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C-4
Economia
A TRIBUNA
www.atribuna.com.br
Domingo 2
fevereiro de 2014
Mesmo com seca , soja terá recorde
Safra deve crescer 11% em relação à colheita do ano passado, mas produtores do Centro-Oeste e Paraná têm problemas com custos
FOTOS ROOSEWELT PINHEIRO/ABR - 28/3/09
DE CAMPO GRANDE
Já foi dada a largada para a
colheita de soja no País e, mais
uma vez, apesar de entraves
climáticos e logísticos, o campo promete prosperar. Segundo estimativa da Agroconsult,
o Brasil terá mais um ano de
safra recorde do grão, com 91,5
milhões de toneladas - um aumento de 11% na comparação
com a safra do ano passado.
A área plantada deve ser 7%
maior, alcançando 29,7 milhões de hectares. O volume da
produção, no entanto, ficará
aquém do potencial das lavouras e das expectativas no início
do plantio, sobretudo por causa da estiagem que assolou várias regiões em dezembro.
A região percorrida pela reportagem, do sul do Mato Grosso do Sul ao norte do Paraná,
foi marcada pela irregularidade: enquanto alguns produtores comemoravam o aumento
de produtividade das terras,
com boa parte da produção já
vendida a bons preços, outros
não conseguiram sequer cobrir os custos da plantação por
causa da seca.
No Mato Grosso do Sul, por
exemplo, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja
(Aprosoja) estima perda de
300 mil toneladas em relação
ao que fora previsto, o que representa queda de mais de 5%
da produtividade.
“Mesmo assim, esperamos
nova safra recorde, de 6,1 milhões de toneladas, por mérito
do agricultor, que investiu
mais e se protegeu melhor contra pragas, que não causaram
prejuízos significativos”, diz
Maurício Saito, presidente da
associação.
O produtor de Sidrolândia
Juliano Schmaedecke é um
dos que se assustaram com a
estiagem. “Fiquei 18 dias sem
chuva, voltou a chover e depois mais 16 dias de seca”, diz.
“Não tive perda porque em
janeiro choveu bem, mas muitas pessoas ficaram até 45
dias sem chuva e devem ter
perda de 20%”.
Juliano conseguiu fechar
70% da venda de sua produção
antecipadamente, de R$ 53 a
R$ 55 por saca. Gaúcho, o produtor chegou no Mato Grosso
do Sul com a família em 1976.
“Aprendi tudo com meu pai,
que sempre foi produtor. Mas
faz 14 anos que eu estou em
carreira solo. Eu gosto muito
de estar na área rural”.
Outro agricultor animado
com a safra é Dulcimar Cofferi, o Gauchinho, que espera
colher 60 sacas por hectare.
Diferentemente da maioria
dos produtores, que negociou
Campo sofre
com baixa
qualificação
Produtores do Centro-Oeste e Paraná investem pesado em equipamentos com novas tecnologias que mudam perfil do trabalhador do campo
❚❚❚ O ritmo acelerado da
produção agrícola escancarou os problemas de infraestrutura no País. No
entanto, o produtor parece
já ter se conformado com
os gargalos e hoje elenca
outros problemas. Grande
parte se queixa da dificuldade em encontrar mão de
obra especializada no campo, sobretudo por causa da
tecnologia das máquinas
mais recentes.
“Nos últimos dois anos, o
produtor investiu muito em
maquinário, pois o juro baixo foi um atrativo. De três
colheitadeiras pequenas, você passa para uma grande”,
diz Maurício Batezini, de 33
anos, agrônomo e produtor
em Dourados.
“Mas o desafio é a
capacitação para usar essas
máquinas. Isso afeta diretamente o andamento do negócio”, afirma ele, que tem
sete funcionários.
Queda depreço
Maquinário
Se o aumento de estoque de sofa
exige novas estruturas para
compensar o déficit em
armazenagem do País, também
lança pressão sobre a próxima
safra. “O cenário de preços
internacional é baixista, por
causa da safra recorde no Brasil,
provavelmente da Argentina e
aumento da área plantada nos
Estados Unidos. Então, o preço
tende a cair em dólares no
mercado internacional”, diz
Fábio Meneghin, coordenador do
Rally da Safra, da Agroconsult.
Os produtores, por isso, voltam
os olhos para o câmbio, que
poderia compensar parte da
queda.
“Nos últimos dois anos, o
produtor investiu muito em
maquinário, pois o juro baixo
foi um atrativo”
antecipadamente de 15% a
25% da produção, Gauchinho já vendeu quase toda a
safra, a R$ 60 por saca. “Decidi apostar na soja convencional (não transgênica), pois,
além de ser uma variedade
altamente produtiva, estão
pagando R$ 7 mais na saca
por ela”, diz Cofferi.
A área rural no Paraná também apresentou uma lavoura
muito heterogênea. No norte
Maurício Batezini, agrônomo
ARMAZÉNS
Terminal recebe produção no Centro-Oeste: falta de armazéns é um dos principais problemas da sojicultura
do Estado, o plantio começou
mais cedo - o que se tornou
custoso para muitos produtores. “Algumas regiões foram
afetadas por falta de chuvas e
isso prejudicou muito as lavouras - sobretudo as de ciclo precoce”, explica Fábio Meneghin,
coordenador do Rally da Safra,
da Agroconsult.
“A Região Sudoeste, entre
Guaíra e Toledo, deve ter produtividade média menor - coi-
sa que não é vista em Cascavel,
onde a lavoura tem excelente
potencial- inclusive alguns produtores já começaram a colher
e a plantar o milho safrinha”,
afirma ele.
Um dos agricultores prejudicados foi Luís Carlos Borian,
de 60 anos. Enquanto a estrada alternava plantações ainda
verdes e as de tom mais bege,
prontas para colheita, de longe
a fazenda Nossa Senhora da
Aparecida, em Jussara, exibia
um tom acinzentado pela seca.
“O calor nos castigou”, diz ele,
ao observar a colheita, que não
deve render mais de 25 sacas
por hectare. No ano passado, o
agricultor, que nasceu em Maringá, colheu 60 sacas na mesma terra, herdada de sua mãe.
“Mal dá para cobrir o custo”,
lamenta Borian, que agora
aposta todas as fichas no milho
safrinha. (Estadão Conteúdo)
Enquanto aguardam melhorias nas rodovias de escoamento, como a duplicação da
BR-163, os produtores começaram a investir mais na construção de armazéns.
No trecho percorrido pela
reportagem no Mato Grosso
do Sul e Norte do Paraná, foi
possível observar silos novos
ou em construção, incentivados por um programa de financiamento lançado em julho pelo Governo Federal.
Com juros de 3,5% ao ano, o
produtor tem 15 anos para financiarumarmazém.“Atéagora, foi concedido R$ 1,6 bilhão
em crédito pelo programa, dos
R$ 5 bilhões previstos”, afirma
Wilson Vaz de Araújo, diretor
deeconomiaagrícoladoMinistério da Agricultura. “Para os
próximos cinco anos, o objetivo
édestinarR$25bilhõesaprodutores”,concluiele.(EC)
Artigo
DE DELFIM NETTO
A Argentina e a embreagem
❚❚❚ O primeiro movimento
para enfrentar a piora da crise argentina foi feito na direção correta no início da semana, mas é óbvio que vai ser
preciso uma desvalorização
bem mais forte do peso para
sair da encrenca em que sua
economia se meteu. Ela está
pagando o preço de um acúmulo de erros durante anos,
o maior dos quais foi declarar
um default (calote) e esperar
que não haveria maiores
consequências no longo prazo, porque, afinal, “o mundo
esquece rapidamente”.
Ficou provado o contrário:
a Argentina não consegue nenhum auxílio externo, passou a viver por conta própria.
Não por virtude, mas porque
não tem acesso a qualquer
modalidade de crédito no exterior. O novo ministro da
Economia, Axel Kicillof, um
bom profissional, mas cujas
posições são muito discutidas lá por causa de suas inclinações marxistas mescladas
com uma espécie de “keynesianismo” heterodoxo, está
tendo que se virar sozinho
para evitar o desastre.
A desvalorização cambial é
o começo da solução e as
consequências, visivelmente,
virão logo a seguir: um dramático corte dos salários
reais. E para que os efeitos da
desvalorização não sejam
anulados por uma elevação
geral de preços será preciso
uma política fiscal extremamente dura. Vai ter que reduzir a demanda interna e basicamente ela não pode ser feita pelo setor privado, senão a
economia entra em recessão;
por isso a demanda terá que
ser reduzida por um corte
nas despesas do governo ou
por um aumento de impos-
tos, o que levaria igualmente
a uma recessão.
É importante entender que
o ministro fez o movimento
(a desvalorização do peso) na
direção certa, mas infelizmente deixou transparecer
que não existia um programa bem estruturado para enfrentar a situação, porque
um dia depois deu uma meiavolta, restabelecendo impostos que tinha garantido não
fazer, o que criou mais incertezas e mostrou às pessoas,
que estão sofrendo as
consequências (a queda do
salário real) que não há uma
direção segura.
Essa dose extra de incertezas vai para os preços, o que
piora a agonia do governo:
ele não pode se socorrer de
“O governo
argentino vai
precisar endurecer
ainda mais a
política fiscal e
ninguém sabe se o
país está preparado
para levar isso às
últimas
consequências”
uma política de juros para
conter a inflação, já que não
tem movimento de capitais.
Significa que vai precisar
endurecer ainda mais a política fiscal e ninguém sabe se
o governo está preparado
para levar isso às últimas
consequências.
Apesar de algumas tentativas – especialmente no exte-
rior – de misturar as condições das duas economias, hoje há uma clara
consciência que Brasil e
Argentina vivem situações distintas e dificilmente se arma alguma confusão a respeito. Temos que
acompanhar com cuidado o que se passa em nosso vizinho porque a Argentina é um mercado muito
importante para nossas
exportações de manufaturados. Agora, devemos entender que o comércio
mundial está indo numa
direção e nós, com o Mercosul, em outra direção.
Essa é a realidade: o Mercosul está desembreando
os países que dele participam do resto do mundo...
PROFESSOR EMÉRITO DA FEA/USP,
DELFIM NETTO É . EX-MINISTRO DA
FAZENDA, DA AGRICULTURA E
DO PLANEJAMENTO. E:MAIL:
[email protected]