44 Viagem de capa: Alto Árctico ao Japão

Transcrição

44 Viagem de capa: Alto Árctico ao Japão
Alto Árctico
viagem ao extremo Norte
Estamos acima do Círculo
Polar Árctico. O Sol é uma
girândola de fogo lá muito ao
Sul, apoiando-se já na linha
do horizonte. Um Sol pálido
ilumina o acampamento Inuit
(Esquimó) com a sua luz
desmaiada...
Parte I: Tóquio
Por Francisco Cipriano
C
Por Pedro Mota
A
proxima-se a grande noite do Árctico, época em que o Sol
se despede para se ocultar por longo período abaixo do
horizonte. Uma luz esquálida, submarina, ensombra de
forma crepuscular as massas de gelo dispersas. As vãs tentativas
solares de soerguer-se no horizonte redundavam, invariavelmente,
numa poça de luz sanguínea nas bandas do Sul.
O iglo iluminado por dentro emitia uma luz glauca, perlífera. A
cúpula translúcida brilhava, emanando sombras esboçadas da sua
actividade interior. Depois, acabou a gordura de foca que ardia
na pequena lamparina e caiu um véu de trevas. Eu ainda fiquei
um pouco fora. Sentia um frémito de excitação a percorrer-me o
corpo. O desassossego que me entranhava era um misto da pulsão
pela aventura e … algum medo por ir afrontar em breve os rigores
do extremo Norte.
Os cães de trenó já se haviam aconchegado na neve, rodando sobre
si próprios até se enterrarem na neve fofa de modo a só despontar
o focinho e uma orelha. O líder da matilha, um corpulento e altivo
macho de nome Tupilaq, ainda cirandou um pouco pela imensidão
da estepe gelada como que a sondar as imediações. Depois, atirou
para trás a sua cabeçorra peluda e de cauda encaracolada lançou
um longo uivo, lúgubre como um queixume desesperado.
Levantei também a cabeça e pus-me a reconhecer no céu estrelado
as constelações e a lembrar a forma diferente com que os Inuit
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• Outras cOOrdenadas • nOvembrO • dezembrO 2011
Chegámos finalmente a Tóquio! Para trás ficou já um grande
trajecto, uma escala rápida em Madrid outra em Amesterdão e,
finalmente, 12 horas depois, a grande cidade de Tóquio.
desenhavam as suas e, também, as lendas associadas que me
haviam contado e que eu rabiscara nos meus eternos livrinhos de
notas. Mais sossegado por reencontrar as minhas velhas conhecidas
estrelas dispus-me a entrar no iglu, prometendo baixinho, como se
fora uma oração nocturna, tentar nunca perder a capacidade de
maravilhar-me.
Acordei estremunhado, estranhando a luz de âmbar que se filtrava
através das paredes de gelo. Saí para o frio cortante da estepe
gelada. O céu a Norte parecia um caleidoscópio de cor, raios de
vários matizes sobrepujavam-se a véus de um brilho onírico.
Numa verdadeira explosão de luz, era a magnífica iridescência da
Aurora Boreal. Como se um pintor tresloucado tivesse atirado ao
ar a sua paleta e as cores ficassem a pairar.
A noite polar, subitamente, encheu-se de cor e luz. Feéricos raios
coloridos cruzavam os céus, faixas e arcos iluminavam o ar, faixas
de verde turquesa debruadas a rosa e amarelo pareciam dançar
na atmosfera, púrpuras e encarnados faiscantes, tremulavam
como cortinas suspensas no céu. Alternando uma luminosidade
difusa com tonalidades fortes e cintilantes que pareciam incendiar
a atmosfera. O espectáculo terminou de súbito, desaparecendo
como se fora uma vela soprada.
A missão que, literalmente, nos norteia é a busca da cultura
tradicional Inuit. Como puderam sobreviver na região mais
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Chegámos finalmente
ao Japão
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hegados ao destino, começamos a nossa viagem mas
parece que estamos no fim do princípio – no fim de uma
grande distância mas no princípio de uma grande viagem.
Já é noite e pouco tempo nos resta deste nosso primeiro dia.
Vamos restabelecer forças com um jantar rápido nas redondezas,
sentir as primeiras sensações da cidade e amanhã sim, iniciar a
nossa aventura.
Apesar do “lost in translation” no que toca ao sono (neste caso
ausência dele) iniciámos o nosso dia pela visita ao Santuário de
Meiji. O Santuário de Meiji é o santuário mais importante de
Tóquio já que foi construído em honra do imperador Meiji frequentemente chamado o pai do “Japão moderno” – e, mesmo
não sendo muito antigo, ainda hoje é usado pela família real.
Um amplo caminho empedrado ladeado de cedros sob uma porta
tori conduz ao terreno do santuário que impressiona pela calma
e pela imponência dos edifícios. Não muito longe, fica uma das
avenidas mais famosas e mais recentes de Tóquio: Roppongi Hills.
Trata-se de um atractivo bairro, criado apenas em 2003, como
bairro de expansão urbana e é hoje um lugar ultra moderno e um
dos centros culturais e comerciais do mundo. Roppongi Hill inclui
a Torre Mori, hoje o edifício mais alto de Tóquio. No último piso
está o observatório Tokyo City View de onde se tem uma vista de
toda a cidade e cujo cenário é espectacular. Perdemo-nos com as
vistas e com o tempo. Não deixo de reparar no olhar de admiração
dos três pequenos de nariz colado aos vidros, tentando vislumbrar
ao longe a agitação citadina. Daqui, tudo parece mover-se devagar
e sem som. A música do Tokyo City View dá à cena um carácter
quase cinematográfico.
Não podendo entrar no palácio real, fomos até à praça das duas
pontes, o mais próximo que se pode estar dos aposentos reais.
Já no distrito de Asakusa é onde ainda se respira uma atmosfera
do velho Japão. Aqui está um dos mais importantes símbolos do
Tóquio tradicional: o Templo de Asakusa Kannon ou Templo de
Senso-ji. Em 628 d.c. dois pescadores recolheram nas suas redes,
no rio Sumida, uma pequena estátua em ouro de Kannon, a deusa
budista da misericórdia. Aqui se ergueu o primeiro templo a
Kannon e teve origem este antigo centro de peregrinação popular.
Os edifícios são esplêndidos, mas são as pessoas no cumprimento
dos seus rituais diários que tornam este lugar tão especial. Entre os
seus portões está a buliçosa rua “Nakamise” com lojas de ambos
os lados que vendem produtos tradicionais, alguns já mesmo
de fabrico chinês. Terminámos o dia com uma visita a Ginza
(literalmente traduz-se por “lugar da cunhagem da prata”). A casa
da moeda deu o nome a este bairro movimentado cujos néon, as
passadeiras de peões e cruzamentos, assumem uma das imagens
mais emblemáticas de Tóquio.
O dia amanheceu de chuva e o efeito “lost in translation” já está
a desvanecer. Abro o cortinado perante a grande cidade ainda de
Tóquio
Onde ficar
•Grand Pince Hotel – Takanawa: http://www.princehotels.com/en/takanawa/, a cinco minutos da estação de
comboios de Shinagawa, com acesso à linha de cintura,
que tem paragens em todos os pontos principais.
Onde comer
•Restaurante Jiro no Tsukamoto Buiding, Sukiyabashi
Jiro 2-15, Ginza 4 chome, Chuo-ku, +81 33 5353600.
•Kitcho (Arashiyama branch, Tenryji Temple,
telefone +81 33 5351100)
Hakone
Hakone Yanohana Onsen Hotel. Um Ryokan, os hotéis tradicionais japoneses. ( www.tsukiji-market.or.jp)
Etiópia
Por Sérgio Nogueira
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• OUTRAS COORDENADAS • NOVEMBRO • DEZEMBRO 2011
luzes acesas e descubro um segundo dia chuvoso e cinzento de
uma primavera que devagar e timidamente se abria, não deixando
ver, como em outros anos, o rápido deslumbre das cerejeiras em
flor. Atrasei a saída do hotel perante o dia triste mas consciente da
grande cidade por descobrir. Prometi a mim mesmo que um dia
escreverei um manual de visita a grandes cidades em dias de chuva
tais são as vezes que me tem calhado: Nova Iorque, Berlim, Londres
e Paris, apenas para citar algumas, e agora Tóquio. Arrasto o
pequeno-almoço o mais possível no fantástico Grand Pince Hotel,
enquanto saboreio o chá e olho para o jardim meticulosamente
arranjado e aprecio as carpas Koi no lago, indiferentes ao tempo e
à chuva. Apercebo-me de que algumas cerejeiras já se atreveram a
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• Outras cOOrdenadas • nOvembrO• dezembrO 2011
8 Entrevista: Filipe Morato Gomes
12Escapadas
de fim-de-semana:
Mondego abaixo para quebrar a rotina
16 Volta à Europa
18 Lua-de-mel improvável - Albânia
22 Roménia Finalmente
26 Cadernos de Viagem: Ucrânia
32 De
Cabo a Cabo:
Da Noruega à África do Sul
36 Viagem Intemporal: China
40 Sudeste Asiático
(parte 1)
(parte 1)
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Viagem de capa: Alto Árctico
Bolívia: Deserto do Sal
Carolina Patrocínio na Costa Rica
Chegámos ao Japão
Foto-reportagem: Etiópia
Entrevista: Aventureiros AMI
Medicina do Viajante: Febre Amarela
Receita do Mundo
Literatura de Viagens
Assinaturas
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