magazine : 12-13 - Kiko Martins • com

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magazine : 12-13 - Kiko Martins • com
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NO TALHO estão disponíveis vários
produtos para acompanhar a refeição
O NOME do restaurante é baseado na filosofia de vida do chef
KIKO MARTINS viajou pelo mundo antes de se fixar em Portugal e abrir o seu talho/restaurante
O segredo é
PARTILHAR
Nasceu no Brasil, fez voluntariado em Moçambique
e estudou no mediática escola parisiense Cordon Bleu.
Aos 34 anos, Kiko Martins é um dos chefs mais
bem-sucedidos do momento. Proprietário do
talho/restaurante O Talho e mentor no programa da RTP,
Chefs’ Academy, este apaixonado por comida garante que
a partilha é o ingrediente secreto para uma boa refeição
Texto de Rita Porto Fotografias de Raquel Wise
Hoje em dia, ser chef está na moda. Nomes como Jamie Oliver, Nigella Lawson,
Heston Blumenthal ou Gordon Ramsay passaram a ser referências do universo mediático, uns pela simplicidade com que transmitem o seu saber, outros pela ciência das
suas receitas, já para não mencionar os que
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se destacam pelo mau feitio. Mas há uma
coisa que todos têm em comum: a paixão
pela comida. E o chef Kiko Martins não é diferente: «A comida é catalisadora de energias e de experiências».
Nascido no Rio de Janeiro no seio de
uma família com origens transmontanas,
a comida serviu de elemento central e
agregador numa casa com oito pessoas.
«Sempre demos relevância ao estar à
mesa, era sempre um acontecimento muito especial em que parávamos para estar».
Aos 12 anos começou a aventurar-se no
mundo das panelas, que na altura estavam
a cargo da mãe e da avó, mas só a meio do
curso de Gestão percebeu que uma vida
enfiado num escritório não era para si. O
‘clique’ deu-se quando fazia uma acção de
voluntariado: «Acho que foi quando entregava umas sanduíches aos sem-abrigo
que percebi que através da comida conseguia chegar às pessoas e foi assim que decidi que queria ser cozinheiro».
A pressão familiar levou Kiko a terminar
a licenciatura antes de se mergulhar de cabeça na culinária. Concluído o curso, rumou
para França, onde estudou na conhecida escola de culinária Cordon Bleu, na capital
francesa. Com um diploma na mão, foi depois estagiar para dois restaurantes em Paris: no Ledoyene (com três estrelas Michelin) e no AM Le Bistro. De regresso a Portugal, trabalhou com o chef Joachim Koerper
no restaurante Eleven e, oito meses depois,
decidiu abrir o seu próprio restaurante.
O Masstige surge em 2006, altura em que
Kiko conhece a mulher. Pouco tempo depois
um sonho comum fá-los rumar a terras africanas. «A minha vida sempre passou muito por duas coisas: pela cozinha e pelo lado
social. Começámos a sonhar em fazer voluntariado juntos, casámo-nos e fomos para
Moçambique». O casal esteve durante um
ano na cidade da Beira. A experiência, segundo o chef, não só os fez «refocar no essencial da vida, as pessoas» mas também levou a pensar no que iriam fazer a seguir.
«Percebemos que não queríamos voltar a
Portugal, queríamos fazer uma coisa completamente diferente: aprofundar o nosso
gosto pela cozinha e pela mesa, e fazer um
projecto de uma família que queria estar
com outras famílias pelo mundo».
Assim nasce o projecto Eat the World, que,
em 2010, os levou a viajar durante um ano
por 26 países para perceberem a verdadeira gastronomia local. Em especial «o conhecimento das donas de casa». «Elas é que são
as grandes transmissoras dos bons conheci-
mentos». Uma viagem que não teria tido o
mesmo sabor se a tivesse feito sozinho: «O
verdadeiro sabor da comida não reside só
nela, reside na partilha e a coisa que mais
gostei da viagem foi poder partilhá-la com a
pessoa que amo».
A chegada do casal dá-se no pico da crise.
Ainda assim Kiko Martins decide abrir um
talho, uma ideia que surgiu depois de ter
ido comprar carne a um talho para o seu filho e de lhe ter desagradado a falta de pri-
«Acho que foi quando
entregava sanduíches
aos sem-abrigo que decidi
que queria ser cozinheiro»
mor e cuidado do talhante para com o produto. O talho/restaurante O Talho: Parte e
Reparte abriu em Março de 2013 e divide-se
em dois espaços. De um lado, o talho, onde
qualquer cliente se pode dirigir ao balcão e
encomendar a carne que pretende, tendo
vários tipos à escolha, mas também batatas
fritas e molhos para acompanhar, entre outros. Por outro lado, o restaurante, com um
menu com comida dos sete cantos do mundo. «O nome [do restaurante] é: ‘Quem parte e reparte e dá a melhor parte, vive a vida
com mais arte’. Este é um talho onde nós
tentamos partir e repartir para dar o melhor ao outro. Está muito baseado naquilo
em que acredito, que é: se vivermos para
nós e focados em nós, somos pequenos, somos pobres».
Kiko é ainda um dos professores do programa da RTP Chefs’ Academy, onde conhecidos nomes da gastronomia portuguesa dão aulas de culinária a 12 alunos. «É
uma outra partilha. A gastronomia é daquelas coisas que por mais idade e conhecimento que vamos tendo, vamos conhecer cada vez mais e vamos percebendo que
sabemos muito pouco».
Kiko Martins já tem outros projectos em
mente, e todos eles ligados à comida: «Não
me imagino fora da cozinha. É um meio em
que quero estar, quero viver e aprofundar
a paixão e imagino-me a conciliar as duas
coisas: a parte social e a cozinha. Isso é um
sonho muito antigo». l
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