Saiba mais - Instituto Martius Staden

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Saiba mais - Instituto Martius Staden
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Literatura Brasileira de Expressão Alemã
www.martiusstaden.org.br
PROJETO DE PESQUISA COLETIVA
Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa
WILLY KELLER
1900-1979
(Karola Zimber)
2011
Sumário:
I PARTE
•
Constança: a família, os primeiros estudos e a formação profissional
•
Teatro na Alemanha.
•
A Alemanha nos anos 30.
•
Keller entra em confronto com o regime. Fuga para o Brasil.
•
Os primeiros anos no Brasil
•
Operário em Porto Alegre.
•
A luta antifascista: o encontro com Friedrich Kniestedt.
•
São Paulo: trabalho num restaurante.
•
Mudança para o Rio de Janeiro.
•
A luta antifascista prossegue.
•
Os exilados: um grupo heterogêneo e pouco solidário.
•
A volta ao teatro.
•
A vida sorri enfim para Keller.
•
A viagem à Alemanha. Encontro com Brecht.
•
O Instituto Cultural Brasil-Alemanha no Rio de Janeiro.
•
Um parênteses: qual o perfil ideológico de Keller?
II PARTE
•
Os boletins da “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”.
•
Teatro em língua alemã.
•
O Teatro Experimental do Negro.
•
Willy Keller, tradutor de literatura brasileira.
•
As traduções do alemão para o português.
•
Willy Keller, crítico de arte.
•
Honrarias no final da vida.
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I PARTE
Constança:
a família, os primeiros estudos e a formação
profissional
Willy Keller nasce em 9 de junho de 1900, com o nome de Karl Wilhelm
Keller, na cidade de Constança, à beira do lago do mesmo nome. Os alemães
denominam o lago de Bodensee, um nome intraduzível, ou de Schwäbisches
Meer (mar da Suábia), talvez por ser este o maior lago da Alemanha e também
por separar, ou unir, três países: Alemanha, Áustria e Suíça.
Esta proximidade com a fronteira parece prenunciar o futuro de Keller.
São poucas as informações sobre a família de Keller. Seu pai, Karl Keller
era professor ginasial e havia nascido em Karlsruhe em 1864. Sua mãe,
Margarete Dell era de Weinheim.
Em 1929 Keller casa-se com Ellen Heydemann, de Munique e, em 1930,
nasce o único filho do casal, Peter. Ellen é secretária, profissão que mais tarde
vai garantir a sobrevivência da família no exílio.
Karl, nome herdado do pai, logo é abandonado e Keller passa a preferir,
na vida artística e como escritor e tradutor, o diminutivo Willy ou os
pseudônimos JJSansombre e Thomas. Muitos anos mais tarde, quando Keller
cria um movimento antifascista e edita um boletim, ele passa a assinar W. Keller
ou K.W.Keller, talvez querendo separar o intelectual do ativista político.
Não encontramos menção a outros parentes. Na década de 50, no
entanto, quando Keller, já morando no Brasil, viaja à Alemanha, deixa dois
endereços para contato: o de Fritz Keller em Mannheim e o de Hans Gossler em
Freiburg. Gossler, de acordo com Cristian, neto de Keller, seria um parente. Em
sua correspondência com Ulrich Becher, guardada no arquivo Becher da “Die
Deutsche Bibliothek” em Frankfurt/M, encontra-se a informação de que, em
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dado momento, Keller visita também uma irmã de sua mãe que vive em
Kandern.
As cidades mencionadas e seus familiares acham-se, sobretudo, no sul
da Alemanha, principalmente nas províncias de Baden-Baden e Würtemberg, o
que parece sugerir que a família tinha raízes firmes nesta região.
Cristian, neto de Keller, lembra em entrevista a mim concedida em 28 de
junho de 1995, um episódio que teria acontecido com um irmão de Keller que
entrara para o exército, se tornara mais tarde funcionário da alfândega, tendo
carimbado seu próprio passaporte para sair da Alemanha.
Durante os anos entre 1906 e 1909, Keller frequenta como qualquer
garoto a escola primária em Kehl, à beira do Reno, e depois o ginásio em
Weinheim, cidadezinha a noroeste de Mannheim, de onde provinha sua mãe.
Segundo Cristian, neto de Keller, na mesma entrevista, Willy queria
estudar música, com o que seu pai não concorda. Não se sabe se a opção de
Keller pelo teatro teve a aprovação do pai.
De qualquer modo, em 1919 Keller entra como aluno na “Hochschule für
Musik und Theater des Nationaltheaters” (=Conservatório e Escola Dramática
do Teatro Nacional) em Mannheim, fazendo um curso de teatro de 2 anos sob a
direção de Paul Tietsch. A música é, ao lado do teatro, a grande paixão de Keller
ao longo de sua vida.
Num currículo enviado ao Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro,
1956, Keller menciona que concluiu seus estudos com um certificado de aptidão
(=Befähigungsnachweis) para exercício da atividade teatral da Cooperativa dos
Associados
Alemães
ao
Teatro
e
da
Associação
Teatral
Alemã
(=Befähigungsnachweis zur Ausübung der Bühnentätigkeit der Genossenschaft
Deutscher Bühnenangehöriger und des Deutschen Bühnenvereins) bem como
com a formação profissional de diretor e dramaturgo.
Teatro na Alemanha
Em 1921, Keller começa a trabalhar como ator no Teatro Municipal de
Recklingshausen
(=Stadttheater
von
Recklingshausen),
pertencente
à
Associação Teatro Municipal Herne-Recklingshausen. Seu primeiro papel é
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desempenhado na peça de Schiller Die Räuber (= Os salteadores). Seu contrato
é renovado por um ano e o diretor do teatro, Richard Dornseiff, entrega-lhe
então a direção de duas peças, uma de Chekov e outra de Walter Harlan1. Keller
refere-se a este episódio como o despertar do seu interesse pela direção. Ele faz,
em seguida, mais um curso suplementar de direção teatral e, a partir de 1925,
dedica-se exclusivamente à direção.
Em 1924 e 1925 trabalha no Rhein-Mainisches Künstlertheater (Teatro
artístico Reno-Meno) em Frankfurt/M, como primeiro diretor. Em 1927 e 1928,
participa dos Festivais (Festspiele) de Heidelberg como suplente de diretor. Em
1928 e 1929, exerce a função de suplente de diretor no Teatro Renaissance de
Berlim. De 1929 até 1932, é o primeiro diretor do Teatro Municipal de
Würzburg e, de 1932 até 1934, é também o primeiro diretor no Teatro Municipal
de Osnabrück.
Nesta época, a vida cultural na Alemanha (República de Weimar) acusa,
segundo John Willett em seu livro Die Eröffnung des politischen Zeitalters auf
dem Theater (= Abertura da temporada política no teatro), a influência das
novas idéias vindas da União Soviética desde 1917. As relações com a jovem
União Soviética tornam-se mais estreitas. O interesse pelos assuntos
econômicos e sociais, o diálogo crítico com a sociedade, é mais importante do
que o desenvolvimento de novos critérios formais. Comum aos artistas desta
época é também o pacifismo. A qualidade técnica dos teatros alemães alcança
notoriedade e a habilidade dos seus técnicos, que implantam pela primeira vez a
iluminação cênica e inventam o palco giratório, torna-se conhecida.
É neste ambiente que surgem figuras como Erwin Piscator (1893-1966) e
Bertolt Brecht (1898-1956).
O teatro de Piscator é francamente panfletário, concebido desde o início
como um instrumento de luta de classes: um teatro que pretende intervir nos
acontecimentos, fazer política. Ao lado desde teatro de agitação, aparece um
teatro com finalidades didáticas: ao invés de dirigir a consciência de classe para
determinados objetivos, pretende criar primeiro a consciência de classe. É, neste
sentido, que Brecht desenvolve entre 1928 e 1931 suas “Lehrstücke” (= peças
didáticas).
1
- Walter Harlan, nascido em 1867 e falecido em 1931, em Berlim, foi jurista e jornalista dirigente da
Sociedade Literária (Literaturgesellschaft) de Leipzig, dramaturgo no Teatro Lessing e escritor em
Berlim.
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Assim, são as idéias de Brecht e Piscator que dominam o cenário teatral
durante a formação e o desenvolvimento profissional de Willy Keller.
A Alemanha nos anos 30
Os assim chamados anos 30 na Alemanha são marcados, como todos
sabem, por três fatores principais: a dívida referente à derrota na Primeira
Grande Guerra, o crack da bolsa de Nova York em 1929 e a ascensão de Hitler ao
poder em 1933.
Como perdedora da Guerra, a Alemanha vê-se obrigada a abrir mão de
suas colônias na África, a ver seu território abocanhado pelos vencedores e a
pagar-lhes uma vultosa soma em dinheiro, além de se sentir humilhada com a
cerimônia da assinatura da paz em pleno Palácio de Versalhes na França, sua
tradicional inimiga. Durante os anos 20, a Alemanha consegue, no entanto,
equilibrar suas finanças e chegar a sentir o gosto do bem-estar, trazido pelo
esplendor capitalista americano dos chamados anos de ouro. Entretanto, a
humilhação de Versalhes não fora esquecida.
Os acontecimentos financeiros de 1929 na Wall Street, porém, imprimem
novos rumos ao país. O crack da bolsa abre um período de recessão econômica
que só vai terminar em 1932. Seu efeito imediato é a interrupção do fluxo de
capitais à Europa, comprometendo a economia capitalista como um todo e,
sobretudo, a Alemanha na situação de dependente dos créditos americanos para
saldar suas dívidas da Guerra. Nos anos seguintes, observa-se a queda anormal
da produção industrial e agrícola, o endividamento exagerado dos pequenos
agricultores, a triplicação do desemprego na indústria e a derrocada financeira e
monetária.
Em 1931, por exemplo, o “Creditanstalt”, o maior banco comercial da
Áustria, abre falência, seguido de outros bancos europeus. Com isso, o capital
americano aplicado na Alemanha volta aos USA e o marco alemão, sem a
cobertura americana, perde valor. Em agosto deste mesmo ano, o governo
alemão congela todos os créditos externos.
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Em 1932, a produção industrial atinge seu ponto mais baixo: 30% menor
do que a de 1929, sendo a Alemanha um dos países em que se concentram as
maiores perdas. O colapso da produção na indústria pesada é o mais evidente. O
comércio internacional retrai-se para menos de 40% de seu volume de 1929 em
valor, e a 74% em volume físico.
Uma das manifestações mais dramáticas da depressão atinge o
proletariado industrial, pois a estratégia adotada para contornar a crise definese pela redução da produção e não dos preços. Na Alemanha, o número de
desempregados atinge a cifra de 3,8 milhões de pessoas em dezembro de 1930.
Com o esfacelamento do comércio mundial, a partir da crise de 1929, o
capitalismo tradicional, numa tentativa de sobrevivência, toma o rumo do
capitalismo monopolista, rumo este também marcado por modificações
ideológicas, em que o Estado assume um papel bem maior, não só na Alemanha,
como também na Itália e nos próprios USA com o “new deal” do presidente
Roosevelt. Isto significa que, na área econômica, os países industrializados não
abrem mais seu capital para o exterior, tornando as economias cada vez mais
fechadas, com leis protecionistas contra mercadorias e dinheiro estrangeiros.
Com isso, a economia mundial assume a desagregação já instaurada e a
transforma na criação de mercados nacionais imperialistas. A Inglaterra, por
exemplo, fecha-se em torno de suas colônias, a França em seu império, a
Alemanha e os países da Europa Oriental recorrem à autarquia e ao
protecionismo.
Na Alemanha, o capitalismo monopolista, associado a uma ideologia
imperialista e em conjunto com o espírito de vingança oriundo da humilhação
sofrida em Versalhes, forma uma mistura explosiva, alimentada pela burguesia.
Primeiro, o chanceler Gustav Stresemann consegue o reconhecimento do país
como grande potência. Depois, em março de 1930, o chanceler Heinrich
Brüning, em sua luta contra a depressão econômica, acaba por adotar medidas
clássicas que arrocham os salários, retiram subvenções aos desempregados,
limitam importações, controlam o comércio exterior.
Estas medidas, no
entanto, revelam-se ineficazes e a depressão aumenta. Nesta conjuntura,
aumentam também a agitação social e as mobilizações operárias. A
radicalização entre os militantes do Partido Comunista e as classes médias,
ameaçadas pela proletarização, instaura-se. O grande capital que apoia o
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Nazismo recebe, então, também o apoio destas classes médias que aí se
refugiam.
O Nazismo, em si, não é nenhuma corrente ideológica original, mas uma
sistematização de várias teorias apresentadas no livro Mein Kampf (=Minha
luta) por Adolf Hitler, seu autor. A doutrina nazista (abreviação de nacionalsocialista) é propositadamente confusa e ambígua. Apodera-se dos tópicos
referentes à eliminação da luta de classes, defendidos pela classe operária e os
despoja de seu teor internacionalista e proletário, para adequá-los à ideologia
do capital nacional, fortalecendo-o face a capitais rivais. Assim, a doutrina
nazista repele qualquer possibilidade de revolução social, despreza a democracia
liberal, considerando-a fraca e incapaz (lembremo-nos que, durante todo o
período em que vige a República de Weimar - 1918-1933 - a democracia é
largamente exercitada, a ponto de nenhum partido político obter a maioria no
parlamento, o que complica muito a situação fragilizada do país). Além da
democracia, o nazismo também não leva em consideração o pacifismo e os
direitos individuais frente ao Estado. O nazismo exorta a formação da juventude
no exército, dando ênfase ao seu desenvolvimento físico e a uma educação
dirigida para a defesa de sua própria ideologia. Preconiza a purificação da raça,
com a esterilização dos portadores de doenças hereditárias e defende o aumento
das taxas de natalidade. O partido e a ideologia nazistas contam, então, com o
apoio do grande capital, da classe média e, agora, da juventude. Em 1930, há
cerca de 400 mil jovens no exército; em 1933 há 1,5 milhão. Além disso, existem
ainda as forças paramilitares como a SA (“Sturmableitung”=tropa de assalto) e a
SS (“Schutzstaffel”=destacamento de proteção).
O partido nazista chega ao poder, portanto, graças a uma conjuntura
econômica infeliz, aliada a uma deterioração do sistema parlamentar alemão.
Ao assumir a chancelaria em janeiro de 1933, Hitler implanta por inteiro
a ideologia nazista no país: assina um acordo com a igreja, proibindo os padres
de qualquer manifestação política, transforma o partido nazista em partido
único, proíbe os intelectuais de se expressarem contrariamente ao regime e
decreta a perseguição aos judeus. Quem desobedece é simplesmente preso.
Hitler consegue, desta maneira, diminuir o desemprego, pois tem como
aliados os donos do grande capital e, sem agitação social, tenta levar a
Alemanha à auto-suficiência. Em 1936, a indústria alemã (principalmente a de
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armamentos) atinge os níveis alcançados em 1929 antes da crise. Em 1939 não
há praticamente desemprego. O imperialismo alemão tem, agora, todo o
caminho livre à sua frente.
Os anos da maturidade de Keller coincidem com esta difícil época dos
últimos anos da República de Weimar e da ascensão do nazismo.
No ensaio “A razão do absurdo: Christian Morgenstern” (1871-1914),
publicado na revista Humboldt 12, de 1965, à página 52, Keller tece os seguintes
comentários sobre esses anos da história alemã:
Abrangem igualmente a época da ascensão nacional da Alemanha, a
época da cultura burguesa capitalista, a época de um desenvolvimento
material constante, a época, portanto, cujas instituições pareciam tão
sólidas, que a humanidade se julgava no limiar da paz perpétua. [...] O
ano de 1914 destruiu aquela esperança, que se fundava em uma teoria
simplista da evolução, e, repentinamente, o povo alemão se viu frente
a problemas, dos quais havia tomado conhecimento apenas na
periferia durante os anos do bem estar. Um passado julgado morto
despontava subjugando a Europa e o mundo.
O ensaio parece ser uma reflexão sobre as razões da derrocada de 1918 e,
sobretudo, sobre a incapacidade da Alemanha em resolver seus problemas,
culminando com a ascensão do nazismo e em uma catástrofe de proporções
mundiais que arruinou a vida de milhões, inclusive a de Keller.
Apesar dos muitos problemas, as artes haviam florescido na República de
Weimar e, no teatro, este período produtivo só é sufocado pelo nazismo. Keller,
no artigo “Seminário sobre o teatro alemão” publicado no jornal O Estado de
São Paulo de 5/10/1972, assim se manifesta: “Uma grande força criadora
caracterizava o teatro alemão no período de 1918 a 1930, quando autores
possuíam o que faltava aos dirigentes políticos da época: clarividência para
perceber o desastre que seria o regime nazista.”
Keller entra em confronto com o regime.
Fuga para o Brasil.
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Em 1934, Hitler é chanceler, empossado em 30 de janeiro de 1933. Em 27
de fevereiro do mesmo ano, o “Reichstag” (=Parlamento) é incendiado e o
episódio serve de pretexto para a prisão de mais de 10.000 funcionários e
membros do SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands = Partido Social
Democrata da Alemanha) e do KPD (Kommunistische Partei Deutschlands =
Partido Comunista da Alemanha), assim como de opositores em geral. Nessa
época, Keller tem afinidades com o SPD e é também filiado ao Sindicato dos
Trabalhadores Teatrais. No dia 10 de maio de 1933, inicia-se a grande queima
pública de livros em toda a Alemanha. O confronto de Keller com os nazistas
teria que vir mais cedo ou mais tarde.
Em 1934, Keller dirige em Osnabrück uma peça de Shakespeare, que
obtém enorme sucesso e provoca a inveja do diretor de ópera que o denuncia
como antinazista. Keller menciona em um currículo encaminhado ao Instituto
Nacional do Livro em 21/10/1956 que, em outubro de 1934, também dirige uma
comédia que provoca a ira das autoridades: Trata-se de Kuckukseier (=Os ovos
do cuco) do crítico teatral Wolfgang Götz (1885-1955). Os Ovos do cuco sugere
a ocupação indevida de um lugar, pois o cuco, como o nosso chupim, costuma
pôr seus ovos no ninho alheio. Isto pode ter sido uma referência aos nazistas e
explica a reação irada destes. É possível que tanto o sucesso de uma peça de
Shakespeare e a conseqüente inveja de um colega, como a representação de uma
peça em que se critica o nazismo, somados à ligação de Keller com o SPD e o
Sindicato, tenham resultado em sua perseguição pelas autoridades. Maria
Sommer da editora “Gustav Kiepenheuer Bühnenvertriebs GmbH”, em
entrevista a mim concedida em setembro de 1995, não acredita que a encenação
da peça de Götz tenha provocado a ira dos nazistas contra Keller. No entanto,
em uma carta a esta mesma Maria Sommer, Keller confirma que, no dia
seguinte à representação da mencionada peça alemã, teve impedida sua entrada
no teatro e que a partir dessa data começa sua perseguição pelo regime.
Susanne Bach, em entrevista a mim concedida em setembro de 1995, em
Munique, admite ainda a existência de um outro problema na vida de Keller.
Sua esposa, Ellen Heydemann, tem ascendência judia e, portanto, sua vida e a
de seu filho estão seriamente ameaçadas. A iniciativa de emigrar parece ter
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partido de Ellen, atemorizada com o crescente antissemitismo, enquanto Keller
parece ser surpreendido pelos acontecimentos.
Em um currículo enviado ao Instituto Goethe de Munique em
21/10/1963, Keller fala de processos contra sua pessoa em Osnabrück e Berlim.
Seu salário é bloqueado e sua casa submetida a buscas pela Gestapo, a polícia
secreta do estado. Keller esconde-se primeiro em Berlim e foge depois para o
Sarre (Saarland), então sob a proteção das Nações Unidas. Num questionário
respondido
ao
“Institut
für
Zeitgeschichte”
(Instituto
para
História
Contemporânea) em 1/05/1971, Keller menciona que fugiu em 10 de novembro
de 1934 para Saarbrücken, capital do Sarre, após a expedição de uma ordem de
prisão contra sua pessoa no dia 9 do mesmo mês. Face a tal ameaça, sua mulher
Ellen prepara a fuga para o Brasil. Ela relata assim o episódio:
A Gestapo sabia naturalmente da minha intenção e tentou convencerme a fazer com que meu marido voltasse para Berlim, garantindo-lhe
livre trânsito, pois seria leviano abandonar sua profissão, uma vez que
já tinha um nome na Alemanha como diretor teatral. Como ele
impunha condições à Gestapo declarei, após os papéis para emigração
terem ficado prontos com auxílio do Consulado Brasileiro e da
Companhia de Navegação Chargeurs Réunis, que eu mesma iria a
Saarbrücken, para convencer meu marido das “boas intenções” da
Gestapo e trazê-lo de volta. Prometi deixar meu filho Peter de 4 anos
1como garantia na Alemanha. Mas no dia seguinte, peguei meu filho e
consegui chegar a Saarbrücken, e de lá a Le Havre, passando por Paris,
onde, no Natal, embarcamos na terceira classe de um pequeno vapor
francês.2
A família Keller chega a Porto Alegre em janeiro de 1935.
Segundo testemunho de Cristian Keller, dado por telefone em junho de
1995, Ellen já havia estado no Brasil em 1933. Talvez isto explique o fato de
Ellen ter conseguido obter os papéis necessários para emigrar no curto prazo de
algumas semanas.
A escolha do Brasil como país de exílio faz-se por razões supostamente
práticas: segundo a versão de Cristian, Ellen, a mulher de Keller, tem um tio em
Porto Alegre o que lhe permite lançar mão da carta ou da passagem de
chamada, aberta àqueles que já possuem parentes no país. Numa entrevista a
Werner Röder do “Institut für Zeitgeschichte”, datada de 1971, Keller revela que
2
Apud Izabela Kestler. Das Exil der deutsprachigen Schriftsteller und Publizisten in Brasilien.
Frankfurt/M, Peter Lang, 1992, p.95.
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a decisão de emigrar para o Brasil se deve à existência de parentes distantes de
sua mulher neste país. No entanto, em conversa por mim mantida com
familiares, em Valinhos, em junho de 1995, estes não se lembram deste parente,
e nossa tentativa de localizá-lo por meio de um anúncio no jornal de língua
alemã Brasil Post, de 16 de dezembro de 1994, infelizmente, não dá em nada.
Também pode ter acontecido que este tio nunca tenha existido, tendo servido
apenas para justificar e legitimar a vinda de Ellen ao Brasil em 1933, para
organizar a fuga, comprando uma carta de chamada.
É curioso observar que as circunstâncias da vinda da família Keller ao
Brasil apresentam versões diferentes, já que na já citada entrevista a Werner
Röder do “Institut für Zeitgeschichte”, Keller também afirma que viaja para o
Brasil na companhia de Ulrich Becher, como membro do grupo Görgen. Há, na
verdade, um chamado grupo Görgen de exilados no Brasil. Este grupo é
coordenado por Hermann Mathias Görgen, ministro das finanças do governo
austríaco no exílio. É sua tarefa conseguir asilo, num país sul-americano, para
emigrantes que estão fugindo para a Suíça onde, sem conseguir visto de
permanência, ficam sob ameaça de deportação. Görgen consegue para estas
pessoas passaportes checos do governo Benesch. O cônsul brasileiro em
Genebra concede-lhes os vistos, sem mostrar os passaportes ao consulado
alemão, para que este não os assinale com J de judeu, o que impediria seus
portadores de entrar no Brasil, devido ao antissemitismo do governo Vargas.
Ora, Keller refere-se a um tal Heinrich Görgen, pensando, porém, em Hermann
Mathias Görgen. Este grupo inclui, realmente, Ulrich Becher e sua esposa Dana
Roda-Roda Becher, e chega ao Brasil em maio de 1941, passando pela França,
Espanha e saindo de Lisboa em 27 de abril do mesmo ano. Todavia, na relação
dos participantes do grupo não consta o nome de Keller. Werner Röder, em
carta a mim enviada em 14/11/1995 levanta duas explicações possíveis para o
fato:
1 - [...] a superposição de experiências semelhantes, próprias e alheias,
não é incomum na percepção de vítimas de perseguições distantes no
tempo, e
2 - há uma falha possível na reconstrução do depoimento de Keller a
partir da transcrição da gravação.
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Além disso, a fixação do ano de 1935 para a chegada de Keller ao Brasil é
por ele confirmada através de outros fatos, registrados por Keller, em seus
currículos.
A partir dos depoimentos de emigrantes e de contemporâneos, sabe-se
dos obstáculos que se opunham à emigração: dificuldades em obter passaporte
e visto de saída, recusa de países como a França e a Espanha em conceder vistos
de passagem, a expansão nazista, a recusa de vários países em conceder vistos
de permanência e os esquemas de suborno e corrupção envolvidos. Assim,
preocupados em não comprometer outras pessoas ou em não fechar eventuais
rotas de fuga, os emigrantes nem sempre relatam os fatos de forma verídica.
Sobre a prática ilegal de compra de passagens/cartas de chamada, Maria
Luiza Tucci Carneiro escreve em seu livro O anti-semitismo na era Vargas, de
1988, na página 162, o seguinte:
A exigência de apresentação de uma carta de chamada para a obtenção
de visto de entrada no Brasil, gerou um verdadeiro “comércio de falsas
cartas” envolvendo autoridades e funcionários do Itamarati e
Consulados, além da proliferação de agências especializadas que
agiam encobertas por certas repartições federais.
E, mais adiante, na página 226, faz menção à agência de viagens Josef
Hartmann que, por meio da “Palestine e Orient Lloyd”, vende vistos de entrada
e passagens para o Brasil.
Ao que tudo indica, várias são as circunstâncias que se somam para levar
Willy Keller à emigração, interrompendo, assim, de forma abrupta sua carreira
de diretor teatral na Alemanha.
Na entrevista a Werner Röder antes mencionada, Keller diz:
Na minha fuga não considerei que, ao abandonar o âmbito das línguas
européias, eu sacrificaria completamente meus interesses
profissionais. Isto repousa de um lado, no fato de que então, como
também hoje, não se tinham dados concretos sobre o Brasil, e por
outro no fato de que eu me achava num estado de depressão que
paralisava meu raciocínio. Por motivos de ordem profissional e
pessoal eu deveria ter escolhido a Inglaterra ou os Estados Unidos
como país de exílio [...]
É possível que Keller tivesse amigos ou relações profissionais nestes
países que lhe permitissem uma integração mais rápida, mas, com a
possibilidade de usar a carta/passagem de chamada, acaba no Brasil.
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Os primeiros anos no Brasil
No período de 1933 a 1945 o Brasil recebe de 16.000 a 19.000 emigrantes
de língua alemã. Este número é considerado pequeno se comparado ao de
outros países com extensão territorial e população inferiores. A Argentina, por
exemplo, recebe no mesmo período mais de 35.000 pessoas e o Chile, 12.000.
Até 1930, o Brasil é um país relativamente aberto à imigração. Com a
subida de Vargas ao poder e principalmente a partir de 1937, com o início do
Estado Novo, a situação muda drasticamente e são tomadas medidas sempre
mais severas impedindo a entrada de imigrantes. É importante também notar
que o Brasil não reconhece os refugiados como "asilados", mas considera-os
"imigrantes" sujeitos
às políticas de imigração vigentes. As restrições à
imigração são justificadas por motivos reais ou supostos de ordem econômica e
social, ou baseadas em teorias raciais pseudocientíficas que visavam a melhoria
da raça por meio da opção por imigrantes de raças “boas”, em contraposição aos
imigrantes de raças “ruins”. A partir de 1937 as restrições, sobretudo, à entrada
de judeus, que constituem o maior contingente de refugiados, aumentam. Em
1937, 9.263 judeus recebem um visto de entrada. Em 1939 este número cai para
2.289.
O intercâmbio comercial com a Alemanha é intenso e existe, por parte do
Brasil, isto é, tanto por parte do governo como por parte de muitos oficiais do
exército, uma declarada simpatia pelo estado nazista. O fracassado golpe
comunista de 1935, que conta com a participação de agentes estrangeiros, cria o
receio de influências subversivas de grupos internacionais. Também a
preocupação com a unidade da nação brasileira, suas características nacionais,
língua, religião, traços raciais, faz-se sentir, unidade ameaçada, em especial, por
alemães e italianos que tendem a preservar sua língua e tradições nas colônias
que fundam. O antissemitismo, que pode ser incluído entre as restrições aos
estrangeiros em geral, e a pressão exercida pelos diplomatas alemães junto ao
governo para impedir a entrada de refugiados no Brasil, constitui um outro
fator a limitar a entrada de estrangeiros no país. A partir de 1938 a política
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getulista em relação Alemanha começa a mudar com a eliminação do
integralismo e os ataques contra grupos nazistas, sobretudo, no sul do país. A
partir de 1941 inicia-se uma aproximação gradativa aos Estados Unidos que já
haviam declarado guerra à Alemanha e a seus aliados. Finalmente, em agosto de
1942, o afundamento de cinco navios mercantes brasileiros por submarinos
alemães resulta na declaração de guerra aos países do Eixo.
Imitando a legislação americana são estabelecidas cotas de imigração e
privilegiados agricultores, detentores de profissões técnicas, pessoas que
possam aportar capital ao Brasil, imigrantes de países com os quais o Brasil tem
afinidades culturais e religiosas, como espanhóis, portugueses e italianos. A
ambiguidade de motivos fica evidente quando se pretende trazer agricultores e
ao mesmo tempo não se permite a aquisição de terras por estrangeiros, o que
reduz esses agricultores a meros trabalhadores rurais; também, ao mesmo
tempo em que se pretende trazer imigrantes espanhóis e italianos, existe o
receio de que venham pessoas ligadas ao sindicalismo e a movimentos de
esquerda que poderiam perturbar a ordem social. A concentração de pessoas de
um país em uma mesma região passa ser limitada, para evitar o que se chamou
de formação de “quistos raciais”.
Entre 1934 e 1938 vigoram as assim
denominadas “cartas de chamada” que permitiam a estrangeiros residentes no
país trazer seus parentes para o Brasil.
As diversas leis e resoluções emitidas, algumas secretas e de caráter
sempre mais restritivo, dirigidas em especial contra a imigração judaica, são
listadas detalhadamente nas obras já mencionadas de Izabela Furtado Kestler,
Die Exilliteratur und das Exil der deutschprachigen Schriftsteller und
Publizisten in Brasilien, e Maria Luiza Tucci Carneiro, O anti-semitismo na era
Vargas. Mais recentemente um grupo de pesquisadores em torno da
historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro vem pesquisando os arquivos do
DEOPS de São Paulo, e os arquivos do Itamaraty, trazendo novas informações
sobre o esquema repressivo do estado getulista e suas relações com o
nazifascismo.
Pessoas são presas, torturadas e deportadas. Lembra Boris Fausto em
História do Brasil, São Paulo, Edusp, 1994, p. 376: “O Estado Novo perseguiu,
prendeu, torturou, forçou ao exílio intelectuais e políticos, sobretudo de
esquerda e alguns liberais.”
15
A partir de 1938, após o fracassado golpe integralista, mas sobretudo após
o rompimento das relações diplomáticas com os países do Eixo e a entrada do
Brasil na guerras, a repressão se dirige contra os alemães, italianos e japoneses e
seus descendentes. As respectivas línguas são proibidas; escolas associações e
jornais são fechados, estrangeiros não podem viajar. A repressão não distingue
os refugiados do nazismo de simpatizantes e adeptos.
Se as boas relações iniciais entre Brasil e Alemanha não facilitaram a vida
dos refugiados que são opositores do regime nazista e perseguidos pelo mesmo,
a mudança na política brasileira, por seu lado, também não beneficia os
refugiados, que são vistos apenas como estrangeiros, cidadãos de um país
inimigo. Ironicamente, muitos destes refugiados já haviam perdido a cidadania
alemã. Numa viagem a uma localidade de nome Ingá, por exemplo, Max
Hermann Maier e um companheiro hospedam-se numa pensão e registram-se
como "sem nacionalidade", já que a alemã havia sido cassada. À noite, são
chamados pelo chefe de polícia que insiste em que são alemães. São finalmente
obrigados a registrar-se como tal para evitar a prisão.
Keller fala da situação da seguinte maneira na sua entrevista a Werner
Röder: “quatorze dias após minha chegada ao Brasil recebi pela primeira vez a
visita da polícia; durante a guerra tive até quatro buscas domiciliares por
semana, a última em 1946.”
É preciso notar, no entanto, que em 1943 Keller já havia fundado no Rio
de Janeiro seu movimento antifascista e estava publicando um boletim em
língua alemã, o que certamente deve ter provocado as reações por parte das
autoridades brasileiras.
Uma pergunta que fica em aberto é a questão da distribuição do boletim
antifascista de Keller. Considerando a repressão existente, a proibição da língua
alemã, as dificuldades de comunicação, a impossibilidade de viajar, as
dificuldades financeiras, como Keller distribuía os 500 exemplares de seu
boletim, como recebia as notícias do Brasil e do exterior, como se comunicava
com seus leitores?
Aparentemente o boletim foi distribuído principalmente no Rio de
Janeiro. Quando fiz esta pesquisa, constatei que o nome de Keller era
praticamente desconhecido em São Paulo. Keller reproduz em seu boletim
cartas vindas do sul do país, citando as localidades, sem porém mencionar o
16
nome de seus correspondentes.
Talvez pessoas detentoras da cidadania
brasileira, que podiam viajar, distribuissem o boletim. E as notícias, as
informações sobre a situação na Alemanha? Embora não obtivesse provas nesse
sentido, é possível que Keller tivesse contatos nos consulados estrangeiros e até
com diplomatas alemães opositores do nazismo.
Operário em Porto Alegre.
Uma viagem ao Rio à procura do teatro
Ao chegar ao Brasil, Willy Keller fixa residência em Porto Alegre, onde
passa a trabalhar na fábrica de espelhos do suposto tio de Ellen e esta também
consegue emprego como secretária lá.
Keller fala desta primeira experiência no Brasil no artigo “Aventuras de
Tradutor” de 1958, publicado na Revista Leitura 10, do Rio de Janeiro. Diz ele:
Em fins de janeiro de 1935, desembarquei em Porto Alegre esbulhado
e perseguido pelos nazistas, então no poder na Alemanha...e em
alguns outros países deste engraçado mundo. Poucas semanas antes
era ainda um bem renumerado e respeitado diretor teatral, com seus
livros, seus amigos, seus comes e bebes e suas pequeninas mas
teimosas necessidades intelectuais e, de repente, vi-me transformado
em operário braçal, quase um analfabeto, sem possibilidade de
comunicar-me com a população indígena, sem poder ler um jornal e
sem níquel no bolso para matar a tremenda sede que me perseguia dia
e noite.
Neste mesmo artigo, Keller informa que, em meados de 1935, decide
viajar para o Rio de Janeiro em uma tentativa desesperada de fazer contato com
o teatro e o cinema brasileiro. Mediante o pagamento de 10 mil réis, embarca
num navio da Companhia Carbonífera Riograndense.
Encontra um Rio de Janeiro, assim descrito por Ruy Castro nO Anjo
pornográfico, página 151:
Em meados de 1941 [...] dizia-se que o teatro brasileiro ia do Rocio à
Cinelândia - ou seja, de mal a pior. O Rocio era o antigo nome da praça
Tiradentes, reduto do teatro de revista desde tempos pré-diluvianos. E
a Cinelândia, que supostamente abrigava o teatro ‘sério’, era o
território de Procópio Ferreira, Jaime Costa e Dulcina de Morais. O
17
eixo Procópio-Jaime-Dulcina dominava o palco e a gerência. [...]
Como empresários e donos de seus narizes, era natural que só
escolhessem peças de acordo com seu estilo. E, como eram todos
comediantes, só queriam saber de comédias.
No Rio de Janeiro, Keller não encontra, portanto, o que busca. No já
citado artigo “Aventuras de tradutor”, assim ele expressa seu desencanto: “A
minha desilusão foi total. Tinha chegado o momento em que precisava
reconhecer que não só tinha perdido o meu país, como também minha posição
social e minha profissão, tudo, portanto, que dava sentido à minha existência.”
Em carta ao escritor, dramaturgo e professor Hans Rothe, que emigra em
1934 para os USA, Keller volta a falar de sua desilusão com a falta de uma
indústria cinematográfica organizada ou de grupos teatrais nos quais pudesse
encontrar uma colocação. Comenta a atividade de diretor de cinema da seguinte
forma: “Mas naquela época ainda não se conhecia esta profissão, e o homem
que dava o dinheiro também dirigia o filme.”3
Willy Keller parece ser, na época, a única voz crítica no mundo artístico
brasileiro.
Em maio de 1995, Dulcina de Morais, uma das estrelas do teatro de então,
vem a receber o prêmio Sharp de teatro. Em artigo publicado na Folha de São
Paulo de 3/5/95, na “Folha Ilustrada” à página 3, com o título “Prêmio Sharp
lembra rainha do teatrão”, Sérgio Augusto pronuncia-se sobre a situação do
teatro brasileiro desse tempo e corrobora as palavras de Keller. Diz ele:
A importância de Dulcina se mede menos pelas suas qualidades
histriônicas do que por sua abnegada dedicação ao teatro, onde
formou, com o marido Odilon Azevedo morto em 1972, a mais famosa
dupla de atores da ribalta brasileira.[...] mesmo aqueles que se
incomodavam com os excessos interpretativos dela e consideravam
Odilon um dos maiores canastrões do planeta - como era o caso do
humorista Sérgio Porto -, respeitavam o empenho empresarial da
dupla e suas contribuições para o aprimoramento da atividade teatral.
Foi graças a Dulcina e Odilon que se aboliu entre nós a figura do ponto
e se instituiu a folga teatral às segundas-feiras.
O artigo continua: “Tempos heróicos aqueles. Montagem que emplacasse 50
récitas era considerada um sucessão.”
Há, porém, outras vozes menos pessimistas que têm uma visão um pouco
diferente do teatro brasileiro da época. Bárbara Heliodora em Quem é quem nas
3
Apud Izabela Kestler, p.95.
18
artes e nas letras no Brasil, de 1966, atesta, por exemplo, que Jayme Rodrigues
Costa encena 170 originais. Jayme Costa preocupa-se especialmente com os
jovens autores e atores brasileiros, e lança também nada menos de 39 artistas.
Traz para o Brasil, pela primeira vez Cosi é se vi pare (=Assim é, se lhe parece),
de Pirandello, Ana Christie, de O’Neill, e A morte do caixeiro viajante, de
Arthur Miller. Jayme Costa dá, assim, seu tributo ao teatro brasileiro. Isto
mostra que a atividade teatral no Brasil, nesta época, não é afinal tão
insignificante.
Também Décio de Almeida Prado, em seu livro Peças, pessoas,
personagens, aponta para a contribuição de Procópio Ferreira, ao lado de
Dulcina e Odilon. Mesmo fazendo inúmeras restrições ao teatro de Procópio,
Décio de Almeida Prado reconhece suas qualidades de ator e comenta à página 4
o seguinte: “Procópio contentou-se apenas em fazer rir - ninguém contribuiu
tanto e de forma tão continuada quanto ele para manter a alegria em nossos
palcos. Que este título baste para nossa gratidão e sua glória.”
A luta antifascista:
o encontro com Friedrich Kniestedt
De volta a Porto Alegre, onde ainda passará alguns meses, Keller encontra
Friedrich Kniestedt, em quem acha um parceiro político.
Friedrich Kniestedt é mais velho, nasce na Alemanha em 1873. É
fabricante artesão de escovas e vassouras. Aos 23 anos, entra pela primeira vez
em conflito com as autoridades alemãs, quando se empenha por melhores
condições de trabalho para o operariado. Ameaçado de prisão, foge para Paris e
reúne-se aos socialistas em torno de Jean Jaurés (1859-1914) socialista,
fundador do L’Humanité. Kniestedt é um homem simples, de pouca cultura.
Classifica-se a si próprio como anarquista, mas é acima de tudo um
individualista. Em 1909, Kniestedt emigra para o Paraná e passa a trabalhar
numa plantação de café. Em 1913, volta para Berlim e opõe-se às preparações de
guerra da Alemanha. Ameaçado novamente de prisão, foge em 1915 para o Rio
Grande do Sul. Em 1933, funda a Liga para Defesa dos Direitos Humanos,
19
organiza movimentos antinazistas e edita várias revistas. Por pressão dos
diplomatas alemães, as autoridades brasileiras cassam sucessivamente as
impressões das revistas que Kniestedt, por sua vez, volta a editar com outro
nome.
O movimento organizado por Kniestedt não exerce, porém, influência
além das cercanias de Porto Alegre.
Keller fala do encontro com Kniestedt e de seu movimento na entrevista a
Werner Röder de outubro de 1971, arquivada no “Institut für Zeitgeschichte”.
Diz ele:
Mas - sem o meu interesse por assuntos políticos, sem minha tentativa
de resistir, sem o fato de ter encontrado já um núcleo de resistência
em Porto Alegre, e por sinal na pessoa de Friedrich Kniestedt, sem
este estímulo eu não teria suportado a emigração, eu me teria
suicidado. Assim a política entrou apesar de tudo na minha vida. Devo
à política e à minha própria participação ativa a minha sobrevivência.
Não foram encontrados registros sobre a participação de Keller nas
atividades do SPD, nem sobre o seu envolvimento com o movimento sindical na
Alemanha, mas no Brasil a atividade política, em forma de luta antifascista,
ocupa muito de suas energias e serve, nas suas próprias palavras, sobretudo à
sua autoafirmação.
Keller torna-se um dos redatores da revista de Kniestedt junto com outros
exilados. Após a mudança para o Rio, Keller organiza seu próprio movimento, o
“Notgemeinschaft deutscher Antifaschisten” (=Associação de Emergência dos
Antifascistas Alemães).
Keller e Kniestedt mantêm uma ativa correspondência em que discutem
assuntos pessoais e políticos. Às vezes, Keller fala do fim da guerra onde haverá
“o grande ajuste de contas”. Outras vezes, Keller mostra-se desiludido. Acha a
“guerra perdida para a humanidade”. São também amargos seus comentários
sobre “os adeptos de última hora”, os maus elementos entre os exilados, “os
oportunistas”.
O relacionamento entre Keller e Kniestedt é rompido após o fim da
guerra, quando Kniestedt pede ao governo brasileiro que levante as sanções
contra os cidadãos alemães. O pedido irrita Keller, mas na já mencionada
entrevista a Werner Röder ele não nega os méritos de Kniestedt:
20
Nossos caminhos se separaram no fim. Apesar disso quero atestar-lhe
uma postura raramente sincera, na medida em que suas publicações
já não tornam isso evidente. Era uma pessoa absolutamente correta,
que sempre comprovou de maneira renovada essas suas qualidades
em diversas situações.
Estas palavras cabem também sob medida ao próprio Keller.
São Paulo:
trabalho num restaurante
Não obtendo emprego satisfatório em Porto Alegre, Keller vem para São
Paulo.
Na década de trinta existe em São Paulo uma numerosa e próspera
colônia alemã. A grande maioria descende de emigrantes vindos no século
passado e está bem estabelecida no comércio e na indústria. Casas comerciais
como as casas Fuchs, Lemcke, Kosmos, a Casa Alemã (mais tarde Galeria
Paulista), a Pharmacia Allemã, a Goldene Hirsch Apotheke (Botica ao Veado de
Ouro), empreendimentos industriais como o Frigorifico Eder, a Cia.
Melhoramentos, os Laticínios Vigor, empresas agrícolas como a Roselândia e a
Dierberger Agrícola pertencem a alemães ou aos seus descendentes. Os alemães
têm seus clubes e suas associações culturais e recreativas, suas escolas, suas
igrejas e seus restaurantes. Clubes como o Sportklub Germania (atual Clube
Pinheiros), a Associação Católica Kolping, a Lyra, escolas como a Escola Alemã
(depois Colégio Visconde de Porto Seguro), a Escola Alemã Vila Mariana (hoje
Colégio Benjamim Constant), a Sant'Anna Schule (hoje Colégio Imperatriz
Leopoldina), escolas e associações que se mantêm em grande parte até hoje,
com outros nomes e integrados à vida brasileira.
Sobre o relacionamento entre os imigrantes mais antigos e os novos
imigrantes de São Paulo, Carolina Aust escreve no artigo “Musiker, Maler,
Graphiker, Dichter, Schriftsteller und Journalisten: ein Bericht über die
deutsche Emigration zwischen 1933 -1946 nach Brasilien”, publicado no Staden
Jahrbuch de 1993, à página 56, o seguinte:
21
Entre os diversos grupos de emigrantes não existiam além disso
maiores relações, pois as pessoas provenientes principalmente da
grande burguesia eram nacionalistas alemães ou mantinham posições
de direita. Em conseqüência existiam poucos contatos com os
imigrantes socialdemocratas ou católicos de centro.
A falta de solidariedade entre os diversos grupos de exilados e entre os
imigrantes antigos e os novos imigrantes transparece em todos os testemunhos.
Em São Paulo, Keller consegue emprego no restaurante de um teutobrasileiro. Sobre esta experiência, Keller revela o seguinte na entrevista a
Werner Röder:
Assim acabei em São Paulo como contador, no então maior
restaurante da cidade.[...] Quando começou a guerra em 1939 perdi
meu emprego porque me recusei a dar meu voto e minha
concordância simbólica ao "Reich" e seu glorioso "Führer" Adolf
Hitler, num navio alemão ancorado no litoral brasileiro fora do limite
de três milhas.
A coincidência de datas permite supor que se trata do “Windhuk”, um
navio de carga e passageiros, um dos mais modernos e luxuosos navios alemães
da época, que fazia a rota Hamburgo-África do Sul. Em julho de 1939, o navio
sai para sua 13ª e última viagem que se transforma numa aventura temerária. O
navio chega à Cidade do Cabo com 240 tripulantes e 400 passageiros quando o
capitão recebe a informação da iminente declaração de guerra por parte da
França e da Inglaterra à Alemanha. A maioria dos passageiros fica na Cidade do
Cabo. O navio prossegue para Lobito, em Angola, onde se confirma a notícia da
declaração de guerra. O “Windhuk” fica por dois meses em Lobito. Cinco
tripulantes fogem num barco salva vidas e retornam à Alemanha após 73 dias de
viagem, percorrendo mais de 8.000 km. O “Windhuk”, perseguido por navios
ingleses e franceses, inicia a fuga pelo Atlântico e, no dia 7 de dezembro de 1939,
chega ao porto de Santos. O Brasil é, na ocasião, um país neutro. Como a “Afrika
Linie” continua pagando o salário dos tripulantes e a colônia alemã recebe a
tripulação com simpatia, o navio permanece por vários anos atracado no porto.
Essa simpatia, contudo, não é partilhada por Keller. Não sabemos qual era a
posição política dos tripulantes: sua idade variava entre os 16 e os 59 anos, a
maioria estava ali exercendo um trabalho. Em 1942, o Brasil declara guerra à
Alemanha e, então, os tripulantes do “Windhuk” são internados em campos de
22
prisioneiros e o navio é vendido à Marinha Americana. Antes disso, alguns
tripulantes enchem os motores do navio com areia e cimento, destruindo-os. O
navio é recuperado com o nome de “Lejeune” e usado no transporte de tropas.
Em 1948, o “Windhuk/Lejeune” é desativado e, em 1966, é sucateado. Os
refugiados do “Windhuk” no Brasil somam-se ao já heterogêneo grupo de
exilados alemães.
Em conseqüência da recusa de Keller em visitar o navio e prestar
solidariedade ao regime nazista, ele perde seu emprego no restaurante.
Os anos da Segunda Guerra e a aculturação no
Brasil: mudança para o Rio de Janeiro
A perda do emprego no restaurante em São Paulo significa um duro golpe
para a família Keller. Na já mencionada entrevista a Werner Röder de 1971,
Keller declara que
a partir deste momento minha família se viu ameaçada pela ruína
total. Mudamos inicialmente para o Rio de Janeiro, procurando abrigo
na casa de uma cunhada. Minha esposa conseguiu achar trabalho, eu
não. Com o primeiro salário de minha mulher alugamos uma casinha,
naqueles tempos ainda acessível por um preço modesto. Nossa
primeira mesa foi uma caixa virada, nossas primeiras cadeiras caixas
viradas, nossas primeiras camas tábuas pregadas uma na outra. Eu
cuidava da casa nessa época. Essa repentina troca de papéis não fez
bem de início, nem a mim nem a minha mulher. Apesar disso algum
acaso que não sei explicar permitiu que sobrevivêssemos. No intervalo
passaram-se trinta e dois anos e resignei-me ao meu destino.
A partir de 1939, Willy Keller passa a morar definitivamente no Rio de
Janeiro. Uma volta à Alemanha está descartada. Keller preocupa-se, então, em
aprender o português, e, ao mesmo tempo, em não perder sua língua materna.
Nesta terra, Brasil, cuja língua a princípio nunca acreditei poder
entender e ou falar, descobri que minha pátria não é a terra alemã que
supostamente carregamos conosco grudada na sola do sapato, mas
sim a língua alemã [...] A luta para aprender uma língua estrangeira e
23
não esquecer a língua materna, tornou-se o conteúdo propriamente
dito da minha vida.4
Keller continua tentando desenvolver suas atividades antifascistas e
procura mostrar que existe uma outra Alemanha.
Estes primeiros anos no Rio são extremamente difíceis do ponto de vista
material. É Ellen, mulher de Keller, que garante a sobrevivência da família.
Elvira Heydemann, a cunhada, irmã de Ellen, revela em entrevista a mim
concedida em junho de 1995: “Foi minha irmã que, com grande sacrifício,
sustentou a família”.
Em 1946, Willy Keller liga-se, no Rio de Janeiro, por um curto período ao
grupo teatral alemão criado por Wolfgang Hoffmann-Harnisch e seu filho Wolf
Harnisch. Após o rompimento com Hoffmann-Harnisch, Keller prossegue com
seu próprio grupo que atua até 1957.
A partir de meados da década de 40 e na década de 50, Keller consegue
integrar-se à vida intelectual brasileira: publica críticas, ensaios, relatórios de
viagem, em revistas literárias do Rio de Janeiro, mais explicitados adiante.
Participa de atividades teatrais em língua portuguesa, é membro da Sociedade
Brasileira de Autores Teatrais e do PEN Clube.
Em 1946, Paschoal Carlos Magno sugere o nome de Keller como dirigente
do Teatro Experimental do Negro e, em 1951, Henrique Pongetti convida-o para
dirigir uma peça. Seguem-se outros convites de grupos profissionais e
amadores.
A luta antifascista prossegue
4
POHLE, Fritz. Emigrationstheater in Südamerika. Hamburg, Hamburger Arbeitsstelle für Deutsche
Exilliteratur, 1989, p. 41.
24
“O ser não político é um absurdo nestes tempos. Deveria ser castigado por
cumplicidade.”5
A avaliação da atividade dos grupos antifascistas no Brasil resulta, em
geral, bastante negativa. Izabela Kestler considera que estes grupos não têm
nenhuma importância ou influência, sendo mesmo desconhecidos da maioria
dos próprios exilados. Verificamos que esses grupos, no fundo, servem apenas
para definir a posição política de seus integrantes, ou para garantir o próprio
futuro político de seus fundadores numa Alemanha libertada.
No artigo “Deutschsprachige Exilschriftsteller in Brasilien”, publicado na revista
Língua e Literatura 6, de São Paulo,1970, às páginas 353-371, Ray-Güde Mertin
escreve sobre as tentativas de criação de grupos antifascistas o seguinte:
Com exceção de Willy Keller e sua Associação parece-me que não
houve no Brasil grupos solidários de escritores exilados - como no
México ou em Buenos Aires. Para a situação destes é característico
que durante uma conversa com um deles o conceito 'Literatura no
exílio' e 'escritor no exílio' não encontrou nenhuma compreensão.
Willy Keller expressou-se de forma muito consciente a respeito deste
problema: 'Eu sou um emigrante nato, uma volta à Alemanha seria
impossível para mim. O que me une à Alemanha é a língua.
Em 1935, em Porto Alegre, Keller havia-se unido ao grupo em torno de
Kniestedt. Quando muda para São Paulo em 1936, e para o Rio de Janeiro em
1939, o contato com Kniestedt em Porto Alegre torna-se difícil. Em uma carta
datada de 7 de janeiro de 1942, endereçada a Kniestedt, Keller lamenta a falta
de contato, fala da censura brasileira que dificulta a comunicação e pretende
enviar material para a revista de Kniestedt em Porto Alegre. No Rio de Janeiro,
em fins de 1943, Keller funda, como já se disse atrás, seu próprio movimento
antifascista, a “Notgemeinschaft der deutschen Antifaschisten” (=Associação de
emergência dos antifascistas alemães). O próprio Keller não tem ilusões sobre a
eficácia destes movimentos. Nas suas próprias palavras na entrevista a Werner
Röder:
No Brasil não existia nenhuma organização. O grupo por mim criado,
a Associação dos Antifascistas Alemães, constituída posteriormente à
"Organização" de Kniestedt, [...] também não era uma organização.
Sua fundação foi uma necessidade, pois sem ela não teria existido no
Rio uma representação pública dos antinazistas alemães.
5
KELLER,Willy: In eigener Sache. Boletim da Associação dos Antifascistas Alemães 2, 15 de janeiro de
1944.
25
É curioso observar que uma organização com este mesmo nome,
“Associação dos Antifascistas Alemães” é citada por von der Mühlen como
atuando desde 1935 no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Pelotas e Rio Negro,
sem que haja uma investigação maior desta problemática. Sabe-se que Ulrich
Becher publicou no Rio de Janeiro, em 1943, com prefácio de Willy Keller, Das
Märchen vom Räuber, der Schutzmann wurde (=O conto do ladrão que se
tornou policial) com o auxílio desta organização, como a primeira publicação do
que deveria vir a ser a “Notbücherei deutscher Antifaschisten” (=biblioteca de
emergência dos antifascistas alemães). Ulrich Becher dá notícia desse fato em
sua obra Spiele der Zeit, à página 324:
Willy Keller, diretor teatral de Mannheim, um conhecido de Bert
Brecht, e eu, arriscamo-nos até a criar uma Biblioteca Alemã
Antifascista de Emergência (Notbücherei Deutscher Antifaschisten),
para influenciar as grandes ilhas de língua alemã no Rio Grande do
Sul e no Paraná, hitlerizadas em 90%.
A partir de 1943 e até meados de 1947, a organização de Keller passa a
publicar também um boletim (=Rundschreiben), uma circular datilografada e
mimeografada, com artigos do próprio Keller, notícias sobre as atividades dos
nazistas no Brasil e na América do Sul, transcrições de notícias publicadas em
jornais brasileiros e estrangeiros e até do "Völkischer Beobachter" (=Observador
Popular), o órgão central do partido nazista alemão, notícias sobre o andamento
da guerra e sobre a situação na Alemanha. Em 1945, terminada a guerra,
aparecem as primeiras notícias sobre os campos de concentração que o boletim
publica com destaque. Mais tarde, Keller comemora o ressurgimento dos
movimentos sindicais na Alemanha e na Europa o que, em sua opinião, é o
prenúncio de mudanças políticas profundas. Em dezembro de 1945, Keller fala
da sua tentativa de organizar um auxílio para os detentos dos campos de
concentração, que fracassa por não ser ainda possível enviar encomendas à
Alemanha, pois até mesmo cartas têm que ser encaminhadas pela Cruz
Vermelha. Além desse noticiário político, o boletim traz também notícias
literárias, textos de autores alemães e brasileiros. O boletim é obra de Keller: é
composto em média por 7 páginas e Keller fala em 500 exemplares distribuídos.
26
Intercalado com o boletim em língua alemã, Keller publica também um outro
boletim denominado “INFA” destinado à imprensa brasileira.
O boletim da “Associação dos Antifascistas Alemães” evidencia que Keller
mantém um contato estreito com as organizações antifascistas nos Estados
Unidos, no México, no Uruguai, na Argentina, na Inglaterra, que está bem
informado sobre situação na Alemanha, que tem acesso a publicações
estrangeiras e que mantém contato com os principais líderes do exílio nos
demais países. Uma análise mais detalhada sobre esses boletins é oferecida mais
adiante em “Keller ensaísta político”.
É evidente o sentimento de frustração de Keller em relação aos imigrantes
mais antigos, aos seus companheiros de exílio. No boletim nº 2 de janeiro de
1944, página 1, por exemplo, Keller escreve:
[....] o que primeiro chama nossa atenção é que existem dois tipos de
emigrantes: políticos e não políticos. É lamentável constatar que
aqueles q u e n ã o q u e r e m s a b e r n a d a d e p o l í t i c a
excedem de longe, em números, os emigrantes políticos. Esse peso
morto que os emigrantes políticos têm de carregar, é que faz o
trabalho tão pesado, e muitas vezes o torna tão inútil. Uma pessoa que
não está disposta a participar ativamente na construção política da
sociedade, não deveria poder participar dos direitos e vantagens que
essa sociedade garante. Adolf Hitler não instruiu apenas de forma
prática o povo alemão sobre a seguinte questão: pode um povo, um
indivíduo isolado permitir-se manter uma postura apolítica diante de
acontecimentos políticos.
A habilidade e a persistência em manter sua associação nas adversas
condições brasileiras, isto é, em meio à repressão aos exilados por parte do
governo Vargas, à proibição de organizações políticas lideradas por
estrangeiros, à proibição da própria língua alemã faz de Keller um dos exilados
mais atuantes do Brasil.
Os exilados:
27
um grupo heterogêneo e pouco solidário
Na 2ª metade da década de trinta comunistas exilados,
socialdemocratas, membros de pequenos partidos de esquerda,
pacifistas e representantes de um ambiente intelectual, entretanto,
proibido na Alemanha, reuniram-se em primeiros agrupamentos.6
Desta maneira, Patrick von zur Mühlen resume a situação dos exilados.
A discordância entre esses grupos, porém, logo se instala e se acentua em
1939 por ocasião do pacto Hitler-Stalin, só havendo uma melhoria nas citadas
relações após a invasão da União Soviética pelos alemães em 1941.
Na América Latina as duas organizações mais importantes são a “Freies
Deutschland” (=Alemanha Livre) sediada no México e liderada sobretudo por
comunistas, e a organização “Das andere Deutschland” (=A outra Alemanha)
em Buenos Aires. Esta última é liderada por August Siemsen, que mantém
contato tanto com Kniestedt como com Keller. Numa carta a Kniestedt datada
de janeiro de 1943, Keller fala de uma reunião a ser realizada em Montevidéu
(Conferência de Montevidéu), coordenada por Siemsen, numa tentativa de
reunir os diversos grupos atuantes na América Latina e superar as constantes
discordâncias existentes entre eles.
No Brasil, a grande maioria dos imigrantes antigos, no entanto, não tem
interesses políticos e, por isso, não apoia as iniciativas dos exilados. Alguns são
até mesmo francamente simpáticos ao nazismo.
Entre os exilados, ligados a ideologias de esquerda, e os católicos e
conservadores existem também sérias diferenças.
Antes da declaração de guerra do Brasil à Alemanha, os diplomatas
alemães denunciam os exilados às autoridades brasileiras.
Em 1942, com a entrada do Brasil na guerra contra a Alemanha, a
situação ainda se torna mais difícil; os cidadãos de língua alemã passam a ser
simplesmente inimigos sem distinção entre simpatizantes ou inimigos do
6
Mühlen, Patrick von zur. Fluchtweg Spanien-Portugal. Die deutsche Emigration und der Exodus aus
Europa 1933-1945. In; Lehmann, Klaus Dieter (org). Exil in Brasilien, die deutschsprachige Emigration
1933-1945.Bonn, J.H.W. Dietz ,1992, p.20.
28
nazismo. Antes disso, a língua alemã já havia sido proibida. Estrangeiros não
podem exercer atividades políticas ou viajar livremente e o governo exerce sua
severa censura. Os exilados em geral não têm recursos financeiros e, finalmente,
as dimensões do país também dificultam os contatos.
Durante os anos de 1942 e 1943, em cartas a Kniestedt, Keller fala de suas
preocupações com os oportunistas e adeptos de última hora que vêem, nos
movimentos antifascistas, a possibilidade de conseguir uma espécie de atestado
de idoneidade que lhes traga benefícios e segurança no após-guerra.
Em 1945, Keller rompe com Kniestedt. As razões são expostas numa
circular, onde Keller define, mais uma vez, sua posição ideológica, declarandose adepto do materialismo histórico, solidário com os movimentos de esquerda
e com os movimentos trabalhistas internacionais. No boletim informativo de
agosto de 45, Keller denuncia duas multinacionais, a Shellmex e a General
Motors da Argentina, que contratam nazistas para cargos executivos. No
boletim de setembro do mesmo ano de 1945, Keller escreve um artigo “Am
Rande der Zeit “ (=No limiar do tempo), em que lamenta a falta de uma
reviravolta revolucionária na Alemanha e na Europa do após-guerra.
Em uma carta de 3 de fevereiro de 1946 a Ulrich Becher, Keller volta a se
preocupar com o que chama de denunciantes e espiões e cita nominalmente
Fränkel, Hirnasch e Röttger. Fränkel, por exemplo, pertence à ala direita do
SPD e ataca constantemente os grupos antifascistas de Buenos Aires e o grupo
de Keller no Brasil.
Keller é um ferrenho opositor do nazismo, isto não significa, porém, que
ele concorde com todos demais exilados antinazistas, que abraçam os mais
diversos matizes políticos. Diz ele na entrevista de 1971 a Werner Röder:
Eu mesmo me colocaria, na minha posição de então [...] à esquerda do
partido comunista. Toda organização funcional é para mim um horror.
Eu jamais poderia pertencer a um partido político, pois estes são em
última análise sustentados por seus funcionários. Eu porém, mesmo
concordando em grande parte ideologicamente, não me enquadro em
uma organização. Sou um outsider, porém um outsider disciplinado.
Estou disposto a deixar de lado minhas opiniões pessoais no detalhe,
desde que isto beneficie as idéias básicas que represento. As pessoas
que vieram ao nosso encontro, e para as quais tentamos representar a
consciência política dos alemães no Brasil, eram liberais. E porque
eram liberais, eles nos toleraram, apesar de serem, em sua maioria, de
opinião que íamos longe demais em nossas idéias de reforma social.
29
Através de uma carta de Hans Röttgen a Willy Keller, datada de 14 de
julho de 1946, fica-se sabendo da proposta de Keller para criar uma “ala
esquerda” dentro do SPD. Mas, já em 16 de agosto do mesmo ano, Keller escreve
a Wilhelm Sanders, residente em Londres, comentando a inviabilidade da
criação de tal “ala” do SPD no Brasil. Diz ele: ”Não existe no Brasil uma
organização solidária de alemães politicamente interessados, e nem pode haver
diante das leis vigentes.”
Em 1947, Keller continua a preocupar-se em prestar auxílio material a
antifascistas e a perseguidos do regime na Europa. No “Institut für
Zeitgeschichte” estão arquivadas cartas de agradecimento de várias pessoas e
organizações que receberam auxílio de Keller.
O balanço final que Keller faz de sua própria atividade política no Brasil é
melancólico. No currículo que prepara para o Instituto Nacional do Livro em
1956, Keller diz:
Dediquei os dez primeiros anos no Brasil, exclusivamente, ao combate ao
nazismo, sacrificando os meus interesses pessoais e os interesses da minha
família à política. Desiludido com o êxito da guerra, abandonei em 1946
todas as atividades políticas.
Keller é, sem dúvida, um político ativo e competente, profundamente
envolvido com a atividade antifascista e, se não obtém resultados melhores, não
é certamente por falta de empenho pessoal.
O grupo de Keller, de que faz parte o conhecido jornalista e desenhista
Gustav Epstein, não é o único a atuar no Brasil. O movimento de Kniestedt em
Porto Alegre é, na verdade, o primeiro movimento antifascista no Brasil. O
próprio partido nazista age no Brasil, sobretudo por meio dos diplomatas
alemães. Também a Schwarze Front (=Frente Negra), uma dissidência do
Partido Nazista tenta articular-se no país. A restrição do governo brasileiro à
entrada de comunistas resulta na presença de grupos mais conservadores. O
diretor teatral austríaco Karl von Lustig-Prean, por exemplo, alia-se a grupos
que pretendem o restabelecimento da monarquia na Áustria; em princípios de
1940, Lustig Prean cria o “Movimento dos Alemães Livres” e, já em 1946, é
fundada
também
a
“Vereinigung
der
deutschen
Sozialdemokraten”
(=Associação dos Socialdemocratas Alemães) da qual participa, entre outros, o
diretor teatral Hoffmann-Harnisch.
30
Uma investigação mais detalhada das circunstâncias que envolvem os
exilados de língua alemã no Brasil mostra que é possível dividi-los em três
grandes grupos.
O mais numeroso, abrange aqueles perseguidos por motivos raciais e
religiosos, e seus parceiros de casamento não incluídos nessa categoria, mas
que, no entanto, seguiram seus companheiros no exílio. São pessoas de classe
média, empresários, comerciantes, profissionais liberais, funcionários que, de
repente, perdem seus empregos, têm seus passaportes cassados, vêem suas
propriedades ameaçadas de confisco e temem por sua integridade física. Patrik
von zur Mühlen, em seu livro anteriormente citado, avalia que 95% dos
emigrantes pertencem a esse primeiro grupo.
O sofrimento de milhares de pessoas perseguidas por motivos raciais e
religiosos, sua fuga atribulada e as circunstâncias do exílio sobrevivem em
depoimentos individuais e na memória dos seus protagonistas.
A fuga e o exílio de alguns grupos recebe um registro mais destacado,
como aquele grupo que se fixa na colônia agrícola de Rolândia, no estado do
Paraná, e também aquele liderado por Hermann Mathias Görgen.
Do grupo de Rolândia constam judeus, pessoas consideradas "não gratas"
pelo regime nazista, mas também católicos e luteranos.
O grupo trabalha num empreendimento idealizado pelos políticos Erich
Koch-Weser (1875-1944), fundador do Partido Democrático Alemão e ocupante
de cargos importantes na Alemanha até 1929, e Johannes Schauff (1902-1990).
Esse empreendimento é planejado já antes de 1933 com a finalidade de dar um
meio de subsistência aos alemães desempregados pela crise econômica de
1929/30, mas acaba tornando-se um importante centro de refugiados. O grupo
é composto, como vimos acima, de pessoas perseguidas por motivos raciais e
religiosos mas também de pessoas que, sem exercerem uma militância política,
se preocupam com os rumos do regime nazista e a ele se opõem por motivos
ideológicos. A história dessa colônia é contada por Ethel Volfszon Kosminky em
Rolândia, a terra prometida. A epígrafe do livro, através das palavras de uma
testemunha, lança alguma luz sobre o grupo: “O marido judeu, a mulher ariana
segundo Hitler e a babá que os acompanhou porque já estava há muito tempo
na família; um piano de cauda e milhares de livros.”
31
Alguns desses imigrantes deixam sua experiência registrada em obras
que relatam o cotidiano do exílio no Brasil, como Rudolf Isay (1886-1956),
jurista e mais tarde professor em Bonn, em Aus meinem Leben (=Minha Vida),
de 1960; o também jurista Max Hermman Maier (1891-1976) e sua esposa
Mathilde Maier em, respectivamente Ein frankfurter Rechtsanwalt wird
Kaffeepflanzer in Brasilien (=Um advogado de Frankfurt se torna plantador
de café no Brasil, de 1975 e Alle Gärten meines Lebens (=Os jardins da minha
vida) de 1978, este último publicado também pela editora Massao Ohno, em
São Paulo, em 1981, e Karin Schauff com 3 livros: Ein Sack voll Ananas,
brasilianische Ernte (Um saco de abacaxis, colheita brasileira) de 1974, Das
Klingelband (=O cordão de sinos), de 1979 e Brasilianischer Garten. Bericht
aus dem Urwald (=Jardim brasileiro, relato da mata virgem) de 1983.
O grupo de Hermann Mathias Görgen compõe-se dos refugiados que,
entre 1940 e 1941, haviam procurado um abrigo inicial nos diversos países
europeus. Entretanto, a situação torna-se insustentável, não só pela expansão
da Alemanha nazista, mas também pela recusa dos países vizinhos em conceder
vistos de permanência aos refugiados ou até mesmo vistos de passagem. É nesta
atmosfera sufocante que um político pertencente à oposição católica na
Alemanha, Hermann Mathias Görgen (1908-1994), consegue agrupar 45
refugiados e remetê-los ao Brasil. Uma descrição da verdadeira epopéia que
envolve a viagem do grupo encontra-se no livro Exil in Brasilien (=Exílio no
Brasil) de Klaus Dieter Lehmann. No livro, a maioria dos participantes é
constituída de pessoas perseguidas por motivos raciais e religiosos. Fazem parte
desse grupo o escritor Ulrich Becher e sua esposa Dana, o político Johannes
Hoffmann e a romanista Susanne Bach. Ulrich Becher permanece no Brasil de
1941 a 1944, quando emigra para os Estados Unidos. Em 1948 retorna
definitivamente à Europa. No Brasil, Becher participa do grupo antifascista de
Keller. Deixa três obras inspiradas no exílio brasileiro: os dramas Makumba
(publicado primeiro com o título Der Herr kommt aus Bahia = O Senhor vem
da Bahia) e Samba, e a coletânea de poemas Brasilianischer Romanzero
(=Romanceiro Brasileiro). Hoffmann retorna à Europa em 1945. Em 1947
torna-se primeiro ministro do Sarre independente, renunciando ao cargo
quando o Sarre opta pela reintegração à Alemanha. Susanne Bach, aproveitando
sua formação como romanista e a experiência do trabalho em uma livraria no
32
exílio francês, abre um antiquário no Rio de Janeiro, onde vive até 1983, quando
retorna definitivamente à Alemanha. Görgen torna-se professor em Juiz de Fora
e na Universidade Federal de Santa Maria. Após o retorno à Europa, onde vem a
falecer em 1997, mantém suas relações com o Brasil, na condição de dirigente da
Sociedade Brasil-Alemanha e do Centro Latino-Americano em Bonn, e edita até
sua morte em 1994, os Cadernos Germano-Brasileiros.
Outra parte do grupo Görgen estabelece-se em Juiz de Fora, onde monta
um estabelecimento industrial.
Um outro grupo, constituído de apenas algumas dezenas de pessoas,
deixa sua marca na cultura e ciência brasileiras. É o grupo dos intelectuais,
jornalistas e escritores, dos artistas, músicos e pintores, e dos cientistas que
participam da formação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São
Paulo.
No artigo “Deutschsprachige Exilschriftsteller in Brasilien nach 1933”
(=Escritores de língua alemã no Brasil depois de 1933), publicado na revista
Língua e Literatura de 1976, Ray-Güde Mertin faz inicialmente um resumo da
problemática que envolve a literatura no exílio para, em seguida, relatar as
circunstâncias do exílio, o caminho de alguns exilados em particular, as
condições do exílio no Brasil e as dificuldades enfrentadas pelos exilados. De
acordo com suas próprias palavras, o texto limita-se a alguns nomes nos quais,
segundo a autora, as condições do exílio podem ser mais bem demonstradas.
Ray-Güde Mertin chega a conhecer pessoalmente Willy Keller, no Rio de
Janeiro, em 1974, ocasião em que este lhe comunica a impossibilidade de um
retorno à Alemanha, declarando: “Sou um emigrante nato, um retorno à
Alemanha seria impossível para mim. O que me liga à Alemanha é a língua.”
No artigo ”Autores alemães do exílio no Brasil” publicado na revista
Humboldt de
1985, Susanne Bach, ela própria exilada, fala de alguns
intelectuais de língua alemã exilados no Brasil, citando em especial Stefan
Zweig, Herbert Caro e Willy Keller. Mas, há também que considerar nomes
como os de Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, por exemplo.
Stefan Zweig, austríaco, exaustivamente estudado por Alberto Dines em
Morte no paraíso, chega ao Brasil em 1940, continua exercendo sua profissão
de escritor por algum tempo, mas não resiste ao exílio e suicida-se em
Petrópolis em 1942.
33
Herbert Caro (1906-1991), alemão, jurista, chega ao Brasil em 1935. Em
1939, passa a trabalhar na famosa Sala dos Tradutores da editora Globo de
Porto Alegre, traduzindo literatura inglesa e, sobretudo, alemã. Entre outros
autores de primeira grandeza, traduz Thomas Mann. Entre 1957 e 1969, Herbert
Caro é responsável pela biblioteca do Instituto Goethe em Porto Alegre. Nesse
mesmo período, Willy Keller dirige o Instituto Goethe do Rio de Janeiro e, no
entanto, não se tem notícia até agora de intercâmbios ou contatos estabelecidos
entre ambos. Em Porto Alegre, Rosana J. Candeloro vem procedendo ao
levantamento do seu espólio. Parte de seu trabalho já se encontra acessível no
texto “Herbert Caro”, publicado em Cadernos Porto & Vírgula em Porto Alegre
pela Unidade Editorial em 1995.
O alemão Anatol Rosenfeld (1912-1973), chega ao Brasil em 1937.
Formado em filosofia, germanística e história pela Universidade Humboldt de
Berlim, atua, no Brasil, como jornalista colaborador da Folha de São Paulo e
como professor, tendo produzido muitos trabalhos sobre literatura alemã.
Otto Maria Carpeaux (1900-1978), austríaco, chega ao Brasil em 1939 e
fixa residência no Rio, na mesma época em que Keller também aí reside. Neste
caso, também não encontramos nenhuma informação que revele alguma
proximidade entre os dois. Sua obra é objeto da dissertação de mestrado Um
diálogo crítico. Otto Maria Carpeaux e as “ciências do espírito” apresentada à
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP por Maria do Carmo
Waizbort em 1992.
A cultura brasileira, até então muito dependente da cultura francesa,
abre-se com estes intelectuais também para a cultura da Alemanha e da Áustria.
Susanne Bach lembra que a literatura de língua alemã não era desconhecida no
Brasil, mas a falta de bons tradutores impedia uma maior difusão de suas obras.
Além dos intelectuais que acabamos de nomear paradigmaticamente,
cientistas perseguidos pelo regime nazista também encontram abrigo na recémfundada Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e são tema do
artigo “Der Beitrag deutscher Wissenschaftler zum Aufbau der Philosophischen
Fakultät der Universität São Paulo (=A contribuição dos cientistas alemães para
a formação da Faculdade e Filosofia da Universidade de São Paulo), publicado
no Staden Jahrbuch de 1964 por Carolina Aust.
34
Carolina Aust nasce em Straßburg em 1909, estuda francês, história e
germanística, doutora-se na Suíça e vem para o Brasil em 1936. É a um tempo
autora e personagem de seus textos, tendo convivido com muitos dos exilados e
partilhado de seus problemas e aflições.
Entre os cientistas refugiados no Brasil, está o seu próprio pai, o zoólogo
Ernst Ludwig Bresslau. Aposentado compulsoriamente na Universidade de
Colônia, Bresslau é contratado pela Universidade de São Paulo em 1934.
Permanece por pouco tempo no cargo, pois falece em 1936.
Outros cientistas contratados pela USP são os químicos Heinrich
Rheinboldt (1891-1955) e Heinrich Hauptmann (1905-1960), o botânico Felix
Rawitscher (1890-1957) e o também zoólogo Ernst Marcus, que sucede a
Bresslau.
Além de intelectuais e cientistas, há jornalistas, publicitários, artistas,
pintores e músicos que, como os intelectuais, têm suas obras destruídas e, sendo
impedidos de exercer suas atividades pelo regime nazista na terra natal,
procuram refúgio no Brasil. Dois textos sobre este grupo encontram-se à
disposição do leitor no livro de Izabela Kestler Die Exilliteratur und das Exil der
deutschsprachigen Schriftsteller und Publizisten in Brasilien
de 1992, já
mencionado anteriormente, e o artigo “Musiker, Maler, Graphiker, Dichter,
Schriftsteller und Journalisten: ein Bericht über die deutsche Emigration
zwischen 1933 und 1946 nach Brasilien” de Caroline Aust, publicado no Staden
Jahrbuch de 1993. Na obra de Kestler, estão reunidos os resumos biográficos de
37 exilados, são relatadas suas atividades na política, no teatro, suas atividades
como jornalistas e escritores, comentadas as obras que escreveram no Brasil e
sobre o Brasil. O texto analisa ainda a posição brasileira em relação aos exilados
durante a era Vargas, de 1930 a 1945, as relações políticas e comerciais entre o
Brasil e a Alemanha que determinam esse posicionamento, a legislação
brasileira referente aos emigrantes e os fundamentos ideológicos dessa
legislação. Izabela Kestler chega a uma conclusão muito similar à de Tucci
Carneiro em O anti-semitismo na era Vargas de 1988, isto é, os exilados ficam
impiedosamente expostos à xenofobia e ao antissemitismo brasileiros. No artigo
de Caroline Aust há, sobretudo, lembranças pessoais dos artistas plásticos, dos
pintores, dos músicos, que conheceu pessoalmente.
35
Há casos em que vários motivos se superpõem para levar as pessoas ao
exílio. São pessoas perseguidas ao mesmo tempo por sua atividade intelectual,
artística ou política, e também por razões religiosas e raciais. No caso específico
de Keller, há a considerar que ele é um adepto do teatro brechtiano, professa
uma ideologia de esquerda, nutre simpatias pelo partido socialista - o SPD - e
está ligado ao sindicato de classe. Sua mulher Ellen não satisfaz as leis raciais do
nazismo. Em 1935, as leis raciais de Nürenberg passam a proibir o casamento
entre alemães e judeus e permitem a anulação dos matrimônios mistos já
realizados. Há, como vemos, razões de sobra para fazer com que a família Keller
deixe o país.
Alguns aspectos distinguem o exílio no Brasil do exílio em outros países
sul-americanos, em especial, no México e na Argentina.
No Brasil, ao contrário dos países mencionados, não existem
organizações políticas fortes reunindo os exilados, a exemplo da “Freie
Deutsche” (=Alemães Livres) do México e “Das andere Deutschland” (=A outra
Alemanha) de Buenos Aires. O grupo de Friedrich Kniestedt em Porto Alegre e
o movimento antifascista de Willy Keller não passam de tentativas de organizar
movimentos antifascistas no Brasil. O movimento de Kniestedt, que tem a
colaboração de Keller, não atua além dos arredores de Porto Alegre, mesmo
publicando um boletim e usufruindo de contatos dentro do próprio consulado
alemão. É, assim, que consegue informações internas que acabam causando
profunda irritação aos diplomatas alemães, que se empenham, então, em tirar
de circulação o boletim.
As razões para a não existência de organizações políticas fortes, reunindo
os exilados no Brasil, assentam, por um lado, nas divergências ideológicas entre
os exilados e, por outro, na falta de interesse político da maioria deles. Há até
casos, como o de Richard Katz, em que o refugiado, num primeiro momento,
não consegue sequer assumir-se como
tal. Seu exílio no Brasil é
eufemisticamente designado como mais uma das suas muitas viagens ao
exterior, no desempenho de sua profissão de escritor.
Os exilados no Brasil formam, assim, grupos heterogêneos com poucos
denominadores em comum: judeus, católicos conservadores, pessoas que
professam ideologias de esquerda, como o próprio Keller, e até mesmo
dissidentes do Partido Nazista, pertencentes à Schwarze Front (=Frente negra)
36
de Otto Strasser. Atritos e divergências são comuns entre eles, e isso os
enfraquece.
Resumindo, pode-se dizer que divergências ideológicas, problemas do
cotidiano, a luta pela sobrevivência, as distâncias territoriais, a repressão das
autoridades brasileiras, a perseguição pelos diplomatas nazistas, o desinteresse
pela política em geral, a falta de apoio por parte das respectivas comunidades,
exceção feita à comunidade judaica que foi solidária com seus companheiros
exilados, e também o desejo de voltar ao país de origem, não faz dos exilados de
cultura alemã no Brasil um grupo solidário.
Durante os dez primeiros anos de vida no Brasil, Keller empenha-se
numa quase solitária luta contra o fascismo. Os colaboradores de que temos
notícia são poucos. Entre eles estão Kurt Übel e Hans Kegel. Isto cria uma
situação de confronto em bases muito desiguais, não só com os imigrantes mais
antigos, mas com seus próprios companheiros de exílio, a quem Keller chama
em diversas ocasiões de oportunistas e delatores. Sua posição ideológica é
rigidamente anti-nazista e ele mesmo coloca-se em suas próprias palavras "à
esquerda do Partido Comunista".
Se a atividade política dos refugiados não obtém repercussão no Brasil e
se os refugiados não alcançam reconhecimento por parte da Alemanha no
após-guerra, como opositores do nazismo, a influência dos refugiados nas mais
diversas áreas intelectuais, artísticas e científicas da cultura brasileira é, no
entanto, inegável, embora ainda aguarde investigação detalhada.
A volta ao teatro
Em 1941, Willy Keller está no Brasil há seis anos, reside no Rio de Janeiro
e seu filho tem onze anos. Está desempregado e é sua mulher que mantém a
família. Keller fica, então, incumbido dos afazeres domésticos, num momento
em que está desiludido com a falta de interesse político dos imigrantes e dos
exilados mais antigos ou mais recentes. É também em 1941 que os alemães
atacam navios brasileiros; o governo Vargas é cada vez mais pressionado no
sentido de declarar guerra aos países do eixo. Tropas americanas estacionam no
37
Nordeste brasileiro em fins de 1941. A situação dos exilados de língua alemã vaise tornando mais difícil.
Movido por todos estes acontecimentos, preocupado em aprender a
língua portuguesa e sem ser capaz, apesar de tudo, de esquecer o teatro, Willy
Keller inscreve-se no Curso de Arte de Dizer e Interpretação, criado pelo Liceu
Literário Português no Rio de Janeiro. Sabe-se, então, pelo jornal A Noite de
21/12/1941 que Willy Keller consegue atuar, enfim, como ator. O jornal comenta
a encenação da Casa de Bonecas de Ibsen, no Teatro Ginástico, sob a direção de
Simões Filho, considerado um "perfeito técnico de cena e jornalista", em que
Keller faz o papel do Dr. Rank e seu desempenho é, assim, elogiado pelo jornal:
Dentre eles, cumpre destacar um fenômeno - Willy Keller - um alemão
(não pertence ao Eixo; ça va sans dire...). Trata-se de um estrangeiro
de belo talento artístico, e que se meteu na cabeça essa coisa
comovedora para nós brasileiros: interessa-se tanto pelo estudo e
conhecimento do vernáculo, que deseja ser comediante no idioma de
Camões.
O teatro brasileiro abre finalmente as portas a Keller.
Em julho de 1941, Keller participa da encenação da peça O Infante de
Sagres de Jayme Cortezão, no Teatro da República, peça dirigida também por
Simões Filho. São dois espetáculos em favor da reconstrução da matriz da igreja
de Santo Antônio das Posses. Keller faz, aqui, o papel de Valarte, um nobre da
corte escandinava. Em outubro do mesmo ano, participa de uma demonstração
do curso, fazendo o papel de copeiro em um episódio de uma peça de Tristan
Bernard.
Em junho de 1942, Keller faz o papel de um gago, o Dr.Alvarenga, na peça
de Cristovam de Camargo, O mistério da casa verde, encenada no Teatro
Ginástico, novamente sob a direção de Simões Filho.
Em outubro de 1945, já é "diretor de cena e ensaiador" de um espetáculo
beneficente patrocinado pela Pequena Cruzada uma organização assistencial
católica, considerada de utilidade pública. A peça apresentada é um musical de
autoria de Gustavo A.Doria e Davy Rissin e tem a participação de personagens
da sociedade carioca.
Em 1946, Keller abandona a militância política, mas continua fiel às suas
idéias, pronto a defender seus pontos de vista sempre que existe uma
oportunidade.
38
A Segunda Grande Guerra termina em maio de 1945; Getúlio Vargas é
deposto no mesmo ano. Em fins de janeiro de 1946, o general Eurico Gaspar
Dutra assume a Presidência da República, é verdade que com o apoio de Vargas,
que por sua vez é empossado como senador pelo Rio de Janeiro.
A esta altura, alguns dos exilados já emigraram para outros países ou
retornaram à Alemanha. Ulrich Becher vai para os Estados Unidos em 1944;
Kniestedt, com quem Keller já havia rompido, morre em 1947; outros retomam
suas atividades políticas ou profissionais na Europa. Em 1971, na entrevista a
Werner Röder do “Institut für Zeitgeschichte” de Munique, Keller recorda a
situação: “Quando a pressão da imigração cessou, eles (os imigrantes) voltaram
à sua vida privada como seres humanos, que foram banidos de sua pátria,
contra sua vontade e que não tinham propriamente ambições políticas.
À mudança política no Brasil não correspondem, porém, mudanças
significativas quanto à situação dos imigrantes. Respondendo, em maio de 1971,
a uma em forma de questionário montado pelo “Institut für Zeitgeschichte”
Keller diz:
É indiscutível, que a emigração não terminou em 1945. De acordo com
as condições locais e políticas dos países de imigração esse fim deve
ser fixado para uma data posterior. O dia D no Brasil seria o ano de
1956. Só neste ano o Ministério do Exterior acreditou não haver
restrições políticas à criação do Instituto Cultural Brasil-Alemanha.**
É também nessa época que Keller se interessa em participar do teatro
brasileiro do círculo dos exilados/imigrantes de cultura alemã que permanecem
no Brasil. Liga-se, então, ao grupo teatral de Hoffmann-Harnisch, fundado no
Rio de Janeiro, no qual atuam Wolf Harnisch, filho do fundador, e o ator
Werner Hammer, e passa a dirigir algumas peças durante a década de 40, como
por exemplo, Deus lhe pague de Joracy Camargo, por ele mesmo traduzida
como Vergelt’s Gott - Bettlerkomödie. Trata-se de um grupo teatral que se
empenha em oferecer a um público selecionado - os exilados e imigrantes de
língua alemã - peças brasileiras e de outras nacionalidades, faladas em alemão.
Todavia, em 1948, quando dirige Deus lhe pague, Keller e Werner
Hammer já estão separados do grupo
de Hoffmann-Harnisch, devido a
divergências políticas. Os dois atuam, agora, com um grupo próprio que se
mantém até 1957.
39
Apesar de ver no teatro uma fonte de divertimento, Keller não deixa de se
mostrar preocupado com os objetivos políticos e sociais das peças de que
participa, deixando entrever a influência de Piscator e de Brecht, seus
contemporâneos em Berlim até a emigração deles em 1933. Keller define, assim,
seu ponto de vista: “Eu achava que um teatro de emigrantes que representa para
emigrantes não podia fingir que nada havia acontecido entre 1933 e 1945.” 7
Isto também leva a crer que Keller faz uso do teatro como instrumento de
luta antinazista. No entanto, não se dispõe ainda de nenhuma investigação que
avalie, por exemplo, as interferências de Keller, quer na tradução das peças
brasileiras para o alemão, quer na sua atuação como dirigente teatral, quer
como ator, no sentido de lhes atribuir mensagens políticas de esquerda.
Em carta de outubro de 1957 endereçada a Becher, Keller menciona ainda
outras peças que teria encenado, como por exemplo, Witwe jedoch ehrenhaft
(=Viúva, porém honesta) de Nelson Rodrigues. Outras três peças, Der Fall
Pinedus (=O caso Pinedus) de Paolo Levy, Sturm im Wasserglas (=Tempestade
no copo d´água) de Bruno Frank e Der Regenmacher (=O fazedor de chuva)
de autor não identificado, são referidas apenas pelo título,
sem outras
explicações. Em homenagem ao centenário da morte de Joseph von
Eichendorff, Keller encena ainda em 1957, para um clube do Rio, o "Clube Beira
Mar", a peça Die Freier (=Os pretendentes), gratuitamente, como escreve a
Ulrich Becher .
É nesta mesma década de 40 que Paschoal Carlos Magno indica o nome
de Keller para dirigir o Teatro Experimental do Negro, fundado em 1944 por
Abdias do Nascimento. Keller permanece com o grupo pelo menos até 1947.
Em 1951, Henrique Pongetti sugere o nome de Keller para dirigir
Manequim no Teatro Copacabana. Este espetáculo leva, por sua vez, Waldemar
de Oliveira a convidar Keller para dirigir também o Teatro de Amadores de
Pernambuco.
Desta maneira, o teatro volta a existir na vida de Keller.
A vida sorri enfim para Keller
7
Apud Izabela Kestler, p.165.
40
Ao deixar a Alemanha Keller perde definitivamente seu país. Em
entrevista a Vivian Wyler, encontrada num recorte de jornal brasileiro sem
identificação e data, no espólio do tradutor, Keller, assim, se refere à sua
emigração:
Quando cheguei, estava de passagem. Tinha saído de uma Alemanha
onde circulavam idéias com as quais eu não concordava. Cheguei a um
país que desconhecia e ao qual não me apeguei, na certeza da volta.
Veio a guerra. A reviravolta na minha vida, a contingência de ter que
começar tudo de novo. Homem de teatro lá, fiz teatro aqui no Rio, em
Pernambuco e em Alagoas.
A relação de Keller com o Brasil é de início ambígua: fala na certeza da
volta, certeza destruída pela guerra. Entretanto, esforça-se para aprender a
língua portuguesa, tomar contato com o teatro brasileiro, com a vida intelectual
brasileira. Afinal, em 1955 faz uma viagem à Alemanha e permanece por 10
meses no país.
De volta ao Brasil, publica o artigo "Cinema e Realidade" no Jornal de
Letras de novembro de 1955, em que defende a necessidade de se divulgar a
cultura brasileira, de se promoverem exposições com os nossos pintores, de se
traduzirem as obras de nossa literatura, de se levar a música do país ao exterior,
de se mobilizarem os bons ensaístas para que expliquem nossa sociedade, isto é,
para que falem das razões sociais e culturais que subjazem à arte brasileira. O
artigo termina com a seguinte frase de Keller: “A vida no Brasil é, apesar de
tudo, mais de acordo com o verdadeiro destino do homem. E isto se reflete na
sua arte.”
Em outra ocasião, voltando de Fortaleza a bordo de um Caravelle, Keller
dá uma entrevista sobre o Brasil e seu teatro ao crítico Van Jafa que a publica no
Correio da Manhã de 04/06/67 com o título “Willy Keller confidencial”. Diz ele:
O Brasil não foi só o país que me acolheu numa situação difícil como
também uma grande experiência. Deu-se aqui que eu tive contato algo
violento com o mundo românico. Aqui eu aprendi uma segunda língua
e seus fenômenos, sob dois ângulos lingüísticos diferentes. Se eu quero
fazer comparação então eu deveria dizer que eu estava cego de uma
vista, que somente com a aprendizagem da língua portuguesa eu
recuperei a outra vista. Em vez de pensar linearmente, comecei a
pensar plasticamente. [...] Durante longos anos eu vivi no Brasil na
41
plena miséria intelectual até que o teatro me devolveu aquilo que eu
quero denominar 'minha dignidade'. Foi Henrique Pongetti que me
convidou para dirigir Manequim (1951, Teatro Copacabana) e esta
representação representava uma reviravolta na minha vida. Em
conseqüência deste espetáculo recebi um convite de Waldemar de
Oliveira para dirigir o Teatro de Amadores de Pernambuco (em seu
currículo Keller menciona também o Teatro Universitário). Foi
naquela ocasião que eu cheguei a descobrir o Nordeste do Brasil que
eu considero a minha segunda terra. [...] Foi em Recife que eu me
encontrei de novo e daqui em diante o destino deixou de fazer caretas
para mim e começou a sorrir. Dirigi durante alguns anos espetáculos
teatrais no Rio de Janeiro e, principalmente, no Nordeste.
Graças às indicações de Henrique Pongetti e Waldemar de Oliveira, o
nome de Keller integra-se ao cenário teatral.
A Maceió, Willy Keller chega a viajar três vezes: a primeira em 1954,
integrando uma equipe do Ministério de Educação e Cultura para proferir
conferências sobre teatro; a segunda vez em 1955, convidado pela então
primeira dama do estado, Leda Collor de Mello, para dirigir o Teatro de
Amadores de Maceió - o TAM, e a terceira em 1956, para voltar a dirigi-lo.
Keller dirige, aqui, três peças: Pluft, o fantasminha de Maria Clara Machado;
Amanhã, se não chover de Henrique Pongetti e Os inimigos não mandam
flores de Pedro Bloch. Ainda em Maceió, Keller profere a palestra "Shakespeare
e a juventude brasileira" inaugurando, a 9 de março, o Teatro Universitário de
Maceió.
Também em 1955, Keller recebe em Natal a Medalha de Prata como
melhor diretor de peça de autor nacional no Festival Nortista do Teatro
Amador. No ano seguinte, 1956, recebe em Recife a medalha de ouro de melhor
diretor no Festival do Teatro Amador com a peça Pluft, o fantasminha.
Em 1956, Keller encena uma peça com o grupo Eva e seus artistas que
fica em cartaz, no Rio de Janeiro, por 4 meses. Esta temporada longa ilustra o
sucesso comercial da peça, embora Keller a considere sem valor. Keller dirige
ainda as peças Amigo da onça de Bekeffi e Stella e A mancha de Pedro Bloch.
Em carta a Ulrich Becher, datada de 24 de outubro de 1956, queixa-se, no
entanto, de problemas financeiros e da interferência de outros diretores no
Teatro Amador de Maceió.
Em 1957, Keller é nomeado primeiro diretor do Instituto Goethe do Rio
de Janeiro e o tempo para dedicar ao teatro fica escasso.
42
Mas em 1957 e 1958, Keller consegue ainda dirigir duas peças de Nelson
Rodrigues: Viúva porém honesta, em 13/09/57 no Teatro São Jorge do Rio de
Janeiro, e Os sete gatinhos, em 17/10/1958 no Teatro Carlos Gomes também no
Rio de Janeiro. Na revista SBAT de julho/agosto de 68, na página 31, o autor
Nelson Rodrigues agradece a Willy Keller: “A Willy Keller, diretor de Os sete
gatinhos, e criador de um espetáculo maravilhoso de compreensão e fidelidade
do espírito da peça. Grande amigo, grande diretor, grande artista, grande
homem de teatro.”
Em 1957, o jornal O Globo escolhe Keller como um dos "Cariocas
Honorários" do ano, devido aos relevantes serviços prestados ao teatro e à
literatura brasileira. Keller agradece com uma carta bem humorada, irônica ou
talvez reveladora de sua modéstia, que o O Globo publica em primeiro de
fevereiro de 1957 :
[...] Fazemos um exame de nossos atos para descobrir as razões que
levaram os responsáveis pelo O Globo a escolher o nosso nome,
exatamente o nosso, enquanto havia centenas de outras pessoas, entre
os estrangeiros residentes no Rio, muito mais em evidência do que
nós. E sentimos o rubor da vergonha subir às nossas faces, porque
aqueles que conhecem tão bem os nossos méritos, devem conhecer
também nossas falhas, nossos fracassos. Quer dizer: no ato de julgar o
nosso procedimento cívico e intelectual, pessoas bondosas e
compreensivas descobriram que as nossas virtudes prevaleceram
sobre nossos pecados. É comovente saber que nossa contribuição para
o aperfeiçoamento do teatro brasileiro não passou despercebida e que
os nossos esforços em prol de uma aproximação cultural mais íntima
entre os povos não foram em vão.
O trabalho de Keller no teatro brasileiro é, assim, reconhecido através de
medalhas, do título de cidadão carioca e de elogios publicados em jornais.
Às vezes o trabalho não anda como Keller deseja e ele se queixa ao amigo
Ulrich Becher. Na carta de 24 de outubro de 1956, em que fala de problemas
financeiros e da interferência de terceiros que perturbam seu trabalho com o
Teatro Amador de Maceió, a linguagem é veemente:
Meu trabalho 'artístico' aqui no Brasil é o de carregador de adubo,
daquele que revira a terra seca, e a do semeador, onde o futuro e as
características da paisagem tropical se reservam o direito de fazer
nascer as ervas daninhas, onde semeamos trigo, e matagal
intransponível onde pensávamos ter semeado flores.
43
A crítica severa também se estende à própria atividade, como se
depreende da carta de 19 de março de 1959 a Ulrich Becher: “Continuo a viver a
minha vida de estelionatário intelectual, enfiando todas as manhãs a mão na
caixa vazia para emprestar algo e poder continuar vivendo acima das minhas
possibilidades.”
As atividades de Keller no teatro, no entanto, não cessam. Em 1959
recebe, junto com Luis de Lima, o prêmio de melhor professor de teatro como
noticia o Jornal do Comércio em 13/12/1959. Sobre esta premiação escreve a
jornalista e atriz Luiza Barreto Leite no Jornal do Comércio de 18/12/1959:
[...] Willy Keller e Luis de Lima, demasiado conhecidos e admirados
no meio de teatro para precisarem de qualquer apresentação, se bem
que sua extraordinária contribuição à cultura de nossos estudantes de
arte dramática, sobretudo quando trabalharam de comum acordo na
escola do Duse, não tenha infelizmente, durado sequer o tempo
indispensável à formação de uma turma e, por conseguinte, à
comprovação pública de sua eficiência. Mas quem acompanhou suas
aulas, tão diversas na forma, quanto semelhantes na essência, tendo
oportunidade de assistir, em Pernambuco, à demonstração dos alunos
formados em dois escassos meses aqui no Rio, ou quem como eu,
obtivera a graça de ser assistente de Willy Keller em um esplêndido
curso Shakespeariano organizado por Santa Rosa, no Conservatório de
Teatro, durante umas férias memoráveis, não lamentará jamais o
suficiente que o Brasil não saiba aproveitar em definitivo mestres de
tal categoria.
No entanto, Keller não vive só de teatro e do Instituto Goethe. A partir da
década de 50, passa a dedicar-se também, e intensamente, à tradução não mais
só de peças teatrais, mas também de poesias e de ficção.
A viagem à Alemanha. Encontro com Brecht
Em 1955, como vimos, Keller viaja à Alemanha, na condição de delegado
da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, após uma ausência de 20 anos.
Quando fala dessa viagem transparece o seu desencanto:
Voltei à Alemanha depois de vinte anos de ausência. Quero advertir as
más línguas: não houve choque emocional, nem lágrimas. Entrei em
terras germânicas com os sentimentos bem controlados, o coração
batendo normalmente. Por fim, não foi a saudade a razão da minha
44
viagem. Viajei como delegado da Sociedade Brasileira de Autores e
Compositores Teatrais para reatar relações com a Associação Alemã
dos Autores e Compositores Teatrais, que foram interrompidas em
conseqüência da última guerra. Deixei a Alemanha há muitos anos em
protesto a um regime desumano, quando não havia mais outras
possibilidades de salvaguardar a minha integridade física e intelectual
e voltei agora trazendo a paz e a confraternização que os autores
teatrais brasileiros ofereceram aos seus colegas alemães. [...] Percorri
diversas cidades nestes primeiros quinze dias, Düsseldorf, Frankfurt,
Mannheim, Heidelberg, Stuttgart, em busca de um mundo perdido,
mas não encontrei nada daquilo que excitava minha imaginação. Tudo
era diferente: cidades novas, distâncias mais curtas, todo mundo
falava o alemão, o ar mais leve, o trânsito silencioso e poucos amigos e
parentes, muito poucos. Uma pequena parte deles se foi com endereço
desconhecido. Não deixaram nem um túmulo para registrar sua
passagem pela vida. Ainda tenho impressão de ser uma sombra que se
move entre seres, aparentemente, vivos.8
A viagem prolonga-se por 10 meses até o inicio de 1956. Keller é reticente
quanto aos motivos dessa estadia mais prolongada, mas é provável que
procurasse bases para alicerçar um desejado intercâmbio artístico entre os dois
países.
Na Alemanha, Keller corresponde-se, entre 08/02 e 13/03 de 56, com
Ulrich Becher, primeiro em Nova York e depois já em Basiléia. As cartas trazem
o registro de Augsburg e Mannheim. Keller fala da estréia de uma peça a que
assistiu em Augsburg no Teatro Municipal da cidade e expressa seu desejo de
encenar Samba de Becher em Baden-Baden. Faz menção a um artigo sobre
teatro brasileiro escrito para uma revista de Berlim Oriental, Theater der Zeit.
Deixa endereços onde pode ser alcançado, enquanto continua viajando pela
Alemanha: o de Fritz Keller em Mannheim e o de Hans Gossler em Freiburg
que, segundo o neto também é parente, e registra também uma visita a uma
irmã de sua mãe em Kandern.
A viagem serve, portanto, também para encontrar parentes, reatar velhos
laços. É possível que Keller tenha procurado editoras interessadas nas suas
traduções para o alemão de peças brasileiras; é possível também que, nesta
ocasião, tenha feito contato com o Instituto Goethe em Munique.
Keller passa algumas semanas em Berlim. Faz longos passeios pela
cidade, especialmente por Berlim Oriental. O muro ainda não existe, será
construído em 13 de agosto de 1961 e a comunicação é fácil entre as duas zonas
da cidade. Suas impressões estão registradas no artigo “Uma poesia
8
KELLER, Willy- A procura da nova literatura alemã. Jornal de Letras, VII,75, Rio de Janeiro 1955.
45
desconhecida de Bert Brecht”, publicado na revista Humboldt 7 de 1967, do qual
extraímos o seguinte trecho:
[...] a maioria das pessoas cultiva uma espécie de heroísmo passivo.
Praticamente não há ninguém que não se tivesse distinguido por um
ato de bravura moral. Com este narcótico procura-se paralisar a
consciência torturada e encontrar a paz de alma tão ardentemente
desejada.
Mas Keller quer conhecer a nova literatura, o novo teatro alemão. Seus
passeios acabam quase sempre nas livrarias da Friedrichstraße e no teatro do
Schiffbauerdam, fundado por Brecht em 1948. Os nomes que surgem são,
porém, já seus conhecidos de antes da guerra: Thomas Mann, Kassak, Kreuder,
Zuckmeyer, Brecht.
No teatro encontra velhos amigos em especial Karl von Appen, um dos
cenógrafos de Brecht e também o próprio Brecht. Deste encontro Keller diz, no
artigo acima citado: “ Não houve perguntas sobre o passado, ou sobre o destino
pessoal.”
É no “Schiffbauerdamm” que atua, desde 1948, o “Berliner Ensemble”
dirigido por Brecht e sua esposa, a atriz Helene Weigel (1900-1971). Keller havia
traduzido a peça de Antônio Callado, A última experiência e a entrega a Brecht.
Este devolve-a já no dia seguinte com o comentário: “Bravo, os brasileiros
descobriram Ibsen.”
Keller está nesta época também traduzindo poesias de poetas brasileiros
contemporâneos e entrega os trabalhos a Brecht, acreditando que sobretudo
Carlos Drummond, uma voz irmã, nas palavras de Keller, deveria interessá-lo.
Mas Brecht apenas devolve a tradução de um poema de Domingos Carvalho da
Silva intitulado Lírica, repleta de modificações.
O tom de Keller é nostálgico quando afirma, ainda no mesmo artigo: “Eu
[...] perdera como emigrante o teatro como profissão, mas continuava
inquebrantável sua força de atração sobre mim.”
Na carta de 8 de fevereiro de 1956 a Ulrich Becher, Keller ainda em
Augsburg, comenta seu desejo de voltar logo ao Brasil pois não suportaria uma
segunda emigração. A hipótese teria sido considerada?
Keller deve também ter ficado decepcionado com a falta de
reconhecimento que tiveram na Alemanha todos aqueles que combateram o
46
nazismo dentro ou fora do país. Hans Albert Walter, em Deutsche Exilliteratur:
1933-1950, à página 9, assim, comenta a situação:
A resistência antifascista dos exilados não só não recebeu o merecido
reconhecimento público, como ainda foi menos reconhecida do que a
oposição interna ao nacionalsocialismo - lembremo-nos das
discussões sobre a legitimidade do atentado de 20 de julho de 1944
que se prolongaram por anos.9
Keller volta ao Brasil, a família já está integrada ao país. Em 1959 Keller é
o avô feliz de dois netos. Em carta a Becher, datada de 19 de março desse ano,
escreve : “... e se eu pudesse escolher uma profissão, seria a de avô, somente
avô”.
O Instituto Cultural Brasil-Alemanha no Rio de
Janeiro
O Diário de Notícias do Rio de Janeiro, de 18 de abril de 1957, traz uma
manchete anunciando a fundação da Sociedade Cultural Brasil-Alemanha:
”Maior aproximação cultural entre o Brasil e a Alemanha”. Trata-se de um
artigo de Keller, enquanto diretor e secretário executivo da associação. Diz ele:
Agora, no Brasil, voltando do Norte, onde estive fazendo teatro, com
amadores de Maceió, surpreendi-me com um delicioso titulo de
'Cidadão Carioca' e, em seguida, com o convite para secretário, cargo
executivo da recém-criada Associação de Cultura Alemã Brasileira.
O jornal O Globo de 14/06/1957 também publica a manchete: “Unir
Brasil e Alemanha pela ciência e cultura” e fala da inauguração do Instituto
Cultural no dia anterior com a presença do embaixador alemão Werner
Dankwort, do presidente do Instituto - Ministro Mota Filho - e de Willy Keller.
Em 27 de setembro de 1958, o Ministério da Justiça reconhece o Instituto como
de utilidade pública. Keller dirige a associação, mais tarde chamada Instituto
Goethe, até 1969.
9
Walter, Hans Albert. Deutsche Exilliteratur: 1933-1950. Darnstadt e Neuwied,Hermann Luchterhand,
1972.
47
Durante sua gestão de doze anos, Keller tem oportunidade de aplicar as
idéias didáticas que tem sobre o teatro à programação do Instituto, e também de
se dedicar à música, pois essa é a saída para “um homem sobrecarregado de
trabalhos que nem sempre [lhe] agradam]”, diz ele, na entrevista de 04/06/67
ao Correio da Manhã, que se “as circunstâncias que [o] castigaram muito
tivessem um pouquinho de compaixão [com ele] permitiriam que [ele] voltasse
mais uma vez ao teatro”.
No primeiro ano da atividade efetiva, 1958, é inaugurada a biblioteca do
Instituto e é iniciada uma atividade intensa. Neste ano, o evento mais
importante é a exposição do Balé Triádico de Oskar Schlemmer (1888-1943),
pintor e artista gráfico, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Keller
organiza a visita de vários grupos à exposição, produz um texto informativo
sobre o mesmo e ainda escreve um ensaio sobre esse tema, publicado no
Correio da Manhã do Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1958. O
envolvimento intenso com as coisas que faz é uma das características de Keller.
Keller viaja pelo Brasil, profere palestras nos Institutos Goethe de Porto
Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, São Paulo, atende a convites de
universidades e associações culturais. Convida intelectuais e cientistas
brasileiros e estrangeiros para falar no Instituto Goethe do Rio. Dedica especial
atenção à música e ao teatro: convida grupos musicais e teatrais estrangeiros
para o Brasil e procura difundir a música brasileira no exterior.
No dia 4 de janeiro de 1970, O Estado de São Paulo noticia que Keller
recebe o prêmio Estácio de Sá de música erudita, conferido pelo Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro, por ter promovido a participação de
músicos estrangeiros no Ciclo Bach e pelo seu empenho em difundir a música
brasileira na Europa.
Keller vai conhecendo, assim, o Brasil, convivendo com intelectuais
brasileiros, dominando a língua portuguesa e, enfim, é quase um brasileiro.
48
Um parêntese:
qual o perfil ideológico de Keller?
Não encontramos evidências de uma militância política de Keller na
Alemanha a não ser uma referência às suas ligações com a SPD, o Partido
Socialdemocrata Alemão e a sua atividade no sindicato teatral.
Keller fala de uma ordem de prisão contra sua pessoa em 9 de novembro
de 1934, de processos em Osnabrück e Berlim, de buscas que a GESTAPO faz
em sua casa. A ordem de prisão é expedida em seguida à encenação de uma peça
em Berlim (Die Kukuckseier = Os ovos do cuco, de Wolfgang Götz). A mulher de
Keller, Ellen, menciona denuncias de um colega invejoso diante do sucesso da
peça.
Em junho de 1933 o SPD é extinto e muitos de seus membros são presos.
Qualquer oposição ou discordância ao regime, por mais frágil, poderia resultar
em perseguições. Denúncias estão na ordem do dia.
Os problemas relativos à ascendência judia de Ellen pesam na decisão de
emigrar, tanto quanto os eventuais problemas políticos de Keller.
A impressão que fica dos relatos de Keller e de outras testemunhas é que
Keller só passa a envolver-se em atividades políticas no Brasil, quando encontra
Kniestedt em Porto Alegre. Mesmo assim, Keller não reconhece, nem na
organização comandada por Kniestedt nem na sua própria, qualquer
importância maior.
Na atrás mencionada entrevista a Werner Röder do “Institut für
Zeitgeschichte” Keller pronuncia-se a respeito de sua posição ideológica e
coloca-se à esquerda do Partido Comunista; discorre também sobre as
influências que havia sofrido e dos contatos que havia tido. Não se fica a saber,
porém, da natureza desses contatos, assim como também não se fica sabendo se
se trata de relacionamentos de amizade ou profissionais, se houve atividades
isoladas ou projetos comuns.
Faz menção a Marx, cujas teses econômicas não considera superadas em
1971 e depois tece considerações sobre outras influências: Dostojewski e Kafka
49
e, também, Hermann Hesse, resumindo: ”A quintessência tornou-se para mim
um pensamento humanista ao qual permaneci fiel toda a minha vida.
Outros nomes são lembrados: Franz Pempfert (1879-1954), jornalista,
comunista, exilado que faleceu no México; Herwarth Walden, pseudônimo de
George Lewin (1878-1941), desaparecido na URSS durante a 2ªGuerra,
negociante de arte, escritor e músico, fundador da revista Der Sturm (= A
Tempestade), difusora do expressionismo; Karl Kraus (1874-1936) , jornalista,
fundador da revista Die Fackel (A Tocha ), crítico severo da enganosa moral
burguesa.
São, no entanto, as relações de Keller com August Siemsen, a figura
central do movimento antifascista na Argentina, que talvez possam contribuir
melhor para esclarecer o perfil ideológico de Keller.
Na América Latina apenas duas organizações antifascistas, formadas por
refugiados de língua alemã, têm repercussão além de seus países de origem. No
México, é a organização “Freies Deutschland” (= Alemanha Livre) totalmente
dominada por comunistas alemães, funcionários da KPD (Kommunistische
Partei Deutschlands = Partido Comunista Alemão) e funcionários do
“Komintern” ( Internacional Comunista). Keller cita os nomes de alguns de seus
participantes entre suas relações, mas não encontramos registro de um contato
de Keller com esse grupo, nos documentos a que tivemos acesso. Na Argentina
é fundado em 1937 o movimento “Das andere Deutschland” (= A outra
Alemanha), organizado como uma ampla coligação entre comunistas e as mais
diversas tendências socialistas.
Ao lado de sua participação no movimento de Kniestedt, Keller mantém
um relacionamento estreito com o movimento “Das andere Deutschland”
(DAD), sobretudo, com seu líder, August Siemsen. É essa organização que serve
de modelo para Keller quando este cria seu próprio movimento e seu boletim
informativo.
O pedagogo August Siemsen nasce na Alemanha em 1884. Já durante a
República de Weimar desenvolve uma intensa atividade política: em 1919 é
vereador em Essen pelo SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands =
Partido Socialdemocrata da Alemanha). Em 1921 é condenado a seis meses de
prisão por sua participação num conselho operário. Trabalha como professor e
dirige duas revistas socialistas Sozialistische Kultur (Cultura Socialista) e
50
Sozialistische Erziehung (Educação Socialista) e participa de várias iniciativas
para um ensino não autoritário. Em 1931 elege-se membro do Parlamento do
Reich pelo SPD. Ameaçado pelos nazistas, refugia-se em 1931 na Suíça. Em 1936
vai para Buenos Aires como professor da Escola Pestallozzi.
Em 1937 Siemsen funda, junto com outros imigrantes, a organização
“Das andere Deutschland” = DAD que, a partir de maio de 1938, publica um
informativo com o mesmo nome. Inicialmente apresentado na forma de um
folheto mimeografado, o informativo chega a atingir uma edição de 4 a 5.000
exemplares e é distribuído por toda a América Latina e até mesmo na América
do Norte. O DAD, como já mencionado, é uma coligação entre comunistas,
socialistas, socialdemocratas e mesmo burgueses progressistas. Siemsen é o
líder do movimento, seu inspirador e também o responsável pelo informativo.
Segundo Eisenbürger o movimento estava aberto às mais variadas tendências, e,
baseado num socialismo não definido de forma detalhada, pretendia praticar
um humanismo socialista. O antinazismo e a postura humanista parecem ser as
principais afinidades entre Keller e Siemsen.
O boletim informativo da DAD deixa de chegar ao Brasil com a entrada
do país na guerra e isso motiva Keller a produzir seu próprio informativo.
A subordinação dos comunistas aos fins políticos específicos da URSS,
deixando de lado o principal objetivo do DAD e de Keller, que é o combate ao
nazismo, leva ao rompimento entre eles e o DAD e a uma situação de conflito.
Tanto Siemsen como Keller sempre tiveram a preocupação de manter unidos os
partidos de esquerda. Em 1943, na Conferência de Montevidéu a que
compareceram 40 delegados, entre eles Kniestedt, o DAD tenta mais um vez
preservar essa união das esquerdas, sem resultado. A recusa em aceitar a
liderança autoritária dos comunistas e uma subordinação aos interesses
políticos mais imediatos da União Soviética é mais um ponto em comum entre
Keller e Siemsen: socialistas, mas não comunistas, uma postura antes de tudo
humanista.
Siemsen retorna à República Federal da Alemanha em 1952. Desiludido
com os rumos do país vai, em 1955, para a República Democrática Alemã onde
morre em 1958.
Além de seu relacionamento com Kniestedt e Siemsen, Keller mantém
uma longa amizade com o escritor Ulrich Becher (1910-1992).
51
Não há registro de uma atividade política de Becher na Alemanha. A
informação de que seus livros foram queimados pelos nazistas carece, segundo
Izabela Kestler, de comprovação e Becher nunca perdeu a cidadania alemã.
Talvez o fato de Becher ser um escritor ainda pouco conhecido na época, fez com
que os nazistas não dessem atenção aos seus textos antimilitaristas
e
anticapitalistas.
Em 1934 Becher casa-se com Dana Roda-Roda filha do jornalista e
escritor austríaco Alexander Roda-Roda. Tenta emigrar para os Estados Unidos
mas não é bem sucedido e, em 1941, o casal vem ao Brasil junto com o grupo
Görgen. Em 1944, graças à influência de Alexandre Roda-Roda, o casal Becher
consegue finalmente ir para os Estados Unidos. Em 1948 Becher volta
definitivamente para a Europa.
No Brasil Becher participa do movimento antifascista de Keller e planeja,
junto com Keller, organizar uma biblioteca antifascista. O único texto publicado
por essa biblioteca, como se viu acima, é uma obra do próprio Becher, Das
Märchen vom Räuber der Schutzmann wurde (O conto do ladrão que se tornou
policial) uma alusão aos nazistas e a Hitler. Esta é, possivelmente, a única obra
em língua alemã publicada no Brasil neste período. Becher escreve também para
os informativos antifascistas do México e da Argentina.
Entretanto, enquanto Keller se torna um admirador do Brasil e um
importante mediador cultural entre o Brasil e a Alemanha, Becher tem uma
relação ambígua com o país, escrevendo textos condescendentes ou pejorativos
sobre o país. Enquanto Keller é um ativista político que dedica muito de seu
esforço à luta antinazista, Becher é antes de tudo escritor e é nesse campo que
talvez se situe o relacionamento entre ambos, um relacionamento que sobrevive
à distancia no tempo e no espaço, pois continua mesmo com Becher vivendo nos
Estados Unidos e na Europa.
No fim da guerra Keller tenta ainda uma aproximação com o SPD, mas
em 1946 acaba abandonando toda atividade política, decepcionado com o que
chama de o êxito da guerra.
Fica evidente que Keller cultiva uma posição radical de esquerda, é
inflexível em suas crenças, seus princípios éticos e morais, mas nem por isso
deixa de ser um homem profundamente humanista, um admirador de Brecht,
olhando sempre para os oprimidos, os mais desvalidos, para os marginalizados,
52
deixando para a posteridade um exemplo de vida íntegra e extremamente
produtiva na área das relações culturais Brasil-Alemanha. O Brasil teve em
Keller um verdadeiro amigo.
II PARTE
Os boletins da “Notgemeinschaft der
Deutschen Antifaschisten”
Em 1943, já definitivamente estabelecido no Rio de Janeiro, Keller funda,
como
se
viu,
seu
próprio
movimento
antifascista,
denominado
“Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten” (Associação de Emergência
dos Antifascistas Alemães) e passa a editar um boletim que chama de circular
(Rundschreiben) ou carta (Brief). O boletim e o movimento são criados na
esteira da organização “Das andere Deutschland” (=A outra Alemanha), de
Buenos Aires. Uma informação mais detalhada sobre essa organização e seu
fundador August Siemsen foi dada no capítulo “Um parênteses: qual o perfil
ideológico de Keller?” A partir do boletim nº 10, datado de julho de 1945, Keller
coloca no cabeçalho da sua publicação a observação “fundada em 1935”. Como
Keller chega ao Brasil nesse ano e, logo, se associa à organização antifascista de
Kniestedt em Porto Alegre, fica a impressão de que, com essa observação, Keller
pretende enfatizar sua presença no movimento citado.
No arquivo do ”Institut für Zeitgeschichte”, de Munique estão 16 boletins
produzidos por Keller, numerados de 1 a 17 e uma edição especial, sem número.
Faltam os números 6 e 14. No arquivo há, além disso, dois impressos especiais
destinados à imprensa brasileira, denominados por Keller de INFA.
Infelizmente, o boletim nº 1 está em péssimas condições de conservação e
não permite a reconstituição de seu conteúdo. Os boletins, do número 1 ao
número 5, são redigidos em alemão.
53
No boletim no 2, de 15 de janeiro de 1944, encontramos o ensaio “In
eigener Sache” (=Em causa própria). Keller faz, aqui, uma crítica amarga aos
imigrantes que, em sua maioria, se recusam a participar da política e se
aproveitam da segurança que lhes garante uma sociedade democrática,
respeitadora dos direitos humanos, sem dar nenhuma retribuição a essa mesma
sociedade. Keller lembra que é a apatia, a conivência da burguesia que permite a
destruição da República de Weimar e a ascensão do nacionalsocialismo. Mas,
Keller também não poupa da crítica os imigrantes que fazem política, sobretudo
em benefício próprio, pensando desde já em exigir indenizações pelas
dificuldades e sofrimentos passados durante a emigração, esquecendo-se
daqueles que morrem nos campos de concentração e nas prisões. Keller
pergunta: “Com que meios os emigrantes políticos servem ao grande objetivo de
uma renovação moral e social da sociedade humana?” Keller fala da falta de
ideais,
dos
princípios
abandonados
sem
maiores
preocupações,
dos
compromissos espúrios assumidos entre opositores. Keller elogia o grupo em
torno de Kniestedt, que reúne membros com opiniões políticas diferentes, “mas
unidos contra a opressão, a miséria social, contra a guerra e o racismo”. E
conclui: “[...] uma nova ordem só é possível, se o ser humano, que deve ser seu
suporte, garantir essa ordem com sua pessoa e sua convicção, e não se satisfizer
com artimanhas dialéticas baratas”. A partir do número 2, os boletins obedecem
a um esquema definido, imitando uma revista e procurando trazer informações
diversificadas aos seus leitores. É provável que muitos imigrantes ainda não
dominem o português e que Keller, com seu boletim, seja a única fonte de
informação sobre as condições políticas no exterior. Nos boletins 2, 3, 4 e 5
estão incluídos trechos curtos, de algumas linhas, em português. Os boletins
compreendem um artigo principal, redigido em geral pelo próprio Keller,
algumas vezes, um artigo de uma personalidade brasileira ou estrangeira, um
item denominado “Voz da América”, com notícias de jornais dos Estados Unidos
ou pronunciamentos de personagens desse país, um subtítulo “Notícias”, com
resumos de artigos de jornais estrangeiros e brasileiros, especialmente do sul do
país, cartas de leitores, anúncios de livros em alemão, poesias de autores
brasileiros traduzidas para o alemão por Keller, efemérides de personalidades
do socialismo. Marx, Engels, Mehring são lembrados por meio de escritos dos
próprios filósofos, de artigos de Keller ou de correligionários.
54
No boletim nº 3, de 15 de fevereiro de 1944, Keller publica o ensaio “Die
Geheime Waffe” (=A arma secreta). O autor discorre, aqui, sobre um dos
grandes mistérios da guerra, ou seja, a resistência oferecida pelo povo alemão ao
inimigo, apesar de ser evidente, para todo observador criterioso, qual o fim
dessa luta, diante da superioridade dos aliados. Prevê que, após a derrota
militar e o desaparecimento das organizações, o caos reinará na Alemanha. Sua
crítica dirige-se à imprensa aliada que alardeia bombasticamente grandes
vitórias, ao mesmo tempo em que afirma a derrota iminente da Alemanha,
como se a guerra fosse um grande espetáculo. Para Keller, há que lembrar a
crueldade no campo das batalhas, as perdas de vidas humanas. Não é verdade
que os alemães estão em retirada, pelo contrário, eles ainda oferecem grande
resistência. Para Keller, a guerra não é uma sucessão de atos heróicos
individuais, como a imprensa aliada faz os leitores suporem. E, como e por que
o povo alemão suporta tudo isso? Keller atribui essa resistência à força da
Gestapo, à fraqueza dos intelectuais alemães e também à falta de confiança do
povo alemão nas promessas aliadas. É somente o desespero, a falta de
esperança, que mantém o povo alemão lutando.
No boletim nº 4, de 15 de março de 1944, Keller apresenta o texto
“Politische Wandlung” (=Transformação política), em que se refere à mudança
da constituição russa. Menciona os problemas existentes na fronteira entre a
União Soviética e a Polônia e posiciona-se claramente ao lado daquele país e de
Stalin, ao considerar possível reunir as diferentes etnias russas numa mesma
direção política. Para Keller, a União Soviética prepara-se para um longo
período de paz. Keller cita o discurso de Stalin em que ele declara que o objetivo
dos aliados não é a destruição da Alemanha, o que seria não só impossível como
pouco desejável para o futuro, mas a destruição do nazismo, do exército de
Hitler e de seus dirigentes. A batalha de Stalingrado está no fim, o exército
alemão perde seu ímpeto. A União Soviética está no auge de sua força. A
propaganda soviética exorta soldados e trabalhadores alemães a desistirem da
luta, a voltarem a suas próprias fronteiras, a aderirem ao socialismo da União
Soviética. Keller alude ao “Comitê Alemanha Livre” criado naquele país para,
através da propaganda política, alcançar e desestabilizar o exército alemão.
Diante da falta de reação por parte dos alemães, Keller prevê que, para destruir
o nazismo, é preciso destruir a Alemanha. Pelo exposto, verifica-se que, nestes
55
ensaios, Keller revela-se um adversário do nazismo, mas já se notam também
suas primeiras preocupações com o destino da Alemanha no pós-guerra.
No boletim no 5, é apresentada uma tradução livre do ensaio “Regímen”
do autor português Guerra Junqueiro com o título em alemão “Der
Faschismus”. Keller faz suas as palavras do velho escritor português, cuja obra
mostra conhecer, e, em vez de se referir a Portugal, retrata a Alemanha,
salientando que o poder ditatorial é pernicioso em todas as épocas e em todos
lugares.
O boletim no 6 não consta da coletânea nem do arquivo, não havendo
notícias sobre sua localização.
O boletim nº 7 data de fins de 1944, quando deve ter-se tornado cada vez
mais problemático editar um impresso em língua alemã. Neste boletim há a
transcrição do Manifesto do Comitê para uma Alemanha Democrática elaborado
e publicado em Nova York, assinado não só por exilados alemães nos USA, mas
também por escritores e pessoas de prestígio da sociedade norte-americana.
No boletim nº 8, de maio de 1945, deparei-me com o ensaio “Alemães
antifascistas no Brasil”. Trata-se da resposta a um artigo publicado no Diário de
notícias de 30 de setembro de 1943 no Rio de Janeiro, em que é criticada a
criação do “Comitê dos Alemães Livres” em Moscou. O autor do artigo do jornal
considera que não há, nem dentro nem fora da Alemanha, uma oposição
antinazista organizada, excetuando-se algumas reações individuais, e que os
antinazistas do “comitê” não passam de oportunistas que se agrupam
tardiamente, prevendo a próxima derrota da Alemanha. Keller polemiza,
lembrando que há sim uma forte oposição ao nazismo no Brasil, mas a proibição
de qualquer atividade política para estrangeiros, o enquadramento de todos os
alemães na categoria de estrangeiros inimigos e a falta de apoio do exterior não
permitem uma repercussão maior dos movimentos antifascistas no país. A
perseguição aos alemães e a seus descendentes, durante o período da guerra, é
severa, implica no confisco de bens, em prisões e violências. É, contudo, curioso
observar que, nos primeiros anos do exílio, Keller também mostra a mesma
atitude que, agora, critica nos brasileiros, ao considerar todos os alemães
residentes no Brasil como simpatizantes do nazismo. Só a partir de 1943, Willy
Keller começa a admitir a existência de uma oposição antinazista entre os
56
alemães e seus descendentes no Brasil e preocupa-se, então, em fazer justiça a
esses grupos e em defendê-los.
No boletim nº 9, de 1 de junho de 1945, Keller apresenta um ensaio
sarcástico com o título “Os campos de concentração e a moral internacional”,
em que ao comentar que o mundo descobriu enfim a existência dos campos de
concentração, Keller refere-se à hipocrisia com que o mundo negocia com o
Terceiro Reich, mantém relações diplomáticas com os países fascistas e não
toma nota dos desmandos e atrocidades cometidas contra minorias e contra o
operariado. Este mesmo boletim apresenta ainda o artigo intitulado “Pode um
povo ser culpado da guerra” assinado por “um jurista”. O texto faz uma defesa
do povo alemão, baseada em conceitos jurídicos, mostrando que as atenções de
Keller, como editor, continuam focalizadas na Alemanha. O número 9 inclui um
trecho de um texto de Engels em alemão, traduzido para o português por Keller.
O boletim nº 10, de 10 de julho de 1945 oferece o ensaio “O ressurgimento
das organizações trabalhistas na Alemanha”, em que Keller discorre sobre a
autorização dada pelo marechal Zhukov, para o funcionamento de sindicatos e
uniões livres na Alemanha, na zona de ocupação soviética. Louva o “realismo”
soviético, ao mesmo tempo em que teme uma volta a um passado histórico,
considerando que o futuro da Alemanha só pode existir dentro do socialismo, e
que esta nova ordem deve surgir do seio do povo. Terminando o ensaio Keller
faz um apelo em língua portuguesa, à página 2:
Saudamos os operários alemães, saudamos os operários da Europa e
do mundo. Confiamos em que os vínculos fraternais que uniam as
organizações trabalhistas em toda parte do mundo sejam novamente
entrelaçados para o bem de todos os homens conscientes de seus
deveres para com a humanidade.
É mister observar que Keller designa a si próprio, várias vezes, como
socialista, adepto do materialismo histórico, afirma sua posição à esquerda do
comunismo. Condena energicamente a guerra e os nacionalismos. Sua
esperança está no socialismo, sendo, por isso um marxista, não um comunista.
Neste boletim há uma poesia de Carlos Drummond de Andrade, traduzida para
o alemão por Keller, com o título de “Nach dem Fall von Barcelona” (=Após a
queda de Barcelona).
57
O boletim nº 11, de 5 de setembro de 1945, traz o ensaio “Der englischen
Arbeiterpartei zum Gruß” (=Saudando o Partido Trabalhista Inglês). Trata-se
de um texto assinado pela Associação de Emergência dos Antifascistas alemães,
mas o estilo é de Keller. Nele, são festejados “dois acontecimentos de
importância: o fim da 2ª Guerra Mundial e a vitória do Partido Trabalhista nas
eleições inglesas. O texto termina com o voto de que trabalhadores ingleses e
alemãe possam voltar a retomar brevemente suas relações internacionais. No
mesmo boletim encontramos ainda outro ensaio: “Am Rande der Zeit” (=No
limiar do tempo), em que Keller avalia os dois golpes pesados sofridos pelos
antifascistas alemães nos últimos doze anos: o fim da República de Weimar com
a conseqüente ascensão do nazismo e o fato do Terceiro Reich não ter sido
derrubado por um golpe revolucionário. Na Alemanha repete-se unicamente o
que acontece em outros países europeus como a Grécia, a Itália, a França, onde
os movimentos de resistência interna não podem provocar uma reviravolta
revolucionária. Somente a vitória aliada leva a uma mudança do poder político,
mas, aqui, não há uma revolução e sim a restauração de um estado anterior.
Keller faz referência à conferência de Potsdam e às duras condições impostas à
Alemanha derrotada. Pondera que, para os antifascistas alemães, a destruição
do militarismo prussiano e do poder político dos barões da indústria e dos
latifundiários é condição para a criação de uma república socialista alemã, livre
dos males do passado. Concita os homens levados pelo senso histórico e pelo
seu amor à humanidade a trabalhar para uma frente internacional de
compreensão que permita construir um mundo em que os seres humanos
possam viver dignamente como tais. A partir do número 11, até o último boletim
- o número 17, isto é, de 1945 até 1947, os boletins voltam a ser redigidos em
alemão, segundo Keller, a pedido de seus leitores.
No boletim nº12, de 15 dezembro de 1945, Keller tece considerações a
respeito de seu próprio boletim. Informa que nessa data a distribuição chega a
500 exemplares com uma média de sete páginas por exemplar, ou seja, um
montante de 3.500 folhas impressas. A respeito do INFA (informativo para a
imprensa brasileira), Keller esclarece que são distribuídos cerca de 200
exemplares, com uma média de três a quatro páginas, somando mais de 800
folhas, num total, portanto, de cerca de 4.300 folhas impressas. Além do esforço
envolvido na redação e impressão dos boletins existe também o aspecto
58
financeiro. Keller menciona que o boletim recebe a ajuda de simpatizantes, mas
que é essencialmente sustentado por um grupo de amigos do Rio de Janeiro e de
São Paulo. Keller faz finalmente um apelo “aos amigos” para que enviem
contribuições que sustentem a sobrevivência do boletim. Alude também à
legalização do grupo de amigos junto às autoridades brasileiras, o que sugere
que Keller realmente pensa em exercer algum tipo de atividade política no pósguerra. É preciso lembrar também que em 1943, quando Keller começa a editar
seu boletim, o Brasil já se encontra de relações rompidas com a Alemanha, a
língua alemã está proibida de fato e não é permitido a estrangeiros organizar
partidos políticos. Distribuir um impresso em língua alemã é com certeza uma
atitude desafiadora. Neste mesmo boletim, Keller publica “Rückblick Ausblick”
(=Olhando paras trás, olhando para a frente) e a tradução do“Soneto” (=Sonett)
de Tobias Barreto. O boletim comemora os dois anos de sua publicação. Keller
menciona, aqui, um grupo anônimo, constituído por pessoas unidas por laços de
amizade que, em 1933, por ocasião da ascensão ao poder do nazismo, decide dar
combate à ditadura e servir à liberdade e à justiça social. Relembra as relações
com organizações antifascistas em toda América do Sul e as relações antigas nos
Estados Unidos e na Inglaterra. Elogia a organização Das andere Deutschland
(=A outra Alemanha) de Buenos Aires, liderada por August Siemsen, como um
grupo capaz de representar da melhor forma os antifascistas da América do Sul.
Essa organização mantém uma publicação que, pelo menos durante um certo
período, chega ao Brasil. Quando as comunicações se tornam mais precárias,
Keller acha, então, necessário editar seu próprio boletim informativo. Lamenta
que o envelhecimento dos imigrantes mais antigos e a falta de interesse político
da juventude tornem o trabalho político sempre mais difícil. Conclui, dizendo
esperar que o elevado ideal de libertar a humanidade da guerra, da fome e da
falta de trabalho leve mais pessoas a se juntarem ao seu grupo e a vencerem ou a
caírem com ele.
No boletim nº 13, de 27 de fevereiro de 1946, tem-se acesso ao ensaio
“Furor Teutonicus”. Trata-se, aqui, de um protesto contra o plano dos aliados de
transformar
a
Alemanha
num
país
agrícola,
destruindo
todos
os
empreendimentos comerciais e industriais. Keller denuncia a exploração da
fragilidade momentânea do povo alemão, afirmando que o plano, um plano de
destruição do país, só será implantado, porque manipula o sentimento de culpa
59
coletiva dos alemães. Keller rechaça essa idéia da culpa coletiva que, segundo
ele, só serve para deixar que fiquem no anonimato os reais responsáveis pela
guerra. Atribui a passividade dos alemães diante desse plano a uma mórbida
tendência do povo alemão para destruir a própria vida e a vida em geral. Keller
recorda que, em 1918, a revolução socialista na Alemanha é abortada e que a
destruição das fontes de produção, agora em 1946, só pode levar a classe
operária à total miséria. Keller apela para que o poder seja entregue aos
sindicatos, para que o operariado assuma todos os empreendimentos comerciais
e industriais e para que seja instaurada a ordem socialista. Conclui, dizendo que
deverá soprar na Europa o novo vento de uma união fraterna das classes
operárias. Este boletim é dedicado ao centenário de nascimento do político,
jornalista e escritor Franz Mehring (1846-1919). Contém duas poesias de Solano
Trindade, traduzidas para o alemão por Keller: “Meu canto de guerra” e “O
canto do trabalhador”.
O boletim seguinte sem número - uma edição especial - datado de maio
de 1946, é dedicado inteiramente ao 1º de maio e igualmente redigido em
alemão.
Nele
Keller
publica
o
artigo
“Notwendige
Betrachtungen”
(=Considerações necessárias), em que relembra as origens do 1º de maio,
lamenta o retrocesso da humanidade ao sucumbir a duas guerras mundiais.
Pondera que o ser humano, infelizmente, aprecia as amenidades do capitalismo,
embora anseie por uma ordem mais estável. Aprecia a revolução russa, porque,
segundo ele, desperta enormes esperanças. Todavia, Keller faz uma pergunta
crucial: será que a União Soviética é, de fato, um estado socialista? E Keller
reflete que, sendo objetivo máximo do socialismo a sociedade sem classes, o que
implica também na eliminação do estado que nada mais é do que um órgão da
sociedade de classes, a União Soviética, enquanto estado socialista, entrará
inevitavelmente em confronto com os estados capitalistas. Se a União Soviética,
porém, simplesmente submete ao estado os monopólios e os bancos, a
centralização do poder econômico e político em um só órgão significa um estado
extremamente forte e um concorrente imbatível dos estados capitalistas. O
operariado, então, nada deve esperar da União Soviética nessas circunstâncias.
Keller acha injustas as punições impostas aos países europeus derrotados, à
Itália e à Alemanha, porque são castigos imputados aos povos, aos operários
desses países. Termina desejando a criação da união livre, internacional,
60
independente dos socialistas, a vitória definitiva do reino da liberdade, da
justiça social e da igualdade, a mesma descrita por Marx e Engels em suas obras.
No boletim nº 15, de julho de 1946, Keller escreve o artigo “Offener Brief
an einen Genossen” (=Carta aberta a um companheiro), em que se define como
socialista e internacionalista. Declara que o seu combate ao nazismo não deve
ser entendido como uma tentativa de divisão das esquerdas alemãs, embora ele
seja contrário aos partidos que trabalham como se fossem meros órgãos
técnicos. Não aceita um partido que exija obediência cega de seus membros, um
partido que admita que “o socialismo possa crescer pacificamente dentro da
ordem capitalista”. Keller manifesta sua clara opção pelo SPD, o Partido Social
Democrata Alemão, que considera suficientemente elástico para abrigar as
massas operárias e a burguesia mais progressista. No mesmo boletim há ainda o
ensaio “Wirkungsvoller als die Atombombe” (=Mais eficiente que a bomba
atômica), em que Keller explica que mais poderosas que a bomba atômica, são
as decisões políticas a serem tomadas pelas Nações Unidas por um lado e, por
outro, pela União Soviética. A organização política da zona de ocupação
soviética na Alemanha já foi iniciada. É, na verdade, uma intervenção que está
longe de trazer ordem ou justiça ao povo alemão, mas pelo menos estabelece
normas que permitem ao cidadão orientar sua vida pessoal e profissional,
enquanto que a política sem objetivos, adotada nas demais zonas de ocupação,
em nada beneficia a população. O elogio ao que chama de política criativa e
pouco ortodoxa da União Soviética é evidente. Keller termina o texto, aludindo a
uma reunião secreta entre líderes de partidos comunistas onde, supostamente,
se articula um acordo para atenuar as reparações exigidas da Alemanha. Prevêse a não separação das regiões do Reno e do Ruhr do território alemão e a
revisão das fronteiras do leste, com a devolução dos territórios anexados à
Polônia. Acredita Keller que, no dia em que a União Soviética se decidir a
realizar esse programa, ela terá ao seu lado toda a nação alemã, e o poder das
potências ocidentais na Europa ficaria, assim, definitivamente quebrado. Neste
mesmo boletim, Keller exorta os companheiros a filiarem-se ao SPD, o Partido
Socialdemocrata e propõe-se a lutar na ala esquerda do partido, esperando que
este seja suficientemente flexível para abrigar, não só o operariado, mas
também a burguesia progressista, que se encontra desligada, em definitivo, do
capitalismo.
61
No boletim no 16, de outubro de 1946, Keller oferece o ensaio intitulado
“Ein Irrtum und seine Berichtigung” (=Um engano e sua correção). Trata-se de
uma resposta às reações provocadas pela “Carta aberta a um companheiro”
publicada no número anterior, em que Keller exorta todos os antinazistas, ainda
residentes no Brasil, a aderir à ala esquerda do SPD. Para surpresa de Keller,
muitos dos imigrantes procuram posições na nova ala proposta, mas como
funcionários. A direção do SPD em Hannover manda uma carta assinada pelo
companheiro Sanders, exilado em Londres, estabelecendo regras não
consoantes com os ideais de Keller. Por detrás dessa atitude do partido, há que
levar também em consideração o fato referente à não aceitação de August
Siemsen, líder do grupo antifascista de Buenos-Aires e amigo de Keller. Por
solidariedade, Keller volta atrás e desiste de sua filiação ao partido. Aí, Keller
conclui que partidos e organizações acabam como instrumentos dos
mandatários políticos e considera que é preferível auferir da vantagem de ser
responsável por seus atos a ser um mero instrumento. A partir deste momento,
Keller desiste de qualquer atividade política dentro de uma organização ou
partido.
No último boletim, nº 17, de março de 1947, Keller apresenta o texto
“Europäischer Gedanke und Reaktion” (=Pensamento e reação europeus). Neste
artigo, o autor analisa relações possíveis entre as guerras, discorre sobre o
conceito de autodeterminação dos povos que, estranhamente, só parece válido
para as nações aliadas, não levando em conta a fragmentação a que se vêem
submetidas várias nações da Europa depois da guerra. Outro conceito abordado
por Keller é o da “federação/união européia”. Entretanto, segundo ele, tal
conceito, bom em si mesmo, torna-se suspeito ao receber o apoio de antigos
inimigos, tais como Churchill que, através dele, pretende garantir a hegemonia
do Império Britânico em decadência, e os neonazistas que vêem nele um meio
de voltar ao poder e de satisfazerem seus ódios e ambições. Estrategicamente,
escolhem um inimigo comum - a União Soviética - e falam de uma terceira
Guerra Mundial, travada naturalmente em terras européias, para consolidar
essa união. Keller é de opinião que deve haver, sim, união, mas que a nova
Europa não deve ser construída sobre velhos preconceitos, não deve ser uma
democracia formal, escondendo contradições capitalistas. Deve ser, sim, uma
organização socialista de operários e camponeses, abrangendo todos os povos,
62
para trazer paz à humanidade. Após o fracasso da idéia que o levara a querer
filiar-se ao que chama “a ala esquerda da SPD”, Keller desiste em definitivo de
qualquer atividade política. Passa a ocupar-se com atividades humanitárias,
organizando remessas de auxílios aos antifascistas europeus e aos libertos dos
campos de concentração. Neste último boletim, há uma longa lista de pessoas e
organizações européias às quais a Associação de Keller presta auxílio.
A leitura dos ensaios de Keller permite algumas conclusões sobre sua face
ideológica: é um homem socialista, adepto do materialismo histórico, um
crítico, atento dos movimentos políticos e partidários. Tem esperanças na União
Soviética como defensora de um socialismo democrático, mas a partir de 1946
questiona essa esperança. Espera, porém, que a União Soviética evite que os
operários dos países vencidos sejam onerados pelas pesadas penas a eles
impostas. Recusa-se a obedecer a qualquer coisa sem a prerrogativa da
discussão. Keller é um ser humano radical, um homem que respeita a sua
inteligência e a sua sensibilidade acima de tudo.
Quem seriam os colaboradores e quem seriam os leitores do boletim de
Keller? Uma parte da resposta à primeira pergunta pode ser encontrada na
rubrica Notícias. São artigos não só de jornais e revistas estrangeiros, como Em
guarda de Washington, Time, Free world, Fortune, Aufbau e The nation de
Nova York, Chicago sun, The american mercury, A voz de Lisboa, Die Zeitung
de Londres, o próprio Völkischer Beobachter - órgão oficial do Partido Nazista-,
mas também de jornais nacionais como Diário da Tarde de Curitiba, Folha
Carioca, A Noite e O Globo do Rio de Janeiro. Em muitas das notícias não há
indicação da fonte. Até o fim da guerra, em 1945, são freqüentes as informações
sobre o conflito: o racionamento de alimentos na Alemanha; a reconstrução de
Londres iniciada no ano de 1944, atrocidades nazistas na Holanda, os cuidados
que os russos prestam aos seus feridos, crueldades cometidas pela SS, corpo de
elite e guarda pessoal de Hitler, na Alemanha; um artigo em memória de Hans e
Sophie Scholl executados na Alemanha por sua oposição ao nazismo; uma
estatística sobre a quantidade de bombas jogadas sobre cidades alemãs;
expectativas sobre o futuro da Alemanha e da Europa; um comentário sobre a
situação dos prisioneiros políticos na Espanha; o desânimo e a tristeza que reina
na Alemanha arrasada.
63
Durante o período da guerra o acesso a jornais e revistas estrangeiras é
extremamente difícil, a comunicação não só é precária dentro do próprio Brasil,
mas também com o exterior, sem contar os empecilhos criados pela censura
brasileira. A habilidade de Keller em conseguir informações é digna de nota. É
certo que Keller dispõe de uma ampla rede de contatos tanto com pessoas como
com organizações, no Brasil e no exterior, sobretudo na Argentina e no México,
mas também na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Após 1945, surgem as primeiras notícias sobre os campos de
concentração,
a
situação
dos
prisioneiros
libertados
dos
campos,
a
administração aliada na Alemanha, mas também informações sobre atividades
culturais, notas sobre refugiados que voltam a assumir postos administrativos e
políticos, notícias sobre nazistas que tentam voltar a ocupar cargos na economia
e na administração.
Além dos refugiados e dos exilados vivendo em outros países da América,
Keller conta com leitores entre os alemães e seus descendentes espalhados pelo
Brasil, especialmente nos estados do sul.
Os boletins mostram também que Keller reavalia algumas de suas
posições. Se começa considerando todos os imigrantes antigos e seus
descendentes como simpatizantes do nazismo, sua opinião modifica-se no
decorrer dos anos. Keller passa a insistir na existência de “outros alemães”, de
uma “outra Alemanha”. Ao final da guerra, Keller recusa energicamente a noção
da “culpa coletiva” do povo alemão, mostra-se um patriota preocupado com o
destino do seu país.
Se em diversas ocasiões, Keller demonstra sua admiração pela União
Soviética, e sobretudo, sua confiança no país enquanto patrocinador de um
socialismo democrático, essa posição é questionada no pós-guerra.
Em todos os boletins há ensaios de Keller, ilustrando suas idéias e sua
cosmovisão.
Teatro em língua alemã
64
Keller dedica os dez primeiros anos de sua vida no Brasil, de 1935 até o
início de 1946, a duas atividades principais: ao combate ao fascismo e ao
aprendizado da língua portuguesa. A primeira deixa duas frustrações amargas: a
pouca ressonância junto à colônia de língua alemã e seus descendentes no Brasil
e, no pós-guerra, a falta de reconhecimento dessa atividade na Alemanha
libertada.
Graças ao aprendizado da língua portuguesa, no entanto, Keller tem
acesso à atividade teatral brasileira, atividade esta que lhe é extremamente
gratificante. Keller passa a dirigir peças de teatro, participa da criação de grupos
teatrais profissionais e amadores, trabalha até como professor de arte
dramática.
Keller começa, porém, por um tipo de teatro pouco investigado no Brasil,
pelo chamado teatro alemão. Trata-se de um teatro produzido em língua alemã
e destinado ao reduzido público também de língua alemã no Brasil. Assim, as
peças encenadas, procedentes de várias literaturas, inclusive da brasileira, são
apresentadas em alemão para um público composto, num primeiro instante, por
simpatizantes do nazismo e nazistas e, num segundo momento, após 1945,
sobretudo, por judeus exilados. Seu objetivo iminente é o entretenimento.
Fritz Pohle, em Emigrationstheater in Südamerika. Abseits der “Freien
Deutschen Bühne” Buenos Aires (=Teatro de imigrantes na América do Sul. À
margem do “teatro alemão livre” Buenos Aires), de 1989, faz uma análise do
teatro em língua alemã produzido na América do Sul por diversos grupos de
exilados, excetuando o grupo mais importante - o de Buenos Aires -, objeto de
estudo de outras obras.
O capítulo dedicado ao Brasil consta de três textos. O primeiro, com o
título de “Exiltheater in Rio de Janeiro” (=Teatro de exílio no Rio de Janeiro) é
da
autoria
de
Willy
Keller.
O
segundo,
“Freies
Europäisches
Künstlertheater/Kammerspiele” (=Teatro de Artistas Europeu Livre /Teatro de
Câmara) é de autoria de Fritz Pohle e enumera as peças representadas pelo
grupo. O terceiro texto, novamente de autoria de Pohle, traz o título de “Estado
Novo und deutschsprachiges Emigrationstheater” (=Estado Novo e Teatro de
Emigração em Língua Alemã) e investiga os problemas encontrados para se
fazer um teatro em língua alemã no Brasil de Vargas. Estes textos, bem como as
65
referências de Keller ao seu trabalho no âmbito do teatro em língua alemã, seja
em cartas ou em artigos de sua autoria, embasam o presente capítulo.
As primeiras tentativas de fazer um teatro em língua alemã no Brasil
devem-se a Karl von Lustig-Prean, antigo diretor da Ópera Popular de Viena e
inimigo político de Keller que, no capítulo “Exiltheater in Rio de Janeiro” do
livro Emigrationstheater in Südamerika, de 1989,
narra as dificuldades
encontradas para se fazer representar uma peça em alemão no país. A primeira
dificuldade recai sobre a escolha da peça, pois é necessário que esta ainda não
tenha entrado no índex do governo alemão. A segunda dificuldade diz respeito
ao aluguel do espaço físico, normalmente uma casa particular. A casa não pode
pertencer a judeus. A terceira dificuldade encontra-se no recrutamento dos
atores: eles também não podem ser judeus. E, por último, não é permitida a
presença de judeus entre o público. Ou seja, o chamado teatro alemão acaba
sendo feito, numa primeira fase, só para nazistas ou para seus simpatizantes; a
grande maioria dos exilados fica marginalizada.
Assim, é somente após 1945 que o teatro em língua alemã pode se
expandir no Brasil.
Em 1946, é fundado no Rio de Janeiro o grupo teatral “Freies
Europäisches Künstlertheater” do qual participam Willy Keller, o ator Werner
Hammer e Wolfgang Hoffmannn-Harnisch e seu filho Wolf Harnisch. O grupo é
constituído de pessoas de origens diferentes, de austríacos, suíços, tchecos,
noruegueses, alemães judeus e não judeus, unidos pelo interesse na língua
alemã.
Este grupo teatral funciona como uma sociedade financiada pela venda de
ingressos, portanto, numa situação precária. Em geral, não ocorrem mais de
duas encenações de cada peça. São inúmeras as despesas a serem cobertas:
aluguel, propaganda, direitos autorais, decorações, pagamento de operários. A
Embaixada Alemã chega a contribuir com uma modesta soma, mas são os
integrantes que arcam com a maior parte dos custos.
Em 1948, Willy Keller encena para o grupo em pauta a peça de Joracy
Camargo Deus lhe pague, traduzida por ele próprio com o título de Vergelt’s
Gott para o programa. No entanto, curiosamente, no texto o título é
Bettlerkomödie, ou seja, comédia de mendigos. A segunda peça encenada por
Keller, em 1949, é A portas fechadas de Jean-Paul Sartre, o que, segundo Keller,
66
é a primeira apresentação de uma peça de Sarte no Brasil. A encenação é um
sucesso com três representações.
O grupo encena cerca de quarenta peças, entre elas Rotkäpchen und der
böse Dr.Wolf (=Chapéuzinho Vermelho e o malvado Dr. Lobo), peça de autoria
de Keller. Há preocupação em oferecer ao público peças de boa qualidade, sem
desprezar, como coloca Keller, o teatro enquanto diversão. Duas são as peças de
autores brasileiros encenadas pelo grupo: além da já mencionada comédia de
Joracy Camargo, a peça de Paschoal Carlos Magno intitulada em alemão
Morgen ist es anders (=Amanhã é diferente). Não há referências ao tradutor.
Em 1948, Keller e Werner Hammer rompem com Hoffmann-Harnisch
por razões sobretudo políticas: como mencionado antes, Keller quer um teatro
que enfatize a crítica social, ao mesmo tempo em que considera que um teatro
produzido por imigrantes para imigrantes não pode ignorar simplesmente os
acontecimentos entre 1933 e 1945.
Keller continua, então, até 1957 com seu próprio grupo, que herda o
antigo nome de “Freies Europäisches Künstlertheater” até 1950, quando é
substituído por “Kammerspiele: Teatro Independente Europeu”.
Hoffmann-Harnisch vê no teatro um meio de divulgar a cultura alemã,
encenando clássicos. Procura um público mais amplo. Chega a fazer teatro
bilíngüe, isto é, faz apresentar, no começo do espetáculo, um resumo da peça
que, depois, é representada em alemão e levada em “tournée” pelo sul do Brasil,
com o apoio dos governadores de estado. Isto leva Pohle a interpretar a postura
de Hoffmann-Harnisch como um distanciamento dos objetivos do teatro alemão
no Brasil, como uma aproximação, um reconhecimento, dos nacionalistas, ou
seja, dos antigos nazistas. Em 1951, tanto Hoffmann-Harnisch quanto seu filho
voltam à Alemanha.
Keller também está preocupado com a falta de um público maior para o
teatro em língua alemã: além de ser em si reduzido, existem diferenças
ideológicas profundas entre esse público. Para Keller há que considerar
igualmente o envelhecimento, a falta de renovação desse público. Além disso, há
a considerar que os imigrantes e seus descendentes já dominam a língua
portuguesa e estão integrados na vida cultural do país.
A última peça por ele encenada é Die Freier (=Os pretendentes) de
Joseph von Eichendorf, em comemoração do centenário da morte do autor.
67
Em 11 de outubro de 1962, o jornal Deutsche Nachrichten, publicado em
São Paulo em língua alemã, registra a encenação da peça As mãos de Eurídice
em tradução alemã de Keller, no auditório da Pró Arte, mas sob a direção de
Wolfgang Haller. O espetáculo alcança grande sucesso.
Apesar do seu empenho em produzir um teatro em língua alemã, Keller
consegue, aos poucos, transferir o seu trabalho para o teatro brasileiro, quer
com grupos amadores quer com grupos profissionais, dá aulas de arte
dramática, escreve para jornais e revistas.
Entre essas múltiplas atividades está a participação de Keller no “Teatro
Experimental do Negro”. Nas suas próprias palavras:
Depois seguiu-se uma fase da minha carreira teatral que não conduziu
a nenhum objetivo, mas que considero importante. Em 1946 associeime ao Teatro do Negro fundado por Abdias do Nascimento[...] A
partir daí pertenci ao teatro brasileiro como um ‘outsider’, assim como
também só pertenci ao teatro alemão como ‘outsider’.10
O Teatro Experimental do Negro
O Teatro Experimental do Negro é um fenômeno artístico brasileiro
relativamente pouco conhecido. Todavia, o número de obras que trata do
assunto não é inexpressivo. Em 1961, surge o livro organizado por Abdias do
Nascimento, Dramas para negros e prólogos para brancos; em 1966, Tomás
Efrain Bó publica Teatro Experimental do Negro. Testemunhos; em 1978
Abdias do Nascimento traz a lume O genocídio do negro brasileiro; em 1983,
Ricardo Gaspar Müller apresenta à Universidade Federal de Minas Gerais a
dissertação de Mestrado O teatro experimental do negro; e em 1995, Leda
Maria Martins apresenta A cena em sombras.
Com base na leitura desses textos e de posse de dados colhidos nos
arquivos da biblioteca do Instituto Hans Staden em São Paulo, no arquivo sobre
a literatura no exílio da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, no arquivo
particular de Elvira Heydemann, cunhada de Wilhelm Keller, em Valinhos, em
10
Pohle, p.41.
68
currículos e ensaios do próprio tradutor, redigiu-se este capítulo, a fim de se
recuperar o trabalho de Keller junto a este grupo e a deixar mais clara a sua
inserção na cultura brasileira. Significativa é também a foto de Abdias do
Nascimento, Ruth de Souza, Aguinaldo Camargo, Willy Keller, Zélia e Maria de
Lourdes Medeiros e da Princesa Teresa de Orleans e Bragança, apresentada no
livro Exil in Brasilien, organizado por Klaus-Dieter Lehmann e publicado pela
editora Die Deutsche Bibliothek em Frankfurt a.M., em 1994, especialmente
editado para uma exposição sobre a emigração dos intelectuais de língua alemã
no Brasil entre 1933 e 1945, e que fornece a primeira pista sobre a participação
de Keller no Teatro Experimental do Negro - TEN.
Keller atua junto ao Teatro Experimental do Negro desde 1946, por
indicação do diplomata e autor Paschoal Carlos Magno, laureado com o prêmio
da Academia Brasileira de Letras pela sua peça Pierrot e fundador da Casa do
Estudante do Brasil em 1929 e do Teatro do Estudante em 1938.
Pelo livro Teatro Experimental do Negro sabe-se que Abdias do
Nascimento, seu fundador, nasce em 1914, em Franca, estado de São Paulo. Sua
mãe é costureira e seu pai sapateiro. Forma-se em economia e exerce várias
profissões: repórter, contador, gerente de banco. Em 1941, numa viagem a Lima,
Abdias do Nascimento assiste à representação do Imperador Jones de O'Neill,
onde o negro Brutus Jones é representado por um ator branco. Nasce ali a idéia
de um teatro negro para o Brasil.
O TEN visa criar um espaço para o dramaturgo, o diretor e o ator
negros. Faz parte, porém, de um projeto mais amplo de divulgação e valorização
da cultura negra, e pretende também tomar iniciativas políticas que tenham
uma repercussão prática. Em um discurso pronunciado na Associação Brasileira
de Imprensa (ABI), em 1949, por ocasião da Conferência Nacional do Negro, e
depois publicado no livro Dramas para negros e prólogos para brancos, na
página 15, Abdias do Nascimento fala assim do Teatro do Negro: “O Teatro
Experimental do Negro pertence à ordem dos meios. Ele é um campo de
polarização psicológica, onde se está formando o núcleo de um movimento
social de vastas proporções.”
Entre os eventos efetivamente organizados com estes objetivos mais
amplos estão a Convenção Nacional do Negro de 1945 em São Paulo, a
Conferência Nacional do Negro maio de 1949, realizada na Associação Brasileira
69
de Imprensa no Rio de Janeiro, tendo como organizadores Edison Carneiro,
Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos, contando com a participação do
representante da ONU no Brasil e o lº Congresso do Negro Brasileiro, realizado
de 26 de agosto a 4 de setembro de 1950, também na Associação Brasileira de
Imprensa no Rio de Janeiro.
Segundo um artigo de Abdias do Nascimento no Diário de Notícias do
Rio de Janeiro, de 11/06/1946, o Teatro Experimental do Negro participa em
dezembro de 1944 de uma realização do Teatro do Estudante no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. Trata-se da representação da peça Palmares. O 3º
ato tem o título de a "República dos Negros". Paschoal Carlos Magno quer que
Zumbi e também as personagens secundárias sejam interpretadas por negros.
No início das atividades do TEN, a União Nacional dos Estudantes cede
algumas salas ao grupo para desenvolvimento de suas atividades culturais e
educativas, como relata seu fundador Abdias do Nascimento no mesmo artigo.
Desentendimentos levam, porém, à expulsão do grupo do local. A atriz e
empresária teatral Bibi Ferreira oferece então, ao TEN, uma sala no Teatro
Fênix. Entretanto, também este local tem que ser abandonado, pois o dono
recusa-se a alugá-lo para este tipo de espetáculo. O prefeito do Rio oferece, em
seguida, um prédio desocupado, o Pavilhão Mourisco, mas o presidente do
Clube Botafogo impede a cessão do local. O preconceito e a falta de apoio oficial
sempre se fazem sentir.
Num artigo sem assinatura, publicado no jornal O Globo de 17 de outubro
de 1944, sob a rubrica “Ecos e Comentários”, a iniciativa do TEN aparece
comentada. O artigo começa por negar a necessidade de um teatro negro,
considerando que, mesmo no tempo da escravidão, os negros eram bem
tratados e que as torturas e maus tratos não passavam de exceções. Diz o artigo
que “sem preconceitos, sem estigmas, misturados e em fusão nos cadinhos de
todos os sangues, estamos construindo a nacionalidade e afirmando a raça de
amanhã.”
Apesar das dificuldades, o grupo consegue estrear em 8 de maio de 1945
no Teatro Municipal do Rio, com a peça O Imperador Jones de Eugene O'Neill.
A peça conta a história de um negro que se arvora em imperador de um grupo
de negros, explorando-os e maltratando-os. Os negros revoltam-se e Brutus
Jones foge pela floresta em busca do litoral, onde espera salvar-se. A peça
70
reproduz essencialmente seu monólogo durante a fuga, atormentado pelo medo
e pela própria consciência. O negro Jones é interpretado por Aguinaldo de
Camargo, os cenários são do pintor italiano Enrico Bianco, que vem ao Brasil
em 1937. A data da estréia coincide com a vitória aliada sobre as forças do
fascismo, o que atrapalha um pouco o espetáculo, pois nas ruas a multidão
festeja a vitória com danças e desfiles, soltando foguetes e cantando. O acesso ao
teatro é dificultado e o barulho interfere no espetáculo. A respeito desta estréia
Henrique Pongetti escreve no capítulo “Brancos e Negros”, o seguinte: “Lá fora
os buscapés, as bombas, as girândolas e os chuveiros de prata espoucavam
botando barulho de guerra nos sambas comemorativos da paz.”
A peça O imperador Jones é representada uma única vez no Teatro
Municipal do Rio, e sem que o grupo tenha a possibilidade de fazer antes um
ensaio geral, já que o teatro se encontra ocupado por um grupo de amadores
formado por gente da sociedade. Depois dessa única apresentação, o TEN fica
sem local de trabalho, como assinala Henrique Pongetti em O Globo de
10/05/1945: “O Teatro Experimental do Negro está agora sem casa para
prosseguir.”
Em sua dissertação de mestrado O Teatro Experimental do Negro datada
de 1983, Ricardo Gaspar Müller faz a análise de algumas peças apresentadas
pelo grupo e fala da atividade política deste grupo de teatro. Na apresentação, o
autor menciona as dificuldades por ele enfrentadas para avaliar esta
experiência, em suas palavras, “[...] já tão recuada no tempo, tão esquecida e em
geral ausente dos registros correntes de nossa história intelectual e política.”
Müller faz menção a nove peças, levadas à cena pelo grupo, reunidas em uma
antologia organizada por Abdias do Nascimento com o título Dramas para
negros e prólogos para brancos, publicada no Rio de Janeiro, pelo próprio
TEN, em
1961. São elas: Auto da noiva de Rosário Fusco, peça escrita
especialmente para o TEN e datada de 1946; O filho pródigo de Lúcio Cardoso
escrita para o TEN em 1947 e encenada no mesmo ano; Anjo negro de Nelson
Rodrigues de 1946, mas encenada pelo TEN em 1948; Filhos de santo de José
de Morais Pinho, de 1948, encenada no mesmo ano; O emparedado de Tasso
Silveira de 1948; O castigo de Oxalá de Romeu Crusoé
escrita em 1952;
Sortilégio escrita por Abdias do Nascimento em 1951 e encenada em 1957;
71
Além do Rio de Agostinho Olavo e Aruanda de Joaquim Ribeiro - estas duas
peças sem outras referências.
Sete peças pertencem a autores negros: Rosário Fusco, José de Morais
Pinho, Tasso Silveira, Romeu Crusoé, Abdias do Nascimento, Agostinho Olavo e
Joaquim Ribeiro e duas a autores brancos: Lúcio Cardoso e Nelson Rodrigues.
Müller baseia seu estudo, de caráter sobretudo sociológico, na análise
textual das quatro
primeiras peças O castigo de Oxalá, Auto da noiva,
Sortilégio e O filho pródigo e dos eventos políticos da época.
O conflito nas peças dos autores negros analisadas por Gaspar Müller é
similar, girando em torno do encontro do homem negro com a mulher branca,
encontro que quase sempre acaba de maneira infeliz, terminando com a volta do
negro às suas origens, ao seu povo e à sua religião. Não há solução para o
problema do negro, a não ser a volta ao seu próprio grupo.
A peça de Lúcio Cardoso é considerada por Décio de Almeida Prado como
um "monumento de literatice" sem nenhum vínculo com a realidade do negro
ou com sua problemática.
As peças reunidas na antologia organizada por Abdias do Nascimento não
são, no entanto, as únicas apresentadas pelo TEN, cujo repertório é bem mais
amplo. Incluem-se, aí, a já citada peça de Eugene O'Neill O Imperador Jones
bem como O moleque sonhador e, ainda, Todos os filhos de Deus tem asas do
mesmo autor, esta encenada no Teatro Fênix, do Rio de Janeiro, em 1946. As
peças aludem sempre à união entre brancos e negros.
Em 1949, em discurso pronunciado na ABI, Abdias do Nascimento fala
em outras peças que o TEN pretende levar aos palcos: Calígula de Albert
Camus, O mulato de Langston Hughes, escritor e poeta negro americano que
viveu de 1902 a 1967, Dom Perlimplin e Belisa de Garcia Lorca e O caminho da
cruz de Henri Gheon, poeta francês, que viveu de 1875 a 1944.
O TEN acaba agraciado tanto por O'Neill como por Camus que desistem
de seus direitos autorais, para ajudar o grupo.
Tudo leva a crer que o TEN se dissolve aos poucos: não existe uma
atividade continua, as representações são cada vez mais espaçadas. O TEN não
consegue uma sede própria, não consegue contratar profissionais qualificados.
O preconceito e a falta de recursos acabam por inviabilizá-lo.
72
Em 1952, Abdias do Nascimento organiza uma outra companhia negra
que se apresenta na boate Acapulco e no Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, com
uma revista em dez quadros intitulada Rapsódia negra. A forma adotada, de
teatro de revista e a apresentação em uma casa noturna, sugerem a preocupação
em fazer um teatro talvez mais comercial, em arrecadar fundos para o grupo.
Em um artigo na revista O cruzeiro de 10 maio de 1953, de Clóvis Garcia,
intitulado O Imperador Jones, é mencionado o projeto do TEN de encenar a
peça de Augusto Boal O logro.
As informações recolhidas mostram que a atividade teatral do TEN
parece concentrar-se, sobretudo, nas décadas de quarenta e cinqüenta. Gaspar
Müller apresenta o ano de 1968 como o do encerramento da atuação do TEN.
Em 1978, ao fazer um retrospecto das atividades do TEN, em O genocídio
do negro brasileiro, Abdias do Nascimento refere-se, de forma genérica, às
dificuldades sofridas pela área cultural no Brasil a partir de 1964, sem referir-se,
porém, especificamente ao TEN.
Leda Maria Martins em A cena em sombras de 1995, faz uma comparação
entre o teatro do negro no Brasil e o teatro do negro nos Estados Unidos, bem
como aborda a situação do negro nas duas sociedades. A autora conclui na
página 83 que “as dificuldades financeiras, os problemas internos do próprio
grupo e os efeitos da Ditadura Militar em todas as atividades culturais e
artísticas aceleram o fim melancólico de uma experiência rica e singular no
contexto do teatro brasileiro.”
A participação de Willy Keller no grupo parece ter ficada limitada ao ano
de 1946 quando é indicado por Paschoal Carlos Magno.
Em uma entrevista ao jornal Resistência de 27/11/1946 e num artigo no
Diário Trabalhista de 11/12/1946, Abdias do Nascimento manifesta seu
entusiasmo pela colaboração de Keller, dizendo: “Doravante contamos com a
inestimável colaboração do eminente ensaiador alemão Willy Keller [...].”
E:
Willy Keller [...] , após largar o trabalho de um dia árduo, se dirige para
a Escola Nacional de Música, onde, de empregadas domésticas,
operários, pequenos funcionários públicos, vai modelando as vocações
que amanhã serão legítimos orgulhos dos nossos palcos. Possuidor de
uma paciência inesgotável, Keller transmite aos amadores negros lições
do mais alto valor para a arte de representar. Nunca se exalta. Sempre
calmo e bem humorado, sabe tornar os ensaios em algo interessante,
com dissertações eruditas em linguagem tão simples que os menos
instruídos entendem perfeitamente.
73
A foto atrás referida, em que figuram Zélia e Maria de Lourdes Medeiros,
Ruth de Souza, Teresa de Orleans e Bragança, Willy Keller e o fundador do
grupo Abdias do Nascimento foi tirada provavelmente em 1946, por ocasião do
2º aniversário do TEN, comemorado no Teatro Regina do Rio de Janeiro no dia
9 de dezembro de 1946, ocasião em que Willy Keller dirige O moleque sonhador
de Eugene O'Neill. A peça conta a história de um jovem negro, interpretado por
Abdias do Nascimento, que se torna bandido e comete um assassinato.
Perseguido pela polícia vai, assim mesmo, visitar a avó moribunda, Mammy
Saunders, interpretada por Ruth de Souza. Todavia, por causa de um incidente,
a peça tem que ser representada sem cenários. É Willy Keller quem salva a
encenação, levando os atores a imitar gestos como abrir portas, etc., sugerindo,
dessa forma todo o cenário ausente.
Tal inovação leva Ascendino Leite a comentar no capítulo “Moleque
sonhador”, da antologia Dramas para negros e prólogos para brancos, à
página 87, que o incidente teria arrastado a representação ao ridículo, não fosse
a capacidade criadora do dirigente. Keller ainda encena no TEN a 2ª cena do ato
V do Otelo de Shakespeare, em que contracenam Abdias do Nascimento como
Otelo e Cacilda Becker como Desdêmona. Trata-se da última cena do drama,
quando Otelo mata Desdêmona, convencido de sua traição.
Os festejos do aniversário do TEN são prestigiados por outros artistas e
grupos teatrais: Procópio Ferreira recita a poesia As mãos, Ziembinski e Maria
Della Costa participam de uma cena de A rainha morta, Aguinaldo Camargo
atua em O negro Damião, uma adaptação de Terras do Sem-Fim, de Jorge
Amado, Luiza Barreto Leite, artista e jornalista, fundadora do grupo "Os
Comediantes", declama o monólogo Mariana Pineda de Garcia Lorca, Olga
Navarro e Zimbienski atuam em uma cena de Desejo de O'Neill e Graça Mello e
Jackson de Souza se apresentam em O ladrão azarado do próprio Graça Mello.
Todo o espetáculo é acompanhado pela Orquestra Afro-Brasileira.
Em um discurso pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa em
maio de 1949, por ocasião da Conferência Nacional do Negro, Abdias do
Nascimento agradece a todos que, de alguma forma, colaboraram com o TEN,
entre eles a Willy Keller.
74
A participação no TEN é importante para Keller, pois é sua primeira
participação no teatro em língua portuguesa. O acesso de Keller ao TEN deve-se
provavelmente à fragilidade econômica e profissional do grupo. Se, por um lado,
o TEN não possui recursos financeiros para contratar profissionais, Keller
anseia, por outro lado, a qualquer custo por participar do teatro brasileiro.
Keller, como exilado, impedido de atuar em seu próprio país mostra também
uma sensibilidade especial para o drama do negro brasileiro, exilado em sua
própria terra.
Na década de 70, o TEN desaparece do cenário nacional. Nas palavras de
Leda Maria Martins à página 83: “O esforço de descentramento promovido pelo
TEN não sobreviveu ao aparato ideológico e às séries de condições que vêm, há
séculos, excluindo as minorias dos centros de produção e decisão [...].”
É curioso observar que, no livro Quem é quem nas artes do Brasil de
Bárbara Heliodora, os nomes de Willy Keller, de Abdias Nascimento, Aguinaldo
Camargo e Áureo Nonato não aparecem no capítulo dedicado ao teatro.
O silêncio espalha-se sobre os atores, escritores e diretores brasileiros
negros do TEN e destrói uma das frentes em que seria possível a Willy Keller
participar ativamente da cultura de seu país adotivo.
Apesar de intensa, falta à participação de Keller no teatro a continuidade,
seja no tempo, seja na ligação mais permanente com determinados grupos. Um
problema talvez não somente de Keller, mas do teatro brasileiro em geral. A
atividade teatral de Keller fica registrada em ensaios, em críticas, em notícias de
jornal e na memória dos que trabalharam com ele.
Décio de Almeida Prado em sua Apresentação do Teatro Brasileiro
Moderno, logo na primeira página, faz menção ao caráter efêmero das
encenações teatrais e justifica a publicação de seus ensaios, citando
T.C.Worsley: “As peças elas mesmas podem sobreviver, se o merecem, mas cada
determinada encenação ou cada particularidade do desempenho só viverá
enquanto delas persistir um traço na memória ou alguma notação escrita.”
Willy Keller, tradutor de literatura brasileira
75
Ao longo de sua vida Keller traduziu um significativo número de obras de
autores brasileiros, o que atesta o domínio da língua portuguesa.
Não se pretende, neste capítulo, fazer análises de quaisquer textos
traduzidos por Keller. O objetivo é apenas mostrar o volume de obras da
literatura brasileira traduzidas pelo autor.
Na área do teatro são várias as traduções de Willy Keller. De Pedro Bloch
verteu para o alemão As mãos de Eurídice, com o título Eurydikes Hände, Esta
noite choveu prata, com o título Heute Nacht regnete es Silber e Os inimigos
não mandam flores, com o título Feinde schicken keine Blumen. Estas três
peças são editadas em forma de textos destinados ao teatro (Textbücher) pela
editora Fischer, sem datas. A tradução da peça Sorriso de pedra é arrolada no
currículo de Keller, mas não se encontraram outras informações sobre esta
tradução, bem como sua localização. De Joracy Camargo, traduz Deus lhe
pague, como Vergelt’s Gott. Também neste caso não há registro da data no texto
original que se encontra no arquivo da Universidade de Hamburgo. Segundo
Keller, a peça é editada pela editora Fischer, mas esta não tem, hoje, mais
informações sobre ela. Tal como a peça de Joracy Camargo, os textos de
Henrique Pongetti A história de Carlitos e Amanhã se não chover também
caíram no esquecimento da editora Fischer. Sabemos destas traduções apenas
através dos currículos deixados por Keller. Além destes autores, Willy Keller
também traduziu para a alemão O auto da compadecida de Ariano Suassuna,
com o título Das Testament des Hundes, editado em forma de texto para o uso
em teatro pela editora Gustav Kiepenheuer de Berlim em 1962. Nos currículos
de Keller há ainda menção à tradução de A última experiência de Antônio
Callado que teria sido editada pela editora Fischer Infelizmente, também não há
outras informações sobre esta publicação.
A editora Fischer informou, em carta de 20 janeiro de 1995 que, dos
autores por mim arrolados - Callado, Camargo e Bloch - apenas três traduções
de obras de Pedro Bloch, a saber, Eurydikes Hände, Feinde schicken keine
Blumen e Heute Nacht regnet es Silber estão editadas pela Fischer, em forma de
Textbücher, isto é, de livros-texto, destinados a grupos teatrais que adquirem os
direitos de representação, e não como edições destinadas ao comércio. A editora
esclarece ainda que os contratos para edição de traduções costumavam ser
celebrados entre a editora e a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais).
76
Na revista SBAT de julho de 1968, Keller elucida igualmente o sucesso
alcançado pelas peças acima mencionadas. Todas essas peças são levadas aos
palcos europeus. Heute Nacht regnet es Silber (=Esta noite choveu prata), por
exemplo estréia no "Torturmtheater” (=Teatro da Porta da Torre), na cidade de
Sommerhausen, com o ator Malipiero, ator italiano que atua, na época, na
Alemanha. Eurydikes Hände (=As mãos de Eurídice) é representada inúmeras
vezes na Alemanha, além de ser apresentada em língua alemã na Argentina, no
Chile, na Suíça e na Áustria. Só no Brasil, afirma Mario Cacciaglia em seu livro
Pequena história do teatro no Brasil de 1986, a peça é representada 30.000
vezes.
As peças traduzidas por Keller são, em geral, grandes sucessos de público,
se bem que de qualidade literária discutível. A respeito deste assunto, assim se
manifesta Décio de Almeida Prado:
As mãos de Eurídice correu mundo a partir da primeira representação
brasileira feita por Rodolfo Mayer em 1950, porque tinha a sabedoria,
ou a esperteza, de comprimir todo um elenco imaginário de
personagens - marido, mulher, amante, sogro, sogra, filhos - na figura
de um único interprete. 11
Keller vive, como vimos, sua primeira experiência como tradutor quando
faz a versão para o alemão de Deus lhe pague de Joracy Camargo. A tradução
alemã Vergelt’s Gott é encenada em 1948 no Teatro Serrador do Rio de Janeiro,
e em Buenos Aires, pelo grupo de Paul Walter Jakob. No já mencionado artigo
"Aventuras de Tradutor", publicado na revista Leitura, Keller fala dos 25 anos
de Deus lhe pague e chama Joracy Camargo de “seu compadre”, que lhe reabre
o caminho para as letras assim como, anos mais tarde, Henrique Pongetti lhe
reabriria o caminho para o palco.
A peça de Joracy Camargo é um imenso sucesso de público; escrita em
1932, comemora, após 30 anos, nada menos de 10.000 apresentações. Em 1973,
Joracy Camargo tem 75 anos, e o Jornal de Letras no 269 de janeiro de 1973
festeja os 40 anos da peça.
Sábato Magaldi, no entanto, em Panorama do teatro brasileiro, à página
187, nega ao texto qualquer qualidade literária, sem lhe tirar, porém, o mérito
11
Prado,Decio de Almeida- O teatro brasileiro moderno, São Paulo, Perspectiva/EDUSP,1988,p56-57.
77
de ter trazido o nome de Marx pela primeira vez aos palcos, de corresponder a
um anseio de crítica à ordem burguesa e de “satirizar a filantropia estabelecida,
de porta de igreja”. E ainda: “A aceitação da peça não impede que ela nascesse
de um lugar comum, se nutrisse de frases feitas e desembocasse em
subfilosofia.”
O ponto de vista do diretor e do ator Willy Keller é, todavia, bem
diferente. No artigo, “Aventuras de um Tradutor”, publicado na revista Leitura
18 de 1958, ele dá vazão ao seu entusiasmo: “Ao escrevê-la Joracy Camargo não
se preocupava em fazer literatura [...]; preocupava-se, e muito, em dar ao teatro
o que é do teatro: um enredo bem construído, bons papéis para os atores e um
diálogo que prende a atenção dos espectadores.”
A peça de Ariano Suassuna O Auto da compadecida é traduzida por
Keller com o título de Das Testament des Hundes (=O testamento do cachorro).
A história desta tradução e da representação da peça é contada por Maria
Sommer da editora Kiepenheuer de Berlim, em carta por mim recebida em 17 de
agosto de 1995. Diz ela que na década de 50, Keller havia feito uma visita à
editora. Em setembro de 1960, Keller escrevera uma carta a Maria Sommer,
referindo-se à visita anterior e sugerindo para publicação a tradução da peça
mencionada que, entretanto, não interessara à editora. Mas, um jovem diretor
polonês, ainda desconhecido na Alemanha, Konrad Swinarski, acabara por
sugerir mais tarde à editora justamente esta peça de Suassuna. Isto levara a
Kiepenheuer a entrar em contato com Keller que já havia traduzido O Auto da
compadecida e a enviara, então, à Alemanha. No dia 21 de setembro de 1962, a
peça estreara em Berlim na tradução de Keller e sob a direção do mesmo
Konrad Swinarski: uma “estréia memorável na história do teatro”, nas palavras
de Maria Sommer.
A peça de Suassuna inaugura o famoso “Schaubühne” de Berlim –
“Schaubühne am Halleschen Ufer”. Durante os anos de 1970 a 1985, o
“Schaubühne”, sob a direção de Peter Stein, é um centro europeu do teatro
político literário. No cartaz que anuncia a peça está o nome do autor, o título
Das Testament des Hundes oder Die Geschichte der Barmherzigen (=O auto da
compadecida) seguido do subtítulo “Ein Volksstück aus dem brasilianischen
Norden” (=Uma peça popular do norte brasileiro), o nome do tradutor Willy
78
Keller, dos componentes do elenco e do diretor Konrad Swinarski. O cartaz
exibe ainda uma foto, em cujo centro está a Compadecida.
Durante os anos seguintes de 1962 a 1989, o Auto da compadecida é
representado mais 26 vezes em cidades alemãs e européias de língua alemã. Em
10 de outubro de 1962, o jornal O Estado de São Paulo publica um artigo com o
título "Elogios unânimes a 'A Compadecida' na estréia alemã". As informações
contidas no artigo são todas do próprio Keller. Nos dois parágrafos iniciais do
artigo, lê-se: “O encenador Willy Keller, responsável pela versão alemã de 'A
Compadecida', de Ariano Suassuna, informa-nos que o espetáculo alcançou
grande êxito na montagem do teatro 'Schaubühne', estreado na segunda
quinzena de setembro, em Berlim.”
Comentários de 10 jornais, ainda conforme o artigo do jornal, remetidos a
Keller dão conta do apreço da crítica pelo texto e pela produção. A acolhida
anuncia uma carreira excepcional para o espetáculo, confirmando o êxito obtido
pelo autor nordestino em todo Brasil.
Para Keller, o pronunciamento mais importante é o de Friedrich Luft, nas
palavras de Keller o “mais temido crítico de cinema e de teatro”, responsável
pela “Voz da crítica” no RIAS - Rundfunk für den amerikanischen Sektor de
Berlim, folhetinista dos jornais Neue Zeitung e Die Welt, que publica
justamente neste último noticiário, de 24 de setembro de 62, uma nota que é
republicada em português no O Estado de São Paulo de 10 de outubro do
mesmo ano, dizendo o seguinte:
O elenco corajoso mostrou-se muito bem aconselhado ao escolher
para inauguração do novo teatro a peça popular do Nordeste brasileiro
O Testamento do Cão ou O Auto da Compadecida, de Ariano
Suassuna. Um texto muito bom, ingênuo e verdadeiramente
inteligente, de sólida construção e de um realismo forte. Um novo
teatro tão agradável! Uma peça tão engraçada e astuta! Uma
representação tão certa, surpreendente e chistosa! Desejamos a este
elenco e ao seu teatro longa vida.
[...]
Informa-nos Willy Keller que esta é a quinta peça brasileira
representada em língua alemã, em tradução sua. Outras cinco esperam
a vez, entre elas A falecida de Nelson Rodrigues e Frankel de Antônio
Callado.
79
A revista Humboldt 6 de 1962 publica, nas páginas 101 a 103, fotos da
encenação, menciona a autoria de Keller como tradutor e também faz alusão à
nota crítica de Luft.
Em 1986 a Édition Diá de St.Gallen também publica a peça de Ariano
Suassuna com o título Das Testament des Hundes. A edição traz um posfácio de
Ray-Güde Mertin em que não há qualquer menção a Keller. Porém, no início do
livro, encontra-se uma nota que dá conta da edição anterior, em forma de
manuscrito fora do comércio, distribuída em 1962 pela editora Gustav
Kiepenheuer de Berlim. Esclarece também que a tradução de Keller, revista para
esta edição, baseia-se no manuscrito original.
No artigo “Novo ano teatral”, publicado na revista Leitura 17 de 1959,
Keller critica não só o fechamento de várias casas de espetáculo no Rio de
Janeiro, como também a alienação dos autores teatrais em relação aos
problemas que “torturam a nação”. Considera o teatro nordestino uma exceção.
Keller menciona ainda outras obras que traduz, sem, contudo,
acrescentar outras informações. Encaixam-se nesta situação A falecida e
Vestido de noiva de Nelson Rodrigues e Almas de lama e aço de Gustavo
Barroso. Também não foram encontradas informações junto às editoras ou nos
arquivos consultados, referentes a essas obras. No seu currículo, há ainda
menção a traduções de obras, sem especificação, dos seguintes autores: Antônio
Bandeira, Eurialo Canabrava, Vinícius de Morais, Padre Antônio Vieira, Ricardo
Meirelles, Sérgio Fonta, Luiz Gutemberg e Lygia Fagundes Telles. Não foi
possível saber se Keller chega a encaminhar os originais às editoras ou se estes
continuam no seu espólio, aguardando publicação.
No âmbito da poesia, escolhe poemas avulsos de vários autores
brasileiros, nem sempre passíveis de ter o seu original identificado, e verte-os
para o alemão como, por exemplo, “Meu canto de guerra”(=Mein Kriegsruf) de
Solano Trindade, “Eram cinco estrelas do mar” (=Fünf Sterne über dem Meer)
de Joaquim Cardoso, “Lirismo” (=Lyrisches Gefühl) de Domingos Carvalho da
Silva, “Trem de ferro”(=Eisenbahn) de Manuel Bandeira, “A fuga impossível”
(=Unmögliche Flucht) de Augusto Frederico Schmidt, “O telefone” (=Das
Telefon) de Antônio Rangel Bandeira, “Soneto” (=Sonett) de Tobias Barreto,
entre outros que reproduzimos na parte do trabalho reservada a anexos. Willy
Keller junta, mais tarde, estas traduções na Antologie des Zufalls (=Antologia
80
do acaso), publicada em Berlim, pela editora Rotbuch em 1960. Alguns destes
poemas traduzidos aparecem também publicados sob o título “Brasilianische
Dichtung heute” na revista Humboldt 1 de 1961, às páginas 25-36, e nos boletins
da Associação dos Antifascistas Alemães. Mais tarde, Willy Keller enfrenta o
desafio da poesia de João Cabral de Melo Neto e passa para o alemão O cão sem
plumas como Der Hund ohne Federn, publicado em Stuttgart pela editora Rot
em 1960.
No campo da prosa, Keller traduz de Afonso Henriques Lima Barreto as
Recordações do Escrivão Isaías Caminha a que dá o título alemão
Erinnerungen des Schreibers Isaias Caminha. Trata-se, no entanto, de uma
tradução nunca publicada, cujo original datilografado se encontra no arquivo da
Universidade de Hamburgo.
Além de Lima Barreto, a obra de Graciliano Ramos exerce fascínio sobre
Willy Keller, levando-o a verter para o alemão São Bernardo, publicado em
1960 pela editora Carl Hanser em Munique, e reeditado em 1962 pela editora
Aufbau de Berlim e, ainda, em 1965 pela editora Fischer Bücherei em
Frankfurt/M. São Bernardo obtém, portanto, três edições: a primeira em 1960
pela editora Carl Hanser de Munique; a segunda em 1962 pela editora Aufbau
de Berlim e a terceira em 1965 pela editora Fischer Bücherei de Frankfurt/M. A
primeira é uma bem cuidada edição capa dura e inclui um glossário. A editora
Aufbau apresenta a sua edição com uma capa de proteção e um posfácio,
assinado por Alfred Antkowiak. Neste posfácio, há informações sobre a história
brasileira desde a chegada de D. João Vl até a época da edição, além de um
retrospecto da literatura nacional, sem apelos ao exotismo; ao contrário, o autor
do posfácio mostra grande preocupação com os aspectos sociais do Brasil. Já a
terceira edição de São Bernardo é de bolso. A editora Fischer, em carta a mim
enviada em março de 1994, esclarece que, a cada edição deste tipo, costumam
ser lançados no mercado de 8 a 10.000 exemplares. Embora não saiba dizer se
todos eles chegam a ser vendidos, o fato ilustra o bom acolhimento desta obra
no mercado alemão. Encontra-se, nesta edição, um texto promocional “de
orelha”, onde o Brasil é visto como país exótico, sem dúvida, um chamariz para
o leitor, como se pode constatar a seguir: “como talvez nenhum outro livro nos
últimos anos, este romance põe o leitor em contato com o mundo fascinante do
continente sul-americano.”
81
O crítico Günter Lorenz, ainda no artigo da revista Humboldt 14, de 1960,
na página 95, também se refere as estas edições, esclarecendo:
A primeira edição de um dos seus livros (o autor fala de Graciliano
Ramos), o romance “S.Bernardo” (Hanser Verlag, 1960), soçobrou
sem ninguém dar por isso na torrente de livros, talvez por nessa
altura não ter ainda chegado a era da literatura latino-americana,
talvez por a ignorância alemã das coisas da literatura alemã já não
reconhecer, então, o ainda bastante generalizado meio exótico da
América Latina, talvez, também, por lhe faltar o golpe de vista para o
invulgarmente invulgar: a verdade é que Ramos é - como o são muitos
dos seus compatriotas - moderno de uma maneira absolutamente
intemporal, o que vem fundamentar a sua pretensão de ser um
'clássico'.
Logo em seguida, aparece no mercado a tradução de Vidas Secas como
Karges Leben, publicada em Frankfurt/M, em 1961, pela editora Suhrkamp.
Este texto vem a ser reeditado em 1966, agora, com o título Es ist weit bis Eden
pela editora Erdmann em Herrenhalb e, um ano depois, em 1967, com o título
Es
ist
noch
weit
bis
Eden,
em
Stuttgart,
pela
Europäische
Bildungsgemeinschaft.
Em Bibliographie der aus dem Spanischen, Portugiesischen und
Katalanischen ins Deutsche übersetzten Literatur (1945-1983), por exemplo,
Gustav Siebenmann e Donatella Casetti citam as obras de Graciliano Ramos
traduzidas por Keller. Vidas secas é editado, em 1966, pela editora em
Herrenalb com o título de Vidas Secas - Es ist noch weit bis Eden (Vidas secas é ainda longe para o Éden) e não com o título Verdorrtes Leben (=Vidas
Ressecadas), tal como arrolado no currículo de Keller. O crítico Günter Lorenz
comenta, na revista Humboldt 6, de 1966, à página 95, num artigo intitulado
“Vidas Secas”, o seguinte:
O fato da editora Erdmann, sempre esforçada em novas descobertas
literárias, ter publicado o romance de Ramos Vidas Secas, agora na
bem conseguida tradução de Wilhelm Keller, numa boa apresentação
gráfica e com o extraordinário título 'posteriormente sentido', 'Nach
Eden ist es weit' (Para Eden é longe), merece ser considerado como
realização digna de realce. Porque este maravilhoso livro não foi
criado com o propósito de prender um público dirigido a temas e ações
violentas.
Uma segunda edição, com o título Es ist noch weit bis Eden (=Ainda falta
muito para chegar ao Éden) é lançada em 1967 pelo “Europäischem Buchklub,
Europäischer Bildungsgemeinschaft”, em Stuttgart. A terceira edição é
82
publicada pela editora Suhrkamp, em 1981, com o título de Karges Leben
(=Vidas pobres).
Finalmente, Keller traduz Angústia (= Angst), que não consta de nenhum
de seus currículos, provavelmente por ter sido publicada somente em 1978 pela
editora Suhrkamp, isto é, posteriormente à elaboração daqueles documentos.
Heloísa Ramos, em conversa telefônica comigo em junho de 1995,
informa que a iniciativa de traduzir Graciliano parte de Keller: “Um dia, em
1957 ele apareceu em casa com a tradução”. Segundo Heloísa Ramos, Keller
mostra uma grande preocupação em entender e traduzir corretamente os
termos regionais e organiza, por isso, um glossário. Heloísa Ramos alude ainda
ao empenho de Keller em conseguir a publicação das obras, não só na
Alemanha, mas em outros países europeus, bem como sua correção no
pagamento dos direitos autorais. Em suas palavras, Keller é “um grande amigo”.
Sobre as traduções de Graciliano Ramos, o próprio Keller fala em O
Jornal do Rio de Janeiro de 18 de julho de 1969 o que segue: “Tradução honesta
é difícil. No caso de Graciliano Ramos, seus personagens, dialetos, temos que
criar uma linguagem sintética, inventar o correspondente ao ambiente e às
pessoas criadas. É um problema de estilística de grande responsabilidade.”
Keller traduz também O rei da terra (Der König der Welt) de Dalton
Trevisan, não publicado, cujo texto original datilografado se encontra no
arquivo da Universidade de Hamburgo. Consta que a letra de Willy Keller era
tão ruim, que sua esposa Ellen lhe datilografava todos os trabalhos.
Numa entrevista a Vivian Wyler, encontrada num recorte de jornal sem
identificação e sem data, Keller fala sobre o trabalho da tradução: “Sempre
traduzi o que quis traduzir: geralmente livros que representam manifestações
pessoais, quase sempre opostas às oficiais.”
E no artigo “O que é uma agência literária. Livros da América Latina:
como chegam até a Alemanha” apresentado na revista Humboldt 59 de 1989, às
páginas 60-67, Ray-Güde Mertin enumera as dificuldades que a literatura
latino-americana, em particular a brasileira, encontra para ser publicada na
Alemanha: a enorme quantidade de títulos que chega às editoras, a falta de
tradutores que têm conhecimento do português, as falsas expectativas dos
leitores, a idéia de um “colorido exotismo tropical” mas também a esperança do
leitor em encontrar informações sobre o país que deveriam ser procurados mais
83
adequadamente em livros especializados. Em 1987, por exemplo, são publicadas
traduções de 44 línguas, mas apenas 30 títulos do português ou seja 0,7%.
As traduções do alemão para o português
Keller traduz também do alemão para o português. No seu currículo
menciona: Erdgeist de Wedekind, traduzido em colaboração com Eustáquio
Duarte e publicado pelo Ministério da Educação e Cultura com o título de O
gnomo e Der Gruftwächter (=O guardião do túmulo) de Kafka, em parceria
com Aníbal Machado, tradução sobre a qual não há outros registros. Traduz
também para o português The comedy of errors de Shakespeare, mas a partir da
versão alemã realizada pelo escritor e dramaturgo Hans Rothe, que ele adapta
em colaboração com Henrique Pongetti, de modo a permitir encenações que não
exijam muitos recursos e destinadas a um público de baixo poder aquisitivo,
adaptação essa que chega a ser editada pelo Serviço Nacional do Teatro. Tratase, em realidade, de uma adaptação, ou recriação, como dizem os autores na
nota introdutória, e o objetivo é dar ao teatro brasileiro uma peça que possa ser
representada em qualquer lugar, sem grandes investimentos em cenários e
roupas, sem muitos recursos técnicos. Trata-se da idéia de levar o teatro ao povo
e, mais uma vez aqui, se faz notar a influência de Brecht.
No artigo “Autores alemães de exílio no Brasil”, publicado na revista
Humboldt 50 de 1985, nas páginas 41 e 42, Susanne Bach oferece alguns
esclarecimentos sobre o mundo do teatro no Brasil. Diz ela:
Dos escritores que tinham vinculação com o teatro, alguns foram para
a Argentina, por exemplo, Paul Walter Jacob, outros para o Brasil,
acima de tudo, Willy Keller, que bem ligeiro aprendeu a dominar a
língua do país e traduziu, entre outras coisas, o “Erdgeist”, que aliás
foi levado à cena. Junto com o autor brasileiro Aníbal Machado,
traduziu “Gruftwächter” de Franz Kafka - mas essa versão nunca foi
impressa nem sequer representada.
A Funarte, em carta a mim enviada em 14 de outubro de 1994, assinala
também a tradução de O jardim do paraíso, cujo título original não identifica,
de Rudolf Bernauer e a de Aquele que diz sim, aquele que diz não (=Der Jasager
84
und der Neinsager) de Brecht, em colaboração com Luis de Lima, obras sobre as
quais não encontramos outras informações.
Willy Keller, crítico de arte
A partir da década de cinqüenta, Keller passa a colaborar, entre outras,
em duas publicações do Rio de Janeiro dedicadas à literatura e às artes: o
Jornal de Letras "mensário de literatura e Arte", que tem por diretor
responsável Elysio Condé e como diretores João e José Condé e Leitura, "revista
dos melhores escritores". Nestas publicações, Keller escreve, sobretudo, para as
rubricas "Teatro" e "Cinema", mas também para “Literatura”.
Em 1955 publica no Jornal de Letras, fascículo 75, (coleção arquivada no
Instituto de Estudos Brasileiros em São Paulo), o artigo “À procura da nova
literatura alemã”. O texto é escrito durante a sua estadia de dez meses na
Alemanha. Trata-se, como já se viu, de um retorno à terra natal depois de uma
ausência de 25 anos. Keller confessa que anseia por conhecer o novo teatro, a
nova literatura alemã. Em toda parte encontra, porém, cansaço e desânimo.
Uma amiga lhe diz que todos ainda estão marcados pelo medo. Os nomes da
literatura e da dramaturgia alemãs ainda são os mesmos conhecidos de Keller:
Thomas Mann, Kassak, Kreuder, Zuckmayer e Brecht.
Fica surpreso em encontrar uma literatura toda especial dedicada
exclusivamente ao rádio, à produção de peças radiofônicas. Os trabalhos são
muito bem pagos e existe uma grande preocupação literária e lingüistica. Nesta
área, Keller destaca os autores Günter Eich e H.O.Wuttig.
Outro fato que o impressiona é o trabalho do autor suíço Max Frisch
denominado O leigo e a arquitetura que, segundo Keller, não tem pretensões
literárias mas sim didáticas e instrutivas. É de opinião que o trabalho poderia
ser entendido no Brasil, pois o país tem uma arquitetura desenvolvida, expressa
em construções individuais, mas despreza o planejamento das cidades.
No artigo "Cinema e Realidade", publicado no Jornal de Letras 77, de
1955, na página 12),
Keller critica severamente dois filmes alemães,
identificados pelos títulos em português de “Manequim para o Rio” e “Estrela do
85
Rio” que veiculam imagens do Brasil, e que revelam um desconhecimento total
da realidade brasileira.
Iniciando o artigo mencionado, Keller escreve:
Li num livro sobre história que o Brasil foi descoberto em 1500. Não
acredito, isto é, não acredito mais. Convenci-me nos últimos dois
meses que o Brasil é um país completamente desconhecido.
Completamente, também não! As pessoas mais esclarecidas sabem
pelo menos que no nosso país se fala o castelhano e que o seu expresidente Café Filho se chamava Péron, também ex.
O artigo prossegue assinalando os erros grosseiros contidos nos dois
filmes, mas também o que Keller chama de “exploração pornográfica de
situações dúbias à custa de um determinado povo, neste caso o brasileiro”.
Keller volta da viagem à Alemanha e fala do interesse que existe pelo Brasil e
que deveria ser aproveitado para divulgar a arte e a literatura brasileira. O
artigo é um longo elogio ao Brasil:
Aqui na Alemanha, compreendi que o Brasil, realmente, tem de
oferecer ao mundo uma coisa de importância vital para o futuro dos
homens, isto é, a sua humanidade.[...] O Brasil é um dos poucos
países onde se reconhece ainda o valor do indivíduo. E esta bagunça
brasileira que às vezes nos faz sofrer danadamente, no fundo, é muito
mais humana do que a felicidade a preços fixos que os diversos
governos deste mundo oferecem a seus cidadãos, transformando-os
num conjunto de peças sem alma e espírito. [...] A vida no Brasil é,
apesar de tudo, mais de acordo com o verdadeiro espirito do homem e
isto se reflete na sua arte. Se estas manifestações de arte brasileira
alcançam a Europa elas podem contribuir para que este continente, ao
qual devemos tanto, saia da inércia em que se encontra e volte à vida.
Estes artigos revelam um Keller atento e participante da vida cultural
brasileira, um observador do movimento cultural no mundo, um conhecedor do
teatro brasileiro e alemão, da literatura brasileira e alemã. Keller mostra-se
também um conhecedor das técnicas teatrais.
Em 1956, Willy Keller faz um balanço geral do teatro brasileiro e publicao na revista Theater der Zeit (=Teatro de hoje), nº3, p. 35-39, com o título
“Brasilianisches Theater gestern und heute” (Teatro brasileiro ontem e hoje).
Neste texto, Keller faz um retrospecto histórico, tocando em vários tópicos que,
comentamos a seguir.
86
Diz que o teatro brasileiro deve sua criação a um capricho do imperador,
preocupado em controlar o tédio dos seus funcionários e também em
proporcionar um divertimento à nobreza rural emergente. Keller reconhece que
o Brasil atravessa numa época em que grupos teatrais portugueses passam a
fazer tourneés pelo Brasil, visitando o Rio de Janeiro e São Paulo e, algumas
vezes aventurando-se até a Bahia e o Recife. O teatro português está, então,
fortemente influenciado pelo teatro francês e Keller conclui que o que se vê no
país, na verdade, não passa de um transplante do teatro francês falado em
português. Esse tipo de teatro dura praticamente até o início da 1ª Guerra
Mundial. Mesmo autores brasileiros escrevem peças que parecem traduções do
francês, sem considerar temas ou problemas brasileiros. Só, muito lentamente,
os atores começam a falar a língua do povo e figuras típicas do cenário brasileiro
passam a ser incluídos nos enredos. Durante a 1ª Guerra Mundial, a influência
européia diminui e surge, então, segundo Keller, uma nova geração de
dramaturgos: Henrique Pongetti, Álvaro Moreira e Joracy Camargo. É Joracy
Camargo com sua peça Deus lhe pague que impressiona profundamente Keller.
A peça tem, segundo o tradutor, dois méritos principais: a simplicidade técnica
que permite sua encenação mesmo em locais com poucos recursos e com grupos
reduzidos, o que é importante diante dos teatros pouco aparelhados e da falta de
atores no país, e o fato de trazer para o palco dois mendigos, figuras típicas das
ruas brasilieiras, introduzindo, assim, a crítica social no teatro. Keller cita, como
sucessores de Joracy Camargo, Silveira Sampaio e Abilio Pereira de Almeida,
cuja peça Santa Marta Fabril havia causado “grande comoção no ano anterior”.
Com a 2ª Guerra Mundial chegam ao Brasil diretores fugitivos do fascismo que
trazem novas técnicas e novos pontos de vista para o teatro brasileiro. Uma
crítica recorrente de Keller em seus ensaios é o que ele chama de “Starbetrieb”
(estrelismo), a concentração de grupos teatrais em torno de um ator, a estrela,
que reúne em si a pessoa do ator, diretor, produtor, e cenógrafo. Keller justifica
os problemas do teatro com as difíceis condições materiais, a extensão do
território brasileiro, os altos custos de manutenção, o reduzido retorno
financeiro devido ao pouco tempo que as peças ficam em cartaz. O teatro
amador desempenha, segundo o ensaísta, um papel importante na evolução do
teatro brasileiro. Os grupos amadores não têm problemas financeiros e também
são constituídos por pessoas de nível cultural elevado. Keller cita em especial
87
Valdemar de Oliveira, criador do Teatro Amador de Pernambuco que, durante
cinco anos, encena no Brasil as principais peças da literatura mundial.
Valdemar
de
Oliveira
que
também
reconhece
a
necessidade
É
da
profissionalização de diretores teatrais. Assim, contrata, entre outros, os dois
diretores poloneses Ziembisnki e Turkow, e também o próprio Keller.
No Rio de Janeiro, lembra Keller, é criado, em 1947, o grupo “Os
comediantes” do qual participam entre outros o pintor Barreto Leite, o artista
plástico Santa Rosa, a jornalista Luisa Barreto Leite e novamente Ziembinski
como diretor. Um feito memorável do grupo é a apresentação de Vestido de
noiva, de Nelson Rodrigues. Ao lado desses grupos amadores brasileiros
também existem grupos franceses, ingleses e alemães como o grupo de Keller.
Uma outra influência importante é a do teatro estudantil, onde Keller cita em
especial Paschoal Carlos Magno. Keller lamenta que no Brasil muitas gerações
sejam formadas pelo cinema e pelo rádio, ficando a influência cultural do teatro
restrita a poucas camadas sociais. Frisa sempre de novo a necessidade de um
teatro ligado aos problemas do país e considera que, somente no Nordeste,
existe um verdadeiro teatro enraizado nas tradições populares. Keller lembra os
grandes contrastes existentes no Brasil, tais como analfabetismo frente aos mais
altos anseios culturais. Esses anseios impulsionam finalmente a criação de
grupos como o Teatro Brasileiro de Comédia em São Paulo, que passa a encenar
um repertório de nível internacional. Keller termina dizendo que tudo leva a
crer que, ao imenso crescimento do teatro brasileiro nos últimos 20 anos, devase seguir um período de aperfeiçoamento espiritual e também o crescimento da
responsabilidade social perante o povo .
A crítica ao teatro do Brasil, antes agressiva, cede e Keller passa a mostrar
uma atitude compreensiva misturada a uma crítica construtiva.
Em 1957, Willy Keller volta a manifestar-se na revista Leitura no 3 com o
artigo “Sentido e importância da atualidade teatral”. Neste ensaio, discorre
sobre o significado de “atual” que, segundo ele, quer dizer “presente”. Desta
forma, a crítica social contida, por exemplo, numa peça como Kabale und Liebe
(=Amor e Cabala) de Schiller só pode referir-se à própria época do autor.
Atualizá-la serve apenas para provar que está superada. Assim, Keller critica
severamente a moda corrente de “atualizar “peças históricas, modernizando a
decoração e banalizando o teor, algumas vezes, patético dos textos. Recorda
88
uma encenação de Hamlet, para ele “uma tragédia que representa um ponto alto
na história humana”, em que Shakespeare liberta o homem de um destino
inexorável e permite à personagem formar seu próprio destino, na qual o diretor
transforma a personagem num “caso” ao alcance do médico da próxima
esquina.
No número seguinte da revista atrás mencionada Leitura 4 de 1957,
Keller publica à página 55 o artigo “Arquitetura teatral”, em que tece
comentários acerca da reconstrução dos teatros alemães destruídos durante a 2ª
Guerra Mundial. Considera que um teatro destinado a representações musicais
deve ser planejado de forma diferente da de um teatro destinado à
representação de peças faladas. Refere-se aos problemas da acústica e da
visibilidade, menciona os novos teatros construídos em Frankfurt M. e em
Mannheim - cidade onde havia estudado teatro. Discute como deve ser o teatro
de uma sociedade democrática. A opinião de Keller é polêmica, pois remete as
discussões para o plano do estilo arquitetônico funcional com galerias, ou em
forma de anfiteatro. É categórico, ao afirmar que a acústica tem que ser perfeita,
a visibilidade ótima e as instalações técnicas excelentes. A expressão
arquitetônica de um teatro moderno deve ser bela e denunciar, ao mesmo
tempo, o século XX, a que pertence. Keller lamenta o fato de os arquitetos não
se preocuparem com estes detalhes, uma vez que não têm noção do que seja
teatro.
No fascículo seguinte, o 5, da mesma revista, ainda no ano de 1957, Keller
publica um texto intitulado “I Bienal das Artes Plásticas de Teatro”, em que dá
testemunho de sua participação ativa no evento citado, ocorrido no Pavilhão
das Indústrias, no Ibirapuera. O primeiro prêmio vai para a Áustria que recebe a
Medalha de Ouro da Presidência da República. Como dignas de nota são
apresentadas as exposições dos Estados Unidos, bem como a apresentação do
ballet Triádico de Oskar Schlemmer da Bauhaus na Alemanha e os cenários das
óperas de Wagner. Keller considera a apresentação brasileira desse balé digna
dos maiores elogios, ainda mais levando-se em conta a total falta de apoio
oficial.
No fascículo 6 da mencionada revista, ainda no ano de 1957, Willy Keller
escreve um ensaio sobre “O teatro de Ionesco”. O crítico oferece uma análise da
peça A cantora careca levada ao palco no Rio de Janeiro sob a direção de Luiz
89
de Lima. Keller não considera Ionesco um gênio ou desbravador, nem um crítico
construtivo da sociedade e de seus problemas. Segundo ele, Ionesco fica apenas
nos desafios verbais, da mesma forma que o dadaísmo, quando este já
espantava há trinta anos os burgueses com suas brincadeiras. Trata-se de uma
crítica ácida não só a Ionesco, mas também à sociedade que manipula autores,
no sentido de só conceder espaço àqueles que não produzem trabalhos ousados
demais, a ponto de perturbarem a paz dessa mesma sociedade. O autor que quer
sobreviver é obrigado a extirpar o que, na obra, há de inovador, transformandoa numa caricatura. Willy Keller critica os teatros construídos no Brasil que
atenderiam mais à “especulação imobiliária “do que às necessidades de um
teatro moderno.
Willy Keller também escreve no jornal Correio da Manhã do Rio de
Janeiro. No artigo “Ballet triádico” publicado em 19/10/1958, faz o resumo de
uma conferência sua, proferida por ocasião da exposição do Ballet Triádico de
Oskar Schlemmer no Museu de Arte do Rio de Janeiro. O autor passa em
retrospectiva a relação entre ator e espaço no teatro grego, no teatro da
Renascença, e chega até nossos dias. No teatro grego, explica ele, não existe
separação entre palco e público já que os dois formam um espaço orgânico, na
medida em que o público rodeia os atores. A Renascença introduz o palco
separado do público por uma parede imaginária transparente. Com isso, atores
e cenários têm que orientar-se obrigatoriamente no sentido da boca da cena,
com perda de orientação espacial. O palco transforma-se numa caixa, o que já
prenuncia as cenas planas do cinema.
Schlemmer, no período de 1920 a 1929, como professor na “Bauhaus”,
tenta restabelecer a unidade espacial destruída pelo que ele chama de teatro de
caixa, ou seja, aquele palco em que existe um plano delimitado por paredes,
separado do público. O formato deste palco exige que os atores representem
bem de frente para o público. Nas representações da “Bauhaus”, os atores e
espectadores ficam reunidos na caixa, o que devolve a dimensão da
profundidade ao teatro.
Desta forma, Schlemmer consegue restabelecer a
unidade palco-platéia dentro da própria caixa. Na opinião de Keller, Schlemmer
esgota a estratégia teatral em pauta, ao mesmo tempo em que impossibilita a
repetição de sua experiência. No entanto, deixa entrever já a necessidade de
ampliar o espaço da caixa para incluir atores e público.
90
Em 1959, Willy Keller volta a escrever na revista Leitura no 17, redigindo
um texto sobre o “Novo Ano Teatral”. Lamenta o fechamento de três teatros
cariocas: o “Phenix”, demolido apesar de tombado pela Prefeitura, o “Glória”,
simplesmente fechado sem explicações, e o “Folies” transformado em loja
comercial, sem falar do “Serrador”, também ameaçado de fechamento. Embora
os teatros no Brasil não sejam sempre lucrativos, a lei os protege oficialmente,
no entanto, ninguém respeita a lei!
O ensaísta atribui parte da culpa ao próprio teatro atual. No teatro
primitivo, não existia separação entre palco e público, e este era envolvido
emocionalmente na ação do espetáculo de formas diversas: através da dança, do
canto, caindo numa espécie de êxtase. No teatro moderno, porém, quer-se um
público distante, envolvido de modo crítico com o espetáculo. O problema está
nas estratégias a serem usadas para atingir esse objetivo. Keller, defende, neste
texto, o uso do apelo a valores morais, espirituais, intelectuais, conquistados
pela humanidade ao longo da história. Enquanto na Antigüidade o teatro era
expressão da cultura da época, pois crença e experiência de vida formavam uma
unidade, nos dias de hoje, não conseguimos mais alcançar essa unidade política
e religiosa. Mas isso, segundo Keller, não é razão para nos abandonarmos à
indiferença.
O autor critica os autores brasileiros que não tomam conhecimento dos
problemas que preocupam a nação, excetuando, no entanto, os dramaturgos do
Nordeste. Queixa-se o articulista de que os autores brasileiros também não
prestam atenção aos demais autores sul-americanos, não reparando nos
“fenômenos” Guilherme Figueiredo e Pedro Bloch que têm suas peças
apresentadas em toda a América do Sul. Tal reconhecimento do teatro brasileiro
poderia ser expandido a outros dramaturgos e seria mesmo desejável, segundo
Keller, um intercâmbio teatral no continente. Os críticos preocupam-se em
demasia com o teatro europeu esquecendo-se de incentivar o teatro brasileiro.
Os atores continuam a esconder-se atrás de máscaras, ao invés de usar a própria
personalidade para dar vida às personagens. “Pathos” e caricatura continuam
dando a tônica do teatro no Brasil, empobrecendo, assim, as representações.
Depois do surgimento do grupo dos ”Comediantes“ e do TBC , Keller
considera que o teatro no Brasil entra, novamente, numa fase de agonia.
91
Em 1965, Keller publica na revista alemã Humboldt no 5, de 1965, à
página 52, um ensaio sobre o poeta expressionista Christian Morgenstern (18711914), com o título “A razão do absurdo”. Trata-se de um longo texto,
focalizando seus experimentos com a linguagem. Morgenstern dá expressão
poética aos conceitos do filósofo Fritz Mauthner. A palavra é algo fugidio,
monstro e quimera, em mudança constante. O sentido da palavra pode ser
interpretado, mas não se lhe pode atribuir uma forma imutável. Keller vê
Morgenstern como antecipador da evolução moderna que destaca a palavra da
sua conexão social, privando-a de ser um elemento intencional de significação
coletiva para tornar-se expressão da solidão individual. Morgenstern, segundo
Keller, preocupa-se com a arbitrariedade da linguagem que conceitua o mundo
e, por isso, tenta renovar o meio de expressão como protesto contra o despontar
da era das massas que transforma o homem em artigo de consumo.
Em 4 de março de 1967 sai, no suplemento literário de O Estado de São
Paulo, o artigo de Keller intitulado “Brecht, a sobremesa”. O autor analisa, aqui,
duas peças de Brecht recentemente traduzidas e encenadas no Rio de Janeiro: O
senhor Puntila e seu criado Matti (Herr Puntila und sein Knecht Matti) e
Terror e miséria do Terceiro Reich (Furcht und Elend des dritten Reiches).
Keller aponta primeiro para a alteração da grafia do título que, no Brasil,
aparece como O senhor Puntila ( e seu criado Matti) Keller lembra que Matti é
uma espécie de “alter ego” de Puntila e personagem tão importante como este,
portanto, não deve ficar entre parênteses, levando o espectador a imaginar de
antemão que se trata de uma personagem subalterna. Keller chama, igualmente,
a atenção para o fato de, na tradução e encenação brasileiras, terem sido
suprimidas a música e as canções do original. Na concepção de Brecht, o canto e
a música são os meios pelos quais o autor se comunica com a platéia de forma
direta, com o objetivo de despertar nela a competência crítica. Keller explica
que, na apresentação do Berliner Ensemble, os títulos são substituídos no início
de cada quadro pela “Canção de Puntila “, entoada por um dos personagens, a
cozinheira. Por esse ângulo, o senhor Puntila atinge a categoria de herói de
tragédia grega, mas é ao mesmo tempo apresentado como fanfarrão, o que para
Keller funciona como exemplo do fino humor de Brecht. A encenação brasileira
desvirtua a peça de Brecht, transformando-a numa mera chanchada. Está-se
diante de uma adaptação e não de uma peça original.
92
No caso da segunda peça , Terror e miséria do Terceiro Reich, percebe-se
a tentativa de estabelecer uma relação entre a realidade apresentada na peça e a
realidade do Brasil. Mas, como diz Keller, o Brasil fica tão longe do terror e da
miséria do Terceiro Reich, que qualquer ponto de contato é impossível.
Keller percebe que as peças de Brecht podem ser vistas como
desatualizadas, quando observadas do prisma da crítica sócio-política do
momento, na medida em que o Terceiro Reich é passado. No entanto, ganham,
por outro lado, em autenticidade literária, pois refletem um problema
acontecido na Alemanha em um dado tempo, mas que pode vir a ocorrer em
outras partes do mundo em qualquer época, podendo mesmo ser considerado
um problema universal, traduzido pela possibilidade de determinados grupos
ficarem à mercê das loucuras de outros. Keller reconhece em Brecht um clássico
e, como tal, todas as tentativas de atualizar suas peças devem ser encaradas com
muito cuidado. É lamentável, segundo Keller, que a maioria das peças de Brecht
tenha sido traduzida do inglês, e não do alemão, para o português.
Neste mesmo ano, Keller publica o artigo “Uma poesia desconhecida de
Brecht” na revista Humboldt no7, de 1967, na página 94, em que se pronuncia
sobre seu encontro com Brecht durante a estadia na Alemanha em 1955. Keller
descreve sua tentativa para interessar Brecht pela poesia brasileira, em especial,
pela obra de Carlos Drummond de Andrade. Entretanto, Brecht limita-se a
alterar a tradução de uma poesia de Domingos Carvalho da Silva feita para o
alemão por Keller. O encontro revela-se decepcionante para Keller, como se
conclui da seguinte observação que faz no artigo : “Não houve perguntas sobre o
passado, ou sobre o destino pessoal.” Ao que tudo indica, Brecht parece ter
ignorado Keller por inteiro.
Keller colabora também com o jornal Deutsche Nachrichten de São Paulo
e com as publicações da SBAT.
Durante sua gestão do Instituto Goethe do Rio de Janeiro profere
inúmeras palestras sobre temas variados, que podem ir da música à arquitetura,
tanto no Instituto do Rio, como em outros Institutos Goethe do Brasil e também
em universidades brasileiras.
Os escritos de Keller revelam uma respeitável bagagem cultural brasileira
que certamente o credenciam como tradutor da literatura do Brasil.
93
Sabe-se que Keller escreveu peças de teatro. Conhecem-se até alguns de
seus títulos, mas sua localização continua uma incógnita. Ao que tudo indica,
devem repousar no baú que contém seu espólio, na posse da família, ou com
João das Neves ou em arquivos, ainda não descobertos, estudados, catalogados
e preparados para consulta.
No currículo enviado em 1956 ao Instituto Nacional do Livro, Keller
menciona uma peça de sua autoria, O macaco Simão, peça para adolescentes de
12 a 120 anos, revista por Angelo Labanca. Não foi possível obter outras
informações sobre esta obra.
No arquivo do Instituto Hans Staden é mencionada outra obra de Keller:
Rotkäppchen und der böse Dr.Wolf (=Chapéuzinho Vermelho e o malvado Dr.
Lobo). Segundo notícia no jornal Deutsche Nachrichten de julho de 1954, tratase de uma peça que foi representada pelo grupo “Kammerspiele”. No verbete
relativo a Keller do Biographisches Handbuch der deutschsprachigen
Emigration, de 1983, outras obras de Keller são mencionadas: Streitgespräche
für Männer (=Discussões para Homens), Steigbügels Stimme aus der Gruft (=A
voz de Steigbügel do Túmulo) e Gelächter hinter Gittern (=Risos atrás das
grades). Além disto, não há outras informações. As obras não se encontram nos
arquivos alemães consultados, nem na biblioteca de Nova York, nem em
arquivos brasileiros.
Honrarias no final da vida
Em 1957, como se viu, Keller torna-se "Carioca Honorário" e, em 1959,
recebe o prêmio de melhor professor de arte dramática. Em 1963, recebe a Cruz
do Mérito, 1ª classe da República Federal da Alemanha. O jornal Deutsche
Nachrichten (=Notícias Alemãs), editado no Brasil em língua alemã, noticia o
fato em 6 de abril de 1963. Junto com Keller recebem a honraria Peter Amann,
da comunidade católica do Rio de Janeiro, o pastor Schupp, da comunidade
evangélica, e o diácono do asilo de Jacarepaguá. O presidente da Höchst, sr.
Kurz, recebe a Grã Cruz do Mérito.
94
Em 1968, Keller recebe a medalha Alexandre von Humboldt da República
Federal Alemã, o prêmio Estácio de Sá para música erudita, atribuído pelo
Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e, ainda neste mesmo ano, por
decreto de 22 de maio, a Ordem do Cruzeiro do Sul, no grau de oficial.
São prêmios e honrarias que reconhecem o trabalho cultural de Keller,
sobretudo seu trabalho de mediador cultural.
Em fins de 1969, Keller deixa a direção do Instituto Goethe. No ano
seguinte, Keller completa 70 anos, 35 anos de Brasil.
Em agosto de 1970, Keller está na Alemanha, em Mannheim. Em carta a
Ulrich Becher, datada de 2 de agosto, fala de uma operação, de exames que
resultam satisfatórios, conta que sua aposentadoria ainda não saiu e menciona
uma viagem aos Estados Unidos.
Os anos seguintes não são ociosos. Em 1972, Keller participa como
palestrante de um seminário sobre o teatro alemão realizado no Instituto
Goethe do Rio, conforme notícia de 05/10/72 nO Estado de São Paulo. Nestes
últimos anos continua a dedicar-se às suas atividades de tradutor. A situação
familiar parece tranqüila, o filho está formado, Keller tem dois netos. Sua saúde,
porém, não resiste. O câncer abala-lhe as energias e Keller morre em 24 de abril
de 1979 no Hospital São Silvestre do Rio de Janeiro. Atendendo a seu pedido
expresso, seu corpo é cremado em São Paulo (na época não há crematório no
Rio) no dia 25 de abril de 1979.
Obras de Willy Keller:
Peças de teatro
Rotkäppchen und der böse Dr.Wolf (= Chapéuzinho Vermelho e o malvado Dr.
Lobo).
Peça não localizada. Mencionada em notícia no jornal Deutsche Nachrichten de julho de
1954, trata-se de uma peça que foi representada pelo grupo Kammerspiele.
Streitgespräche für Männer (= Discussões para Homens).
Peça não localizada. Mencionada no verbete relativo a Keller do Biographisches Handbuch der
deutschsprachigen Emigration, de 1983.
Steigbügels Stimme aus der Gruft (= A voz de Steigbügel do Túmulo).
Peça não localizada. Mencionada no verbete relativo a Keller do Biographisches Handbuch der
deutschsprachigen Emigration, de 1983.
95
Gelächter hinter Gittern (= Risos atrás das grades).
Peça não localizada. Mencionada no verbete relativo a Keller do Biographisches Handbuch der
deutschsprachigen Emigration, de 1983.
O macaco Simão.
Peça não localizada. Mencionada no currículo enviado em 1956 ao Instituto Nacional do Livro.
Peça para adolescentes de 12 a 120 anos, revista por Angelo Labanca.
Ensaios
In eigener Sache (=Em causa própria). In: Boletim da Associação de
Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 2: 1, 1944.
Die geheime Waffe (=A arma secreta). In: Boletim da Associação de
Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 3:1, 1944.
Politische Wandlung (=Mudança política). In: Boletim da Associação de
Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 4:1, 1944.
Alemães antifascistas no Brasil. In: Boletim da Associação de Emergência dos
Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 8:1, 1945.
Os campos de concentração e a moral internacional. In: Boletim da Associação
de Emergência dos Antifascistas Alemães. Rio de Janeiro, 9: 1, 1945.
O ressurgimento das organizações trabalhistas na Alemanha. In: Boletim da
Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 10: 1,
1945.
Der englischen Arbeiterpartei zum Gruß (=Cumprimentando o Partido
Trabalhista inglês). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas
Alemães, Rio de Janeiro, 11: 1, 1945.
Am Rande der Zeit (=À margem do tempo). In: Boletim da Associação de
Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 11: 1, 1945.
Rückblick, Ausblick (=Retrospecto, perspectivas). In: Boletim da Associação de
Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 12: 1, 1945.
Furor teutonicus. In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas
Alemães, Rio de Janeiro, 13: 7, 1946.
Notwendige Betrachtungen (=Observações necessárias).
In: Boletim da
Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, s.n.: 4,
1946.
Offener Brief an einen Genossen (=Carta aberta a um companheiro). In:
Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de
Janeiro, 15: 1, 1946.
96
Ein Irrtum und seine Berichtigung (=Um erro e sua correção). In: Boletim da
Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 16: 1,
1946.
Europäischer Gedanke und Reaktion (=Pensamento europeu e reação). In:
Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de
Janeiro, 17: 1, 1947.
Cinema e realidade. In: Jornal das Letras, Rio de Janeiro, Vll (77): s.p., 1953.
À procura da nova literatura alemã. In: Jornal das Letras, Rio de Janeiro, Vll
(75): s.p., 1955.
S.a. - Maior aproximação cultural entre o Brasil e a Alemanha. In: Diário de
Notícias. Rio de Janeiro, 18 de abr. 1957, s.p.
Sentido e importância da atualidade teatral. In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (2):
s.p., 1957.
Arquitetura teatral. In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (4): 55, 1957.
l Bienal das artes plásticas de teatro. In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (5): 52,
1957.
O teatro de Ionesco.In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (6): 55-56, 1957.
Ballet triádico. In: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 19 de out. de 1958, s.p.
O museu Bertolt Brecht. In: Leitura, Rio de Janeiro, 16 (7): s.p., 1958.
Aventuras de tradutor. In: Leitura, Rio de Janeiro, 16 (10): s.p.,1958.
Novo ano teatral. In: Leitura, Rio de Janeiro, 17 (21): .55-56, 1959.
Brasilianische Dichtung Heute (=Literatura brasileira hoje). In: Humboldt,
Bonn, 1 (1): p.25-31, 1961.
Traduções como ponte intelectual entre o Brasil e a Alemanha. In: Humboldt,
Bonn, 2, (6): 99-103, 1962.
A razão do absurdo: Christian Morgenstern. In: Humboldt, Bonn, 12: p.52,
1965.
A razão do absurdo. In: Humboldt, Bonn, 5 (12):.52-55, 1965.
Brecht, a sobremesa. In: O Estado de São Paulo. São Paulo, 4 de março de 1967,
Supl. Lit., s.p.
Uma poesia desconhecida de Bert Brecht. In: Humboldt, Bonn, 7 (16): 94, 1967.
97
Fatzer – ll. In: Revista da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, Rio de
Janeiro, 415: 2, 1977.
Seminário sobre o teatro alemão. In: O Estado de São Paulo, 5/10/1972.
Exiltheater Rio de Janeiro (=Teatro de exílio no Rio de Janeiro). In: POHLE,
Fritz - Emigrationstheater in Südamerika. Abseits der “Freien deutschen
Bühne”, Buenos Aires. Hamburgo, Hamburger Arbeitsstelle für deutsche
Exilliteratur, 1989, p. 37-54.
Traduções
Peças de teatro:
Eurydikes Hände (=As mãos de Eurídice, de Pedro Bloch).
Esta peça foi editada pela S. Fischer em forma de livro-texto, destinada a grupos teatrais
interessados na aquisição do direito de encenar a peça. A edição não se destinava ao comércio
livreiro.
Heute Nacht regnete es Silber (=Esta noite choveu prata, de Pedro Bloch).
Esta peça foi editada pela S. Fischer em forma de livro-texto, destinada a grupos teatrais
interessados na aquisição do direito de encenar a peça. A edição não se destinava ao comércio
livreiro.
Feinde schicken keine Blumen (=Os inimigos não mandam flores, de Pedro
Bloch).
Esta peça foi editada pela S. Fischer em forma de livro-texto, destinada a grupos teatrais
interessados na aquisição do direito de encenar a peça. A edição não se destinava ao comércio
livreiro.
Sorriso de pedra, (de Pedro Bloch.
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula, mas a editora Fischer não soube dar
informações sobre ela.
Vergelt’s Gott (=Deus lhe pague, de Joracy Camargo).
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula. O original encontra-se no arquivo da
Universidade de Hamburgo.
A história de Carlitos, de Henrique Pongetti).
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula, mas a editora Fischer não soube dar
informações sobre ela.
Amanhã se não chover, de Henrique Pongetti).
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula, mas a editora Fischer não soube dar
informações sobre ela.
Das Testament des Hundes (=O auto da compadecida, de Ariano Suassuna). 1ª
ed. St.Gallen/Wuppertal, Diá, 1968.
A última experiência, de Antônio Callado).
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula.
98
A falecida, de Nelson Rodrigues
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula.
Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues).
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula.
Almas de lama e aço, de Gustavo Barroso).
Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula.
Poemas
Mein Kriegsruf (= Meu canto de guerra, de Solano Trindade).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Também foi publicado no
boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos
Anifascistas Alemães), número 13, de 27 de fevereiro de 1946.
Lied des Arbeiters(=Canto do trabalhador, de Solano Trindade).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Também foi publicado no
boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos
Anifascistas Alemães), número 13, de 27 de fevereiro de 1946.
Fünf Sterne über dem Meer (=Eram cinco estrelas do mar, de Joaquim
Cardoso).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960.
Lyrisches Gefühl (= Lirismo, de Domingos Carvalho da Silva).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960.
Eisenbahn (=Trem de ferro, de Manuel Bandeira).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960.
Unmögliche Flucht (=A fuga impossível, de Augusto Frederico Schmidt).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960.
Das Telefon (=O telefone, de Antônio Rangel Bandeira).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960.
Sonett (=Soneto, de Tobias Barreto).
Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em
uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Também foi publicado no
boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos
Anifascistas Alemães), número 12, de 15 de dezembro de 1946.
Der Hund ohne Federn (=O cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto).
Publicado pela editora Rot de Stuttgart em 1960.
99
Nach dem Fall von Barcelona (=Após a queda de Barcelona, de Carlos
Drummond de Andrade).
Publicado
no
boletim
editado
por
Keller
“Notgemeinschaft
der
Deutschen
Antifaschisten”(=Associação dos Anifascistas Alemães), número 10 de 10 de julho de 1945.
Der Faschismus (=Regímen, de Guerra Junqueiro).
Publicado
no
boletim
editado
por
Keller
“Notgemeinschaft
der
Deutschen
Antifaschisten”(=Associação dos Anifascistas Alemães), número 5 de 1 de maio de 1944.
Narrativas
Erinnerungen des Schreibers Isaias Caminha (= Recordações do Escrivão
Isaías Caminha , de Afonso Henriques Lima Barreto).
Esse texto nunca foi publicado. O original encontra-se no arquivo da Universidade de
Hamburgo.
São Bernardo (= São Bernardo, de Graciliano Ramos).
O romance foi publicado pela editora Carl Hanser de Munique em 1960, reeditado pela editora
Aufbau de Berlim em 1962 e, finalmente, em 1965, a editora Fischer Bücherei de Frankfurt a. M.
lançou o romance numa edição de bolso.
Karges Leben (1961), Es ist weit bis Eden (1966) (= Vidas secas, de Graciliano
Ramos).
A editora Suhrkamp de Frankfurt a. M. publicou o romance em 1961. A editora Erdmann de
Herrenalb reeditou o romance em 1966 com o titulo de Es ist weit bis Eden. Outra reedição foi
lançada em 1967 pela Europäische Bildungsgemeinschaft com o título Es ist noch weit bis Eden
e, finalmente, a Suhrkamp lançou em 1981 uma edição novamente intitulada Karges Leben.
Angst (= Angústia, de Graciliano Ramos).
Publicado em 1978 pela Suhrkamp.
Der König der Welt (= O rei da terra, de Dalton Trevisan).
Texto não publicado. Os originais encontram-se nos arquivos da Universidade de Hamburgo.
O jardim do paraíso (=Der Garten Eden de Rudolf Bernauer).
Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula.
Aquele que diz sim, aquele que diz não (=Der Jasager und der Neinsager de B.
Brecht).
Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula.
O gnomo (=Erdgeist de Franz Wedekind).
Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula.
O guardião do túmulo (=Der Gruftwächter de Franz Kafka).
Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula.
A comédia de equívocos (=The comedy of errors de Shakespeare).
Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula.
100
Entrevista
a Werner Röder do Institut für Zeitgeschichte em Munique.
Editor dos boletins da
Notbücherei deutscher Antifaschisten (=biblioteca de emergência dos
antifascistas alemães)
Fonte:
Zimber, Karola Maria Augusta. Willy Keller: Um tradutor alemão de literatura
brasileira. Dissertação de Mestrado (FFLCH-USP), São Paulo, 1998.

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