber o que tinha acontecido, o seu coração afirmava-lhe a verdade no seu bater. Tigre. Tigre. Tigre.
Era nele que Rob pensava quando estava debaixo do
letreiro do Estrela de Kentucky e esperava o autocarro.
No tigre. Não pensava no mal nas pernas, nas bolhas
comichosas que desafiavam os seus sapatos. O pai dele
tinha-lhe dito que, quanto menos pensasse nas bolhas,
menos comichão teria.
E não pensou na sua mãe. Não tinha pensado nela
desde a manhã do funeral, a manhã em que não tinha conseguido parar de chorar, em soluços tão grandes e agitados que tinham magoado tanto o seu estômago. O seu pai,
que estava a seu lado, observando-o, tinha começado a
chorar também.
Ambos vestiam fato naquele dia. O fato do seu pai era
muito pequeno. E quando lhe deu uma bofetada para o
fazer calar, rasgou-o debaixo da manga.
– Não adianta chorar – diria depois o seu pai. – Chorar
não a vai trazer de volta.
Já se tinham passado seis meses desde esse dia, seis
meses desde que ele e o pai se tinham mudado de
Jacksonville para Lister, e Rob não chorara mais desde
então. Nem uma única vez.
A última coisa em que ele não tinha pensado naquela
manhã fora entrar no autocarro. Não pensou particularmente no Norton e no Billy Threemonger, à sua espera
como cães de guarda acorrentados e esfomeados, ansiosos
por atacar.
Rob tinha uma forma de não pensar nas coisas.
Imaginava-se uma mala a abarrotar de coisas, como a que
tinha feito ao deixar Jacksonville, depois do funeral.
Tinha feito com que todos os seus sentimentos entrassem
na mala.
Empurrou-os bem e depois sentou-se em cima da
mala, trancando-a com força. Era assim que ele não pensava nas coisas. Às vezes era difícil manter a mala fechada.
Mas agora tinha algo para pôr em cima dela. O tigre.
Então, enquanto esperava pelo autocarro, debaixo do
letreiro do Estrela de Kentucky, e sob a queda das primeiras gotas de chuva do céu escurecido, Rob imaginou o
tigre em cima da sua mala, piscando os seus olhos dourados, sentando-se orgulhosa e imperiosamente, indiferente
a todos os não-pensamentos encerrados lá dentro, lutando
para sair.
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PRÉMIOS E DISTINÇÕES
Finalista do National Book Award, Young People’s Literature
Seleccionado pelo Book Sense 76
Vencedor do Parent’s Choice Silver Honor Award
Vencedor do Oppenheim Toy Portfolio Gold Award
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