Através de uma carta de emigrante publicada no

Transcrição

Através de uma carta de emigrante publicada no
Carta de 1832 resgata peripécias da imigração alemã
Resumo:
"Através de uma carta de emigrante publicada no “Kocher-Jagtboten” em 1832, nós
nos tornamos cientes dos difíceis destinos dessas pessoas que foram expulsas pela
precariedade existencial de sua pátria" (Genealogista André Luís Hamman)
Notícia:
A carta que publicamos a seguir, reproduzindo o espírito religioso-pioneiro, típico
da época, foi-nos enviada pelo pesquisador de Genealogia André Luís Hammann,
leitor de Neues, da cidade de Montenegro, RS.
Olá meus caros Amigos,
Eu gostaria de compartilhar com vocês uma carta escrita em 1832, de um
imigrante da família Friedrich ao seu irmão que havia permanecido no Alte Heimat
(velha pátria). Acho que esta carta pode nos ajudar a compreender as condições
daquela época, nos primórdios da imigração.
A carta foi escrita por Johann Friedrich, irmão do meu ancestral Michael Josef
Friedrich.
Tenham todos um bom dia!
André Luís Hammann
E-mail: [email protected]
Celular: (55) 9938-2947
Residencial: (51) ........
CARTA DE UM EMIGRANTE
Muitos mulfingers (moradores de Mulfinger) abandonaram sua pátria no decorrer
dos dois últimos séculos; ou eles se mudaram para outras localidades da Alemanha
ou se retiraram definitivamente para regiões transoceânicas. Esta última opção
especialmente foi muito freqüente ao longo do século 19.
Através de uma carta de emigrante publicada no “Kocher-Jagtboten” em 1832, nós
nos tornamos cientes dos difíceis destinos dessas pessoas que foram expulsas pela
precariedade existencial de sua pátria:
“Da Colônia São Leopoldo, próxima da cidade de Porto Alegre, no Império do Brasil:
escrito a primeiro de janeiro de 1832.
De toda a minha alma, amado irmão Claudius! Que a Santíssima Trindade tenha
abençoado a ti e tua cara esposa e filhos até este primeiro dia do ano novo com a
melhor saúde e prosperidade, com muita paz, alegria, felicidade e fortuna!
O onipresente, amabilíssimo Deus e Senhor queira tornar feliz e alegrar a ti e aos
teus, e vosso Santo Anjo da Guarda transmita, sempre sorridente, enlevo e prazer
sobre vós; nunca as lágrimas da tristeza e do sofrimento deformem os seus
semelhantes... Com efusiva alegria anuncio a ti, muito amado irmão, que eu com
minha mulher e dois filhos, Andreas e Anton, nos sentimos muito bem e com saúde
há cinco anos a três quartos nesta longínqua parte do mundo; nuca sentimos falta
de nada, uma vida abastada nos traz satisfação... Veja, primeiro, amado irmão, há
quanto tempo nós chegamos aqui e pusemos os pés nesta terra, deixando para trás
o solo alemão para, a uma distância de 5000 horas, procurar uma nova pátria.- a 2
DE DEZEMBRO DE 1825 VELEJAMOS SAINDO DO Elba, em Hamburgo, para o mar
do Norte no navio “Anna Louisa” conduzido pelo Capitão Knock; no mar do Norte
fomos acometidos por um tão violento temporal que o navio foi obrigado a içar as
bandeiras de socorro; com muito esforço e perigo alcançamos o porto da cidade de
Nordkautsch, nele ficamos ancorados 14 dias, depois navegamos embora dali com
ventos favoráveis, pra enfrentarmos um nova tormenta n véspera do Ano Novo de
1826, durante esta tormenta julgamos que tudo iria a pique. Este temporal e o
enjôo que depois acometeu a mim, a mulher e as crianças foi contudo superado
com a ajuda do Senhor Onipotente. Depois sobreveio para mim e para minha
mulher uma perda assaz dolorosa; prouve ao Condutor e Regente dos destinos
humanos receber, pela morte, em seu reino de júbilo como um inocente anjo e
libertar dos inúmeros sofrimentos desta terra, o nosso amado segundo filho,
Johann, na tenra idade de cinco anos e meio, ele faleceu a 18 de janeiro de 1826
de tuberculose; as ondas do mar foram seu túmulo, com lágrima e na mais
profunda tristeza presenciamos as ondas levarem o amado filho para longe dos
nossos olhares!
Felizmente ultrapassamos a linha do sol (Equador) e aportamos, com algum esforço
mas sem perigos, no porto de Rio de Janeiro, capital e residência do govêrno do
Brasil, aportamos no dia 2 de março de 1826. Tivemos que ermanecer por 14 dias
na “Armação”, localidade que fica à direita e oposta à cidade; aí nós fomos rica-egratuitamente servidos por conta do imperador, depois um navio português nos
recebeu. Era 23 de março quando saímos de Armação e navegamos para alto mar,
já no dia 14 de abril de 1826 alcançamos o porto de Porto Alegre e 3 dias depois
alcançamos a meta da viagem, era 17 de abril quando pusemos os pés nessa terra
contentes e agradecidos ao Senhor Deus todo bondoso que abençoou tão ricamente
esse país de fertilidade tão variada. Mais tarde, no lugar de desembarque foi
fundada uma nova cidade onde se radicaram muitos comerciantes e artesãos, ela
recebeu o nome de Santa Leopoldina e fica a apenas 8 horas da cidade de Porto
Alegre se o trajeto for feito por terra, se a gente quiser ir via fluvial, leva-se mais
tempo porque o rio tem muitas curvas e sinuosidades. Da minha colônia até a
localidade de Santa Leopoldina eu preciso de 3 horas.
Ali também há uma capela onde todos os domingos tem missa não rezada por
padres alemães mas portugueses , aqui não há padres alemães da nossa religião.
Depois da chegada a este país desconhecido tivemos que ficar, por quatro meses,
num lugar de encontro dos alemães chamado “Feitorim”(Feitoria) até recebermos a
nossa propriedade. Recebi a minha terra na mata virgem porque a terra livre já há
muito tinha sido distribuída. A minha propriedade, contudo fica apenas a meia hora
de distância das terras da Provincia. Minha roça, igual à todos os alemães que
habitam a grande floresta virgem, é toda coberta por mata mas, apesar disso, fácil
de nivelar e preparar para plantação. As árvores são derrubadas, a madeira seca
pelo calor do sol é queimada e logo se inicia a plantação.
Minha propriedade, livre e incontestada, compreende 400 Morgen (em português
morgo corresponde a 0,25 há ou seja 50 por 50 metros-obs do tradutor), um
morgo corresponde, assim como na Alemanha, a 160 varas (uma vara corresponde
a uma braça ou 2,20 m. Assim a propriedade do autor da carta era de 100
hectares. Obs. do Tradutor). O solo de mato é mais fértil e mais produtivo que o de
campo e, nos primeiros 10 anos não necessita de adubos nem correção. O milho
(Welschkorn) e o feijão são o principal produto, mas o centeio e o trigo produzem
muito bem além de batata inglesa duas vezes por ano, ervilha, lentilha, arroz e
cana de açúcar, maçã e pêssegos. Quase todos os produtos agrícolas alemães se
dão bem aqui, mas frutas de arvore como na Alemanha não se encontram aqui, a
terra ainda não está preparada para elas. Com o vinho estão sendo feitas as
primeiras tentativas. A criação de gado vacum é importante, dela se obtém
manteiga e bastante dinheiro. Os porcos podem ser engordados excessivamente. A
pecuária é o ramo principal a alimentação deste país. Desde que estou na minha
colônia, 5 vacas e 5 terneiras além de terneiros e bois.
No primeiro ano de estada aqui recebemos nós, como qualquer outra família alemã,
8 vinténs por dia cada um, no segundo ano 4 vintens por dia, 18 vinténs
correspondem a um florim, 48 vinténs formam um Taler. Estes subsídios recebidos
do imperador nos foram de grande valia.
Durante 10 anos estamos isentos de qualquer tributo e depois desse período os
impostos representam muito pouco. Tranquilidade e paz são a nossa felicidade todo
esse tempo. Trabalhar é obrigação de cada pessoa em qualquer lugar se ela quiser
ter honestamente sucesso. Todos os produtos da terra podem ser colocados
facilmente e convertidos em dinheiro. Um clima saudável, ar puro, água limpa e
saborosa temos aqui. Pelo Natal temos o calor mais intenso, mas ele é bem
tolerado; tudo verdeja e floresce durante o ano todo e duas colheitas (por ano)
alegram os habitantes. Neve e gelo, como na Alemanha não temos aqui, pouco frio,
às vezes geada noturna e muita chuva no inverno daqui os meses de maio, junho,
julho, agosto.
Eu te informo, também, caro irmão, que Valentim Dewald, com quem eu estive no
Rio de Janeiro, faleceu num outro distrito territorial Santa Catarina.
Meu irmão Michael mora a uma hora de distância, também na floresta. Já há três
anos sua mulher repousa no seio da mãe terra. Meu irmão casou de novo com
Katharina Knüppel von Stipshausen da região de Koblenz. Meu irmão, co seus dois
filhos, está bem e contente com uma boa subsistência. Ele envia cordiais saudações
a ti e aos teus como também a todos os amigos e conhecidos. Eu e minha mulher
saudamos muito atenciosamente o senhor padre, o professor, os compadres
Hammels, as irmãs e os cunhados, o pai da minha mulher e sua prima Magdalena,
caso o Senhor ainda os mantenha vivos. Adam Schuster, de Laibach, que é meu
vizinho aqui, saúda muitíssimo seu irmão Michael Schuster em Mulfinger.
Lembranças mil a todos os caros amigos e conhecido. O Senhor os conserve por
muito tempo. Gostaria de te escrever, caríssimo irmão, muito mais, só que eu não
sei onde devo parar porque escrever tudo daria um livro inteiro.
Só mais uma coisa, que, com muito amor eu desejaria, mais uma vez neste mundo,
ver-te e apertar-te contra o meu coração fraterno, estreitar-te nos meus braços,
mas esta alegria dificilmente me será dada, porque eu não posso desejar-e não
conselho-que tu enfrentes um empreendimento tão difícil e duvidoso para, numa
zona tão longínqua e ao acaso, tentar uma vida melhor com os teus.
A única coisa que ainda desejo é que me escrevas o mais breve possível e me
comuniques como tu vais e os que te são caros, como estão as coisas agora em cãs
e finalmente como estão as coisas no Reino Alemão, informa também, se a guerra
devasta tudo ou se a paz está protegendo os teus pertences. Por último receba a
garantia de que nestes seis anos desde que me despedi de ti, nenhum dia se
passou sem que me lembrasse de ti. Então, ADEUS a ti com tua estimada esposa e
filhos, Cristo o Senhor abençoe e proteja a vós, acompanhe-vos em todos os
passos até vida eterna!
Eu sou até o túmulo teu, de todo o coração, irmão leal.
Johann F. Friedrich
Carta original extraída do livro dos mil anos de Mulfinger, 1980, , pesquisado por
Luis Alberto Friedrich, e tradução feita por Mário Silfredo Klassmann em
novembro/2002. O autor desta carta é meu ancestral imigrante, tataravô, que
morava no Travessão no lote 5, e ela está arquivada no museu daquela cidade, na
Alemanha, e publicada neste livro em língua alemã. O Travessão Dois Irmãos,
também se chama de Schwabenschneiss para identificar o lugar do morador que
era natural da Suabia, ou Schwaben, pois Mulfinguen é na região sul, diferente da
maioria dos alemães que eram naturais do Hunsrück. Schwabenschneis era para
identificar a região onde meu imigrante morava.
Luis Alberto Friedrich
Fico muito feliz por ler uma carta como esta, com tanta história, e com pleno
domínio da palavra. A menção constante a Deus mostra como os antigos eram
devotos e esperançosos, Deus que era a força maior na qual os emigrados se
agarravam para enfrentar esta jornada além-mar. Johann Friedrich era irmão do
meu ancestral Michael Josef Friedrich.
André Hammann - Montenegro - RS.
Sobrenomes que pesquiso: Hamann, Marhold (Marholt), Rübel, Ratzlaff,
Neuschrank, Fassbinder (Fassbender), Schmidt (Schmitt), Jacobi, Kich,
Zimmermann, Küster, Friedrich, Kranz (Krantz), Vürtz (Verstz), Spiering,
Panzenhagen, Malakowski (Malakowsky), Schwantes (Schwantz), Blödow
(Bloedow), Ponath, Stumm, Neitzel, Ludwig, Wecker, Recktenwald, Buchmann,
Knippel, Graupe, Seibert, Fenner, Dressbach (Dresbach), Winter, Ahrend (Arend),
Hoffmeister…

Documentos relacionados