Público 23 maio

Transcrição

Público 23 maio
ID: 54038966
23­05­2014
Tiragem: 34299
Pág: 39
País: Portugal
Cores: Preto e Branco
Period.: Diária
Área: 16,45 x 30,75 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Os anos 1980 sem artifícios,
mas com a fanfarra do design
da década da transgressão
RUI GAUDÊNCIO
Exposição
Joana Amaral Cardoso
Os Iconoclastas anos 80
cantam os parabéns ao
Museu do Design e da Moda
no seu 5.º aniversário a par
de Flags of the World
São os anos 1980, mas despidos de
artifícios — salvo aqueles que nos
transmitem as próprias peças, do
Estrado de Eduardo Souto Moura
às silhuetas de uma tríade essencial
da moda da década, Thierry Mugler,
Claude Montana e Azzedine Alaïa.
Os Iconoclastas anos 80 cantam os
parabéns ao Museu do Design e da
Moda (Mude), em Lisboa, sem música nem excessos na sua apresentação, mostrando pela primeira vez
muitas peças de design de equipamento e de moda da colecção Francisco Capelo e propondo, afinal, que
averiguemos do seu grau de pureza
eighties.
O Mude faz cinco anos e um dos
pontos fortes do seu acervo é exactamente a década de 1980 (a par da
de 1950), sendo por isso uma escolha natural, segundo as comissárias
da exposição — Bárbara Coutinho,
directora do museu, e Anabela Becho, sua conservadora de moda —,
apostar na década dos néones, dos
reinados pop e do espectáculo. É
por que, defende Bárbara Coutinho, é preciso vê-la fora da “grande encenação de imagem e som”
que normalmente a acompanha e,
completa Anabela Becho, abandonar essa “imagem redutora” dos 80s
e deixar “as peças contar a história
da década”.
E na moda e no design essa narrativa começa pela liberdade experimentalista, com Gestos Transgressores, que já despontavam na cena
punk do final dos anos 1970, cortesia
dos incontornáveis Vivienne Westwood e Malcolm McLaren. Depois
consolida-se no segundo dos sete núcleos da mostra, Piratas e Piratarias,
onde se apresentam várias peças da
primeira colecção de passerelle dos
reis da moda punk e um conjunto
inicial, Pierrot, de John Galliano.
Inglaterra domina neste princípio
de todas as coisas eighties, período
“fundador em muitos aspectos da
nossa contemporaneidade”, disse
ontem Bárbara Coutinho na apresentação à imprensa da mostra que
ficará até 31 de Agosto no museu.
Apropriações, pilhagens, construções que os anos 1980 tornaram
Moda e design de produto da década dos excessos no Mude
depois Silhuetas Singulares, da cadeira S (1987) ou do raro candeeiro
de Tom Dixon às interpretações da
sensualidade angulosa por Mugler,
Alaïa e Montana na moda. Há obviamente ecos do Memphis Group,
formas geométricas e cores que nos
interpelam mesmo que não queiramos, vestidos e casacos Saint Laurent, Madame Grès e Lacroix restaurados de propósito para esta
exposição — e todos peças “de alta
costura”, sublinha Becho. Estreiamse para o público do Mude o Mobile Giallo (1988) de Ettore Sottsass,
uma bolsa e dois conjuntos de Romeo Gigli saídos directamente de
uma pintura de Watteau para um
vídeo glamoroso dos Talking Heads, Ultrarromânticos neste núcleo
como a peça Kenzo e o vestido em
veludo cristal da única designer de
moda portuguesa na mostra, Manuela Gonçalves.
A explosão mais literal identificável com a imagética da década
está no núcleo sobre as Artes no
Exercício do Design, em que os estampados e cores de Jean-Charles
de Castelbajac se sentam à mesa de
Gaetano Pesce enquanto o minivestido barroco e clássico Versace
os olha sobranceiramente. Há ainda
um final à anos 1990, novas silhuetas
protectoras, “um novo corpo” criado pelos designers japoneses como
a Comme des Garçons que “intelectualizaram a sensualidade” a partir
de Paris, onde desfilavam, completa
Anabela Becho.
Londres-Paris, portanto, com paragens em todo o mundo, Portugal
de Souto Moura e Pedro Silva Dias
incluído. Os anos 1980 de “uma perspectiva mais formalista”, centrada
na polissemia das peças, dos seus
materiais e formas até chegarmos
à “ruptura com modelos e cânones
pré-estabelecidos”, resume Bárbara Coutinho. E Iconoclastas por se
tratar de um período “destruidor
e crítico de um paradigma, para a
criação de um outro”.
Além dos 80s, o Mude inaugurou
também a instalação Flags of the
World, de João Felino, que transformou a sala Pereira Coutinho
num expositor interpelativo em
que 12 bandeiras estão lá, mas não
estão. Descolorou bandeiras mais
identificáveis, como a portuguesa,
a espanhola, a brasileira ou, claro,
numa evocação imediata do trabalho de Jasper Johns, a americana.
Mas deixou outras tantas no limbo
depois de lhes tirar o que separa a
Alemanha da Rússia, por exemplo
— as suas verdadeiras cores.
Se o white cube da galeria seria
a casa imediata para Flags of the
World, Felino escolheu esta sala do
Mude por desejar um primeiro momento de recepção que não fosse
tão codificado: “É uma instalação
pura, há uma apropriação de espaço, um acordo perfeito entre os
panos e a sala.” Agrada-lhe, como à
direcção do museu, a contaminação
entre disciplinas e códigos, e Flags of
the World, explica, “ganha um significado único por estar aqui”.
Em datas redondas, tempo de
contas: o Mude teve 1,1 milhões
de visitantes até ao final de 2013,
o ano com mais visitas de sempre
(282.401) do museu, muito graças
à sua mais popular exposição, a retrospectiva de Felipe Oliveira Baptista. Se há dois anos o orçamento para
programação, saído do Turismo de
Portugal, era de 550 mil euros, este
ano foi fixado nos 389 mil euros.

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