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Transcrição

arte de pastorear.2p65.p65
Prefácio
Já se passaram quase quatro anos, desde que tive o privilégio
de conhecer pessoalmente o Pr. David Hansen. Ele é uma
pessoa simples, amável, sábia e muito temente a Deus. Longe
de alguém que se propõe ter todas as respostas prontas para o
ministério, o Pr. David foi, de fato, uma “parábola de Jesus”
para a nossa turma de seminário. Ele foi convidado para um
“bate-papo” com a nossa classe de Ministério Supervisionado.
Todos ficamos admirados com sua sabedoria e humildade, um
verdadeiro homem de Deus.
O Pr. David teve como mentor Eugene Peterson, um autor,
já há alguns anos muito bem conceituado nos Estados Unidos,
o qual só agora tem se destacado no Brasil, com alguns de seus
livros sendo publicados. Por isso, posso dizer que, em certo
sentido, há algumas semelhanças de seu estilo pessoal com o
de seu mentor. Aqueles que já foram expostos à leitura de Eugene Peterson e têm vontade de saber como suas idéias podem
ser aplicadas no dia-a-dia do ministério, não podem deixar de
ler essa obra. Mas como um grande aprendiz, é claro que ele
se superou na criatividade e simplicidade, resumidas nessa
inspiradora obra, conseguindo unir teologia bíblica à prática
ministerial e à espiritualidade.
Pastorear é um dom espiritual evidente no exemplo do Pr.
David. As histórias que ele conta, demonstram a sua paixão
pelas ovelhas de Deus. Além disso, ele nos dá várias idéias
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práticas de como cultivar o amor necessário para ver as ovelhas
transformadas.
Dizer que esse livro é simplesmente um livro para pastores
seria uma grande injustiça, pois este é, inclusive, um livro para
as esposas de pastores lerem, por ser rico em conselhos. As
esposas precisam estar incentivando seus maridos a serem tudo
aquilo para o qual Deus os chamou.
Elas têm um papel muito importante em ajudar a discernir
quando pessoas disfuncionais estão querendo envolver seus
maridos em relacionamentos doentios. Elas precisam entender
a dinâmica poderosa de projeção que é exercida sobre seus
maridos. A própria esposa do Pr. David, Debbie, me disse que
achava importante as mulheres da igreja conhecerem os
“podres” do seu marido, para que houvesse menos problemas
de mulheres carentes do rebanho se apaixonarem por ele. Isso
pode acontecer facilmente, pois ele, como pastor, é uma figura
masculina protetora e um guia espiritual.
Recomendo que toda esposa de pastor leia este livro, pois
abrirá os seus olhos para a tarefa muito especial e preciosa que
Deus lhe tem concedido. Além disso, as esposas dos pastores
podem tornar-se muito importantes para um ministério
frutífero e abençoado, principalmente se estão juntas nessa
grande missão, com todas as suas forças e preparo.
Pr. Edmilson Frazão Bizerra
&
Helen Shedd Bizerra
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Agradecimentos
Este livro surge de minhas experiências como pastor do
Distrito Eclesiástico Florence-Victor do Vale Bitterroot no Estado
de Montana, no período de janeiro de 1983 a abril de 1992.
Minhas histórias se passam em pequenas cidades, fazendas
extensas e montanhas desérticas. Mas este livro não é sobre o
ministério rural. Meu alvo, desde o início, é escrever um livro
que retrate o ministério pastoral em toda parte, em seus cenários
múltiplos e diversificados. Creio, simplesmente, que a melhor
maneira de fazer uma declaração abrangente sobre o pastorado
é descrever sua manifestação, num contexto bem específico.
Generalidades sobre o ministério pastoral que visem a aplicar-se
a todos os lugares poderão, afinal, não ser aplicáveis a nenhum
lugar. Mas se uma descrição do ministério do pastor, na área
rural de Montana, encaixar-se na de um pastor de ministério
urbano, a uma distância de milhares de quilômetros, então, quem
sabe, descobrimos uma mina que pode valer a pena!
Logo percebi que eu precisaria que pastores, em outros
lugares, lessem meu manuscrito, para eu saber se minhas
histórias e idéias se encaixavam nas deles. Meus leitores me
ajudaram imensamente. Além de dar um incentivo que me
era necessário no decorrer do trabalho, corrigiram-me em
muitos pontos. A crítica deles ajudou-me a escrever um livro
melhor. É claro que eu assumo toda a responsabilidade por
deficiências que haja.
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Estas pessoas leram o manuscrito inteiro ou em parte: Steve
Trotter, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Ellensburg,
Washington; Evelyn Breese, pastora da Igreja Protestante Unida
Southside, de Richland, Washington; Rob Cahill, seminarista
em Fuller Theological Seminary; Camille Richardson,
seminarista em Bethel Theological Seminary; Jim Steiner,
pastor da Segunda Igreja Batista em Boise, Idaho; Steve
Yamaguchi, pastor da Igreja Presbiteriana da Graça em
Paramount, California; Gaylord Hasselblad, pastor executivo
das Igrejas Batistas Americanas do Noroeste; Alan Poole,
pastor associado da Igreja Presbiteriana Blacknall, de Durham,
North Carolina; Lois Halls, missionária à Guatemala; Bruce
Becker, pastor da Igreja Presbiteriana Olney, em Filadélfia;
Steve Mathewson, pastor da Igreja Bíblica Dry Creek, em Dry
Creek, Montana; Dick McNeely, pastor do câmpus da
Universidade Estadual de Montana e pastor da Igreja Presbiteriana Springhill; Bill Stevenson, escritor, em Cambridge,
Massachussetts; Tim Fearer, pastor da Igreja Presbiteriana
Westminster, em Port Hueneme, California; Mike Burr, pastor da Igreja Unida de Moscow, em Moscow, Idaho; Thomas
Elson, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Lindsay, California; Bill Welch, pastor da Igreja Presbiteriana Sierra Vista,
em Oakhurst, California; e Dave Dooley, professor de química
da Universidade Estadual de Montana, em Belgrade.
Desejo agradecer às pessoas deste distrito eclesiástico de
Florence-Victor. Tiveram que arcar com o peso de conviver
com um jovem, em sua primeira tentativa de atender ao
chamado de Deus, para ser pastor. Desempenharam a tarefa
que lhes coube, com sensitividade e compreensão.
Finalmente, quero agradecer a Debbie. Ela é uma mulher
muito sensata, de profunda coragem e graça para saber aceitar
a vida, sem traumas. Em nossos vinte anos como marido e
mulher, ela vem sendo uma fonte constante de sabedoria e
liberdade. Este livro lhe é dedicado em sinal de minha gratidão,
respeito e carinho.
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Uma História Ebenézer:
Introdução
Há um rio cujos canais
alegram a cidade de Deus.
SALMO 46.4
Este livro é uma descrição do ministério pastoral. Nele
procuro responder a perguntas que surgem no decorrer do
ministério do pastor:
- que aparência tem esse ministério?
- como o pastor o sente?
- o que é?
Minhas respostas vêm de dentro para fora. Não estudei o
ministério do pastor de um ponto de vista desapaixonado,
objetivo. Escrevi como sendo a parte envolvida. Escrevi do
ponto de vista subjetivo de ser um pastor.
Quando comecei meu ministério pastoral, tinha muitos
livros de receitas específicas – os chamados livros de como fazer.
Tinha livros sobre como pregar, como administrar uma igreja,
como fazer aconselhamento pastoral e como liderar pequenos
grupos. Não me ajudaram. Os autores presumiam muita coisa.
Presumiam que eu já sabia qual era meu alvo. Que eu sabia o
que eu era e quem eu era. Presumiam que eu sabia por que eu
deveria fazer as coisas sobre as quais me ensinavam. Mas eu
não sabia o que eu era, ou quem eu era, ou por que eu deveria
fazer as coisas que era meu dever fazer. E eu não sabia como
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qualquer dessas coisas que se esperava que eu fizesse, se juntava
uma à outra, numa compreensão coerente de meu chamado
de Deus para ser pastor.
Então parei de ler livros de como fazer. Em vez disso, li
teologia, estudos bíblicos e história da igreja. Alternava entre
essas disciplinas. Esses livros das disciplinas clássicas de teologia
não me ensinaram como realizar um ministério pastoral, mas
me auxiliaram imensamente em minhas obrigações regulares.
Descobri que gastar um dia com a leitura de trinta páginas da
Dogmática de Karl Barth me ajudava mais em meu trabalho
pastoral do que cem páginas da literatura de como fazer.
Na leitura da história da igreja me deparei com uma
biografia de um pastor, The Life of Alexander Whyte (A Vida
de Alexander Whyte); com uma narração pessoal de um pastor; The Letters of Samuel Rutherford (As Cartas de Samuel
Rutherford); e com o relato fictício de um pastor, o Pastor
Zóssima em Os Irmãos Karamasov. Alexander Whyte, que
terminou sua longa carreira em princípios do século vinte, era
pastor de uma igreja grande na Escócia. Samuel Rutherford,
pastor escocês do século dezessete, escreveu as cartas dele em
tempos de perseguição. O Pastor Zóssima retrata um monge
russo do século dezenove.
Esses livros me foram muito úteis. Mas eu não sabia decifrar
o motivo pelo qual histórias sobre pastores de séculos passados
podiam me ajudar tanto. Eu julgava que me competia ser um
pastor dos tempos modernos, relevante no mundo atual à
minha volta; e esses livros eram de mundos diferentes. Só que,
à medida que lia as histórias, eu me sentia envolvido nas lutas
em que os protagonistas se empenharam, para seguir a Jesus
Cristo em suas vidas cotidianas.
As narrativas me apontaram para o fato de que o ministério
pastoral é uma vida, não uma tecnologia. Os livros de como
fazer tratam o ministério do pastor como sendo tecnologia.
Isso é ótimo em certo nível – o ministério pastoral requer
determinadas habilidades, é verdade, e eu preciso de todos os
conselhos que possa obter. Mas minha vida como pastor é muito
mais do que a soma das tarefas que desempenho. É um chamado
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de Deus que envolve minha vida toda. As histórias que li,
ajudaram-me a entender minha vida no total, de modo compreensivo. Minha vida é uma história também, e é a qualidade
narrativa de minha vida que faz acontecer meu ministério. Os
outros vêem e participam da história, à medida que é contada.
Eu descobri que, ao seguir a Jesus no dia-a-dia de minha vida
como pastor, as pessoas se encontram com Jesus, através de
minha vida.
Não é uma idéia nova. É uma observação simples e talvez
seja o princípio mais básico do evangelismo – que é através de
nossas vidas simples de amor que conduzimos as pessoas a Cristo.
O que é novo sobre este meu livro é que tento descrever
por que as pessoas encontram Jesus em nossas vidas, quando o
seguimos. Mais ainda, tentei descrever como e por que seguir
a Jesus é o princípio central do ministério pastoral, o princípio
abrangente que integra todas as tarefas.
A tese deste livro é que as pessoas encontram Jesus em nossas
vidas, porque, quando o seguimos, somos parábolas de Jesus
Cristo para as pessoas que encontramos. Este livro é uma
descrição do pastor como parábola de Jesus Cristo.
Visto que o livro foca o ministério pastoral como narrativa,
o próprio livro é uma narração, a história de minha vida como
pastor. Especificamente, é a história de minha vida como pastor no distrito de Florence-Victor, um pastorado duplo de duas
igrejas no Vale Bitterroot de Montana, onde trabalhei de janeiro
de 1983 a abril de 1992.
Este livro contém mais do que, unicamente, a história de
meu pastorado de nove anos. Ao procurar descrever e
compreender minha vida como pastor, fui obrigado, vez após
outra, a referir-me a outras experiências que tive em minha vida.
Por exemplo, descobri que não tinha escolha senão descrever
minha experiência de conversão.
Isso faz surgir a questão de saber por que a história de minha
conversão – ou qualquer uma das histórias que narro sobre a
minha pessoa – deveria ter alguma relevância para você e seu
ministério. Ao recordar minha experiência de conversão, não
quero dar a entender que você precisa ter tido uma experiência
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de conversão como a minha para ser pastor. O que quero deixar
subentendido é que sua conversão tem grandes implicações
para seu ministério. Assim como eu examinei cuidadosamente
minha experiência de conversão (e muitas de minhas histórias)
para entender meu ministério, assim também você precisa olhar
cuidadosamente sua própria experiência de conversão (e muitas
de suas histórias), para entender seu ministério.
É a beleza da narrativa. Quando você lê minha investigação
de minha experiência de pastorado, não se pede que você
apresente um xerox de minha experiência de ministério. Ao
contrário, você é convidado a investigar sua experiência de
ministério. Ao levá-lo a reboque ao longo de minha exploração,
espero que você também esteja realizando uma exploração.
No tecer deste livro estão entrelaçados histórias e trechos
didáticos. Dê atenção aos dois igualmente. As seções didáticas
ilustram as histórias, e não o inverso.
Peço desculpar os trechos no livro onde você lerá mais lentamente, porque a redação deixa a desejar. Estou ciente de minhas
deficiências como escritor, e desejaria ter facilitado a leitura
para você. Por outro lado, não peço perdão pelo fato de que o
ministério pastoral está cheio de problemas complexos, maljeitosos, que exigem uma redação complexa, maljeitosa. Descubro
que não posso escrever um livro fácil sobre um assunto difícil.
Só espero que o livro não seja mais difícil do que o assunto
merece!
Obviamente, este livro é para pastores. Mas não é só para
pastores. Espero, sinceramente, que este livro satisfaça as necessidades de dois outros grupos na igreja.
Se você está considerando ser ministro do evangelho, o
livro lhe dará uma pequena visão de como é ser pastor. Eu não
acho que os livros de como fazer podem ajudá-lo a ver e sentir
a vida de pastor. Duvido que até o melhor livro sobre como
pregar um sermão possa ajudá-lo a saber, de fato, como é pregar
um sermão. Espero que este livro possa ajudá-lo a sentir como
é pregar um sermão.
Se você é um leigo, ativo na igreja, e quer saber o que seu
pastor está enfrentando, este livro poderá ajudá-lo a entender.
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Atualmente há um distanciamento entre leigos e pastores. Os
leigos não entendem o que os pastores fazem. A maioria de
nós, pastores, também não sabe o que é que fazemos. São tempos difíceis para nós.
Admito, ainda, que com freqüência demais nós, pastores,
só reclamamos. Talvez vocês tenham razão de se cansar de ouvir
nossas lamúrias. Mas algumas vezes suas expectativas em relação
a nossos ministérios estão meio enviesadas. Às vezes vocês cobram
de nós coisas que realmente não podemos apresentar.
Hoje o elemento que mais falta nos relacionamentos entre
pastores e leigos é a confiança. A confiança vem do amor e
compreensão. Eu lhe faço um convite caloroso para que você
entre nesta narrativa como um de nós. Assuma calçar nossos
sapatos por um pouquinho.
É preciso que se diga que seu pastor talvez não acredite em
tudo que eu escrevo aqui, e que você não deve julgar seu pastor por aquilo que eu digo. (Mas, por outro lado, talvez você se
alegre de ver que as opiniões de seu pastor nem sempre
conferem com as minhas).
Finalmente, este livro é um Ebenézer. A Bíblia diz: “Então
Samuel pegou uma pedra e a ergueu entre Mispá e Sem; e
deu-lhe o nome de Ebenézer, dizendo: “Até aqui o Senhor nos
ajudou” (1Sm 7.12). Esta não era uma prática rara nos primeiros tempos de Israel. Os patriarcas empilhavam pedras para
marcar onde o Senhor se encontrara com eles. Faziam altares
onde davam graças a Deus por aquilo que ele fizera em seu
benefício. Depois, quando passavam pelas pilhas de pedras em
suas peregrinações, as pedras serviam como lembrança da fidelidade de Deus. Este livro é uma pilha de pedras que declaram
que Deus me ajudou ao longo de minha caminhada nos ermos,
como pastor.
Escrevendo este livro não reivindico ter sido um pastor
bom. Só afirmo – o que já me parece suficientemente ousado
– que tenho sido pastor. Falhei muitas vezes. Muitas vezes violei
minhas próprias melhores normas de ministério pastoral.
Revendo meu ministério, não enxergo minha fidelidade. O
que vejo é a fidelidade de Deus. Meu desempenho foi desigual.
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Deus é quem foi fiel em todos os pontos. Minha fidelidade,
até onde fui fiel, teve suas raízes na fidelidade de Deus para
com as pessoas que ele me chamou, para servir.
É um grande mistério ser um pastor. À memória da obra
fiel e misteriosa de Deus é que empilhei essas pedras.
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1
Começando
Quem recebe vocês, recebe a mim,
e quem me recebe
recebe aquele que me enviou.
Mateus 10.40
Abaixo a cabeça, descansando nas mãos o rosto, mas a mesa
está fria demais para meus cotovelos. O aquecedorzinho de fio
encapado de tecido aqueceu um pouco o ambiente; não vejo
meu hálito condensado no ar, mas a mesa de aço só se aquece
muito lentamente. Estou ficando gelado. Está frio demais para
se ler um livro.
Meu escritório é uma extensão junto ao salão social de uma
igreja rural em Montana. Não há calefação central, termostato,
nem isolamento térmico; por isso o aquecimento do salão tem
que partir do zero todos os dias. Já se passaram seis semanas,
depois do dia de Ano Novo no meu primeiro pastorado; lá
fora a temperatura é de uns dois graus, e cai uma chuva fina
de granizo com neve.
Está chovendo assim na minha alma. Não sei o que devo
fazer. Fui chamado, instruído, licenciado, ordenado. Aprendi
listas inteiras de tarefas a cumprir, mas não o que é para eu ser.
Estou com frio e com medo. Há centenas de coisas que eu
poderia fazer, se conseguisse pelo menos parar de tremer.
Na primavera os gambás procuram tocas isoladas, onde
fazem amor de gambá e criam gambazinhos. Nosso salão so-
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cial, com seus alicerces de pedra em desintegração, lhes estende
um convite quentinho. Os buracos abertos dizem melhor do
que palavras: “Que sejam bem-vindos a esta igreja”.
Somos uma igreja familiar. Procuramos fornecer o que os
casais jovens buscam. E nunca satisfizemos melhor as necessidades da família do que no caso dos Gambás. Nosso espaço
de rastejamento é escuro, seco, e as latas de lixo são sempre
viradas pelos cachorros da vizinhança. Um gambá saudável de
Montana tem o cheiro de um pneu, quando está queimando.
O cheiro acre que flutua pelo meu escritório na primavera me
faz apreciar o ar puro dos dois graus que eu inspiro no inverno.
Enquanto conjugo um verbo grego, escuto um roer no
espaço de rastejamento. Bato com os pés; o barulho pára. Volto
ao grego, e o barulho recomeça.
Será que eu deveria ter exigido condições de trabalho satisfatórias? Mas, pensando melhor, percebi algo: minhas condições
físicas de trabalho me livraram da tentação de pedir da igreja
uma descrição de trabalho. Eu já sabia o que queriam de mim:
cuidado pastoral e liderança competente, horas regulares para
atendimento e bons sermões. Esperava poder satisfazer estas
justas expectativas. Mas sabia que eu não podia deixar a igreja
dizer-me quem eu era nem como eu deveria desempenhar meu
trabalho. Afinal de contas, eles nem podiam ver que eu
precisava de mais aquecimento em meu escritório. Comecei a
questionar minha situação.
Mereço um aquecedor em meu escritório?
Sim. Mereço.
Essas pessoas são mesquinhas, sem coração?
Não, eles me pagam razoavelmente bem. Eu gosto destas
pessoas.
Por que não fazem nada quanto a meu escritório?
Não sei.
Eles têm a menor idéia do que eu faço?
Não, não têm.
Quero que as pessoas que me dão um escritório, no qual
eu enfrento hipotermia no inverno e asfixia na primavera, me
contem quem eu sou e o que deveria fazer?
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Não, não quero.
Depois de uns dois anos, o aquecedorzinho portátil quebrou
(chutei-o vezes demais, com certeza), e eu ganhei um aquecedor
de parede. Mas o piso nunca ruiu, portanto o alicerce nunca foi
consertado e os gambás ficaram. Agüentei a situação, porque
me mostrou que, embora eu sirva à igreja, eu não trabalho para
a igreja. Nunca quis tornar-me seu empregado e nunca me tornei.
O que eu me tornei foi seu pastor.
Meu empregador é Jesus Cristo. Servir a igreja é minha
resposta obediente a Cristo. Jesus é meu patrão; ele ordena meu
dia. Ficar arrepiado de frio, enquanto preparava meus sermões,
me forçou a levar a sério para quem eu estava preparando meus
sermões: para Jesus Cristo – que também não teve lugar para
descansar seus cotovelos. A igreja ganhou melhores sermões por
causa disso.
Ministério Dirigido por Tendências da Época
A biblioteca do pastor que esteve ali antes de mim,
assombrava-me. Quando deixou esta igreja, ele deixou o
ministério e abandonou sua biblioteca. Cada um de seus livros
ficou ali nas prateleiras, incólume; não levou nem um. Meus
livros foram colocados na estante, em meu outro escritório,
em outra igreja; por isso os livros dele ficaram no lugar, como
os soldadinhos de chumbo de um conto infantil que esperaram
seu comandante, obedientemente.
A biblioteca dele contava a história de seu ministério. Os
livros estavam colocados por ordem de tópicos, mas, em lugar
de “Aconselhamento Pastoral” e “Comentários”, os tópicos dele
representavam a maioria das tendências do Cristianismo dos
anos setenta, a década de seu ministério pastoral.
Ele possuiu alguns comentários estritamente conservadores,
introduções à Bíblia, uma teologia sistemática, alguns gráficos
dos tempos do fim e livros de “aconselhamento cristão”.
O movimento de crescimento da igreja estava bem
representado. Ele foi assistir a algumas conferências sobre o
assunto e comprou livros. As atas da igreja durante seu pastorado
revelam que membros do conselho assistiram às conferências
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com ele. Também mostram que ele experimentou os métodos,
mas sem resultados. Armários, gavetas da mesa e arquivos
estavam cheios de material da mesma linha, material didático,
pesquisas e propostas sobre crescimento de igrejas.
Ele teve um período como carismático. Livros sobre cura,
falar em línguas e descobrir dons espirituais estavam lá, bem
manuseados, provando terem sido lidos.
Pelos livros, ele aprendera a organizar grupos de crescimento e retiros espirituais.
Literatura de ação social de fontes evangélicas, menonitas e
católicas, ocupava um lugar, incluindo vários anos de assinaturas
de revistas dedicadas a causas sociais e ironia cristã. De tempos
posteriores em seu ministério havia uma amostragem de livros
de teologia reformada, psicologia, teologia liberal e estudos bíblicos.
Alguns membros da igreja me contaram, com profunda
tristeza, que até o fim de seu ministério ele havia perdido muito
de sua fé cristã. Sua crise de fé acabou com seu ministério. Os
livros não puderam salvá-lo.
Ele fez um bom trabalho durante todos os anos em que
tentou um movimento e depois outro. Pastoreou bem, quer
acontecesse ser dispensacionalista, carismático, organizador de
pequenos grupos, entusiasta de crescimento de igrejas ou
ativista social. Os movimentos que seguiu, realmente tinham
pouco, senão nenhum efeito sobre seu ministério, a não ser de
um modo fatal: por fim, talvez ele tenha confundido seguir
movimentos cristãos com seguir a Cristo.
A maioria dos livros e dos artigos foram escritos por cristãos
genuínos. O que deu errado?
Eu não sei o que deu errado, se bem que sua biblioteca me
apresentasse um testemunho frio. Ele e eu fomos cortados do
mesmo pano. Eu acreditei que seguir movimentos cristãos
correspondia a seguir a Cristo. Fui amamentado no cristianismo
dirigido a tendências. Cresci no auge da religião do consumidor. Era tudo que eu conhecia. Conheci cada movimento
representado na biblioteca dele. Eu mesmo tentara todos. Não
sabia se eu poderia fazer o ministério pastoral sem eles. Mas

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