a imprensa amazonense: dos preparativos do golpe - PPGH

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a imprensa amazonense: dos preparativos do golpe - PPGH
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Considerações Iniciais
O inicial interesse pela atuação da imprensa amazonense durante o golpe civil-militar
de 1964 no Brasil ocorreu nos anos de graduação no curso de História da Universidade
Federal do Amazonas, já que disciplinas que envolviam discussões de história recente me
despertavam grande apreço. Portanto os primeiros contatos que tive com os referenciais
teóricos se sucederam na época de graduando, entre 2001 e 2004.
Textos como A Modernização Autoritária: Do Golpe Militar à Redemocratização
1964-1984, de Francisco Carlos Teixeira da Silva, encontrado em História Geral do
Brasil, sob organização de Maria Yedda Linhares1; e livros como O Brasil Republicano,
especialmente os volumes 3 e 4, organizados por Jorge Ferreira e Lucília de Almeida
Neves Delgado2 me permitiu a compreensão do período estudado.
Visões do Golpe: A Memória Militar de 19643, organizado por Maria Celina
D’Araújo; Gláucio Ary Dillon Soares; e Celso Castro traz um conjunto de entrevistas
protagonizadas por até então, em sua maioria, tenentes, tenentes-coronéis e coronéis. São
doze militares que deram depoimentos defendendo o posicionamento das Forças
Armadas naquele período.
Portanto, já possuía um alvo para ser pesquisado, porém ainda me deparava com o
problema da delimitação. No entanto essa dúvida chegou ao fim ao ter entrado em
contato com o texto de Marialva Barbosa, Imprensa e Poder, que se situava em sua
1
LINHARES, Maria Yedda (Org). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs). O Brasil Republicano: O Tempo da
Experiência Democrática – Da Democratização de 1945 ao Golpe Civil-Militar de 1964. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003 (Vol. 3). FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs). O
Brasil Republicano: O Tempo da Ditadura – Regime Militar e Movimentos Sociais em Fins do Século XX.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 (Vol. 4).
3
D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. Visões do Golpe: A
Memória Militar de 1964. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
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belíssima obra Os Donos do Rio: Imprensa, Poder e Público 4, onde a autora trabalha as
relações de poder entre a imprensa carioca e os governos estabelecidos no Rio de Janeiro,
nos cenários federal e estadual.
A pesquisadora faz um estudo detalhado dos agrados logísticos que donos de jornais
recebiam dos governantes em ação, desde os primeiros anos da república, onde
demonstraremos com mais dados no decorrer da redação. Daí percebi que analisar o
golpe civil-militar de 1964 sob a ótica dos jornais seria um trabalho interessante.
História Através da Imprensa: Algumas Considerações Metodológicas, de Reneé
Barata Zicman5, procura demonstrar ao leitor que há uma grande diferença entre história
da imprensa, direcionada para um estudo mais narrativo e história através da imprensa,
importante objeto da pesquisa historiográfica. A autora identifica a importância do
instrumento comunicativo na evolução das sociedades, pois, em alguns momentos da
história, é a única fonte de reconstituição de determinados períodos.
Imprensa e História do Brasil6 faz um breve mapeamento da atuação dos principais
periódicos nas nuances políticas da república brasileira. A estudiosa salienta a
importância de investigar a fundo esse instrumento, percebendo os interesses de seus
proprietários e editores, além do público que quer conquistar.
Marco Antônio Villa escreveu uma biografia interessante a respeito do presidente
denominada “Jango: Um Perfil (1945-1964)” 7. Deixando de lado as curiosidades
pessoais, o autor traz importantes relatos como a influência política de Vargas sobre João
Goulart, além da luta para a retomada do presidencialismo. Villa salienta que em 1964 o
4
BARBOSA, Marialva. Os Donos do Rio: Imprensa, Poder e Público. Rio de Janeiro: Vício de Leitura,
2000.
5
ZICMAN, Renée Barata. História Através da Imprensa: Algumas Considerações Metodológicas. Projeto
História, n˚ 4. São Paulo: Educ, 1985.
6
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
7
VILLA, Marco Antonio. Jango: Um Perfil (1945-1964). São Paulo: Globo, 2004.
13
PCB era um aliado “inconteste” de Jango, já que as reformas de base era o principal meio
de acelerar o “processo revolucionário”.
A tortura e a repressão eram geralmente vistas pela ótica das vítimas, porém em
“Brasil: Nunca Mais”
8
as visões dessas violências eram advindas do Regime Militar,
pois os documentos estudados foram produzidos pelos próprios militares, já que reuniu
processos políticos presentes na Justiça Militar entre 1964 e 1979. O livro nos brinda com
excelente material para desvendar os malefícios das práticas torturantes no país.
O Regime Militar é caracterizado por fases, na qual as atividades repressivas iam se
avolumando conforme a necessidade da ala radical se prolongar no poder. O trabalho a
seguir é uma análise do golpe e não especificamente dos governos militares.
Delimitei minha pesquisa entre 1961, ano em que Jango sobe ao poder, mesmo sob o
regime parlamentarista, no qual muitas discussões vão se dar através da imprensa entre
àqueles que defendem o presidente e os que o combatem; e 1968, ano da outorgação do
AI-5 (Ato Institucional n ̊ 5), percebendo que adentrar num período posterior a essa data
iria analisar um outro momento da época, com novas características, onde a censura se
mostrou mais violenta.
Analisar o aspecto discursivo do Jornal do Commercio e A Crítica entre 1961 e 1968
é uma das metas dessa atividade, preocupando-se apenas com o aspecto narrativo dos
dois periódicos, ou seja, as maneiras como esses instrumentos se situaram perante os
principais acontecimentos políticos do país.
8
Brasil Nunca Mais. 34ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
14
O trabalho de José D’Assunção Barros, O Campo da História: Especialidades e
Abordagens9 estuda os diversos campos, modelos e abordagens historiográficas, trazendo
considerável contribuição aos pesquisadores.
Conforme Barros o enfoque no poder é que classifica um trabalho historiográfico em
história política, porém este poder, como bem indica Foucault, não está imóvel,
encontrando-o em diversos setores da sociedade. Será este micro-poder, exercido pelos
periódicos, que analisaremos.
De acordo com o pesquisador, a história política não se preocupa apenas com a
organização e relações de poder no Estado, mas também com as relações políticas entre
grupos sociais diversos, tornando-se um espaço propício para uma história vista de baixo.
Interessante discussão promovida pelo autor são as abordagens que se referem à
história oral e história do discurso, afirmando que tanto o espaço oral como o escrito é
passível de manipulação, pois os universos ocultos encontram-se nas duas vertentes.
Promove um estudo sobre a história do discurso, fazendo o pesquisador perceber
certos detalhes que antes passariam despercebidos. Segundo Barros, analisar as
contradições presentes no texto e o apego aos pequenos detalhes são essenciais para
quem trabalha sob a abordagem discursiva.
Sendo a dissertação apresentada um estudo de história através da imprensa, trabalharei
bastante com essa abordagem, onde falseamentos e posicionamentos referentes aos
interesses desse ou daquele grupo podem estar presentes nas fontes.
O Jornal do Commercio demonstrando seu posicionamento frente às articulações em
torno do golpe publicava uma manchete no dia 20 de março de 1964 intitulada “Luta
9
BARROS, José D’Assunção. O Campo da História: Especialidades e Abordagens. 3ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2004.
15
Pela Liberdade Democrática”, que ressaltava que “As investidas do presidente da
república contra o Congresso Nacional, com a realização dos últimos comícios
esquerdistas, vem promovendo a unificação de todas as forças democráticas do país, em
apoio ao Congresso Nacional para respeito às Instituições vigentes”
10
. Percebe-se, ao
analisar o texto, o posicionamento político do jornal frente àquele fato.
A retomada da história política é trabalhada por diversos autores, dentre eles René
Rémond11 que trata da nova roupagem desse campo na literatura historiográfica. Indica os
erros cometidos por essa abordagem e exalta que a mudança estrutural da história política
ocorre, principalmente, devido ao contato com as ciências sociais e outras disciplinas. A
ciência política, para o francês, vai ser responsável por provocar novos questionamentos,
antes desprezados, como por exemplo, a participação eleitoral da sociedade.
Vavy Pacheco Borges12, seguindo a mesma linha teórica de Rémond, reconhece
também a mudança de postura dos historiadores políticos. Conforme a historiadora a
história política que sofreu preconceito por parte da historiografia, hoje presencia um
outro momento. Devido a essa mudança metodológica, o campo ganhou espaço e
adeptos, além do diálogo com outras disciplinas.
O início da década de 1960 representa para o Brasil momentos de grandes
transformações políticas e sociais. A acelerada urbanização sem um projeto organizado
de urbanismo acarretou intensas modificações na sociedade brasileira. Segundo o
historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva.
No período entre 1950 e 1980, ocorre o mais intenso processo de
modernização pelo qual o país passou, alterando em profundidade a fisionomia
social, econômica e política do Brasil. Transformações aceleradas verificam-se
10
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964.
RÉMOND, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.
12
BORGES, Vavy Pacheco. História e Política: Laços Permanentes. In: Revista Brasileira de História. São
Paulo, v 12, n˚ 23/24, set 91/ ago 92.
11
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em todos os setores da vida brasileira, com alterações estruturais importantes, e
definitivas, como a relação campo/cidade e a reafirmação de estruturas já
implantadas antes de 1950 a industrialização no conjunto econômico capitalista
mundial 13.
No âmbito político a ascensão ao poder central de João Goulart gerava
descontentamentos internos e externos, prejudicando o alinhamento ideológico histórico
do Brasil com os Estados Unidos, já que a forma de governar do então presidente se
chocava com os objetivos econômicos norte-americanos no país.
Não quero levantar a tese de que o golpe civil-militar de 1964 foi produto
exclusivamente da Guerra Fria, sob a liderança do bloco capitalista, mesmo com a
participação direta dos Estados Unidos na deposição de governos que contrariavam seus
objetivos e de estudos que mostram a maciça penetração norte-americana no Brasil. Parto
do pressuposto de que as disputas políticas locais foram as que arregimentaram e
arquitetaram tal episódio.
Maria Helena Simões Paes analisa a década de 1960 como um momento de rebeldia e
contestação, que representava inconformismos com a atual situação imposta pelo sistema
capitalista. O cinema, o teatro e a literatura rejeitavam os padrões do modelo
conservador. Em seu trabalho sobre o período, a autora o caracteriza como a “longa
prosperidade do pós-guerra”, que atinge não só os sistemas capitalistas, como também o
regime socialista, contestando todas as arbitrariedades cometidas por Stálin14.
Para a historiografia da época, o golpe civil-militar foi deferido em um momento de
turbulência política em nosso país no qual, para as Forças Armadas, a ameaça de um
governo comunista estava presente entre os políticos daquele período. Porém Daniel
13
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Modernização Autoritária: Do Golpe Militar à
Redemocratização. In LINHARES, op. cit, p. 301.
14
PAES, Maria Helena Simões. A Década de 60: Rebeldia, Contestação e Repressão Política. 4ª ed. São
Paulo: Ática, 2002.
17
Aarão Reis Filho em A Revolução Faltou ao Encontro, Jacob Gorender em Combate nas
Trevas e Leandro Konder em sua A Derrota da Dialética nos ajudará a compreender a
crise por qual passavam as organizações esquerdistas15.
Conforme Nadine Habert, o golpe foi uma reação das classes dominantes ao
crescimento dos movimentos sociais, mesmo tendo estes um caráter predominantemente
nacional-reformista16.
É justamente dentro deste conflito político interno que vão se dar as principais
divergências. Políticos ligados ao liberalismo não aceitavam uma política de cunho
nacionalista e grupos conservadores internos, afastados do poder por Jango, resolveram
aderir ao movimento golpista. Veja o que escreve Thomas Skidmore sobre a questão.
Em fins de março de 1964 as tensões políticas haviam atingido um grau sem
precedentes, com o presidente participando de uma série de comícios ruidosos
em cada um dos quais anunciava novos decretos. Enquanto isso, a conspiração
militar-civil aumentava de intensidade17.
Entretanto, o objetivo central deste trabalho é fazer um passeio pela história do Brasil
e do Amazonas na década de 1960, além de observar os motivos do golpe e analisar o
posicionamento da Imprensa Amazonense, entre os anos de 1961 até a imposição do Ato
Institucional nº. 5, no final de 1968.
O período que ocorreu o golpe civil-militar de 1964 tornou-se objeto de estudo não só
de historiadores, mas também de sociólogos, cientistas políticos e jornalistas. No entanto,
a investigação deste fato na cidade de Manaus é praticamente inexistente. Poucos são os
15
Veja o assunto com mais precisão no primeiro capítulo.
HABERT, Nadine. A Década de 70: Apogeu e Crise da Ditadura Militar Brasileira. 3ª ed. São Paulo:
Ática, 2001.
17
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 43.
16
18
pesquisadores que se preocupam com a análise deste tema entre os amazonenses,
transformando-se num incentivo extra para a conclusão da pesquisa.
Muitas são as ferramentas auxiliares do historiador. A análise e a crítica a um
documento (jornal) são indispensáveis. Os jornais amazonenses já citados são os
principais objetos desta pesquisa, onde nas datas marcantes do período estudado os fatos
retratados nos periódicos mencionados serão analisados.
Os jornais pesquisados demonstravam sua ideologia nas articulações que antecederam
o golpe. As notícias classificando Jango como conspirador foram intensas. “Adhemar é
Favorável ao Impeachment Contra JG” noticiava o Jornal do Commercio de 17 de
Março de 1964. “Aquele espetáculo deprimente encheu de inquietude o Brasil, pois
durante o comício o próprio presidente da república pediu o cerceamento do Congresso,
tentou contra a constituição e deixou claro ainda que as reformas vão ser impostas ao
Brasil de qualquer maneira”, enfatizava o governador paulista, no jornal da mesma data,
referindo-se às reformas de base propostas pelo governo Jango.
Nem Jango, nem nenhum governo populista tiveram aspirações socialistas, contudo o
simples choque de interesses com os grupos conservadores liberais suscitou esta ideia no
seio da sociedade brasileira. Com a imprensa amazonense tendente a este grupo político
compromissado com as instituições vigentes, o governo janguista foi deposto do poder
com todo o respaldo dos principais veículos de comunicações.
Durante todo o período que vai do golpe à implantação do AI-5, a imprensa serviu de
alicerce aos governos militares. Apenas com o endurecimento da repressão, alguns desses
veículos de comunicações terão uma postura mais crítica, porém não foi o que ocorreram
com os jornais amazonenses em questão. As suas posições reacionárias continuaram. O
19
cerne da pesquisa é provar o alinhamento de tais veículos com os conservadores, através
da análise do discurso dos jornais estudados.
Outra meta deste trabalho é contribuir para uma formação consciente deste período.
Manter vivo no âmbito acadêmico a memória da censura e da opressão daquela época. Na
história da república o Exército sempre esteve presente atuando de forma arbitrária e
intolerante, seja nos primeiros anos da república, ou nos quinze anos de governo Vargas.
O poderio militar foi uma base para esses governos autoritários.
Contudo a ditadura militar de 1964 conseguiu criar mecanismos legais de tortura e
repressão (AI-5, suspensão do hábeas corpus, etc.) que se configurou numa época de
grande violência e falta de liberdade. Outra característica desta fase que a diferencia dos
demais períodos ditatoriais foi que os militares logravam afastar do cenário político o
maior número de grupos civis, deixando-os à margem das principais decisões políticas e
econômicas do país.
Durante o período militar os valores democráticos foram postos à margem da
sociedade, onde não só as classes populares foram prejudicadas, como também uma
parcela das classes conservadoras que não concordavam com o autoritarismo dos
militares.
A agressão à democracia ocorreu com o aval do Estado Autoritário, no qual havia
muitas vozes que eram caladas pelas torturas e pelo medo. Hoje essas vozes foram
silenciadas por um grupo político que transformou a mídia num aparelho unilateral, cujas
discussões que põem em cheque este Brasil neoliberal são tiradas do ar em prol da
imagem de um país que não existe.
20
As relações de poder, onde a camuflagem de notícias podia mexer com as estruturas
das Forças Armadas e com as opiniões dos que articularam o golpe, assim como os que
sofreram a repressão estarão presentes neste trabalho. Sempre se preocupando,
principalmente, com o posicionamento dos periódicos.
Posicionamento este que retratou as articulações conservadoras entre civis e militares
para derrubarem um governo eleito “democraticamente” em prol da manutenção das
estruturas sociais e políticas vigentes.
Assim como Flávio Aguiar afirma que “a censura à imprensa imposta pelo regime de
1964 começou na verdade um pouco antes de 1954, quando o jornalista Carlos Lacerda
pôs seu jornal Tribuna da Imprensa completamente a serviço da derrubada de Getúlio
Vargas”
18
, procurarei mapear esta pesquisa, analisando o posicionamento da imprensa
amazonense desde a crise entre trabalhistas e liberais, ainda na década de 1950.
[...] o aspecto pró-ativo da censura era bem mais complexo. Seu mote inspirador
pode ser descrito como o de criar uma imagem do “Brasil que dava certo”. Num
extremo da criatividade ditatorial esse Brasil que dava certo associou-se ao
“Brasil Grande”, ao Brasil das obras faraônicas como a Transamazônica, ao
Brasil Tri-campeão do mundo, ao Brasil do “milagre” econômico19.
As relações de poder entre imprensa e governos estabelecidos no Brasil já vem de
longa data, principalmente após a segunda metade do século XX, onde a imprensa
brasileira ganhou características de empresa capitalista.
A imprensa tem como objetivo atuar como voz do povo, porém na democracia
burguesa na qual vivemos a informação é expropriada pela classe dominante. Obtemos a
notícia que convém aos poderosos, daí o interesse de investigar a posição dos jornais
18
AGUIAR, Flávio. A Tesoura e o Quadro: Uma Visão Sobre a Censura à Imprensa Durante o Regime de
1964. Margem Esquerda: Ensaios Marxistas, São Paulo: Boitempo, 2004, p. 43.
19
Ibidem, p. 46.
21
amazonenses naquele período. Veja o que afirma Francisco Falcon sobre a análise das
relações de poder.
História e poder são como irmãos siameses – separá-los é difícil; olhar para
um sem perceber a presença do outro é quase impossível. A história da
humanidade deve neste caso ter presentes estas duas maneiras de ver a questão
das relações entre a história e o poder: há um olhar que busca detectar e analisar
as muitas formas que revelam a presença do poder na própria história; mas
existe um outro olhar que indaga dos inúmeros mecanismos e artimanhas através
das quais o poder se manifesta na produção do conhecimento histórico20.
É dentro deste segundo olhar proposto por Falcon que se pautará este trabalho.
Detectar e analisar uma notícia, manchete ou reportagem, percebendo sua posição
ideológica para demonstrar que linha política segue aquele jornal. Segundo Marialva
Barbosa.
[...] Todo documento é também um monumento de memória, na medida em que
é produzido e utilizado com fins específicos pelo poder. O documento não é algo
que revela um dado do passado ou presente, sendo antes produto da sociedade
que o fabricou, segundo as relações de força dos que detém o poder21.
Por fim, essa dissertação está estruturada em três capítulos, além de um pequeno
resumo sobre a Imprensa no Amazonas. O primeiro capítulo intitulado Um Golpe Mais
que Ensaiado retrata a maturidade política que as Forças Armadas adquiriram a partir das
tentativas frustradas de golpe nos anos de 1954, 1955 e 1961. Além de apresentar a
reação dos grupos de esquerda perante aos golpistas, o capítulo procura demonstrar o
posicionamento do Jornal do Commercio e A Crítica diante das articulações que
envolveram o golpe civil-militar de 1964.
20
FALCON, Francisco. História e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs).
Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 61.
21
BARBOSA, op. cit, p. 118.
22
O segundo capítulo, sob o título O Golpe e seus Posicionamentos, trata das visões
sobre o golpe civil-militar de 1964. A opinião de seus principais articuladores,
justificando o movimento anticonstitucional. Além de trabalhar o aspecto narrativo dos
periódicos citados após o golpe, o capítulo descreve as lutas travadas entre trabalhistas e
liberais no período.
O terceiro e último capítulo, que tem como título A Legitimação da Ditadura nos
Jornais Amazonenses, descreve as crises envolvendo os principais articuladores do golpe
civil-militar, demonstrando como o Jornal do Commercio e A Crítica narraram a
outorgação do Ato Institucional n ͦ 2, que cassou os direitos políticos de muitos
envolvidos no movimento golpista. O capítulo demonstra o posicionamento dos
periódicos estudados até dezembro de 1968, ano do AI-5, além de retratar o panorama da
sociedade amazonense no período.
Além dos três capítulos, a dissertação traz um breve histórico da imprensa no
Amazonas, que iniciou suas atividades no país a partir da chegada da Família Real ao
Brasil no início do século XIX. No Amazonas o jornalismo foi inaugurado com a
publicação do Cinco de Setembro em 1851.
Uma Breve História da Imprensa no Amazonas
23
O Bloqueio Continental (1805) imposto por Napoleão Bonaparte, impedindo qualquer
país europeu de fazer comércio com a Inglaterra teve inúmeras conseqüências na até
então colônia brasileira. A fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil (1808)
ocasionou muitas mudanças na situação política da região. A assinatura dos tratados
comerciais abrindo os portos tupiniquins às outras nações iniciou o processo emancipador
que se concretizou em 1822.
Juntamente com a Família Real apareceu a imprensa (1808). Com um enorme índice
de analfabetismo e sem universidades, as impressões de jornais eram difíceis. Entretanto,
antes mesmo da chegada da Imprensa Régia ao Brasil já circulavam vários panfletos e
matutinos efêmeros, incitando a luta pela independência.
A imprensa no Amazonas surgiu muitos anos depois da chegada da nobreza
portuguesa ao Brasil. Apenas em 1851, com a publicação do Cinco de Setembro, iniciouse a atividade jornalística na província amazonense. Este jornal, no ano seguinte, passou a
se chamar Estrella do Amazonas.
Foi o principal jornal a surgir no Estado do Amazonas. Seu primeiro número
circulou a 3 de maio de 1851, tendo por diretor proprietário o tenente Manoel da
Silva Ramos, tipógrafo, natural do Pará, que foi convidado por Tenreiro Aranha
para montar a primeira oficina tipográfica de Manaus, onde foi composto e
impresso o Cinco de Setembro [...] Após 8 meses de circulação, já tendo sido
instaurada a província do Amazonas, mudou o nome para Estrella do Amazonas.
Em dezembro foi publicado o último número com o título de 5 de Setembro22.
Conforme Geraldo dos Anjos, até 1870, a imprensa não apresentava uma forma
gráfica agradável e os problemas econômicos tinham maior espaço no informativo.
Depois era destacado o cenário político com o uso de uma linguagem violenta. “Foi
22
FREIRE, José Ribamar Bessa; et al (Orgs). Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950): Catálogo
de Jornais. Manaus: Editora Calderado, 1990, p. 57.
24
depois disso que a imprensa começou a melhorar, apresentando uma visão mais
globalizada dos problemas sociais e políticos, com sensível melhoria no aspecto
gráfico”23, relatava Geraldo.
Eram folhas antiestéticas, nada interessantes e que seguiam o primitivismo da
época devido às condições que cercam qualquer atividade pioneira [...] alguns
anos depois os informativos tomaram formas mais elaboradas, observando a
inclinação por esse ou aquele partido24.
De acordo com Loredana Kotinski, somente no final do século XIX os jornais
amazonenses se posicionarão perante as divergências políticas no Estado. O Jornal
Amazonas e Commercio do Amazonas serão os primeiros periódicos a abolirem as ideias
da escravatura.
Geraldo dos Anjos afirmava que os jornais mencionados acima deixaram de publicar
anúncios de compra e venda de escravos negros, demonstrando os seus anseios
abolicionistas25. Os periódicos citados circularam na cidade de 1866 a 1921 e de 1869 a
1904, respectivamente26.
O jornal do Commercio do Amazonas [...] Caracterizou-se por ser um jornal
aberto às diversas correntes de opinião. De grande circulação, foi responsável
pela criação do sistema telegráfico e de ilustração (vista da cidade e foto clichês
de pessoas de destaque, confeccionadas pelo xilógrafo, Necphoro) a serviço da
imprensa amazonense27.
23
KOTINSKI, Loredana. Imprensa Amazonense: Uma História de Muitas Lutas. A Crítica, Manaus, 06 de
Janeiro de 2002, p. C3.
24
Ibidem.
25
Ibidem.
26
O Jornal do Amazonas passou a circular diariamente a partir de 1890, pois nos períodos anteriores a
circulação variava entre 3 vezes por semana. Outra característica do periódico era a oposição às facções
Nery e Pedrosa na década de 1910. In: FREIRE, op. cit.
27
Ibidem, p. 63.
25
A imprensa e o leitor foram se modificando com o passar dos anos. Nos períodos
ditatoriais a censura se mostrou mais eficaz. Os jornalistas tiveram que criar novas
maneiras de noticiar. Ilustrações, charges e outros meios criativos contribuíram para este
processo.
Neste aspecto, cabe também lembrar a astúcia de Alberto Dines no JB.
Impedido de noticiar, em manchete, a morte de Salvador Allende (12/09/1973),
apresentou a primeira página sem manchetes e sem fotos, ludibriando a censura
e denunciando-a de maneira surpreendente28.
Durante o governo Vargas inúmeros jornais e revistas foram fechados com o aval do
Executivo. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) fazia o controle dos
veículos de comunicações, onde serviam à ditadura ou agiam na clandestinidade.
Passada a década de 1950, a falta de liberdade de expressão voltaria a fazer parte do
cotidiano do povo brasileiro no Estado Autoritário de 1964. A empresa jornalística foi
habitada por censores, contudo jornalistas combativos atuavam denunciando os abusos de
poder exercido pelos militares, principalmente agindo na chamada imprensa nanica.
O pesquisador, ao investigar um jornal, procura saber quem são seus proprietários e
editores, a quem se dirige e quem quer conquistar29. Mapeando esses dados, conseguirá
um perfil provisório do periódico, pois atualmente os historiadores reconhecem que os
fatos são fabricados e não doados. Não abandonaram a busca pela verdade, porém
reconhecem que possuem muitas versões.
O Jornal do Commercio fundado em 1904 foi incorporado em 1943 por Assis
Chateaubriand, fazendo parte dos Diários Associados. Durante o golpe civil-militar de
1964 tinha como diretores João de Medeiros Calmon e Epaminondas Barahuna. Durante
28
29
CAPELATO, op. cit, p. 17.
Ibidem.
26
um bom tempo foi o periódico de maior prestígio em Manaus, principalmente na década
de 193030.
A Crítica foi fundado em 1949, cujo diretor-proprietário era o Sr. Umberto Calderado
Filho. Foi o primeiro jornal a usar fotos coloridas na primeira página. Destacou-se pela
oposição ao governador Leopoldo Neves, entre 1947 e 1951. Atualmente a Sr ͣ Rita de
Araújo Calderado dirige o jornal. Ocupa hoje um lugar de destaque no cenário
jornalístico, pois além do periódico, atua na Rádio e na Televisão31.
CAPÍTULO I
Se o poder só tivesse a função de
reprimir, se agisse apenas por meio
da censura, da exclusão, do
30
CIDADE, Maria Tereza Pinheiro. Sensacionalismo nos Jornais de Manaus: Um Estudo Comparativo.
Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1996, p. 27-30.
31
Ibidem, p. 36-40.
27
impedimento, do recalcamento, à
maneira de um super-ego, se
apenas se exercesse de um modo
negativo, ele seria muito frágil.
Michel Foucault
UM GOLPE MAIS QUE ENSAIADO
1. A POLITIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
O capítulo a seguir tem como objetivo discutir as articulações que envolveram o golpe
civil-militar, assim como demonstrar que a atividade política dos militares sempre esteve
presente em nossa história. Percebe-se que as forças políticas civis subestimaram as
Forças Armadas, já que a preparação para a tomada de poder promovida pelos golpistas
já se sucedia havia dez anos antes do golpe. Debateremos os motivos que
impossibilitavam a unidade que ocorreu em 1964.
Outra meta do capítulo é mostrar o posicionamento dos periódicos já citados durante
os antecedentes que envolveram o golpe civil-militar. Como o Jornal do Commercio e A
Crítica divulgaram as notícias que preenchiam o cenário político do Brasil para o resto da
sociedade.
Para Alfred Stepan32, até 1964 os militares aceitavam, espontaneamente, um
posicionamento de meros coadjuvantes no cenário político nacional. Para o estudioso, os
modelos políticos de relações onde civis tentam envolver os militares na política
contradiz com o modelo liberal que defende a apolitização das Forças Armadas.
32
STEPAN, Alfred. Os Militares na Política. Estados Unidos: Universidade de Princeton, 1971.
28
[...] Os Militares na Política, livro em que Alfred Stepan propõe um novo
modelo de relações civis-militares, adicionando-o à clássica lista elaborada na
década de 1950 por Samuel Huntington. Para Stepan, quando se trata da
América Latina, nem o modelo liberal dos pequenos exércitos, nem o
profissional dos exércitos fortes, mas sob controle civil, parecem adequados para
entender a vida política. Em vez disso, seria necessário distinguir um novo
padrão capaz de dar conta da efetiva relação entre políticos e militares em países
como o Brasil33.
Conforme Stepan, a função dos militares é a manutenção do sistema em
funcionamento, desempenhando papel unicamente conservador, já que aceitam esta
situação por confiarem na política parlamentar dos civis e por se considerarem inferiores,
aos civis, no momento de administrarem. Como o próprio Stepan afirmou, “os militares
têm alta legitimidade para intervir, mas baixa legitimidade para governar” 34.
Ao analisar as ideias de Hannah Arendt sobre a América Latina, Márcia Mansor
D’Alessio afirmou que o continente americano tinha o destino pré-determinado e estava
bastante suscetível a golpes militares. Nos anos 1980 dois terços da população do
continente era governada pelas Forças Armadas, pois para a pesquisadora “as respostas
autoritárias pretenderam conter e controlar os então chamados de subversivos, que não se
conformavam com a situação de pobreza e de injustiça social do continente” 35.
A explicação mais comum, ao visitar o passado histórico, começa por
identificar nas características da colonização ibérica o pecado original da
situação presente. Depois da independência, o advento do caudilhismo –
entendido como um “bando” de homens armados que seguiam um líder –
reafirmava a “índole” autoritária da região. Este fenômeno, ainda na mesma
linha de raciocínio, teria se transformado em militarismo no século XX. Estas
são apontadas como as prováveis “causas” das ditaduras e da ausência da
“vocação” democrática na América Latina36.
33
STEPAN, Alfred apud FILHO, João Roberto Martins. Forças Armadas e Política, 1945-1964: A AnteSala do Golpe. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit, p. 101.
34
Ibidem, p. 102.
35
D’ALESSIO, Márcia Mansor apud PRADO, Maria Lígia Coelho. Democracia e Autoritarismo na
América Latina do Século XIX. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; PRADO, Maria Lígia Coelho;
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. A História na Política, a Política na História. São Paulo: Alameda,
2006, p. 34.
36
Ibidem.
29
No entanto de acordo com Maria Lígia Coelho Prado, essa visão de continuidade
encabeçada pelos caudilhos se mostrou equivocada, pois o caudilhismo foi um fenômeno
particular presente em alguns países. No Brasil não apareceram caudilhos, no Chile
também não, mesmo assim, os dois países foram sacudidos por golpes militares.
Na Argentina, passaram-se 70 anos para eclodir o primeiro golpe militar, após a
derrota do caudilhismo em 1860. Portanto, esta justificativa se mostrou limitada. As
ditaduras não são invenções dos latino-americanos. No século XIX os europeus já
preconizavam a necessidade de governos ditadores para manterem a ordem.
Esta observação inicial sobre a questão da ditadura se faz necessário para que
não se atribua o recurso autoritário como nascido “das entranhas da barbárie
latino-americana”. Uma segunda lembrança no mesmo sentido: os positivistas,
como se sabe, na segunda metade do século XIX, também preconizavam
soluções políticas autoritárias (e mesmo ditatoriais) para fazer avançar “a
evolução natural” das sociedades em direção ao “progresso” e ao “estado
positivo” 37.
As elites dirigentes, tanto na Europa, quanto na América Latina estabeleciam limites
para conter a ação das classes populares, com o intuito de não perderem seus benefícios
políticos e econômicos.
Os publicistas entendiam que as condições sociais e políticas de seus países
não permitiam que a democracia fosse posta em prática. Da mesma forma que
na Europa, pensavam que fosse necessário esperar e educar o povo para que as
instituições democráticas entrassem em vigência38.
37
38
Ibidem, p. 35.
Ibidem, p. 36.
30
Educar o povo significava limitar sua participação política na sociedade. Portanto,
percebe-se que a análise das formações dessas sociedades no passado serviu para
conhecer as estruturas do presente. Conforme Márcia Mansor D’Alessio.
Os anos 1980 conheceram uma experiência importante e, de certa forma,
única na política brasileira: uma mobilização operária propôs, com sua prática,
uma nova forma de fazer política e mudou, com esta prática, a correlação de
forças no País. Uma mudança que se mostrou estrutural posto que as forças em
luta não estavam dentro dos muros dos palácios, mas esparramadas pelo social e
lideradas pelas classes trabalhadoras39.
Alguns historiadores posicionam o importante papel político que o Exército exerceu na
História do Brasil até mesmo durante o Império. Em 1884, por exemplo, Benjamin
Constant apoiou um general que homenageou um líder abolicionista. Contudo, somente
na segunda metade do século XX, os militares conduzirão o processo.
Enquanto antes de 1964 atuavam apenas como árbitros políticos, aparecendo para a
manutenção das Instituições conservadoras e conduzindo o poder aos civis; após 1964, as
Forças Armadas serão os atores protagonistas, não transferindo o poder aos civis e
afastando-os do panorama político nacional.
Os movimentos de 1955, que garantiram a posse de Juscelino Kubitcheck, e
de 1961, que pretendiam a não investidura no cargo de presidente de Goulart,
são, no entender de teóricos da ciência política, manifestações do aparelho
militar como poder moderador, tendo em vista que o papel assumido pelas
Forças Armadas nesses episódios não se caracterizara pela ação direta, mas pela
força dissimulada. Ao contrário, os movimentos anteriores a 1945
caracterizaram-se pela intervenção ostensiva da instituição40.
Em contrapartida, Oliveiros Ferreira compreende que o atraso e a corrupção
aniquilaram o sistema político brasileiro, onde a saída seria uma aliança entre civis e
39
D’ALESSIO, Márcia Mansor. A Dimensão Política da História. In: Ibidem, p. 13.
BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares. In: FERREIRA;
DELGADO, op. cit, p. 19.
40
31
militares. Segundo o autor não há outra força organizada no país capaz de enfrentar o
sistema senão as Forças Armadas 41.
Alfred Stepan usa a Escola Superior de Guerra (ESG) para indicar a ineficiência em
liderar dos militares. De acordo com ele, a escola mostra o quanto as Forças Armadas
estavam despreparadas para enfrentarem as anomalias do país, pois a mesma foi criada
devido a necessidade que possuíam em entender certos assuntos civis, principalmente no
âmbito econômico.
Por um lado, as Forças Armadas constituíam parte integrante e indissociável
do poder político desde 1930 e, principalmente, depois de 1937. Por outro, a
propalada timidez militar – ou auto-imagem de inferioridade – não parece passar
de um mito. Como veremos, o fracasso das intervenções castrenses de 1954 e
1961 associa-se não à falta de ousadia dos militares, mas às suas debilidades
internas, que se constituíram em obstáculo para a tomada de poder em condições
históricas concretas. Não é tanto no plano subjetivo – da auto-imagem militar –
mas no plano objetivo das relações de forças que se fez a história das
intervenções militares das décadas de 1950 e 1960. Quando, finalmente, em
1964, as Forças Armadas se viram optar a tomar o poder, o fizeram sem grandes
hesitações, arrastando consigo todos os planos civis42 .
Entretanto, percebe-se que a ascensão política dos militares já havia ocorrido desde o
golpe de 1937. Nas palavras de João Roberto Martins Filho “após a repressão das forças
da esquerda, do movimento integralista e das oligarquias regionais, Estado e Forças
Armadas tornaram-se difíceis de distinguir”
43
. Para o sociólogo, o papel do Exército
contrastava com aquela visão da “página em branco”, exposta por Stepan, que os
taxavam de inseguros e ineficientes.
Já após o desfecho golpista, os militares percebiam a necessidade que possuíam de se
organizarem politicamente. Com manchete sob o título “Chefes Militares Preconizam
41
FERREIRA, Oliveiros. As Forças Armadas e o Desafio da Revolução. São Paulo: GRD, 1964.
FILHO, op. cit, p. 103.
43
Ibidem, p. 105.
42
32
Formação de um Novo Partido”
44
, o Jornal A Crítica divulgava a ideologia dessa
agremiação. Abaixo segue a reportagem na íntegra.
O sr. Magalhães Pinto é o verdadeiro artífice da ideia da criação de um novo
partido que congregaria as forças que se uniram em torno do movimento
vitorioso em 1 ͦ de abril no campo político civil. Na realidade, foram os chefes
militares que preconizaram a formação de uma agremiação partidária
englobando os participantes do movimento, em sua hora decisiva. Consideram
esses homens que na área militar, apesar de algumas divergências de pontos de
vista em determinados grupos, há uma solene união quanto aos objetivos que a
ação revolucionária tem necessidade de alcançar para se justificar amplamente
perante o povo, por haver interrompido a legalidade constitucional. Ao mesmo
tempo, são todos concordes no antagonismo ao comunismo e ao peleguismo que
querem banidos para sempre da vida brasileira. Têm, pois ideias comuns, a
despeito das divergências que, eventualmente tenham quanto à maneira de
atacar esses males. Queres esses chefes que os líderes civis do movimento
revolucionário e as forças a que estão ligadas mantenham unidade idêntica45.
A matéria do periódico apontava para a necessidade que os militares possuíam de
organizarem uma entidade partidária. Perceba que a reportagem conclamava a união entre
àqueles que tinham o mesmo objetivo, que eram a luta contra o comunismo e a unidade
política conseguida em 1964. Entre os militares46, é comum afirmarem que a Escola
Superior de Guerra foi importante para essa unidade política das Forças Armadas.
A Escola Superior de Guerra (ESG) funcionava mais como um departamento de
estudos sociais, políticos e econômicos, do que propriamente uma escola voltada para a
guerra. O campo militar conservador estava dividido entre aqueles militantes ativos e os
membros da ESG, mais interessados nos bastidores da política. Em certos momentos, os
dois grupos aliavam-se graças às suas ideias em comum que possuíam: o anticomunismo
e o antinacionalismo.
44
A Crítica, Manaus, 28 de Julho de 1964.
A Crítica, Manaus, 28 de Julho de 1964.
46
Ver capítulo 2.
45
33
No início da década de 1960, o agravamento da crise social e política
contribuíram para consolidar no meio militar a ideia de que a guerra
revolucionária já começara no país. Apesar das perplexidades, as Forças
Armadas não dependeram dos civis para redefinir suas doutrinas. Ao contrário,
o mais breve exame do debate que se desenvolveu no interior da ESG parece
evidenciar uma corporação que tratava de expandir seu papel ativa e
dinamicamente, desde o final da década de 1940. Diante de tantas ideias
militares, a imagem antes citada da “página em branco” parece cada vez mais
inadequada. No entanto, é bom lembrar que a ideologia aqui examinada era
hegemônica, mas não exclusiva, no campo militar. [...] o Clube Militar tornouse, nessa fase, em tempos de guerra fria, palco de intensa disputa entre os
anticomunistas e uma corrente militar nacionalista, que criticava o alinhamento
do Brasil com os Estados Unidos e via no imperialismo e não no comunismo o
principal inimigo do país47.
Conforme a interpretação de Martins Filho, os militares só não tomaram o poder
anteriormente por falta de unidade entre as corporações. Em vista disso, a ideia de que as
Forças Armadas eram inferiores politicamente não se sustenta ao analisar a evolução da
Instituição no cenário político brasileiro.
Seus líderes não foram capazes de tornar vitoriosas as tentativas de golpe de
1954 e 1961, não porque os militares temessem a intervenção autônoma na
política, mas porque as condições objetivas impediram uma maior união e
eficácia do campo afinal vitorioso em 1964. Por tudo isso, não parece possível
apresentar as Forças Armadas brasileiras no período em questão como uma
página em branco, à espera de um grupo que escrevesse em suas linhas um
programa político48.
Para Jorge Ferreira49, dois projetos ocupavam o cenário político do país. O primeiro
chamado de getulismo ou trabalhismo combatia o liberalismo, defendendo o setor estatal,
propondo um capitalismo nacionalista, que conflitava com os planos estrangeiros na
Nação. O projeto ganhou a adesão dos comunistas, em virtude de suas propostas
trabalhistas. Mais tarde o getulismo ficaria conhecido como nacional-estatismo.
47
FILHO, op. cit, p. 111.
Ibidem, p. 121-122.
49
FERREIRA, Jorge. As Crises da República: 1954, 1955 e 1961. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit.
48
34
Já o segundo defendia o liberalismo e a não-intervenção do Estado na economia,
alinhando-se aos Estados Unidos. O projeto seduzia os empresários e as elites, assim
como militares, onde o maior divulgador de seus ideais seria a União Democrática
Nacional (UDN), conhecidos como liberais-conservadores.
Conforme as questões levantadas até o momento, nota-se que a ideia, defendida por
Stepan, da “página em branco” se revelou inadequada. As divergências políticas em torno
dos civis eram inúmeras, numa disputa ideológica que envolvia os partidos trabalhistas e
os liberais50. Dentro das Forças Armadas os conflitos também estavam presentes. Veja o
que afirmava Martins Filho sobre a situação.
[...] é preciso ter em mente as diferenças dentro das Forças Armadas. Desde
1954, a Aeronáutica era terreno praticamente exclusivo dos anticomunistas. Na
Marinha, conhecida por seu elitismo, também havia pouco espaço para
dissidências, e o quadro se agravou sobremaneira com a eclosão das revoltas de
marinheiros, no início dos anos 60. Assim, quando se fala de polarização militar,
pensa-se principalmente no Exército51.
Segundo Maria Celina D’Araújo as seguidas derrotas impostas à UDN amadurecia um
golpe que aconteceria em 1964. As conspirações golpistas avolumaram-se e
intensificaram-se com o Atentado da Rua Toneleros, onde os adversários de Vargas
usaram o episódio para responsabilizá-lo. Agindo, sincronicamente, a imprensa
diariamente, divulgava ataques ao presidente. As pressões vindas das Forças Armadas
propunham o impeachment do chefe da Nação.
Com grande espaço em toda a imprensa, a oposição difundia e manejava
imagens que procuravam, ao mesmo tempo, desqualificar o governo e indignar e
mobilizar contra ele a população. Caudilho, corrupto, ambicioso, desonesto,
50
51
Ver Capítulo 2.
FILHO, op. cit, p. 116.
35
violento, imoral, entre outras imagens extremamente negativas. Assim os
conservadores se esforçaram para desmerecer o presidente52.
O assassinato do Major Rubens Vaz e a tentativa de morte do jornalista Carlos
Lacerda criou uma situação de tensão no Brasil. A Crítica divulgava “Clima para Golpe:
Atentado Contra a Ordem e a Integridade do País”
53
e ressaltava “Infiltração dos
Vermelhos na Política: Documentos em Poder de um Comunista Brasileiro Revelam um
Plano de Subversão” 54.
Vargas aceitou licenciar-se do cargo até que o crime fosse esclarecido, no entanto seus
opositores exigiam a renúncia. Ao suicidar-se, a tentativa de golpe civil-militar é
frustrada, já que as manifestações contrárias aos inimigos de Getúlio se espalharam pelo
país.
Jornais antigetulistas tiveram suas sedes depredadas e seus exemplares incendiados;
bases de partidos adversários do presidente, especialmente a UDN, foram invadidas e
apedrejadas, assim como a fachada da Embaixada dos Estados Unidos e da Standard Oil,
no Rio de Janeiro.
Iniciou-se intensa pressão para que o presidente renunciasse o poder. A Crítica
salientava “A Vargas Só Resta uma Atitude Digna: Renúncia”
55
. Pressionando
diariamente através da grande imprensa, o mesmo periódico anunciava “Proposta a
Renúncia do Presidente Getúlio Vargas” 56.
Um dia antes do suicídio do presidente, altas patentes da Aeronáutica exigiam a
renúncia de Vargas57, entretanto o chefe do poder executivo resistia. No dia seguinte a
52
FERREIRA, op. cit, p. 307.
A Crítica, Manaus, 06 de Agosto de 1954.
54
A Crítica, Manaus, 07 de Agosto de 1954.
55
A Crítica, Manaus, 14 de Agosto de 1954.
56
A Crítica, Manaus, 16 de Agosto de 1954.
57
“O Brasil Caminha para o Caos”. A Crítica, Manaus, 23 de Agosto de 1954.
53
36
situação ficou insustentável. A Crítica noticiava “Caiu Getúlio Vargas”
58
, onde
conforme a reportagem, as Forças Armadas organizavam-se para tomar o poder.
Horas depois, o presidente cometia suicídio, mudando o curso da história. A Crítica
estampava “Grandes Emoções Agitam a Nação”
59
e “Verdadeira Consagração: O
Embarque dos Despojos do Ex-Presidente Getúlio Vargas” 60.
Se, num primeiro momento, as agressões voltaram-se para aqueles
considerados pela cultura política popular como inimigos “internos” do
presidente, como partidos, rádios e jornais, agora a revolta dirigia-se para
aqueles vistos como os inimigos “externos”, referidos, inclusive, na cartatestamento: o imperialismo e suas representações oficiais e comerciais. A
primeira vítima foi a representação diplomática norte-americana, invadida,
saqueada e totalmente destruída. O National City Bank, símbolo do capital
estrangeiro, foi atacado por outros grupos. O sentimento anti-norteamericano da
população pôde ser percebido não apenas pelas agressões ao consulado e ao
banco, mas também pelo ataque a algumas empresas, como a Importadora
Americana S.A., loja de importação de automóveis dos EUA, e a Importadora de
Máquinas Agrícolas e Rodoviárias. Até mesmo uma casa noturna, a American
Boite, foi tomada à força pelos manifestantes: centenas de vitrinas e letreiros
luminosos foram quebrados61.
Os motins citados acima ocorreram no Rio Grande do Sul, onde seu governador,
general Ernesto Dornelles, primo de Getúlio Vargas, conteve as revoltas sem a repressão
extremada existente na capital da República. Lá, a violenta reprimenda, deixou um saldo
de dois mortos e dezenas de manifestantes feridos.
Em Manaus, estivadores do Porto da cidade revoltaram-se contra os inimigos de
Vargas, promovendo quebradeiras62 pela cidade. Foram presos e soltos por
correligionários do PTB, entre eles Plínio Coelho. Manifestantes planejavam depredar a
58
A Crítica, Manaus, 24 de Agosto de 1954.
A Crítica, Manaus, 25 de Agosto de 1954.
60
A Crítica, Manaus, 26 de Agosto de 1954.
61
FERREIRA, op. cit, p. 312.
62
“Distúrbios Causados por Estivadores”. A Crítica, Manaus, 26 de Agosto de 1954.
59
37
sede do Jornal A Crítica, pois o periódico era considerado inimigo do ex-presidente,
conforme o posicionamento de suas matérias. Veja reportagem abaixo.
Diante da notícia revoltante de que capachos do PTB, ébrios, tentariam em
grupos invadir e atacar a nossa redação, insuflados pelos falsos líderes do povo,
mais parecidos cangaceiros e ameaçadores da ordem pública, viemos a público,
acostumados a estar com o povo e interpretar os sentimentos populares, dar uma
resposta a todos esses desordeiros sociais.
Senhores arruaceiros, atentem para o que vamos dizer: Estamos em nosso
jornal a qualquer hora, como sempre ao lado do povo e defendendo o povo, e
saberemos responder a altura aos ataques dos assaltantes e se preciso for
Responderemos à Bala a qualquer atentado ao nosso matutino e ao seu honesto
pessoal. Não somos covardes e jamais fugiremos à luta. Lamentamos sim, que
elementos que se dizem amigos do falecido presidente, estejam denegrindo a
memória do sr. Getúlio Vargas com arruaças e autênticas badernas que outro
objetivo não tem senão provocar distúrbios e confusões, grosseiramente, o
acontecimento fúnebre em proveito de propaganda eleitoreira.
Estamos aqui. Podem Vir!63
Percebam que a população do país detectava, não só os inimigos internos do
presidente (partidos liberais); como também os opositores externos (instituições
estrangeiras). A ideologia dos veículos de comunicações também era identificada pelos
manifestantes, como demonstrou a reportagem acima.
Apesar da situação, as Forças Armadas estavam de prontidão para a deflagração do
golpe, restando somente o sinal dos políticos civis. Porém, as pressões populares a esses
políticos se espalharam por todo o país. Partidários da UDN e antigetulistas tiveram que
se esconder ou serem escoltados por seguranças particulares, tornando o movimento
golpista inviável, já que a justificativa da intervenção militar de preservar a ordem já não
existia, pois ocorreria, caso houvesse o desfecho golpista, intensa desordem.
Na capital mineira, a primeira reação dos populares foi a de arrancarem dos
postes e marquises faixas e cartazes dos candidatos da oposição, em particular
da UDN, para queimá-los em seguida, da mesma maneira que no Rio de Janeiro.
63
A Crítica, Manaus, 25 de Agosto de 1954.
38
Operários de várias fábricas e da construção civil abandonaram seus postos de
trabalho e se concentraram no centro da cidade. Após acerto entre eles, rumaram
para o Instituto Brasil - Estados Unidos, cuja sede ficou totalmente destruída.
Outro grupo invadiu o consulado norte-americano quebrando móveis, armários,
vidraças e rasgando livros e documentos [...] Manifestantes revoltados tentaram
ainda empastelar o jornal Correio da Manhã, órgão da UDN, mas a polícia,
chamada a tempo, impediu a invasão64.
Na verdade, existia um grande temor pairando entre os udenistas. Depois de duas
derrotas eleitorais e reconhecendo a força política que possuía a aliança PTB-PSD, os
liberais já visualizavam novo malogro, pois Juscelino Kubitcheck, reeditando a união
petebista e pessedista, transformava-se num favorito à presidência.
Apesar da pressão civil-militar para o andamento do golpe, setores da sociedade se
posicionaram favoráveis à legalidade. Alguns jornais, como o Correio da Manhã, mesmo
alinhados aos liberais, criticavam as confabulações dos udenistas.
Sindicalistas, trabalhadores, intelectuais e estudantes manifestavam-se contrários aos
golpistas. Até mesmo empresários afirmavam que aquele clima político de insegurança
prejudicava o ritmo dos negócios. Sendo assim, Kubitcheck saiu-se vitorioso nas urnas,
contudo uma nova crise se iniciava, agora pelo impedimento de sua posse.
Os valores democráticos não faziam parte da história política brasileira. Antes do
golpe de 1964 inúmeras crises haviam sido gestadas no país com a intensa participação
dos militares. Portanto, o golpe não foi nenhuma novidade. As articulações para sua
consolidação já estavam em andamento desde a década de 1950.
Após o golpe, a imprensa despejava adjetivos agradáveis aos golpistas e depreciativos
aos seus opositores. A Crítica divulgava a seguinte manchete alertando para o perigo
comunista no país “Integralista Afirma que Comunistas Estão Ativos”
reportagem.
64
65
FERREIRA, op. cit, p. 313.
A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964.
65
. Segue a
39
O Deputado Abel Rafael (PRP - Minas) desmentiu as notícias que o
apresentaram como vítima de um atentado, ocorrido em Juiz de Fora no último
dia 29, mas assegurou que “agitadores comunistas haviam tramado fazer
explodir algumas bombas no recinto onde deveria pronunciar uma conferência”.
Acrescentou o deputado integralista que a Polícia prendeu três comunistas
uma hora antes, e os encaminhou ao quartel do Exército. Observou que isto
demonstra que os comunistas “pretendem deixar patente que não estão inativos,
mas se organizam para uma possível reação” 66.
A reportagem indicava que os comunistas eram agitadores dispostos a tramar atos
terroristas. O deputado finalizava afirmando que “essa reação virá naturalmente com a
implantação de uma suposta ditadura projetada e fortalecida por elementos militares e
outros desgostosos com a Revolução”
67
. Apesar da falta de unidade dentro das Forças
Armadas, a instituição era praticamente coesa na sua aversão aos “agitadores
comunistas”.
No entanto ainda não havia uma unidade na Instituição Militar, já que, enquanto a
Aeronáutica possuía um histórico anticomunista e liberal, o Exército era formado, em sua
maioria, por legalistas.
Existia um grupo, chamado por José Murilo de Carvalho68 de nacionalistas de
esquerda, que defendiam o trabalhismo, sem se chocar com questões anticomunistas. Um
segundo grupo era conhecido por nacionalistas de direita, que possuíam os mesmos ideais
dos primeiros, porém repudiavam o comunismo. E o terceiro grupo, que era composto
pelos defensores do liberalismo, eram chamados de “cosmopolitas de direita”. Estes
combatiam o comunismo e o trabalhismo.
66
A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964.
A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964.
68
CARVALHO apud FERREIRA, op. cit.
67
40
Ganhar a oficialidade para a causa trabalhista tornou-se, assim, uma das vias
de ação do PTB. O proselitismo nos quartéis incluía, também, os subalternos das
Forças Armadas, como sargentos do Exército e da Aeronáutica, bem como
marinheiros e fuzileiros navais, que, mais adiante, integrariam a Frente de
Mobilização Popular, a facção mais radical do trabalhismo liderada por Leonel
Brizola. A revolta dos marinheiros, em março de 1964, portanto, não se dissocia
do movimento iniciado em novembro de 1955, surgindo como a expressão mais
extremada da aliança entre militares, esquerdas e sindicalistas69.
De acordo com Jorge Ferreira a penetração dos trabalhistas e esquerdistas nas
Instituições Militares feriu crenças históricas, resultando em rivalidades que transformou
João Goulart e os comunistas em grandes inimigos dos conservadores das Forças
Armadas. A imprensa se posicionava conforme a conveniência. Veja a visão que
divulgava A Crítica sobre os comunistas, numa manchete denominada “Lacerda Prega
Invasão de Cuba” 70.
O governador Carlos Lacerda exigiu, discursando no Maracanãzinho, o apoio
do Governo brasileiro a um movimento continental para invasão de Cuba,
“libertando-a do comunismo e preservando os países latino-americanos da
invasão pela mente”. O governador falou por uma hora no clímax de uma
reunião promovida pela Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres, de
caráter anticomunista. O Sr. Lacerda citou as “Atas de Santiago e Bogotá”, que,
segundo afirma, ajudou a redigir e assinou71.
Percebe-se o tom agressivo com que o jornal tratava da questão, propalando a visão do
governador guanabarino que conclamava o país a participar de um movimento
antidemocrático, considerando que Cuba é um perigo para os países latino-americanos,
pois é regida pelo ideal comunista.
Em todas as partes do país surgiam manifestações de apoio à posse de
Goulart, sobretudo por meio de greves de trabalhadores. Além de lideranças
políticas e sindicais, outros setores sociais, como a Igreja, estudantes,
intelectuais, associações comerciais e profissionais, repudiavam a atitude dos
ministros militares [...] Dentro e fora do Congresso formou-se uma ampla
69
Ibidem, p. 326.
A Crítica, Manaus, 17 de Maio de 1961.
71
A Crítica, Manaus, 17 de Maio de 1961.
70
41
coalizão visando a preservação da legalidade e da ordem democrática, incluindo
tanto grupos de esquerda e nacionalistas quanto conservadores72.
A matéria de capa do Jornal A Crítica do dia 1° de Janeiro de 1963 estampava
“Opção aos Democratas: União ou Sovietização”, demonstrando ao leitor que se a
sociedade não se unisse em torno dos objetivos conservadores, o país, inevitavelmente, se
curvaria ao comunismo.
No jornal de mesma data, havia a seguinte manchete “Chegou a Hora dos
Democratas Enfrentarem a Luta ou Dentro de Pouco Estaremos na Órbita Soviética”.
Perceba o conceito de democracia do periódico, atentando para o que ele considerava ser
democrata.
Em evento que homenageava o Dr. João Calmon, vice-diretor do Condomínio
Acionário dos Diários, Rádios e Televisões Associados e Deputado Federal pelo Espírito
Santo, com ampla presença de autoridades conservadoras e jornalistas, o homenageado
falou para os amazonenses ali presentes, mostrando seu posicionamento político frente
aos acontecimentos do momento.
Disse o dr. João Calmon que o Brasil está entregue ao governo mais inepto,
mais incapaz e ineficiente de toda a sua história. Relembrou as circunstâncias
em que o atual presidente subiu ao poder, quando o sr. Jânio Quadros, num
repente emocional desertou do posto renegando os 6 milhões de votos recebidos
[...]
Os comunistas pregam a reforma agrária e não a querem. A reforma principal
é a reforma da mentalidade [...] Percam os homens de empresa o amor ao
conforto e se dispunham à luta porque senão, dentro de um prazo muito curto
estaremos dentro da órbita soviética.
Que não se dividam os homens no Brasil em esquerda, direita ou centro. O
que há são comunistas e democratas, e estes têm necessidade de afirmar-se para
defender a sua casa, a sua fábrica, a sua sociedade contra a horda da desordem e
da anarquia social [...] 73
72
73
FERREIRA, op. cit, p. 334.
A Crítica, Manaus, 01 de Janeiro de 1963.
42
O golpe foi uma correlação de forças de vários segmentos da sociedade cujo pretexto
era evitar a comunização do país. Apesar de consciente das tramas que circulavam o seu
governo, Goulart foi incapaz de desbaratá-la, seja pela ineficiência de seus assessores,
seja por confiar demais no apoio popular, que iria se opor a qualquer tentativa de golpe.
Brizola, desde a luta pela posse de Goulart, em 1961, já defendia uma postura mais
dura e fiscalizadora do governo. Defendia o desfecho de um golpe, antes que este fosse
dado, porém o presidente nunca pretendeu golpear o Estado.
A Crítica estampava sua opinião sobre os comunistas com a seguinte manchete “Luta
Continuará até que Cuba seja Livre” 74, considerando a ilha caribenha uma prisão, pois
estava sob a gestão de ideais contrários aos conservadores do período.
O pretexto usado pelos golpistas se mostrou eficaz. Na homenagem, oferecida pelos
sargentos, no Automóvel Clube do Brasil ao presidente Goulart, poucos compareceram,
demonstrando que, na verdade, o grande objetivo daquele episódio era criar uma crise
entre militares e Governo.
Segundo reportagem do jornal A Crítica, os comunistas planejavam golpear o Estado
pouco mais de quatro meses após a vitória “revolucionária”, através da manchete
intitulada “Plano Anti-Revolucionário Descoberto pela Polícia Gaúcha” 75. O periódico,
com essa notícia, demonstrava que os comunistas planejavam ataques “terroristas”.
O governador Ildo Menegheti, deverá viajar esta semana para Brasília, a fim
de se avistar com o Presidente Castelo Branco, com o qual tratará de importantes
assuntos ligados a vida de seu Estado. Foi noticiado também, que o chefe do
Executivo gaúcho, informará ao Presidente da República o plano antirevolucionário descoberto pela Polícia Secreta de seu Estado76.
74
A Crítica, Manaus, 26 de Abril de 1961.
A Crítica, Manaus, 06 de Agosto de 1964.
76
A Crítica, Manaus, 06 de Agosto de 1964.
75
43
Os golpistas usaram a justificativa do comunismo para que os diversos exércitos
aderissem ao golpe. Na verdade, o comunismo era a sindicalização urbana e rural, que
feria os interesses de industriais e latifundiários. Era a reforma agrária. Era a lei que
limitava as remessas de dinheiro para o exterior. Era a encampação de empresas privadas,
que afetavam os interesses imperialistas dos Estados Unidos. A Crítica estampava
manchete associando os petebistas aos comunistas “PTB: Demagogos e Comunistas” 77.
Depois de quinze anos de vida partidária, o sr. João Machado, desligou-se do
PTB, dizendo em carta ao deputado Lutero Vargas que os líderes atuais do
partido “só se preocupam com as posições, com os cargos e com seus próprios
interesses, para não falar nas vantagens conseguidas através do culto à vaidade”.
O ex-vereador, deputado e secretário de saúde, fala, também, dos “pelegos e
demagogos audaciosos”, aludindo, depois, ao falso nacionalismo, “máscara com
a qual os comunistas conseguiram fincar pé na agremiação idealizada por
Getúlio Vargas e da qual, decepcionados, tantos homens da melhor qualidade já
se afastaram”.
A carta ao presidente do Diretório Regional do PTB menciona os atos de
hostilidade e as desconsiderações que foram feitas ao antigo militante do
partido. E termina o sr. João Machado frisando que seu desligamento será “um
brado a mais que se levanta contra a situação e os processos dominantes nessa
agremiação partidária”78.
Os conspiradores propalaram o terror comunista, como mostrava A Crítica ao divulgar
as opiniões dos conservadores João Calmon e João Machado, porém Goulart não era um
marxista e sim um reformista, que visava o desenvolvimento das instituições burguesas
no país. Mesmo sabendo das articulações para um golpe não agiu de forma beligerante e
não aceitou o abandono de suas convicções.
Juscelino Kubitschek propôs substituir o Ministério por outro mais conservador e o
lançamento de um manifesto repudiando os comunistas, assim como a aplicação de uma
77
78
A Crítica, Manaus, 17 de Março de 1961.
A Crítica, Manaus, 17 de Março de 1961.
44
punição aos marinheiros, para servir de exemplo. Para Jango, aceitar essas e outras
exigências o colocaria numa situação pior que a do parlamentarismo.
Kruel, comandante do II Exército, telefonou para o presidente exigindo a intervenção
nos sindicatos e o afastamento de membros do governo considerados comunistas. Goulart
respondeu: “General, eu não abandono os meus amigos. Se essas são as suas condições
eu não as examino. Prefiro ficar com as minhas origens. O senhor que fique com as suas
convicções. Ponha as tropas na rua e traia abertamente. E desligou o telefone” 79.
A participação da CIA no desfecho do golpe é evidente, no entanto o que
proporcionou o sucesso do movimento foram as forças políticas locais que não se
contentaram em visualizar a perda de seus benefícios políticos e econômicos, caso as
reformas se concretizassem.
Nas crises de 1954, 1955 e 1961, a bandeira da democracia e da legalidade
estava nas mãos dos trabalhistas e das esquerdas. Não se tratava de lutar por
reformas, mas, sim, de garantir os preceitos constitucionais. Daí as vitórias que
obtiveram diante das investidas da extrema-direita golpista. Somente na última
crise da República inaugurada em 1946, em março de 1964, o quadro político
seria diverso. Preocupadas em implementar as reformas a qualquer preço, na “lei
ou na marra”, as esquerdas passaram a denunciar o regime democrático,
sobretudo o conservadorismo do Congresso Nacional, como um empecilho para
viabilizar o conjunto de mudanças que exigiam, sobretudo a reforma agrária.
Nesse sentido, a bandeira da legalidade mudou de mãos. Em defesa da
Constituição, da ordem legal e da democracia, os conservadores e a extremadireita conseguiram arregimentar as tropas e mobilizar grandes contingentes
sociais. Diversamente das crises anteriores, as direitas defenderam, pelo menos
em termos retóricos, a ordem democrática. O resultado foi a vitória,
relativamente fácil, nos primeiros dias de abril de 196480.
Para alguns analistas um dos principais motivos que proporcionou a vitória dos
golpistas foi a questão da legalidade. Enquanto que nas outras crises políticas que o país
se envolveu não se chocou com a hierarquia militar e não visou ferir as Instituições
79
BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil (1961 – 1964). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978, p. 180.
80
FERREIRA, op. cit, p. 338-339.
45
democráticas, boa parte das Forças Armadas se posicionou a favor da ordem legal.
Porém, as divergências em 1964 eram diferentes.
A partir do momento que o presidente resolveu impor as Reformas sem o apoio do
Congresso Nacional, na “lei ou na marra”, Jango fez com que a unidade, tão distante dos
militares, se fizesse presente, trazendo mais adesões à causa golpista.
O conceito moderno de Segurança Nacional ocorreu após a Segunda Guerra, portanto
esta ideia já fazia parte da mentalidade dos militares brasileiros, que viam a necessidade
de se “formar uma mentalidade que sobrepunha a tudo os interesses da pátria”. Segundo
o general Góes Monteiro o objetivo principal era disciplinar o povo conforme os
princípios da organização militar.
A ditadura soberana se caracteriza não somente pela usurpação do poder
(golpe militar), mas também pela concentração em suas mãos de todos os
poderes e funções do Estado (a manutenção do regime). Ela supõe,
evidentemente, uma forma extremamente autoritária do exercício do poder.
Nesse sentido, o autoritarismo da Doutrina de Segurança Nacional integra entre
seus elementos característicos os aparelhos de segurança e informações81.
Nos anos 1960 já havia nas Escolas de Comando de Estado-Maior a ideia de luta antisubversiva, sendo assim, para os militares o golpe de 1964 foi um contragolpe contra uma
tentativa de golpe protagonizada pelos comunistas e trabalhistas, sob a liderança de João
Goulart.
O jornal A Crítica estampava o depoimento do Marechal Taurino que ressaltava em
manchete do periódico “No Brasil não Há Comunismo, mas Sim Falta de Caráter e de
Vergonha” 82.
81
82
BORGES, op. cit, p. 27.
A Crítica, Manaus, 30 de Junho de 1964.
46
Depois de afirmar que “não há comunismo no Brasil, mas falta de caráter e
de vergonha” o Presidente da CGI advertiu que a revolução será frustrada, “se os
corruptos e negocistas que a estas horas zombam de nós, não forem para a
cadeia” 83.
A Doutrina de Segurança Nacional criou um sentimento corporativista dentro das
Forças Armadas, no qual os militares eram uma espécie de salvadores da pátria, tanto
que, para se isentarem dos excessos do período, os golpistas afirmavam que o país foi
tomado por diversos grupos e não pelas Forças Armadas unilateralmente.
Dentro do espectro ideológico dos militares brasileiros, a Doutrina de
Segurança Nacional serviu para abolir dois dos princípios fundamentais do
regime democrático liberal: a subordinação dos militares ao poder civil e a nãointervenção no processo político. Ora, a Doutrina propõe uma mudança radical
no papel da profissão militar, em que defesa externa implica a defesa interna,
isto é, o velho profissionalismo da segurança interna e do desenvolvimento
nacional. Este profissionalismo, como foi praticado no Brasil durante o regime
militar pós-64, exige dos seus adeptos, de maneira inelutável, esta mudança de
característica que define a personalidade autoritária e que supõe uma tendência
intrínseca a aceitar a ideologia antidemocrática. No entender dos militares
brasileiros, a partir do momento em que as decisões de política interna foram
subordinadas à questão de segurança nacional, a prática política se converteu em
uma coisa muito séria para ser deixada nas mãos dos civis. De acordo com os
postulados da Doutrina, para o exercício da política, os militares devem ser
conduzidos a adquirir conhecimentos sobre matéria de segurança interna e
descobrir todos os aspectos da vida social, econômica e política84.
A Escola Superior de Guerra foi criada para ser um órgão defensor do livre comércio e
bastião do anticomunismo. Tinha o objetivo de fornecer, para o Estado, mecanismos a
fim de combaterem o inimigo externo e interno. O instrumento servia para angariar
informações que ajudassem os aparelhos repressivos na luta contra seus opositores.
83
84
A Crítica, Manaus, 30 de Junho de 1964.
BORGES, op. cit, p. 33-34.
47
2. O Poder dos Periódicos Durante o Golpe
A imprensa se posicionava frente às crises políticas na qual o país estava envolvido. O
Jornal do Commercio publicava “Pedido de Impeachment de JG Marcará a Abertura da
Câmara” 85. Outras atitudes demonstravam a posição do periódico frente aos fatos. Veja
o conteúdo da matéria abaixo intitulada “Comício pela Democracia com Velas e Orações
em Minas Gerais” 86.
85
86
Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964.
Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964.
48
Vinte e quatro horas antes da realização do comício na Guanabara o povo de
Manchester concentrou-se no parque Ralfelo, reafirmando o seu propósito de
luta em defesa da democracia e em repúdio ao comunismo, ou qualquer regime
em exceção. Tochas e velas levadas pela população formaram um quadro
diferente e muita gente chorou emocionada, surpreendida com tanta
demonstração de cristianismo e de democracia [...] A poetiza Geralda Pereira
Armon Marques defendeu a integridade dos lares e dos laços de família
ameaçados pelo Comunismo que ronda o país. Em nome das classes produtoras
falou o sr. Francisco Malateta, que acentuou que ninguém é contra a evolução
social, desde que seja ela pautada pelos princípios cristãos e democráticos [...]87
Perceba a incessante intenção do periódico em classificar os articuladores do golpe de
democratas, associando-os aos preceitos da religião cristã e os oposicionistas são
considerados comunistas antidemocráticos.
Os ataques de golpistas através da imprensa eram freqüentes, propiciando uma visão
interessante àquele grupo, já que os periódicos, demonstrando poder, influenciavam
diversas opiniões, pois conforme Marialva Barbosa “os jornais cumprem a ‘missão’ não
apenas de disseminar ideias, mas ao transportar o relato da narrativa para o nível do real,
são responsáveis pela criação de uma outra realidade” 88.
Aliando o sensacional ao entretenimento e colocando-se como mediadores,
os diários lançam as estratégias fundamentais para a conquista do público.
Participando desse jogo, aliam-se, cada vez mais, aos grupos dominantes,
referendando o seu papel e conquistando benesses, ao mesmo tempo em que
aumentam a sua participação no próprio jogo do poder89.
Para a autora os jornais se auto-constroem como legitimadores do poder, onde serão
os grandes aliados da construção dessa estrutura, pois priorizam um conteúdo e relegam
outros ao esquecimento. Esses periódicos estão construindo memórias de uma sociedade
sob determinada ótica. Essa função de intermediários dos leitores com o poder público dá
a esses veículos popularidade e poder, onde, geralmente são procurados pela elite
dirigente para agirem conforme seus interesses.
87
Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964.
BARBOSA, op. cit, p. 116.
89
Ibidem, p. 148.
88
49
No entanto esta conivência não era gratuita. Já no governo Prudente de Morais a troca
de favores com os periódicos era intensa. Havia distribuição de verbas a jornais de
confiança do presidente. A Gazeta de Notícias recebia mil réis por matéria
encomendada90.
João Lage, de O Paiz, afirmou que a subvenção é uma atividade própria do
jornalismo. Entre 1903 e 1905, o empresário obtém, do Banco da República, empréstimos
no valor de 1250 contos. Em 1911, o Jornal do Brasil conseguiu empréstimos junto ao
Banco do Brasil. Campos Sales afirmou que distribuiu, no período, um milhão de contos
de réis à grande imprensa carioca91.
De acordo com Alberto Dines, “a imprensa está praticamente fechada, amarrada em
acordos visíveis ou invisíveis, que dão à imprensa essa uniformidade em uníssono”
92
.
Conforme o jornalista, os veículos de comunicações no Brasil sempre estiveram
vinculados ao poder e aos benefícios que ele proporciona. Daí o problema de sua
dependência.
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso a aliança do governo com a grande
imprensa também foi denunciada por estudiosos93, que relata os benefícios recebidos
pelas emissoras de televisão.
Percebe-se que o caminho de poder e imprensa se entrecruzam. Para Francisco Falcon
história e poder são como irmãos gêmeos, no qual um não vive sem a presença do outro.
O poder manifestado nos veículos de comunicações é um poder persuasivo, onde o
90
Ibidem.
Ibidem. Atentar, principalmente, para o capítulo Imprensa e Poder.
92
DINES, Alberto. Imprensa e Poder Militar. In: PEREIRA, Moacir. A Imprensa em Debate. Florianópolis:
Lunardelli, 1981, p. 14.
93
LESBAUPIN, Ivo (Org). O Desmonte da Nação: Balanço do Governo FHC. Petrópolis: Vozes, 1999.
Atentar, principalmente, para o artigo A Mídia de FHC e o Fim da Razão, na qual Bernardo Kucinski expõe
as estratégias do governo para transformar a imprensa num veículo unilateral a seu serviço.
91
50
convencimento se mostra mais eficaz que a violência. Durante as articulações para o
golpe de 1964, o convencimento para tal ato estava presente em muitos periódicos, porém
junto à persuasão veio a violência.
Conforme Foucault, a dominação capitalista não conseguiria tanto êxito se fosse
apenas baseada na repressão94. Nelson Werneck Sodré, em análise semelhante, afirmou
que um grande jornal, hoje, é uma empresa capitalista de grandes proporções. “A
dominação se exerce dispensando o uso de força militar, e sim pelo uso da propaganda e
do convencimento [...] Quem controla a imprensa e os meios de massa não precisa mais
de golpes militares” 95.
O filósofo francês, precursor nesta análise referente às relações de poder, transformou
o assunto em unanimidade. Hoje, é praticamente inexistente a negação das relações de
poder nas diversas esferas da sociedade.
[...] enquanto a Nova História Política do século XIX mostrava uma
preocupação praticamente exclusiva com a política dos grandes Estados
(conduzida ou interferida pelos “grandes homens”), já a Nova História Política
que começa a se consolidar a partir dos anos 1980 passa a se interessar também
pelo “poder” nas suas outras modalidades (que incluem também os
micropoderes presentes na vida cotidiana, o uso político dos sistemas de
representações, e assim por diante) 96.
René Rémond trabalha a retomada da história política na literatura historiográfica97.
Indica os erros cometidos por esse campo, que antes era vinculado ao “interesse pelas
minorias privilegiadas” e desinteresse pelas massas. Para o autor esses historiadores,
94
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4º ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 12-13.
96
BARROS, op. cit, p. 107.
97
RÉMOND, René (Org). Por uma História Política. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas,
1996.
95
51
influenciados pelo “Antigo Regime”, preocupavam-se apenas com a macro história. Eram
retardatários, pois demoraram a revolucionar esse campo historiográfico.
Ao persistir em atribuir aos protagonistas, tão bem chamados de figuras de
proa, um papel que acreditavam determinantes, os paladinos da história política
tardaram em fazer sua revolução: perpetuaram os reflexos adquiridos no Antigo
Regime. Uma história elitista, aristocrática, condenada pelo ímpeto das massas e
o advento da democracia98.
Para Rémond o estudo único e exclusivo do Estado é limitador, já que ele não é
independente e nem imparcial. Limitar-se ao estudo das relações de poder dentro dos
governos é “deter-se na aparência das coisas”. Portanto, de acordo com o francês, “as
decisões dos governos são apenas a expressão da relação de forças” 99.
Pierre Rosanvallon100 procura construir a noção de uma história política,
estabelecendo diferenças entre a história conceitual tradicional e a história das ideias. De
acordo com o estudioso a decadência da história política tradicional foi acompanhada
pelo desenvolvimento da história das mentalidades políticas e da sociologia política.
No entanto, o historiador acrescenta que a história das ideias é marcada por fraquezas
metodológicas, como a tentação ao dicionário, onde o autor analisa várias obras que as
classificam como manuais de doutrinas políticas. São livros que não precisam ser lidos,
apenas consultados para pequenas contribuições.
A história política depois de ser hegemônica durante o século XIX, passa a ser
questionada, principalmente pelos Annales, que visavam uma abordagem mais ampla, no
qual o econômico e o social ocupavam lugar de destaque. O curioso é que a história
98
Ibidem, p. 18.
Ibidem, p. 20.
100
ROSANVALLON, Pierre. Por uma História Conceitual do Político. In: Revista Brasileira de História,
São Paulo, v 15, n˚ 30, 1995.
99
52
política, tão criticada, quando ressurge, reaparece com novas metodologias semelhantes a
dos franceses, especialmente no que diz respeito ao diálogo com outras disciplinas.
A nova história política, segundo Rémond, preenche todos os requisitos
necessários para ser reabilitada. Ao se ocupar do estudo da participação na vida
política e dos processos eleitorais, integra todos os atores, mesmo os mais
modestos, no jogo político, perdendo assim seu caráter elitista e individualista e
elegendo as massas como seu objeto central. Seu interesse não está voltado para
a curta duração, mas para uma pluralidade de ritmos que combina o instantâneo
e o extremamente lento. Para Rémond, há um conjunto de fatos que se sucedem
em um ritmo rápido e aos quais correspondem datas precisas, mas outros fatos
se inscrevem em uma duração mais longa – é a história das formações políticas e
das ideologias, em que o estudo da cultura política ocupa um lugar importante
para a reflexão e explicação dos fenômenos políticos, permitindo detectar as
continuidades no tempo de longa duração. Finalmente, segundo o autor, a
história também pode dispor de grandes massas documentais passíveis de
quantificação, tais como dados eleitorais e partidários, para citar os mais
expressivos101.
Ciro Flamarion102 distingue vários tipos de história política. Em primeiro lugar, a
história política como história narrativa, que se assemelha à tradicional; em seguida, a
história política como um sistema explicativo, no qual o cenário político é o principal
campo de ação dos atores sociais; depois a história política vista como uma sociologia
histórica do poder, sendo bastante influenciada pela Sociologia e pela Ciência Política; e
por último, a história política na longa duração, que se trata de uma associação à Cultura
Política. Para o pesquisador a cultura faz a diferença diante de estruturas sociais e
econômicas comparáveis.
Ângela de Castro103 se aproxima daquilo que queremos retratar neste trabalho ao
trabalhar a questão da Cultura Política. Para a pesquisadora essas revisões
101
FERREIRA, Marieta de Moraes. A Nova “Velha História”: O Retorno da História Política. In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v 5, n˚ 10, 1992.
102
CARDOSO, Ciro Flamarion. História do Poder, História Política. In: Estudos Íbero-Americanos.
PUCRS, v 23, n˚ 1, jun-1997.
103
GOMES, Ângela de Castro. História, Historiografia e Cultura Política no Brasil: Algumas Reflexões. In:
SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (Orgs). Culturas
Políticas: Ensaios de História Cultural, História Política e Ensino de História. Rio de Janeiro: Mauad, 2005.
53
historiográficas, já citadas dentro deste campo, sofreram muitas resistências, já que
interpretações consolidadas há muito tempo são contestadas e reavaliadas. Ao contrário
do que aconteceu na Ciência Política, nos anos 1990 a história passou a se aproximar do
conceito de cultura política. A partir daí, a historiografia se apropriou de certas questões
antes trabalhadas pelos cientistas políticos.
Nesse sentido, o que se estava recusando eram explicações que se construíam
fundamentadas em variáveis “externas” aos próprios processos históricos, isto é,
que recorriam a fatores definidos a priori e de “fora” dos casos que estavam
sendo estudados104.
Esta visão serve para conter aquelas explicações simplistas que indicam que o golpe
civil-militar de 1964 no Brasil é fruto da ação externa dos Estados Unidos. Moniz
Bandeira105, apesar de elucidar muitas questões referentes às nuances políticas que
ocorriam no país naquele período, concede grande ênfase à atuação norte-americana no
acontecimento.
A importância da Cultura Política é que possibilita analisar comportamentos políticos
segundo suas vivências, conforme suas orientações culturais. De acordo com Ângela de
Castro as relações de poder extrapolam o âmbito institucional do Estado, pois as relações
de poder são inerentes às relações sociais.
De uma maneira muito esquemática, pode-se dizer que as culturas políticas
têm formas pelas quais se manifestam e se evidenciam mais frequentemente: um
projeto de sociedade, de Estado ou uma leitura compartilhada de um passado
comum, por exemplo. Têm igualmente algumas instituições-chave – como
família, partidos, sindicatos, igrejas, escolas etc. - , fundamentais para sua
transmissão e recepção. Por outro lado, culturas políticas exercem papel
104
105
Ibidem, p. 24.
BANDEIRA, op. cit.
54
fundamental na legitimação de regimes, sendo seus usos extremamente
eficientes106.
Francisco Falcon também salienta essa mudança de atitude dos historiadores políticos
que ocorre por volta da década de 1970, pois antes a historiografia política estava
vinculada à memória de filósofos e grandes estadistas. O autor destaca a divergência
entre pesquisadores deste campo e os Annales.
Se a noção de declínio da história política remete basicamente à
historiografia dos Annales do pós-guerra, convém então tentar perceber-lhe os
traços mais incisivos. A Escola dos Anais, no que toca à questão do político, foi
palco de tendências tão diversas como o marxismo, o estruturalismo, o
quantitativismo e, mais recentemente, o weberianismo. Do marxismo os Annales
incorporaram alguns termos e conceitos gerais, mas se viram em dificuldades
cada vez maiores, sobretudo na “era braudeliana”, para justificar uma produção
histórica hostil ou, no mínimo, omissa em relação ao político – a começar pelo
conceito de luta de classes. Decorreu certamente desse problema a posição algo
marginal ou excêntrica (em relação aos Annales) de historiadores como Vilar,
Soboul e Vovelle, entre outros107.
A partir das influências foucaultianas, a história política deixa de se preocupar apenas
com a organização e relações de poder no Estado, para analisar também as relações
políticas entre grupos sociais diversos. São essas relações presentes na imprensa, cujos
interesses se voltam para analisar uma classe dominante.
É interessante notar que a análise política do discurso tal como é proposta
por Foucault sugere que o historiador deva buscar a percepção das relações de
poder nos lugares menos previsíveis, menos formalizados, menos anunciados.
Este método genealógico, que busca o poder em todos os pontos da sociedade e
não mais nos lugares congelados pelo aparato estatal, vai ao encontro, também,
das abordagens que exigirão do historiador que este desenvolva uma
meticulosidade, que passe a cultivar os detalhes, o acidental, aquilo que
aparentemente é insignificante mas que pode, precisamente, compor com outros
elementos a chave para a compreensão das relações sociais examinadas108.
106
GOMES, op. cit, p. 32.
FALCON, op. cit, p. 70.
108
BARROS, op. cit, p. 142.
107
55
Conforme Foucault não existe uma teoria geral do poder. Tal poder não é algo que
tenha natureza ou essência com características universais. O poder não é global e
unitário, e sim uma prática social em constante transformação.
Esse poder é caracterizado como micro-poder, pois apesar de não ser o poder estatal,
penetra na vida cotidiana do indivíduo, intervindo diretamente e materialmente. O autor
não considera o poder uma mercadoria, rejeitando assim o modelo econômico, pois para
ele é uma relação de força, onde não há uma disputa que se ganha e se perde, mas uma
relação de dominadores e dominados.
O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, de quem
tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçar para pervertê-las,
utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as tinham imposto; de quem,
se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de tal modo que os
dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras109.
Capelato indicou Foucault como um dos que revolucionou a análise do documentojornal como fonte de pesquisa, pois transformou este veículo numa importante fonte para
os pesquisadores.
Com Michel Foucault a reflexão sobre o documento intensificou-se.
Questioná-lo é o problema fundamental da história, afirma o autor. O
documento é resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da
sociedade que o produziu e também das épocas sucessivas durante as quais
continuou a viver esquecido ou manipulado. Esse produto resulta de relações de
forças conflitantes e do empenho de seus produtores para impor ao futuro –
voluntária ou involuntariamente – determinada imagem da sociedade110.
As relações de poder entre imprensa e governos estabelecidos no Brasil já vem de
longa data, principalmente após a segunda metade do século XX, onde a imprensa
109
110
FOUCAULT, op. cit, p. 25-26.
CAPELATO, op. cit, p. 24.
56
brasileira ganha contornos de empresa capitalista. Com relação ao período pesquisado,
Nelson Werneck Sodré o caracteriza da seguinte forma.
[...] o jornal será, daí por diante, empresa capitalista, de maior ou menor porte. O
jornal como empreendimento individual, como aventura isolada, desaparece nas
grandes cidades. [...] Uma das conseqüências imediatas dessa transição é a
redução no número de periódicos111.
A imprensa e seus representantes tiveram participação efetiva no golpe civil-militar de
1964. Ruy Mesquita (O Estado de São Paulo) afirmou que o objetivo era conter o perigo
comunista. Relatou que no período havia reuniões periódicas para organizar a preparação
para o golpe. Grupos civis, entre eles empresários e militares agrupavam-se e defendiam
a derrubada do governo. A Crítica publicava um manifesto inglês em fevereiro de 1961
expondo sua opinião sobre o comunismo.
O conde de Dundonald, descendente do famoso lord Thomas Cochrane,
pronunciou na Câmara dos Lordes um importante discurso a nove de fevereiro
último sobre a América Latina. Falando no debate sobre relações exteriores,
especialmente sobre a infiltração comunista, lord Dundonald frisou que com
freqüência, particularmente desde a última guerra, quando se concentra a
atenção sobre uma determinada zona, os comunistas inesperadamente fazem seu
aparecimento em outra. Citou alguns exemplos:
“Quando na Grã-Bretanha estávamos preocupados com a situação da Grécia,
em 1946, a cena mudou rapidamente e desencadeou-se a luta entre a França e as
forças vietnamitas que atacavam Hanói. Quando nos preocupava o estado de
emergência em Malaca, os russos passaram cautelosamente para o problema de
Berlim. E mais recentemente, quando nossa atenção estava convergindo para os
numerosos problemas do Extremo-Oriente. Cuba saltou para o primeiro plano”.
“Por esse motivo quero falar da América Latina. É um grande equívoco
pensar que se pode tratar de um Continente como unidade. As diferenças entre
os países europeus e os latino-americanos são igualmente grandes” 112.
Existia um grande desprezo pela imprensa, principalmente devido a dois fatores.
Primeiro, a imprensa era considerada um recipiente de informações, onde, o pesquisador
111
112
SODRÉ, op. cit, p. 275.
A Crítica, Manaus, 24 de Fevereiro de 1961.
57
as usava sem uma análise minuciosa. Depois, a imprensa era vista como uma instância
das classes dominantes, na qual interesses diversos sempre estariam presentes, daí o
desinteresse pelo órgão. Apesar disso, o interesse por esse veículo foi crescendo e hoje é
um instrumento com farta fonte documental.
3. A Chegada de Arthur Reis ao Governo
Para Marialva Barbosa um documento ao ser utilizado com finalidades que visam o
poder se torna um monumento da memória, pois é produto da sociedade que o produziu,
atendendo a interesses específicos conforme as forças políticas que possui tal poder113.
A Revolução faz ressurgir um Brasil mais autêntico e liberto114, enfatizava Plínio
Coelho no Amazonas, ao se pronunciar sobre o golpe. “Exército consolida a revolução
democrática”, exaltava o mesmo jornal115.
113
BARBOSA, op. cit.
Jornal do Commercio, Manaus, 10 de Abril de 1964.
115
Jornal do Commercio, 03 de Abril de 1964.
114
58
No flagrante apanhado em Copacabana, soldados do primeiro exército se
postam no telhado de um estabelecimento com suas metralhadoras prontas para
ação. Felizmente, com a vitória da revolução democrática, não foi necessário
fazer uso das armas. Fuzileiros Navais implantaram, desde as primeiras notícias
da revolução em Minas, ninhos de metralhadoras junto à igreja do Largo do
Machado, para o bloqueio da zona do Palácio onde se localizava o ex-presidente
JG116.
Nota-se que o jornal usava, insistentemente, o termo revolução, a fim de caracterizar o
ato anticonstitucional como democrático, assim como demonstrar para o leitor que aquele
episódio era inevitável para a construção de um país livre e democrático.
Em manchete A Crítica expõe seu posicionamento com relação à administração no
Estado do Amazonas, afirmando que o governo de Plínio é corrupto, assim como o seu
governador segue a orientações comunistas. Veja a reportagem na íntegra.
Tudo começou quando Plínio elegeu Mestrinho. Este, por sua vez, tratou de
reeleger seu sócio e benfeitor, constituindo a “tabelinha” da corrupção no maior
Estado do País.
Uma fortuna fabulosa feita em 10 anos – Plínio se elegeu, depois botou
Mestrinho em seu lugar, substituiu-o e já preparava outra vez a eleição do sócio
contrabandista – AMAZONAS: Estado infeliz governado por uma quadrilha –
Principal atividade de Plínio e Mestrinho: contrabando (até cocaína) e
superfaturamento – Punir Mestrinho e deixar Plínio intocado é uma das grandes
injustiças desta Revolução117.
Percebe-se o modo hostil com que o jornal encarava aqueles políticos que não
participaram do movimento golpista ou que mudaram de opinião, classificando-os como
contrabandistas de cocaína e líderes de uma quadrilha responsáveis pela corrupção no
Estado, ressaltando que o periódico considerava o movimento um ato revolucionário.
Prossegue a reportagem fazendo um mapeamento dos envolvidos na “quadrilha”.
Moacir Bessa era fiscal de rendas, considerado comunista, capanga de Mestrinho e
Plínio, além de ser sócio dos dois políticos no contrabando de armas no rio Solimões.
116
117
Jornal do Commercio, 03 de Abril de 1964.
“Retrato do Governo Corrupto de Plínio Coelho”. A Crítica, Manaus, 17 de Junho de 1964.
59
Miranda Braga era um testa-de-ferro de Plínio e comunista, em um ano deixou de ser um
homem pobre para se transformar num rico empresário, ressaltava o jornal. E por fim,
Aldévio Praia, que era diretor do Departamento de Propaganda, além de ser testa-de-ferro
de várias empresas que forneciam gêneros alimentícios e remédios para o Estado118.
Persistentemente o jornal procurava denegrir a imagem de seus opositores chamandoos até de contrabandistas. Não discutiremos a veracidade das informações no que se
referem às suas negociatas políticas, porém é interessante perceber que, naquele período,
comunista era sinônimo de terrorista e desordeiro, daí a necessidade de classificar seu
inimigo como tal, mesmo se não o fosse, a fim de manchar o seu caráter.
Ao se referir ao novo governador do Amazonas tutelado pela ditadura, a imprensa
local tratou de ovacioná-lo. A Crítica estampava a seguinte manchete “Arthur César
Ferreira Reis Será o Novo Chefe do Poder Executivo”
119
, no qual prosseguia a matéria
cheia de adjetivos agradáveis. “O prof. Arthur César Ferreira Reis é renomado
sociólogo e profundo conhecedor dos problemas sócio-econômicos da Amazônia. Suas
atividades culturais ultrapassam as fronteiras brasileiras dando-lhe projeção
internacional” 120.
Arthur Reis, apesar de ser manauara, foi formado em Direito pela Universidade do
Brasil, antiga Universidade do Rio de Janeiro. Foi redator-chefe do Jornal do
Commercio, professor do Colégio Estadual do Amazonas, Colégio Salesiano e Sólon de
Lucena lecionando História do Brasil e Sociologia. Ocupou o cargo de Superintendente
118
A Crítica, Manaus, 17 de Junho de 1964.
A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964.
120
A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964.
119
60
da Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA) e diretor do
INPA121.
Os veículos de comunicações possuíam tal poder, pois divulgavam suas notícias
conforme os interesses dos golpistas. “Arthur Chegou e com Ele Novos Horizontes para
o Amazonas” 122, exaltava o Jornal A Crítica, ao se referir ao governador indicado pelos
militares. Seguindo a mesma linha o Jornal do Commercio publicava “Com a Posse de
Arthur Reis Integra-se o Amazonas no Espírito da Revolução” 123.
O governador nomeado Arthur Reis foi recebido no Aeroporto Ponta Pelada pelas
mais altas autoridades do Estado. Afirmou que chegou para agir de acordo com os
objetivos da “revolução”. Salientou ainda que “economia, finanças, saúde e educação”
eram os pilares da administração. Sobre o secretariado, estabeleceu que fosse todo
reformulado, pois o país passava por um processo revolucionário.
O governador escolhido pelos militares nomeava seus primeiros auxiliares. José
Lindoso na Educação, Newton Vieiralves nas Finanças, Alberto Rocha na Justiça,
Theomário Pinto da Costa na Saúde, Paulo Nery na Polícia Civil e Aderson Dutra na
presidência do Banco do Estado eram os principais.
Os dois periódicos tratavam o golpe como revolução, assim como boa parte das
Forças Armadas, além de elevarem os feitos dos ditadores. O Jornal do Commercio
prosseguia sua reportagem elogiando o caráter de Arthur Reis, pois o novo governante
varreria a corrupção, enumerando suas principais metas “Lisura com os Dinheiros
121
“Vida e Obra de Arthur Reis”. No Jornal do Commercio foi redator-chefe entre 1928 e 1938,
superintendente do SPVEA entre 1953 e 1955, diretor do INPA entre 1956 e 1958. Foi professor também
de Economia e Direito Internacional Público na Faculdade de Direito do Amazonas. A Crítica, Manaus, 17
de Junho de 1964.
122
A Crítica, Manaus, 27 de Junho de 1964.
123
Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Junho de 1964.
61
Públicos, Municipalismo Sem Falsas Unidades, Saúde e Educação: Ponto de Honra,
Servir a Coletividade Sem Engodo, Governo de Labor Sem Promessas” 124.
O Jornal do Commercio continuava com suas críticas a Plínio Coelho, antecessor de
Arthur Reis. Perceba a manchete “Ataques Rebatidos com Perdão de uns e Afirmativa de
que Revolução Livrou-nos de mais um Corrupto”
125
, na qual tratava o golpe como um
ato revolucionário e seus opositores como corruptos, com isso o periódico divulgava sua
visão dos fatos.
Novas denúncias contra o ex-governador apareciam nas páginas dos jornais. A Crítica
publicava “Vandalismo: Último Ato do Ex-Governador”
126
, que retratava, de acordo
com o periódico, a situação de descaso que se encontrava o Palácio Rio Negro após a
saída de Plínio Coelho.
Conforme a reportagem, o então governador do Estado percorreu as dependências do
Palácio Rio Negro, onde junto a membros da imprensa se deparou com uma situação de
completo abandono àquele prédio público. Arthur Reis discursou afirmando que Plínio
Coelho e seus aliados eram inimigos da população, por deixarem o local em situação
deplorável. Poltronas rasgadas, sujeira e banheiros sem condições de uso foram algumas
das “irresponsabilidades” cometidas pelo ex-governador.
Nota-se o caráter impactante das notícias e o poder que a imprensa possuía e possui
para a construção da memória coletiva de uma dada sociedade. Conforme Gérard Lebrun
“a força não significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas de
meios que permitam influir no comportamento de outra pessoa” 127.
124
Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Junho de 1964.
Jornal do Commercio, Manaus, 16 de Junho de 1964.
126
A Crítica, Manaus, 30 de Junho de 1964.
127
LEBRUN, Gérard. O que é Poder. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 11-12.
125
62
É ai que reside a força da imprensa, onde, para Sodré, antes era inevitável o uso das
Forças Armadas para a manutenção do status quo da sociedade vigente, hoje essa força é
dispensada, pois o uso da propaganda e do convencimento são mais eficazes, deixando a
instituição em disponibilidade128.
Já no século XIX, Gilberto Freyre estudava diversos anúncios de jornais para
compreender certos aspectos da sociedade. Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado,
no livro O Bravo Matutino (1980), analisava O Estado de São Paulo como um veículo de
comunicação alvo de intensos jogos de interesses129.
Na década de 1970, Vavy Pacheco Borges investigou as relações entre Getúlio Vargas
e a oligarquia paulista através dos jornais O Estado de São Paulo, Correio Paulistano e
Diário Nacional. Entre as décadas de 1970 e 1990, a história do movimento operário
encontrava grande espaço no âmbito acadêmico, no qual a imprensa lhe proporcionava
importante fonte documental130.
A face mais evidente do processo de alargamento do campo de
preocupação dos historiadores foi a renovação temática, imediatamente
perceptível pelo título das pesquisas, que incluíam o inconsciente, o mito, as
mentalidades, as práticas culinárias, o corpo, as festas, os filmes, os jovens e
as crianças, as mulheres, aspectos do cotidiano, enfim, uma miríade de
questões antes ausentes do território da História131.
Os jornais pesquisados possuíam um alvo, um receptor, com o objetivo de educá-los e
persuadi-los com a ideia de que aquela situação era inevitável, pois estavam lutando
contra o inimigo terrorista.
128
SODRÉ, op. cit.
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos Periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi
(Org). Fontes Históricas. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006.
130
Ibidem.
131
Ibidem, p. 113.
129
63
As crises existentes no país até 1964, com intensa participação militar, tinham em
comum o respeito à Constituição, fato que não ocorreu durante o golpe. Para muitos
estudiosos, o principal empecilho dos golpistas era a falta de união dentro das Forças
Armadas132 e o essencial para sua união foi a aproximação do presidente com os
comunistas.
4. Resistência e Opressão
Apesar de toda estrutura organizada pelos militares com o intuito de cooptar inimigos
políticos ou frear suas ações, movimentos de resistência eram apreciados em diversos
segmentos da sociedade. Uma boa parte da intelectualidade, incluindo professores,
músicos, artistas e cineastas participaram deste processo.
132
FILHO, op. cit.
64
Na área teatral, o Teatro Paulista do Estudante (TPE), o Teatro do Sesc – Am, os
Centros Populares de Cultura (CPC), o Teatro Opinião, o Teatro de Arena, o Teatro
Oficina, dentre outros revolucionaram a arte dramática brasileira trazendo para o palco
discussões pouco refletidas pela ditadura.
No TPE atuavam Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), Vera Gertel,
Gianfrancesco Guarnieri, entre outros [...] O que no início parecia ser apenas
uma tarefa política logo se tornou uma paixão pela arte do teatro, que levaria os
integrantes do TPE, a partir de 1956, a associar-se a um teatro até então pouco
destacado, o Arena, que funcionava desde 1953, tendo como responsável o
diretor José Renato. Essa associação gerou uma renovação da dramaturgia
nacional, especialmente a partir de fevereiro de 1958, com a estréia da peça de
Gianfrancesco Guarnieri Eles Não Usam Black-Tie, pioneira em colocar no
palco o cotidiano de trabalhadores, buscando um teatro participante e
autenticamente brasileiro133.
Além das discussões políticas, especialmente sobre a reforma agrária e as péssimas
condições de vida dos trabalhadores, esse novo teatro serviu para se criar um sentimento
nacionalista na arte. As exportações de peças estrangeiras diminuíram e os trabalhadores
nativos lotavam os palcos teatrais.
Eles Não Usam Black-Tie, escrito por Gianfrancesco Guarnieri, era dirigido por Zé
Renato e no seu elenco atuavam Flávio Migliaccio, Nelson Xavier, Milton Gonçalves,
além de Guarnieri. “Foi a primeira peça teatral a abordar o tema da vida dos operários em
greve e trabalhar a linguagem da maneira mais coloquial possível. O teatro Arena passa
então a assinalar os problemas socioeconômicos do país”134.
Guarnieri revelava sua opinião com relação ao governo João Goulart.
133
RIDENTI, Marcelo. Cultura Política: Os Anos 1960-1970 e sua Herança. In: FERREIRA; DELGADO,
op. cit, p. 138.
134
Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, Março de 2004, n ͦ 19, p. 30.
65
Confiávamos na luta democrática e reconhecíamos na cultura uma forma
superior de atuação política. Pensávamos fazer parte de corredeiras democráticas
e populares, as quais, acreditávamos, nenhum obstáculo impediria de chegar ao
mar [...] As minhas expectativas em relação ao governo Jango eram pessimistas.
Reconhecia sua precária base política, tanto no âmbito das elites quanto no dos
movimentos populares, além da preocupação quanto à forte presença política
dos militares retrógrados que nutriam antigas hostilidades à figura de Jango. Não
acreditei nunca em compromisso de Jango com os interesses populares [...]135
Além dos teatrólogos, outra importante vertente cultural que não se calou frente às
arbitrariedades dos militares foram os músicos. Caetano Veloso, Chico Buarque, Geraldo
Vandré, Raul Seixas, apenas para citar alguns, são exemplos de artistas que foram
banidos do país.
Entretanto nem só de protestos viveu a música brasileira nesta época. A Jovem
Guarda, composta por Vanderléia, Erasmo Carlos e Roberto Carlos serviu para anestesiar
a população, afastando-as das discussões políticas referentes ao país. Essa indústria
musical objetivava vender a imagem do capitalismo como sistema econômico vitorioso,
exaltando o consumo e os bens materiais.
Distante da canção de protestos, da contestação e do debate que envolviam a
esquerda cultural, o iê-iê-iê, por um lado falava do amor, do beijo e do desejo
sexual, sem contudo contestar os valores estabelecidos. Por outro lado,
expressava o desejo de ascensão social cujo símbolo era o automóvel (O
Calhambeque) e o elogio ingênuo da sociedade de consumo136.
As artes cinematográficas brasileiras eram representadas pelo Cinema Novo.
Politizado e engajado, o estilo ganhava destaque nas televisões do país, em oposição às
pornochanchadas, que não traziam discussões políticas, pois se preocupavam apenas em
divertir o público, abusando das cenas de sexo. Em Manaus o cinema apareceu em 1962,
onde foi criado o Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC).
135
136
Ibidem, p. 31.
PAES, op. cit, p. 78.
66
Naquela época Joaquim Marinho enfrentou os “meganhas” para realizar o I
Festival Norte de Cinema. A censura aos longas-metragens, segundo Marinho,
provocou episódios hilários e inesquecíveis. “A maioria dos filmes passou no
resto do país com cortes, menos em Manaus. Eles chegavam aqui sem cortes e o
censor, um dia, procurou-me pedindo conselhos de como fazer para censurar
uma cena de nudez da Dina Sfat no “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de
Andrade. Disse a ele para não cortar o filme, mas simplesmente colocar a mão
no projetor na hora da cena. Foi hilário, porque, na hora, ele colocou o dedo no
projetor e a sombra na tela ‘apontou’ para o traseiro da Dina Sfat” 137.
Na década de 1960 a censura estava voltada para certo tipo de produção cultural, pois
objetivava controlar aquele grupo que visava se opor ao Brasil orquestrado pelos
ditadores.
A política de controle da criação artística alastrou-se sobre Manaus
chamuscando as produções dos membros do Clube da Madrugada, visíveis nas
publicações de 1967, que demonstravam certa inquietude acerca do estado de
repressão que estavam vivendo. Em O Muro, Aníbal Beça clama para que se
mudem as cores, o muro cansado cansou-se do verde, é preciso uma cor com
sabor alegre e livre. Isso nos sugere que o verde não correspondia à liberdade
nem à alegria [...] O padre L. Ruas, com sua criação Apocalipse, destaca a figura
dos meteoros, representantes das armas bélicas, como ameaças aos jardins, aos
campos, aos rios, aos homens. Por fim, Versos de Antiga Circunstância, de
Jorge Tufic, clamam por nova aurora138.
Portanto, a opressão se intensificava. O major Freddie Perdigão, torturador declarado,
revelava como funcionava a “máquina de torturar e matar da repressão nos anos da guerra
suja” 139.
[...] Perdigão afirma que as esquerdas teriam optado pela luta armada em 1967,
“fortemente influenciadas pelas reuniões da Organização Latino Americana de
Solidariedade (OLAS), em Cuba” [...] A missão do DOI era “desmontar toda a
estrutura de pessoal e de material destas organizações, bem como impedir a sua
reorganização”. Como norma de segurança, para o trabalho diário, eram
obrigatórios o traje civil, codinome e cabelo grande, como “normalmente é
137
ABRAL, Trícia; GUSMÃO, Dilce. A Arte de Chumbo no Canto Norte. O Estado do Amazonas,
Manaus, 31 de Março de 2004, p. 16.
138
AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: Praça, Café, Colégio e Cinema nos Anos 50 e 60. Manaus:
Editora Valer, 2002, p. 90.
139
OCTÁVIO, Chico. O DOI na Descrição de um Torturador. O Estado do Amazonas, Manaus, 31 de
Março de 2004.
67
usado pela maioria da população, sendo proibido o cabelo com o corte do tipo
militar [...] Perdigão afirma que o terrorismo no Brasil foi praticamente
aniquilado, “fruto principalmente do trabalho anônimo e incansável dos
DOI”140.
A revista Veja foi precursora ao mostrar uma reportagem que divulgava depoimentos
de alguns torturados e torturadores, que relatavam como eram feitas as pressões físicas e
psicológicas para obterem informações e quais as nefastas conseqüências desses atos para
quem as sofreu. Marcelo Paixão de Araújo, um dos líderes nas torturas, relatava.
Eu poderia alegar questões de consciência e não participar. Fiz porque
achava que era necessário. É evidente que eu cumpria ordens. Mas aceitei
ordens. Não quero passar a ideia que era um bitolado. Recebi ordens, mas eu
estava pronto para aceitá-las e cumpri-las. Não pense que eu fui forçado ou
envolvido. Nada disso. Se deixássemos VPR, POLOP (organizações terroristas)
ou o que fosse tomar o poder ou entregá-lo a alguém, quem se aproveitaria disso
seriam os comunistas. Não queríamos que o Brasil virasse o Chile de Salvador
Allende. Nessa época, eu tinha 21 anos, mas não era nenhum menino ingênuo. O
pau comia mesmo. Quem falar que não havia tortura é um idiota141.
Algumas das vítimas de Marcelo o situavam como um dos mais cruéis torturadores.
Pau-de-arara, choques elétricos, queimaduras com cigarros e afogamentos eram apenas
alguns dos métodos usados pelo tenente. “O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro,
porque deixa marcas. Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em
terceiro, é necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal” 142, recordava
o militar.
O engenheiro Leovi Carísio foi uma das vítimas de tortura do ex-tenente. Era militante
do grupo Colina / VAR-Palmares. Ficou mais de três anos preso e sofreu as investidas do
torturador. Ele explicava: “Marcelo me obrigava a deitar de costas numa mesa. Aí, ele
140
Ibidem.
VEJA, São Paulo: Abril, n ͦ 49, ano 31, 09 de Dezembro de 1998, p. 45.
142
Ibidem, p. 46.
141
68
amarrava meus punhos e tornozelos aos pés da mesa e puxava de um lado ao outro até
envergar meu tronco. Era horrível” 143.
O ex-sargento paranaense Antônio Benedito Balbinotti foi mais um dos acusados de
maus tratos por ex-militantes de esquerda. Arrependido, o militar justifica-se pedindo
perdão por algo que só quer esquecer.
Era apenas um soldado de plantão no quartel [...] Se alguém foi preso
naquela época e se sentiu melindrado, eu peço desculpas. Foram erros,
circunstâncias, coisas que aconteceram há trinta anos. Tudo isso aconteceu por
causa da euforia da cidade e da contingência em que eu vivia144.
Entre 1964 e 1979 o Superior Tribunal Militar examinou 707 processos abertos contra
os militantes de esquerda, onde os organizadores do livro Brasil: Nunca Mais
conseguiram as cópias de todos os processos. Veja os examinou, anotando quantas vezes
cada acusado aparecia, chegando a uma lista dos principais torturadores do Regime
Militar. Veja o ranking da tortura145.
Torturadores
Marcelo Paixão de Araújo
Sérgio Paranhos Fleury
Hilton Paulo da Cunha Portela
Pedro Ivo dos Santos Vasconcelos
Ailton Joaquim
Benoni de Arruda Albernaz
Luiz Martins de Miranda Filho
João Câmara Gomes Carneiro
Antônio Benedito Balbinotti
Maurício Lopes Lima
Luiz Timóteo de Lima
Solimar Adilson Aragão
Léo Machado
143
Acusações
22
19
18
17
15
15
14
14
12
12
12
10
10
Ibidem.
Ibidem, p. 51.
145
Lista produzida pela reportagem da revista Veja, que consultou as fontes que foram torturadas entre
1964 e 1979. Nessa listagem poderia haver outros nomes com mais acusações, porém, muitos deles,
usavam codinomes e apelidos em cada seção de tortura, sendo difícil identificá-los. Ibidem, p. 52.
144
69
Mário Borges
João Luiz de Souza Fernandes
Antônio de Pádua Alves Ferreira
Thacir Omar Menezes Sai
Jesú do Nascimento Rocha
Carlos Alberto de Menezzi
9
9
9
9
9
8
5. O Insucesso das Esquerdas
As explicações para entender a fácil e rápida vitória dos golpistas são ainda
inconsistentes. Para Flávia Biroli a imagem de liberdade e democracia era evidente no
governo Kubitschek, já que foi um período que ficou espremido entre as duas ditaduras.
Conforme Lucília de Almeida Neves Delgado havia uma forte capacidade de ação
humana entre os anos de 1945 e 1964, no qual existia um projeto comprometido com o
desenvolvimento social146.
Após o estado de sítio de 1955, a imprensa deveria exercer uma espécie de
colaboração com o governo federal. A censura seria de responsabilidade dos diretores dos
jornais, porém é instituída a “censura prévia”, na qual cada página, antes de ser fechada,
seria encaminhada ao Ministério da Guerra, no entanto semanas depois havia a presença
de um censor nas redações.
O “projeto rolha” ou “lei do arrocho”, como ficou conhecido nos jornais, restringia a
liberdade de imprensa. O objetivo era filtrar as notícias conforme os interesses das
146
BIROLI, Flávia. Liberdade de Imprensa: Margens e Definições para a Democracia Durante o Governo
Juscelino Kubitschek (1956-1960). Revista Brasileira de História, vol. 24, n◦ 47, 2004.
70
instituições estabelecidas, no qual o alvo principal eram os veículos considerados
“subversivos”.
O comunismo era um dos grandes inimigos desses veículos de comunicações. As
ações dos revolucionários cubanos eram intensamente denegridas pela imprensa
brasileira. A Crítica noticiava “Johnson quer de Fidel Castro Atos e não Palavras” 147.
O Presidente Johnson declarou que está “mais interessado nos atos do que
nas palavras” do Primeiro Ministro Cubano Fidel Castro.
Foi essa a reação do Presidente Johnson às notícias de imprensa de que o
ditador cubano teria afirmado que estava disposto a fazer um acordo diante do
qual poria fim à subversão em outros países americanos148.
Ao se analisar as motivações do golpe, chegaremos a interessantes discussões. Na
década de 1950, por exemplo, várias manifestações se intensificaram. A população saía
às ruas reivindicando melhores condições de trabalho, greves eram organizadas não só
por necessidades econômicas, mas também por motivos políticos.
Durante o suicídio de Vargas, praticamente, todos sabiam quem eram os inimigos dos
trabalhistas, já que atacavam sedes de partidos liberais e entidades estrangeiras. Portanto,
é, no mínimo, perturbador perceber como os golpistas tomaram o país com tanta
facilidade.
Os ataques aos comunistas se avolumavam nos periódicos. A fim de demonstrar que
Fidel estava se isolando na ilha caribenha, A Crítica divulgava conflitos ideológicos entre
o revolucionário e a própria irmã.
147
148
A Crítica, Manaus, 22 de Julho de 1964.
A Crítica, Manaus, 22 de Julho de 1964.
71
Acusado por sua própria irmã de trair a Revolução Cubana e de entregar o
país ao comunismo russo, será muito difícil para Fidel negar tais acusações.
A srta. Juanita Castro, que anunciou haver rompido com o regime comunista
de Cuba e solicitado asilo político no México, incluiu assim, o seu nome na
longa lista de revolucionários que se separaram de um movimento político que
tinha por finalidade eliminar o regime de Batista, mas não estabelecer o Estado
comunista no Caribe.
Com sua decisão, Juanita Castro segue o caminho de eminentes
revolucionários, inclusive o ex-Presidente Manuel Urrutia, o ex-Primeiro
Ministro José Miró Cordina e quase todos os membros do primeiro gabinete.
Ao triunfar a revolução contra Batista, Urrutia foi designado Presidente
provisório de Cuba. Opondo-se às manobras comunistas de Fidel Castro, nos
primeiros meses de seu regime, o Presidente Urrutia foi obrigado a renunciar.
Permaneceu preso em casa durante quase dois anos até que pôde fugir e asilar-se
com sua família numa Embaixada em Havana. Finalmente, conseguiu sair de
Cuba, seguindo para o exílio.
O ex-Primeiro Ministro Miró Cordina, que desempenhou o cargo de
Embaixador na Espanha, em 1959, também procurou asilo numa Embaixada em
Havana, indo depois para o exílio.
Inúmeros funcionários do governo, professores e intelectuais também
abandonaram o regime, por não concordarem com a tendência comunista que
lhe dera Fidel Castro149.
Perceba que a reportagem do periódico visava demonstrar que boa parte dos
participantes da Revolução Cubana não se alinhava ideologicamente a Fidel, destacando
que o revolucionário perdeu o apoio de sua própria irmã, devido à maneira como estava
conduzindo o processo, além de perseguir antigos aliados, ao ponto de mantê-los isolados
por dois anos.
Para Leandro Konder as organizações esquerdistas fizeram uma interpretação
equivocada das ideias marxistas, ideias essas já vindas para o Brasil com uma roupagem
stalinista.
Entretanto, não só de comunistas vivia o cenário político brasileiro. A população em
geral, que antes se mobilizava por menos, fechou-se diante de um golpe de Estado. Os
grupos de esquerda, tardiamente, movimentaram-se.
Em Combate nas Trevas, de Jacob Gorender, há uma investigação minuciosa da luta
armada no país, onde o autor, ex-militante do PCB e fundador do PCBR, buscava
149
A Crítica, Manaus, 22 de Julho de 1964.
72
compreender porque a esquerda saiu derrotada nas duas vezes que pegou em armas (1935
e 1968-74). O atraso com que a luta foi desencadeada explica o insucesso da segunda
oportunidade. Conforme o estudioso naquele momento tardio as condições eram
desfavoráveis, pois a esquerda radical já havia se distanciado da classe operária, do
campesinato e das classes médias urbanas150.
Por um lado, a tese, até então comumente admitida, que explicaria as opções
das esquerdas brasileiras em função de orientações internacionais, é rompida.
Suas opções teriam sido “reforçadas”, mas não decididas pelo movimento
internacional. Por outro, acaba por confirmar a interpretação que as esquerdas
armadas fizeram anos antes, responsabilizando o PCB pela derrota. Se é verdade
que o início da década de 1960 assistiu ao “maior movimento de massas da
história nacional”, atribuir ao partido a responsabilidade da não-resistência ao
golpe é manter a concepção que supervaloriza o papel do partido no processo
social. Em outras palavras, mantém a interpretação das esquerdas
revolucionárias da época, que defendiam o papel decisivo do partido na
condução da revolução. Neste sentido, as “condições revolucionárias” não se
realizaram diante do imobilismo do PCB, desarticulado em função da política de
alianças. Ou, em outras palavras, Jacob Gorender, desloca as “condições
revolucionárias” da dinâmica social para a vanguarda151.
A Revolução Faltou ao Encontro, de Daniel Aarão Reis Filho defende a autonomia
das esquerdas brasileiras e atribui pouco peso ao movimento comunista internacional.
Para Aarão a derrota não pode ser explicada pela debilidade das organizações
comunistas, na qual a situação revolucionária não dependia do pensamento dos
esquerdistas. O maior problema foi o isolamento encontrado na sociedade. De acordo
com o pesquisador, a luta armada foi derrotada por falta de identidade entre o projeto
revolucionário e os movimentos sociais.
[...] Daniel Aarão Reis Filho rompeu com uma interpretação que permanecia
verdade inquestionável [...] Não haveria um caminho a seguir determinado por
leis históricas; a revolução não era inevitável, aconteceria ou não diante das
150
ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas Revolucionárias e Luta Armada. In: FERREIRA; DELGADO, op.
cit.
151
Ibidem, p. 50-51.
73
circunstâncias e da disponibilidade dos movimentos sociais nesta direção, e o
partido não teria o poder de intervir decisivamente neste processo nem de
conduzi-lo: os estudos históricos confirmariam que os movimentos sociais
muitas vezes surpreenderam os dirigentes organizados, revelando sua autonomia
[...] Em outras palavras, haveria uma independência entre a ação dos
revolucionários organizados em suas vanguardas e o processo que culmina na
“situação revolucionária” e na revolução152.
O Fantasma da Revolução Brasileira, de Marcelo Ridenti, também busca
compreender os motivos da derrota da revolução. Segundo o sociólogo, o isolamento das
vanguardas impossibilitou a identificação com a classe trabalhadora. Ao contrário de
Aarão, Ridenti eleva a importância das classes sociais, afirmando que resistir aos
governos autoritários era preponderante para os objetivos da luta armada.
A rápida vitória da repressão pode ser explicada por dois fatores: a ausência
de identidade entre a sociedade e o projeto revolucionário, que levou ao seu
isolamento; a tortura como recurso amplamente usado pelos órgãos oficiais para
a eliminação dos militantes. O aperfeiçoamento dos aparelhos de repressão tem
sido apontado para explicar o êxito da repressão. Entretanto, este apenas foi
sistemático da tortura153.
Para Denise Rollemberg a derrota da luta armada não era algo inevitável, porém o que
não se podia evitar era a derrota de uma luta isolada, na qual a sociedade não enxergava a
luta armada como um meio de mudar o país.
Assim, conclui-se que a luta armada não teve o mesmo êxito das estratégias
conservadoras. Nos anos que antecederam a tomada do poder (1954-1964), mesmo não
conseguindo desfechar o golpe, os grupos civis-militares criaram mecanismos para
suprimir a ação dos trabalhistas, a fim de conter as ações de João Goulart.
152
153
Ibidem, p. 52.
Ibidem, p. 66.
74
Os periódicos tratavam de denegrir a imagem de João Goulart, através de matérias
ofensivas, onde punha em cheque sua credibilidade. A Crítica publicava “Jango
Culpado”
154
, destacando que a atual situação do país é culpa do presidente. Veja o
conteúdo – “O deputado Adolfo Oliveira da UDN do Estado do Rio criticou esta tarde
em Brasília o Governo, pela situação de intranqüilidade reinante no país” 155.
Acuado pelos norte-americanos nas questões financeiras do país, avolumando a crise
econômica e o descontentamento popular, Goulart possuía poucas saídas para essa
situação. Uma delas seria se fechar, deixando o país mergulhado nessa crise econômica
até o fim do governo. A outra, divergia de seus ideais trabalhistas e nacionalistas, pois a
aliança com o PSD e a UDN obrigaria o presidente a aceitar as imposições do FMI,
promovendo um governo conservador e repressor dos trabalhistas. Depois existia a
alternativa de se aliar à Frente Progressista, liderada por San Tiago Dantas, que obrigaria
Jango a se afastar das esquerdas radicais, pois as imposições feitas pelos udenistas e
pessedistas tinham que ser admitidas. Por último, a alternativa seria se unir à esquerda
radical. A escolha desta opção afastou legalistas de seu partido e aproximou-os dos
golpistas.
Para muitos analistas, a escolha pela via radical decretou o destino final do presidente,
pois a bandeira de defesa da Constituição, tão divulgada pelos militares legalistas, estava
sendo posta em cheque pelos governistas. A opção em aprovar as reformas a qualquer
preço trouxe para o lado golpista grupos antes apenas preocupados em manter a
legalidade constitucional. Novos ataques aos comunistas apareciam através da imprensa.
154
155
A Crítica, Manaus, 01 de Outubro de 1963.
A Crítica, Manaus, 01 de Outubro de 1963.
75
O sr. Adolf Berle Júnior, assessor do presidente Kennedy em questões latinoamericanas, declarou, hoje, que a luta cubana contra o primeiro-ministro Fidel
Castro continuará até que Cuba volte a ser livre, acrescentando que “a luta em
Cuba não é mais que uma parte da guerra fria que se trava em toda a América
Latina”.
Ao mesmo tempo o sr. Berle, que falou ante a organização nacional feminina
do Partido Democrata, disse que os cubanos não aceitam a “tradição” de Castro
e, “em que pese a trágica derrota de alguns dias, a luta continuará até que Cuba
volte a ser livre”.
Adiantou o sr. Berle que “no heróico drama dos últimos dez dias não deve
perder-se de vista uma grande questão de transcendência histórica: se a América
Latina crescerá e florescerá na liberdade, ou como província dos impérios
comunistas de ultramar: a resposta em parte depende de nós”156.
O periódico fazia exposição de sua postura perante aos grupos de esquerda. Exaltava a
necessidade da América Latina não se curvar aos impérios “comunistas”, a fim de crescer
e florescer na liberdade. Adjetivos pejorativos atacando Goulart e os opositores dos
golpistas eram freqüentes nos jornais estudados.
De acordo com Goulart, o direito de propriedade era uma forma de expandir o
capitalismo no Brasil, trazendo bem estar a um número maior de indivíduos, portanto era
inviável para a economia a manutenção de terras improdutivas.
O governo poderia desapropriar todas as terras não exploradas, incitando o
desenvolvimento do mercado interno, já que a produção de gêneros alimentícios teria
prioridade no emprego da terra, havendo certa proporção mínima no cultivo de alimentos
em todo o país, assim fortaleceria o mercado agrícola nacional e promoveria a reforma
agrária.
Esse planejamento constituía outro dado explosivo no projeto de reforma
agrária. A tentativa de reorientar a produção agrícola para o abastecimento do
mercado interno, combatendo fatores de inflação, liquidaria o remanescente
caráter colonial da lavoura brasileira, voltada predominantemente para a
exportação, e afetaria os interesses tanto dos latifundiários como da grande
burguesia comercial e do próprio imperialismo norte-americano. Não se tratava
de demagogia. Ninguém faz populismo às custas do direito de propriedade, o
único direito inviolável para as classes dominantes. E Goulart o ferira. Mostrara
sua disposição de promover a reforma agrária, de qualquer maneira, ao decretar,
juntamente com a encampação das refinarias, a desapropriação das terras
156
A Crítica, Manaus, 26 de Abril de 1961.
76
situadas às margens das rodovias e dos açudes públicos federais. Para tanto saíra
à praça, levara o Governo às ruas, ao encontro dos trabalhadores. Não fora outra
a significação do comício de 13 de março. E as classes dominantes recearam que
a democracia burguesa desbordasse e as massas, em ascensão, aprofundassem o
processo de reformas157.
Diante da situação econômica do país, no qual os norte-americanos e o FMI fecharam
as portas para os créditos ao Brasil, a crise se agravava, a dívida externa e os juros
cresciam aceleradamente. A única saída seria uma política ditatorial de arrocho salarial
para sanar os problemas financeiros e atender às exigências dos banqueiros. No entanto,
devido à sua trajetória nacionalista e trabalhista, Goulart não aceitou tal imposição. Em
matéria intitulada “Juscelino Diz que a Crise Econômica Constitui a Maior Ameaça de
Revolução” 158, o ex-presidente defendia João Goulart.
Despacho de Boston informa que o ex-Presidente Juscelino Kubitschek, que
ali se encontra, ouvido pela reportagem, declarara que a crise econômica do
Brasil constitui a maior ameaça de revolução que pesa sobre o país. Segundo o
mesmo despacho, o ex-Presidente diz que a ameaça não é tanto de Fidel Castro
como pessoa, mas o exemplo de Cuba como Nação. JK declarou-se favorável ao
Presidente Jango, acrescentando que este tem prestígio pessoal necessário a dar
solução a crise econômica que ameaça o país brasileiro159.
Os atos nacionalistas cresciam. Em 24 de dezembro de 1963, o presidente assinou
medida que dava à Petrobrás a exclusividade na importação de petróleo e derivados,
satisfazendo os interesses das esquerdas. Em 17 de janeiro do ano seguinte, o governo
atendeu a outra reivindicação dos radicais ao assinar lei que regulamentava as remessas
de lucros para o exterior.
Todas essas medidas não foram bem aceitas pela ala conservadora e por investidores
internacionais. O Jornal do Commercio publicava a visão de Lacerda sobre as reformas,
157
BANDEIRA, op. cit, p. 165.
Jornal do Commercio, Manaus, 09 de Março de 1962.
159
Jornal do Commercio, Manaus, 09 de Março de 1962.
158
77
intitulada “Carlos Lacerda: Luto Pela Reforma de Verdade Contra a Reforma de
Mentira” 160.
As reformas que o governador da Guanabara considerava de verdade eram as reformas
que não interferiam nos interesses imperialistas e da elite conservadora local. Os
golpistas, especialmente Castelo Branco, apenas tinham o receio de violar a legalidade e
ficarem sem cobertura política. Era preciso um pretexto, portanto os grupos que
organizavam o golpe, juntamente com a CIA, trataram de providenciá-lo. Os norteamericanos já preparavam uma substancial ajuda no caso de uma guerra civil.
Uma operação de tamanha magnitude, como a Brother Sam, não se realizaria,
certamente, sem a conivência e o conhecimento, pelo menos em suas linhas
gerais, de alguns brasileiros. Havia a necessidade de coordená-la com a
sublevação interna, que, sem o apoio imediato dos Estados Unidos, Goulart
poderia reprimir. Por isso e não por dedução, como alegaria, Walters soube que
a sedição de Minas Gerais ocorreria em 31 de março. A CIA colaborara com as
diversas correntes de oposição a Goulart e seus agentes se reuniram, algumas
vezes, com o Marechal Denis, em casa do advogado Antônio Neder161.
Para Flávio Aguiar a grande lição que os golpistas tiveram após o episódio de 1961,
era que dessa vez tinham que neutralizar qualquer tipo de oposição na imprensa, para que
se divulgasse o ideal de Brasil que lhes fosse interessante. Daí os inúmeros mecanismos
criados pelos militares para controlarem os veículos de comunicações. Controlando a
notícia, dominava também a memória da população civil, penetrando e impondo um
ideal.
No caso de 1964 já é lugar comum dizer que a censura começou nas próprias
redações de jornais, através da autocensura, do controle dos jornalistas de
esquerda ou não alinhados com o golpe, e através da participação dos jornais, de
seus proprietários, articulistas e outros na conspiração. De fato houve tudo isso,
160
161
Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Março de 1964.
BANDEIRA, op. cit, p. 175-176.
78
mas essa parte da conspiração e de seus desdobramentos posteriores não se
limitou a “suprimir” determinado Brasil ou aspectos deste dos noticiários;
ajudou na verdade a “construir” um outro Brasil, de que talvez, no fundo, ainda
não tenhamos conseguido nos libertar até hoje, em que pese o fim da
ditadura162.
Segundo Maria Helena Rolim Capelato “desde os seus primórdios, a imprensa se
impôs como uma força política. Os governos e os poderosos sempre utilizam e temem;
por isso adulam, vigiam, controlam e punem os jornais” 163.
O desprezo ao jornal como documento, atualmente, é coisa do passado, pois, apesar de
não ser um depósito da verdade, é espaço para inúmeras versões. Conforme Capelato, até
mesmo um documento falso é histórico, pois existiram interesses para produzi-lo daquela
forma.
O jornal é uma das principais fontes de informação histórica, merecedor,
portanto, de consideração dos historiadores, afirma José Honório Rodrigues. Ao
discutir, porém, o problema da credibilidade das fontes, considera o periódico
como documento suspeito e adverte. “O editorial é a parte menos digna de fé, a
notícia e o anúncio devem ser usados com cautela, pois contêm erros [...]”.
Aconselha que se determine os interesses econômicos e políticos; que se
distinga a imprensa oficial da oficiosa; que se diferencie imprensa e opinião
pública164.
Para Samuel Wainer165 a imprensa brasileira não só é parte do poder, como também é
o próprio poder, que é prepotente e corrupto, por isso não tem credibilidade. A Crítica,
mostrando-se alinhado aos “revolucionários militares”, enchia suas páginas de exaltação
ao Regime. “Revolução não Parou: Corruptos Devolverão Fortuna ao País”, estampava
a manchete de 27 de Maio de 1964. Veja o conteúdo da reportagem.
162
AGUIAR, op. cit, p. 45. Em Manaus o A Notícia era um dos jornais que sofriam a censura prévia por
parte do governo. Ver FICO, Carlos. Espionagem, Polícia Política, Censura e Propaganda: Os Pilares
Básicos da Repressão. In: FERREIRA; DELGADO (Org), op. cit.
163
CAPELATO, op. cit, p. 13.
164
Ibidem, p. 20.
165
Ibidem.
79
Durante mais de uma hora e meia, o ministro da Guerra, general Artur Costa
e Silva, perante uma cadeia de rádio e Televisão, conforme amplamente
divulgado, fez o seu pronunciamento ao país, analisando a atual situação
brasileira, com a vitória da revolução democrática. O Ministro da Guerra, exibiu
fotografias e documentos, sobre a concentração do dia 13 com a participação do
sr. João Goulart, do Movimento do Sindicato dos Metalúrgicos, tendo à frente o
cabo Anselmo, assim como atos de subversão que ameaçavam eclodir no país.
Falou também a respeito da Marcha da Família com Deus pela Liberdade [...]
Dizendo também que homens e mulheres delirantemente aplaudiram o
presidente da República [...] Adiantou que a Revolução de agora foi feita para
colocar o Brasil na ordem e na paz que tanto esperam seus filhos. Os corruptos
vão devolver dinheiros roubados ao país166.
A reportagem do Jornal A Crítica demonstrava o lado que defendia, considerando o
movimento golpista uma revolução democrática, exaltando que o golpe serviu para trazer
a ordem e a paz ao país. O general faz uma alusão à aliança entre Jango, os metalúrgicos
e o cabo Anselmo, líder do motim dos marinheiros. Porém, através de fontes da própria
CIA, descobriu-se que o militar não passava de um agente, disfarçado, cujo objetivo era
criar um clima de tensão no Governo.
O comandante Ivo Acioly Corseuil, subchefe da Casa Militar da Presidência,
avisou a Goulart e ao Almirante Mota que o líder do movimento, José Anselmo
dos Santos, marinheiro de 1ª classe e não cabo como se celebrizou, era agente do
serviço secreto, provocador, trabalhando para a CIA. Não se tratava de conjetura
e sim de informação, oriunda da própria Marinha167.
Após Goulart ser deposto, cabo Anselmo asilou-se no México. Posteriormente foi
integrar-se à Ação Popular onde, rapidamente, foi capturado pelo Regime. Ao ser
libertado, mudou-se para Cuba a fim de participar do treinamento de luta armada,
retornando ao Brasil em 1970, sob o apelido de Jadiel.
Em São Paulo, o marinheiro era conhecido como Jônatas, onde foi preso um ano
depois. Sabe-se que, antes disso, o militar já possuía regalias nas prisões da qual passava,
166
167
A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964.
BANDEIRA, op. cit, p. 169-170.
80
podendo sair ou visitar amigos168. A partir daí, Jadiel ou Jônatas sumiu, pois se
transformou num policial do DOPS (Departamento de Ordem Política Social), no qual
poucas pessoas sabiam.
Nos dois depoimentos em que narrou seu pulo, Anselmo insistiu na
sinceridade e na convicção de sua escolha. É certo que adquiriu essa convicção
depois de pelo menos uma sessão de tortura. Como ele mesmo esclareceria:
“Concederam-me a oportunidade de sobreviver”. Sobreviveu simulando-se livre,
restabelecendo contatos, cobrindo “pontos” e levando aquilo que se poderia
chamar de a vida normal de um clandestino169.
Anselmo, agora cujo pseudônimo era Kimble, agia como um espião, onde servia de
isca para atrair integrantes dos grupos da esquerda armada. Estabelecendo contatos, o exmarinheiro transformara-se num importante agente a serviço da ditadura.
Uma de suas principais missões foi organizar uma rede da VPR (Vanguarda Popular
Revolucionária) no Recife, onde Kimble infiltrou um investigador do DOPS na
organização170. A ação foi responsável pelo assassinato brutal de seis membros da VPR e
Anselmo desapareceu, onde só retornou na década seguinte para contar tal história.
A transmigração de Anselmo foi um fato traumático e custoso para a
esquerda armada, mas isso se deveu mais à inépcia dos seus aliados do que à
competência dos novos patrões [...] Um psiquiatra que militava na organização
surpreendera-se ao ver que a polícia lhe perguntava segredos que compartilhara
com Anselmo. Os torturadores de uma dirigente da VPR contaram-lhe que
Anselmo estava preso, “trabalhando para nós”. Em agosto, internada num
hospital de Belo Horizonte, ela conseguira comunicar a amigos que Jônatas era
policial. Em setembro a informação chegou ao Chile, mas a denunciante foi
dada por doida. A essa altura, Kimble já se tornara um policial convicto e
audacioso. Desembarcou em Santiago, para reencontrar o amigo Onofre Pinto.
O fundador da VPR lhe mostrou um informe vindo do Brasil em que se
assegurava: “O Cabo Anselmo se entregou à repressão”. Prevaleceu a
amizade171.
168
Ver mais detalhes em GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras,
2002, p. 337-358.
169
Ibidem, p. 346.
170
Ibidem.
171
Conforme Gorender o psicanalista e a dirigente eram, respectivamente, Carlos Alberto do Carmo e Inês
Etiene Romeu. Já Anselmo, quando confrontado com a acusação, pôs seu revólver sobre a mesa e sugeriu
que o assassinassem. Ibidem.
81
A imprensa contribuía para a imagem das organizações de esquerda, propalando uma
visão nefasta desses grupos, classificando-os como terroristas, subversivos, comunistas e
outros adjetivos pejorativos. A Crítica, mais uma vez, demonstrava seu posicionamento
com manchete intitulada “Era Tenebroso Plano Comunista” 172. Segue a reportagem.
O deputado Arnaldo Nogueira, disse hoje que estava traçado o plano pelos
agitadores para levar o Brasil ao Comunismo. Adiantou o parlamentar que a
subversão teria características e aspectos tenebrosos. Incêndios, invasões de
prefeituras e delegacias, ataque em residências de luxos, conforme provam
documentos inconfessáveis. Finalizou o sr. Arnaldo Nogueira, afirmando que
todos reconhecem que um verdadeiro milagre ocorreu no dia 31 de março173.
Percebam como são qualificados os golpistas. Enquanto para um lado são reservados
os piores adjetivos, o outro é taxado de democrático, ressaltando que o golpe representou
um milagre para o país, já que o livrou das garras das lideranças comunistas e
subversivas.
No próximo capítulo discutiremos os variados posicionamentos referentes ao golpe,
percebendo a visão das Forças Armadas, exaltando suas principais motivações,
analisando depoimentos, principalmente daqueles militares que participaram da
conspiração. Ressaltaremos também os discursos promovidos pelos jornais estudados,
examinando a disputa de poder entre liberais e trabalhistas.
172
173
A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964.
A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964.
82
CAPÍTULO II
O GOLPE E SEUS POSICIONAMENTOS
1. A REVOLUÇÃO PARA OS MILITARES
O capítulo adiante promove uma discussão no que se refere aos diferentes
posicionamentos sobre o golpe civil-militar de 1964 no Brasil. Além da análise literária
com relação à historiografia do período, as linhas a seguir demonstram a visão dos
periódicos amazonenses, Jornal do Commercio e A Crítica, frente aos acontecimentos
que se sucederam após o desfecho de 31 de março. Debates e disputas entre liberais e
nacionalistas alimentam as manchetes dos jornais estudados.
Conforme José D’Assunção Barros “o que autoriza classificar um trabalho
historiográfico dentro da História Política é naturalmente o enfoque no ‘Poder’”
174
.
Poder este não mais limitado ao âmbito estatal, como bem esclarece Foucault 175, mas
também preocupado com sua presença nas diversas esferas da sociedade. Este poder,
durante o golpe, sempre foi alimentado nas manchetes e reportagens dos periódicos
pesquisados.
174
175
BARROS, op. cit, p. 106-107.
FOUCAULT, op. cit.
83
O Jornal do Commercio salientava “Arthur Reis Governará com a Revolução”
176
,
considerando o então governador um revolucionário, alinhado aos objetivos dos
golpistas. O mesmo periódico destacava que aliados de Jango estavam aliançados aos
comunistas, através da manchete “Brizola Recebia Dólares de Fidel para Subversão” 177.
O Serviço Secreto do Exército por intermédio de um agente especial enviado
ao exterior apurou a seguinte denúncia: No mês de março o embaixador de
Cuba, no Brasil, foi ao seu País para conseguir de Fidel Castro ajuda financeira
vultosa para o senhor Leonel Brizola custear um amplo movimento armado
subversivo que deveria ser iniciado em futuro próximo, pelas forças das
esquerdas brasileiras para a implantação de uma ditadura popular no País178.
Perceba a importância dos veículos de comunicações como instrumento doutrinador a
serviço da ditadura. Sempre classificando os inimigos dos golpistas de comunistas e
subversivos, esses periódicos influenciavam, diariamente, a opinião pública, através de
reportagens que denegriam a imagem de Cuba e seus aliados.
No mesmo periódico os ataques ofensivos aos comunistas continuavam, assim como a
incessante necessidade de considerar o golpe um ato revolucionário, a serviço da
democracia. O Jornal do Commercio publicava “Movimento Revolucionário Brasileiro
Foi um Golpe de Morte Contra Fidel” 179.
“Este é o momento psicológico para as Américas se unirem e banirem o
comunismo. E o Brasil poderia e deveria ser o líder de tão importante
movimento”. As declarações feitas a nossa reportagem pela professora Nelida
Garmendia, exilada cubana residente no Rio e pertencente ao Diretório
Magisterial de Cuba no Exílio, com sede em Miami, que veio a esta capital fazer
uma série de conferências180.
176
Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964.
Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964.
178
Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964.
179
Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964.
180
Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964.
177
84
A reportagem afirmava que o golpe civil-militar no Brasil prejudicou os planos
cubanos na América Latina, destacando que a conjuntura propiciava o banimento do
comunismo do continente, sob a liderança dos golpistas brasileiros.
Em Visões do Golpe: A Memória Militar de 1964181, os depoimentos são praticamente
unânimes quando se referem à conspiração civil-militar. Os motivos secundários variam
entre greves e alta inflação, porém o temor do comunismo, já que, para os militares, uma
marcha destes se aproximava do país, é a principal justificativa dos golpistas.
Além do clima de guerra fria, os militares nutriam um sentimento de disputa com os
comunistas desde a tentativa frustrada de golpe de Estado em 1935, no qual os
consideravam traiçoeiros e perigosos, capazes de invadir quartéis e desrespeitar a
hierarquia, tão reverenciada pelas Forças Armadas.
A opinião militar dominante define o golpe como o resultado de ações
dispersas e isoladas, embaladas, no entanto, pelo clima de inquietação e
incertezas que invadiu a corporação. Esta visão se contrapõe à interpretação
predominante entre os analistas que até agora examinaram o episódio. Para
estes, o golpe teria sido produto de um amplo e bem-elaborado plano
conspiratório que envolveu não apenas o empresariado nacional e os militares,
mas também forças econômicas multinacionais182.
De acordo com Gustavo Moraes Rego Reis, que no ano do golpe era tenente-coronel,
o desfecho foi resultado das ações de João Goulart. Caso não tivesse comparecido ao
comício da Central do Brasil ou fizesse um discurso anticomunista, os acontecimentos
poderiam ser diferentes.
Para o militar a incompetência administrativa de Goulart contribuiu para sua queda, no
entanto não foi preponderante. O desrespeito à hierarquia e a penetração comunista em
181
182
D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit.
Ibidem, p. 16.
85
seu governo foram os principais motivos das movimentações golpistas, criando um clima
de insegurança no meio empresarial e na classe média.
A grande falha, que desencadeou o processo e colocou a instituição militar
mobilizada, foi quando o Jango mexeu com os sargentos [...] Castelo disse: “Isso
será a gota d’água. A imagem que os civis vão ter dessa reunião vai ser a gota
d’água. A opinião pública vai ver o risco que está correndo”. Como de fato foi.
Naquele instante, nossa união foi para preservar a instituição. Foi também o que
tirou a força dos melhores e mais importantes comandos, que estavam todos
com Jango183.
Luiz Helvécio da Silveira Leite184, que na época era capitão do Exército, também
exaltou a possibilidade do Brasil se comunizar, especialmente após a homenagem feita
por Jânio Quadros a Che Guevara. O militar afirmou que foi a capacidade militar e
industrial dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial que inspirou os militares
brasileiros a criarem a Doutrina de Segurança Nacional. Conforme o capitão a
conspiração estava em andamento desde a década de 1950.
Quando eu vi o sr. Jânio Quadros condecorando o Che Guevara, pensei: isso
para mim é demais. Antes, ele já tinha tentado umas tiradas assim [...] pois
condecorou o Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Fui conversar com
um coronel da Aeronáutica, presidente da comissão, um sujeito muito sério. Eu
disse: “Coronel, o Jânio Quadros sempre foi atacado pelos comunistas. Hoje está
recebendo dinheiro, condecorando o Che Guevara que é comunista [...] então,
em função disso, eu acho que não há mais motivação para ficar aqui”. Ele tentou
me convencer: “Não [...] Eu vou embora! Discordo. Não posso mais continuar
trabalhando aqui, sabendo que o governo está abrindo as pernas para os
comunistas. Eu vou embora” 185.
Octávio Costa, que durante o golpe civil-militar era tenente-coronel, afirmou que o
anticomunismo exacerbado não é uma invenção de 1964 e sim surgiu desde a tentativa da
183
Depoimento do então tenente-coronel do exército Gustavo Moraes Rego Reis. Ibidem, p. 41-42.
Depoimento do então capitão do exército Luiz Helvécio da Silveira Leite. In: ARGOLO, José Amaral;
FORTUNATO, Luiz Alberto. Dos Quartéis à Espionagem: Caminhos e Desvios do Poder Militar. Rio de
Janeiro: Mauad, 2004, p. 71-174.
185
Ibidem, p. 115.
184
86
Revolução Comunista de 1935. De acordo com o militar as Forças Armadas, em sua
maioria, tinha ideologia liberal, pois grande parte de seus integrantes era antivarguista.
Além disso, O Diário de Notícias era um periódico udenista que publicava
informações referentes aos militares, influenciando-os ideologicamente. Octávio Costa
não considerava o episódio estudado um golpe, mas sim um contragolpe contra os
comunistas. Episódio este que já era para ter ocorrido em 1961. “Basicamente, a
Revolução se fundamentava no anticomunismo exacerbado, que vinha de 1935. Partia-se
da convicção de que estava em marcha uma tentativa de socialização e que o agente dessa
socialização era o presidente Goulart” 186.
O então coronel Carlos de Meira Mattos confessou que conspirou contra a posse de
Jango, já que o presidente era instrumento do comunismo internacional. Era a favor de
sitiar o Rio Grande do Sul, a fim de evitar a resistência liderada por Leonel Brizola. De
acordo com o militar o que proporcionou a polarização das Forças Armadas foi a entrada
de Castelo Branco no movimento golpista.
O tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves salientava que Castelo nunca foi um
revolucionário, onde só aderiu à conspiração devido ao sentimento anticomunista
presente em muitas alas do Exército.
[...] há cinqüenta anos nós descobrimos que o comunismo era um embuste. Que
esse Lênin é outro embusteiro. Essa é a maior mentira do século XX.
Descobrimos isso há muitos anos e sempre obstamos os passos dessa gente no
Brasil. Tenho a impressão que naquela hora em que eles buscavam fazer uma
república sindicalista, esse sentimento que estava arraigado no espírito do
soldado brasileiro espocou no Castelo. Foi por isso que o Castelo se rendeu a
participar de uma revolução. Ele viu que a república sindicalista não era apenas
uma revolução política. Era uma revolução que tinha uma ideologia mesclada, e
uma ideologia contra a qual nós do Exército sempre nos batemos187.
186
187
D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit, p. 91.
Depoimento do então tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves. Ibidem, p. 126.
87
De acordo com o tenente-coronel Ivan de Souza Mendes o motivo principal da
deposição de João Goulart foi a incitação à indisciplina. Os episódios dos sargentos e
marinheiros, além do comício da Central do Brasil foram os estopins para a conspiração
deflagrar.
Nota-se que são praticamente unânimes as opiniões entre os entrevistados quanto ao
projeto “revolucionário”. Para o tenente-coronel Adyr Fiúza de Castro não havia, entre os
militares, um projeto para o Brasil. A única situação que os uniam era a necessidade de
afastar Goulart. Os empresários, segundo o militar, ajudavam muito as tropas através de
doações de jipes. Ao contrário da maioria dos envolvidos no golpe, o entrevistado não
considerava o episódio de 1964 um ato revolucionário 188.
Não gosto de chamar de revolução, porque não foi uma revolução na acepção
da palavra. Não foi porque não mudou as elites. Afastou parte da elite política,
que aos poucos retornou e ora domina o país. Mas a elite econômica e jurídica,
toda ela permaneceu. Não houve de fato uma revolução. O movimento militar
revolucionário que eclodiu em Minas foi uma surpresa para todo mundo189.
Segundo o tenente-coronel Enio dos Santos Pinheiro, que foi nomeado governador de
Rondônia por duas vezes (1950-54 e 1961), a origem do golpe se deu devido à renúncia
de Jânio Quadros. O militar salientava que o então presidente foi traído por seu chefe de
gabinete, pois o mesmo não deveria entregar a carta de renúncia a um dos inimigos de
Jânio, Auro de Moura Andrade. O entrevistado finalizou reconhecendo que João Goulart
nunca foi um radical. No máximo era visto como um esquerdista devido à sua
proximidade com Brizola, porém não era um comunista radicalista190.
188
Depoimento do então tenente-coronel Adyr Fiúza de Castro. Ibidem.
Ibidem, p. 160.
190
Ibidem.
189
88
Suas medidas extremas descontentavam a maioria, como salientava a manchete do
Jornal do Commercio “Encampadas Todas as Refinarias Particulares, Inclusive a
Copam” 191.
Anunciada como a grande surpresa do comício em defesa das reformas de
base, no Rio, o decreto encampando as refinarias particulares do país. Foram
atingidas pela medida presidencial, as Refinarias de Capuava (SP), Ipiranga
(RS), Manguinhos (Guanabara) e Copam (AMA).
[...] Cerca de 5 mil soldados do exército, marinha e aeronáutica garantem a
realização dessa manifestação192.
Conforme o coronel Carlos Alberto da Fontoura não houve revolução e sim um
contragolpe, já que um golpe estava sendo preparado pelas esquerdas, a fim de conduzir o
país ao comunismo193.
O tenente-coronel Antônio Bandeira, que combateu no Araguaia, também salientava a
comunização não só do país, como também a penetração das ideias comunistas dentro das
Instituições Militares.
Os elementos de esquerda que cercavam o governo procuravam, realmente,
transformar o quadro institucional por pressões e mudar o regime. Esse é o
convencimento de todos nós militares. A insubordinação dentro do Exército já
estava num ponto inegável. Alguns sargentos e alguns oficiais subalternos
pregavam abertamente a esquerdização do nosso regime194.
O coronel Deoclecio Lima de Siqueira exaltava a necessidade de um golpe devido ao
perigo comunista, destacando a habilidade de persuasão dos soviéticos. Segundo o
coronel o acontecimento foi resultado da guerra fria, no qual o Brasil estava prestes a se
comunizar.
191
Jornal do Commercio, Manaus, 13 de Março de 1964.
Jornal do Commercio, Manaus, 13 de Março de 1964.
193
D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit.
194
Depoimento do então tenente-coronel Antônio Bandeira. Ibidem, p. 214.
192
89
[...] sabia-se perfeitamente que a maioria dos sargentos não era comunista. Eles
eram manipulados. É impressionante. A técnica soviética era muito interessante,
muito bem executada [...] Por todas essas razões, 64 foi tipicamente um episódio
da guerra fria. Foi a contrapartida de uma ofensiva comunista na guerra fria
então em marcha195.
Portanto, os motivos elencados pelos militares estão de acordo com a historiografia
que estuda o assunto. Quebra de hierarquia, comunização do governo e das Forças
Armadas e Guerra Fria são os principais.
O grande líder esquerdista, pelo menos entre os que possuíam um cargo eletivo, era
Leonel Brizola, que com medidas ousadas no governo do Rio Grande do Sul, como a
encampação de empresas estrangeiras, arregimentou trabalhistas em torno de seu nome.
Goulart, compromissado com o nacionalismo, via sua atuação prejudicada pelo
parlamentarismo. O presidente então resolveu desfazer o “gabinete de conciliação” e
aproximar-se dos grupos de esquerda, promovendo uma campanha de retorno ao
presidencialismo, onde o governador gaúcho seria seu principal porta-voz.
Segundo Moniz Bandeira várias eram as organizações de direita que se concentravam
em todos os Estados como forças policiais paralelas ou milícias fascistas. Ação de
Vigilantes do Brasil196, Grupo de Ação Patriótica, Patrulha da Democracia, Mobilização
Democrática Mineira são alguns exemplos dessas organizações.
Quando houve a invasão, pela polícia do exército, em uma das sedes da Ação de
Vigilantes do Brasil, no Rio de Janeiro, foi encontrado armas e munições. Nas paredes do
escritório havia vários retratos de personalidades norte-americanas e mapas dos Estados
Unidos, dando a entender que, ali, seria um reduto da CIA.
195
Depoimento do então coronel Deoclecio Lima de Siqueira. Ibidem, p. 229.
Conforme Moniz Bandeira a organização Ação de Vigilantes do Brasil era dirigida por Paulo de Sales
Galvão, indivíduo ligado a Lacerda. BANDEIRA, op. cit.
196
90
Moniz Bandeira cita Alberto Byington Júnior como patrocinador do contrabando de
armas dos Estados Unidos para o Brasil, a fim de abastecer a rebelião de São Paulo, em
1932. Apesar de consciente das tramas que circulavam o seu governo, Goulart foi incapaz
de desbaratá-la, seja pela ineficiência de seus assessores, seja por confiar demais no apoio
popular, que iria se opor a qualquer tentativa de golpe197.
A CIA organizou, indubitavelmente, uma vasta operação especial, com
suportes militares dentro e fora do país. Havia em Teresina (PI) um campo de
pouso para helicópteros, clandestino, [...] A operação especial não se limitou,
porém, ao contrabando de material bélico para armar as forças de reação [...] Ela
envolveu também a participação pessoal de militares norte-americanos, que
entravam no Brasil sob os mais diferentes disfarces (religiosos, jornalistas,
comerciantes, Corpos da Paz, etc.), dirigindo-se a maioria para as regiões do
nordeste198.
De acordo com o pesquisador, no ano de 1962, 4968 norte-americanos entraram no
Brasil, batendo todos os recordes de migração. No ano seguinte este número caiu para
2463, porém continuou acima da média. No ano de 1964 este número baixou para 764,
demonstrando que estava havendo uma invasão silenciosa de estrangeiros no território
brasileiro199.
Na verdade, a maioria daqueles norte-americanos integravam uma espécie de
exército secreto dos Estados Unidos, que já atuava em cerca de 50 países,
inclusive no Brasil. Eram os boinas verdes (green berets), uma unidade de elite,
treinada e especializada na tarefa de combater movimentos de esquerda e
reprimir intentos de insurreição200.
A presença norte-americana no Brasil era um fato explícito, basta pesquisar o número
acentuado de estrangeiros que entraram no país. Segundo Skidmore o Departamento de
197
Ibidem.
Ibidem, p. 136.
199
Ibidem.
200
Ibidem, p. 138.
198
91
Estado sabia da evolução da conspiração, onde a Embaixada dos Estados Unidos estava
pronta para intervir201.
Uma das defesas dos golpistas era que os comunistas estavam penetrando em postos
do Governo, no entanto não era bem assim. Com o impedimento de funcionamento do
PCB e sua aproximação com o PTB houve um contágio reformista e nacionalista entre os
trabalhistas, mas o próprio Partido Trabalhista impedia uma ação mais eficaz do Partido
Comunista, atrelando as políticas sindicais às políticas burguesas.
Goulart não queria comunizar o país e sim executar as reformas, principalmente a
agrária. Aliás, devido ao alinhamento do PSD com os latifundiários e a pressão da direita
conservadora, o presidente isolou-se mais ainda. Em entrevista a um jornal alemão, Luiz
Carlos Prestes demonstrava apoio a Jango, engrossando a ideia de que petebistas e
comunistas estavam aliançados.
[...] Luiz Carlos Prestes afirma que o melhor candidato a presidência do Brasil é
o próprio João Goulart, e que dentro de certas condições seria excelente a
dissolução do atual Congresso brasileiro. Prestes faz restrições a João Goulart,
mas o considera aliado dos comunistas, conforme consta da seguinte declaração
textual: “Certamente faz Goulart concessão ao imperialismo e ao latifúndio. Nós
as combatemos. Ao mesmo tempo, porém, apoiamos aspectos positivos de seu
governo. Quero lembrar a sua atitude durante a crise quando o Brasil se bateu
contra uma intervenção militar em Cuba. Goulart apoiou também
frequentemente as exigências sociais dos trabalhadores. Efetivamente Goulart é
um aliado na sua qualidade de presidente. Consideramos este último como
partido mais próximo pelo menos no que se refere à sua base: porque exige
reformas de base para o território nacional e liberdade para todos os
partidos”202.
Essa disputa partidária e ideológica era protagonizada, principalmente por três
partidos políticos. De um lado estava a aliança petebista-pessedista (PTB-PSD), e de
201
202
SKIDMORE, op. cit.
“Prestes Prega a Reeleição de Goulart”. Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Março de 1964.
92
outro os liberais da UDN, transformando o panorama político do país numa luta bipolar
entre nacionalistas e antinacionalistas.
93
2. Trabalhistas versus Liberais
Para Lucília de Almeida Neves Delgado a pouca experiência democrática junto às
ações antidemocráticas de Vargas durante o Estado Novo contribuíram para a má
formação de partidos políticos, na qual sua existência era efêmera e seus projetos mal
definidos.
[...] entre as diferentes agremiações que se organizaram a partir da Lei
Agamenon, três se destacaram e ocuparam o espaço da cena política: a União
Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB). Esses partidos formaram uma estrutura triangular
de poder e de disputa pelo poder. Todavia, durante os treze primeiros anos de
sua existência, representaram duas forças nítidas e opostas que atuavam no
cenário da vida nacional: o getulismo, incorporado e defendido principalmente
pelo PTB, mas também apoiado pelo PSD, embora com menor ênfase e com
estratégia peculiar; e o antigetulismo, que fez da UDN seu principal ancoradouro
e baluarte203.
O PSD, mesmo aliado do PTB, possuía bases sociais distintas, composto, em sua
maioria, pelas classes médias urbanas e por integrantes das oligarquias estaduais. Era
uma agremiação pragmática, cujo objetivo era se manter no poder. O partido era
composto também por membros do Estado Novo, o que facilitou seu sucesso nas urnas,
pois já estavam inseridos na estrutura administrativa dos Estados.
O PSD, partido que deixou como principais marcas de seu perfil o
pragmatismo, a habilidade e a força eleitoral, foi fundado dentro da perspectiva
getulista de continuísmo na transformação. Sua habilidade e capacidade de
alcançar e se manter no poder marcaram época. Como resultado dessa prática,
seus principais integrantes, que foram grandes mestres da negociação, ficaram
conhecidos como “raposas” da política brasileira204.
203
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Partidos Políticos e Frentes Parlamentares: Projetos, Desafios e
Conflitos na Democracia. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit, p. 135.
204
Ibidem, p. 138.
94
Os udenistas, mesmo aliando-se aos pessedistas quando fosse conveniente,
principalmente a fim de conter as reformas de Goulart, faziam ampla oposição aos
trabalhistas. Defendiam o liberalismo econômico e a autonomia para o capital estrangeiro
investir no país; e combatiam o nacionalismo e as medidas trabalhistas.
A principal linha de ação da UDN consistia em fazer das agremiações prógetulistas seu principal alvo de oposição, tanto no parlamento, como através das
críticas publicadas pelos principais jornais que circulavam no Brasil. [...]
Objetivavam, a curto prazo, romper com a cadeia de sustentação do Estado
Novo e, a longo prazo, eliminar da vida política nacional a força pragmática e
mítica do getulismo e também do trabalhismo205.
Já o PTB possuía entre seus correligionários operários, trabalhadores sindicalizados e
funcionários públicos. Foi o partido mais sólido e organizado entre os anos de 1945 e
1964. Com um programa voltado a questões sociais, os petebistas diferenciavam-se das
outras agremiações.
O Trabalhista e A Gazeta206 foram dois periódicos amazonenses que logo sofreram
com a intervenção militar. Por serem jornais vinculados ao PTB e ao governo de Plínio
Coelho, em setembro de 1964 foram fechados. Ambos eram dirigidos por Miranda Braga.
De acordo com o editorialista Frânio Lima, o governador Arthur Reis ordenou o
fechamento das redações dos periódicos. Preso pelos policiais do DOPS, o jornalista
afirmava.
Aos 21 anos assumi o cargo de secretário do jornal e simultaneamente a
função de editorialista de O Trabalhista, matutino a cuja organização A Gazeta
passara a pertencer. Prosseguiu em ambas as atividades até 04 de setembro de
1964, quando a Polícia do governador Arthur Reis fechou a redação dos dois
jornais, levando presos para o DOPS eu e meus companheiros, inclusive os das
205
Ibidem, p. 137.
Jornais que circulavam em Manaus na década de 1960. A Gazeta era propriedade do senador Artur
Virgílio Filho. FREIRE, op. cit.
206
95
oficinas, sendo todos soltos horas depois. O diretor Miranda Braga e o redator
M. J. Antunes, presos dias mais tarde, permaneceram no quartel-general da
Polícia Militar por vários meses207.
Os jornais se destacaram por fazerem pesadas críticas ao governo de Arthur Reis e se
mostravam alinhados a Plínio Coelho. Logo após o golpe A Gazeta publicava “Plínio
Levou ao Novo Presidente Mensagens de Confiança do Amazonas”
208
, demonstrando a
ideologia do periódico petebista.
[...] a trajetória e o crescimento do PTB não ocorreram livres de atribulações e
dificuldades. Como alvo privilegiado da UDN, por simbolizar no universo
partidário a principal força getulista, o Partido Trabalhista Brasileiro, incluindo
seus principais líderes, foi perseguido pela crítica contundente dos udenistas,
que divulgavam constantemente através da grande imprensa acusações que
relacionavam o petebismo ao peronismo, à perspectiva de implantação de uma
República sindicalista no Brasil, quando não ao “perigo do comunismo” 209.
Portanto, pode-se dizer que desde a década de 1950, o conflito ideológico entre
nacionalistas e liberais estava presente no panorama político do país. Paralelamente a este
embate situavam-se os comunistas, que constantemente postos na ilegalidade, alinhavamse aos trabalhistas devido à simpatia que tinham pelas reformas.
Em Manaus, o jornalista e ex-deputado estadual Arlindo Porto foi preso por 128 dias e
teve seu mandato cassado, simplesmente por ter um histórico com o PCB e ser filiado do
PTB. Outras lideranças também foram encarceradas como o padre Luís Ruas, Geraldo
Campelo e Fábio Lucena210.
207
Entrevista concedida à Roseane Pinheiro. In: PINHEIRO, Roseane Arcanjo. Corações e Mentes
Amordaçados: Jornalismo e Censura em Manaus-AM (1960-1970). In: Jornal da Rede Alcar, São Paulo,
ano 6, n ͦ 67, Julho de 2006.
208
A Gazeta, Manaus, 14 de Abril de 1964.
209
DELGADO, op. cit, p. 143.
210
PINHEIRO, op. cit.
96
A aproximação dos trabalhistas com os comunistas foi um elemento
diferenciador no cenário político brasileiro e acabou sendo usada como uma das
justificativas para a intervenção militar em 1964. Em plena era da guerra fria e
da bipolaridade, o conjunto dos articuladores da deposição do presidente
trabalhista, João Goulart, consideraram que o avanço do trabalhismo era um
caminho aberto para a penetração comunista no Brasil. Por isso, não hesitaram
em intervir no processo político através de uma ação que podemos definir como
golpe preventivo211.
Para muitos estudiosos essa aproximação motivou a união das Forças Armadas, pois
nas tentativas anteriores de golpe o principal problema era a falta de unidade das
Instituições Militares, devido à necessidade de manter a ordem constitucional. Entretanto
com a proximidade dos comunistas com os trabalhistas, o temor de socializarem o Brasil
ganhou corpo dentro dos quartéis. Assim, os ataques aos comunistas na imprensa eram
visíveis. O Jornal do Commercio publicava a seguinte manchete “Cuba Pagava Alto
Preço a Figurões da República pela Comunização do Brasil” 212.
A partir daí, a histórica aliança entre PTB-PSD começou a ruir no início da década de
1960, quando os petebistas se aproximaram dos comunistas. Ao defenderem a
necessidade de uma reforma agrária no país, PTB e PCB chocaram-se com interesses dos
integrantes do PSD. Formado pelas oligarquias estaduais, os pessedistas não
vislumbravam perder os seus benefícios rurais, daí a aproximação pragmática com os
udenistas, principalmente no poder legislativo.
Analisando-se a composição das forças que atuaram naquela conjuntura,
podemos dividi-las em dois blocos bem definidos, que absorviam nos seus
quadros diferentes organizações e segmentos da sociedade brasileira. De um
lado, postavam-se grupos reformistas e nacionalistas e, de outro, em
contraposição aos primeiros, segmentos que defendiam uma maior
internacionalização da economia nacional, um alinhamento efetivo aos EUA e
ao bloco capitalista e a não implementação pelo governo federal das reformas de
base, principalmente da reforma agrária213.
211
DELGADO, op. cit, p. 144.
Jornal do Commercio, Manaus, 18 de Abril de 1964.
213
DELGADO, op. cit, p. 147.
212
97
Percebam que esses grupos estavam polarizados entre o PTB e a UDN 214, que
possuíam ideais bem definidos. Enquanto o primeiro defendia um capitalismo
nacionalista, com ampla participação sindical, o segundo era adepto de um capitalismo
fiel às instituições internacionais. Na imprensa as notícias denegrindo a imagem dos
trabalhistas continuavam.
Segundo as autoridades do DOPS, o material apreendido na residência
utilizada por Brizola para encontros com líderes da subversão é suficiente para
enquadrar Brizola na lei de SN. Há um documento em fotocópia espécie
organograma, indicando áreas da Guanabara que seria atacada no dia da eclosão
do golpe esquerdista [...] E há ainda listas com nomes de oficiais das 3 Armas e
autoridades civis a serem eliminados uns, neutralizados outros, e os restantes
expurgados. De acordo com o documento, cerca de 2000 pessoas foram
consideradas aptas para formar os chamados grupos de 11[...]215
A notícia do periódico legitimava a justificativa dos golpistas que defendiam uma
necessidade de contragolpear os trabalhistas e comunistas. Segundo a reportagem,
Brizola e seus seguidores planejavam assassinar autoridades, demonstrando, para o
público leitor, que os adversários dos conservadores eram terroristas que a qualquer
momento podiam romper a ordem constitucional do país. A exaltação ao golpe de Estado
era presença garantida na grande imprensa.
O conflito entre udenistas e partidários do presidente se avolumava, especialmente
devido à sua aproximação com os comunistas. Com a seguinte manchete “Lacerda
Propõe União com Adhemar e JK”
216
, o Jornal do Commercio estampava a reportagem
a seguir.
214
O PSD, como bem explica Delgado, era um partido pragmático, sem um programa político definido. Sua
grande meta era estar sempre próximo ao poder, ora com os udenistas, ora com os trabalhistas. Ibidem.
215
“Sangue de Brasileiros Iriam Correr em Matança”. Jornal do Commercio, Manaus, 18 de Abril de 1964.
216
Jornal do Commercio, Manaus, 17 de Março de 1964.
98
“Em face dos acontecimentos provocados pela ação comunista com a
cumplicidade do presidente da república, entendo indispensável colocar, mais
do que nunca, a defesa da liberdade acima de qualquer interesse político
eleitoral. A usurpação do poder, a guerra revolucionária, a agitação oficializada,
a influência decisiva dos comunistas no governo, ferem diretamente a lei e a
ordem, e destroem virtualmente a liberdade e a paz interna do Brasil. Proponho,
por isso, aos demais candidatos à presidência da república, um entendimento
imediato para a defesa das instituições, do Congresso, da Constituição e, acima
de tudo, da segurança nacional diretamente visada. O governador Ademar de
Barros já se tem pronunciado neste sentido. O senador Juscelino Kubitshek, que
em 1955 se colocou, em defesa própria, contra a minha tese de um
pronunciamento do Congresso, pelo adiamento, por curto prazo, das eleições
para desintoxicar o país, não entrará, espero, em contradição consigo mesmo,
neste momento, que é muito mais grave. A sua aliança política, naquela época,
gerou o monstro que, agora quer devorar o Brasil. Não há de ele faltar, espero,
ao dever de todos nós, que é o de colocar a pátria, suas instituições, seu futuro
de nação livre, acima de nossas querelas, prevenções e interesses políticos.
Apelo, também, aos que, ainda, por qualquer motivo, julgam possível
permanecer neutros ou eqüidistantes. Não há mais contemporização possível.
Ou se luta agora para conter a marcha da usurpação e reduzir o usurpador à
impotência ou não haverá paz e, muito menos, eleições neste país, ultrajado e
traído. Apelo ao Congresso para que não se deixe isolar pelos dispositivos de
guerra revolucionária. Apelo às Forças Armadas para que respeitem a lei e não
os caudilhos, defendam a democracia e não os demagogos, garantam a paz com
liberdade e a honra, não a paz do medo e da coação. Rogo a Deus que inspire os
brasileiros a defenderem, no presente, enquanto é possível, com energia e
determinação, o que, dentro de poucos dias, talvez, só pelo martírio e a tragédia,
seja possível salvar” (governador da Guanabara, Carlos Lacerda)217.
O conteúdo da reportagem é bem direto. Exaltava a necessidade dos políticos
conservadores se unirem para conter o “monstro” comunista. Convocava não só os
políticos, mas também toda a sociedade que prezava a democracia conservadora, a fim
de preservar a paz, caso contrário o poder seria usurpado pelo presidente e seu exército
comunista.
O governador da Guanabara, abertamente, demonstrava sua aversão ao presidente,
afirmando que o mesmo estava aliançado aos comunistas, onde defendia um golpe, pois
seria a maneira mais eficaz de preservar a liberdade e a democracia. Percebe-se que,
constantemente, os golpistas evocavam a necessidade da manutenção das liberdades
democráticas.
217
Jornal do Commercio, Manaus, 17 de Março de 1964.
99
Um dia após a declaração de Lacerda, o mesmo jornal publicava novos ataques à
Goulart, onde o líder udenista no senado alertava para uma possível conspiração dos
governistas. “Falando ao senado o senador udenista João Agripino afirmou que o
presidente da república está conspirando – O que quer o presidente da república ao
reclamar uma emenda, logo após ter sido ela repelida pelo Congresso [...]” 218
Carlos Lacerda, junto a seus seguidores continuava conspirando. O Jornal do
Commercio divulgava encontro que o governador guanabarino teria com seus aliados,
cujo intuito era conspirar contra o governo Goulart.
O governador Carlos Lacerda embarcará na próxima segunda-feira para
Porto Alegre, a fim de participar de um encontro com diversos governadores
para a formação de uma frente única em defesa do regime.
Estarão reunidos os governadores do RS, sr. Ildo Meneghetti, da Guanabara ,
sr. Carlos Lacerda, de SP, sr. Adhemar de Barros, de MG, sr. Magalhães Pinto,
e possivelmente o do PR, sr. Nei Braga219.
Percebam que o encontro entre os governadores acima citados tem como objetivo,
segundo os participantes, preservar o regime, mesmo defendendo a necessidade de
golpear a Constituição e um presidente eleito de forma democrática.
218
“Líder da UDN no Senado diz que Jango Está Conspirando”. Jornal do Commercio, Manaus, 18 de
Março de 1964.
219
“Amanhã o Encontro Lacerda, Ildo, Adhemar e Magalhães”. Jornal do Commercio, Manaus, 29 de
Março de 1964.
100
3. Crescimento da Censura
Já anos antes do golpe, muitos veículos de comunicações faziam ampla campanha
contra João Goulart, como demonstrava os conteúdos do Jornal do Commercio e A
Crítica. Após o desfecho golpista, as poucas notícias que botavam em cheque esse Brasil
antidemocrático e violento sumiram das páginas dos periódicos.
Como os jornais recebiam “bilhetinhos” ou telefonemas sobre os temas que
deveriam ser evitados, propagou-se a ideia de que a atividade censória se desse
em conformidade com o censor do momento. Sabemos hoje, porém, que toda
uma sistemática ordenava a pauta de “proibições determinadas”, baseada na
vontade de censura de um assunto específico por parte dos órgãos do governo
(notadamente os ministérios, a Presidência da República e as comunidades de
segurança e informações) 220.
Esses temas tinham o objetivo de manter a ordem criada pelos golpistas, evitando
certos assuntos que polemizassem, criando apenas notícias simpáticas aos militares.
Segundo Carlos Fico, os assaltos a bancos eram publicados nas últimas páginas dos
jornais e algumas expressões como “fontes bem informadas” e “fontes autorizadas” eram
proibidas de aparecer nas linhas dos periódicos.
Outra técnica da repressão era macular a imagem de seus opositores, tentando associálos ao comunismo ou culpá-los de subversão. Quando não existiam indícios para
considerarem alguém suspeito, eram fantasiados.
Uma das atividades mais corriqueiras desses órgãos era a produção do
“levantamento de dados biográficos”, uma ficha que indicava o perfil ideológico
e as atividades políticas das pessoas, indispensável à nomeação de alguém para
um cargo público [...] Não é difícil imaginar a que vilanias não serviram esses
documentos, pois são conhecidos os casos de pessoas impedidas de tomar posse
de cargos públicos em função de perseguições políticas impelidas através da
220
FICO, op. cit, p. 190.
101
comunidade de informações. Um simples chefe de repartição, por exemplo, que
não desejasse a ascensão funcional de um seu desafeto, poderia acusá-lo de
“agitador” ou “contrário à Revolução” 221.
O endurecimento dos militares só ocorre após o AI-5, no entanto a repressão já se
fazia presente bem antes, bastando, para isso, uma investigação mais precisa. Estudos
indicam que as prisões arbitrárias e as torturas já aconteciam logo após o golpe,
principalmente no nordeste, na qual foi criada uma crença de que a luta armada
engendrou ou motivou o Ato Institucional. Para a memória oposicionista foi o AI-5 que
motivou a opção mais radical.
Outra forma corriqueira de inculpar alguém era desqualificá-lo com a
acusação de algum desvio moral (do ponto de vista da comunidade de
informações). Padres e bispos eram acusados de romper o celibato eclesiástico;
políticos de oposição, de serem homossexuais; professores universitários de
esquerda teriam amantes. Nessa linha, uma das formas de o “movimento
comunista internacional” propagar-se seria pelo incentivo do uso de drogas e
pela valorização da ideia de “amor livre” 222.
Uma das principais motivações do AI-5 foi a necessidade que os militares tinham de
punir sem esbarrar em questões legais. Antes do AI-5 possuía o hábeas corpus, que
tardavam os processos. Com a outorgação do Ato Institucional, aumentaram as
arbitrariedades, já que prisões e julgamentos eram feitos, de forma despótica, numa
referência à Doutrina de Segurança Nacional.
[...] é certo que entre a “luta armada” e a atividade repressiva da ditadura
estabeleceu-se uma espécie de inter-relacionamento que se expressava num
mecanismo de confirmação recíproca: é justamente o reflexo dessa interação o
que se vê, ainda hoje, no conflito de memórias mencionado. Para os militares da
linha dura, a opção de setores da esquerda pela “luta armada” confirmou a
necessidade de implantação do “Sistema de Segurança Interna” (Sissegin); para
estes setores da esquerda, o AI-5 confirmou a tese da impossibilidade de luta no
221
222
Ibidem, p. 179.
Ibidem, p. 180.
102
terreno legal. Assim, o AI-5 pode ser visto como o resultado do processo de
maturação da linha-dura: ela usou os episódios de radicalização de 1968 apenas
como justificativa para sua constituição em “comunidade”, isto é, para sua
“institucionalização” como “sistema” oficial do governo. Aliás, não se deve
perder de vista que alguns desses episódios de radicalização foram provocados
pela linha-dura – como a violenta invasão da Universidade de Brasília, em
agosto de 1968 -, precisamente com o propósito de justificar a necessidade de
endurecimento do regime223.
Sobre as manifestações que cresciam no país nas vésperas do anúncio do AI-5, as
manchetes dos periódicos tranqüilizavam a população apesar do clima de grande tensão.
Depois de alguns dias de conflitos entre policiais e estudantes, o Jornal do Commercio
estampava em suas páginas “Polícia Domina a Situação em Toda a Guanabara”
224
,e
finalizava a informação com a afirmação de que os culpados são os integrantes do
movimento comunista internacional.
Segurança Aponta a Linha Chinesa das Manifestações - “A secretaria de
segurança [...] Faz parte de um movimento internacional ditado pela linha
comunista chinesa, discordante dos princípios filosóficos russos, que pretende a
comunização internacional por meios violentos [...]” 225
Portanto, apesar da violenta reprimenda policial durante as manifestações, o Jornal do
Commercio preferiu publicar em suas páginas o perigo que a linha comunista chinesa
traria à sociedade, pois pretendiam, conforme a reportagem, comunizar o mundo todo.
De acordo com Carlos Fico, sempre foi fácil censurar no Brasil, pois o Governo
Federal controla verbas publicitárias, acordos, financiamentos e ainda tem o poder de
impedir a distribuição de uma tiragem. Então, voltar-se contra os ditadores não era tarefa
das mais interessantes, porém alguns adentraram nesta empreitada.
223
Ibidem, p. 182-183.
Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Junho de 1968.
225
Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Junho de 1968.
224
103
Ainda é comum ver-se destacado o papel dos órgãos que sofreram com a
censura ou a atuação de profissionais que procuraram negaceá-la. Esta é uma
dimensão verdadeiramente importante, pois chama a atenção para o trabalho de
órgãos e de jornalistas de oposição que combateram, criticaram ou
ridicularizaram a ditadura, como Movimento, Opinião, O Pasquim, a Folha da
Tarde de certa época ou O Estado de S. Paulo. Porém, milhares de veículos, por
todo o Brasil, assumiram posturas pragmáticas ou de apoio ostensivo ao regime,
o que tem sido por vezes chamado, genericamente, de “autocensura”, expressão
que não revela todos os matizes do problema. Afinal, “autocensura” denota um
comportamento de colaboracionismo, algo distinto dos procedimentos
pragmáticos dos que pretendiam “evitar problemas” ou dos que seguiam as
ordens da censura por receios diversos226.
Percebe-se que os jornais pesquisados evitavam esses problemas, pois suas notícias,
desde as articulações que envolviam o golpe ainda no início da década de 1960,
alinhavam-se aos conservadores. Veja o conteúdo da matéria do Jornal A Crítica quando
o AI-5 foi baixado.
A crise político-militar iniciada com o pedido de licença para processar o
deputado federal do MDB carioca, Márcio Moreira Alves, chegou ontem ao seu
ponto culminante, após ter a Câmara dos Deputados negado o pedido do
governo [...] resolveu baixar o AI 5, e o Ato Complementar n° 38, no qual
decretou o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado227.
Nota-se que o periódico divulgava a notícia sem informar à sociedade as limitações
que este novo ato traria a seu dia-a-dia. Numa espécie de lavagem cerebral, os jornais
passavam a imagem que nada daquilo era anormal, nem feriam os preceitos
democráticos, tão defendidos pelos golpistas.
Os analistas que se debruçaram sobre o tema tiveram a impressão de que o
regime militar delineou, de maneira integrada, um sistema de propaganda
política que amparava ideologicamente a repressão e buscava encobri-la. Isso de
fato se deu, mas hoje podemos saber que setores militares diversos tinham ideias
diferentes sobre o perfil da “comunicação social” da ditadura. Assim, a
226
227
FICO, op. cit, p. 189-190.
“Baixado o Ato Institucional 5”. A Crítica, Manaus, 14 de Dezembro de 1968.
104
pretensão de Otávio Costa e de Toledo Camargo era “educar o povo”; para
setores do Exército, havia que “demonstrar força” 228.
Educar o povo, para os militares, representava penetrar na opinião pública, sendo
necessário o controle dos veículos de comunicações. Junto dessa coação veio a
demonstração de força, através da violência e da tortura praticada pelos departamentos
responsáveis pelas informações.
Dias antes do golpe o Jornal do Commercio influenciava o público leitor sobre as
ações do presidente Jango, cuja manchete dizia “Parlamentares Sugerem a Mudança do
Congresso para o Estado da Guanabara” 229.
Repercutiram com grande intensidade nos meios parlamentares as medidas
ontem decretadas pelo presidente da república [...] variando as reações, todas
violentas, desde a renovação da ideia do “impeachment” até a proposta de
anulação legislativa de seus decretos.
A bancada udenista mantinha-se em reunião informal na casa do deputado
Bilac Pinto, à espera da distribuição do texto integral dos decretos assinados na
Guanabara [...] Os rebeldes do PSD e do PSP estavam prontos para acompanhar
os udenistas na reação parlamentar às providências adotadas pelo sr. João
Goulart, que deverá estourar nas primeiras reuniões da próxima sessão
legislativa, que será instalada domingo, às 15 horas230.
As reações contra as atitudes de João Goulart demonstravam o isolamento que se
encontrava o presidente. Perceba na reportagem do periódico o pragmatismo dos
pessedistas, que se uniram com os udenistas no poder legislativo.
A grande imprensa se posicionava a favor dos golpistas por todo o Brasil. No dia que
o golpe foi deflagrado o Correio da Manhã publicava a seguinte manchete “O Brasil já
sofreu demais com o governo atual. Agora: chega” 231. A Tribuna da Imprensa, seguindo
228
FICO, op. cit, p. 198.
Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964.
230
Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964.
231
CAPELATO, op. cit, p. 53.
229
105
a mesma linha, noticiava “Os democratas assumem os comandos militares. Rio festeja a
demissão” 232.
No dia seguinte os noticiários favoreciam aos golpistas. O Estado de São Paulo
exaltava que paulistas e mineiros levantavam-se pela lei. “Democratas dominam toda a
nação”
233
e “A página que o Brasil escreveu para a história”
234
publicava o jornal na
semana que o golpe foi deflagrado.
Conforme Capelato as organizações Globo também se favoreceram com o Golpe de
Estado. “Houve jornais que se beneficiaram com o novo regime. Em troca do apoio ao
governo conseguiram expandir suas empresas. O caso mais expressivo é o do jornal O
Globo, hoje fazendo parte do maior grupo brasileiro no setor da comunicação” 235.
As notícias na manhã seguinte ao golpe demonstravam que o país estava caminhando
para o comunismo daí a “revolução”, onde tratavam o golpe civil-militar como um ato de
defesa da democracia. Veja o que escrevia o Jornal do Commercio após o episódio.
Quando um contingente de fuzileiros navais cercaram o palácio da
Guanabara para prender o governador Carlos Lacerda, de ordem do presidente
João Goulart, o chefe do executivo guanabarino, disse aos fuzileiros navais:
“Nós não estamos brigando com vocês. Nós lutamos contra o comunismo que o
presidente JG quer implantar no Brasil”. Os fuzileiros, ao ouvirem o
pronunciamento de Carlos Lacerda, permaneceram nas proximidades do Palácio
da Guanabara, mas deixaram CL em paz236.
Outras atitudes demonstravam o posicionamento político dos dois jornais retratados.
Sobre o assassinato de Edson Luís de Lima, os periódicos pouco publicaram. Apenas
durante o enterro do estudante, o Jornal A Crítica se posicionou com a manchete
232
Ibidem.
Ibidem.
234
Ibidem.
235
Ibidem, p. 55-56.
236
Jornal do Commercio, Manaus, 02 de Abril de 1964.
233
106
“Enterro do Estudante Foi Passeata Monstro”
237
, onde o mesmo veículo exaltava a
presença de mais de 20 mil pessoas no funeral.
Estudantes amazonenses organizaram uma missa na igreja de São Sebastião, em
homenagem a Edson Luís de Lima Souto, assassinado por policiais no Estado da
Guanabara. Após o evento religioso, uma passeata pelas ruas de Manaus estava
prevista238.
Enquanto em Manaus, a classe estudantil se restringe a comentar os
acontecimentos pelo Brasil afora, as Forças Armadas enfrentam dificuldades em
sair às ruas para comemorar os festejos revolucionários.
Nos bastidores das lideranças estudantis do Amazonas se estrutura uma
solidariedade simbólica, cujo desfecho prevê a celebração de uma missa de
Réquiem. No entanto, nem dia, hora e local estão ainda definidos239.
O senador Artur Virgílio protestou contra a ação da polícia guanabarina, ressaltando
que o incidente foi fruto da “desunião entre as classes estudantis e o governo”, na qual
predominava a falta de diálogo e compreensão. O parlamentar criticou a falta de
liberdade dos estudantes, afirmando que o país estava se transformando na “Alemanha de
Hitler” 240.
A Crítica ressaltava que a passeata organizada pela classe estudantil amazonense
ocorreu em clima de paz. Houve sincronia entre os estudantes e as Forças Armadas, além
da polícia estadual ter contornado qualquer foco de violência com eficácia e segurança.
O estudante amazonense deu exemplo eloqüente de serenidade e equilíbrio.
Tomou posição sensata diante do assassinato de seu colega Edson Luís de Lima
Souto e dentro das tradições cristãs mostrou que não está alheio a solidariedade
nacional que os acontecimentos fatídicos despertaram em todo o país.
237
A Crítica, Manaus, 30 de Março de 1968.
“Missa por Edson Poderá Culminar com Passeata”. A Crítica, Manaus, 04 de Abril de 1968.
239
“Governo Enfrenta com Rigor as Manifestações Estudantis”. A Crítica, Manaus, 02 de Abril de 1968.
240
“Artur Virgílio Protesta Contra a Ação da Polícia”. A Crítica, Manaus, 30 de Março de 1968.
238
107
Sobretudo ficou patente a índole pacífica dos nossos moços que se
preocupam em estudar e preparar o futuro promissor que está guardado para o
imenso vale amazônico.
Por outro lado as autoridades constituídas souberam compreender e aceitar a
posição estudantil, embora se mantivessem em rigorosa vigilância. O Exército,
por exemplo, que teve atuação decisiva na prevenção a possíveis perturbações
da ordem, preveniu-se para reprimir a infiltração de agitadores, que, desta vez,
não lograram fazer os estudantes perder as estribeiras. O movimento foi
espontâneo e severo.
Autoridades ligadas ao comando das Forças Armadas, acompanharam a
mobilização dos jovens e agindo com firmeza, na hora precisa, demonstraram
rigidez no cumprimento do dever e intransigência na manutenção da paz social.
Foi um exemplo da implantação de um clima liberal em que vive o povo
amazonense, sentindo-se de perto a fonte democrática em que o governo pauta
suas atitudes. Era vidente que se houvesse excessos por parte dos moços a
repressão se faria sentir de imediato. Entretanto, isto não aconteceu e a
tranqüilidade social foi mantida dando condições a que cada cidadão continue
exercendo normalmente suas atividades diárias trabalhando pelo progresso da
terra241.
A matéria exaltava o comportamento pacífico e “liberal” do estudante amazonense,
preocupado apenas em estudar, desconsiderando as ações contestatórias existentes na
capital amazonense contra os ditadores.
Após o AI-5 as poucas notícias sobre as arbitrariedades do governo desapareceram.
Em dezembro de 1968, a imprensa amazonense deu uma grande ênfase à “Façanha dos
EUA”, como publicou o Jornal do Commercio, em seu vôo espacial. Pouco menos de um
ano após tal proeza, sobre a morte de Carlos Marighela, tanto A Crítica quanto o Jornal
do Commercio, taxavam-no de líder subversivo.
Carlos Marighela, que havia sido deputado federal pelo PC teve seus direitos
políticos cassados pela revolução de 1964, após o que passou a agir
clandestinamente. Em um violento tiroteio travado com a polícia na noite de
ontem, em SP, foi morto o líder comunista e ex-deputado federal CM. O fato
ocorreu nas proximidades do n° 206 da Alameda Casa Branca [...]
A polícia havia recebido informações de que o líder terrorista tinha um
encontro marcado com um elemento desconhecido, naquele local, e destacou
para lá um delegado e vários agentes que ficaram escondidos à espera de
Marighela.
[...] O chefe terrorista reagiu à voz de prisão, sacando de um revólver e iniciando
o tiroteio contra a polícia, que o matou com uma rajada de metralhadora. No
241
“O Protesto dos Jovens”. A Crítica, Manaus, 06 de Abril de 1968.
108
tiroteio foram feridos os dois companheiros de Marighela e policiais, entre eles
uma investigadora que recebeu um tiro na cabeça.
[...] Comentando o fato, o general Sílvio Corrêa de Andrade, chefe da polícia
federal em SP, afirmou: “A morte de Marighela foi um duro golpe no terrorismo
no Brasil” 242.
Perceba que o inimigo dos militares é retratado como um líder subversivo, cuja morte
representou uma derrota para o terrorismo. O Jornal do Commercio estampava a
manchete “Marighela Teve o Fim Que Procurou”
243
, demonstrando o alinhamento
opinativo dos dois jornais estudados.
O governador Abreu Sodré comentando a morte de Carlos Marighela, disse
que, ele teve o fim que procurou. Por outro lado, Estela Borges Morato; policial
vitimada no choque da polícia com o bando de Marighela, no qual morreu o
líder comunista, continua em estado grave e dificilmente escapará da morte, pois
levou um tiro na cabeça244.
O poder que a imprensa exerce junto à sociedade e a parceria entre empresários
jornalistas e governos estabelecidos foram visivelmente demonstrados na história da
república brasileira.
Na manhã do dia 1º de Abril de 1964, nem Jornal do Commercio, nem A Crítica
criticaram ou pelo menos debateram o acontecimento. O governo de João Goulart era
noticiado como comunista e as Forças Armadas como o movimento anticomunista que
lutaria pela democracia.
A imprensa foi habitada por censores que filtravam as informações que seriam lidas
pela população. “A Revolução Está Viva e não Retrocede, afirma Castello”, escrevia o
Jornal A Crítica do dia 28 de outubro de 1965. “Felizmente, com a vitória da revolução
242
A Crítica, Manaus, 05 de Novembro de 1969.
Jornal do Commercio, 06 de Novembro de 1969.
244
Jornal do Commercio, 06 de Novembro de 1969.
243
109
democrática, não foi necessário fazer uso das armas”
245
, ressaltava o Jornal do
Commercio. Veja a reportagem na íntegra.
[...] o presidente da república dirigiu-se à nação através de uma cadeia de rádio e
televisão. Disse o chefe da nação: Neste momento, a nação brasileira, a
revolução, como desenvolvimento nacional está sujeita a contingências até
mesmo a situações várias [...] No preâmbulo do ato que iniciou a
institucionalização do movimento de 31 de março de 1964 eu digo logo que
houve e continuará a haver não foi do espírito e do comportamento das classes
armadas, mas também na opinião pública é uma autêntica revolução e frizou que
ela resistiu em outros movimentos armados pelo fato de que teve não o interesse
e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da nação246.
Segundo Maria Helena Capelato a sociedade classifica a imprensa de “boa ou má”
conforme os objetivos conservadores. “Os jornais políticos, questionadores da ordem
burguesa, sempre foram os mais visados. Essa má imprensa (anarquista, comunista,
socialista, etc) em raros momentos gozou de liberdade” 247.
245
Jornal do Commercio, Manaus, 03 de Abril de 1964.
A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1965.
247
CAPELATO, op. cit, p. 30.
246
110
4. Imprensa Alternativa
Em Os Donos do Rio, Marialva Barbosa pesquisou a relação da imprensa carioca com
o poder estabelecido, onde as estratégias para estabelecerem troca de favores eram
intensas. Matérias encomendadas e “agrados logísticos” que os donos dos jornais
recebiam dos governos vigentes eram comuns.
Emitindo mensagens dos grupos dominantes, os matutinos elaboram
verdadeiras estratégias para transformar o uso das letras em mito social,
tornando possível, assim, a sua inserção num lugar privilegiado. A criação de
identidades próprias como opositores ou defensores dos que ocupam os lugares
chaves na política também faz parte dessa estratégia dos jornais se autoconstruírem como legitimadores do poder248.
Várias foram as artimanhas criadas pelo Estado para cooptarem todos aqueles que
estavam contrários à ditadura. A imprensa taxava os comunistas de subversivos
terroristas e os militares eram tidos como as forças democráticas. Os assassinatos nos
porões dos exércitos249 eram noticiados como suicídio, portanto qualquer situação de
oposição aos militares era rapidamente denegrida pela imprensa.
Entretanto, os jornais alternativos250 foram as grandes vozes que destoavam os
discursos estabelecidos, que balançavam as bases do governo. A sua existência era o que
de mais democrático existia na imprensa brasileira.
A imprensa alternativa nesse período discricionário acusa um rigor da
censura ainda maior que a grande e média imprensa. Não há qualquer tolerância
248
BARBOSA, op. cit, p. 115.
D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit. É praticamente unânime entre os militares, em seus
depoimentos, que as torturas eram necessárias para conter o “terrorismo”. A maioria afirma que, caso Jango
não estivesse próximo aos comunistas e sindicalistas, inevitavelmente o presidente terminaria seu mandato.
O golpe foi fruto da incitação ao desrespeito à hierarquia e da ameaça comunista, segundo os entrevistados.
250
O Pasquim, um dos principais jornais desta característica, circulou de 1969 a 1988. PAES, op. cit.
249
111
da ditadura com os pequenos jornais semanários ou mensários e com pequenas
revistas políticas ou de humor que são enquadrados como focos da propaganda
subversiva ou força auxiliar de terrorismo251.
De acordo com Flávio Aguiar252, a imprensa alternativa existe desde quando a palavra
impressa chegou ao Brasil. O Correio Brasiliense253, que foi criado para defender a
independência do país; e A Manhã, periódico do Partido Comunista são jornais que
atuaram no período regencial. Na república, o Última Hora, que apesar de ter sido criado
para interceder pelo governo Vargas, tinha as características da chamada imprensa
nanica.
Mas se sua presença na vida brasileira data de longe, com as seqüelas do
golpe de 1964 que eles ganharam um fôlego surpreendente, multiplicando-se por
todo o país e gerando continuamente novas experiências a partir das antigas,
fosse por secessão, ruptura, rachas, ou outro meio qualquer de reprodução, como
aconteceu com Opinião, Movimento e Em Tempo. Mas logo depois desse
apogeu, a produção de alternativos encontrou seu Waterloo. Com a
redemocratização, a partir da década de 1980, eles desapareceram quase por
completo da cena nacional. Só vão reaparecer no novo milênio, sobretudo com a
internet254.
De acordo com Bernardo Kucinski entre 1964 e 1980, 150 jornais alternativos
apareceram e desapareceram no cenário jornalístico. Em oposição à grande imprensa,
denunciavam as torturas e a violação dos direitos humanos.
O aparelho militar distinguia os jornais alternativos dos demais, perseguindoos e submetendo os que julgava mais importantes a um regime especial,
draconiano, de censura prévia. Editores d’o Pasquim permaneceram
251
BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica: História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ática, 1990, p.
314.
252
AGUIAR, Flávio. Imprensa Alternativa: Opinião, Movimento e Em Tempo. In: MARTINS, Ana Luiza;
LUCA, Tania Regina de (Orgs). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
253
O Correio Brasiliense era um jornal oposicionista, publicado em Londres, mas circulava na colônia
brasileira. Nas palavras de Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca, o periódico “estava longe de ser um
beija-mão dos poderosos”. MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de. Introdução: Pelos Caminhos
da Imprensa no Brasil. In: Ibidem, p. 07.
254
Ibidem, p. 236.
112
encarcerados por dois meses logo após o AI-5. Editores do Resistência, do
Coojornal, do Opinião, foram presos em ocasiões diversas. Algumas edições
eram apreendidas, mesmo depois de filtradas pela censura prévia. A partir do
projeto de distensão política do governo Geisel (1974-1978), combatido pela
linha-dura militar, os jornais alternativos tornaram-se o pivô das lutas intestinas
do regime. Após as greves do ABC e da campanha pela anistia, quando a
articulação na sociedade civil atingiu um novo patamar, a imprensa alternativa
esteve entre os alvos principais da tentativa da linha dura de romper os nódulos
dessa articulação por métodos terroristas255.
No Amazonas dois jornais da década de 1970 podem ser enquadrados na categoria de
imprensa alternativa. O Jornal da Amazônia (1975) e o Porantim (1978), que foram
criados com a participação de professores e jornalistas, como José Ribamar Bessa Freire,
Serafim Corrêa, Márcio Souza, Aldísio Figueiras, Ricardo Parente, dentre outros256.
O Jornal da Amazônia surgiu dentro de um grupo de teatro do SESC-AM, onde
existia um movimento visando a defesa da questão indígena e da ecologia da região. De
acordo com Aldísio Figueiras “nós precisávamos canalizar um pensamento sobre a
ecologia, a questão indígena, que não estava acontecendo. Resolvemos fazer esse jornal
da Amazônia [...] Era ambicioso, mas era o nosso ideal atingir tudo e todos. Essas
questões que estão sendo discutidas hoje estavam no jornal” 257.
O jornal se considerava independente, devido às suas matérias críticas e por ser
impresso no Rio de Janeiro, pois nenhuma gráfica queria imprimi-lo em Manaus. O
alternativo logo deixou de circular, em virtude de divergências internas. Segundo seu exdiretor Aldísio Figueiras.
“Nós agüentamos 24 números [...] Foi tão breve e tão sacrificado. Mas tinha
uma coisa, não compactuou um minuto. O jornal era impresso no Rio de Janeiro,
no jornal do Hélio Fernandes, porque em Manaus ninguém queria imprimi-lo
255
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: Nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo:
Scritta, 1991, p. 14.
256
PINHEIRO, op. cit.
257
Entrevista concedida à Roseane Arcanjo Pinheiro. Ibidem.
113
[...] O Jornal da Amazônia era ambicioso porque era do tamanho da nossa
juventude” 258.
Outro alternativo que circulou em Manaus na década de 1970 foi o Porantim. Jornal
lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Era ligado à Igreja Católica, sob
a influência da Teologia da Libertação. Transformou-se num veículo de oposição ao
Regime Militar.
Conforme Roseane Arcanjo Pinheiro, o Porantim foi criado como um espaço de lutas
pelos interesses indígenas, fazendo duras críticas à política governamental e ao
posicionamento da mídia local a respeito da causa indígena.
O CIMI sofreu, em função do jornal, pressões internas e foi ameaçado
através de processos judiciais em seus primeiros números. “O CIMI, a partir
principalmente de 1974 e 1975, pela sua postura radical em termos de apoio aos
índios e denúncias das atuações do Estado e dos interesses econômicos, sofreu
pressão da ala mais conservadora da Igreja Católica [...] Nos primeiros números
houve tentativas de processos porque o informativo publicava matérias que
envolviam personalidades em massacres, isso ocorreu através de cartas e
ameaças”, afirmou o ex-colaborador Egon Dionísio, em entrevista à autora. De
acordo com o depoimento do ex-redator, Ricardo Parente, a causa indígena era
um tabu para a imprensa local. “Isso não repercutia na mídia, mas aos poucos foi
se rompendo essa barreira com o avanço da democratização, criando-se as bases
para uma mudança de mentalidade” 259.
Porém, não só a imprensa nanica sofreu restrições dos governos militares. Com a
imposição do AI-5, muitas redações são invadidas e fechadas. O Última Hora, de Samuel
Wainer, perdura até 1971 e A Tribuna da Imprensa sofreu repetidos atos de violência. Em
Manaus, como já foi citado anteriormente, O Trabalhista e A Gazeta, jornais ligados aos
trabalhistas, sofreram as imposições dos golpistas.
O Correio da Manhã e o Jornal do Brasil, entre os grandes da imprensa,
deixam de circular, têm diretores seus presos, são ocupados por forças policiais
258
259
Ibidem.
Ibidem.
114
e militares. O Correio da Manhã, dentre todos - jornais, revistas e emissoras de
rádio é o mais atingido pela violência instituída – é o que paga mais alto preço
por resistir à ditadura, desaparecendo de circulação.
O Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde têm suas edições apreendidas. Em
todo país os atentados à liberdade de informação atingem grandes, médios e
pequenos veículos que ousam desafiar com a notícia a censura militar. Diretores
de revistas, jornalistas e escritores são presos ou intimados a depor em unidades
militares260.
O Jornal A Crítica divulgava divergências entre membros do partido do presidente
Jango. A manchete intitulada “Deputado do PTB do Paraná Contra JG”
261
expõe as
contradições entre Goulart e um parlamentar de sua base aliada.
Manifestando-se contrário à encampação da Refinaria Capuava, “para que
não se crie nova autarquia empreguista e mais uma unidade burocrática”, o
deputado Marino Pereira do PTB, pronunciou na Assembléia Legislativa do
Estado um discurso que vem tendo a maior repercussão em todo o Estado.
Elementos do PTB, tendo prévio conhecimento da disposição dos seus
correligionários, pressionaram no sentido de que o mesmo desistisse e depois
tentaram impedir que ele discursasse pedindo inicialmente verificação de
quorum à sessão, tentando tumultuar a sessão com apartes obstrucionistas.
O que não impediu que o senhor Marino Pereira prosseguisse, acentuando
mais a burocratização dos serviços que interessam ao povo brasileiro, frizando
que num país onde a produção diminuiu dia a dia e onde, sem exceção em todos
os ramos da indústria ou do comércio onde o governo federal interveio, o
fracasso é total, com a Encampação da Refinaria da Capuava - acentuou –
iríamos então, acrescentar mais uma unidade a esse fracasso262.
As reformas nacionalistas, promovidas pelos trabalhistas, incomodavam aos
conservadores liberais. A matéria do periódico divulgava a opinião de um petebista que
não concordava com as ações do partido, afirmando que a encampação seria mais um
ônus para o Estado.
O Jornal do Commercio publicava “Dutra Rompe o Silêncio de 13 Anos e Pede a
União dos Democratas no País”
260
263
, convocando os golpistas a se unirem contra o
BAHIA, op. cit, p. 313.
Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964.
262
Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964.
263
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964.
261
115
governo trabalhista. O ex-presidente continuava com seus ataques ao pronunciar “Meu
Próximo Pronunciamento Será de Fuzil na Mão” 264, deixando evidente o que estava por
vir.
Conforme Alzira Alves de Abreu, antes do golpe de 1964, os grandes jornais se
preocupavam com a estatização da economia, condenando as imposições ao capital
externo, já que a maioria dos donos dos periódicos possuía ideal liberal e identificavamse com as ideias da UDN.
Após 1964, a crença da liberdade individual deu lugar à centralização do poder nas
mãos dos militares, “para impedir a subversão, ou a ascensão dos grupos de esquerda ao
comando do país”
265
. A autora afirmava que, entre os grandes jornais, poucos se
opuseram aos governos militares.
5. Imprensa Pragmática
264
Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Março de 1964.
ABREU, Alzira Alves de. A Modernização da Imprensa (1970-200). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2002, p. 13.
265
116
Tanto a sociedade de hoje quanto a sociedade da década de 1960 vivia em um regime
antidemocrático. Analisando a imprensa, esta pseudodemocracia é ainda mais
problemática. Como pode ser democrático um país onde grandes empresas controlam
grandes jornais ou canais de televisão, criando certas notícias que atuam conforme seus
interesses? Veja o que escreve Reneé Zicman sobre a questão.
[...] devemos lembrar que na imprensa a apresentação de notícias não é uma
mera repetição de ocorrências e registros, mas antes uma causa direta dos
acontecimentos, onde as informações não são dadas ao azar, mas ao contrário
denotam as atitudes próprias de cada veículo de informação. Todo jornal
organiza os acontecimentos e informações segundo seu próprio filtro266.
Conforme Nadine Habert, o golpe foi uma reação das classes dominantes ao
crescimento dos movimentos sociais, mesmo tendo estes um caráter predominantemente
nacional-reformista267.
É justamente dentro deste conflito político interno que se darão as principais
divergências. Políticos ligados ao liberalismo não aceitavam uma política de cunho
nacionalista, já que tinham interesses externos e há também aqueles grupos que estavam
alijados do poder, daí resolverem aderir ao golpe.
Portanto, os veículos de comunicações mostraram-se grandes aliados dos golpistas,
principalmente na divulgação de ideologias favoráveis e visões unilaterais, com o intuito
de disseminar uma imagem sempre negativa de seus opositores, pois segundo Capelato.
A imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesses e
intervenção na vida social. Partindo desse pressuposto, o historiador procura
estudá-lo como agente da história e captar o movimento vivo das ideias e
personagens que circulam pelas páginas dos jornais 268.
266
ZICMAN, op. cit, p. 90.
HABERT, op. cit.
268
CAPELATO, op. cit, p. 21.
267
117
Ao se tornarem vitoriosos, os golpistas trataram de divulgar imagens agradáveis do
país, assim como criar um clima de otimismo entre os brasileiros, daí os veículos de
comunicações agiram quase que sincronicamente. A Crítica noticiava “Posse de Castelo
Inspira Confiança” 269.
Um jornal novaiorquino diz hoje, que a posse do presidente Castelo Branco
no governo brasileiro, restabeleceu a confiança norte-americana no setor da
economia. O jornal acentua que o novo governo procurará restabelecer as
reformas e adotará medidas para combater o problema da inflação. Finaliza
aquele órgão afirmando que o presidente Castelo Branco já eliminou os
subsídios para a importação do trigo, papel de imprensa e derivados do petróleo,
para possibilitar aos exportadores inclusive os do café, a operar no câmbio
livre270.
As reformas de base, tão reverenciadas por João Goulart, perderam o foco. Com o
primeiro governo ditatorial, as reformas pretendidas visavam tranqüilizar o empresariado.
A Crítica exaltava “Castelo Não Vai Desistir das Reformas Sociais”
271
, deixando
evidente que o objetivo era se alinhar aos investidores internacionais.
O Presidente Castelo Branco afirmou ontem – pronunciamento transmitido
por uma cadeia nacional de rádio e televisão, no qual não bordou nenhuma vez a
tese da prorrogação do seu mandato – que “o Governo não pretende pagar pela
sua política anti-inflacionária o preço da parada do desenvolvimento do País”.
Ao contrário – disse o Marechal Castelo Branco – o ritmo de
desenvolvimento do Brasil está sendo incrementado pela restauração da
confiança empresarial; pela volta aos entendimentos, à base da seriedade com os
organismos internacionais de financiamento inclusive a Aliança para o
Progresso.
Referindo-se aos debates sobre as reformas que encaminhou ao Congresso
afirmou que “elas se impõem ao Governo por muitos motivos” salientando entre
eles “o fato de eles estarem, desde 1945, no debate de toda a Nação” e as
afirmativas de muitos e muitos que impulsionaram a revolução de que também o
das reformas272.
269
A Crítica, Manaus, 20 de Junho de 1964.
A Crítica, Manaus, 20 de Junho de 1964.
271
A Crítica, Manaus, 17 de Julho de 1964.
272
A Crítica, Manaus, 17 de Julho de 1964.
270
118
A matéria visava, principalmente, restaurar a confiança dos empresários e
multinacionais, que não se entendiam com o Governo anterior, já que os interesses se
chocavam,
inevitavelmente.
Os
jornais
eram
usados
para
divulgarem
esses
planejamentos. Veja o que escreve Marialva Barbosa sobre essa relação com os
periódicos.
A extensa correspondência dos redatores chefes, literatos e jornalistas, que
ocupam as primeiras posições na hierarquia das redações, mostra não apenas a
importância da verba oficial para a manutenção dos jornais, mas os acordos
políticos que são realizados entre os grupos dominantes dessas publicações
para a divulgação de feitos particulares ou para dar início a campanhas
ferrenhas contra quem fosse contrário aos interesses do momento273.
Nas articulações que envolveram o golpe, esta conivência entre imprensa e governos
estabelecidos estiveram presentes, como denunciava Ruy Mesquita (O Estado de São
Paulo)274. Os jornais amazonenses também tiveram atuação ativa nessas confabulações,
ao divulgarem notícias que interessavam aos golpistas. O Jornal do Commercio
salientava “CL e JK Atentos” 275.
O governador Carlos Lacerda enviou carta aos governadores de todos os
Estados convocando-os para a tomada de uma posição conjunta em defesa do
sentimento comum de liberdade, e afirmou em declarações à imprensa carioca
que o sr. JG é hoje “um presidente fora da lei”. Enquanto isso, o senador JK
afirmou na televisão o seu apoio ao Congresso Nacional, dizendo que “o
Congresso Nacional deve ser respeitado pelo que tem feito pela Nação, pois os
representantes do povo saberão resolver sem justas e confusões o problema da
reforma agrária”. Na convenção do PSD, serão lançadas as bases para a
formação da Frente de Defesa da Constituição do Congresso e da
Democracia276.
273
BARBOSA, op. cit, p. 148.
CAPELATO, op. cit.
275
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964.
276
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964.
274
119
Perceba que o governador udenista convocava todos os governadores a se
posicionarem contrários às reformas de base de João Goulart, considerando sua atitude
um meio de defenderem a liberdade. O PSD, pragmaticamente, posicionava-se a favor
dos golpistas, a fim de não ferirem seus interesses latifundiários.
Nota-se que esses jornais são controlados por interesses políticos. Conforme o
jornalista Jorge Pinheiro “A Imprensa Brasileira dança ao som do Planalto”
277
e finaliza
afirmando que “o governo é dono das melhores verbas publicitárias, controla a economia,
a lei e a ordem com mão de ferro. Assim, não é surpresa que seja também o dono da
informação e a principal notícia do país”
278
. Bernardo Kucinski, em trabalho que analisa
o aspecto unilateral da imprensa Brasileira, com o intuito de agir conforme o interesse de
Fernando Henrique Cardoso, destaca.
Como ficaríamos sabendo pela Veja só depois de assegurada a vitória de
FHC no primeiro turno, ou seja, cinco meses depois, “[...] Fernando Henrique
convocou para conversas um grupo de pessoas muitíssimo influentes [...] os
barões da elite brasileira [...] queixou-se das televisões, que no seu entender,
vinham maltratando o governo com ênfase exagerada em notícias ruins, que
acabavam azedando a avaliação popular do governo. Procurou os donos da Rede
Globo, reclamou que o Jornal Nacional tinha ampliado a cobertura de temas
como a seca no Nordeste, os saques e o arrocho de salários, o incêndio de
Roraima [...] depois dessas conversas em que agitou o fantasma da renúncia,
teve apoio imediato. A seca desapareceu do noticiário, o aumento do salário
mínimo foi esquecido e os pajés apareceram para apagar o incêndio de Roraima
[...]” Neste encontro, impensável em democracias do Primeiro Mundo em
tempos de paz, acenando com o fantasma de Lula, ameaçando renunciar sua
candidatura à reeleição, Fernando Henrique reenquadrou a mídia e restabeleceu
o caráter sistêmico de seu suporte ao governo279.
Para Alberto Dines a censura acabou, porém as estruturas da ditadura permaneceram.
Aponta o elitismo e a concentração como grandes males da imprensa, resultado da
conjuntura econômica que reduz o número de jornais, enquanto poucos dominam o
277
CAPELATO, op. cit, p. 63.
Ibidem.
279
KUCINSKI, op. cit, p. 192.
278
120
cenário jornalístico. A saída, para o jornalista, é a crítica da imprensa a ser feita numa
atitude conjunta.
Os ataques aos comunistas através da imprensa se tornaram mais intensos após o
golpe. O Jornal do Commercio publicava “Perda de Mandatos para Todos os
Parlamentares Comunistas” 280. Segue a reportagem abaixo.
Pouco mais de 24 horas após haver sido deflagrado em Minas o movimento
pela democracia e pela libertação do país da ameaça comunista, já a esta altura
é considerado plenamente vitorioso, com adesão dos I e IV Exércitos, sediados,
respectivamente, na Guanabara e em PE. Enquanto isso, são as mais
desencontradas as versões sobre o destino do ex-presidente JG que fugido do
Rio, refugiou-se em Brasília, onde, após a adesão da tropa ali sediada ao
movimento revolucionário, tomou destino ignorado, a bordo de um Coronado
da Varig que deixou o aeroporto da Capital Federal ontem, cerca das 22 horas.
O Congresso, em face da fuga do sr. JG, deverá votar, ainda hoje, seu
impedimento legal.
Em PE, o sr. Miguel Arraes foi deposto e, como medida de prevenção
adotada pelas autoridades do IV Exército, preso, tendo assumido o governo o
vice-governador Paulo Guerra, enquanto a Assembléia Legislativa do Estado
deverá votar o impedimento legal do ex-governador.
Também o sr. Badger Silveira foi ontem deposto e preso por tropas da
Marinha e recolhido ao Arsenal de Niterói tendo assumido o governo
temporariamente o presidente da AL [...] No Rio foram presos ao ex-ministro
da justiça Abelardo Jurema em companhia do Contra Almirante Cândido
Aragão [...] quando tentavam fugir indo ao encontro do sr. JG [...] apenas um
foco de resistência era assinalado e este no RS onde o sr. Leonel Brizola,
praticamente no comando do III exército, tendo sob seu controle o gal Ladario
proclama através de algumas emissoras de rádio ter em seu poder a cidade de
Porto Alegre [...] Simultaneamente ao esfacelamento total de todo o esquema do
governo deposto em todo o país, exceção apenas de parte do território gaúcho,
as autoridades estaduais e as tropas federais, iniciaram “operação limpeza”,
prendendo a todos os componentes do CGT na Guanabara, menos o deputado
Hércules Correia, que se refugiou no Estado do Rio ou no Espírito Santo,
juntamente com o presidente da UNE, cuja sede foi ontem incendiada e
destruída por populares [...] Finalmente, o quadro geral da situação no país é o
seguinte: domínio total da situação militar pelas tropas revolucionárias com
volta dentro das próximas horas, da normalidade a todos os setores paralisados
pelas greves [...]281
A estratégia que visava denegrir a imagem dos comunistas foi intensamente usada
pelos golpistas, no qual os veículos de comunicações eram seus maiores divulgadores. O
280
281
Jornal do Commercio, Manaus, 03 de Abril de 1964.
Jornal do Commercio, Manaus, 03 de Abril de 1964.
121
Jornal do Commercio publicava “Exército da Revolução Não Admite que os Comunistas
Possam Ser Recuperados”
282
, demonstrando para o leitor que os inimigos dos golpistas
eram meliantes que precisavam ser reabilitados. O mesmo periódico ressaltava “Aragão
Deu Armas para Comunistas” 283.
Fonte absolutamente fidedigna da Marinha informou que o almirante
Cândido Aragão, ex-comandante do corpo de fuzileiros Navais e que ontem foi
preso em movimentada ação dos fuzileiros, conseguiu, antes da queda do
esquema militar do governo, subtrair 1000 metralhadoras “Ina”, calibre 45 do
corpo de fuzileiros Navais, entregando as armas a líderes comunistas e
presidentes de Sindicatos esquerdistas.
As armas conforme essas fontes estariam em Caxias, no Estado do Rio
Grande (onde esses elementos totalitários mantêm um quartel-general, cuja
destruição se impõe com a máxima brevidade).
[...] informou-se que o governador Badger Silveira foi plenamente avisado
sobre essas armas, não tomando qualquer atitude [...] Essa foi a causa de sua
prisão [...]284
A reportagem é taxativa ao classificarem esses líderes de “elementos totalitários”,
associando-os aos ideais fascistas, assim influenciavam a visão do público leitor. O
jornal continuava com suas matérias considerando o movimento golpista uma revolução,
através da manchete “Kruel Narra em Entrevista os Antecedentes Militares da
Revolução Democrática do País” 285. A seguir o comandante do II Exército explicava os
objetivos do golpe e as razões para o militar mudar de lado.
[...] neutralização da ação comunista que se fazia sentir, de forma acentuada, na
quase totalidade dos setores governamentais [...] crises artificiais, promovidas
por elementos nitidamente comunistas, vinham conturbando a tranqüilidade e a
segurança do país [...]
[...] Apelei, com veemência, e em tom incisivo, para que reconsiderasse sua
ação política de estímulo a movimentos reivindicatórios [...]286
282
Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964.
Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964.
284
Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964.
285
Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964.
286
Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964.
283
122
Perceba como já foi exposto nas entrevistas concedidas à Maria Celina D’Araújo,
Gláucio Soares e Celso Castro287, que o terror da possibilidade do Brasil se comunizar
uniram as Forças Armadas. A imprensa fazia seu papel, que visava manchar a imagem de
comunistas e trabalhistas.
O Jornal do Commercio anunciava “Contra o Revanchismo e o Reacionismo:
Institucionalizada a Revolução”
288
, onde novamente o periódico considerava o golpe
civil-militar um ato revolucionário. O mesmo periódico vaticinava “Os Objetivos da
Revolução Serão Atingidos a Qualquer Preço” 289.
De acordo com Marialva Barbosa os produtores de discursos públicos selecionam o
que deve ser fixado e o que deve permanecer no silêncio, no qual reter certos
acontecimentos e exagerar na repetição de outros demonstrava o poder que a memória
exercia dentro de uma sociedade.
Vendo o relato não como a expressão do que ocorreu, mas percebendo
porque apresentado daquela forma, pode-se captar o olhar lançado pelos
construtores do acontecimento sobre o próprio fato e, por extensão, sobre as
estruturas sociais. O relato retira, no presente, algo do esquecimento para a
memória290.
Os relatos presentes nos periódicos refletiam o olhar desses instrumentos sobre o
acontecimento em questão, transformando o golpe numa memória positiva para a
sociedade da época. A Crítica visando manchar a imagem do ex-presidente trabalhista
revelava “Enfarte: Simulação de Jango” 291.
287
D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit.
Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Outubro de 1965.
289
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1965.
290
BARBOSA, op. cit, p. 127.
291
A Crítica, Manaus, 13 de Julho de 1964.
288
123
A verdade sobre o acidente cardíaco que teve, na semana passada, o sr João
Goulart em Montevidéu está entre as notícias que o deram como vítima de um
enfarte e as que o apontavam querendo promover-se a custa de uma simulação
de doença. O ex-presidente teve – informam pessoas que lhe são íntimas e que
regressaram da capital uruguaia – um distúrbio circulatório que poderia ser
melhor definido em linguagem popular como ameaça de infarto292.
Posicionarem-se contrários aos ditadores não era tarefa das mais simples. Vários
jornalistas foram acusados de crimes contra o Regime Militar, quando esses periodistas
estavam apenas exercendo suas funções profissionais. A justificativa encontrada era a
“incitação ao ódio entre as classes e a animosidade contra as Forças Armadas” 293.
Já se viu que, entre as inúmeras ferramentas legais utilizadas pelo Regime
para complementar o campo de repressão garantido pela LSN, ocupou papel de
destaque a Lei de Imprensa, de fevereiro de 1967, que cerceava gravemente o
direito de informar. Apesar da existência dessa lei específica, regularmente
aplicada contra profissionais de imprensa que divulgavam críticas ou notícias
incômodas às autoridades, foi muito freqüente a exacerbação do procedimento
acusatório, que deixava de lado a Lei de Imprensa para invocar a Lei de
Segurança Nacional294.
No Amazonas o jornal A Notícia foi o que mais sofreu com as investidas dos censores,
por fazer oposição ao governador João Walter (1971-1975). Em entrevista à Roseane
Pinheiro, Arlindo Porto relatou as arbitrariedades do período.
Todos aqueles que foram presos em 1964, sem nenhuma exceção, foram
presos sob a acusação de atividades subversivas. Ninguém foi preso por
corrupção nem por comportamentos condenáveis que não fosse o pensamento
político. Todos aqueles que estavam presos tiveram ligações com as áreas da
esquerda. Não havia nada contra nós como ficou comprovado depois pelo
Tribunal Militar, nenhuma acusação completa das atividades que pudessem
prejudicar o país, por isso fomos absolvidos295.
A crítica à situação vigente no país era praticamente inexistente através da grande
imprensa, devido ao medo de retaliações, assim como à pressão exercida pelo governo
292
A Crítica, Manaus, 13 de Julho de 1964.
Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 2005.
294
Ibidem, p. 144.
295
Entrevista de Arlindo Porto concedida à Roseane Arcanjo Pinheiro. In: PINHEIRO, op. cit.
293
124
federal, que controlava verbas publicitárias, concessões, além de financiamentos e
empréstimos.
O Jornal do Commercio mostrou-se alinhado aos golpistas conforme demonstrava
suas matérias. O periódico anunciava “Militar para Consolidar o Governo
Revolucionário e Vitória Não Foi do Exército, Foi do Povo”
296
, demonstrando o que
estava defendendo ao tratar o golpe como uma revolução e afirmar que o povo é o maior
vitorioso com tal ato anticonstitucional.
Os dados levantados por “Brasil: Nunca Mais”
297
indicam quinze processos contra
jornalistas que se levantaram contrários à ditadura. Desses processos, apenas um é
anterior à adoção do AI-5, mostrando que o Ato Institucional de 13 de dezembro de 1968
representou uma mordaça ainda maior nos meios de comunicações.
Dois jornalistas da “Folha da Tarde”, de Porto Alegre, e o delegado de
polícia de Camaquã foram também levados a tribunal militar, respondendo por
crime contra a Segurança Nacional, por terem publicado, em junho de 1972,
matérias relatando que um preso da cadeia pública de Camaquã ali permanecia
detido há 18 anos por ter dado um tapa na esposa. Os jornalistas divulgaram a
notícia na referida “Folha da Tarde”, e o delegado no jornal local, “O
Camaquã”298.
O jornal A Notícia teve seu diretor e secretário arrolados na Lei de Segurança
Nacional, por terem publicado artigo em 18 de março de 1971, onde o periódico criticava
a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que anulou um ato do Tribunal Regional
Eleitoral do Amazonas, no qual havia cassado o mandato de cinco políticos por corrupção
no Estado.
Todos que se posicionassem contrários aos generais golpistas sofriam represália de
alguma forma. Os instrumentos tinham o objetivo de infamar a imagem daquele opositor,
296
Jornal do Commercio, Manaus, 04 de Abril de 1964.
Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 2005.
298
Ibidem, p. 146.
297
125
associando-o ao comunismo, ao terrorismo e à corrupção. Um simples livro vermelho na
estante de um cidadão transformava-se num motivo para prender e torturar.
Sem qualquer preocupação em apresentar declarações do próprio réu sobre
suas convicções políticas e ideológicas, era rotineiro que as denúncias se
referissem a tais cidadãos como “comunistas”, “cripto-comunistas”,
simpatizantes ou aliados do comunismo. Toda a movimentação política ocorrida
nessas áreas era apresentada como planejada por um “Partido Comunista”
fantasmagórico, centenas de vezes mais poderoso que o PCB existente no
período, somado que fosse aos dois ou três outros agrupamentos de esquerda
que começavam a existir naquela época299.
A grande imprensa, sincronicamente, agia a fim de exaltar os “revolucionários
militares” e macular a imagem dos comunistas, sempre os associando ao governo
anterior. A Crítica estampava “A Revolução Brasileira Salvou: Mundo Livre” 300.
Elogiando o povo brasileiro por haver agido a tempo para expulsar de seu
seio o comunismo, “o único imperialismo dos dias de hoje”, o “Miami Heralo”
disse que a queda do “colosso do sul” nas mãos dos comunistas teria significado
“uma calamidade sem limites para os homens livres”.
Em editorial intitulado “O Fim do Comunismo”, declarou o jornal que “é
provável que os historiadores se refiram a 1̊ de abril de 1964 como a data em
que começou o fim do comunismo mundial”.
“Cremos nisto” – acrescentou o jornal – “porque esse foi o dia em que os
brasileiros se levantaram contra os vermelhos e os expulsaram de seu seio”.
Declarando que o levante brasileiro foi uma “rebelião popular contra o duplo
mal da corrupção e infiltração comunista” [...] 301
É visível na manchete do jornal A Crítica seu lado ideológico, ao considerar que o
feito de 31 de março de 1964 foi uma “revolução que salvou o mundo livre”, além de
divulgar para o leitor amazonense a visão nefasta que o periódico norte-americano tem
dos comunistas, afirmando que a ideologia é uma calamidade para os homens livres.
299
Ibidem, p. 156-157.
A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964.
301
A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964.
300
126
Outras esferas da sociedade sofreram com as repressões dos golpistas. Um simples ato
que não os agradassem era considerado uma propaganda subversiva, daí o enorme
controle que as Forças Armadas exerceram dentro das redações dos jornais.
Em outubro de 1967, foi formado inquérito que redundou em processo, na
Justiça Militar de São Paulo, contra o historiador, editor e professor
universitário, Caio Prado Júnior. Foram co-réus outros dois estudantes da
Faculdade de Filosofia da USP. O crime de propaganda subversiva, aqui, teria
sido a publicação de uma revista de debate teórico, naquela Faculdade, com o
título “Revisão”, sob responsabilidade do grêmio estudantil. Caio Prado Júnior
foi condenado na 2 ͣ Auditoria a 4 anos e seis meses de reclusão por ter dado
uma entrevista num dos números da revista302.
A Universidade Federal do Amazonas foi outro foco de resistência aos ditadores. A
Questão (1978), O Grão (1978) e o Gen (1978) eram os informativos presentes nos
centros acadêmicos de Filosofia, Agronomia e Medicina, respectivamente. Debatiam a
situação na instituição, porém faziam amplas críticas aos governos militares303.
Então, as perseguições eram intensas por todos os lados. Jornalistas, estudantes,
sindicalistas, cineastas, intelectuais, dentre outros sofriam retaliações caso não estivessem
de acordo com os desmandos dos golpistas.
A imprensa, instrumento importantíssimo na propagação dos ideais do regime,
despejava agressões aos comunistas. A Crítica noticiava “Brasileiro quer Toda a
América Contra Castro”
304
, tratando o dirigente da ilha caribenha um inimigo dos
brasileiros.
O deputado brasileiro Everardo Magalhães (UDN - GB) sugeriu sábado à
noite, numa homenagem que recebeu em nome do Brasil pelo seu rompimento
com Fidel Castro, que se crie uma força expedicionária integrada por latino302
Brasil: Nunca Mais, op. cit, p.160.
PINHEIRO, op. cit.
304
A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964.
303
127
americanos, “para libertar Cuba do castro-comunismo”. Milhares de cubanos
presenciaram a homenagem celebrada no Bayfront Park quando crianças
cubanas ofertaram uma bandeira de Cuba ao parlamentar brasileiro. Everardo
Magalhães, que se ofereceu como “voluntário das forças expedicionárias, que
libertarão Cuba” ficou conhecido pelos cubanos por fotografar uma capela de
Belém onde a imagem de Fidel Castro ocupa os painéis Litúrgicos305.
As reportagens envolvendo os revolucionários cubanos, persistentemente, comparam a
ilha a uma prisão, destacando a necessidade de libertá-la da maléfica influência
comunista e alinhá-la às doutrinas democráticas da qual o Brasil estava inserido. Quando
a meta era demonstrar que Fidel representava um perigo aos brasileiros, a imprensa fazia
sua parte. A Crítica denunciava “Inglaterra Adverte que Meta de Fidel é Brasil Via
Guiana” 306.
Fontes ligadas ao Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha
informam que o secretário das Colônias Britânicas Duncan Sandy, recebeu um
relatório sobre os recentes acontecimentos na Guiana Inglesa. O documento
revela que os distúrbios políticos que vem ocorrendo fazem parte do plano
cubano de infiltração na região norte da América do Sul e especialmente no
Brasil307.
Perceba que, constantemente, os jornais pesquisados despejavam notícias associando o
governo deposto ao comunismo, além de divulgarem sempre uma visão negativa dos
revolucionários cubanos. A Crítica publicava a matéria abaixo demonstrando o
isolamento de Fidel Castro.
Revelou-se hoje que os Estados Unidos está disposto a dar prosseguimento à
política de isolamento econômico do governo castrista [...] consideram
inegociáveis tanto o papel de Cuba como agente do comunismo, como
subversão contra os países americanos308.
305
A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964.
A Crítica, Manaus, 08 de Julho de 1964.
307
A Crítica, Manaus, 08 de Julho de 1964.
308
“América Isolada de F. Castro”. A Crítica, Manaus, 28 de Julho de 1964.
306
128
A reportagem situava a ilha caribenha como a principal responsável pela
contaminação comunista na América Latina, além de considerarem os cubanos agentes a
serviço da subversão.
Outra estratégia dos golpistas era difamar a imagem daqueles vinculados ao governo
Jango e simpatizantes do trabalhismo. A Crítica estampava a reportagem “Abril e Maio
foram dois meses decisivos para os traficantes: a Revolução venceu, e os aproveitadores
[...] entenderam bem que os ventos, decididamente, mudaram” 309.
Mais uma vez o periódico classificava os golpistas de revolucionários, considerando
seus opositores corruptos, aproveitadores e até traficantes. O período posterior ao golpe
serviu para seus articuladores se prolongarem no poder, afastando do cenário político
qualquer ameaça de contragolpe.
Dentro do período estudado existiram dois momentos em que os políticos civis foram
expurgados das suas atividades públicas. Primeiro, os processos atingiam àqueles
indivíduos vinculados ao governo deposto ou ao comunismo. Depois, após o AI-2, que
transformou a organização partidária do país em um sistema bipartidário, os expurgos
giravam em torno daqueles políticos ligados ao MDB (Movimento Democrático
Brasileiro) ou àqueles que não aceitavam a condição de meros coadjuvantes no Regime
Militar.
Acima de tudo, esses processos põem a nu a encenação montada pelos
governantes, em todos aqueles anos, para aparentar a sobrevivência do jogo
democrático. Ao contrário de outras ditaduras, o Regime Militar brasileiro em
nenhum momento proibiu a existência de partidos políticos. Até outubro de
1965, tolerou a existência de vários, inclusive das agremiações vinculadas ao
governo derrubado. De 1966 para a frente, impôs a existência de apenas dois,
mas assegurando hipocritamente a existência de um oposicionista. Era uma
democracia meramente de fachada [...] Ultrapassado um só milímetro do limite
de crítica que se permitia, limite variável conforme a conjuntura de cada fase, a
309
“A Revolução Corta a Fonte Monetária dos Corruptos”. A Crítica, Manaus, 27 de Junho de 1964.
129
punição caminhava rápido, seja na forma das centenas de cassações de mandatos
[...] seja mediante processos judiciais contra os oposicionistas310.
Os ditadores tiveram a capacidade de afastar do cenário político qualquer ameaça
oposicionista. Aliados aos atos institucionais, que legitimavam mais ainda o poder dos
militares, estavam os periódicos, que quase que unilateralmente, agiam em conformidade
com as Forças Armadas.
O afastamento dos políticos civis, não alinhados às Forças Armadas, estava sendo
preparado. O Jornal do Commercio divulgava “Generais Propõem em Documento:
Dissolução do Congresso e Novo AI” 311.
Em reunião realizada no gabinete do general Ururai, presentes mais de 30
generais e coronéis foi examinado um documento propondo a adoção de novo
AI, estabelecendo a suspensão das garantias constitucionais: dissolução do
Congresso e das Assembléias Legislativas; instalação de um governo
revolucionário que nomearia interventores para os Estados [...]312
O novo ato institucional deixou muitos políticos civis, que ajudaram a arquitetar o
golpe, descontentes. A Crítica divulgava inquietação de Lacerda em artigo intitulado
“Carlos Lacerda Caminha para Crítica e Oposição ao Governo” 313.
Os dirigentes udenistas que estiveram recentemente com o Sr. Carlos Lacerda
colheram a impressão de que o Governador está determinado no seu propósito
de avançar no caminho da crítica e da oposição ao Governo revolucionário. Em
conseqüência, seriam muito reduzidas as chances de se chegar, na atual
emergência, a uma convivência razoável entre a cúpula partidária e o Sr.
Lacerda.
A direção do partido, interessada em apoiar o Governo e em consolidar a
Revolução, ainda que pressentindo o provável acerto de algumas instituições do
Governador da Guanabara, não está tranqüila, quanto à atitude que tomariam as
chamadas bases partidárias no caso de uma consulta, em convenção nacional,
sobre o comportamento a seguir em relação ao Governo Federal314.
310
Brasil Nunca Mais, op. cit, p. 138-139.
Jornal do Commercio, Manaus, 08 de Outubro de 1965.
312
Jornal do Commercio, Manaus, 08 de Outubro de 1965.
313
A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964.
314
A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964.
311
130
As inquietações do governador guanabarino se avolumavam. A Crítica estampava
“Carlos Lacerda: Estou Farto de Ser Boi-de-Piranha, Hoje Provável Rompimento com o
Governo Federal”
315
, demonstrando que o racha com os militares era iminente. Outro
participante do golpe se preocupava com os desmandos dos generais. Ademar de Barros,
governador paulista, fazia exposição de sua inquietude, através da manchete do Jornal A
Crítica “Revolução Preocupa Ademar” 316.
O governador Ademar de Barros manteve hoje contato telefônico com seus
correligionários da capital federal, mostrando-se muito preocupado. Essas
preocupações foram reforçadas com a afirmação da prisão do Secretário do
Governador paulista. Também o deputado Abílio Câmara está sob ameaça de
prisão, tendo inclusive deixado de atender a convocação do presidente da
Comissão e Inquérito317.
Novas divergências apareciam. A Crítica publicava “Exército Não Quer Carlos
Lacerda”
318
, demonstrando, que desta vez, os militares estavam dispostos a serem os
atores principais deste acontecimento político. Os veículos de comunicações atuavam
conforme seus interesses. Veja o que escreve Nelson Werneck Sodré sobre esta relação
entre imprensa e governos estabelecidos.
Batizar de democracia um quadro como o que é apresentado pela grande
imprensa brasileira, atualmente, é, sem dúvida, levar muito longe uma farsa que,
pelo seu uso e abuso, se transformou em norma. Quando a imprensa, como aqui
e agora, modula um coro repetitivo de louvação ao liberalismo, está claro e
evidente que perdeu a sua característica antiga de refletir a realidade319.
315
A Crítica, Manaus, 03 de Agosto de 1964.
A Crítica, Manaus, 01 de Agosto de 1964.
317
A Crítica, Manaus, 01 de Agosto de 1964.
318
A Crítica, Manaus, 23 de Julho de 1964.
319
SODRÉ, op. cit, p. 17.
316
131
Portanto, analisar um acontecimento histórico sob a ótica dos jornais, é investigar
inúmeros interesses envolvidos. Interesses políticos e econômicos que influenciam a
memória da sociedade em questão. As notícias simpáticas ao golpe foram diárias,
enquanto que seus opositores eram qualificados da pior maneira, a fim de desqualificá-lo
e transformá-lo num agente a serviço do comunismo e da subversão.
Os ataques aos cubanos, aos comunistas brasileiros e trabalhistas foram intensos nos
jornais pesquisados, além da louvação aos governos militares. A Crítica divulgava
“Expansão Comunista no Sudeste da Ásia é Causa da Agitação Mundial” 320.
A caça aos corruptos foi semanalmente salientada nos periódicos “Castelo Cumpriu
Sua Principal Finalidade: Desmantelar Máquina da Corrupção”
321
, associando o
governo deposto à desonestidade. Linha Dura Contra Corrupção: Inquéritos Começam
Hoje322, publicava o periódico.
No Amazonas, os opositores dos golpistas também sofreram perseguições. A Crítica
noticiava “Amazonas na Mira da Revolução: Serão Presos Implicados na
Corrupção”323, manifestando as intenções dos golpistas, que era denegrir a imagem de
seus inimigos políticos e afastá-los da vida pública.
No capítulo seguinte analisaremos o posicionamento do Jornal do Commercio e A
Crítica num período que se iniciam as divergências entre os golpistas, principalmente
após o Ato Institucional número 2, que coloca ainda mais os militares no centro das
decisões políticas do país.
320
A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964.
A Crítica, Manaus, 12 de Agosto de 1964.
322
A Crítica, Manaus, 15 de Julho de 1964.
323
A Crítica, Manaus, 14 de Agosto de 1964.
321
132
Capítulo III
A Legitimação da Ditadura Através dos Jornais Amazonenses
1. As Divergências entre os Golpistas
As linhas abaixo demonstram como o Jornal do Commercio e A Crítica se
posicionaram perante os conflitos que estavam ocorrendo entre os golpistas,
especialmente após o AI-2, que afastará da vida política boa parte dos civis envolvidos no
golpe.
O capítulo traça também um perfil do Estado amazonense durante a década de 1960,
falando das articulações entre os golpistas para escolherem o interventor no Governo, das
obras que “embelezaram” o Amazonas e da Zona Franca de Manaus.
133
Apesar da maciça contribuição dos grupos políticos civis no golpe, percebe-se que os
militares já planejavam expurgá-los da vida pública do país. Segundo reportagem do
Jornal A Crítica, o Ato Institucional de número 2 já estava preparado havia alguns dias.
Veja o conteúdo da matéria.
Confirma-se que o ato institucional n° 2 estava sendo preparado há vários
dias. Seu grande orientador foi o jurista Carlos Medeiros da Silva, mas houve a
cooperação do ex-ministro Francisco Campos da Silva e também dos ministros
da guerra e justiça [...] 324
Portanto, essa união entre civis e militares para deflagrarem o golpe foi uma sincronia
pragmática, pois as Forças Armadas se mostraram capazes de tomar as rédeas políticas do
país, opondo-se àquela visão de que eram inseguros e incompetentes para administrarem,
como já foi exposto no primeiro capítulo.
A necessidade de ovacionar a atitude dos golpistas e depreciar seus opositores foi
constante nos periódicos pesquisados. A Crítica estampava “Dominada a ContraRevolução”
325
, insinuando que os golpistas tinham o controle da situação. Veja o
conteúdo da reportagem abaixo.
Agentes especializados do Serviço Secreto da Marinha e do DOPS
conseguiram recapturar, ontem, em qualquer ponto do Rio, o periculoso
elemento que havia escapado quando o estouro das células de Copacabana, onde
os agitadores se reuniam para tramar a contra-revolução.
Apesar do natural sigilo em torno das diligências, em que se vem estendendo
a outras cidades e, em sua maioria, oferecendo resultados os mais positivos,
apuramos que o fugitivo ontem recapturado, um ex-fuzileiro pertencente à
extinta associação da classe, foi agarrado, juntamente com outros agitadores,
quando participava de nova reunião em outra célula comunista.
Pela rapidez com que agiram as autoridades e pelo número de prisões, que se
sabe elevado, mas não declarado oficialmente, podemos adiantar que o
movimento contra-revolucionário está totalmente dominado, com os seus
principais articuladores presos e apreendido todo o material bélico e subversivo
324
325
“Novo Ato Institucional Há Vários Dias Estava Preparado”. A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1965.
A Crítica, Manaus, 31 de Julho de 1964.
134
de que dispunham. As prisões subseqüentes, que ainda agora estão sendo
efetuadas em vários pontos do Rio e cidades vizinhas, na complementação do
total desmantelamento do movimento, resultam dos interrogatórios dos
elementos já capturados. As pistas se sucedem e os agentes desdobram-se para
segui-las.
Uma prova do completo domínio da situação, quer pela capacidade de seus
homens, quer pela coordenação das investigações, foi a recapturação, ontem, em
qualquer parte do Rio, do agitador que havia logrado escapar, de forma
sensacional, durante as primeiras prisões por parte das autoridades. Esse
elemento que se sabe ser um ex-fuzileiro ligado ao “cabo” José Anselmo dos
Santos, no encaminhamento do programa subversivo da extinta associação da
classe, era considerado de grande importância para o desmantelamento do
movimento e sua fuga foi, sobremodo, lamentada pelas forças democráticas.
Agora, com a recapturação, dispõem as autoridades de meios para chegar aos
poucos agitadores ainda em liberdade, e liquidar, no nascedouro, o movimento
contra-revolucionário integrado por militares já desligados da tropa e civis
vinculados à administração do governo deposto326.
A matéria classificava os inimigos da ditadura de agitadores perigosos e subversivos,
enquanto que os golpistas eram considerados eficientes agentes revolucionários capazes
de desestruturar um movimento anti-revolucionário, com prisões que serviram para
desmantelar as forças “antidemocráticas”.
De acordo com José D’Assunção Barros todo texto possui um destino, onde esse
receptor ajuda a escrever as palavras, consciente ou inconscientemente, pois o escritor do
texto antecipa as expectativas de quem irá recebê-lo, aceitando-as ou afrontando-as327. “É
verdade que, em alguns casos, o texto não é produzido originalmente com vistas
propriamente a um receptor, mas sim para contemplar determinada finalidade” 328.
As reportagens analisadas pelo Jornal do Commercio e A Crítica atendiam à
finalidade de legitimar um golpe antidemocrático, divulgando notícias simpáticas aos
militares e produzindo matérias que maculavam os opositores dos golpistas. No entanto
326
A Crítica, Manaus, 31 de Julho de 1964.
BARROS, op. cit.
328
Ibidem, p. 138.
327
135
as tensões após o 31 de março se avolumavam. A Crítica noticiava “Goulart Tenciona
Tumultuar o País” 329.
Para o deputado Aliomar Baleeiro o manifesto do sr. J. Goulart tem a
intenção de tumultuar o país. Disse aquele parlamentar que o ponto de vista de
seu partido a respeito do manifesto do ex-presidente será exposto na Câmara,
pelo Deputado Antônio Carlos.
O plenário da Câmara Federal viveu hoje momento de tumulto, quando a
bancada pessedista foi advertida pelo deputado Antônio Carlos Magalhães, da
UDN baiana. O Deputado Doutel de Andrade tentava defender o sr. João
Goulart das acusações do Deputado catarinense Domício Freitas de que os
sindicatos eram depósitos de armas no tempo do ex-Presidente.
Segundo várias correntes políticas o manifesto do ex-presidente Goulart,
somente encontrou o repúdio popular, não passando o referido manifesto de uma
autêntica palhaçada. O deputado Pedro Aleixo, falando aos jornalistas nos dias
de hoje, disse que não responderá em nome do Governo, ao manifesto do exPresidente330.
A matéria salientava que o ex-presidente era aliado dos sindicatos, onde estas
entidades serviam para ser um alicerce dos comunistas, pois eram depósitos de armas. O
periódico finalizava a reportagem frizando que a população em geral repudiou a atitude
de Jango, pois não passou de uma “palhaçada”. No dia seguinte Carlos Lacerda tratou de
expor sua posição, através de manchete “Lacerda Nega Importância ao Manifesto de
Goulart” 331.
O governador Carlos Lacerda informou, ontem, à sua saída do Palácio das
Laranjeiras, que havia examinado com o presidente Castelo Branco o manifesto
lançado pelo ex-Presidente João Goulart, tendo ambos chegado à conclusão de
que se trata de um documento sem maior importância.
Disse o governador Carlos Lacerda que o manifesto do ex-Presidente João
Goulart, no entanto, prestou um serviço ao País: mostrou que o líder do PTB, Sr.
Doutel de Andrade, que o leu da tribuna da Câmara, está na linha da
subversão332.
329
A Crítica, Manaus, 27 de Agosto de 1964.
A Crítica, Manaus, 27 de Agosto de 1964.
331
A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964.
332
A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964.
330
136
Perceba que a reportagem desqualificava a ação de Goulart, já que segundo o
governador guanabarino, o documento produzido pelo presidente deposto é sem valor,
assim como os petebistas são associados à subversão. O jornal, mostrando-se tendente a
um lado, não expõe a visão contrária aos golpistas. A fim de associar os trabalhistas ao
terrorismo A Crítica noticiava “Terroristas Apontam Leonel Brizola como Chefe” 333.
O ex-Governador Leonel Brizola foi apontado como chefe e mentor do grupo
terrorista desbaratado domingo, em Porto Alegre, e que visava lançar bombas
nas sedes de dois jornais, em um laboratório estrangeiro e na residência do
Comandante do III Exército. Seu nome foi mencionado por duas das 15 pessoas
presas, segundo trechos de depoimentos divulgados pela Polícia.
A situação no Rio Grande do Sul, no entanto, é de perfeita calma e as
autoridades policiais e militares mantêm absoluto controle do Estado. O
Comandante da 5 ͣ Zona Aérea, para impedir vôos não autorizados pelas
autoridades militares, baixou rigorosas instruções sobre o uso de táxis aéreos e
de aparelhos de aeroclubes334.
O periódico em questão expõe, diariamente, uma enxurrada de notícias favoráveis à
ditadura, associando Brizola ao terrorismo, no qual planejava bombardear jornais
inimigos e até a residência de um militar.
As divergências entre os golpistas aumentavam como bem demonstrava a manchete
do Jornal A Crítica “Impeachment Contra Ademar”
335
, manifestando as fissuras
ideológicas dentro do governo ditador. Outro civil golpista sofria perseguições “Lacerda
Foi Proibido de Ocupar Televisões” 336.
Enquanto o gabinete do Ministro da Guerra desmentia as versões segundo as
quais haveria certa inquietação dos efetivos do III Exército, o gabinete do
Ministro reiterava outra nota informando que Eduardo Gomes continuava
ocupando a pasta emprestando absoluta solidariedade ao Governo Castelo
Branco. Por outro lado divulga-se que oficiais da Marinha pretendem assinar um
333
A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964.
A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964.
335
A Crítica, Manaus, 29 de Agosto de 1964.
336
A Crítica, Manaus, 12 de Outubro de 1965.
334
137
memorial pedindo a convocação de uma assembléia no Clube Naval. O
Ministério da Guerra anunciou a disposição do Ministro Costa e Silva de
impedir, mesmo que seja forçado a fazer algumas prisões, a realização da
assembléia que é exigida por cerca de 500 oficiais de terra, mar e ar; espera-se
do Ministro da Marinha idêntica atitude com relação a pretendida reunião no
Clube Naval. Confirma-se que o Governador Carlos Lacerda não poderá mais
ocupar estações de rádio e televisão para combater o Presidente da República.
Carlos Lacerda, que se mostra agora quase desinteressado pela administração
estadual, estuda perspectiva de sobrevivência da sua candidatura à Presidência
da República para depois da data em que deixará o Governo da República337.
Lacerda e Ademar, assim como todos aqueles políticos civis que almejavam o poder
durante o governo autoritário, estavam sendo alijados do cenário político, demonstrando
a atuação da chamada linha dura no período em questão.
A Crítica salientava “Passarinho Silencia Sobre Ação de Lacerda Apontando Estado
do Rio como Foco Comunista”
338
. Perceba que o governador guanabarino, liberal
convicto e adversário declarado dos comunistas estava sendo associado aos seus inimigos
políticos históricos. Veja a reportagem abaixo.
O governador paraense Jarbas Passarinho, sem optar sobre os últimos
pronunciamentos do Governador Carlos Lacerda, manifestou-se favorável,
ontem, a maior interferência do Governo Federal nos Estados, principalmente na
Guanabara, “onde a infiltração comunista é um fato incontestável”.
Pouco depois de desembarcar no aeroporto Santos Dumont e antes de ser
convidado, pelo telefone, para jantar, com o Presidente da República, o
Governador Jarbas Passarinho declarou que a Revolução só foi julgada, de fato,
pelo voto popular, no Pará e Paraná, “Estados de Governos autenticamente
revolucionários” 339.
O Estado da Guanabara, historicamente administrado por um governador
anticomunista, naquele instante começava a ser considerado um “foco” de seus antigos
inimigos, evidenciando o choque entre Carlos Lacerda e a cúpula das Forças Armadas.
Os conflitos com os militares continuavam.
337
A Crítica, Manaus, 12 de Outubro de 1965.
A Crítica, Manaus, 13 de Outubro de 1965.
339
A Crítica, Manaus, 13 de Outubro de 1965.
338
138
“Lacerda quer o pior, mas o Presidente Castelo Branco não se dará ao
trabalho a responder aos seus ataques pessoais”, declarou, hoje, fonte
categorizada do Palácio do Planalto que acrescentou “as últimas atitudes de
Lacerda serviram apenas para afastá-lo ainda mais do convívio das forças
armadas”. Outra fonte do Governo comentava hoje que o grande objetivo do
Governador neste momento é fracionar o dispositivo militar que cerca o
Presidente da República. Entretanto, o Governador, pela falta de originalidade,
foi ao ataque pessoal ao Presidente, numa repetição de atitudes anteriores,
esbarrando na coesão das F. Armadas dispostas a tudo para salvaguardar os
ideais revolucionários. Comentou a mesma fonte que “as Forças Armadas
pensam nos termos da revolução e sabem que a coesão é própria essência da
revolução; quebra dessa unidade será a formação de bandos armados, cada qual
brigando por interesses diferentes”. Ao criticar, pessoalmente, o Presidente
Castelo, o Governador da Guanabara demonstrou que não conhece nossa
gente340.
A reportagem anterior finalizava afirmando que o governo federal iria intervir nos
Estados a fim de preservarem as metas da “revolução”. Era o acirramento do conflito
entre os dois grupos que arregimentaram o golpe civil-militar de 1964, onde as cassações
ganhavam volume. Veja o que noticiava o Jornal A Crítica.
Começaram a surgir nesta capital, a exemplo da edição do Ato Institucional
n ͦ 1 em abril de 1964, os “listões” com os prováveis novos cassados pela
revolução. Segundo informações extra-oficiais, divulgadas às primeiras horas da
noite, o Senado Federal e o Supremo Tribunal que, de vez anterior, haviam
ficado à margem das punições, ocorrido apenas uma cassação, a do senador
Amaury Silva, Ministro do Trabalho do Governo Goulart, desta vez será
duramente atingido. O senador Arthur Virgílio Filho, que já estava na mira da
“linha dura”, teria entrado definitivamente, no “roll” dos novos cassados, em
virtude do violento discurso, pronunciado da tribuna do senado, afirmando que
havia se “sobreposto ao medo para arrostar as conseqüências, sejam elas quais
forem”. O Dep. Doutel Andrade, líder do extinto PTB e a deputada Ivete
Vargas, segundo se informa, encabeçarão a lista dos cassados. O Dep. Oswaldo
Lima Filho, ex-ministro da Agricultura do Governo deposto, não escapará à
suspensão dos direitos políticos pelo novo Ato. Entre os Ministros do STF,
estariam incluídos os drs. Evandro Lins e Hermes Lima. Também se comenta o
nome do senador Ermírio de Morais e de mais de duas dezenas de deputados
federais, alcançando também, as Assembléias Legislativas nos Estados341.
340
341
“Carlos Lacerda Fora do Convívio das Forças Armadas”. A Crítica, Manaus, 14 de Dezembro de 1965.
“Revolução: 6 Nomes nos Pelourinhos das Cassações”. A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1965.
139
As ações mais radicais dos golpistas se intensificavam como bem demonstrava a
reportagem, afastando do palanque político antigos aliados da ditadura. A Crítica
noticiava a perda de mandato de Lacerda342, enquanto parte da imprensa européia se
posicionava de forma negativa perante a situação.
Os principais jornais europeus dedicaram seus editoriais de anteontem à
transformação política ocorrida no Brasil, e em sua maioria analisaram o Ato
Institucional n ͦ 2 como a implantação de uma virtual ditadura no país. Muitos
deles acreditam, inclusive, que os acontecimentos deverão agravar-se nos
próximos dias.
Todos esses jornais estão de acordo em interpretar o segundo Ato
Institucional como conseqüência direta das eleições de 3 de outubro, realçando a
vitória do PSD e ao PTB e analisam a institucionalização da República brasileira
como pressão da oficialidade, que não admite o ressurgimento dos políticos
depostos343.
Novas divergências entre imprensa e governo ditatorial eram expostas. A Crítica
noticiava “Estadão Rompe com Castelo Reafirmando Apoio a Lacerda”
344
, mostrando
que não havia unilateralidade nesta relação, apesar dos inúmeros mecanismos usados
pelos golpistas para cooptá-los. Veja a reportagem abaixo.
Falando na Televisão, o jornalista Júlio Mesquita Filho, diretor do jornal
“Estado de São Paulo”, rompeu definitivamente com o Presidente Castelo
Branco, reafirmando seu apoio a Lacerda. Disse o diretor do “Estadão”: “O
terreno político do Presidente da República falhou totalmente” e criticou a
orientação que vem sendo seguida por Castelo e Juracy. Para o sr. Mesquita
Filho, o pleito de 3 de outubro foi o atestado de óbito da revolução. Disse que “o
próprio Governo não descansou enquanto não destruiu as bases políticas de
Lacerda”. O candidato lacerdista ao Governo da Guanabara foi derrotado em
conseqüência do que se concluiu entre o Governo Federal e a oposição345.
342
“Lacerda Deixa Amanhã o Governo da Guanabara”. A Crítica, Manaus, 03 de Novembro de 1965.
“Jornais Europeus Vêem o Ato como Início de uma Ditadura”. A Crítica, Manaus, 03 de Novembro de
1965.
344
A Crítica, Manaus, 07 de Dezembro de 1965.
345
A Crítica, Manaus, 07 de Dezembro de 1965.
343
140
Perceba que os veículos de comunicações divulgavam que o insucesso nas urnas nas
eleições estaduais era o motivo da postura repressora do Governo perante aos políticos da
oposição. No entanto alguns desses antigos caciques ganhavam espaço na grande
imprensa. A Crítica publicava a manchete “Lacerda Faz Críticas à Política do
Governo”346.
O ex-governador Carlos Lacerda afirmou, ontem, em entrevista “não crê que
o problema se resolva apenas trocando de general”, e desmentiu
categoricamente as notícias de que tenha procurado, em vão, contato com o
Ministro da Guerra General Artur da Costa e Silva.
O sr. Carlos Lacerda considera “que o problema consiste em conciliar a
Revolução com o povo, dar um sentido nacional e popular à Revolução
brasileira, através de uma corajosa, firme e leal política de reforma democrática
do Brasil347.
Os conflitos ideológicos se avolumavam também dentro das Forças Armadas. A
Crítica anunciava “Governo não Quer Costa e Silva como Candidato Único”
348
. Dois
meses depois, o mesmo periódico divulgava “Costa e Silva Articula-se Agora nos Meios
Políticos” 349, afirmando que a candidatura do general já era vitoriosa.
Já Existem Manobras Contra Costa e Silva350, vaticinava o jornal, mostrando o
acirramento das divergências entre os militares. O general Justino Alves Bastos,
comandante do III Exército e aliado do Ministro da Guerra, afirmava “Castelo Está
Marchando para uma Ditadura” 351.
As discordâncias entre os militares eram intensas. A Crítica publicava “Costa e Silva:
Cassações é Problema só de Castelo”
346
A Crítica, Manaus, 28 de Fevereiro de 1966.
A Crítica, Manaus, 28 de Fevereiro de 1966.
348
A Crítica, Manaus, 25 de Janeiro de 1966.
349
A Crítica, Manaus, 25 de Março de 1966.
350
A Crítica, Manaus, 08 de Março de 1966.
351
A Crítica, Manaus, 23 de Maio de 1966.
352
A Crítica, Manaus, 09 de Novembro de 1966.
347
352
, pretendendo se inocentar dos processos. O
141
mesmo periódico revelava “Costa e Silva: Revolução Não é Banir Incapazes e Depois
Devolver-lhes o Poder”
353
, ressaltando a necessidade de manter os valores morais e
políticos alcançados, “pouco importando os enganos cometidos, os quais num balanço
com os acertos são desprezíveis”354.
Os expurgos se intensificaram nos meios civis. Depois de Lacerda, o próximo
estadista a cair seria o governador paulista. A Crítica salientava “Chefes Militares:
Ademar Está no Fim de sua Carreira”
355
, no qual tal ação recebeu amplas críticas de
algumas alas das Forças Armadas. O Almirante Sílvio Heck condenou o gesto do
Governo Federal afirmando que “o objetivo da medida é tumultuar o processo eleitoral
buscando criar dificuldades para a candidatura de Costa e Silva” 356.
O novo ato que afastou da vida pública figuras proeminentes no golpe foi defendido
pelo ministro Juracy, justificando a ação do governo federal. A Crítica publicava “Min.
Juracy Magalhães Diz que o Ato-2 Evitou a Guerra Civil”
357
. Abaixo a justificativa do
militar.
Para o ministro “Há uma infiltração comunista em toda a imprensa mundial.
Não é só no Brasil que isto acontece. É um setor em que eles são sempre
vitoriosos. Não recebo a vitória comunista como tecnologia econômica, nem
mesmo no progresso social. No meio levam uma vantagem inicial. Mas, depois,
a verdade se restabelece e um dia aqueles que acusam o Brasil, por causa do Ato
Institucional número dois, hão de sentir que foi graças a esse Ato que o Brasil
pode realizar uma etapa decisiva na sua marcha para a democracia” 358.
353
A Crítica, Manaus, 29 de Setembro de 1966.
A Crítica, Manaus, 29 de Setembro de 1966.
355
A Crítica, Manaus, 14 de Março de 1966.
356
“Heck: Cassação de Ademar Foi Manobra Contra Costa e Silva”. A Crítica, Manaus, 07 de Junho de
1966.
357
A Crítica, Manaus, 02 de Dezembro de 1965.
358
A Crítica, Manaus, 02 de Dezembro de 1965.
354
142
O Jornal do Commercio, seguindo a mesma ideologia do Jornal A Crítica, publicava
que os “objetivos da revolução serão atingidos a qualquer preço” 359, salientando que as
cassações são necessárias para o país alcançar a “verdadeira democracia”. O periódico
divulgava “Cassações Serão Reiniciadas: Arthur Virgílio Encabeça a Lista”
360
,
antecipando o futuro político do senador amazonense.
O grupo liderado pelo presidente Castelo Branco objetivava lançar como candidato à
sua sucessão Roberto Campos ou Nei Braga, porém o Ministro da Guerra saiu-se
vitorioso nesta batalha, já que foi confirmado como pretendente e favorito a ocupar o
cargo.
Costa e Silva destacava que apenas a união dos militares possibilitaria a continuidade
do processo revolucionário. Em manchete intitulada “CS: União dos Militares Será a
Única Salvação”
361
, o futuro presidente concluiu que “se for eleito Presidente da
República, levará para o cargo a mesma fé na revolução de que estava imbuído quando
assumiu o Ministério da Guerra” 362.
359
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1965.
Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Outubro de 1965.
361
A Crítica, Manaus, 01 de Julho de 1966.
362
A Crítica, Manaus, 01 de Julho de 1966.
360
143
2. O Amazonas Durante a Década de 1960
Estudos da Fundação Getúlio Vargas363 indicavam que o Amazonas ocupava o 3 ͦ
lugar, entre os Estados do país, em progresso econômico. Conforme o governador
Gilberto Mestrinho essa situação demonstrava o desejo de progresso que dominava todos
os corações dos amazonenses.
No entanto, este salto econômico não era sentido pelas classes trabalhadoras da
cidade. Inúmeros sindicatos se reuniam para discutirem melhores salários e condições de
trabalho. O Sindicato dos Estivadores, bastante ativo no período, tratava de reajuste
salarial e benefícios como auxílio doença e pensão364.
Durante o golpe, as ações de trabalhistas e sindicalistas foram desaparecendo das
páginas dos jornais. Jornal do Commercio e A Crítica brindavam as confabulações civismilitares através de reportagens agradáveis aos golpistas.
363
364
“Amazonas em Terceiro Lugar em Progresso Econômico”. A Crítica, Manaus, 17 de Março de 1961.
“Estivadores Vão Reunir”. A Crítica, Manaus, 11 de Março de 1961.
144
As cassações ganhavam celeridade. No Amazonas os cassados foram os deputados
estaduais Abdalla Sahdo e Gregório Dias, ambos do extinto PTB365. Além de perderem
seus mandatos, o primeiro foi afastado do cargo de Juiz do Tribunal de Contas e o
segundo perdeu a chefia geral da administração do Palácio Rodoviário.
Os expurgos ocorriam por todo o país, principalmente direcionados àqueles políticos
ligados ao trabalhismo. A Crítica estampava “Novas Cassações Deverão Atingir
Deputados Federais”
366
, no qual a reportagem explicava que a medida visava estudar a
perda dos direitos políticos de mais ou menos cem parlamentares, com o intuito de
consolidar o movimento revolucionário.
A instalação da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) no Amazonas foi presidida
pelo governador Arthur Reis com a presença dos deputados Homero de Miranda Leão,
Leopoldo Peres Sobrinho, Abrahão Sabbá, além do senador Vivaldo Lima, no qual
formavam a vanguarda política que estavam ao lado dos militares.
O governador do Estado do Amazonas se mostrava favorável à prorrogação do
mandato do presidente Castelo Branco, alegando que tal medida evitaria o tumulto e
despesas com novas eleições.
De acordo com o chefe do Executivo do Amazonas, a prorrogação “assegura a
plenitude da Revolução Democrática”
367
, chegando a admitir que se a “prorrogação
tornasse um imperativo constitucional, o Marechal Castelo Branco deve aceitá-la” 368.
Devido ao aumento do subsídio dos deputados do Amazonas, nova crise se instalava
entre o Executivo e o Legislativo do Estado. Arthur Reis contestava afirmando que seria
nocivo aos cofres públicos, resultando na interdição das ações parlamentares.
365
A Crítica, Manaus, 05 de Julho de 1966.
A Crítica, Manaus, 07 de Julho de 1966.
367
“Arthur É Pela Prorrogação”. A Crítica, Manaus, 14 de Julho de 1964.
368
A Crítica, Manaus, 14 de Julho de 1964.
366
145
Em “solidariedade” aos deputados, vereadores de Manaus planejavam aumentar seus
salários também. A reportagem do A Crítica criticou atitude dos parlamentares
municipais, que estavam inclinados a aumentarem seus subsídios, assim como fizeram os
parlamentares estaduais.
Conforme os parlamentares, o aumento era necessário devido aos gastos efetuados
com seus eleitores, que os procuravam para fazerem inúmeras solicitações, já que
depositaram seus votos naquele político. Segundo os vereadores “As justificativas devem
ser as mesmas apresentadas pelos integrantes da Assembléia Legislativa, para manter o
eleitorado fazendo face às facadas e aos pedidos que recebem dos que afirmam haver
sufragado aos seus nomes” 369.
O deputado Adão Medeiros criticou a justiça e as ações da Assembléia Legislativa,
ressaltando que suas posições eram contraditórias, pois no passado sempre foi conivente
com os governos corruptos de Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho. Afirmou que Plínio já
chamou o Tribunal de Justiça do Amazonas de venal e salientou que o ex-governador
havia comprado a justiça para colocar seu compadre Mestrinho no governo370.
Devido à pressão do governador amazonense e da opinião pública, a revogação do
aumento dos deputados era iminente. A crise se instalou na Assembléia, assistindo a
embates entre a bancada governista e a oposição.
À hora regimental, reuniu-se ontem, em sessão ordinária, a Assembléia
Legislativa. Durante o Grande Expediente falaram os seguintes deputados. João
Valério: reconhecendo o término da crise com o Executivo, e a necessidade de
se retornar à tranqüilidade capaz de repor o Estado no ambiente de trabalho. A
sua oração não foi concluída, face alguns apartes inconvenientes de dois
deputados, os quais, talvez inconscientes, frustraram o sentido que o sr. Valério
tentou imprimir ao discurso. A seguir usou da palavra o Dep. Homero de
369
“Vereadores Não Querem Ficar por Baixo: Vão Também Aumentar seus Subsídios”. A Crítica, Manaus,
15 de Junho de 1964.
370
“Deputado Solidário a Arthur Ataca Assembléia e Justiça”. A Crítica, Manaus, 17 de Agosto de 1964.
146
Miranda Leão, que se congratulou com a investidura do Desembargador André
Araújo no cargo de Secretário de Educação [...] O último orador do Expediente
foi o sr. Francisco Queiróz, que voltou a abordar os incidentes ocorridos durante
a crise referindo-se aos telegramas enviados ao Governador Arthur Reis [...] 371
Contra os votos dos deputados Francisco Queiróz, Abdalla Sahdo, Joel Ferreira e João
Valério, a Assembléia Legislativa recompôs-se com a opinião pública ao revogar o
aumento de seus subsídios. O episódio trouxe um clima de tensão entre o Executivo e o
Legislativo do Estado durante vários dias. A crise foi amenizada com a mudança de
postura dos parlamentares.
As ações dos golpistas visavam afastar da vida pública políticos ligados ao PTB e
opositores dos governos militares. O ex-governador Plínio Ramos Coelho foi preso por
determinação da Comissão Estadual de Investigações, que detectou o recebimento de 5
milhões de cruzeiros por intermédio do ex-secretário de Economia e Finanças, sr. Aldo
Moraes372.
Em represália ao governador Arthur Reis que não aprovou o aumento salarial dos
deputados, os parlamentares reuniram-se na Assembléia a fim de orquestrarem uma
hostilização aos golpistas. O governador se defendeu afirmando que estava evitando o
saqueamento do Estado373.
As articulações para a substituição de Arthur Reis na administração estadual
ganhavam espaço. Danilo Areosa e o deputado Ruy Araújo encabeçavam a chapa para
ocupar o lugar do até então governador. O Jornal A Crítica exaltava a atuação de Areosa
na pasta da Fazenda do Estado onde “Repudiou as práticas obscuras da evasiva, do
subterfúgio, da conformação, e não se limitou a constatar a existência dos problemas,
371
“Na Assembléia Legislativa: Ainda Incidentes da Crise”. A Crítica, Manaus, 19 de Agosto de 1964.
“Interditada Assembléia: Preso Plínio Coelho”. A Crítica, Manaus, 11 de Agosto de 1964.
373
“Deputados Contra Revolução”. A Crítica, Manaus, 05 de Agosto de 1964.
372
147
acertando as suas conseqüências e a estas adotando a filosofia da administração
pública”
374
. Ao candidato a vice, os adjetivos eram favoráveis, no qual o periódico
destacava a “independência e liberdade deste parlamentar” 375.
O governador Arthur Reis dirigiu o Estado do Amazonas entre 27 de Junho de 1964 e
12 de Setembro de 1966, enquanto que seu substituto Danilo Duarte de Matos Areosa
permaneceu no poder até 15 de Março de 1971376, ambos interventores a serviço dos
ditadores. A Crítica salientava “ARENA Escolheu Danilo e Ruy para a Sucessão” 377.
A vida política amazonense, para os próximos 4 anos, foi praticamente
definida ontem à tarde, durante a Convenção Estadual da ARENA, partido
majoritário, que, pelo voto indireto, elegerá o sucessor do Governador Arthur
Reis e o vice-Governador do Estado. Como se esperava, o Sr. Danilo de Matos
Areosa e o Deputado Ruy Araújo foram homologados pelos convencionais
arenistas, em uma votação tranqüila que durou 75 minutos [...]378
Arthur Reis afirmou que o presidente Castelo Branco deu ampla autonomia para os
correligionários arenistas do Amazonas escolherem o sucessor do governo estadual. De
acordo com o governador, o general disse “Governador quem chefia a política no Brasil
sou eu e no Amazonas é o senhor”
379
. Segue abaixo a justificativa para a escolha de
Danilo Areosa e Ruy Araújo.
“Vou fazer uma revelação aos senhores”, disse o Governador Arthur Reis aos
convencionais, no Palácio Rio Negro, “os senhores só podiam escolher esses
dois nomes e eu não podia admitir que a decisão da ARENA do Amazonas fosse
outra, pois ela foi submetida ao Presidente Castelo Branco, porque o Sr. Danilo
de Matos Areosa não é um revolucionário posterior a 31 de março de 1964.
374
“Nomes de Danilo Areosa e Ruy Araújo Significam Segurança para o Amazonas”. A Crítica, Manaus,
07 de Julho de 1966.
375
A Crítica, Manaus, 07 de Julho de 1966.
376
Bittencourt, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Rio de Janeiro:
Conquista, 1973.
377
A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966.
378
A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966.
379
A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966.
148
Posso dizer-lhes que ele foi um dos poucos agentes que conspiraram no Estado
do Amazonas e criaram o clima para a deflagração do Movimento
revolucionário” 380.
Escândalos envolvendo o governo golpista também ocupavam as páginas dos jornais.
Sobre o desfalque ocorrido na Secretaria de Fazenda no período em questão, Areosa
acusava os opositores de fazerem revelações infundadas e sensacionalistas. O governador
afirmava “Entendo que o dinheiro do povo é sagrado, e em seu benefício deve ser
aplicado, correto e honestamente” 381.
Os debates em torno dos benefícios que os nortistas adquiriram com a Zona Franca
ganharam destaque. O Jornal do Commercio estampava “Inimigos do Amazonas Voltam
à Carga”
382
, referindo-se à tentativa de extinção dos incentivos fiscais em Manaus,
promovida por parlamentares do sudeste, já que tramitava um projeto visando revogar os
principais artigos do documento que criou a Suframa.
O mesmo periódico salientava “Nova Ameaça Paira Sobre Zona Franca” 383, onde o
governador do Amazonas alertava que o feito é a “única conquista que efetivamente
poderá compensar as desvantagens que impedem o desenvolvimento da Amazônia
Ocidental” 384.
Em reportagem intitulada “Inimigos do Amazonas” 385, o Jornal do Commercio expõe
as divergências em torno da consolidação da Zona Franca de Manaus, que feriam os
interesses de empresários do sul e sudeste.
380
“Arthur Reis, aos Convencionais: Os Nomes (Danilo e Ruy) Eram Esses e Vocês Não Podiam Escolher
Outros”. A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966.
381
“Danilo Responde à Oposição: Governo quer Fatos, Boatos Não”. Jornal do Commercio, Manaus, 13 de
Outubro de 1967.
382
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1967.
383
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1967.
384
Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1967.
385
Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Outubro de 1967.
149
Nova ameaça, desta vez ao que tudo indica a mais séria de todas, volta a
pairar sobre a Zona Franca de Manaus. Conforme denúncia do próprio líder do
Governo na Assembléia Legislativa está correndo no Ministério da Fazenda, sob
os olhares complacentes do senhor Delfim Neto, um projeto de revogação de
vários artigos do Decreto-Lei número 288, que deu nova estrutura àquela
autarquia e que, mutilado na forma de como vem sendo programado, perderá a
sua eficácia estimuladora do desenvolvimento da região a que visa servir, ou
seja, à nossa Amazônia Ocidental386.
O ministro da Fazenda, Delfim Neto, defende-se das acusações, em conversa com o
superintendente da Suframa, Coronel Floriano Pacheco, afirmando que não havia nada
contra a Zona Franca de Manaus e que a população manauara podia ficar tranqüila, pois o
órgão continuaria “o seu papel como fator de desenvolvimento de nossa região” 387.
Neste período, a Amazônia era um grande vazio demográfico, portanto o Governo
Federal pretendia conter este problema da região. Os projetos da Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) visavam a construção de rodovias e a
exploração dos recursos naturais. Em entrevista à Roseane Pinheiro, Phelipe Daou, que
era editorialista do Diário da Tarde e O Jornal, relembrava.
A Empresa Archer Pinto teve realmente um dos papéis mais preponderantes
que se poderia imaginar. Os jornais ficaram, quando D. Lourdes já estava no
comando, acompanhando tudo passo a passo. Eu participei de várias reuniões
ministeriais que decidiram o decreto 288 (criação da Zona Franca de Manaus).
O noticiário naquele tempo era constante mesmo. D. Lourdes chegou a mandar
uma carta ao general Castelo Branco, que dizia “se o senhor pode dar um
presente à população de Manaus, dê a Zona Franca”. D. Lourdes pessoalmente
se empenhou na aprovação deste projeto, que foi editado em 27 de março de
1967388.
386
Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Outubro de 1967.
“Delfim a Floriano: Nada Há Contra a Zona Franca”. Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Outubro de
1967.
388
Entrevista concedida à Roseane Arcanjo Pinheiro. PINHEIRO, op. cit.
387
150
A imprensa amazonense demonstrava apoio aos projetos militares na região.
Desenvolvimento, progresso, integração eram apenas algumas das palavras sempre
presentes nas matérias. De acordo com o governador Danilo Areosa, esses projetos
serviam para “integrar o Estado aos centros civilizados” 389.
Após muita pressão dos parlamentares do sudeste, o Governo Federal revogou
benefícios conquistados pela Zona Franca de Manaus, porém voltou atrás meses depois.
O Jornal do Commercio publicava “Governo Repara Lei da Zona Franca de
Manaus”390.
O Diário Oficial da União está publicando a alteração do artigo 14, que
retirava os benefícios fiscais para as mercadorias constantes da lista negativa do
Decreto-Lei n ͦ 288, mesmo que fossem produzidas e consumidas em Manaus, e
também dá à publicação oficial outras modificações na legislação da Zona
Franca, de acordo com as sugestões encaminhadas pelo Coronel Floriano
Pacheco ao Ministro Afonso Albuquerque Lima391.
A tentativa de extinção dos benefícios que trouxeram a Zona Franca de Manaus já
vem desde essa época. A censura contra as ações dos veículos de comunicações se
intensificava. A Crítica denunciava “Lei de Imprensa Poderá Abrir Grave Crise Política
no País”
392
. No dia seguinte, o mesmo jornal publicava “Lei Viria como um Novo DIP
Contra a Imprensa” 393.
Em manchete intitulada “Comandante Militar da Amazônia Fala dos Benefícios da
Revolução”
389
394
, o general Edmundo da Costa Neves afirmava que enquanto o governo
Diário da Tarde, Manaus, 07 de Março de 1968.
Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Fevereiro de 1968.
391
Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Fevereiro de 1968.
392
A Crítica, Manaus, 27 de Dezembro de 1966.
393
A Crítica, Manaus, 28 de Dezembro de 1966.
394
A Crítica, Manaus, 01 de Abril de 1968.
390
151
revolucionário se preocupava com a integração e colonização da região, as benfeitorias
advindas da Zona Franca seriam resguardadas.
Delfim Neto, ministro da Fazenda, salientava que as benesses promovidas pela Zona
Franca eram irreversíveis395. O deputado José Lindoso, juntamente com o governador
Danilo Areosa articulavam-se a fim de estenderem os benefícios fiscais.
De acordo com o parlamentar, “a ideia da organização de uma relação de mercadorias,
com isenção plena de imposto, para o interior, foi ardorosamente defendida pelo
Governador Danilo Areosa junto ao Presidente da República” 396.
A capital do Amazonas, mesmo se vangloriando por ter sido a segunda cidade do
Brasil a receber energia elétrica, acumulava problemas. A iluminação na cidade de
Manaus era oriunda da administração Eduardo Ribeiro, fornecida pela extinta Manaos
Tramways, que foi se sucateando a ponto de inúmeras casas ainda usarem lamparinas.
Já a Companhia de Eletricidade de Manaus, criada por lei federal, gerou,
momentaneamente, certa tranqüilidade para a população, porém com o crescimento
demográfico, havia a necessidade de ampliação do sistema, tão debatido por políticos do
período397.
A Companhia de Eletricidade de Manaus era considerada um marco na economia do
Amazonas, pois amenizou os problemas diários sofridos pela população da cidade. O
Jornal A Crítica expõe os nomes das autoridades que transformaram o projeto em
realidade.
O Dr. Paulo Nery, que apresentou o projeto na Câmara; o Dr. Alberto de Rezende
Rocha, intenso defensor da criação da Companhia; o Prof. Aderson Pereira Dutra,
395
“Povo Tranqüilo: Delfim Admite ZFM Irreversível”. A Crítica, Manaus, 09 de Agosto de 1968.
“Lindoso Debaterá com Danilo o Programa Estratégico e Extensão da Zona Franca”. Jornal do
Commercio, Manaus, 06 de Julho de 1968.
397
“Manaus e o Problema da Energia Elétrica”. Jornal do Commercio, Manaus, 22 de Setembro de 1968.
396
152
presidente até então da Empresa; e o Prof. Arthur Reis, governador, que quando era
titular da Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA), em 1954,
firmou acordo que resultou na constituição da Empresa Estatal398.
O prefeito Josué Cláudio de Souza, juntamente com o diretor-presidente da
Companhia de Eletricidade de Manaus, Aderson Dutra, reuniam-se a fim de discutirem a
expansão da iluminação da cidade, que no período já era precária.
Manaus passava por mudanças estruturais, devido ao crescimento populacional,
impulsionadas pela Zona Franca. O prefeito Josué Cláudio de Souza encontrava-se com o
governador Gilberto Mestrinho, mostrando planos de obras para embelezar a cidade. O
projeto previa a ligação dos bairros de São Francisco ao Adrianópolis, assim como o
asfaltamento de suas ruas399.
Outro problema de infra-estrutura era o abastecimento de água, que era insuficiente. A
vazante do período prejudicou o fornecimento nos reservatórios de Castelhana, que
abastecia a Joaquim Sarmento, Aparecida, Luís Antoni e João Coelho; e do Mocó, que
fornecia para a Sete de Setembro, Eduardo Ribeiro, Remédios, Joaquim Nabuco e
Marquês de Santa Cruz. O diretor do Departamento de Águas, Antônio Oliveira, falava à
população manauara para que economizasse o máximo que pudesse400.
A Crítica enaltecia “Suplício da Água Continua e Não se Sabe Até Quando”
401
,
demonstrando o histórico problema de abastecimento de água no Estado que possui o
maior rio em volume de água doce do mundo.
398
A Crítica, Manaus, 17 de Maio de 1961.
“Josué Planeja Embelezar Manaus”. A Crítica, Manaus, 22 de Maio de 1964.
400
“Água Continua Sendo Problema”. A Crítica, Manaus, 26 de Outubro de 1963.
401
A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1963.
399
153
O vereador João Bosco, líder da maioria na Câmara Municipal de Manaus, afirmava à
reportagem do A Crítica402 que o prefeito Josué Cláudio de Souza sempre se preocupou
com a questão da iluminação na cidade, ressaltando que o problema era prioridade na
prefeitura, portanto, enfatizava o parlamentar, a responsabilidade é da Companhia de
Eletricidade.
O prefeito Paulo Nery assumiu a administração municipal em 24 de novembro de
1965, nomeado pelo governador Arthur Reis. A urbanização e modernização da cidade
passaram a se intensificar, devido ao projeto dos militares de ocuparem a região.
O Jornal do Commercio salientava “Realizações de Paulo Nery Assinalam Triênio da
PMM” 403, onde o periódico destacava a abertura oficial da rodovia do Contorno (ligando
Aleixo ao Aeroporto).
Novas obras são divulgadas pela imprensa. O Jornal do Commercio, através da
matéria “A Nova Face da Manaus de Paulo Nery”
404
, destacou as obras do prefeito e
expôs artigos dos acadêmicos Genesino Braga e Mário Ypiranga Monteiro, ovacionando
o trabalho de Paulo Nery.
Além da pavimentação asfáltica de inúmeras ruas, como Tarumã, Saldanha Marinho,
24 de Maio, José Clemente, Lobo D’Almada, Joaquim Sarmento e Getúlio Vargas, a
prefeitura promoveu a total reforma de sua sede, o Paço da Liberdade. Vários mercados
foram construídos ou recuperados com o intuito de dinamizar os serviços na cidade405.
402
“Prefeito Josué Sempre Esteve Interessado na Iluminação”. A Crítica, Manaus, 18 de Setembro de 1964.
Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Novembro de 1968.
404
Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968.
405
Os mercados construídos foram Araújo Lima (São Francisco), Maximino Corrêa (Praça 14), Carneiro da
Mota (Morro da Liberdade) e a conclusão do Araújo Lima (Glória), além da recuperação total do Mercado
Central. “Dinamização de Todos os Órgãos Deu Nova Prefeitura Municipal a Manaus”. Jornal do
Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968.
403
154
De acordo com Mário Ypiranga Monteiro Manaus urbanizava-se na conquista de
novos padrões de cultura, pois para ele o urbanismo representava a marca da influência
européia na cidade.
A Europa invadiu de chofre a civilização do vale, impondo uma configuração
de que o foco já quase não se percebe, de velho e inútil algumas vezes. O
transplante não obedeceu por isso mesmo a nenhum sentido estético ou
dependente de necessidades dirigidas. Criou-se a indústria rendosa da
prostituição com fêmeas internacionais e ruas de duvidosa circulação, proibidas
pelo decoro. O equilíbrio restabeleceu-se com outras ruas animadas pelo
espetáculo atraente das montras cintilantes de jóias, de utilidades e de futilidades
[...]
Antes do colapso econômico, Manaus encheu-se de ruas e de avenidas e estas
de estilos arquitetônicos curiosos, as mais de vezes compósitos, num insolente e
apressado arremedo do isabelino, do árabe, do bizantino, do greco-romano, do
espanhol-alcazaresco [...]406
O crescimento populacional incentivou a reestruturação da cidade, modernizando
bairros e avenidas. A Zona Franca atraía novos habitantes em Manaus. O Jornal do
Commercio publicava “Manaus mais Moderna com os Três Anos de Paulo Nery”
407
.
Abaixo segue a reportagem.
E não foi por acaso que a Administração Paulo Nery concretizou a mudança
de que se fala. Não bastaram o ato nomeatório assinado pelo governador Arthur
Reis e a presença, no vetusto Paço da Liberdade, do homem que com ação e
inteligência, com inteligência e ação, vem mostrando quão inconseqüentes e
falsos eram seus antigos adversários políticos. Ele teve que trabalhar, e
trabalhou mesmo. Sua primeira grande obra foi a constituição de sua equipe. E
acertou. E, depois, começaram a surgir os planos, racionais, técnicos, e sua
conseqüente execução. E, por fim, a Manaus de hoje, a Manaus cuja diferença
de anos antes é mais sentida quando se passa nas ruas das antigas e infectas
feiras, onde agora são encontrados modernos mercados; nas artérias que
receberam asfaltamento; na av. Castelo Branco, cortando o bairro da
Cachoeirinha de extremo a extremo; no Boulevard Amazonas, vendo de perto
seus fabulosos jardins; na Estrada do Contorno, ligando vários bairros e
antecipando não só a incorporação de nova e extensa área ao todo urbano, mas a
Manaus industrial que virá com a Zona Franca408.
406
MONTEIRO, Mário Ypiranga. A Rua e a Cidade: Mudança e Aculturação em Manaus. In: Jornal do
Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968.
407
Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968.
408
Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968.
155
A reportagem engrandecia o trabalho do prefeito manauara, ressaltando que a cidade
recebeu um salto de modernidade, com ruas asfaltadas e mercados diferentes das feiras
infectadas das administrações passadas.
Os conteúdos dessa dissertação demonstraram o posicionamento da imprensa
amazonense, mais precisamente do Jornal do Commercio e A Crítica, durante o golpe
civil-militar de 1964.
O período percorreu as primeiras tentativas frustradas de deferirem o golpe, ainda na
década de 1950. No entanto, o trabalho se pautou na análise da atuação da imprensa
amazonense entre 1961 até o surgimento do Ato Institucional número 5 em dezembro de
1968.
Além do posicionamento dos periódicos no período descrito, a redação analisou a
formação política das Forças Armadas, o poder da imprensa, a inércia das organizações
de esquerda, a visão dos militares sobre o golpe, os conflitos entre trabalhistas e liberais,
as divergências entre os golpistas, assim como o panorama político do Amazonas na
década de 1960.
156
Considerações Finais
A relação da imprensa amazonense com os governos militares foi tumultuada. Houve
a parceria entre o Jornal do Commercio e o A Crítica, pelo menos ao se analisar os
discursos dos periódicos, no entanto tiveram os embates com O Trabalhista e A Gazeta,
veículos ligados aos getulistas.
No Amazonas O Porantim e o Jornal da Amazônia foram dois jornais com o formato
de alternativo, pois discutiam os projetos econômicos e políticos da região e as causas
indígenas. Os periódicos faziam intensa oposição ao governo Arthur Reis e aos projetos
dos militares.
Os informativos dos Centros Acadêmicos da Universidade Federal do Amazonas A
Questão (filosofia), O Grão (agronomia) e O Gen (medicina) criticavam os governos
militares, debatendo a ausência de eleições, as torturas e a corrupção no Regime.
A imprensa transformou-se numa importante fonte de pesquisa historiográfica.
Conforme Reneé Barata Zicman409 o objeto engatinhava devido à falta de fontes
estatísticas e limitação de dados. No entanto, hoje aparece repleta de trabalhos com farta
fonte documental.
409
ZICMAN, op. cit.
157
Foi demonstrada na dissertação a constante aliança entre imprensa e poder público,
através dos discursos estabelecidos pelos periódicos amazonenses. Os jornais insistiam
em certos assuntos e esqueciam ou desprezavam outros.
Havia a persistência em divulgar os feitos dos golpistas, considerando-os
revolucionários, defensores da democracia e infamando as ações de seus opositores, onde
eram chamados de terroristas e subversivos.
A Crítica demonstrava o seu posicionamento ideológico ao declarar que está “Banida
Corrupção: Austeridade e Honradez no Poder”
410
, referindo-se à chegada de Arthur
Reis ao governo do Amazonas, que tinha como objetivo defender os interesses dos
golpistas e manchar os feitos trabalhistas.
Os projetos dos governos militares e de seus aliados foram defendidos pelos jornais
amazonenses. As obras de Arthur Reis, Danilo Areosa, Josué Cláudio de Souza e Paulo
Nery eram exaltadas nas páginas dos periódicos. A SUDAM promovia ações que eram
associadas ao desenvolvimento e à integração.
Frente aos fatos políticos e suas repercussões no Amazonas, os veículos
impressos sinalizam com momentos de acomodação ou resistência em relação
aos atos das forças políticas responsáveis pelo golpe militar. Segmentos da
imprensa, principalmente os jornais, apóiam os projetos do governo autoritário,
embora tenham sofrido com a ação da censura nas redações e a prisão de
jornalistas e lideranças políticas411.
A cidade de Manaus passou por um processo de embelezamento, onde as edificações
de seus governantes eram engrandecidas por A Crítica e Jornal do Commercio. No
entanto, os problemas estruturais também apareceram nas matérias dos periódicos. O
410
411
A Crítica, Manaus, 17 de Junho de 1964.
PINHEIRO, op. cit.
158
tormento da água e o problema da falta de energia elétrica causavam conflitos políticos
muito discutidos no Legislativo.
O golpe forneceu momentos impactantes para as redações dos jornais, pois tinham de
atuarem sincronizadas com os ditadores, caso contrário sofreriam sérias represálias, como
prisão, exílio ou empastelamento do periódico.
Em Manaus, A Gazeta, jornal de propriedade do senador trabalhista Artur Virgílio,
passou a circular apenas com um caderno de esportes e outro que tinha como sub-título
“o máximo de notícias no mínimo de espaço”412, atribuindo a frase ao momento de
exacerbação da censura, que limitavam as matérias jornalísticas.
O poder que a imprensa possui na sociedade foi demonstrado pela preocupação dos
governos ditadores em se associarem aos periódicos em momentos de crise, com o intuito
de divulgarem a imagem de uma realidade interessante àquele grupo político.
Além disso, o jabaculê413 servia para exercerem a troca de favores, onde as duas partes
se beneficiavam com os agrados. De acordo com Ana Maria de Abreu Laurenza, “era
comum Chateaubriand conseguir emprego público para aquele redator ou repórter que
reclamasse dos baixos salários que ele pagava, quase sempre, atrasados” 414.
Chateaubriand apoiou o golpe militar. Tanto que, ao lado do governador de
São Paulo, Ademar de Barros, organizou a “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade” em 19 de março de 1964, prenúncio do golpe. Em 13 de junho de
1964, já na Ditadura Militar e sob o governo do marechal Castelo Branco (19641967), iniciou a campanha “Legionários da Democracia” 415.
412
FREIRE, op. cit
Dinheiro por baixo do pano para promover produtos, empresas e pessoas nas páginas editoriais.
LAURENZA, Ana Maria de Abreu. Batalhas em Letra de Forma: Chato, Wainer e Lacerda. In: MARTINS;
LUCA, op. cit.
414
Ibidem, p. 182.
415
Ibidem, p. 180.
413
159
Segundo o jornalista José Trajano, que na época era repórter do Jornal do Brasil, a
Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi a imagem mais terrível de sua vida, pois
“eles estavam contra tudo em que a gente acreditava”416.
Após o golpe, boa parte da imprensa, agiu de forma sincronizada, classificando os
golpistas de democráticos e seus opositores eram taxados de terroristas comunistas. A
Crítica estampava manchete ovacionando o presidente Castelo Branco numa visita feita a
Salvador.
Apoteótica foi a recepção oferecida ao Presidente Castelo Branco durante sua
chegada hoje. O aeroporto 2 de julho apresentava-se repleto de pessoas que
foram homenagear o chefe do Governo. No longo percurso, cerca de 18
quilômetros que separa o aeroporto baiano e a cidade, o Presidente foi
constantemente ovacionado pela multidão que se acotovelava nas imediações. O
Presidente da República foi recebido no Palácio do Governo, pelo governador
Lomanto Júnior. As classes produtoras, o comércio, a indústria também
prestaram solidariedade ao chefe da Nação. No palácio governamental, o
presidente Castelo Branco se dirigiu ao povo baiano com um pronunciamento
que foi transmitido por uma cadeia de rádio e Televisão, dizendo da sua
satisfação em visitar a “Boa Terra”. O Governador Lomanto Júnior dirigiu ao
Presidente um discurso colocando ao mesmo tempo o chefe do Governo a par da
situação difícil em que se encontra a Bahia, fazendo uma longa exposição.
“O governo procura do modo mais objetivo seguir um programa de trabalho,
dentro do espírito da Revolução. O Governo está animado por uma vida mais
produtiva e que lhe cabe realizar uma obra revolucionária, capaz de atender aos
anseios do nosso povo”.
“A revolução é o estímulo na pobre massa falida. O objetivo do Governo é
assegurar a todos os brasileiros uma vida melhor e mais produtiva” 417.
A reportagem ovacionava a presença do presidente no Estado baiano, destacando a
empolgação do povo, que se acotovelava, apenas para ver Castelo Branco. O militar
finalizava afirmando que a revolução traria uma vida melhor aos brasileiros, além de
ressaltar que o governador da Bahia alinhou o seu Estado aos objetivos da “revolução”.
416
417
Caros Amigos, op. cit, p. 34.
“Bahia: Castelo Recebido Apoteoticamente”. A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964.
160
De acordo com Gérard Lebrun “ter o poder não é, basicamente, estar em condições de
impor a própria vontade contra qualquer resistência. É, antes, dispor de um capital de
confiança tal que o grupo delegue aos detentores do poder a realização dos fins
coletivos”418.
Reportagens muito divulgadas pelo Jornal do Commercio e A Crítica infamavam os
trabalhistas, desde as articulações que envolviam o golpe, depreciando os projetos de
João Goulart, considerando-o comunista e aplaudindo os feitos dos políticos liberais.
As Forças Armadas, principais articuladores do golpe, demonstravam independência
política, contrapondo-se à visão de que eram inaptos para governarem, pois acreditavam
na política dos civis.
Conforme os militares a “revolução” foi resultado da ação comunista no Brasil, pois
penetravam nos postos do governo Goulart e arregimentavam um golpe de esquerda no
país.
A imprensa alimentava essa ideia. Os jornais associavam os comunistas aos
terroristas, Cuba era comparada a uma prisão e os grupos de esquerda no Brasil eram
taxados de subversivos, enquanto que os militares eram classificados de democratas.
O poder que a imprensa exerceu na sociedade foi confirmado nessa dissertação, onde
noticiavam matérias com o intuito de defenderem interesses de grupos políticos e
econômicos, porém, percebeu-se que outros veículos não se curvaram aos desmandos dos
militares.
O jornal é uma importante fonte de pesquisa, no entanto ainda necessita de trabalhos
que mapeiem as características da imprensa amazonense nos diversos períodos da história
republicana, pois em nossa história os veículos de comunicações sempre estiveram
418
LEBRUN, op. cit, p. 14.
161
presentes influenciando as diversas nuances políticas e econômicas do país cheio de
peculiaridades.
162
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JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 18 de Março de 1964.
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JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 20 de Março de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 21 de Março 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 29 de Março 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 02 de Abril de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 03 de Abril de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 04 de Abril de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 05 de Abril de 1964.
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JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 18 de Abril de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 16 de Junho de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 19 de Junho de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 28 de Junho de 1964.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 08 de Outubro de 1965.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 20 de Outubro de 1965.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 28 de Outubro de 1965.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 13 de Outubro de 1967.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 20 de Outubro de 1967.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 21 de Outubro de 1967.
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JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 23 de Fevereiro de 1968.
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JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 22 de Setembro de 1968.
174
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 23 de Novembro de 1968.
JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 24 de Novembro de 1968.
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O ESTADO DO AMAZONAS, Manaus, 31 de Março de 2004.
175
Anexos
O atentado contra o jornalista Carlos
Lacerda agitou o país. A Crítica, 06 de
Agosto de 1954.
Mais ataques a Getúlio Vargas. A Crítica, 14
de Agosto de 1954.
A Crítica, 07 de Agosto de 1954.
176
O Jornal atacava o Governo Vargas. No dia
seguinte mudariam de postura. A Crítica, 24
de Agosto de 1954.
Após o suicídio. A Crítica, 25 de Agosto de
1954.
A Crítica, 26 de Agosto de 1954.
177
A Crítica, 23 de Maio de 1964.
A Crítica, 17 de Junho de 1964.
O
historiador
Arthur
Reis
nomeado
governador pelos militares. A Crítica, 27 de
Junho de 1964.
178
Ataques ao ex-governador petebista. A
Crítica, 17 de Junho de 1964.
Jornal do Commercio, 28 de Junho de 1964.
Crise envolvendo Executivo e Legislativo
do Amazonas. A Crítica, 28 de Julho de
1964.
179
A Crítica, 05 de Julho de 1966.
Os militares escolhiam o sucessor de Arthur
Reis. A Crítica, 11 de Julho de 1966.
Suposto desfalque ocorrido na Secretaria da
Fazenda
do
Amazonas.
Jornal
Commercio, 13 de Outubro de 1967.
do
180
Jornal do Commercio, 06 de Julho de 1968.
Os jornais destacavam o embelezamento de
Manaus na época de Paulo Nery. Jornal do
Commercio, 24 de Novembro de 1968.
Jornal do Commercio, 24 de Novembro de
1968.
181
Jornal do Commercio, 24 de Novembro de
1968.