Mistérios do Tanakh A Torre de Bavel Por Sha`ul Bentsion I

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Mistérios do Tanakh A Torre de Bavel Por Sha`ul Bentsion I
Mistérios do Tanakh: A Torre de Bavel ! !
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Mistérios do Tanakh!
A Torre de Bavel!
Por Sha’ul Bentsion!
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I - Introdução!
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Uma das passagens mais curiosas da Torah se refere ao episódio conhecido como a
Torre de Bavel (Babel/Babilônia).!
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Segundo a leitura tradicional do episódio, toda a humanidade teria se reunido após o
dilúvio, numa arrogante tentativa de sobrepujar o Eterno, através da construção de uma
torre que atingiria os céus.!
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O Eterno teria então confundido as línguas da humanidade, que a partir daí teria se
dividido em diversos dialetos diferentes.!
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Por trás dessa intrigante história, o que há de mito popular, e o que é que as
Escrituras realmente dizem? Quais as possíveis interpretações para o texto hebraico?
Seria o episódio factual ou alegórico? Além da Torah, o que se sabe historicamente sobre
essa colossal estrutura?!
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Essas e outras perguntas serão aqui abordadas, numa impressionante jornada por
uma das mais intrigantes histórias das Escrituras.!
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II - Registro Arqueológico!
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Curiosamente, a Torre de Bavel é uma das
histórias do período antigo da Torah mais bem
documentadas arqueologicamente. O que, de
imediato, minimiza bastante a chance da narrativa ser
poética ou alegórica.!
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Aqui será apresentado um resumo sobre as
principais informações acerca dessa impressionante
construção.!
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A mais importante referência arqueológica sobre
a Torre de Bavel é uma estela da época de
Nabucodonosor II (século VI AC), que é parte do
acervo do colecionador norueguês Martin Schøyen, o
maior acervo pessoal de manuscritos antigos do
mundo, atualmente distribuído entre Londres e Oslo.!
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As ruínas da torre de Bavel permaneceram
durante séculos no local, até que o rei babilônio
Nabopolassar, pai de Nabucodonosor II, iniciou um
trabalho de restauração. Mas foi seu filho,
Nabucodonosor II, o principal restaurador de torre,
num trabalho que durou 43 anos.!
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A estela de Nabucodonosor II traz não apenas um texto descritivo, mas a única
representação gráfica conhecida da Torre de Bavel.!
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A estela é assinada da seguinte forma:!
“A Casa, a Fundação do Céu e da Terra, Torre em Babibli.
Nabucodonozor, rei da Babilônia, sou eu. Para concluir Etemen-anki e E-ur-me-imin-anki eu mobilizei todos os
países em todo lugar, e cada governante que fora
levantado por proeminência sobre todos os povos do
mundo. A base eu cobri para tornar o terreno mais alto.
Eu ergui suas estruturas com betume e tijolo assado ao
longo. Eu a concluí erguendo o seu topo ao céu, fazendoa brilhar clara como o sol.”
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Ao lado do texto, uma reconstrução da representação gráfica encontrada na estela
de Nabucodonosor II.!
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Outro trecho da estela continua, e diz o seguinte:!
“A torre, a casa eterna, que eu fundei e ergui. Eu completei sua magnificência com prata,
ouro, outros metais, pedra, tijolos esmaltados, abeto e pinho. A primeira, que é a casa da
base da terra, o mais antigo monumento da Babilônia. Eu a ergui e a concluí. Eu exaltei
grande mente seu topo com tijolos cobertos de cobre. Dizemos do outro, isto é, do
edifício, a Casa das Sete Luzes da Terra, o monumento mais antigo de Borspia. Um rei
anterior o construiu, estimam há 42 eras, mas não concluiu seu topo. Desde tempos
remotos, o povo o abandonara, sem ordem que expressasse suas palavras. Desde aquele
tempo terremotos e raios dispersaram sua argila seca ao sol; os tijolos da cobertura se
fenderam, e a terra no interior se espalhou em montes. Merodach, o grande deus,
instigou minha mente a consertar esta construção. Eu não movi o sítio nem removi de sua
fundação. Em um mês fortuito, em um dia favorável, eu intentei construir pórticos em
volta das massas cruas de tijolo, e a cobertura dos tijolos queimados. Eu adaptei os
circuitos; eu coloquei a inscrição do meu nome o Kitir do pórtico. Eu empreendi minha
mão para concluí-lo. E para exaltar sua cabeça. Como havia sido feito nos dias antigos,
assim eu exaltei o seu cume.”
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III - Cronologia Histórica!
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A representação arqueológica é impressionante, mas não é o único registro
histórico da Torre de Bavel. !
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Ela também é mencionada pelo historiador grego Heródoto, século V AC, que foi
testemunha ocular da torre, e relata o seguinte:!
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“A muralha externa é a principal defesa da cidade. Existe, contudo, uma segunda muralha
interna, de menor espessura do que a primeira, mas muito pouco inferior a ela em força.
O centro de cada divisão da cidade foi ocupado por uma fortaleza. Em uma estava o
palácio dos reis, cercado por uma muralha de grande força e tamanho: Na outra estava o
precinto sagrado de Jupiter Belus, um recinto quadrado de 402m cada caminho, e
portões de bronze sólido; que também permanecia em meu tempo. No meio do precinto
havia uma torre de sólida alvenaria, 201m em comprimento e largura, que erguia uma
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segunda torre, e sobre ela uma terceira, e assim por diante até oito. A subida ao topo é
no exterior, por um caminho que serpenteia em volta de todas as torres. Quando alguém
está cerca de metade da subida, encontra um local de repouso e assentos, onde as
pessoas podem se sentar por um tempo, no seu caminho até o cume. No topo da torre
existe um espaçoso templo, e dentro do templo há um divã de tamanho pouco usual,
ricamente adornado, e uma mesa dourada ao lado. Não há estátua de nenhum tipo posta
naquele local, nem sua câmara é ocupada à noite por ninguém exceto uma única mulher
solteira nativa, a qual, segundo afirmam os caldeus, sacerdotes desse deus, é escolhida
pela própria divindade para ele de todas as mulheres da terra.” (Histórias 1:181)
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Observa-se uma dupla-função na torre, ainda segundo o próprio Heródoto, tendo
um viés de proteção, e ao mesmo tempo um viés religioso.!
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Isso não é surpreendente, uma vez que um povo que desejasse se proteger em
uma situação de guerra certamente também se sentiria melhor buscando abrigo em meio
aos seus deuses.!
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O que não é claro, porém, é se a conotação religiosa da torre, dedicada ao deus
babilônio Bel-Merodach, a quem Heródoto chama de Júpiter Belus, sempre existiu, ou se
isso teria sido uma inovação de Nabucodonosor II. Mas, o autor deste material aposta na
primeira alternativa.!
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Heródoto menciona oito andares, ao passo que Nabucodonosor apenas sete. Isso
provavelmente se explica pelo fato de Heródoto deve ter considerado o topo da torre/
pirâmide como um andar, ou deve ter contado como dois algum dos andares inferiores.!
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A trágica história da torre de Bavel ao longo do tempo nos faz suspeitar que o local
fosse amaldiçoado, pois a torre nunca conseguiu permanecer por muito tempo. !
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Restaurada no século VI AC por Nabucodonosor II, a torre já no século V foi
destruída pelo rei persa Xerxes I, em sua incursão contra a Babilônia.!
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No século IV, Alexandre o Grande viria a capturar a cidade da Babilônia, e teria
ordenado sua reconstrução.!
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Contudo, a dificuldade na restauração fez com que Alexandre ordenasse sua
demolição, para reconstruí-la. No entanto, Alexandre viria logo depois a morrer antes de
ter a chance de reconstruí-la, conforme narra o historiador Strabo, no século I AC:!
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“Aqui também está a tumba de Belus, agora em ruínas, tendo sido demolida por Xerxes,
conforme é dito. Era uma pirâmide quadrangular de tijolos assados, não apenas tendo um
estádio de altura, mas também tendo lados de um estádio de comprimento. Alexandre
intentou consertar esta pirâmide; mas teria sido uma tarefa muito grande e teria
demandado um grande tempo (para simplesmente limpar o monte foi uma tarefa para dez
mil homens em dois meses), de modo que ele não conseguiu concluir o que ele havia
tentado; pois imediatamente o rei foi tomado por uma doença e morte. Nenhum de seus
sucessores se importou com o assunto, e mesmo o que estava da cidade foi
negligenciado e deixado às ruínas." (Geografia 16:1:5)
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No século III, o rei selêucida Antíoco I teria ainda feito uma visita ao local, levando
ofertas e aparentemente intentando fazer um sacrifício a Bel, o que indica que talvez
Antíoco I tivesse a intenção de reconstruir a torre de Bavel.!
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Contudo, Antíoco I teria sofrido um acidente nas ruínas do local, provavelmente
caindo de sua montaria. !
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Irado, Antíoco I teria ordenado que o remanescente das ruínas da torre de Bavel
fosse removido, e o terreno fosse totalmente liberado, o que marcou o fim definitivo da
história da torre de Bavel, e de todas as fracassadas tentativas de reerguê-la de forma
permanente.!
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Tal evento é descrito no texto histórico babilônio das Crônicas da Ruína da Torre:!
“… à Babilônia co[m…] de Bel; aos bab[ilôn]ios da [assembléia da To]rre ele [de]u uma
oferta; na ruína da torre eles a [arran]jaram. Na ruína da Torre ele caíu. Bois [e] uma oferta
do estilo grego ele fizera. O filho do rei, suas [tropa]s, suas carruagens, e seus elefantes
recoveram o entulho da Torre. No terreno vazio da Torre eles comeram." (BCHP 6)
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IV - Arquitetura
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A arquitetura da torre de Bavel indica que ela era, na realidade, semelhante ao
brinquedo infantil chamado de torre de Hanói. Abaixo uma representação artística
baseada nos achados arqueológicos e nas informações históricas.!
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Não se sabe ao certo quantos andares a torre
possuía nos tempos bíblicos. Contudo, a torre de
Nabucodonosor II teria 7 andares e uma base,
totalizando 8 níveis. Cada nível menor do que a base
que lhe sustentava anteriormente.!
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A estela de Nabucodonosor II nos fornece a
única representação gráfica da torre. Aliada à
descrição de Heródoto, tem-se uma boa ideia de sua
aparência. Ao lado, uma representação gráfica da
torre.!
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Do ponto de vista de suas dimensões, Strabo fornece uma medida um pouco
menor da torre do que Heródoto, de aproximadamente 180m, contra cerca de 200m
segundo Heródoto. Strabo também fornece a altura, que Heródoto omite.!
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A diferença se explica porque provavelmente tanto Heródoto quanto Strabo
forneceram medidas aproximadas, e não um tamanho exato.!
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Pela descrição de ambos, a base da torre de Bavel teria uma área aproximada
entre 5 e 6 campos de futebol, um pouco menor do que a base da Grande Pirâmide de
Gizé no Egito.!
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Sua altura, contudo, também de aproximadamente 180m, seria ligeiramente maior
do que a Grande Pirâmide, o que indica uma estrutura de proporções mais ou menos
equivalentes, e certamente uma das obras mais impressionantes da antiguidade.!
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IV - Conclusões sobre a Historicidade
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Os fatores históricos estão impressionantemente de acordo com a Torah, tanto no
que diz respeito à origem da torre na antiguidade, quanto no tamanho, e até mesmo nos
materiais que foram utilizados na construção de tal estrutura!!
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Além disso, a trágica história das sucessivas tentativas frustradas de reconstrução
da torre são, no mínimo, muito curiosas, e estão plenamente alinhadas com a descrição
da Torah, que parece indicar sua existência era uma afronta ao Eterno.!
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A seguir, será feita uma análise linguística e contextual do relato da narrativa da
Torah, onde tais elementos também serão devidamente considerados.!
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V - Pré-Análise
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Antes de mais nada, há uma passagem bastante intrigante no capítulo anterior ao
relato da torre de Bavel. O texto de Bereshit (Gênesis) 10:2-5 diz o seguinte:!
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‫ ּובְנֵי יָוָן אֱלִישָׁה‬.‫אַשְּׁכְנַז וְִריפַת וְתֹגְַרמָה‬--‫ ּובְנֵי ּגֹמֶר‬.‫ּגֹמֶר ּומָגֹוג ּומַָדי וְיָוָן וְתֻבָל; ּומֶשְֶׁ וְתִיָרס‬--‫ּבְנֵי יֶפֶת‬
‫לְמִשְּׁפְחֹתָםּבְגֹויֵהֶם‬--‫ אִיׁש לִלְׁשֹנֹו‬,‫ מֵאֵּלֶה נִפְְרדּו אִיֵּי הַּגֹויִם ּבְאְַרצֹתָם‬.‫!וְתְַרשִׁיׁש ּכִתִּים וְֹדָדנִים‬
"Os filhos de Yefet são: Gomer, Magog, Maday, Yawan, Tuval, Meshekh e Tiras. E os
filhos de Gomer são: Ashkenaz, Rifat e Togarmah. E os filhos de Yawan são: Elishah,
Tarshish, Kitim e Dodanim. Por estes foram repartidas as ilhas das nações nas suas
terras, cada qual segundo a sua língua, segundo as suas famílias, entre as suas nações.!
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Os nomes correspondem a antigas regiões justamente em volta do Mar Negro, o
palco mais provável para o dilúvio (vide artigo a respeito do tema).!
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Observe como a Torah diz que os filhos de Yefet (Jafé) foram quem repartiu as
ilhas das nações nas terras que possuíram, cada qual segundo a sua língua.!
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Em outras palavras, ao que tudo indica, as línguas dessas famílias, e povos já
havia sido dividida antes do episódio da Torre de Bavel! !
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Claro, é possível também supor que Bereshit (Gênesis) 10 e 11 não estejam
seguindo uma ordem cronológica linear, e que os eventos do capítulo 11 possam ter
ocorrido antes dos narrados no capítulo 10.!
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Contudo, é possível já de início observar que talvez os eventos do capítulo 11 não
se refiram a todas as línguas da humanidade.!
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Outro ponto importante é o uso do termo lashon (‫)לשון‬, que significa literalmente
língua, para se referir a diferentes idiomas. De fato, esse é o termo hebraico mais comum
para idioma. E é curioso, como será observado mais adiante, que ele não apareça no
capítulo 11!!
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Observe agora Bereshit (Gênesis) 10:6-20:!
‫סְבָא וַחֲוִילָה וְסַבְתָּה וְַרעְמָה וְסַבְתְּכָא; ּובְנֵי ַרעְמָה‬--‫ ּובְנֵי כּוׁש‬.‫ּכּוׁש ּומִצְַריִם ּופּוט ּוכְנָעַן‬--‫ּובְנֵי חָם‬
‫ּכֵן‬-‫צַיִד לִפְנֵי יְהוָה; עַל‬-‫הָיָה גִּבֹר‬-‫ הּוא‬.‫נִמְֹרד; הּוא הֵחֵל לִהְיֹות ּגִּבֹר ּבָאֶָרץ‬-‫ וְכּוׁש יָלַד אֶת‬.‫שְׁבָא ּוְדָדן‬
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.‫ וַתְּהִי ֵראשִׁית מַמְלַכְּתֹו ּבָבֶל וְאֶֶרְ וְאַּכַד וְכַלְנֵה ּבְאֶֶרץ שִׁנְעָר‬.‫יֵאָמַר ּכְנִמְֹרד ּגִּבֹור צַיִד לִפְנֵי יְהוָה‬
--‫ֶרסֶן ּבֵין נִינְוֵה ּובֵין ּכָלַח‬-‫ וְאֶת‬.‫ּכָלַח‬-‫ְרחֹבֹת עִיר וְאֶת‬-‫נִינְוֵה וְאֶת‬-‫הָאֶָרץ הַהִוא יָצָא אַּׁשּור; וַיִּבֶן אֶת‬-‫מִן‬
‫ּפַתְֻרסִים‬-‫ וְאֶת‬.‫נַפְתֻּחִים‬-‫וְאֶת‬--‫לְהָבִים‬-‫עֲנָמִים וְאֶת‬-‫לּוִדים וְאֶת‬-‫ ּומִצְַריִם יָלַד אֶת‬.‫הִוא הָעִיר הַּגְֹדלָה‬
.‫חֵת‬-‫וְאֶת‬--‫צִיֹדן ּבְכֹרֹו‬-‫ ּוכְנַעַן יָלַד אֶת‬.‫ּכַפְּתִֹרים‬-‫וְאֶת‬--‫ּכַסְלֻחִים אֲשֶׁר יָצְאּו מִשָּׁם ּפְלִשְׁתִּים‬-‫וְאֶת‬
‫הָאְַרוִָדי‬-‫ וְאֶת‬.‫הַּסִינִי‬-‫הַעְַרִקי וְאֶת‬-‫הַחִוִּי וְאֶת‬-‫ וְאֶת‬.‫הָאֱמִֹרי וְאֵת הַּגְִרּגָשִׁי‬-‫הַיְבּוסִי וְאֶת‬-‫וְאֶת‬
‫ּבֹאֲכָה גְָרָרה‬--‫ וַיְהִי ּגְבּול הַּכְנַעֲנִי מִּצִיֹדן‬.‫הַחֲמָתִי; וְאַחַר נָפֹצּו מִשְּׁפְחֹות הַּכְנַעֲנִי‬-‫הַּצְמִָרי וְאֶת‬-‫וְאֶת‬
‫חָם לְמִשְּׁפְחֹתָם לִלְׁשֹנֹתָם‬-‫ אֵּלֶה בְנֵי‬.‫לָשַׁע‬-‫עַד‬--‫ ּבֹאֲכָה סְֹדמָה וַעֲמָֹרה וְאְַדמָה ּוצְבֹיִם‬:‫עַּזָה‬-‫עַד‬
‫ּבְאְַרצֹתָם ּבְגֹויֵהֶם‬.!
E os filhos de Ham são: Kush, Miṣraim, Put e Khena'an. E os filhos de Kush são: Seva,
Hawilah, Savtah, Ra'mah e Savtekha; e os filhos de Ra'mah: Shevah e D'dan. E Khush
gerou a Nimrod; este começou a ser poderoso na terra. E este foi poderoso caçador
diante da face de YHWH; por isso se diz: Como Nimrod, poderoso caçador diante de
YHWH. E o princípio do seu reino foi Bavel, Erekh, Akad e Khalneh, na terra de Shin'ar.
Desta mesma terra saiu à Ashur e edificou a Ninweh, Rehovot-‘Ir, Kalah, E Ressen, entre
Ninweh e Kalah (esta é a grande cidade). E Miṣraim gerou a Ludim, a 'Anamim, a
Lehavim, a Naftuhim, a Patrussim e a Kasluhim (donde saíram os filisteus) e a Kaftorim. E
Khena'an gerou a Ṣidon, seu primogênito, e a Het; E ao jebuseu, ao amorreu, ao
girgaseu, E ao heveu, ao arqueu, ao sineu, e ao arvadeu, ao zemareu, e ao hamateu, e
depois se espalharam as famílias dos cananeus. E foi o termo dos cananeus desde
Ṣidon, indo para Gerarah, até 'Aza; indo para Sedomah e 'Amorah, Admah e Ṣeboim, até
Lasha'. Estes são os filhos de Ham segundo as suas famílias, segundo as suas línguas,
em suas terras, em suas nações.!
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Observa-se aqui que os filhos de Ham (Cão) partem para uma região
completamente diferente.!
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Mais uma vez, temos o uso do termo lashon (‫ )לשון‬para se aplicar ao idioma. As
mesmas observações anteriores são válidas para este trecho.!
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Os descendentes de Ham são descritos como tendo ocupado algumas cidades da
costa nordeste da África.!
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.‫ ּבְנֵי שֵׁם עֵילָם וְאַּׁשּור וְאְַרּפַכְשַׁד וְלּוד וַאֲָרם‬.‫אֲחִי יֶפֶת הַּגָדֹול‬--‫עֵבֶר‬-‫ּבְנֵי‬-‫ אֲבִי ּכָל‬:‫הּוא‬-‫ּולְשֵׁם יֻּלַד ּגַם‬
:‫ ּולְעֵבֶר יֻּלַד שְׁנֵי בָנִים‬.‫עֵבֶר‬-‫שָׁלַח; וְשֶׁלַח יָלַד אֶת‬-‫ וְאְַרּפַכְשַׁד יָלַד אֶת‬.‫עּוץ וְחּול וְגֶתֶר וָמַׁש‬--‫ּובְנֵי אֲָרם‬
‫שָׁלֶף‬-‫אַלְמֹוָדד וְאֶת‬-‫ וְיְָקטָן יָלַד אֶת‬.‫שֵׁם הָאֶחָד ּפֶלֶג ּכִי בְיָמָיו נִפְלְגָה הָאֶָרץ וְשֵׁם אָחִיו יְָקטָן‬
.‫שְׁבָא‬-‫אֲבִימָאֵל וְאֶת‬-‫עֹובָל וְאֶת‬-‫ וְאֶת‬.‫ִדְּקלָה‬-‫אּוזָל וְאֶת‬-‫הֲדֹוָרם וְאֶת‬-‫ וְאֶת‬.‫יַָרח‬-‫חֲצְַרמָוֶת וְאֶת‬-‫וְאֶת‬
.‫ וַיְהִי מֹושָׁבָם מִּמֵשָׁא ּבֹאֲכָה סְפָָרה הַר הֶַקֶּדם‬.‫אֵּלֶה ּבְנֵי יְָקטָן‬-‫יֹובָב; ּכָל‬-‫חֲוִילָה וְאֶת‬-‫אֹופִר וְאֶת‬-‫וְאֶת‬
;‫נֹחַ לְתֹולְֹדתָם ּבְגֹויֵהֶם‬-‫אֵּלֶה מִשְּׁפְחֹת ּבְנֵי‬.‫שֵׁם לְמִשְּׁפְחֹתָם לִלְׁשֹנֹתָם ּבְאְַרצֹתָם לְגֹויֵהֶם‬-‫אֵּלֶה בְנֵי‬
‫אַחַר הַּמַּבּול‬--‫ּומֵאֵּלֶה נִפְְרדּו הַּגֹויִם ּבָאֶָרץ‬.!
E a Shem nasceram filhos, e ele é o pai de todos os filhos de 'Ever, o irmão mais velho de
Yefet. Os filhos de Shem são: 'Elam, Ashur, Arpakhshad, Lud e Aram. E os filhos de Aram
são: 'Uṣ, Hul, Gueter e Mash. E Arpakhshad gerou a Shalah; e Shelah gerou a 'Ever. E a
'Ever nasceram dois filhos: o nome de um foi Peleg, porquanto em seus dias se repartiu a
terra, e o nome do seu irmão foi Yoqtan. E Yoqtan gerou a Almodad, a Shalef, a
Haṣṣarmawet, a Yarah, a Hadoram, a Uzal, a Diqlah, A 'Oval, a Avimael, a Sheva, A Ofir, a
Hawilah e a Yovav; todos estes foram filhos de Yoqtan. E foi a sua habitação desde
Mesha, indo para Sefarah, montanha do oriente. Estes são os filhos de Shem segundo as
suas famílias, segundo as suas línguas, nas suas terras, segundo as suas nações. Estas
são as famílias dos filhos de Noah segundo as suas gerações, nas suas nações; e destes
foram divididas as nações na terra depois do dilúvio.!
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Certamente é possível interpretar que toda a região do Oriente Médio foi repartida
nos tempos de Peleg, e que isso se refira ao episódio da Torre de Bavel. Porém a Torah
aqui fala de um repartir, e não de uma dispersão. !
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É possível que a referência seja unicamente ao repartir da terra de Shem entre os
seus filhos. A principal porção dos filhos de Shem se distribuiu pela península da Arábia, e
também adjacências à terra de Khena’an (Canaã).!
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Novamente, temos o termo lashon (‫ )לשון‬como nos trechos anteriores.!
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Conclusão sobre a Pré-Análise!
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É intrigante que a Torah já se refira a uma divisão de idiomas no capítulo anterior.
O capítulo reforça a ideia, já observada durante a análise da narrativa do dilúvio, de que
ha’areṣ não se refira ao mundo, mas sim à região conhecida.!
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Observa-se ainda que os filhos de Noah se espalharam pelas seguintes regiões:
Entorno do Mar Negro; Costa Nordeste da África, região de Khena’an (Canaã) e
Península da Arábia.!
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Mesmo assim, a quantidade de cidades e povoados fundados é relativamente
modesta, especialmente considerando que nos tempos antigos o que se chama de cidade
seria menor do que um bairro para os nossos padrões.!
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IV - Análise do Texto
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Em seguinda, será realizada a análise da passagem específica, referente a
Bereshit (Gênesis) 11:1-9:!
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‫הָאֶָרץ ׂשָפָה אֶחָת ּוְדבִָרים אֲחִָדים‬-‫וַיְהִי כָל‬.!
wayhi khol-haareṣ shafah ehat udvarim ahadim.!
E era toda a terra de mesmos lábios e de mesmos ditos.!
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A primeira coisa que chama a atenção nesta passagem é o uso da palavra safah
(‫)שפה‬, que significa literalmente lábios.!
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Essa palavra aparece nas Escrituras cerca de 175 vezes. Embora ela possa ser
utilizada como idioma, tal ocorrência é bastante rara.!
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Talvez o exemplo mais claro de uso enquanto idioma esteja na passagem abaixo:!
"Naquele tempo haverá cinco cidades na terra do Egito que falarão a língua [sefat kenani ‫ ]שְׂפַת ּכְנַעַן‬de Kena'an e farão juramento ao YHWH Ṣevaot; e uma se chamará: Cidade de
destruição.” (Yeshayahu/Isaías 19:18)
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Neste caso, o uso enquanto idioma é inequívoco, embora, conforme dito
anteriormente, a palavra mais comum usada nas Escrituras para se referir a idioma seja a
palavra lashon (‫)לשון‬, que significa literalmente "língua".!
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Mas, e quanto aos demais usos do termo safah?!
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Na maioria das vezes em que não designa lábios literais, safah indica uma fala ou
discurso.!
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Por exemplo, observe:!
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O que saiu dos lábios é literalmente a fala ou discurso do voto.!
"O que saiu dos teus lábios [sefateykha -ָ‫ ]שְׂפָתֶי‬guardarás, e cumprirás, tal como
voluntariamente votaste a YHWH teu Elohim, declarando-o pela tua boca.” (Devarim/
Deuteronômio 23:23)
"Cada um fala com falsidade ao seu próximo; falam com lábios lisonjeiros [sefat halaqot ‫ ]שְׂפַת חֲלָקֹות‬e coração dobrado.” (Tehilim/Salmos 12:3)
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Os lábios lisonjeiros nada mais são do que um discurso enganosamente positivo.!
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"Não convém ao tolo a fala excelente [sefat yeter - ‫יֶתֶר‬-‫ ;]שְׂפַת‬quanto menos ao príncipe,
o lábio mentiroso [sefat shaker - ‫שֶָׁקר‬-‫]שְׂפַת‬.” (Mishlê/Provérbios 17:7)
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Apesar do primeiro ser traduzido como fala e o segundo como lábio, o termo é o
mesmo no hebraico. Nesse caso, safah representa novamente um discurso, seja ele
positivo ou mentiroso.!
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Evidentemente que a leitura tradicional de safah enquanto idioma é perfeitamente
plausível. Contudo, o objetivo do autor é demonstrar que existe outra leitura perfeitamente
possível, e muito bem fundamentada: a de que safah indique discursos, e não idiomas.!
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Outro termo utilizado e que deve ser analisado é o termo devarim, que vem de
davar (‫)דבר‬. Embora seja frequentemente traduzida como palavra, davar geralmente não
significa uma palavra isolada, como um substantivo ou um adjetivo - para o que mais
comumente no hebraico se utiliza o termo milah (‫)מלה‬, mas sim um dito, ou discurso.!
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Exemplos:!
"E eis que veio a palavra [devar - ‫ ]ְדבַר‬de YHWH a ele dizendo: Este não será o teu
herdeiro; mas aquele que de tuas entranhas sair, este será o teu herdeiro.”
(Bereshit/Gênesis 15:4)
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"E ele lhe disse: Ora vai, vê como estão teus irmãos, e como está o rebanho, e traze-me
resposta [davar - ‫]ָדּבָר‬. Assim o enviou do vale de Hevron, e foi a Shekhem.”
(Bereshit/Gênesis 37:14)
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Davar também pode significar um assunto, uma causa, ou questão. Exemplo:!
"Depois destas coisas [hadevarim - ‫ ]הְַדּבִָרים‬veio a palavra [devar - ‫]ְדבַר‬de YHWH a Avram
em visão, dizendo: Não temas, Avram, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo
galardão.” (Bereshit/Gênesis 15:1)
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Observe os dois usos de davar no mesmo passuq (versículo). No primeiro caso,
traduzido como coisas, indica questões. !
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"Então temeram aqueles homens, porquanto foram levados à casa de Yossef, e diziam:
Por causa [‘al-devar - ‫ְדּבַר‬-‫ ]עַל‬do dinheiro que dantes voltou nos nossos sacos, fomos
trazidos aqui, para nos incriminar e cair sobre nós, para que nos tome por servos, e a
nossos jumentos.” (Bereshit/Gênesis 43:18)
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"O que atenta prudentemente para o assunto [‘al-devar - ‫ְדּבַר‬-‫ ]עַל‬achará o bem, e o que
confia no Senhor será bem-aventurado.” (Mishlê/Provérbios 16:20)
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‘Al-devar indica literalmente “por causa/acerca de uma questão”.!
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Compreender os dois sentidos de davar, enquanto dito/discurso ou enquanto
questão, ajuda na interpretação do primeiro passuq (versículo).!
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Quando é dito que a terra tinha, literalmente, unidade de devarim, isso indica que
os discursos, ou as questões, de todos estavam alinhados.!
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Em suma, a ideia de uma unidade de devarim, isto é, de ditos, discursos, ou
questões, reforça a possibilidade da leitura de que eles possuíam unicidade de objetivos e
se entendiam perfeitamente em todos os discursos ou assuntos. !
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Não necessariamente há aqui uma referência a falarem o mesmo idioma.
Embora, claro, se eles se entendiam, certamente falavam o mesmo idioma.!
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A diferenciação do que diz o passuq (versículo) é importante para a compreensão,
mais adiante, da ação do Eterno.!
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‫ֵרעֵהּו הָבָה נִלְּבְנָה לְבֵנִים וְנִשְְׂרפָה לִשְֵׂרפָה; וַתְּהִי לָהֶם הַּלְבֵנָה לְאָבֶן וְהַחֵמָר הָיָה‬-‫וַּיֹאמְרּו אִיׁש אֶל‬
‫!לָהֶם לַחֹמֶר‬
wayomeru ish el-re’ehu havah nilbenah levenim wenisrefah lisrefah; watehi lahem
halevenah leaven wehahemar hayah lahem.!
E disseram uns aos outros: Eia, façamos tijolos e queimemo-los bem. E foi-lhes o tijolo
por pedra, e o betume por cal.!
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A descrição da Torah de como foi feita a estrutura da torre de Bavel (Babilônia) é
impressionantemente idêntica à descrição encontrada nos achados arqueológicos na
própria Babilônia.!
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‫!וַיְהִי ּבְנָסְעָם מִֶקֶּדם; וַיִּמְצְאּו בְִקעָה ּבְאֶֶרץ שִׁנְעָר וַיֵּשְׁבּו שָׁם‬
wayhi benas’am miqedem; wayiṣṣu viq’ah beereṣ shin’ar wayeshvu sham!
E aconteceu que, partindo eles do oriente, acharam um vale na terra de Shin'ar; e
habitaram ali.!
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Pelo que se observou da pré-análise do capítulo 10, há aqui duas hipóteses: Se o
texto da Torah seguir uma cronologia linear, refere-se aos descendentes de Ham.!
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Caso se considere que a narrativa não é linear, e sim que o capítulo 10 é uma
explicação resumida sobre a origem dos povos adjacentes, então é possível que o texto
se refira aos descendentes de Noah como um todo.!
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O autor deste material entende que a primeira opção seja a mais provável, embora
afirme que a segunda seja igualmente possível!
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Como a narrativa na Torah nem sempre é linear, é possível que a divisão deles em
goyim (povos) tenha ocorrido depois dos eventos narrados no capítulo 11.!
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Este passuq (versículo) nos ajuda a entender a questão de kol-haareṣ (toda a
terra), no passuq (versículo) anterior. !
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Em sendo uma continuação do capítulo 10 e da história dos descendentes de
Noah, cabe lembrar que vimos que o termo ereṣ (‫ )ארץ‬pode ser utilizado para uma região
específica, e não necessariamente se refere ao mundo como um todo.!
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Além disso, no artigo desta mesma série acerca do dilúvio, observou-se que a
leitura mais provável do dilúvio era enquanto fenômeno local ocorrido no Oriente Médio.
Sabe-se, historicamente, que ocorreu um dilúvio na região.!
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‫הָאֶָרץ‬-‫ּפְנֵי כָל‬-‫נָפּוץ עַל‬-‫ ּפֶן‬:‫ּלָנּו שֵׁם‬-‫ּלָנּו עִיר ּומִגְּדָל וְֹראׁשֹו בַשָּׁמַיִם וְנַעֲשֶׂה‬-‫וַּיֹאמְרּו הָבָה נִבְנֶה‬. !
wayomeru havah nivneh-lanu ‘ir umigdal werosho bashamayim wena’asseh-lanu shem:
pen-nafuṣ ‘al-penê khol-haareṣ.!
E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e
façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra.!
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O texto diz que a cabeça/topo (rosh - ‫ )ראש‬da torre (migdal - ‫ )מגדל‬ficaria
literalmente nos céus (bashamayim - ‫)בשמים‬.!
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A ideia de fazer um nome significa tornar-se famoso. Esse é o objetivo daqueles
que construiriam a cidade e a torre.!
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O autor deste material entende que a ideia de tornar-se famoso reforça o
entendimento de que o acontecimento tenha sido local, e não global. Como poderiam
aqueles homens tornarem-se famosos, se toda a humanidade estava participando do
feito?!
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Alguém poderia interpretar isso como uma referência a tornar-se famoso perante
as futuras gerações. Sem dúvida, essa é uma leitura cabível. No entanto, o autor deste
material entende que a primeira leitura seja a mais provável, e deixa a critério do leitor
decidir a esse respeito.!
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‫הַּמִגְּדָל אֲשֶׁר ּבָנּו ּבְנֵי הָאָָדם‬-‫הָעִיר וְאֶת‬-‫!וַיֵֶּרד יְהוָה לְִראֹת אֶת‬
wayered YHWH lirot et-ha’ir weet-hamigdal asher banu benê haadam.!
Então desceu YHWH para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam;!
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A ideia do Eterno descendo para ver o evento pode parecer estranha a um leitor do
século XXI, acostumado com uma descrição mais etérea e abstrata do Eterno. Como
pode um ser onipresente, externo à Criação, descer para ver as obras dos filhos dos
homens?!
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A narrativa é antropomórfica, e visa apenas elucidar que o Eterno observava
atentamente o que faziam os homens na terra de Shin’ar.!
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Para melhor entendimento do uso de figuras de linguagem antropomórficas nas
Escrituras, sugere-se a leitura da reflexão “Monoteísmo e Antropomorfismo”, deste
mesmo autor.!
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‫יִּבָצֵר מֵהֶם ּכֹל אֲשֶׁר יָזְמּו‬-‫וַּיֹאמֶר יְהוָה הֵן עַם אֶחָד וְשָׂפָה אַחַת לְכֻּלָם וְזֶה הַחִּלָם לַעֲׂשֹות; וְעַתָּה ֹלא‬
‫אֲשֶׁר ֹלא יִשְׁמְעּו אִיׁש שְׂפַת ֵרעֵהּו‬--‫ הָבָה נְֵרָדה וְנָבְלָה שָׁם שְׂפָתָם‬.‫!לַעֲׂשֹות‬
wayomer YHWH hen ‘am ehad weshafah ahat lekhulam wezeh hahilam la’assot; we’atah
lo-yebaṣṣer mehem kol asher yazemu la’assot. havah nerdah wenavelah sham sefatam—
asher lo yishme’u ish safat re’ehu.!
E YHWH disse: Eis que o povo é um, e todos têm mesmos lábios; e isto é o que
começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer.
Eia, desçamos e confundamos ali os seus lábios, para que não entenda um os lábios do
outro.!
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!
A primeira coisa a ser observada é a questão do suo de safah (lábios). A
interpretação mais comum é a de que o Eterno teria feito cada pessoa, ou grupo de
pessoas, falar um idioma diferente, e isso teria feito com que não conseguissem se
entender.!
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!
No entanto, quando consideramos safah (lábios) como discurso, tal como visto no
comentário do primeiro passuq (versículo), então pode-se perceber que a questão de
confundir o discurso não necessariamente exigiria uma multiplicação de idiomas.!
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É possível que o texto se refira simplesmente ao fato de que o Eterno tenha feito
com que eles não mais conseguissem se entender em seus propósitos, objetivos,
estratégias e questões, e com isso a construção tenha sido abandonada.!
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Existe ainda uma outra forma de compreender o episódio. Mas, antes dela, vamos
a uma outra questão.!
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A segunda questão a ser indagada é: Por que o texto está no plural? Por que o
Eterno diz desçamos, e com quem ele fala?!
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O entendimento tradicional é o de que o Eterno estivesse se referindo aos anjos,
que teriam auxiliado na execução do plano de confundir as línguas e dispersar o povo.!
!
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Mas existe outra forma de entender. Há instâncias nas Escrituras, em que o Eterno
é representado, de forma antropomórfica e poética, como falando aos elementos da
natureza, como por exemplo ao sol, à terra, às estrelas, etc. Observe:!
!
“El, Elohim YHWH, fala e convoca a terra desde o nascer do sol até o seu
ocaso.” (Tehilim/Salmos 50:1)
!
"Pois Ele falou, e fez levantar o vento tempestuoso, que eleva as ondas do mar.”
(Tehilim/Salmos 107:25)
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"O que fala ao sol, e ele não nasce, e sela as estrelas.” (Iyov/Jó 9:7)
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Em sendo assim, é possível entender que o texto se refira, semelhantemente, ao
Eterno falando às forças natureza que foram utilizadas para confundir os construtores.!
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Rajadas de vento, chuvas e tempestades estão entre elementos que poderiam
fazer com que eles se confundissem, e não conseguissem se ouvir. Ou que, em seu
desespero, cada um tivesse uma ideia diferente sobre o que fazer.!
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Nabucodonosor II, em seu relato sobre a reconstrução da torre de Bavel
(Babilônia) afirma que a mesma havia sido desgastada por relâmpagos e terremotos.
Teriam sido esses alguns dos elementos utilizados para dispersar a população? O autor
deste material deixa a encargo do leitor decidir sobre a interpretação que mais faz
sentido.!
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‫הָאֶָרץ; וַיַּחְְדּלּו לִבְנֹת הָעִיר‬-‫ּפְנֵי כָל‬-‫וַיָּפֶץ יְהוָה אֹתָם מִשָּׁם עַל‬.!
wayofeṣ YHWH otam misham al-penê khol-haareṣ; wayahdelu livnot ha’ir.!
Assim YHWH os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a
cidade.!
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Mais uma vez, a terra não necessariamente significa o mundo todo, mas
possivelmente a região do chamado Oriente Médio.!
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O plano dos homens de Shin’ar de evitarem ser dispersos não funcionou. Mas,
seria possível indagar: Por que tais homens imaginavam que uma torre altíssima
impediria a dispersão deles?!
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A hipótese tradicional diz que o povo de Shin’ar estava construindo uma megaestrutura para que pudesse atingir os céus e declarar guerra ao Eterno, ou aos deuses
nos quais eles pudessem supostamente crer, e assim evitar serem dispersos.!
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Mas, se essa era a razão, por que o Eterno precisaria tomar algum tipo de ação
direta? Existe um limite de tamanho que um tipo de construção dessas poderia ter, sem
colapsar por si própria. Por que não deixar a torre desabar sozinha?!
!
!
E por que o Eterno teria dito “e agora, não haverá restrição para tudo o que eles
intentarem fazer”?!
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O texto parece indicar que o Eterno tinha receio do que pudesse ocorrer se Ele
próprio não interviesse na construção da torre.!
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A resposta pode estar nas Escrituras:!
"Havia, porém, no meio da cidade uma torre forte [umigdal ‘oz - ‫עֹז‬-‫]ּומִגְַדּל‬, na qual se
refugiaram todos os habitantes da cidade, homens e mulheres; e fechando após si as
portas, subiram ao eirado da torre.” (Shofetim/Juízes 9:51)
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"Também Uziyahu edificou torres [migdalim - ‫ ]מִגְָדּלִים‬em Yerushalayim, à porta da
esquina, à porta do vale e ao ângulo do muro, e as fortificou.” (Divrê haYamim Bet/2
Crônicas 26:9)
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"Pois tu és o meu refúgio, uma torre forte [migdal-oz - ‫עֹז‬-‫ ]מִגְַדּל‬contra o
inimigo.” (Tehilim/Salmos 61:3)
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As torres tinham como principal objetivo proteger os habitantes de uma
determinada região em situações de invasão e guerra.!
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Com uma mega-estrutura de uma torre gigantesca, sua cidade seria impenetrável,
e eles seriam capazes de construir um império poderosíssimo.!
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Essa ideia reforça ainda mais a tese de que os descendentes de Noah não eram
os únicos habitantes da terra, isto é, considerando que ereṣ (‫ )ארץ‬seja uma referência
local e não global.!
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Considere ainda o leitor que a narrativa se localiza a não muitas gerações do
episódio do dilúvio. Naquela ocasião, a iniquidade generalizada fez com que o Eterno
precisasse tomar providências e destruir a região.!
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É possível que o Eterno estivesse procurando evitar uma situação semelhante,
impedindo assim que o poderio militar dos homens de Shin’ar fosse responsável por nova
catástrofe, pouco tempo depois.!
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Outra questão a ser indagada é se já naquela época a estrutura estava sendo
dedicada ao deus babilônio Bel-Merodach, ou se tal dedicação surge apenas
posteriormente.!
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A idolatria, aliada ao poderio militar, também poderiam ser uma mistura
catastrófica. Como, aliás, a história já provou.!
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‫הָאֶָרץ‬-‫ּפְנֵי ּכָל‬-‫הָאֶָרץ; ּומִשָּׁם הֱפִיצָם יְהוָה עַל‬-‫שָׁם ּבָלַל יְהוָה שְׂפַת ּכָל‬-‫ּכֵן ָקָרא שְׁמָּה ּבָבֶל ּכִי‬-‫!עַל‬
‘al-ken qara shemah bavel ki-sham balal YHWH sefat kol-haareṣ; umisham hefiṣṣam
YHWH al-penê kol-haareṣ!
Por isso se chamou o seu nome Bavel, porquanto ali confundiu YHWH os lábios de toda a
terra, e dali YHWH os espalhou sobre a face de toda a terra.!
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Há duas hipóteses para a expressão acima indicada. Uma é a de que o nome do
local tenha realmente se originado desse evento. Esse é o entendimento tradicional.!
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A segunda hipótese é a de que, na realidade, a Torah esteja fazendo um trocadilho
entre Bavel e balal (confundir), de forma jocosa.!
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Se a segunda hipótese for verdadeira, de onde viria originalmente o nome Bavel?!
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A resposta estaria no termo em acádio Bab-Ilu, que significaria literalmente “portão
de El”, ou “portão poderoso”.!
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Nesse caso, o trocadilho entre Bavel e balal seria uma forma de ironizar o nome,
indicando que o local que antes era tido como poderoso e imponente, havia sido palco de
confusão.!
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O autor deste material entende que a segunda hipótese seja a mais provável, mas
admite que a primeira seja igualmente possível.!
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O desfecho desta história é a dispersão dos homens, que deixaram de se
concentrar na terra de Shin’ar, e se espalharam pelas regiões adjacentes.!
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V - Um Adendo Curioso
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Provavelmente, a essa altura, o leitor já deve ter uma ideia de que interpretação
mais faz sentido acerca da confusão de lábios, isto é, se a referência é a idiomas, ou ao
discurso.!
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Porém, isso também não coloca fim à questão. O confundir línguas é usado pelo
menos em mais um lugar nas Escrituras:!
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"Destrói, Adonai, reparte as suas línguas [palag leshonim - ‫ ]ּפַּלַג לְׁשֹונָם‬, pois vejo violência
e contenda na cidade. Há destruição lá dentro; opressão e fraude não se apartam das
suas ruas. Pois não é um inimigo que me afronta, então eu poderia suportá-lo; nem é um
adversário que se exalta contra mim, porque dele poderia esconder-me; mas és tu,
homem meu igual, meu companheiro e meu amigo íntimo.”
(Tehilim/Salmos 55:11-13)
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Pelo contexto, Dawid (Davi) se angustia por causa de pessoas próximas a ele que
tramavam o seu mal.!
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Poeticamente, a expressão se refere a trazer desentendimento entre aqueles que
tramam o mal. !
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Ou seja, mesmo que safah (lábios) seja efetivamente sinônimo de lashon (língua),
ainda seria possível compreender a passagem de forma figurativa, assim como o salmo.!
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VII - Conclusão
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A história da Torre de Bavel torna-se ainda mais fascinante, e ganha vida, com a
análise não apenas dos elementos arqueológicos e históricos, como também do texto
hebraico original.!
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A arqueologia e a história confirmam o relato bíblico, desde sua composição,
imponência, antiguidade, e até mesmo curioso abandono. E ainda fornecem detalhes
interessantíssimos, tais como a trágica história das demais tentativas de reconstruir a
torre, e a sua característica como fortaleza e local de culto.!
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!
A leitura tradicional da confusão dos idiomas da humanidade, referenciada tanto na
introdução quanto ao longo do texto, certamente é possível a partir do texto hebraico
original, restando apenas como interrogação a sua relação com a história da humanidade
e com as descobertas históricas.!
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Porém, certamente essa não é a única leitura. E, para o autor deste material,
também está bem longe de ser a melhor leitura, não apenas pela dificuldade histórica,
como também pelas próprias questões inerentes ao texto hebraico.!
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A primeira coisa que fica bastante clara é a possibilidade, indicada por vários
indícios do texto da própria Torah, de que o fenômeno fosse estritamente local, e não algo
que envolvesse toda a humanidade. O autor deste material considera essa a leitura mais
provável.!
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A segunda é a evidente possibilidade de que a confusão de lábios se referisse ao
Eterno se certificando de que eles não se entenderiam sobre a construção da torre, e não
uma alteração no idioma falado pelos habitantes da terra.!
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!
Supondo que se refira mesmo a alterações idiomáticas ocorridas de forma
sobrenatural, deve-se ressaltar que isso não significa necessariamente supor que todos
os idiomas da humanidade se originaram nesse evento, pois é perfeitamente possível, e
mesmo provável, que os eventos tenham envolvido apenas habitantes locais.!
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!
O autor deste material, no entanto, entende como mais provável a ideia de que a
Torah se refira simplesmente a uma falta de compreensão entre os envolvidos na
construção.!
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!
Tendo em mente a linguagem e a forma de expressão semita, o autor deste
material também não vê no discurso do Eterno nenhuma razão para supor um conceito
politeísta. !
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!
Levando em consideração ainda a presença de descrições do Eterno se
comunicando com a natureza, o autor deste material entende que sequer é necessário
acreditar na existência de seres celestiais para justificar tal diálogo, embora entenda que
não seja possível descartar essa hipótese para este texto especificamente.!
!
!
Pelo contrário, a própria descrição de Nabucodonosor II sobre os elementos
naturais que levaram à ruína da primeira construção da Torre de Bavel também, na
opinião do autor, reforçam a tese de que o Eterno tenha apelado a tais elementos.!
!
!
Por fim, o autor deste material entende ainda que a trágica história das sucessivas
e frustradas tentativas de reconstrução da Torre são também um impressionante
testemunho da desaprovação do Eterno para com o empreendimento, e da veracidade da
Torah.!
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VI - A Mensagem
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Com tantas possibilidades de compreender os detalhes que cercam o relato da
Torre de Bavel, como é possível ter certeza do que de fato ocorreu?!
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Na experiência do autor, tal perplexidade é um sintoma da sociedade atual, que
tem verdadeira obsessão por saber todas as coisas, no nível do detalhe. Embora a
curiosidade seja algo saudável, é preciso não perder o foco.!
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!
Via de regra, o Tanakh (as Escrituras), e em especial a Torah, é bastante claro no
que diz respeito àquilo que verdadeiramente importa. Quando um detalhe é dotado de
alguma obscuridade, ou não é totalmente conhecido, isso significa que ele é pouco
relevante.!
!
!
Fato é que, independentemente de quantas pessoas envolveu; ou a que
nacionalidade elas pertenciam; se seus idiomas se alteraram ou se elas simplesmente
deixaram de se entender e agir de comum acordo; se houve ou não o envolvimento de
seres celestiais; o mais importante permanece inalterado: a mensagem da história.!
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A história da Torre de Bavel fala a respeito da húbris, da arrogância humana que
frequentemente não respeita nenhum limite, desafiando, se possível for, as leis da
natureza e até mesmo o próprio Eterno.!
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A moral da história da Torre de Bavel é que aquele que buscar se elevar e se
colocar acima dos outros, vangloriando-se de atos impossíveis, invariavelmente será
humilhado.!
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Frequentemente, o ser humano precisa se lembrar de que é pó, e ao pó retornará.!
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Essa mensagem é atemporal, e independe de termos as respostas acerca dos
detalhes da narrativa.!
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O autor deste material é uma pessoa altamente favorável ao uso da razão, a aliar
para fins de compreensão das Escrituras o conhecimento não apenas científico, como
histórico e arqueológico, e sempre que possível privilegia explicações racionais acima das
místicas, pois entende que esse é o espírito da própria Torah. !
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!
E entende ainda que isso em nada diminui dos milagres e prodígios realizados pelo
Eterno. Pelo contrário, glorifica-O ainda mais, pela confirmação dEle como um perfeito
autor e arquiteto dos eventos nos bastidores.!
!
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Porém, essa não é a única maneira de se entender os eventos, ou mesmo esta
narrativa. Seja como for, o leitor jamais deve permitir que a fascinante jornada na busca
pela compreensão dos detalhes das Escrituras tome o lugar de compreender e aplicar o
propósito da mensagem revelada.!
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