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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
FIORELO PICOLI
Fevereiro / 2005
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
IMPRESSÃO:
Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991
Av. das Itaúbas, 2062 – Jd. Botânico – Sinop MT
CAPA:
Sidinei Novais
EDITORAÇÃO:
Arte Design: (66) 531-6097 / 9985-9722
E-mail: [email protected]
ORIENTAÇÃO
Prof. Dr. Nildo Domingos Ouriques
Departamento de Ciências Econômicas
Programa de Pós Graduação em Economia Industrial
Universidade Federal de Santa Catarina
Prof. Dr. José Luiz Vázquez Burguete
Departamento de Direción y Economía de la Empresa
Programa de Doutorado em Gestión y Comercialización Internacional
de la Empresa
Universidad de León, España
REVISÃO:
Renato Gomes Tapado
Josete Mori
REVISÃO FINAL:
Maria da Paz Sabino
PICOLI, Fiorelo
Amazônia: a ilusão da terra prometida. 2 ed.
Sinop: Editora Fiorelo, 2005.
119 p.
1 – Amazônia. 2 – Expropriação. 3 – Povos originários.
4 – Posseiros. 5 – Garimpeiros. 6 – Devastação.
ISBN - 85-904199-2-4 / Prefixo Editorial N° 904199
Todos os Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de
qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n°
5610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
O presente livro é dedicado aos indígenas, posseiros,
garimpeiros e peões que foram silenciados pelo
poder econômico, político e militar na Amazônia.
Mudez promovida por meio de armas, pistoleiros
e jagunços em nome da grilagem para a concentração
da terra. Um silêncio que consegue reprimir e sufocar
a liberdade de expressão, culminando no controle das
emoções através da força e do poder institucionalizado.
Mesmo assim, não consegue esconder as marcas,
os rastros e as sombras que transpõem os tempos,
para anunciar a chegada da primavera e das flores.
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SUMÁRIO
PREFÁCIO ................................................................................... 07
APRESENTAÇÃO ........................................................................ 09
O CAPITAL E A EXPROPRIAÇÃO DO HOMEM E SEU AMBIENTE
A questão indígena, o genocídio de um povo .................. 13
A expropriação do posseiro e a luta pela terra ................. 27
As formas de exploração da força de trabalho ................. 45
A exploração do trabalho na mineração aurífera .............. 59
A devastação ambiental na expansão capitalista ............. 79
RESUMO ...................................................................................... 95
CONCLUSÃO ............................................................................. 105
LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................ 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 111
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
PREFÁCIO
Falar da Amazônia sem cair no modismo de apenas exaltar
suas belezas naturais e de sua importância para o mundo não é
uma tarefa fácil. Exige pesquisa e análise rigorosa.
A obra de Fiorelo Picoli “Amazônia: a ilusão da terra
prometida” vem em boa hora. Ultrapassa a superficialidade de dizer
que o “homem”, em sua forma genérica, está destruindo o meio
ambiente.
Picoli, a partir de outros estudos e de sua vivência pessoal
na região, demonstra com competência acadêmica que não há uma
guerra maniqueísta entre homem x Amazônia. Através de sua obra
podemos entender o processo histórico onde as relações de
exploração capitalista revelam-se em suas formas mais duras e
sangrentas.
Demonstra como a relação entre posseiros x índios x
garimpeiros e entre si próprios não é uma guerra entre “mocinhos
e bandidos”. Nos ajuda a entender que estes sujeitos históricos,
num processo dialético, posicionam-se no centro de uma disputa
pelas riquezas da Amazônia, envolvendo ainda, o Estado e o grande
capital, onde garantir a própria vida muitas vezes já pode ser
considerado uma vitória.
A obra indica ainda, sem meias palavras, como o Estado
brasileiro coloca seus mecanismos a serviço do grande capital, que
se alimenta tanto dos bens naturais da Amazônia quanto da batalha
cruel instalada entre os povos que vivem nesta região.
A riqueza do material oferecido por Fiorelo Picoli está na
multidimensionalidade de análise. Podemos entender esta região
em seus vários aspectos: geográfico, histórico, econômico,
sociológico e psicológico.
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Outro aspecto positivo é seu didatismo. O livro pode ser
entendido no todo e nas partes. Os capítulos são claros, têm riqueza
de dados e análise e complementam-se.
Pela atualidade do tema não há dúvida que “Amazônia: a
ilusão da terra prometida” é uma obra oportuna e necessária. Sem
ser um material definitivo, pois o processo histórico encontra-se
em pleno desenvolvimento, podemos considerá-lo importante tanto
para quem não tem maiores leituras sobre o tema quanto para quem
quer aprofundar-se ainda mais nos estudos sobre a região.
É um texto que flui, mas que não superficializa o tema. Uma
ótima combinação.
Sinop, fevereiro de 2004.
Prof. Ms. Almir Arantes
Vice-reitor da UNEMAT
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APRESENTAÇÃO
Este é o segundo livro de uma série de quatro volumes que
tratam da Amazônia Legal brasileira. Algumas precauções foram
tomadas no sentido de escrevê-los de maneira independente, para
que o leitor não tenha a necessidade de ler o primeiro volume para
poder entender o segundo. Porém, quando lidos contribuem no
entendimento global do processo de expansão, ocorrido na região
através dos tempos.
O presente trabalho não tem o objetivo de criar mecanismos
que venham solucionar os problemas que envolvem os atores
sociais que vivem a Amazônia no seu dia-a-dia. Temos o propósito
de apontar a problemática ocorrida através da interferência desses
ao longo dos tempos na região e contribuir no processo da
aprendizagem através da demonstração da realidade ali imposta
pelas metas sistêmicas nacionais e internacionais. Também não
temos a pretensão de apresentar soluções prontas, pois
entendemos que esta é um tarefa de toda a sociedade no seu
conjunto.
A estratégia desse trabalho é criar mais desafios e
questionamentos, por meio da apresentação da realidade, vista
através dos cenários que escancaram e escamoteiam a
expropriação do homem e do seu ambiente, em detrimento da
expansão capitalista instalada na região para concentração da terra
e da riqueza. A realidade é apresentada sem contornos e meias
palavras e, quando necessário, apontamos as causas que levam a
produzir dois extremos no acesso à terra na região, um de muitos
pobres “Sem Terra” e o outro de poucos ricos concentrando a terra.
Não temos o objetivo de esgotar a discussão sobre a
Amazônia, mas contribuir de maneira humilde, apontando situações
que envolvem o reino animal e vegetal num processo avançado de
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destruição da vida. Não pretendemos fechar o diálogo, mas
colaborar no entendimento dos conhecimentos já existentes e
apontar outras versões para o debate. O nosso propósito é somar,
através da organização dos conceitos e teorias da Amazônia, que
apontam para um novo espaço de expansão de forma integrada
por meio das diretrizes sistêmicas mundiais.
No cenário apresentado, o livro tem o objetivo de identificar
os atores que fazem a história da Amazônia brasileira – vítimas
dessa expansão capitalista – bem como apontar de que forma foi
realizada na região a expropriação dos povos originários, dos
posseiros, dos garimpeiros e da força de trabalho. Objetiva-se
também verificar a destruição dos mais variados ecossistemas
regionais, que sustentam uma rede de equilíbrio da vida entre os
reinos animal e vegetal.
O homem da floresta foi expulso através de verdadeiros
genocídios. Episódios estes por muitas oportunidades ignorados
pelo Estado, através de suas representações e instâncias. A
brutalidade praticada contra esses agentes ao longo dos tempos e
a forma mais severa de tortura foram evidenciadas, pois esse
cenário desencadeia o complexo mundo das armas.
Um espaço complexo onde jorra mel, leite e sangue, que
envolve os marginalizados, os despossuídos, os grupos econômicos,
os jagunços e os pistoleiros, determinando-se dois mundos distintos.
O crime é colocado a serviço das elites com a finalidade de aparelhar
o modo capitalista de produção na região, e a violência é o meio. A
meta final do projeto ali instalado é a concentração da terra, para a
produção de monoculturas que venham servir ao mercado
internacional através dos produtos para a exportação. Para atingir
essas metas, a intolerância e a brutalidade fazem a ponte entre o
capital e o Estado contra as massas.
Nesta mesma perspectiva, verificamos o tratamento da força
de trabalho que chega à região através do exército industrial de
reserva do País, com o objetivo de abrir as áreas para implantar os
projetos econômicos na agropecuária, no extrativismo mineral e
florestal, bem como para dar suporte às cidades fabricadas pelos
projetos de colonização. Identificamos o quadro de trabalhadores
na agropecuária, na indústria, na prestação de serviços e em outras
funções que estruturam o novo espaço de ocupação.
As formas de obtenção de mão-de-obra para a região se
caracterizaram pela presença de trabalhadores em estado flutuante:
os concentrados nas cidades planejadas ou fabricadas e os
importados de outras regiões do Brasil, para servirem de força de
trabalho aos empreendimentos. Isso tudo acontece para suprir as
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necessidades locais de força de trabalho, por meio de um processo
que serve de máscara da realidade, para camuflar as relações de
trabalho na região, identificado através do agenciamento de
trabalhadores através do sistema “gato”.
Caracterizamos a importância da mineração no processo
de colonização, sendo este o ponto alto para penetração das
pessoas nas primeiras fases de transferência para a região.
Movimento este que voltou à tona no período da pós-ditadura de
1964, pois o homem continua vendo a região por meio do sonho da
terra prometida.
Na Amazônia passa a ocorrer um deslocamento progressivo
de homens, mulheres e crianças em busca do “mel”1 . O encontro
com o “mel” passa a ser almejado e planejado através da posse da
terra, bem como pelo acesso ao trabalho, para finalmente realizar
o sonho dos marginalizados e dos despossuídos do País, que
chegam à região com o firme propósito de serem incluídos pelo
acesso à terra prometida e sonhada.
Argumentamos sobre a estratégia utilizada pelo Estado que
entrega os recursos minerais da região aos grupos nacionais e
internacionais para exploração destas riquezas nas últimas décadas.
Verificamos o projeto garimpeiro ocorrido nos anos 80 do século
XX, que é interpretado como uma nova fase da mineração manual
dos garimpos auríferos do Brasil. Essa nova fase, volta-se à atração
de mão-de-obra para servir aos grupos econômicos ali instalados.
Os garimpos servem para atrair os posseiros e os colonos
na procura do ouro. Assim acontece a desistência na busca da
terra. Enquanto se processava o abandono da terra, em seu lugar
se instalaram grandes latifúndios, que receberam parte das áreas
parcialmente abertas nos territórios amazônicos. O grande capital,
através de seus projetos econômicos, passa a concentrar ainda
mais as terras, por meio da expulsão do homem do campo, tornandose a alternativa que se apresentava mais promissora para os
marginalizados engrossarem as fileiras dos garimpos auríferos.
A expansão capitalista da última fronteira brasileira trouxe
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A busca do “mel”, bem como o encontro com este doce dourado, é uma metáfora usada
ao longo do texto para demonstrar que as pessoas que se deslocam para a Amazônia
buscam um sonho. Mesmo aos marginalizados e despossuídos no processo histórico, a
região apresenta-se como um novo “eldorado”, e este veio acompanhado de muito brilho
e luz intensa. Assim, o “mel” representa o alimento, a riqueza e a esperança de uma nova
vida a todos os que chegam com o firme propósito de ver seus sonhos realizados. A
metáfora que passamos a utilizar neste livro, também foi muito útil no livro “Amazônia: do
mel ao sangue – os extremos da expansão capitalista” (Picoli, 2004: 16).
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prejuízos ao meio ambiente, não respeitou os vários ecossistemas
bem definidos na região, principalmente os ligados ao Pantanal, ao
Cerrado e à Floresta Amazônica. Estes capitalistas passaram a se
reproduzir na região através da lógica do sistema capitalista
periférico, causando a depredação do meio ambiente e o adiantado
estado de interferência do “homem civilizado” nas terras dos povos
da floresta. Esse é o meio para facilitar a concentração da riqueza
e promover a produção das monoculturas para servir ao mercado
mundial, conforme suas exigências e tendências mercadológicas.
Os rios foram poluídos por mercúrio, e as florestas, por
agentes químicos utilizados no solo e como desfolhantes,
proporcionando sérios problemas ecológicos. As queimadas
realizadas na abertura da região criaram uma nova paisagem, fruto
da devastação que busca o lucro por meio do aproveitamento dos
recursos naturais e a produção de monoculturas através da
agropecuária. A concentração da terra também ocorre para
especulação de mercado e agregação de valor, observada através
das investidas das empresas que buscam lucros fáceis.
Ficou caracterizada a vulnerabilidade da imensa floresta
tropical com a interferência humana, não sendo respeitada a
biomassa ali existente. Do mesmo modo, as riquezas foram sendo
aos poucos destruídas pelas estratégias capitalistas nacionais e
internacionais, por meio do dinheiro público. A grande quantidade
de insetos, plantas, animais e microorganismos pouco estudados
estão sendo destruídos e pirateados por grupos organizados que
atuam impunemente na região, onde estão presentes grupos
farmacêuticos multinacionais, apurando fórmulas do saber popular,
praticando a biopirataria do conhecimento e patenteando os novos
produtos para o mercado capitalista mundial.
É nesta perspectiva que tratamos a região Amazônica. No
sentido de identificar a problemática do desenvolvimento econômico
regional, bem como as formas de expropriação do homem e do
seu ambiente. Nesta amplitude tecemos as relações entre o homem,
o trabalho, o capital e o meio ambiente, com o intuito de identificar
os atores sociais que fazem parte da Amazônia Legal brasileira.
Preocupamo-nos em contribuir com a discussão a fim de
promover o debate e a crítica de forma ampla e não em apresentar
os conceitos como definitivos, uma vez que não somos os
detentores da verdade absoluta. Entendemos que se faz necessário
rever teorias e conceitos, tendo em vista que a evolução do homem
deve relacionar-se com a produção de novos conhecimentos, sem
no entanto, desprezar os já existentes.
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CAPITAL E A EXPROPRIAÇÃO DO HOMEM E
SEU AMBIENTE
A questão indígena, o genocídio de um povo
Faz-se necessário entender o espaço que compõe a
Amazônia Legal brasileira, por meio da representação de parte do
território que compreende a Amazônia sul-americana. O território
brasileiro forma a maior porção da área, 63,4% do total e 59% do
território brasileiro. Os Estados que formam a parte do território
brasileiro são nove: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso,
Rondônia, Pará, Roraima, Tocantins e a parte Oeste do meridiano
44° W do Estado do Maranhão. Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, em 2004, a população que vive na
região amazônica está acima de 22 milhões de habitantes. Nesse
espaço pode ser encontrado 80% da vida do planeta (Picoli, 2004:
17-18).
Através dessa amplitude regional, esse território brasileiro
até pouco tempo era pouco habitado e explorado, porém com a
tomada de poder do governo, por meio da ditadura militar em 1964,
ele passa a ser área de expansão dos projetos econômicos
nacionais e internacionais de maneira projetada e organizada.
Nesse sentido, na Amazônia o projeto articulado pelo Estado em
conjunto com o capital não foi para trazer a felicidade aos povos da
floresta. Pelo contrário, foi para expulsá-los de suas terras e
promover a expansão dos grupos econômicos na região.
O objetivo principal foi instalar grandes complexos
agropecuários e de extrativismo, tanto no setor mineral como no
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
florestal. Com esta estratégia, grandes empreendimentos nacionais
e internacionais se instalaram em terras adquiridas legalmente e
griladas, dos posseiros e dos povos originários, através da
expropriação e da violência.
Os indígenas foram as grandes vítimas da expansão da
última fronteira agropecuária do pós-1964. Podemos citar alguns
projetos ali instalados como: a Amazônia Mineração: associação
de empresa estatal Vale do Rio Doce com a United States Steel;
Indústria e Comércio de Minérios: associação da Caemi de Antunes
e da Bethlehem Steel; Jari Florestal e Agropecuária: D. Keith Ludwig/
National Bulk Carriers; Volkwagen do Brasil, Fazenda Suiá-Missu,
de propriedade da Liquigás; Swift-Armour-King Ranch e outras
centenas de empresas com a finalidade de expandir-se nesta região
e agregar valor para a especulação imobiliária.
No caso específico do Estado de Mato Grosso, muitos dos
projetos de colonização foram realizados por empresas privadas, e
vários desses ocorreram em terras indígenas. Para OLIVEIRA (2001:
146), o processo de colonização “teve sua base na grilagem das
terras e em verdadeiros massacres de nações indígenas”. Citamos
como exemplo alguns projetos realizados em terras indígenas, tais
como: em Porto dos Gaúchos, em terras dos índios Beiços-de-Pau;
em Canarana, em terras dos Xavante; em Água Boa, em terras dos
Xavante; em Nova Xavantina, em terras dos Xavante; em Matupá,
em terras dos Kreen-Akaroé; em Alta Floresta, em terras dos Apiaká;
em Juara e Novo Horizonte do Norte, em terras dos Kayabi; em
Juruena e Cotriguaçu, em terras dos Ribeaktsa, e outros. O resultado
destes contatos é que boa parte destes povos foi exterminada,
vítimas de doenças do contato com a civilização, ou foram
assassinados (IANNI, 1986:184-85).
Alguns destes projetos, como é sabido, recebem incentivos
através dos benefícios fiscais da Sudam e são protegidos pelo
Estado brasileiro com toda a infra-estrutura necessária. Por outro
lado, o processo de apropriação das terras dos povos originários
caminha sempre em conjunto com a burocracia dos órgãos
encarregados em lhe dar proteção.
A Funai aparece sempre depois das ocorrências, vindo a
contribuir na preservação dos interesses econômicos, políticos e
culturais do capital, pois o órgão representativo dos povos da
floresta se defronta com os fatos já consumados. O Estado foi levado
a trabalhar contra as comunidades tribais sem preservar os
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
interesses dos povos originários, protegendo suas representações
capitalistas. Em muitos casos, os postos da Funai são transformados
em instrumentos para promover a expropriação indígena. IANNI
(1986: 190) retrata a Amazônia da seguinte forma:
esse modo de encarar a situação amazônica, na qual a questão
indígena aparece como um problema menor, secundário, ou não
antropológico, em face da força de expansão das “fronteiras
econômicas”, implica em que toda atuação da Funai aparece como
“naturalmente” em segundo lugar, em atraso. Parece como se a
“força das coisas” é que estivesse dispondo os problemas desse
modo. E as invasões e expropriações das comunidades indígenas
aparecem como males necessários do “progresso”,
“desenvolvimento”, “modernização” e outros signos da ideologia
capitalista dos governantes. Dessa maneira, o Estado e a sua
tecnocracia são levados a sempre dar a impressão – à opinião
pública nacional e estrangeira – de que a expropriação das
comunidades tribais não está sendo realizada pelo capital
monopolista e em seu único benefício.
Para o Estado e o capital em conjunto, os povos das florestas
são vistos como um obstáculo, um estorvo sem direito à existência.
Tanto é que órgãos estatais como Sudam, Basa, Pin, Suframa,
Polamazônia, Proterra, Incra e a Funai não têm preocupação alguma
em preservar os direitos e interesses desses povos, pois são
direcionados em suas práticas para proteger os grupos econômicos
organizados. Estes órgãos fogem de seu verdadeiro objetivo, que
é contribuir na proteção dos povos originários, e assim acabam por
promover o desenvolvimento extensivo do capitalismo de forma
agressiva, colaborando para facilitar a expropriação dos indígenas
e dos posseiros da região.
Estes órgãos formam um complexo e burocrático aparelho
do Estado, atuando com o objetivo firme de controle, obediência e
subordinação. Adotam uma política indigenista que tem começo e
fim fundados na privação dos direitos dos índios de suas terras.
Contudo, “transformar a propriedade tribal em propriedade ocupada,
grilada, latifúndio, fazenda, empresa, é sempre o primeiro e o último
passo para transformar o ‘índio’ em ‘nacional” (IANNI, 1986: 215).
Esta foi a triste história dos índios brasileiros ao longo do tempo, e
esta mesma história volta a repetir-se no final do século XX na
Amazônia.
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Neste sentido, os povos originários e primeiros habitantes
deste país antes da chegada dos colonizadores europeus tinham a
natureza como sua maior riqueza. Preservavam seus costumes e
viviam em comunidade. Desta maneira, “os índios viviam numa
sociedade organizada para produzir gente, o que contrastava com
a sociedade dos brancos (europeus), organizada para produzir
riqueza” (SANTOS, 1998: 130).
A partir da chegada dos colonizadores começa a agressão
e a espoliação destes povos. As estatísticas, no processo de
colonização pelos europeus, são alarmantes, “dos 5 milhões de
indígenas que ocupavam o Brasil à época do descobrimento em
1500, cerca de 220.000 [década de 70] ainda lutam teimosamente
para sobreviver. A grande maioria está concentrada na Amazônia”
(OLIVEIRA, 1997: 118).
Assim, os povos originários “passaram de aproximadamente
100 mil, na década de sessenta, para mais de 200 mil, no final da
década seguinte, chegando hoje [2000] a mais de 350 mil” (HECK,
2000: 16). Para a CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (2001:
69-70), “estima-se que a população indígena seja de 550.438
pessoas, pertencentes a 225 povos, falando cerca de 180 línguas
diferentes. Desta população, cerca de 358.310 vivem em seus
territórios, outros 191.228 migraram para centros urbanos e há uma
estimativa de 900 índios que são pertencentes a povos não
contatados”.
Nas últimas décadas obtivemos um sensível aumento da
população, visto que ocorreram a descoberta de novas tribos na
Amazônia, assim como a demarcação de algumas áreas, ocorrendo
um clima de segurança e novas leis que protegem as comunidades,
principalmente na última década, pelo retorno de índios
culturalizados em suas terras. Estes fatores contribuíram para que
se efetivasse o aumento da população indígena. Mas o processo
histórico aponta números preocupantes e se faz necessário
entender o movimento geral para entender o momento atual. Através
dos dados, podemos observar um sistemático extermínio progressivo
dos povos originários ao longo dos tempos.
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
QUADRO DEMONSTRATIVO SOBRE O EXTERMÍNIO DOS POVOS
ORIGINÁRIOS BRASILEIROS NO PROCESSO HISTÓRICO DE 1500
A 2000
População indígena
6.000.000
600.000
300.000
100.000
350.000
Ano
1500
1822
1889
1967
2000
Fonte: Elaboração própria com base em Heck (2000: 15).
Como pode ser observado, existem divergências sobre o
número de indígenas no ano de 1500, época do descobrimento do
País, mas estudos realizados apontam a existência de mais de cinco
milhões de indivíduos. Por outro lado, “o extermínio de mais de 70
milhões de índios no continente [americano] – dos quais mais de
cinco milhões no Brasil - parece não comover os promotores e
herdeiros do projeto de colonização nestes 500 anos” (HECK, 2000:
15). Para SHIVA (2001: 24), “a população nativa americana declinou
de 72 milhões para menos de 4 milhões poucos séculos mais tarde”
(SHIVA, 2001: 24).
Segundo SANTOS (1998: 44), “no começo do século XVI, a
população indígena da América devia estar na casa dos 80 milhões,
e em meados do referido século essa população já estava reduzida
a 10 milhões”. Os dados apresentados nos levam a deduzir que a
partir da colonização, desencadeia-se um sangrento genocídio dos
nativos do continente americano. Desta forma, algumas causas
relevantes por parte dos colonizadores em destruir os povos
originários do Brasil podem ser vistas em PRADO JÚNIOR (1988: 12):
Ao contrário do México e dos países andinos, não havia no território
brasileiro senão ralas populações de nível cultural muito baixo. Não
seria grande, por isso, o serviço que prestariam aos colonos que
foram obrigados a se abastecer de mão-de-obra na África. Os
indígenas brasileiros não se submeteram com facilidade ao trabalho
organizado que deles exigia a colônia; pouco afeitos a ocupações
sedentárias (tratava-se de povos semi-nômades, vivendo quase
unicamente da caça, pesca e colheita natural), resistiram ou foram
dizimados em larga escala pelo desconforto de uma vida tão avessa
a seus hábitos.
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Na Amazônia não foi diferente. Com a abertura mais
acelerada da última fronteira brasileira, tendo no comando o governo
da ditadura pós-1964, além de expropriados, “são muitos os índios
que estão sendo proletarizados, acamponesados, lumpenizados ou
pura e simplesmente dizimados” (I ANNI , 1986: 176), houve a
transmissão de doenças pelos brancos. Até hoje não temos
conhecimento de qualquer moléstia originalmente indígena que
fosse transmitida aos civilizados.
Os indígenas “não conheciam doenças como varíola,
sarampo, difteria, tracoma, coqueluche, catapora, peste bubônica,
malária, febre tifóide, cólera, febre amarela, escarlatina, disenteria,
amébica, gripe etc.” (SANTOS, 1998: 57). A agressão aos índios
acontece de duas maneiras: a primeira, através de pestes e doenças
transmitidas pelos brancos; a segunda, pela mentalidade capitalista
e a busca do enriquecimento.
Através da expansão da última fronteira promovida pelos
militares, agravam-se as condições de extermínio, pois “quando
acaba o isolamento, inicia-se a dizimação” (SANTOS, 1998: 58). Os
dados retratam um verdadeiro genocídio dos povos originários,
“algumas tribos perderam nesses poucos anos até dois terços de
sua população” (MARTINS, 1997: 86).
Como forma de demonstrar a atual situação dos povos
originários na Amazônia, LEONELLI (2000: 252) nos diz:
cento e sessenta povos indígenas diferentes vivem na Amazônia
brasileira hoje, [2000] em 370 terras, a maior parte delas com algum
grau de reconhecimento oficial, somando mais de 10,2 milhões de
hectares, o equivalente a 20% da extensão da Amazônia legal. Mas
os dados não são definitivos. Há 53 referências de povos “isolados”,
que têm contato com a Funai, órgão indígena do governo federal, e,
assim, ou simplesmente não constam, ou aparecem com
denominações e localização provisórias nas listas oficiais. Há outros
casos em que, ao contrário, determinados povos oficialmente
considerados “extintos” reemergem do anonimato, conquistam seus
direitos territoriais e voltam às listagens e aos mapas. Há terras
ainda em fase de identificação e outras, já demarcadas, em processo
de revisão de limites. Demograficamente, os números também são
aproximativos: 180 mil índios – equivalente a 1% da população da
Amazônia brasileira hoje – vivem nas terras indígenas conhecidas.
Mas isso não é tudo. Não há dados confiáveis sobre índios vivendo
nos centros urbanos da região, o que poderia elevar este total para
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
algo em torno de 220 mil. Os 98,8% da extensão total das terras
indígenas do país estão na Amazônia, enquanto 1,2% restante
espalha-se ao longo das regiões.
Estes dados nos orientam sobre a importância da Amazônia
para os povos originários. Na região encontram-se quase a
totalidade das áreas indígenas do Brasil e a maior população
sobrevivente. Por outro lado, as áreas reservadas aos indígenas
“na Amazônia, em sua maioria não estão demarcadas” (BECKER, 1997:
78-79). No ano de 2001, segundo a CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS
DO BRASIL (2001: 82), apenas 32% das terras indígenas brasileiras
encontravam-se demarcadas, e os outros 68% aguardam
procedimentos administrativos.
Não é objetivo do capital exterminar totalmente os povos
originários e os posseiros da região amazônica, mas sujeitar a força
de trabalho à sua disposição. Assim, “na história desses quinhentos
anos, os povos indígenas do Brasil perderam quase 90% de seus
territórios tradicionais” (HECK, 2000: 21). A demarcação das terras
dos povos originários representa segurança para o
desenvolvimento futuro das comunidades tribais. E a regularização
representa também a limitação do território, obstáculo para os
capitalistas ao expropriarem as terras e, conseqüentemente, os
recursos naturais nelas existentes.
O processo de colonização da Amazônia nas últimas décadas
foi realizado de forma extensiva, agressiva e repressiva, pois foi
promovido pela burguesia nacional e internacional, apoiados pelo
Estado brasileiro, dizimando grande quantidade dos povos
originários. Os acumuladores, através da expansão, sabem “que o
índio se relaciona com a terra de forma mística, ou religiosa, isto é,
sem levar em conta a ‘racionalidade’ do empreendimento econômico
capitalista” (IANNI, 1986: 177).
Mas através da estratégia capitalista implantada na região,
fez-se necessário transformar os povos originários em mercadoria,
que venha a vender sua força de trabalho aos projetos ali existentes,
mesmo que estes projetos se instalem em suas próprias terras.
Para conseguir este feito, “primeiro a domesticação da natureza e
da cultura. A partir daí ele é transformado em vendedor de sua
força de trabalho” (PROCÓPIO, 1992: 159). Na Amazônia, a partir do
processo de colonização, houve “a penetração das missões, ou
seja, a catequese e conquista espiritual como preparação de bases
19
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
para o desenvolvimento das atividades econômicas” (SANTOS, 1998:
71).
Os povos originários se fundamentam na comunhão da terra,
na forma de trabalho, nas formas espirituais e materiais da
comunidade. Com a presença de estranhos ficam ameaçados na
sua religiosidade, na sua vida em comunidade e em seus costumes.
Ao contrário, a Funai, criada em 1967 para proteger e defender os
interesses dos povos originários, se apresenta “como um órgão da
política da ditadura” (IANNI, 1986: 182). Ao invés de protegê-los,
passou a ser um instrumento de aculturação agressivo, dentro do
projeto de expansão e acumulação. PROCÓPIO (1992: 162) adverte:
são indismentíveis as queixas e denúncias dos indígenas, como,
por exemplo, a invasão de suas terras por garimpeiros e mineradoras.
Mas quase nunca se diz que essas mineradoras são, em sua
maioria, ligadas a multinacionais, cujas matrizes estão
freqüentemente nos Estados Unidos da América, Europa Ocidental
e Japão. Omite-se também da opinião pública internacional o principal
destino do ouro e dos metais preciosos roubados das terras
indígenas. O pior de tudo é que a imagem positiva e com freqüência
meio apologética que se tenta dar do índio, nas escolas brasileiras
e nos livros, é substituída pelo do índio vilão e preguiçoso (...). É
difícil deixar de lembrar que, até recentemente, a quase única
presença do homem dito civilizado nos rincões mais afastados do
país foi a dos missionários e soldados. Os padres e soldados,
durante longo espaço de tempo, se não os únicos, foram a principal
referência do mundo do branco na Amazônia. Em seus internatos e
quartéis, além da Ave-Maria e outras orações, se ensina o “Hino
Nacional” e aulas de moral e cívica.
Os ensinamentos religiosos e as formas pedagógicas a eles
impostas, em nada contribuem para a vida dos povos originários.
Não se respeitam os conceitos já estabelecidos, tenta-se destruir e
impor costumes e modos dentro da moral e do civismo, criando
novos conceitos através do medo e da submissão. “Tenta-se incutir
no indígena ideais de humildade, obediência e castidade” (PROCÓPIO,
1992: 170). Todo este esforço é para torná-los cristãos e civilizados,
porém, no último estágio, se tornam proletários para servirem ao
sistema expansionista na região, embora só tenham a necessidade
de serem respeitados dentro de seus princípios, costumes e toda
sua forma de ser.
20
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Mas o processo de expansão da Amazônia os torna força
de trabalho e consumistas, pois passam a comprar produtos até
então não conhecidos como refrigerante, cachaça, leite em pó,
relógio e aparelho de som, aparelho celular, entre outros. Alguns
se encontram visivelmente obesos e a grande maioria dos ditos
“civilizados” são alcoólatras. O civilizado que visita as aldeias sente
a necessidade de adquirir alguns pertences dessas pessoas – arco,
flecha e outros objetos –, para depois exibi-los como troféu. Este
comércio representa a perda de sua cultura e alternativa de
subsistência, visto terem sido expropriados de sua terra no processo
de colonização ou porque passaram a viver em áreas menores. Ao
mesmo tempo tornam-se “civilizados”, adquirem novos conceitos
de moral, civismo e religiosidade.
O modo capitalista de produção objetiva transformá-los em
proletários, permanentes ou temporários, explorando-os como
castanheiros, seringueiros, peões ou vaqueiros e outras funções.
Neste sentido, torná-los civilizados é fazê-los cantar o Hino Nacional
brasileiro, bem como torná-los cristãos é rezar a Ave-Maria. Com
esta civilização imposta se tornam civilizados, e a perda da “própria
identidade pessoal e cultural e a marginalização social vêm sendo
as grandes conseqüências do processo de destruição que atinge
os índios” (PROCÓPIO, 1992: 204). Assim, atualmente na capital
amazonense “chega a 12 mil o número de índios saídos do rio Negro,
vivendo agora na periferia de Manaus, nas piores condições
possíveis. Mais do que abandonados, eles foram deserdados”
(PROCÓPIO, 1992: 204).
Os povos originários não estão preparados para competir
no mercado, nem mesmo para vender sua força de trabalho, mas
servem para compor o exército industrial de reserva em potencial,
mesmo “não tendo chance de competir no restrito mercado de
trabalho: meninas de 14 anos podem ser encontradas às dezenas
nos principais prostíbulos de Manaus”. (PROCÓPIO, 1992: 205). Para
o branco isso é um problema, para os povos originários é a
conseqüência da expropriação. “Na verdade, à medida que a
propriedade invade os territórios indígenas, o índio invade a
sociedade que quer dominá-lo” (MARTINS, 1991: 137). IANNI (1986:
221) afirma:
mais estrangeiro do que o estrangeiro que está expulsando o índio
das terras tribais. Esse, o estrangeiro que aparece na Amazônia
21
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
como grileiro, latifundiário, fazendeiro ou empresário, esse é
conacional. Não fala a mesma língua, possui outros trajes, tem outros
hábitos, mas tem a mesma noção do que é a terra, a propriedade
privada, o trabalho produtivo, a acumulação etc. Está integrado nos
mesmos padrões de valores, principalmente no Cristo, na
propriedade privada e no dinheiro. E o índio somente passa a ser
considerado como “integrado”, nacional ou “brasileiro” quando
abandona o seu modo de praticar a propriedade tribal das terras,
dos meios de produção e das coisas produzidas pelo trabalho. O
índio perfeito, ideal, aquele que se acha perfeitamente integrado –
portanto, que negou o seu modo de ser –, índio ideal, pois, é aquele
que foi expulso da terra tribal e passou a vender a sua força de
trabalho para o grileiro, latifundiário, fazendeiro ou empresário,
nacional e estrangeiro.
O processo de colonização deixa para trás um rastro de
sangue, violência e mortes dos povos originários, acontecendo
casos de genocídios de tribos inteiras. Neste sentido, relatamos
por meio da pesquisa alguns fatos relevantes encontrados na região
nas últimas décadas. Na tribo Xavante, em Conceição de Cima,
com mais ou menos quinhentos índios, os homens da Companhia
Agropecuária Índia, para afastá-los da gleba, “jogaram, de avião,
roupas e brinquedos contaminados com vírus de gripe e sarampo.
Noventa por cento da aldeia morreu. A Força Aérea Brasileira retirou
os últimos índios doentes” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 18). Assim, o
objetivo proposto pelos capitalistas concretiza-se, os índios mortos
não reivindicam terras e os capitalistas realizam a expansão
proposta para a região. O Estado fez a limpeza final desta área,
muito mais para liberar as terras aos capitalistas do que para
preservar a vida dos últimos sobreviventes deste genocídio praticado
pelos “ditos civilizados”.
Outro fato semelhante ocorreu na construção da BR-163,
que liga Cuiabá a Santarém, nas margens do rio Peixoto, norte do
Estado de Mato Grosso. Os índios Kareen-Akarore tiveram os
primeiros contatos com brancos em 1973, “eram 350 pessoas. Dois
anos depois desse episódio e do contato com os bandos, em janeiro
de 1975, só restaram vivos setenta e nove deles (quarenta homens
e trinta e nove mulheres), todos com sinais visíveis de tuberculose”
(MARTINS, 1997: 165).
Outro episódio ocorreu com a “tribo dos Ofaiés, das
cabeceiras dos Rios Taboco e Negro. Estavam sendo caçados e
22
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
exterminados por um ‘coronel’, porque matavam, para comer, reses
da fazenda” (MARTINS, 1971: 78). As rodovias fazem a ponte para a
penetração do homem na região, bem como o extermínio dos povos
originários. No projeto para construção da rodovia Transamazônica
não foi diferente, pois ela cruza terras de mais de vinte nações
indígenas (GOMES, 1972: 95).
Outro caso brutal foi para eliminar a tribo indígena Beiçosde-Pau, em território mato-grossense, alguns “fazendeiros, com
ajuda de funcionários do governo, distribuíram alimentos
envenenados com arsênico. Em várias aldeias, aviões lançaram
brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola”
(SABATINI, 1998: 79). Mas o fato que mais impressiona é o conhecido
como massacre do paralelo 11, também no Estado mato-grossense.
Um matador de aluguel de índios, não recebeu pelos serviços
prestados a um seringalista e denunciou os motivos da perda do
emprego: a necessidade urgente de exterminar os indígenas da
tribo Cinta-Larga, pois os índios estavam sentados em cima de
grandes jazidas de cassiterita, terras de boa qualidade e muito
mogno para extração da madeira (SABATINI, 1998: 79-80). O motivo
da denúncia foi a falta de recebimento pelo trabalho prestado, pois
tinham a necessidade em apressar o processo de desocupação da
área e passaram a “bombardear as malocas com dinamite, usando
avião” (SABATINI, 1998: 80). Comprovando a dizimação dos povos
da floresta ARNT, PINTO e PINTO (1998: 68) nos relatam:
foram necessários mais de cinco anos para que os irmãos Villas
Bôas finalmente conseguissem se aproximar dos arredios Panará,
no dia 4 de fevereiro de 1973, porque os índios montavam as aldeias
e fugiam sempre. Mas antes desse encontro histórico, antes da
Cuiabá-Santarém passar por cima deles, o contato esporádico com
os vírus dos brancos da frente de obras da estrada consumiu os
Panará. Em dois anos, morreram tantos, de gripe e diarréia, que o
grupo quase desapareceu: “Nós estávamos na aldeia – lembra-se o
chefe Aké Panará – e começou a morrer todo mundo. Os outros
foram embora pelo mato, e aí morreram mais. Nós estávamos
doentes e fracos e, então, não conseguimos enterrar os mortos.
Ficaram apodrecendo no chão. Os urubus comeram tudo”.
O lema do sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon, no
Serviço de Proteção ao Índio, fundado no início do século XX,
baseava-se no respeito às culturas e terras indígenas (“Morrer se
23
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
preciso for, matar, nunca”). No entanto, estas frases passaram a
fazer parte apenas dos escritos e lembranças, pois alguns dos
“administradores viram-se implicados em matanças de índios com
dinamite, metralhadoras e arsênico misturado no açúcar”
(SHOUMATOFF, 1990: 72). A crueldade contra os povos originários
faz parte da história brasileira, ela não aconteceu somente nas
últimas décadas na Amazônia. Exemplo disso é o ocorrido em 1560,
através do governador-geral do Brasil, Mem de Sá, ao relatar as
façanhas ao rei de Portugal. A Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil – CNBB22 (2001: 60) relata parte da carta ao rei:
na noite que entrei em Ilhéus fui a pé em uma aldeia que estava a
sete léguas da vila. E a destruí, e matei todos os que quiseram
resistir. Na vinda fui queimando e destruindo todas as aldeias que
ficaram para trás. Então se ajuntaram e vieram me seguindo ao
longo da praia outros gentios. Lhes fiz algumas ciladas e os forcei a
jogarem-se no mar...Mandei outros índios reunirem os corpos e
colocá-los ao longo da praia, em ordem, de forma que tomaram os
corpos (alinhados) perto de uma légua.
Este massacre cruel, ordenado pelo governador-geral do
Brasil, deixou um saldo de “seis quilômetros de praia cobertos pelos
corpos dos índios assassinados em uma única noite” (CNBB, 2001:
60). Poderíamos citar vários outros casos, pois os povos originários
se tornam um obstáculo para os interesses capitalistas e o
extermínio das tribos fazia parte da estratégia para concentrar a
terra. Contudo, poucos dos episódios ficaram conhecidos e a
grande maioria das tribos foram exterminadas no anonimato e sem
alguém que contasse a sua história de violência e morte.
Na Amazônia, uma das condições para se adquirir terras
devolutas do Estado, por parte das empresas nacionais e
multinacionais, é apresentar um certificado de não-existência de
ocupação indígena e de posseiros nas áreas pretendidas. Por este
motivo, burla-se a lei através da corrupção dos órgãos do governo,
e em muitos casos são apresentados documentos falsos para
depois expulsá-los. O extermínio é realizado por meio de pistoleiros,
pois estes são contratados pelos grupos econômicos que se utilizam
2
A campanha da fraternidade da CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, no
ano de 2002, tem como tema “Fraternidade e Povos Indígenas” e como lema “Por uma
terra sem males”.
24
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
de métodos brutais e violentos. Leis que protegem os povos
originários existem. O problema é colocá-las em prática, visto que
os mesmos grupos que as fazem, beneficiam-se delas praticando a
violação. Por outro lado, na Amazônia, a lógica da colonização e
expansão se pautou “na depredação da natureza e exploração do
homem pelo homem” (SANTOS, 1998: 239).
Os povos originários também acreditam pertencerem à terra
do “mel”, mas acreditar é só o começo para a grande caminhada
realmente efetivar-se. Se a busca não fosse interrompida por forças
estranhas, talvez chegassem ao pote sagrado a tempo. Porém,
estas forças estranhas muitas vezes ocultam e desviam do rumo
certo. São induzidos a acreditar que, para buscar o “mel”, o índio
precisa ser proletário, tornar-se cidadão civilizado, saber cantar o
Hino Nacional brasileiro e rezar a Ave-Maria. Aos próprios donos da
floresta é negada a possibilidade de encontrar o tesouro sagrado,
e são reduzidos “a mais extrema miséria” (SANTOS, 1998: 239).
O sonho de adoçar a boca com o precioso líquido, mais
uma vez foi adiado. Mesmo aos donos da floresta foi negada a
possibilidade de estarem em liberdade para encontrar esta
felicidade eterna, duradoura e dourada. Os métodos para desviar
os caminhos dos simples povos das florestas formam um engenhoso
e arquitetado plano para desviar os caminhos da conquista do “mel”.
Contudo, a luta continua e novas possibilidades são oferecidas a
estes povos, pois existe a oportunidade de acessar as maravilhas
douradas através de sua proletarização, e assim a vida segue, os
povos da floresta tentam conquistar seu espaço, roubado pelos
ditos “civilizados”...
*****
25
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
26
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
A expropriação do posseiro e a luta pela terra
No processo de ocupação da Amazônia brasileira o principal
objetivo dos migrantes despossuídos e marginalizados foi a busca
da terra. O movimento espontâneo de pessoas acentuou-se na
região, a partir do golpe militar de 1964. Entretanto, “os conflitos
pela terra ganharam contornos dramáticos, sobretudo ao longo dos
eixos rodoviários” (GONÇALVES, 2001: 54). Neste sentido, ocorreram
inúmeros confrontos, com envolvimento de soldados, jagunços,
pistoleiros, grileiros, colonos, índios, latifundiários e posseiros3 .
Nesta região se evidenciou a concentração da propriedade, e assim
“a luta pela terra retrata a face selvagem do capitalismo brasileiro”
(FERREIRA, 1986: 35).
A partir do movimento de expansão dos grandes projetos
econômicos na região, iniciaram-se também os horrores da
3
“Posseiros – Os posseiros são agricultores que cultivam pequenas parcelas de terra.
Não possuem títulos de propriedade, dispondo apenas da posse da terra. Trabalham
geralmente em base familiar, ou às vezes coletiva, com outras famílias de posseiros,
produzindo gêneros alimentícios para o próprio consumo e para a venda, que irá abastecer
os centros urbanos. Na Amazônia, os posseiros em geral são migrantes oriundos do
Nordeste ou de outras regiões. Eles são as grandes vítimas dos grileiros ou empresários
que arranjam títulos de propriedade e controlam jagunços para expulsá-los da terra.”
(PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).
“Empresários – Também chamados genericamente de ‘paulistas’, os empresários são
pessoas ricas ou empresas que adquirem enormes extensões de terra na Amazônia,
munidos de títulos de propriedade duvidosos. Eles surgiram a partir dos incentivos
fiscais concedidos pela Sudam para implantação de projetos agropecuários. Normalmente
os empresários adquirem os títulos de propriedade sem conhecer a área, pois só a
vistoriam de avião.” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).
“Indígenas – São o elo mais frágil na estrutura de ocupação da Amazônia. Constantemente
expulsos das terras que habitam, eles são exterminados ou obrigados a se confinar em
‘reservas’ especiais (como o Parque Nacional do Xingu), que são muito mal protegidas
pelo governo. Ou, então, têm de se aculturar e se transformar em ‘peões’ ou trabalhadores
de baixa remuneração.” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).
“Grileiros – Os grileiros são pessoas que se apoderam ilicitamente de grandes extensões
de terras, através da obtenção de títulos falsificados.” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).
“Jagunços – Os jagunços são ‘pistoleiros’ ou ‘seguranças’ contratados por grileiros,
empreiteiros ou empresários para patrulhar as suas terras e expulsar delas os posseiros.”
(PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).
27
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
acumulação, pois estes fazem parte do modo de concentrar a terra.
Neste episódio, as principais “vítimas dos conflitos de terras são
indígenas e posseiros, ao passo que os beneficiários são grileiros,
latifundiários e empresas” (IANNI, 1986: 143). Para MARTINS (1997:
104), os posseiros não são trabalhadores sem-terra, e desta forma
não podemos confundi-los. Estes “são trabalhadores privados do
direito legal sobre a terra que ocupam”.
O modelo de colonização ali implantado não respeitou o
direito à terra, foi propositalmente articulado para beneficiar
principalmente a burguesia agrária. Neste espaço grandes projetos
de conglomerados econômicos, tanto nacionais como internacionais,
defrontaram-se com posseiros vivendo há muito tempo na região e
também com os recém-chegados. Estes grupos econômicos,
beneficiados pelos incentivos fiscais, e também com apoio em toda
a infra-estrutura por parte do Estado, viabilizaram a produção de
mercadorias e realizaram seu objetivo maior, a expansão para a
acumulação.
Dessa forma, os grandes empreendimentos encontraram
todo um aparato que interessa à elite dominante do País, sempre
amparada por leis protecionistas que contribuem para a expansão
capitalista e, conseqüentemente, à expropriação dos posseiros. Os
projetos da burguesia efetivaram-se na região sem, no entanto,
tomar conhecimento se eram implantados em terras dos povos
originários ou dos posseiros, como foi visto no capítulo anterior.
Os posseiros são formados entre os povos marginalizados
e despossuídos ao longo dos tempos, alguns provenientes de fases
anteriores de penetração na região como: extrativismo florestal;
garimpagem; agropecuária; e povos originários culturalizados.
Também há os recém-chegados, estes vindos de regiões com sérios
problemas sociais – principalmente do Nordeste brasileiro –, frutos
da colonização espontânea recente.
Ambos são formados geralmente por caboclos que cultivam
o solo de forma primitiva, produzindo quase na totalidade para a
subsistência familiar. Contudo, carregam o sonho de vida melhor e
buscam a dignidade para si e seus familiares na utilização da terra.
Neste propósito são crentes de poder conquistar, através de suas
próprias forças o “mel” prometido, e este pode ser apenas uma
promessa, mas a esperança existe. Todo o empenho é direcionado
28
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
no sentido de participar da ceia prometida e o encontro com o pote
de “mel” é a meta de todos os posseiros amazônicos.
Os principais produtos de suas roças são o arroz, o milho, o
feijão e a mandioca; costumam também criar algumas cabeças de
gado, principalmente bovino e caprino para a produção de leite
para o autoconsumo. Vivem de forma bastante rudimentar, tendo
pouco ou quase nenhum acesso à educação e à saúde, sem a
menor assistência sanitária, sendo a higiene bastante precária. Além
disso, o posseiro, através de sua cultura não sente a necessidade
de possuir titulação da terra, pois foi acostumado a sempre ter
acesso a ela, entendendo que a floresta pertence à natureza e,
sendo da natureza, pertence a ele.
Historicamente na região, o deslocamento dos grupos de
posseiros foi facilitado pelo acesso através dos rios navegáveis,
mas recentemente a penetração foi facilitada pelas rodovias de
integração nacional. No entanto, a partir da entrada mais acentuada
dos grupos econômicos, impulsionados por órgãos governamentais,
a tranqüilidade dos posseiros e dos povos originários deixou de
existir. As áreas com posseiros e povos originários são consideradas
um problema para os capitalistas e passaram a ser áreas de conflito.
O acesso dos grupos econômicos na região é facilitado, sendo
comuns “anúncios de jornais relativos à venda de terras na
Amazônia, mencionando freqüentemente, como uma das qualidades
do imóvel, que justifica o preço pedido, o fato de que a área
oferecida à venda ‘não tem posseiros’“ (MARTINS, 1995: 116).
Por causa dos conflitos no Estado do Acre4 , muitas centenas
de milhares de posseiros não vivem mais no território brasileiro,
foram expulsos de sua própria pátria, vivendo agora na fronteira
com o Peru e com a Bolívia. São posseiros expropriados de suas
terras, por forças capitalistas interessadas em expandir-se nesta
região. MARTINS (1981: 88) enfatiza:
Quem vive há décadas nessa região – observou um brasileiro que
4
Acre, Estado do Norte brasileiro que compõe a Amazônia Legal, com população de
557.337 habitantes em 2000; sua capital é Rio Branco, com área de 153.149,90 km².
Limita-se internacionalmente com o Peru e a Bolívia. Este Estado foi anexado ao território
brasileiro no começo do século XX. O interesse do Brasil nesta área foi pela grande
quantidade de seringais para produção da borracha. Este produto foi de maior exportação
da Amazônia, principalmente entre 1870 e 1912.
29
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
hoje mora na Bolívia – termina aprendendo uma lição, simples e
clara: seringueiro e colono não têm pátria. Somos joguetes nas mãos
de grupos poderosos. Quando quiseram anexar o Acre ao Brasil
recorreram aos nossos pais e avós. Agora, que não precisam mais
da gente, utilizam os jagunços5 , que deveriam ser nossos irmãos, e
queimam nossas casas, incendiam nossas roças, prendem-nos e
a nossos filhos. Onde está a pátria nesta história?
Muitos que lutaram por melhores dias para si e para os seus
pereceram na longa caminhada, mas permanecem vivos com as
histórias de suas lutas sociais6 . Para SILVA (2001: 201), “sem os
seringueiros provenientes da região Nordeste, o Acre possivelmente
não seria brasileiro (...) em 1899, o Acre produzia mais de 60% da
borracha da Amazônia”.
As lutas entre posseiros e grupos econômicos acontecem
de forma desigual; enquanto a grilagem da terra, promovida por
empresários, chega com um aparato político, econômico, jurídico e
com os jagunços, os posseiros são completamente desprovidos de
qualquer estrutura para possíveis enfrentamentos.
O crime organizado atua impunemente na região. “Pouco
mais de oitenta milhões de hectares de terras na Amazônia legal
foram ‘griladas’ nesta década [70], mas é provável que muito mais
do que isso esteja sendo apossado ilegalmente por particulares”
(PINTO, 1980: 17). Os empresários têm ao seu dispor advogados,
recursos financeiros, jurídicos e transporte rápido, como aviões, e
compram áreas de terras com auxílio de mapas. É possível consultar
no Diário Oficial de um dos Estados da região amazônica de
5
Na luta pela posse da terra, e para dar continuidade às funções dos pais e avós no
extrativismo, muitos seringueiros morrem lutando. É o que aconteceu em Xapuri, no
Acre, com o sindicalista Chico Mendes, líder seringueiro morto por jagunços, a mando
dos empresários da terra. Foi morto no dia 23 de dezembro de 1988, aos 44 anos, com
um tiro de espingarda calibre 12, na porta de sua casa. Mendes era conhecido
internacionalmente por ter sido premiado pela luta ecológica. Recebeu o prêmio Global
500 da ONU e o prêmio da Sociedade para um Mundo Melhor, na Inglaterra (MELLO, 1991:
63-64).
6
“Os homens fazem a sua história, mas não a fazem arbitrariamente, nas condições
escolhidas por eles, mas sim nas condições diretamente determinadas ou herdadas do
passado. A tradição de todas as gerações mortas pesa inexoravelmente no cérebro dos
vivos.” (MARX, 1980: 17).
30
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
interesse, e verificar as publicações sobre terras disponíveis para
efetuar a compra.
Por outro lado, o aparato dos recursos ilegais vai desde a
simples alteração de números nos títulos ou sua completa
falsificação, até complicadas manobras articuladas por advogados
inescrupulosos (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 18; e SODRÉ, 1980: 17).
Segundo o relatório sobre a grilagem de terras no Brasil, produzido
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, “na Região Norte, os
números são preocupantes: da área total do Estado do Amazonas,
de 157 milhões de hectares, suspeita-se que nada menos que 55
milhões tenham sido grilados” (JUNGMANN, 2001: 2).
RETRATO DA GRILAGEM DE TERRAS NO BRASIL. QUANTIDADE
DE ÁREAS QUE ESTÃO COM SEUS CADASTROS CANCELADOS
PELO INCRA, MAS CONTINUAM SOB INVESTIGAÇÃO DAS
IRREGULARIDADES
U nidade de Federação N úm ero de Im óveis
M ato G rosso
960
Pará
422
Am azonas
186
O utros Estados
1.497
Totalno Brasil
3.065
Área em hectares
22.779.586
20.817.483
13.905.002
36.118.516
93.620.587
Fonte: Elaboração própria com base no Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário
(2001: 6).
Este é o retrato da virada do milênio, pois estas práticas
são o resultado de um Estado que trata de maneira diferente os
posseiros e os grupos econômicos. Não se trata de um Estado
omisso, mas conivente e, historicamente, colocado a serviço dos
grupos econômicos, que fazem o papel de reprodução da classe
burguesa por meio das representações políticas na última fronteira
de colonização.
Os posseiros, dentro desta luta desigual, enfrentam a falta
de recursos financeiros e do conhecimento jurídico. A assistência
jurídica encontra-se distante, e para chegarem às instâncias de
decisões, os caminhos são longos e complicados, pois geralmente
quando chegam aos sindicatos ou órgãos para assisti-los, o prazo
de representação na justiça já venceu. É bom lembrar que no
período da ditadura, o Estado reprimia toda e qualquer iniciativa
dos movimentos sociais, principalmente as representações sindicais.
31
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
A partir da intensificação do processo de ocupação, as áreas
de maior tensão passam a ser ao longo das rodovias, em áreas
férteis, vales úmidos, florestas ricas em madeiras e regiões com
descobertas de minerais. A luta pela posse da terra através dos
movimentos sociais da classe desprotegida é desprezada e sufocada
pelos capitalistas. SHIVA (2001: 25) diz que:
o capital é, dessa forma, definido como uma fonte de liberdade que,
ao mesmo tempo, nega a liberdade à terra, às florestas, aos rios e à
biodiversidade, que o capital reivindica como seus, e a outros seres
humanos cujos direitos se baseiam no seu trabalho. A devolução da
propriedade privada ao povo é vista como expropriação da liberdade
dos detentores do capital. Assim, camponeses e povos tribais que
exigem de volta os seus direitos e acesso a recursos são
considerados ladrões.
Neste sentido, a luta do MST7 – Movimento “Sem-Terra”,
reflete a situação que vive a maioria da população brasileira. Dados
deste movimento indicam que “1% da população é dona de 46%
das terras brasileiras e apenas 60 milhões de hectares se destinam
à lavoura, dos 360 milhões aptos para a agricultura no país” (GOHN,
2000: 116). Nesta perspectiva, “menos de 20% da terra cultivável é
plantada, deixando 80% para funções não produtivas” (PETRAS e
VELTMEYER, 2001).
Por outro lado, os que não têm acesso à terra formam um
grande contingente de desprovidos, fruto das desigualdades do
processo social, como desempregados, posseiros expropriados,
moradores de rua, agricultores, entre outros. Os despossuídos do
Brasil estão “formando um coletivo dos excluídos do mundo do
trabalho e do mundo da vida” (GOHN, 2000: 132). Assim, GOHN (2000:
114), citando OLIVEIRA, (1997) e GARRETÓN (1998), enfatiza:
7
“MST é um movimento social que atua sobre um problema milenar na sociedade brasileira,
advindo de necessidades e direitos sociais básicos elementares, que são o direito à
comida, ao abrigo e ao trabalho. Ele atua enquanto um ator político e sua demanda básica
é a terra –, além de incidir diretamente sobre aqueles direitos básicos, também com
respeito a um dos pilares da sociedade capitalista, que é a questão da propriedade. O
MST questiona a apropriação e distribuição desta propriedade ao propor novas formas
de acesso à terra. Propõe um ‘igual’ numa sociedade marcada pela clivagem da
desigualdade sócio-econômica e político-cultural.” (GOHN, 2000:153-54).
32
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
O MST é um ator político porque atribui qualidade aos atores sociais
que compõem suas bases ao inseri-los num plano que vai além da
luta pelo acesso à terra, que é a luta pela democracia, pela igualdade,
contra a exclusão. Ele se formou ao redor de uma identidade – semterra e luta para alterar a qualidade desta identidade passando a ser
um com-terra um “igual”, sem passar pelo funil divisório que é a
compra. Quer o acesso à terra pela posse com direitos iguais que
detêm a sua propriedade e com isto ele perturba a lógica e a ordem
das relações demarcadas na sociedade. Por isto, ele tem uma face
inovadora e perturbadora à ordem dominante.
O MST é fruto dos movimentos sociais dos trabalhadores
sem-terra e dos sem-posse, e tornou-se a organização mais
representativa da última década na busca da reforma agrária no
Brasil. Através de lutas desiguais com os latifundiários e a presença
de jagunços fortemente armados, acompanhados de leis que os
beneficiam, favorecimentos políticos e, em muitos casos, proteção
pública e corrupção da justiça e dos órgãos do Estado, o capital se
estabeleceu na região Amazônica de forma triunfante, sem, no
entanto, atender às reivindicações do movimento “sem-terra” do
País. Por outro lado, o grileiro tem grande capacidade para a
conquista da terra, pois possui tratores, caminhões, aviões e
dezenas de jagunços acostumados a “legalizar” glebas noutros
lugares (REIS, 1992: 8).
Dentro desta perspectiva, “a grilagem de terras é um dos
aspectos dessa luta cada vez mais intensa e generalizada, por meio
da qual os grileiros e empresários, latifundiários e fazendeiros
buscam expulsar índios e posseiros das terras nas quais vivem há
5, 10, 15, 20, 40 ou mais anos” (IANNI, 1986: 165-66). O posseiro,
pessoa simples e com costumes nativos, não está preparado para
enfrentar mudanças tão radicais dentro de seus conceitos e valores,
e ter que lutar para poder permanecer na terra é algo estranho
para ele. IANNI (1986: 166) esclarece que:
nesse contexto, os posseiros antigos e recentes, e os índios são
pressionados ou expulsos das suas terras. Daí as freqüentes
fraudes, pendências e lutas que se generalizam em diversas partes
da Amazônia. Assim, ao mesmo tempo que a burguesia pressiona,
submete ou expulsa posseiros e índios, também se estabelece e
aguça a controvérsia entre diferentes grupos da própria burguesia
em luta pela apropriação privada da terra. Tanto assim que com
33
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
freqüência o poder público tem sido levado a anular títulos de terras
falsificados, ou sem requisitos legais completos.
Em 1971, através da indústria da falsificação de documentos
de terras no “Estado do Pará restavam como terras devolutas menos
de 10% de todo o território, que tem 1,24 milhões de quilômetros
quadrados” (PINTO, 1980: 130). Por outro lado, o Estado matogrossense não possuía mais terras devolutas. Ocorre na região
amazônica a “reprodução de uma estrutura fundiária cada vez mais
concentrada” (OLIVEIRA, 1997: 126). Segundo levantamentos feitos,
“técnicos [do governo] acreditam que existam pelo menos dez mil
documentos de terras falsos no Pará, mas que em geral conseguem
boa comercialização. A indústria dos títulos falsos prosperou
bastante entre 1963 e 1967” (PINTO, 1980: 160), no início do governo
militar. Segundo OLIVEIRA (1997: 126), “18 proprietários apenas
concentram na Amazônia um total de mais de 19 milhões de
hectares”.
Os grupos econômicos foram estimulados a “procurar
grupos de falsificadores que oferecem títulos feitos em quarenta e
oito horas” (PINTO, 1980: 160) A astúcia é tão bem montada que
“nem sempre é possível distinguir o que é irregular do que é ilícito”
(PINTO, 1980:161). Por outro lado, os funcionários dos órgãos
competentes, em alguns casos coniventes, contribuíam para
efetivar as fraudes. Desta forma, “qual o documento falso que se
preza que vai abrir mão de carimbos oficiais?” (MARTINS, 1981: 104).
É nesta perspectiva que surgiram grandes nomes da fraude
na região. Podemos usar como exemplo “o mais famoso ‘grileiro’ da
Amazônia, era um ex-tabelião de um cartório de 1º oficio, João Inácio,
chefe de uma quadrilha que atuou em Goiás ‘grilando’ quase todo
o município de Ponte Alta do Norte e áreas de mais duas, num total
de doze fazendas” (PINTO, 1980: 33). O escândalo e a corrupção
são tão grandes na região que frases comuns são ditas por
quadrilhas: “se o governo não dá a terra, nós damos” (PINTO, 1980:
42). Porém, o fato mais curioso foi o ocorrido no Estado do Pará. O
Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário
(JUNGMANN, 2001: 14) denuncia que:
ao longo de mais de duas décadas, a partir de 1975, dois
portugueses, Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza,
hoje falecidos, tiveram centenas de imóveis – em 83 municípios do
34
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Estado, totalizando aproximadamente nove milhões de hectares –
inventariados em nome de Carlos Medeiros, a quem teriam sido
transmitidos em “cessão onerosa de direitos hereditários”. Estas
terras foram em seguida vendidas por Carlos Medeiros a dezenas
de terceiros, pessoas físicas e jurídicas. Todas as terras do espólio
dos portugueses eram públicas, pertenciam à União ou ao Estado
do Pará. Carlos Medeiros jamais foi localizado, nem mesmo pela
polícia ou por seus próprios advogados, tendo ficado evidente tratarse de pessoa fictícia.
Na Amazônia, a grilagem de grandes áreas não ficou só
nas terras da União, quando investiu contra a pequena propriedade
proporcionou uma luta desigual, pois “o Estado, através de seus
mandatários e instâncias diretas (tribunais, quartéis e polícia) ou
através das instâncias indiretas, como os cartórios, não raro se
posiciona contra o lavrador e sua causa” (FERREIRA, 1986: 195).
O Estado, além de comprometido com as classes mais
favorecidas, é conivente ou omisso para proteger os grupos
econômicos, pois somente no ano de 1975 “em todo o Estado do
Pará há apenas um juiz e seu substituto, para questões agrárias.
Só na justiça federal há pelo menos 5 mil processos tramitando
nesse momento” (MARTINS, 1981: 104). O Estado poderia designar
mais juízes, o problema é que estes precisam apresentar trabalho,
o que complicaria os interesses dos grupos constituídos na
aplicação de leis fazendo justiça.
São grandes as dificuldades para os posseiros e os colonos
legalizarem suas terras no território amazônico, pois sofrem pela
morosidade do Estado. Enquanto a burguesia da terra recebe seus
benefícios rapidamente devido às diferentes condições, sejam elas
econômicas, políticas, legais e também ilegais, muitos dos posseiros
ficam impossibilitados de reivindicar seus direitos por não saberem
ler e escrever e por não possuirem documentos como: carteira de
identidade, título de eleitor, Cadastro de Pessoa Física – CPF e
certificado de reservista para os homens. Muitos destes não
possuem nem sequer registro de nascimento. Neste sentido, “no
interior não há justiça gratuita, e esse homem do mato não sabe ir
buscar em juízo os seus direitos” (MARTINS, 1981: 113).
Neste processo, lhes resta a alternativa de transformaremse em comunidades flutuantes, pois são forçados a abandonar o
direito de posse, através de sucessivas mudanças em busca de
35
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
novas terras ou compor o exército industrial de reserva das cidades
fabricadas. Assim, os grupos organizados determinam os destinos
dos menos favorecidos da floresta e fazem a lei no sertão. As milícias
do exército civil, que é formado por jagunços e pistoleiros, praticam
atrocidades brutais em nome do capital. As “empresas empurram
os pequenos produtores para terras menos férteis ou menos
acessíveis através de violento processo de expulsão e expropriação
de suas terras. Não só por queima de suas casas ou assassinato
pelos jagunços” (B ECKER , 1996; 30), mas por mecanismos
impulsionados pela política governamental, que se encarrega da
expropriação.
Segundo BECKER (1996: 31), “a ocupação do norte matogrossense, por exemplo, teve sua base na grilagem de terras”. Esta
região “tem se constituído em um paraíso para o capital, para os
especuladores e para os grileiros que têm atuado livremente com o
‘apoio’ do próprio governo” (O LIVEIRA , 2001: 156). Para se
apropriarem das terras onde estão os posseiros instalados com
sua agricultura e pecuária bastante rudimentares, os latifundiários
colocam no cenário verdadeiros quartéis de homens, sempre
municiados de estrutura armada, com alto poder de pressão por
parte dos que possuem a titulação das áreas, na grande maioria
das vezes irregulares, conforme foi apontado.
Por outro lado, “se até 1970 a expectativa dos camponeses
nas frentes pioneiras era de permanecer por dez a vinte anos na
terra antes de o proprietário aparecer e migrar uma ou duas vezes
na vida, depois, com a aceleração do ritmo de ocupação, essa
expectativa se alterou para dois anos apenas de permanência no
lote e quatro a cinco migrações por expulsão” (BECKER, 1996: 39).
Atualmente, a grande maioria dos posseiros estão engrossando os
cinturões de pobreza nas “cidades fabricadas” pelo capital, e servem
de exército industrial de reserva aos grandes projetos de expansão,
por ser esta a única alternativa que lhes restou do processo violento
praticado contra os posseiros na região.
Nos últimos anos tornou-se quase impossível ser posseiro
na Amazônia brasileira, dada a brutalidade imposta contra eles por
grupos armados. Assim, o “mel” tão esperado, mais uma vez é
negado a estas pessoas simples. Não lhes é dado o direito de
subsistir em harmonia com a natureza, pois a sanha do capital lhes
rouba o direito de sonhar e lhes são sufocadas as perspectivas de
vida. Em muitos casos estes heróis da floresta são assassinados
36
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
antes de colocar a mão calejada no pote sagrado que a natureza
lhes deixou gratuitamente.
Neste vasto espaço da natureza é roubado o sonho dos
homens, das mulheres, dos jovens e das crianças de viverem em
paz e harmonia com os ecossistemas. Através de práticas violentas,
a expropriação dos posseiros é realizada por jagunços e pistoleiros
em nome do capital organizado. Assim, através de profissionais
fortemente armados que “fazem parte dos quadros de empregados
de muitos latifúndios” (MARTINS, 1991:98), faz-se a lei na floresta,
mas a lei de interesse da elite da terra.
Estes profissionais exercem a função de coronéis do sertão
com a finalidade de guardar as propriedades já adquiridas e, quando
necessário, são usados para conquistar mais terras. Para atingir
os objetivos dos grupos organizados, realizam a expulsão dos
posseiros e dos povos originários com métodos não convencionais,
fazem ameaças, queimam suas roças e casas, violentam esposas
e filhas e praticam os assassinatos.
O jagunço faz parte do quadro de marginalizados e
despossuídos no processo de acumulação do capital, mas serve
de força de trabalho ao poder acumulador. Eles trabalham contra
as pessoas de sua própria classe e praticam a violência contra seu
próprio grupo em nome do capital. São, na maioria, marginais
altamente perigosos, fruto da exclusão social, e a eles tanto faz
matar como morrer. Através das armas demarcam limites, asseguram
a propriedade privada e fazem a lei na selva, tudo em nome do
capital e da expansão dos grandes projetos econômicos ali
instalados, principalmente nas últimas décadas.
Os conflitos com os posseiros e os povos originários, através
da investida capitalista na região, têm como resultado a
expropriação de forma violenta, em muitos casos seguida de morte
– basta o posseiro não se submeter às regras impostas pelos
capitalistas. Nestes episódios “os conflitos envolvem centenas de
milhares de camponeses atingidos com extrema violência através
de seqüestros, assassinatos, espancamentos, prisões arbitrárias,
queimas de roças, de casas e benfeitorias várias, que colocam sob
extrema tensão milhares de famílias” (KOWARICK, 1995: 175).
Os mecanismos repressivos da ditadura vinham sempre
acompanhados de formas estratégicas para camuflar os conflitos
sociais do País, bem como dar aparência à população de
transparência no processo de ocupação da Amazônia. Para OLIVEIRA
37
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
(2001: 7), “no Brasil das últimas décadas, um grande número de
conflitos, em geral sangrentos, têm acontecido no campo”. Neste
sentido, “entre 1964 e 1985, quase seiscentos camponeses foram
assassinados em conflitos na região amazônica, por ordem de
proprietários que disputam com eles o direito à terra” (MARTINS,
1997: 150). Nestes episódios o poder das armas demarca os níveis
da violência, e o domínio econômico e político assegura a
imunidade.
Para FALEIRO (2001: 320), “dos 705 casos de trabalhadores
rurais assassinados no estado do Pará de 1964 a 1998, só 113
deram origem a processo, que tramitaram ou estão tramitando na
justiça”. Conforme PETRAS e VELTMEYER (2001, 150), “entre 1985 e
1999, dos 1.158 ativistas rurais assassinados, apenas 56 pistoleiros
foram julgados e só 10 foram condenados”. Entretanto, “lideranças
sindicais de trabalhadores, religiosos, advogados entre outros, têm
sido cruelmente assassinados ao arrepio da lei. A justiça continua
sendo a única ausente do campo nos dias de hoje” (OLIVEIRA, 2001:
7). Exemplo da violência de nossos dias é o “massacre dos
trabalhadores rurais sem terra no sul do Pará, pela Polícia Militar”
(MARTINS, 1997: 55). Assim, “no país, a questão agrária tem duas
faces combinadas: a expropriação e a exploração” (OLIVEIRA, 2001:
100).
Considerando apenas os dados de 1988, após o regime
militar, “ocorreram na Amazônia Legal 247 conflitos agrários,
envolvendo 18,3 milhões de hectares e 128.503 pessoas, resultando
em 63 mortes, centenas de ameaçados de morte, prisões ilegais,
torturas agressões etc.” (KOWARICK, 1995: 175). Neste ano também
morreram entre as tantas pessoas, o deputado João Carlos Batista,
do Pará, e o sindicalista rural de Xapuri, no Acre, Chico Mendes,
vítimas dos conflitos de terra. As vítimas dos abusos por parte de
empresas com grandes projetos são os índios, os posseiros e os
garimpeiros, através de disputas de terras na região. A violência
está presente em todas as partes, ela aconteceu principalmente,
no regime ditatorial, mas também acontece sem ele. As vítimas são
fruto da expansão e da sanha do capital em concentrar riqueza na
região e, com o final da ditadura não significou o final da expansão
na região, pois o grande projeto de acumulação permanece ali.
Os assassinatos dos posseiros, dos indígenas e dos
garimpeiros raramente são divulgados na grande imprensa.
Acredita-se que milhares de vidas foram ceifadas, fruto da cobiça
38
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
da posse da terra na região. Os dados oficiais revelam apenas
uma quantidade insignificante do que ocorreu nas fazendas da
Amazônia brasileira, pois as mortes ficaram no anonimato, devido
à conivência do Estado com os agressores e do aparato para
acobertar os crimes. Aos sobreviventes expulsos da terra restamlhes formar os cinturões aglomerados de pobreza ou somaram-se
ao exército industrial de reserva para servir ao capital como
proletários.
É comum ouvir histórias narradas por empresários de
sucesso, considerados como “pessoas de bem” na sociedade em
que vivem, que mostram a forma violenta como expulsaram famílias
de suas terras e ficaram impunes. Para exemplificar, reproduzimos
a história contada por uma pessoa e, mesmo tendo autorizado a
citação, preferimos mantê-la no anonimato por uma questão de
segurança. A entrevista ao autor foi realizada em 20/7/2000,
apresentando a seguinte situação:
A história contada é de um rapaz relativamente jovem. Há mais de
dez anos ele e sua família vieram conhecer o Norte do Estado de
Mato Grosso. Aqui se encantou pela terra, suas riquezas naturais e,
sobretudo, por vislumbrar a possibilidade de ser “dono da terra”, de
virar fazendeiro, agropecuarista. Adquiriu, juntamente com alguns
dos seus irmãos e o pai, imensas áreas. Mas logo percebeu que já
havia gente no local. Não desanimou, afinal estava na selva, na terra
onde, na época, não havia lei ou não se aplicava a lei. Foi em frente
e, armado, determinou a retirada dos posseiros. Ele também era
posseiro. Mas um posseiro “diferente”, afinal tinha dinheiro e era de
uma família com um certo poder aquisitivo. Os posseiros resistiram.
A resistência, no entanto, foi por pouco tempo. À noite, o rapaz voltou
à área já ocupada e, juntamente com alguns dos seus irmãos e
outros capangas contratados para realizar a expulsão, executou
vários homens. No meio da mata, eles enterraram os corpos. O
mais impressionante é a forma fria como este empresário, que hoje
é madeireiro e agropecuarista, conta a história. Em sua narrativa, o
ex-grileiro/empresário, que condena a ação do Movimento dos SemTerra, disse que, para não ter muito trabalho, cortou os corpos em
vários pedaços e enterrou todos em uma só cova. Até hoje não foi
punido pelo crime. A polícia nem ficou sabendo e, se ficou, ignorou,
já que havia uma grande conivência entre eles.
Fatos desta natureza ficam fora das estatísticas oficiais, pois
39
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
o processo de colonização da Amazônia mostra um quadro
sangrento e dramático. Por este motivo, o modo de acesso à terra
“sempre esteve atravessado por grilagens, emissão de títulos
duvidosos, falsos, como se fosse uma história de faz-de-conta”
(OLIVEIRA, 1997: 67). As estatísticas, como vimos, não demonstram
a realidade, tendo em vista que, no período da ditadura, os dados
reais da violência ficavam às escondidas, esta era a estratégia
adotada pelo Estado para favorecer o capital. Para o capitalista “o
posseiro operou como desbravador do território, como amansador
da terra” (MARTINS, 1991: 67). Num segundo estágio, basta entrar
na área, pois o posseiro e o índio já iniciaram a abertura da floresta
para transformá-la em um grande latifúndio capitalista.
Para ilustrar os fatos, faz-se necessário conhecer o caso
de Santa Terezinha, no Estado de Mato Grosso, entre os vários
acontecimentos contra posseiros. Conforme OLIVEIRA (1997: 74-75),
no ano de 1966 a indústria da grilagem conseguiu transmitir à
Codeara, empresa agropecuária, 200.000 ha de terras, incluindo
nesta transação o povoado de Santa Terezinha, fundado em 1922.
Neste local, desde 1931, já existiam a igreja e a escola para servir
à comunidade. Em 1965, os posseiros também fundaram uma
cooperativa. Após comprar esta área, a empresa, aproveitando-se
da ditadura, fez pressão sobre os posseiros, exigindo a sua
transferência para outras áreas.
A área ocupada pelos posseiros era de 10.000 ha, apenas
5% do total. O grupo econômico colocou tratores de esteira para
demolir as construções dos posseiros, sempre acompanhados pelo
destacamento militar, inclusive prendendo posseiros. No decorrer
houve tiroteios, pois os funcionários da empresa estavam armados
e os posseiros reagiram ao ataque. Este episódio não foi divulgado
na época, pois estávamos em pleno regime militar, momento em
que o controle sobre os meios de comunicação era pleno, e só
veiculavam as notícias de interesse do capital e do Estado.
Neste mesmo sentido, OLIVEIRA (1997: 76-77) afirma que o
comando militar foi designado para averigüar o local com um
batalhão de 80 homens, e prenderam seis posseiros, dos 40
denunciados. Os seis posseiros presos foram levados para Cuiabá,
os demais tiveram que abandonar suas casas fugindo para a mata,
vivendo durante 105 dias na clandestinidade, alimentando-se de
carne de macacos e frutas silvestres. Depois de muitos anos de
conflitos, os posseiros sempre receberam apoio da igreja católica,
40
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
principalmente através do padre Francisco Jentel, este também
preso e condenado a dez anos de prisão. Porém, através de recurso
no Superior Tribunal Militar em Brasília, desqualificou-se o processo
e Francisco Jentel foi preso em 1975, em Fortaleza e expulso do
País, por decreto assinado pelo Ministro da Justiça, Armando Falcão.
Como acerto com os posseiros, em 1972 foram destinados 2.446
ha para área urbana do distrito. Também 120 posseiros foram
titulados com uma área de terras de 100 ha cada um. No final dos
anos 70, o distrito foi elevado à categoria de município8 . Hoje é um
pequeno município; conforme dados do censo do IBGE (2001),
vivem 6.222 habitantes neste local. Apresentamos este episódio
pela ousadia dos grupos econômicos, pois neste local, hoje, alguns
dos posseiros que ali nasceram estão com mais de 80 anos de
idade.
Nos acontecimentos que envolvem colonos, posseiros e os
povos originários, a igreja católica tem um papel muito importante,
pois “os bispos de Marabá, D. Alano Pena, de Conceição do
Araguaia, D. Pedro Casaldáliga, são apontados como ‘os prelados
vermelhos do vale do Araguaia” (MARTINS, 1981: 106). A igreja
católica foi a única instituição com capacidade de enfrentar os
militares no período 1964-85. Ela contribuiu para a redução da
violência contra os povos oprimidos na implantação dos projetos
econômicos, bem como no que tange a assistir posseiros e
indígenas.
Entretanto, ao invés da ocupação dos chamados “espaços
vazios”, aconteceu o esvaziamento da região, através do
preenchimento de imensas áreas por poucos beneficiados,
proporcionando a concentração da terra. Isto é fruto da estrutura
fundiária vigente no País, pois beneficia o grande capital em
8
Assim narramos o desfecho de um caso que teve alguns ganhos por parte dos
posseiros, mas o normal é a expropriação e a violência praticadas pelos grupos
organizados. Também no decorrer da ocupação da Amazônia a igreja se apresenta na
região como protetora dos povos oprimidos pelo capital nacional e internacional,
principalmente os posseiros e os povos originários. “A igreja católica tem um papel
fundamental na organização dos posseiros. Face à omissão do governo central quanto
à violência, por ele aceita como preço necessário a ser pago pelo desenvolvimento, a
igreja torna-se talvez a única organização no país com poder e autoridade para enfrentar
o poder governamental, particularmente as forças repressivas de segurança.” (BECKER,
1996: 39).
41
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
detrimento aos interesses das massas que buscam a terra. MARTINS
(1991: 76) enfatiza:
A Amazônia é hoje uma das regiões mais tensas do país, exatamente
porque nela estão se acumulando tensões geradas em outras áreas,
ao mesmo tempo que a reprodução deliberada e exacerbada da
estrutura fundiária concentracionista, que expulsa lavradores e
trabalhadores rurais, faz dela uma região de desespero.
As formas de violência na região não ficam somente nos
assassinatos. Elas ocorrem também pela submissão, pela imposição,
pela dominação, pelo controle e todas as formas que tiram a
liberdade e as perspectivas das pessoas. Neste sentido, OLIVEIRA
(1997: 89) relata:
o grande capital do Centro-Sul, nacional e multinacional está abrindo
a Amazônia, para a sua reprodução. Não há lugar onde a violência
não se faça presente. E os governos, militares ou não, têm ficado ao
lado dos grupos capitalistas, na sua defesa intransigente que,
gradativamente, faz da Amazônia um território para o capital
internacional no Brasil.
O relatório da C OMISSÃO P ARLAMENTAR DE I NQUÉRITO DA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA mato-grossense (1995: 4) detectou que,
entre os principais problemas fundiários do Estado, podemos citar
os seguintes: “superposição de títulos; títulos sem amarração; títulos
expedidos fora da fronteira do Estado; títulos em áreas de reserva
legal; fraude no registro de títulos; influência política/econômica na
titulação; irregularidades em colonizadoras; permutas de áreas sem
critério técnico; invasão de áreas etc.”. Como realmente acontece
a apropriação e a legalização das terras na Amazônia no período
da ditadura, é mostrado de forma mais clara por OLIVEIRA (1997:
83-84), afirma:
naquele período, as empresas, para aplicar os incentivos fiscais,
passaram a adquirir títulos de propriedade de terras, que obedeciam
a lógica da “grilagem legalizada”. Ou seja, um “procurador” obtinhaos através de procurações passadas por pessoas que, às vezes,
nem sabiam o que estavam assinando ou, então, até recebiam uma
certa quantia em dinheiro para assinarem; e, mesmo em época de
eleição, aproveitava para oferecer títulos de terras para quem votasse
42
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
nos “candidatos do governo”. De posse desta procuração, o
“procurador” dava entrada no órgão governamental competente e
obtinha em nome de terceiros os títulos de propriedade de terras
devolutas. Como se sabe, anexava ao processo duas declarações
sabidamente falsas, uma de que nas terras solicitadas não havia
índios, e outra de que não havia posseiros. Com os títulos em mãos,
diga-se de passagem, com todo o “falso levantamento de divisas”
feito por profissionais habilitados (engenheiros civis, arquitetos,
agrônomos etc.) passava a oferecê-los aos grupos econômicos do
Centro-Sul do país, isto quando não foram estes mesmos grupos
que executaram o processo de grilagem sobre essas terras e
obtiveram os títulos por esse caminho.
Não podemos generalizar a questão das irregularidades da
terra na Amazônia. A maioria dos grupos da agropecuária e do
extrativismo se reproduzem em terras hoje regularizadas. Todo este
processo de fraudes, bem como o aparato de benefícios e leis, foi
criado para proteger o grande capital e, assim, a legalização das
terras na Amazônia é semelhante a passagem bíblica da
multiplicação dos pães. Para SHOUMATOFF (1990: 58), “se você
compra 50 hectares, vai ao cartório e registra 500. Mais tarde, mudase o número por 5 mil. Eles continuam adicionando zeros, enquanto
80 por cento dos camponeses não têm nada”.
Observa-se que, com o fim do regime da ditadura militar
em 1985, o cenário pouco mudou quanto ao desrespeito aos
posseiros e aos povos originários na região. O governo continua
fortemente comprometido com o capital, seja ele nacional, seja
internacional, pois a manutenção política e o poder continuam sendo
fruto das forças econômicas. Todavia, não percebemos melhoras
significativas que venham minimizar os problemas sociais criados
na região, principalmente no que diz respeito a dar oportunidades
aos menos favorecidos.
Em regime ditatorial ou não, a investida capitalista na região
em nada mudou. A Amazônia está sendo totalmente devastada por
grupos econômicos que estão usufruindo dos recursos florestais,
minerais e hídricos, conseqüentemente poluindo os ecossistemas
e destruindo a fauna e a flora. Os lucros produzidos por estas
empresas, em sua maioria, são investidos fora da Amazônia, inclusive
fora do País. São socializados aos povos amazônicos, por estas
empresas, a poluição atmosférica proveniente das queimada, a
43
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
poluição dos rios através do uso indiscriminado de mercúrio por
mineradora e o uso de desfolhantes para abertura da mata.
Contudo, culpam os brasileiros de serem os destruidores
dos recursos naturais e, conseqüentemente, poluírem a região.
Assim, o posseiro não encontra o “mel”, mas, segundo a crença, o
“mel” prometido pode estar em outro lugar da Amazônia, basta ter
paciência e procurá-lo. Talvez ele possa ser visto nas frentes de
trabalho, através da abertura da mata. A dificuldade de encontrá-lo
pode ser explicada: a Amazônia é imensa e talvez ele esteja mata
adentro. Então é bom não desistir de procurá-lo. Nesta lógica, a
vida continua...
Muitas das áreas regulares de hoje, no passado tiveram a
interferência da indústria do crime organizado para legalizá-las e,
os atuais proprietários muitas vezes, não têm o conhecimento das
manipulações ocorridas.
*****
44
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
As formas de exploração da força de trabalho
Nesta parte trataremos da exploração da força de trabalho
da Amazônia brasileira de modo geral, com ênfase ao período pósditadura de 1964. A propósito, desenvolveremos o entendimento
do processo de exploração do trabalho na região, de forma macro,
num processo de superexploração9 da mão-de-obra. Nesta dialética
se faz necessária uma análise macro das condições de trabalho,
para que possamos tecer o entendimento das partes e fortalecer a
compreensão sobre a força de trabalho nos vários segmentos na
proletarização do homem.
Nesta lógica os vários segmentos da produção regional
exercem a função reprodutora de capitais, e assim estão atrelados
aos movimentos e às necessidades das mercadorias para servir
ao mercado mundial. Na seqüência, enfatizaremos que o modelo
de reprodução capitalista só se justifica quando produz mais-valia
da força de trabalho para efetivar, na prática, a acumulação de
capitais. Assim, os capitalistas dependem da força de trabalho para
reproduzir e acumular riqueza, enquanto os trabalhadores
dependem da classe burguesa para subsistir e se reproduzir.
Este é o elo de dependência de ambos, mas é através do
trabalho humano que acontece a acumulação capitalista. Nesta
lógica, a lei da acumulação é a relação entre trabalho pago e
trabalho não pago, fruto do prolongamento e da intensificação das
jornadas de trabalho, bem como da redução dos salários. No entanto,
no processo reprodutivo, o capitalista necessita submeter os
trabalhadores ao decréscimo salarial, assim como os submete a
mais trabalho. Em estágio avançado, a organização da força de
trabalho ocorre espontaneamente e através da pressão exercida
entre a própria classe pela formação do exército industrial de
reserva.
A política salarial da ditadura nasceu através desta dialética.
O Estado organizava suas ações voltadas ao papel de capitalista
coletivo na produção da mais-valia, sempre atrelado ao movimento
9
O conceito de superexploração é amplamente tratado por Ruy Mauro Marini no livro
Dialética da dependência. Também por Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Müller, no
livro Amazônia: expansão do capitalismo.
45
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
mundial da mais-valia universal. Se, de um lado, incentivava o
desenvolvimento econômico para as empresas através da
superproteção, dando-lhes toda a estrutura necessária e créditos
facilitados, isenções, facilidades fiscais e tarifárias, por outro lado,
“a força de trabalho da classe operária é apenas uma mercadoria
entre outras” (IANNI, 1981: 62). Uma mercadoria que oxigena os
empreendimentos ali instalados, submetendo-se às estratégias do
mundo do capital atrelado ao Estado da ditadura. Nesta perspectiva,
a “história da ocupação da Amazônia tem sido também a história da
escravização do homem que a desbrava” (PINTO, 1980: 99).
A ditadura adotou uma política repressiva contra as massas
e ofereceu os favores e as oportunidades aos grupos organizados.
No período compreendido entre 1964-85, as ações repressivas do
Estado passaram a ser a tática na Amazônia, pois principalmente
neste período prenderam membros sindicais, trabalhadores foram
torturados e ocorreram inúmeras mortes. Ao mesmo tempo em que
torturava trabalhadores, adotava estreitas relações com a
burguesia, como forma de retribuir ajuda a estes na tomada do
poder no golpe de Estado, ocorrido em 1964.
Através dos esforços conjuntos entre Estado e burguesia,
“na prática, crescia a produção de mais-valia, absoluta e relativa,
pela realização da mais-valia ‘potencial’, ou ‘extraordinária’, que a
violência ditatorial propiciava” (IANNI, 1991: 64). Neste sentido, “na
Amazônia – talvez mais do que em qualquer outra região do país –
o conceito de superexploração de trabalho e a extração de maisvalia absoluta constituem parte integrante do grande capital”
(CARDOSO e MÜLLER,1977: 8).
Isto foi possível através da política de arrocho salarial,
previdenciária, sindical e leis antigreve. Na verdade, fazia parte do
desenvolvimento e da acumulação capitalista amazônica, a relação
estreita do Estado com os capitalistas. Apesar de se burocratizar
ao máximo a vida do trabalhador, aplicando sanções e cassando
os direitos políticos, crescia a agitação entre os trabalhadores na
perspectiva de restabelecer os caminhos democráticos e melhores
condições trabalhistas. Os trabalhadores não aceitavam a
superexploração de seu trabalho e o rápido ciclo reprodutivo do
capital. IANNI (1981: 78) diz:
ao longo desses anos, desde 64, cresceu muito a distância entre o
Estado e a classe operária. A forma pela qual o poder estatal foi
46
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
posto a serviço do capital monopolista fez com que o operário se
sentisse dominado por um Estado que se lhe parecia como totalmente
estranho, estranhado, oposto, imposto, dominante, repressivo,
opressivo. Um processo que é inerente à sociedade burguesa, no
qual o Estado é bastante, ou muito, controlado pelos interesses da
burguesia dominante, sob a ditadura adquire um caráter ainda mais
acentuado, sem mediações.
Através das condições jurídicas e políticas, a burguesia
aumentou as taxas de mais-valia. Assim, “criou as condições sob
as quais a mais-valia potencial, que o subsistema econômico
brasileiro poderia produzir, se realizasse na mais-valia extraordinária,
que a burguesia passou a acumular” (IANNI, 1981: 79). À medida
que a ditadura reprimia econômica e politicamente a classe operária,
também possibilitava o crescimento do País, consolidando a euforia
do “milagre econômico” brasileiro dos anos 70.
Enquanto a burguesia concentrava altas taxas de mais-valia
absoluta e relativa, “também provocava a pauperização absoluta
da classe operária, ou de setores dessa classe” (IANNI, 1981: 81).
Fica expressa esta desigualdade “na forma como o Estado assume:
autoritarismo para as massas, protecionismo para as empresas”
(CARDOSO e MÜLLER, 1977: 9). Assim, de um lado, o Estado favoreceu
a burguesia, por outro, conseguiu acorrentar os trabalhadores. IANNI
(1981: 83) enfatiza e retrata as reais condições entre o Estado, a
burguesia e a força de trabalho:
para a burguesia, a contrapartida da superexploração da força do
trabalho operária foi o “aumento da produtividade”, a transformação
da mais-valia potencial em mais-valia extraordinária. Para a classe
operária, a contrapartida da superexploração da sua força de trabalho
foi a redução do salário real, a militarização da fábrica, a intervenção
governamental nos sindicatos, a censura, a pressão policial
generalizada. Tudo isso configura o caráter fascista da ditadura
burguesa subjacente à ditadura militar. Nessas condições, a classe
operária foi forçada a aumentar a produção de mais-valia absoluta e
relativa, ou transformar em mais-valia extraordinária as
potencialidades. A crescente dinamização, “modernização” ou
“racionalização” das relações de produção, sob ampla proteção do
poder estatal, favoreceu largamente a acumulação monopolista.
Através do planejamento e da violência do Estado, criaram47
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
se as condições ideais para que a burguesia concretizasse seu
projeto maior: a concentração e a acumulação capitalistas, através
das empresas nacionais e internacionais que optaram por expandir
o modo de produção na Amazônia brasileira. A força de trabalho
que se deslocou para esta região no projeto de colonização foi
caracterizada apenas como componente do processo de
acumulação dos grupos econômicos. Todavia, as questões salariais
no período da ditadura, eram decididas pelos governantes através
dos seus técnicos, vindo garantir os interesses da elite dominante
do País.
A política repressiva do Estado não ficou somente nas
fábricas. Ela aconteceu também através da proletarização no campo.
Muitos colonos arrendatários e parceiros transformaram-se em
assalariados de forma exclusiva ou temporários, alguns residindo
dentro das áreas onde se desenvolveram os projetos econômicos
através da agricultura e da pecuária, outros sendo trabalhadores
temporários em forma de exército industrial de reserva latente,
trabalhando como peões, bóia-frias e trabalhadores flutuantes. No
caso específico da Amazônia, com o desenvolvimento extensivo e
cumulativo, os capitalistas usaram vastas áreas de terras, utilizando
também a tática da expropriação dos posseiros e dos povos
originários, como vimos anteriormente.
Muitos destes expropriados formaram a força de trabalho
nos projetos econômicos da região. Foi o que aconteceu com os
seringueiros do Estado do Acre, pois houve uma grande quantidade
de extrativistas expropriados das suas terras de posse e, como
castigo, alguns dos trabalhadores se tornaram mão-de-obra dos
próprios grileiros, para, com auxílio das motosserras, devastaram
os seringais que sempre lhes deram o sustento e a vida em
comunidade. Por outro lado historicamente, o Estado negou aos
marginalizados o acesso aos meios de produção, mas facilitou aos
capitalistas esse acesso com formas protecionistas.
A ação do Estado ensejou os “favores fiscais e creditícios
pelo poder público, no sentido de impulsionar a formação e a
expansão de latifúndios e empresas agropecuárias, aí também
desenvolveu a proletarização do trabalhador rural” (IANNI, 1981: 95).
Nesta região a proletarização se desenvolveu de forma muito mais
agressiva e brutal que em outras partes do Brasil. Entretanto, uma
nova perspectiva de busca movimentou a classe trabalhadora
marginalizada no País. Na Amazônia procuraram terra e trabalho,
48
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
aliados com à esperança de poder alcançar o “mel” prometido.
CARDOSO e MÜLLER (1977: 69) indicam que:
os movimentos migratórios aqui examinados, com ênfase na
magnitude dos fluxos, expressam, no fundo, a redistribuição da
massa de trabalho demandada segundo os interesses econômicos
e políticos em jogo – governos federal e estaduais, empresas
industriais e de serviços, empresas agropecuárias e mineradoras,
autônomas urbanas e rurais, latifúndios extrativos e pecuários e sítios
– na organização regional e nacional.
A maioria desses trabalhadores, vindos do Nordeste ou de
outras regiões do Brasil, acabam se tornando força de trabalho
permanente ou temporária na Amazônia. Neste sentido, para a mãode-obra ali existente ou recém-chegada que busca oportunidades,
o “mel” pode ser conseguido tornando-se proletário no
desmatamento da floresta, na queima da mata, na formação de
pastagem, no plantio de soja, na indústria madeireira, no garimpo
e na abertura de estradas. Estes novos trabalhadores da abertura
da nova fronteira são também os sulistas que se juntam aos
nordestinos para drenar e oxigenar os grandes empreendimentos
da região.
A modalidade de contratação é realizada através do sistema
“gato” que, “como é conhecido em amplas regiões, opera como um
agenciador de trabalhadores” (MARTINS, 1991: 49). Assim, a maioria
dos “peões10 são contratados, administrados, aviados e pagos por
um empreiteiro de mão-de-obra que, por sua vez, já estabeleceu
um contrato com os proprietários das terras” (IANNI, 1981: 96).
Grande parte destes trabalhadores são de empregos sazonais ou
eventuais11 . Assim, quanto maior for a mobilidade dos trabalhadores,
mais se agravam a instabilidade e os métodos de mais exploração.
Este trabalho itinerante e de empregos latentes também decorre
da não-organização política e sindical da força de trabalho.
10
“Peões – Trabalhadores de projetos agropecuários. Eles realizam atividades como
derrubar a mata, plantar capim etc. São contratados ou agenciados pelo ‘gato’ ou
empreiteiro por baixos salários e sem registro em carteira de trabalho. Os peões dispõem
de um único local para comprar suprimentos – as cantinas [geralmente dos próprios
proprietários do empreendimento]. Lá, os alimentos e bebidas são vendidos a preços
caríssimos e por isso os trabalhadores ficam permanentemente endividados.” (PORTELA
e OLIVEIRA, 1991: 15).
49
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
A maioria dos postos de trabalho, ocupados na abertura da
Amazônia por grupos econômicos, são preenchidos por “peões do
trecho”, que geralmente vivem sem família e se aventuram em
trabalhos distantes, em alguns casos até 300 km ou mais da cidade
mais próxima. Este é um dos motivos que contribuem para agravar
ainda mais “as condições de exploração do trabalho espoliativas
em quase toda a parte” (C ARDOSO e M ÜLLER , 1977: 183). Os
trabalhadores, para chegarem às frentes de trabalho, são
conduzidos pelos grupos econômicos através de caminhonetes
possantes, tratores, caminhões-toureiros e em alguns casos, de
avião.
Nesta estratégia, a força de trabalho tem três procedências:
a primeira é oferecida nas próprias cidades planejadas, ou que
está na agricultura e pronta para formar o exército industrial de
reserva, que Marx chama de latente; a segunda, de “peões
rodados”, é formada por trabalhadores que já estão na região ou
chegam para trabalhar, não possuem vínculo local, e são também
chamados de “flutuantes”; a terceira é importada de outras regiões
do Brasil pelo capital organizado na produção; contratada para
suprir as eventuais deficiências de força de trabalho, principalmente
em determinadas épocas e locais específicos com falta de mão-deobra. No processo de trabalho amazônico existe uma certa
hierarquia que limita posições para servir de controle desta força
de trabalho. BECKER (1996: 49) descreve:
para o desmatamento, circuito das empresas e fazendas, o contrato
é feito diretamente com o “gatão”, indivíduo que possui informações
sobre as bacias de mão-de-obra, sua localização e preço, poupando
esforços do fazendeiro e do administrador para recrutarem e
gerenciarem o trabalho. O “gatão” pode delegar o recrutamento da
mão-de-obra aos “gateiros”, que possuem informações mais
localizadas e específicas, e estas por sua vez encarregam os
11
“A pecuária extensiva emprega uma pessoa para cada 29 hectares explorados,
sendo 89% referentes à mão-de-obra temporária e 11% à mão-de-obra fixa. Apesar de
a produção aumentar quando os pastos abandonados são reformados, a geração de
emprego continua a mesma, uma vez que o processo de intensificação é alcançado
através do uso de máquinas. A agricultura extensiva tradicional emprega uma pessoa
para cada 1,33 ha/ano. Assim, são necessários 16 hectares explorados para gerar um
emprego (1,33 x 12). A agricultura de cultivo perene, por sua vez, é a atividade que gera
maior número de empregos por hectare, empregando uma pessoa para cada 1,4 hectare
explorado.” (ALMEIDA e UHL, 1998: 21).
50
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
“gatinhos” ou fiscais de turma de reunirem no local um grupo de
quatro a cinco peões que trabalham diretamente sob suas ordens.
As formas possíveis de contratação neste circuito são a empreitada
e a diária. Quanto maior o desmate, maior o número de
intermediários.
QUADRO DEMONSTRATIVO DA CADEIA HIERÁRQUICA DE
TRABALHO NA AMAZÔNIA, BEM COMO AS FORMAS DE
PAGAMENTO ATRAVÉS DA CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES
NO SISTEMA “GATO”
Posição hierárquica no trabalho
“G ato”
“G ateiro”
“G atinho”ou fiscal
“Peões”
Pagam ento em %
20%
20%
10%
50%
Fonte: Elaboração própria com base em Becker (1996: 50).
Para BECKER (1996: 50), os trabalhadores são contratados
de forma clandestina, pois na maioria das vezes não têm qualquer
vínculo de emprego. Os valores pagos dentro desta hierarquia
variam conforme a posição da cadeia hierárquica, cabendo divisões
diferenciadas. Através desta estrutura arquitetada pelos grupos
econômicos na utilização da força de trabalho, observa-se que o
proprietário do capital não se envolve diretamente nas
intermediações e mediações com a mão-de-obra. Estes podem ser
chamados de “gatos velhos”, visto que na hierarquia eles se
apresentam ocultamente primeiro.
No maior projeto florestal do planeta, de propriedade do
milionário norte-americano Ludwig, a então quarta maior fortuna
individual do mundo, evidencia-se a problemática exposta
anteriormente, onde, “dos 5.000 empregados do Jari, 1.200
trabalhavam diretamente para a firma e 3.800 eram subcontratados
por ‘empreiteiros de mão-de-obra’, chamados gatos” (CARDOSO e
MÜLLER, 1977: 183). O caso Ludwig também é citado por PINTO (1980:
99-00). Para melhor entender como é feito o recrutamento da força
de trabalho para os trabalhos nas regiões da Amazônia, precisamos
entender como funcionam as estratégias no agenciamento do
sistema “gatos”.
Os peões são recrutados em suas próprias casas, em muitos
casos deixam a família para trás. Nos grandes empreendimentos
51
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
“mulher e família são concessões que só os ‘bons patrões’ permitem
na selva” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 186). O peão parte em busca
de alternativa para sustentar sua família. O “gato” geralmente deixa
uma estrutura em dinheiro para confortar, tanto a família que fica
quanto o peão que sai para trabalhar. Com esta atitude, cria um
vínculo de homem bom, protetor, mas o deixa em completa
submissão e dependência na nova empreitada (IANNI, 1981: 96).
CARDOSO e MÜLLER (1977: 187) confirmam sobre o ciclo do trabalho:
depois de 30 a 40 dias de trabalho o “peão” volta “à civilização” para
2 ou 3 dias de descanso. Vai para as vilas de “for-west”, no caso, do
“norte longínquo” onde, entre bares noturnos, bebidas, mulheres e
doenças venéreas, curte a tragédia de existir. Este breve intervalo,
seguido de cura sumária das moléstias mais evidentes, é o interregno
entre um e outro ciclo de trabalho na selva, do qual o peão só escapará
se voltar à miséria do lugar de origem ou se, com certa audácia e
sorte, puder embrenhar-se nalgum desvão da mata como posseiro,
até que o Incra se apiede dele e lhe dê um título legal.
Para facilitar o agenciamento do trabalhador no sistema
“gato”, nestas cidades existem hotéis e pensões que recolhem os
chamados “peões rodados”, aqueles recém-chegados na cidade à
procura de trabalho. Ao chegarem nas cidades, eles não precisam
de dinheiro para receber a estrutura mínima, que é cama e alimento.
O hoteleiro e o pensionista vão contabilizando até a chegada de
alguém da família dos “gatos” para comprar sua força de trabalho.
Assim o “gateiro” providencia o pagamento de hotel, refeições, até
mesmo dinheiro para comprar cigarros e bebidas. Também é uma
forma de endividar o trabalhador e torná-lo submisso e obediente,
bem como fazê-lo aceitar qualquer trabalho que aparecer pela frente.
Estes locais para concentração de mão-de-obra eram muito comuns
em Sinop e região, área de nossa pesquisa, e ainda podem ser
localizados em 2004.
A negociação é semelhante a um objeto qualquer, porém
uma mercadoria muito valiosa, e o peão fica depositado à espera
de um agenciador de trabalho, alguém que esteja disposto a
explorá-lo. Ele se transforma em uma mercadoria na prateleira à
espera de algum subordinado dos capitalistas, para levá-lo a algum
projeto econômico e tirar vantagens com seu trabalho. Nesta
estratégia, alguns dias depois de ser depositado à espera do
52
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
agenciador de trabalho, “o dono da pensão que o aloja e o alimenta
no povoado o venderá na primeira oportunidade, ao primeiro ‘gato’
que compre a dívida” (MARTINS, 1995: 122).
Esta forma escrava da modernidade é o tratamento de regra
e não de exceção dos que fazem a abertura das matas na Amazônia.
O processo de trabalho na abertura da floresta pode ser comparado
ao ocorrido nos canaviais brasileiros no período colonial,
diferenciando-se em um ponto fundamental; deve o trabalhador
“livre de hoje”, encontrar um capitalista disposto a consumi-lo no
trabalho, em troca de sua subsistência.
O peão contratado paga todas as despesas efetuadas por
ele, como parte do adiantamento da empreitada, tendo que aceitar
qualquer trabalho, pois já está na dependência de recursos
financeiros para saldar sua dívida perante o hoteleiro ou pensionista
(MARTINS, 1981:61). Assim, é obrigado a aceitar qualquer tipo de
trabalho que aparecer, pois, se isto não acontece, passa a ser visto
como malandro e preguiçoso, e pode vir a ser enquadrado como
inadimplente na forma da lei, devido ao poder dos grupos
organizados na região.
No interior destas estruturas, “num grande empreendimento
operam vários ‘gatos’, responsáveis por grupos de 5, 10 ou mais
trabalhadores. Às vezes existem ‘gatos’ que controlam exércitos de
100 ou mais homens” (C ARDOSO e M ÜLLER , 1977: 186). Após
recrutados, partem para o trabalho ou são negociados em frentes
de trabalho em algum empreendimento mata adentro, e muitas vezes
o peão não sabe para onde está sendo transportado. Sabe apenas
que vai trabalhar.
Aos que não têm família, existe um local de uso coletivo nas
fazendas, que serve de dormitório e local para alimentação, sendo
sua nova moradia. Geralmente é acertado com o contratante um
certo tempo sem voltar à cidade, exatamente para poder saldar os
débitos referentes ao adiantamento dos gastos já pagos.
Como visto, quando voltam à cidade, geralmente é para
passar o final de semana. Aproveitam para ir à bailes, bordéis,
envolver-se em cachaçadas12 e fazer compras. Enfim, gastar o
12
Cachaça, bebida alcoólica proveniente da fermentação e destilação do caldo da canade-açúcar. Esta é a bebida alcoólica mais popular do Brasil, sendo muito consumida por
trabalhadores, por ser muito acessível e barata. Os peões, ao voltarem para as cidades,
se envolvem em cachaçadas em bares e bordéis, até consumirem todo o dinheiro ganho
dentro do ciclo de idas e vindas para o trabalho.
53
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
pouco dinheiro adquirido neste período de trabalho. Para MARTINS
(1997: 43), “nem sempre entendemos por que a extrema violência
que sofre o peão não lhe talha a alegria da farra na bebedeira com
uma prostituta de ocasião num cabaré de povoado”. O capitalista,
através deste processo de endividamento, torna o peão dependente.
Quando este retorna, tem dívidas novas com o hoteleiro e
se encontra novamente sem dinheiro, assim o ciclo se repete. Esta
dependência financeira se torna necessária aos capitalistas, pois
assim a força de trabalho continua também submissa e dependente.
Para manter esta força de trabalho sempre produtiva, faz-se
necessário o máximo de redução nos seus salários e envolvê-los
com débitos. Assim, quando o trabalhador consegue poupar parte
do rendimento de seu trabalho, o sistema de agenciamento de mãode-obra deve arquitetar formas para efetivar o consumo desta
poupança e proporcionar novas opções de endividamento.
Nesta nova investida capitalista da região, são os chamados
“peões rodados” que mais contribuem para oxigenar a indústria da
peonagem. São indivíduos sem procedência fixa na maioria das
vezes, além de serem simples e rudes. A sua presença na região é
determinante, devido a sua utilidade no processo produtivo em
questão e sua brutalidade é tolerada pela necessidade de
trabalhadores. A partir da negociação com o “gato”, o peão sofre
toda a violência possível, inclusive se transformando em escravo e
tornando-se dependente. Neste sentido, MARTINS (1995: 121-22)
acrescenta, denunciando:
a primeira violência é contra o posseiro. E a segunda é contra o
peão. Os peões são trabalhadores braçais recrutados no Nordeste,
em Goiás, e até em São Paulo, nas áreas de divisa com o Mato
Grosso. São levados pelo “gato”, que combina antes o pagamento
que vai fazer às “boas” condições de trabalho e de vida que vai
oferecer. Depois põem todo mundo em cima de um caminhão e vão
embora no rumo do sertão, dos povoados e da mata. Lá longe,
quando não há mais retorno, vendem os peões para o dono de uma
pensão, que os reserva depois, ou para a própria fazenda, para algum
empreiteiro que precise de trabalhadores. O peão virou escravo. Ele
está preso ao “gato” por dívidas, pelas despesas que fez no caminho
para comer, dormir, fumar, beber, pelo transporte. Só fica livre quando
pagar todo o trabalho. Na mata, alojado em barracas, paga o alimento
que o “gato” fornece, pelo preço que este quiser e impuser. Esse
preço é calculado de tal modo, que o peão está sempre devendo ao
54
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
“gato” enquanto este quiser, até que a empreitada chegue ao fim.
Antes disto só é possível sair fugindo; na prática, porém nem isso:
os acampamentos e os locais de passagem são fiscalizados por
jagunços armados. Peão fugido é peão morto: ele é o capital de seu
patrão – a fuga é interpretada como roubo.
Embora a escravidão negra esteja extinta no Brasil desde
1888, em algumas fazendas ela continua. Em pleno final do século
XX, aplicam-se os mesmos mecanismos já extintos há mais de 100
anos na utilização da força de trabalho. Esta forma de escravizar
trabalhadores no Brasil é conhecida como escravidão branca13. Para
MARTINS (1997: 89), o cativeiro no capitalismo de fronteira apresenta
um quadro preocupante, pois das 431 fazendas das quais se têm
notícias da presença de trabalho escravo no Brasil, entre 1970 a
1993, 308 estão localizadas na Amazônia. Nestes episódios, 85 mil
trabalhadores foram escravizados. O número foi obtido com base
de depoimento de peões que conseguiram fugir e fizeram denúncias
às autoridades.
Estes números são possíveis graças às denúncias feitas
junto à Polícia Federal, a agentes locais ou regionais do Ministério
do Trabalho e à igreja católica (Comissão Pastoral da Terra). Os
números denunciam a exploração; neste período foram “nove mil
os trabalhadores que conseguiram fugir do cativeiro, na imensa
maioria fugas de fazendas amazônicas” (MARTINS, 1981: 91).
Neste sentido, é difícil conseguir dados precisos, pois a
maioria dos trabalhadores que se envolve neste trabalho são
pessoas simples que não sabem de seus direitos, submetendo-se
sempre à regra dos “gatos”, sem denunciar os abusos no trabalho,
por medo de represálias dos grupos organizados. Esta prática ainda
se faz presente em nossos dias. Entre os dias 7 e 13 de agosto de
2002, o Ministério do Trabalho libertou 152 trabalhadores mantidos
em cativeiro em fazendas do Estado paraense (O LIBERAL de 19/7/
2002).
13
Escravidão branca – Refere-se à escravidão dos tempos atuais, que engloba pessoas
brancas e negras. Os trabalhadores se encontram na maioria das vezes em condições
subumanas e de dependência. São violados os direitos humanos, ficam presos em
cativeiros nas fazendas agropecuárias, sendo obrigados a efetuar trabalhos forçados,
não tendo a liberdade de ir e vir. Em muitos casos, os trabalhadores são agredidos,
torturados e mortos. A escravidão branca acontece em grandes propriedades, através
do sistema “gato”, com ajuda de jagunços e pistoleiros fortemente armados que prestam
trabalho a grupos econômicos nacionais e internacionais na Amazônia brasileira.
55
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
O sistema “gato” confunde a responsabilidade e o vínculo
empregatício, e quando algo de errado acontecer, o “gato” se omite
e o peão fica sem saída. Neste caso, não se encontra o responsável,
pois o capitalista formalmente não contratou peão algum. Assim,
“os donos das fazendas alegam que não têm nada a ver com os
homens que derrubam as matas e fazem plantações” (PINTO, 1980:
101).
Nos projetos com incentivos fiscais, a fiscalização dos órgãos
governamentais é feita, na maioria das vezes, por aviões dos
proprietários, inclusive com acerto do dia que vão inspecionar, não
tocando no item exploração do trabalho, tornando-se difícil de
acreditar em alguma coisa séria na região (PINTO, 1980: 102). Desta
maneira, “esse quadro certamente não sugere, a quem quer que
seja, que estamos diante do que os teóricos definem como trabalho
livre. Certamente estamos diante, ao mesmo tempo, do que os
mesmos teóricos definem como capitalismo” (MARTINS, 1997: 91).
Em 1985, com o fim da intervenção militar no País, o trabalho
na Amazônia representa 72,7% dos peões empregados no
desmatamento da floresta virgem para posterior formação de
pastagens para a formação da agropecuária (MARTINS, 1997: 94).
Este e outros fatos apresentam as condições favoráveis para que
se viabilize a exploração da força de trabalho além do normal,
quando comparado com outras regiões do País. Faz-se necessária
aos grupos econômicos “a fundação de fazendas (ou de indústrias)
na Amazônia era é o meio de obter os recursos dos incentivos
fiscais” (MARTINS, 1997: 99).
Na nova fronteira de expansão do capital, “a impunidade
corre solta e até hoje não se tem notícias das prisões dos
proprietários e/ou responsáveis pelas usinas ou fazendas onde era
praticado o cativeiro” (PIAIA, 1999: 65). O que prova que o capital e
o Estado andam juntos. O Estado, no caso amazônico, é conivente
e serve para acobertar todas as formas de exploração e a violência
praticada contra os trabalhadores, como também garantir às
empresas formas legais de exaustão dos recursos naturais da
região. Por outro lado, há a necessidade de projetos econômicos
para obter os recursos financeiros da União na formação de capitais
através dos incentivos fiscais, bem como produzir formas para
56
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
proteger os grandes conglomerados nacionais e internacionais ali
instalados.
A violência é visível em todo o processo produtivo da
Amazônia. Nestas cidades é comum nos cemitérios, um espaço
reservado aos mortos não identificados. São centenas de cruzes
com os dizeres “não identificado”. Os cemitérios, inclusive, são
planejados com espaços reservados a estes “indigentes” – pessoas
que morreram e que “não têm família”. Isto acontece na maioria
das cidades mato-grossenses, inclusive em Sinop. São os chamados
“peões rodados”, que não possuem nome que os identifiquem e
muito menos famílias que os reconheçam, quando mortos se
transformam em peso para a sociedade.
Após a morte destes trabalhadores, ter um local junto da
“sociedade organizada”, mesmo que este seja separado, é visto
como um favor, ao mesmo tempo convencionado como digno, visto
o descaso do poder constituído. Este episódio tem maiores
proporções em áreas garimpeiras, mas em geral esta prática na
região faz com que se acobertem não só as mortes naturais, mas
os acidentes de trabalho, que são muito freqüentes nas derrubadas
da mata e a violência contra os posseiros. Também se esconde
toda a violência peculiar da região, que em muitos casos acaba em
assassinatos, fazendo com que fiquem acobertados e impunes os
seus autores, os mandantes e o Estado pela conivência e omissão.
É necessário que se diga que muitos dos que morrem vítimas
da violência no trabalho ou por conflitos da terra distante não são
notificados e registrados, muito menos recebem local em cemitério
depois de mortos. Este tratamento usado nas últimas décadas na
região, identifica formas de superexploração da força de trabalho.
São métodos usados que denunciam práticas que vão além da
exploração, pois os mecanismos para produzir mais mais-valia ficam
evidentes em todas as etapas de trabalho bem como as formas de
tratamento impostas à classe trabalhadora na região.
Atualmente na Amazônia, no início do novo milênio, formouse um exército de reserva bastante acentuado. Assim, o capital
instalado na região consegue realizar a superexploração da classe
trabalhadora de forma mais tranqüila. É também comum encontrar
peões errantes, andando de um lado para o outro, sem conseguirem
57
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
trabalho, muitos em estado de marginalização extrema, sem
perspectivas de trabalho e de vida. Desta maneira se submetem a
qualquer função dentro da escala de trabalho do sistema “gato”. A
eles restam a exploração através de baixos salários, a intensificação
das jornadas e condições subumanas cada vez maiores. Para Marx,
a partir da criação do exército industrial de reserva, a exploração
da força de trabalho se acentua14 .
*****
14
“Quanto maior a riqueza social, o capital em função, a dimensão e energia de seu
crescimento e, conseqüentemente, a magnitude absoluta do proletariado e da força de
trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é
ampliada pelas mesmas causas que aumentam a força expansiva do capital. A magnitude
relativa do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza,
mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a
massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplício
de seu trabalho. E, ainda, quanto maiores essa camada de lázaros da classe trabalhadora
e o exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a terminologia oficial, o
pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista (...). Quanto maior a
produtividade do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre os meios de
emprego, tanto mais precária, portanto, sua condição de existência, a saber, a vida da
própria força para aumentar a riqueza alheia ou a expansão do capital.” (MARX, 1998:748).
58
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
A exploração do trabalho na mineração aurífera
Historicamente, a partir dos princípios do século XVIII, com
as primeiras descobertas das jazidas auríferas, “a mineração do
ouro no Brasil ocupará durante três quartos do século o centro das
atenções de Portugal” (PRADO JÚNIOR, 1988: 56). Assim, “de 1700 a
1800, 1 milhão de quilos de ouro foram oficialmente registrados e
talvez outro milhão tenha escapado do fisco real. Cerca de 2,4
milhões de quilates de diamantes foram extraídos” (DEAN, 2000:
108). O açúcar, que “durante século e meio representa o nervo
econômico da colonização e sua própria razão de ser, é desprezado”
(PRADO JÚNIOR, 1988: 56) pelos colonizadores portugueses para
concentrar a busca econômica no ouro. No Brasil, ao contrário do
México e do Peru, as descobertas ocorreram só mais tarde. Um
dos motivos é que os povos originários brasileiros, por serem
compostos de nível cultural muito baixo, não tinham se interessado
pelo minério (PRADO JÚNIOR, 1988: 56).
No território brasileiro, o ouro se encontra na sua maior parte
em aluvião15 , sobretudo nos leitos dos rios. Através do impulso
promovido pelas descobertas do minério no Brasil, desloca-se a
ocupação para o centro do País de forma mais acentuada. Na época,
as melhores minas concentravam-se em Minas Gerais, Mato Grosso
e Goiás. As descobertas auríferas foram muito importantes para a
coroa portugesa, pois desenvolveram de forma mais acentuada a
introdução do homem na região amazônica. OLIVEIRA (1983:19596) afirma que:
várias incursões à procura de metais e pedras preciosas tiveram
lugar na Amazônia durante o século XVIII, o ouro começou a ser
desvendado nessa região, em Cuiabá (Mato Grosso), onde saía
pelo rio Madeira, e no Norte de Goiás, onde era escoado por
intermédio do rio Tocantins. A ocorrência desse metal foi o que
impulsionou o povoamento e a expansão de brasileiros e portugueses
naquela área, colaborando na ampliação e posse dos domínios de
Portugal na América do Sul.
15
Aluvião – Depósito de cascalho, areia e argila que se forma junto às margens ou na foz
dos rios, proveniente do trabalho da erosão (AURÉLIO, 1999: 110).
59
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
As viagens para a região aconteciam de forma bastante
peculiar, visto que, na época, não havia vias de acesso definidas.
OLIVEIRA (1983: 198) nos orienta:
os caminhos de acesso a Mato Grosso, por onde penetram os
sertanistas e os exploradores de minas, eram: a) roteiro fluvial do
Tietê – iniciando-se a viagem neste rio, em Porto Feliz (São Paulo),
atingia-se o Paraná e depois passava-se para a bacia do Paraguai,
até poder alcançar-se o destino almejado; b) rio Madeira Tapajós; c)
rota terrestre que, a partir da capital de Goiás, Vila Boa, seguia-se
em direção a oeste, passando pelo arraial de Pilões e alcançando
Cuiabá, podia comunicar-se com Minas, Rio e São Paulo.
A capital do Estado de Mato Grosso teve sua origem no
garimpo de ouro. O garimpo e a mineração representaram nesta
época, para a região aurífera da Amazônia, sinal de poderio,
ambição por parte dos capitalistas e uma forte base econômica.
Também representou sinônimo de destruição da natureza e
degradação humana. Contudo, “chega-se ao fim do séc. XVIII a um
momento em que já se tinha esgotado praticamente todos os
depósitos auríferos superficiais em toda a vasta área em que
ocorreram” (PRADO JÚNIOR, 1988: 62).
Tanto o ouro como o diamante ainda eram explorados no
final do século XVIII, embora o segundo com menor intensidade.
Mesmo tornado-se escasso, permaneceu sendo produzido
continuamente, mas em menor quantidade. Com o esgotamento
das minas no Estado de “Mato Grosso, embora ainda fosse a
mineração a única fonte de produção e riqueza da capitania, muito
pouco sobrava do passado” (PRADO JÚNIOR, 1973: 172). A extração
nunca tinha cessado, tanto em Mato Groso como em Goiás, mas “é
somente em Minas Gerais que a extração de ouro conserva alguma
importância” (PRADO JÚNIOR, 1973: 173).
Mesmo que o garimpo de ouro e diamantes não tenha
deixado de existir nos séculos XIX e XX, tornou-se de menor
importância econômica. A região Amazônica rica em recursos
minerais, voltou-se à outras espécies de extrativismo. Segundo
PASSOS (1998: 55),
na década de 1940, o governo federal concedeu por cinqüenta anos
à ICOMI – Indústria e Comércio de Minérios S. A. – empresa nacional
60
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
associada à Bethlehem Steel Corporation, dos EUA, o direito de
explorar as reservas de manganês do Amapá, na Serra do Navio,
calculadas em 30 milhões de toneladas. A ICOMI construiu 194 km
de ferrovia entre a Serra do Navio e o Porto de Santana, em Macapá,
eletrificou-a por meio de uma usina termoelétrica e exporta até hoje,
1,5 milhões de toneladas de minério em média por ano,
especialmente para os EUA.
A garimpagem aurífera volta a representar importância para
a região amazônica, somente nas últimas três décadas do século
XX, mas não representa muito em termos econômicos para o País,
visto que a nação se encontra em crescente industrialização e com
a agricultura e a pecuária em franco desenvolvimento capitalista.
Por outro lado, é exatamente no território amazônico que se
desencadeia uma nova alternativa econômica para região, a
garimpagem aurífera nas últimas décadas.
As descobertas ocorreram pelo fluxo migratório no período
militar de 1964, acentuando assim a expansão capitalista na região
também através da exploração mineral. Nesta nova era, a
garimpagem aurífera desempenhou três papéis importantes: o
primeiro, serviu de incentivo ao deslocamento de pessoas de áreas
onde a marginalização social se agravara, como no Nordeste e no
Sul do País, e estas vieram para a região para servir de força de
trabalho aos projetos econômicos que chegaram para se expandir
também na mineração; o segundo, serviu de alternativa à população
na Amazônia, pela grande quantidade do exército industrial de
reserva ali transferido, e também impulsionado pelo fácil acesso à
garimpagem manual. O terceiro, representa uma nova alternativa
aos posseiros para abandonarem os conflitos pela posse da terra.
Nesta nova fase do garimpo, os “peões rodados” não foram
somente desprovidos de procedência ou de identidade, como é o
caso de alguns “peões” da agropecuária, das usinas de álcool e
indústrias de transformação de madeiras. Este ser humano não
tem direito de usar seu próprio nome, pois em muitos casos tem
que viver na clandestinidade. É chamado de Baiano, Paraíba,
Mineiro, Catarina, Gaúcho, Zé, Ruivo, Jacaré, Macaco, Tucunaré,
Metralha, Carabina, entre outros. Contudo, para qualquer “Zé” da
vida, existe mais uma vez a possibilidade de ter acesso ao “mel”. A
meta é provar o gosto doce deste produto e o brilho intenso do
ouro que o fixa em busca da colméia. É nela que pode ser
61
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
encontrado o “mel”. Este precioso produto mais uma vez atrai os
despossuídos e marginalizados.
O uso de nomes falsos ocorre para que não sejam
reconhecidos ou identificados. O anonimato e a clandestinidade
são para efetivar-se a superexploração com táticas mais apuradas,
pois o conjunto violento que envolve a garimpagem apresenta
métodos mais arrojados para produção de mais mais-valia. É
considerado ato de desconfiança querer saber o nome e a
procedência de alguém, visto que nestas áreas existem também
muitas mortes por encomenda e gente com problemas na justiça. A
estrutura e a formação da força de trabalho são semelhantes às da
peonagem da abertura das matas da última fronteira, sendo um
pouco superior a quantidade de “peões rodados”. São perfeitos
para os interesses do capital e tolerados por todas as suas
deficiências e brutalidade.
Muitos destes trabalhadores surgem com as crises, o
desemprego no País, e avolumam o exército industrial de reserva
concentrado na região amazônica nas últimas décadas. Através
desta nova alternativa, principalmente nos anos 70 e 80, “o garimpo
caracteriza-se como paliativo, uma alternativa provisória num mundo
de desemprego” (PROCÓPIO, 1992: 72). Em busca do eldorado, a
força de trabalho “chega a ser alugada, passando a não ser dona
do seu próprio destino” (PROCÓPIO, 1992: 73). Vistos como uma
mercadoria, os garimpeiros ficam flutuando na região e se instalam
onde existir a possibilidade de venda de sua força de trabalho.
Contudo, muita gente passou a depender do garimpo: “a
Amazônia detém hoje [metade dos anos 80] a maioria das áreas
garimpeiras do país, e elas são sobretudo de ouro e diamante. A
população garimpeira do Brasil é estimada em 305.000, sendo que
na Amazônia fica mais de 80% deste total” (OLIVEIRA, 1976: 63),
embora a quantidade seja motivo de controvérsia. Para PROCÓPIO
(1992: 257), “cerca de um milhão de homens estão diretamente
trabalhando junto aos garimpos de ouro” (PROCÓPIO, 1992: 257).
Torna-se difícil precisar a quantidade de garimpeiros, pois
muitos nem documentos possuem e transitam nos locais de trabalho
clandestinamente. Para o Estado e o capital, o garimpo passou a
ser estratégia para consolidar uma contra-reforma agrária na
Amazônia, tornando a população nômade, enquanto se estabelecem
os grandes grupos econômicos, inclusive legalizando a
concentração da terra. O pequeno agricultor que ainda resta, seja
62
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
ele em terras próprias, seja em posse, neste estágio da investida
capitalista, vai servir de exército industrial latente e em potencial.
O garimpo deste novo período funcionou como válvula de
escape aos problemas sociais criados na região amazônica e fora
dela. Nos processos de colonização espontânea, particular e
promovida pelo governo, o Estado não esperava um fluxo tão grande
de pessoas em busca de novas alternativas de vida, embora tivesse
conhecimento da marginalização das massas. Formou-se na região
um grande contingente de exército industrial de reserva,
acarretando sérios problemas sociais.
Para os migrantes, a alternativa imediata foi a busca da
terra e do trabalho, mas o projeto capitalista proposto para a região
não contemplava os colonos, os posseiros e os “sem-terra”. O “mel”
não estava ao alcance de todos, mas sempre tinha uma alternativa
nova de finalmente conseguir chegar até ele. O garimpo de ouro
era uma forma de chegar ao “mel”, pois o brilho do mineral precioso
passou a fazer parte do sonho dos que chegaram à região.
Se a garimpagem pode ser a alternativa para as massas
despossuídas, também é vista com bons olhos por alguns setores
do capital e o Estado dominador. Além de absorver a força de
trabalho excedente e sem alternativa de vida, retira os posseiros
das terras que se encontram em processo jurídico sobre a posse.
Neste sentido, os litígios sobre a propriedade da terra são processos
longos, e de repente aparece uma nova alternativa para a força de
trabalho, eles se sentem atraídos, abandonam a luta pela posse
de terra e vão em busca do minério.
Assim, a grande maioria dos conflitos de posse da terra na
região tiveram seu fim com a abertura dos garimpos auríferos. A
mineração de “ouro ‘atrai qualquer um’ e, ‘voluntariamente’, o
posseiro que se transforma em garimpeiro entrega ‘de mãos
beijadas’ suas terras ao latifundiário” (PROCÓPIO, 1992: 86). Também
ocorrem desistências da terra nos assentamentos, pois a corrida
em busca do ouro faz com que as pessoas abandonem a posse da
terra e também os projetos de colonização.
As causas do abandono da terra nos assentamentos não
se fundamentam apenas na alternativa aurífera, mas são fruto das
péssimas condições estruturais desses projetos de colonização,
visto o descaso por parte do Estado em detrimento dos grupos
organizados. A não permanência na terra é uma forma de fracasso,
e esta desistência é a vitória do poder econômico, militar e político
63
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
do País, pois o projeto amazônico não visa a proteger os
marginalizados que ali se fixaram, mas a favorecer o capital
constituído para a expansão e acumulação. Em regra geral, a única
alternativa oferecida à classe trabalhadora é a proletarização para
servir aos grandes conglomerados econômicos ali instalados, bem
como dar estrutura ao capital nas cidades planejadas.
Os posseiros e os colonos prestam um grande benefício
aos capitalistas, facilitam a acumulação através da expansão, pois
servem de amansadores das terras. Neste caso, tanto os colonos
como os posseiros fazem a ponte para a entrada dos grupos
econômicos. Depois de passarem por dificuldades para abertura
das matas nativas, desistem da área e o latifúndio entra. Esta é a
meta dos grupos ali estabelecidos ou querendo estabelecer-se na
região, pois desejam aproveitar a abertura já realizada pelos colonos
e posseiros.
Por outro lado, a garimpagem, tanto no passado como no
presente, em pouco contribui para o desenvolvimento da região,
pois foram “contrabandeados em sua totalidade, ontem como hoje,
o ouro e o diamante trazem principalmente a miséria” (PROCÓPIO,
1992: 80). O desvio da produção não ficou somente no ouro, “95%
do produto brasileiro de diamantes foi contrabandeado” (SABATINI,
1998: 65). Para demonstrar a real situação, “na segunda década
dos anos 80 o Uruguai se tornou um grande exportador, apesar de
não haver em seu território uma única mina” (PROCÓPIO, 1992: 118).
Neste sentido, B EZERRA , V ERÍSSIMO e U HL (1998: 22)
denunciam que “muito do ouro produzido na região de estudo [em
1993] – aproximadamente 80% – foi vendido no mercado negro,
portanto livre de impostos”. A Amazônia tornou-se rota das drogas,
contrabando de ouro e lavagem de dinheiro, contribuindo com as
estruturas de produção16 e consumo da droga para indústria do
crime. Para RIBEIRO (2000: 38), o narcotráfico e o capitalismo andam
juntos com a ilegalidade, pois através do crime os lucros não são
16
“A geografia do Narco. Os maiores produtores de maconha são: Colômbia, Belize,
Costa Rica, Jamaica, Líbano, Marrocos, México, Panamá, Paraguai, Brasil e Estados
Unidos. Na produção de cocaína, os destaques são: Colômbia, Bolívia, Equador e Peru.
(Brasil entra como potencial produtor). Na produção de ópio, destacam-se: Afeganistão,
Birmânia, Egito, Guatemala, Laos, Líbano, México, Paquistão e Tailândia. Os países
periféricos produzem as substâncias tóxicas, e o primeiro mundo consome a maior
parte da produção.” (RIBEIRO, 2000: 34).
64
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
controlados pelo sistema oficial, muito menos pelo mercado
internacional, vindo a atuar sem limites morais e reproduzindo a
exclusão social em larga escala.
Segundo ROCCO (2000: 125), as Nações Unidas estimam
que o tráfico de drogas ilícitas movimenta anualmente algo entre
US$ 500 a US$ 800 bilhões, além de financiar outras atividades
ilícitas, como tráfico de armas, guerrilhas, golpes de estado,
seqüestros, eleições em todos os níveis etc. A cocaína e o ouro
fazem a lavagem de dinheiro da indústria do crime na Amazônia.
PROCÓPIO (1992: 119) certifica:
muitos aviões que trazem a pasta da coca, ou pronta e embalada
para o consumo, chegam igualmente com mercúrio proveniente da
Alemanha Ocidental e do México, entre outros países. No Brasil é
proibido por lei o uso do mercúrio nos garimpos. Tais aeronaves não
voltam vazias. Além do ouro, transportam a cocaína, a pasta ou então
o éter, acetona e ácido clorídrico, em boa parte produzidos por firmas
norte-americanas que dominam a indústria química. Como é sabido,
tanto o ouro quanto a cocaína existem fortemente na Amazônia, em
áreas do Brasil, Peru, Equador, Bolívia, Venezuela e Colômbia.
A ilusão de riqueza ao garimpeiro é um engano, pois se
esconde por trás uma complexa máquina de intermediação: “depois
de expropriado das mãos dos garimpeiros por compradores
acobertados pelas preeminências capitalistas locais, com
considerável margem de lucro, o ouro é revendido fora do país”
(PROCÓPIO, 1992: 87). O garimpo de ouro na região é um grande
negócio para os detentores do poder político e econômico, bem
como para manter o controle e usufruir os recursos naturais com a
finalidade de concentrar riqueza.
Provando esta realidade, “no Encontro Anual da SBPC
realizado em 1983, na cidade de Belém do Pará, foi mostrado que
apenas 5% dos ‘garimpeiros’ acumulavam aproximadamente 80%
do ouro retirado até junho de 1983 em Serra Pelada” (PROCÓPIO,
1992: 87). Para o garimpeiro que fornece a força de trabalho, os
resultados são o aprofundamento da sua marginalização e a
exclusão social. Nos locais das minas, após de exaurido o minério
resta “uma profunda desestruturação da paisagem social e
ecológica local” (PROCÓPIO, 1992: 87).
A maior parte do ouro é contrabandeada e serve na lavagem
65
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
de dinheiro, e “sob vistas grossas de autoridades, diariamente
saem, pelos campos de aviação locais [clandestinos], quilos e mais
quilos do precioso metal para tomar rumos ignorados” (PROCÓPIO,
1992: 87). Na Amazônia, os únicos produtos que não precisam de
estradas são a cocaína e o ouro; devido ao seu alto valor, o
transporte pode ser feito via aérea. A exploração do homem e a
degradação dos ecossistemas, aliados à concentração capitalista,
se retratam na triste situação dos garimpos auríferos. PROCÓPIO
(1992: 90-91) define:
Na mineração do ouro, impera é a “lei da selva” onde “tudo é permitido”
para alcançar a fortuna. A estabilidade do sistema capitalista se
relaciona, ali, ao vale tudo. Nestes lugares, a importância da vida é o
que menos importa. No garimpo, conforme se ouviu, “ninguém chora
por ninguém”. Houvesse respeito à vida, há tempo, por exemplo, a
Garimpagem de Peixoto de Azevedo, em Mato Grosso, teria sido
interditada. Lá, centenas de garimpeiros mergulhadores
desaparecem e continuam a morrer no rio Peixoto. Se, por um lado,
é o ouro que atrai, e tantas vidas são desperdiçadas em sua busca
– este metal que no mundo das representações é o meio que satisfaz
as necessidades e traz recompensas através de uma vida de riqueza
- por outro lado, é a extração da mais-valia que motiva o sistema a
permitir o verdadeiro holocausto nos garimpos espalhados pela
Amazônia17 .
17
A cidade de Peixoto de Azevedo está situada nas margens da BR-163 em Mato
Grosso, próxima da divisa com o Estado de Pará. Nos anos 80 tivemos a oportunidade
de ir várias vezes à cidade. Quando Procópio se refere ao garimpo desta região, ele
está falando realmente da violência e da prostituição que ali se realizavam. Na época, à
noite, eram comuns tiroteios seguidos de mortes. As boates com prostituição e bebidas
movimentavam o ambiente local. Nos finais de semana era comum vários a assassinatos.
Os corpos eram vistos estirados nas ruas, resultado da festa na boate, pois eram
sempre acompanhadas de muita bebida alcoólica, maconha e cocaína. Em um domingo
pela manhã fomos ao cemitério local para verificar o resultado da violência. Para nossa
surpresa lá estavam alguns corpos, resultado da noite do sábado. Os mortos não tinham
ninguém para chorar por eles, alguns não tinham documentos e muito menos alguém que
soubesse de onde vinham. Neste local, as pessoas viviam em estado de guerra, e para
muitos desses, tanto fazia matar como morrer. As mortes, na maioria das vezes, era pela
disputa de mulheres nas boates. Neste local quem faz a lei são as armas e a coragem
das pessoas que ali vivem é fruto de sua brutalidade e bestialização. Outro fato que leva
muitos trabalhadores do garimpo à morte são as doenças venéreas e a malária, doenças
muito comuns na região. Hoje a cidade vive em estado harmonia, se comparado com o
período do auge da produção aurífera. Praticamente o ouro quase se exauriu e a região
sobrevive do extrativismo, da agropecuária, do comércio e da indústria.
66
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Como outra atividade qualquer, a atividade garimpeira, além
de concentrar renda nas mãos de poucos, é retirada através da
mais-valia absoluta e relativa da classe trabalhadora, além de
prestar grande serviço “aos latifundiários, contribuindo para uma
maior concentração de terras em mãos de poucos” (PROCÓPIO, 1992:
91). A procura de ouro na região serve apenas para minimizar os
problemas sociais, “enquanto se está a sua procura se esquece o
resto” (PROCÓPIO, 1992: 92) dos problemas latentes na sociedade
brasileira produzidos pelas diferenças sociais.
Enquanto isso, as áreas de garimpos vivem uma verdadeira
degradação humana, com mortes e prostituição, onde impera a lei
do silêncio promovida por jagunços e pistoleiros. A ocupação da
Amazônia é o retrato de tragédias para os povos marginalizados e
despossuídos no processo histórico brasileiro, que buscam novas
formas de subsistência. Os desempregados, os sem-terra e os semteto, que chegam de outras regiões do País passam a viver em
clima de agressão física/moral. Neste sentido, o local onde ocorreu
a maior violência contra garimpeiros de que temos conhecimento
foi em Paranaíta, no norte mato-grossense, na gleba Iindeco.
KOWARICK (1995: 235), citando JOSÉ RENATO (1985), comprova:
talvez o caso de maior violência contra garimpeiros tenha ocorrido
no garimpo de Paranaíta, no Norte do Mato Grosso, região dominada
pelos garimpos da bacia do rio Teles Pires, formador do rio Tapajós
(PA). Calcula-se em 300 o número de garimpeiros assassinados
por jagunços e policiais (...). Sofreram também sevícias e torturas
(...). A tortura de 3.500 garimpeiros inclui mulheres à frente de seus
maridos, pisoteio, surras e, por fim o assassinato. Após as servícias
muitos foram despejados na beira do rio Teles Pires; foram
encontrados ainda vários cadáveres na área.
Para OLIVEIRA (2001: 155), “a violência passou a fazer parte
do cotidiano do projeto, e a tentativa de ‘enriquecimento fácil’ tomou
conta das cidades de Paranaíta e Alta Floresta. Estima-se que mais
de 300 garimpeiros já foram mortos nessa disputa pelo ouro”. O
sinistro acorreu no dia 11 de setembro de 1979, mas “no mês de
novembro um grupo de garimpeiros encontrou 18 cadáveres
amontoados, mortos recentemente. Isto significa que a matança
naquela região ainda não chegou ao fim” (SCHAEFER, 1985: 151).
Fatos desta natureza fazem questionar sobre o modelo de
67
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Colonização da região, bem como da atitude da polícia sobre o
abuso18 de poder e da justiça do Mato Grosso (SCHAEFER, 1985:
151).
A violência no garimpo de Paranaíta também foi citada por
PIAIA (1999: 105-106). É bom lembrar que nesta época o País era
governado pela ditadura, as informações e a violência repressivas
faziam parte do cotidiano brasileiro. Nesta lógica, “o norte de Mato
Grosso é uma das regiões garimpeiras que ‘escondeu’ esses
massacres de garimpeiros” (OLIVEIRA, 1997: 65). Para BECKER (1997:
77), os garimpeiros descobrem os minérios, desbravam as áreas e
depois são expulsos, foi o que aconteceu em Rondônia, com a
exploração da cassiterita e em Paranaíta (Alta Floresta, MT) com a
exploração de ouro. Estas atitudes representam atos do capitalismo
concentrador e retratam as formas de expansão da Amazônia de
modo selvagem e brutal.
Este é apenas mais um dos casos de violência com os
despossuídos e marginalizados, retratando a brutalidade ocorrida
nas frentes de trabalho e na ocupação da Amazônia. Além de toda
a violência praticada com a população que ali chega, vivem sem
qualquer condição de higiene sanitária. São vítimas de doenças
tais como: tuberculose, leishmaniose, verminose, malária, doenças
venéreas, acompanhadas de muitos assassinatos, além de
prostituição infantil, devido a grande quantidade de indústrias do
lazer e por tornar-se esse negócio muito lucrativo. Neste sentido,
nas regiões de garimpo existem muitas casas de prostituição, sendo
um dos comércios mais importantes das áreas garimpeiras.
No ano de 1987 tivemos a oportunidade de verificar in loco
a região garimpeira, para entender como funcionam os garimpos
na região amazônica. Além de visitar a cidade de Peixoto de Azevedo,
visitamos também a área garimpeira, local de extração do minério.
Acompanhamos a garimpagem aquática, no rio Peixoto, na altura
em que recebe como afluente o rio Braço do Norte, e o garimpo
terrestre por vários dias nesta região. Constatamos que há duas
modalidades de extração de ouro: a terrestre e a aquática. Tanto a
18
SCHAEFER JOSÉ RENATO. As migrações rurais e implicações pastorais. Um estudo das
migrações campo – campo do sul do País em direção ao norte do Mato Grosso. São
Paulo: Edições Loyola, 1985. Neste livro, o autor relata os assassinatos dos garimpeiros
e das prostitutas e os requintes de crueldade aplicados na tortura e morte pela polícia em
Paranaíta, no Estado de Mato Grosso.
68
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
extração aquática quanto a terrestre utilizam de quatro a seis
pessoas por equipe de trabalho. A exploração aquática necessita
dos seguintes equipamentos: uma balsa que flutua na superfície
do rio, se deslocando quando necessário; uma motobomba, com
mangueiras para sugar o lodo no fundo do rio; uma caixa
concentradora, em cima da balsa; equipe de mergulhadores
equipados com roupas de mergulho.
O mergulhador fica no fundo do rio controlando a mangueira
para sugar o lodo em uma profundidade de 10 a 15 metros ou
mais, através da força sugadora da motobomba. Neste processo,
muitas vidas são ceifadas, pois ocorrem muitos desmoronamentos
nas crateras, soterrando os garimpeiros ou porque são arrastados
por troncos de árvores pela força das águas. Além de usarem
equipamentos e roupas não adequadas nesta prática, também há
o uso indiscriminado de drogas como: cocaína, bebidas alcoólicas
e outras (PROCÓPIO, 1992:95).
Nesta modalidade, de duas em duas horas é feito o
revezamento com a equipe, o trabalho não pára dia e noite, na
maioria dos casos. O garimpeiro trabalha de forma precária na
região. No garimpo de balsa, os “acidentes de trabalho foram uma
constante no rio Madeira, onde a profundidade média varia entre
dez e quinze metros” (PROCÓPIO, 2000: 140). Sempre usam roupas
emborrachadas, não permeáveis, uma chupeta na boca para
respirar, se jogando na água com alguns pesos de chumbo,
geralmente amarrados na cintura e nas pernas para mantê-los no
fundo do rio. Este procedimento abre verdadeiras crateras,
removendo o fundo do rio, sendo todo o material jogado em uma
caixa com uma banca em declive forrada com carpete ou pano,
pois, na passagem do material, o ouro, por ser mais pesado, fica
retido neste carpete. A cada três ou quatro dias é feita a limpeza
destes carpetes, retirando o ouro com auxílio de mercúrio e, no
final, parte deste mercúrio é jogado nas águas, e outra, na
atmosfera.
O mergulhador, nesta técnica, fica em constante perigo de
vida. O proprietário das balsas constrói uma casa flutuante onde
administra todo o trabalho. Também é o local onde os garimpeiros
fazem suas refeições, descansam e dormem. A alimentação é feita
por um peão conhecido por “Cuca19 “. Deste local o proprietário das
balsas pode administrar várias equipes de trabalho, tendo às vezes
a tarefa de coletar o ouro. O proprietário necessita inicialmente de
69
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
certa quantidade de capital disponível, para poder bancar toda a
infra-estrutura como: máquinas, equipamentos, alimentação,
transporte e combustível.
Na outra modalidade, a extração de ouro terrestre, usamse duas motobombas, com duas mangueiras. Uma caixa nos
mesmos moldes da aquática, pois o processo é o mesmo. As
motobombas têm funções distintas. A primeira serve para lançar
água sobre pressão, desintegrando os sedimentos. A segunda tem
a função de sugar aquele lodo removido, fazendo a mesma
operação da mangueira aquática. As mangueiras têm duas funções:
uma de jogar jatos de água para desintegrar os sedimentos, a outra
para sugar os sedimentos removidos até a caixa concentradora. O
processo de apuração é o mesmo das operações aquáticas, usando
sempre o mercúrio para facilitar a separação de outras misturas e
também para diminuir as perdas.
Em qualquer das modalidades de extração de ouro não
existe vínculo empregatício entre o proprietário das balsas que faz
a ponte entre o capital e os peões do garimpo. A violência está
presente em toda parte. Para melhor esclarecer, KOWARICK (1995:
133) retrata as reais condições:
a garimpagem é um capítulo à parte da história da Amazônia e espelha
a luta pela sobrevivência, assim como a violência praticada pela
polícia militar, jagunços e as “quadrilhas organizadas”. São vítimas
peões (trabalhadores rurais sem-terra) e os índios, o meio ambiente
contaminado pelo mercúrio e a degradação. Na verdade, a produção
de ouro é muito maior do que a registrada oficialmente e com certeza
é exportado pelas “quadrilhas organizadas”, as “máfias” que atuam
impunemente no Brasil e em especial na Amazônia legal.
Isso pode ser ilustrado através do estudo realizado pela
equipe do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia –
Imazon, no que diz respeito à garimpagem de ouro na região. Através
de estudo de caso, avaliam a questão trabalho, finanças e impacto
ambiental. Este foi realizado no Sudoeste do Estado do Pará,
19
Cuca é um trabalhador muito comum na área garimpeira, na extração de árvores e nos
projetos agropecuários, exerce a função de cozinheiro. Também organiza os horários
para refeições, visto que a rotatividade de trabalhadores é constante. Deve sempre
obedecer os intervalos necessários entre o espaço de tempo para o mergulho, isto
quando a garimpagem for aquática.
70
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
servindo de referência para outras regiões. Os pesquisadores
fizeram entrevistas e acompanhamento de todo o processo de
garimpagem neste local. A equipe entrevistou 55 proprietários de
garimpos, 155 trabalhadores, 15 comerciantes e 12 transportadores.
Os pesquisadores B EZERRA , V ERÍSSIMO e U HL (1996: 10) nos
demonstram, através de seus estudos, os resultados das
características da garimpagem:
em 1993, havia 245 garimpos na região de estudo. Deste total 60%
tinham acesso por via aérea, 35% podiam ser alcançados por via
fluvial e 5% por via aérea, fluvial e rodoviária. A maioria dos garimpos
(216 de 245) eram do tipo “fechado” e empregavam 15.120 pessoas.
Os 29 garimpos restantes eram “abertos” e envolviam 14.500
pessoas. A população dos 18 garimpos que visitamos (10 “abertos”
e 8 “fechados”) era dividida em empregados de mineração (75%),
prostitutas (9%), proprietários (6%), comerciantes (4,8%) e
transportadores (1,2%). Grande parte dos garimpeiros, proprietários
e comerciantes na região de estudos veio do Estado do Maranhão. A
maioria teve pouca educação e uma pequena experiência de
agricultura de corte e queima. Os trabalhadores da mineração
distinguem-se dos proprietários e comerciantes em dois aspectos:
1) eram jovens (idade média 23 anos vs. 40-42 dos donos e
comerciantes); e 2) geralmente solteiros (70% solteiros vs. 0-10 de
solteiros entre proprietários e comerciantes).
QUADRO DEMONSTRATIVO SOBRE A PRODUÇÃO AURÍFERA COM
MÁQUINAS COM POTÊNCIA BAIXA, MÉDIA E ALTA REALIZADO NA
REGIÃO DE TAPAJÓS, NO ESTADO DO PARÁ (1996).
Potência Prod.Kg/ano R enda U S$ C usto em U S$ Lucro em U S$
Baixa
2,6
30.000
27.400
2.600
M édia
3,7
43.000
35.400
7.600
Alta
7,20
84.000
55.000
29.000
Fonte: Elaboração própria com base em Bezerra, Veríssimo e Uhl (1996: 12).
No estudo, observa-se uma lucratividade crescente,
conforme a potencialidade das máquinas, a produção aumenta,
enquanto os custos permanecem baixos. Sendo assim, a margem
de lucro é de 9% para baixa potência, 17% para média potência e
34% para alta potência (BEZERRA, VERÍSSIMO e UHL, 1996: 12). Estes
resultados demonstram uma cadeia de explorados, em que o
71
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
pequeno proprietário das máquinas, a princípio, suga sua força de
trabalho, depois a entrega às mãos de grupos organizados,
demonstrando, assim, a existência de cadeia na exploração da maisvalia.
A força de trabalho, quando tem dinheiro, quase sempre
gasta o que tem, “os garimpeiros alugam carros, fecham bares,
restaurantes, casas noturnas e se sentiam um pouco donos do
mundo” (MARTINS, 1991: 68). Dentro da indústria dos garimpos existe
também a indústria do divertimento. Neste cenário, em média, uma
típica boate “que emprega 8 prostitutas, teve um lucro superior a
US$ 100.000/ano, aproximadamente 8 vezes mais do que o lucro
de uma equipe que opera um par-de-máquinas de alta potência”
(BEZERRA, VERÍSSIMO e UHL, 1998: 15).
Já os comerciantes ficam com lucro médio que varia de US$
5.000 a US$ 30.000/ano. Cada trabalhador do garimpo “ganha de
US$ 2.000 a US$ 6.000 por ano. Em geral, estes ganhos são gastos
nos povoados dos garimpos: dois terços gastos em boates com
bebidas alcóolicas e prostitutas, 10% com transporte, 7% com saúde,
13% eram enviados para as famílias em outras cidades ou estados
e outros 7% correspondiam a gastos com necessidades básicas”
(BEZERRA, VERÍSSIMO e U HL , 1998: 17). O processo de trabalho
garimpeiro é semelhante ao que ocorre nas fazendas da
agropecuária e da indústria do extrativismo florestal. Nestes locais
se faz necessário manter os trabalhadores endividados e possibilitar
que gastem o que ganham, enquanto os proprietários dos garimpos
e comerciantes investem em fazendas de gado, agricultura, mercado
financeiro e outros.
A grande fatia dos lucros não fica para o pequeno
proprietário das máquinas e o garimpeiro, mas com os
atravessadores deste mercado e os grandes mineradores, e
principalmente com a lavagem de dinheiro através do comércio
clandestino. Alguns barões da droga e do ouro, através do tráfico e
do contrabando, conseguem acumular grandes fortunas. O mesmo
que acontece com o monopólio da terra, também acontece na
mineração, pois são grandes complexos capitalistas que objetivam
a concentração da renda através da exploração do trabalho. Este
fato coloca “a exploração dos recursos minerais em grande escala
e configura uma nova fase na expansão da fronteira. Ao lado da
busca de ouro nos garimpos, já antiga na região, grandes projetos
minerais, controlados por join ventures, empresas estatais e/ou
72
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
estrangeiras, iniciam a nova fase industrial da fronteira nos anos
80” (BECKER, 1996: 62).
Assim é com o desenvolvimento da região e a criação do
Programa Grande Carajás – PGC. BECKER (1996: 67) destaca que:
no final dos anos 70, (...) se configura a estratégia do Estado para a
nova fase da fronteira e da indústria da exportação mineral em grande
escala. Proposto pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – a
maior exportadora mundial de ferro – e endossado pelo Estado, o
‘Carajazão’ propõe-se a ser o maior projeto de desenvolvimento
integrado do mundo.
Com a finalidade de demonstrar o poderio mineral desta
região, CARUSO e CARUSO (2000: 242) avaliam que:
a Amazônia não é apenas um monte de árvores. Para o estrangeiro
representa mais do que tudo, um imenso depósito de recursos
naturais. Apenas na província metalífera de Carajás, numa área de
600 por 300 quilômetros, encontram-se 18 bilhões de toneladas de
ferro, 84 milhões de toneladas de manganês, aproximadamente 164
toneladas de ouro, um bilhão e duzentos e cinqüenta milhões de
toneladas de estanho, 87 milhões de toneladas de níquel, oito
milhões e meio de toneladas de zinco, um milhão de toneladas de
tungstênio. O ferro, mineral típico dos terrenos mais antigos, encontrase com relativa facilidade em todo o mundo e por isso é mais barato.
Agora, esse de Carajás, no sul do Pará, possui um teor altíssimo, de
mais de 60% de ferro.
A Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, a maior
concentração mundial de ferro, está localizada no Estado do Pará,
na grande Amazônia (BECKER, 1997: 67). Até o final da década de
90 era uma empresa estatal, depois passou às mãos da iniciativa
privada. No entanto, a Vale do Rio Doce, “antes mesmo de sua
privatização, era a maior exportadora de minério de ferro do mundo”
(BIONDI, 1999: 22). Mesmo não se sabendo em profundidade a
quantidade de recursos minerais na área, “às vésperas do leilão,
foi confirmada a descoberta de imensas jazidas, inclusive de ouro,
ainda não devidamente estudadas (‘medidas’) pela empresa e que
ficaram fora do preço fixado” (BIONDI, 1999: 28).
A empresa foi vendida no processo de privatizações20 do
País por 3,13 bilhões de dólares no final da década de 90 do século
73
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
XX, e ficaram 0,7 bilhões de reais em caixa. O grupo comprador
obteve “um lucro de 1,25 bilhões de reais em 1999, para um
faturamento de 4,4 bilhões de reais” (BIONDI, 2000: 16). No entanto,
neste mesmo ano, enquanto a classe média do País pagou 27,5%
de Imposto de Renda, o mesmo grupo pagou 0,5%, ou seja, 5
milhões de reais (BIONDI, 2000: 16). Fatos desta natureza denunciam
o comprometimento entre o Estado e os grupos organizados na
Amazônia brasileira, pois neste local acontece a destruição da
natureza acompanhada do roubo e da fraude legalizada.
Além do descaso com os brasileiros e de entregar o
patrimônio público aos grandes conglomerados nacionais e
internacionais, as pesquisas mais apuradas para a descoberta dos
minerais estão sendo feitas por satélite e com tecnologia dos países
dos centros do capitalismo, ou seja, Estados Unidos, Japão e alguns
países da Comunidade Européia.
As descobertas e o controle da Amazônia vêm de longas
datas. Neste sentido, “entre 1966 e 1970, cerca de 22% das
descobertas foram feitas unicamente pelas empresas internacionais
ou pelos seus testas-de-ferro. Isto evidencia, de forma clara, a
relação entre a integração da Amazônia e a entrega dos recursos
aos grandes grupos multinacionais/nacionais/estatais” (OLIVEIRA,
1997: 35).
Na Bacia Amazônica “são 12.967 quilômetros de fronteira,
ou quase 80% do total de nossa fronteira terrestre, se incluirmos
toda a linha divisória com a Bolívia que, na sua parte sul, é platina”
(MATTOS, 1980: 123). Assim, para controle, nos últimos anos foi
instalada em Sinop, área de nossa pesquisa, uma das bases da
Nasa e outra do Sivam, além de outras em vários lugares
estratégicos da região.
O Sistema de Vigilância da Amazônia foi idealizado pelo
governo do presidente Sarney e criado oficialmente no governo do
20
Segundo Gonçalves e Pomar (2000: 26), “de 1991 a 1998 o país teria arrecadado 85
bilhões de reais com privatizações. Cálculos mostram que – mesmo desconsiderando
os preços subavaliados e o impacto social negativo – o governo perdeu pelo menos 87
bilhões de reais nas privatizações. Embora tenha produzido um abatimento contábil na
dívida interna, a privatização aumentou a dívida externa e o passivo do país. Por exemplo,
com empréstimos contraídos no exterior por empresas privadas que compraram estatais.
É o caso da Vale do Rio Doce, uma das maiores estatais brasileiras, que depois de
privatizada contraiu um empréstimo bilionário nos Estados Unidos para participar da
compra da Light, estatal de energia elétrica”.
74
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
presidente Collor. São previstas “18 estações-radar fixas e 6
estações-radar transportáveis e custo total de US$ 1,385 bilhão”
(BRIGAGÃO, 1996: 64). No processo de licitação para fiscalizar a
região, concorreram as seguintes empresas: a Thomsom da França
e a Raytheon dos Estados Unidos. O processo de licitação deixa
muitas dúvidas, pois foi considerado obscuro, vindo a motivar
protestos e acusações políticas no cenário nacional e internacional.
As acusações foram no sentido de apontar fraudes na licitação,
que favoreceu a empresa Raytheon, que ganhou a concorrência.
O interesse dos Estados Unidos era de conhecimento das
autoridades brasileiras, pois “o Presidente Bill Clinton chegou a
enviar uma carta a Itamar Franco [Presidente da República]
recomendando a escolha da empresa norte-americana. Em julho
de 1994, a Raytheon foi declarada vencedora” (BORTONI e MOURA,
2002: 15). Neste sentido “o Le Monde publicou um dossiê,
garantindo que a Raytheon venceu a licitação com ajuda dos espiões
da CIA” (BRIGAGÃO, 1996: 67).
Por outro lado, “o New York Times estampou em manchete
em fevereiro de 1995 que a Casa Branca havia pressionado o
governo brasileiro a fechar com a Raytheon, após descobrir que
concorrente francesa havia pago propina à autoridades brasileiras”
(BORTONI e MOURA, 2002: 15). Assim “o contrato assinado com a
empresa norte-americana Raytheon para tocar o projeto previa um
serviço de 1,4 bilhão de dólares” (BORTONI e MOURA, 2002: 69).
Possivelmente, os interesses hegemônicos do centro do
capital mundial objetivam o controle da região para si. Assim, a já
internacionalizada Amazônia brasileira passa estrategicamente a
servir sob o domínio dos estadunidenses, bem como aos interesses
do capital mundial. O Sivam21 e a Nasa presentes na região vêm
para consolidar o domínio e a submissão do Brasil e de toda a
América Latina.
21
Sivam – Sistema de Vigilância da Amazônia (resumo). “1994 – A Raytheon é escolhida,
sem licitação, para executar o projeto Sivam. 1995 – A imprensa denuncia, em novembro,
a existência de um grampo no telefone do ex-chefe de Cerimonial do Palácio do Planalto,
embaixador Júlio César Gomes dos Santos. As conversas que vazaram indicavam uma
estreita relação entre o funcionário de confiança da Presidência da República e o
representante da Raytheon no Brasil. 1977 – O governo federal assina, em 7 de março,
o contrato com a Raytheon para implantação do Sivam. 2001 – A câmara dos Deputados
instala em agosto uma CPI para apurar se houve irregularidades no projeto Sivam.”
(BORTONI e MOURA, 2002: 70).
75
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Com esta estratégia, o centro do capital mundial passa a
determinar de forma técnica os encaminhamentos futuros e as
condições da vida dos brasileiros, porém os custos do
empreendimento saem dos cofres do Brasil. O projeto Sivam “contará
com a mais alta tecnologia, utilizando o sensoriamento remoto de
última geração, com imagens fornecidas por satélites e dados por
radares, além de um completo sistema integrado de
telecomunicações” (BRIGAGÃO, 1996: 45).
A história de ocupação da Amazônia denuncia a entrega do
patrimônio nacional aos grupos estrangeiros e agora o controle
das informações, principalmente sobre descobertas minerais. O fato
da dominação pode ser visto nas diferentes fases da produção e
da influência dos capitalistas na região, através dos diferentes
produtos para servir ao comércio mundial. Os estudos sobre a
região, coordenados pelos estadunidenses, nos transmitem a
sensação de embrulho, de controle e principalmente de seqüestro
das riquezas naturais ali abundantes. Possivelmente, tudo isto pode
vir acompanhado da perda da soberania nacional da Amazônia e
da concretização da entrega total da região ao capital concentrador.
Estes grupos objetivam o lucro de qualquer forma, mesmo
que este proporcione a miséria para os demais povos e a destruição
dos ecossistemas, vindo a agravar-se em proporções cada vez
maiores. Além disso, a região está sendo monitorada por altas
tecnologias e satélites para o controle do espaço amazônico,
realizando as estratégias militares econômicas e políticas do centro
do capital mundial, bem como a submissão e a obediência aos
países dependentes para efetivar a dominação. Para atingir estes
objetivos, a lógica sistêmica não respeita o meio ambiente, a
soberania nacional e muito menos os homens da floresta, além de
facilitar a interferência na soberania dos demais países da América
Latina.
A expropriação dos recursos minerais da região amazônica
continua sendo grande meta do capital mundial. A região amazônica
é considerada rica em produtos minerais, como: ferro, manganês,
cassiterita, ouro, cromo, níquel, cobalto, urânio, cobre, chumbo,
titânio, prata, diamante, sal-gema, calcário, caulim, carvão, tório,
bauxita, alumínio, gás e outros. Além destes minerais, foi encontrada
na foz do rio Amazonas uma promissora região petrolífera (FERREIRA,
1980: 157). O controle das pesquisas está nas mãos dos países
76
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
exploradores de nossas riquezas naturais. Além disso, o Ministério
das Minas e Energia não possui técnicas, muito menos pessoal
preparado, que consiga acompanhar as descobertas estrangeiras
na região.
Enquanto isso, acontece uma verdadeira destruição da
natureza, também deixando profundas conseqüências sociais na
região, tudo em nome do lucro e da expansão do capital nacional e
internacional. Neste sentido, a presença dos grupos estrangeiros
na Amazônia é real, pois “o maior grupo estrangeiro instalado na
região amazônica, a British Petroleum, detém, em concessões, área
equivalente a Rio de Janeiro, Espírito Santo e Santa Catarina, 13%
do subsolo da Amazônia” (VASCONCELLOS e VIDAL, 2001: 20-21).
Na virada do milênio, o garimpo artesanal praticamente
deixou de existir. Os trabalhadores das áreas auríferas tiveram que
se deslocar para outras regiões de frentes de trabalho, ou formaram
o exército industrial de reserva nas cidades planejadas da região.
Assim, “após a corrida pelo ouro e a falência das minas, parte dessa
mão-de-obra ficou desempregada e hoje encontra-se disponível
em qualquer cidade da Amazônia” (PROCÓPIO, 1999: 159).
Exemplos desta natureza na região, podem ser vistos em
Sinop, “o bairro Jardim Boa Esperança (fusão de outros três bairros)
é um verdadeiro ‘peixotinho’, formado por pessoas que fugiram da
crise do ouro no extremo norte de Mato Grosso e vieram em busca
de melhores condições de vida para suas famílias” (SOUZA, 2001:
172). “Nestes bairros periféricos de Sinop vivem o nordestino e o
sulista ‘fracassado’, que são prestadores de serviços, única
alternativa para manter-se no sistema social e econômico” (SOUZA,
2001: 224). Estes não encontrando trabalho, passam a ingressar
nas fileiras do MST, por meio da organização em busca da terra.
Fato que vem se verificando com muita freqüência e intensidade
em Sinop e região.
Mais uma vez não foi possível alcançar o “mel”, mas o
cobiçado produto está sendo visto em todas as partes da Amazônia.
Quem não o encontra em um lugar, pode procurá-lo em outro, basta
persistir na busca e não desanimar nesta procura. Este produto
sagrado, é possível que seja disponibilizado a todos, e nesta lógica
pode estar à disposição também dos despossuídos e
marginalizados. Aqueles que insistirem na sua procura podem
77
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
encontrá-lo. Hoje, as alternativas da busca se esvaziam, que outra
possibilidade restou aos excluídos além de engrossarem as fileiras
do MST? Assim a luta continua e a vida tenta seguir...
*****
78
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
A devastação ambiental na expansão capitalista
Na Amazônia brasileira existe uma relação muito grande
entre os seres vivos e o meio ambiente. Com a chegada dos
“civilizados” na região, “devastam as terras, matam os animais,
envenenam os rios e os mares, e os homens caminham para o fim
destruindo tudo na natureza, em pleno século XX, à luz da ciência”
(ESPÍRITO SANTO, 1956: 195). A partir da interferência na região, o
homem passa a alterá-la através dos movimentos naturais ali
existentes, modificando os ecossistemas. Segundo SACHS (2002:
32), “conservação e aproveitamento racional da natureza devem
andar juntos”.
Para THOMAS-HOPE (2001:87), o papel dos fatores ambientais
no comportamento humano deve brindar as causas do
desenvolvimento, bem como as estratégias de subsistência dos
homens. Por outro lado, as mudanças nos últimos anos são rápidas
e muitas vezes irreversíveis ao meio ambiente. Isto se torna possível
pelo fato de o homem interferir de modo predatório nos diferentes
ecossistemas da região.
Neste sentido, em nome da segurança nacional,
principalmente na década de 70 do último século, os projetos
desenvolvidos pelos militares na Amazônia, tornaram-se mais
velozes e agressivos à biosfera. Através do “binômio Segurança e
Desenvolvimento, como projeção de Poder Nacional no mundo e a
necessidade de integração nacional” (S ABATINI , 1998: 56), a
Amazônia foi sendo devastada e internacionalizada. Assim, a
ditadura “não resultou apenas em crise econômica, mas também
em uma tempestade conjunta de desastres ambientais” (DEAN, 2000:
307).
Por outro lado, podemos contribuir para o desenvolvimento
do ambiente ecológico, através da “consciência de que não existe
separação entre mente e corpo, o homem e a natureza” (SHIVA,
2001: 90). Dessa forma, “o desaparecimento de uma espécie está
relacionado com a extinção de inúmeras outras, as quais ela se
liga ecologicamente nas teias e cadeias alimentares” (SHIVA, 2001:
92). A biodiversidade é “um recurso e propriedade comunitária
quando existem sistemas sociais que o utilizam segundo princípios
de justiça e sustentabilidade” (SHIVA, 2001: 92).
79
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Nesta perspectiva, a natureza “deve ser vista em seu
conjunto como a ‘herança da humanidade’ que precisa ser mantida
e manejada para garantir a qualidade de vida para hoje e para o
futuro” (GONÇALVES e POMAR, 2000: 30). Através da modernização
do sistema produtivo da grande região amazônica, “o Brasil e outros
países tropicais têm todas as condições de se tornarem
exportadores da sustentabilidade, transformando o desafio
ambiental em uma oportunidade” (SACHS, 2002: 42). Com esta nova
forma de compreensão da natureza, “a conservação da
biodiversidade deve estar em harmonia com as necessidades dos
povos do ecossistema” (SACHS, 2002: 53). A humanidade deve voltarse de forma sistemática ao “aproveitamento racional e
ecologicamente sustentável da natureza em benefício das
populações locais” (SACHS, 2002: 53).
Não é o que aconteceu na Amazônia até hoje, pois em todo
o processo de colonização da região entre o Estado e o capital, em
nenhum momento preocuparam-se em utilizar os recursos naturais
de forma sustentável. Esta também é a difícil situação dos países
do Terceiro Mundo, mas principalmente das comunidades mais
afastadas, que estão sendo agredidas e exterminadas juntamente
com os ecossistemas que orientam e determinam suas vidas.
Para S TIGLITZ (2002: 273), “a pobreza pode levar à
degradação ambiental, e a degradação ambiental pode contribuir
com a pobreza”. Isto pode ser visto através dos nativos; além de
preservarem o meio ambiente onde vivem, são detentores de vasto
conhecimento popular. Conhecimento este que está sendo pirateado
pelos interesses de grupos econômicos farmacêuticos. Em nome
da expansão capitalista na região, acontece não só a destruição
do meio ambiente onde está o homem inserido, mas do
conhecimento agregado de centenas de anos. SHIVA (2001: 101)
adverte que:
dos 120 princípios ativos atualmente isolados de plantas superiores,
e largamente utilizadas na medicina moderna, 75% têm utilidades
que foram identificadas pelos sistemas tradicionais. Menos de doze
são sintetizados por modificações químicas simples; o resto é
extraído diretamente de plantas e depois purificado. Diz-se que o
uso do conhecimento tradicional aumenta a eficiência de reconhecer
as propriedades medicinais de plantas em mais de 400%.
80
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
O imediatismo e a falta de respeito com o homem e a
natureza passam a destruir as possibilidades de avanços na
descoberta de remédios, pois estamos perdendo a oportunidade
de novas invenções no tratamento de doenças. Por outro lado, os
grupos econômicos que atuam no ramo de medicamentos se
aproveitam do conhecimento já adquirido ao longo dos tempos.
Para eles, “o conceito de agregar valor por meio da bioprospecção
esconde a remoção e destruição do valor de plantas e
conhecimento dos nativos” (SHIVA, 2001: 100).
Utilizando-se do poder capitalista, que é inerente a todo o
processo de acumulação de capitais, os grupos organizados se
beneficiam da natureza, bem como do conhecimento sobre ela, na
Amazônia. Além de destruir o conhecimento existente ou detê-lo
para si, têm à disposição leis protecionistas. Assim, “as patentes,
em última análise, são sistemas de proteção para o investimento
de capital sem habilidade de controlar o capital. Como tal, não
protegem nem povos nem sistemas de conhecimento” (SHIVA, 2001:
106).
Podemos identificar alguns dos produtos amazônicos já
patenteados no exterior. É o caso da erva espinheira-santa, pelo
laboratório Mektron japonês, com indicações antiinflamatórias; a
erva quebra-pedra, pela Fax-Chase Cancer Center, Filadélfia, nos
Estados Unidos, indicada contra a hepatite B; a erva mirapuama,
como afrodisíaco, pela Taisho Pharmaceutical, do Japão; o guaraná,
pelos Estados Unidos, cujo o extrato das sementes é usado em
coágulos, pela empresa Ciencinnati University; a erva sangue-depedra, pelos Estados Unidos, com indicações antivirais e contra
diarréias em doentes aidéticos, pela empresa Shaman
Pharmaceuticals, e outros produtos da região (HOMMA, 1999: 95).
Para SHOUMATOFF (1990: 21-22), “75 por cento dos remédios nas
prateleiras das farmácias contêm produtos da floresta tropical, mas
apenas 1 por cento das plantas nas florestas tropicais foi analisada
para obter o potencial medicinal”.
Neste sentido, “a questão da patenteabilidade da vida não
se relaciona apenas com o comércio: é, principalmente, uma questão
ética e ecológica intimamente ligada à injustiça social da biopirataria”
(SHIVA, 2001: 112). Entendemos que a diversidade amazônica se
apóia na sustentabilidade, mas esta deve estar a serviço dos povos
da floresta. Hoje, “a engenharia genética, ao mesmo tempo que
age predatoriamente sobre a diversidade biológica do mundo,
81
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
ameaça agravar a crise ecológica pela expansão das monoculturas
e dos monopólios” (SHIVA, 2001: 113).
Assim, os impactos ambientais e sociais nos países de
Terceiro Mundo são mais acentuados, pois a população das regiões
mais pobres é culturalmente mais dependente da diversidade
biológica. A pirataria na região é histórica e a saída de material
genético do Brasil acontece há muito tempo. Segundo HOMMA (1999:
97), em 1746, o primeiro recurso genético importante transferido
foi o cacau, mas o mais importante produto da Amazônia pirateado
foram as sementes de seringueiras em 1876, o que muda o eixo da
história da região, além de outros produtos com menor importância
econômica.
Além disso, os países do Primeiro Mundo usam os territórios
dos países pobres para colocar em prática experimentos, tais como:
uso de pesticidas, fungicidas, inseticidas, produtos transgênicos e
armas de guerra, além de praticar a pirataria generalizada, vindo a
comprometer os povos nativos e os ecossistemas. A expansão
capitalista se sustenta na exploração da força de trabalho, e via de
regra se apóia em práticas de monoculturas e destruição do meio
ambiente. SHIVA (2001: 127-28) nos diz:
as monoculturas estão sempre associadas à violência política – o
uso da coerção, do controle e da centralização. Sem controle
centralizado e forças coercitivas, este mundo tão rico em diversidade
não pode ser transformado em estruturas homogêneas e as
monoculturas não podem ser mantidas. As comunidades e os
ecossistemas organizados e descentralizados geram diversidade. A
globalização gera monoculturas controladas pela coerção. As
monoculturas também estão associadas à violência ecológica – uma
declaração de guerra contra as diversas espécies em extinção, mas
também controla e mantém as próprias monoculturas. Monoculturas
não sustentáveis são vulneráveis ao colapso ecológico.
As populações do Terceiro Mundo, “da Ásia, África, e da
América Latina são os últimos ‘steps’ (degraus) dos testes para
liberação de agrotóxicos nos países desenvolvidos” (PINHEIRO et
al., 1998: 129). Além de servir de cobaia para experimentos
científicos, para o estudo de herbicidas, fungicidas e todo o tipo de
produtos tóxicos, a Amazônia é também vítima da sua utilização. Na
região, no período pós-guerra do Vietnã, o Tordon, como agente
branco e laranja, foi amplamente utilizado.
82
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
É o que aconteceu na construção da barragem de Tucuruí
no Pará, pela então empresa estatal Eletronorte. Depois de várias
denúncias, as equipes responsáveis pela investigação “haviam
concluído seu trabalho, completando o levantamento da área.
Pareciam os números de uma guerra: 48 mortes; 50 abortos; mais
de 300 cães mortos; mais de 12 mil aves de terreiro mortas. Por
toda parte encontrava-se efeitos fitotóxicos dos desfolhantes”
(PINHEIRO et al., 1998: 72).
Como é sabido, no período da ditadura as informações
somente eram veiculadas quando de interesse do Estado. Os
experimentos e a utilização dos produtos agrotóxicos faziam parte
dos projetos internacionais para a região, conseqüentemente, o
governo da ditadura os apoiava. No caso brasileiro, “as estruturas
de governo foram transformadas em cartórios para proteger
graciosamente os interesses das indústrias multinacionais” (PINHEIRO
et al., 1998: 140). No entanto, passava-se à nação que a aplicação
de agrotóxicos trazia benefícios aos habitantes. Eram comuns frases
como as citadas na revista Senhor (semanal) de 29/5/85, citado
por PINHEIRO (1998: 146). “Defensivo. Uma ajuda no combate à fome”.
Era preciso condicionar a população através da mídia a
serviço do capital internacional e a mentira era dita com tom de
verdade. Hoje, os agrotóxicos continuam amplamente utilizados em
todo o Brasil e em países que compõem a Amazônia Legal.
Recentemente, “na Bolívia, no Peru e na Colômbia, aviões militares
dos Estados Unidos da América invadiram o espaço territorial desses
países para despejar nas plantações de coca o ‘spike’, um químico
semelhante ao agente laranja empregado na guerra contra o Vietnã”
(PROCÓPIO, 1999: 93).
A preocupação agora é criar plantas e produtos transgênicos
para suportar a ação dos herbicidas, assim os organismos
geneticamente alterados suportam sua ação. Na engenharia
genética e no uso do “transgênico não se observa ganhos de
produtividade; o que existe é uma economia de mão-de-obra e um
maior controle de pragas” (C ÂNDIDO et al., 1999: 10), e como
conseqüência, maior lucratividade.
Se os produtos geneticamente modificados fazem mal à
saúde ou não, pouco muda, o que importa é que as indústrias
multinacionais consigam produzir um pacote completo para a
agricultura. Este deve conter a semente geneticamente modificada
de forma híbrida, acompanhado de herbicidas, fungicidas e outros
83
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
componentes que sejam de interesse dos grupos multinacionais,
tornando o produtor dependente destes produtos de forma casada.
Neste sentido, os grupos organizados “querem fazer de nós,
brasileiros, cobaias desses experimentos” (CÂNDIDO et al., 1999: 22).
Porém, faz-se necessário questionar como estão se desenvolvendo
as experiências com a soja na Amazônia, pois o Brasil é o segundo
maior produtor do mundo. Também questiona-se como é possível
abater de forma extensiva o gado bovino em idade precoce nesta
região.
A Amazônia é um laboratório vivo e torna-se mais
interessante quando os experimentos podem acontecer sem limites.
É desta forma que a região foi e é muito importante para o modelo
capitalista mundial, pois não se faz necessário respeitar o homem
e o meio ambiente. Este é um território livre, podendo ir da
acumulação de capitais aos experimentos científicos, inclusive para
serem utilizados em guerras. Esta estratégia faz parte do poder
militar e capitalista mundial, colocado a serviço da concentração
econômica do mundo e da região.
A transgenia na agricultura aprofunda o modelo de
concentração de renda, “concentra o controle tecnológico,
concentra o poder, maximiza o uso da química ao mesmo tempo
que maximiza os riscos ao meio ambiente e à saúde de agricultores
e consumidores” (GÖRGEM, 2000: 35). Nesta perspectiva, a expansão
originária na última fronteira é motivada a degradar a região,
modifica os ecossistemas, polui e envenena os rios, vindo a modificar
toda formação integrada do meio ambiente. O modelo capitalista
imposto ao mundo moderno, que está fundado no “lucro e na
produção de mercadorias, tem sido responsável pela maioria dos
problemas sócio-ambientais” (PIAIA, 1999: 198).
Na Amazônia, o modelo expansionista dos tempos modernos
fundamenta-se na destruição da natureza e na finalidade de obter
lucro sem limitações. No que diz respeito às queimadas, só no Estado
de Mato Grosso, a Fundação Nacional do Meio Ambiente – Fema,
“identificou em 1995, a presença de 46.851 focos; em 1997, foram
23.594 focos e, em 1998, foram registrados 32.812 focos de
incêndios” (PIAIA, 1999: 201). As queimadas acontecem no período
da seca, principalmente nos meses de julho a setembro.
O órgão responsável para controlar os abusos das
queimadas indiscriminadas no Estado mato-grossense “conta
atualmente [1999] com 141 funcionários lotados na
84
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Superintendência em 18 escritórios no interior do Estado” (PIAIA,
1999: 204). O número de funcionários disponíveis não reflete a
necessidade, pois somente o Estado do Mato Grosso possui uma
área de 906.806,90 km². O Estado não coloca mais pessoal técnico
para fiscalizar, por ser conivente com o processo destrutivo,
protegendo os grupos econômicos. O Ibama “tem hoje [2000] menos
de 200 homens nessa função na Amazônia” (SCHWARTZ, 2000: 71).
Além de serem poucos os funcionários, muitos destes são
vulneráveis à corrupção, e se alguém quiser ser 100% correto em
favor da aplicabilidade das leis, corre o risco de ser impossibilitado
de atuar ou ser retirado da função.
Através do Estado, seus órgãos com o ofício de orientar e
coibir abusos ambientais e humanos na região, nos deixam dúvidas
na aplicabilidade desses objetivos. Eles nos passam a sensação
de impotentes e incapazes pelos resultados obtidos, bem como nos
transmitem insegurança e comprometimento pelas formas de
degradação do homem e do meio ambiente produzidos na Amazônia.
Em regra geral, o Estado e seus órgãos, mesmo atuando de forma
pouco convincente, se sustentam em dois princípios básicos. O
primeiro, uma atuação medíocre e com poucos resultados pela
impotência e amarras na sua atuação, vindo a sustentar-se na
omissão e na conivência, atuando com resultados que revelam a
impunidade e os favorecimentos de forma generalizada. O segundo
concretiza a tese dita por Marx e Engels: o Estado só existe em
função da propriedade privada e, assim, os indivíduos de uma classe
dominante fazem valer os seus interesses através dos órgãos
estatais comprometidos com eles.
O que nos faz chegar a esta conclusão são as formas de
atuação dos órgãos encarregados em orientar e frear os abusos
ali existentes, tanto no processo produtivo, como com o tratamento
dado ao meio ambiente. Assim, os grupos econômicos,
representados por grandes latifúndios, através dos projetos
agropecuários, madeireiros e mineradores, têm um papel
fundamental no desequilíbrio ecológico e as táticas de exploração
da força de trabalho na região.
A maioria desses grandes projetos está usufruindo do
dinheiro público através dos incentivos fiscais, e alguns deles atuam
de forma fraudulenta, devastando a natureza apenas para receber
os benefícios. Contudo, “os desmatamentos e as queimadas já
demonstram reflexos diretos no clima, na vegetação, na fauna
85
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
restante, nos solos, no ar e na conseqüente piora da qualidade de
vida da população” (KOWARICK, 1995: 210). Através das queimadas,
que retiram a cobertura vegetal, se deixa o solo exposto a altas
temperaturas, ao impacto das chuvas, e se desagrega a estrutura
do solo, levando à erosão (KOWARICK, 1995: 215).
Neste sentido, “muitas das causas de destruição são
amplamente conhecidas, tais como: incentivos falhos a investidores
ou também uma política de colonização anti-social”. (HAGEMANN,
1996: 173). Por outro lado, “grandes empresas poluidoras não
hesitam, inclusive, em contratar financiamentos com ONGs
preservacionistas para acobertarem os desastres ecológicos por
sua insustentável maneira de agir” (LEONELLI, 2000: 45). Segundo
HOMMA (1999: 106),
na Amazônia legal, cerca de 55 milhões de hectares já foram
desmatados, equivalente à soma dos Estados do Rio Grande do
Sul, Santa Catarina e Paraná. A proteção desse patrimônio genético
inclui o desenvolvimento de políticas apropriadas para frear esse
desmatamento, voltando para a fronteira interna já conquistada.
Apesar dessa imensa área desmatada, com grandes custos
ambientais e destruição da biodiversidade, há o contraste da
ampliação do apartheid urbano e rural, sem alternativa de emprego
e renda.
A Amazônia representa uma riqueza sem igual, no que diz
respeito aos recursos naturais. É fantástica. Riquíssima em recursos
hídricos, flora, fauna e minerais, mas “só 3,63% dos solos têm alta
fertilidade (...) 69,51% são considerados solos de baixa fertilidade
e ácidos (...) 16,06% são solos chamados Hidromórficos (...) 6,94%
são solos chamados Halomórficos” (KOWARICK, 1995: 80). Segundo
dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, “83%
de suas áreas são imprestáveis para a agricultura e pecuária”
(SCHWARTZ, 2000: 70). Mesmo assim, com sua fragilidade “e pobreza
de praticamente todos os solos tem sido recentemente tratada como
se fosse tão estável quanto a ‘terra roxa’ do sudeste” (DEAN, 2000:
380) e do Sul brasileiros.
A floresta nativa da Amazônia, com interferência do homem,
não consegue se restabelecer, pois ela perde a capacidade de
sustentar-se. Segundo SIOLI (1991: 60),
86
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
uma conclusão que se impõe é que a floresta cresce, de fato, apenas
sobre o solo, e não do solo, utilizando-se deste apenas para sua
fixação mecânica e não como fonte de nutrientes. A floresta se protege
das perdas de nutrientes por meio de verdadeiros estratagemas,
que possibilitam ao seu ecossistema, extremamente diversificado
em espécies e, por isso, multiestratificado, uma utilização ótima e
máxima das quantidades limitadas de nutrientes em circulação
através da cadeia de organismos que compõem este ecossistema
florestal. Estas quantidades de nutrientes não têm possibilidade de
ser renovadas ou complementadas por eventuais reservas no solo.
Concordamos com os dados sobre a fertilidade do solo, mas
isto não quer dizer que não é conveniente à colonização e aos
projetos capitalistas implantados na região. Estas terras, quando
feita a correção do solo através de insumos agrícolas, produzem
até mais que em outras áreas produtoras do País, devido à
abundância de chuvas no período do plantio e crescimento e do
clima quente o ano inteiro. A terra, mesmo não sendo muito fértil,
também se torna lucrativa para criação de gado extensivo. Além
disso, o capital pode usufruir de três benefícios extras: incentivos
fiscais oferecidos pelo Estado; grandes áreas a preços baixos e
força de trabalho à sua disposição para extrair mais-valia de forma
absoluta e relativa, tendo inclusive, o exército industrial de reserva
à disposição, de forma latente e em potencial.
Dentro desta perspectiva, o capital consegue ter lucro até
mesmo criando gado de forma extensiva, mas principalmente
plantando soja para os cavalos dos Estados Unidos e da Inglaterra.
No caso do setor de transformação de madeira, é contemplado
com “florestas que ocupam quase 68% da área, um total de
60.870.000 ha compõem cerca de 14 formações diferentes, que
variam em densidade, altura e espécies vegetais” (KOWARICK, 1995:
83).
As matas mais exuberantes “podem atingir mais de 50 metros
e são densas e formadas por árvores grossas, representam cerca
de 30% do total. As demais formações florestais, com árvores de
menor porte, variam entre 15 a 20 metros e representam 38%”
(KOWARICK, 1995: 83). Neste processo, as madeireiras vão na frente,
e os agropecuaristas chegam depois. A grande destruição das
florestas pelas madeireiras é pelo aproveitamento econômico das
árvores, pois os grandes projetos para a região são os
agropecuários.
87
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Estes grupos, através da utilização da força de trabalho e
motosserras, cortam todos os dias grandes quantidades de madeiras
como: cedro, mogno, sucupira, maçaranduba, castanheira,
seringueira etc. Após a retirada das árvores nobres, passam as
motosserras no restante e queimam para facilitar o uso do espaço
para a agropecuária. Os capitalistas nacionais e internacionais que
exploram a região, apresentam-se com o firme propósito de extrair
da natureza a maior quantidade de lucro, mesmo que seja
necessário degradar o meio ambiente, pois o objetivo maior é a
expansão para a acumulação. PROCÓPIO (1981: 152) nos revela como
é efetuada a degradação na retirada da cobertura natural, antes
das queimadas:
os tratores contribuem para a mudança de fisionomia. Nas matas
de médio porte, os peões utilizam uma grossa corrente presa a dois
tratores, que rodam paralelamente e põem abaixo árvores, arbustos
e toda a forma vegetal. A motosserra é a mais recente invenção da
técnica de derrubar árvores; no Projeto Jari, entre o Pará e o Amapá,
os peões manobram quase exclusivamente essa máquina perigosa,
que tem provocado muitos acidentes fatais. Já os herbicidas e os
desfolhantes são de uso mais simples, lança-se essa arma
bioquímica na área desejada e, em pouco tempo, as folhas caem
das copas, os caules perdem o viço e os velhos lenhos nobres
passam a lembrar aquelas árvores esgalhadas e secas que serviram
de moldura às cenas de retaliação na guerra do Vietnã, onde esses
desfolhantes foram empregados para revelar os esconderijos dos
guerrilheiros vietcongs. Os desfolhantes são lançados de avião e
em pouco tempo a árvore perde seu viço, suas folhas e morre.
Com toda esta infra-estrutura à disposição dos capitalistas,
é consumida uma boa quantidade de áreas da Amazônia a cada
ano. Para as populações nativas que se alimentam de peixes, de
aves, de animais, de frutos silvestres, do extrativismo e dos produtos
da agricultura de subsistência, isso poderá, em futuro próximo, ser
uma tragédia irreparável. Com o adiantado processo das
queimadas, do envenenamento das águas dos rios e a poluição do
ar, ocorre prejuízo também na reprodução das espécies.
Os rios sofrem agressão pelos garimpos, com o uso
indiscriminado de mercúrio, bem como pelas empresas
agropecuárias com o uso de pesticidas, fungicidas, desfolhantes e
outras formas que poluem os mananciais d’água. Desta maneira,
88
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
prejudicam o período da desova dos peixes na piracema22 e a
reprodução dos animais silvestres. O ciclo da vida é proporcionado
pela abundância das águas, também pela floresta amazônica
extensa, cujas árvores exuberantes permanecem verdes em todas
as estações do ano, abrangendo assim um número significativo de
ecossistemas, tanto no que se refere aos aquáticos como aos
terrestres, vindo a tornar-se vulnerável como potencial23 .
A floresta tropical faz parte da solução dos problemas com
o meio ambiente, é uma alternativa econômica e pode ser usada
para minimizar os problemas sociais do Brasil. Além disso,
proporcionado pelo clima favorável, com capacidade sem igual no
mundo, “o sol batendo no solo do Brasil equivale por dia à energia
gerada em 24 horas por 320.000 usinas hidroelétricas de Itaipu24 ,
a maior do mundo” (VASCONCELOS e VIDAL, 1998: 20).
Neste sentido, a floresta pode ser a alternativa energética
para a humanidade. O petróleo, recurso mineral não renovável,
está se exaurindo, e a biomassa amazônica pode ser a solução
dos problemas energéticos. O problema é que “a superestrutura
22
“Durante o período da piracema, entre novembro e janeiro, os cardumes dirigem-se às
cabeceiras dos rios para a reprodução. Os peixes desovam em águas calmas. Seus
ovos, fecundados, desenvolvem-se nos alagados marginais, onde se transformarão
em dezenas de milhares de alevinos, que, por sua vez, vão se alimentar de
microorganismos e da vegetação aquática. Quando as águas começam a baixar, os
alevinos já são peixes que voltam aos rios, reiniciando seu ciclo vital. O problema são os
rios envenenados, assoreados e com níveis reduzidos de oxigênio que impossibilitam
ou diminuem as chances de que esse ciclo seja cumprido satisfatoriamente. Na prática
cardumes inteiros morrem antes de conseguir atingir as cabeceiras dos rios. As aves
aquáticas também sofrem, obviamente, com a morte ou a doença dos rios. Seu ciclo
reprodutivo começa no final de setembro, coincidindo com o início da primavera, e
depende da existência de alimentos nos alagados que se formam com a baixa das
águas.” (ABREX JR. e OLIC,1996: 58).
23
“A floresta domina, mas tem feições diversas, distinguindo-se dois grandes grupos de
cobertura vegetal: (a) vegetação de terras inundáveis (5 a 10% da Amazônia),
compreendendo as matas de várzea, de igapó e das áreas litorâneas, e os campos de
várzea; (b) vegetação de terra firme, predominando a mata alta que com as matas de
cipó, bambu e mata seca formam 80% da área total da região amazônica, além de incluir
campos e cerrados, enclaves dentro da floresta densa ou áreas de transição em seu
entorno, mais expressivos em Roraima e Marajó. A hiléia se estende sobre uma área de
pelo menos 4.500.000 km² e abriga cerca de 1.500.000 a 2.000.000 de espécies vegetais
e minerais, das quais foram até agora classificadas no máximo 500.000, o que traduz
sua enorme riqueza e potencial em recursos genéticos. Para uns, metade das espécies
animais do planeta estariam na Amazônia; para outros, as plantas medicinais são estimadas
em 4.000, mas o seu número pode ser muito maior.” (BECKER, 1987: 84).
89
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
cultural da gasolina, movida a dólar, não admite a não ser petróleo
como fonte de energia” (VASCONCELLOS e V IDAL , 1998: 48). No
entanto, a “biomassa afigura-se como uma alternativa energética,
uma opção tecnológica e um modelo econômico e político de
desenvolvimento” (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998: 53).
Esta alternativa tem origem nos recursos naturais
renováveis, porém o petróleo assegura o não desmoronamento do
dólar. Para assegurar a hegemonia capitalista através do petróleo,
é necessária a ocupação de 70% das regiões produtoras do planeta
por forças militares norte-americanas, mesmo o sonho do petróleo
estando próximo ao seu fim, (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998: 54). Nesta
tática, “os Estados Unidos arvoram-se nos papéis de promotor
público, juiz e júri” (STIGLITZ, 2002: 95). Assim, “é difícil entender as
guerras contemporâneas sem ligá-las à questão do petróleo”
(VASCONCELOS e VIDAL: 2001: 17).
Com a biomassa25 como alternativa, podemos “solucionar
os problemas contemporâneos: o energético e o ecológico. A única
maneira de preservar a floresta em pé, renovando-a, é dar-lhe valor
econômico [e socializar em forma de benefícios à população]. Sem
isso, queimam a floresta, até para criar gado extensivo, de baixíssima
rentabilidade”. (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998: 290). Dentro desta
perspectiva “1 metro cúbico de madeira com 20% de umidade
equivale a um barril de petróleo” (VASCONCELOS e VIDAL, 1998: 290).
Não concordamos com esta tese em sua plenitude, pois, se
for para concentrar os recursos da biomassa amazônica nas mãos
24
A Usina Binacional de Itaipu faz parte do projeto entre o Brasil e o Paraguai, criado em
26 de abril de 1973. Esta usina se sustenta através dos recursos hídricos do rio Paraná.
Fica a aproximadamente 14 quilômetros da ponte da Amizade na divisa dos dois países.
Seu reservatório inundou uma área de 1.400 quilômetros quadrados, sendo 800 no lado
brasileiro e 600 no paraguaio, e os custos foram divididos entre os dois países parceiros.
É considerada a maior usina hidrelétrica do mundo, com 14 unidades de força, cada uma
gerando 765 megawatts. A inauguração desta hidrelétrica ocorreu em 1983 (SANDRONI,
1994: 178).
25
Biomassa – “Total de matéria orgânica contida em determinado espaço, incluindo
todos os animais e vegetais. Para a economia, interessa a biomassa que possa ser
utilizada como matéria-prima, especialmente na produção de energia. Com a crise do
petróleo em 1973, intensificou-se a pesquisa de novas fontes energéticas de exploração
imediata. Do estudo da biomassa surgiram, por exemplo, projetos para a produção de
combustível como etanol, o metanol (a partir da cana-de-açúcar, mandioca, madeira
etc.) e gás metano (por industrialização de detritos orgânicos). No Brasil destaca-se o
plano Pro-álcool, de produção de combustíveis para veículos.” (SANDRONI, 1994: 28).
90
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
da sociedade capitalista, o problema social dos marginalizados e
despossuídos continuará da mesma forma. Esta preocupação se
fundamenta no fato de que na região, as terras já se concentram
com os grupos capitalistas. No entanto, da forma como está a
questão da terra podemos obter algumas melhorias ambientais, e
assim atribuir valor econômico à floresta, mas isso continuará
excluindo o posseiro, o colono e os povos originários, como também
continuará sem ganhos para a população, para minimizar as
diferenças sociais. Neste sentido, na Amazônia as minorias sempre
privilegiadas ficam com os benefícios, e as maiorias despossuídas
e marginalizadas ficam sem participar deles.
Nesta perspectiva, os grandes grupos nacionais, e
principalmente, os internacionais, se estabelecem na Amazônia
brasileira para expandir seus negócios e acumular propriedades,
devastam grandes áreas florestais de forma irreversível ao meio
ambiente. Por outro lado, os países centrais asseguram a hegemonia
mundial do petróleo, às custas de forças militares, como forma de
assegurar a ditadura financeira que propaga ao mundo e concentra
o poder das comunicações, para desviar a opinião pública do
planeta. Além de dominar o mundo com poder militar e destruir o
meio ambiente, fazem dos países pobres a extensão de seus
negócios para acumular capitais. VASCONCELLOS e VIDAL (1998: 303)
nos dizem:
o jogo geopolítico estabelecido por potências hegemônicas e ONGs
mantidas por poderosos grupos de financistas e especuladores
internacionais está transformando a questão ecológica em novo
instrumento colonial de dominação. Jogam com a opinião pública
internacional com o objetivo de criar um clima que justifique a
intervenção militar externa, com o apoio dessa mesma opinião
manipulada, como correu nos massacres “cirúrgicos” sobre o povo
do Iraque, na última Guerra do Golfo.
A relação entre a devastação da Amazônia e a entrada do
capital internacional na região pode ser vista pelo alto grau de
devastação, visto principalmente após o início da ditadura em 1964,
dado o alto grau de interferência dos grupos econômicos na região.
Neste sentido, de 1500 “até o final da década de 70 [do século XX],
apenas 4% de toda a Amazônia havia sido devastada” (SCHWARTZ,
2000: 66). Em nossos dias, a área devastada atinge entre 12 a
91
AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
20% da Amazônia. Aproximando os dados, “cerca de 14% da
cobertura original da floresta Amazônica perdeu-se para virar pasto”
(VEJA, 2000: 69). Segundo o GREENPEACE, (2001: 1), “nos últimos
30 anos 15% da Amazônia brasileira foi completamente destruída”.
O tamanho da Amazônia é superior ao da área da Europa Ocidental,
mas pode num futuro próximo ser destruída.
Os dados apresentados nos fazem deduzir que
aproximadamente 14 ou 15% da cobertura florestal foi destruída
até 2002, e este é um índice pequeno de devastação pelo tamanho
da região. Por outro lado, fazendo uma projeção futura, o
pesquisador William Laurance, do Smithsonian Tropical Research
Institute, citado por VIANA (2001: 287) diz que: “até 42% da floresta
Amazônica brasileira pode estar dizimada por volta de 2020,
restando apenas 28% intocados; no pior cenário restariam menos
de 5% da floresta intocados”.
Em um levantamento, o Fundo Mundial para a Natureza,
“uma das maiores organizações ecológicas do mundo, concluiu que
dos quase 600.000 quilômetros quadrados já desmatados na
Amazônia, 180.000 quilômetros quadrados estão abandonados”
(VEJA, 2000: 69). Isto comprova que muitos projetos econômicos
realizados nos últimos anos nasceram com o objetivo de desviar
recursos da nação através dos incentivos recebidos. Uma das
condições para conseguir as parcelas de recursos por parte do
governo está condicionada com a apresentação das áreas abertas
e os projetos em pleno desenvolvimento. O problema hoje tem outras
proporções e conseqüências. Segundo WALLERSTEIN (2000: 247),
enquanto existiam outras florestas, ou zonas ainda não utilizadas, e
portanto não poluídas, o mundo e os capitalistas podiam ignorar as
conseqüências. Mas hoje estas atingem os limites da exteriorização
dos custos. Não restam muitas florestas. Os efeitos negativos da
poluição excessivamente acelerada na terra implicam impactos
graves e múltiplos, dos quais temos conhecimento através de
cientistas esclarecidos. Por isso surgiram movimentos “verdes”. Do
ponto de vista global, há apenas duas soluções: fazer com que os
capitalistas paguem os custos e/ou aumentar os impostos. Mas a
última é pouco provável, dada a tendência a reduzir o papel dos
Estados. E a primeira implica uma considerável redução nos lucros
dos capitalistas.
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Da forma como se efetiva a degradação ambiental na região,
não podemos nos iludir que algum capitalista venha a fazer algo
para evitar uma catástrofe ambiental na Amazônia, ou seguir as
orientações da Constituição Federal do Brasil no artigo 22526 , que
orienta sobre o equilíbrio do meio ambiente. Quando entram em
jogo os ecossistemas e as várias formas de apurar lucros, o poder
econômico sempre opta pela conivência do momento, acumular e
reproduzir-se dentro dos princípios capitalistas, mesmo que a
destruição da natureza seja a conseqüência imediata.
Desta forma, as leis ambientais não passam de palavras
mortas que enfeitam papéis. Em muitos casos servem para legalizar
a destruição ou para serem burladas e agredidas, sempre com a
certeza de que nada aconteça aos infratores, visto o controle
político, econômico e militar dos grandes grupos ali estabelecidos.
Contudo, no início do século XXI os povos dos países periféricos
não conseguem “romper a muralha do trinômio petróleo – dólar –
mídia” (VASCONCELLOS e VIDAL, 2001: 24). Nesta dinâmica, o projeto
capitalista mundial objetiva a concentração da renda e a
subordinação da humanidade, mesmo que para isso seja
necessário reproduzir maior desigualdade social e destruir a
natureza em nome do lucro fácil. Para PORTER e KRAMER (2003: 9),
conservando o meio ambiente estaremos protegendo a sociedade
de forma geral.
Podemos concluir com o pensamento do índio Hamawt’a,
citado por BERNA (1994: 39), para quem: “o dia em que vocês
envenenarem o último rio, abaterem a última árvore, assassinarem
o último animal, (...) quando não existirem nem flores, nem pássaros,
se darão conta de que dinheiro não se come”. Assim, o “mel” pode
ser destruído junto com a floresta tropical, pois acabar com as
florestas e com os ecossistemas também significa acabar com as
alternativas de encontrar o pote de “mel” tão sonhado e desejado
pelos marginalizados e despossuídos.
Se as flores são destruídas, as abelhas não podem
processar a doce relíquia cobiçada por todos, bem como carregar
o “mel” até a colméia e, conseqüentemente, findam as
26
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencialmente à qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
(CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988: 96).
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
oportunidades de o homem simples, do colono, dos desempregados
e dos sem-terra encontrarem o líquido doce para adoçar a si e aos
seus. Assim, a vida segue, e os rumos da humanidade ainda são
incertos, pois a cada dia que passa a Amazônia sangra e agoniza
mais, sem que nada seja feito para reverter este triste quadro de
destruição da natureza. Neste sentido, cada dia que passa deixa
mais distante do homem a conquista do “mel”, e assim a vida destes
homens, mulheres e crianças tenta seguir...
*****
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RESUMO
No processo de ocupação da Amazônia brasileira, o principal
objetivo entre Estado e capital foi instalar os projetos econômicos
para concentrar capitais. Mesmo que estes projetos ofereçam aos
marginalizados e aos despossuídos do País, apenas a alternativa
de servirem de força de trabalho aos empreendimentos, o homem
pobre também busca a terra. Enquanto o Estado organiza a
distribuição de terras em conjunto com as empresas de especulação
imobiliária, os sem teto, os sem terra e os sem emprego chegam à
região ou já se encontram lá há muito tempo, na forma de posseiros.
Os posseiros são pequenos agricultores que cultivam a terra
em pequenas proporções que servem apenas para a subsistência
de seu grupo. Não possuem titulação de propriedade das terras, e
desta maneira viveram de gerações em gerações. Muitos são
migrantes do período mais acentuado do extrativismo da borracha
ou são povos originários, civilizados ao longo dos tempos.
Podemos afirmar que na Amazônia, a partir de 1964, se
formaram três modalidades de colonização: as promovidas pelo
Estado, as promovidas por empresas de especulação imobiliária e
as promovidas pelos marginalizados e despossuídos do País, que
chegavam e tomavam posse da terra. Esta última é também chamada
de colonização espontânea e estava fora do controle do Estado
brasileiro, pois a grande maioria dos migrantes eram analfabetos e
não possuíam registro de nascimento e outros documentos
necessários para reivindicar a terra.
Neste período da ditadura, as áreas de terras eram vendidas
nas capitais dos Estados através da demonstração em mapas. O
empresário que desejasse adquirir grandes áreas de terras fazia
sua compra através dos mapas ou de terceiros que já tinham
adquirido do Estado, ou através da grilagem. Assim, este comprava
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a área muitas vezes em terras dos posseiros e das tribos indígenas.
Na aquisição das terras, o empreendimento tinha como requisito
básico comprovar que na área não existiam posseiros e muito menos
povos indígenas. Através da indústria do crime, da corrupção dos
funcionários do Estado, do poder econômico e político, eram
produzidos laudos e relatórios fraudulentos e legalizavam-se as
áreas irregulares.
Outra forma de adquirir terras é através da grilagem. Os
grileiros se apoderam ilicitamente de grandes extensões de terras,
através da obtenção de títulos falsificados. Segundo levantamento
feito pelo Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento
Agrário, em 2001, existiam 3.065 imóveis no Brasil fruto da grilagem
de terras, com uma área de 93.620.587 hectares. Estes dados nos
fazem deduzir a quantidade de processos tramitando na justiça e
também o descaso em que vivem os povos simples da floresta.
A região passou por sérias transformações, e começaram
a surgir lutas sangrentas em torno da propriedade da terra. De um
lado, os índios, os pequenos proprietários e os posseiros, do outro
lado, os grandes empreendimentos que desejavam fazer as
instalações dos projetos. Neste estágio, os grupos organizados com
o apoio do Estado, realizaram a expropriação dos povos da floresta
através da contratação de jagunços, para fazer a “limpeza” da área
adquirida.
Os jagunços são pistoleiros fortemente armados e
contratados por grileiros e empresários para patrulhar as áreas e
expulsar os posseiros e os indígenas. Quando necessário, também
são usados para adquirir mais terras e assim efetivar a concentração
da terra em mãos de poucos proprietários.
Entre 1950 e 1960, podemos observar que 84,6% das áreas
eram ocupadas por estabelecimentos agrícolas, com no máximo
100 hectares. No ano de 1975, em plena ditadura, a concentração
da terra atinge seu ponto mais alto na Amazônia: neste ano 99,8%
das terras foram para estabelecimentos com mais de 100 hectares,
e destes, cerca de 75% foram para estabelecimentos com mais de
1000 hectares. Na região da Amazônia brasileira não se realizou a
distribuição das terras, aconteceu a concentração dela nas mãos
dos grupos econômicos organizados.
Os conflitos de terras raramente chegam a uma solução,
pois os posseiros são obrigados a abandonar a propriedade através
da violência imposta a eles. Quando suas reivindicações chegam
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
aos tribunais, os posseiros não possuem condições financeiras para
contratar advogados, não possuem a documentação necessária e,
muitas vezes, quando recebem a notificação para se apresentarem
em juízo, o prazo já passou. Por outro lado, somente na região,
aproximadamente 600 camponeses foram assassinados por
pistoleiros. Entre 1985 e 1999, no período pós-ditadura, dos 1.158
assassinatos, apenas 56 pistoleiros foram julgados e só 10 foram
condenados.
Estes dados não representam a realidade da Amazônia, pois
principalmente no período da ditadura, as mortes ficavam
acobertadas pelos interesses conjuntos entre o capital e o Estado.
Além disso, quase a totalidade das mortes ficaram no anonimato, e
assim, possivelmente podemos multiplicar as mortes por dez ou
por vinte, pois os dados oficiais são falhos e não refletem a realidade
da Amazônia, bem como a forma de ocupação, principalmente nas
últimas décadas.
A estes posseiros resta a alternativa de transformarem-se
em força de trabalho aos empreendimentos da região. A força de
trabalho é contratada de três maneiras: na primeira, ela se encontra
fixa nas cidades fabricadas pelo capital; na segunda, fica flutuando
e não tem procedência, pois trabalha onde encontra trabalho; e na
terceira, os empresários importam os trabalhadores de outras
regiões do País, para suprir as necessidades de mão-de-obra local.
O quadro de trabalhadores dos empreendimentos é composto de
pessoas simples, com baixo nível educacional e pouco
conhecedores de seus direitos e obrigações.
Os peões dos projetos da pecuária realizam atividades como
derrubar a mata, a queima, o plantio de capim, a construção de
cercas e o manejo do gado. Na agricultura, o procedimento é
bastante semelhante, além da derrubada da mata e da queima,
necessitam fazer a limpeza para o plantio das sementes. As fazendas
estão localizadas em locais distantes, muitas vezes de 300 a 400
km da primeira cidade e os trabalhadores são transportados por
caminhões, caminhonetes possantes e também em tratores.
A contratação da força de trabalho raramente é realizada
pelos grupos econômicos. Esta estratégia tem como finalidade não
assumir as obrigações trabalhistas com a mão-de-obra contratada,
que realiza os trabalhos de derrubada da floresta. Entra em cena
um agenciador de trabalhadores, conhecido na região como “gato”,
que tem a responsabilidade de comandar e organizar o trabalho
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
nos empreendimentos. Nesta modalidade de contratação, os
agenciadores de trabalho assumem posições hierárquicas
diferenciadas e ficam com 50% do pagamento recebido na
empreitada.
A contratação é realizada nas cidades, na própria casa do
trabalhador, em que o agenciador deixa para a família um
adiantamento de seu trabalho, assim conforta a família e
compromete o trabalhador. Para contratar a força de trabalho
flutuante, a forma é um pouco diferente: ela é encontrada nas
pensões e pequenos hotéis, onde o trabalhador já está empenhado
com dívidas, pois a ele são fornecidos cama, comida, cigarros e
bebidas, mesmo não tendo dinheiro. Com a chegada do agenciador
de trabalhadores, ele compra a dívida como parte do pagamento
de seu futuro trabalho e o peão, parte muitas vezes sem saber
para onde está indo.
Nesta forma de trabalho, a tática é manter a força de trabalho
com dívidas. A cada 20 ou 30 dias são levados até a cidade mais
próxima para terem um final de semana de alegria. Podem envolverse em bebedeiras, bares e casas de prostituição. Na volta, sem
dinheiro e novamente endividados, o ciclo se repete, e assim o
sistema “gato” consegue com sucesso desempenhar o papel de
trabalho irregular, pois os peões não possuem registro em carteira
e benefício social algum para protegê-los.
Quando ocorrer algum acidente de trabalho, o trabalhador
fica desamparado, pois o agenciador de mão-de-obra some e, como
é sabido, ele não é possuidor de firma legalizada e o proprietário
da fazenda nega que contratou o empregado. Esta forma de
exploração de trabalhadores na Amazônia é uma das condições
impostas pelas estratégias do mundo do capital, com a finalidade
de obter mais lucro às custas da classe trabalhadora.
Os peões são submetidos a trabalhos forçados, através do
controle, pois entre 1970 a 1993 foram confirmadas 431 fazendas
que realizaram formas de trabalho escravo, destas, 308 na
Amazônia, e assim 85.000 trabalhadores foram escravizados.
Recentemente, entre os dias 7 e 13 de agosto de 2002, o Ministério
do Trabalho libertou 152 trabalhadores mantidos em cativeiro no
Estado paraense, na Amazônia brasileira. Estes dados são obtidos
através das denúncias dos próprios trabalhadores que conseguem
fugir, mas a realidade é muito diferente, muitos não formalizam as
denúncias com medo de represálias. Além disso, muitos
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
trabalhadores perdem suas vidas na clandestinidade, sem serem
conhecidos os fatos e suas histórias.
A exploração do trabalho na mineração aurífera é também
muito degradante. Nos anos 1980 se formaram na Amazônia vários
núcleos de mineração, principalmente aurífera, que serviram para
diminuir os conflitos da posse da terra. O posseiro sabe da luta
desigual quando questiona o direito à terra com os grupos
organizados. Assim, a procura do ouro e do diamante na Amazônia
fez com que ele desistisse da terra e, novamente, se efetiva na
prática a concentração da terra em mãos de poucos proprietários.
O garimpo é uma modalidade de exploração da força de
trabalho. No garimpo manual existem duas formas de conseguir o
ouro, através dos rios ou em terra firme. No rio, o garimpeiro
mergulha e suga o lodo que fica depositado no fundo, este é levado
para caixas concentradoras onde é feito o processo de separação
através do mercúrio. Na forma terrestre, uma mangueira com água
desintegra a terra e a outra transporta os sedimentos para a caixa
concentradora, cuja separação também é realizada com mercúrio.
Os garimpeiros realizam trabalhos para os donos das máquinas e
o ouro vai parar nas mãos dos grupos organizados.
Nestes locais existe muita violência no trabalho,
acompanhando o dia-a-dia de todos os que vivem na área de
garimparia. O mergulhador não usa equipamentos adequados para
proteger-se e fica muitas horas no fundo dos rios. Na Amazônia, os
rios são de grande volume de água e o mergulhador fica, muitas
vezes, a uma profundidade de 10 a 15 metros, correndo o risco de
ser atingido pelos desmoronamentos das escavações no fundo do
rio, ficando daí impossibilitado de subir, morrendo soterrado.
Também existe a possibilidade dos troncos das árvores se
enroscarem nos equipamentos através das correntes dos rios e se
chocarem com seu corpo. Neste caso, o acidente pode ser fatal.
Podemos afirmar que os garimpos são uma terra sem lei.
Nestes locais a violência anda por todas as partes e o poder maior
é o das armas, dos pistoleiros, dos matadores de aluguel e dos
grupos organizados. As pessoas passam a conviver com outras
cuja vida não têm valor: tanto faz matar como morrer. A vida nestes
locais fica entre o trabalho, os bares e mulheres, pois os
levantamentos apontam que 10% da população garimpeira é
composta de prostitutas na fase inicial de atividade. Neste sentido,
na região garimpeira, a indústria do lazer é uma forma muito lucrativa
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
ao empreendimento. O que pode ser observado é que a maioria
das pessoas são viciadas em drogas, tais como: cigarros, álcool,
maconha, cocaína, entre outras.
Outro fato que chama atenção é o destino do ouro e do
diamante. Os dados apontam que em torno de 95% do diamante é
contrabandeado e aproximadamente 80% do ouro também. A
Amazônia é rota de drogas e o ouro e o diamante servem para
lavagem de dinheiro ao crime organizado. Para esta região, está
ficando uma enorme degradação ambiental e social, a riqueza está
sendo contrabandeada de forma irregular para outros países.
A Amazônia é considerada rica em produtos minerais como,
ferro, manganês cassiterita, ouro, cromo, níquel, cobalto, urânio,
cobre, chumbo, titânio, prata, diamante, sal-gema, calcário, tório,
bauxita, alumínio, gás, petróleo e outros. Muitos desses minerais
ainda são pouco explorados e muitos destes pouco estudados
quanto à sua capacidade. Somente na área da Mineradora Vale do
Rio Doce, numa área de 600 por 300 quilômetros, encontram-se
18 bilhões de toneladas de ferro, 84 milhões de toneladas de
manganês, 164 toneladas de ouro entre outros minérios 1,25 bilhões
de toneladas de estanho, 87 milhões de toneladas de níquel, 8,5
milhões de toneladas de zinco, 1,25 bilhões de toneladas de
tungstênio, entre outros. O ferro desta mineradora possui um teor
altíssimo, acima de 60%.
Os grandes capitais investem na região, proporcionados
pelas riquezas naturais ainda pouco estudadas, e também pelas
grandes áreas de terras à disposição por preços baixos. Assim, os
indígenas também se tornam vítimas do processo de ocupação,
pois em suas terras também existem muitos minérios e madeiras
nobres que são objeto da cobiça dos grupos organizados.
Hoje 10,2 milhões de hectares, o equivalente a 20% da
Amazônia, pertence aos povos indígenas, mas apenas 32% das
terras encontram-se demarcadas. Segundo dados do governo
brasileiro, a população indígena brasileira não passa de 350.000
habitantes, e a maioria está concentrada na Amazônia. É difícil
precisar os dados, pois muitos grupos ainda não tiveram contato
com o homem civilizado. Além disso, muitos vivem nas cidades e
não fazem parte das estatísticas oficiais.
Calcula-se que no ano de 1500, por ocasião do
descobrimento do Brasil pelos europeus, a população era de
6.000.000 de habitantes. Ao longo da história, os povos originários
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
se tornaram empecilho aos interesses dos ditos “civilizados”, e
assim foram sendo exterminados. Foi o que aconteceu a partir de
1964 na Amazônia, quando os grupos organizados contratavam
jagunços para fazer a limpeza de suas áreas, passando a eliminar
indígenas e posseiros de forma brutal e sangüinária. Os métodos
para exterminar as tribos foram os mais violentos, tais como:
envenenamentos, introdução de doenças, pois o índio não tem
imunidade a gripe, sarampo, tuberculose entre outras, a violência
física, a queima de suas moradias e os assassinatos. Como temos
apontado, os militares no poder, em relação à Amazônia,
objetivavam distribuir terras aos grandes conglomerados nacionais
e internacionais e não respeitavam as populações da floresta.
As formas como foram e estão sendo eliminados ocorrem
com requintes de crueldade. É necessário conhecer um pouco da
história da Amazônia. Só assim podemos entender o processo
espoliativo das populações nativas. O interesse pela expansão de
grandes capitais com a finalidade de concentrar e centralizar
riqueza, faz da região um local de submissão, de obediência, de
controle e de violência por parte dos detentores do poder econômico
e político, sendo eles nacionais ou internacionais.
Os povos originários e os posseiros são as principais vítimas
do processo de ocupação. Os beneficiados são os grupos
econômicos que têm à sua disposição grandes áreas a preços
baixos, uma grande quantidade de recursos florestais e minerais e
mão-de-obra barata. Assim, o meio ambiente, local de extrativismo
dos povos das florestas, aos poucos está sendo atacado pelo poder
econômico e político. A devastação já atinge índices de proporções
alarmantes pela fúria da acumulação dos grandes conglomerados.
Neste sentido, os estudos apontam que aproximadamente
14 a 20% da região já foi devastada, porém até a década de 1970,
apenas 4% havia sido devastada. O futuro é incerto. Segundo
projeções do pesquisador William Laurance, do Smilhsonian
Tropical Institute, até 42% da floresta amazônica brasileira pode
estar dizimada em 2020, restando apenas 28% intocados. No pior
cenário, restariam menos de 5% da floresta intocados. Estes dados
preocupam, uma vez que a região contém de 20 a 25% de toda a
água doce do mundo, 1/3 das reservas florestais e 80% das
variedades de vida do planeta.
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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI
Outro fato importante de ser mencionado é a biopirataria
na região. Muitas ervas do conhecimento popular já foram
patenteadas por grandes laboratórios multinacionais. Podemos usar
alguns exemplos: espinheira-santa, pelo laboratório Mektron
Japonês; a erva quebra-pedra, pela Fas-Chase Cancer Center,
Filadélfia, nos Estados Unidos; a erva mirapuana, pela Taisho
Pharmaceutical do Japão; o guaraná, pelos Estados Unidos; a erva
sangue-de-pedra, pela Shaman Pharmaceuticals dos Estados
Unidos. Os estudos apontam que 75% dos remédios encontrados
nas prateleiras das farmácias contém produtos da floresta tropical,
mas apenas 1% das plantas foram estudadas.
Os recursos naturais devem fazer parte da segurança da
humanidade, devendo ser utilizados com sensibilidade e respeito
aos povos de forma geral, pois o desaparecimento de algumas
espécies está relacionado com a extinção de inúmeras outras. Os
grupos farmacêuticos têm como alvo os povos que detêm o
conhecimento popular, pois, segundo estudos, o conhecimento
tradicional aumenta em mais de 400% a eficácia de reconhecer as
propriedades medicinais de plantas.
A grande preocupação da região é devastar a floresta para
a formação de pasto para o gado bovino e extensas plantações,
principalmente de soja, ambas para servir ao mercado internacional.
Entretanto, faz-se necessário dar valor econômico às árvores. Só
assim acontece a preservação através da coleta seletiva e
planejada. Temos estudos sobre a biomassa Amazônica que a
apontam como alternativa energética, tecnológica e, principalmente,
um modelo econômico e político de desenvolvimento. Neste sentido,
a Amazônia pode solucionar os problemas contemporâneos: o
ecológico e o energético. Um metro cúbico de madeira com 20% de
umidade, eqüivale a um barril de petróleo, porém, isso deve ser
feito de maneira seletiva e planejada.
Se a lógica de utilizar as terras para criar gado bovino de
forma extensiva prosseguir, poderemos acabar com a floresta. É
preciso dar valor econômico às árvores, só assim a Amazônia
poderá ter vida no futuro, pois do contrário, teremos um enorme
deserto. Dos solos desta região, 69,51% são considerados de baixa
fertilidade, porém são muito lucrativos, existindo muitas áreas a
preço baixo, incentivos fiscais e uma grande capacidade de mãode-obra disponível. As áreas são utilizadas para produzir
monoculturas, como: soja, algodão, milho e criação de gado bovino
para o corte.
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Qual a explicação para a existência de exuberantes árvores
na Amazônia, com solos pouco férteis? A floresta tropical tem a
capacidade de se auto-sustentar através de seus resíduos – as
folhas, os galhos e os frutos. Retirando-se as árvores, serão
necessários muitos anos para que o solo se restabeleça novamente.
Este é um dos motivos mais importantes para preservar a floresta
tropical. A interferência na região deve ser de forma seletiva e
planejada, pois da maneira como está sendo ocupada, as
conseqüências da interferência se tornam irreversíveis ao
ecossistema local.
O “mel” é visto e localizado todos os dias na região, mas na
atual conjuntura o proletário não pode ter acesso ao brilho que
representa a luz, a paz e a esperança de sua libertação. Porém, a
esperança de um dia chegar até ele deve permanecer viva. Assim,
o trabalhador pode vislumbrar a possibilidade do encontro. Para a
lógica do capital é necessário mantê-lo empobrecido e empenhado,
mas não miserável. Pobre, ele mantém acesa a chama da produção,
motivado pela possibilidade de um dia ter acesso ao pote de “mel”,
objeto de sua constante busca. Se for reduzido à miséria, deixa de
lutar e perde qualquer interesse na busca do valioso produto e,
desta maneira, não reproduz as formas capitalistas de produção.
Assim, mais uma etapa de procura é vencida e não foi possível
chegar ao pote de “mel”, mas resta a certeza de que ele existe e
poucos podem acessá-lo.
Realmente o “mel” existe, mas o projeto arquitetado pelo
mundo do capital na região, definitivamente, impossibilita os homens
simples das florestas e das cidades de alcançá-lo. As reprovações
sucessivas ao longo da história fazem mais uma vez a lógica da
concentração, pois a centralização econômica é um fruto enigmático
que vai parar em mãos de poucos privilegiados, e a expansão
regional brasileira acaba nos limites geográficos da Amazônia. Os
marginalizados e despossuídos chegam ao final do espaço territorial
e o “mel” da tão sonhada Amazônia já tem dono, pertence aos
grandes conglomerados econômicos nacionais e internacionais. A
sanha desvairada do mundo concentrador se repete e mais uma
vez roubam-lhes a esperança de encontrar o “mel” na Amazônia, a
última fronteira das esperanças destes marginalizados e
despossuídos. Enquanto isso, a vida deve prosseguir...
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CONCLUSÃO DO ESTUDO REALIZADO
No processo de ocupação da Amazônia brasileira, grande
parte das terras dos povos originários e dos posseiros foi
expropriada através da violência praticada pelos grupos
econômicos, com auxílio do Estado por meio de práticas repressivas.
Nesta lógica, estes povos foram esquecidos pelo poder público,
sendo a indiferença refletida através da conivência com as atitudes
do capital organizado na região, que os retirou da terra de forma
violenta.
Nestes episódios, milhares de posseiros e povos originários
perderam suas terras e também suas vidas. Aqueles que escaparam
da morte ficaram confinados nos limites da terra, ou tiveram que se
adaptar à vida urbana e servir de força de trabalho ao capital
organizado. Das poucas terras que ainda restam com estes povos,
muitas estão sem demarcação, visto o interesse de retirar riquezas
destas áreas através da grilagem e do crime organizado. Estes
fatos contribuem para que não se limitem estas áreas, ficando os
povos indígenas vulneráveis aos interesses dos grupos econômicos,
e não sendo protegidos os povos das florestas pelo Estado que
age de forma omissa e conivente com os interesses da burguesia
nacional e internacional.
Por outro lado, para a maioria dos povos marginalizados do
País que buscam a terra, restam duas alternativas para encontrar
o “mel”: transformarem-se em proletários nos vários projetos
econômicos ali instalados; ou tornarem-se urbanos, para dar
estrutura às cidades fabricadas. Estas cidades fazem o papel de
centro do capital na região. Para este fim, muitas delas nasceram e
tornaram-se importantes na lógica do sistema expansionista,
implantado na região, principalmente nas últimas décadas do século
XX. E para os marginalizados de outras regiões do Brasil, que migram
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para a Amazônia, não restam outras opções a não ser se tornarem
vítimas da exploração do trabalho nos grandes projetos ali
instalados.
Neste processo organizado por empresas nacionais e
internacionais, a força de trabalho da abertura das matas na região,
passa a receber tratamento escravocrata. Os fatos ali ocorridos
nos apontam para um processo de superexploração e o
aniquilamento da classe trabalhadora. Podemos identificar formas
de se tratar a mão-de-obra de modo diferenciado com os centros
mundiais do capital. Na Amazônia brasileira se processa a expansão
do capital através da lógica sistêmica periférica, por meio de
mecanismos que vão além da exploração já concebida no processo
de acumulação mundial.
O trabalhador e sua família passam a subsistir e a se
reproduzir com valor abaixo do convencionado. Esse fato pode ser
visto através do não acesso aos produtos básicos: alimentação,
vestuário, moradia, ensino e remédios. Além de não ser atendido
em seus direitos básicos de saúde, de educação e de segurança,
os direitos sociais são privados aos trabalhadores, por meio de
vida social não digna e integrada. O seu estado de pobreza passa
a ser de marginalizado. Não conseguindo manter seu modo de
reprodução enquanto espécie, passam a fazer parte de suas
relações, a ausência de perspectivas de vida digna.
Nas regiões de extrativismo aurífero, podemos observar a
exploração e a violência andando juntas. O desenvolvimento
humano nesta região anda na contramão da evolução e das formas
de se tratar a humanidade. Os homens passam a ser tratados como
coisas, mas por outro lado existe a personalização da produção da
riqueza. Nesta relação de poder e de dominação do homem pelo
próprio homem, a meta principal é a busca do lucro a qualquer
preço, mesmo que esse venha a aniquilar a força de trabalho e
destruir o seu ambiente.
Além da não valorização do ser humano, a violência se faz
presente em todo o processo produtivo, através das formas de se
tratar a produção e o trabalho. O tratamento não digno passa a ser
acompanhado de mecanismos que levam os indivíduos a se
aniquilarem enquanto espécie. A mais-valia consegue ser
identificada com mecanismos de superexploração, por meio do
aperfeiçoamento da relação de trabalho ali praticada.
Por outro lado, os mais variados ecossistemas da região,
aos poucos assumem características degradantes. A poluição dos
rios e a devastação da floresta, do cerrado e do pantanal deixam
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um rastro de destruição, que está sempre acompanhado da
eliminação das espécies animais e vegetais. A biomassa e os
microorganismos da região lentamente vão sendo eliminados e em
seus lugares se forma uma paisagem diferente que contrasta com
áreas ainda não devastadas.
O grande projeto da Amazônia pode ser visto como vitorioso
para os interesses das classes dominantes. A vegetação dá lugar
às monoculturas de soja e do gado bovino, produtos que vão servir
ao mercado mundial com a finalidade de atender aos interesses
dos países dominantes. Aos povos amazônicos estão sendo
socializados os rios poluídos por mercúrio e por outros produtos
usados nas monoculturas extensivas. Também a vegetação é
destruída e queimada, para dar lugar às plantações de grãos de
soja e aos pastos. Nesta lógica, o homem passa a ser um objeto
sem muita importância, se coisificando neste projeto de expansão,
para dar lugar à produção que objetiva a exportação personalizada
e mais importante nesta relação.
Podemos concluir que o “mel” não pertence a quem
realmente produz a riqueza da região. Foi parar nas mãos dos
grupos organizados através da violência e da destruição do meio
ambiente. Aos despossuídos e marginalizados ao longo dos tempos,
restam-lhes duas alternativas para a conquista do brilho dourado
do doce “mel” por tantos almejado. A primeira é ficar flutuando de
cidade em cidade na busca de trabalho e oportunidades, visto que
as possibilidades de ser posseiro, garimpeiro, trabalhador da
agropecuária e do extrativismo florestal aos poucos, vai eliminando
o homem.
A segunda forma, embora poucos queiram entender e
aceitar, é juntar-se ao Movimento Sem Terra – MST, que constituise hoje em uma opção dos povos da Amazônia. Nesta nova ordem
estabelecida nos limites da vida e da expansão, a esperança ainda
não morreu, e assim, a vida segue mais uma vez. Concretiza-se a
triste sina de homens, mulheres e crianças no encontro dos limites
estabelecidos pelo capital. O projeto da região foi arquitetado para
não beneficiar os sofridos e marginalizados ao longo dos tempos,
mas para servir de acumulação aos grupos econômicos nacionais
e internacionais organizados. Mesmo nesta perspectiva excludente,
a vida segue – os homens, as mulheres e as crianças ainda ousam
sonhar com a primavera e as flores e poder chegar à terra
prometida...
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LISTA DE ABREVIATURAS
ADA ---------------- Agência de Desenvolvimento da Amazônia.
BASA --------------- Banco de Crédito da Amazônia S. A.
CLT ----------------- Consolidação das Leis Trabalhistas.
CNBB -------------- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
CPI ----------------- Comissão Parlamentar de Inquérito.
CPT ---------------- Comissão Pastoral da Terra.
CVRD -------------- Companhia Vale do Rio Doce.
DIEESE ------------ Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos.
GEBAM ------------ Grupo Executivo para a Região do Baixo
Amazonas.
FEMA -------------- Fundação Nacional do Meio Ambiente.
FGV ---------------- Fundação Getúlio Vargas.
FUNAI -------------- Fundação Nacional do Índio.
GETAT ------------- Grupo Executivo de Terras do Araguaia.
IBAMA ------------- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis.
IBDF ---------------- Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.
IBGE --------------- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
ICMS --------------- Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços.
ICOMI -------------- Indústria e Comércio de Minérios S.A.
INCRA ------------- Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária.
INSS ---------------- Instituto Nacional de Seguridade Social.
MST ---------------- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
MIRAD ------------- Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário.
NASA -------------- National Aeronautics And Space Administration.
PGC ---------------- Programa Grande Carajás.
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PCN ---------------- Projeto Calha Norte.
PIN ------------------ Programa de Integração Nacional.
PND ---------------- Plano Nacional de Desenvolvimento.
PROÁLCOOL ---- Programa Nacional do Álcool.
PROTERRA ------ Programa de Redistribuição de Terras.
POLAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais
da Amazônia.
SBPC -------------- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
SPVEA ------------- Superintendência do Plano de Valorização
Econômica da Amazônia.
SUDAM ------------ Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia.
SUDECO ---------- Superintendência do Desenvolvimento do CentroOeste.
SUDENE ---------- Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste.
SUFRAMA -------- Superintendência da Zona Franca de Manaus.
SIVAM -------------- Sistema de Vigilância da Amazônia.
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