Cursos livres de credenciamento internacional oferecem

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Cursos livres de credenciamento internacional oferecem
ARQUIVO JORGE ALEXANDRE ALVES
ESPECIAL / CERTIFICAÇÃO
QUALIDADE
AMEAÇADA
Cursos
livres de credenciamento internacional
oferecem opção de atualização profissional,
mas aluno deve estar atento a fraudes
O curso apresentado na foto
segue os procedimentos
adequados de credenciamento
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O
s frequentes investimentos no setor de atendimento a emergências fazem crescer a demanda por
capacitação. Cada vez mais profissionais que atuam no pré-hospitalar, seja em serviços públicos ou privados, ou mesmo na primeira resposta dentro de empresas, buscam qualificar sua
atuação em cursos livres e, assim, fazer frente a um mercado cuja
competitividade é ascendente.
A opção costuma recair sobre cursos de credenciamento internacional,
cuja fonte está vinculada a instituições estrangeiras reconhecidas por sua
excelência. No Brasil, tais capacitações são conhecidas por suas siglas, tendo os chamados cursos LS (Life Support - Suporte à Vida) como os mais
frequentados.
A busca por qualificação profissional sem critérios, contudo, pode colocar o
aluno ou a empresa contratante em situações embaraçosas ou que resultem em
perdas financeiras. Incluem-se aí os cursos plagiados (cópias não-autorizadas) e
os crimes de estelionato (quando o curso vendido utiliza indevidamente a marca
da instituição). Neste caso, o aluno pode cair em um golpe: ele não terá o
credenciamento internacional que contratou, pois o instrutor não possui autorização para ministrar o curso.
Júnia Shizue Sueoka, médica do GRAU Resgate, coordenadora do SAME 199
São Caetano do Sul/SP e professora de graduação em Medicina, diz que algumas
pessoas tiram proveito da grande demanda no mercado e se utilizam de má fé para
copiar e comercializar cursos de forma irregular, com interesse puramente financeiro. Assim, se aproveitam de profissionais ingênuos e, por vezes, oferecem valores abaixo dos oficiais, levando o aluno a fazer um curso que não obedece aos
critérios de qualidade exigidos pelos núcleos oficiais e pelos detentores dos direitos autorais.
“Temos que combater essas pessoas, acionando-os juridicamente para que não
Reportagem de Rafael Geyger
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Emergência
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Paulo) em cursos da AHA (American
Heart Association) e diretor do GesBrasil
(Grupo de Ensino em Saúde Brasil).
Entre outras informações, o documento traz o número da autorização para
que o curso seja ministrado no Brasil.
“É o agreement que atesta que ele é um
centro credenciado”, diz.
Por fim, a autenticidade é comprovada com o certificado internacional emitido. “Forjar documentos ou criar uma
cortina de fumaça para vender um produto é fácil. Difícil é, ao final do curso,
emitir o certificado verdadeiro”, afirma
Randal. “A carteirinha que o aluno recebe em determinados cursos vem dos
Estados Unidos e é mais difícil de ser
falsificada”, completa Waltecir.
continuem lesando os profissionais que
os procuram, os quais, muitas vezes, têm
poucos recursos para dispor em capacitação”, avalia ela.
Diante de tal cenário, como se proteger? Como estar seguro de que o treinamento contratado é ministrado por empresa idônea e profissional devidamente autorizado? Especialistas recomendam uma série de medidas que o contratante pode adotar para certificar-se da
autenticidade do produto.
Na opinião de Randal Fonseca, diretor da RTI (Rescue Training International)
e instrutor do NSC (National Safety Council), o aluno tem na internet uma ferramenta aliada. Nos websites (páginas oficiais) das instituições que desenvolvem
os cursos e certificam instrutores e alunos, o contratante poderá consultar
quais os centros de treinamento e, em
alguns casos, os instrutores autorizados
para ministrar aulas. Segundo ele, ao
desconfiar da autenticidade do curso, o
interessado pode fazer uma consulta à
instituição no exterior, pois ela também
terá interesse em coibir o uso indevido
da marca.
Um aspecto relevante a ser considerado é que cursos da linha Life Support
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possuem um vínculo de acreditação em
educação em forma de convênio. Dessa forma, um centro de treinamento é
inicialmente aceito como polo de representação da entidade internacional em
um determinado local (cidade, estado ou
país).
A dica é dada por Rosemary Provenzano Thami, diretora médica do curso
ITLS (International Trauma Life Support)
no Brasil e coordenadora acadêmica do
SERV-RIO/CITE (Centro Integrado de
Treinamento em Emergência). Ela também lembra que inexiste docência livre
para tais cursos. “Ou seja, todos os instrutores têm um vínculo institucional
com a organização de ensino credenciada”, completa.
Também é mais seguro ter uma pessoa jurídica como provedor dos treinamentos, avalia Jorge Alexandre Alves,
especialista em emergências e diretor da
Fire & Rescue College Brasil. “Porém,
é muito importante conhecer ainda o
endereço físico dessa instituição ou se é
somente virtual”, afirma.
Outra medida é solicitar o agreement a
quem está vendendo o curso, recomenda Waltecir Lopes, fisiologista, instrutor
do Incor (Instituto do Coração de São
RISCOS
Durante o treinamento, o aluno deve
estar atento à abordagem do instrutor
para detectar possíveis desvios e, assim,
evitar ser enganado. Waltecir Lopes refere ter conhecimento de casos em que
materiais de instituições estrangeiras,
como vídeos e livros, foram utilizados
em cursos sem autorização. Seria essa
uma forma ilegal e imoral de utilizar a
sigla internacional do curso para captar
alunos. “Colocar que um curso é AHA
ou NSC e usar nomes como BLS (Basic
Life Support) sem realmente ser é uma
insanidade que deve ser denunciada. Estamos vivendo uma loucura e muitas
pessoas estão desligadas, mas algumas
falsificações são grosseiras”, diz, referindo-se a falsas credenciais de instrutores que já flagrou.
O enfermeiro Thiago Nadalin Corain,
instrutor da Socesp (Sociedade de Cardiologia de São Paulo), concorda que é
necessário cuidado ao procurar profissionais e empresas que ofereçam treinamentos. Um dos cursos mais plagiados
no Brasil é o BLS, que sofre adaptações
diversas. “Não é difícil encontrar instituições oferecendo o curso de Suporte
Básico à Vida, pois a maioria não é
credenciada e sem a devida autorização
para realizá-lo e o que é pior: com instrutores mal preparados e desatualizados”, refere.
Há, ainda, casos de fraude elaborados.
Randal Fonseca relata que um indivíduo
tentou usar um certificado de doação ao
NSC para comprovar a uma multinacional que a empresa dele era um centro
de treinamento autorizado. Explica RanOUTUBRO / 2011
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SOCESP
to, pois não tem o hábito esse tipo de treinamento”, reitera.
dal que qualquer pessoa que
Além disso, refere Randal, muitas
de cobrar ou mesmo chedoe 500 dólares ao NSC recar a sua autenticidade. Já empresas estão mais interessadas no
ceberá um diploma de
para Jorge Alexandre Al- certificado do que no aprendizado. “O
membro da instituição, mas
ves, quando o curso é pro- número de propostas que recebemos
que ser membro doador não
curado por pessoa física, para vender certificado é alto”, diz. “Não
o autoriza a ministrar curo menor preço costuma vendemos, mas sabemos que há quem
sos do NSC.
ser adotado como princi- o faça, entregando certificados sem comDe posse do papel, o estepal fator de escolha, asso- provação do aprendizado”, completa.
lionatário ofereceu uma
ciado à localização próxiqualificação criada por ele
A credencial do NSC só é entregue
ma da sua residência e do após aprovação do aluno na avaliação
próprio, como se tivesse o
perfil do grupo de partici- prática e no exame escrito, em que consuso autorizado pelo NSC.
pantes, como gênero, faixa te a assinatura do aluno solidária com a
Também comprou um ma- Thiago: cuidar treinamentos
nequim de treinamento junto ao depar- etária e profissão.
do instrutor. Os centros de treinamenPor sua vez, Randal Fonseca relata o to NSC devem enviar também uma foto
tamento de vendas do NSC e alegou que
a instituição havia, inclusive, enviado a caso de uma empresa que precisava que dos alunos com os equipamentos obriseus funcionários tivessem o certifica- gatórios. Mesmo que lentamente, avalia
ele tal material para o curso.
A multinacional detectou o risco e do internacional para prestar serviços a Randal, a prática tem dado resultados.
consultou o NSC nos EUA, que já ha- uma multinacional. Um instrutor do “Os centros de treinamento que quevia estranhado o pedido de urgência do NSC, então, ofereceu uma proposta com rem ser sérios, vingarão. Temos visto
indivíduo em receber seu certificado de credenciamento NSC e outra sem o ma- modificações promissoras, substituindo
doador. “Tivemos que interromper a terial didático do NSC, mas com menor a velha cultura do jeitinho brasileiro”,
ação de um indivíduo que tentou se lo- preço e certificado doméstico, assinado diz.
cupletar do trabalho do NSC para ven- por ele.
Ele ressalta ainda que o aluno que opta
A escolha foi pela oferta mais barata, por aprender tem como retorno a gratider um produto feito na sua cozinha,
dizendo que aquele produto estava endos- mas a credencial não foi aceita pela mul- ficação pelo aprendizado. “Ser esperto
sado por uma instituição internacional, tinacional, pois não cumpria os requisi- é fazer a coisa certa, não é permanecer
tos internacionais para a formação do na ignorância. Esperteza é ensinar corsem realmente estar”, reclama Randal.
Para Rosemary Provenzano, as ativida- aluno e, assim, os funcionários da con- retamente e, no dia em que o filho, o
des ilícitas ocorrem em razão da lacuna tratada não puderam trabalhar. “Quem cônjuge ou o colega de trabalho de um
deixada pela educação formal, já que há compra um curso alternativo é tão cri- socorrista bem formado precisar, ele
um hiato educacional com relação ao en- minoso quanto o instrutor que oferece saberá como agir”.
sino da Emergência na graduação (Enfermagem e Medicina). Com isso, o que
seria um simples curso para atualização
profissional passa a ser visto como capacitação, já que as escolas médicas e de
Enfermagem, em sua maioria, não a- Opções de qualificação nos cursos livres internacionais
companharam a evolução curricular.
abrangem emergências clínicas e traumáticas diversas
“A educação, no aspecto comercial, é
uma atividade rentável. Sendo assim,
Cursos da linha LS começaram a ser tes desses cursos são das mais diversas
muitos locais passam a oferecer cursos procurados no Brasil por praticantes de áreas”, relata.
livres para um público-alvo ávido por atividades esportivas e de aventura, coNa avaliação de Júnia Shizue Sueoka,
conhecimento”, diz. Ela mesma já de- mo mergulhadores e alpinistas. Confor- médica do GRAU Resgate e coordenatectou a oferta de um curso ITLS por me Jorge Alexandre Alves, especialista dora do SAME 199 São Caetano do Sul,
empresa não autorizada.
em emergências e diretor da Fire & tais cursos proporcionaram uma melhoRescue College Brasil, o reconhecimento ra significativa no atendimento ao paciRESPONSABILIDADE
do credenciamento em qualquer lugar ente, impactando diretamente na sua
O raciocínio é lógico: só há mal-in- do mundo foi um atrativo para tal gru- morbimortalidade. Ela afirma que, com
tencionados ofertando cursos falsos ou po, que também realizava sua atividade o objetivo de padronizar conceitos de
plagiados por que há compradores dis- em locais remotos, longe de qualquer atuação, os cursos de certificação interpostos a pagar pela ilegalidade e despre- tipo de assistência de urgência, na mai- nacional já são, inclusive, utilizados
ocupados com a qualidade do aprendi- oria das vezes.
como pré-requisito para contratações
zado. Sendo assim, o contratante do treiDevido à boa qualidade dos materiais em algumas empresas.
namento tem a responsabilidade implí- didáticos e da atualização dos protocoO ganho do aprendizado de um procita de disciplinar o mercado.
los oferecida em tais treinamentos, ex- tocolo técnico e sistematizado, reconhePara Waltecir Lopes, uma minoria con- plica Jorge, profissionais de emergência cido e utilizado em vários países, é tamtrata qualidade e o aluno não costuma passaram a procurar por esse tipo de bém ressaltado como uma vantagem
fazer jus ao que pagou pelo treinamen- qualificação. “Atualmente, os participan- desse tipo de treinamento por Rosemary
Caminhos da atualização
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Provenzano Thami, diretora médica do
curso ITLS no Brasil e coordenadora
acadêmica do SERV-RIO/CITE. Contudo, ela lembra que tais qualificações
não têm o caráter de habilitação, ou seja,
não tornam um profissional apto para
o atendimento a emergências.
As opções de qualificação nos cursos
livres abrangem emergências clínicas e
traumáticas. O ITLS (antigo BTLS) é
dividido em básico e avançado. Explica
Rosemary que a opção básica é destinada, preferencialmente, a profissionais de
nível técnico e também a brigadistas,
bombeiros civis, dentistas e fisioterapeutas. Já o curso avançado é voltado a enfermeiros, médicos, acadêmicos de Enfermagem ou Medicina, a partir do sétimo e oitavo períodos, respectivamente.
Ainda na área do trauma, as opções
mais conhecidas são o PHTLS (Pre Hospital Trauma Life Support), o ATLS (Advanced Trauma Life Support) e o ATCN
(Advanced Trauma Care for Nurses), este
último voltado exclusivamente a enfermeiros, define Thiago Nadalin Corain,
enfermeiro e instrutor na Socesp.
Já na área clínica, refere Thiago, a opção mais procurada é o BLS, que é voltado a profissionais da saúde em geral,
Cursos de certificação internacional têm participantes de diversas áreas
profissionais de resgate e que pode ser
cursado por pessoas ligadas a atividades diversas. Em seu conteúdo, o aluno
aprende manobras de ressuscitação, uso
do DEA e procedimentos de primeira
resposta a situações de urgência mais
corriqueiras.
Na área cardiológica, o ACLS (Advanced Cardiac Life Support) é direcionado a
médicos, acadêmicos de Medicina e enfermeiros e aborda procedimentos avançados, como manipulação de fármacos e condução terapêutica em situações
como infarto e acidente vascular. Em
linha semelhante, mas voltado a pacientes pediátricos, a opção é o PALS (Pediatric Advanced Life Support).
Ainda com certificação estrangeira, há
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uma série de outros treinamentos bastante praticados no Brasil, que contam
com instrutores treinados para seguir os
protocolos internacionais atualizados,
como Heart Saver (reconhecimento e
resposta à parada cardiorrespiratória) e
First Responder (agente de emergências
médicas).
Completam o cenário alguns cursos
ainda não difundidos no Brasil, lembra
Jorge Alexandre. Ele cita o AMLS
(Advanced Medical Life Support), que oferece suporte avançado voltado a médicos, o BHLS (Basic Hazmat Life Support)
e o AHLS (Advanced Hazmat Life
Support). Os dois últimos têm conteúdos específicos para suporte de vida em
emergências com produtos perigosos,
contando com o reconhecimento da
AACT (American Academy of Clinical
Toxicology).
Cursos trazem protocolo técnico e sistematizado, reconhecido e utilizado em vários países
EUA a médicos e paramédicos - categoria que permanece sem similar no
Brasil. Assim, profissionais de nível técnico podem até aprender sobre farmacologia e manobras invasivas, que são
de atribuição exclusiva do médico no
APH brasileiro. “Algumas drogas e equipamentos usados no ATLS não existem
no Brasil”, diz. “As pessoas fazem esses
cursos, objetivando conhecimento individual, uma vez que dentro da equipe o
profissional não poderá aplicar as técnicas se não for um médico”, completa.
Da necessidade, surgem as adaptações, que podem impor riscos à qualificação ao modificar o conteúdo do treinamento. Por esta razão, qualquer adaptação deve se restringir à aplicabilidade
do aprendizado e não ao protocolo de
ensino. “Só não podemos mudar o conteúdo e a essência do curso”, diz Júnia.
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APLICAÇÃO
Antes de matricular-se em cursos livres, é muito importante saber o que
realmente está buscando e qual a aplicação prática do conteúdo para sua vida
profissional. Segundo Jorge Alexandre,
é preciso ponderar, por exemplo, se o
curso básico cumpre com as expectativas nele depositadas e se há nível de formação suficiente para compreender os
procedimentos do curso avançado, bem
como realizá-los sem impedimento legal, dentro do seu limite de atuação.
Randal Fonseca, diretor da RTI e instrutor do NSC, faz ressalva semelhante.
Como exemplo, ele cita que os cursos
PHTLS e ATLS são direcionados nos
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OBJETIVOS
TRAÇADOS
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Antes da matrícula, alunos devem saber o que realmente
buscam e qual a aplicação prática do conteúdo para a
sua vida profissional
Ainda assim, a adaptação só pode ser
realizada quando do conhecimento e
autorização dos núcleos centrais.
Thiago Corain diz que devem ser ensinados aos alunos procedimentos em
conformidade com os modelos internacionais para, em seguida, discutir em aula
o que pode ser feito no dia a dia dos
atendimentos para se aproximar ao máximo possível do protocolo.
Como exemplo, ele cita a recomendação para que o aluno, após reconhecer
uma pessoa inconsciente fora do hospital, peça ajuda e um DEA (Desfibrilador
Externo Automático). No Brasil, contudo, a existência do aparelho na maioria
dos locais ainda é rara. “Então, orientamos ao aluno a solicitar ajuda o mais
rápido possível de uma equipe especializada, esperando que ela venha com um
desfibrilador”, pontua.
Para Jorge Alexandre, pode haver uma
adaptação também quanto ao profissional que participa do treinamento. Ou
seja, ele recomenda que equipes de suporte avançado também frequentem
cursos de suporte básico, considerando
a notória insuficiência desse conteúdo
na formação profissional.
Já nos treinamentos de suporte avançado, é importante ter a participação de
profissionais enfermeiros e técnicos que
trabalham em equipes de emergência em
hospitais e no pré-hospitalar. Segundo
Jorge, mesmo que não possam efetuar
procedimentos invasivos, eles devem
conhecer as rotinas e protocolos para,
em forma de time, serem mais eficientes no atendimento crítico dos pacientes.
Além de tomar a qualificação como
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um ganho para a equipe, é preciso sistematizar os processos fazendo com que
cada etapa do atendimento seja integrada com as outras ações. Cada tipo de
curso é apenas uma peça na engrenagem, avalia Randal. “Um programa de
treinamento necessita de cursos que, ao
serem concluídos, seja o começo de
outro programa, dentro de uma corrente de responsabilidade. Um sistema é,
portanto, um conjunto de mecanismos
afins que deve conduzir a uma ação de
qualidade mensurável. Se os serviços
não estiverem elencados dentro de um
processo lógico, teremos uma colcha de
retalhos”, afirma.
Para Randal, é uma ilusão dos profissionais das empresas e instituições governamentais acreditar que os seus interesses possam ser atendidos somente
pelo fato de os cursos virem dos EUA,
indiscriminadamente. “Um curso, sozinho, é como se alguém aprendesse a
tocar notas musicais de forma aleatória.
Há uma série de sons até harmônicos,
mas não há uma melodia”, compara.
Ética do aprendizado
Centros de treinamentos e instrutores devem ter compromisso
com o conteúdo dos cursos, construído por pesquisas científicas
as técnicas de resgate e as operações
especiais deixaram de ser apenas conteúdos criativos sem grande responsabilidade e passaram a ser desenvolvidos
a partir de tecnologias altamente sofisticadas, o que exige padronizar e controlar a emissão dos certificados, tanto
para os instrutores, como para os alunos.
Os representantes no Brasil das instituições promotoras dos cursos livres são
os centros de treinamento. Um documento de gestão contratual entre as partes estabelece uma série de cláusulas
sobre limites éticos, técnicos, administrativos, gerenciais e de uso da imagem
do órgão credenciador pelo núcleo brasileiro.
Conforme Rosemary Provenzano
Thami, quando algum centro se distancia destas limitações e responsabilida-
SOCESP
Os cursos livres com credenciamento
internacional têm em suas bases mais
do que sólidas instituições. Seus conteúdos são formatados a partir de fontes,
ou seja, do resultado de pesquisas que
comprovam, cientificamente, o que está
se propondo a ensinar.
Essa é uma carência do ensino e
aprendizagem na área de emergência no
Brasil, detecta Randal Fonseca. “Em vez
de os profissionais se unirem e fundarem instituições sólidas, preferem bater
na porta dos órgãos de governo e pedir
que entreguem a coisa pronta. Instituições criadas pela sociedade civil organizada é que devem dar aos governantes
os parâmetros de como querem que as
coisas sejam feitas e não ao contrário,
como vemos”, avalia.
Ele reitera que os primeiros socorros,
Cursos formatados a partir de pesquisas que comprovam cientificamente o que está sendo ensinado
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des, ele é automaticamente descredenciado ou poderá sofrer algum tipo de
punição, conforme estabelecido no convênio.
Por sua vez, Jorge Alexandre Alves,
explica que um dos instrumentos de fiscalização da qualidade do treinamento
(sempre pela instituição credenciadora,
já que não existe órgão regulador) é a
avaliação direta dos alunos por meio de
um questionário. Tal metodologia pode
resultar no descredenciamento de centros e de instrutores.
Na análise de Randal, é importante
estar atento a condutas suspeitas de centros que, mesmo credenciados, podem
prejudicar a qualidade do aprendizado.
Entre elas, está a falta de controle na
emissão das credenciais de instrutores
e de alunos. Randal sugere que o contratante desconfie da seriedade do centro que prometer enviar as credenciais
juntamente dos livros didáticos, antes
mesmo da conclusão do curso.
“Livros, por si só, não ensinam a salvar vidas”, diz. “De nada adiantará ter a
ferramenta para ensinar se o instrutor
não está sensibilizado e motivado a fazer o uso devido dela, como também
não adianta entregar livros de boa qualidade para os alunos e acreditar que eles
aprenderão sozinhos”, completa.
INSTRUTOR
O principal aliado do aluno que deseja aprender é o seu instrutor e, por isso,
investir na formação adequada desse
profissional é necessário. Lembra Rosemary que cada curso possui o seu manual do instrutor, com diretrizes e exigências contratuais pedagógicas, didáticas e administrativas já pré-estabelecidas
e que devem ser seguidas. Os critérios
de identificação do instrutor em potencial e do programa obrigatório para a
sua formação também são particulares
de cada curso. Em linhas gerais, explica
ela, após um desempenho exemplar no
treinamento, seguido pelo curso específico de instrutor feito por indicação e
de alcançar índice satisfatório em competência e perfil pedagógico, o profissional terá apoio do seu centro de treinamento para exercer esta potencialidade.
O cenário atual, entretanto, remete à ausência de uma supervisão pedagógica tão
criteriosa e contínua em alguns sítios
credenciados.
Preocupação semelhante é demonsOUTUBRO / 2011
Não é apenas por cursos livres de certificação
internacional que o profissional de emergência
pode se capacitar no Brasil. Há uma série de treinamentos oferecidos por empresas e instrutores
na área de consultoria, muitos deles elaborados
para necessidades específicas.
Conforme Waltecir Lopes, instrutor do INCOR
e diretor do GesBrasil, é importante que o contratante avalie esse tipo de qualificação como
alternativa, pois o curso sem credenciamento pode, conforme o caso, até superar o treinamento
que oferece a certificação.
“Há empresas que não querem curso com cre-
denciamento internacional, mas cursos customizados, ou seja, desejam que cumpra suas necessidades legais, que use a sua realidade, que proponha alternativas para os planos de emergência e
que respeite a sua logística, recursos humanos,
etc.”, diz.
Assim como ocorre com os cursos certificados,
para esse tipo de treinamento a recomendação ao
contratante é avaliar o currículo do instrutor e a idoneidade da empresa responsável pelo curso, além
de seu histórico e proposta pedagógica, questionando a fonte utilizada para a formatação do treinamento.
trada por Waltecir Lopes. Dependência
do material didático e falta de domínio
sobre o conteúdo são falhas apontadas
por ele. Waltecir lembra também do
compromisso do instrutor com a aprendizagem e destaca que o ensino não pode ser transformado em uma disputa sobre quem ministra a aula mais rapidamente.
Para ele, embora não haja exigência
legal, seria recomendável que o instrutor tivesse formação de professor, ou
seja, graduação com Licenciatura Plena. Os cursos de credenciamento internacional, no entanto, exigem apenas que
o instrutor seja da área de saúde (são 13
profissionais, conforme a Resolução
218/97, do Conselho Nacional de Saúde).
Randal Fonseca recomenda que o instrutor invista na sua carreira e mantenha sua credencial internacional sempre
atualizada. “Todo instrutor, de qualquer
tipo de curso livre, que emita certificação
de qualificação profissional internacional, deve ter Licenciatura Plena. Sem
isso, ninguém poderia estar autorizado
a ministrar aulas em cursos que precisam passar por auditorias”, defende ele.
em habilidades práticas, psicomotoras e
cognitivas.
Júnia Shizue Sueoka, lembra que a
carteirinha não garante uma vaga no
mercado, mas é um indicativo de que
aquele profissional passou por avaliação
criteriosa e que teve as informações necessárias para o atendimento da vítima.
Não há no Brasil nenhuma legislação
ou mesmo política interna em instituições privadas que preveja o porte ou
renovação das credenciais, esclarece Jorge Alexandre. Já nos Estados Unidos,
ARQUIVO WALTECIR LOPES
OPÇÃO CUSTOMIZADA
Treinamentos para necessidades específicas
país de origem da maioria desses credenciamentos, a carteirinha deve estar válida e ser apresentada sempre que solicitada em fiscalizações, auditorias ou exigências legais locais.
Segundo Jorge, ela serve de critério
para os profissionais comprovarem
que estão aptos a trabalhar em determinados serviços de emergências em
território norte-americano, como salas
de emergências em hospitais ou ambulâncias, independente da sua formação.
ALUNO
Já por parte do aluno, ao concluir o
curso e receber sua credencial (carteirinha), ele inicia uma nova fase profissional, que pode lhe trazer novas oportunidades de emprego, como também
implicações legais caso ultrapasse as suas
limitações de competência. A credencial
tem validade curta (em geral dois anos)
e o curso deve ser refeito após esse período. De acordo com Waltecir Lopes,
ela atesta que o aluno foi aprovado dentro do mínimo de desempenho exigido
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