1 História da fotografia Mariana Lucarini O que é uma fotografia
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1 História da fotografia Mariana Lucarini O que é uma fotografia
História da fotografia Mariana Lucarini O que é uma fotografia? Como inventário do mundo1, a imagem fotográfica permitiu que cultivássemos uma cultura que gradualmente se aperfeiçoa segundo a sua própria imagem — ela não só pertence a nosso patrimônio mundial de conhecimentos, mas também se reserva ao saber de nossa tradição e perpetuação. A história da fotografia, e precisamente a de sua invenção, não seria possível se não tivessem existido sucessíveis estudos que visavam à aquisição da imagem fixada, o que a faz pertencer a mais de um criador ao longo de sua concepção. A fotografia caracteriza-se por ser um processo de obtenção de imagens através de seu registro em superfícies fotossensíveis, ou seja, impressionáveis à luz (fonte de energia eletromagnética). Portanto, os estudos que impulsionaram as pesquisas sobre as qualidades da luz e as propriedades que desvendavam sua sensibilidade química, são resultados de uma paternidade que fora determinada por inúmeros nomes. Dentre eles, encontram-se físicos, químicos, alquimistas, astrônomos e inventores, que se empenharam para compreender a conduta da luminosidade como substância sensível. Para que incluamos em sua autoria os três pertencentes meios que consolidam as técnicas imprescindíveis para a obtenção de uma fotografia, apresentemos inicialmente quais são eles: a presença da luz, o comparecimento de um suporte e os formatos que fundamentam a composição e história de uma imagem2. Um dos mais influentes descobrimentos que auxiliaram a fotografia em seu invento, fora a câmara escura ou câmara obscura — um aparato técnico e óptico similar ao formato de uma caixa de paredes opacas. Em um de seus lados insere-se um pequeno orifício por onde atravessam os raios luminosos que são delineados paralelamente à parede da abertura por onde a iluminação adentra. Embora ela possa ser reproduzida em maiores dimensões, como em ambientes favoráveis ao tipo de aceitação desses princípios, a imagem formada projeta-se invertida, ocasionando a reprodução do objeto que emanou sua luminosidade de forma com que ele seja traçado com o reflexo contrário. Ao atingir o compartimento interno da câmara escura, a luz pode então vulnerabilizar a superfície fotossensível posicionada no lugar onde se irá configurar a imagem. Quanto menor for o orifício, mais nitidez ela terá; fator que se exemplifica através da incidência e das extensões luminosas que segundo seus específicos direcionamentos e raios, compõem sua clareza. Acredita-se que desde a Antiguidade o processamento de imagens através da câmara escura tenha sido empregado, especialmente pelos alquimistas e astrônomos, estes que por meio da ciência e das observações de eclipses e fenômenos naturais de um mundo tão desconhecido, mediavam estimativas e praticavam explorações no campo da sabedoria científica, como perpetrava o filósofo Aristóteles na Grécia Antiga, no século IV a. C. 1 2 ROUILLÉ, 2009. BAURET, 2010, p. 15. 1 Posteriormente a ele, as metodologias de conquista dos árabes, o processamento da câmara para a criação de desenhos e de estudos sobre a perspectiva, sem mencionar o auxílio para que houvesse uma conceituação graduada na pintura, maximizavam sua notoriedade e aplicações. As máquinas de desenho, há tanto utilizadas desde o século XIV, esboçavam os perfis e silhuetas que conferiam aos artistas uma maneira de interpretarem as efígies imagináveis do mundo3. Imagem 1 – A câmera escura No Renascimento, Leonardo Da Vinci destaca-se como o precursor de um aprimoramento sobre a apreensão das imagens conferidas a partir dessa criação. A datar dessa mesma época se sucedem os refinamentos para que esse mecanismo pudesse ser esmerado para os fins do desenho e das dimensões que arquitetavam a perspectiva, tanto quanto as investigações astronômicas. Lembremos que até o século XVII, as estruturas ópticas propriamente ditas (lentes) ainda não haviam sido implantadas, e somente com esse aprovisionamento a qualidade técnica das imagens estabelecia uma melhoria que dizia respeito à essência da captação e da qualificação dos resultados apreendidos. Com alguns dos domínios que conscientizavam a fotografia, mas não a alcançavam ainda, os conhecimentos que provinham da formação da imagem teriam que apurar-se para a fixação da mesma. Já existiam no mesmo período os processos litográficos, que consistiam na reprodução de gravuras a partir da criação de representações sob uma matriz principal, as quais se caracterizavam por pertencer a uma técnica destinada à concepção de marcas e desenhos4. Dessa forma, a conciliação entre alicerces físico-químicos na área do processamento para a conservação e longevidade da imagem — que até o presente momento ratificava-se somente através da precariedade de sua permanência —, adviria apenas com o progresso das ciências que permitiriam a constatação da fotografia tal como hoje a apreciamos. Imagem 2 – Uma litografia de Ernst Haeckel O século XIX, época propícia para que inovações fossem fundadas e difundidas, consolidava-se como o período de toda a maquinaria em seu auge fértil e disseminado. O tempo das independências, das revoluções (sobretudo da Primeira Revolução Industrial na Inglaterra), das realizações científicas em diferentes âmbitos da esfera biológica e da medicina, dos aprimoramentos tecnológicos, dos polos de industrialização que fundavam as ferrovias e dilatavam a energia, entre outras manifestações, inveterou todos os fatores que foram contribuintes para que a economia se acrescesse e os avanços fossem o sinônimo de uma prosperidade elementar na herança do centenário. Todas essas eclosões significaram para o panorama mundial uma conscientização de pesquisas que, inclusive, ampararam a fotografia para que ela pudesse progredir-se cientificamente. 3 4 AMAR, 2011, p. 11 FABRIS, 2008, p. 12. 2 Derivada de uma coletividade de aquisições e experimentos em plena ascensão, a fotografia se desponta, antes de tudo, em uma sociedade em que o consumo capitalista e a garantia do comércio se incumbirão de difundir suas estruturas inventivas. A sociedade oitocentista, devido ao desenvolvimento e a demanda das informações visuais que fossem de rápida distribuição, em grande quantidade, fáceis de serem reproduzidas e tudo isso a um baixo custo de efetivação, fundamenta-se na Revolução Industrial como ápice para uma produção em massa. Na França, principalmente, os experimentos que envolviam os sais de prata na tentativa de fixação da imagem estavam diretamente atrelados à câmera escura, e proporcionavam o encaminhamento para a determinante descoberta da fotografia. Anteriormente, apesar de alguns especialistas terem conseguido fixar temporariamente algumas impressões, suas pesquisas, inconclusivas até certo ponto de realização, cessaram até que outros métodos suplantassem todas essas tentativas5. Joseph Nicéphore Niépce, físico e inventor francês, é conhecido pela concepção da primeira fotografia permanente, datada de 1826; uma imagem sob uma chapa de vidro e estanho. A partir da evolução de suas instruções a propósito da luz e da magnetização desta, assim como sua obstinação em apurar uma imagem perdurável por meio da câmera escura, acentuamos a interferência de seus levantamentos que se principiaram ao final do século XVII, e que se distanciavam da litografia como meio de expressão imperativo da época. Sem interromper suas indagações nos posteriores anos, ele e seu irmão, Claude, se compeliram para que suas melhorias prosperassem e suscitassem implicações satisfatórias. No ano de sua conquista, Niépce experimenta o betume de Judeia, produto que os gravadores empregavam em um processo denominado água-forte, e que se endurecia com a influência da luz. Ao processo que conferiu à imagem afixada seu êxito, dera o nome de heliografia (gravura com a luz solar). Imagem 3 – A primeira fotografia de Joseph Nicéphore Niépce, 1826 Em 1829, Niépce associa-se com Louis-Jacques-Mandé Daguerre — entusiasta, inventor e pintor francês — para o anúncio dessa conquista, como um investimento entre ambos que originaria o vetor da patente. Daguerre impunha-se como um investidor para os negócios6, enquanto deparava em seus ímpetos uma ampla colaboração para a fotografia, aplicando, por exemplo, o iodo em placas de cobre prateado, uma vez que tal procedimento favorecia a redução do tempo para que as chapas pudessem ser impressionadas mais velozmente, com aproximadamente uma hora de exposição. Adiante, contribuiu para o benefício da condição e do desenvolvimento óptico que juntos amplificaram a desenvoltura do fazer fotográfico. É preciso salientar a importância de outros nomes que já haviam alcançado aproximações que estreavam alguns predicados da fotografia em si, como o francês 5 6 FABRIS, 2008, p. 13. AMAR, 2011, p. 17. 3 Hercules Florence, que exilado e trazido ao Brasil, em 1833, realiza a obtenção de imagens sobre o papel, utilizando a técnica do nitrato de prata. Porém, seu desconhecimento sobre os avanços europeus que se investiam para conquistar as imagens permanentes, contrastava com as técnicas já repassadas por William Henry Fox Talbot e por Hippolyte Bayard, que em 1839 comprovaram explicitamente suas pesquisas e triunfos7. Após a morte de Niépce, Daguerre alia-se às pesquisas que o levaram ao descobrimento da imagem latente, que se revelava no suporte após o incremento do vapor de mercúrio, diminuindo ainda mais o tempo necessário para que a exposição pudesse ser concebida. Ao banhá-las em um fixador — este responsável por diluir toda a prata que não fora impressionada e que constitui as partes escuras da imagem —, retirava assim os halogenetos de sua composição. Em seguida, a imagem processava-se através do mesmo fixador, primeiramente relacionado ao sal de cozinha (cloreto de sódio) e sendo suprido depois pelo tiossulfato de sódio. Desse invento, designado como Daguerreotipia, derivamse distintos fatores que o farão o predecessor da primeira popularização da fotografia. O daguerreótipo se difunde por suas qualidades e propriedades únicas, dentre elas o detalhamento auferido à imagem, ocasionando uma fidelidade de minudências que lhe conferem uma acurada delicadeza. Sendo assim, após a declaração da daguerreotipia, outros inventores passam a revelar seus feitos, como Talbot e Bayard8, que expunham outros tipos de estabilização da imagem, como, por exemplo, em papel. Além de todas essas características, o daguerreótipo abordava principalmente os seguintes temas: o retrato, a natureza morta e a paisagem, e trazia algumas especialidades, como a perfeição de detalhes, o alto custo para a produção, o grande peso do material utilizado e a unicidade da imagem que podia ser reproduzida uma só vez. Imagem 4 – Um exemplo de daguerreótipo Em 1839, apresentado à Academia das Ciências e de Belas-Artes, o daguerreótipo é tido como uma das mais valiosas aquisições, e inicia sua disseminação pelo mundo ao democratizar-se mesmo posteriormente a morte de Daguerre. Para mais, os progressos que Henri Fox Talbot atingia, igualmente inconsciente dos experimentos que já haviam sido empregados, faziam-no experimentar também o papel impregnado com nitrato de prata e fixado através do sal de cozinha, em sua ambição por conseguir a retenção da imagem da câmara escura9. Ou seja, ele se empenhava para efetivar os mesmos métodos que em 1816 Niépce investia-se para conseguir os mesmos fins, embora não tivesse contraído a fixação. Em seus primários testes, Talbot adquiria a silhueta de objetos, plumagens, folhas e flores, que se imprimiam escuros ao papel embebido na solução do cloreto de prata com amoníaco ou com o cloreto de sódio. O primeiro livro de fotografias, The pencil of nature (“O lápis da natureza”), de 1844, ilustrado com originais que em uma espécie de inventário reuniam-se em seis volumes grandiosos, figurava a minuciosidade de seus trabalhos com a AMAR, 2011, p. 20. FABRIS, 2008, p. 14. 9 AMAR, 2011, p. 21. 7 8 4 autenticação de alguns de seus estudos que vinham descritos juntamente às imagens, editadas com suas realizações no campo. Ao tomar ciência do anúncio do daguerreótipo na Inglaterra, prematuramente se conduz até a Royal Society de Londres e à Academia das Ciências de Paris, a quem declara suas experimentações como sendo válidas para a concretização da imagem sensibilizada, utilizando em seu discurso, pela primeira vez, a palavra fotografia, a escrita com a luz, e de onde posteriormente se derivam as expressões “negativo” e “positivo”, sendo que o negativo se pontua como a inversão das cores de uma foto. Talbot, na década de quarenta, otimiza a revelação da imagem latente, que consideravelmente abrevia o tempo de exposição para alguns segundos, e em 1841, após alcunhar o procedimento de calótipo, registra sua patente e adianta-se nas noções do negativo-positivo10. Paralelamente a esta descoberta, Bayard também se influenciava pelas constatações que o induziam à evidenciação do positivo. Porém, é em 1840 que procura a Academia das Ciências, sem obter absolutamente nenhum reconhecimento pela invenção do negativo e pela prova da imagem latente revelada. É também de sua autoria a primeira exposição fotográfica, que contava com aproximadamente trinta provas dispostas em um evento da caridade11. O calótipo (ou talbótipo), dianteiro da linhagem da fotografia moderna e influente nos trabalhos de Talbot e Bayard, tornava-se competente à dinamização do papel saturado de iodeto de prata e pelo ácido gálico sendo exposto à luz na câmera escura e procedendo assim a conservação da fotografia em sua permanência indefinível. Como consequência, alguns benefícios abonavam a esse processo uma maior reprodutibilidade de cópias, agilidade no emprego de sua prática, menor fragilidade do suporte e emprego nas esferas do retrato e da natureza morta. Imagem 5 – Exemplos de negativo e positivo de um calótipo Datada da metade do século XIX, em 1851, a invenção do colódio úmido por Frederick Scott Archer, fora também um marco para que outros processamentos da imagem pudessem prosperar. Em seu particular aspecto, define-se como uma placa de vidro esmaltada com albumina (clara de ovo), que nesse caso opera como um ligamento para os sais de prata se misturarem à emulsão de colódio que contém éter alcóolico, o que permite que a captação da imagem seja muito mais instantânea e que os detalhes sejam admiráveis12. Com o advento do filme fotográfico em 1888 por George Eastman, fundador da empresa Kodak, esta que propunha a popularização da fotografia assim como sua fácil revelação, observamos o empreendimento necessário para que ela pudesse ser adquirida por todos aqueles que vissem a imagem como uma abertura para todas as possibilidades. AMAR, 2011, p. 23. AMAR, 2011, p. 22-23. 12 AMAR, 2011, p. 28. 10 11 5 Desde os incentivos que afinavam sua tecnologia, como por exemplo, as pesquisas que prosseguiam na busca pela colorização da foto através de emulsões como marca contundente do primeiro filme colorido, o Kodachrome, em 1935, denotamos o caráter evolutivo da imagem como antecipadora de ideologias que envolvem a sociedade em uma cultura imagética e ainda sim idealizadora, mesmo que os processos relativos à cor já tivessem sido aplicados no século XIX através de experimentos. Atualmente expandida ao mundo digital tanto quanto nos meios tecnológicos que contemporaneamente a inserem em todos os gêneros que a fotografia possa almejar, concluímos que sua capacidade difusora seja um dos motivos que a detém como uma das mais influenciadoras mídias. Doravante a potencialidade de dispositivos e criações que consentiam a ela um acondicionamento de naturezas e impressões, as técnicas de sua maturação foram avultando-se conforme sua historicidade nos demonstra. Do metal ao vidro, e futuramente impostas ao papel, as imagens fotográficas são a decorrência de uma demanda pela contemporaneidade na qual são sutilmente inseridas, fazendo das fotografias um enigma para o amanhã13. 13 AMAR, 2011, p. 34. 6 Bibliografia AMAR, Pierre-Jean. História da fotografia. Lisboa: Edições 70, 2011. BAURET, Gabriel. A fotografia – história, estilos, tendências, aplicações. Lisboa: Edições 70, 2010. FABRIS, Annateresa (org.). Fotografia – usos e funções no século XIX. São Paulo: Edusp, 2008. KOSSOY, Boris. Hercule Florence – a descoberta isolada da fotografia no Brasil. São Paulo: Edusp, 2006. ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009. 7
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