O instalador português tem um elevadíssimo

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O instalador português tem um elevadíssimo
ENTREVISTA
ENTREVISTA
por RITA ASCENSO
“O instalador português
tem um elevadíssimo know-how”
Tiago Maul está à frente da Sistavac há vários anos. A internacionalização foi inevitável
e hoje esta empresa que actua em várias áreas no sector das instalações especiais está
presente em vários países. Conheça os desafios e as dificuldades para as empresas
portuguesas venderem os seus serviços fora de Portugal.
Qual a dimensão da Sistavac neste momento?
... e do modelo de negócios tradicional.
Chegámos a ter um volume de negócio perto dos 100 milhões de euros e hoje o Grupo Sistavac tem 4 grandes áreas
como seu core business: a refrigeração, o ar condicionado,
o building technologies e a manutenção. Somos o principal
player do mercado nas áreas onde actuamos suportado num
corpo de engenharia e técnicos altamente qualificados, com
larga experiência em projectos e empreitadas, com âmbito
de actuação mundial. A partir da crise de 2008 encetámos
uma série de medidas com vista a uma maior presença
internacional, identificando novos mercados e reforçando
aqueles onde já estávamos presentes.
Exactamente. Foi em 2010 que a Sistavac incrementou a
sua expansão internacional tendo Angola e Brasil como
maior foco dessa expansão, embora estejamos presentes
em Espanha desde o início dos anos 2000. Actualmente,
este mercado, também sente uma enorme recessão nas
áreas onde operamos.
Neste momento, estamos em Angola, Brasil, Espanha, Moçambique e obviamente Portugal. Não existem mercados
fáceis, quer em Angola quer no Brasil, os principais países
da nossa expansão internacional, foi muito difícil o desenvolvimento dos negócios mas felizmente está a correr bem.
Por exemplo, no Brasil, somos o único instalador de capital
português presente naquele mercado, pois o investimento
e a engenharia necessários são enormes.
O que levou a essa escolha?
O decréscimo do volume de negócios foi evidente. Quando
rebentou a crise em 2008, houve uma derrapagem das obras
existentes, um adiamento ou cancelamento dos investimentos e o mercado começou a definhar. A partir de 2011,
o incumprimento das obrigações financeiras por parte dos
clientes e principalmente pelos construtores civis começou
a subir exponencialmente, colocando os instaladores numa
situação gravíssima e a Sistavac não foi excepção. Como
consequência, tivemos que introduzir medidas restritivas à
concessão de crédito, o que reduziu ainda mais as oportunidades existentes no mercado nacional.
Esse problema foi um problema enorme e o mais grave...
Foi um problema gigantesco que iniciou no final de 2010,
cresceu exponencialmente em 2011 até que atingiu o seu
pico em 2012. Nesse ano, na área da construção e imobiliário,
29 empresas entravam em insolvência por dia. Portanto,
nós instaladores, sofremos directamente com esta recessão
porque estávamos muito dependentes destas empresas.
O mercado está organizado de forma diferente no Brasil?
Todos os mercados são distintos e o Brasil não é excepção.
Aqueles mais aproximados ao português são o de Angola e
Moçambique porque muitas empresas portuguesas foram
para esses mercados, tais como, gabinetes de projecto,
donos de obra, empresas de construção civil e, portanto,
criaram alguma influência e tentaram manter os nossos
modelos. No Brasil, não. O Brasil é completamente independente à influência europeia, todas as obras que
temos são praticamente do tipo concepção/construção,
isto é, com base em directrizes de projecto definidas pelos
clientes, temos que dimensionar e desenvolver as nossas
propostas até ao final.
Não há um projecto de execução?
Depende, no caso da Sistavac não tanto porque temos capacidade e estrutura que permite uma abordagem directa
aos donos de obra, pelo que tínhamos uma protecção maior.
Raramente. O que existe são projectos base semelhantes
aos nossos estudos prévios. O projecto de execução, que se
chama executivo no Brasil, normalmente será desenvolvido
pelo instalador que ganhe o concurso. Basicamente é isto.
A estrutura de uma empresa tem de ser totalmente distinta
ao que é necessário em Portugal e requer um investimento
muito forte em engenharia.
Mas não é o caso mais comum...
Quais são as dificuldades operacionais da Sistavac no Brasil?
Não, infelizmente não é o normal. Isto é, o normal é o
empreiteiro da construção civil representar a maioria do
volume de negócios do instalador.
Como mencionei, não existem mercados fáceis. Neste mercado, altamente xenófobo, qualquer empresa estrangeira
tem mais dificuldade em penetrar, mas em particular, uma
E financeiramente a dependência também era grande?
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empresa portuguesa ainda mais. Para evitar esse handicap,
toda a nossa estrutura é brasileira e fazemos um enorme
esforço para sermos vistos como multinacional. E tem funcionado, as coisas estão a correr melhor.
E quais foram as principais oportunidades ao mesmo
tempo?
O Brasil é distinto, nós temos que, primeiro, criar alguma
confiança nos brasileiros. A nossa vantagem como instalador
português é que eles olham para nós como possibilidade de
terem acesso a tecnologia e sermos a sua ligação à Europa.
Falamos a mesma língua, o que é uma enorme vantagem.
Como é que os brasileiros vêem a Europa? As boas
práticas estão do lado europeu ou do lado americano?
O Brasil tem uma influência norte-americana muito grande,
no entanto eu diria que quer a Europa quer os EUA estão
exactamente no mesmo patamar de estatuto em termos
de prestígio. Mas talvez seja dado mais acesso àquilo que
é norte-americano e não tanto europeu... O fácil acesso
também resulta do interesse que o Brasil sempre teve para
os norte-americanos, ao contrário para os europeus que,
de uma maneira geral, não se interessaram pelo Brasil. Só
recentemente é que os europeus viram que afinal existe ali
um país com taxas de crescimento anuais de dois dígitos,
(infelizmente, este ano a previsão de crescimento não ultrapassará os 2,4%). Antes de aparecerem os BRIC falava-se
muito na Europa de Leste, como mercados emergentes. Os
agentes económicos julgavam que este mercado seria um
paraíso. Mas, à excepção do grupo Jerónimo Martins que
conseguiu penetrar bem na Polónia, os outros grupos portugueses que tentaram expandir para este mercado, não
tiveram grandes resultados.
Para nós, portugueses, o Brasil parecia como uma tendência natural.
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dos tempos fomos nós que descobrimos o mundo, agora
temos alguma timidez em sair. Neste momento, as empresas instaladoras, estão a ser literalmente empurradas para
o mercado internacional e têm que reagir. Não têm outra
solução. No entanto, a limitação financeira é o principal
factor de impedimento.
As empresas não têm hipótese de se internacionalizar
neste momento, mas a internacionalização é a única
saída. Um paradoxo...
Hipóteses têm sempre, mas deverão ir suportadas em clientes
que lhes garantam obras e tesouraria. Endividarem-se na
banca, com juros elevadíssimos, e sem qualquer perspectiva
de poderem pagar o serviço da divida é que não.
Mesmo com um consórcio ou joint-venture, quais são as
maiores dificuldades no mercado angolano?
Com um consórcio ou joint-venture, as empresas instaladoras de menor dimensão, poderiam criar músculo para
uma abordagem nesse mercado, no entanto existe alguma
dificuldade natural entre as empresas portuguesas de se
juntarem o que tem a ver com a nossa cultura. Angola
está a criar muitos problemas de protecionismo. Além do
mais, os negócios são difíceis porque é um mercado onde
a corrupção é muito forte. A sucessão de José Eduardo dos
Santos, Presidente de Angola, e a consequente instabilidade
política é outro factor a ter em consideração.
No Brasil, no sector da construção, praticamente não existem
grandes empresas portuguesas. As que se aventuraram, já
saíram ou estão a pensar sair.
O instalador português, de uma maneira geral, tem uma boa
capacidade de aculturação, um elevadíssimo know-how mas
também tem um handicap grande. Tem alguma dificuldade
em ir para países onde não se fala português.
Mas somos muito bons no sector da instalação...
O arranque, neste mercado, é o mais complicado...
Somos, e o fenómeno a que estamos a assistir este ano
é da abordagem de empresas de engenharia da Europa
Central e do Norte para a contratação de engenheiros e
instaladores portugueses. A nossa mão-de-obra é altamente
especializada e produtiva. Executamos as obras com elevada
qualidade e com uma produtividade bem acima da média,
pelo que não é de estranhar que países como a Alemanha,
Dinamarca, França, Inglaterra, Noruega ou Suécia venham
contratar instaladores ao nosso país.
É muito difícil e podemos estar 2 ou 3 anos sem ganhar uma
única obra. A grande dificuldade que a Sistavac sentiu, no
início, era exactamente não termos obras de referência no
mercado brasileiro.
O que nos falta é dinheiro, é financiamento. Nos primórdios
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Quais foram as razões para as grandes construtoras
abandonarem o mercado brasileiro?
Eu diria que julgarmos que o Brasil é Portugal. Pois a forma
de fazer negócios é totalmente diferente. Estamos a falar de
culturas distintas. No entanto, os poucos casos de sucesso
entre as empresas de construção civil têm sido enquanto
promotores imobiliários não construtores.
O que é que nos falta a nós, Portugal, e às empresas
instaladoras para perceberem essa dinâmica e reagirem?
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No Brasil é diferente?
Sente que do lado da engenharia e do projecto o Brasil
é uma oportunidade?
Sim, claramente! O Brasil tem uma carência grande em
engenharia, em geral, e uma carência enorme em projecto, em particular. Felizmente, já encontramos alguns
dos nossos maiores e mais prestigiados gabinetes de
projecto de instalações especiais, tais como, AFA, EACE,
GET, LMSA, etc.
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Como é que esses gabinetes têm ganho os projectos?
Através da qualidade, rapidez e preços competitivos.
Preços competitivos…não quer dizer preços baixos?
Não, o mercado tem os preços inflacionados provocados
pela lei da oferta e da procura. Por outro lado, os brasileiros
estão habituados a lançar concursos como se fossem estudos
prévios, enquanto nós já com o projecto de execução. Ora
um estudo prévio é sempre mais barato do que um projecto
de execução. Tem sido uma boa oportunidade de penetrar
neste mercado, por parte dos gabinetes de projecto.
Existem três principais clientes para este tipo de empresa:
os donos de obra, os construtores civis enquanto promotores
imobiliários e os grandes gabinetes de engenharia.
Os grandes gabinetes de engenharia?
Sim, estes gabinetes que fazem projecto também são bons
clientes para as nossas empresas.
Sente que o mercado brasileiro está receptivo à eficiência
energética?
Começa a dar os primeiros passos. Acredito que até 2015
estarão próximo ao que estamos hoje em dia em Portugal.
Mais uma boa oportunidade de negócio para as empresas
de projeto e instaladoras portuguesas.
Há um Brasil muito ligado ao LEED do US Green Building
Council...
Sim, cada vez mais. O Brasil tem desde há três anos uma
preocupação com as certificações LEED pela influência norte-americana. Mesmo aqui, na Europa, a certificação LEED tem
mais força do que a BREAM. Posso dizer-lhe que a Sistavac fez o
primeiro edifício na Península Ibérica com certificação LEED Gold.
Qual é a principal preocupação de um cliente quando
contrata?
A preocupação pelo preço, pela eficiência energética ainda
muito pouco. Os promotores imobiliários que têm participação norte-americana ou europeia são sensíveis à eficiência
energética. Os promotores imobiliários brasileiros não têm
qualquer preocupação. No entanto, nas áreas da distribuição e
retalho já começamos a assistir a uma crescente sensibilização,
por partes das cadeias brasileiras, dos consumos energéticos.
Nestas áreas, as obras estão a abrandar. Os indicadores apontam para uma redução no consumo das famílias. A poupança
nos consumos dos sistemas e consequente factura energética
começa a ser uma preocupação porque as instalações são, na
maioria dos casos, altamente ineficientes.
Não haverá aí uma oportunidade para as empresas
portuguesas?
Sim. Embora já existam muitas empresas brasileiras ligadas
a este tipo de preocupações e com algum conhecimento.
Existem esses nichos de mercado que significam 10 ou 20
vezes o mercado em Portugal. A única maneira das empresas
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portuguesas terem algum sucesso no Brasil é pela inovação
e diferenciação, sem isso nem vale a pena se esforçarem.
Além disso, as empresas portuguesas deverão procurar zonas
de menor influência de empresas de São Paulo, tais como o
nordeste brasileiro, porque sendo a maioria das empresas
instaladoras de São Paulo, internamente, no Brasil, também
existe alguma segregação.
Mas temos zonas que são muito dinâmicas fora de São
Paulo...
Sim, a actividade económica é muita activa no país todo.
Por exemplo, no nordeste embora deem preferência a
empresas nordestinas, como o número de instaladores é
menor, se houver empresas portuguesas a apostar neste
mercado, acredito que podem ter mais oportunidades do
que empresas brasileiras de São Paulo. A Sistavac tem uma
filial em Porto Alegre, no Rio Grande Sul. Aqui, só fazem
obras, as empresas que possuam instalações nesse estado.
Existem estas oportunidades e há que arriscar.
Em Portugal, em termos de mercado como é que estamos?
Aos poucos começa-se a sentir uma ligeira melhoria mas
ainda muito tímida. Acima de tudo existem muitas empresas
instaladoras que pediram insolvência e que já não estão no
mercado ou instaladores que deixaram de ter financiamento
para fazer as obras. Assim, o que resta do mercado fica
para os resistentes.
ao seu cliente (empreiteiro de construção civil) que lhe devolva os montantes retidos para garantia de boa execução.
Ou seja, foi criado um instrumento que permite a todos os
instaladores receberem os montantes retidos ou a liberação
das garantias bancárias, de obras públicas.
Foi uma medida que teve muito impacto na tesouraria dos
instaladores. No entanto, são muitos os que se defrontaram
perante a falta de liquidez dos seus clientes para lhe devolver
as verbas retidas. E mais uma vez, impedindo as empresas
instaladoras de receber o que lhes é devido.
Dentro do novo quadro legislativo, o que é que está
a faltar?
Eu acho que, acima de tudo, o governo deverá olhar para
o sector da construção com olhos de ver. Um país sem
construção, é um país morto.
Mas algumas mudanças foram feitas, alegadamente,
para conseguir favorecer o mercado da construção...
Na realidade não. Foi pensado mais ao nível do próprio
Estado e do património do Estado do que propriamente do
país. O Estado preocupou-se só com ele próprio, sem ter
qualquer intuito de ajudar a construção civil. Os protocolos
assinados com as associações do sector demoram a ser
concretizados, a passar do papel para a realidade. Muitas
daquelas medidas não passam de meras intenções e nós
não vivemos de intenções, vivemos de obras. Se não há
consumo, não há economia e consequentemente o país
estagna. Os agentes económicos não investem.
Esta nova regulamentação vem é mais uma dificuldade?
É sempre difícil de dizer. Nós, instaladores, através da nossa
associação, ainda vamos ter que analisar o impacto que
terá. É o ver para crer, mas acima de tudo a minha grande
preocupação enquanto instalador é a celeridade com que as
medidas são tomadas e a celeridade com que os efeitos terão
sobre os instaladores. Ou seja, se isso vai ter um impacto
positivo quero-o ter já amanhã. O único tema que tem tido
pernas para andar é o da reabilitação urbana.
Se houver dinheiro...
A reabilitação urbana já é uma realidade. Na baixa do Porto
a Sistavac já executou um grande hotel ao abrigo da reabilitação urbana. Em Lisboa as oportunidades, neste campo,
também estão a surgir. Vão existir grandes oportunidades
para pequenas e médias empresas porque a reabilitação
urbana está para ficar. Há alguns anos, esta era associada
a luxo, actualmente já é um veículo de fixação de pessoas
e de revitalização de zonas degradadas.
Será a grande oportunidade de negócio no mercado nacional! n
O que se deve urgentemente mudar?
Acima de tudo mecanismos que permitam garantir os pagamentos devidos às empresas quer através do cumprimento
de prazos quer pela segurança do recebimento.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para divulgar,
mais uma vez, que a AIPOR (Associação dos Instaladores de
Portugal), presidida pela Sistavac, garantiu o alargamento
da aplicação prática do Regime Excepcional e Temporário
de Liberação das Cauções aos contratos de subempreitada,
celebrados ao abrigo do DL nº 59/99, de 2 de Março, e aos
contratos de subempreitada de obras públicas celebrados
ou a celebrar ao abrigo do Código dos Contratos Públicos,
até 1 de Julho de 2016, conforme DL nº 190/2012, de 22
de Agosto, sendo ratificadas e consignadas em sede de
Orçamento Geral de Estado para 2013.
O que é que essa lei veio mudar na prática?
É muito simples e é importante relembrar. Em todas as
obras que um instalador realiza, o nosso cliente exige uma
garantia de boa execução quer através de garantia bancária
ou através de retenção financeira que normalmente é de
10% do valor da empreitada. Ora, conforme artigo 179º da
Lei nº 66-B/2012, publicada em Suplemento ao Diário da
República, 1ª série, nº 252, de 31 de dezembro de 2012,
com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013, o instalador,
enquanto subempreiteiro de uma obra pública, poderá exigir
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