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Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz LGN 320 - Departamento de Genética Ecologia Evolutiva Humana Prof.ª Silvia Guerra Molina Estratégias de Adaptação das comunidades na Floresta Nacional do Tapajós. Marina Cromberg Thiago Machado Greco PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Índice Introdução .................................................................................................................... 3 Objetivos ...................................................................................................................... 4 Revisão Bibliográfica ................................................................................................... 5 Materiais e Métodos ..................................................................................................... 7 Resultados e Discussão ................................................................................................. 9 Considerações Finais .................................................................................................. 18 Referências Bibliográficas .......................................................................................... 19 2 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Introdução A região amazônica é, atualmente, a região do país que sofre as maiores pressões pelo uso da terra. Essa pressão é proveniente da expansão das fronteiras agrícolas do cerrado em direção ao Norte do Brasil, da exploração madeireira, da extração de produtos florestais não madeireiros (PFNM) em larga escala e, mais recentemente, de ocupações para reivindicações por reforma agrária. A expansão da fronteira agrícola é resultado da exploração intensiva dos recursos na agricultura (o que acaba deteriorando os solos e os recursos hídricos) e da crescente demanda por produtos agrícolas brasileiros no mercado internacional. Outros fatores agravantes são: a falta de investimento do governo nacional em mecanismos de fiscalização e impedimento da exploração ilegal dos recursos florestais; e o histórico descaso na solução dos conflitos fundiários no país. Visando conter algumas dessas pressões e garantir a soberania nacional, o governo, na década de 70, investiu na criação de inúmeras Unidades de Conservação (UCs) na região (medidas integrantes do Plano de Integração Nacional). Em algumas delas, a exploração seria proibida (Unidades de Conservação de Proteção Integral), em outras a intenção foi de possibilitar a exploração de alguns recursos naturais apoiada em legislação baseada no manejo sustentável (Unidades de Conservação de Uso Sustentável). A Floreta Nacional (FLONA) do Tapajós foi criada em 1974, visando a exploração madeireira. Com a aprovação do SNUC, enquadrou-se na categoria de UC de Uso Sustentável. A categoria FLONA, permite a exploração dos recursos florestais de forma sustentável e não permite a permanência de pessoas vivendo dentro dos limites da unidade. No entanto, a região na qual foi criada a FLONA Tapajós, era historicamente ocupada por comunidades tradicionais e, nos limites definidos pelo decreto de criação, as populações foram permitidas a permanecer na área. As comunidades residentes atualmente na FLONA são resultados da miscigenação do povo indígena Tapajó, com migrantes nordestinos, trazidos para a região para trabalhar nos seringais e, mesmo que em menor número, com povos africanos, trazidos como escravos pelos colonos portugueses. Essas comunidades vêm crescendo demograficamente devido ao grande número de nascimentos e ao regresso de jovens que saem em direção às cidades para estudar e voltam casados com pessoas de fora. Talvez por este fato, os comunitários vêm recebendo grande influência de padrões culturais urbanos, o que tem contribuído para a 3 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com adoção de novas estratégias de adaptação. Essas novas estratégias supostamente estão relacionadas, a diversos aspectos como: o modelo de moradia ideal, as fontes de obtenção de proteínas na dieta das comunidades, o número de entradas na mata para coleta de produtos florestais não madeireiros, entre outros. Segundo (Moran,1994), o estudo da adaptação humana está centrado em características funcionais e estruturais das populações humanas que as auxiliam a enfrentar alterações ambientais e condições de grande estresse. No caso das comunidades da FLONA Tapajós, as referidas alterações ambientais estão ligadas ao crescente desmatamento das áreas de entorno e de interior da própria Floresta Nacional e à pressão de padronização sócio-cultural por parte da sociedade urbana e industrial. Pesquisas realizadas junto às comunidades da FLONA podem ajudar a identificar se a adoção de novas estratégias de adaptabilidade é decorrente de pressões ambientais sofridas pelas comunidades, ou se é resultado da influência de modelos sócio-culturais observados nos turistas que visitam a região, na televisão e na população urbana das proximidades da FLONA. Assim, é possível analisar se tais alterações estão beneficiando essas comunidades ou somente adequando-as a padrões culturais externos. Esses estudos podem proporcionar melhor conhecimento das comunidades do Tapajós e identificar que tipos de estratégias de adaptação os comunitários amazônicos estão laçando mão para sobreviver e perdurar na região, diante da conjuntura atual. Dessa forma, pode-se aprimorar a elaboração de políticas públicas e privadas que se aproximem mais das reais necessidades das populações locais. Objetivos Objetivo Geral O presente trabalho tem por objetivo estudar a adaptabilidade de comunidades inseridas na região da Floresta Nacional do Tapajós e os ajustes e alterações que vem ocorrendo nesse processo adaptativo em decorrência do maior contato com a sociedade industrial. Objetivos Específicos - Testar a hipótese: a maior dependência da mata decorre da maior distância de núcleos urbanos. -Analisar as estratégias adaptativas em relação a: hábitos alimentares, habitação, agricultura e acesso à água potável. 4 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com - Correlacionar diversas variáveis relacionadas às comunidades estudadas, visando encontrar os critérios mais determinantes na definição de agrupamentos das comunidades semelhantes entre si. De forma, a proporcionar uma compreensão ampla a respeito das características das comunidades. Revisão Bibliográfica • Breve Histórico de Ocupação e Criação da FLONA Tapajós Para compreender a dimensão socioeconômica da FLONA Tapajós é importante recuperar a história de ocupação da região. Estudos arqueológicos contemporâneos atestam que a foz do Rio Tapajós foi densamente habitada antes da chegada dos europeus ao Brasil, e aí viveu durante muitos anos o povo indígena Tapajós (NIMUENDAJU, 2001). A exploração extrativista foi com o tempo sendo substituída pelas fazendas de cana - de - açúcar de cacau e de gado. O fracasso na tentativa de escravizar os povos indígenas e a diminuição da sua população levou os portugueses a trazerem escravos da África pra trabalhar na exploração destas fazendas. Ainda que a presença africana seja menor no norte do que em outras regiões do país, os negros também contribuíram para a ocupação da região Amazônica. Por volta de 1877, milhares de nordestinos foram trazidos para região para trabalhar nos seringais do Tapajós, recurso florestal abundante segundo a descrição dos viajantes da época (Coudreau, 1971). Na década de trinta, mais nordestinos vieram para a região atraídos pelo projeto da Companhia Ford, empresa norte-americana beneficiada pelo governo da época com concessão de um milhão de hectares na margem direita do Tapajós para a exploração da seringueira. A empresa operou de 1928 a 1934 em Fordlândia, transferindo-se posteriormente, para Belterra, chegando a arregimentar 3.100 trabalhadores. Além disso, a construção da Transamazônica estimulou a vinda de imigrantes da região Sul, nordeste e dos Estados do Maranhão e Ceará. A criação da Flona em 1974 não levou em consideração a presença de populações ribeirinhas ao longo do rio Tapajós e nem o fato do INCRA ter delimitado e titulado alguns lotes à margem da BR163, limites adentro da área da FLONA Tapajós. Em 27/10/1994, o artigo 9o do decreto 1.298 (que regulariza as Flonas), permitiu ao IBAMA autorizar a permanência, dentro dos limites das Flonas, de populações 5 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com tradicionais que a habitavam antes de sua criação. Isto resolveria parte dos ocupantes da área da Flona Tapajós, mas não toda a sua totalidade. • Origem dos habitantes e densidade populacional Estudos sócio-antropológicos sobre o mundo rural paraense evidenciam que o processo de ocupação territorial ao qual o estado foi submetido forjou uma “realidade social multifacetada”, composta por indígenas, ribeirinhos, migrantes, posseiros, pescadores, extrativistas, colonos... ”(Hébette et al, 2002). A população residente na Flona do Tapajós retrata, em escala local, parte desta sociobiodiversidade. O estudo censitário de 1993 registrou que 71,1% dos “chefes de família” das 16 comunidades ribeirinhas pesquisadas haviam nascido dentro da Flona. Quando somados àqueles nascidos em outros distritos de Santarém (18,5%), outros municípios do Pará (4,3%) e outros estados da região Norte (1,4), o estudo conclui que 95,5% dos chefes de família eram da região amazônica. No ano de 2003, como parte do processo de elaboração do Plano de Manejo da Floresta Nacional do Tapajós , o IBAMA/ProManejo contratou uma consultoria para a realização de um diagnóstico rural participativo DRP (IBAMA, 2005). A população de comunitários foi estimada em 5102 pessoas, sem contar os residentes dos lotes do INCRA situados às margens da BR 163 e de três comunidades em processo de reconhecimento de identidade indígena (Bragança, Marituba e Taquara – recusaram participar do DRP). Do montante de moradores, 75% são ribeirinhos do Rio Tapajós, 5% ribeirinhos do Rio Cupari e 20% são os chamados moradores do planalto. A tabela 1 mostra a população total levantada em cada comunidade - não contabilizando os dados das comunidades indígenas e de duas comunidades vizinhas localizadas fora da área demarcada da FLONA. Nas narrativas coletadas durante o DRP, a forma como as comunidades se autodefiniam revela as diferentes percepções de identidade social que coexistem na Flona, as quais dão indicações da origem e história da formação da comunidade. Os moradores da comunidade Marai relatam que “este nome foi herdado de um índio que aí morava há mais de 200 anos. Ele preservava a mata e não deixava ninguém invadir. Definem-se como trabalhadores rurais, mas no fundo todos são índios. Todavia acham que ser reconhecido como tal é voltar atrás” (Ribeiro, 2003). A descendência indígena é traço dominante nas comunidades ribeirinhas, geralmente as mais antigas da Flona, conforme o registro da memória dos moradores. . 6 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Tabela 1: Demografia das comunidades Localização Comunidades São Domingos Maguari Jamaraquá Acaratinga Jaguarari Pedreira Piquiatuba Comunidades Marituba Ribeirinhas Bragança Marai Nazaré Tauari Pini Taquara Prainha Prainha II Itapaiúna Paraíso Jutuarana Itapuama São Jorge Comunidades Chibé Não ribeirinhas Nossa Sra de Nazaré Nova Vida Santa Clara Revolta* Santa Cruz* Total nd: dado não disponível * Localizadas fora da FLONA Fonte:Faria et al (2003, p.7e9 ) Nº famílias 36 52 19 21 22 49 70 nd nd 18 38 57 30 nd 38 15 36 12 11 13 208 42 24 26 39 nd nd 876 nº pessoas 190 230 76 78 110 260 370 nd nd 100 200 300 150 nd 266 112 176 72 47 78 1500 350 144 118 175 nd nd 5102 Materiais e Métodos Caracterização do Local A Floresta Nacional do Tapajós, conhecida como Flona Tapajós, foi instituída em 19/02/1974, através do Decreto no 73.684. Abrange uma área de cerca de 600 mil hectares, e situa-se entre o rio Tapajós e a BR163 (Cuiabá-Santarém), ao norte faz limite com o município de Belterra e ao Sul com o município de Rurópolis. Situa-se na região do baixo Amazonas, na zona de Floresta Umbrófila Densa de Terras Baixas, abrigando amostra representativa da biodiversidade amazônica. 7 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com A variação de solo e relevo existente nessa Unidade de Conservação resulta em 17 unidades fitoecológicas, com a ocorrência de ecossistemas terrestres, aquáticos e terrestres-aquáticos, propiciando habitat para uma diversidade de espécies (IBAMA, 2005). A Flona Tapajós é uma entre as 37 Flonas existentes na Amazônia brasileira, e corresponde a apenas 3,41% da área dessas Flonas amazônicas. Obtenção dos Dados O A metodologia dos levantamentos consistiu na aplicação de questionários sócio-econômicos, com a finalidade de identificar oportunidades de geração de renda pelas comunidades da FLONA Tapajós. Após a realização do primeiro levantamento em 1997, o Promanejo 1 (Projeto Apoio ao Manejo Florestal Sustentável na Amazônia) financiou muitos projetos na região e na FLONA. Em 2006, ano de encerramento do programa, foi oportunamente realizado o segundo levantamento com o objetivo de analisar a influencia dos projetos nas comunidades. Esses questionários foram elaborados pela pesquisadora Erin O Sills, economista da Universidade da Carolina do Norte em parceria com IMAZON (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia). No ano de 2006, pretendeu-se realizar as entrevistas com as mesmas famílias de 1997, com o fim de se obter uma comparação mais precisa das mudanças ocorridas nas estratégias de geração de renda e na qualidade de vida dos comunitários. Foram entrevistadas 18 comunidades em 1997 e em 2006 vinte e duas comunidades. As entrevistas foram conduzidas de maneira estruturada, duravam cerca de duas horas e procurava-se entrevistar o casal principal de cada família. Análise dos Dados Para este trabalho alguns tópicos dos questionários foram escolhidos para a avaliação das mudanças ocorridas nas comunidades, sob o ponto de vista da adaptabilidade humana. Utilizou-se como suporte para a análise o livro “Adaptabilidade Humana” de Emilio F. Moran. Com o objetivo de estudar as semelhanças e diferenças entre as comunidades utilizou-se a metodologia de análise de Cluster ou analise de agrupamentos. Primeiramente, selecionou-se 12 variáveis para o ano de 1997 e 11 para o ano de 2006: 1) Número de idas a mata em um ano, para a coleta de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM); 2) Número de PFNMs coletados em média; 3) Porcentagem de 8 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com venda dos PFNMs por comunidade; 4) Quantidade de hectares utilizados na agricultura; 5) Porcentagem de filhos morando fora da FLONA; 6) Porcentagem de viagens a Santarém; 7) Distância das comunidades a Santarém; 8) Utilização de pesticidas na agricultura; 9) Distância da água para consumo; 10) Porcentagem de casas que apresentam piso de chão batido; 11) Porcentagem de casas que possuem telhados de palha; 11) Freqüência mensal de ingestão de proteínas ( este critério foi usado somente na análise de 1997). Essas variáveis foram processadas no Software STATISTCA, versão 5.0¸utilizando-se a Análise de Agrupamentos, por meio do método hierárquico Complete Linkage. Nesse método, as distâncias entre agrupamentos são determinadas pela maior distância entre dois objetos quaisquer inseridos em diferentes clusters. Para a medida dos coeficientes de similaridade/dissimilaridade utilizou-se a Distância Euclidiana: DistânciaEuclidiana = (b + c ) 2 Intervalo mínimo igual a zero e não há intervalo máximo. 1 ProManejo é um projeto do Programa Piloto Para a Proteção das Florestas Tropicais PPG7, executado pela diretoria de Florestas do IBAMA e pelo Ministério do Meio Ambiente. Os recursos financeiros provêm de doações de organismos de cooperação internacional, organismos multilaterais e contrapartida do governo brasileiro. Resultados e Discussão Comunidades e hábitos alimentares A mandioca é a principal fonte de alimentação das comunidades na FLONA. A maioria das famílias possui casa de farinha própria (61% das famílias - SILLS, 1997) quando não utilizam casas de farinha comunitárias. Da mandioca são retirados diversos subprodutos como: farinha (diversos tipos), beiju, tapioca, tucupi (veneno contra formiga, conservas, sopas, tempero). Além da mandioca são muito consumidos o cará branco e cará roxo. Segundo (MORAN, 1994) essa grande dependência da mandioca pode ser explicada pelas fortes características de adaptação dessa cultura ao solo e clima da região equatorial. A cultura de tubérculos apresenta uma grande produção por unidade 9 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com de mão de obra e de terra. Além disso, são resistentes a pragas e podem ser deixados no solo tanto tempo quanto for necessário. Populações que habitam regiões costeiras ou ribeirinhas tornam-se mais facilmente sedentárias do que populações de caçadores seminômades. Grandes rios e grandes áreas costeiras oferecem recursos extraordinários que estimulam a vida sedentária e uma maior dependência da horticultura (MORAN, 1994). A pesca é a principal fonte de obtenção proteínas pelas comunidades da FLONA, as principais espécies consumidas são: Tucanaré, Pirarucu, Surubim e Tambaqui. A influência cultural da pesca pode ser observada inclusive nas brincadeiras de crianças, que desde cedo tentam pegar piabas (pequenos peixes). Esse fato aponta a forte presença da relação dos ribeirinhos da FLONA com os rios e a atividade pesqueira. Antes de fazer uso da linha e do anzol, as populações da floresta tropical utilizavam uma variedade de arpões, arcos e flechas, armadilhas e venenos naturais para capturar os peixes (Vickers, 1976). No caso das comunidades do Tapajós, as tecnologias empregadas atualmente para a pesca são: a malhadeira, a tarrafa , vara e anzol.Essas ferramentas denotam a evolução de estratégias de adaptação em relação as tecnologias utilizadas para a pesca.Atualmente, a quantidade de peixes vem diminuindo ( segundo depoimentos dos próprios comunitários) e muitos passaram a exercer a atividade pesqueira com o intuito de venda para centros urbanos e outras comunidades. Dessa forma, os ribeirinhos tiveram que adotar tecnologias cada vez mais eficientes para atender as novas necessidades. No levantamento realizado em 1997, os hábitos alimentares dos comunitários foram analisados tendo como parâmetro o consumo diário de proteínas e o tipo de carne predominante na alimentação. De acordo com a Tabela 1, as comunidades ribeirinhas (todas exceto Revolta), tendem a alimentar-se predominantemente de carne de peixe, com freqüência praticamente diária, com exceção das comunidades Bragança, Prainha e Itapaiuna. Apesar de o peixe ser à base da alimentação, em Prainha e Itapaiuna, uma parcela das famílias (5%) não se alimentou de proteína alguma no mês anterior ao levantamento. Em Bragança, grande parte das famílias (33%) alimentou-se de proteínas em poucas ocasiões no mês anterior ao levantamento. Em contrapartida, a comunidade Revolta (não ribeirinha localizada fora da FLONA), apresentou resultados distintos da tendência das demais comunidades. Todas as famílias incluídas no levantamento alimentaram-se de algum tipo de carne durante 10 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com todos os dias do mês. No entanto, apenas 10% dessas famílias alimentou-se de peixe no mês anterior, enquanto que 90% alimentou-se de outro tipo de carne (frango, gado ou porco) ou de carne de caça. Tal fato explica-se pela distância dessa comunidade com relação ao rio Tapajós. A comunidade faz fronteira com a rodovia Cuiabá-Santarém e sofre grande influência da cidade no modo de vida. Os comunitários tendem a trabalhar fora da comunidade e em troca de remuneração, ao invés de trabalharem para garantir a própria subsistência. Tabela 1 – Freqüência do Consumo de Proteínas 1997 Freqüência (dias do mês) Tipo Comunidades Maioria Metade Poucos Nenhum Peixe Caça Bragança 67% 33% 100% Itapuama 100% 100% Itapaiúna 76% 19% 5% 100% Jaguarari 100% 71% 19% Jamaraquá 92% 8% 67% 33% Maguarí 91% 4% 4% 74% 17% Marai 92% 8% 85% Marituba 100% 82% 9% Nazaré 100% 94% Paraíso 89% 11% 100% Pedreira 89% 4% 7% 81% 11% Piní 100% 100% Piquiatuba 97% 3% 92% 8% Prainha 90% 5% 5% 85% 5% Revolta 100% 10% 40% Santa Cruz 93% 7% 79% 7% São Domingos 100% 75% 6% Tauarí 98% 2% 73% 20% Outro 5% 9% 15% 9% 6% 7% 10% 50% 14% 19% 7% Na tabela 2, referente ao levantamento de 2006, nota-se um predominante aumento da freqüência da ingestão de proteínas em relação ao levantamento anterior. Entretanto, algumas comunidades reduziram esta freqüência, como no caso de Jaguararí, Nazaré, Marituba, Revolta e São Domingos. Como pode-se observar o peixe continua sendo a principal fonte de proteína das comunidades, com exceção das comunidades Revolta e Chibé ( não foi analisado em 1997). Tabela 2 – Freqüência de consumo de Proteínas 2006 Freqüência (dias do mês) Comunidades Maioria Metade Poucos Nenhum Bragança 100% Itapuama 100% Itapaiúna 100% Tipo Peixe Caça Outro 100% 100% 100% 11 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Jaguarari Jamaraquá Maguarí Marai Marituba Nazaré Paraíso Acaratinga* Chibé* Taquara* Pedreira Piní Piquiatuba Prainha Revolta Santa Cruz São Domingos Tauarí 90% 100% 100% 100% 79% 94% 83% 100% 73% 100% 100% 100% 100% 90% 64% 100% 94% 97% 5% 7% 6% 5% 14% 17% 18% 27% 9% 10% 9% 6% 3% 86% 92% 93% 100% 79% 89% 83% 100% 9% 100% 93% 100% 97% 95% 27% 85% 100% 97% 10% 3% 5% 8% 3% 14% 7% 11% 18% 73% 7% 3% 27% 5% 45% 15% 3% Agricultura A diversidade e a vigorosa formação secundária ou sucessão do ecossistema constituem entraves e oportunidades. Diversidade, nas regiões tropicais úmidas, significa uma abundância de ervas daninhas e pragas. As populações humanas enfrentam esses problemas utilizando técnicas agrícolas de derrubada e queima das matas, cultivo consorciado (que imita a complexidade do sistema) e ampla separação dos campos. A produtividade do ecossistema oscila entre a prevenção da erosão e a disponibilidade de nutrientes no solo após a abertura de clareiras. As técnicas empregadas para combater ervas daninhas e pragas são também medidas eficazes de conservação, assim como os controles populacionais e a prática do alqueive prolongado.(MORAN, 1994). Em relação a agricultura a prática de pousio se conserva nas comunidades. Primeiramente é realizada a queimada da área de plantio e em seguida são retirados os tocos e faz-se um preparo do solo manual. Essa área é utilizada por um período de 5 a 10 anos e depois é deixada “descansando”. Durante o período de “descanso” o agricultor abre um novo roçado e a área anterior regenera-se formando capoeiras. Entretanto, muitas vezes a queimada não era bem controlada, ocasionando danos irremediáveis a floresta circundante.Diante disso, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) vem implantando junto as comunidades o “ Programa Bom Manejo do Fogo”, instruindo os comunitários a realizar queimadas controladas.Além disso, 12 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com outros projetos vem contribuindo para a redução das queimadas com a introdução de práticas de agricultura ecológica, que buscam aproveitar o mesmo roçado por um maior tempo em substituição ao tradicional sistema de pousio. Em 1997 a média de hectares utilizados para agricultura por família era de 1,81 ha e em 2006 essa média era 0,83 ha por famílias. Esses dados mostram uma redução significativa na área utilizada. Em relação ao uso de agrotóxicos observa-se um aumento entre 1997 e 2006, mesmo com a diminuição das áreas de roçado. Esse aumento indica mudanças na utilização de tecnologias para o cultivo agrícola. Antigamente as técnicas artesanais como a utilização do tucupi no controle de formigas eram mais difundidas. Atualmente esta prática vem sendo substituída pelas iscas químicas convencionais. Agricultura 2,00 1,80 1,60 1,40 1,20 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 1997 2006 Hectares para agricultura Terra Preta de Índio Uso de Pesticidas Figura 1: Gráfico Comparativo do Uso da Terra e Insumos entre 1997 e 2006. Moradia Comparando-se os dados de 97 com de 2006, nota-se uma modificação da preferência de uso de materiais das moradias. O telhado de palha vem sendo substituído por telhas. Em 1997, a maioria das famílias (83%) vivia em casas com cobertura de palha; em 2006 houve uma significativa redução de casas com este tipo de cobertura (69%). Entretanto, três comunidades apresentaram aumento do número de casas com cobertura de palha (Piquiatuba, Marai e Jaguarari). 13 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Segundo (MORAN, 1994), as habitações abertas (para fornecer o máximo de refrigeração durante o dia), ou construções que visam à conservação do calor para proporcionar certo aquecimento durante as noites relativamente frias, são resultados das adaptações culturais ao calor úmido. O uso da palha pelas comunidades do Tapajós, representa uma forma de adaptação ao habitat (clima equatorial). A palha é uma matéria prima abundante na região e é tradicionalmente usada na fabricação das casas. Ela é um material leve e fácil de manejar, além de ter a função de manter o abrigo fresco durante o dia e aquecido à noite. Entretanto, a redução do uso da palha pode significar uma redução da adaptabilidade, já que casas com cobertura de telha promovem intenso aquecimento durante o dia. Por meio de diversos relatos de comunitários foi expresso que a casa ideal seria a de alvenaria e telha, mesmo levando em consideração, o calor que esse tipo de habitação proporciona. Esse fato permite inferir que esta opção é decorrente da influência crescente da sociedade industrial no modo de vida das comunidades. Seguindo essa mesma tendência as comunidades vêm substituindo o tradicional piso de chão batido por outros tipos como, por exemplo, de cimento queimado. Conforme mostra a figura 2. 90% 80% 70% 60% 50% 1997 40% 2006 30% 20% 10% 0% chão batido cobertura de palha Figura 2: Gráfico comparativo dos materiais das habitações entre 1997 e 2006. Êxodo Em 1997 a média de filhos por família que saíram para viver em outro local era de 1,62. No entanto, em 2006 a pesquisa mostrou que um maior número de pessoas 14 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com estava deixando a FLONA (3,03 filhos por família). Essa tendência foi observada em todas as comunidades. Apesar desse crescimento da saída de pessoas da FLONA, muitos desses jovens retornam casados com pessoas naturais de outras regiões. Distância da água Um indicativo interessante de alteração na vida das comunidades é a distância em relação à água, na maioria das comunidades (61%) a distância em minutos da casa do comunitário até a fonte de água para consumo reduziu. Em algumas comunidades essa redução foi muito grande como, por exemplo, Revolta que passou de 24, 38 minutos para 3,40 minutos. Essa alteração deve-se ao fato de que em 2006 revolta já possuía água encanada servindo a maioria das casas. Tabela 3 – Tempo em minutos em relação ao acesso a água Comunidade Braganca Itapaiuna Itapuama Jaguarari Jamaraqua Maguari Marai Marituba Nazare Paraiso Pedreira Pini Piquiatuba Prainha Revolta Santa Cruz Sao Domingos Tauari 1997 2,50 5,24 3,09 2,50 2,50 5,21 2,50 4,33 2,50 3,00 2,78 2,50 4,47 3,25 24,38 3,08 3,44 3,71 2006 2,60 2,23 9,00 3,05 1,00 1,13 3,50 3,71 2,50 3,00 1,19 2,72 3,59 4,62 3,40 2,15 1,06 3,07 Relação com a Floresta e distância ao grande centro urbano Para avaliar uma possível influência da distância das comunidades ao grande centro urbano mais próximo (Santarém) na relação específica de cada comunidade com a floresta, foi criado um critério de classificação para agrupar as comunidades de acordo com a proximidade entre si e a distância à Santarém. Conforme mostra a tabela 4, as comunidades mais próximas à Santarém foram identificadas com a letra A, as intermediárias a letra B e as mais distantes a letra C. As colunas 1997 e 2006 indicam a 15 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com média do número de idas na mata por comunidade, nos anos anteriores aos anos da realização dos levantamentos. Os dados apresentados na Tabela 4 apontam a inexistência da influência das distâncias no número de idas na mata por comunidade. Dessa forma, a hipótese levantada anteriormente: a maior dependência das comunidades em relação a floresta é decorrente da distância a Santarém, não pode ser confirmada. Isso pode ter ocorrido, pois somente uma variável foi considerada para expressar a dependência da mata, tornando a análise limitada. Talvez a inclusão de outras variáveis referentes a relação com mata possibilitem a obtenção de novos resultados. Tabela 4: Idas a Mata X Distância à Santarém Comunidade Braganca Itapaiuna Itapuama Jaguarari Jamaraqua Maguari Marai Marituba Nazare Paraiso Pedreira Pini Piquiatuba Prainha Revolta Santa Cruz Sao Domingos Tauari Distâncias B C C A A A B B B C A B A C A A A B 1997 2,5 8,59 3,5 6,67 6,44 12,91 5,6 11,22 6,83 5,86 6,8 3,92 7,59 21,88 15 8,14 7,08 7,34 2006 12 6 7,6 5,43 5,42 12,97 1,8 7,54 4,33 7,33 7,73 4,88 7,55 5,12 7,18 7,92 3,89 8,62 Análise de Clusters A análise do Dendograma (Figura 3) permite a identificação de três grupos distintos. As comunidades localizadas no extremo esquerdo do dendograma - Revolta (X15), Prainha (X14) e Marituba (X8) e Maguari (X15) - aproximam-se entre si e diferenciam-se de todo o grupo, pois representam as comunidades que mais foram a mata ( de 10 a 25 vezes) para coletar Produtos Florestais não Madeireiros no período de um ano.No lado oposto do dendograma encontram-se as comunidades – Itapuama (X3) , Pini (X12) e Bragança (X1) – que foram menos vezes à mata ( de 0 a 5 vezes) para coletar PFNM no ano anterior a entrevista. As comunidades restantes, localizadas no 16 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com maior agrupamento, apresentaram um número de idas a mata intermediário (de 5 a 10 vezes) a esses dois extremos. As comunidades que mais foram à mata são aquelas que mais venderam Produtos Florestais Não Madeireiros, o que denota uma forte dependência da floresta não só para aquisição de produtos para consumo próprio, mas também para a geração de renda.Dessa forma, o número de idas a mata é um importante critério que diferencia as comunidades. A Comunidade Revolta (X15) encontra-se isolada, pois em relação a distância a água difere muito das outras comunidades. Enquanto nas outras a distância a água não atinge 10 minutos, em Revolta o tempo para obter água é superior a 20 minutos. Assim, pode-se observar que essa variável diferenciou bem a comunidade de Revolta de todas as outras. Essa comunidade não é ribeirinha e por isso apresenta formas de subsistência bem diferenciadas daquelas que habitam as margens do Tapajós. A principal fonte de proteína não é o peixe e sim a caça e outros (carne bovina, avina, suína). No entanto, Revolta está bem próxima da mata da serra (floresta densa) o que explica uma a forte dependência da coleta de PFNMs para a subsistência dessa comunidade. Tree Diagram for 18 Cases Complete Linkage Euclidean distances 30 25 Linkage Distance 20 15 10 5 0 X_15 X_8 X_17 X_10 X_9 X_18 X_4 X_2 X_3 X_14 X_6 X_16 X_7 X_5 X_11 X_13 X_12 X_1 Figura 3: Dendograma comparativo de variáveis para 18 Comunidades (1997) Legenda X1 X2 X3 Bragança Itapaiuna Itapuama X6 X7 X8 Maguari Marai Marituba X11 X12 X13 Pedreira Pini Piquiatuba X16 X17 X18 Santa Cruz Sao Domingos Tauari 17 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com X4 X5 Jaguarari Jamaraqua X9 X10 Nazaré Paraíso X14 X15 Prainha Revolta Considerações Finais A análise de Clusters permitiu identificar duas varáveis determinantes na caracterização das Comunidades. A variável “Distância da Água isolou a comunidade Revolta das demais”, pois essa apresenta características muito diferentes das outras em função de localizar-se mais distantemente de um rio. Outra variável importante consiste no “Número de Idas à Mata para Coletar Produtos Florestais Não Madeireiros”. Essa variável condicionou que comunidades que colhem produtos não madeireiros mais frequentemente apresentassem uma maior semelhança entre si em relação a outras variáveis do que grupos de comunidades que praticam a coleta esporadicamente. A análise foi pertinente ao estudo, pois permitiu organizar e agrupar as comunidades de acordo com as varáveis escolhidas. Sugere-se para estudos subseqüentes que se faça uma comparação dos dendogramas de 1997 e 2006. As comunidades da FLONA vêm modificando as estratégias adaptativas em função do aumento da influência das sociedades urbanas no modo de vida. Essas alterações puderam ser observadas, na tendência a substituição de moradias com cobertura de palha e piso de terra batida por casas de telhas de eternite e piso de cimento queimado. Além disso, o grande aumento no uso de pesticidas na agricultura retrata a adoção de uma tecnologia, proveniente das sociedades industriais. A pesca e a agricultura continuam sendo praticadas de forma semelhante as tradicionais, mas com a introdução de tecnologias que indicam dependência dos núcleos urbanos para serem realizadas, como, por exemplo, o uso de artigos de pesca industrializados (anzol, linha de nylon). As modificações nas estratégias de adaptabilidade por parte das comunidades podem, a princípio, representar um processo de descaracterização da identidade cultural das comunidades. Entretanto, essas mudanças podem estar refletindo as novas necessidades de um povo em sobreviver frente às atuais pressões sócio-ambientais. 18 PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com Referências Bibliográficas CODREAU, H. Viagem ao Tapajós: 28 de julho de 1895 a 7 de janeiro de 1896. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1961. HÉBETTE, J.et al. No mar nos rios e na fronteira: faces do campesinato no Pará. Belém: EDUFPA, 2002. MORAN,F. Adaptabilidade Humana : Uma Introdução à Antropologia Ecológica. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1994. Vol 10, 445p. NIMUENDAJU, C. Excursões pela Amazônia. Revista de Antropologia, v.44, n.1, p.189-199, 2001. RIBEIRO, S. DRP – Relatório da Comunidade de Marai. Santarém: INAMA/ProManejo, 2003.6p. VICKERS, W.Cultural Adaptation to Amazonian Habitats: The Siona-Secoya of Estern Educator.1976 ( tese de doutorado , University of Florida, Department of Antropology). 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