POEMAS ESTRANGEIROS PARA JOVENS LEITORES
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POEMAS ESTRANGEIROS PARA JOVENS LEITORES
POEMAS ESTRANGEIROS PARA JOVENS LEITORES BRASILEIROS Angela Enz TEIXEIRA (PG-UEM) INTRODUÇÃO Di-versos hebraicos (1991), Di-versos russos (1992) e Di-versos alemães (1993) compõem a coleção Di-versos, da editora Scipione, e ofertam poemas estrangeiros para nossos jovens estudantes brasileiros, considerando que as obras constam nos catálogos direcionados a professores. O interesse pela coleção é o inusitado do material – poemas traduzidos e adaptados, o que logo chama a atenção de professores-pesquisadores de literatura, tendo-se em conta que a recepção de poemas é bastante reduzida ao ser comparada com a da narrativa. Então surge a questão: o que tal coleção traz de inovador? A fim de responder a esta questão, o objetivo geral proposto é refletir sobre a adaptação de poemas estrangeiros para a infância brasileira. Para tanto, os objetivos específicos são descrever a estruturação dos livros da coleção Di-versos; examinar os poemas das obras desta coleção, com enfoque nos temas privilegiados, nas ideologias subjacentes e nas estruturas trabalhadas. Metodologicamente, é feito um estudo bibliográfico, com análise estrutural e de conteúdo, tratando os textos analisados enquanto obras autônomas, mesmo sendo produtos do processo tradutório-adaptativo, o que os vincula, na origem, a suas respectivas obras matrizes. 1 O RESPEITÁVEL PAPEL DA TRADUÇÃO E DA ADAPTAÇÃO É muito comum encontrarmos um discurso pejorativo, mesmo que teórico, em relação a produções adaptadas, especialmente, se a obra de partida e/ou o produto forem literários. Os argumentos giram em torno da fidelidade que a adaptação tem em relação ao texto de partida e, nessa perspectiva conservadora, a adaptação é produto secundário que produtos mercadologicamente mais garantidos, as adaptações têm propósitos vários: mudança de mídia para atingir novos efeitos e públicos; apresentação de outros ângulos UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página discussão a razão para sua feitura. Além do apelo financeiro, já que se fazem adaptações de 1 nasce em débito para com uma obra que lhe é cronologicamente anterior, ficando fora da sobre determinada produção; homenagem, contestação, crítica, refutação ou perpetuação da obra anterior etc. Considerando essa necessidade contextual que impulsiona o mercado derivativo, nas palavras de Hutcheon (2011, p.13): “um segundo não significa ser secundário ou inferior; da mesma forma, ser o primeiro não quer dizer ser originário ou autorizado”. É claro que, se há polêmica em torno das traduções e adaptações de textos quaisquer, mais intrincada ainda é a discussão acerca de retrabalhos a partir de poemas, em virtude do entrelaçamento, dinâmico e não-permutável entre cada aspecto seu, seja estrutural, fônico, linguístico e discursivo. Considerando essa dificuldade e a necessidade de as editoras distinguirem tradução de adaptação, na capa das três obras, após seus respectivos títulos, sucedem os termos: “tradução e adaptação”. Na prática discursiva, a partir de teorias acerca da tradução (no sentido conservador, em que há cisão entre produto traduzido e adaptado), a combinação traduzido-adaptado leva a mensagem ao receptor de que há tangência com a obra de partida, numa tentativa de fidelidade para com os significados da obra estrangeira; porém, interferências mais ousadas foram necessárias e empregadas. Interferências mais ousadas no sentido de se desvincularem da literalidade restritiva à recepção textual pelo novo público, com o fim de proporcionar maior fluidez e efeitos coerentes e próximos aos propostos pela obra matriz, a partir de recriação. Sobre essa combinação dos conceitos “tradução” e “adaptação”, Amorim (2005, p. 153) afirma que tal emprego: “[...] poderia indicar a necessidade de se atenuar o caráter transformador geralmente atribuído às adaptações, associando à adaptação a noção já consagrada de maior ´fidelidade´ relacionada ao conceito de tradução”. Seria uma estratégia para tentar assegurar um vínculo mais estreito entre obra matriz e obra derivativa, significando certa limitação nos procedimentos adaptativos. Na coleção Di-versos, as intervenções de Belinky e Perlov (1991) ou só de Belinky (1992 e 1993) foram necessárias, caracterizando o produto publicado em um trabalho de transcriação, que é entendido por Campos (1991, p. 31), como o trabalho de tradução expressão de criatividade, por uma questão legal e mercadológica, o nome dos autores UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página jakobsoniana supreendida [sic] e desocultada no poema de partida”. Não obstante essa 2 criativa, “a operação que traduz, no poema de chegada, a coreografia da ‘função poética’ estrangeiros têm destaque no suporte para leitura (no sumário), numa segunda tentativa de reafirmar para o leitor certa tangência entre textos estrangeiros e os traduzidos/adaptados brasileiros, conforme a citação de Amorim (2005). Teoricamente, na perspectiva da tradução, falando de poemas, a relação entre obra de partida e de chegada é de conotação, não de denotação, porque, explica Campos (1991, p. 30): “o texto transcriado não pode ser deduzido simetricamente (ponto por ponto, termo a termo) do ‘imaginário’ do texto de partida”. Com respeito a este, a relação de assimetria guarda perspectiva astigmática, ou seja, não pontual e oferece convergência assintótica, isto é, com aproximação sempre “diferida”. Logo, continua o autor (1991, p.30), “O texto traduzido, como um todo (como um ícone de relações intra-e-extratextuais), não denota, mas conota seu original; este, por seu turno, não denota, mas conota suas possíveis traduções”. Essa ligação que não se pode perder entre as obras de partida e de chegada, no viés da teoria da adaptação, funciona como um palimpsesto, e é constituinte do trabalho novo, embora não seja o principal apelo de consumo da coleção Di-versos, como o é na coleção As Trigêmeas, de Roser Capdevila, publicada pela editora Scipione, em cujos livros esperam-se novidades narrativas a partir da interferência das três irmãs, em histórias de domínio comum, como em As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho (2003). Hutcheon (2011, p. 25) explica que o que torna uma adaptação atraente é o prazer palimpséstico que “advém simplesmente da repetição com variação, do conforto do ritual combinado à atração da surpresa”. Nas obras da coleção Di-versos, o efeito palimpséstico se anula para o público alvo, porque, no geral, as crianças brasileiras não leem russo, hebraico nem alemão, nem se espera que os leitores conheçam as obras matrizes. Para falar da coleção Di-versos, os comentários posicionam-se ao contexto escolar, já que tal coleção é divulgada no catálogo da editora Scipione, enviado às instituições de ensino, como também dessa forma divulgam suas obras as editoras Ática, Moderna e Salamandra. As adaptações estão bastante presentes nos catálogos de literatura infantil e juvenil Alves (2005), da editora Ática, traz uma biografia romanceada do poeta baiano, bem como UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página poemas. Falando em poemas e adaptação, a obra de Moacyr Scliar, O amigo de Castro 3 de 2013 das editoras citadas, mas esta é a única coleção que trabalha com a adaptação de excertos de alguns poemas, acompanhados por comentários, mas o foco não são os poemas. No âmbito das adaptações, ainda há muitos produtos em verso, porém, o que eles trazem são narrativas adaptadas em verso e não poesias em si. Excetuando a coleção Diversos, as produções adaptadas em versos não resultam em proposta de leitura especial como requerem os poemas, com jogos de linguagem e sons, multiplicidade de imagens, significações múltiplas, ambiguidades, produzindo muitos significados em um número reduzido de palavras. Por isso, vale a pena dar-se um destaque para a coleção comentada. 2 A MATERIALIDADE DOS LIVROS DA COLEÇÃO DI-VERSOS Os livros da coleção Di-versos são costurados, em brochura, impressos em papel offset e capa firme. Di-versos hebraicos (1991) traz 15 poemas; Di-versos russos (1992), 10; Di-versos alemães (1993),13. Mesmo com essa diferença quantitativa no número de poemas, todos os livros apresentam 63 páginas, as quais são ilustradas e coloridas, mas nem todas apresentam texto verbal. Tais páginas merecem atenção tanto do leitor mirim, quanto do leitor mais experiente, porque as ilustrações contribuem para uma leitura mais atenta dos poemas, seja porque os completam, questionam, chamam atenção para algum ponto em particular ou brincam com eles. Os sumários são lindamente decorados e seguidos pela apresentação da coleção. Antes de cada poema ou conjunto de poemas, há uma biografia pontual dos poetas, já que, embora exímios na sua arte, poucos são conhecidos pelos brasileiros, pois o estudo do cânone nacional e estrangeiro é limitado a alguns títulos e autores que se repetem ano, após ano, sendo propagado por provas de vestibulares ou pela tradição. As ilustrações como dito, ultrapassam os significados dos textos verbais. Cláudia Scatamacchia é a ilustradora de Di-versos hebraicos (1991) e Di-versos russos (1992), e suas ilustrações são tão expressivas quanto as de Cecília Iwashita, em Di-versos alemães de Lea Goldberg, em Di-versos hebraicos (1991). Este poema traz o sofrimento de um UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página Um exemplo de ilustração enriquecedora do texto verbal são as de O menino mau, 4 (1993). menino que, ao querer se comportar e agradar aos adultos, se vê invadido por seu lado mau, que os contraria. As ilustrações dão ênfase à dualidade do garoto Gad, algo peculiar em se tratando de trabalho para crianças. Gad não parece gostar de contrariar os outros, pois ele começa as estrofes contando as coisas boas que faz no início das situações, para depois dizer que não sabe o que acontece e acaba fazendo desordens: briga, xinga, empurra. As ilustrações mostram que o garoto sofre por ser assim, quando ele não está brigando, está triste. A única imagem dele sorridente é ambígua (figura 1): ou ele está feliz ou está com sua personalidade perigosa. Outro fato relevante é a última estrofe do poema que sinaliza uma esperança de mudança para Gad. É um bom ponto para discussão: Gad é como todo garoto e acaba fazendo “artes” ou Gad tem personalidade dupla, já que sofre com as frequentes mudanças? O que eu posso fazer com o tal mau menino? Ou quem sabe quando eu não for mais pequenino, Quando um pouco eu crescer, não será mais assim? Quem sabe ele me larga, e some por fim? (GOLDBERG, 1991, p.33) Figura 1: Menino bom, menino mau (1991, p.33) A funcionalidade das ilustrações de todos os textos é bastante dinâmica e seu estudo resultaria em uma análise bem instigante. 3 TEMAS E IDEOLOGIAS DOS POEMAS Ao ler os 38 poemas que compõem a coleção Di-versos, constatamos recorrência problemas infantis/sofrimento; brincadeiras infantis; morte. Quando o poema parecia UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página assunto de adulto/engajamento; perspectiva infantil da natureza/curiosidade; solidão/ 5 de certos temas que, para viabilizar a análise, foram subsumidos em quatro categorias: pertencer a mais de uma categoria, buscamos sempre as características predominantes, considerando engajamento, o lúdico, a relação assimétrica de forças adulto x criança. TEMAS Di-versos hebraicos (1991) 4 assunto de adulto, engajamento Solidão, problemas infantis, sofrimento perspectiva infantil da natureza, curiosidade brincadeiras infantis morte TOTAL Fonte: Elaborado pela autora. Quadro 1: Temas Di-versos russos (1992) 5 Di-versos alemães (1993) 7 OCORRÊNCIAS 16 5 2 2 9 4 1 3 8 2 0 15 2 0 10 0 1 13 4 1 38 As categorias do quadro 1 agrupam temas semelhantes com assuntos variados. A forma de trabalho com os assuntos revelam ideologias diferentes, por isso, esse alicerce discursivo é abordado junto ao tema. Neste texto, entendemos a ideologia nos parâmetros de Althusser (197?, p. 69), um “sistema das ideias, das representações, que domina o espírito de um homem ou de um grupo social”. Esse sistema de ideias apresenta duas interfaces. Na primeira, Althusser (197?, p. 77) defende que: “A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência”. Ou seja, as várias ideologias (religiosa, moral, política etc.) revelam concepções de mundo, as quais são, normalmente, imaginárias, e não correspondem à realidade, embora façam alusão a ela. E nesse jogo de correspondências, marca-se a existência material da ideologia, a outra interface exposta pelo autor, já que a ideologia é verificável nos comportamentos práticos, nos atos materiais inseridos em práticas materiais do indivíduo. Em nosso corpus, nos poemas. 3.1 DO ADULTO PARA A CRIANÇA: ENGAJADOS X INSTIGANTES O quadro 1 mostra que temas pertinentes a adultos foram os mais frequentes (16). Como crianças tendem a ser curiosas, não dizemos que tais temas não as interessem, perde em qualidade de recepção. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página trabalho feito, em detrimento do estético, do lúdico, da visão infantil do mundo, o poema 6 todavia, parte deles tem cunho pedagógico, e, quando o tom doutrinador prevalece no Tal persistência pode deixar de estimular o jovem leitor a ler poemas, porque as mensagens de ensinamentos ligam-se a um ensinar e aprender baseado na repressão, na censura, na punição, e não tem o poema como objeto artístico, com valor estético em si. Nesse contexto de recepção, a relação assimétrica estabelecida entre criança leitora e adulto minimiza o papel singular, imaginativo e de foco ímpar do jovem. A ideologia subjacente é de submissão do mais fraco (aquele que sabe menos), em relação ao mais forte (aquele que sabe mais dita todas as regras). A lista abaixo dispõe os poemas com temas adultos em três grupos: 1º) os poemas sem foco pedagógico, que somam 4; 2º) os que se assemelham a fábulas, pelo ensinamento trabalhado de forma simbólica, que totalizam 4; 3º) os poemas nitidamente doutrinadores, que são 8. POEMAS SEM FOCO PEDAGÓGICO - 4 O velho crocodilo, de Anda Amir - Di-versos hebraicos (1991) O homem, de Dan Peguis - Di-versos hebraicos (1991) O galo-biruta, de Wilhelm Busch - Di-versos alemães (1993) Passarinho na janela, de Wilhelm Hey - Di-versos alemães (1993) POEMAS COM ENSINAMENTOS, TIPO FÁBULAS – 4 O gato e o cozinheiro, de Ivan Krilov - Di-versos russos (1992) Totó e o elefante, de Ivan Krilov - Di-versos russos (1992) Quem é importante?, de Samuil Marchak - Di-versos russos (1992) A galinha e o bagre, de Heinrich Seidel - Di-versos alemães (1993) POEMAS DOUTRINADORES – 8 Brancos, pretos, amarelos, de Itzhac Leibush Peretz - Di-versos hebraicos (1991) Na véspera da guerra, de Aharon Ze´ev - Di-versos hebraicos (1991) Muitos cheiros, de Samuil Marchak - Di-versos russos (1992) Bom e mau, de Vladimir Maiakovski - Di-versos russos (1992) O sino que andava, de Johann Wolfgang Von Goethe - Di-versos alemães (1993) Pedro Melenudo, de Heinrich Hoffmann - Di-versos alemães (1993) História do malvado Frederico, de Heinrich Hoffmann - Di-versos alemães (1993) João-nariz-no-ar, de Heinrich Hoffmann - Di-versos alemães (1993) Dos 16 poemas listados, 11 primam por rimas regulares, 4 têm rimas desordenadas e 1 não apresenta rimas. É clara a intenção de se trabalhar o ritmo nesses poemas, algo que cativa as crianças, já que os temas não lhe são, necessariamente, foco de interesse. ironicamente, sua humanidade, já que: UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página Peguis, que traz o olhar arguto do autor relativo ao ser humano, desconstruindo, 7 Dos poemas sem foco pedagógico, o de destaque é O homem (1991), de Dan “Somente ele veste e calça bichos, Só ele pensa que é diferente no mundo, .................................................... Ele tem vinte dedos, Tem dois ouvidos E cem corações” (PEGUIS, 1991, p. 53). Esse poema leva a reflexões, porque apresenta o homem como bicho selvagem, superando outros animais neste quesito. No final, ainda fica a ambiguidade dos “cem corações”. Ele pode ter corações demais por comer o de outros animais, mas o som sugere a preposição “sem”, no sentido de o homem ser privado de sentimentos. É um poema denso, interessante e que pode ser apreciado tanto por adultos quanto por jovens, estimula o pensamento crítico do leitor, seja ele iniciante ou adulto, numa recepção que incita o dizer. Já os poemas doutrinadores parecem conduzir seu público ao silêncio. Os poemas nitidamente engajados mostram duas estruturas: uma que ensina pela exortação ou uma realidade idealizada (Brancos, pretos, amarelos; Na véspera da guerra; Muitos cheiros; Bom e mau) e a outra ensina por coação, mostra que a atitude errada leva à punição, a algum castigo ou traz algum prejuízo (O sino que andava; Pedro Melenudo; História do malvado Frederico; João-nariz-no-ar). Exemplificaremos a categoria dos poemas engajados com O sino que andava (1993), de Goethe. Tal poema versa sobre um menino que não gostava de ir à missa. Certo domingo, sua mãe lhe disse para respeitar o sino da igreja, caso contrário, o sino o buscaria. O garoto não deu atenção a isso, e foi brincar, ao som do sino. Pouco depois, ele se depara com o sino tocando, rebolando, querendo cobri-lo e ele, a partir de então, ao toque do sino, corre para a igreja. O sino que andava (1993) tem uma estrutura rítmica atraente para a criança, são sete quartetos com rimas regulares (esquema ABCB) e opção vocabular pertinente (badalar, rebolando, desabalado). A mensagem do texto é clara: o domingo é para ir à Igreja, senão, haverá castigo. O Página “A mãe falou: __ A voz do sino Tens de respeitar! E se vais desobedecer, Ele vem te buscar!” (GOETHE, 1993, p. 10) 8 chamariz do poema, porém, é o humor originado na personificação do sino. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. A mãe fala de forma figurada, mas Cecília Iwashita ilustra a estrofe de forma denotativa, bem como o menino a entende: “Pensa o menino: O sino está na torre pendurado” (GOETHE, 1993, p. 11) – pendurado o sino não iria buscá-lo. Em seguida, há a ambiguidade: o menino sonhou com o sino indo procurá-lo ou, naquele contexto, o sino realmente foi buscá-lo? Entre os poemas não-engajados e os engajados, temos os que se assemelham a fábulas. Os poemas-fábula trazem um enredo trabalhado em ritmo poético, para tanto, têm estrutura irregular, quanto à quantidade de versos nas estrofes, mas todos apresentam rima, embora haja dois com esquemas irregulares. Como nas fábulas tradicionais, estes poemas deixam um ensinamento; porém, essas lições são trabalhadas de forma refinada, simbólica e não se aplicam somente ao leitor criança, mas também ao adulto. Além disso, os textos têm aberturas para questionamentos sociais e de perspectiva que se afastam de um doutrinamento de desvalorização do saber do seu leitor. 3.2 PROBLEMAS INFANTIS O diferencial dos poemas a seguir é o enfoque nos problemas infantis. Di-versos hebraicos (1991) Dani, o valente , de Miriam Yallan-Shteklis O menino mau, de Lea Goldberg Vaso de flores, de Hayim Nachman Bialik Poema sobre três gatos, de Abraham Halfi Um menino, de Yehuda Atlas Di-versos russos (1992) Seis zeros, de Samuil Marchak O burrinho no zoológico, de Sacha Tchorny Di-versos alemães (1993) Três tias, de Wilhelm Busch Retorno, de Heinrich Heine Considerando a ideologia, nota-se respeito pelo leitor mirim, sem minimização de situações e sem idealização de um mundo desprovido de dor para os pequenos. E tudo isso, com apuro estético. Tais poemas abrigam lacunas interessantes, valorizando a inteligência da criança, requerendo suas inferências, sem fechar os significados. São poemas que emocionam pela profundidade do conteúdo e delicadeza em seu talhe: paralelismo, repetições, metáforas, aliterações, assonâncias, ambiguidades, lacunas e primam por elas. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página estruturas, dos 9 poemas listados, 2 apresentam rimas irregulares, 1 não tem rimas e 6 9 outras figuras de linguagem e efeitos discursivos são abundantes nesses textos. Quanto às Comentemos Dani, o valente (1991), de Miriam Yallan-Shteklis, que é uma canção infantil que desmistifica o pensamento de que menino/homem não choram. Neste poema, as duas primeiras estrofes afirmam tal preconceito, dizendo que quem é valente não chora. O garoto se reconhece bravo, valente e personifica sua lágrima, já que é contraditório ele chorar, por se considerar valente. Logo, para ele, a “lágrima chora sozinha”. 1ª e 2ª estrofes 3ª e 4ª estrofes “Mamãe me disse: _ Meu filho Dani é esperto e é ajuizado, Meu filho é valente, não chora como um bebezinho mimado. Eu dei uma flor para a Núrit, pequena, azul, bonitinha, Dei-lhe uma maçã que era minha, eu dei-lhe tudo o que tinha. Eu nunca choro, sou bravo, e os valentes não choram. Então por que, mãe, por que essas lágrimas choram sozinhas?” A Núrit comeu a maçã, jogou no pátio a florzinha, E foi brincar com um menino, um só, o outro, da casa vizinha.” Repete-se a 2ª estrofe. (YALLAN-SHTEKLIS, 1991, p. 9) Já a terceira estrofe apresenta alguém, Núrit, a quem Dani deu agrados que foram consumidos (maçã) ou ignorados (flor). E, para piorar a situação, a menina “foi brincar com um menino,/ um só [...]”, e aqui temos a dor da rejeição e o ciúme, as razões das lágrimas, ficando assim, a quarta estrofe como o clímax e o desfecho da situação. A lacuna do 12º verso também é interessante: “eu dei-lhe tudo o que tinha”. O que pode ser esse “tudo” para um garoto? As coisas que lhe são caras, mas que não foram suficientes para atrair a menina. Então aparece o sentimento de impotência: não poder oferecer o que a menina quer. Após ao leitor se apresentar toda essa situação, a segunda estrofe se repete, bem como as lágrimas. Dani, o valente (1991) é um poema/canção bem construído, pois, sem negar o preconceito da mãe, derruba-o. A ideologia subjacente desconstrói a insensibilidade masculina, com um exemplo comum a meninos em qualquer cultura. É um poema que fala Página bem como tantos episódios da vida real. 10 de vida, de sentimentos e mostra que o amor pode causar dor. O final do poema não é feliz, UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. 3.3 PERSPECTIVA INFANTIL: O OLHAR DA CRIANÇA Dos 38 poemas estudados, 8 trazem a perspectiva da criança como foco, isso significa que há uma valorização no “como” e “a partir de onde” a criança percebe o mundo. Estruturando isso, os oito poemas têm ritmo bem marcado, com rimas regulares e não apresentam intenções pedagógicas, pelo contrário, brincam com o lúdico e se eximem de julgamentos em situações que poderiam suscitá-los. Como é o caso de Que bagagem! (1992), de Samuil Marchak. Di-versos hebraicos (1991) Vento, vento, de Miriam Yallan-Shteklis A curiosa, de Anda Amir O achado, de Lea Goldberg O ninho, de Hayim Nachman Bialik Di-versos russos (1992) Que bagagem!, de Samuil Marchak Di-versos alemães (1993) Encontrada, de Johann Wolfgang Von Goethe Uma para outra, de Johann Wolfgang Von Goethe Vaca no ninho, de Gustav Falke Que bagagem! (1992) é um poema longo que versa sobre a bagagem de uma dama, em uma longa viagem de trem. Os volumes são sete, entre eles, um cãozinho. Este cãozinho some no trajeto e os funcionários do trem completam a bagagem com um cão encontrado nas redondezas da sexta estação. O humor está nas duas últimas estrofes, com a explicação do entregador à dama: “Respondeu-lhe os homens: _ Perdão, Madame, mas nesta estação, Segundo seu talão, haja vista, Completa está toda a sua lista: uma arca um cestão um quadro um colchão um saco um caixote mais um cachorrinho-filhote. Só que,nesta longa viagem, Lá dentro do carro-bagagem, É claro o que aconteceu: O seu cachorrinho... CRESCEU”. (MARCHAK, p. 1992, p. 21) Com a amostra de estrofes exposta, ressaltamos que, além do humor verbal, a estruturação do próprio poema é instigante e condizente com o assunto tratado. A Página contribuem para o ritmo do poema, remetem ao som do trem. Quanto aos sentidos, os 11 disposição das estrofes, a medida dos versos, os paralelismos, as repetições e as rimas UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. homens contaram uma mentira para a passageira, porém, não é a ação de mentir que surpreende o leitor, mas a impossibilidade de se fazer acreditar nela. 3.4 BRINCADEIRAS INFANTIS Di-versos alemães (1993) não trouxe poemas com brincadeiras infantis e, curiosamente, é a obra com mais produções engajadas. Também vale salientar que os personagens que aparecem em dois dos quatro poemas com o tema brincadeira são meninas; Contando vantagem (1992) tem meninos e meninas nos versos e A bola (1992) não revela o sexo da criança pelo texto verbal, mas a ilustração de Cláudia Scatamacchia traz uma menina brincando com a bola. Di-versos hebraicos (1991) A boneca, de Miriam Yallan-Shteklis A menina diz..., de Saul Tchernitchevsky Di-versos russos (1992) A bola, de Samuil Marchak Contando vantagem, de Serguei Mikhalcov A boneca (1991), de Miriam Yallan-Shteklis, é um poema que traz o poder de transformação da imaginação infantil. A boneca Elisheva não tem uma perna, é careca, tem nariz quebrado, mas, para sua dona, é linda. Um poema que destoa do consumismo hodierno em que vive grande parte das crianças brasileiras, pois, no auge desse capitalismo desmedido, gostar de uma boneca em más condições não é comum, já que as meninas as têm em excesso. Por outro lado, quem já viveu esse bem-querer por um brinquedo, entende que, independente da peça que falte, o brinquedo tem muito valor. Atentando-nos para a ideologia deste poema, vemos que o enfoque é na infância, e com muita delicadeza e respeito por essa fase. 3.5 MORTE Afora os poemas com sofrimento, outro texto com final doloroso é O Rei da Floresta (1993), o único que tematiza a morte. E intensificando o pesar, é morte de salvá-lo, atravessando, em noite fria, uma floresta escura, para levá-lo para casa. Os UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página O tema da poesia são os delírios de morte sofridos por um menino, cujo pai tenta 12 criança, algo incomum em literatura infantil. delírios do garoto consistem em ver o Rei da Floresta convidando-o a ficar com ele. As imagens mostram que o tal Rei e suas filhas são salgueiros grandes e robustos em movimento. O pai diz para o filho sossegar, pois tudo não passa de vento, neblina e vultos. Mas a aflição do garoto, que está em suas palavras e nas imagens, só aumenta. O clímax ocorre na penúltima estrofe, quando o garoto diz que o Rei o toca, após este afirmar que o menino ficará com ele, querendo ou não: “Me agradas, menino, eu te quero pra mim, Se não vens por bem, levo-te mesmo assim!” __ Meu pai, ó meu pai, ele toca-me agora! O Rei da Floresta quer levar-me embora! (GOETHE, 1993, p. 20) Em seguida, a última estrofe em desfecho, traz a morte do menino e a tristeza do pai. O sofrimento paterno, nesta estrofe, está expresso no texto verbal. Contudo, a ilustração de Iwashita também traz essa dor por meio das lágrimas do homem e da própria lua, como se a natureza também sofresse aquela perda. O Rei da floresta (1993) foi trabalhado em oito quartetos, com esquema de rima AABB, e versos de 9 a 11 sílabas poéticas. Consideramos o poema longo, com versos igualmente longos, retratando a demora da travessia assustadora. Se lido em voz alta, a leitura tem certa cadência que pode ligar-se ao trote do cavalo. A escolha vocabular é coerente ao tema tratado e contribui para o tom de amargor contado. Este poema com um conflito narrativo traz diálogo entre pai e filho, marcado com travessões e, ainda, entre aspas, a fala do Rei da Floresta dirigida ao garoto. Essa diferença na marca das falas sugere que o Rei da Floresta era uma visão do garoto, gerada por sua doença. Este poema traz o medo do menino personificado nos salgueiros e esse medo não é superado, mas se concretiza em sua morte. Ser chocante, com final trágico para um inocente, é o diferencial desta obra da coletânea de Di-versos alemães (1993). CONSIDERAÇÕES FINAIS incisiva, pois o leitor percebe que o produto é traduzido, a partir do estranhamento não só 13 das ilustrações, cujas roupas dos personagens, paisagens e acessórios não retratam o Brasil Página Lendo os poemas, observamos que a tradução-adaptação ocorre sem domesticação UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. nem seu povo, mas também se estranham os nomes próprios estrangeiros que são mantidos: Núrit, em Dani, o valente (1991), e Elisheva, em A boneca (1991), ambos de Miriam Yallan-Shteklis, e Majô, em Contando vantagem (1992), de Serguei Mikhalcov. Os personagens que são versados nos poemas são de espécies variadas. O destaque está para os personagens infantis, em 14 poemas; os seres personificados, em 7; a família, em 7; os personagens adultos, em 5; os animais, em 5. Essa variedade adentra o mundo infantil, em sua riqueza imaginativa: adultos e família fazem parte da vida da criança, elas gostam de animais e o faz-de-conta endossa a personificação, ademais, criança gosta de criança. Dessa forma, poemas com personagens de espécies variadas nos livros é uma boa estratégia para incrementar a leitura e para atender a audácia imaginativa tão própria dessa fase da vida. Quanto aos temas, a coleção Di-versos primou pelos atemporais e universais. Todavia, há os que destoam do conjunto, ou pelo tema, como o relativo a guerras, Na véspera da guerra (1991), de Aharon Ze´ev, e o que retrata a morte, O Rei da Floresta (1993), de Goethe, ou pela mensagem, Um menino (1991), de Yehuda Atlas. Lendo as três obras que compõem a coleção Di-versos e contrapondo-as à poesia infantil hodierna nacional que é de muita qualidade, pode-se dizer que há espaço para essa coleção em nossas estantes, por não ser um trabalho repetitivo ao que os poetas brasileiros oferecem. Essa coleção traz de inovador sofrimentos e sentimentos negativos que afligem crianças do mundo todo e em qualquer período da história, mas que não são trabalhados, normalmente, em obras dedicadas a elas, tais como a solidão, a raiva, a decepção. Embora de três nacionalidades diferentes, nenhum dos poemas traz informações culturais pontuais, com exceção dos nomes próprios. Quanto aos poemas mais engajados, estes não comprometem a coleção, pois a maioria dos textos respeita o saber infantil e o diálogo com o leitor mirim, sendo o poema feito para ele ou adotado por ele. Investir em uma coleção de livros com poemas é pertinente porque o resgate de Página nem pela família nem pela escola, em desproporção à concentração que esse tipo de leitura 14 leituras desse gênero se faz necessário, já que não são leituras exploradas adequadamente UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. requer, ao estimular tantas ações cognitivas. Para tanto, os poemas ofertados precisam ser de boa qualidade estética, a fim de aproximar o jovem leitor da arte literária, não afastá-lo. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Tradução de Joaquim José de Moura Ramos. Lisboa: Editorial Presença; Brasil: Martins Fontes, 197?. AMORIM, Lauro M. Tradução e adaptação: encruzilhadas da textualidade em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, e Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo: UNESP, 2005. BELINKY, Tatiana; PERLOV, Mira. Di-versos hebraicos. Trad. e adap. Tatiana Belinky e Mira Perlov. Ilustrações de Cláudia Scatamacchia. São Paulo: Scipione, 1991. (Coleção Di-versos) ______. Di-versos russos. 3.ed. Trad. e adap. Tatiana Belinky. Ilustrações de Cláudia Scatamacchia. São Paulo: Scipione, 1992. (Coleção Di-versos) ______. Di-versos alemães. Trad. e adap. Tatiana Belinky. Ilustrações de Cecília Iwashita. São Paulo: Scipione, 1993. (Coleção Di-versos) CAMPOS, H. Tradução e Reconfiguração do Imaginário: o tradutor como transfingidor. In: COULTHARD, M.; COULTHARD, C. R. C. (Org.). Tradução: teoria e prática. Florianópolis: EDUFSC, 1991, pp. 17-31. CAPDEVILA, Roser. As Trigêmeas e Chapeuzinho Vermelho. São Paulo: Scipione, 2003. HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: UFSC, 2011. Página 15 SCLIAR, Moacyr. O amigo de Castro Alves. São Paulo: Ática, 2005. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>.