Leia a matéria completa

Transcrição

Leia a matéria completa
TENDÊNCIAS
DÍVIDAS QUE
GERAM LUCRO
de transações da empresa, fica evidente
que a estratégia está no caminho certo.
Em junho de 2011, o valor de face acumulado das transações nas quais a BrD atuou
como cedente ou cessionário foi de R$ 28,6
milhões. Em dezembro de 2012, o valor
atingiu R$ 337,1 milhões – crescimento de
1200% em apenas um ano e meio.
O mercado brasileiro de compra e
venda de dívidas vencidas começa
a amadurecer, abrindo novas
oportunidades de negócios,
que vão das transações
consideradas tradicionais
à criação de fundos de
investimento.
POR
CAMILA
BALTHAZAR
“N
ão há como ser um país
capitalista sem que se
tenha crédito”, afirmou o
ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva durante a abertura do Fórum Brasil-México, realizado em março
de 2008. Na época, também estava em
pauta a comemoração do avanço na indústria do crédito registrado nos cinco anos
anteriores: a concessão havia saltado de R$
300 bilhões para R$ 1 trilhão. A tendência
crescente seguiu firme nos anos seguintes. De acordo com Alexandre Gontijo,
coordenador do setor de Recuperação de
Crédito do Siqueira Castro Advogados, o
Brasil registrou um aumento de 22% entre
os anos de 2008 e 2012.
A leitura deste números está intimamente
ligada ao mercado de compra e venda de
carteiras, que começa a ganhar mais força
no cenário brasileiro. “Com o aumento na
concessão de crédito, espera-se para os
próximos anos um considerável aumento
na inadimplência. Assim, especula-se um
aquecimento do mercado – não apenas
com a compra de carteiras entre os bancos,
mas também entre empresas privadas”,
analisa Gontijo, enfatizando o fato de que
a desaceleração da economia brasileira
aquece o mercado de compra e venda de
ativos. “Além de aumentar a participação
das empresas brasileiras nesse negócio,
36
Credit Performance
há uma grande perspectiva do ingresso
de companhias estrangeiras especializadas tanto em investimentos de compra e
venda, como na qualidade de gestão das
carteiras”, comenta.
NICOLAS OTEGUI
Diretor da área de Reestruturação da KPMG
Tais operações trazem vantagens para os
bancos e empresas de varejo, pois a cessão
dos créditos inadimplentes reduz os custos
de cobrança e permite que as empresas vendedoras liberem-se para a reconstituição
de sua liquidez, concedendo novos créditos
aos clientes. O diretor da área de Reestrutu-
ração da KPMG no Brasil, Nicolas Otegui,
também destaca os benefícios fiscais e
regulatórios, a redução de estoque para
utilizar a equipe de cobrança nos créditos
mais novos e com melhor possibilidade de
recuperação, além da melhora na alocação
de ativos. “Estimamos que existam mais
de R$ 500 bilhões em carteiras de crédito
vencidas acima de 90 dias. Muitas instituições estão começando a ver os benefícios
desse negócio e preparam-se para entrar
no mercado”, afirma Otegui.
Com a filosofia de reconhecer possibilidades onde outros enxergam problemas, a
Brasil Distressed (BrD) foi uma das primeiras empresas a atuar nessa área de aquisição
de créditos com deságio. O sócio-fundador
Carlos Catraio, que já atuou em bancos
como Bank of America, Itaú e BPNBrasil, explica que o foco da empresa está no
crédito distressed, ou seja, dívidas que
sofreram quebra contratual do devedor
para com o credor. “Podemos incluir nas
nossas negociações, entre outras possibilidades, desconto sobre o valor original,
doação de bens, troca por direitos que
o devedor possui e revenda de crédito.
Sempre priorizamos a solução, sem nos
envolvermos com o histórico que levou
à dívida. Assim geramos resultado para
os credores, devedores e nosso próprio
negócio”, diz Catraio. Ao analisar o histórico
CARLOS CATRAIO
Sócio-fundador da Brasil Distressed
TRANSFORMAÇÃO CULTURAL
Entre os especialistas, a opinião de que o
Brasil ainda não tem uma cultura de compra
e venda de carteiras tão forte quanto os outros países é unânime. Os motivos para isso
variam. Segundo Marcel Cecchi, sócio da
Laplace Finanças (antiga Arion Capital), o
perfil do investidor brasileiro ainda é pouco
sofisticado. “Existe uma acomodação. O
brasileiro está acostumado com a renda
fixa e sua pequena parcela de risco. No
momento em que o retorno ficar muito
MARCEL CECCHI
Sócio da Laplace Finanças
baixo, o investidor começará a procurar
alternativas. Com o amadurecimento do
perfil de investimento no Brasil, novos
produtos vão aparecer”, aponta o sócio
da Laplace.
Essa consciência pode ampliar o interesse
nos Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios (FIDCs) – tipo de aplicação
da Bolsa de Valores em que a maior parte
dos recursos é destinada à aquisição desses
créditos que uma empresa tem a receber.
Ou seja, as ações não são a única forma de
investir no mercado de capitais. Por outro
lado, o executivo acredita que ainda deve
haver uma mudança cultural não apenas dos
investidores, como também dos bancos.
“No momento em que os bancos precisarem ser mais eficientes com o capital, eles
vão começar a abrir mão do que não vai
bem e buscarão ser mais criativos com a
locação de capital. Talvez esse mercado
de compra e venda de carteira seja um
bom caminho”, pondera Cecchi.
A espanhola Paloma Cabello, sócia da
CALLIGRAM Partners e assessora da
TPG Credit na Espanha, analisa a experiênciabancáriade outros países e aponta que
as instituições financeiras tendem a esgotar
suas possibilidades de gestão interna até
que as exigências dos Bancos Centrais – ou
sua posição de solvência relacionadas às
normas internacionais – obriguem-nas a
provisões contábeis que façam com que
uma venda externa seja atrativa. “Os bancos
brasileiros não parecem ter esses fatores
pesando em suas costas neste momento.
Esta é uma das razões pelas quais faz sentido
pensar em um desenvolvimento mais precoce da compra e venda de carteiras, pois
as provisões tendem a ser mais agressivas
do que em casos de operações seguras,
como as hipotecas”, opina.
Aproveitando para compartilhar a experiência de seu país, Paloma relata o histórico
espanhol e explica que, em relação ao universo sem garantias, houve um momento
inicial de venda de grandes carteiras detidas por bancos e prestadores de serviço, como o setor de telecomunicações.
“Posteriormente, a parte sem garantia
foi se desenvolvendo com altos e baixos,
porém sempre de forma positiva. Mais
recentemente aconteceu uma mudança
importante devido a dois fatores: a consolidação do mercado bancário com a fusão de
entidades e o momento em que as provisões
obrigatórias passaram a ser mais agressivas”,
comenta a especialista, ressaltando ainda
a importância dos mercados emergentes
observarem as experiências de sucesso de
outros países para evitar erros passados.
O DESAFIO DA PRECIFICAÇÃO
Alguns países já praticam a compra e venda
de carteiras de crédito há mais de duas
décadas. Apesar de estar despertando
agora, o Brasil pode aprender com essas
experiências. O professor de Economia
da IBE-FGV, Paulo Grandi, ilustra esse
tema com o caso da venda de carteiras
ocorrida nos Estados Unidos antes da crise
de 2008. “As carteiras foram vendidas para
instituições europeias e, com a chegada da
crise, foi ruim para quem comprou. Não
que seja um mau negócio, a questão a ser
considerada é a precificação, que ainda é
o grande ponto de interrogação”, expõe
Grandi.
PAULO GRANDI
Professor de Economia da IBE-FGV
Segundo o professor de Economia, a experiência internacional mostra que cobrar 20%
do valor da dívida é uma prática comum,
no entanto não é possível estabelecer esse
número como padrão. “Isso não significa
que não existam negociações por 50%”,
diz. Como o grande boom da concessão
de crédito e a consequente inadimplência
ainda são recentes no Brasil, os bancos estão
observando o cenário de perto.
“Com certeza os bancos têm uma carteira
que gostariam de negociar. Alguns irão
vender; outros vão no sentido contrário,
mantendo a estrutura de cobrança e comprando carteiras de outras instituições. A
experiência vai criar um mercado cada vez
mais maduro para isso, porém ainda não há
como saber quanto vai ser recuperada de
cada transação”, completa o especialista,
deixando a polêmica da precificação no
ar para futuras discussões.Đ
Credit Performance
37