Saiba mais - Instituto Martius Staden
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1 Literatura Brasileira de Expressão Alemã www.martiusstaden.org.br PROJETO DE PESQUISA COLETIVA Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa WILLY KELLER 1900-1979 (Karola Zimber) 2011 Sumário: I PARTE • Constança: a família, os primeiros estudos e a formação profissional • Teatro na Alemanha. • A Alemanha nos anos 30. • Keller entra em confronto com o regime. Fuga para o Brasil. • Os primeiros anos no Brasil • Operário em Porto Alegre. • A luta antifascista: o encontro com Friedrich Kniestedt. • São Paulo: trabalho num restaurante. • Mudança para o Rio de Janeiro. • A luta antifascista prossegue. • Os exilados: um grupo heterogêneo e pouco solidário. • A volta ao teatro. • A vida sorri enfim para Keller. • A viagem à Alemanha. Encontro com Brecht. • O Instituto Cultural Brasil-Alemanha no Rio de Janeiro. • Um parênteses: qual o perfil ideológico de Keller? II PARTE • Os boletins da “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”. • Teatro em língua alemã. • O Teatro Experimental do Negro. • Willy Keller, tradutor de literatura brasileira. • As traduções do alemão para o português. • Willy Keller, crítico de arte. • Honrarias no final da vida. 2 I PARTE Constança: a família, os primeiros estudos e a formação profissional Willy Keller nasce em 9 de junho de 1900, com o nome de Karl Wilhelm Keller, na cidade de Constança, à beira do lago do mesmo nome. Os alemães denominam o lago de Bodensee, um nome intraduzível, ou de Schwäbisches Meer (mar da Suábia), talvez por ser este o maior lago da Alemanha e também por separar, ou unir, três países: Alemanha, Áustria e Suíça. Esta proximidade com a fronteira parece prenunciar o futuro de Keller. São poucas as informações sobre a família de Keller. Seu pai, Karl Keller era professor ginasial e havia nascido em Karlsruhe em 1864. Sua mãe, Margarete Dell era de Weinheim. Em 1929 Keller casa-se com Ellen Heydemann, de Munique e, em 1930, nasce o único filho do casal, Peter. Ellen é secretária, profissão que mais tarde vai garantir a sobrevivência da família no exílio. Karl, nome herdado do pai, logo é abandonado e Keller passa a preferir, na vida artística e como escritor e tradutor, o diminutivo Willy ou os pseudônimos JJSansombre e Thomas. Muitos anos mais tarde, quando Keller cria um movimento antifascista e edita um boletim, ele passa a assinar W. Keller ou K.W.Keller, talvez querendo separar o intelectual do ativista político. Não encontramos menção a outros parentes. Na década de 50, no entanto, quando Keller, já morando no Brasil, viaja à Alemanha, deixa dois endereços para contato: o de Fritz Keller em Mannheim e o de Hans Gossler em Freiburg. Gossler, de acordo com Cristian, neto de Keller, seria um parente. Em sua correspondência com Ulrich Becher, guardada no arquivo Becher da “Die Deutsche Bibliothek” em Frankfurt/M, encontra-se a informação de que, em 3 dado momento, Keller visita também uma irmã de sua mãe que vive em Kandern. As cidades mencionadas e seus familiares acham-se, sobretudo, no sul da Alemanha, principalmente nas províncias de Baden-Baden e Würtemberg, o que parece sugerir que a família tinha raízes firmes nesta região. Cristian, neto de Keller, lembra em entrevista a mim concedida em 28 de junho de 1995, um episódio que teria acontecido com um irmão de Keller que entrara para o exército, se tornara mais tarde funcionário da alfândega, tendo carimbado seu próprio passaporte para sair da Alemanha. Durante os anos entre 1906 e 1909, Keller frequenta como qualquer garoto a escola primária em Kehl, à beira do Reno, e depois o ginásio em Weinheim, cidadezinha a noroeste de Mannheim, de onde provinha sua mãe. Segundo Cristian, neto de Keller, na mesma entrevista, Willy queria estudar música, com o que seu pai não concorda. Não se sabe se a opção de Keller pelo teatro teve a aprovação do pai. De qualquer modo, em 1919 Keller entra como aluno na “Hochschule für Musik und Theater des Nationaltheaters” (=Conservatório e Escola Dramática do Teatro Nacional) em Mannheim, fazendo um curso de teatro de 2 anos sob a direção de Paul Tietsch. A música é, ao lado do teatro, a grande paixão de Keller ao longo de sua vida. Num currículo enviado ao Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1956, Keller menciona que concluiu seus estudos com um certificado de aptidão (=Befähigungsnachweis) para exercício da atividade teatral da Cooperativa dos Associados Alemães ao Teatro e da Associação Teatral Alemã (=Befähigungsnachweis zur Ausübung der Bühnentätigkeit der Genossenschaft Deutscher Bühnenangehöriger und des Deutschen Bühnenvereins) bem como com a formação profissional de diretor e dramaturgo. Teatro na Alemanha Em 1921, Keller começa a trabalhar como ator no Teatro Municipal de Recklingshausen (=Stadttheater von Recklingshausen), pertencente à Associação Teatro Municipal Herne-Recklingshausen. Seu primeiro papel é 4 desempenhado na peça de Schiller Die Räuber (= Os salteadores). Seu contrato é renovado por um ano e o diretor do teatro, Richard Dornseiff, entrega-lhe então a direção de duas peças, uma de Chekov e outra de Walter Harlan1. Keller refere-se a este episódio como o despertar do seu interesse pela direção. Ele faz, em seguida, mais um curso suplementar de direção teatral e, a partir de 1925, dedica-se exclusivamente à direção. Em 1924 e 1925 trabalha no Rhein-Mainisches Künstlertheater (Teatro artístico Reno-Meno) em Frankfurt/M, como primeiro diretor. Em 1927 e 1928, participa dos Festivais (Festspiele) de Heidelberg como suplente de diretor. Em 1928 e 1929, exerce a função de suplente de diretor no Teatro Renaissance de Berlim. De 1929 até 1932, é o primeiro diretor do Teatro Municipal de Würzburg e, de 1932 até 1934, é também o primeiro diretor no Teatro Municipal de Osnabrück. Nesta época, a vida cultural na Alemanha (República de Weimar) acusa, segundo John Willett em seu livro Die Eröffnung des politischen Zeitalters auf dem Theater (= Abertura da temporada política no teatro), a influência das novas idéias vindas da União Soviética desde 1917. As relações com a jovem União Soviética tornam-se mais estreitas. O interesse pelos assuntos econômicos e sociais, o diálogo crítico com a sociedade, é mais importante do que o desenvolvimento de novos critérios formais. Comum aos artistas desta época é também o pacifismo. A qualidade técnica dos teatros alemães alcança notoriedade e a habilidade dos seus técnicos, que implantam pela primeira vez a iluminação cênica e inventam o palco giratório, torna-se conhecida. É neste ambiente que surgem figuras como Erwin Piscator (1893-1966) e Bertolt Brecht (1898-1956). O teatro de Piscator é francamente panfletário, concebido desde o início como um instrumento de luta de classes: um teatro que pretende intervir nos acontecimentos, fazer política. Ao lado desde teatro de agitação, aparece um teatro com finalidades didáticas: ao invés de dirigir a consciência de classe para determinados objetivos, pretende criar primeiro a consciência de classe. É, neste sentido, que Brecht desenvolve entre 1928 e 1931 suas “Lehrstücke” (= peças didáticas). 1 - Walter Harlan, nascido em 1867 e falecido em 1931, em Berlim, foi jurista e jornalista dirigente da Sociedade Literária (Literaturgesellschaft) de Leipzig, dramaturgo no Teatro Lessing e escritor em Berlim. 5 Assim, são as idéias de Brecht e Piscator que dominam o cenário teatral durante a formação e o desenvolvimento profissional de Willy Keller. A Alemanha nos anos 30 Os assim chamados anos 30 na Alemanha são marcados, como todos sabem, por três fatores principais: a dívida referente à derrota na Primeira Grande Guerra, o crack da bolsa de Nova York em 1929 e a ascensão de Hitler ao poder em 1933. Como perdedora da Guerra, a Alemanha vê-se obrigada a abrir mão de suas colônias na África, a ver seu território abocanhado pelos vencedores e a pagar-lhes uma vultosa soma em dinheiro, além de se sentir humilhada com a cerimônia da assinatura da paz em pleno Palácio de Versalhes na França, sua tradicional inimiga. Durante os anos 20, a Alemanha consegue, no entanto, equilibrar suas finanças e chegar a sentir o gosto do bem-estar, trazido pelo esplendor capitalista americano dos chamados anos de ouro. Entretanto, a humilhação de Versalhes não fora esquecida. Os acontecimentos financeiros de 1929 na Wall Street, porém, imprimem novos rumos ao país. O crack da bolsa abre um período de recessão econômica que só vai terminar em 1932. Seu efeito imediato é a interrupção do fluxo de capitais à Europa, comprometendo a economia capitalista como um todo e, sobretudo, a Alemanha na situação de dependente dos créditos americanos para saldar suas dívidas da Guerra. Nos anos seguintes, observa-se a queda anormal da produção industrial e agrícola, o endividamento exagerado dos pequenos agricultores, a triplicação do desemprego na indústria e a derrocada financeira e monetária. Em 1931, por exemplo, o “Creditanstalt”, o maior banco comercial da Áustria, abre falência, seguido de outros bancos europeus. Com isso, o capital americano aplicado na Alemanha volta aos USA e o marco alemão, sem a cobertura americana, perde valor. Em agosto deste mesmo ano, o governo alemão congela todos os créditos externos. 6 Em 1932, a produção industrial atinge seu ponto mais baixo: 30% menor do que a de 1929, sendo a Alemanha um dos países em que se concentram as maiores perdas. O colapso da produção na indústria pesada é o mais evidente. O comércio internacional retrai-se para menos de 40% de seu volume de 1929 em valor, e a 74% em volume físico. Uma das manifestações mais dramáticas da depressão atinge o proletariado industrial, pois a estratégia adotada para contornar a crise definese pela redução da produção e não dos preços. Na Alemanha, o número de desempregados atinge a cifra de 3,8 milhões de pessoas em dezembro de 1930. Com o esfacelamento do comércio mundial, a partir da crise de 1929, o capitalismo tradicional, numa tentativa de sobrevivência, toma o rumo do capitalismo monopolista, rumo este também marcado por modificações ideológicas, em que o Estado assume um papel bem maior, não só na Alemanha, como também na Itália e nos próprios USA com o “new deal” do presidente Roosevelt. Isto significa que, na área econômica, os países industrializados não abrem mais seu capital para o exterior, tornando as economias cada vez mais fechadas, com leis protecionistas contra mercadorias e dinheiro estrangeiros. Com isso, a economia mundial assume a desagregação já instaurada e a transforma na criação de mercados nacionais imperialistas. A Inglaterra, por exemplo, fecha-se em torno de suas colônias, a França em seu império, a Alemanha e os países da Europa Oriental recorrem à autarquia e ao protecionismo. Na Alemanha, o capitalismo monopolista, associado a uma ideologia imperialista e em conjunto com o espírito de vingança oriundo da humilhação sofrida em Versalhes, forma uma mistura explosiva, alimentada pela burguesia. Primeiro, o chanceler Gustav Stresemann consegue o reconhecimento do país como grande potência. Depois, em março de 1930, o chanceler Heinrich Brüning, em sua luta contra a depressão econômica, acaba por adotar medidas clássicas que arrocham os salários, retiram subvenções aos desempregados, limitam importações, controlam o comércio exterior. Estas medidas, no entanto, revelam-se ineficazes e a depressão aumenta. Nesta conjuntura, aumentam também a agitação social e as mobilizações operárias. A radicalização entre os militantes do Partido Comunista e as classes médias, ameaçadas pela proletarização, instaura-se. O grande capital que apoia o 7 Nazismo recebe, então, também o apoio destas classes médias que aí se refugiam. O Nazismo, em si, não é nenhuma corrente ideológica original, mas uma sistematização de várias teorias apresentadas no livro Mein Kampf (=Minha luta) por Adolf Hitler, seu autor. A doutrina nazista (abreviação de nacionalsocialista) é propositadamente confusa e ambígua. Apodera-se dos tópicos referentes à eliminação da luta de classes, defendidos pela classe operária e os despoja de seu teor internacionalista e proletário, para adequá-los à ideologia do capital nacional, fortalecendo-o face a capitais rivais. Assim, a doutrina nazista repele qualquer possibilidade de revolução social, despreza a democracia liberal, considerando-a fraca e incapaz (lembremo-nos que, durante todo o período em que vige a República de Weimar - 1918-1933 - a democracia é largamente exercitada, a ponto de nenhum partido político obter a maioria no parlamento, o que complica muito a situação fragilizada do país). Além da democracia, o nazismo também não leva em consideração o pacifismo e os direitos individuais frente ao Estado. O nazismo exorta a formação da juventude no exército, dando ênfase ao seu desenvolvimento físico e a uma educação dirigida para a defesa de sua própria ideologia. Preconiza a purificação da raça, com a esterilização dos portadores de doenças hereditárias e defende o aumento das taxas de natalidade. O partido e a ideologia nazistas contam, então, com o apoio do grande capital, da classe média e, agora, da juventude. Em 1930, há cerca de 400 mil jovens no exército; em 1933 há 1,5 milhão. Além disso, existem ainda as forças paramilitares como a SA (“Sturmableitung”=tropa de assalto) e a SS (“Schutzstaffel”=destacamento de proteção). O partido nazista chega ao poder, portanto, graças a uma conjuntura econômica infeliz, aliada a uma deterioração do sistema parlamentar alemão. Ao assumir a chancelaria em janeiro de 1933, Hitler implanta por inteiro a ideologia nazista no país: assina um acordo com a igreja, proibindo os padres de qualquer manifestação política, transforma o partido nazista em partido único, proíbe os intelectuais de se expressarem contrariamente ao regime e decreta a perseguição aos judeus. Quem desobedece é simplesmente preso. Hitler consegue, desta maneira, diminuir o desemprego, pois tem como aliados os donos do grande capital e, sem agitação social, tenta levar a Alemanha à auto-suficiência. Em 1936, a indústria alemã (principalmente a de 8 armamentos) atinge os níveis alcançados em 1929 antes da crise. Em 1939 não há praticamente desemprego. O imperialismo alemão tem, agora, todo o caminho livre à sua frente. Os anos da maturidade de Keller coincidem com esta difícil época dos últimos anos da República de Weimar e da ascensão do nazismo. No ensaio “A razão do absurdo: Christian Morgenstern” (1871-1914), publicado na revista Humboldt 12, de 1965, à página 52, Keller tece os seguintes comentários sobre esses anos da história alemã: Abrangem igualmente a época da ascensão nacional da Alemanha, a época da cultura burguesa capitalista, a época de um desenvolvimento material constante, a época, portanto, cujas instituições pareciam tão sólidas, que a humanidade se julgava no limiar da paz perpétua. [...] O ano de 1914 destruiu aquela esperança, que se fundava em uma teoria simplista da evolução, e, repentinamente, o povo alemão se viu frente a problemas, dos quais havia tomado conhecimento apenas na periferia durante os anos do bem estar. Um passado julgado morto despontava subjugando a Europa e o mundo. O ensaio parece ser uma reflexão sobre as razões da derrocada de 1918 e, sobretudo, sobre a incapacidade da Alemanha em resolver seus problemas, culminando com a ascensão do nazismo e em uma catástrofe de proporções mundiais que arruinou a vida de milhões, inclusive a de Keller. Apesar dos muitos problemas, as artes haviam florescido na República de Weimar e, no teatro, este período produtivo só é sufocado pelo nazismo. Keller, no artigo “Seminário sobre o teatro alemão” publicado no jornal O Estado de São Paulo de 5/10/1972, assim se manifesta: “Uma grande força criadora caracterizava o teatro alemão no período de 1918 a 1930, quando autores possuíam o que faltava aos dirigentes políticos da época: clarividência para perceber o desastre que seria o regime nazista.” Keller entra em confronto com o regime. Fuga para o Brasil. 9 Em 1934, Hitler é chanceler, empossado em 30 de janeiro de 1933. Em 27 de fevereiro do mesmo ano, o “Reichstag” (=Parlamento) é incendiado e o episódio serve de pretexto para a prisão de mais de 10.000 funcionários e membros do SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands = Partido Social Democrata da Alemanha) e do KPD (Kommunistische Partei Deutschlands = Partido Comunista da Alemanha), assim como de opositores em geral. Nessa época, Keller tem afinidades com o SPD e é também filiado ao Sindicato dos Trabalhadores Teatrais. No dia 10 de maio de 1933, inicia-se a grande queima pública de livros em toda a Alemanha. O confronto de Keller com os nazistas teria que vir mais cedo ou mais tarde. Em 1934, Keller dirige em Osnabrück uma peça de Shakespeare, que obtém enorme sucesso e provoca a inveja do diretor de ópera que o denuncia como antinazista. Keller menciona em um currículo encaminhado ao Instituto Nacional do Livro em 21/10/1956 que, em outubro de 1934, também dirige uma comédia que provoca a ira das autoridades: Trata-se de Kuckukseier (=Os ovos do cuco) do crítico teatral Wolfgang Götz (1885-1955). Os Ovos do cuco sugere a ocupação indevida de um lugar, pois o cuco, como o nosso chupim, costuma pôr seus ovos no ninho alheio. Isto pode ter sido uma referência aos nazistas e explica a reação irada destes. É possível que tanto o sucesso de uma peça de Shakespeare e a conseqüente inveja de um colega, como a representação de uma peça em que se critica o nazismo, somados à ligação de Keller com o SPD e o Sindicato, tenham resultado em sua perseguição pelas autoridades. Maria Sommer da editora “Gustav Kiepenheuer Bühnenvertriebs GmbH”, em entrevista a mim concedida em setembro de 1995, não acredita que a encenação da peça de Götz tenha provocado a ira dos nazistas contra Keller. No entanto, em uma carta a esta mesma Maria Sommer, Keller confirma que, no dia seguinte à representação da mencionada peça alemã, teve impedida sua entrada no teatro e que a partir dessa data começa sua perseguição pelo regime. Susanne Bach, em entrevista a mim concedida em setembro de 1995, em Munique, admite ainda a existência de um outro problema na vida de Keller. Sua esposa, Ellen Heydemann, tem ascendência judia e, portanto, sua vida e a de seu filho estão seriamente ameaçadas. A iniciativa de emigrar parece ter 10 partido de Ellen, atemorizada com o crescente antissemitismo, enquanto Keller parece ser surpreendido pelos acontecimentos. Em um currículo enviado ao Instituto Goethe de Munique em 21/10/1963, Keller fala de processos contra sua pessoa em Osnabrück e Berlim. Seu salário é bloqueado e sua casa submetida a buscas pela Gestapo, a polícia secreta do estado. Keller esconde-se primeiro em Berlim e foge depois para o Sarre (Saarland), então sob a proteção das Nações Unidas. Num questionário respondido ao “Institut für Zeitgeschichte” (Instituto para História Contemporânea) em 1/05/1971, Keller menciona que fugiu em 10 de novembro de 1934 para Saarbrücken, capital do Sarre, após a expedição de uma ordem de prisão contra sua pessoa no dia 9 do mesmo mês. Face a tal ameaça, sua mulher Ellen prepara a fuga para o Brasil. Ela relata assim o episódio: A Gestapo sabia naturalmente da minha intenção e tentou convencerme a fazer com que meu marido voltasse para Berlim, garantindo-lhe livre trânsito, pois seria leviano abandonar sua profissão, uma vez que já tinha um nome na Alemanha como diretor teatral. Como ele impunha condições à Gestapo declarei, após os papéis para emigração terem ficado prontos com auxílio do Consulado Brasileiro e da Companhia de Navegação Chargeurs Réunis, que eu mesma iria a Saarbrücken, para convencer meu marido das “boas intenções” da Gestapo e trazê-lo de volta. Prometi deixar meu filho Peter de 4 anos 1como garantia na Alemanha. Mas no dia seguinte, peguei meu filho e consegui chegar a Saarbrücken, e de lá a Le Havre, passando por Paris, onde, no Natal, embarcamos na terceira classe de um pequeno vapor francês.2 A família Keller chega a Porto Alegre em janeiro de 1935. Segundo testemunho de Cristian Keller, dado por telefone em junho de 1995, Ellen já havia estado no Brasil em 1933. Talvez isto explique o fato de Ellen ter conseguido obter os papéis necessários para emigrar no curto prazo de algumas semanas. A escolha do Brasil como país de exílio faz-se por razões supostamente práticas: segundo a versão de Cristian, Ellen, a mulher de Keller, tem um tio em Porto Alegre o que lhe permite lançar mão da carta ou da passagem de chamada, aberta àqueles que já possuem parentes no país. Numa entrevista a Werner Röder do “Institut für Zeitgeschichte”, datada de 1971, Keller revela que 2 Apud Izabela Kestler. Das Exil der deutsprachigen Schriftsteller und Publizisten in Brasilien. Frankfurt/M, Peter Lang, 1992, p.95. 11 a decisão de emigrar para o Brasil se deve à existência de parentes distantes de sua mulher neste país. No entanto, em conversa por mim mantida com familiares, em Valinhos, em junho de 1995, estes não se lembram deste parente, e nossa tentativa de localizá-lo por meio de um anúncio no jornal de língua alemã Brasil Post, de 16 de dezembro de 1994, infelizmente, não dá em nada. Também pode ter acontecido que este tio nunca tenha existido, tendo servido apenas para justificar e legitimar a vinda de Ellen ao Brasil em 1933, para organizar a fuga, comprando uma carta de chamada. É curioso observar que as circunstâncias da vinda da família Keller ao Brasil apresentam versões diferentes, já que na já citada entrevista a Werner Röder do “Institut für Zeitgeschichte”, Keller também afirma que viaja para o Brasil na companhia de Ulrich Becher, como membro do grupo Görgen. Há, na verdade, um chamado grupo Görgen de exilados no Brasil. Este grupo é coordenado por Hermann Mathias Görgen, ministro das finanças do governo austríaco no exílio. É sua tarefa conseguir asilo, num país sul-americano, para emigrantes que estão fugindo para a Suíça onde, sem conseguir visto de permanência, ficam sob ameaça de deportação. Görgen consegue para estas pessoas passaportes checos do governo Benesch. O cônsul brasileiro em Genebra concede-lhes os vistos, sem mostrar os passaportes ao consulado alemão, para que este não os assinale com J de judeu, o que impediria seus portadores de entrar no Brasil, devido ao antissemitismo do governo Vargas. Ora, Keller refere-se a um tal Heinrich Görgen, pensando, porém, em Hermann Mathias Görgen. Este grupo inclui, realmente, Ulrich Becher e sua esposa Dana Roda-Roda Becher, e chega ao Brasil em maio de 1941, passando pela França, Espanha e saindo de Lisboa em 27 de abril do mesmo ano. Todavia, na relação dos participantes do grupo não consta o nome de Keller. Werner Röder, em carta a mim enviada em 14/11/1995 levanta duas explicações possíveis para o fato: 1 - [...] a superposição de experiências semelhantes, próprias e alheias, não é incomum na percepção de vítimas de perseguições distantes no tempo, e 2 - há uma falha possível na reconstrução do depoimento de Keller a partir da transcrição da gravação. 12 Além disso, a fixação do ano de 1935 para a chegada de Keller ao Brasil é por ele confirmada através de outros fatos, registrados por Keller, em seus currículos. A partir dos depoimentos de emigrantes e de contemporâneos, sabe-se dos obstáculos que se opunham à emigração: dificuldades em obter passaporte e visto de saída, recusa de países como a França e a Espanha em conceder vistos de passagem, a expansão nazista, a recusa de vários países em conceder vistos de permanência e os esquemas de suborno e corrupção envolvidos. Assim, preocupados em não comprometer outras pessoas ou em não fechar eventuais rotas de fuga, os emigrantes nem sempre relatam os fatos de forma verídica. Sobre a prática ilegal de compra de passagens/cartas de chamada, Maria Luiza Tucci Carneiro escreve em seu livro O anti-semitismo na era Vargas, de 1988, na página 162, o seguinte: A exigência de apresentação de uma carta de chamada para a obtenção de visto de entrada no Brasil, gerou um verdadeiro “comércio de falsas cartas” envolvendo autoridades e funcionários do Itamarati e Consulados, além da proliferação de agências especializadas que agiam encobertas por certas repartições federais. E, mais adiante, na página 226, faz menção à agência de viagens Josef Hartmann que, por meio da “Palestine e Orient Lloyd”, vende vistos de entrada e passagens para o Brasil. Ao que tudo indica, várias são as circunstâncias que se somam para levar Willy Keller à emigração, interrompendo, assim, de forma abrupta sua carreira de diretor teatral na Alemanha. Na entrevista a Werner Röder antes mencionada, Keller diz: Na minha fuga não considerei que, ao abandonar o âmbito das línguas européias, eu sacrificaria completamente meus interesses profissionais. Isto repousa de um lado, no fato de que então, como também hoje, não se tinham dados concretos sobre o Brasil, e por outro no fato de que eu me achava num estado de depressão que paralisava meu raciocínio. Por motivos de ordem profissional e pessoal eu deveria ter escolhido a Inglaterra ou os Estados Unidos como país de exílio [...] É possível que Keller tivesse amigos ou relações profissionais nestes países que lhe permitissem uma integração mais rápida, mas, com a possibilidade de usar a carta/passagem de chamada, acaba no Brasil. 13 Os primeiros anos no Brasil No período de 1933 a 1945 o Brasil recebe de 16.000 a 19.000 emigrantes de língua alemã. Este número é considerado pequeno se comparado ao de outros países com extensão territorial e população inferiores. A Argentina, por exemplo, recebe no mesmo período mais de 35.000 pessoas e o Chile, 12.000. Até 1930, o Brasil é um país relativamente aberto à imigração. Com a subida de Vargas ao poder e principalmente a partir de 1937, com o início do Estado Novo, a situação muda drasticamente e são tomadas medidas sempre mais severas impedindo a entrada de imigrantes. É importante também notar que o Brasil não reconhece os refugiados como "asilados", mas considera-os "imigrantes" sujeitos às políticas de imigração vigentes. As restrições à imigração são justificadas por motivos reais ou supostos de ordem econômica e social, ou baseadas em teorias raciais pseudocientíficas que visavam a melhoria da raça por meio da opção por imigrantes de raças “boas”, em contraposição aos imigrantes de raças “ruins”. A partir de 1937 as restrições, sobretudo, à entrada de judeus, que constituem o maior contingente de refugiados, aumentam. Em 1937, 9.263 judeus recebem um visto de entrada. Em 1939 este número cai para 2.289. O intercâmbio comercial com a Alemanha é intenso e existe, por parte do Brasil, isto é, tanto por parte do governo como por parte de muitos oficiais do exército, uma declarada simpatia pelo estado nazista. O fracassado golpe comunista de 1935, que conta com a participação de agentes estrangeiros, cria o receio de influências subversivas de grupos internacionais. Também a preocupação com a unidade da nação brasileira, suas características nacionais, língua, religião, traços raciais, faz-se sentir, unidade ameaçada, em especial, por alemães e italianos que tendem a preservar sua língua e tradições nas colônias que fundam. O antissemitismo, que pode ser incluído entre as restrições aos estrangeiros em geral, e a pressão exercida pelos diplomatas alemães junto ao governo para impedir a entrada de refugiados no Brasil, constitui um outro fator a limitar a entrada de estrangeiros no país. A partir de 1938 a política 14 getulista em relação Alemanha começa a mudar com a eliminação do integralismo e os ataques contra grupos nazistas, sobretudo, no sul do país. A partir de 1941 inicia-se uma aproximação gradativa aos Estados Unidos que já haviam declarado guerra à Alemanha e a seus aliados. Finalmente, em agosto de 1942, o afundamento de cinco navios mercantes brasileiros por submarinos alemães resulta na declaração de guerra aos países do Eixo. Imitando a legislação americana são estabelecidas cotas de imigração e privilegiados agricultores, detentores de profissões técnicas, pessoas que possam aportar capital ao Brasil, imigrantes de países com os quais o Brasil tem afinidades culturais e religiosas, como espanhóis, portugueses e italianos. A ambiguidade de motivos fica evidente quando se pretende trazer agricultores e ao mesmo tempo não se permite a aquisição de terras por estrangeiros, o que reduz esses agricultores a meros trabalhadores rurais; também, ao mesmo tempo em que se pretende trazer imigrantes espanhóis e italianos, existe o receio de que venham pessoas ligadas ao sindicalismo e a movimentos de esquerda que poderiam perturbar a ordem social. A concentração de pessoas de um país em uma mesma região passa ser limitada, para evitar o que se chamou de formação de “quistos raciais”. Entre 1934 e 1938 vigoram as assim denominadas “cartas de chamada” que permitiam a estrangeiros residentes no país trazer seus parentes para o Brasil. As diversas leis e resoluções emitidas, algumas secretas e de caráter sempre mais restritivo, dirigidas em especial contra a imigração judaica, são listadas detalhadamente nas obras já mencionadas de Izabela Furtado Kestler, Die Exilliteratur und das Exil der deutschprachigen Schriftsteller und Publizisten in Brasilien, e Maria Luiza Tucci Carneiro, O anti-semitismo na era Vargas. Mais recentemente um grupo de pesquisadores em torno da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro vem pesquisando os arquivos do DEOPS de São Paulo, e os arquivos do Itamaraty, trazendo novas informações sobre o esquema repressivo do estado getulista e suas relações com o nazifascismo. Pessoas são presas, torturadas e deportadas. Lembra Boris Fausto em História do Brasil, São Paulo, Edusp, 1994, p. 376: “O Estado Novo perseguiu, prendeu, torturou, forçou ao exílio intelectuais e políticos, sobretudo de esquerda e alguns liberais.” 15 A partir de 1938, após o fracassado golpe integralista, mas sobretudo após o rompimento das relações diplomáticas com os países do Eixo e a entrada do Brasil na guerras, a repressão se dirige contra os alemães, italianos e japoneses e seus descendentes. As respectivas línguas são proibidas; escolas associações e jornais são fechados, estrangeiros não podem viajar. A repressão não distingue os refugiados do nazismo de simpatizantes e adeptos. Se as boas relações iniciais entre Brasil e Alemanha não facilitaram a vida dos refugiados que são opositores do regime nazista e perseguidos pelo mesmo, a mudança na política brasileira, por seu lado, também não beneficia os refugiados, que são vistos apenas como estrangeiros, cidadãos de um país inimigo. Ironicamente, muitos destes refugiados já haviam perdido a cidadania alemã. Numa viagem a uma localidade de nome Ingá, por exemplo, Max Hermann Maier e um companheiro hospedam-se numa pensão e registram-se como "sem nacionalidade", já que a alemã havia sido cassada. À noite, são chamados pelo chefe de polícia que insiste em que são alemães. São finalmente obrigados a registrar-se como tal para evitar a prisão. Keller fala da situação da seguinte maneira na sua entrevista a Werner Röder: “quatorze dias após minha chegada ao Brasil recebi pela primeira vez a visita da polícia; durante a guerra tive até quatro buscas domiciliares por semana, a última em 1946.” É preciso notar, no entanto, que em 1943 Keller já havia fundado no Rio de Janeiro seu movimento antifascista e estava publicando um boletim em língua alemã, o que certamente deve ter provocado as reações por parte das autoridades brasileiras. Uma pergunta que fica em aberto é a questão da distribuição do boletim antifascista de Keller. Considerando a repressão existente, a proibição da língua alemã, as dificuldades de comunicação, a impossibilidade de viajar, as dificuldades financeiras, como Keller distribuía os 500 exemplares de seu boletim, como recebia as notícias do Brasil e do exterior, como se comunicava com seus leitores? Aparentemente o boletim foi distribuído principalmente no Rio de Janeiro. Quando fiz esta pesquisa, constatei que o nome de Keller era praticamente desconhecido em São Paulo. Keller reproduz em seu boletim cartas vindas do sul do país, citando as localidades, sem porém mencionar o 16 nome de seus correspondentes. Talvez pessoas detentoras da cidadania brasileira, que podiam viajar, distribuissem o boletim. E as notícias, as informações sobre a situação na Alemanha? Embora não obtivesse provas nesse sentido, é possível que Keller tivesse contatos nos consulados estrangeiros e até com diplomatas alemães opositores do nazismo. Operário em Porto Alegre. Uma viagem ao Rio à procura do teatro Ao chegar ao Brasil, Willy Keller fixa residência em Porto Alegre, onde passa a trabalhar na fábrica de espelhos do suposto tio de Ellen e esta também consegue emprego como secretária lá. Keller fala desta primeira experiência no Brasil no artigo “Aventuras de Tradutor” de 1958, publicado na Revista Leitura 10, do Rio de Janeiro. Diz ele: Em fins de janeiro de 1935, desembarquei em Porto Alegre esbulhado e perseguido pelos nazistas, então no poder na Alemanha...e em alguns outros países deste engraçado mundo. Poucas semanas antes era ainda um bem renumerado e respeitado diretor teatral, com seus livros, seus amigos, seus comes e bebes e suas pequeninas mas teimosas necessidades intelectuais e, de repente, vi-me transformado em operário braçal, quase um analfabeto, sem possibilidade de comunicar-me com a população indígena, sem poder ler um jornal e sem níquel no bolso para matar a tremenda sede que me perseguia dia e noite. Neste mesmo artigo, Keller informa que, em meados de 1935, decide viajar para o Rio de Janeiro em uma tentativa desesperada de fazer contato com o teatro e o cinema brasileiro. Mediante o pagamento de 10 mil réis, embarca num navio da Companhia Carbonífera Riograndense. Encontra um Rio de Janeiro, assim descrito por Ruy Castro nO Anjo pornográfico, página 151: Em meados de 1941 [...] dizia-se que o teatro brasileiro ia do Rocio à Cinelândia - ou seja, de mal a pior. O Rocio era o antigo nome da praça Tiradentes, reduto do teatro de revista desde tempos pré-diluvianos. E a Cinelândia, que supostamente abrigava o teatro ‘sério’, era o território de Procópio Ferreira, Jaime Costa e Dulcina de Morais. O 17 eixo Procópio-Jaime-Dulcina dominava o palco e a gerência. [...] Como empresários e donos de seus narizes, era natural que só escolhessem peças de acordo com seu estilo. E, como eram todos comediantes, só queriam saber de comédias. No Rio de Janeiro, Keller não encontra, portanto, o que busca. No já citado artigo “Aventuras de tradutor”, assim ele expressa seu desencanto: “A minha desilusão foi total. Tinha chegado o momento em que precisava reconhecer que não só tinha perdido o meu país, como também minha posição social e minha profissão, tudo, portanto, que dava sentido à minha existência.” Em carta ao escritor, dramaturgo e professor Hans Rothe, que emigra em 1934 para os USA, Keller volta a falar de sua desilusão com a falta de uma indústria cinematográfica organizada ou de grupos teatrais nos quais pudesse encontrar uma colocação. Comenta a atividade de diretor de cinema da seguinte forma: “Mas naquela época ainda não se conhecia esta profissão, e o homem que dava o dinheiro também dirigia o filme.”3 Willy Keller parece ser, na época, a única voz crítica no mundo artístico brasileiro. Em maio de 1995, Dulcina de Morais, uma das estrelas do teatro de então, vem a receber o prêmio Sharp de teatro. Em artigo publicado na Folha de São Paulo de 3/5/95, na “Folha Ilustrada” à página 3, com o título “Prêmio Sharp lembra rainha do teatrão”, Sérgio Augusto pronuncia-se sobre a situação do teatro brasileiro desse tempo e corrobora as palavras de Keller. Diz ele: A importância de Dulcina se mede menos pelas suas qualidades histriônicas do que por sua abnegada dedicação ao teatro, onde formou, com o marido Odilon Azevedo morto em 1972, a mais famosa dupla de atores da ribalta brasileira.[...] mesmo aqueles que se incomodavam com os excessos interpretativos dela e consideravam Odilon um dos maiores canastrões do planeta - como era o caso do humorista Sérgio Porto -, respeitavam o empenho empresarial da dupla e suas contribuições para o aprimoramento da atividade teatral. Foi graças a Dulcina e Odilon que se aboliu entre nós a figura do ponto e se instituiu a folga teatral às segundas-feiras. O artigo continua: “Tempos heróicos aqueles. Montagem que emplacasse 50 récitas era considerada um sucessão.” Há, porém, outras vozes menos pessimistas que têm uma visão um pouco diferente do teatro brasileiro da época. Bárbara Heliodora em Quem é quem nas 3 Apud Izabela Kestler, p.95. 18 artes e nas letras no Brasil, de 1966, atesta, por exemplo, que Jayme Rodrigues Costa encena 170 originais. Jayme Costa preocupa-se especialmente com os jovens autores e atores brasileiros, e lança também nada menos de 39 artistas. Traz para o Brasil, pela primeira vez Cosi é se vi pare (=Assim é, se lhe parece), de Pirandello, Ana Christie, de O’Neill, e A morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller. Jayme Costa dá, assim, seu tributo ao teatro brasileiro. Isto mostra que a atividade teatral no Brasil, nesta época, não é afinal tão insignificante. Também Décio de Almeida Prado, em seu livro Peças, pessoas, personagens, aponta para a contribuição de Procópio Ferreira, ao lado de Dulcina e Odilon. Mesmo fazendo inúmeras restrições ao teatro de Procópio, Décio de Almeida Prado reconhece suas qualidades de ator e comenta à página 4 o seguinte: “Procópio contentou-se apenas em fazer rir - ninguém contribuiu tanto e de forma tão continuada quanto ele para manter a alegria em nossos palcos. Que este título baste para nossa gratidão e sua glória.” A luta antifascista: o encontro com Friedrich Kniestedt De volta a Porto Alegre, onde ainda passará alguns meses, Keller encontra Friedrich Kniestedt, em quem acha um parceiro político. Friedrich Kniestedt é mais velho, nasce na Alemanha em 1873. É fabricante artesão de escovas e vassouras. Aos 23 anos, entra pela primeira vez em conflito com as autoridades alemãs, quando se empenha por melhores condições de trabalho para o operariado. Ameaçado de prisão, foge para Paris e reúne-se aos socialistas em torno de Jean Jaurés (1859-1914) socialista, fundador do L’Humanité. Kniestedt é um homem simples, de pouca cultura. Classifica-se a si próprio como anarquista, mas é acima de tudo um individualista. Em 1909, Kniestedt emigra para o Paraná e passa a trabalhar numa plantação de café. Em 1913, volta para Berlim e opõe-se às preparações de guerra da Alemanha. Ameaçado novamente de prisão, foge em 1915 para o Rio Grande do Sul. Em 1933, funda a Liga para Defesa dos Direitos Humanos, 19 organiza movimentos antinazistas e edita várias revistas. Por pressão dos diplomatas alemães, as autoridades brasileiras cassam sucessivamente as impressões das revistas que Kniestedt, por sua vez, volta a editar com outro nome. O movimento organizado por Kniestedt não exerce, porém, influência além das cercanias de Porto Alegre. Keller fala do encontro com Kniestedt e de seu movimento na entrevista a Werner Röder de outubro de 1971, arquivada no “Institut für Zeitgeschichte”. Diz ele: Mas - sem o meu interesse por assuntos políticos, sem minha tentativa de resistir, sem o fato de ter encontrado já um núcleo de resistência em Porto Alegre, e por sinal na pessoa de Friedrich Kniestedt, sem este estímulo eu não teria suportado a emigração, eu me teria suicidado. Assim a política entrou apesar de tudo na minha vida. Devo à política e à minha própria participação ativa a minha sobrevivência. Não foram encontrados registros sobre a participação de Keller nas atividades do SPD, nem sobre o seu envolvimento com o movimento sindical na Alemanha, mas no Brasil a atividade política, em forma de luta antifascista, ocupa muito de suas energias e serve, nas suas próprias palavras, sobretudo à sua autoafirmação. Keller torna-se um dos redatores da revista de Kniestedt junto com outros exilados. Após a mudança para o Rio, Keller organiza seu próprio movimento, o “Notgemeinschaft deutscher Antifaschisten” (=Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães). Keller e Kniestedt mantêm uma ativa correspondência em que discutem assuntos pessoais e políticos. Às vezes, Keller fala do fim da guerra onde haverá “o grande ajuste de contas”. Outras vezes, Keller mostra-se desiludido. Acha a “guerra perdida para a humanidade”. São também amargos seus comentários sobre “os adeptos de última hora”, os maus elementos entre os exilados, “os oportunistas”. O relacionamento entre Keller e Kniestedt é rompido após o fim da guerra, quando Kniestedt pede ao governo brasileiro que levante as sanções contra os cidadãos alemães. O pedido irrita Keller, mas na já mencionada entrevista a Werner Röder ele não nega os méritos de Kniestedt: 20 Nossos caminhos se separaram no fim. Apesar disso quero atestar-lhe uma postura raramente sincera, na medida em que suas publicações já não tornam isso evidente. Era uma pessoa absolutamente correta, que sempre comprovou de maneira renovada essas suas qualidades em diversas situações. Estas palavras cabem também sob medida ao próprio Keller. São Paulo: trabalho num restaurante Não obtendo emprego satisfatório em Porto Alegre, Keller vem para São Paulo. Na década de trinta existe em São Paulo uma numerosa e próspera colônia alemã. A grande maioria descende de emigrantes vindos no século passado e está bem estabelecida no comércio e na indústria. Casas comerciais como as casas Fuchs, Lemcke, Kosmos, a Casa Alemã (mais tarde Galeria Paulista), a Pharmacia Allemã, a Goldene Hirsch Apotheke (Botica ao Veado de Ouro), empreendimentos industriais como o Frigorifico Eder, a Cia. Melhoramentos, os Laticínios Vigor, empresas agrícolas como a Roselândia e a Dierberger Agrícola pertencem a alemães ou aos seus descendentes. Os alemães têm seus clubes e suas associações culturais e recreativas, suas escolas, suas igrejas e seus restaurantes. Clubes como o Sportklub Germania (atual Clube Pinheiros), a Associação Católica Kolping, a Lyra, escolas como a Escola Alemã (depois Colégio Visconde de Porto Seguro), a Escola Alemã Vila Mariana (hoje Colégio Benjamim Constant), a Sant'Anna Schule (hoje Colégio Imperatriz Leopoldina), escolas e associações que se mantêm em grande parte até hoje, com outros nomes e integrados à vida brasileira. Sobre o relacionamento entre os imigrantes mais antigos e os novos imigrantes de São Paulo, Carolina Aust escreve no artigo “Musiker, Maler, Graphiker, Dichter, Schriftsteller und Journalisten: ein Bericht über die deutsche Emigration zwischen 1933 -1946 nach Brasilien”, publicado no Staden Jahrbuch de 1993, à página 56, o seguinte: 21 Entre os diversos grupos de emigrantes não existiam além disso maiores relações, pois as pessoas provenientes principalmente da grande burguesia eram nacionalistas alemães ou mantinham posições de direita. Em conseqüência existiam poucos contatos com os imigrantes socialdemocratas ou católicos de centro. A falta de solidariedade entre os diversos grupos de exilados e entre os imigrantes antigos e os novos imigrantes transparece em todos os testemunhos. Em São Paulo, Keller consegue emprego no restaurante de um teutobrasileiro. Sobre esta experiência, Keller revela o seguinte na entrevista a Werner Röder: Assim acabei em São Paulo como contador, no então maior restaurante da cidade.[...] Quando começou a guerra em 1939 perdi meu emprego porque me recusei a dar meu voto e minha concordância simbólica ao "Reich" e seu glorioso "Führer" Adolf Hitler, num navio alemão ancorado no litoral brasileiro fora do limite de três milhas. A coincidência de datas permite supor que se trata do “Windhuk”, um navio de carga e passageiros, um dos mais modernos e luxuosos navios alemães da época, que fazia a rota Hamburgo-África do Sul. Em julho de 1939, o navio sai para sua 13ª e última viagem que se transforma numa aventura temerária. O navio chega à Cidade do Cabo com 240 tripulantes e 400 passageiros quando o capitão recebe a informação da iminente declaração de guerra por parte da França e da Inglaterra à Alemanha. A maioria dos passageiros fica na Cidade do Cabo. O navio prossegue para Lobito, em Angola, onde se confirma a notícia da declaração de guerra. O “Windhuk” fica por dois meses em Lobito. Cinco tripulantes fogem num barco salva vidas e retornam à Alemanha após 73 dias de viagem, percorrendo mais de 8.000 km. O “Windhuk”, perseguido por navios ingleses e franceses, inicia a fuga pelo Atlântico e, no dia 7 de dezembro de 1939, chega ao porto de Santos. O Brasil é, na ocasião, um país neutro. Como a “Afrika Linie” continua pagando o salário dos tripulantes e a colônia alemã recebe a tripulação com simpatia, o navio permanece por vários anos atracado no porto. Essa simpatia, contudo, não é partilhada por Keller. Não sabemos qual era a posição política dos tripulantes: sua idade variava entre os 16 e os 59 anos, a maioria estava ali exercendo um trabalho. Em 1942, o Brasil declara guerra à Alemanha e, então, os tripulantes do “Windhuk” são internados em campos de 22 prisioneiros e o navio é vendido à Marinha Americana. Antes disso, alguns tripulantes enchem os motores do navio com areia e cimento, destruindo-os. O navio é recuperado com o nome de “Lejeune” e usado no transporte de tropas. Em 1948, o “Windhuk/Lejeune” é desativado e, em 1966, é sucateado. Os refugiados do “Windhuk” no Brasil somam-se ao já heterogêneo grupo de exilados alemães. Em conseqüência da recusa de Keller em visitar o navio e prestar solidariedade ao regime nazista, ele perde seu emprego no restaurante. Os anos da Segunda Guerra e a aculturação no Brasil: mudança para o Rio de Janeiro A perda do emprego no restaurante em São Paulo significa um duro golpe para a família Keller. Na já mencionada entrevista a Werner Röder de 1971, Keller declara que a partir deste momento minha família se viu ameaçada pela ruína total. Mudamos inicialmente para o Rio de Janeiro, procurando abrigo na casa de uma cunhada. Minha esposa conseguiu achar trabalho, eu não. Com o primeiro salário de minha mulher alugamos uma casinha, naqueles tempos ainda acessível por um preço modesto. Nossa primeira mesa foi uma caixa virada, nossas primeiras cadeiras caixas viradas, nossas primeiras camas tábuas pregadas uma na outra. Eu cuidava da casa nessa época. Essa repentina troca de papéis não fez bem de início, nem a mim nem a minha mulher. Apesar disso algum acaso que não sei explicar permitiu que sobrevivêssemos. No intervalo passaram-se trinta e dois anos e resignei-me ao meu destino. A partir de 1939, Willy Keller passa a morar definitivamente no Rio de Janeiro. Uma volta à Alemanha está descartada. Keller preocupa-se, então, em aprender o português, e, ao mesmo tempo, em não perder sua língua materna. Nesta terra, Brasil, cuja língua a princípio nunca acreditei poder entender e ou falar, descobri que minha pátria não é a terra alemã que supostamente carregamos conosco grudada na sola do sapato, mas sim a língua alemã [...] A luta para aprender uma língua estrangeira e 23 não esquecer a língua materna, tornou-se o conteúdo propriamente dito da minha vida.4 Keller continua tentando desenvolver suas atividades antifascistas e procura mostrar que existe uma outra Alemanha. Estes primeiros anos no Rio são extremamente difíceis do ponto de vista material. É Ellen, mulher de Keller, que garante a sobrevivência da família. Elvira Heydemann, a cunhada, irmã de Ellen, revela em entrevista a mim concedida em junho de 1995: “Foi minha irmã que, com grande sacrifício, sustentou a família”. Em 1946, Willy Keller liga-se, no Rio de Janeiro, por um curto período ao grupo teatral alemão criado por Wolfgang Hoffmann-Harnisch e seu filho Wolf Harnisch. Após o rompimento com Hoffmann-Harnisch, Keller prossegue com seu próprio grupo que atua até 1957. A partir de meados da década de 40 e na década de 50, Keller consegue integrar-se à vida intelectual brasileira: publica críticas, ensaios, relatórios de viagem, em revistas literárias do Rio de Janeiro, mais explicitados adiante. Participa de atividades teatrais em língua portuguesa, é membro da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e do PEN Clube. Em 1946, Paschoal Carlos Magno sugere o nome de Keller como dirigente do Teatro Experimental do Negro e, em 1951, Henrique Pongetti convida-o para dirigir uma peça. Seguem-se outros convites de grupos profissionais e amadores. A luta antifascista prossegue 4 POHLE, Fritz. Emigrationstheater in Südamerika. Hamburg, Hamburger Arbeitsstelle für Deutsche Exilliteratur, 1989, p. 41. 24 “O ser não político é um absurdo nestes tempos. Deveria ser castigado por cumplicidade.”5 A avaliação da atividade dos grupos antifascistas no Brasil resulta, em geral, bastante negativa. Izabela Kestler considera que estes grupos não têm nenhuma importância ou influência, sendo mesmo desconhecidos da maioria dos próprios exilados. Verificamos que esses grupos, no fundo, servem apenas para definir a posição política de seus integrantes, ou para garantir o próprio futuro político de seus fundadores numa Alemanha libertada. No artigo “Deutschsprachige Exilschriftsteller in Brasilien”, publicado na revista Língua e Literatura 6, de São Paulo,1970, às páginas 353-371, Ray-Güde Mertin escreve sobre as tentativas de criação de grupos antifascistas o seguinte: Com exceção de Willy Keller e sua Associação parece-me que não houve no Brasil grupos solidários de escritores exilados - como no México ou em Buenos Aires. Para a situação destes é característico que durante uma conversa com um deles o conceito 'Literatura no exílio' e 'escritor no exílio' não encontrou nenhuma compreensão. Willy Keller expressou-se de forma muito consciente a respeito deste problema: 'Eu sou um emigrante nato, uma volta à Alemanha seria impossível para mim. O que me une à Alemanha é a língua. Em 1935, em Porto Alegre, Keller havia-se unido ao grupo em torno de Kniestedt. Quando muda para São Paulo em 1936, e para o Rio de Janeiro em 1939, o contato com Kniestedt em Porto Alegre torna-se difícil. Em uma carta datada de 7 de janeiro de 1942, endereçada a Kniestedt, Keller lamenta a falta de contato, fala da censura brasileira que dificulta a comunicação e pretende enviar material para a revista de Kniestedt em Porto Alegre. No Rio de Janeiro, em fins de 1943, Keller funda, como já se disse atrás, seu próprio movimento antifascista, a “Notgemeinschaft der deutschen Antifaschisten” (=Associação de emergência dos antifascistas alemães). O próprio Keller não tem ilusões sobre a eficácia destes movimentos. Nas suas próprias palavras na entrevista a Werner Röder: No Brasil não existia nenhuma organização. O grupo por mim criado, a Associação dos Antifascistas Alemães, constituída posteriormente à "Organização" de Kniestedt, [...] também não era uma organização. Sua fundação foi uma necessidade, pois sem ela não teria existido no Rio uma representação pública dos antinazistas alemães. 5 KELLER,Willy: In eigener Sache. Boletim da Associação dos Antifascistas Alemães 2, 15 de janeiro de 1944. 25 É curioso observar que uma organização com este mesmo nome, “Associação dos Antifascistas Alemães” é citada por von der Mühlen como atuando desde 1935 no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Pelotas e Rio Negro, sem que haja uma investigação maior desta problemática. Sabe-se que Ulrich Becher publicou no Rio de Janeiro, em 1943, com prefácio de Willy Keller, Das Märchen vom Räuber, der Schutzmann wurde (=O conto do ladrão que se tornou policial) com o auxílio desta organização, como a primeira publicação do que deveria vir a ser a “Notbücherei deutscher Antifaschisten” (=biblioteca de emergência dos antifascistas alemães). Ulrich Becher dá notícia desse fato em sua obra Spiele der Zeit, à página 324: Willy Keller, diretor teatral de Mannheim, um conhecido de Bert Brecht, e eu, arriscamo-nos até a criar uma Biblioteca Alemã Antifascista de Emergência (Notbücherei Deutscher Antifaschisten), para influenciar as grandes ilhas de língua alemã no Rio Grande do Sul e no Paraná, hitlerizadas em 90%. A partir de 1943 e até meados de 1947, a organização de Keller passa a publicar também um boletim (=Rundschreiben), uma circular datilografada e mimeografada, com artigos do próprio Keller, notícias sobre as atividades dos nazistas no Brasil e na América do Sul, transcrições de notícias publicadas em jornais brasileiros e estrangeiros e até do "Völkischer Beobachter" (=Observador Popular), o órgão central do partido nazista alemão, notícias sobre o andamento da guerra e sobre a situação na Alemanha. Em 1945, terminada a guerra, aparecem as primeiras notícias sobre os campos de concentração que o boletim publica com destaque. Mais tarde, Keller comemora o ressurgimento dos movimentos sindicais na Alemanha e na Europa o que, em sua opinião, é o prenúncio de mudanças políticas profundas. Em dezembro de 1945, Keller fala da sua tentativa de organizar um auxílio para os detentos dos campos de concentração, que fracassa por não ser ainda possível enviar encomendas à Alemanha, pois até mesmo cartas têm que ser encaminhadas pela Cruz Vermelha. Além desse noticiário político, o boletim traz também notícias literárias, textos de autores alemães e brasileiros. O boletim é obra de Keller: é composto em média por 7 páginas e Keller fala em 500 exemplares distribuídos. 26 Intercalado com o boletim em língua alemã, Keller publica também um outro boletim denominado “INFA” destinado à imprensa brasileira. O boletim da “Associação dos Antifascistas Alemães” evidencia que Keller mantém um contato estreito com as organizações antifascistas nos Estados Unidos, no México, no Uruguai, na Argentina, na Inglaterra, que está bem informado sobre situação na Alemanha, que tem acesso a publicações estrangeiras e que mantém contato com os principais líderes do exílio nos demais países. Uma análise mais detalhada sobre esses boletins é oferecida mais adiante em “Keller ensaísta político”. É evidente o sentimento de frustração de Keller em relação aos imigrantes mais antigos, aos seus companheiros de exílio. No boletim nº 2 de janeiro de 1944, página 1, por exemplo, Keller escreve: [....] o que primeiro chama nossa atenção é que existem dois tipos de emigrantes: políticos e não políticos. É lamentável constatar que aqueles q u e n ã o q u e r e m s a b e r n a d a d e p o l í t i c a excedem de longe, em números, os emigrantes políticos. Esse peso morto que os emigrantes políticos têm de carregar, é que faz o trabalho tão pesado, e muitas vezes o torna tão inútil. Uma pessoa que não está disposta a participar ativamente na construção política da sociedade, não deveria poder participar dos direitos e vantagens que essa sociedade garante. Adolf Hitler não instruiu apenas de forma prática o povo alemão sobre a seguinte questão: pode um povo, um indivíduo isolado permitir-se manter uma postura apolítica diante de acontecimentos políticos. A habilidade e a persistência em manter sua associação nas adversas condições brasileiras, isto é, em meio à repressão aos exilados por parte do governo Vargas, à proibição de organizações políticas lideradas por estrangeiros, à proibição da própria língua alemã faz de Keller um dos exilados mais atuantes do Brasil. Os exilados: 27 um grupo heterogêneo e pouco solidário Na 2ª metade da década de trinta comunistas exilados, socialdemocratas, membros de pequenos partidos de esquerda, pacifistas e representantes de um ambiente intelectual, entretanto, proibido na Alemanha, reuniram-se em primeiros agrupamentos.6 Desta maneira, Patrick von zur Mühlen resume a situação dos exilados. A discordância entre esses grupos, porém, logo se instala e se acentua em 1939 por ocasião do pacto Hitler-Stalin, só havendo uma melhoria nas citadas relações após a invasão da União Soviética pelos alemães em 1941. Na América Latina as duas organizações mais importantes são a “Freies Deutschland” (=Alemanha Livre) sediada no México e liderada sobretudo por comunistas, e a organização “Das andere Deutschland” (=A outra Alemanha) em Buenos Aires. Esta última é liderada por August Siemsen, que mantém contato tanto com Kniestedt como com Keller. Numa carta a Kniestedt datada de janeiro de 1943, Keller fala de uma reunião a ser realizada em Montevidéu (Conferência de Montevidéu), coordenada por Siemsen, numa tentativa de reunir os diversos grupos atuantes na América Latina e superar as constantes discordâncias existentes entre eles. No Brasil, a grande maioria dos imigrantes antigos, no entanto, não tem interesses políticos e, por isso, não apoia as iniciativas dos exilados. Alguns são até mesmo francamente simpáticos ao nazismo. Entre os exilados, ligados a ideologias de esquerda, e os católicos e conservadores existem também sérias diferenças. Antes da declaração de guerra do Brasil à Alemanha, os diplomatas alemães denunciam os exilados às autoridades brasileiras. Em 1942, com a entrada do Brasil na guerra contra a Alemanha, a situação ainda se torna mais difícil; os cidadãos de língua alemã passam a ser simplesmente inimigos sem distinção entre simpatizantes ou inimigos do 6 Mühlen, Patrick von zur. Fluchtweg Spanien-Portugal. Die deutsche Emigration und der Exodus aus Europa 1933-1945. In; Lehmann, Klaus Dieter (org). Exil in Brasilien, die deutschsprachige Emigration 1933-1945.Bonn, J.H.W. Dietz ,1992, p.20. 28 nazismo. Antes disso, a língua alemã já havia sido proibida. Estrangeiros não podem exercer atividades políticas ou viajar livremente e o governo exerce sua severa censura. Os exilados em geral não têm recursos financeiros e, finalmente, as dimensões do país também dificultam os contatos. Durante os anos de 1942 e 1943, em cartas a Kniestedt, Keller fala de suas preocupações com os oportunistas e adeptos de última hora que vêem, nos movimentos antifascistas, a possibilidade de conseguir uma espécie de atestado de idoneidade que lhes traga benefícios e segurança no após-guerra. Em 1945, Keller rompe com Kniestedt. As razões são expostas numa circular, onde Keller define, mais uma vez, sua posição ideológica, declarandose adepto do materialismo histórico, solidário com os movimentos de esquerda e com os movimentos trabalhistas internacionais. No boletim informativo de agosto de 45, Keller denuncia duas multinacionais, a Shellmex e a General Motors da Argentina, que contratam nazistas para cargos executivos. No boletim de setembro do mesmo ano de 1945, Keller escreve um artigo “Am Rande der Zeit “ (=No limiar do tempo), em que lamenta a falta de uma reviravolta revolucionária na Alemanha e na Europa do após-guerra. Em uma carta de 3 de fevereiro de 1946 a Ulrich Becher, Keller volta a se preocupar com o que chama de denunciantes e espiões e cita nominalmente Fränkel, Hirnasch e Röttger. Fränkel, por exemplo, pertence à ala direita do SPD e ataca constantemente os grupos antifascistas de Buenos Aires e o grupo de Keller no Brasil. Keller é um ferrenho opositor do nazismo, isto não significa, porém, que ele concorde com todos demais exilados antinazistas, que abraçam os mais diversos matizes políticos. Diz ele na entrevista de 1971 a Werner Röder: Eu mesmo me colocaria, na minha posição de então [...] à esquerda do partido comunista. Toda organização funcional é para mim um horror. Eu jamais poderia pertencer a um partido político, pois estes são em última análise sustentados por seus funcionários. Eu porém, mesmo concordando em grande parte ideologicamente, não me enquadro em uma organização. Sou um outsider, porém um outsider disciplinado. Estou disposto a deixar de lado minhas opiniões pessoais no detalhe, desde que isto beneficie as idéias básicas que represento. As pessoas que vieram ao nosso encontro, e para as quais tentamos representar a consciência política dos alemães no Brasil, eram liberais. E porque eram liberais, eles nos toleraram, apesar de serem, em sua maioria, de opinião que íamos longe demais em nossas idéias de reforma social. 29 Através de uma carta de Hans Röttgen a Willy Keller, datada de 14 de julho de 1946, fica-se sabendo da proposta de Keller para criar uma “ala esquerda” dentro do SPD. Mas, já em 16 de agosto do mesmo ano, Keller escreve a Wilhelm Sanders, residente em Londres, comentando a inviabilidade da criação de tal “ala” do SPD no Brasil. Diz ele: ”Não existe no Brasil uma organização solidária de alemães politicamente interessados, e nem pode haver diante das leis vigentes.” Em 1947, Keller continua a preocupar-se em prestar auxílio material a antifascistas e a perseguidos do regime na Europa. No “Institut für Zeitgeschichte” estão arquivadas cartas de agradecimento de várias pessoas e organizações que receberam auxílio de Keller. O balanço final que Keller faz de sua própria atividade política no Brasil é melancólico. No currículo que prepara para o Instituto Nacional do Livro em 1956, Keller diz: Dediquei os dez primeiros anos no Brasil, exclusivamente, ao combate ao nazismo, sacrificando os meus interesses pessoais e os interesses da minha família à política. Desiludido com o êxito da guerra, abandonei em 1946 todas as atividades políticas. Keller é, sem dúvida, um político ativo e competente, profundamente envolvido com a atividade antifascista e, se não obtém resultados melhores, não é certamente por falta de empenho pessoal. O grupo de Keller, de que faz parte o conhecido jornalista e desenhista Gustav Epstein, não é o único a atuar no Brasil. O movimento de Kniestedt em Porto Alegre é, na verdade, o primeiro movimento antifascista no Brasil. O próprio partido nazista age no Brasil, sobretudo por meio dos diplomatas alemães. Também a Schwarze Front (=Frente Negra), uma dissidência do Partido Nazista tenta articular-se no país. A restrição do governo brasileiro à entrada de comunistas resulta na presença de grupos mais conservadores. O diretor teatral austríaco Karl von Lustig-Prean, por exemplo, alia-se a grupos que pretendem o restabelecimento da monarquia na Áustria; em princípios de 1940, Lustig Prean cria o “Movimento dos Alemães Livres” e, já em 1946, é fundada também a “Vereinigung der deutschen Sozialdemokraten” (=Associação dos Socialdemocratas Alemães) da qual participa, entre outros, o diretor teatral Hoffmann-Harnisch. 30 Uma investigação mais detalhada das circunstâncias que envolvem os exilados de língua alemã no Brasil mostra que é possível dividi-los em três grandes grupos. O mais numeroso, abrange aqueles perseguidos por motivos raciais e religiosos, e seus parceiros de casamento não incluídos nessa categoria, mas que, no entanto, seguiram seus companheiros no exílio. São pessoas de classe média, empresários, comerciantes, profissionais liberais, funcionários que, de repente, perdem seus empregos, têm seus passaportes cassados, vêem suas propriedades ameaçadas de confisco e temem por sua integridade física. Patrik von zur Mühlen, em seu livro anteriormente citado, avalia que 95% dos emigrantes pertencem a esse primeiro grupo. O sofrimento de milhares de pessoas perseguidas por motivos raciais e religiosos, sua fuga atribulada e as circunstâncias do exílio sobrevivem em depoimentos individuais e na memória dos seus protagonistas. A fuga e o exílio de alguns grupos recebe um registro mais destacado, como aquele grupo que se fixa na colônia agrícola de Rolândia, no estado do Paraná, e também aquele liderado por Hermann Mathias Görgen. Do grupo de Rolândia constam judeus, pessoas consideradas "não gratas" pelo regime nazista, mas também católicos e luteranos. O grupo trabalha num empreendimento idealizado pelos políticos Erich Koch-Weser (1875-1944), fundador do Partido Democrático Alemão e ocupante de cargos importantes na Alemanha até 1929, e Johannes Schauff (1902-1990). Esse empreendimento é planejado já antes de 1933 com a finalidade de dar um meio de subsistência aos alemães desempregados pela crise econômica de 1929/30, mas acaba tornando-se um importante centro de refugiados. O grupo é composto, como vimos acima, de pessoas perseguidas por motivos raciais e religiosos mas também de pessoas que, sem exercerem uma militância política, se preocupam com os rumos do regime nazista e a ele se opõem por motivos ideológicos. A história dessa colônia é contada por Ethel Volfszon Kosminky em Rolândia, a terra prometida. A epígrafe do livro, através das palavras de uma testemunha, lança alguma luz sobre o grupo: “O marido judeu, a mulher ariana segundo Hitler e a babá que os acompanhou porque já estava há muito tempo na família; um piano de cauda e milhares de livros.” 31 Alguns desses imigrantes deixam sua experiência registrada em obras que relatam o cotidiano do exílio no Brasil, como Rudolf Isay (1886-1956), jurista e mais tarde professor em Bonn, em Aus meinem Leben (=Minha Vida), de 1960; o também jurista Max Hermman Maier (1891-1976) e sua esposa Mathilde Maier em, respectivamente Ein frankfurter Rechtsanwalt wird Kaffeepflanzer in Brasilien (=Um advogado de Frankfurt se torna plantador de café no Brasil, de 1975 e Alle Gärten meines Lebens (=Os jardins da minha vida) de 1978, este último publicado também pela editora Massao Ohno, em São Paulo, em 1981, e Karin Schauff com 3 livros: Ein Sack voll Ananas, brasilianische Ernte (Um saco de abacaxis, colheita brasileira) de 1974, Das Klingelband (=O cordão de sinos), de 1979 e Brasilianischer Garten. Bericht aus dem Urwald (=Jardim brasileiro, relato da mata virgem) de 1983. O grupo de Hermann Mathias Görgen compõe-se dos refugiados que, entre 1940 e 1941, haviam procurado um abrigo inicial nos diversos países europeus. Entretanto, a situação torna-se insustentável, não só pela expansão da Alemanha nazista, mas também pela recusa dos países vizinhos em conceder vistos de permanência aos refugiados ou até mesmo vistos de passagem. É nesta atmosfera sufocante que um político pertencente à oposição católica na Alemanha, Hermann Mathias Görgen (1908-1994), consegue agrupar 45 refugiados e remetê-los ao Brasil. Uma descrição da verdadeira epopéia que envolve a viagem do grupo encontra-se no livro Exil in Brasilien (=Exílio no Brasil) de Klaus Dieter Lehmann. No livro, a maioria dos participantes é constituída de pessoas perseguidas por motivos raciais e religiosos. Fazem parte desse grupo o escritor Ulrich Becher e sua esposa Dana, o político Johannes Hoffmann e a romanista Susanne Bach. Ulrich Becher permanece no Brasil de 1941 a 1944, quando emigra para os Estados Unidos. Em 1948 retorna definitivamente à Europa. No Brasil, Becher participa do grupo antifascista de Keller. Deixa três obras inspiradas no exílio brasileiro: os dramas Makumba (publicado primeiro com o título Der Herr kommt aus Bahia = O Senhor vem da Bahia) e Samba, e a coletânea de poemas Brasilianischer Romanzero (=Romanceiro Brasileiro). Hoffmann retorna à Europa em 1945. Em 1947 torna-se primeiro ministro do Sarre independente, renunciando ao cargo quando o Sarre opta pela reintegração à Alemanha. Susanne Bach, aproveitando sua formação como romanista e a experiência do trabalho em uma livraria no 32 exílio francês, abre um antiquário no Rio de Janeiro, onde vive até 1983, quando retorna definitivamente à Alemanha. Görgen torna-se professor em Juiz de Fora e na Universidade Federal de Santa Maria. Após o retorno à Europa, onde vem a falecer em 1997, mantém suas relações com o Brasil, na condição de dirigente da Sociedade Brasil-Alemanha e do Centro Latino-Americano em Bonn, e edita até sua morte em 1994, os Cadernos Germano-Brasileiros. Outra parte do grupo Görgen estabelece-se em Juiz de Fora, onde monta um estabelecimento industrial. Um outro grupo, constituído de apenas algumas dezenas de pessoas, deixa sua marca na cultura e ciência brasileiras. É o grupo dos intelectuais, jornalistas e escritores, dos artistas, músicos e pintores, e dos cientistas que participam da formação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. No artigo “Deutschsprachige Exilschriftsteller in Brasilien nach 1933” (=Escritores de língua alemã no Brasil depois de 1933), publicado na revista Língua e Literatura de 1976, Ray-Güde Mertin faz inicialmente um resumo da problemática que envolve a literatura no exílio para, em seguida, relatar as circunstâncias do exílio, o caminho de alguns exilados em particular, as condições do exílio no Brasil e as dificuldades enfrentadas pelos exilados. De acordo com suas próprias palavras, o texto limita-se a alguns nomes nos quais, segundo a autora, as condições do exílio podem ser mais bem demonstradas. Ray-Güde Mertin chega a conhecer pessoalmente Willy Keller, no Rio de Janeiro, em 1974, ocasião em que este lhe comunica a impossibilidade de um retorno à Alemanha, declarando: “Sou um emigrante nato, um retorno à Alemanha seria impossível para mim. O que me liga à Alemanha é a língua.” No artigo ”Autores alemães do exílio no Brasil” publicado na revista Humboldt de 1985, Susanne Bach, ela própria exilada, fala de alguns intelectuais de língua alemã exilados no Brasil, citando em especial Stefan Zweig, Herbert Caro e Willy Keller. Mas, há também que considerar nomes como os de Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, por exemplo. Stefan Zweig, austríaco, exaustivamente estudado por Alberto Dines em Morte no paraíso, chega ao Brasil em 1940, continua exercendo sua profissão de escritor por algum tempo, mas não resiste ao exílio e suicida-se em Petrópolis em 1942. 33 Herbert Caro (1906-1991), alemão, jurista, chega ao Brasil em 1935. Em 1939, passa a trabalhar na famosa Sala dos Tradutores da editora Globo de Porto Alegre, traduzindo literatura inglesa e, sobretudo, alemã. Entre outros autores de primeira grandeza, traduz Thomas Mann. Entre 1957 e 1969, Herbert Caro é responsável pela biblioteca do Instituto Goethe em Porto Alegre. Nesse mesmo período, Willy Keller dirige o Instituto Goethe do Rio de Janeiro e, no entanto, não se tem notícia até agora de intercâmbios ou contatos estabelecidos entre ambos. Em Porto Alegre, Rosana J. Candeloro vem procedendo ao levantamento do seu espólio. Parte de seu trabalho já se encontra acessível no texto “Herbert Caro”, publicado em Cadernos Porto & Vírgula em Porto Alegre pela Unidade Editorial em 1995. O alemão Anatol Rosenfeld (1912-1973), chega ao Brasil em 1937. Formado em filosofia, germanística e história pela Universidade Humboldt de Berlim, atua, no Brasil, como jornalista colaborador da Folha de São Paulo e como professor, tendo produzido muitos trabalhos sobre literatura alemã. Otto Maria Carpeaux (1900-1978), austríaco, chega ao Brasil em 1939 e fixa residência no Rio, na mesma época em que Keller também aí reside. Neste caso, também não encontramos nenhuma informação que revele alguma proximidade entre os dois. Sua obra é objeto da dissertação de mestrado Um diálogo crítico. Otto Maria Carpeaux e as “ciências do espírito” apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP por Maria do Carmo Waizbort em 1992. A cultura brasileira, até então muito dependente da cultura francesa, abre-se com estes intelectuais também para a cultura da Alemanha e da Áustria. Susanne Bach lembra que a literatura de língua alemã não era desconhecida no Brasil, mas a falta de bons tradutores impedia uma maior difusão de suas obras. Além dos intelectuais que acabamos de nomear paradigmaticamente, cientistas perseguidos pelo regime nazista também encontram abrigo na recémfundada Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e são tema do artigo “Der Beitrag deutscher Wissenschaftler zum Aufbau der Philosophischen Fakultät der Universität São Paulo (=A contribuição dos cientistas alemães para a formação da Faculdade e Filosofia da Universidade de São Paulo), publicado no Staden Jahrbuch de 1964 por Carolina Aust. 34 Carolina Aust nasce em Straßburg em 1909, estuda francês, história e germanística, doutora-se na Suíça e vem para o Brasil em 1936. É a um tempo autora e personagem de seus textos, tendo convivido com muitos dos exilados e partilhado de seus problemas e aflições. Entre os cientistas refugiados no Brasil, está o seu próprio pai, o zoólogo Ernst Ludwig Bresslau. Aposentado compulsoriamente na Universidade de Colônia, Bresslau é contratado pela Universidade de São Paulo em 1934. Permanece por pouco tempo no cargo, pois falece em 1936. Outros cientistas contratados pela USP são os químicos Heinrich Rheinboldt (1891-1955) e Heinrich Hauptmann (1905-1960), o botânico Felix Rawitscher (1890-1957) e o também zoólogo Ernst Marcus, que sucede a Bresslau. Além de intelectuais e cientistas, há jornalistas, publicitários, artistas, pintores e músicos que, como os intelectuais, têm suas obras destruídas e, sendo impedidos de exercer suas atividades pelo regime nazista na terra natal, procuram refúgio no Brasil. Dois textos sobre este grupo encontram-se à disposição do leitor no livro de Izabela Kestler Die Exilliteratur und das Exil der deutschsprachigen Schriftsteller und Publizisten in Brasilien de 1992, já mencionado anteriormente, e o artigo “Musiker, Maler, Graphiker, Dichter, Schriftsteller und Journalisten: ein Bericht über die deutsche Emigration zwischen 1933 und 1946 nach Brasilien” de Caroline Aust, publicado no Staden Jahrbuch de 1993. Na obra de Kestler, estão reunidos os resumos biográficos de 37 exilados, são relatadas suas atividades na política, no teatro, suas atividades como jornalistas e escritores, comentadas as obras que escreveram no Brasil e sobre o Brasil. O texto analisa ainda a posição brasileira em relação aos exilados durante a era Vargas, de 1930 a 1945, as relações políticas e comerciais entre o Brasil e a Alemanha que determinam esse posicionamento, a legislação brasileira referente aos emigrantes e os fundamentos ideológicos dessa legislação. Izabela Kestler chega a uma conclusão muito similar à de Tucci Carneiro em O anti-semitismo na era Vargas de 1988, isto é, os exilados ficam impiedosamente expostos à xenofobia e ao antissemitismo brasileiros. No artigo de Caroline Aust há, sobretudo, lembranças pessoais dos artistas plásticos, dos pintores, dos músicos, que conheceu pessoalmente. 35 Há casos em que vários motivos se superpõem para levar as pessoas ao exílio. São pessoas perseguidas ao mesmo tempo por sua atividade intelectual, artística ou política, e também por razões religiosas e raciais. No caso específico de Keller, há a considerar que ele é um adepto do teatro brechtiano, professa uma ideologia de esquerda, nutre simpatias pelo partido socialista - o SPD - e está ligado ao sindicato de classe. Sua mulher Ellen não satisfaz as leis raciais do nazismo. Em 1935, as leis raciais de Nürenberg passam a proibir o casamento entre alemães e judeus e permitem a anulação dos matrimônios mistos já realizados. Há, como vemos, razões de sobra para fazer com que a família Keller deixe o país. Alguns aspectos distinguem o exílio no Brasil do exílio em outros países sul-americanos, em especial, no México e na Argentina. No Brasil, ao contrário dos países mencionados, não existem organizações políticas fortes reunindo os exilados, a exemplo da “Freie Deutsche” (=Alemães Livres) do México e “Das andere Deutschland” (=A outra Alemanha) de Buenos Aires. O grupo de Friedrich Kniestedt em Porto Alegre e o movimento antifascista de Willy Keller não passam de tentativas de organizar movimentos antifascistas no Brasil. O movimento de Kniestedt, que tem a colaboração de Keller, não atua além dos arredores de Porto Alegre, mesmo publicando um boletim e usufruindo de contatos dentro do próprio consulado alemão. É, assim, que consegue informações internas que acabam causando profunda irritação aos diplomatas alemães, que se empenham, então, em tirar de circulação o boletim. As razões para a não existência de organizações políticas fortes, reunindo os exilados no Brasil, assentam, por um lado, nas divergências ideológicas entre os exilados e, por outro, na falta de interesse político da maioria deles. Há até casos, como o de Richard Katz, em que o refugiado, num primeiro momento, não consegue sequer assumir-se como tal. Seu exílio no Brasil é eufemisticamente designado como mais uma das suas muitas viagens ao exterior, no desempenho de sua profissão de escritor. Os exilados no Brasil formam, assim, grupos heterogêneos com poucos denominadores em comum: judeus, católicos conservadores, pessoas que professam ideologias de esquerda, como o próprio Keller, e até mesmo dissidentes do Partido Nazista, pertencentes à Schwarze Front (=Frente negra) 36 de Otto Strasser. Atritos e divergências são comuns entre eles, e isso os enfraquece. Resumindo, pode-se dizer que divergências ideológicas, problemas do cotidiano, a luta pela sobrevivência, as distâncias territoriais, a repressão das autoridades brasileiras, a perseguição pelos diplomatas nazistas, o desinteresse pela política em geral, a falta de apoio por parte das respectivas comunidades, exceção feita à comunidade judaica que foi solidária com seus companheiros exilados, e também o desejo de voltar ao país de origem, não faz dos exilados de cultura alemã no Brasil um grupo solidário. Durante os dez primeiros anos de vida no Brasil, Keller empenha-se numa quase solitária luta contra o fascismo. Os colaboradores de que temos notícia são poucos. Entre eles estão Kurt Übel e Hans Kegel. Isto cria uma situação de confronto em bases muito desiguais, não só com os imigrantes mais antigos, mas com seus próprios companheiros de exílio, a quem Keller chama em diversas ocasiões de oportunistas e delatores. Sua posição ideológica é rigidamente anti-nazista e ele mesmo coloca-se em suas próprias palavras "à esquerda do Partido Comunista". Se a atividade política dos refugiados não obtém repercussão no Brasil e se os refugiados não alcançam reconhecimento por parte da Alemanha no após-guerra, como opositores do nazismo, a influência dos refugiados nas mais diversas áreas intelectuais, artísticas e científicas da cultura brasileira é, no entanto, inegável, embora ainda aguarde investigação detalhada. A volta ao teatro Em 1941, Willy Keller está no Brasil há seis anos, reside no Rio de Janeiro e seu filho tem onze anos. Está desempregado e é sua mulher que mantém a família. Keller fica, então, incumbido dos afazeres domésticos, num momento em que está desiludido com a falta de interesse político dos imigrantes e dos exilados mais antigos ou mais recentes. É também em 1941 que os alemães atacam navios brasileiros; o governo Vargas é cada vez mais pressionado no sentido de declarar guerra aos países do eixo. Tropas americanas estacionam no 37 Nordeste brasileiro em fins de 1941. A situação dos exilados de língua alemã vaise tornando mais difícil. Movido por todos estes acontecimentos, preocupado em aprender a língua portuguesa e sem ser capaz, apesar de tudo, de esquecer o teatro, Willy Keller inscreve-se no Curso de Arte de Dizer e Interpretação, criado pelo Liceu Literário Português no Rio de Janeiro. Sabe-se, então, pelo jornal A Noite de 21/12/1941 que Willy Keller consegue atuar, enfim, como ator. O jornal comenta a encenação da Casa de Bonecas de Ibsen, no Teatro Ginástico, sob a direção de Simões Filho, considerado um "perfeito técnico de cena e jornalista", em que Keller faz o papel do Dr. Rank e seu desempenho é, assim, elogiado pelo jornal: Dentre eles, cumpre destacar um fenômeno - Willy Keller - um alemão (não pertence ao Eixo; ça va sans dire...). Trata-se de um estrangeiro de belo talento artístico, e que se meteu na cabeça essa coisa comovedora para nós brasileiros: interessa-se tanto pelo estudo e conhecimento do vernáculo, que deseja ser comediante no idioma de Camões. O teatro brasileiro abre finalmente as portas a Keller. Em julho de 1941, Keller participa da encenação da peça O Infante de Sagres de Jayme Cortezão, no Teatro da República, peça dirigida também por Simões Filho. São dois espetáculos em favor da reconstrução da matriz da igreja de Santo Antônio das Posses. Keller faz, aqui, o papel de Valarte, um nobre da corte escandinava. Em outubro do mesmo ano, participa de uma demonstração do curso, fazendo o papel de copeiro em um episódio de uma peça de Tristan Bernard. Em junho de 1942, Keller faz o papel de um gago, o Dr.Alvarenga, na peça de Cristovam de Camargo, O mistério da casa verde, encenada no Teatro Ginástico, novamente sob a direção de Simões Filho. Em outubro de 1945, já é "diretor de cena e ensaiador" de um espetáculo beneficente patrocinado pela Pequena Cruzada uma organização assistencial católica, considerada de utilidade pública. A peça apresentada é um musical de autoria de Gustavo A.Doria e Davy Rissin e tem a participação de personagens da sociedade carioca. Em 1946, Keller abandona a militância política, mas continua fiel às suas idéias, pronto a defender seus pontos de vista sempre que existe uma oportunidade. 38 A Segunda Grande Guerra termina em maio de 1945; Getúlio Vargas é deposto no mesmo ano. Em fins de janeiro de 1946, o general Eurico Gaspar Dutra assume a Presidência da República, é verdade que com o apoio de Vargas, que por sua vez é empossado como senador pelo Rio de Janeiro. A esta altura, alguns dos exilados já emigraram para outros países ou retornaram à Alemanha. Ulrich Becher vai para os Estados Unidos em 1944; Kniestedt, com quem Keller já havia rompido, morre em 1947; outros retomam suas atividades políticas ou profissionais na Europa. Em 1971, na entrevista a Werner Röder do “Institut für Zeitgeschichte” de Munique, Keller recorda a situação: “Quando a pressão da imigração cessou, eles (os imigrantes) voltaram à sua vida privada como seres humanos, que foram banidos de sua pátria, contra sua vontade e que não tinham propriamente ambições políticas. À mudança política no Brasil não correspondem, porém, mudanças significativas quanto à situação dos imigrantes. Respondendo, em maio de 1971, a uma em forma de questionário montado pelo “Institut für Zeitgeschichte” Keller diz: É indiscutível, que a emigração não terminou em 1945. De acordo com as condições locais e políticas dos países de imigração esse fim deve ser fixado para uma data posterior. O dia D no Brasil seria o ano de 1956. Só neste ano o Ministério do Exterior acreditou não haver restrições políticas à criação do Instituto Cultural Brasil-Alemanha.** É também nessa época que Keller se interessa em participar do teatro brasileiro do círculo dos exilados/imigrantes de cultura alemã que permanecem no Brasil. Liga-se, então, ao grupo teatral de Hoffmann-Harnisch, fundado no Rio de Janeiro, no qual atuam Wolf Harnisch, filho do fundador, e o ator Werner Hammer, e passa a dirigir algumas peças durante a década de 40, como por exemplo, Deus lhe pague de Joracy Camargo, por ele mesmo traduzida como Vergelt’s Gott - Bettlerkomödie. Trata-se de um grupo teatral que se empenha em oferecer a um público selecionado - os exilados e imigrantes de língua alemã - peças brasileiras e de outras nacionalidades, faladas em alemão. Todavia, em 1948, quando dirige Deus lhe pague, Keller e Werner Hammer já estão separados do grupo de Hoffmann-Harnisch, devido a divergências políticas. Os dois atuam, agora, com um grupo próprio que se mantém até 1957. 39 Apesar de ver no teatro uma fonte de divertimento, Keller não deixa de se mostrar preocupado com os objetivos políticos e sociais das peças de que participa, deixando entrever a influência de Piscator e de Brecht, seus contemporâneos em Berlim até a emigração deles em 1933. Keller define, assim, seu ponto de vista: “Eu achava que um teatro de emigrantes que representa para emigrantes não podia fingir que nada havia acontecido entre 1933 e 1945.” 7 Isto também leva a crer que Keller faz uso do teatro como instrumento de luta antinazista. No entanto, não se dispõe ainda de nenhuma investigação que avalie, por exemplo, as interferências de Keller, quer na tradução das peças brasileiras para o alemão, quer na sua atuação como dirigente teatral, quer como ator, no sentido de lhes atribuir mensagens políticas de esquerda. Em carta de outubro de 1957 endereçada a Becher, Keller menciona ainda outras peças que teria encenado, como por exemplo, Witwe jedoch ehrenhaft (=Viúva, porém honesta) de Nelson Rodrigues. Outras três peças, Der Fall Pinedus (=O caso Pinedus) de Paolo Levy, Sturm im Wasserglas (=Tempestade no copo d´água) de Bruno Frank e Der Regenmacher (=O fazedor de chuva) de autor não identificado, são referidas apenas pelo título, sem outras explicações. Em homenagem ao centenário da morte de Joseph von Eichendorff, Keller encena ainda em 1957, para um clube do Rio, o "Clube Beira Mar", a peça Die Freier (=Os pretendentes), gratuitamente, como escreve a Ulrich Becher . É nesta mesma década de 40 que Paschoal Carlos Magno indica o nome de Keller para dirigir o Teatro Experimental do Negro, fundado em 1944 por Abdias do Nascimento. Keller permanece com o grupo pelo menos até 1947. Em 1951, Henrique Pongetti sugere o nome de Keller para dirigir Manequim no Teatro Copacabana. Este espetáculo leva, por sua vez, Waldemar de Oliveira a convidar Keller para dirigir também o Teatro de Amadores de Pernambuco. Desta maneira, o teatro volta a existir na vida de Keller. A vida sorri enfim para Keller 7 Apud Izabela Kestler, p.165. 40 Ao deixar a Alemanha Keller perde definitivamente seu país. Em entrevista a Vivian Wyler, encontrada num recorte de jornal brasileiro sem identificação e data, no espólio do tradutor, Keller, assim, se refere à sua emigração: Quando cheguei, estava de passagem. Tinha saído de uma Alemanha onde circulavam idéias com as quais eu não concordava. Cheguei a um país que desconhecia e ao qual não me apeguei, na certeza da volta. Veio a guerra. A reviravolta na minha vida, a contingência de ter que começar tudo de novo. Homem de teatro lá, fiz teatro aqui no Rio, em Pernambuco e em Alagoas. A relação de Keller com o Brasil é de início ambígua: fala na certeza da volta, certeza destruída pela guerra. Entretanto, esforça-se para aprender a língua portuguesa, tomar contato com o teatro brasileiro, com a vida intelectual brasileira. Afinal, em 1955 faz uma viagem à Alemanha e permanece por 10 meses no país. De volta ao Brasil, publica o artigo "Cinema e Realidade" no Jornal de Letras de novembro de 1955, em que defende a necessidade de se divulgar a cultura brasileira, de se promoverem exposições com os nossos pintores, de se traduzirem as obras de nossa literatura, de se levar a música do país ao exterior, de se mobilizarem os bons ensaístas para que expliquem nossa sociedade, isto é, para que falem das razões sociais e culturais que subjazem à arte brasileira. O artigo termina com a seguinte frase de Keller: “A vida no Brasil é, apesar de tudo, mais de acordo com o verdadeiro destino do homem. E isto se reflete na sua arte.” Em outra ocasião, voltando de Fortaleza a bordo de um Caravelle, Keller dá uma entrevista sobre o Brasil e seu teatro ao crítico Van Jafa que a publica no Correio da Manhã de 04/06/67 com o título “Willy Keller confidencial”. Diz ele: O Brasil não foi só o país que me acolheu numa situação difícil como também uma grande experiência. Deu-se aqui que eu tive contato algo violento com o mundo românico. Aqui eu aprendi uma segunda língua e seus fenômenos, sob dois ângulos lingüísticos diferentes. Se eu quero fazer comparação então eu deveria dizer que eu estava cego de uma vista, que somente com a aprendizagem da língua portuguesa eu recuperei a outra vista. Em vez de pensar linearmente, comecei a pensar plasticamente. [...] Durante longos anos eu vivi no Brasil na 41 plena miséria intelectual até que o teatro me devolveu aquilo que eu quero denominar 'minha dignidade'. Foi Henrique Pongetti que me convidou para dirigir Manequim (1951, Teatro Copacabana) e esta representação representava uma reviravolta na minha vida. Em conseqüência deste espetáculo recebi um convite de Waldemar de Oliveira para dirigir o Teatro de Amadores de Pernambuco (em seu currículo Keller menciona também o Teatro Universitário). Foi naquela ocasião que eu cheguei a descobrir o Nordeste do Brasil que eu considero a minha segunda terra. [...] Foi em Recife que eu me encontrei de novo e daqui em diante o destino deixou de fazer caretas para mim e começou a sorrir. Dirigi durante alguns anos espetáculos teatrais no Rio de Janeiro e, principalmente, no Nordeste. Graças às indicações de Henrique Pongetti e Waldemar de Oliveira, o nome de Keller integra-se ao cenário teatral. A Maceió, Willy Keller chega a viajar três vezes: a primeira em 1954, integrando uma equipe do Ministério de Educação e Cultura para proferir conferências sobre teatro; a segunda vez em 1955, convidado pela então primeira dama do estado, Leda Collor de Mello, para dirigir o Teatro de Amadores de Maceió - o TAM, e a terceira em 1956, para voltar a dirigi-lo. Keller dirige, aqui, três peças: Pluft, o fantasminha de Maria Clara Machado; Amanhã, se não chover de Henrique Pongetti e Os inimigos não mandam flores de Pedro Bloch. Ainda em Maceió, Keller profere a palestra "Shakespeare e a juventude brasileira" inaugurando, a 9 de março, o Teatro Universitário de Maceió. Também em 1955, Keller recebe em Natal a Medalha de Prata como melhor diretor de peça de autor nacional no Festival Nortista do Teatro Amador. No ano seguinte, 1956, recebe em Recife a medalha de ouro de melhor diretor no Festival do Teatro Amador com a peça Pluft, o fantasminha. Em 1956, Keller encena uma peça com o grupo Eva e seus artistas que fica em cartaz, no Rio de Janeiro, por 4 meses. Esta temporada longa ilustra o sucesso comercial da peça, embora Keller a considere sem valor. Keller dirige ainda as peças Amigo da onça de Bekeffi e Stella e A mancha de Pedro Bloch. Em carta a Ulrich Becher, datada de 24 de outubro de 1956, queixa-se, no entanto, de problemas financeiros e da interferência de outros diretores no Teatro Amador de Maceió. Em 1957, Keller é nomeado primeiro diretor do Instituto Goethe do Rio de Janeiro e o tempo para dedicar ao teatro fica escasso. 42 Mas em 1957 e 1958, Keller consegue ainda dirigir duas peças de Nelson Rodrigues: Viúva porém honesta, em 13/09/57 no Teatro São Jorge do Rio de Janeiro, e Os sete gatinhos, em 17/10/1958 no Teatro Carlos Gomes também no Rio de Janeiro. Na revista SBAT de julho/agosto de 68, na página 31, o autor Nelson Rodrigues agradece a Willy Keller: “A Willy Keller, diretor de Os sete gatinhos, e criador de um espetáculo maravilhoso de compreensão e fidelidade do espírito da peça. Grande amigo, grande diretor, grande artista, grande homem de teatro.” Em 1957, o jornal O Globo escolhe Keller como um dos "Cariocas Honorários" do ano, devido aos relevantes serviços prestados ao teatro e à literatura brasileira. Keller agradece com uma carta bem humorada, irônica ou talvez reveladora de sua modéstia, que o O Globo publica em primeiro de fevereiro de 1957 : [...] Fazemos um exame de nossos atos para descobrir as razões que levaram os responsáveis pelo O Globo a escolher o nosso nome, exatamente o nosso, enquanto havia centenas de outras pessoas, entre os estrangeiros residentes no Rio, muito mais em evidência do que nós. E sentimos o rubor da vergonha subir às nossas faces, porque aqueles que conhecem tão bem os nossos méritos, devem conhecer também nossas falhas, nossos fracassos. Quer dizer: no ato de julgar o nosso procedimento cívico e intelectual, pessoas bondosas e compreensivas descobriram que as nossas virtudes prevaleceram sobre nossos pecados. É comovente saber que nossa contribuição para o aperfeiçoamento do teatro brasileiro não passou despercebida e que os nossos esforços em prol de uma aproximação cultural mais íntima entre os povos não foram em vão. O trabalho de Keller no teatro brasileiro é, assim, reconhecido através de medalhas, do título de cidadão carioca e de elogios publicados em jornais. Às vezes o trabalho não anda como Keller deseja e ele se queixa ao amigo Ulrich Becher. Na carta de 24 de outubro de 1956, em que fala de problemas financeiros e da interferência de terceiros que perturbam seu trabalho com o Teatro Amador de Maceió, a linguagem é veemente: Meu trabalho 'artístico' aqui no Brasil é o de carregador de adubo, daquele que revira a terra seca, e a do semeador, onde o futuro e as características da paisagem tropical se reservam o direito de fazer nascer as ervas daninhas, onde semeamos trigo, e matagal intransponível onde pensávamos ter semeado flores. 43 A crítica severa também se estende à própria atividade, como se depreende da carta de 19 de março de 1959 a Ulrich Becher: “Continuo a viver a minha vida de estelionatário intelectual, enfiando todas as manhãs a mão na caixa vazia para emprestar algo e poder continuar vivendo acima das minhas possibilidades.” As atividades de Keller no teatro, no entanto, não cessam. Em 1959 recebe, junto com Luis de Lima, o prêmio de melhor professor de teatro como noticia o Jornal do Comércio em 13/12/1959. Sobre esta premiação escreve a jornalista e atriz Luiza Barreto Leite no Jornal do Comércio de 18/12/1959: [...] Willy Keller e Luis de Lima, demasiado conhecidos e admirados no meio de teatro para precisarem de qualquer apresentação, se bem que sua extraordinária contribuição à cultura de nossos estudantes de arte dramática, sobretudo quando trabalharam de comum acordo na escola do Duse, não tenha infelizmente, durado sequer o tempo indispensável à formação de uma turma e, por conseguinte, à comprovação pública de sua eficiência. Mas quem acompanhou suas aulas, tão diversas na forma, quanto semelhantes na essência, tendo oportunidade de assistir, em Pernambuco, à demonstração dos alunos formados em dois escassos meses aqui no Rio, ou quem como eu, obtivera a graça de ser assistente de Willy Keller em um esplêndido curso Shakespeariano organizado por Santa Rosa, no Conservatório de Teatro, durante umas férias memoráveis, não lamentará jamais o suficiente que o Brasil não saiba aproveitar em definitivo mestres de tal categoria. No entanto, Keller não vive só de teatro e do Instituto Goethe. A partir da década de 50, passa a dedicar-se também, e intensamente, à tradução não mais só de peças teatrais, mas também de poesias e de ficção. A viagem à Alemanha. Encontro com Brecht Em 1955, como vimos, Keller viaja à Alemanha, na condição de delegado da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, após uma ausência de 20 anos. Quando fala dessa viagem transparece o seu desencanto: Voltei à Alemanha depois de vinte anos de ausência. Quero advertir as más línguas: não houve choque emocional, nem lágrimas. Entrei em terras germânicas com os sentimentos bem controlados, o coração batendo normalmente. Por fim, não foi a saudade a razão da minha 44 viagem. Viajei como delegado da Sociedade Brasileira de Autores e Compositores Teatrais para reatar relações com a Associação Alemã dos Autores e Compositores Teatrais, que foram interrompidas em conseqüência da última guerra. Deixei a Alemanha há muitos anos em protesto a um regime desumano, quando não havia mais outras possibilidades de salvaguardar a minha integridade física e intelectual e voltei agora trazendo a paz e a confraternização que os autores teatrais brasileiros ofereceram aos seus colegas alemães. [...] Percorri diversas cidades nestes primeiros quinze dias, Düsseldorf, Frankfurt, Mannheim, Heidelberg, Stuttgart, em busca de um mundo perdido, mas não encontrei nada daquilo que excitava minha imaginação. Tudo era diferente: cidades novas, distâncias mais curtas, todo mundo falava o alemão, o ar mais leve, o trânsito silencioso e poucos amigos e parentes, muito poucos. Uma pequena parte deles se foi com endereço desconhecido. Não deixaram nem um túmulo para registrar sua passagem pela vida. Ainda tenho impressão de ser uma sombra que se move entre seres, aparentemente, vivos.8 A viagem prolonga-se por 10 meses até o inicio de 1956. Keller é reticente quanto aos motivos dessa estadia mais prolongada, mas é provável que procurasse bases para alicerçar um desejado intercâmbio artístico entre os dois países. Na Alemanha, Keller corresponde-se, entre 08/02 e 13/03 de 56, com Ulrich Becher, primeiro em Nova York e depois já em Basiléia. As cartas trazem o registro de Augsburg e Mannheim. Keller fala da estréia de uma peça a que assistiu em Augsburg no Teatro Municipal da cidade e expressa seu desejo de encenar Samba de Becher em Baden-Baden. Faz menção a um artigo sobre teatro brasileiro escrito para uma revista de Berlim Oriental, Theater der Zeit. Deixa endereços onde pode ser alcançado, enquanto continua viajando pela Alemanha: o de Fritz Keller em Mannheim e o de Hans Gossler em Freiburg que, segundo o neto também é parente, e registra também uma visita a uma irmã de sua mãe em Kandern. A viagem serve, portanto, também para encontrar parentes, reatar velhos laços. É possível que Keller tenha procurado editoras interessadas nas suas traduções para o alemão de peças brasileiras; é possível também que, nesta ocasião, tenha feito contato com o Instituto Goethe em Munique. Keller passa algumas semanas em Berlim. Faz longos passeios pela cidade, especialmente por Berlim Oriental. O muro ainda não existe, será construído em 13 de agosto de 1961 e a comunicação é fácil entre as duas zonas da cidade. Suas impressões estão registradas no artigo “Uma poesia 8 KELLER, Willy- A procura da nova literatura alemã. Jornal de Letras, VII,75, Rio de Janeiro 1955. 45 desconhecida de Bert Brecht”, publicado na revista Humboldt 7 de 1967, do qual extraímos o seguinte trecho: [...] a maioria das pessoas cultiva uma espécie de heroísmo passivo. Praticamente não há ninguém que não se tivesse distinguido por um ato de bravura moral. Com este narcótico procura-se paralisar a consciência torturada e encontrar a paz de alma tão ardentemente desejada. Mas Keller quer conhecer a nova literatura, o novo teatro alemão. Seus passeios acabam quase sempre nas livrarias da Friedrichstraße e no teatro do Schiffbauerdam, fundado por Brecht em 1948. Os nomes que surgem são, porém, já seus conhecidos de antes da guerra: Thomas Mann, Kassak, Kreuder, Zuckmeyer, Brecht. No teatro encontra velhos amigos em especial Karl von Appen, um dos cenógrafos de Brecht e também o próprio Brecht. Deste encontro Keller diz, no artigo acima citado: “ Não houve perguntas sobre o passado, ou sobre o destino pessoal.” É no “Schiffbauerdamm” que atua, desde 1948, o “Berliner Ensemble” dirigido por Brecht e sua esposa, a atriz Helene Weigel (1900-1971). Keller havia traduzido a peça de Antônio Callado, A última experiência e a entrega a Brecht. Este devolve-a já no dia seguinte com o comentário: “Bravo, os brasileiros descobriram Ibsen.” Keller está nesta época também traduzindo poesias de poetas brasileiros contemporâneos e entrega os trabalhos a Brecht, acreditando que sobretudo Carlos Drummond, uma voz irmã, nas palavras de Keller, deveria interessá-lo. Mas Brecht apenas devolve a tradução de um poema de Domingos Carvalho da Silva intitulado Lírica, repleta de modificações. O tom de Keller é nostálgico quando afirma, ainda no mesmo artigo: “Eu [...] perdera como emigrante o teatro como profissão, mas continuava inquebrantável sua força de atração sobre mim.” Na carta de 8 de fevereiro de 1956 a Ulrich Becher, Keller ainda em Augsburg, comenta seu desejo de voltar logo ao Brasil pois não suportaria uma segunda emigração. A hipótese teria sido considerada? Keller deve também ter ficado decepcionado com a falta de reconhecimento que tiveram na Alemanha todos aqueles que combateram o 46 nazismo dentro ou fora do país. Hans Albert Walter, em Deutsche Exilliteratur: 1933-1950, à página 9, assim, comenta a situação: A resistência antifascista dos exilados não só não recebeu o merecido reconhecimento público, como ainda foi menos reconhecida do que a oposição interna ao nacionalsocialismo - lembremo-nos das discussões sobre a legitimidade do atentado de 20 de julho de 1944 que se prolongaram por anos.9 Keller volta ao Brasil, a família já está integrada ao país. Em 1959 Keller é o avô feliz de dois netos. Em carta a Becher, datada de 19 de março desse ano, escreve : “... e se eu pudesse escolher uma profissão, seria a de avô, somente avô”. O Instituto Cultural Brasil-Alemanha no Rio de Janeiro O Diário de Notícias do Rio de Janeiro, de 18 de abril de 1957, traz uma manchete anunciando a fundação da Sociedade Cultural Brasil-Alemanha: ”Maior aproximação cultural entre o Brasil e a Alemanha”. Trata-se de um artigo de Keller, enquanto diretor e secretário executivo da associação. Diz ele: Agora, no Brasil, voltando do Norte, onde estive fazendo teatro, com amadores de Maceió, surpreendi-me com um delicioso titulo de 'Cidadão Carioca' e, em seguida, com o convite para secretário, cargo executivo da recém-criada Associação de Cultura Alemã Brasileira. O jornal O Globo de 14/06/1957 também publica a manchete: “Unir Brasil e Alemanha pela ciência e cultura” e fala da inauguração do Instituto Cultural no dia anterior com a presença do embaixador alemão Werner Dankwort, do presidente do Instituto - Ministro Mota Filho - e de Willy Keller. Em 27 de setembro de 1958, o Ministério da Justiça reconhece o Instituto como de utilidade pública. Keller dirige a associação, mais tarde chamada Instituto Goethe, até 1969. 9 Walter, Hans Albert. Deutsche Exilliteratur: 1933-1950. Darnstadt e Neuwied,Hermann Luchterhand, 1972. 47 Durante sua gestão de doze anos, Keller tem oportunidade de aplicar as idéias didáticas que tem sobre o teatro à programação do Instituto, e também de se dedicar à música, pois essa é a saída para “um homem sobrecarregado de trabalhos que nem sempre [lhe] agradam]”, diz ele, na entrevista de 04/06/67 ao Correio da Manhã, que se “as circunstâncias que [o] castigaram muito tivessem um pouquinho de compaixão [com ele] permitiriam que [ele] voltasse mais uma vez ao teatro”. No primeiro ano da atividade efetiva, 1958, é inaugurada a biblioteca do Instituto e é iniciada uma atividade intensa. Neste ano, o evento mais importante é a exposição do Balé Triádico de Oskar Schlemmer (1888-1943), pintor e artista gráfico, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Keller organiza a visita de vários grupos à exposição, produz um texto informativo sobre o mesmo e ainda escreve um ensaio sobre esse tema, publicado no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1958. O envolvimento intenso com as coisas que faz é uma das características de Keller. Keller viaja pelo Brasil, profere palestras nos Institutos Goethe de Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, São Paulo, atende a convites de universidades e associações culturais. Convida intelectuais e cientistas brasileiros e estrangeiros para falar no Instituto Goethe do Rio. Dedica especial atenção à música e ao teatro: convida grupos musicais e teatrais estrangeiros para o Brasil e procura difundir a música brasileira no exterior. No dia 4 de janeiro de 1970, O Estado de São Paulo noticia que Keller recebe o prêmio Estácio de Sá de música erudita, conferido pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, por ter promovido a participação de músicos estrangeiros no Ciclo Bach e pelo seu empenho em difundir a música brasileira na Europa. Keller vai conhecendo, assim, o Brasil, convivendo com intelectuais brasileiros, dominando a língua portuguesa e, enfim, é quase um brasileiro. 48 Um parêntese: qual o perfil ideológico de Keller? Não encontramos evidências de uma militância política de Keller na Alemanha a não ser uma referência às suas ligações com a SPD, o Partido Socialdemocrata Alemão e a sua atividade no sindicato teatral. Keller fala de uma ordem de prisão contra sua pessoa em 9 de novembro de 1934, de processos em Osnabrück e Berlim, de buscas que a GESTAPO faz em sua casa. A ordem de prisão é expedida em seguida à encenação de uma peça em Berlim (Die Kukuckseier = Os ovos do cuco, de Wolfgang Götz). A mulher de Keller, Ellen, menciona denuncias de um colega invejoso diante do sucesso da peça. Em junho de 1933 o SPD é extinto e muitos de seus membros são presos. Qualquer oposição ou discordância ao regime, por mais frágil, poderia resultar em perseguições. Denúncias estão na ordem do dia. Os problemas relativos à ascendência judia de Ellen pesam na decisão de emigrar, tanto quanto os eventuais problemas políticos de Keller. A impressão que fica dos relatos de Keller e de outras testemunhas é que Keller só passa a envolver-se em atividades políticas no Brasil, quando encontra Kniestedt em Porto Alegre. Mesmo assim, Keller não reconhece, nem na organização comandada por Kniestedt nem na sua própria, qualquer importância maior. Na atrás mencionada entrevista a Werner Röder do “Institut für Zeitgeschichte” Keller pronuncia-se a respeito de sua posição ideológica e coloca-se à esquerda do Partido Comunista; discorre também sobre as influências que havia sofrido e dos contatos que havia tido. Não se fica a saber, porém, da natureza desses contatos, assim como também não se fica sabendo se se trata de relacionamentos de amizade ou profissionais, se houve atividades isoladas ou projetos comuns. Faz menção a Marx, cujas teses econômicas não considera superadas em 1971 e depois tece considerações sobre outras influências: Dostojewski e Kafka 49 e, também, Hermann Hesse, resumindo: ”A quintessência tornou-se para mim um pensamento humanista ao qual permaneci fiel toda a minha vida. Outros nomes são lembrados: Franz Pempfert (1879-1954), jornalista, comunista, exilado que faleceu no México; Herwarth Walden, pseudônimo de George Lewin (1878-1941), desaparecido na URSS durante a 2ªGuerra, negociante de arte, escritor e músico, fundador da revista Der Sturm (= A Tempestade), difusora do expressionismo; Karl Kraus (1874-1936) , jornalista, fundador da revista Die Fackel (A Tocha ), crítico severo da enganosa moral burguesa. São, no entanto, as relações de Keller com August Siemsen, a figura central do movimento antifascista na Argentina, que talvez possam contribuir melhor para esclarecer o perfil ideológico de Keller. Na América Latina apenas duas organizações antifascistas, formadas por refugiados de língua alemã, têm repercussão além de seus países de origem. No México, é a organização “Freies Deutschland” (= Alemanha Livre) totalmente dominada por comunistas alemães, funcionários da KPD (Kommunistische Partei Deutschlands = Partido Comunista Alemão) e funcionários do “Komintern” ( Internacional Comunista). Keller cita os nomes de alguns de seus participantes entre suas relações, mas não encontramos registro de um contato de Keller com esse grupo, nos documentos a que tivemos acesso. Na Argentina é fundado em 1937 o movimento “Das andere Deutschland” (= A outra Alemanha), organizado como uma ampla coligação entre comunistas e as mais diversas tendências socialistas. Ao lado de sua participação no movimento de Kniestedt, Keller mantém um relacionamento estreito com o movimento “Das andere Deutschland” (DAD), sobretudo, com seu líder, August Siemsen. É essa organização que serve de modelo para Keller quando este cria seu próprio movimento e seu boletim informativo. O pedagogo August Siemsen nasce na Alemanha em 1884. Já durante a República de Weimar desenvolve uma intensa atividade política: em 1919 é vereador em Essen pelo SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschlands = Partido Socialdemocrata da Alemanha). Em 1921 é condenado a seis meses de prisão por sua participação num conselho operário. Trabalha como professor e dirige duas revistas socialistas Sozialistische Kultur (Cultura Socialista) e 50 Sozialistische Erziehung (Educação Socialista) e participa de várias iniciativas para um ensino não autoritário. Em 1931 elege-se membro do Parlamento do Reich pelo SPD. Ameaçado pelos nazistas, refugia-se em 1931 na Suíça. Em 1936 vai para Buenos Aires como professor da Escola Pestallozzi. Em 1937 Siemsen funda, junto com outros imigrantes, a organização “Das andere Deutschland” = DAD que, a partir de maio de 1938, publica um informativo com o mesmo nome. Inicialmente apresentado na forma de um folheto mimeografado, o informativo chega a atingir uma edição de 4 a 5.000 exemplares e é distribuído por toda a América Latina e até mesmo na América do Norte. O DAD, como já mencionado, é uma coligação entre comunistas, socialistas, socialdemocratas e mesmo burgueses progressistas. Siemsen é o líder do movimento, seu inspirador e também o responsável pelo informativo. Segundo Eisenbürger o movimento estava aberto às mais variadas tendências, e, baseado num socialismo não definido de forma detalhada, pretendia praticar um humanismo socialista. O antinazismo e a postura humanista parecem ser as principais afinidades entre Keller e Siemsen. O boletim informativo da DAD deixa de chegar ao Brasil com a entrada do país na guerra e isso motiva Keller a produzir seu próprio informativo. A subordinação dos comunistas aos fins políticos específicos da URSS, deixando de lado o principal objetivo do DAD e de Keller, que é o combate ao nazismo, leva ao rompimento entre eles e o DAD e a uma situação de conflito. Tanto Siemsen como Keller sempre tiveram a preocupação de manter unidos os partidos de esquerda. Em 1943, na Conferência de Montevidéu a que compareceram 40 delegados, entre eles Kniestedt, o DAD tenta mais um vez preservar essa união das esquerdas, sem resultado. A recusa em aceitar a liderança autoritária dos comunistas e uma subordinação aos interesses políticos mais imediatos da União Soviética é mais um ponto em comum entre Keller e Siemsen: socialistas, mas não comunistas, uma postura antes de tudo humanista. Siemsen retorna à República Federal da Alemanha em 1952. Desiludido com os rumos do país vai, em 1955, para a República Democrática Alemã onde morre em 1958. Além de seu relacionamento com Kniestedt e Siemsen, Keller mantém uma longa amizade com o escritor Ulrich Becher (1910-1992). 51 Não há registro de uma atividade política de Becher na Alemanha. A informação de que seus livros foram queimados pelos nazistas carece, segundo Izabela Kestler, de comprovação e Becher nunca perdeu a cidadania alemã. Talvez o fato de Becher ser um escritor ainda pouco conhecido na época, fez com que os nazistas não dessem atenção aos seus textos antimilitaristas e anticapitalistas. Em 1934 Becher casa-se com Dana Roda-Roda filha do jornalista e escritor austríaco Alexander Roda-Roda. Tenta emigrar para os Estados Unidos mas não é bem sucedido e, em 1941, o casal vem ao Brasil junto com o grupo Görgen. Em 1944, graças à influência de Alexandre Roda-Roda, o casal Becher consegue finalmente ir para os Estados Unidos. Em 1948 Becher volta definitivamente para a Europa. No Brasil Becher participa do movimento antifascista de Keller e planeja, junto com Keller, organizar uma biblioteca antifascista. O único texto publicado por essa biblioteca, como se viu acima, é uma obra do próprio Becher, Das Märchen vom Räuber der Schutzmann wurde (O conto do ladrão que se tornou policial) uma alusão aos nazistas e a Hitler. Esta é, possivelmente, a única obra em língua alemã publicada no Brasil neste período. Becher escreve também para os informativos antifascistas do México e da Argentina. Entretanto, enquanto Keller se torna um admirador do Brasil e um importante mediador cultural entre o Brasil e a Alemanha, Becher tem uma relação ambígua com o país, escrevendo textos condescendentes ou pejorativos sobre o país. Enquanto Keller é um ativista político que dedica muito de seu esforço à luta antinazista, Becher é antes de tudo escritor e é nesse campo que talvez se situe o relacionamento entre ambos, um relacionamento que sobrevive à distancia no tempo e no espaço, pois continua mesmo com Becher vivendo nos Estados Unidos e na Europa. No fim da guerra Keller tenta ainda uma aproximação com o SPD, mas em 1946 acaba abandonando toda atividade política, decepcionado com o que chama de o êxito da guerra. Fica evidente que Keller cultiva uma posição radical de esquerda, é inflexível em suas crenças, seus princípios éticos e morais, mas nem por isso deixa de ser um homem profundamente humanista, um admirador de Brecht, olhando sempre para os oprimidos, os mais desvalidos, para os marginalizados, 52 deixando para a posteridade um exemplo de vida íntegra e extremamente produtiva na área das relações culturais Brasil-Alemanha. O Brasil teve em Keller um verdadeiro amigo. II PARTE Os boletins da “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten” Em 1943, já definitivamente estabelecido no Rio de Janeiro, Keller funda, como se viu, seu próprio movimento antifascista, denominado “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten” (Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães) e passa a editar um boletim que chama de circular (Rundschreiben) ou carta (Brief). O boletim e o movimento são criados na esteira da organização “Das andere Deutschland” (=A outra Alemanha), de Buenos Aires. Uma informação mais detalhada sobre essa organização e seu fundador August Siemsen foi dada no capítulo “Um parênteses: qual o perfil ideológico de Keller?” A partir do boletim nº 10, datado de julho de 1945, Keller coloca no cabeçalho da sua publicação a observação “fundada em 1935”. Como Keller chega ao Brasil nesse ano e, logo, se associa à organização antifascista de Kniestedt em Porto Alegre, fica a impressão de que, com essa observação, Keller pretende enfatizar sua presença no movimento citado. No arquivo do ”Institut für Zeitgeschichte”, de Munique estão 16 boletins produzidos por Keller, numerados de 1 a 17 e uma edição especial, sem número. Faltam os números 6 e 14. No arquivo há, além disso, dois impressos especiais destinados à imprensa brasileira, denominados por Keller de INFA. Infelizmente, o boletim nº 1 está em péssimas condições de conservação e não permite a reconstituição de seu conteúdo. Os boletins, do número 1 ao número 5, são redigidos em alemão. 53 No boletim no 2, de 15 de janeiro de 1944, encontramos o ensaio “In eigener Sache” (=Em causa própria). Keller faz, aqui, uma crítica amarga aos imigrantes que, em sua maioria, se recusam a participar da política e se aproveitam da segurança que lhes garante uma sociedade democrática, respeitadora dos direitos humanos, sem dar nenhuma retribuição a essa mesma sociedade. Keller lembra que é a apatia, a conivência da burguesia que permite a destruição da República de Weimar e a ascensão do nacionalsocialismo. Mas, Keller também não poupa da crítica os imigrantes que fazem política, sobretudo em benefício próprio, pensando desde já em exigir indenizações pelas dificuldades e sofrimentos passados durante a emigração, esquecendo-se daqueles que morrem nos campos de concentração e nas prisões. Keller pergunta: “Com que meios os emigrantes políticos servem ao grande objetivo de uma renovação moral e social da sociedade humana?” Keller fala da falta de ideais, dos princípios abandonados sem maiores preocupações, dos compromissos espúrios assumidos entre opositores. Keller elogia o grupo em torno de Kniestedt, que reúne membros com opiniões políticas diferentes, “mas unidos contra a opressão, a miséria social, contra a guerra e o racismo”. E conclui: “[...] uma nova ordem só é possível, se o ser humano, que deve ser seu suporte, garantir essa ordem com sua pessoa e sua convicção, e não se satisfizer com artimanhas dialéticas baratas”. A partir do número 2, os boletins obedecem a um esquema definido, imitando uma revista e procurando trazer informações diversificadas aos seus leitores. É provável que muitos imigrantes ainda não dominem o português e que Keller, com seu boletim, seja a única fonte de informação sobre as condições políticas no exterior. Nos boletins 2, 3, 4 e 5 estão incluídos trechos curtos, de algumas linhas, em português. Os boletins compreendem um artigo principal, redigido em geral pelo próprio Keller, algumas vezes, um artigo de uma personalidade brasileira ou estrangeira, um item denominado “Voz da América”, com notícias de jornais dos Estados Unidos ou pronunciamentos de personagens desse país, um subtítulo “Notícias”, com resumos de artigos de jornais estrangeiros e brasileiros, especialmente do sul do país, cartas de leitores, anúncios de livros em alemão, poesias de autores brasileiros traduzidas para o alemão por Keller, efemérides de personalidades do socialismo. Marx, Engels, Mehring são lembrados por meio de escritos dos próprios filósofos, de artigos de Keller ou de correligionários. 54 No boletim nº 3, de 15 de fevereiro de 1944, Keller publica o ensaio “Die Geheime Waffe” (=A arma secreta). O autor discorre, aqui, sobre um dos grandes mistérios da guerra, ou seja, a resistência oferecida pelo povo alemão ao inimigo, apesar de ser evidente, para todo observador criterioso, qual o fim dessa luta, diante da superioridade dos aliados. Prevê que, após a derrota militar e o desaparecimento das organizações, o caos reinará na Alemanha. Sua crítica dirige-se à imprensa aliada que alardeia bombasticamente grandes vitórias, ao mesmo tempo em que afirma a derrota iminente da Alemanha, como se a guerra fosse um grande espetáculo. Para Keller, há que lembrar a crueldade no campo das batalhas, as perdas de vidas humanas. Não é verdade que os alemães estão em retirada, pelo contrário, eles ainda oferecem grande resistência. Para Keller, a guerra não é uma sucessão de atos heróicos individuais, como a imprensa aliada faz os leitores suporem. E, como e por que o povo alemão suporta tudo isso? Keller atribui essa resistência à força da Gestapo, à fraqueza dos intelectuais alemães e também à falta de confiança do povo alemão nas promessas aliadas. É somente o desespero, a falta de esperança, que mantém o povo alemão lutando. No boletim nº 4, de 15 de março de 1944, Keller apresenta o texto “Politische Wandlung” (=Transformação política), em que se refere à mudança da constituição russa. Menciona os problemas existentes na fronteira entre a União Soviética e a Polônia e posiciona-se claramente ao lado daquele país e de Stalin, ao considerar possível reunir as diferentes etnias russas numa mesma direção política. Para Keller, a União Soviética prepara-se para um longo período de paz. Keller cita o discurso de Stalin em que ele declara que o objetivo dos aliados não é a destruição da Alemanha, o que seria não só impossível como pouco desejável para o futuro, mas a destruição do nazismo, do exército de Hitler e de seus dirigentes. A batalha de Stalingrado está no fim, o exército alemão perde seu ímpeto. A União Soviética está no auge de sua força. A propaganda soviética exorta soldados e trabalhadores alemães a desistirem da luta, a voltarem a suas próprias fronteiras, a aderirem ao socialismo da União Soviética. Keller alude ao “Comitê Alemanha Livre” criado naquele país para, através da propaganda política, alcançar e desestabilizar o exército alemão. Diante da falta de reação por parte dos alemães, Keller prevê que, para destruir o nazismo, é preciso destruir a Alemanha. Pelo exposto, verifica-se que, nestes 55 ensaios, Keller revela-se um adversário do nazismo, mas já se notam também suas primeiras preocupações com o destino da Alemanha no pós-guerra. No boletim no 5, é apresentada uma tradução livre do ensaio “Regímen” do autor português Guerra Junqueiro com o título em alemão “Der Faschismus”. Keller faz suas as palavras do velho escritor português, cuja obra mostra conhecer, e, em vez de se referir a Portugal, retrata a Alemanha, salientando que o poder ditatorial é pernicioso em todas as épocas e em todos lugares. O boletim no 6 não consta da coletânea nem do arquivo, não havendo notícias sobre sua localização. O boletim nº 7 data de fins de 1944, quando deve ter-se tornado cada vez mais problemático editar um impresso em língua alemã. Neste boletim há a transcrição do Manifesto do Comitê para uma Alemanha Democrática elaborado e publicado em Nova York, assinado não só por exilados alemães nos USA, mas também por escritores e pessoas de prestígio da sociedade norte-americana. No boletim nº 8, de maio de 1945, deparei-me com o ensaio “Alemães antifascistas no Brasil”. Trata-se da resposta a um artigo publicado no Diário de notícias de 30 de setembro de 1943 no Rio de Janeiro, em que é criticada a criação do “Comitê dos Alemães Livres” em Moscou. O autor do artigo do jornal considera que não há, nem dentro nem fora da Alemanha, uma oposição antinazista organizada, excetuando-se algumas reações individuais, e que os antinazistas do “comitê” não passam de oportunistas que se agrupam tardiamente, prevendo a próxima derrota da Alemanha. Keller polemiza, lembrando que há sim uma forte oposição ao nazismo no Brasil, mas a proibição de qualquer atividade política para estrangeiros, o enquadramento de todos os alemães na categoria de estrangeiros inimigos e a falta de apoio do exterior não permitem uma repercussão maior dos movimentos antifascistas no país. A perseguição aos alemães e a seus descendentes, durante o período da guerra, é severa, implica no confisco de bens, em prisões e violências. É, contudo, curioso observar que, nos primeiros anos do exílio, Keller também mostra a mesma atitude que, agora, critica nos brasileiros, ao considerar todos os alemães residentes no Brasil como simpatizantes do nazismo. Só a partir de 1943, Willy Keller começa a admitir a existência de uma oposição antinazista entre os 56 alemães e seus descendentes no Brasil e preocupa-se, então, em fazer justiça a esses grupos e em defendê-los. No boletim nº 9, de 1 de junho de 1945, Keller apresenta um ensaio sarcástico com o título “Os campos de concentração e a moral internacional”, em que ao comentar que o mundo descobriu enfim a existência dos campos de concentração, Keller refere-se à hipocrisia com que o mundo negocia com o Terceiro Reich, mantém relações diplomáticas com os países fascistas e não toma nota dos desmandos e atrocidades cometidas contra minorias e contra o operariado. Este mesmo boletim apresenta ainda o artigo intitulado “Pode um povo ser culpado da guerra” assinado por “um jurista”. O texto faz uma defesa do povo alemão, baseada em conceitos jurídicos, mostrando que as atenções de Keller, como editor, continuam focalizadas na Alemanha. O número 9 inclui um trecho de um texto de Engels em alemão, traduzido para o português por Keller. O boletim nº 10, de 10 de julho de 1945 oferece o ensaio “O ressurgimento das organizações trabalhistas na Alemanha”, em que Keller discorre sobre a autorização dada pelo marechal Zhukov, para o funcionamento de sindicatos e uniões livres na Alemanha, na zona de ocupação soviética. Louva o “realismo” soviético, ao mesmo tempo em que teme uma volta a um passado histórico, considerando que o futuro da Alemanha só pode existir dentro do socialismo, e que esta nova ordem deve surgir do seio do povo. Terminando o ensaio Keller faz um apelo em língua portuguesa, à página 2: Saudamos os operários alemães, saudamos os operários da Europa e do mundo. Confiamos em que os vínculos fraternais que uniam as organizações trabalhistas em toda parte do mundo sejam novamente entrelaçados para o bem de todos os homens conscientes de seus deveres para com a humanidade. É mister observar que Keller designa a si próprio, várias vezes, como socialista, adepto do materialismo histórico, afirma sua posição à esquerda do comunismo. Condena energicamente a guerra e os nacionalismos. Sua esperança está no socialismo, sendo, por isso um marxista, não um comunista. Neste boletim há uma poesia de Carlos Drummond de Andrade, traduzida para o alemão por Keller, com o título de “Nach dem Fall von Barcelona” (=Após a queda de Barcelona). 57 O boletim nº 11, de 5 de setembro de 1945, traz o ensaio “Der englischen Arbeiterpartei zum Gruß” (=Saudando o Partido Trabalhista Inglês). Trata-se de um texto assinado pela Associação de Emergência dos Antifascistas alemães, mas o estilo é de Keller. Nele, são festejados “dois acontecimentos de importância: o fim da 2ª Guerra Mundial e a vitória do Partido Trabalhista nas eleições inglesas. O texto termina com o voto de que trabalhadores ingleses e alemãe possam voltar a retomar brevemente suas relações internacionais. No mesmo boletim encontramos ainda outro ensaio: “Am Rande der Zeit” (=No limiar do tempo), em que Keller avalia os dois golpes pesados sofridos pelos antifascistas alemães nos últimos doze anos: o fim da República de Weimar com a conseqüente ascensão do nazismo e o fato do Terceiro Reich não ter sido derrubado por um golpe revolucionário. Na Alemanha repete-se unicamente o que acontece em outros países europeus como a Grécia, a Itália, a França, onde os movimentos de resistência interna não podem provocar uma reviravolta revolucionária. Somente a vitória aliada leva a uma mudança do poder político, mas, aqui, não há uma revolução e sim a restauração de um estado anterior. Keller faz referência à conferência de Potsdam e às duras condições impostas à Alemanha derrotada. Pondera que, para os antifascistas alemães, a destruição do militarismo prussiano e do poder político dos barões da indústria e dos latifundiários é condição para a criação de uma república socialista alemã, livre dos males do passado. Concita os homens levados pelo senso histórico e pelo seu amor à humanidade a trabalhar para uma frente internacional de compreensão que permita construir um mundo em que os seres humanos possam viver dignamente como tais. A partir do número 11, até o último boletim - o número 17, isto é, de 1945 até 1947, os boletins voltam a ser redigidos em alemão, segundo Keller, a pedido de seus leitores. No boletim nº12, de 15 dezembro de 1945, Keller tece considerações a respeito de seu próprio boletim. Informa que nessa data a distribuição chega a 500 exemplares com uma média de sete páginas por exemplar, ou seja, um montante de 3.500 folhas impressas. A respeito do INFA (informativo para a imprensa brasileira), Keller esclarece que são distribuídos cerca de 200 exemplares, com uma média de três a quatro páginas, somando mais de 800 folhas, num total, portanto, de cerca de 4.300 folhas impressas. Além do esforço envolvido na redação e impressão dos boletins existe também o aspecto 58 financeiro. Keller menciona que o boletim recebe a ajuda de simpatizantes, mas que é essencialmente sustentado por um grupo de amigos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Keller faz finalmente um apelo “aos amigos” para que enviem contribuições que sustentem a sobrevivência do boletim. Alude também à legalização do grupo de amigos junto às autoridades brasileiras, o que sugere que Keller realmente pensa em exercer algum tipo de atividade política no pósguerra. É preciso lembrar também que em 1943, quando Keller começa a editar seu boletim, o Brasil já se encontra de relações rompidas com a Alemanha, a língua alemã está proibida de fato e não é permitido a estrangeiros organizar partidos políticos. Distribuir um impresso em língua alemã é com certeza uma atitude desafiadora. Neste mesmo boletim, Keller publica “Rückblick Ausblick” (=Olhando paras trás, olhando para a frente) e a tradução do“Soneto” (=Sonett) de Tobias Barreto. O boletim comemora os dois anos de sua publicação. Keller menciona, aqui, um grupo anônimo, constituído por pessoas unidas por laços de amizade que, em 1933, por ocasião da ascensão ao poder do nazismo, decide dar combate à ditadura e servir à liberdade e à justiça social. Relembra as relações com organizações antifascistas em toda América do Sul e as relações antigas nos Estados Unidos e na Inglaterra. Elogia a organização Das andere Deutschland (=A outra Alemanha) de Buenos Aires, liderada por August Siemsen, como um grupo capaz de representar da melhor forma os antifascistas da América do Sul. Essa organização mantém uma publicação que, pelo menos durante um certo período, chega ao Brasil. Quando as comunicações se tornam mais precárias, Keller acha, então, necessário editar seu próprio boletim informativo. Lamenta que o envelhecimento dos imigrantes mais antigos e a falta de interesse político da juventude tornem o trabalho político sempre mais difícil. Conclui, dizendo esperar que o elevado ideal de libertar a humanidade da guerra, da fome e da falta de trabalho leve mais pessoas a se juntarem ao seu grupo e a vencerem ou a caírem com ele. No boletim nº 13, de 27 de fevereiro de 1946, tem-se acesso ao ensaio “Furor Teutonicus”. Trata-se, aqui, de um protesto contra o plano dos aliados de transformar a Alemanha num país agrícola, destruindo todos os empreendimentos comerciais e industriais. Keller denuncia a exploração da fragilidade momentânea do povo alemão, afirmando que o plano, um plano de destruição do país, só será implantado, porque manipula o sentimento de culpa 59 coletiva dos alemães. Keller rechaça essa idéia da culpa coletiva que, segundo ele, só serve para deixar que fiquem no anonimato os reais responsáveis pela guerra. Atribui a passividade dos alemães diante desse plano a uma mórbida tendência do povo alemão para destruir a própria vida e a vida em geral. Keller recorda que, em 1918, a revolução socialista na Alemanha é abortada e que a destruição das fontes de produção, agora em 1946, só pode levar a classe operária à total miséria. Keller apela para que o poder seja entregue aos sindicatos, para que o operariado assuma todos os empreendimentos comerciais e industriais e para que seja instaurada a ordem socialista. Conclui, dizendo que deverá soprar na Europa o novo vento de uma união fraterna das classes operárias. Este boletim é dedicado ao centenário de nascimento do político, jornalista e escritor Franz Mehring (1846-1919). Contém duas poesias de Solano Trindade, traduzidas para o alemão por Keller: “Meu canto de guerra” e “O canto do trabalhador”. O boletim seguinte sem número - uma edição especial - datado de maio de 1946, é dedicado inteiramente ao 1º de maio e igualmente redigido em alemão. Nele Keller publica o artigo “Notwendige Betrachtungen” (=Considerações necessárias), em que relembra as origens do 1º de maio, lamenta o retrocesso da humanidade ao sucumbir a duas guerras mundiais. Pondera que o ser humano, infelizmente, aprecia as amenidades do capitalismo, embora anseie por uma ordem mais estável. Aprecia a revolução russa, porque, segundo ele, desperta enormes esperanças. Todavia, Keller faz uma pergunta crucial: será que a União Soviética é, de fato, um estado socialista? E Keller reflete que, sendo objetivo máximo do socialismo a sociedade sem classes, o que implica também na eliminação do estado que nada mais é do que um órgão da sociedade de classes, a União Soviética, enquanto estado socialista, entrará inevitavelmente em confronto com os estados capitalistas. Se a União Soviética, porém, simplesmente submete ao estado os monopólios e os bancos, a centralização do poder econômico e político em um só órgão significa um estado extremamente forte e um concorrente imbatível dos estados capitalistas. O operariado, então, nada deve esperar da União Soviética nessas circunstâncias. Keller acha injustas as punições impostas aos países europeus derrotados, à Itália e à Alemanha, porque são castigos imputados aos povos, aos operários desses países. Termina desejando a criação da união livre, internacional, 60 independente dos socialistas, a vitória definitiva do reino da liberdade, da justiça social e da igualdade, a mesma descrita por Marx e Engels em suas obras. No boletim nº 15, de julho de 1946, Keller escreve o artigo “Offener Brief an einen Genossen” (=Carta aberta a um companheiro), em que se define como socialista e internacionalista. Declara que o seu combate ao nazismo não deve ser entendido como uma tentativa de divisão das esquerdas alemãs, embora ele seja contrário aos partidos que trabalham como se fossem meros órgãos técnicos. Não aceita um partido que exija obediência cega de seus membros, um partido que admita que “o socialismo possa crescer pacificamente dentro da ordem capitalista”. Keller manifesta sua clara opção pelo SPD, o Partido Social Democrata Alemão, que considera suficientemente elástico para abrigar as massas operárias e a burguesia mais progressista. No mesmo boletim há ainda o ensaio “Wirkungsvoller als die Atombombe” (=Mais eficiente que a bomba atômica), em que Keller explica que mais poderosas que a bomba atômica, são as decisões políticas a serem tomadas pelas Nações Unidas por um lado e, por outro, pela União Soviética. A organização política da zona de ocupação soviética na Alemanha já foi iniciada. É, na verdade, uma intervenção que está longe de trazer ordem ou justiça ao povo alemão, mas pelo menos estabelece normas que permitem ao cidadão orientar sua vida pessoal e profissional, enquanto que a política sem objetivos, adotada nas demais zonas de ocupação, em nada beneficia a população. O elogio ao que chama de política criativa e pouco ortodoxa da União Soviética é evidente. Keller termina o texto, aludindo a uma reunião secreta entre líderes de partidos comunistas onde, supostamente, se articula um acordo para atenuar as reparações exigidas da Alemanha. Prevêse a não separação das regiões do Reno e do Ruhr do território alemão e a revisão das fronteiras do leste, com a devolução dos territórios anexados à Polônia. Acredita Keller que, no dia em que a União Soviética se decidir a realizar esse programa, ela terá ao seu lado toda a nação alemã, e o poder das potências ocidentais na Europa ficaria, assim, definitivamente quebrado. Neste mesmo boletim, Keller exorta os companheiros a filiarem-se ao SPD, o Partido Socialdemocrata e propõe-se a lutar na ala esquerda do partido, esperando que este seja suficientemente flexível para abrigar, não só o operariado, mas também a burguesia progressista, que se encontra desligada, em definitivo, do capitalismo. 61 No boletim no 16, de outubro de 1946, Keller oferece o ensaio intitulado “Ein Irrtum und seine Berichtigung” (=Um engano e sua correção). Trata-se de uma resposta às reações provocadas pela “Carta aberta a um companheiro” publicada no número anterior, em que Keller exorta todos os antinazistas, ainda residentes no Brasil, a aderir à ala esquerda do SPD. Para surpresa de Keller, muitos dos imigrantes procuram posições na nova ala proposta, mas como funcionários. A direção do SPD em Hannover manda uma carta assinada pelo companheiro Sanders, exilado em Londres, estabelecendo regras não consoantes com os ideais de Keller. Por detrás dessa atitude do partido, há que levar também em consideração o fato referente à não aceitação de August Siemsen, líder do grupo antifascista de Buenos-Aires e amigo de Keller. Por solidariedade, Keller volta atrás e desiste de sua filiação ao partido. Aí, Keller conclui que partidos e organizações acabam como instrumentos dos mandatários políticos e considera que é preferível auferir da vantagem de ser responsável por seus atos a ser um mero instrumento. A partir deste momento, Keller desiste de qualquer atividade política dentro de uma organização ou partido. No último boletim, nº 17, de março de 1947, Keller apresenta o texto “Europäischer Gedanke und Reaktion” (=Pensamento e reação europeus). Neste artigo, o autor analisa relações possíveis entre as guerras, discorre sobre o conceito de autodeterminação dos povos que, estranhamente, só parece válido para as nações aliadas, não levando em conta a fragmentação a que se vêem submetidas várias nações da Europa depois da guerra. Outro conceito abordado por Keller é o da “federação/união européia”. Entretanto, segundo ele, tal conceito, bom em si mesmo, torna-se suspeito ao receber o apoio de antigos inimigos, tais como Churchill que, através dele, pretende garantir a hegemonia do Império Britânico em decadência, e os neonazistas que vêem nele um meio de voltar ao poder e de satisfazerem seus ódios e ambições. Estrategicamente, escolhem um inimigo comum - a União Soviética - e falam de uma terceira Guerra Mundial, travada naturalmente em terras européias, para consolidar essa união. Keller é de opinião que deve haver, sim, união, mas que a nova Europa não deve ser construída sobre velhos preconceitos, não deve ser uma democracia formal, escondendo contradições capitalistas. Deve ser, sim, uma organização socialista de operários e camponeses, abrangendo todos os povos, 62 para trazer paz à humanidade. Após o fracasso da idéia que o levara a querer filiar-se ao que chama “a ala esquerda da SPD”, Keller desiste em definitivo de qualquer atividade política. Passa a ocupar-se com atividades humanitárias, organizando remessas de auxílios aos antifascistas europeus e aos libertos dos campos de concentração. Neste último boletim, há uma longa lista de pessoas e organizações européias às quais a Associação de Keller presta auxílio. A leitura dos ensaios de Keller permite algumas conclusões sobre sua face ideológica: é um homem socialista, adepto do materialismo histórico, um crítico, atento dos movimentos políticos e partidários. Tem esperanças na União Soviética como defensora de um socialismo democrático, mas a partir de 1946 questiona essa esperança. Espera, porém, que a União Soviética evite que os operários dos países vencidos sejam onerados pelas pesadas penas a eles impostas. Recusa-se a obedecer a qualquer coisa sem a prerrogativa da discussão. Keller é um ser humano radical, um homem que respeita a sua inteligência e a sua sensibilidade acima de tudo. Quem seriam os colaboradores e quem seriam os leitores do boletim de Keller? Uma parte da resposta à primeira pergunta pode ser encontrada na rubrica Notícias. São artigos não só de jornais e revistas estrangeiros, como Em guarda de Washington, Time, Free world, Fortune, Aufbau e The nation de Nova York, Chicago sun, The american mercury, A voz de Lisboa, Die Zeitung de Londres, o próprio Völkischer Beobachter - órgão oficial do Partido Nazista-, mas também de jornais nacionais como Diário da Tarde de Curitiba, Folha Carioca, A Noite e O Globo do Rio de Janeiro. Em muitas das notícias não há indicação da fonte. Até o fim da guerra, em 1945, são freqüentes as informações sobre o conflito: o racionamento de alimentos na Alemanha; a reconstrução de Londres iniciada no ano de 1944, atrocidades nazistas na Holanda, os cuidados que os russos prestam aos seus feridos, crueldades cometidas pela SS, corpo de elite e guarda pessoal de Hitler, na Alemanha; um artigo em memória de Hans e Sophie Scholl executados na Alemanha por sua oposição ao nazismo; uma estatística sobre a quantidade de bombas jogadas sobre cidades alemãs; expectativas sobre o futuro da Alemanha e da Europa; um comentário sobre a situação dos prisioneiros políticos na Espanha; o desânimo e a tristeza que reina na Alemanha arrasada. 63 Durante o período da guerra o acesso a jornais e revistas estrangeiras é extremamente difícil, a comunicação não só é precária dentro do próprio Brasil, mas também com o exterior, sem contar os empecilhos criados pela censura brasileira. A habilidade de Keller em conseguir informações é digna de nota. É certo que Keller dispõe de uma ampla rede de contatos tanto com pessoas como com organizações, no Brasil e no exterior, sobretudo na Argentina e no México, mas também na Inglaterra e nos Estados Unidos. Após 1945, surgem as primeiras notícias sobre os campos de concentração, a situação dos prisioneiros libertados dos campos, a administração aliada na Alemanha, mas também informações sobre atividades culturais, notas sobre refugiados que voltam a assumir postos administrativos e políticos, notícias sobre nazistas que tentam voltar a ocupar cargos na economia e na administração. Além dos refugiados e dos exilados vivendo em outros países da América, Keller conta com leitores entre os alemães e seus descendentes espalhados pelo Brasil, especialmente nos estados do sul. Os boletins mostram também que Keller reavalia algumas de suas posições. Se começa considerando todos os imigrantes antigos e seus descendentes como simpatizantes do nazismo, sua opinião modifica-se no decorrer dos anos. Keller passa a insistir na existência de “outros alemães”, de uma “outra Alemanha”. Ao final da guerra, Keller recusa energicamente a noção da “culpa coletiva” do povo alemão, mostra-se um patriota preocupado com o destino do seu país. Se em diversas ocasiões, Keller demonstra sua admiração pela União Soviética, e sobretudo, sua confiança no país enquanto patrocinador de um socialismo democrático, essa posição é questionada no pós-guerra. Em todos os boletins há ensaios de Keller, ilustrando suas idéias e sua cosmovisão. Teatro em língua alemã 64 Keller dedica os dez primeiros anos de sua vida no Brasil, de 1935 até o início de 1946, a duas atividades principais: ao combate ao fascismo e ao aprendizado da língua portuguesa. A primeira deixa duas frustrações amargas: a pouca ressonância junto à colônia de língua alemã e seus descendentes no Brasil e, no pós-guerra, a falta de reconhecimento dessa atividade na Alemanha libertada. Graças ao aprendizado da língua portuguesa, no entanto, Keller tem acesso à atividade teatral brasileira, atividade esta que lhe é extremamente gratificante. Keller passa a dirigir peças de teatro, participa da criação de grupos teatrais profissionais e amadores, trabalha até como professor de arte dramática. Keller começa, porém, por um tipo de teatro pouco investigado no Brasil, pelo chamado teatro alemão. Trata-se de um teatro produzido em língua alemã e destinado ao reduzido público também de língua alemã no Brasil. Assim, as peças encenadas, procedentes de várias literaturas, inclusive da brasileira, são apresentadas em alemão para um público composto, num primeiro instante, por simpatizantes do nazismo e nazistas e, num segundo momento, após 1945, sobretudo, por judeus exilados. Seu objetivo iminente é o entretenimento. Fritz Pohle, em Emigrationstheater in Südamerika. Abseits der “Freien Deutschen Bühne” Buenos Aires (=Teatro de imigrantes na América do Sul. À margem do “teatro alemão livre” Buenos Aires), de 1989, faz uma análise do teatro em língua alemã produzido na América do Sul por diversos grupos de exilados, excetuando o grupo mais importante - o de Buenos Aires -, objeto de estudo de outras obras. O capítulo dedicado ao Brasil consta de três textos. O primeiro, com o título de “Exiltheater in Rio de Janeiro” (=Teatro de exílio no Rio de Janeiro) é da autoria de Willy Keller. O segundo, “Freies Europäisches Künstlertheater/Kammerspiele” (=Teatro de Artistas Europeu Livre /Teatro de Câmara) é de autoria de Fritz Pohle e enumera as peças representadas pelo grupo. O terceiro texto, novamente de autoria de Pohle, traz o título de “Estado Novo und deutschsprachiges Emigrationstheater” (=Estado Novo e Teatro de Emigração em Língua Alemã) e investiga os problemas encontrados para se fazer um teatro em língua alemã no Brasil de Vargas. Estes textos, bem como as 65 referências de Keller ao seu trabalho no âmbito do teatro em língua alemã, seja em cartas ou em artigos de sua autoria, embasam o presente capítulo. As primeiras tentativas de fazer um teatro em língua alemã no Brasil devem-se a Karl von Lustig-Prean, antigo diretor da Ópera Popular de Viena e inimigo político de Keller que, no capítulo “Exiltheater in Rio de Janeiro” do livro Emigrationstheater in Südamerika, de 1989, narra as dificuldades encontradas para se fazer representar uma peça em alemão no país. A primeira dificuldade recai sobre a escolha da peça, pois é necessário que esta ainda não tenha entrado no índex do governo alemão. A segunda dificuldade diz respeito ao aluguel do espaço físico, normalmente uma casa particular. A casa não pode pertencer a judeus. A terceira dificuldade encontra-se no recrutamento dos atores: eles também não podem ser judeus. E, por último, não é permitida a presença de judeus entre o público. Ou seja, o chamado teatro alemão acaba sendo feito, numa primeira fase, só para nazistas ou para seus simpatizantes; a grande maioria dos exilados fica marginalizada. Assim, é somente após 1945 que o teatro em língua alemã pode se expandir no Brasil. Em 1946, é fundado no Rio de Janeiro o grupo teatral “Freies Europäisches Künstlertheater” do qual participam Willy Keller, o ator Werner Hammer e Wolfgang Hoffmannn-Harnisch e seu filho Wolf Harnisch. O grupo é constituído de pessoas de origens diferentes, de austríacos, suíços, tchecos, noruegueses, alemães judeus e não judeus, unidos pelo interesse na língua alemã. Este grupo teatral funciona como uma sociedade financiada pela venda de ingressos, portanto, numa situação precária. Em geral, não ocorrem mais de duas encenações de cada peça. São inúmeras as despesas a serem cobertas: aluguel, propaganda, direitos autorais, decorações, pagamento de operários. A Embaixada Alemã chega a contribuir com uma modesta soma, mas são os integrantes que arcam com a maior parte dos custos. Em 1948, Willy Keller encena para o grupo em pauta a peça de Joracy Camargo Deus lhe pague, traduzida por ele próprio com o título de Vergelt’s Gott para o programa. No entanto, curiosamente, no texto o título é Bettlerkomödie, ou seja, comédia de mendigos. A segunda peça encenada por Keller, em 1949, é A portas fechadas de Jean-Paul Sartre, o que, segundo Keller, 66 é a primeira apresentação de uma peça de Sarte no Brasil. A encenação é um sucesso com três representações. O grupo encena cerca de quarenta peças, entre elas Rotkäpchen und der böse Dr.Wolf (=Chapéuzinho Vermelho e o malvado Dr. Lobo), peça de autoria de Keller. Há preocupação em oferecer ao público peças de boa qualidade, sem desprezar, como coloca Keller, o teatro enquanto diversão. Duas são as peças de autores brasileiros encenadas pelo grupo: além da já mencionada comédia de Joracy Camargo, a peça de Paschoal Carlos Magno intitulada em alemão Morgen ist es anders (=Amanhã é diferente). Não há referências ao tradutor. Em 1948, Keller e Werner Hammer rompem com Hoffmann-Harnisch por razões sobretudo políticas: como mencionado antes, Keller quer um teatro que enfatize a crítica social, ao mesmo tempo em que considera que um teatro produzido por imigrantes para imigrantes não pode ignorar simplesmente os acontecimentos entre 1933 e 1945. Keller continua, então, até 1957 com seu próprio grupo, que herda o antigo nome de “Freies Europäisches Künstlertheater” até 1950, quando é substituído por “Kammerspiele: Teatro Independente Europeu”. Hoffmann-Harnisch vê no teatro um meio de divulgar a cultura alemã, encenando clássicos. Procura um público mais amplo. Chega a fazer teatro bilíngüe, isto é, faz apresentar, no começo do espetáculo, um resumo da peça que, depois, é representada em alemão e levada em “tournée” pelo sul do Brasil, com o apoio dos governadores de estado. Isto leva Pohle a interpretar a postura de Hoffmann-Harnisch como um distanciamento dos objetivos do teatro alemão no Brasil, como uma aproximação, um reconhecimento, dos nacionalistas, ou seja, dos antigos nazistas. Em 1951, tanto Hoffmann-Harnisch quanto seu filho voltam à Alemanha. Keller também está preocupado com a falta de um público maior para o teatro em língua alemã: além de ser em si reduzido, existem diferenças ideológicas profundas entre esse público. Para Keller há que considerar igualmente o envelhecimento, a falta de renovação desse público. Além disso, há a considerar que os imigrantes e seus descendentes já dominam a língua portuguesa e estão integrados na vida cultural do país. A última peça por ele encenada é Die Freier (=Os pretendentes) de Joseph von Eichendorf, em comemoração do centenário da morte do autor. 67 Em 11 de outubro de 1962, o jornal Deutsche Nachrichten, publicado em São Paulo em língua alemã, registra a encenação da peça As mãos de Eurídice em tradução alemã de Keller, no auditório da Pró Arte, mas sob a direção de Wolfgang Haller. O espetáculo alcança grande sucesso. Apesar do seu empenho em produzir um teatro em língua alemã, Keller consegue, aos poucos, transferir o seu trabalho para o teatro brasileiro, quer com grupos amadores quer com grupos profissionais, dá aulas de arte dramática, escreve para jornais e revistas. Entre essas múltiplas atividades está a participação de Keller no “Teatro Experimental do Negro”. Nas suas próprias palavras: Depois seguiu-se uma fase da minha carreira teatral que não conduziu a nenhum objetivo, mas que considero importante. Em 1946 associeime ao Teatro do Negro fundado por Abdias do Nascimento[...] A partir daí pertenci ao teatro brasileiro como um ‘outsider’, assim como também só pertenci ao teatro alemão como ‘outsider’.10 O Teatro Experimental do Negro O Teatro Experimental do Negro é um fenômeno artístico brasileiro relativamente pouco conhecido. Todavia, o número de obras que trata do assunto não é inexpressivo. Em 1961, surge o livro organizado por Abdias do Nascimento, Dramas para negros e prólogos para brancos; em 1966, Tomás Efrain Bó publica Teatro Experimental do Negro. Testemunhos; em 1978 Abdias do Nascimento traz a lume O genocídio do negro brasileiro; em 1983, Ricardo Gaspar Müller apresenta à Universidade Federal de Minas Gerais a dissertação de Mestrado O teatro experimental do negro; e em 1995, Leda Maria Martins apresenta A cena em sombras. Com base na leitura desses textos e de posse de dados colhidos nos arquivos da biblioteca do Instituto Hans Staden em São Paulo, no arquivo sobre a literatura no exílio da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, no arquivo particular de Elvira Heydemann, cunhada de Wilhelm Keller, em Valinhos, em 10 Pohle, p.41. 68 currículos e ensaios do próprio tradutor, redigiu-se este capítulo, a fim de se recuperar o trabalho de Keller junto a este grupo e a deixar mais clara a sua inserção na cultura brasileira. Significativa é também a foto de Abdias do Nascimento, Ruth de Souza, Aguinaldo Camargo, Willy Keller, Zélia e Maria de Lourdes Medeiros e da Princesa Teresa de Orleans e Bragança, apresentada no livro Exil in Brasilien, organizado por Klaus-Dieter Lehmann e publicado pela editora Die Deutsche Bibliothek em Frankfurt a.M., em 1994, especialmente editado para uma exposição sobre a emigração dos intelectuais de língua alemã no Brasil entre 1933 e 1945, e que fornece a primeira pista sobre a participação de Keller no Teatro Experimental do Negro - TEN. Keller atua junto ao Teatro Experimental do Negro desde 1946, por indicação do diplomata e autor Paschoal Carlos Magno, laureado com o prêmio da Academia Brasileira de Letras pela sua peça Pierrot e fundador da Casa do Estudante do Brasil em 1929 e do Teatro do Estudante em 1938. Pelo livro Teatro Experimental do Negro sabe-se que Abdias do Nascimento, seu fundador, nasce em 1914, em Franca, estado de São Paulo. Sua mãe é costureira e seu pai sapateiro. Forma-se em economia e exerce várias profissões: repórter, contador, gerente de banco. Em 1941, numa viagem a Lima, Abdias do Nascimento assiste à representação do Imperador Jones de O'Neill, onde o negro Brutus Jones é representado por um ator branco. Nasce ali a idéia de um teatro negro para o Brasil. O TEN visa criar um espaço para o dramaturgo, o diretor e o ator negros. Faz parte, porém, de um projeto mais amplo de divulgação e valorização da cultura negra, e pretende também tomar iniciativas políticas que tenham uma repercussão prática. Em um discurso pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 1949, por ocasião da Conferência Nacional do Negro, e depois publicado no livro Dramas para negros e prólogos para brancos, na página 15, Abdias do Nascimento fala assim do Teatro do Negro: “O Teatro Experimental do Negro pertence à ordem dos meios. Ele é um campo de polarização psicológica, onde se está formando o núcleo de um movimento social de vastas proporções.” Entre os eventos efetivamente organizados com estes objetivos mais amplos estão a Convenção Nacional do Negro de 1945 em São Paulo, a Conferência Nacional do Negro maio de 1949, realizada na Associação Brasileira 69 de Imprensa no Rio de Janeiro, tendo como organizadores Edison Carneiro, Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos, contando com a participação do representante da ONU no Brasil e o lº Congresso do Negro Brasileiro, realizado de 26 de agosto a 4 de setembro de 1950, também na Associação Brasileira de Imprensa no Rio de Janeiro. Segundo um artigo de Abdias do Nascimento no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, de 11/06/1946, o Teatro Experimental do Negro participa em dezembro de 1944 de uma realização do Teatro do Estudante no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Trata-se da representação da peça Palmares. O 3º ato tem o título de a "República dos Negros". Paschoal Carlos Magno quer que Zumbi e também as personagens secundárias sejam interpretadas por negros. No início das atividades do TEN, a União Nacional dos Estudantes cede algumas salas ao grupo para desenvolvimento de suas atividades culturais e educativas, como relata seu fundador Abdias do Nascimento no mesmo artigo. Desentendimentos levam, porém, à expulsão do grupo do local. A atriz e empresária teatral Bibi Ferreira oferece então, ao TEN, uma sala no Teatro Fênix. Entretanto, também este local tem que ser abandonado, pois o dono recusa-se a alugá-lo para este tipo de espetáculo. O prefeito do Rio oferece, em seguida, um prédio desocupado, o Pavilhão Mourisco, mas o presidente do Clube Botafogo impede a cessão do local. O preconceito e a falta de apoio oficial sempre se fazem sentir. Num artigo sem assinatura, publicado no jornal O Globo de 17 de outubro de 1944, sob a rubrica “Ecos e Comentários”, a iniciativa do TEN aparece comentada. O artigo começa por negar a necessidade de um teatro negro, considerando que, mesmo no tempo da escravidão, os negros eram bem tratados e que as torturas e maus tratos não passavam de exceções. Diz o artigo que “sem preconceitos, sem estigmas, misturados e em fusão nos cadinhos de todos os sangues, estamos construindo a nacionalidade e afirmando a raça de amanhã.” Apesar das dificuldades, o grupo consegue estrear em 8 de maio de 1945 no Teatro Municipal do Rio, com a peça O Imperador Jones de Eugene O'Neill. A peça conta a história de um negro que se arvora em imperador de um grupo de negros, explorando-os e maltratando-os. Os negros revoltam-se e Brutus Jones foge pela floresta em busca do litoral, onde espera salvar-se. A peça 70 reproduz essencialmente seu monólogo durante a fuga, atormentado pelo medo e pela própria consciência. O negro Jones é interpretado por Aguinaldo de Camargo, os cenários são do pintor italiano Enrico Bianco, que vem ao Brasil em 1937. A data da estréia coincide com a vitória aliada sobre as forças do fascismo, o que atrapalha um pouco o espetáculo, pois nas ruas a multidão festeja a vitória com danças e desfiles, soltando foguetes e cantando. O acesso ao teatro é dificultado e o barulho interfere no espetáculo. A respeito desta estréia Henrique Pongetti escreve no capítulo “Brancos e Negros”, o seguinte: “Lá fora os buscapés, as bombas, as girândolas e os chuveiros de prata espoucavam botando barulho de guerra nos sambas comemorativos da paz.” A peça O imperador Jones é representada uma única vez no Teatro Municipal do Rio, e sem que o grupo tenha a possibilidade de fazer antes um ensaio geral, já que o teatro se encontra ocupado por um grupo de amadores formado por gente da sociedade. Depois dessa única apresentação, o TEN fica sem local de trabalho, como assinala Henrique Pongetti em O Globo de 10/05/1945: “O Teatro Experimental do Negro está agora sem casa para prosseguir.” Em sua dissertação de mestrado O Teatro Experimental do Negro datada de 1983, Ricardo Gaspar Müller faz a análise de algumas peças apresentadas pelo grupo e fala da atividade política deste grupo de teatro. Na apresentação, o autor menciona as dificuldades por ele enfrentadas para avaliar esta experiência, em suas palavras, “[...] já tão recuada no tempo, tão esquecida e em geral ausente dos registros correntes de nossa história intelectual e política.” Müller faz menção a nove peças, levadas à cena pelo grupo, reunidas em uma antologia organizada por Abdias do Nascimento com o título Dramas para negros e prólogos para brancos, publicada no Rio de Janeiro, pelo próprio TEN, em 1961. São elas: Auto da noiva de Rosário Fusco, peça escrita especialmente para o TEN e datada de 1946; O filho pródigo de Lúcio Cardoso escrita para o TEN em 1947 e encenada no mesmo ano; Anjo negro de Nelson Rodrigues de 1946, mas encenada pelo TEN em 1948; Filhos de santo de José de Morais Pinho, de 1948, encenada no mesmo ano; O emparedado de Tasso Silveira de 1948; O castigo de Oxalá de Romeu Crusoé escrita em 1952; Sortilégio escrita por Abdias do Nascimento em 1951 e encenada em 1957; 71 Além do Rio de Agostinho Olavo e Aruanda de Joaquim Ribeiro - estas duas peças sem outras referências. Sete peças pertencem a autores negros: Rosário Fusco, José de Morais Pinho, Tasso Silveira, Romeu Crusoé, Abdias do Nascimento, Agostinho Olavo e Joaquim Ribeiro e duas a autores brancos: Lúcio Cardoso e Nelson Rodrigues. Müller baseia seu estudo, de caráter sobretudo sociológico, na análise textual das quatro primeiras peças O castigo de Oxalá, Auto da noiva, Sortilégio e O filho pródigo e dos eventos políticos da época. O conflito nas peças dos autores negros analisadas por Gaspar Müller é similar, girando em torno do encontro do homem negro com a mulher branca, encontro que quase sempre acaba de maneira infeliz, terminando com a volta do negro às suas origens, ao seu povo e à sua religião. Não há solução para o problema do negro, a não ser a volta ao seu próprio grupo. A peça de Lúcio Cardoso é considerada por Décio de Almeida Prado como um "monumento de literatice" sem nenhum vínculo com a realidade do negro ou com sua problemática. As peças reunidas na antologia organizada por Abdias do Nascimento não são, no entanto, as únicas apresentadas pelo TEN, cujo repertório é bem mais amplo. Incluem-se, aí, a já citada peça de Eugene O'Neill O Imperador Jones bem como O moleque sonhador e, ainda, Todos os filhos de Deus tem asas do mesmo autor, esta encenada no Teatro Fênix, do Rio de Janeiro, em 1946. As peças aludem sempre à união entre brancos e negros. Em 1949, em discurso pronunciado na ABI, Abdias do Nascimento fala em outras peças que o TEN pretende levar aos palcos: Calígula de Albert Camus, O mulato de Langston Hughes, escritor e poeta negro americano que viveu de 1902 a 1967, Dom Perlimplin e Belisa de Garcia Lorca e O caminho da cruz de Henri Gheon, poeta francês, que viveu de 1875 a 1944. O TEN acaba agraciado tanto por O'Neill como por Camus que desistem de seus direitos autorais, para ajudar o grupo. Tudo leva a crer que o TEN se dissolve aos poucos: não existe uma atividade continua, as representações são cada vez mais espaçadas. O TEN não consegue uma sede própria, não consegue contratar profissionais qualificados. O preconceito e a falta de recursos acabam por inviabilizá-lo. 72 Em 1952, Abdias do Nascimento organiza uma outra companhia negra que se apresenta na boate Acapulco e no Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, com uma revista em dez quadros intitulada Rapsódia negra. A forma adotada, de teatro de revista e a apresentação em uma casa noturna, sugerem a preocupação em fazer um teatro talvez mais comercial, em arrecadar fundos para o grupo. Em um artigo na revista O cruzeiro de 10 maio de 1953, de Clóvis Garcia, intitulado O Imperador Jones, é mencionado o projeto do TEN de encenar a peça de Augusto Boal O logro. As informações recolhidas mostram que a atividade teatral do TEN parece concentrar-se, sobretudo, nas décadas de quarenta e cinqüenta. Gaspar Müller apresenta o ano de 1968 como o do encerramento da atuação do TEN. Em 1978, ao fazer um retrospecto das atividades do TEN, em O genocídio do negro brasileiro, Abdias do Nascimento refere-se, de forma genérica, às dificuldades sofridas pela área cultural no Brasil a partir de 1964, sem referir-se, porém, especificamente ao TEN. Leda Maria Martins em A cena em sombras de 1995, faz uma comparação entre o teatro do negro no Brasil e o teatro do negro nos Estados Unidos, bem como aborda a situação do negro nas duas sociedades. A autora conclui na página 83 que “as dificuldades financeiras, os problemas internos do próprio grupo e os efeitos da Ditadura Militar em todas as atividades culturais e artísticas aceleram o fim melancólico de uma experiência rica e singular no contexto do teatro brasileiro.” A participação de Willy Keller no grupo parece ter ficada limitada ao ano de 1946 quando é indicado por Paschoal Carlos Magno. Em uma entrevista ao jornal Resistência de 27/11/1946 e num artigo no Diário Trabalhista de 11/12/1946, Abdias do Nascimento manifesta seu entusiasmo pela colaboração de Keller, dizendo: “Doravante contamos com a inestimável colaboração do eminente ensaiador alemão Willy Keller [...].” E: Willy Keller [...] , após largar o trabalho de um dia árduo, se dirige para a Escola Nacional de Música, onde, de empregadas domésticas, operários, pequenos funcionários públicos, vai modelando as vocações que amanhã serão legítimos orgulhos dos nossos palcos. Possuidor de uma paciência inesgotável, Keller transmite aos amadores negros lições do mais alto valor para a arte de representar. Nunca se exalta. Sempre calmo e bem humorado, sabe tornar os ensaios em algo interessante, com dissertações eruditas em linguagem tão simples que os menos instruídos entendem perfeitamente. 73 A foto atrás referida, em que figuram Zélia e Maria de Lourdes Medeiros, Ruth de Souza, Teresa de Orleans e Bragança, Willy Keller e o fundador do grupo Abdias do Nascimento foi tirada provavelmente em 1946, por ocasião do 2º aniversário do TEN, comemorado no Teatro Regina do Rio de Janeiro no dia 9 de dezembro de 1946, ocasião em que Willy Keller dirige O moleque sonhador de Eugene O'Neill. A peça conta a história de um jovem negro, interpretado por Abdias do Nascimento, que se torna bandido e comete um assassinato. Perseguido pela polícia vai, assim mesmo, visitar a avó moribunda, Mammy Saunders, interpretada por Ruth de Souza. Todavia, por causa de um incidente, a peça tem que ser representada sem cenários. É Willy Keller quem salva a encenação, levando os atores a imitar gestos como abrir portas, etc., sugerindo, dessa forma todo o cenário ausente. Tal inovação leva Ascendino Leite a comentar no capítulo “Moleque sonhador”, da antologia Dramas para negros e prólogos para brancos, à página 87, que o incidente teria arrastado a representação ao ridículo, não fosse a capacidade criadora do dirigente. Keller ainda encena no TEN a 2ª cena do ato V do Otelo de Shakespeare, em que contracenam Abdias do Nascimento como Otelo e Cacilda Becker como Desdêmona. Trata-se da última cena do drama, quando Otelo mata Desdêmona, convencido de sua traição. Os festejos do aniversário do TEN são prestigiados por outros artistas e grupos teatrais: Procópio Ferreira recita a poesia As mãos, Ziembinski e Maria Della Costa participam de uma cena de A rainha morta, Aguinaldo Camargo atua em O negro Damião, uma adaptação de Terras do Sem-Fim, de Jorge Amado, Luiza Barreto Leite, artista e jornalista, fundadora do grupo "Os Comediantes", declama o monólogo Mariana Pineda de Garcia Lorca, Olga Navarro e Zimbienski atuam em uma cena de Desejo de O'Neill e Graça Mello e Jackson de Souza se apresentam em O ladrão azarado do próprio Graça Mello. Todo o espetáculo é acompanhado pela Orquestra Afro-Brasileira. Em um discurso pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa em maio de 1949, por ocasião da Conferência Nacional do Negro, Abdias do Nascimento agradece a todos que, de alguma forma, colaboraram com o TEN, entre eles a Willy Keller. 74 A participação no TEN é importante para Keller, pois é sua primeira participação no teatro em língua portuguesa. O acesso de Keller ao TEN deve-se provavelmente à fragilidade econômica e profissional do grupo. Se, por um lado, o TEN não possui recursos financeiros para contratar profissionais, Keller anseia, por outro lado, a qualquer custo por participar do teatro brasileiro. Keller, como exilado, impedido de atuar em seu próprio país mostra também uma sensibilidade especial para o drama do negro brasileiro, exilado em sua própria terra. Na década de 70, o TEN desaparece do cenário nacional. Nas palavras de Leda Maria Martins à página 83: “O esforço de descentramento promovido pelo TEN não sobreviveu ao aparato ideológico e às séries de condições que vêm, há séculos, excluindo as minorias dos centros de produção e decisão [...].” É curioso observar que, no livro Quem é quem nas artes do Brasil de Bárbara Heliodora, os nomes de Willy Keller, de Abdias Nascimento, Aguinaldo Camargo e Áureo Nonato não aparecem no capítulo dedicado ao teatro. O silêncio espalha-se sobre os atores, escritores e diretores brasileiros negros do TEN e destrói uma das frentes em que seria possível a Willy Keller participar ativamente da cultura de seu país adotivo. Apesar de intensa, falta à participação de Keller no teatro a continuidade, seja no tempo, seja na ligação mais permanente com determinados grupos. Um problema talvez não somente de Keller, mas do teatro brasileiro em geral. A atividade teatral de Keller fica registrada em ensaios, em críticas, em notícias de jornal e na memória dos que trabalharam com ele. Décio de Almeida Prado em sua Apresentação do Teatro Brasileiro Moderno, logo na primeira página, faz menção ao caráter efêmero das encenações teatrais e justifica a publicação de seus ensaios, citando T.C.Worsley: “As peças elas mesmas podem sobreviver, se o merecem, mas cada determinada encenação ou cada particularidade do desempenho só viverá enquanto delas persistir um traço na memória ou alguma notação escrita.” Willy Keller, tradutor de literatura brasileira 75 Ao longo de sua vida Keller traduziu um significativo número de obras de autores brasileiros, o que atesta o domínio da língua portuguesa. Não se pretende, neste capítulo, fazer análises de quaisquer textos traduzidos por Keller. O objetivo é apenas mostrar o volume de obras da literatura brasileira traduzidas pelo autor. Na área do teatro são várias as traduções de Willy Keller. De Pedro Bloch verteu para o alemão As mãos de Eurídice, com o título Eurydikes Hände, Esta noite choveu prata, com o título Heute Nacht regnete es Silber e Os inimigos não mandam flores, com o título Feinde schicken keine Blumen. Estas três peças são editadas em forma de textos destinados ao teatro (Textbücher) pela editora Fischer, sem datas. A tradução da peça Sorriso de pedra é arrolada no currículo de Keller, mas não se encontraram outras informações sobre esta tradução, bem como sua localização. De Joracy Camargo, traduz Deus lhe pague, como Vergelt’s Gott. Também neste caso não há registro da data no texto original que se encontra no arquivo da Universidade de Hamburgo. Segundo Keller, a peça é editada pela editora Fischer, mas esta não tem, hoje, mais informações sobre ela. Tal como a peça de Joracy Camargo, os textos de Henrique Pongetti A história de Carlitos e Amanhã se não chover também caíram no esquecimento da editora Fischer. Sabemos destas traduções apenas através dos currículos deixados por Keller. Além destes autores, Willy Keller também traduziu para a alemão O auto da compadecida de Ariano Suassuna, com o título Das Testament des Hundes, editado em forma de texto para o uso em teatro pela editora Gustav Kiepenheuer de Berlim em 1962. Nos currículos de Keller há ainda menção à tradução de A última experiência de Antônio Callado que teria sido editada pela editora Fischer Infelizmente, também não há outras informações sobre esta publicação. A editora Fischer informou, em carta de 20 janeiro de 1995 que, dos autores por mim arrolados - Callado, Camargo e Bloch - apenas três traduções de obras de Pedro Bloch, a saber, Eurydikes Hände, Feinde schicken keine Blumen e Heute Nacht regnet es Silber estão editadas pela Fischer, em forma de Textbücher, isto é, de livros-texto, destinados a grupos teatrais que adquirem os direitos de representação, e não como edições destinadas ao comércio. A editora esclarece ainda que os contratos para edição de traduções costumavam ser celebrados entre a editora e a SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais). 76 Na revista SBAT de julho de 1968, Keller elucida igualmente o sucesso alcançado pelas peças acima mencionadas. Todas essas peças são levadas aos palcos europeus. Heute Nacht regnet es Silber (=Esta noite choveu prata), por exemplo estréia no "Torturmtheater” (=Teatro da Porta da Torre), na cidade de Sommerhausen, com o ator Malipiero, ator italiano que atua, na época, na Alemanha. Eurydikes Hände (=As mãos de Eurídice) é representada inúmeras vezes na Alemanha, além de ser apresentada em língua alemã na Argentina, no Chile, na Suíça e na Áustria. Só no Brasil, afirma Mario Cacciaglia em seu livro Pequena história do teatro no Brasil de 1986, a peça é representada 30.000 vezes. As peças traduzidas por Keller são, em geral, grandes sucessos de público, se bem que de qualidade literária discutível. A respeito deste assunto, assim se manifesta Décio de Almeida Prado: As mãos de Eurídice correu mundo a partir da primeira representação brasileira feita por Rodolfo Mayer em 1950, porque tinha a sabedoria, ou a esperteza, de comprimir todo um elenco imaginário de personagens - marido, mulher, amante, sogro, sogra, filhos - na figura de um único interprete. 11 Keller vive, como vimos, sua primeira experiência como tradutor quando faz a versão para o alemão de Deus lhe pague de Joracy Camargo. A tradução alemã Vergelt’s Gott é encenada em 1948 no Teatro Serrador do Rio de Janeiro, e em Buenos Aires, pelo grupo de Paul Walter Jakob. No já mencionado artigo "Aventuras de Tradutor", publicado na revista Leitura, Keller fala dos 25 anos de Deus lhe pague e chama Joracy Camargo de “seu compadre”, que lhe reabre o caminho para as letras assim como, anos mais tarde, Henrique Pongetti lhe reabriria o caminho para o palco. A peça de Joracy Camargo é um imenso sucesso de público; escrita em 1932, comemora, após 30 anos, nada menos de 10.000 apresentações. Em 1973, Joracy Camargo tem 75 anos, e o Jornal de Letras no 269 de janeiro de 1973 festeja os 40 anos da peça. Sábato Magaldi, no entanto, em Panorama do teatro brasileiro, à página 187, nega ao texto qualquer qualidade literária, sem lhe tirar, porém, o mérito 11 Prado,Decio de Almeida- O teatro brasileiro moderno, São Paulo, Perspectiva/EDUSP,1988,p56-57. 77 de ter trazido o nome de Marx pela primeira vez aos palcos, de corresponder a um anseio de crítica à ordem burguesa e de “satirizar a filantropia estabelecida, de porta de igreja”. E ainda: “A aceitação da peça não impede que ela nascesse de um lugar comum, se nutrisse de frases feitas e desembocasse em subfilosofia.” O ponto de vista do diretor e do ator Willy Keller é, todavia, bem diferente. No artigo, “Aventuras de um Tradutor”, publicado na revista Leitura 18 de 1958, ele dá vazão ao seu entusiasmo: “Ao escrevê-la Joracy Camargo não se preocupava em fazer literatura [...]; preocupava-se, e muito, em dar ao teatro o que é do teatro: um enredo bem construído, bons papéis para os atores e um diálogo que prende a atenção dos espectadores.” A peça de Ariano Suassuna O Auto da compadecida é traduzida por Keller com o título de Das Testament des Hundes (=O testamento do cachorro). A história desta tradução e da representação da peça é contada por Maria Sommer da editora Kiepenheuer de Berlim, em carta por mim recebida em 17 de agosto de 1995. Diz ela que na década de 50, Keller havia feito uma visita à editora. Em setembro de 1960, Keller escrevera uma carta a Maria Sommer, referindo-se à visita anterior e sugerindo para publicação a tradução da peça mencionada que, entretanto, não interessara à editora. Mas, um jovem diretor polonês, ainda desconhecido na Alemanha, Konrad Swinarski, acabara por sugerir mais tarde à editora justamente esta peça de Suassuna. Isto levara a Kiepenheuer a entrar em contato com Keller que já havia traduzido O Auto da compadecida e a enviara, então, à Alemanha. No dia 21 de setembro de 1962, a peça estreara em Berlim na tradução de Keller e sob a direção do mesmo Konrad Swinarski: uma “estréia memorável na história do teatro”, nas palavras de Maria Sommer. A peça de Suassuna inaugura o famoso “Schaubühne” de Berlim – “Schaubühne am Halleschen Ufer”. Durante os anos de 1970 a 1985, o “Schaubühne”, sob a direção de Peter Stein, é um centro europeu do teatro político literário. No cartaz que anuncia a peça está o nome do autor, o título Das Testament des Hundes oder Die Geschichte der Barmherzigen (=O auto da compadecida) seguido do subtítulo “Ein Volksstück aus dem brasilianischen Norden” (=Uma peça popular do norte brasileiro), o nome do tradutor Willy 78 Keller, dos componentes do elenco e do diretor Konrad Swinarski. O cartaz exibe ainda uma foto, em cujo centro está a Compadecida. Durante os anos seguintes de 1962 a 1989, o Auto da compadecida é representado mais 26 vezes em cidades alemãs e européias de língua alemã. Em 10 de outubro de 1962, o jornal O Estado de São Paulo publica um artigo com o título "Elogios unânimes a 'A Compadecida' na estréia alemã". As informações contidas no artigo são todas do próprio Keller. Nos dois parágrafos iniciais do artigo, lê-se: “O encenador Willy Keller, responsável pela versão alemã de 'A Compadecida', de Ariano Suassuna, informa-nos que o espetáculo alcançou grande êxito na montagem do teatro 'Schaubühne', estreado na segunda quinzena de setembro, em Berlim.” Comentários de 10 jornais, ainda conforme o artigo do jornal, remetidos a Keller dão conta do apreço da crítica pelo texto e pela produção. A acolhida anuncia uma carreira excepcional para o espetáculo, confirmando o êxito obtido pelo autor nordestino em todo Brasil. Para Keller, o pronunciamento mais importante é o de Friedrich Luft, nas palavras de Keller o “mais temido crítico de cinema e de teatro”, responsável pela “Voz da crítica” no RIAS - Rundfunk für den amerikanischen Sektor de Berlim, folhetinista dos jornais Neue Zeitung e Die Welt, que publica justamente neste último noticiário, de 24 de setembro de 62, uma nota que é republicada em português no O Estado de São Paulo de 10 de outubro do mesmo ano, dizendo o seguinte: O elenco corajoso mostrou-se muito bem aconselhado ao escolher para inauguração do novo teatro a peça popular do Nordeste brasileiro O Testamento do Cão ou O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Um texto muito bom, ingênuo e verdadeiramente inteligente, de sólida construção e de um realismo forte. Um novo teatro tão agradável! Uma peça tão engraçada e astuta! Uma representação tão certa, surpreendente e chistosa! Desejamos a este elenco e ao seu teatro longa vida. [...] Informa-nos Willy Keller que esta é a quinta peça brasileira representada em língua alemã, em tradução sua. Outras cinco esperam a vez, entre elas A falecida de Nelson Rodrigues e Frankel de Antônio Callado. 79 A revista Humboldt 6 de 1962 publica, nas páginas 101 a 103, fotos da encenação, menciona a autoria de Keller como tradutor e também faz alusão à nota crítica de Luft. Em 1986 a Édition Diá de St.Gallen também publica a peça de Ariano Suassuna com o título Das Testament des Hundes. A edição traz um posfácio de Ray-Güde Mertin em que não há qualquer menção a Keller. Porém, no início do livro, encontra-se uma nota que dá conta da edição anterior, em forma de manuscrito fora do comércio, distribuída em 1962 pela editora Gustav Kiepenheuer de Berlim. Esclarece também que a tradução de Keller, revista para esta edição, baseia-se no manuscrito original. No artigo “Novo ano teatral”, publicado na revista Leitura 17 de 1959, Keller critica não só o fechamento de várias casas de espetáculo no Rio de Janeiro, como também a alienação dos autores teatrais em relação aos problemas que “torturam a nação”. Considera o teatro nordestino uma exceção. Keller menciona ainda outras obras que traduz, sem, contudo, acrescentar outras informações. Encaixam-se nesta situação A falecida e Vestido de noiva de Nelson Rodrigues e Almas de lama e aço de Gustavo Barroso. Também não foram encontradas informações junto às editoras ou nos arquivos consultados, referentes a essas obras. No seu currículo, há ainda menção a traduções de obras, sem especificação, dos seguintes autores: Antônio Bandeira, Eurialo Canabrava, Vinícius de Morais, Padre Antônio Vieira, Ricardo Meirelles, Sérgio Fonta, Luiz Gutemberg e Lygia Fagundes Telles. Não foi possível saber se Keller chega a encaminhar os originais às editoras ou se estes continuam no seu espólio, aguardando publicação. No âmbito da poesia, escolhe poemas avulsos de vários autores brasileiros, nem sempre passíveis de ter o seu original identificado, e verte-os para o alemão como, por exemplo, “Meu canto de guerra”(=Mein Kriegsruf) de Solano Trindade, “Eram cinco estrelas do mar” (=Fünf Sterne über dem Meer) de Joaquim Cardoso, “Lirismo” (=Lyrisches Gefühl) de Domingos Carvalho da Silva, “Trem de ferro”(=Eisenbahn) de Manuel Bandeira, “A fuga impossível” (=Unmögliche Flucht) de Augusto Frederico Schmidt, “O telefone” (=Das Telefon) de Antônio Rangel Bandeira, “Soneto” (=Sonett) de Tobias Barreto, entre outros que reproduzimos na parte do trabalho reservada a anexos. Willy Keller junta, mais tarde, estas traduções na Antologie des Zufalls (=Antologia 80 do acaso), publicada em Berlim, pela editora Rotbuch em 1960. Alguns destes poemas traduzidos aparecem também publicados sob o título “Brasilianische Dichtung heute” na revista Humboldt 1 de 1961, às páginas 25-36, e nos boletins da Associação dos Antifascistas Alemães. Mais tarde, Willy Keller enfrenta o desafio da poesia de João Cabral de Melo Neto e passa para o alemão O cão sem plumas como Der Hund ohne Federn, publicado em Stuttgart pela editora Rot em 1960. No campo da prosa, Keller traduz de Afonso Henriques Lima Barreto as Recordações do Escrivão Isaías Caminha a que dá o título alemão Erinnerungen des Schreibers Isaias Caminha. Trata-se, no entanto, de uma tradução nunca publicada, cujo original datilografado se encontra no arquivo da Universidade de Hamburgo. Além de Lima Barreto, a obra de Graciliano Ramos exerce fascínio sobre Willy Keller, levando-o a verter para o alemão São Bernardo, publicado em 1960 pela editora Carl Hanser em Munique, e reeditado em 1962 pela editora Aufbau de Berlim e, ainda, em 1965 pela editora Fischer Bücherei em Frankfurt/M. São Bernardo obtém, portanto, três edições: a primeira em 1960 pela editora Carl Hanser de Munique; a segunda em 1962 pela editora Aufbau de Berlim e a terceira em 1965 pela editora Fischer Bücherei de Frankfurt/M. A primeira é uma bem cuidada edição capa dura e inclui um glossário. A editora Aufbau apresenta a sua edição com uma capa de proteção e um posfácio, assinado por Alfred Antkowiak. Neste posfácio, há informações sobre a história brasileira desde a chegada de D. João Vl até a época da edição, além de um retrospecto da literatura nacional, sem apelos ao exotismo; ao contrário, o autor do posfácio mostra grande preocupação com os aspectos sociais do Brasil. Já a terceira edição de São Bernardo é de bolso. A editora Fischer, em carta a mim enviada em março de 1994, esclarece que, a cada edição deste tipo, costumam ser lançados no mercado de 8 a 10.000 exemplares. Embora não saiba dizer se todos eles chegam a ser vendidos, o fato ilustra o bom acolhimento desta obra no mercado alemão. Encontra-se, nesta edição, um texto promocional “de orelha”, onde o Brasil é visto como país exótico, sem dúvida, um chamariz para o leitor, como se pode constatar a seguir: “como talvez nenhum outro livro nos últimos anos, este romance põe o leitor em contato com o mundo fascinante do continente sul-americano.” 81 O crítico Günter Lorenz, ainda no artigo da revista Humboldt 14, de 1960, na página 95, também se refere as estas edições, esclarecendo: A primeira edição de um dos seus livros (o autor fala de Graciliano Ramos), o romance “S.Bernardo” (Hanser Verlag, 1960), soçobrou sem ninguém dar por isso na torrente de livros, talvez por nessa altura não ter ainda chegado a era da literatura latino-americana, talvez por a ignorância alemã das coisas da literatura alemã já não reconhecer, então, o ainda bastante generalizado meio exótico da América Latina, talvez, também, por lhe faltar o golpe de vista para o invulgarmente invulgar: a verdade é que Ramos é - como o são muitos dos seus compatriotas - moderno de uma maneira absolutamente intemporal, o que vem fundamentar a sua pretensão de ser um 'clássico'. Logo em seguida, aparece no mercado a tradução de Vidas Secas como Karges Leben, publicada em Frankfurt/M, em 1961, pela editora Suhrkamp. Este texto vem a ser reeditado em 1966, agora, com o título Es ist weit bis Eden pela editora Erdmann em Herrenhalb e, um ano depois, em 1967, com o título Es ist noch weit bis Eden, em Stuttgart, pela Europäische Bildungsgemeinschaft. Em Bibliographie der aus dem Spanischen, Portugiesischen und Katalanischen ins Deutsche übersetzten Literatur (1945-1983), por exemplo, Gustav Siebenmann e Donatella Casetti citam as obras de Graciliano Ramos traduzidas por Keller. Vidas secas é editado, em 1966, pela editora em Herrenalb com o título de Vidas Secas - Es ist noch weit bis Eden (Vidas secas é ainda longe para o Éden) e não com o título Verdorrtes Leben (=Vidas Ressecadas), tal como arrolado no currículo de Keller. O crítico Günter Lorenz comenta, na revista Humboldt 6, de 1966, à página 95, num artigo intitulado “Vidas Secas”, o seguinte: O fato da editora Erdmann, sempre esforçada em novas descobertas literárias, ter publicado o romance de Ramos Vidas Secas, agora na bem conseguida tradução de Wilhelm Keller, numa boa apresentação gráfica e com o extraordinário título 'posteriormente sentido', 'Nach Eden ist es weit' (Para Eden é longe), merece ser considerado como realização digna de realce. Porque este maravilhoso livro não foi criado com o propósito de prender um público dirigido a temas e ações violentas. Uma segunda edição, com o título Es ist noch weit bis Eden (=Ainda falta muito para chegar ao Éden) é lançada em 1967 pelo “Europäischem Buchklub, Europäischer Bildungsgemeinschaft”, em Stuttgart. A terceira edição é 82 publicada pela editora Suhrkamp, em 1981, com o título de Karges Leben (=Vidas pobres). Finalmente, Keller traduz Angústia (= Angst), que não consta de nenhum de seus currículos, provavelmente por ter sido publicada somente em 1978 pela editora Suhrkamp, isto é, posteriormente à elaboração daqueles documentos. Heloísa Ramos, em conversa telefônica comigo em junho de 1995, informa que a iniciativa de traduzir Graciliano parte de Keller: “Um dia, em 1957 ele apareceu em casa com a tradução”. Segundo Heloísa Ramos, Keller mostra uma grande preocupação em entender e traduzir corretamente os termos regionais e organiza, por isso, um glossário. Heloísa Ramos alude ainda ao empenho de Keller em conseguir a publicação das obras, não só na Alemanha, mas em outros países europeus, bem como sua correção no pagamento dos direitos autorais. Em suas palavras, Keller é “um grande amigo”. Sobre as traduções de Graciliano Ramos, o próprio Keller fala em O Jornal do Rio de Janeiro de 18 de julho de 1969 o que segue: “Tradução honesta é difícil. No caso de Graciliano Ramos, seus personagens, dialetos, temos que criar uma linguagem sintética, inventar o correspondente ao ambiente e às pessoas criadas. É um problema de estilística de grande responsabilidade.” Keller traduz também O rei da terra (Der König der Welt) de Dalton Trevisan, não publicado, cujo texto original datilografado se encontra no arquivo da Universidade de Hamburgo. Consta que a letra de Willy Keller era tão ruim, que sua esposa Ellen lhe datilografava todos os trabalhos. Numa entrevista a Vivian Wyler, encontrada num recorte de jornal sem identificação e sem data, Keller fala sobre o trabalho da tradução: “Sempre traduzi o que quis traduzir: geralmente livros que representam manifestações pessoais, quase sempre opostas às oficiais.” E no artigo “O que é uma agência literária. Livros da América Latina: como chegam até a Alemanha” apresentado na revista Humboldt 59 de 1989, às páginas 60-67, Ray-Güde Mertin enumera as dificuldades que a literatura latino-americana, em particular a brasileira, encontra para ser publicada na Alemanha: a enorme quantidade de títulos que chega às editoras, a falta de tradutores que têm conhecimento do português, as falsas expectativas dos leitores, a idéia de um “colorido exotismo tropical” mas também a esperança do leitor em encontrar informações sobre o país que deveriam ser procurados mais 83 adequadamente em livros especializados. Em 1987, por exemplo, são publicadas traduções de 44 línguas, mas apenas 30 títulos do português ou seja 0,7%. As traduções do alemão para o português Keller traduz também do alemão para o português. No seu currículo menciona: Erdgeist de Wedekind, traduzido em colaboração com Eustáquio Duarte e publicado pelo Ministério da Educação e Cultura com o título de O gnomo e Der Gruftwächter (=O guardião do túmulo) de Kafka, em parceria com Aníbal Machado, tradução sobre a qual não há outros registros. Traduz também para o português The comedy of errors de Shakespeare, mas a partir da versão alemã realizada pelo escritor e dramaturgo Hans Rothe, que ele adapta em colaboração com Henrique Pongetti, de modo a permitir encenações que não exijam muitos recursos e destinadas a um público de baixo poder aquisitivo, adaptação essa que chega a ser editada pelo Serviço Nacional do Teatro. Tratase, em realidade, de uma adaptação, ou recriação, como dizem os autores na nota introdutória, e o objetivo é dar ao teatro brasileiro uma peça que possa ser representada em qualquer lugar, sem grandes investimentos em cenários e roupas, sem muitos recursos técnicos. Trata-se da idéia de levar o teatro ao povo e, mais uma vez aqui, se faz notar a influência de Brecht. No artigo “Autores alemães de exílio no Brasil”, publicado na revista Humboldt 50 de 1985, nas páginas 41 e 42, Susanne Bach oferece alguns esclarecimentos sobre o mundo do teatro no Brasil. Diz ela: Dos escritores que tinham vinculação com o teatro, alguns foram para a Argentina, por exemplo, Paul Walter Jacob, outros para o Brasil, acima de tudo, Willy Keller, que bem ligeiro aprendeu a dominar a língua do país e traduziu, entre outras coisas, o “Erdgeist”, que aliás foi levado à cena. Junto com o autor brasileiro Aníbal Machado, traduziu “Gruftwächter” de Franz Kafka - mas essa versão nunca foi impressa nem sequer representada. A Funarte, em carta a mim enviada em 14 de outubro de 1994, assinala também a tradução de O jardim do paraíso, cujo título original não identifica, de Rudolf Bernauer e a de Aquele que diz sim, aquele que diz não (=Der Jasager 84 und der Neinsager) de Brecht, em colaboração com Luis de Lima, obras sobre as quais não encontramos outras informações. Willy Keller, crítico de arte A partir da década de cinqüenta, Keller passa a colaborar, entre outras, em duas publicações do Rio de Janeiro dedicadas à literatura e às artes: o Jornal de Letras "mensário de literatura e Arte", que tem por diretor responsável Elysio Condé e como diretores João e José Condé e Leitura, "revista dos melhores escritores". Nestas publicações, Keller escreve, sobretudo, para as rubricas "Teatro" e "Cinema", mas também para “Literatura”. Em 1955 publica no Jornal de Letras, fascículo 75, (coleção arquivada no Instituto de Estudos Brasileiros em São Paulo), o artigo “À procura da nova literatura alemã”. O texto é escrito durante a sua estadia de dez meses na Alemanha. Trata-se, como já se viu, de um retorno à terra natal depois de uma ausência de 25 anos. Keller confessa que anseia por conhecer o novo teatro, a nova literatura alemã. Em toda parte encontra, porém, cansaço e desânimo. Uma amiga lhe diz que todos ainda estão marcados pelo medo. Os nomes da literatura e da dramaturgia alemãs ainda são os mesmos conhecidos de Keller: Thomas Mann, Kassak, Kreuder, Zuckmayer e Brecht. Fica surpreso em encontrar uma literatura toda especial dedicada exclusivamente ao rádio, à produção de peças radiofônicas. Os trabalhos são muito bem pagos e existe uma grande preocupação literária e lingüistica. Nesta área, Keller destaca os autores Günter Eich e H.O.Wuttig. Outro fato que o impressiona é o trabalho do autor suíço Max Frisch denominado O leigo e a arquitetura que, segundo Keller, não tem pretensões literárias mas sim didáticas e instrutivas. É de opinião que o trabalho poderia ser entendido no Brasil, pois o país tem uma arquitetura desenvolvida, expressa em construções individuais, mas despreza o planejamento das cidades. No artigo "Cinema e Realidade", publicado no Jornal de Letras 77, de 1955, na página 12), Keller critica severamente dois filmes alemães, identificados pelos títulos em português de “Manequim para o Rio” e “Estrela do 85 Rio” que veiculam imagens do Brasil, e que revelam um desconhecimento total da realidade brasileira. Iniciando o artigo mencionado, Keller escreve: Li num livro sobre história que o Brasil foi descoberto em 1500. Não acredito, isto é, não acredito mais. Convenci-me nos últimos dois meses que o Brasil é um país completamente desconhecido. Completamente, também não! As pessoas mais esclarecidas sabem pelo menos que no nosso país se fala o castelhano e que o seu expresidente Café Filho se chamava Péron, também ex. O artigo prossegue assinalando os erros grosseiros contidos nos dois filmes, mas também o que Keller chama de “exploração pornográfica de situações dúbias à custa de um determinado povo, neste caso o brasileiro”. Keller volta da viagem à Alemanha e fala do interesse que existe pelo Brasil e que deveria ser aproveitado para divulgar a arte e a literatura brasileira. O artigo é um longo elogio ao Brasil: Aqui na Alemanha, compreendi que o Brasil, realmente, tem de oferecer ao mundo uma coisa de importância vital para o futuro dos homens, isto é, a sua humanidade.[...] O Brasil é um dos poucos países onde se reconhece ainda o valor do indivíduo. E esta bagunça brasileira que às vezes nos faz sofrer danadamente, no fundo, é muito mais humana do que a felicidade a preços fixos que os diversos governos deste mundo oferecem a seus cidadãos, transformando-os num conjunto de peças sem alma e espírito. [...] A vida no Brasil é, apesar de tudo, mais de acordo com o verdadeiro espirito do homem e isto se reflete na sua arte. Se estas manifestações de arte brasileira alcançam a Europa elas podem contribuir para que este continente, ao qual devemos tanto, saia da inércia em que se encontra e volte à vida. Estes artigos revelam um Keller atento e participante da vida cultural brasileira, um observador do movimento cultural no mundo, um conhecedor do teatro brasileiro e alemão, da literatura brasileira e alemã. Keller mostra-se também um conhecedor das técnicas teatrais. Em 1956, Willy Keller faz um balanço geral do teatro brasileiro e publicao na revista Theater der Zeit (=Teatro de hoje), nº3, p. 35-39, com o título “Brasilianisches Theater gestern und heute” (Teatro brasileiro ontem e hoje). Neste texto, Keller faz um retrospecto histórico, tocando em vários tópicos que, comentamos a seguir. 86 Diz que o teatro brasileiro deve sua criação a um capricho do imperador, preocupado em controlar o tédio dos seus funcionários e também em proporcionar um divertimento à nobreza rural emergente. Keller reconhece que o Brasil atravessa numa época em que grupos teatrais portugueses passam a fazer tourneés pelo Brasil, visitando o Rio de Janeiro e São Paulo e, algumas vezes aventurando-se até a Bahia e o Recife. O teatro português está, então, fortemente influenciado pelo teatro francês e Keller conclui que o que se vê no país, na verdade, não passa de um transplante do teatro francês falado em português. Esse tipo de teatro dura praticamente até o início da 1ª Guerra Mundial. Mesmo autores brasileiros escrevem peças que parecem traduções do francês, sem considerar temas ou problemas brasileiros. Só, muito lentamente, os atores começam a falar a língua do povo e figuras típicas do cenário brasileiro passam a ser incluídos nos enredos. Durante a 1ª Guerra Mundial, a influência européia diminui e surge, então, segundo Keller, uma nova geração de dramaturgos: Henrique Pongetti, Álvaro Moreira e Joracy Camargo. É Joracy Camargo com sua peça Deus lhe pague que impressiona profundamente Keller. A peça tem, segundo o tradutor, dois méritos principais: a simplicidade técnica que permite sua encenação mesmo em locais com poucos recursos e com grupos reduzidos, o que é importante diante dos teatros pouco aparelhados e da falta de atores no país, e o fato de trazer para o palco dois mendigos, figuras típicas das ruas brasilieiras, introduzindo, assim, a crítica social no teatro. Keller cita, como sucessores de Joracy Camargo, Silveira Sampaio e Abilio Pereira de Almeida, cuja peça Santa Marta Fabril havia causado “grande comoção no ano anterior”. Com a 2ª Guerra Mundial chegam ao Brasil diretores fugitivos do fascismo que trazem novas técnicas e novos pontos de vista para o teatro brasileiro. Uma crítica recorrente de Keller em seus ensaios é o que ele chama de “Starbetrieb” (estrelismo), a concentração de grupos teatrais em torno de um ator, a estrela, que reúne em si a pessoa do ator, diretor, produtor, e cenógrafo. Keller justifica os problemas do teatro com as difíceis condições materiais, a extensão do território brasileiro, os altos custos de manutenção, o reduzido retorno financeiro devido ao pouco tempo que as peças ficam em cartaz. O teatro amador desempenha, segundo o ensaísta, um papel importante na evolução do teatro brasileiro. Os grupos amadores não têm problemas financeiros e também são constituídos por pessoas de nível cultural elevado. Keller cita em especial 87 Valdemar de Oliveira, criador do Teatro Amador de Pernambuco que, durante cinco anos, encena no Brasil as principais peças da literatura mundial. Valdemar de Oliveira que também reconhece a necessidade É da profissionalização de diretores teatrais. Assim, contrata, entre outros, os dois diretores poloneses Ziembisnki e Turkow, e também o próprio Keller. No Rio de Janeiro, lembra Keller, é criado, em 1947, o grupo “Os comediantes” do qual participam entre outros o pintor Barreto Leite, o artista plástico Santa Rosa, a jornalista Luisa Barreto Leite e novamente Ziembinski como diretor. Um feito memorável do grupo é a apresentação de Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues. Ao lado desses grupos amadores brasileiros também existem grupos franceses, ingleses e alemães como o grupo de Keller. Uma outra influência importante é a do teatro estudantil, onde Keller cita em especial Paschoal Carlos Magno. Keller lamenta que no Brasil muitas gerações sejam formadas pelo cinema e pelo rádio, ficando a influência cultural do teatro restrita a poucas camadas sociais. Frisa sempre de novo a necessidade de um teatro ligado aos problemas do país e considera que, somente no Nordeste, existe um verdadeiro teatro enraizado nas tradições populares. Keller lembra os grandes contrastes existentes no Brasil, tais como analfabetismo frente aos mais altos anseios culturais. Esses anseios impulsionam finalmente a criação de grupos como o Teatro Brasileiro de Comédia em São Paulo, que passa a encenar um repertório de nível internacional. Keller termina dizendo que tudo leva a crer que, ao imenso crescimento do teatro brasileiro nos últimos 20 anos, devase seguir um período de aperfeiçoamento espiritual e também o crescimento da responsabilidade social perante o povo . A crítica ao teatro do Brasil, antes agressiva, cede e Keller passa a mostrar uma atitude compreensiva misturada a uma crítica construtiva. Em 1957, Willy Keller volta a manifestar-se na revista Leitura no 3 com o artigo “Sentido e importância da atualidade teatral”. Neste ensaio, discorre sobre o significado de “atual” que, segundo ele, quer dizer “presente”. Desta forma, a crítica social contida, por exemplo, numa peça como Kabale und Liebe (=Amor e Cabala) de Schiller só pode referir-se à própria época do autor. Atualizá-la serve apenas para provar que está superada. Assim, Keller critica severamente a moda corrente de “atualizar “peças históricas, modernizando a decoração e banalizando o teor, algumas vezes, patético dos textos. Recorda 88 uma encenação de Hamlet, para ele “uma tragédia que representa um ponto alto na história humana”, em que Shakespeare liberta o homem de um destino inexorável e permite à personagem formar seu próprio destino, na qual o diretor transforma a personagem num “caso” ao alcance do médico da próxima esquina. No número seguinte da revista atrás mencionada Leitura 4 de 1957, Keller publica à página 55 o artigo “Arquitetura teatral”, em que tece comentários acerca da reconstrução dos teatros alemães destruídos durante a 2ª Guerra Mundial. Considera que um teatro destinado a representações musicais deve ser planejado de forma diferente da de um teatro destinado à representação de peças faladas. Refere-se aos problemas da acústica e da visibilidade, menciona os novos teatros construídos em Frankfurt M. e em Mannheim - cidade onde havia estudado teatro. Discute como deve ser o teatro de uma sociedade democrática. A opinião de Keller é polêmica, pois remete as discussões para o plano do estilo arquitetônico funcional com galerias, ou em forma de anfiteatro. É categórico, ao afirmar que a acústica tem que ser perfeita, a visibilidade ótima e as instalações técnicas excelentes. A expressão arquitetônica de um teatro moderno deve ser bela e denunciar, ao mesmo tempo, o século XX, a que pertence. Keller lamenta o fato de os arquitetos não se preocuparem com estes detalhes, uma vez que não têm noção do que seja teatro. No fascículo seguinte, o 5, da mesma revista, ainda no ano de 1957, Keller publica um texto intitulado “I Bienal das Artes Plásticas de Teatro”, em que dá testemunho de sua participação ativa no evento citado, ocorrido no Pavilhão das Indústrias, no Ibirapuera. O primeiro prêmio vai para a Áustria que recebe a Medalha de Ouro da Presidência da República. Como dignas de nota são apresentadas as exposições dos Estados Unidos, bem como a apresentação do ballet Triádico de Oskar Schlemmer da Bauhaus na Alemanha e os cenários das óperas de Wagner. Keller considera a apresentação brasileira desse balé digna dos maiores elogios, ainda mais levando-se em conta a total falta de apoio oficial. No fascículo 6 da mencionada revista, ainda no ano de 1957, Willy Keller escreve um ensaio sobre “O teatro de Ionesco”. O crítico oferece uma análise da peça A cantora careca levada ao palco no Rio de Janeiro sob a direção de Luiz 89 de Lima. Keller não considera Ionesco um gênio ou desbravador, nem um crítico construtivo da sociedade e de seus problemas. Segundo ele, Ionesco fica apenas nos desafios verbais, da mesma forma que o dadaísmo, quando este já espantava há trinta anos os burgueses com suas brincadeiras. Trata-se de uma crítica ácida não só a Ionesco, mas também à sociedade que manipula autores, no sentido de só conceder espaço àqueles que não produzem trabalhos ousados demais, a ponto de perturbarem a paz dessa mesma sociedade. O autor que quer sobreviver é obrigado a extirpar o que, na obra, há de inovador, transformandoa numa caricatura. Willy Keller critica os teatros construídos no Brasil que atenderiam mais à “especulação imobiliária “do que às necessidades de um teatro moderno. Willy Keller também escreve no jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro. No artigo “Ballet triádico” publicado em 19/10/1958, faz o resumo de uma conferência sua, proferida por ocasião da exposição do Ballet Triádico de Oskar Schlemmer no Museu de Arte do Rio de Janeiro. O autor passa em retrospectiva a relação entre ator e espaço no teatro grego, no teatro da Renascença, e chega até nossos dias. No teatro grego, explica ele, não existe separação entre palco e público já que os dois formam um espaço orgânico, na medida em que o público rodeia os atores. A Renascença introduz o palco separado do público por uma parede imaginária transparente. Com isso, atores e cenários têm que orientar-se obrigatoriamente no sentido da boca da cena, com perda de orientação espacial. O palco transforma-se numa caixa, o que já prenuncia as cenas planas do cinema. Schlemmer, no período de 1920 a 1929, como professor na “Bauhaus”, tenta restabelecer a unidade espacial destruída pelo que ele chama de teatro de caixa, ou seja, aquele palco em que existe um plano delimitado por paredes, separado do público. O formato deste palco exige que os atores representem bem de frente para o público. Nas representações da “Bauhaus”, os atores e espectadores ficam reunidos na caixa, o que devolve a dimensão da profundidade ao teatro. Desta forma, Schlemmer consegue restabelecer a unidade palco-platéia dentro da própria caixa. Na opinião de Keller, Schlemmer esgota a estratégia teatral em pauta, ao mesmo tempo em que impossibilita a repetição de sua experiência. No entanto, deixa entrever já a necessidade de ampliar o espaço da caixa para incluir atores e público. 90 Em 1959, Willy Keller volta a escrever na revista Leitura no 17, redigindo um texto sobre o “Novo Ano Teatral”. Lamenta o fechamento de três teatros cariocas: o “Phenix”, demolido apesar de tombado pela Prefeitura, o “Glória”, simplesmente fechado sem explicações, e o “Folies” transformado em loja comercial, sem falar do “Serrador”, também ameaçado de fechamento. Embora os teatros no Brasil não sejam sempre lucrativos, a lei os protege oficialmente, no entanto, ninguém respeita a lei! O ensaísta atribui parte da culpa ao próprio teatro atual. No teatro primitivo, não existia separação entre palco e público, e este era envolvido emocionalmente na ação do espetáculo de formas diversas: através da dança, do canto, caindo numa espécie de êxtase. No teatro moderno, porém, quer-se um público distante, envolvido de modo crítico com o espetáculo. O problema está nas estratégias a serem usadas para atingir esse objetivo. Keller, defende, neste texto, o uso do apelo a valores morais, espirituais, intelectuais, conquistados pela humanidade ao longo da história. Enquanto na Antigüidade o teatro era expressão da cultura da época, pois crença e experiência de vida formavam uma unidade, nos dias de hoje, não conseguimos mais alcançar essa unidade política e religiosa. Mas isso, segundo Keller, não é razão para nos abandonarmos à indiferença. O autor critica os autores brasileiros que não tomam conhecimento dos problemas que preocupam a nação, excetuando, no entanto, os dramaturgos do Nordeste. Queixa-se o articulista de que os autores brasileiros também não prestam atenção aos demais autores sul-americanos, não reparando nos “fenômenos” Guilherme Figueiredo e Pedro Bloch que têm suas peças apresentadas em toda a América do Sul. Tal reconhecimento do teatro brasileiro poderia ser expandido a outros dramaturgos e seria mesmo desejável, segundo Keller, um intercâmbio teatral no continente. Os críticos preocupam-se em demasia com o teatro europeu esquecendo-se de incentivar o teatro brasileiro. Os atores continuam a esconder-se atrás de máscaras, ao invés de usar a própria personalidade para dar vida às personagens. “Pathos” e caricatura continuam dando a tônica do teatro no Brasil, empobrecendo, assim, as representações. Depois do surgimento do grupo dos ”Comediantes“ e do TBC , Keller considera que o teatro no Brasil entra, novamente, numa fase de agonia. 91 Em 1965, Keller publica na revista alemã Humboldt no 5, de 1965, à página 52, um ensaio sobre o poeta expressionista Christian Morgenstern (18711914), com o título “A razão do absurdo”. Trata-se de um longo texto, focalizando seus experimentos com a linguagem. Morgenstern dá expressão poética aos conceitos do filósofo Fritz Mauthner. A palavra é algo fugidio, monstro e quimera, em mudança constante. O sentido da palavra pode ser interpretado, mas não se lhe pode atribuir uma forma imutável. Keller vê Morgenstern como antecipador da evolução moderna que destaca a palavra da sua conexão social, privando-a de ser um elemento intencional de significação coletiva para tornar-se expressão da solidão individual. Morgenstern, segundo Keller, preocupa-se com a arbitrariedade da linguagem que conceitua o mundo e, por isso, tenta renovar o meio de expressão como protesto contra o despontar da era das massas que transforma o homem em artigo de consumo. Em 4 de março de 1967 sai, no suplemento literário de O Estado de São Paulo, o artigo de Keller intitulado “Brecht, a sobremesa”. O autor analisa, aqui, duas peças de Brecht recentemente traduzidas e encenadas no Rio de Janeiro: O senhor Puntila e seu criado Matti (Herr Puntila und sein Knecht Matti) e Terror e miséria do Terceiro Reich (Furcht und Elend des dritten Reiches). Keller aponta primeiro para a alteração da grafia do título que, no Brasil, aparece como O senhor Puntila ( e seu criado Matti) Keller lembra que Matti é uma espécie de “alter ego” de Puntila e personagem tão importante como este, portanto, não deve ficar entre parênteses, levando o espectador a imaginar de antemão que se trata de uma personagem subalterna. Keller chama, igualmente, a atenção para o fato de, na tradução e encenação brasileiras, terem sido suprimidas a música e as canções do original. Na concepção de Brecht, o canto e a música são os meios pelos quais o autor se comunica com a platéia de forma direta, com o objetivo de despertar nela a competência crítica. Keller explica que, na apresentação do Berliner Ensemble, os títulos são substituídos no início de cada quadro pela “Canção de Puntila “, entoada por um dos personagens, a cozinheira. Por esse ângulo, o senhor Puntila atinge a categoria de herói de tragédia grega, mas é ao mesmo tempo apresentado como fanfarrão, o que para Keller funciona como exemplo do fino humor de Brecht. A encenação brasileira desvirtua a peça de Brecht, transformando-a numa mera chanchada. Está-se diante de uma adaptação e não de uma peça original. 92 No caso da segunda peça , Terror e miséria do Terceiro Reich, percebe-se a tentativa de estabelecer uma relação entre a realidade apresentada na peça e a realidade do Brasil. Mas, como diz Keller, o Brasil fica tão longe do terror e da miséria do Terceiro Reich, que qualquer ponto de contato é impossível. Keller percebe que as peças de Brecht podem ser vistas como desatualizadas, quando observadas do prisma da crítica sócio-política do momento, na medida em que o Terceiro Reich é passado. No entanto, ganham, por outro lado, em autenticidade literária, pois refletem um problema acontecido na Alemanha em um dado tempo, mas que pode vir a ocorrer em outras partes do mundo em qualquer época, podendo mesmo ser considerado um problema universal, traduzido pela possibilidade de determinados grupos ficarem à mercê das loucuras de outros. Keller reconhece em Brecht um clássico e, como tal, todas as tentativas de atualizar suas peças devem ser encaradas com muito cuidado. É lamentável, segundo Keller, que a maioria das peças de Brecht tenha sido traduzida do inglês, e não do alemão, para o português. Neste mesmo ano, Keller publica o artigo “Uma poesia desconhecida de Brecht” na revista Humboldt no7, de 1967, na página 94, em que se pronuncia sobre seu encontro com Brecht durante a estadia na Alemanha em 1955. Keller descreve sua tentativa para interessar Brecht pela poesia brasileira, em especial, pela obra de Carlos Drummond de Andrade. Entretanto, Brecht limita-se a alterar a tradução de uma poesia de Domingos Carvalho da Silva feita para o alemão por Keller. O encontro revela-se decepcionante para Keller, como se conclui da seguinte observação que faz no artigo : “Não houve perguntas sobre o passado, ou sobre o destino pessoal.” Ao que tudo indica, Brecht parece ter ignorado Keller por inteiro. Keller colabora também com o jornal Deutsche Nachrichten de São Paulo e com as publicações da SBAT. Durante sua gestão do Instituto Goethe do Rio de Janeiro profere inúmeras palestras sobre temas variados, que podem ir da música à arquitetura, tanto no Instituto do Rio, como em outros Institutos Goethe do Brasil e também em universidades brasileiras. Os escritos de Keller revelam uma respeitável bagagem cultural brasileira que certamente o credenciam como tradutor da literatura do Brasil. 93 Sabe-se que Keller escreveu peças de teatro. Conhecem-se até alguns de seus títulos, mas sua localização continua uma incógnita. Ao que tudo indica, devem repousar no baú que contém seu espólio, na posse da família, ou com João das Neves ou em arquivos, ainda não descobertos, estudados, catalogados e preparados para consulta. No currículo enviado em 1956 ao Instituto Nacional do Livro, Keller menciona uma peça de sua autoria, O macaco Simão, peça para adolescentes de 12 a 120 anos, revista por Angelo Labanca. Não foi possível obter outras informações sobre esta obra. No arquivo do Instituto Hans Staden é mencionada outra obra de Keller: Rotkäppchen und der böse Dr.Wolf (=Chapéuzinho Vermelho e o malvado Dr. Lobo). Segundo notícia no jornal Deutsche Nachrichten de julho de 1954, tratase de uma peça que foi representada pelo grupo “Kammerspiele”. No verbete relativo a Keller do Biographisches Handbuch der deutschsprachigen Emigration, de 1983, outras obras de Keller são mencionadas: Streitgespräche für Männer (=Discussões para Homens), Steigbügels Stimme aus der Gruft (=A voz de Steigbügel do Túmulo) e Gelächter hinter Gittern (=Risos atrás das grades). Além disto, não há outras informações. As obras não se encontram nos arquivos alemães consultados, nem na biblioteca de Nova York, nem em arquivos brasileiros. Honrarias no final da vida Em 1957, como se viu, Keller torna-se "Carioca Honorário" e, em 1959, recebe o prêmio de melhor professor de arte dramática. Em 1963, recebe a Cruz do Mérito, 1ª classe da República Federal da Alemanha. O jornal Deutsche Nachrichten (=Notícias Alemãs), editado no Brasil em língua alemã, noticia o fato em 6 de abril de 1963. Junto com Keller recebem a honraria Peter Amann, da comunidade católica do Rio de Janeiro, o pastor Schupp, da comunidade evangélica, e o diácono do asilo de Jacarepaguá. O presidente da Höchst, sr. Kurz, recebe a Grã Cruz do Mérito. 94 Em 1968, Keller recebe a medalha Alexandre von Humboldt da República Federal Alemã, o prêmio Estácio de Sá para música erudita, atribuído pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e, ainda neste mesmo ano, por decreto de 22 de maio, a Ordem do Cruzeiro do Sul, no grau de oficial. São prêmios e honrarias que reconhecem o trabalho cultural de Keller, sobretudo seu trabalho de mediador cultural. Em fins de 1969, Keller deixa a direção do Instituto Goethe. No ano seguinte, Keller completa 70 anos, 35 anos de Brasil. Em agosto de 1970, Keller está na Alemanha, em Mannheim. Em carta a Ulrich Becher, datada de 2 de agosto, fala de uma operação, de exames que resultam satisfatórios, conta que sua aposentadoria ainda não saiu e menciona uma viagem aos Estados Unidos. Os anos seguintes não são ociosos. Em 1972, Keller participa como palestrante de um seminário sobre o teatro alemão realizado no Instituto Goethe do Rio, conforme notícia de 05/10/72 nO Estado de São Paulo. Nestes últimos anos continua a dedicar-se às suas atividades de tradutor. A situação familiar parece tranqüila, o filho está formado, Keller tem dois netos. Sua saúde, porém, não resiste. O câncer abala-lhe as energias e Keller morre em 24 de abril de 1979 no Hospital São Silvestre do Rio de Janeiro. Atendendo a seu pedido expresso, seu corpo é cremado em São Paulo (na época não há crematório no Rio) no dia 25 de abril de 1979. Obras de Willy Keller: Peças de teatro Rotkäppchen und der böse Dr.Wolf (= Chapéuzinho Vermelho e o malvado Dr. Lobo). Peça não localizada. Mencionada em notícia no jornal Deutsche Nachrichten de julho de 1954, trata-se de uma peça que foi representada pelo grupo Kammerspiele. Streitgespräche für Männer (= Discussões para Homens). Peça não localizada. Mencionada no verbete relativo a Keller do Biographisches Handbuch der deutschsprachigen Emigration, de 1983. Steigbügels Stimme aus der Gruft (= A voz de Steigbügel do Túmulo). Peça não localizada. Mencionada no verbete relativo a Keller do Biographisches Handbuch der deutschsprachigen Emigration, de 1983. 95 Gelächter hinter Gittern (= Risos atrás das grades). Peça não localizada. Mencionada no verbete relativo a Keller do Biographisches Handbuch der deutschsprachigen Emigration, de 1983. O macaco Simão. Peça não localizada. Mencionada no currículo enviado em 1956 ao Instituto Nacional do Livro. Peça para adolescentes de 12 a 120 anos, revista por Angelo Labanca. Ensaios In eigener Sache (=Em causa própria). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 2: 1, 1944. Die geheime Waffe (=A arma secreta). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 3:1, 1944. Politische Wandlung (=Mudança política). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 4:1, 1944. Alemães antifascistas no Brasil. In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 8:1, 1945. Os campos de concentração e a moral internacional. In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães. Rio de Janeiro, 9: 1, 1945. O ressurgimento das organizações trabalhistas na Alemanha. In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 10: 1, 1945. Der englischen Arbeiterpartei zum Gruß (=Cumprimentando o Partido Trabalhista inglês). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 11: 1, 1945. Am Rande der Zeit (=À margem do tempo). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 11: 1, 1945. Rückblick, Ausblick (=Retrospecto, perspectivas). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 12: 1, 1945. Furor teutonicus. In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 13: 7, 1946. Notwendige Betrachtungen (=Observações necessárias). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, s.n.: 4, 1946. Offener Brief an einen Genossen (=Carta aberta a um companheiro). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 15: 1, 1946. 96 Ein Irrtum und seine Berichtigung (=Um erro e sua correção). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 16: 1, 1946. Europäischer Gedanke und Reaktion (=Pensamento europeu e reação). In: Boletim da Associação de Emergência dos Antifascistas Alemães, Rio de Janeiro, 17: 1, 1947. Cinema e realidade. In: Jornal das Letras, Rio de Janeiro, Vll (77): s.p., 1953. À procura da nova literatura alemã. In: Jornal das Letras, Rio de Janeiro, Vll (75): s.p., 1955. S.a. - Maior aproximação cultural entre o Brasil e a Alemanha. In: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 18 de abr. 1957, s.p. Sentido e importância da atualidade teatral. In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (2): s.p., 1957. Arquitetura teatral. In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (4): 55, 1957. l Bienal das artes plásticas de teatro. In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (5): 52, 1957. O teatro de Ionesco.In: Leitura, Rio de Janeiro, 15 (6): 55-56, 1957. Ballet triádico. In: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 19 de out. de 1958, s.p. O museu Bertolt Brecht. In: Leitura, Rio de Janeiro, 16 (7): s.p., 1958. Aventuras de tradutor. In: Leitura, Rio de Janeiro, 16 (10): s.p.,1958. Novo ano teatral. In: Leitura, Rio de Janeiro, 17 (21): .55-56, 1959. Brasilianische Dichtung Heute (=Literatura brasileira hoje). In: Humboldt, Bonn, 1 (1): p.25-31, 1961. Traduções como ponte intelectual entre o Brasil e a Alemanha. In: Humboldt, Bonn, 2, (6): 99-103, 1962. A razão do absurdo: Christian Morgenstern. In: Humboldt, Bonn, 12: p.52, 1965. A razão do absurdo. In: Humboldt, Bonn, 5 (12):.52-55, 1965. Brecht, a sobremesa. In: O Estado de São Paulo. São Paulo, 4 de março de 1967, Supl. Lit., s.p. Uma poesia desconhecida de Bert Brecht. In: Humboldt, Bonn, 7 (16): 94, 1967. 97 Fatzer – ll. In: Revista da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, Rio de Janeiro, 415: 2, 1977. Seminário sobre o teatro alemão. In: O Estado de São Paulo, 5/10/1972. Exiltheater Rio de Janeiro (=Teatro de exílio no Rio de Janeiro). In: POHLE, Fritz - Emigrationstheater in Südamerika. Abseits der “Freien deutschen Bühne”, Buenos Aires. Hamburgo, Hamburger Arbeitsstelle für deutsche Exilliteratur, 1989, p. 37-54. Traduções Peças de teatro: Eurydikes Hände (=As mãos de Eurídice, de Pedro Bloch). Esta peça foi editada pela S. Fischer em forma de livro-texto, destinada a grupos teatrais interessados na aquisição do direito de encenar a peça. A edição não se destinava ao comércio livreiro. Heute Nacht regnete es Silber (=Esta noite choveu prata, de Pedro Bloch). Esta peça foi editada pela S. Fischer em forma de livro-texto, destinada a grupos teatrais interessados na aquisição do direito de encenar a peça. A edição não se destinava ao comércio livreiro. Feinde schicken keine Blumen (=Os inimigos não mandam flores, de Pedro Bloch). Esta peça foi editada pela S. Fischer em forma de livro-texto, destinada a grupos teatrais interessados na aquisição do direito de encenar a peça. A edição não se destinava ao comércio livreiro. Sorriso de pedra, (de Pedro Bloch. Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula, mas a editora Fischer não soube dar informações sobre ela. Vergelt’s Gott (=Deus lhe pague, de Joracy Camargo). Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula. O original encontra-se no arquivo da Universidade de Hamburgo. A história de Carlitos, de Henrique Pongetti). Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula, mas a editora Fischer não soube dar informações sobre ela. Amanhã se não chover, de Henrique Pongetti). Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula, mas a editora Fischer não soube dar informações sobre ela. Das Testament des Hundes (=O auto da compadecida, de Ariano Suassuna). 1ª ed. St.Gallen/Wuppertal, Diá, 1968. A última experiência, de Antônio Callado). Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula. 98 A falecida, de Nelson Rodrigues Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula. Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues). Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula. Almas de lama e aço, de Gustavo Barroso). Esta peça é mencionada por Keller em seus curricula. Poemas Mein Kriegsruf (= Meu canto de guerra, de Solano Trindade). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Também foi publicado no boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos Anifascistas Alemães), número 13, de 27 de fevereiro de 1946. Lied des Arbeiters(=Canto do trabalhador, de Solano Trindade). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Também foi publicado no boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos Anifascistas Alemães), número 13, de 27 de fevereiro de 1946. Fünf Sterne über dem Meer (=Eram cinco estrelas do mar, de Joaquim Cardoso). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Lyrisches Gefühl (= Lirismo, de Domingos Carvalho da Silva). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Eisenbahn (=Trem de ferro, de Manuel Bandeira). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Unmögliche Flucht (=A fuga impossível, de Augusto Frederico Schmidt). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Das Telefon (=O telefone, de Antônio Rangel Bandeira). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Sonett (=Soneto, de Tobias Barreto). Este poema foi publicado na revista Humboldt 1961, e posteriormente inserido por Keller em uma antologia publicada pela editora Rotbuch de Berlim, em 1960. Também foi publicado no boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos Anifascistas Alemães), número 12, de 15 de dezembro de 1946. Der Hund ohne Federn (=O cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto). Publicado pela editora Rot de Stuttgart em 1960. 99 Nach dem Fall von Barcelona (=Após a queda de Barcelona, de Carlos Drummond de Andrade). Publicado no boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos Anifascistas Alemães), número 10 de 10 de julho de 1945. Der Faschismus (=Regímen, de Guerra Junqueiro). Publicado no boletim editado por Keller “Notgemeinschaft der Deutschen Antifaschisten”(=Associação dos Anifascistas Alemães), número 5 de 1 de maio de 1944. Narrativas Erinnerungen des Schreibers Isaias Caminha (= Recordações do Escrivão Isaías Caminha , de Afonso Henriques Lima Barreto). Esse texto nunca foi publicado. O original encontra-se no arquivo da Universidade de Hamburgo. São Bernardo (= São Bernardo, de Graciliano Ramos). O romance foi publicado pela editora Carl Hanser de Munique em 1960, reeditado pela editora Aufbau de Berlim em 1962 e, finalmente, em 1965, a editora Fischer Bücherei de Frankfurt a. M. lançou o romance numa edição de bolso. Karges Leben (1961), Es ist weit bis Eden (1966) (= Vidas secas, de Graciliano Ramos). A editora Suhrkamp de Frankfurt a. M. publicou o romance em 1961. A editora Erdmann de Herrenalb reeditou o romance em 1966 com o titulo de Es ist weit bis Eden. Outra reedição foi lançada em 1967 pela Europäische Bildungsgemeinschaft com o título Es ist noch weit bis Eden e, finalmente, a Suhrkamp lançou em 1981 uma edição novamente intitulada Karges Leben. Angst (= Angústia, de Graciliano Ramos). Publicado em 1978 pela Suhrkamp. Der König der Welt (= O rei da terra, de Dalton Trevisan). Texto não publicado. Os originais encontram-se nos arquivos da Universidade de Hamburgo. O jardim do paraíso (=Der Garten Eden de Rudolf Bernauer). Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula. Aquele que diz sim, aquele que diz não (=Der Jasager und der Neinsager de B. Brecht). Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula. O gnomo (=Erdgeist de Franz Wedekind). Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula. O guardião do túmulo (=Der Gruftwächter de Franz Kafka). Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula. A comédia de equívocos (=The comedy of errors de Shakespeare). Esta tradução é mencionada por Keller em seus curricula. 100 Entrevista a Werner Röder do Institut für Zeitgeschichte em Munique. Editor dos boletins da Notbücherei deutscher Antifaschisten (=biblioteca de emergência dos antifascistas alemães) Fonte: Zimber, Karola Maria Augusta. Willy Keller: Um tradutor alemão de literatura brasileira. Dissertação de Mestrado (FFLCH-USP), São Paulo, 1998.