Neurociências
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Neurociências
volume 13 — nº 2 — 2005 ISSN - 0104-3579 www.unifesp.br/dneuro Artigos • Car act er ização dos ac hados do pr ocessament onológico Caract acter erização achados processament ocessamentoo auditiv auditivoo e ffonológico em cr ianças com Doença Cer ebr -Isq uêmica crianças Cerebr ebroovascular ascular-Isq -Isquêmica • O eexxer cício em doenças neur omuscular es ercício neuromuscular omusculares em em gêmeas • Funcionament uncionamentoo da via auditiv auditivaa e da linguag linguagem monozig óticas com car act erís ticas de mutismo sele tiv monozigóticas caract acterís erísticas seletiv tivoo ent es ór io nos dif er es qque ue inf luenciam o pr • Fat or erent entes prognós ognóstico deambulatór ório difer ores influenciam ator ognós tico deambulat nív eis de lesão da mielomeningocele níveis es, rrespir espir ação bucal e dis túrbios • Or Orttopedia funcional dos maxilar maxilares, espiração distúrbios respir at ór ios do sono em cr ianças espirat atór órios crianças • A cognição espacial e seus dis túrbios: o papel do Cór distúrbios: Córttex Par ie os ior arie iett al PPos ostter erior • Trombólise no A cident ascular Cer ebr al Isq uêmico: uma mudança Acident cidentee V Vascular Cerebr ebral Isquêmico: conceitual er • Atuação do Oxido Nítr ico ffor or Ner ervvoso Nítrico oraa do Sis Sisttema N Neurociências Editorial revista 59 Neurociências A neurologia e o sono: vamos dormir mais uma vez? Em junho deste ano realizou-se em Denver, CO, USA, o Congresso Americano de Sono (Associated Professional Sleep Societies 19th Annual Meeting), que foi marcado por alguns eventos importantes. O primeiro deles foi a publicação definitiva, ainda que com algumas imperfeições do ponto de vista operacional para a prática médica Americana, da Classificação Internacional de Distúrbios do Sono. Outro aspecto relevante dos trabalhos arrolados no extenso programa do congresso foi a apresentação de evidências científicas de excelente qualidade, demonstrando fenômenos degenerativos de áreas específicas do Sistema Nervoso Central em modelos experimentais de distúrbios respiratórios do sono. A Classificação ficou mais prática e objetiva, tendo retornado ao seu bojo a perspectiva clínica da especialidade. Desapareceram termos imprecisos e inúteis como “dissonias” e principalmente “distúrbios extrínsecos” e “intrínsecos do sono”, pois, acertadamente, viu-se que é muito difícil, à luz de conhecimentos de um determinado período, inferir-se sobre a natureza de complexos eventos fisiopatológicos. Ressalte-se ainda que o Sistema Nervoso opera funcionalmente como um transdutor, tornando real a enorme quantidade de variáveis onde se encontra mergulhado. Assim não é possível dizer que um evento da dimensão física, como variações de temperatura, ou ainda condições supostamente insubstanciais como a percepção do próprio estado sócioeconômico e produtivo, não provoque respostas adaptativas que culminem em realidades nosológicos, como por exemplo a insônia. Não é possível separar este que é um continuum: o corpo e o universo (não-corpo). A Classificação atual também não se preocupa com exigências relativas aos critérios mínimos de diagnóstico, e os principais grupos de distúrbios do sono ficaram assim divididos: 1) Insônia; 2) Distúrbios respiratórios associados ao sono; 3) Hipersonias de origem central não relacionadas a desordens do ritmo circadiano, distúrbios respiratórios do sono, ou outra causa de distúrbio noturno do sono; 4) Distúrbios do sono associados ao ritmo circadiano 5)Parassonias; 6)Distúrbios de movimentos relacionados ao sono; 7) Sintomas isolados; 8) Outros distúrbios do sono. Desde a década de 40 Moruzzi e Magoun, demonstraram o papel definitivo da substância reticular nos mecanismos de sono e vigília. Desde cedo perceberam, em seus modelos de cérebro e encéfalo isolado, que o contingente superior da formação reticular estava associado ao estado de vigília, dessincronização do EEG e despertar a partir do sono. Embora não saibamos com precisão os complexos mecanismos que se associam à indução e manutenção do sono e da vigília, alguns conhecimentos neuro-anatômicos, como as projeções difusas do locus coeruleus (projeções noradrenérgicas), inclusive para as colunas corticais, permitiram investigações que levaram a demonstrar a ocorrência de grande perda neuronal nesta região quando modelos experimentais (ratos) são submetidos a hipóxia intermitente, como a que ocorre na síndrome da apnéia obstrutiva do sono. Parece que a sonolência excessiva diurna destes pacientes, mesmo após efetivo tratamento, tem suas raízes na despopulação neuronal cerúlea, que poderia estar implicada com os mecanismos de manutenção da vigília, alerta e atenção. Achados como estes consolidam de vez o imprescindível envolvimento dos neurologistas e neurocientistas no campo da medicina do sono; onde a necessidade de alguma familiaridade com os conhecimentos de medicina interna, adquiridos durante a residência, precisam ser mantidos ou ampliados; onde a prática interdisciplinar amalgamada numa linguagem única é fundamental. Mas este é apenas um pequeno desafio aos neurologistas, que se não acordarem para esta nova realidade, deixarão mais uma especialidade neurológica escapar às “suas mãos”, como aconteceu com a dor. Gilmar Fernandes do Prado Editor Índice ARTIGOS ORIGINAIS Caracterização dos achados do processamento auditivo e fonológico em crianças com Doença Cerebrovascular-Isquêmica Cláudia Maria Sedrez Gonzaga Ronchi, Simone Aparecida Capellini, Leonardo Souza Oliveira, Sylvia Maria Ciasca, Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro ................................................................................................................................................................................................. 61 O exercício em doenças neuromusculares Victor AF Tarini, Lígia Vilas, Márcia CB Cunha, Acary SB Oliveira .................................................................................................................................................... 67 Funcionamento da via auditiva e da linguagem em gêmeas monozigóticas com características de mutismo seletivo Renata Aparecida Leite, Luciene Stivanin, Christian César Cândido de Oliveira, Caroline Rondina, Carla Gentile Matas, Claudia Inês Scheuer .................. 74 Fatores que influenciam o prognóstico deambulatório nos diferentes níveis de lesão da mielomeningocele Ramos FS, Macedo LK, Scarlato A, Herrera G ..................................................................................................................................................................................... 80 ARTIGOS DE REVISÃO Ortopedia funcional dos maxilares, respiração bucal e distúrbios respiratórios do sono em crianças Débora Aparecida Lentini-Oliveira, Fernando Rodrigues Carvalho, Marco Antônio Cardoso Machado, Lucila Bizari Fernandes Prado, Gilmar Fernandes do Prado ............................................................................................................................................................................................................... 87 A cognição espacial e seus distúrbios: o papel do Córtex Parietal Posterior Tobias Alécio Mattei, Josias Alécio Mattei .............................................................................................................................................................................................. 93 Trombólise no Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: uma mudança conceitual Jamary Oliveira-Filho ............................................................................................................................................................................................................................ 100 Atuação do Oxido Nítrico fora do Sistema Nervoso Silvana Alves, Lucia S Ishiki ................................................................................................................................................................................................................ 105 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 Neurociências 60 REVISTA NEUROCIÊNCIAS Editor Chefe / Editor in chief Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD, São Paulo, SP Editora Executiva / Executive Editor Luciane Bizari Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Co-editor / Co-editor José Osmar Cardeal, MD, PhD, São Paulo, SP. Editores Associados / Associate Editors Alberto Alain Gabbai, MD, PhD, São Paulo, SP Esper Abrão Cavalheiro,MD, PhD, São Paulo, SP Fernando Menezes Braga, MD, PhD, São Paulo, SP Corpo Editorial / Editorial Board Desordens do Movimento / Movement Disorders Chefe / Head Henrique Ballalai Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Francisco Cardoso, MD, PhD, Belo Horizonte, MG Sônia Maria Cézar de Azevedo Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Egberto Reis Barbosa, MD, PhD, São Paulo, SP Maria Sheila Guimarães Rocha, MD, PhD, São Paulo, SP Vanderci Borges, MD, PhD, São Paulo, SP Roberto César Pereira do Prado, MD, PhD, Aracajú, SE Epilepsia / Epilepsy Chefe / Head Elza Márcia Targas Yacubian, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Américo Ceike Sakamoto, MD, PhD, São Paulo, SP Carlos José Reis de Campos, MD, PhD, São Paulo, SP Luiz Otávio Caboclo, MD, PhD, São Paulo, SP Alexandre Valotta da Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Margareth Rose Priel, MD, PhD, São Paulo, SP Henrique Carrete Jr, MD, PhD, São Paulo, SP Neurophysiology Chefe / Head João Antonio Maciel Nóbrega, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Nádia Iandoli Oliveira Braga, MD, PhD, São Paulo, SP José Fábio Leopoldino, MD, Aracajú, SE José Maurício Golfetto Yacozzill, MD, Ribeirão Preto, SP Francisco José Carcchedi Luccas, MD, São Paulo, SP Gilberto Mastrocola Manzano, MD, PhD, São Paulo, SP Carmelinda Correia de Campos, MD, PhD, São Paulo, SP Reabilitação / Rehabilitation Chefe / Head Sissy Veloso Fontes, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Jefferson Rosa Cardoso, PhD, Londrina, PR. Márcia Cristina Bauer Cunha, PhD, São Paulo, SP Ana Lúcia Chiappetta, PhD, São Paulo, São Paulo, SP Carla Gentile Matas, PhD, São Paulo, SP Fátima Abrantes Shelton, MD, PhD, Edmond, OK, USA Sandro Luiz de Andrade Matas, MD, PhD, São Paulo, SP Luci Fuscaldi Teixeira-Salmela, PhD, Belo Horizonte, MG Fátima Valéria Rodrigues de Paula Goulart, PhD, Belo Horizonte, MG Patricia Driusso, PhD, São Paulo, SP Distúrbios do Sono / Sleep Disorders Chefe / Head Lucila Bizari Fernandes do Prado, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Flávio Aloe, MD, São Paulo, SP Stela Tavares, MD, São Paulo, SP Dalva Poyares MD, PhD, São Paulo, SP Ademir Baptista Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Alice Hatsue Masuko, MD, São Paulo, SP Luciane B. Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Maria Carmen Viana, MD, PhD, Vitória, ES Virna Teixeira, MD, PhD, São Paulo, SP Geraldo Rizzo, MD, Porto Alegre, RS Rosana Cardoso Alves, MD, PhD, São Paulo, SP Robert Skomro, MD, FRPC, Saskatoon, SK, Canadá Sílvio Francisco, MD, São Paulo, SP Doenças Cerebrovasculares / Cerebrovascular Disease Chefe / Head Ayrton Massaro, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Aroldo Bacelar, MD, PhD, Salvador, BA Alexandre Longo, MD, PhD, Joinvile, SC Carla Moro, MD, PhD, Joinvile, SC Cesar Raffin, MD, PhD, São Paulo, SP Charles Andre, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Gabriel de Freitas, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Jamary de Oliveira Filho, MD, PhD, Salvador, BA Jefferson G. Fernandes, MD, PhD, Porto Alegre, RS Jorge Al Kadum Noujain, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Márcia Maiumi Fukujima, MD, PhD, São Paulo, SP Mauricio Friedirish, MD, PhD, Porto Alegre, RS Rubens J. Gagliardi, MD, PhD, São Paulo, SP Soraia Ramos Cabette Fabio, MD, PhD, São Paulo, SP Viviane de Hiroki Flumignan Zétola, MD, PhD, Curitiba, PR Oncologia / Oncology Chefe / Head Suzana Maria Fleury Mallheiros, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Carlos Carlotti Jr, MD, PhD, São Paulo, SP Fernando A. P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Guilherme C. Ribas, MD, PhD, São Paulo, SP João N. Stavale, MD, PhD, São Paulo, SP Doenças Neuromusculares / Neuromuscular disease Chefe / Head Acary de Souza Bulle de Oliveira, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Edimar Zanoteli, MD, PhD, São Paulo, SP Helga Cristina Almeida e Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Leandro Cortoni Calia, MD, PhD, São Paulo, SP Luciana de Souza Moura, MD, PhD, São Paulo, SP Laboratório e Neurociência Básica / Laboratory and Basic Neuroscience Chefe / Head Maria da Graça Naffah Mazzacoratti, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Beatriz Hitomi Kyomoto, MD, PhD, São Paulo, SP Célia Harumi Tengan, MD, PhD, São Paulo, SP Maria José S. Fernandes, PhD, São Paulo, SP Mariz Vainzof, PhD, São Paulo, SP Iscia Lopes Cendes, PhD, Campinas, SP Débora Amado Scerni, PhD, São Paulo, SP João Pereira Leite, MD, PhD, Ribeirão Preto, SP Luiz Eugênio A. M. Mello, MD, PhD, São Paulo, SP Líquidos Cerebroespinhal / Cerebrospinal Fluid Chefe / Head João Baptista dos Reis Filho, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Leopoldo Antonio Pires, MD, PhD, Juiz de Fora, MG Sandro Luiz de Andrade Matas, MD, PhD, São Paulo, SP José Edson Paz da Silva, PhD, Santa Maria, RS Ana Maria de Souza, PhD, Ribeirão Preto, SP Neurologia do Comportamento / Behavioral Neurology Chefe / Head Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Ivan Okamoto, MD, PhD, São Paulo, SP Thais Minetti, MD, PhD, São Paulo, SP Rodrigo Schultz, MD, PhD, São Paulo, SP Sônia Dozzi Brucki, MD, PhD, São Paulo, SP Neurocirurgia / Neurosurgery Chefe / Head Mirto Nelso Prandini, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Fernando Antonio P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Antonio de Pádua F. Bonatelli, MD, PhD, São Paulo, SP Sérgio Cavalheiro, MD, PhD, São Paulo, SP Oswaldo Inácio de Tella Júnior, MD, PhD, São Paulo, SP Orestes Paulo Lanzoni, MD, São Paulo, SP Ítalo Capraro Suriano, MD, São Paulo, SP Samuel Tau Zymberg, MD, São Paulo, SP Neuroimunologia / Neuroimmunology Chefe / Head Enedina Maria Lobato, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Nilton Amorin de Souza, MD, São Paulo, SP Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas / Pain, Headache and Autonomic Function Chefe / Head Deusvenir de Souza Carvalho, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Angelo de Paola, MD, PhD, São Paulo, SP Fátima Dumas Cintra, MD, São Paulo, SP Paulo Hélio Monzillo, MD, São Paulo, SP José Cláudio Marino, MD, São Paulo, SP Marcelo Ken-It Hisatugo, MD, São Paulo, SP Interdisciplinaridade e história da Neurociência / Interdisciplinarity and History of Neuroscience Chefe / Head Afonso Carlos Neves, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members João Eduardo Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Flávio Rocha Brito Marques, MD, São Paulo, SP Vinícius Fontanesi Blum, MD, São Paulo, SP Rubens Baptista Júnior, MD, São Paulo, SP Márcia Regina Barros da Silva, PhD, São Paulo, SP Eleida Pereira de Camargo, São Paulo, SP Dante Marcello Claramonte Gallian, PhD, São Paulo, SP Neuropediatria / Neuropediatrics Chefe / Head Luiz Celso Pereira Vilanova, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Marcelo Gomes, São Paulo, SP Coordenação editorial, criação, diagramação e produção gráfica: Atha Comunicação & Editora Rua Machado Bittencourt, 190 - 4º andar - conj. 410 CEP: 04044-000 - São Paulo - SP - Tel.: (11) 5087-9502 - Fax: (11) 5579-5308 - email: [email protected] Os pontos de vista, as visões e as opiniões políticas aqui emitidas, tanto pelos autores, quanto pelos anunciantes, são de responsabilidade única e exclusiva de seus proponentes. Tiragem: 3.000 exemplares REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 Neurociências 61 Artigo Original Caracterização dos achados do processamento auditivo e fonológico em crianças com Doença Cerebrovascular-Isquêmica Characterisation of the auditory and phonologic process in children with Ischemic Cerebral Vascular Disease Cláudia Maria Sedrez Gonzaga Ronchi1, Leonardo Souza Oliveira1, Simone Aparecida Capellini2, Sylvia Maria Ciasca3, Maria Valeriana Leme de Moura-Ribeiro4 RESUMO A criança acometida por Doença Cérebro Vascular (DCV) apresenta alterações de habilidades auditivas e fonológicas transitórias ou permanentes dependendo da época, do tipo e do local da lesão neurológica. Objetivo: Caracterizar os achados do processamento auditivo e fonológico em sujeitos com DCV-Isquêmica e relacionar os dados da avaliação do processamento auditivo e fonológico com os achados neurológico e de neuroimagem. Método: Participaram, deste estudo 5 sujeitos, sendo 4 meninos e uma menina na faixa etária de 7 a 13 anos de idade. Foram realizadas avaliações neurológica, de imagem, prova de consciência fonológica, prova de nomeação automática rápida. Resultados: Os sujeitos com DCV-I com insulto à direita e à esquerda apresentaram comprometimento em habilidade auditiva e em processamento fonológico, ocasionando lentidão quanto ao acesso e evocação do léxico mental, entretanto, ressaltamos que o comprometimento foi maior no sujeito com insulto à esquerda. Conclusão: Os achados deste estudo revelaram que quando há insulto em áreas neurológicas frontais, temporais e parietais em ambos os hemisférios, as habilidades referentes ao acesso ao léxico mental, ao uso da memória de trabalho e a consciência fonológica ficam prejudicadas, isto porque são dependentes do uso do processamento auditivo-verbal situado nestas regiões. Unitermos: Acidente cerebrovascular, Percepção auditiva, Percepção da fala. Citação: Ronchi CMSG, Capellini SA, Oliveira LS, Ciasca SM, Moura-Ribeiro MVL. Caracterização dos achados do processamento auditivo e fonológico em crianças com Doença Cerebrovascular-Isquêmica. Rev Neurociencias 2005; 13(2):061-066. SUMMARY Subject: The child with Cerebral Vascular Disease (CVD) presents auditory and phonological disorders that can be transitory or permanent depending on the period, type and localization of neurological lesion. Objective: Characterize the auditory and phonologic process findings in subjects with Ischemic CVD and connect the data of auditory and phonological evaluation with neurological and neuroimaging findings. Method: 5 subjects (4 boys and one girl) formed Trabalho Realizado: Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual de Campinas – FCM/UNICAMP 1 - Fonoaudióloga e Neurologista Infantil. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas – FCM/UNICAMP-Campinas - SP 2 - Fonoaudióloga. Doutora e Pós-Doutoranda em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas – FCM/UNICAMPCampinas – SP. Docente do departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/UNESP-Marília- SP 3 - Neuropsicóloga. Professora Assistente da Disciplina de Neurologia Infantil da Faculdade de Ciências Médicas – FCM/UNICAMPCampinas – SP 4 - Neurologista Infantil. Professora Titular da Disciplina de Neurologia Infantil da Faculdade de Ciências Médicas – FCM/UNICAMPCampinas – SP * Grupo de Pesquisa do CNPq “Anormalidades Neurovasculares na Infância” Endereço para correspondência: Simone Aparecida Capellini Rua Bartolomeu de Gusmão, 10-84, Jardim América, Bauru – SP. CEP: 17.017-326 Telefone de Contato: 14- 3227-2432 ou 14- 9702-5470 E-mail: [email protected] Trabalho recebido em 04/04/05. Aprovado em 29/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066) Neurociências 62 Study Group, 7 to 13 years old. It has been done neurological evaluations, imaging, phonologic awareness test, and rapid automatic naming. Results: The subjects with Ischemic CVD with right and left damage present auditory and phonological disorder, causing slowness as access and recall of the mental lexicon, however, we emphasize that the major disorder was in the subjects with left damage. Conclusion: The findings of this study revealed that when there is damage in frontal, temporal, and parietal areas in both hemispheres, the abilities of access of the mental lexicon, use to working memory and phonological awareness were altered, because they are dependent of the verbal-auditory process located in this areas. Keywords: Cerebrovascular disease, Auditor y perception, Speech perception. Citation: Ronchi CMSG, Capellini SA, Oliveira LS, Ciasca SM, Moura-Ribeiro MVL. Characterisation of the auditory and phonologic process in children with Ischemic Cerebral Vascular Disease. Rev Neurociencias 2005; 13(2):061-066. INTRODUÇÃO MÉTODOS Dentre as afecções que podem comprometer o Sistema Nervosos Central (SNC), destaca-se a Doença Cérebro Vascular (DCV), termo utilizado para designar anormalidades do cérebro como resultado de processo patológico nos vasos sangüíneos. Participaram deste estudo 5 sujeitos, com idade entre 7 e 13 anos, (4 meninos e uma menina), nascidos de termo, com diagnóstico comprovado por imagem de lesão vascular cerebral unilateral. Esses sujeitos foram atendidos e orientados a partir da fase aguda da DCV na enfermaria de Pediatria do Hospital de Clínicas Faculdade de Ciências Médicas-UNICAMP. Nas últimas duas décadas, os estudos sobre essa doença na infância auxiliado por recursos laboratoriais e técnicas não-invasivas de neuroimagem possibilitaram a ampliação dos conhecimentos pelos profissionais da área da saúde, particularmente, sobre a DCV em recém-nascidos a termo, em crianças e adolescentes. Segundo a literatura, a incidência da DCV na população infantil gira em torno de 2,52/100.000 a 7,91/100.000 habitantes/ano1, 2. Embora na literatura, se verifique crescente interesse pela investigação da DCV na infância, ainda é restrito o número de trabalhos que enfoquem o impacto desta anormalidade na aquisição e desenvolvimento da linguagem da criança. Tomando por base que a lesão no SNC, decorrente da DCV, pode ocorrer em áreas focais ou difusas alterando as funções neuronais, as habilidades da linguagem podem encontrar-se alteradas de forma transitória ou permanente dependendo da época, do tipo e do local da lesão neurológica. Para a ocorrência do processamento lingüístico adequado é necessário que as habilidades auditivas estejam íntegras, porque desta forma o sinal acústico da fala será codificado, decodificado e integrado garantindo a criança o reconhecimento de padrões fonológicos presentes na linguagem oral3. Tanto no comportamento auditivo mais elementar como nas tarefas de linguagem receptiva, as habilidades de processamento auditivo e as habilidades de processamento cognitivo estão intimamente interconectadas, não podendo ser facilmente separadas em seus diferentes componentes4. Com base no exposto acima, este estudo tem por objetivos: 1) caracterizar os achados da avaliação do processamento auditivo e fonológico de crianças com DCV Isquêmica (DCV-I) e 2) relacionar os dados da avaliação do processamento auditivo e fonológico com os achados neurológico e de neuroimagem. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066) Esses sujeitos foram submetidos a avaliação neurológica; tomografia computadorizada (CT); Ressonância Magnética (RM); Avaliação do processamento auditivo – Teste de Dissílabos Alternados em Português - Staggered Spondaic Word test - SSW5,6; Teste dicótico consoante vogal7 e Teste de escuta dicótica com dígitos8; Avaliação do processamento fonológico (Prova da Consciência Fonológica- PCF)9 e Prova de Nomeação Automática Rápida - RAN10. Os procedimentos aplicados nos sujeitos deste estudo são normatizados para a faixa etária dos mesmos. Os procedimentos de processamento auditivo foram realizados no Ambulatório de Distúrbios da Comunicação no Laboratório de Audiologia do Departamento de Otorrinolaringologia da FCM UNICAMP. Os resultados da avaliação audiológica revelaram-se dentro dos padrões de normalidade, o que permitiu a realização das provas de processamento auditivo e fonológica. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM- UNICAMP, segundo as determinações do Conselho Nacional de Saúde (Resolução 196/96), sob o n° 278/2001. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos responsáveis antes do início das avaliações. RESULTADOS Os dados referentes à identificação dos sujeitos, sexo, idade, local da lesão e etiologia da DCV-I estão descritos na Tabela 1. Os sujeitos S1, S3, S4 e S5 apresentam lesão cortical/subcortical, o sujeito S2 possui lesão apenas cortical. Os sujeitos S1, S3, S4 foram acometidas por lesão fronto-temporal e o sujeito S2 teve comprometimento parietal. Na análise da Tabela 1 verificamos que 4 sujeitos apresentaram comprometimento do hemisfério direito e Neurociências 63 Legenda: Hem., hemisfério lesionado; E, esquerdo; D, direito; Br, branco; ñBr, não branco; M, masculino; F, feminino; a, anos; m, meses; C, cortical; SC, subcortical; Fr, frontal; T, temporal; P, parietal; *, idade na avaliação; **, idade no momento da lesão; TC, tomografia computadorizada; RM, ressonância magnética; ACM, artéria cerebral média e RP, ramos perfurantes. Tabela 1. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Dados de identificação dos sujeitos do estudo. um sujeito com comprometimento do hemisfério esquerdo, sendo o envolvimento vascular agudo no território da artéria cerebral média, com ou sem lesão de ramos perfurantes. Na Tabela 2 registramos o desempenho em habilidade do processamento auditivo dos sujeitos apresentando o percentual de erros no teste Staggered Spondaic Word –SSW e no teste de escuta dicótica com dígitos (DD). Na análise dos dados constatamos percentual de erros muito alterado do sujeito S1 na condição direita competitiva; o sujeito S4, maior número de erros na orelha ipsilateral à lesão; os demais sujeitos obtiveram melhor desempenho na orelha ipsilateral a lesão. Evidenciamos no teste de dicótico de dígitos que o sujeito S1 apresentou 81,3% de erros na orelha contra lateral a lesão; o sujeito S3, 22,5% erros na orelha contra lateral à lesão; o sujeito S4 e S5, alteração para as duas orelhas, e o sujeito S2 não apresentou alteração nas duas orelhas. O desempenho dos sujeitos no teste consoante vogal referente aos acertos e erros nas três etapas, atenção livre, atenção direita e atenção esquerda está na Tabela 3. Legenda: SSW: Staggered Spondaic Word, DNC, direita não competitiva; DC, direita competitiva; EC, esquerda competitiva; ENC, esquerda não competitiva, Teste de escuta dicótica com dígitos: OD, orelha direita; OE, orelha esquerda. Tabela 2. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição do percentual de erros dos sujeitos no SSW. Na análise da Tabela 3 observamos que o sujeito S1 obteve vantagem da orelha esquerda, ou seja, ipsilateral à lesão; os sujeitos S2, S3 e S5 com lesão em hemisfério direito apresentaram vantagem da orelha ipsilateral à lesão. O sujeito S4 apresentou desempenho inferior para a orelha ipsilateral à lesão. A Tabela 4 apresenta o desempenho dos sujeitos na prova de consciência fonológica PCF. Na análise da Tabela 4 constatamos desempenho inferior do sujeito S1 em relação aos demais sujeitos, Legenda: OD, orelha direita; OE, orelha esquerda. Tabela 3. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição dos acertos e erros dos sujeitos no teste consoante vogal, nas 3 etapas: atenção livre, atenção direita e atenção esquerda. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066) Neurociências 64 Legenda: SiS, síntese silábica; SiF, síntese fonêmica; Alit, aliteração; SeS, segmentação silábica; SeF, segmentação fonêmica; ManS, manipulação silábica; ManF, manipulação fonêmica; TrS, transposição silábica; TrF, transposição fonêmica. Tabela 4. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição do desempenho dos sujeitos na PCF. com exceção da tarefa de síntese silábica. Os outros 4 sujeitos apresentaram maior dificuldade na transposição fonêmica, tarefa que exige raciocínio e planejamento para modificar os fonemas de posição para formação de nova palavra. O sujeito S2 apresentou desempenho dentro do normal para escolaridade e faixa etária. Na Tabela 5 apresentamos o desempenho dos sujeitos na prova de Nomeação Automática Rápida. Na análise da Tabela 5 evidenciamos maior lentidão nos 4 subtestes do sujeito S1 em relação aos demais sujeitos. Tabela 5. Doença Cérebro-vascular Isquêmica - Distribuição dos valores em minutos e segundos dos sujeitos na prova da RAN. DISCUSSÃO Na análise do desempenho dos sujeitos deste estudo relacionando as habilidades auditivas com o processamento fonológico verificamos que o sujeito S1 apresenta memória auditiva comprometida com padrão de resposta tipo A, identificada pela testagem com o SSW, revelando alteração de processamento auditivo do tipo decodificação e integração. Estas alterações de processamento estão provavelmente relacionadas a localização da lesão em região têmporo-parietal à esquerda envolvendo o giro temporal médio e superior, região esta que contém as conexões necessárias para a codificação, decodificação e integração do estímulo auditivo; este comprometimento ocasiona alterações no uso de estratégias de evocação e recuperação de padrões fonêmicos e silábicos para formação de palavras ou acesso ao léxico mental evidenciado objetivamente em provas de consciência fonológica e de memória de trabalho, como a PCF e a RAN. Ressaltamos ainda, que REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (061-066) este sujeito 1 apresentou alteração significante em consoante-vogal e dicótico de dígitos, o que compromete o uso de processos atencionais e perceptivos para formação dos elementos acústicos-fonêmicos da palavra. Na análise realizada com os sujeitos S2, S3 e S4, verificamos que apesar do insulto ter acometido o hemisfério direito, o desempenho em relação a memória auditiva foi semelhante ao S1, ou seja, com comprometimento e padrão de resposta tipo A, identificada pelo testagem com o SSW, revelando alteração de processamento auditivo do tipo decodificação e integração. Entretanto, também foi evidenciado alteração referente ao efeito auditivo, o que justificaria o comprometimento de memória destes sujeitos, uma vez que esta análise qualitativa se refere a categorização de perda gradual de memória, em nível de processamento auditivo. Tal alteração provavelmente se deve ao fato destes pacientes apresentarem lesão em lobo parietal, como o sujeito S2 e em lobos fronto-têmporo-parietal, como os sujeitos S3 e S4. O perfil auditivo e fonológico destes sujeitos está relacionado com a dificuldade em organizar e planejar a ordem para composição e recomposição de palavras conforme evidenciada nos testes de processamento auditivo consoante-vogal, dicótico de dígitos, no subteste de transposição fonêmica da PCF e a lentidão no acesso ao léxico mental demonstrada em cores e objetos da RAN. Quando a criança apresenta lentidão na produção ou evocação da palavra é indicativo de atraso no desenvolvimento da fala e leitura, uma vez que isto decorre de dificuldade de associação do código visual com o código fonológico11-13. Com relação ao sujeito S5 pudemos verificar que como o mesmo apresentou insulto neurológico em idade mais precoce que os demais, não foi identificado alterações referente a decodificação ou integração de estímulos auditivos no SSW, porém como sua lesão acometeu território fronto-parietal direito, foi evidenciado dificuldade quanto a realização dos testes de processamento auditivo referentes a consoante-vogal e o dicótico de dígitos, revelando assim dificuldade quan- Neurociências to ao uso de processos atencionais e perceptivos para formação dos elementos acústicos-fonêmicos da palavra evidenciada no subteste de transposição fonêmica da PCF e no uso da memória de trabalho fonológica. A reorganização neurológica pós-insulto no SNC, é mais eficaz em crianças com idade precoce, isto porque as chances de plasticidade para a linguagem são maiores e a ocorrência de distúrbios em funções específicas cognitivo-lingüísticas são menores, fato confirmado no sujeito S5 que teve acometimento vascular agudo identificado aos 3 meses de idade14,15. Neste estudo evidenciamos que a consciência fonológica está diretamente relacionada com a codificação fonológica desencadeada pelas habilidades auditivas, necessárias para a realização da correspondência visual-auditiva exigida tanto na linguagem oral como escrita12, 16, 17. A relação evidenciada entre o processamento auditivo e o processamento fonológico da informação está no fato da decodificação da comunicação oral ter seu início com a decifração do sistema de sons da cadeia da palavra no lobo temporal do hemisfério esquerdo. Na medida que a informação vai entrando, vai sendo arquivada seqüencialmente com marcação de tempo e de ordem, permitindo identificar e evocar os elementos que estão entrando. A palavra é reconhecida como tal porque se registra união entre o produto da decodificação e uma memória prévia, denominada lexical18-19. Entretanto, apesar de conhecermos e reconhecermos que o processo de decodificação da composição fonêmica da linguagem está localizada no lobo temporal do hemisfério esquerdo, ressaltamos que a análise da estrutura fonológica da linguagem oral, que envolve diretamente a percepção do som, é o mais alto estágio em termos de função cortical, e deve ser entendida como parte de um sistema funcional complexo, que ocorre por meio da participação de grupos de estruturais cerebrais operando em concerto, com cada qual contribuindo para a organização desse sistema funcional20. Sendo assim, existe o entendimento de que o hemisfério direito é parte atuante deste processamento da linguagem quanto a tarefas de análise e julgamento21,22. 65 A tarefa de decisão lexical, freqüentemente utilizada para comparar modelos de processamento hemisférico, tem revelado que o modelo de acesso direto enfatiza a especialização hemisférica relativa, supondo que cada hemisfério é capaz de processar os estímulos apresentados a ele diretamente, embora com níveis desiguais de eficiência. Alternativamente, retransmissão calosa se refere à transmissão calosa de um estímulo quando projetado ao hemisfério não-especializado. Assim, apesar do hemisfério esquerdo ser predominante para aquisição da linguagem oral e escrita, a integração dos hemisférios cerebrais, tanto esquerdo como direito, são interdependentes para a identificação perceptual das palavras23. Com relação a esta interdependência hemisférica, para a habilidade auditiva, os dados deste estudo corroboram os achados de Divenyi e Robinson24 que confirmaram a prevalência do hemisfério direito para o processamento da informação espectral da palavra. CONCLUSÃO Com base nos resultados deste estudo, concluímos que: • Os sujeitos com DCV-I com insulto à direita e à esquerda apresentam comprometimento em habilidade auditiva e em processamento fonológico, apresentando como conseqüência lentidão quanto ao acesso e evocação do léxico mental, entretanto, ressaltamos que o comprometimento foi maior no sujeito com insulto à esquerda; • Há relação entre os achados do processamento auditivo, do processamento fonológico com os achados neurológicos e de imagem evidenciando que quando há insulto em áreas neurológicas frontais, temporais e parietais em ambos os hemisférios, as habilidades referentes ao acesso ao léxico mental, o uso da memória de trabalho e a consciência fonológica ficam prejudicadas, isto porque o processamento temporal da informação relacionados às habilidades auditivo-verbais parecem, conforme evidenciado neste estudo, estar situadas nestas regiões. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. Moura-Ribeiro MVL, Ciasca SM. 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Resultados: Os estudos sobre exercício e DNM apresentam limitações metodológicas importantes que comprometem a sua credibilidade. Porém, a maioria das investigações sugere que o exercício traz benefícios. Apesar de remota, existe a possibilidade de agravar o quadro por meio de exercício. Contudo, não se deve generalizar, pois cada doença possui características próprias como por exemplo a velocidade de progressão. Doenças de rápida progressão como Distrofia Muscular de Duchenne ou Esclerose Lateral Amiotrófica necessitam de uma orientação diferente das doenças de progressão mais lenta. Nestas situações, a manutenção das funções motoras e os hábitos de vida diária já se considera um benefício. Conclusão: A presença de um especialista em exercício dentro de uma equipe multidisciplinar poderá contribuir na tarefa de estabelecer uma progressão no volume e intensidade de esforço, bem como na elaboração de programas periodizados, que poderão proporcionar ajustes discretos porém importantes nos programas de exercícios. Unitermos: Exercício, Atividade motora, Doenças neuromusculares. Citação: Tarini VAF, Vilas L, Cunha MCB, Oliveira ASB. O exercício em doenças neuromusculares. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 067-073. SUMMARY Introduction: The purpose of this review is to gather the information available in the scientific literature regarding exercise effects in patients with neuromuscular disease (NMD). The main trials investigating the direct effects of exercise programs in neuromuscular patients were analyzed in this paper. Methods: In order to locate the article, using keyword like created a search strategy: exercise and NMD. Results: The studies regarding exercise and NMD present important methodological limitations that compromise their credibility. However, the majority of the trials suggest that exercising is good. The possibility of making the patients worse by exercising is remote but real. This type of situation should not be generalized, because, each disease has its own characteristics, speed of progression for example. Some diseases, like duchenne muscular dystrophy or amyotrophic lateral sclerosis need different orientation than slow progress diseases. In this situation, simple keeping motor function and every day life activities is considered exercise gain. Conclusion: The presence of an exercise specialist in the multidisciplinary team can contribute in the task of establishing a workload progression as well as periodizing the programs, something that will have a discreet, but important role in the over-all of rehabilitation. Keywords: Exercise, Motor activity, Neuromuscular diseases. Citation: Tarini VAF, Vilas L, Cunha MCB, Oliveira ASB. The exercise in neuromuscular diseases. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 067-073. Trabalho realizado: Setor de Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. São Paulo, SP – Brasil. 1 2 3 4 - Professor de Educação Física, Mestre em Fisiologia do Exercício(UNIFESP-EPM) Fisioterapeuta, especializanda em Hidroterapia em doenças neuromusculares (UNIFESP-EPM) Fisioterapeuta, Doutora em Neurociências (UNIFESP-EPM) Doutor em Neurologia, Chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da UNIFESP Endereço para correspondência: Dr.Victor Tarini Rua Pedro de Toledo 377. Tel: 11 5571-3324 E-mail: [email protected] Trabalho recebido em 29/04/05. Aprovado em 19/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073) Neurociências INTRODUÇÃO O exercício é o meio pelo qual se consegue manter e até mesmo aprimorar qualidades físicas como força, flexibilidade, resistência, velocidade e equilíbrio, que são necessárias no desempenho dos afazeres do cotidiano. Entidades como o American College of Sports Medicine (ACSM), bem como a American Heart Association (AHA) definem o exercício como movimento corporal planejado, estruturado e repetitivo executado com a finalidade de manter ou aprimorar um ou mais componentes da aptidão física. Aptidão física é definida como um conjunto de atributos que as pessoas possuem ou adquirem e que se relaciona com a capacidade de realizar uma atividade física. Esta última é definida como o movimento corporal produzido pela contração do músculo esquelético que eleva substancialmente o dispêndio de energia1. Os efeitos do exercício têm sido extensamente pesquisados nos diferentes segmentos populacionais, tais como: idosos, portadores de osteoporose, hipertensos, cardiopatas, diabéticos, obesos etc. Hoje, há consenso em relação aos benefícios oferecidos pela realização adequada de exercícios físicos1. Contudo, ainda pouco se sabe sobre seus efeitos em indivíduos com doenças neuromusculares2-4. As doenças neuromusculares representam um grupo grande de afecções que comprometem a unidade motora, ou seja, o corpo celular do neurônio inferior, o seu prolongamento, a junção neuromuscular ou o tecido muscular esquelético5. As doenças neuromusculares (DNM) geram um déficit motor que poderá incapacitar o indivíduo acometido pela doença, de realizar tarefas simples do dia-a-dia. A perda funcional leva a uma atrofia muscular por desuso, agravando o processo evolutivo da doença primária. A perda da capacidade funcional compromete não só o físico, mas também o emocional, tornando o indivíduo dependente de familiar ou de cuidadores. O objetivo maior de um programa de reabilitação está na manutenção da funcionalidade, necessária para a maior independência do indivíduo. O exercício também tem um papel importante nesta tarefa4. O objetivo deste trabalho foi de realizar uma revisão sistemática analisando os possíveis benefícios proporcionados pelo exercício físico em doenças neuromusculares. MÉTODOS Para a elaboração da presente revisão, foram analisados estudos que investigaram os efeitos de programas de exercícios físicos em indivíduos com doenças neuromusculares (DNM). Para a localização dos artiREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073) 68 gos, foi criada uma estratégia de busca em bases de dados na Internet por meio de “palavras-chave”, onde se estabeleceu a relação entre DNM e exercício. As seguintes bases de dados foram acessadas: Medline, Pub Med, Lilacs e Cochrane. O período de Apuração ocorreu ao longo do mês de março. Foram selecionados apenas artigos na integra, publicados a partir de janeiro de 1995 até março de 2005. O descritor de assunto utilizado nesta pesquisa foi: exercício, exercise e as palavras-chave foram: DMD, Distrofia Muscular, Síndrome Pós-Poliomielite, Miopatia Metabólica, Doença do Neurônio Motor / Esclerose Lateral Amiotrófica, doenças neuromusculares, exercício físico, atividade física, treino, Muscular Dystrophy, Postpolio, Metabolic Myopathy, Motoneuron Disease, ALS, Neuromuscular Disease, exercise, physical, physical activity, training. A busca visou relacionar as palavras-chave somente no título dos artigos. RESULTADOS Alguns estudos analisados em nossa revisão já foram listados por outras revisões. Contudo, identificamos outros fatores limitantes não observados anteriormente. Os estudos estão sumarizados na Tabela1. As principais limitações metodológicas observadas até então em estudos sobre exercícios e DNM são as seguintes: amostra heterogênea ou de número pequeno; ausência de grupo controle ou o membro contra-lateral como controle; medidas subjetivas; programas realizados sem supervisão; falta de avaliações funcionais e ausência de medidas específicas2,3. A seguir descreveremos as limitações metodológicas associadas ao exercício. Sistematização na aplicação de sobrecarga De uma forma geral, quando se pretende elaborar um programa de exercícios é necessário considerar os princípios do treinamento físico, fundamentais na estruturação do método a ser utilizado. Para que haja evolução ao longo do treinamento, deve-se ajustar a carga de trabalho com freqüência, com o intuito de prevenir um eventual platô em fase inicial. Isto é possível realizando um teste de força, por exemplo, a dinamometria de preensão manual. Kraemer e colaboradores propuseram que se aplique uma sobrecarga de 2 a 10% sempre que o indivíduo consiga realizar um ou dois movimentos além da série proposta (1,6). Este fator de correção poupa o indivíduo de constantes medidas que na maioria das vezes pode demandar um tempo precioso (uma vez que o indivíduo precisa estar descansado para a avaliação). Ou seja, sem ter feito qualquer esforço físico nas últimas 48hs. Dentre os estudos analisados nesta revisão, quatro não apresentam sequer as intensidades (%1RM) adotadas em seus programas de exercícios7-10. Neurociências REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073) 69 Neurociências 70 DFSH: Distrofia Facioescapulohumeral; DM: Distrofia Miotônica; SPP: Síndrome Pós-polio; MCI: Miosite por Corpo de Inclusão; MM: Miopatia Metabólica; DCM: Distrofia de Cintura e Membros; DOF: Distrofia Oculofaringea; M: Miopatia (inespecífica); ELA: Esclerose Lateral Amiotrófica; DMB: Distrofia Muscular de Becker; DMD: Distrofia Muscular de Duchenne; NSMH: Neuropatia Sensorio-Motora Hereditária; CK: creatinoquinase; VO2 Max: Consumo Máximo de Oxigênio; FC: Freqüência Cardíaca; FCR: Freqüência Cardíaca de Reserva; PAS: Pressão Arterial Sistólica; n: Numero de Indivíduos; DC: Debito Cardíaco; sem: Semana; trein:Treinamento; RM: Repetições Máximas; exerc: Exercício; ext: Extensão; flex: Flexão; uni: Unidade; res: Resistência; din: Dinâmica; dif: Diferença; d: Dias; reps: Repetições; min: Minutos. Tabela 1. Sumário dos estudos que investigaram os efeitos de programas de exercícios em indivíduos portadores de doenças neuromusculares. Periodização do programa de exercícios Sem periodização Um conceito importante vem sendo adotado em programas de exercícios para diferentes segmentos populacionais: a periodização11. A periodização é o planejamento detalhado do tempo disponível para o programa de treinamento, que possibilita o fracionamento do programa de exercícios em pequenos blocos (períodos), onde é possível estabelecer variações de estímulos que impedirão que o corpo se “acostume” com a rotina. Um exemplo típico seria um programa de treinamento de força com duração de quatro meses: REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073) Agora com a aplicação do conceito da periodização***: Neurociências Com periodização * Repetições **RM: repetição máxima *** Este é um exemplo meramente ilustrativo do conceito de periodização, não uma sugestão de protocolo. Estudos recentes têm mostrado que os programas periodizados inibem o surgimento do “platô” nos ganhos de força durante o programa de exercícios1,11. Fato este observado em indivíduos que ainda adotam programas convencionais em longo prazo11. Nesta revisão apenas um estudo adotou a periodização em seu programa de exercícios12. Princípio da especificidade Outro conceito importante é a especificidade. Quando se objetiva proporcionar alguma melhora na capacidade funcional de um indivíduo por meio de um programa de exercícios, deve-se exercitar com gestos semelhantes àqueles que se deseja aprimorar. O mesmo se aplica para as medidas empregadas nos estudos. O desempenho deve ser medido seguindo as características dos gestos e padrões de exercício (estático ou dinâmico) adotados durante o treinamento. Treino estático pede medidas estáticas, treino dinâmico pede medidas dinâmicas. 71 dois a três dias alternados por semana proporcionam adaptações favoráveis, além de permitir uma recuperação adequada entre as sessões de treinamento1,6. Em nossa revisão, observamos um estudo que investigou os efeitos de um programa de 15 minutos de exercícios não descritos, 2 vezes por dia “todos os dias da semana” em 25 indivíduos com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) (14 exercício e 11 controle), pelo período de 12 meses10. O papel do exercício para indivíduos com ELA é controverso. Isto é devido, principalmente, a estudos epidemiológicos que relacionaram atividade física e o desenvolvimento de ELA10. A hipótese de que exercícios em excesso podem desencadear a doença, é baseada em dois mecanismos principais: o estresse oxidativo pelo aumento de radicais livres e a excitotoxidade do glutamato14,15. Em um estudo que investigou a associação de atividade física com ELA esporádica não encontrou relação direta com atividade física. Porém, foi observado que o maior número de horas de lazer dedicadas à prática de atividades físicas se relacionou com o início precoce da doença. Neste mesmo estudo, os autores realizaram uma extensa revisão da literatura, que resultou na seleção de 23 estudos, dos quais 50% reportaram uma possível relação entre atividade física e ELA. Apenas um estudo apresentou nível de evidência classe II. Este não encontrou uma relação de atividade física e ELA16. Limitações identificadas em pesquisas anteriores A ótima freqüência de treinamento depende diretamente de fatores como o volume e intensidades de treinamento, seleção de exercícios (poliarticulares ou monoarticulares), nível de condicionamento, capacidade de recuperação e do número de grupos musculares treinados por sessão1,6. Várias limitações metodológicas vêm sendo observadas, discutidas e criticadas nas revisões bibliográficas acerca de pacientes com doenças neuromusculares e suas reações frente ao exercício físico. Uma limitação comum nos trabalhos revistos é um número insatisfatório de indivíduos, além da dificuldade em encontrar um grande número de pacientes com a mesma enfermidade e em um mesmo estágio da doença. Estudos por vezes realizados com um “n” estatisticamente insignificante comprometem a credibilidade dos resultados obtidos nas pesquisas7-10, 17-21. Outra limitação associada a anterior é a presença de amostras heterogêneas. Alguns estudos aplicam o mesmo protocolo para diferentes doenças indiscriminadamente, sem considerar a fisiopatologia, o tempo de progressão e reação ao exercício de cada tipo de doença. Desta maneira, os resultados ficam vagos, diminuindo a fidedignidade do estudo13, 22, 23. Estudos que investigaram os efeitos de diferentes freqüências em programas de treinamento com indivíduos sedentários saudáveis, observaram que freqüências entre Devido ao fato destas doenças agravarem com a inatividade e serem altamente incapacitantes, há grande dificuldade em realizar estudos aleatórios, onde parte Nesta revisão encontramos um estudo que avaliou indivíduos que participaram de um programa de 12 semanas de caminhada, utilizando um cicloergômetro13. Fica evidente que a resposta obtida não é a mesma daquela extraída em um ergômetro que “imite” o gesto desempenhado durante o treinamento (por exemplo: esteira rolante). Freqüência nos programas de treinamento REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073) Neurociências dos indivíduos, uma vez colocados em um grupo controle, são privados dos benefícios da atividade física, tão necessários em sua condição. Apenas três estudos foram randomizados10,12,24. Outros três estudos utilizaram como grupo controle indivíduos saudáveis20,22,23. Foi encontrado um número surpreendente de estudos que adotaram programas de exercícios monitorados à distância, onde os indivíduos foram instruídos em como realizar o programa em casa. A supervisão do programa foi feita por meio de telefonemas, onde os indivíduos foram contatados periodicamente para confirmar sua assiduidade em relação ao protocolo adotado7, 8, 10, 12, 13, 20, 21,24. CONSIDERAÇÕES FINAIS No levantamento que realizamos sobre exercício e doenças neuromusculares, elegemos dois estudos que merecem destaque: um estudo recente sobre exercício e Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) envolvendo apenas dois indivíduos. Foram investigados os efeitos de um programa de exercícios resistidos concêntricos, sobre o pico de torque isométrico dos extensores e flexores da coxa. O protocolo de exercícios consistiu de uma única série de dez repetições de extensões e flexões de joelho contra a resistência (desconhecida) de uma borracha, três vezes por semana, durante quatorze semanas. Houve um ganho de força nas duas primeiras semanas. Porém, os resultados obtidos ao final do estudo não foram animadores, pois a força havia regredido em ambos21. Outro estudo foi realizado com 25 indivíduos com ELA, dos quais 11 indivíduos constituiriam o grupo controle e por conta disso, estariam privados de exercícios físicos por 12 meses. Este mesmo estudo propôs um programa de exercícios não supervisionados duas vezes por dia, todos os dias da semana10. O anseio por alternativas para manter ou melhorar a aptidão de indivíduos com alguma doença neuromuscular tem motivado muitos pesquisadores a realizar estudos que investigam os efeitos dos exercícios nesta população. Contudo, não conseguimos encontrar nenhum estudo que não apresentasse em sua construção alguma limitação metodológica. Vários estudos têm sido importantes na indicação dos caminhos que devemos seguir, pois seus resultados, apesar de comprometidos pelas dificuldades, tendem a afirmar que o exercício tem um papel fundamental na vida destes indivíduos. O que desconhecemos ainda é a dose certa. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (067-073) 72 Sugestões para futuras pesquisas Tendo em vista todas as limitações metodológicas citadas e o quanto as mesmas podem influenciar de forma negativa os estudos realizados, devem ser tomados alguns cuidados especiais em estudos futuros: 1- Procurar um número adequado de pacientes com a mesma doença e agrupá-los de acordo com o grau de gravidade da doença, mesmo tipo de atividade e idades aproximadas. Nas situações em que mais de uma doença seja estudada, os resultados devem ser devidamente separados para que a análise seja fidedigna. 2- As medidas de desempenho devem ser quantitativas, objetivas e sempre condizer com o tipo de exercício realizado no programa (dinâmico ou estático). Há a necessidade também se utilizar avaliações funcionais, que mensurem a melhora das atividades da vida diária (AVDs) para os pacientes. 3- A amostra deve ser aleatória (randomizada). Indivíduos saudáveis e ou uso do membro contra-lateral como controle não é adequado. 4- Programas de exercícios realizados em casa devem ser evitados por não serem supervisionados. Os pacientes devem ser acompanhados de perto para que não realizem exercícios ou utilizem cargas que possam ser prejudiciais futuramente. 5- Os protocolos devem ser longos o suficiente para que possa haver uma diferenciação entre a resposta neural e muscular ao exercício (ao menos 12 semanas). Também devem estar atentos a alguns princípios do treinamento físico como: sistematização nas aplicações de sobrecarga, periodização do programa, princípio da especificidade e freqüência do programa. Toda metodologia deve ser minuciosamente explicitada nas pesquisas, para que possam ser reproduzidas com maior fidedignidade futuramente. 6- O monitoramento de marcadores de lesão muscular como a dosagem da creatinoquinase (CK), deve ser realizado ao longo dos estudos para prevenir o dano muscular extenso. 7- Quantificar as atividades realizadas diariamente que não fazem parte do programa de exercícios, como aquelas envolvidas no deslocamento entre trajetos, higiene pessoal entre outras. Esta atitude pode prevenir a atividade excessiva quando somada aos exercícios programados. 8- Procurar realizar pesquisas com equipes multidisciplinares para que todos os aspectos sejam observados por um especialista. Isto inclui um especialista em exercício que deve ser o responsável na seleção das medidas de desempenho, bem como na elaboração e acompanhamento dos programas de exercícios. Neurociências 73 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Kraemer WJ, Adams K, Cafarelli, E et al. American College of Sports Medicine position stand on progression models in resistance training for healthy adults. Med Sci Sports Exerc 2002; 34(2): 364–380. 2. Krivickas LS. Exercise in Neuromuscular Disease. J Clin Neuromusc Dis 2003; 5:29-39. 14. McDonald MC. Physical activity, health impairments, and disability in neuromuscular disease. Am J Phys Med Rehabil 2002; 81(Suppl.): S108-S120. 3. Kilmer DD. Response to resistive strengthening exercise training in humans with neuromuscular disease. Am J Phys Med Rehabil 2002; 81(suppl.): S121-S126. 15. Rothstein JD, Van KM, Levey AL et al. Seletive loss of glial glutamate transporter GLT-1 in Amyotrophic Lateral Sclerosis. Ann Neurol 1995; 38: 73-84. 4. Kilmer DD. 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Muscle & Nerve 2001; 24:1181-1187. 24. Linderman F, Leffers P, Spaans F et al. Strength training in patients with Myotonic Dystrophy and hereditary motor and sensory neuropathy: A randomized clinical trial. Arch Phys Med Rehabil 1995; 76: 612-620. Neurociências 74 Artigo Original Funcionamento da via auditiva e da linguagem em gêmeas monozigóticas com características de mutismo seletivo Auditory pathway and language functioning of monozygotic twins with characteristics of selective mutism Renata Aparecida Leite1, Luciene Stivanin2, Christian César Cândido de Oliveira3, Caroline Rondina4, Carla Gentile Matas5, Claudia Inês Scheuer6 RESUMO Introdução: Estruturas do sistema nervoso central podem sofrer modificações funcionais com estimulação. Objetivo: O objetivo deste estudo foi verificar possíveis modificações nos achados audiológicos após intervenção fonoaudiológica em comunicação e linguagem. Métodos: Gêmeas univitelinas com alteração de linguagem foram submetidas às medidas de imitância acústica, audiometria vocal e potencial evocado auditivo de tronco encefálico antes e após quatro meses de intervenção fonoaudiológica. Resultados: Na primeira avaliação audiológica, uma das crianças apresentou alteração da via auditiva no tronco encefálico à direita associado à perda auditiva condutiva. A outra criança apresentou potencial evocado auditivo de tronco encefálico compatível com perda auditiva condutiva à direita. Na segunda avaliação audiológica, houve melhora no potencial evocado auditivo de tronco encefálico em ambas as crianças. Conclusões: Ocorreram modificações nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico em gêmeas monozigóticas com alterações de linguagem após intervenção fonoaudiológica, podendo estas serem decorrentes de plasticidade neuronal. Unitermos: Potenciais evocados auditivos, Plasticidade neuronal, Linguagem infantil, Terapia de linguagem Citação: Leite RA, Stivanin L, Oliveira CCC, Rondina C, Matas CG, Scheuer CI. Funcionamento da via auditiva e da linguagem em gêmeas monozigóticas com características de mutismo seletivo. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 074-079. SUMMARY Introduction: Central nervous system structures can suffer modifications after stimulations. Purpose: The aim of this study was to verify possible modifications of audiologic findings after speech-language intervention focusing Trabalho realizado: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo 1 - Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Fonoaudióloga colaboradora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos em Tronco Encefálico 2 - Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Fonoaudióloga supervisora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Linguagem Infantil e Cognição do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP 3 - Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP. Fonoaudiólogo da equipe de Enfermaria de Álcool e Drogas para Adolescentes do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da FMUSP 4 - Fonoaudióloga Especializada em Audiologia Clínica pelo Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP 5 - Professora Doutora do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP; Docente do programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP 6 - Professora Doutora do Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP; Docente do programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Experimental da FMUSP Endereço para Correspondência: Carla Gentile Matas Endereço: Avenida Divino Salvador, 107 Apto 32 Planalto Paulista Cep: 04078-010 – São Paulo, SP. Trabalho recebido em 18/05/05. Aprovado em 19/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079) Neurociências 75 communication and language. Methods: Two girls, monozygotic twins with language disorder, were submitted to audiologic assessments that included acoustic immitance measures, vocal audiometry and brainstem auditory evoked potential, before and after four months of speech-language intervention. Results: In the first audiologic evaluation, one of the twins presented abnormal brainstem auditory pathway at the right, associated to conductive hearing loss. The other twin had auditory brainstem evoked potential compatible with right conductive hearing loss. In the second assessment, both children showed improvements on the brainstem auditory evoked potential. Conclusions: It was observed modifications on the brainstem auditory evoked potentials of monozygotic twins with language disorder after speech-language intervention, possibly caused by neuronal plasticity. Keywords: Auditor y evoked potentials, Neuronal plasticity, Child language, Language therapy Citation: Leite RA, Stivanin L, Oliveira CCC, Rondina C, Matas CG, Scheuer CI. Auditory pathway and language functioning of monozygotic twins with characteristics of selective mutism. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 074-079. INTRODUÇÃO O Mutismo Seletivo está inserido nos distúrbios psiquiátricos que afetam amplamente o desenvolvimento, sendo geralmente diagnosticado pela primeira vez na infância ou adolescência. Os critérios diagnósticos são: fracasso persistente em falar em situações sociais específicas (nas quais existe a expectativa para falar, por ex. na escola), apesar de falar em outras situações; a perturbação interfere na realização educacional ou na comunicação social; a duração da perturbação é de, no mínimo, um mês (não limitada ao primeiro mês de escolarização); o fracasso em falar não é devido a uma falta de conhecimento ou desconforto com a linguagem falada exigida pela situação social; a perturbação não é explicada como um Transtorno da Comunicação, nem decorrente exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico1. Atualmente, o Mutismo Seletivo (MS) é considerado uma patologia de etiologia multifatorial que pode vir associada a transtornos de ansiedade e déficit de linguagem2, em áreas como expressão verbal e compreensão. Na literatura consultada, não foram encontrados estudos sobre desenvolvimento de linguagem em gêmeos com mutismo seletivo. Sabe-se, porém, que crianças gêmeas podem apresentar atraso no desenvolvimento de linguagem. Este atraso é determinado pela maneira peculiar de viver unido a um irmão (situação gemelar), fato que não produz nenhuma pressão ou necessidade de comunicação verbal. Essa relação particular pode levar a uma persistência na imaturidade do desenvolvimento de linguagem e global, mais do que produzir padrões de fala com desvio3-5. Estudos em indivíduos com alterações de linguagem sugerem que a falha na codificação neural da informação auditiva parece ter um papel importante no desenvolvimento das habilidades de linguagem, provavelmente em função da alteração na percepção de pistas acústicas importantes contidas nos sinais de fala 6. De acordo com a literatura consultada, dificuldades na percepção dos sons da fala ocorrem por uma falha na representação do sinal da fala nos centros auditivos cenREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079) trais, decorrentes de deficiência na sincronia neural. Tais dificuldades podem ser melhoradas e modificadas por meio da aprendizagem perceptual associada ao treinamento auditivo7. Esta possibilidade de modificação, adaptabilidade, nova morfologia, nova funcionalidade ou ainda capacidade de transformação ocorrida após estimulação, devese à plasticidade neuronal, termo aplicável em situações onde determinadas estruturas se modificam de forma adaptativa às exigências de desempenho que pode ser auditivo, cognitivo, motor, visual, entre outros8. Estas modificações no substrato neural podem ocorrer devido à prática de uma habilidade ou exposição freqüente a um estímulo9,10. Uma das formas de avaliar a plasticidade neuronal é por meio dos potenciais evocados auditivos8. O potencial evocado auditivo mais utilizado na prática clínica é o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE), que é um exame objetivo da audição utilizado na avaliação da via auditiva desde o nervo auditivo até o tronco encefálico, que complementa os procedimentos audiológicos de rotina no diagnóstico de desordens auditivas11. Sabendo-se da importância do funcionamento adequado da via auditiva para o desenvolvimento da linguagem, é fundamental avaliar crianças que apresentam alterações de linguagem. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi verificar possíveis modificações nos achados audiológicos após intervenção fonoaudiológica em comunicação e linguagem em gêmeas monozigóticas com alterações de linguagem. MATERIAL E MÉTODO Participaram deste estudo de caso gêmeas monozigóticas com idade de cinco anos. As crianças compareceram ao serviço de Audiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo no primeiro semestre de 2003, encaminhadas pelo otorrinolaringologista do próprio hospital por suspeita de otite. Neurociências Diante da dificuldade de interação apresentada pelas crianças, estas foram encaminhadas para avaliação de linguagem no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Linguagem Infantil e Cognição e para avaliação audiológica no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Potenciais Evocados Auditivos do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Antes de iniciar a avaliação, o responsável pelas crianças assinou um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual estavam descritos todos os procedimentos a serem realizados. Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Pesquisa do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sob Protocolo no. 037/2005. Embora a intenção de procurar o serviço não tenha sido da mãe, esta manifestou sua queixa em relação ao desenvolvimento das crianças: fala ininteligível e ausência de comunicação em determinadas situações, e com determinados interlocutores. De acordo com os dados de anamnese, não ocorreram alterações pré, peri e pós-natais e não houve atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. A aquisição de linguagem foi tardia. Atualmente, ambas as crianças compreendem gestos mas não os utilizam, e comunicam suas necessidades por meio de linguagem oral, caracterizada por falta de inteligibilidade de fala. Quanto à questão social, estas apresentam comportamento retraído em ambientes públicos, não se relacionam com pessoas que não são da família e dificilmente fazem amizades. As crianças freqüentam ensino infantil (pré-escola); apresentam dificuldades de adaptação e a história clínica é de otites de repetição, problemas respiratórios, além de histórico familiar para alterações comportamentais e psiquiátricas. A linguagem foi avaliada informalmente com ambas as crianças juntas, em observação de jogo espontâneo, para verificar o comportamento, questões cognitivas, comunicação e linguagem. Os resultados da avaliação de linguagem mostraram que houve realização de atividade simbólica, com ocorrência de ações complementares e ação compartilhada. A comunicação entre as gêmeas foi por meio de olhares, expressões faciais e gestos, sem fala ou oralidade. Observou-se também que não se dirigiram aos avaliadores e quando, por alguma necessidade, escolheram ou selecionaram apenas um deles para se comunicar. Ambas as meninas apresentavam muitas dificuldades para contatar ou comunicar-se com os outros interlocutores, mostrando forte resistência na interação com pessoas do sexo masculino. Contudo, mostraram-se muito atentas às ações e à comunicação entre si mesmas, excluindo estímulos ambientais. A avaliação audiológica constou de visualização do meato acústico externo realizada com o otoscópio da REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079) 76 marca HEINE, medidas de imitância acústica obtidas no imitanciômetro modelo GSI-33 marca GrasonStandler, audiometria tonal e vocal realizadas com o Audiômetro GSI 68 - marca Grason-Stadler e PEATE utilizando o equipamento portátil Modelo Traveler-Express da marca Biologic. Para a realização do PEATE foi realizada inicialmente a limpeza da pele com pasta abrasiva, sendo os eletrodos fixados à pele do indivíduo por meio de pasta eletrolítica e fita adesiva (micropore), nas seguintes posições: vértex (Cz) e mastóides direita e esquerda (A2 e A1). Os valores de impedância dos eletrodos foram verificados, situando-se abaixo de 5 Kohms. O estímulo acústico utilizado foi o clique de polaridade rarefeita apresentado monoauralmente por um par de fones TDH-39 a 80 dB NA, em uma velocidade de apresentação de 19,0 cliques por segundo, sendo empregado um total de 2000 estímulos. Foram utilizados filtros passa-baixo e passa-alto de 100 e 3000 Hz respectivamente para registro das respostas. As crianças foram encaminhadas para avaliação e conduta otorrinolaringológicas. Durante o atendimento audiológico, as crianças estiveram em companhia dos terapeutas devido à dificuldade do estabelecimento de vínculo. Após as avaliações iniciais de linguagem e audiológica, as crianças foram submetidas à intervenção fonoaudiológica em comunicação e linguagem. O objetivo da intervenção fonoaudiológica foi trabalhar habilidades cognitivas relacionadas à atenção e memória, ao mesmo tempo estimulando melhor qualidade na interação e maior produção da linguagem oral, por meio de atividades lúdicas. As crianças foram atendidas conjuntamente, em função das dificuldades para realizarem atividades separadas, em sessões realizadas por dois terapeutas. Após um período de quatro meses de intervenção fonoaudiológica, o funcionamento da via auditiva foi reavaliado utilizando os mesmos procedimentos empregados na primeira avaliação audiológica. RESULTADOS Com relação às avaliações audiológicas antes e após intervenção fonoaudiológica obteve-se os seguintes resultados: Primeira avaliação audiológica (antes da intervenção fonoaudiológica) Caso 1 (C1): obteve-se nas medidas de imitância acústica curva timpanométrica tipo B à direita e tipo C à esquerda. Não foi possível a realização da Neurociências 77 audiometria tonal devido à dificuldade de estabelecimento de vínculo da criança com a avaliadora, fato que dificultou também o condicionamento lúdico para que pudessem responder ao exame. Realizou-se Audiometria Vocal, com Limiar de Recepção de Fala (LRF) obtido por meio de ordens simples, apresentando resultados compatíveis com perda auditiva de grau moderado à direita (LRF= 45 dB) e leve à esquerda (LRF= 20 dB). Frente ao comprometimento de orelha média não foi possível a realização das emissões otoacústicas. No resultado do potencial evocado auditivo de tronco encefálico verificou-se presença das Ondas I, III, V a 80 dB NA para cliques bilateralmente, com latências absolutas normais (Onda I= 1,48 milissegundos - ms; Onda III= 3,52 ms; Onda V= 5,60 ms) e interpicos I-III, III-V, I-V normais (Interpico I-III= 2,04 ms; Interpico III-V= 2,08 ms; Interpico I-V= 4,12 ms) à esquerda, e aumento nas latências absolutas das Ondas I, III, V (Onda I= 2,12 ms; Onda III= 4,12 ms; Onda V= 7,48 ms) e nos interpicos III-V e I-V (Interpico III-V= 3,36 ms e Interpico I-V= 5,36 ms) à direita, sugerindo alteração na via auditiva em tronco encefálico alto à direita associado à perda auditiva condutiva (Figura 1). Caso 2 (C2): obteve-se nas medidas de imitância acústica curva timpanométrica curva tipo B à esquerda, não sendo avaliada a orelha direita devido à perfuração de membrana timpânica. Não foi possível a realização da audiometria tonal condicionada devido à dificuldade de estabelecimento de vínculo da criança com a avaliadora. Foi realizada Audiometria Vocal, com Limiar de Recepção de Fala (LRF) obtido por meio de ordens simples, apresentando resultados compatíveis com perda auditiva de grau leve bilateralmente (LRF= 35 dB orelha direita e 40 dB orelha esquerda). Devido ao comprometimento de orelha média não foi realizado o teste de emissões otoacústicas. No potencial evocado auditivo de tronco encefálico observou-se presença das Ondas I, III, V a 80 dB NA para cliques bilateralmente, com latências absolutas normais (Onda I= 1,64 ms; Onda III= 3,48 ms; Onda V= 5,56 ms) e interpicos I-III, III-V, I-V normais (Interpico I-III= 1,84 ms; Interpico III-V= 2,08 ms; Interpico I-V= 3,92 ms) à esquerda, e com latências absolutas levemente aumentadas (Onda I= 1,88 ms; Onda III= 3,76 ms; Onda V= 5,84 ms) e interpicos normais (Interpico I-III= 1,88 ms, Interpico III-V= 2,08 ms, Interpico IV= 3,96 ms) à direita, compatível com perda auditiva condutiva e sem evidências de comprometimento da via auditiva no tronco encefálico bilateralmente (Figura 2). Antes Antes Após Depois Figura 1. Valores das latências absolutas das Ondas I, III, V e interpicos I-III, III-V, I-V de C1, obtidos no PEATE antes e após intervenção fonoaudiológica. Figura 2. Valores das latências absolutas das Ondas I, III, V e interpicos I-III, III-V, I-V de C2, obtidos no PEATE antes e após intervenção fonoaudiológica. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079) Neurociências 78 Segunda avaliação audiológica (após intervenção fonoaudiológica) bem como no potencial evocado auditivo de tronco encefálico. Caso 1 (C1): nas medidas de imitância acústica observou-se curva timpanométrica tipo B com reflexos acústicos ausentes ipsi e contralateralmente em ambas as orelhas. Novamente a criança não colaborou para a realização da audiometria tonal, sendo realizado apenas o LRF por meio de ordens simples, mantendo os resultados obtidos anteriormente: perda auditiva de grau moderado à direita (LRF= 45 dB) e leve à esquerda (LRF= 20 dB). Verificou-se nos potenciais evocados auditivos melhora nos resultados à direita, com diminuição significativa da latência absoluta da Onda V (Onda V= 6,04 ms) e interpicos III-V e I-V (Interpico III-V= 1,92; Interpico I-V= 3,76 ms), quando comparadas com os resultados obtidos na primeira avaliação (Figura 1). Tais dados foram compatíveis com perda auditiva condutiva mais acentuada à direita, não sendo mais evidenciado comprometimento da via auditiva no tronco encefálico. Em relação à linguagem, foi difícil caracterizar o comportamento de cada criança separadamente, pois estas alternavam o comportamento durante as terapias e porque selecionavam o interlocutor. Porém, houve melhora significativa na comunicação interpessoal, com aumento da produção oral e melhora na inteligibilidade de fala, no contexto terapêutico e social. Caso 2 (C2): nas medidas de imitância acústica observou-se curva timpanométrica tipo B com reflexos acústicos ipsi e contralaterais ausentes bilateralmente. C2 também não colaborou para a realização da audiometria tonal condicionada, realizando somente o LRF por meio de ordens simples, mantendo os resultados obtidos anteriormente: perda auditiva de grau leve bilateralmente (LRF= 35 dB orelha direita e 40 dB orelha esquerda). Observou-se nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico resultados semelhantes aos obtidos na primeira avaliação, porém com uma melhora significativa na morfologia das ondas após intervenção fonoaudiológica (Figura 2). Os resultados obtidos nos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico dos casos 1 e 2, antes e após intervenção fonoaudiológica, encontram-se descritos no Quadro 1. DISCUSSÃO Após o início da intervenção fonoaudiológica foram observadas mudanças na comunicação, no comportamento e funcionamento cognitivo de ambas as gêmeas, Entretanto, no potencial evocado auditivo de tronco encefálico, um teste objetivo, pôde-se caracterizar a via auditiva de cada criança separadamente. Observou-se na primeira avaliação audiológica de uma das crianças, alteração da via auditiva no tronco encefálico alto sendo que na reavaliação, após intervenção fonoaudiológica, houve uma melhora nos resultados, não sendo mais evidenciado comprometimento nesta porção da via auditiva, além de ter ocorrido uma melhora significativa do traçado. Em relação à outra criança, não foram observadas alterações da via auditiva no tronco encefálico na primeira avaliação, observando-se na reavaliação melhora significativa na morfologia das ondas após intervenção fonoaudiológica. A estimulação freqüente das habilidades cognitivas e de linguagem durante a intervenção fonoaudiológica parece ter ocasionado modificações no processamento neural da informação auditiva. De acordo com a literatura, determinadas estruturas modificam-se de forma adaptativa após estimulação devido à plasticidade neuronal 8-10. Este fato pode ser comprovado por exames de imagem, nos quais se observam modificações na atividade cerebral após breve período de estimulação 12. Segundo a literatura especializada, tais modificações também podem ser observadas por meio dos potenciais evocados auditivos8, incluindo, portanto, o potencial evocado auditivo de tronco encefálico. Neste estudo, a melhora constatada na reavaliação audiológica, após quatro meses de intervenção fonoaudiológica, sugere que a intervenção enfocada na comunicação, linguagem e cognição ocasionou uma Quadro 1 - Resultados (em milissegundos) obtidos nos Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico dos casos 1 e 2, antes e após intervenção fonoaudiológica. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (074-079) Neurociências adaptação ou modificação na organização estrutural, bem como no funcionamento do Sistema Nervoso Central especificamente no tronco encefálico, levando a uma melhora na sincronia neural nesta região. Portanto, compreender o funcionamento do sistema auditivo central e de sua capacidade de plasticidade neuronal é de extrema importância para o conhecimento de como o cérebro integra e discrimina os estímulos mais complexos vindos do meio, incluindo os sons da fala. Conhecer os mecanismos pelos quais as estruturas centrais do sistema auditivo reagem a uma nova entrada de estímulos pode auxiliar no desenvolvimento de métodos que garantam um melhor aproveitamento para a comunicação do indivíduo. A intervenção fonoaudiológica pode ter favorecido a 79 plasticidade neuronal, refletida por mudanças na comunicação e no potencial evocado auditivo de tronco encefálico nas gêmeas com acentuadas dificuldades comunicativas, comportamentais e cognitivas. No entanto, o que não foi objeto deste estudo e que deve ser no futuro, é verificar se mudanças objetivas em testes audiológicos que envolvem o Sistema Nervoso Central, levam a novas mudanças e melhoras na comunicação e linguagem do indivíduo. CONCLUSÃO Houve modificações nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico após intervenção fonoaudiológica em gêmeas monozigóticas com alterações de linguagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. DSM-IV, Diagnostic And Statistical Manual Of Mental Disorders. 4nd ed. Washington: Copyright. American Psychiatric Association, 1994. 7. Kraus N. Auditory pathway encoding and neural plasticity in children with learning problems. Audiol. Neurootol.2001;6:221-227. 2. Kristensen H, Torgersen S. MCMI-II personality traits and symptom traits in parenes of children with selective mutism: a case-control study. J Abnorm Psychol 2001; 110:648-652. 8. Kraus N. Speech sound perception, neurophysiology, and plasticity. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1999; 47:123-129. 3. Dodd B, Mcevoy S. The communication abilities of 2-to-4years-old twins. Eur J Disord Commun 1994; 21:273-289. 9. Grafman J. Conceptualizing Functional Neuroplasticity J Commun Disord 2000; 33:345-356. 4. Bishop DVM, Bishop SI. 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Neurociências 80 Artigo Original Fatores que influenciam o prognóstico deambulatório nos diferentes níveis de lesão da mielomeningocele Factors they influence the prognostic ambulatory for the different levels of injury of the myelomeningocele Ramos FS1, Macedo LK1, Scarlato A2, Herrera G2 RESUMO Objetivo: determinar quais fatores influenciam o prognóstico deambulatório nos diferentes níveis de lesão da mielomeningocele, adicionando informações relevantes para a conduta fisioterapêutica. Metodologia: revisão bibliográfica através de livros do acervo da biblioteca do Centro Universitário São Camilo e artigos científicos pesquisados pelas bases de dados Medline e Lilacs, compreendendo o período de 1966 à 2004. Discussão: níveis de lesão, alterações ortopédicas, idade, motivação familiar, déficit de equilíbrio, alterações cognitivas, tratamento fisioterapêutico, dentre outros fatores, são citados na literatura como positivos ou negativos no prognóstico deambulatório dos pacientes com mielomeningocele; embora nenhum artigo tenha citados todos os fatores. Conclusão: há consenso na literatura sobre a influência dos níveis de lesão e das alterações ortopédicas sobre a deambulação. Embora havendo discordância na literatura, os demais fatores são de suma importância no estabelecimento do prognóstico deambulatório para os pacientes com mielomeningocele. Unitermos: Mielomeningocele, Espinha Bífida, Fisioterapia, Marcha. Citação: Ramos FS, Macedo LK, Scarlato A, Herrera G. Fatores que influenciam o prognóstico deambulatório nos diferentes níveis de lesão da mielomeningocele. Rev Neurociencias 2005; 13(2):080-086. SUMMARY Objective: to determine which factors they influence the prognostic ambulatory for the different levels of injury of the MMC, adding excellent information for the manaje physical therapy. Method: bibliographical revision through books that are part of the quantity of the Padre Innocente Radrizzani library of the Centro Universitário São Camilo and scientific articles searched by the databases Medline and Lilacs, understanding the period of 1966 to the 2004. Discussion: levels of injury, ortophaedics alterations, age, familiar motivation, socialization, deficit of balance, cognitivas alterations, physical therapy, energy expense, amongst other factors, are cited in literature as positive or negative in the prognostic ambulatory of the patients with MMC; although no article has cited all the factors. Conclusion: it has consensus in literature on the influence of the levels of injury and the orthopaedics alterations on the ambulation. Although having discord in literature, the too much factors are of utmost importance in the establishment of the prognostic ambulatory for the patients with MMC. Keywords: Myelomeningocele, Spina Bifida, Physical Therapy, Gait. Citation: Ramos FS, Macedo LK, Scarlato A, Herrera G. Factors they influence the prognostic ambulatory for the different levels of injury of the myelomeningocele. Rev Neurociencias 2005; 13(2):080-086. Trabalho realizado: Centro Universitário São Camilo – São Paulo, SP 1 - Fisioterapeutas 2 - Supervisores de estágio em neuropediatria do Centro Universitário São Camilo Endereço para correspondência: Flávia Silva Ramos Rua Carlos Tamagnini, 238 – Vila Vitória Mauá – SP – Cep: 09360-160 Tel: 4555.2425 E-mail: [email protected]; [email protected] Trabalho recebido em 13/05/05. Aprovado em 25/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086) Neurociências 81 INTRODUÇÃO Mielomeningocele é uma malformação congênita do Sistema Nervoso Central caracterizada por falta de fusão dos arcos vertebrais posteriores. Através dessa falha ocorre a extrusão de tecido nervoso, formando um cisto na coluna vertebral. Esse cisto é composto por medula espinal, raízes nervosas, meninges e preenchido por líquido cefalorraquidiano, sendo recoberto ou não por pele1,2. O resultado deambulatório dos pacientes com mielomeningocele na adolescência e vida adulta recebeu mais atenção conforme os pacientes foram beneficiados pelo tratamento da hidrocefalia3 e pela intervenção cirúrgica intra-útero4. Segundo alguns autores5, a deambulação pode ser afetada por diversos fatores nesses indivíduos. O termo “deambulação” indica locomoção em posição ereta com ou sem dispositivos auxiliares. É possível determinar o potencial para a marcha em crianças portadoras de espinha bífida, desde que se conheça os fatores que influenciam o prognóstico em relação à marcha6. Esse trabalho teve como objetivo determinar quais fatores influenciam o prognóstico deambulatório para os diferentes níveis de lesão da mielomeningocele, adicionando informações relevantes para a conduta fisioterapêutica. METODOLOGIA Revisão bibliográfica através dos principais livros referentes ao tema e artigos científicos pesquisados pelas bases de dados Medline e Lilacs, compreendendo o período de 1966 à 2004, através das palavras-chave: mielomeningocele, espinha bífida, fisioterapia, marcha, deambulação. Foram incluídos artigos de revisão bibliográfica e pesquisas de campo; e excluídos os relatos de caso. RESULTADOS Na revisão bibliográfica desse estudo foram encontrados 20 artigos sobre os fatores que podem influenciar a deambulação na mielomeningocele, sendo que alguns artigos citaram mais de um fator, conforme Gráfico 1. DISCUSSÃO Tendo em vista a citação dos níveis de lesão neurológica em 40% dos artigos encontrados, foi conREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086) Gráfico 1. Representação dos fatores de influência sobre a deambulação na Mielomeningocele encontrados na literatura de acordo com sua incidência. siderado um importante fator prognóstico da deambulação na mielomeningocele. Parece haver concordância na literatura sobre a influência do nível de lesão neurológica em relação ao prognóstico deambulatório na mielomeningocele. Porém, nos estudos encontrados não houve consenso sobre a classificação dos níveis de lesão utilizada. A classificação em quatro níveis de lesão (nível torácico, nível lombar alto, nível lombar baixo e nível sacral) criada por Hoffer et al.7 foi a mais utilizada entre os estudos analisados8-10. Outra classificação empregada foi a de Sharrard (1964)11 em três níveis de lesão (nível torácico, nível lombar e nível sacral), esta no estudo de Bartonek et al.11. Nos outros estudos5,12 não foi citada a classificação utilizada. É relevante o estudo de Bartonek et al.9 onde há a comparação entre seis sistemas de classificação do nível de lesão neurológica, sendo os de Sharrard (nível torácico, nível L1, nível L2, nível L3, nível L4, nível L5, nível S1 e nível S2), Hoffer et al.7 (nível torácico, nível lombar alto, nível lombar baixo e nível sacral), Lindseth 1976 (nível torácico, nível L1, nível L2, nível L3, nível L4, nível L5 e nível sacral), Broughton et al. 1993 (nível torácico, nível L1, nível L2, nível L3, nível L4, nível L5, nível S1 e nível S2), Ferrari et al. 1985 (nível torácico, nível L1, nível L2, nível L3, nível L4, nível L5, nível S1, nível S2 e nível S3) e McDonald et al. 1991 (nível Neurociências L1, nível L3 e nível sacral). Esse estudo sugere que comparações de resultados de tratamentos são difíceis e confusas devido aos diversos sistemas de classificação usados para descrever a função motora e o nível neurológico da lesão nos portadores de mielomeningocele. O prognóstico deambulatório de acordo com os níveis de lesão neurológica mais citado na literatura aparentemente é o de Hoffer et al.7, no qual dos pacientes com lesão no nível torácico espera-se a ausência de deambulação; dos pacientes com nível lombar a deambulação comunitária, a domiciliar ou a não-funcional de acordo com outros fatores de influência (como retardo mental, deformidades ortopédicas, idade, fraturas e espasticidade); e dos pacientes com nível sacral espera-se a deambulação comunitária. Bartonel et al.11, apesar de utilizarem outra classificação (Sharrard), alcançaram resultados equivalentes à pesquisa de Hoffer et al.7. Entretanto, Charney et al.5 verificaram que sujeitos com paralisia em nível alto (torácico e lombar alto) poderiam alcançar a deambulação comunitária, porém nesse estudo não houve distinção entre os níveis de lesão, não foi citada a classificação utilizada e somente foram relatados três fatores (retardo mental, fisioterapia e conformidade dos pais) que poderiam afetar o prognóstico deambulatório. Assim como os níveis de lesão, as alterações ortopédicas foram encontradas em 40% dos artigos analisados. Isso sugere que as alterações ortopédicas têm peso similar ao nível de lesão no prognóstico deambulatório na mielomeningocele. Em 75% desses estudos as alterações ortopédicas foram citadas como um fator que influencia negativamente o prognóstico deambulatório. Essas alterações ortopédicas incluem: deformidades da coluna7,8,10, aumento da torsão tibial externa13, deformidade em flexão do joelho14 e deformidade em flexão do quadril8. Em 25% desses estudos as alterações ortopédicas foram citadas como um fator indiferente ao prognóstico deambulatório. As alterações ortopédicas citadas foram: luxação do quadril11,15 e aumento da obliqüidade pélvica8. É importante ressaltar que esses estudos envolveram sujeitos com níveis de lesão e idades diferentes. Outro aspecto de relevância é a intervenção cirúrgica nas alterações ortopédicas como um fator positivo no prognóstico deambulatório, como foi citado em 1973 por Hoffer et al. 7 e em 1992 por Swank et al.12. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086) 82 Em relação à ortetização e uso de aditamentos, esses fatores foram citados em 30% dos artigos analisados. Foi relatado que alguns fatores interferem no resultado da ortetização e utilização de aditamentos e podem, conseqüentemente, afetar o prognóstico deambulatório na mielomeningocele. Gerritsma-Blecker et al.16, apesar de não terem citado o nível de lesão estudado, encontraram que, apesar das contra-indicações de alguns projetos ortésicos, quando realizada a indicação adequada da órtese essa tem efeito positivo na deambulação nos casos de mielomeningocele. Thomas et al.17 também avaliaram a eficiência da ortetização (órteses tornozelo-pé) sobre o padrão de marcha nos portadores de mielomeningocele (níveis lombar baixo e sacral) e concluíram que a utilização dessas órteses mantém e melhora os parâmetros básicos da marcha, aumentando a mobilidade; entretanto esses autores reconheceram a amostra pequena do estudo (n=30). Katz et al. 18 em estudo sobre dois projetos ortésicos para indivíduos com nível torácico e lombar alto de mielomeningocele, apesar da amostra pouco significativa (n = 8), puderam concluir que é importante a avaliação adequada dos pacientes em relação aos gastos funcionais e energéticos e ao custo financeiro de cada projeto. Cuddeford et al.19 também avaliaram o gasto energético na deambulação com órteses, o estudo contou com 26 sujeitos (nível de lesão entre T12-L4) e concluíram que há muitos fatores a serem considerados na prescrição ortésica, além do gasto energético e que essa intervenção deve ser adequada individualmente aos portadores de mielomeningocele. Vankoski et al.3 realizaram estudo com objetivo de verificar o efeito das muletas canadenses no padrão de marcha das crianças com mielomeningocele. Foi conclusão dos autores que os desvios na biomecânica da pelve e do quadril são relacionados à fraqueza muscular dessa região e melhoram com o uso de muletas canadenses; as muletas permitem que o paciente distribua o peso em seus membros superiores e reduza o trabalho da fraca musculatura dos membros inferiores, permitindo que o paciente mantenha um padrão de marcha funcional próximo ao normal. Foi encontrado por Mazur et al.20 que nos níveis torácico e lombar alto de paralisia a ortetização e o treino de marcha são controversos na literatura, enquanto no nível lombar baixo essa proposta terapêutica é eficiente na melhora do prognóstico deambulatório. Neurociências Em relação à idade, esse fator foi citado em 30% dos estudos analisados, sendo considerado de influência sobre a deambulação em 66% desses artigos5,7,8,21. O estudo de Hoffer et al.7 citou a idade como um fator importante no prognóstico deambulatório dos pacientes com nível de lesão lombar. Todos os pacientes com esse nível que conseguiram a deambulação funcional o fizeram antes dos 9 anos de idade e já possuíam o status de deambuladores não-funcionais aos 5 anos de idade. Sendo a idade indiferente no prognóstico deambulatório dos sujeitos com outros níveis de lesão. No estudo de Samuelsson et al.8 com 163 pacientes (idade média 14 anos e 10 meses e todos os níveis de lesão), a idade teve poder discriminativo sobre a deambulação nos pacientes entre 6 a 16 anos (os deambuladores comunitários tinham idade média de 15 anos e 10 meses, os deambuladores domiciliares 17 anos e 4 meses e os cadeirantes 13 anos e 5 meses). Não houve relação entre a idade e os outros níveis de lesão nesse estudo. Outro estudo é o de Charney et al.5 (87 sujeitos com 5 anos de idade), que analisou se crianças com nível alto de paralisia conseguiriam a deambulação e se isso fosse positivo, por quanto tempo a deambulação poderia ser mantida. Cinqüenta e dois por cento dos pacientes conseguiram a deambulação comunitária aos 5 anos, 45% não conseguiram aos 5 anos nem depois (12% sendo deambuladores domiciliares e 7% cadeirantes). Os autores associaram outros fatores (retardo mental e ausência de tratamento fisioterapêutico) na explicação desses resultados e ainda citaram que embora a maioria (60%) dos deambuladores comunitários mantivesse a marcha na adolescência, começou-se a ver a tendência previamente relatada de que somente uma minoria dos indivíduos com nível alto de paralisia continuaria a deambular na vida adulta. No estudo de Williams et al.21 (n=173) foi constatado que existe um atraso na realização da deambulação para todos os níveis de lesão neurológica, entretanto os autores não explicaram o motivo desse atraso. Além disso, a idade de cessação da deambulação em pacientes com paralisia alta pode ser muito mais precoce (entre 6-9 anos) do que o previamente relatado na literatura, tendo como razões o período de rápido crescimento, ganho de peso no início da puberdade e a perda neurológica. Em longo prazo, a idade também parece ser um fator de influência na perda da deambulação, como percebido nos resultados do estudo supra citado (ao final do estudo: 2 crianças com lesão torácica REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086) 83 ainda deambulavam com a idade média de 8 anos ± 1 mês; 3 com lesão lombar alta com a idade média de 12 anos ± 3 anos; 5 com lesão lombar média com a idade média de 8 anos e 6 meses ± 3 anos e 4 meses; 28 com lesão lombar baixa com idade média de 8 anos e 8 meses ± 4 anos; 65 com lesão sacral com a idade média de 9 anos ± 5 anos). Nesse estudo fica clara a relevância da idade como fator significante para o prognóstico deambulatório, principalmente quando esta é associada com o nível de lesão neurológica. A idade foi considerada como um fator indiferente ao prognóstico deambulatório em 33% dos artigos que citaram esse fator10,15. No estudo de Norrlin et al.10 a idade não foi relacionada com a mobilidade, embora os autores esperassem por essa relação. No estudo de Gabrieli et al.15 não houve diferença estatística em relação à idade entre os dois grupos (grupo 1, pacientes que não apresentavam luxação do quadril ou que apresentavam luxação simétrica; grupo 2, pacientes que apresentavam luxação assimétrica do quadril). Em ambos os estudos, a falta de relacionamento entre a idade e o prognóstico deambulatório não foi explicado pelos autores. Sobre a influência da síndrome da medula presa e da espasticidade na deambulação, esses fatores foram incluídos em 20% dos artigos analisados. No estudo de Swank et al.12 a presença de medula presa foi o fator primário para a perda significativa da função motora. Dos 206 sujeitos, 11 tiveram perda significativa do nível funcional entre a avaliação inicial no nascimento e a última avaliação do estudo e todos esses pacientes eram portadores de medula presa. Hoffer et al.7 citou a espasticidade como influência negativa na deambulação, juntamente com outros fatores como deformidades da coluna e fraturas. Esses autores defenderam que a redução da deambulação entre as idades de 9 a 17 anos é influenciada por esses fatores. A espasticidade também foi um fator de influência em relação à deambulação no estudo de Samuelsson et al.8. Em quase metade dos sujeitos com nível de lesão abaixo de L1-L2, a espasticidade, em associação com a siringohidromielia e malformação de Chiari tipo II, influenciou negativamente a habilidade da marcha. No estudo de Bartonek et al.11 a espasticidade era presente em todos os níveis funcionais exceto o I Neurociências (nível de lesão S2) e foi considerada um fator significativo para não se alcançar a deambulação esperada. Embora sem significado estatístico, a espasticidade em associação com contraturas em flexão do quadril ou do joelho pareceu também influenciar o prognóstico deambulatório negativamente. Em relação aos distúrbios de equilíbrio e sua influência no prognóstico deambulatório, houve citação em 15% dos artigos analisados. No estudo de Swank et al.22, foi realizado prognóstico deambulatório de acordo com o nível da lesão neurológica associado com o equilíbrio em sedestação. Os autores encontraram que as variáveis nível motor e equilíbrio em sedestação predisseram corretamente 89% do status deambulatório dos 26 sujeitos desse estudo. Os dados sugeriram que somente três grupos de pacientes têm probabilidade de serem deambuladores: pacientes com nível lombar ou sacral sem déficit de equilíbrio em sedestação e os pacientes com nível sacral e com déficit médio de equilíbrio em sedestação; de todas as outras combinações, espera-se a ausência de deambulação. Em 1992, Swank et al.12 já haviam realizado um estudo com resultado semelhante. Dos 206 sujeitos, 30 tinham leve déficit de equilíbrio, 29 tinham moderado e 16 tinham déficit severo; 48 meses após o estudo, nenhum dos pacientes com déficit moderado ou severo eram deambuladores comunitários e todos os pacientes com déficit severo eram não-deambuladores. Outro estudo é o de Bartonek et al.11 onde foram estabelecidas diferenças significativas entre o grupo que alcançou a deambulação prevista e o grupo que não alcançou, com base do déficit de equilíbrio durante a marcha, a sedestação e o ortostatismo. O número de sujeitos com déficit de equilíbrio nesse estudo foi significativamente maior entre aqueles que tiveram duas ou mais revisões da derivação ventricular. A motivação familiar e a socialização foram citadas como fatores de influência na deambulação em 15% dos artigos. Embora sem detalhes, os fatores sociais foram citados no estudo de Hoffer et al.7 como influentes no prognóstico deambulatório. No estudo de Norrlin et al.10 foi relatado que a atitude de apoio dos pais, assim como a adaptação ambiental, pode ser insuficiente na motivação da mobilidade em crianças mais velhas, embora isso não tenha sido confirmado pelos autores. Isso é REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (080-086) 84 contrário ao relatado no estudo de Charney et al.5, onde os autores encontraram que dos 45 sujeitos que conseguiram a deambulação, 68% tinham pais colaborativos; com a conformidade dos pais nas atividades de marcha, mesmo sendo um aspecto de difícil avaliação sistemática, um fator significativo nesse estudo, que tinha como objetivo determinar quais fatores ou variáveis afetariam a deambulação comunitária em pacientes com nível alto de paralisia. O gasto energético como fator de influência no prognóstico deambulatório foi citado em 15% dos artigos. Como citado anteriormente, segundo Katz et al.18 é importante a avaliação adequada dos pacientes em relação aos gastos funcionais e energéticos e ao custo financeiro de cada projeto. Conforme também já citado, Cuddeford et al.19 tiveram como conclusão que há muitos fatores a serem considerados na prescrição ortésica, incluindo o gasto energético e que essa intervenção deve ser adequada individualmente aos portadores de mielomeningocele. A influência das alterações cognitivas no prognóstico deambulatório foi citada em 10% dos artigos encontrados. A alteração cognitiva (retardo mental) foi encontrada no estudo de Charney et al.5 como um fator de influência negativa no prognóstico deambulatório dos portadores de mielomeningocele, embora esse fator isoladamente não impedisse a deambulação. Nesse estudo com 87 pacientes, um esquema multivariado identificou três fatores mais importantes que afetam a deambulação, sendo eles o retardo mental, a ausência de acompanhamento fisioterapêutico e a falta de colaboração familiar. A presença de sintomas severos de disfunção cerebral foi citada por Norrlin et al.10 como relevante na quantificação do auxílio necessário para portadores de mielomeningocele, exceto no nível sacral, tendo implicações no programa terapêutico desses indivíduos. As alterações como hidrocefalia, hidromielia, siringomielia e malformação de Chiari II afetando o prognóstico deambulatório foram encontradas em somente 10% dos artigos analisados. Em relação à siringomielia e malformação de Chiari II, essas alterações foram citadas no estudo de Samuelsson et al.8 como importantes fatores de causa de disfunção dos membros superiores, podendo afetar a habilidade da marcha nos níveis L1L2, contribuindo à perda da função neurológica e Neurociências 85 deteriorando a habilidade de deambular longas distâncias. A influência da siringomielia e malformação de Chiari II nos outros níveis de lesão não foi encontrada nesse ou nos outros artigos selecionados para essa pesquisa. marcha são controversos na literatura, enquanto no nível lombar baixo essa proposta terapêutica é eficiente na melhora do prognóstico deambulatório. A hidrocefalia e a hidromielia foram relatadas como fatores de influência negativa sobre o equilíbrio dos portadores de mielomeningocele no estudo de Swank et al.12; dos 206 sujeitos, 196 eram portadores de hidrocefalia e 5 dos 33 pacientes que desenvolveram medula presa, eram portadores de hidromielia. Embora citados como fatores de influência, não é claro nesse estudo a relação entre a hidrocefalia e a hidromielia com o prognóstico deambulatório. Há consenso na literatura sobre a influência dos níveis de lesão e das alterações ortopédicas no que se refere a deformidades da coluna, aumento da torsão tibial externa, deformidade em flexão do joelho e deformidade em flexão do quadril, sobre o prognóstico deambulatório na mielomeningocele. Embora havendo discordâncias na literatura, a consideração dos demais fatores (idade, medula presa, espasticidade, distúrbios de equilíbrio, motivação familiar, socialização, gasto energético, alterações cognitivas, hidrocefalia, hidromielia, siringomielia, malformação de Chiari II e tratamento fisioterapêutico) é de suma importância no estabelecimento do prognóstico deambulatório para os pacientes com mielomeningocele. Em relação ao tratamento fisioterapêutico, este foi encontrado como um fator de influência na deambulação em 10% dos artigos selecionados. Sobre a conduta fisioterapêutica direcionada ao treino de marcha, Charney et al.5 a afirmaram como um fator de influência positivo no prognóstico deambulatório dos portadores de mielomeningocele. Nesse estudo com 87 pacientes, um esquema multivariado identificou três fatores mais importantes que afetam positiva ou negativamente a deambulação, sendo eles o retardo mental, o tratamento fisioterapêutico e a colaboração familiar. Dos 87 sujeitos, 89% receberam tratamento fisioterapêutico e eram deambuladores comunitários, sendo a fisioterapia relevante positivamente no prognóstico deambulatório. No estudo de Mazur et al.20, como mencionado anteriormente, foi encontrado que nos níveis torácico e lombar alto de paralisia a ortetização e o treino de CONCLUSÕES Podemos notar que os fatores facilmente visíveis, tais como as alterações ortopédicas e os níveis de lesão, receberam mais atenção; já os fatores pouco visíveis, tais como a motivação familiar e a socialização, foram abolidos em muitos estudos. O tratamento fisioterapêutico nos pacientes portadores de mielomeningocele foi um assunto discreto nas pesquisas, porém de grande importância, sendo notável a ausência de interação e publicação de estudos científicos desses profissionais. Isso poderia ocasionar falhas na prescrição e aplicação do tratamento fisioterapêutico, prejudicando o alcance e a manutenção da deambulação nos pacientes portadores de mielomeningocele. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Wentz E. Mielomeningocele. In: Kudo AN (coord.). Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional em Pediatria. 2nd ed. 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Débora Aparecida Lentini-Oliveira1, Fernando Rodrigues Carvalho2, Marco Antônio Cardoso Machado3, Lucila Bizari Fernandes Prado4, Gilmar Fernandes do Prado5 RESUMO A relação entre morfologia facial, respiração bucal e distúrbios respiratórios do sono vem sendo discutida, mas ainda não tem suporte científico. Os objetivos desse artigo são: fazer uma atualização do conhecimento sobre a relação entre respiração bucal, distúrbios respiratórios do sono e determinadas más-oclusões; enfatizar a importância da interdisciplinaridade na busca de melhor prognóstico e estabilidade de tratamento, tanto na correção dos distúrbios respiratórios do sono como na correção das más-oclusões. Unitermos: Maloclusão, Respiração bucal, Ronco, Apnéia do sono tipo obstrutiva . Citação: Lentini-Oliveira DA, Carvalho FR, Machado MAC, Prado LBF, Prado GF. Ortopedia funcional dos maxilares, respiração bucal e distúrbios respiratórios do sono em crianças. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 087-092. SUMMARY The relationship between facial morphology oral breathing and sleep breathing disorder has been discussed, but the relation does not have been supported scientifically yet. The article’s objectives are: actualize the knowledge about the relationship between oral breathing, sleep breathing disorder and several malocclusions; to emphasize the importance of the treatment among the several disciplines looking for the best prognostic and treatment stability, so much in the correction of the disturbances of the sleep as in the relationship of the malocclusion Keywords: Malocclusion, Mouth breathing, Snoring, Obstructive sleep apnea. Citation: Lentini-Oliveira DA, Carvalho FR, Machado MAC, Prado LBF, Prado GF. Functional orthopedic, mouth breathing, and sleep respiratory disorder in children. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 087-092. Trabalho realizado: Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP. 1 - Especilista em odontopediatria, Faculdade Odontologia de Bauru - USP, Pós-graduando em Medicina Interna e Terapêutica, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP. 2 - Especialista em Ortopedia Funcional dos Maxilares, Professor da Sociedade Paulista de Ortodontia e Ortopedia Funcional dos Maxilares, Pós-graduando em Medicina Interna e Terapêutica, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 - Pós-graduando em Medicina Interna e Terapêutica, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP. 4 - Diretora do Laboratório Neuro-Sono da Disciplina de Neurologia, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP. 5 - Professor Adjunto da Disciplina de Medicina de Urgência, Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP. Endereço para correspondência: Débora Aparecida Lentini-Oliveira Rua Marechal Dutra, 691 Jardim Mariana, Sorocaba – SP CEP: 18040-792 E-mail: [email protected] Trabalho recebido em 28/03/05. Aprovado em 14/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092) Neurociências INTRODUÇÃO Os distúrbios respiratórios do sono, em crianças, têm sido reconhecidos como um processo patológico importante e contínuo, que pode incluir: ronco, obstrução das vias aéreas superiores e eventos apnêicos. A prevalência tem sido estimada em 12,1%1 e o pico de incidência ocorre entre 3-6 anos de idade2. Embora a demora no diagnóstico e tratamento possam provocar comprometimento físico e comportamental como: déficit de atenção, hiperatividade déficit cognitivo1-5, baixa estatura2,6 hipertensão pulmonar e cor pulmonale2, recentes evidências indicam que os sintomas são variados e difíceis de detectar. Há falta de consenso nas definições, nos critérios diagnósticos e muitas questões sem respostas7. Por outro lado, a relação entre respiração bucal e morfologia facial também tem sido discutida na literatura. Embora estudos considerem a influência da respiração bucal nas alterações da morfologia facial, como acentuação do padrão vertical no crescimento facial, mordidas abertas e mordidas cruzadas8-11, dados de um estudo longitudinal indicam que os efeitos do modo respiratório na morfologia facial são insuportados12. Esta relação de causa e efeito não é totalmente conhecida. Avaliações ortodônticas em crianças com apnéia obstrutiva do sono encontram características semelhantes: mordidas cruzadas unilaterais, mordidas abertas e incompetência labial13. O tratamento de escolha da apnéia obstrutiva do sono, em crianças, têm sido a adenotonsilectomia14. Embora estudos reportem significante melhora após estas cirurgias15,16, outros estudos têm demonstrado desordens respiratórias residuais em polissonografia nessas crianças17,18. Essas crianças que não melhoram após cirurgia apresentam estreitamento do espaço aéreo epifaríngeo, desenvolvimento maxilar deficiente e retrusão mandibular15. Diversos tratamentos ortopédicos funcionais dos maxilares ou ortodônticos têm sido propostos para correção das diferentes másoclusões. Embora a avaliação da respiração bucal seja rotineira na clínica ortopédica e ortodôntica, pouca atenção tem sido dispensada por esses profissionais aos distúrbios respiratórios do sono. Os objetivos desse estudo são: 1 - Atualização sobre a relação entre respiração bucal, distúrbios respiratórios do sono, e determinadas más-oclusões; REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092) 88 2 - Enfatizar a importância da interdisciplinaridade na busca de melhor prognóstico e estabilidade de tratamento, tanto na correção dos distúrbios respiratórios do sono como na correção das másoclusões. SÍNDROME DA APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAOS) EM CRIANÇAS É um distúrbio respiratório que acontece durante o sono caracterizado por obstrução parcial ou total da ventilação associada com dessaturação de oxigênio, hipercapnia e sintomas que incluem ronco habitual, dificuldade respiratória e problemas comportamentais diurnos, tais como déficit de atenção, hiperatividade e déficit cognitivo. As complicações podem incluir: déficit pôndero-estatural, desordens neurológicas e cor pulmonale19. Alguns fatores têm sido considerados como possíveis fatores etiológicos: hipertrofia de amígdalas e de adenóides, predisposição familiar à hipoxemia, hipercapnia ou a obesidade e ainda a determinadas características faciais e crâniomandibulares. Estudo experimental8 em macacos mostrou a relação entre obstrução nasal forçada e modificação no padrão de crescimento facial, com retorno à condição anterior após a desobstrução. Embora a respiração bucal esteja freqüentemente associada com deformidades dentofaciais, há registros de respiração bucal tanto em más-oclusões como em oclusões normais. Doenças inflamatórias das vias aéreas como asma e rinites alérgicas, que levam à respiração bucal, têm uma forte, mas pouco entendida relação tanto com anormalidades faciais como com distúrbios respiratórios do sono20. Para o diagnóstico da SAOS, a polissonografia (PSG) é reconhecida como exame padrão ouro. Em crianças, o registro de um único evento de apnéia por hora já caracteriza a síndrome da apnéia obstrutiva do sono21. Nem sempre a avaliação clínica sugestiva de apnéia apresenta resultado polissonográfico positivo para apnéia, mas pode apontar características de anormalidade, tais como esforço respiratório anormal, medido diretamente pela pressão esofágica ou acompanhado por microdespertares ou despertares indicado pelo eletroencefalograma. Assim os distúrbios respiratórios do sono incluem a Síndrome da apnéia obstrutiva e a Síndrome do Aumento de Resistência das Vias Aéreas Superiores22 . Neurociências As opções de tratamento incluem: descongestionantes nasais, esteróides intranasais, perda de peso em crianças obesas, pressão aérea positiva contínua (CPAP), pressão aérea positiva em dois níveis (BIPAP) e, principalmente, adenotonsilectomia em crianças com hipertrofia adenotonsilar7. Embora os critérios diagnósticos não sejam bem definidos, os principais fatores etiológicos considerados são hipertrofia de amígdalas e adenóides. Portanto, o tratamento de escolha para apnéia obstrutiva do sono em crianças tem sido a adenotonsilectomia23. A adenotonsilectomia produz resultados tanto na apnéia obstrutiva do sono14-16 , como no padrão de crescimento facial, com melhora na largura dos arcos dentais e na inclinação dos dentes incisivos10. Em função do tempo de persistência da respiração bucal e da magnitude da alteração de maxila, mandíbula e das inclinações dentárias, junto com características hereditárias, há possibilidade de persistência de alterações oclusais que pode contribuir para persistência dos sintomas da apnéia. Uma revisão sistemática da literatura realizada junto ao Instituto Cochrane 23 sobre o efeito da adenotonsilectomia em apnéia obstrutiva do sono em crianças foi inconclusiva em função de problemas metodológicos nos estudos, que incluía falta de randomização e controles e variações nas definições de variáveis chaves. MÁS-OCLUSÕES E ORTOPEDIA FUNCIONAL DOS MAXILARES 1. Más-oclusões O crescimento dos ossos da face ocorre em diferentes direções, velocidades e quantidades a partir de sinais precisos e coordenados enviados aos seus tecidos conjuntivos. Esses sinais podem ser hormônios, potenciais bioelétricos e forças mecânicas, que agem como ativadores extracelulares a que receptores específicos das superfícies celulares são sensíveis. Essa recepção desencadeia uma cascata de mensageiros secundários num determinado tipo de célula, ativando a síntese de enzimas relacionadas com deposição ou reabsorção óssea. Os eventos de crescimento e desenvolvimento maxilo-mandibular não são totalmente conhecidos, mas há uma tentativa de busca de equilíbrio estrutural e funcional, entre tecidos moles e tecidos duREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092) 89 ros. Múltiplos fatores são envolvidos no controle do crescimento maxilo-mandibular, e a faixa de desequilíbrio é estreita24. Todas as más-oclusões freqüentemente são resultado da combinação de diferentes fatores dentro de um potencial de crescimento inerente a cada indivíduo e, portanto, são multifatoriais. As más-oclusões que têm sido associadas com respiração bucal em crianças são descritas a seguir: 1.1. Mordida cruzada A mordida cruzada lateral funcional caracteriza-se por atresia maxilar, instabilidade oclusal e, portanto, desvio de posição mandibular para um dos lados para possibilitar a função mastigatória, estabelecendo-se o cruzamento da mordida25. Há uma relação entre a largura do arco superior, respiração bucal e posição de língua baixa associada com adenóide10. Moss, na sua teoria da matriz funcional, enfatiza o papel da respiração nasal no desenvolvimento maxilar e abaixamento da abóbada palatina 26 . Quando ocorrem obstruções à respiração nasal, a maxila fica atrésica. Também pode ocorrer mordida cruzada anterior funcional ou estrutural em função de discrepâncias sagitais, seja por deficiência de desenvolvimento maxilar ou excesso de desenvolvimento mandibular, as chamadas mésiooclusões ou classe III de Angle. 1.2. Mordida aberta anterior É definida como negativa sobremordida vertical entre dentes antagonistas anteriores ou uma falta de contatos, em direção vertical, entre segmentos opostos de dentes27. A etiologia da mordida aberta anterior é discutida e os fatores associados são os fatores predisponentes associados a outros, como hábitos não nutritivos, função anormal da língua, hipertrofia de amígdalas e adenóides que levariam a uma respiração bucal28.A mordida aberta esquelética caracterizase por incompetência labial e características cefalométricas comuns às encontradas em indivíduos com apnéia obstrutiva do sono29 e respiradores bucais 30: face longa e aumento da altura facial anterior inferior (distância queixo-nariz). Um estudo comparou forças oclusais entre crianças e adultos normais e com face longa e os resulta- Neurociências dos sugerem que indivíduos com esse padrão, falham em ganhar força nos músculos elevadores da mandíbula 31 . Também nesse estudo, os indivíduos com face longa eram mais retrognatas. 1.3. Retrognatismo O retrognatismo, comumente encontrado nos indivíduos classe II de Angle, caracteriza-se por um relacionamento distal da mandíbula em relação à maxila. A língua fica posteriorizada, tornando-se um importante fator de obstrução à passagem de ar durante o sono nessa região retro-lingual. Em adultos, essa relação com apnéia obstrutiva do sono já é conhecida e dependendo da severidade da apnéia, aparelhos reposicionadores intra-orais são indicados. Essas más-oclusões parecem ter uma provável relação com distúrbios respiratórios do sono. 2. Ortopedia Funcional dos Maxilares A Ortopedia Funcional dos Maxilares é uma especialidade da Odontologia que tem por objetivo monitorar o desenvolvimento da oclusão, eliminando os impedimentos à harmonia de desenvolvimento e corrigindo os desvios da função oclusal, através de recursos próprios que podem ser aparelhos em dentes decíduos ou permanentes, ajustes oclusais por desgastes ou ajustes oclusais por acréscimo de resinas em dentes decíduos. Também visa o equilíbrio estético e normalização das funções: mastigação, deglutição, respiração e fonação. A Ortopedia Funcional dos Maxilares atua redimensionando o crescimento e desenvolvimento maxilo-mandibular e face, através de estímulos aplicados com direção e velocidade adequados32. De uma maneira simplificada, os princípios de ação das técnicas ortopédicas funcionais incluem mudanças de tônus muscular na face, através de uma mudança na relação dinâmica da mandíbula em relação à maxila e mudança na postura de língua. Essas mudanças de posição e movimento são captadas pelos proprioceptores (fusos neuro-musculares, órgãos tendinosos, receptores articulares). Essa percepção é conduzida até o sistema nervoso central e a resposta inclui novas mudanças de tônus muscular, portanto, ativação e desativação dos mecanismos de deposição e reabsorção óssea ou remodelação. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (087-092) 90 O objetivo final é que a maxila e mandíbula estejam com seus perímetros compatíveis e com condições de contatos oclusais simultâneos e simétricos e dimensões verticais iguais em ambos os lados da boca. Os movimentos mandibulares, durante as funções devem ser livres, sem mudança de direção. Essas características permitem que uma mastigação bilateral e alternada ocorra dentro de condições de equilíbrio neuromuscular e, portanto, a harmonia de desenvolvimento pode se manter33. Rinopatias ou hipertrofias de adenóides e amígdalas podem prejudicar ou impedir o sucesso dos tratamentos. 3. Diagnóstico em Ortopedia Funcional dos Maxilares O diagnóstico em Ortopedia Funcional dos Maxilares inclui anamnese, análise facial, análise estática das relações maxilo-mandibulares, análise estática da oclusão e análise da dinâmica mandibular ou análise funcional da oclusão. A base do diagnóstico é o exame clínico da criança complementado por exames radiográficos, estudos cefalométricos, análise de modelos que relacionam o plano oclusal com planos faciais: plano de Camper, plano sagital mediano e plano frontal. Alguns aspectos do diagnóstico clínico, especificamente da análise facial e análise estática da oclusão podem auxiliar o neurologista, especialista em sono, na observação de alterações que podem estar relacionadas. 3.1. Análise facial Com ela, avalia-se a simetria facial: as proporções faciais nos terços superior, médio e inferior da face em vista frontal e de perfil , com o paciente em posição natural de cabeça. Deve existir uma relação de proporcionalidade entre os terços facial superior (linha do cabelo à sombrancelha), médio (sombrancelha ao ponto subnasal) e inferior (ponto subnasal ao tecido mole do mente). Avalia-se também a simetria entre os lados direito e esquerdo do indivíduo (norma frontal) tanto em largura como em altura. Deve-se também observar se há selamento labial, tonicidade de lábios e mento. Um bom selamento labial sugere ausências de discrepâncias esqueléticas verticais e sagitais, comprimento labiais adequados e altura facial inferior proporcional aos tamanhos de maxila e mandíbula, função respiratória normal e tonicidade labial normal. Neurociências Indivíduos com retrognatismo podem apresentar ausência de selamento labial, interposição labial inferior entre os dentes, selamento labial forçado com hipertrofia de contração do músculo mentoneano. Em norma lateral, apresentam perfil convexo e comprimento de linha queixo-pescoço pequena. Ao contrário, as mésio-oclusões podem apresentar linha queixo-pescoço longa e ângulo queixo-pescoço agudo. Esse ângulo agudo é indicativo de padrão de crescimento facial mais vertical, característico também da mordida aberta estrutural, respiradores bucais e dos adultos apneicos. As deficiências de crescimento maxilar podem ser observadas em norma lateral , por face côncava ou deficiência na região zigomática. CONSIDERAÇÕES FINAIS A hipótese de que a alteração do modo respiratório pode alterar tanto crescimento da maxila, que permanece atrésica, como da mandíbula que sofre rotação de crescimento e postura da língua, modificando o padrão de crescimento facial e tonicidade muscular da face, deve ser ainda bastante pesquisa- 91 da. Assim como, essas relações com os distúrbios respiratórios do sono. É fundamental que os profissionais médicos que lidam com os distúrbios respiratórios do sono em crianças estejam atentos também às características faciais e maxilo-mandibulares que possam estar contribuindo com os processos de obstrução ou que possam impedir a recuperação total do indivíduo. Ao mesmo tempo, os ortopedistas e ortodontistas, que tratam as más-oclusões, também precisam incluir no seu diagnóstico, a observação cuidadosa de sinais e sintomas que possam sugerir distúrbios respiratórios do sono, para encaminhar devidamente esses pacientes, melhorando não só o seu prognóstico, mas principalmente evitando os danos que esses distúrbios podem provocar. Em função da complexidade, falta de consenso entre critérios diagnósticos e da importância clínica dos distúrbios respiratórios do sono em crianças, todos os fatores associados devem ser diagnosticados e tratados por equipe multidisciplinar, dentro de ensaios clínicos controlados e randomizados e avaliados para a possível melhora do prognóstico a longo prazo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ali NJ, Pistson DJ. Snoring, sleep disturbance, and behaviour in 4-5 years old. Arch Dis Child 1993; 68: 360-366. 6. Greene MG. Consequences of sleep disordered breathing in children. Curr Ipen Pulm Med 1997; 3: 456-63. 2. Brouillette RT, Fernbach SK, Hunt CE. Obstructive sleep apnea in infants and children. J Pediatr 1982; 100:31-40. 7. Carrol JL Obstructive sleep-disordered breathing in children: new controversies, new directions. Clin Chest Med 2003; 24(2) 261-282. 3. O’Brien LM, Tauman R, Gozal D. Sleep pressure correlates of cognitive and behavioral morbidity in snoring children. 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Essa capacidade cognitiva está intimamente correlacionada com a percepção espacial, a qual pode ser entendida como o resultado final da organização e integração de diversos estímulos sensoriais de maneira a fornecer à consciência um panorama geral acerca das formas do meio externo entre si e suas relações espaciais. Realizamos, nesse artigo, um resumo das diversas vias sensoriais (visual, tátil, proprioceptiva, auditiva e vestibular) capazes de fornecer elementos para o desenvolvimento da cognição espacial. Ao longo dessa exposição procuraremos elucidar os mecanismos psicológicos inerentes a esse processo bem como suas respectivas bases neurofisiológicas. Será também abordada a importância da Área de Associação Heteromodal do Córtex Parietal Posterior para a cognição espacial. Por último será realizada uma breve discussão acerca das diferentes síndromes que envolvem alguma forma de déficit da cognição espacial. Unitermos: Percepção espacial, Percepção de forma, Cognição, Modalidades sensoriais. Citação: Mattei TA, Mattei JA. A cognição espacial e seus distúrbios: o papel do Córtex Parietal Posterior. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 093-099. SUMMARY The spatial cognition corresponds to the individual’s capacity to perceive the spatial relationship among objects and dealing with the notions of deepness, solidity and distance. This cognitive activity is bounded to spatial perception that can be understood as the final product of the integrative process that organizes sensorial stimuli, in order to present to consciousness a general overview about forms and spatial relationships of external objects. In this paper we discuss the different sensorial routes (visual, tactil, proprioceptive, auditive, vestibular), which are capable to provide elements for generation of spatial cognition. Through this exposition we try to elucidate psychological mechanisms involved in this process as well as its respective neurophysiological bases. We will also discuss the importance of the Multimodal Association Area of the Posterior Parietal Cortex to spatial cognition. In the last part of the article we present a brief description of disturbs which involve some kind of deficit of spatial cognition. Keywords: Space perception, Form perception, Cognition, Sensorial modalities. Citation: Mattei TA, Mattei JA. The spatial cognition and its disturbances: the role of the Posterior Parietal Cortex. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 093-099. Trabalho realizado: Universidade de São Paulo e Universidade Federal do Paraná. 1 - Membro do Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da USP. Chefe do Grupo de Pesquisa em Epistemologia e Psicologia Cognitiva do Instituto de Filosofia da USP. Pesquisador do Laboratório de Neurociências e Neurocirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da USP. 2 - Especialista em Neuropsicologia e Ciências do Comportamento. Chefe do Grupo Integrado de Pesquisa em Neurologia Clínica e Neurosciências da Universidade Federal do Paraná. Endereço para correspondência: Dr. Tobias Alécio Mattei Rua Capote Valente 725, ap. 302 Bairro Pinheiros / CEP 05409-002 Telefone: 3891-0402 E-mail: [email protected] ou [email protected] Trabalho recebido em 13/05/05. Aprovado em 11/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (093-099) Neurociências INTRODUÇÃO A Cognição Espacial corresponde à capacidade de um indivíduo de perceber relações espaciais entre os objetos, bem como de lidar com as noções de profundidade, solidez, distância1. A cognição espacial é um tipo de habilidade intelectual oriunda da percepção espacial. Esta pode ser entendida como o produto final organização e integração dos estímulos sensoriais de maneira a fornecer um panorama relativamente fiel e abrangente da espacialidade, e, por assim dizer, da geometria do meio externo. Vias Sensoriais O grande matemático e filósofo do século XIX Henry Poincarè2 costumava dizer que existem sensações as quais são acompanhadas de um “sentimento de direção”. Tais são, por exemplo, as sensações proprioceptivas ou visuais. Outras, ao contrário, como por exemplo, as sensação gustativas e olfativas, não seriam acompanhadas desse “sentimento”. Dentre as diversas vias sensoriais capazes de fornecer elementos para a cognição espacial podemos citar: o sistema visual, o sistema tátil, o sistema proprioceptivo, o sistema auditivo e o sistema vestibular. A seguir explicaremos como as informações sensoriais transmitidas por cada uma das vias acima expostas pode contribuir para a geração da cognição espacial. Categorias sensoriais 1. Visão A base da percepção espacial fornecida pela visão está contida na forma (dimensões) dos objetos e nas relações destes (por exemplo: superior, inferior, perto, longe) entre si e com o indivíduo. Os raios de luz que incidem sobre o objeto irão se projetar em diferentes pontos da retina, estimulando os receptores específicos. As imagens formadas representarão, pois, as correlações geométricas entre os objetos que a originaram. Isso irá permitirá ao indivíduo situar os diferentes objetos no espaço, bem como seu próprio corpo em relação a estes3, 4. Uma vez que a imagem projetada na retina é bidimensional, um número infinito de diferentes combinações espaciais tridimensionais produzirá o mesmo padrão de estimulação da retina. Surge então a questão sobre como seria possível distinguir entre essas diferentes imagens. Como uma tela plana, bidimensional, a retina seria capaz de representar somente duas das três dimensões espaciais, perdendo nesse processo, informações essenciais à perfeita reprodução espacial do meio externo. Entretanto, deve-se lembrar que existem dois aparelhos perceptivos interconectados (no caso, os dois olhos) REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (093-099) 94 sobre os quais a mesma imagem é representada de maneiras levemente diferentes. O cérebro, então, pode, através da comparação dessas imagens, extrair informações importantes acerca das relações de profundidade entre os objetos, função esta denominada de estereopsia5. Dessa maneira a visão binocular permite uma percepção tridimensional, a qual não seria possível com uma visão monocular. Prova disso é a extrema dificuldade por parte de indivíduos que perderam a visão de um dos olhos em perceber as noções de profundidade e distância. Diversos testes, entre eles estereogramas de pontos randomizados, podem ser usados para a detecção desse defeito6. 2. Propriocepção e Informações Vestibulares A propriocepção e as informações vestibulares contribuem para a formação da cognição espacial de forma indireta. Elas fornecem informações sobre a posição espacial das várias partes do corpo. Podese, com isso, determinar a angulação entre essas partes, sendo possível abstrair, dessas informações, relações geométricas. À capacidade de saber, sem o auxílio da visão, localização exata das partes de seu corpo no espaço denomina-se artrestesia. Essa habilidade se baseia nas informações provenientes dos órgãos tendinosos de Golgi contidos nas articulações. Para testá-lo pode-se, por exemplo, solicitar ao indivíduo que desenhe em uma folha de papel a figura formada pelo seu tronco e membros. Essa pessoa desenhará algo semelhante a uma estrela, se seus dois braços estiverem na horizontal, sua cabeça estendida e suas pernas levemente abduzidas. E assim, diversas outras figuras seriam formadas, caso seus braços estivessem estendidos ou fletidos, elevados ou abaixados. Essa função de correlacionar as informações proprioceptivas e vestibulares de modo a gerar um referencial posicional centrado no corpo do indivíduo é realizada por alguns neurônios específicos do córtex parietal posterior (mais especificamente, neurônios da área LIP – lateral intraparietal area)7. 3. Tato No caso do tato, as informações sensoriais são integradas no córtex parietal direito de modo a permitir à pessoa que reconheça um objeto pela sua “forma” A essa capacidade denomina-se estereognosia8, 9. Podese testar essa habilidade da seguinte maneira: coloca-se uma chave na mão de um indivíduo de olhos fechados e solicita-se que este identifique o objeto. Pacientes com lesões parietais direitas são incapazes de reconhecer o objeto através do tato, apesar de Neurociências conseguir fazê-lo através de outras vias sensoriais como a visão, por exemplo10, 11. 95 informações auditivas, visuais, táteis e proprioceptivas em um todo holístico, de maneira a fornecer um senso combinado e único de dimensão espacial23, 24. 4. Audição A percepção da direção espacial através da audição envolve mecanismos peculiares, apesar de apresentar alguma semelhança com a visão. Em analogia à disparidade binocular, também os dois ouvidos recebem de maneira diferente as ondas de pressão oriundas das fontes emissoras de som12. Essas ondas atingem o ouvido que estiver mais próximo alguns mili-segundos antes de atingir o outro ouvido. Esta disparidade, em conjunto com outras diferenças biauriculares (como o fato de que o ouvido mais distante recebe o estímulo em intensidade ligeiramente mais baixa devido à uma espécie de “sombra acústica” resultante do barragem das ondas sonoras pela cabeça) permitem ao observador localizar a direção e a origem do som13. Córtex de Associação Parietal Posterior O Córtex Parietal Posterior – especialmente do hemisfério direito - (áreas de Brodmann 7, 39 e 40) é responsável por interações multimodais relacionadas à percepção espacial14. Essa área também é responsável pelo direcionamento espacial da atenção, bem como pela integração do sistema motor (práxis) com as percepções espaciais, de modo a organizar os planos motores do indivíduo15-17. Imagens de Ressonância Magnética Funcional mostraram que a parte do córtex parietal posterior crítica para a atenção espacial está na região intraparietal18. Quando essa área é lesada, os canais de informações modalidade-específica relacionados ao espaço extrapessoal podem permanecer intactos, mas não podem ser combinados para gerar uma representação interativa e coerente necessária ao desenvolvimento adaptativo da cognição espacial19. O córtex parietal posterior não deve ser entendido como um centro que contém um mapa, mas como uma comporta crítica que abre acesso a representações espaciais provenientes de várias áreas cerebrais e relacionadas à atenção e exploração do espaço extrapessoal. Há alguns grupos neuronais específicos nessa região (especialmente da área 7a e LIP) cuja função parece ser a de representar o espaço extracorporal do mundo exterior de uma maneira útil, visando os planos e as tarefas motores subseqüentes20, 21. Esses neurônios são capazes de combinar as informações provenientes da retina com informações sobre a posição dos olhos e enquadra-las em um todo perceptivo cujo centro é ocupado pela cabeça do indivíduo22. Dessa maneira, todas as informações visuais seriam percebidas em função desse ponto referencial. As conclusões dos estudos sugerem que uma das funções da área LIP é a integração das REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (093-099) Distúrbios da Cognição Espacial Apresentaremos a seguir alguns distúrbios relacionados a déficits na cognição espacial ou no uso dessa como auxílio à alguma outra função superior (linguagem, orientação espacial, orientação atencional, etc.)25, 26. A precisa correlação entre cada uma dessas síndromes e a lesão anatômica subjacente não é possível, tendo em vista a variabilidade anatômica das estruturas neurais entre os diferentes indivíduos, bem como a impossibilidade de determinar com exatidão os grupos neuronais específicos comprometidos por determinada lesão. Assim sendo, em termos gerais, somente podemos afirmar que esses distúrbios estão de algum modo correlacionados à lesões da Área de Associação Heteromodal do Córtex Parietal Posterior e suas conexões. 1. Síndrome do Lobo Parietal Lesões do córtex parietal posterior no hemisfério direito, principalmente do lóbulo parietal inferior, levam a déficits em tarefas de atenção espacial, integração visuoespacial e desenho (construção) 27 . É a chamada “síndrome do lobo parietal”28. Os pacientes com esse distúrbio falham em testes de “rotação mental” e não são capazes de identificar objetos vistos de uma perspectiva incomum29. Outros componentes da síndrome parietal direita são: “anosognosia “ (negação da doença) “apraxia do vestir”, “apraxia construtiva”, estados confusionais, déficits de localização de rotas ou caminhos e distúrbios concernentes à “navegação corporal” com respeito à objetos sólidos como cadeiras e camas30, 31. 2. Defeito na Orientação Geográfica Este distúrbio caracteriza-se pela incapacidade de identificar localizações em um mapa ou de construir um mapa de uma cidade ou país. Está presente em pacientes com lesões parieto-occipitais posteriores 32,33. Kanwisher, usando estudos de ressonância magnética funcional (fMRI) localizaram uma área no córtex parahipocampal (chamada área hipocampal locacional – PPA) que está envolvida especificamente na percepção do ambiente local visual, um componente essencial na “navegação”34. Informação sobre o “layout” do espaço local produz ativação dessa área. Esses autores propuseram que a PPA codifica a representação de lugares através da geometria do ambiente local de modo que a integridade anátomo-funcional dessa área bem como suas vias de conexão com o área parietal posterior são essenciais para a orientação geográfica35. Neurociências 3. Simultanagnosia (desorientação visual) A simultanagnosia pode ser definida como a incapacidade de perceber o campo visual como um todo, o que resulta em percepção e reconhecimento de somente partes desse campo. É um dos três componentes da Síndrome de Balint (um distúrbio complexo da análise espacial – figura 1). Os outros dois componentes dessa síndrome são: a ataxia óptica (um distúrbio do apontamento em direção à um alvo sob orientação da visão) e a apraxia ocular (incapacidade e inabilidade de mudar a atenção visual em direção à um estimulo novo)36, 37. 96 adequada. Entretanto, são incapazes de usar essas informações visuais para copiar formas e desenhar objetos (como uma casa, um relógio, ou um rosto). O sub-teste de blocos do “Wechsler Adult Intelligence Scalle - WAIS” é comumente usado para testar as habilidades construtivas. Esse distúrbio ocorre principalmente como resultado de extensas lesões parietais direitas39. 5. Distúrbio da Habilidade de se Vestir (Apraxia do Vestir) A apraxia do vestir corresponde à um defeito no feedback sensorial das partes do corpo de volta para o córtex parietal direito. A pessoa torna-se incapaz de alinhar o membro do corpo com a peça do vestuário. Pode resultar de lesões no córtex parietal direito ou também advir de outras síndromes, como simultanagnosia ou ataxia óptica. Este distúrbio está intimamente associado à lesão de neurônios das áreas 7a e LIP, os quais, como visto anteriormente, possuem a função de representar o espaço extra-corporal do mundo exterior de uma maneira útil visando os planos e tarefas motores subseqüentes40. 6. Síndrome da Heminegligência Figura 1. Imagem de tomografia computadorizada (TC) de um paciente com síndrome de Balint causada por um meningioma. Perceba-se que a lesão envolve áreas funcionalmente importantes da região parietal posterior direita . A essência da simultanagnosia é subjetiva. O paciente com simultanagnosia é incapaz de captar o campo visual em sua integridade. Ocorre uma espécie fragmentação do campo visual. Normalmente esse fragmento funcional do campo visual corresponde à representação da mácula, que se move de maneira aleatória de quadrante para quadrante. Como resultado disso, um objeto claramente visível num dado momento pode subitamente desaparecer à medida que a fixação visual muda. A simultanagnosia pode aparecer depois de lesões na região occipito-parietal posterior de ambos os lados38. Essa síndrome é caracterizada por uma um estado de indiferença em relação aos estímulos sensoriais provenientes do lado esquerdo do paciente, bem como redução nas atividades motoras a serem executadas nessa região41-44. Em casos graves, o paciente comporta-se como se a metade esquerda do universo deixasse de existir45. O paciente veste, lava e faz a barba somente do lado direito, come somente a metade direita da comida no prato e, quando solicitado, copia somente a metade direita dos desenhos apresentados. (figura 2)46, 47. 4. Distúrbios de Habilidade Construtiva (Apraxia Construtiva) Os pacientes com apraxia construtiva possuem acuidade visual normal, percepção normal dos objetos e de suas relações espaciais e habilidade motora REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (093-099) Figura 2. Imagem do caderno de um paciente com de síndrome de heminegligência. Pode-se perceber a ignorância em relação a qualquer elemento situado no campo vivencial esquerdo do paciente. Neurociências Essa síndrome parece ser fruto da lesão do componente parietal de um sistema mais geral responsável pela atenção espacial formado pelo giro do cíngulo, área visual frontal, tálamo, striatum e colículo superior, bem como de partes do sistema límbico, relacionadas ao humor e motivação48, 49. 7. Síndrome de Williams A síndrome de Williams é uma patologia rara, de caráter hereditário, causada pela deleção do gene da elastina e regiões adjacentes no cromossomo 7q11. Indivíduos portadores da síndrome de Williams apresentam, além de déficits cardiovasculares e do tecido conjuntivo, déficits congênitos nas habilidades cognitivas de ordem visual e espacial, com preservada capacidade cognitiva em tarefas que envolvem habilidades lingüísticas. Mesmo em tarefas verbais, os indivíduos com a Síndrome de Williams apresentam sérios problemas quando se deparam com proposições que contenham algum elemento de caráter espacial ou direcional. Esses indivíduos apresentam importante dificuldade na realização de tarefas que envolvam alguma forma de construção visuo-espacial, como desenhos e design de blocos. Os resultados das pesquisas sugerem que essa dificuldade envolve a construção visuo-espacial per se, e não a percepção espacial em geral, uma vez que indi- 97 víduos portadores da Síndrome de Williams apresentam, por exemplo, habilidade para reconhecimento de faces preservada50, 51. Estudos com Ressonância Magnética Funcional (fMRI) revelaram que esses pacientes apresentam déficits específicos na atividade do córtex que compõe a Via Dorsal (caminho do “onde”, relacionado à localização espacial), composta por neurônios que ligam as áreas de associação unimodais visuais com o córtex parietal e frontal, com relativa preservação da Via Ventral (caminho do “o quê”, relacionado à identificação de objetos), a qual liga as áreas visuais primárias ao córtex de associação visual temporal e áreas límbicas52, 53. CONCLUSÕES Foi possível ao longo dessa exposição perceber que, apesar da indiscutível preponderância das informações visuais, vários são os inputs sensoriais que contribuem, cada um através de uma maneira peculiar, para esta complexa e rica habilidade denominada cognição espacial. Também se procurou evidenciar a íntima correlação existente as áreas de associação heteromodais do córtex parietal posterior e a cognição espacial, através de uma breve descrição de alguns dos possíveis distúrbios oriundos de lesões anatômicas nessa região. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Marshall JC, Fink GR. Spatial cognition: where we were and where we are. Neuroimage 2001; 14:52-57. 9. 2. Poincarè E. Os fundamentos da Geometria. 3rd ed. São Paulo: Editora Filosofia das Ciências, 1947. 3. Pagano CC, Carello C, Turvey MT. Exteroception and exproprioception by dynamic touch are different functions of the inertia tensor. Percept Psychophys 1996;58:1191-1202. 10. 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Neurociências 100 Artigo de Revisão Trombólise no Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: uma mudança conceitual Thrombolysis in Acute Ischemic Stroke: Changing dogmas Jamary Oliveira-Filho1 RESUMO A trombólise foi a primeira estratégia eficaz no tratamento do acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico agudo. Desde sua aprovação em 1996 nos Estados Unidos e em 2001 no Brasil, sua utilização tem crescido exponencialmente. Apesar de sua eficácia, poucos pacientes são candidatos ao tratamento, mas novas técnicas de terapia intra-arterial, triagem por neuroimagem e de potencialização da trombólise por ultra-som prometem aumentar ainda mais a proporção de pacientes beneficiados. Nesse artigo, revisamos os principais conceitos no tratamento do AVC agudo que se modificaram com o advento da trombólise. Unitermos: Acidente cerebrovascular; Terapia trombolítica; Transtornos cerebrovasculares. Citação: Oliveira-Filho J. Trombólise no Acidente Vascular Cerebral Isquêmico: uma mudança conceitual. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 100-104. SUMMARY Thrombolysis was the first strategy approved for acute stroke treatment. Ever since its approval in 1996 in the United States and in 2001 in Brazil, use has grown exponentially. Despite the efficacy of thrombolysis, few patients are candidates to treatment, but new techniques for intra-arterial thrombolysis, neuroimaging-based patient selection and ultrasound-enhanced thrombolysis have the potential to further increase the proportion of patients who benefit from treatment. In the present article, we review the main concepts in acute stroke treatment that have been modified in the thrombolysis era. Keywords: Stroke, Acute; Thrombolitic therapy; Cerebrovascular disease. Citation: Oliveira-Filho J. Thrombolysis in Acute Ischemic Stroke: Changing dogmas.Rev Neurociencias 2005; 13(2): 100-104. INTRODUÇÃO O potencial de reperfundir um tecido cerebral isquêmico não é novo. Desde a década de 60 que os primeiros trabalhos mostraram a capacidade de drogas como a estreptoquinase de dissolver trombos na circulação intracraniana 1,2. O risco na época, entretanto, era demasiadamente alto, devido ao elevado índice de hemorragias cerebrais. Foram quase 30 anos até a próxima tentativa de trazer a trombólise à prática clínica. Neste artigo de revisão, visamos demonstrar por que os estudos a partir da década de 90 tiveram êxito, quais conceitos vêm se modificando no campo da terapia trombolítica e quais as novas perspectivas na atual década. Erros e acertos Os estudos da década de 60 foram em grande parte motivados pelo sucesso da terapia trombolítica Trabalho realizado: Universidade Federal da Bahia 1 - Professor Adjunto de Neuroanatomia. Chefe, Ambulatório de Doenças Cerebrovasculares.Universidade Federal da Bahia. Endereço para correspondência: Jamary Oliveira-Filho [email protected] Trabalho recebido em 09/06/05. Aprovado em 25/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (100-104) Neurociências na cardiologia. Embora compartilhem a oclusão arterial como fator determinante do quadro clínico, existem diferenças fundamentais entre o modelo coronariano e o das artérias cerebrais. O modelo coronariano apresenta uma fisiopatogenia relativamente homogênea, decorrendo da complicação de uma placa aterosclerótica, enquanto na circulação cerebral esse mecanismo é exceção, sendo a maioria dos trombos vindos de fontes proximais como o coração, arco aórtico ou vasos cervicais extracranianos3. Outra diferença importante é decorrente do tecido que está sendo reperfundido. O tecido cerebral é mais sensível à isquemia e à lesão de reperfusão, com maior índice de hemorragia. Dois outros problemas na transposição de modelos surgiram: 1) a dose ideal de trombolítico não era conhecida; convencionou-se utilizar a mesma usada para o modelo coronariano; 2) o conceito de janela terapêutica não era bem determinado, com tratamentos se estendendo além de 12 horas após o início dos sintomas. Dois principais “acertos” nortearam os estudos da década de 90. Primeiramente, tentou-se limitar a janela terapêutica para 3 ou 6 horas, desta forma selecionando previamente pacientes com maior probabilidade de ter tecido cerebral ainda viável para ser salvo numa terapia de reperfusão. O segundo acerto foi a realização de estudos de fase 1 e 2 para buscar uma dose de trombolítico que fosse segura e ainda mantivesse alguma eficácia. O estudo NINDS O estudo de trombólise com fator ativador do plasminogênio tecidual recombinante (rtPA) do National Institute of Neurological Diseases and Stroke (NINDS) tornou-se um marco na história do tratamento do AVC agudo 4 . Escolheu-se um trombolítico mais seletivo para o trombo do que a estreptoquinase. Utilizou-se uma dose menor de trombolítico do que os estudos cardiológicos, baseados em estudos de segurança de fase 1 e 2. A seleção dos pacientes foi rigorosa, somente incluindo as primeiras 3 horas do início dos sintomas, com protocolos de controle pressórico e exclusão tomográfica. Um ou mais desses fatores justificam os resultados positivos desse estudo, onde se demonstrou que em várias escalas neurológicas havia um aumento da proporção de pacientes retornando à normalidade, sem aumento da mortalidade apesar da maior proporção de hemorragia cerebral nos pacientes tratados com rtPA quando comparados com placebo. Desde então, vários estudos têm replicado os resultados do REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (100-104) 101 NINDS na janela de 3 horas5,6. Como qualquer terapia nova, a experiência de quem aplica o trombolítico determina o índice de complicações. Grupos com experiência prévia em trombólise demonstram taxas de hemorragia sintomática entre 3,3 e 6,4%4,7, enquanto um único estudo mostrou uma taxa de 15,7%8, justificada pelos próprios autores como decorrente de uma elevada proporção de quebras de protocolo. Conceitos em terapia trombolítica Alguns conceitos modificaram-se com o advento da terapia trombolítica. O primeiro deles foi o conceito de AVC como uma verdadeira emergência médica. O fato de termos uma janela terapêutica limitada para uma única terapia eficaz na diminuição das seqüelas neurológicas criou a necessidade de centros organizados no atendimento do AVC como uma emergência. Sem uma equipe de prontidão capacitada a triar, diagnosticar, interpretar exames complementares e indicar o tratamento na fase aguda a trombólise simplesmente não acontece, mesmo em hospitais com equipamentos e tecnologia de ponta. Uma re-análise do estudo NINDS demonstrou que no final da janela de 3 horas os benefícios do tratamento já são limítrofes9. Uma metanálise recente de cinco estudos de trombólise até 6 horas sugere que esse benefício pode chegar até 4,5 horas5. A interpretação de ambos os estudos é a mesma: o tempo é um fator crucial para o sucesso da terapia. Recomendações de tempos considerados ideais desde a chegada do paciente até a primeira avaliação, realização da tomografia computadorizada e administração do trombolítico foram recentemente publicadas pela Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares10. O segundo conceito que vem ganhando atenção nesta década é o da viabilidade tecidual. A depender do grau de redução do fluxo sanguíneo cerebral, alguns pacientes podem permanecer com uma proporção relativamente alta de tecido cerebral isquêmico porém viável (denominado “penumbra”), mesmo após a janela de 3 horas 11. Ferramentas como a ressonância magnética (seqüências de difusão e perfusão) e a tomografia computadorizada de perfusão vem sendo utilizadas com uma freqüência crescente para determinar quais são esses pacientes, já que clinicamente eles são indistinguíveis daqueles cujo tecido cerebral afetado pela isquemia já evoluiu em sua totalidade para a necrose. Um estudo recente demonstrou que pacientes podem ser trombolisa- Neurociências dos com segurança na janela de 3 a 9 horas, contanto que a seleção dos pacientes passe pela determinação de viabilidade tecidual12. Novas estratégias na terapia trombolítica Apesar de eficaz, a terapia trombolítica vem encontrando uma série de dificuldades na sua implantação mundialmente. Nos Estados Unidos, a proporção de pacientes efetivamente tratados é de 4%13. A baixa proporção decorre de uma série de dificuldades organizacionais desde a ausência de centros especializados em cidades menores até limitações no sistema de transporte14,15. Essas dificuldades estimularam pesquisas no sentido de ampliar os número de pacientes que poderiam se beneficiar do tratamento. Em centros que conseguiram organizar o sistema de atendimento pré-hospitalar, os índices de pacientes submetidos à trombólise chegam a 15%13,16. O conceito de que na circulação posterior a janela terapêutica pode ser mais ampla (até 6 a 12 horas) tem estimulado vários grupos a tratar pacientes nesta janela com eficácia superior à história natural da doença17, 18. Uma das estratégias para aumentar os potenciais candidatos à trombólise é a utilização de métodos endovasculares para iniciar ou complementar o tratamento. O principal estudo nesta área foi o PROACT II (Prolyse in Acute Cerebral Thromboembolism II), que demonstrou a eficácia da trombólise intra-arterial nas oclusões agudas da artéria cerebral média19. O principal atrativo desse tratamento foi o potencial de estender a janela terapêutica para 6 horas. Apesar de a pro-uroquinase não ser uma medicação aprovada no AVC, vários centros no mundo estão utilizando o conceito de que a trombólise intra-arterial pode ser eficaz para tratar pacientes com rtPA intra-arterial acima das 3 horas do início dos sintomas. Outros estudos investigaram doses menores de rtPA intravenoso seguido de rtPA intra-arterial 20-22 . Esses estudos mostram índices de recanalização arterial melhores com a terapia combinada (56%), associada a uma evolução clínica semelhante ao grupo de pacientes que fez uso de rtPA no estudo NINDS. Entretanto, são até o momento estudos com pequeno número de pacientes e que devem ser confirmados em ensaios clínicos randomizados antes de ganhar a prática clínica rotineira. O estudo DIAS ( Desmoteplase in Acute Ischemic Stroke) foi um estudo fase II de um novo agente trombolítico, a desmoteplase, em paciREVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (100-104) 102 entes admitidos até 9 horas após o início dos sintomas 12. O motivo da janela terapêutica mais ampla foi a forma de seleção dos pacientes, admitindo apenas pacientes com ressonância magnética de difusão e perfusão demonstrando a presença de tecido cerebral ainda viável. Nesse estudo, os índices de recanalização foram 71% no grupo da desmoteplase (dose de 125 mcg/kg intravenoso) em comparação com 19% no grupo placebo, associado também a uma maior proporção de pacientes atingindo a independência funcional. O dado mais interessante foi o fato de que as hemorragias intracranianas (presentes em apenas 2,2% dos pacientes) não se correlacionarem com o tempo até o tratamento, sugerindo esta forma de seleção aumenta a segurança da trombólise em pacientes tratados acima das 3 horas. Alguns grupos têm estudado o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, como abciximab ou tirofiban, no tratamento do AVC isquêmico agudo 23-27 . Abciximab na dose de 0,25 mg/kg intravenoso seguido de 0,125 mcg/kg/min (máximo 10 mcg/min) isoladamente mostrou uma tendência de melhor evolução clínica em comparação com placebo após 3 meses (OR=1,2; intervalo de confiança 95%=0,841,70)27. Outros estudos menores mostram relatos de melhor índice de recanalização com a combinação de rtPA e inibidores da glicoproteina IIb/IIIa23-26. Um estudo surpreendente avaliou o potencial terapêutico de um exame diagnóstico, o Doppler transcraniano28. Baseado em modelos experimentais que mostram que propriedades físicas do ultra-som podem potencializar a ligação do rtPA com o coágulo, foi desenhado o estudo multicêntrico CLOTBUST (Combined Lysis of Thrombus in Brain Ischemia Using Transcranial Ultrasound and Systemic tPA)28. Nesse estudo, os índices de recanalização após 2 horas da terapia trombolítica foram 38% no grupo monitorizado continuamente pelo Doppler, em comparação a 13% no grupo com monitorização intermitente. Houve também uma tendência não-significativa de melhor evolução clínica nos pacientes monitorizados pelo Doppler. Uma última estratégia com resultados animadores foi a criação das unidades de AVC. Impulsionadas pelo sucesso da terapia trombolítica, essas unidades vem aumentando em número exponencialmente e permitem uma atenção especializada multi-disciplinar à vítima do AVC agudo. Uma revisão sistemática recente mostra que as unidades de AVC apresentam melhores resultados em termos de tem- Neurociências po de internação, mortalidade e morbidade, em comparação à internação em unidades de terapia intensiva geral (mesmo com equipes de AVC disponíveis 24 horas por dia) ou tratamento domiciliar29. Terapia trombolítica no Brasil A terapia trombolítica vem sendo utilizada em quantidade crescente no Brasil desde a sua liberação pelo Ministério da Saúde em 2001. Poucos são os dados publicados, mas já há centros com mais de 100 pacientes tratados, com resultados de eficácia e segurança semelhantes ao estudo NINDS 30. Entretanto, a maioria dos hospitais no Brasil não dispõe de equipes habilitadas a fornecer a trombólise em tempo hábil, o que limita o 103 acesso da população. Em um país onde o AVC é a principal causa de óbito na população, políticas31 públicas para tornar esse tratamento mais difundido são urgentemente necessárias. CONCLUSÕES O advento da terapia trombolítica trouxe profundas modificações relacionadas a como o paciente com AVC é atendido na prática clínica. Com novas técnicas de trombólise intra-arterial primária ou de resgate, avaliação de viabilidade tecidual por neuroimagem e potencialização da terapia por ultra-som, é esperado que um número crescente de pacientes possa se beneficiar do tratamento. O conceito de que AVC não tem tratamento já mudou. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Meyer JS, Gilroy J, Barnhart MI, Johnson JF. 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The effect of combined thrombolysis with rtPA and tirofiban on ischemic brain lesions. Neurol 2004; 62:2110. 27. Abciximab Emergent Stroke Treatment Trial (AbESTT) Investigators. Emergency administration of abciximab for treatment of patients with acute ischemic stroke: results of a randomized phase 2 trial. Stroke 2005;36:880-890. 28. Alexandrov, AV Molina CA, Grotta JC et al. Ultrasoundenhanced systemic thrombolysis for acute ischemic stroke. N Engl J Med 2004; 351:2170. 29. Advisory Working Group on Stroke Center Identification Options of the American Stroke Association. Recommendations for improving the quality of care through stroke centers and systems: an examination of stroke center identification options. Stroke 2002;33:e1-7. 30. Friedrich MAG, Martins SO, Almeida AG et al. Safety and efficacy of IV thrombolysis in ischemic stroke: The experience from Porto Alegre, Brazil. Stroke 2005 (Resumo da World Stroke Conference). 31. DATASUS, 1998. Neurociências 105 Artigo de Revisão Atuação do Oxido Nítrico fora do Sistema Nervoso Nitric Oxide performance outside Nervous System Silvana Alves1, Lucia S Ishiki 2 RESUMO O Óxido Nítrico (NO) é produzido na atmosfera através dos raios e considerado tóxico quando exalado pela fumaça do cigarro. É também, um neurotransmissor no cérebro humano e importante agente terapêutico na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).Em 1987 foi usado pela primeira vez na medicina e hoje desempenha importante papel na clínica de algumas patologias do período neonatal. O objetivo deste estudo é, através de revisão bibliográfica, apresentar a importância do NO como neurotransmissor e agente terapêutico na UTIN. Unitermos: Óxido Nítrico, Neurotransmissor, Hipertensão pulmonar Citação: Alves S, Ishiki LS. Atuação do Oxido Nítrico fora do Sistema Nervoso. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 105-109. SUMMARY Nitric Oxide (NO) is produced in the atmosphere through the rays and considered toxic when exhaled by the smoke of the cigarette. It is also, a neurotransmitter in the brain human and an important therapeutic agent in the Neonatal Intensive Care Unit (UTIN). In 1987 it was used for the first time in the medicine and today it plays important role in the clinic of some neonatal pathologies. The objective of this study is, through bibliographical revision, to present the NO importance as neurotransmitter and therapeutic agent in the UTIN. Keywords: Nitric Oxide, Neurotransmitter, Pulmonar y hypertension Citation: Alves S, Ishiki LS. Nitric Oxide performance outside Nervous System. Rev Neurociencias 2005; 13(2): 105-109. INTRODUÇÃO O Óxido Nítrico (NO) é um gás de radical livre, formado na atmosfera durante tempestades com raios, e em mamíferos é formado a partir de um aminoácido (LArginina)1. É considerado um destruidor da camada de Ozônio e um poluente atmosférico quando exalado pela fumaça do cigarro2. No começo dos anos 80 descobriu-se o uso do NO na medicina, em 1987 como vasodilatador pulmonar em doentes com hipertensão e posteriormente em 1995 nos doentes com ARDS (Síndrome da Dificuldade Respiratória no Adulto)1. Atualmente o NO é reco- nhecido como uma substância que participa de um mecanismo fundamental de sinalização nos sistemas cardiovascular e nervoso e também exerce função de defesa do hospedeiro. No inicio da década de 80 acreditava-se que o relaxamento da aorta em coelhos era dependente de células endoteliais intactas. O relaxamento vascular dependente da acetilcolina era mediado pela liberação de um fator humoral, descrito como fator de relaxamento derivado do endotélio. Posteriormente, foi demonstrado que a liberação endotelial de óxido nítrico era responsável pela atividade biológica do fator de relaxa- Trabalho realizado: Universidade de São Paulo e Hospital Israelita Albert Einstein. 1 - Fisioterapeuta Pós Graduanda do Departamento de Neurociências e Comportamento da USP 2 - Fisioterapeuta Sênior do Serviço de Pediatria do Hospital Israelita Albert Einstein Endereço para correspondência: Silvana Alves Rua Ester Samara 111, Apto 92C CEP: 05545-180, Butanta SP Trabalho recebido em 18/05/05. Aprovado em 14/07/05 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (105-109) Neurociências mento, estimulando intensa pesquisa sobre os efeitos biológicos do gás3. Biossíntese do NO O NO é uma combinação 1:1 de dois gases da atmosfera, Nitrogênio (N) e Oxigênio (O 2), exerce efeitos parácrinos, é solúvel tanto na água quanto nos lipídios e atua em diversos tecidos, regulando funções, como o tono vasomotor, neurotransmissão, resposta imune, adesão de células inflamatórias à parede dos vasos e apresenta uma ação típica de 2º mensageiro para células alvo2. O NO é sintetizado a partir de L-arginina + O2 e catalisado pela sintetase do NO (NOS) A síntese do NO ocorre a partir de dois sistemas no organismo, Ca+2 dependente (cNOS ou NOS constitutivas) e Ca+2 não dependente (iNOS ou NOS induzíveis), são bimodais, pois combinam as atividades de oxigenase e de redutase associadas a domínios estruturais distintos1. As NOS induziveis apresentam maiores concentrações no organismo quando comparadas com a NOS constitutivas, estão presentes em respostas a estímulos patológicos com microorganismos invasores e estão expressas nos macrófagos e células de Kupffer, neutrófilos, fibroblastos, músculo liso vascular e células endoteliais e são produzidas em respostas a IgE1. As NOS constitutivas estão presentes no endotélio (eNOS) e nos neurônios (nNOS). O endotélio produz NO através da transformação de L-arginina em L-citrulina. A L-citrulina atravessa as membranas lipídicas da musculatura lisa vascular e se liga com a guanilato ciclase. Uma vez ativado, estimula a conversão de GTP em GMP cíclico (cGMP). O mediador final que promove a ação de relaxar a musculatura lisa por efeito do NO é o cGMP, diminuindo os níveis de Ca+2 intracelular, provoca o relaxamento da musculatura e a vasodilatação. A ação do NO como vasodilatador é curta, tem meia vida de 3-5 Seg3. A L-arginina está presente em quantidades excessivas no citoplasma endotelial, de modo que a velocidade de produção de NO é determinada mais pela atividade das enzimas do que pela disponibilidade de substrato. O NO além de ser um neurotransmissor gasoso é um neuromodulador que atende múltiplas funções no desenvolvimento e maturação do cérebro, pois durante o desenvolvimento embrionário e pós-natal, a NOS estão presentes em diferentes grupos de células e em diferentes tempos no Sistema Nervoso Central (SNC)4. O NO exerce funções distintas durante diferentes estágios da osteogênese4. Ação do NO no pulmão Da mesma forma que o NO tem efeito na musculatura lisa ele tem efeito na corrente sanguínea, na adesividade plaquetária e nos neutrófilos. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (105-109) 106 O NO é 4 a 5 vezes mais difusível que o monóxido de carbono e é extremamente ávido pela Hb, porém, quando ligado à Hb é rapidamente inativado. Esta característica faz com que o NO administrado por via inalatória atue preferencialmente nas regiões pulmonares, sem efeito sistêmico. O NO atua nas regiões de melhor ventilação e na musculatura lisa dos vasos pulmonares, resultando um aumento do débito circulatório em zonas ventiladas, originando um shunt de sangue das regiões mal ventiladas, e proporcionando uma melhoria do desequilibro ventilação/perfusão (V/Q) e da oxigenação arterial5-7. O NO também pode ser benéfico nas situações de lesão endotelial difusa, como a inibição da agregação e adesão plaquetária, atua como antiinflamatório, pois diminui a ativação de neutrófilos e a liberação de IL-6 e IL-8 no pulmão1. Essa característica torna o NO diferente em relação a outras drogas vasodilatadoras. O NO inalado pode atingir as regiões ventiladas do pulmão promovendo a redução da resistência pulmonar local com conseqüente melhora das trocas gasosas. A administração de NO deve ser titulada de acordo com os dados clínicos e também pela monitorização da PAP (pressão da artéria pulmonar)8. A concentração administrada de NO varia de 1 a 20 ppm2,9,10. Existem alguns efeitos tóxicos descritos com a administração de NO. Os maiores problemas decorrem da formação de dióxido de nitrogênio (NO2) e da metahemoglobina. No entanto, tem sido descrita a presença de efeito rebote. Pacientes em retirada gradual de NO inalado por melhora importante dos índices de oxigenação podem apresentar um aumento da resistência vascular pulmonar, resultando na necessidade de elevar a fração inspirada de oxigênio (FiO2) e reinstalar o NO inalado. A incidência descrita de efeito rebote é de aproximadamente 10%. As explicações sobre esse fenômeno não estão totalmente esclarecidas. Acredita-se que possa haver uma inibição da produção do NO endógeno pela presença do NO exógeno, fato similar ao que ocorre com a administração de outros vasodilatadores. O efeito rebote também é descrito na retirada rápida do NO. Em alguns casos a elevação da PAP pode ser reduzida com o aumento da FiO211. Matsumoto et al11, mostraram a resposta hemodinâmica com rebote da hipertensão pulmonar após a retirada do NO inalado em uma criança com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Houve diminuição da pressão estimada da artéria pulmonar (PAP) de 52 mmHg para 44 mmHg depois da titulação inicial da dose de NO inalado. Após a sua retirada (figura 1), observou-se uma elevação da PAP (55mmHg) necessitando-se reinstalar o NO inalado para se obter um valor mais adequado (34mmHg). O NO tem uma função na adaptação da circulação pulmonar. Tem sido demonstrado que os altos níveis de NO, encontrados no primeiro dia do parto, declinam nos dias subseqüentes (2º, 3º, 4º dias). Neurociências 107 NO como Terapêutica na Clínica Neonatal Retirada Retirada A Falência Respiratória no recém nascido termo (RNT) ou próximo do termo (RNPT) muitas vezes está relacionada com a Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-Nascido (HPP). 60 50 40 A HPP é caracterizada pela elevada resistência vascular pulmonar, resultante da reatividade de vasoconstrição ou remodelação estrutural da vasculatura pulmonar, caracterizando um shunt D-E. 30 20 10 0 3º 3º 4º 13º 18º 18º 20º 20º 20º * Dias de internação NO (mmHg) APA (ppm) *Óbito no 24º dia Figura 1. Evolução da pressão da artéria pulmonar de uma criança pré escolar com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo e Hipertensão Pulmonar avaliada através de ecocardiografia com dopller, recebendo NO inalado por um período de 21 dias. Observe o rebote da hipertensão pulmonar após dois episódios de retirada do NO inalatório (13º e 20º dias). Na transição da circulação fetal para a neonatal há uma diminuição da resistência vascular pulmonar e com isso um aumento do fluxo sanguíneo dos vasos pulmonares, ocorrendo uma vasodilatação pulmonar no momento do nascimento. Estudos experimentais utilizando ovelhas dão suporte a esta hipótese. A administração de L-nitro-argininna, um inibidor da produção de NO, em ovelhas prenhes, levou a uma resposta diferencial na resposta pulmonar da prole, quando submetidos a uma ventilação em regime de hipóxia. Quando submetidos a uma FiO2 a 10%, seguida por uma FiO2 a 100%, animais RN do grupo controle (não tratados com L-nitro-arginina), apresentavam a resistência pulmonar alta a FiO2 a 10% e baixa a FiO2 a 100%, sendo que o grupo tratado não apresentava tais alterações. Os autores concluíram que o NO exerce um papel de vasodilatador pulmonar.no momento de transição feto - recém-nascido. O NO provoca a dilatação dos vasos pulmonares diminuindo a resistência vascular pulmonar, e com isso diminui o shunt intracardíaco, tanto ao nível do canal arterial como do forâmen oval. Portanto, o NO quando administrado de forma inalatória atinge os pulmões e no endotélio vascular exerce seu efeito vasodilatador. Na corrente sanguínea é captado pela Hb e rapidamente é inativado. Essa particularidade do metabolismo faz com que seu efeito seja restrito somente à circulação pulmonar. Patologias do sistema respiratório que apresentam aumento da resistência e consequentemente, aumento PAP, como na Hipertensão Pulmonar Persistente do RN (HPP) o NO exógeno leva a diminuição da PAP sem causar queda na pressão arterial sistêmica (PAS)6. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (105-109) Nos últimos anos, o NO tem contribuído como terapêutica opcional no tratamento da HPP, diminuindo a morbidade e mortalidade. O primeiro estudo que provou a eficácia do NO na HPP foi realizado em modelo animal. Os autores concluíram que o aumento na concentração de NO gera uma redução na relação pressão arterial pulmonar/sistêmica, acompanhado de um melhor nível de PaO212. Hwang et al12 demonstraram os efeitos benéficos do uso do NO em RNT com HPP. Os autores concluem que o NO reduz o índice de oxigenação (IO) mais que 20% e que ocorre o desaparecimento da diferença na saturação de oxigênio pré-ductal e pós-ductal com o uso do NO. Lopes et al6, aplicaram o NO em 9 RNPT que tinham indicação de ECMO (circulação extra corpórea) e todos os RN mostraram uma melhora significativa na oxigenação arterial e no shunt D-E. Konduri et al9, concluíram que uma dose precoce de NO não altera a taxa de mortalidade, a necessidade da EMCO e o período de internação em RNT com HPP. Além de atuar na terapêutica da HPP, estudos tem demonstrado a eficácia da mensuração do NO exalado no prognóstico do RN com Displasia Bronco-Pulmonar (DBP). Pesquisas experimentais demonstram que o NO tem um efeito antiinflamatório, diminui a permeabilidade vascular e atua como trombolítico5. Os RN que recebem glicocorticóides como terapêutica da DBP apresentam índices de NO exalados mais baixos, pois os glicocorticóides têm ação antiinflamatória, diminuindo assim a indução do NO pela iNOS. Os autores sugerem que o NO exalado pode mensurar a resposta do RN a Dexametasona (Glicocorticóide de escolha na terapêutica da DBP)5,13. Hamon et al14 demonstraram que baixas doses de NO administrado logo após o nascimento em RNPT com moderada falência respiratória hipoxêmica está associada com uma diminuição de seu stress oxidativo. Há uma grande variedade de trabalhos que avaliam o uso do NO na HPP e DBP, porém, são poucos os estudos que avaliam a toxicidade de seu uso. O NO é, em geral, administrado juntamente com O2 em altas concentrações. Ele reage com o O2 na forma de NO2 e a porcentagem de reação é proporcional à con- Neurociências centração dos dois gases. Em animais o NO2 mostrouse lesivo aos pulmões.(efeitos letais agudos = 100ppm)10. 108 NO2 for mantida abaixo de 1,5 ppm, o NO não é considerado como fator poluente (figura 2)12. Em humanos, a inalação de 2-3 ppm de NO2 por 5 horas acarreta redução na defesa de antioxidantes e aumento na permeabilidade alveolar10. Porém, não há evidências que a inalação de NO tenha efeito adverso. Uma das preocupações foi o efeito a médio e longo prazo em relação a seqüelas neurológicas. Um dos poucos estudos publicados acompanham crianças que fizeram uso do NO em fases precoces do desenvolvimento. Os autores mostram que crianças acompanhadas até 18 e 24 meses.não apresentam diferenças neurológicas quanto à porcentagem de crianças normais. Foi avaliada a paralisia cerebral e realizaram testes segundo escalas de desenvolvimento. O grupo controle e o grupo estudo mostraram semelhanças em 80% da amostra. O número dos que tiveram mais de uma alteração neurológica também foi semelhante entre os dois grupos. Com isso, os autores concluem que o NO não altera a incidência de seqüelas ao nível do SNC12. O National Institute for Occupational Safety and Health (NIOH) sugere um limite de exposição do NO2 de 5ppm e de NO de 25ppm por 8 horas. Na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal o NO é aplicado 24 horas seguidas, por isso, a mensuração do NO2 ambiental é feita rotineiramente e os valores considerados normais são valores abaixo.de 1.5ppm10. Atualmente a dose inicial é de 20 ppm e uma rápida redução à concentração até 5 ppm é realizada sempre que possível. Administração do NO O NO é administrado em respiradores convencionais com sistemas de funcionamento independentes, ou seja, o NO não interfere no funcionamento do respirador. Os torpedos de NO oferecem concentrações precisas e estáveis, limitam a produção de NO2 e monitoram a concentração de NO e de NO2. A entrada de gás proporciona uma mistura adequada de NO independente do modo ventilatório para uma rápida mistura e mínimo contato entre o NO e o O2, as concentrações de NO acima de 20 ppm e de O2 acima de 60% são limitadas e a entrada do NO ocorre numa distância de 30 cm do paciente no ramo inspiratório12. O analisador de gases aspira uma quantidade do gás presente no circuito e analisa a concentração de NO e NO 2 utilizado. O analisador pode ser por iluminescência ou eletroquímico (mais usado). O sistema de evacuação ocorre pela válvula exalatória ligada ao vácuo. Estudos demonstram que as concentrações de NO2 mensuradas nas UTIN são menores do que as concentrações de NO2 presentes em cidades poluídas como SP. Portanto, se a concentração de REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (105-109) Figura 2. Demonstração prática do NO inalado dentro da UTIN do HIAE. 1) ventilador convencional; 2) sistema de evacuação de gases; 3) RNT com HPP; 4) manual de instrução; 5) cilindro de NO 500ppm; 6) analisador de gases (NO e NO2). Desmame do NO O desmame deve ser realizado de forma gradativa, a redução da dose deve ser feita a cada 4h, até alcançar o valor de 5ppm, este valor é mantido por 24h. A droga pode ser suspensa se o paciente mantiver, FiO2 menor de 0,6 e ausência de efeito rebote ou quando, ao se suspender o NO não necessitar aumentar a FiO2 mais do que 15 pontos. Os pacientes que permanecem sob tratamento com o NO por mais de 5 dias, em geral, não toleram o desmame, e muitas vezes são dependentes de 1 a 2 ppm por dia, pois o uso crônico de NO exógeno gera inibição da síntese do NO endógeno, consequentemente menor atividade da NOS, diminuição do cGMP e aumento da atividade da fosfodiesterase. Em pacientes que não respondem a 20 ppm a dose é aumentada até um máximo de 40 ppm e deve ser suspenso por falha do NO quando a PaO2 permanecer abaixo de 50 ou quando a concentração de metahemoglobina mantiver acima de 5g%. CONCLUSÃO O óxido nítrico foi inicialmente considerado apenas um gás poluente ambiental. Hoje é conhecido como uma substância que participa ativamente de importantes funções biorregulatórias. Desde 1987, sabe-se que o EDRF (fator relaxante derivado do endotélio) é o próprio NO1. O NO é 4 a 5 vezes mais difusível que o monóxido de carbono, essa característica torna o NO bastante interessante em relação a outras drogas vasodilatadoras3. Neurociências É uma droga inovadora na terapêutica dos RN com HPP e DBP, porém, existem questões a serem discutidas sobre a ação do NO. A administração do NO deve ser titulada de acordo com os dados clínicos e também pela monitorização da PAP. A concentração administrada de NO mais habitual varia de 1 a 20 ppm, porém, existem alguns efeitos tóxi- 109 cos descritos com a administração de NO. Os maiores problemas decorrem da formação de NO2 e de metahemoglobina, no entanto, tem sido descrito um outro problema, a presença de efeito rebote11. Alguns estudos apresentados demonstram as dificuldades que podem ser encontradas com a utilização do NO, entretanto, o NO continua sendo uma estratégia terapêutica importante no tratamento da HPP e DBP. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 8. Kharitonov SA, Yates D, Robbins RA, Logan-Sinclair R, Shinebourne E, Barnes PJ. Increased nitric oxide in exhaled air of asthmatic patients. Lancet 1994; 343:133. Chung YH, Kim YS, Lee WB. Distribution of neuronal nitric oxide synthase-immunoreactive neurons in the cerebral cortex and hippocampus during postnatal development. J Molecul Histol 2004; 35: 765–770. 9. Miyoshi M. 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Lopes JMA, Carvalho M, Moreira MEL, Cabral JO. Óxido nítrico no tratamento da hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido. J Ped 1996; 72(3): 33-138. 12. Hwang SJ, Lee KH, Hang JH, Choe CW et al. Factors affecting the response to inhaled Nitric Oxide therapy in Persistent Pulmonary Hypertension of the newborn infants. Yonsei Med J 2004; 45(1): 49-55. 1. Rang HP, Dale MM, Ritter JM. Óxido Nitrico. In: Farmacologia. 4º edição. Guanabara Koogan, 2001, 176-163. 2. 3. 7. Desandes R, Desandes E, Droullé P, Didier F, Longrois D, Hascoët JM. Inhaled nitric oxide improves oxygenation in very premature infants with low pulmonary blood flow. Acta Paediatr 2004; 93: 66-69. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 (105-109) 13. Wu HH, Waid DK, McLoon SC. Nitric oxide and the developmental remodeling of retinal connections in the brain. Prog Brain Res 1996; 108: 273–286. 14. Hamon I, Fresson J, Nicolas MB et al. Early Inhaled Nitric Oxide Improves Oxidative Balance in Very Preterm Infants. Pediatr Res 2005; 57: 637-643. Neurociências 110 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO A Revista Neurociências é voltada à Neurologia e às ciências afins. Publica artigos de interesse científico e tecnológico, realizados por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com ênfase em temas de cunho prático. São aceitos artigos em português, inglês e espanhol. Os artigos devem ser inéditos e fica subentendido que serão publicados exclusivamente nesta revista, com o que se comprometem seus autores. O Corpo Editorial da revista reserva-se o direito de avaliar, aceitar ou recusar artigos. Quando aceitos, sugerir modificações para aprimorar seu conteúdo, se necessário, aperfeiçoar a estrutura, a redação e a clareza do texto. Para publicação, será observada a ordem cronológica de aceitação dos artigos. Os artigos são de responsabilidade de seus autores. Submissão do artigo: os artigos devem ser encaminhados ao Editor Chefe em disquete mais três cópias do texto original digitado ou via e-mail e poderão ser utilizados editores de texto “Word”, alternativamente no formato “doc”. Adotar as recomendações abaixo. Título: em português e em inglês ou espanhol e em inglês, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação. A Revista prefere títulos informativos. Autor(es): referir nome(es) e sobrenome( s) do modo como preferir para indexação, seu grau e posição. Referir a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo. Referir o título maior de cada autor ou grupo de autores, ex.: 1Professor-adjunto, 2- Pós-graduando, 3- Residente. Identificar o autor e endereço para correspondência. Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica do trabalho, contendo objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder 200 palavras. Orientamos os autores a produzirem resumos estruturados. Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br). Texto: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução, material (casuística) e método, resultados, comentários (discussão e conclusões), referências bibliográficas, eventualmente agradecimentos, suporte financeiro. Não repetir no texto dados que constem em tabelas e ilustrações. Quadros, Gráficos e Tabelas: até cinco, apresentadas em páginas separadas e no final do texto. Em cada uma, devem constar seu número de ordem, título e legenda. Figuras: até duas ilustrações com tamanho não superior a 6 cm x 9 cm cada uma. Fotos em preto e branco bem contrastadas; eventuais detalhes com setas, números ou letras. Identificar cada ilustração com seu número de ordem, nome do autor e do artigo, com etiqueta colada no verso e nela marcada na parte superior. Não grampear e nem colar as ilustrações, embalar cada uma em separado. Encaminhar separadamente as respectivas legendas. Ilustrações reproduzidas de textos já publicados devem ser acompanhadas de autorização de reprodução, tanto do autor como da publicadora. Ilustrações em cores podem ser publicadas; dado seu custo elevado, será de responsabilidade dos autores, assim como o custo por número de tabelas e ilustrações acima dos mencionados e desde que sua publicação seja autorizada pela editora. O material recebido não será devolvido aos autores. Manter os negativos destas. Referências: Até cerca de 30 (para artigos originais ou de atualização), restritas á bibliografia essencial ao conteúdo do artigo. Para artigos de revisão, até 100 referências. Todos os autores e trabalhos citados no texto devem constar na listagem de referências bibliográficas. No texto, as citações devem seguir o sistema numérico, isto é, são numerados por ordem de REVISTA NEUROCIÊNCIAS V13 N2 - ABR/JUN, 2005 sua citação no texto, utilizando-se números arábicos sobrescritos segundo o estilo Vancouver(www.icmje.org). Por exemplo: “....o horário de ir para a cama e a duração do sono na infância e adolescência6-12,14,15.” As referências devem ser ordenadas consecutivamente na ordem na qual os autores são mencionados no texto. Listar todos os autores no máximo de 6, quando forem 7 ou mais, listar os 3 primeiros seguidos de “et al.”. a) Artigos: Autor(es). Título do artigo. Título do periódico (abreviados de acordo com o Index Medicus) ano; volume: página inicial – final. Ex.: Wagner ML, Walters AS, Fisher BC. Symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder in adults with restless legs syndrome. Sleep 2004; 27: 1499-504. b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição, se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora, ano, total de páginas. Ex.: Ferber R, Kriger M. Principles and practice of sleep medicine in the child. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1995, 253p. c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do capítulo. In: Editor(es) do livro. Título do livro. Edição, se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora, ano, página inicial e página final. Ex.: Stepanski EJ. Behavioral Therapy for Insomnia. In: Kryger MH; Roth T, Dement WC (eds). Principles and practice of sleep medicine. 3rd ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 2000, p.647-56. d) Resumos: Autor(es). Título. Periódico ano; volume (suplemento e seu número, se for o caso): página(s). Quando não publicado em periódico: Título da publicação. Cidade em que foi publicada: editora, ano, página(s). Ex.: Carvalho LBC, Silva L, Almeida MM, et al. Cognitive dysfunction in sleep breathing disorders children. Sleep 2003; 26(Suppl):A135. e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas no texto entre parênteses. f) Tese: Autor. Título da obra, seguido por (tese) ou (dissertação). Cidade: instituição, ano, número de páginas. Ex.: Fontes SV. Impacto da fisioterapia em grupo na qualidade de vida de pacientes por AVCi (Tese). São Paulo: UNIFESP, 2004, 75p. g) Documento eletrônico: Título do documento. Endereço na Internet, data e hora do acesso. Ex.: Agentes dopaminérgicos no tratamento da Síndrome das Pernas Inquietas. Diponível no site: http:// www.sindromedaspernasinquietas.com.br, acessado em 10/05/2005, às 14h. Categoria: O próprio autor deve indicar a qual categoria pertence seu texto. a) artigo original b) artigo de revisão c) artigo de atualização d) relato de caso Endereço para submissão de artigos para revista Neurociências: Prof.Dr. Gilmar Fernandes do Prado – Editor Chefe R: Cláudio Rossi, 394 – Jardim da Glória São Paulo - SP - Brasil CEP: 01547-000 Telefone/fax: 5081-6629 E-mail: [email protected] [email protected] http://www.unifesp.br/dneuro