A Terra esfriou mais cedo?

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A Terra esfriou mais cedo?
A Terra esfriou mais cedo?
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Quinta, 24 Novembro 2005 22:03 -
A Terra esfriou mais cedo?
Novas medições sugerem que o nosso planeta pode não ter passado seus primeiros 500
milhões de anos afogado em lava. É possível que oceanos, continentes e a vida tenham
surgido mais cedo. Manuais de geologia afirmam que nosso planeta passou seus primeiros
500 milhões de anos coberto por magma quente, mas essa tese pode estar errada. Por John
W. Valley
Cristais de zircônio revelam que a superfície da Terra talvez tenha esfriado bem antes,
permitindo desde cedo o surgimento de oceanos, continentes e oportunidades para a origem
da vida.
Um novo conceito sobre como era a Terra primordial, coberta por oceanos há 4,4 bilhões de
anos, contrasta com o mundo quente e hostil normalmente representado nos livros didáticos. A
Lua estava mais próxima naquele tempo, por isso parecia maior do que nos dias de hoje.
Na sua infância, que começou há cerca de 4,5 bilhões de anos,a Terra brilhava como se fosse
uma estrela tênue. Oceanos incandescentes de magma alaranjado ondulavam na superfície do
planeta após as freqüentes colisões com imensos meteoros, alguns do tamanho de pequenos
planetas, que orbitavam o Sol recém-criado. Viajando em média a 90 mil km/h (75 vezes a
velocidade do som), cada corpo impactante se incendiava na superfície da Terra, estilhaçando,
derretendo e até se vaporizando no momento do contato.
Logo no início, o ferro denso afundava no magma para formar o núcleo metálico, liberando
gravidade para derreter todo o planeta. Meteoritos continuaram a colidir com a Terra durante
centenas de milhões de anos.
Ao mesmo tempo, no núcleo da Terra, o decaimento de elementos radioativos produzia seis
vezes mais calor do que hoje. Essas condições infernais tinham de se acalmar para que as
rochas derretidas se solidificassem, para que os continentes se formassem, para que a
atmosfera de vapor se condensasse, e para que a primeira forma de vida pudesse evoluir.
Mas, quão rapidamente a superfície da Terra esfriou? A maioria dos cientistas assume que o
ambiente infernal durou 500 milhões de anos, uma era geológica batizada como Hadeana. O
maior apoio para tal visão vem da ausência de rochas intactas com mais de 4 bilhões de anos e dos primeiros sinais fossilizados de vida, que surgiram muito tempo depois.
Nos últimos anos, entretanto, geólogos - incluindo meu grupo da Universidade de
Wisconsin-Madison - descobriram cristais de minério de zircônio antigos cuja composição
química está mudando o conceito sobre os primórdios da Terra. As propriedades incomuns
desses minerais duráveis - cada um do tamanho do ponto final desta sentença - possibilitou
aos cristais preservar indícios sobre como teria sido o ambiente da Terra quando eles se
formaram. Essas minúsculas cápsulas do tempo carregam evidências de que oceanos
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habitáveis para a vida primordial e, mesmo os continentes, poderiam ter surgido 400 milhões
de anos antes do que geralmente se pensava.
Resfriamento
Desde o século XIX cientistas vêm tentando calcular quão rapidamente a Terra se resfriou,
mas poucos esperavam descobrir evidências sólidas.
Embora os oceanos de magma, no início, estivessem com mais de 1.000oC, a idéia tentadora
de uma Terra primitiva temperada veio de cálculos da termodinâmica. Os números indicam que
a crosta poderia ter se solidificado na superfície em 10 milhões de anos. Como o planeta
endureceu externamente, a fina camada de rocha solidificada teria isolado o exterior das altas
temperaturas vindas do interior da Terra. Se houve períodos tranqüilos adequados entre os
grandes impactos de meteoritos, se a crosta era estável, e se o efeito estufa da atmosfera não
aprisionou muito calor, então as temperaturas poderiam ter caído rapidamente, abaixo do ponto
de ebulição da água. Além disso, o Sol primitivo era mais fraco e deve ter contribuído com
menos energia.
Para a maioria dos geólogos, entretanto, o incontestado nascimento turbulento do planeta e
os poucos indícios no registro geológico parecem, contrariamente, apontar para um prolongado
clima ultraquente. A rocha intacta mais antiga conhecida é a Gnaisse Acasta, de 4 bilhões de
anos, no noroeste do Canadá. Essa pedra, porém, formou-se nas profundezas do planeta e
não carrega nenhuma informação sobre as condições da superfície. A maioria dos cientistas
assume que as condições infernais presentes na superfície do planeta devem ter obliterado
qualquer rocha que se formou muito cedo. As rochas mais antigas conhecidas que se
originaram sob a água (e, portanto, em ambientes relativamente mais frios) datam de 3,8
bilhões de anos atrás. Esses sedimentos, expostos em Isua, no sudoeste da Groenlândia,
também contêm a evidência de vida mais antiga.
Escavações Profundas
Nos anos 1980 , os cristais de zircônio começaram a acrescentar novos dados sobre a Terra
primitiva, quando uns poucos e raros grãos em Jack Hills e em Mount Narryer, no oeste da
Austrália, foram reconhecidos como os materiais terrestres mais antigos - chegando a quase
4,3 bilhões de anos. Mas a informação que esses cristais carregavam parecia ambígua, em
parte pelo fato de os geólogos estarem inseguros quanto à identidade da rocha matriz. Uma
vez formados, os cristais de zircônio são tão duráveis que podem persistir, mesmo se a sua
rocha matriz for levada à superfície e destruída por exposição ao ar e erosão. O vento ou a
água podem então transportar os grãos sobreviventes por grandes distâncias antes de o
mineral se incorporar a depósitos de areia e cascalho que, mais tarde, solidificam-se em rochas
sedimentares. De fato, os cristais de zircônio - talvez milhares de quilômetros distantes de suas
fontes - foram descobertos incrustados em um banco de cascalhos fossilizado chamado de
conglomerado de Jack Hills.
Assim, a despeito do entusiasmo com a descoberta desses fragmentos primevos da Terra, a
maioria dos cientistas, incluindo eu, continuou a aceitar a visão de que o clima do nosso jovem
planeta era Hadeano. Foi depois de 1999 que os avanços tecnológicos permitiram novos
estudos com o zircônio do oeste da Austrália, o que desafiou a tese convencional sobre a
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história mais antiga da Terra.
Os cristais de zircônio australianos não revelaram os seus segredos tão facilmente. Em
primeiro lugar, o conglomerado de Jack Hills está isolado na fronteira de imensas fazendas de
ovelhas situadas 800 km ao norte de Perth, a cidade mais isolada da Austrália. O
conglomerado foi depositado três bilhões de anos atrás e marca o limite noroeste de um
conjunto de formações rochosas, todas anteriores a 2,6 bilhões de anos. Para conseguir
recuperar menos do que uma pitada de cristais de zircônio, coletamos centenas de quilos de
rochas desses afloramentos remotos e os transportamos até nosso laboratório para triturá-los e
separá-los, como se estivéssemos procurando grãos especiais na areia de uma praia.
Uma vez extraídos de sua rocha-fonte, os cristais individuais poderiam ser datados, já que os
zircônios são excelentes cronômetros geológicos. Além da sua longevidade, contêm traços de
urânio radioativo, que decai para chumbo a um ritmo conhecido. Quando um cristal de zircônio
se forma a partir de magma solidificado, átomos dos elementos zircônio, silício e oxigênio
combinam-se em proporções exatas (ZrSiO4) para criar uma estrutura cristalina exclusiva do
zircônio; o urânio ocasionalmente os substitui como um traço de impureza. Átomos de chumbo,
por outro lado, são muito grandes para substituir adequadamente qualquer dos elementos da
composição, e por isso os cristais de zircônio nascem virtualmente livres de chumbo. O relógio
urânio-chumbo começa a funcionar tão logo o zircônio se cristaliza, e a razão chumbo/urânio
aumenta com a idade do cristal. Os cientistas conseguem determinar a idade de um cristal de
zircônio não danificado com 1% de exatidão. No caso da Terra primitiva isso representa
margem de erro de 40 milhões de anos.
A datação de partes específicas de um único cristal foi realizada pela primeira vez no início
dos anos 1980, quando William Compston e colegas da Universidade Nacional Australiana em
Canberra inventaram um tipo de microssonda iônica, um instrumento bastante grande que
batizaram de Shrimp (sigla em inglês para microssonda iônica sensitiva de alta resolução).
Embora a maioria dos cristais de zircônio seja quase invisível a olho nu, a microssonda iônica
lança um raio de íons tão estreitamente focado que pode arrancar um pequeno número de
átomos de qualquer alvo na superfície do cristal. Um espectrômetro de massa mede então a
composição desses átomos ao comparar suas massas. Foi o grupo de Compston - trabalhando
com Robert Pidgeon, Simon A. Wilde e John Baxter, da Universidade Curtin de Tecnologia,
também na Austrália - que primeiro datou os zircônios de Jack Hills, em 1986.
Sabendo disso, abordei Wilde. Ele concordou em reinvestigar as datações por urânio-chumbo
dos cristais de zircônio de Jack Hills como parte da tese de doutorado de William H. Peck, meu
aluno, hoje professor assistente da Universidade Colgate. Em 1999, Wilde analisou 56 cristais
não-datados usando uma Shrimp aprimorada na Universidade de Curtin.
Descobriu que cinco desses cristais apresentavam idade superior a 4 bilhões de anos. Para
nossa grande surpresa, a idade do mais velho deles superava 4,4 bilhões de anos. Algumas
amostras provenientes da Lua e de Marte têm idade similar, e os meteoritos são, geralmente,
mais antigos; mas nada com essa idade tinha sido descoberto na Terra, nem mesmo se
esperava descobrir. Quase todos achavam que, se esses antigos cristais de zircônio tivessem
existido, a dinâmica das condições dos Hadeanos teria destruído a todos. Nem
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desconfiávamos que a mais excitante das descobertas ainda estava por vir.
Velhos Oceanos
Peck e eu fomos atrás dos zircônios de Wilde, do oeste da Austrália, porque estávamos de
olho em uma amostra bem preservada do oxigênio mais antigo da Terra. Sabíamos que os
cristais de zircônio poderiam reter evidências, não apenas de quando sua rocha hospedeira
teria se formado, mas também de como isso ocorreu. Em especial, estávamos usando as
proporções de diferentes isótopos de oxigênio para estimar as temperaturas dos processos que
teriam levado à formação de magmas e rochas.
Os geoquímicos medem a proporção de oxigênio 18 (18O, um raro isótopo com oito prótons e
dez nêutrons, que representa cerca de 0,2% de todo o oxigênio da Terra) para o oxigênio 16
(16O, o isótopo mais comum, que compreende 99,8% do total). Esses átomos são chamados
de isótopos estáveis porque não sofrem decaimento radioativo e, desse modo, não mudam
espontaneamente com o passar do tempo. Entretanto, a proporção de 18O e 16O incorporada
dentro do cristal durante a sua formação varia de acordo com a temperatura ambiente na
época em que o cristal se formou.
A razão 18O/16O é bem conhecida para o manto da Terra (a camada de 2.800 km de
espessura embaixo da fina camada de 5 km a 40 km dos continentes e da crosta oceânica).
Magmas que se formam no manto sempre apresentam quase a mesma proporção de isótopo
de oxigênio. Por questão de simplicidade, os geoquímicos ajustam essas proporções relativas
àquela da água do mar e expressam-na naquilo que é chamado de notação delta (?). O ?18O
do oceano é 0 por definição, e o ?18O do zircônio do manto é 5,3, o que significa que tem uma
razão 18O/16O maior que a da água do mar.
Por isso Peck e eu esperávamos descobrir um valor de 5,3 para o manto primitivo, quando
levamos os cristais de zircônio de Jack Hills analisados por Wilde, incluindo os cinco mais
antigos, até a Universidade de Edimburgo, naquele mesmo verão. Lá, John Craven e Colin
Graham nos auxiliaram a usar um tipo diferente de microssonda iônica, especialmente
projetada para medir as proporções do isótopo de oxigênio. Havíamos trabalhado juntos muitas
vezes nas décadas precedentes, para aperfeiçoar a técnica e poder analisar amostras um
milhão de vezes menores do que aquelas analisadas no meu laboratório em Wisconsin.
Após 11 dias de análises ininterruptas e poucas horas de sono, completamos as medições e
descobrimos que as nossas predições estavam erradas. Os valores ?18O do zircônio eram
superiores a 7,4.
Ficamos atordoados. O que poderia significar essa alta proporção isotópica? Nas rochas mais
jovens a resposta seria óbvia, porque amostras assim são comuns. Um cenário previsível é o
de que as rochas a baixas temperaturas na superfície da Terra podem adquirir tal característica
se interagirem quimicamente com água de chuva ou do oceano. As rochas com alto 1?8O,
quando soterradas e fundidas, formam o magma que retém esse alto valor, que é então
passado aos zircônios durante a cristalização. Desse modo, a água líquida e as baixas
temperaturas são necessárias na superfície da Terra para formar zircônios e magmas com
altos ?18O; não se conhece nenhum outro processo que resulte nisso.
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A descoberta de altas proporções de isótopos de oxigênio nos zircônios do conglomerado de
Jack Hills significa que provavelmente já existia água líquida sobre a superfície da Terra pelo
menos 400 milhões de anos antes das rochas sedimentares conhecidas mais antigas, da
Groenlândia. Se correto, é provável que já houvesse oceanos inteiros naquele tempo,
tornando o clima primitivo da Terra mais parecido com uma sauna do que com uma bola de
fogo Hadeana.
Vestígios Continentais
Poderíamos basear conclusões tão importantes sobre a história da Terra em uns raros e
diminutos cristais? Protelamos a publicação de nossas descobertas por mais de um ano para
reexaminar as análises. Enquanto isso, outros grupos conduziam suas próprias pesquisas em
Jack Hills.
Steven Mojzsis, da Universidade do Colorado, e colegas da Universidade da Califórnia em
Los Angeles confirmaram nossos resultados, e todos publicamos estudos em 2001
descrevendo as descobertas.
As possíveis implicações dos achados acerca do zircônio propagaram entusiasmo no meio
científico. Na violência superaquecida de um mundo Hadeano, nenhuma amostra teria
sobrevivido para que os geólogos pudessem estudá-la. Mas esses cristais de zircônio
indicavam um mundo mais ameno e familiar, além de fornecer meios para esclarecer os seus
segredos. Se o clima da Terra era frio o bastante para que existissem oceanos de água logo no
começo, então talvez os cristais de zircônio pudessem nos revelar se os continentes e outros
aspectos da Terra moderna já existiam também naquele tempo. Para tanto, tínhamos de olhar
mais fundo nos cristais.
Mesmo o menor dos cristais de zircônio contém outros materiais encapsulados. Esse
conteúdo, bem como o padrão de crescimento dos cristais e a composição das impurezas,
podem revelar muito sobre o local de origem do zircônio. Quando Peck e eu estudamos cristais
de 4,4 bilhões de anos, por exemplo, descobrimos que continham partes de outros minerais,
inclusive quartzo. Isso nos causou surpresa, já que o quartzo é raro nas rochas primitivas e
provavelmente não existia na primeira crosta que se formou sobre a Terra. A maior parte do
quartzo vem de rochas graníticas, comuns em crosta continental que se formou
posteriormente.
Se os cristais de zircônio do conglomerado de Jack Hill vieram de uma rocha granítica, tal
evidência daria suporte à hipótese de que são amostras do primeiro continente criado no
mundo. Mas é preciso ter cautela, pois uma pequena quantidade de quartzo pode se formar
nos últimos estágios da cristalização do magma, mesmo se a rocha matriz não for granítica.
Por exemplo, cristais de zircônio e uns poucos grãos de quartzo foram descobertos na Lua,
onde nunca surgiu uma crosta granítica do tipo continental. Causaria surpresa a alguns
cientistas se os cristais de zircônio mais antigos da Terra tivessem se formado num ambiente
parecido com o da Lua primitiva ou, então, por algum outro meio que hoje já não é mais
comum, como o impacto de meteoritos gigantes ou vulcanismo profundo. Até agora, porém,
não descobrimos evidências convincentes para essas hipóteses.
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Há indícios, contudo, a favor da crosta continental nos elementos-traço (aqueles que
substituem o zircônio em níveis abaixo de 1%). Os cristais do conglomerado de Jack Hills têm
elevada concentração desses elementos, bem como padrões de európio e cério que são mais
comumentes formados durante a cristalização da crosta, o que significa que os zircônios foram
constituídos próximos à superfície da Terra e não no manto. Além disso, as proporções dos
isótopos radioativos de neodímio e háfnio - dois elementos usados para determinar o tempo
dos eventos de criação da crosta continental - sugerem que partes significativas da crosta
continental formaram-se já há 4,4 bilhões de anos.
A distribuição dos cristais de zircônio antigos nos forneceu evidências adicionais. A proporção
de cristais de zircônio com mais de 4 bilhões de anos excede 10% em algumas amostras do
conglomerado de Jack Hills. Além disso, sua superfície está altamente desgastada, e as faces
originalmente angulosas estão arredondadas, sugerindo que os cristais foram impelidos para
longe de sua rocha originária. Como puderam viajar centenas ou milhares de quilômetros, em
forma de areia levada pelo vento, e ainda assim se concentrar em um mesmo local, a menos
que houvesse uma grande quantidade deles? Como escaparam de ser soterrados e fundidos
no calor do manto a menos que uma fina crosta de tipo continental fosse estável o bastante
para preservá-los? Essas descobertas implicam que os cristais de zircônio já foram abundantes
e se originaram em uma região ampla, possivelmente uma massa de terra continental. Se foi
assim, é provável que as rochas daquele tempo ainda existam; uma perspectiva
entusiasmante, pois seria possível aprender muito com uma rocha intacta dessa idade.
Além do mais, a distribuição por idade dos zircônios antigos é desigual. As datações se
aglomeram em certos períodos de tempo, e nenhum cristal de outras eras foi descoberto. Meu
ex-aluno de graduação Aaron J. Cavosie, hoje professor assistente da Universidade de Porto
Rico, descobriu tal evidência mesmo em zircônios de zona única, nos quais o núcleo se formou
mais cedo, há cerca de 4,3 bilhões, com crescimento circundante posterior, entre 3,3 bilhões e
3,7 bilhões de anos atrás. Na borda, o zircônio é mais jovem do que no núcleo, já que os
cristais crescem concentricamente pela adição de material aos grãos que estão na parte mais
externa. Mas a grande diferença etária, com lapsos de tempo, entre os centros e as bordas
desses cristais de zircônio indica que dois eventos distintos ocorreram, separados por um
intervalo maior. Nos cristais de zircônio mais jovens, fáceis de obter, esse tipo de relação etária
do centro para a borda resulta dos processos tectônicos que derretem a crosta continental e
reciclam os cristais que estão no seu interior. Muitos cientistas tentam testar se condições
similares produziram os antigos cristais de zircônio do conglomerado de Jack Hills.
Mais recentemente, E. Bruce Watson, do Instituto Politécnico Rensselaer, e Mark Harrison, da
Universidade Nacional Australiana, relataram níveis de titânio menores do que o esperado
nesses antigos cristais de zircônio, sugerindo que a temperatura de seu magma original deve
ter sido de entre 800oC e 650oC. Essa temperatura baixa seria possível somente se as
rochas-matriz fossem graníticas; a maioria das rochas não-graníticas derrete a altas
temperaturas, e assim os seus zircônios deveriam conter mais titânio.
Um Zircônio é para Sempre
Desde que meus colegas e eu analisamos as proporções de isótopos de oxigênio naqueles
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cinco cristais de zircônio de Jack Hills, em 1999, os dados que sustentam nossas conclusões
aumentaram rapidamente. Investigadores em Perth, Canberra, Pequim, Los Angeles,
Edimburgo, Estocolmo e Nancy estão analisando dezenas de milhares de cristais de zircônio
de Jack Hills com o auxílio de microssondas iônicas e outras técnicas de datação, em busca de
amostras com mais de 4 bilhões de anos.
Centenas de cristais de zircônio recentemente descobertos vieram de várias localidades com
idade entre 4 bilhões e 4,4 bilhões de anos. Alguns foram achados 300 km ao sul do
conglomerado de Jack Hills. Geoquímicos examinam outras antigas regiões da Terra, na
esperança de descobrir os primeiros cristais de zircônio anteriores a 4,1 bilhões de anos fora
da Austrália.
A intensificação das buscas está estimulando o aperfeiçoamento das tecnologias. Cavosie
obteve análises com mais exatidão e identificou mais de 20 cristais de zircônio do
conglomerado de Jack Hills com alta proporção de isótopos de oxigênio, o que indica
temperaturas mais frias na superfície e a presença de oceanos há 4,2 bilhões de anos. Meus
colegas e eu continuamos as buscas, com o auxílio do primeiro modelo da mais nova geração
de microssonda iônica, a Cameca IMS-128, instalada no meu laboratório em março passado.
Muitas questões serão respondidas se pedaços das rochas originais que formam os cristais
de zircônio puderem ser identificados. Mas, mesmo que isso não ocorra, ainda temos muito o
que aprender com essas minúsculas cápsulas do tempo.
Cápsulas do Tempo
Por muito tempo, geólogos pensaram que as condições hostis presentes no nascimento do
nosso planeta, 4,5 bilhões de anos atrás, deram lugar a um clima mais ameno há cerca de 3,8
bilhões de anos.
Hoje, pequenos cristais de zircônio, que retêm evidências claras de quando e como foram
formados, sugerem que a Terra esfriou muito mais cedo, talvez há 4,4 bilhões de anos.
Alguns cristais de zircônio mais antigos apresentam composições químicas herdadas de
ambientes mais frios e úmidos, como os necessários para a evolução da vida.
O autor
John W. Valley completou o doutorado em 1980 pela Universidade de Michigan em Ann
Arbor, onde começou a se interessar pela Terra em seu estado primitivo. Ele e seus alunos
passaram a explorar o registro das rochas mais antigas por toda a América do Norte e
Austrália, Groenlândia e Escócia. Hoje, Valley é presidente da Sociedade Mineralógica da
América e professor de geologia da Universidade de Wisconsin-Madison, onde fundou o
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sofisticado laboratório WiscSIMS.
Para conhecer mais
A cool early Earth. John W. Valley, William H. Peck, Elizabeth M. King e Simon A. Wilde, em
Geology, vol. 30, no 4, págs. 351-354, abril de 2002.
Magmatic d18O in 4400-3900 Ma detrital zircons: a record of the alteration and recycling of
crust in the early Archean. Aaron. J. Cavosie, J. W. Valley, S. A. Wilde e the Edinburgh Ion
Microprobe Facility, em Earth and Planetary Science Letters, vol. 235, no 3, págs. 663-681, 15
de julho de 2005.
O website do autor, "Zircons are forever" está no endereço
www.geology.wisc.edu/zircon/zircon-home.htm
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