Arquivo para » arquivo_4872

Transcrição

Arquivo para » arquivo_4872
Reflexão sobre o racismo - Clovis Moura
Foto: Revista Carta
Capital
Se a “cor” dos indivíduos funcionou, e funciona até os nossos dias, como
um diferencial na repartição dos direitos e das oportunidades,
certamente as escritas da história e literatura contribuíram para esse
processo. Portanto, explicitar as marcas do racismo e de diferenciação
escamoteadas nas obras historiográficas e literárias produzidas no
século XX em nosso país é uma forma de contribuir na construção de
ações positivas de combate ao racismo e a exclusão étnica e social.
Foto: Latuf
Vejamos uma reflexão sobre o racismo e uma das vertentes desse pensamento racista
pelas lentes de Clóvis Moura.
Por Clovis Moura
Um pensamento comum entre os historiadores precursores do racismoe
é a visão de que os negros. índios e mestiços em geral são elementos
bárbaros, pagãos, gentios sem capacidade civilizadora e os brancos,
detentores das estruturas de poder, aqueles elementos que
impulsionaram a nossa sociedade em direção à civilização.
Não queremos dizer que haja um racismo racionalizado e sistematizado,
pelo menos nos primeiros produtores dessa literatura, até o século XIX.
mas um racismo larvar, indefinido, que era justificado pela situação de
barbárie dessas populações, fato que explicaria a sua escravização,
subalternização e discriminação. Os pretextos religiosos ou de outra
ordem justificavam a aventura colonialista. A ideologia religiosa,
especialmente a 'cristã, foi, no particular, um anteparo que justifica a
escravização dos Filhos de Cam. Todos os historiadores cujo pensamento
analisamos são acordes num particular: os negros não tinham condições
de dirigir a sociedade; eram por determinação divina ou de outra ordem
condenados a serem massa dominada pelos brancos, detentores do
poder e do privilégio divino ou racial de dominar o mundo.
A partir de determinada época, mais especificamente a partir do século
XIX, surge uma corrente historiográfica científica, a qual procurava,
através de categorias evolucionistas vulgares, demonstrar que o negro
fora escravizado e dominado na Africa por razões de ordem biológica,
isto é. por se encontrarem na última escala da evolução racial e, por
isto, o seu cérebro e equipamento de psicológico e moral não tinham
condições acompanhar o pro cesso civilizatório.
A partir daí, época que coincide com a expansão do capitalismo na
Europa e o seu sistema de dominação planetária dos povos coloniais,
toda uma antropologia colonialista adquire o status de ciência e passa a
dar respaldo à aventura de dominação das metrópoles dominadoras. O
capitalismo monta toda uma arquitetura teórica para justificar
cientificamente o que antes era justificado através de razões bíblicas,
morais ou de competições locais. Com isto, o racismo como é hoje
conhecido racionaliza-se, isto é. deixa de considerar essas diferenças
raciais como simples opiniões teológicas ou empíricas, para afirmar que
cientificamente as raças não-brancas e o negro em particular
encontram-se oprimidos e discriminados por incapacidade biológica de
acompanharem o processo civilizatório, aqui confundido e identificado
com a expansão capitalista.
Um dos teóricos desse racismo antropológico, V. de Lapouge, escrevia
em 1880: "Estou convencido de que no próximo século milhões de
homens se matarão por um ou dois graus a mais do índice cefálico." Esta
afirmativa inteiramente destituída de conteúdo científico, mas cheia de
realismo político (realpolitik) foi dramaticamente concretizada na
ideologia nazista a qual, apoiada no mito da superioridade racial dos
nórdicos arianos, levou o mundo a uma tragédia sem precedentes. O
racismo, o mito de superioridade racial de um povo sobre outro,
encobre, presentemente, os interesses expansionistas ou messiânicos de
povos que se julgam eleitos e desejam, através dessa cortina de
fumaça, conseguir a hegemonia econômica, social e cultural sobre povos
mais fracos. Esta racionalização do preconceito através do racismo, por
isto mesmo, não morreu e ainda exerce papel e função de importância
em diversos blocos de poder de nações que disputam a hegemonia no
mundo capitalista.
Há, portanto, no presente momento, uma reformulação do racismo que
se corporifica em uma série de ideologias, muitas delas reivindicadoras
de pseudo-direitos milenares que nos levariam novamente a ter de ouvir
o discurso de um povo eleito o qual, através de um mandato bíblico,
estaria destinado a dominar o mundo. No entanto, a função dessas
ideologias é sempre a mesma: dar respaldo a projetos de exploração de
um povo militarmente mais forte sobre outro mais fraco. Com isto
queremos dizer que a função do moderno racismo é racionalizar a
permanência do capitalismo e da sua expansão sobre outros povos.
Definindo este novo racismo, Immanuel WalIerstein escreve:
O que entendemos por racismo tem pouca relação com a xenofobia
existente em vários sistemas históricos anteriores. A xenofobia era
literalmente horror ao "estrangeiro". O racismo do capitalismo
histórico não tinha nada a ver com os "estrangeiros". Muito pelo
contrário. O racismo era a forma como vários setores da força de
trabalho na mesma estrutura econômica eram obrigados a se
relacionar entre si. O racismo era a justificação ideológica para a
hierarquização da força de trabalho e suas distribuições
enormemente desiguais do rendimento. O que entendemos por
racismo é aquele conjunto de asserções ideológicas combinado com
aquele conjunto de práticas contínuas, que resultaram na
manutenção ao longo do tempo, de uma ulta correlação entre
etnicidade e alocação da força de trabalho. As asserções ideológicas
davam-se sob a forma de alegações que supunhum traços "culturais"
genéticos e/ou de longa permanência de vários grupos, e eram de
fato a causa principal da locação direrencial das posições nas
estruturas econômicas. Entretanto, as crenças de que certos grupos
são "superiores" a outros, em certas características relevantes para o
desempenho na área econômica, sempre surgiu de fato depois, e não
antes da locação desses grupos na força de trabalho. O racismo
sempre foi post hoc. Considerava-se que os que eram econômica e
politicamente oprimidos eram "inferiores" (lmmanuel WaJlerstein. O
capilalismo hislórico)
No caso particular do Brasil, esse etnocentrismo do branco em relação
ao negro e ao não-branco em geral teve e tem como função exatamente
estabelecer fronteiras hierárquicas do ponto de vista étnico para que
essas etnias consideradas inferiores não possam transpô-Ias através da
mobilidade social vertical individual ou massiva. Fecha-se, assim, o
leque de oportunidades para os membros considerados inferiores. Isto
aconteceu desde o Brasil colônia e durante todo o período imperial,
prosseguindo, com modificações odernizadoras, até os nossos dias.
Os historiadores que estudamos estavam, neste sentido, ao inferiorizar
etnicamente os negros índios e mestiços em geral, exercendo um papel
ideológico seletor que empurrava para baixo, por compressão, em vários
níveis essas populações oprimidas sob o pretexto de que eram
inferiores. Em todos esses produtores da obra histórica perpassa essa
ideologia alienadora em maior ou menor grau.
No caso particular que analisamos - a historiografia brasileira - podemos
verificar como é uma produção feita por intelectuais orgânicos do
escravismo ou do capitalismo dependente que o sucedeu, com o
objetivo ideológico de barrar as populações oprimidas, através da
discriminação racial. Durante os anos em que essa produção se verificou
a sociedade brasileira teve nesses historiadores os municiadores de uma
história que, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau,
refletia os interesses das estruturas de poder dominantes, municiava-as
de combustível ideológico e contribuía para que se tivesse uma visão
alienada dos verdadeiros agentes históricos que impulsionavam a
dinâmica emergente da sociedade brasileira.
De Frei Vicente do Salvador a Oliveira Vianna, os nossos historiadores
retiram créditos da grande, senão fundamental, contribuição do negro
(social, cultural e economicamente) colocando-o ou como animal de
tração, bárbaro ou biologicamente inferior. Toda essa produção serviu e
serve para manter essas populações' desest}'uturadas etnicamente, em
função da imagem desfigurada que os his'toriadores apresentam. Desta
maneira, a historiografia abandona o seu papel de ciência para
transformar-se em um instrumento ideológico das nossas elites racistas
dominantes.
Uma visão crítica sobre o assunto está surgindo por parte de setores
universitários e elementos de diversos movimentos negros ora em
atividade no Brasil e que estão procurando desviar a nossa produção
historiográfica desse caminho alienador e repor os acontecimentos
históricos no seu devido lugar, resgatando. com isto, o papel social,
político. econômico e cultural que o negro desempenhou na formação e
desenvolvimento do Brasil.
uma corrente revisionista que apenas se inicia. mas tende a aumentar à
medida que a sociedade' brasileira. através dos seus setores dinâmicos.
avançar no sentido de criar em nosso país uma democracia social,
política e econômica que terá o seu coroamento com uma democracia
racial.
OLIVEIRA VIANNA: ARIANIZAÇÃO COMO SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA
ÉTNICO E SOCIAL
De todos os estudiosos que fizeram da história social do Brasil um
prolongamento do processo de interação racial nos seus diversos
aspectos, quer de quantificação, quer de qualificação dos estoques
étnicos que para aqui vieram, a miscigenação e os seus efeitos, e,
finalmente, a necessidade de se estimular um processo arianizante para
que as nossas possibilidades de evolução no processo civilizatório
fossem possíveis e favoráveis, Oliveira Vianna ocupa, indiscutivelmente,
o primeiro lugar.
Embora afirmando colocar-se numa posição crítica em relação aos
naturalistas, antropólogos e geógrafos que procuravam apresentar a
evolução das sociedades através de causas "naturais" (clima, geografia,
raça) Oliveira Vianna, incontestavelmente, usa-os como base teórica da
interpretação que faz da nossa evolução, ora apoiando-se em um, ora
em outro, mas, de qualquer forma aproveitandose deles como
elementos teóricos que compõem a sua visão do mundo. Spencer, cuja
"lei universal da evolução" ele combate, Darwin, Lapouge, Haechel,
Vidal de Ia Blanche e Ratzel servem de esteios às suas afirmações.
Esta visão biologizada da interpretação social e histórica determina no
autor a certeza de que existe uma escala biológica entre as raças
humanas e que essa escala determina o maior ou menor grau de cada
uma como agente civilizador. Claro está que a branca é apresentada
como aquela que contribui com a parcela maior de dinamismo no
processo civilizatório e a negra, por se encontrar no estágio mais
primitivo dessa escala, a que menos possui essas qualidades. O negro,
assim, seria o componente de uma raça que, pela sua estrutura
biológica inferior, menor parcela traria como contribuição ao nosso
desenvolvimento social.
Nenhum outro pensador mais do que ele, no Brasil, assimilou e
manipulou os valores da antropologia do século XIX e início do do século
XX, que surgiu na Europa e difundia-se aqui com toda a força coercitiva
de ciência importada. A civilização era um subproduto das raças. E o
tipo ariano deveria ser aquele modelo do qual todos os povos deveriam
almejar aproximar-se, pois nesse processo de arianização estava
embutida a possibilidade de ascender na escala da evolução social.
Escolhemos, para elemento de análise da sua vasta e erudita obra, o
livro Evolução do povo brasileiro, não somente porque ele satisfaz os
requisitos para o fim a que nos propusemos, corno também, porque é
nele que Oliveira Vianna consegue filtrar, de forma compacta e
sintética, a sua visão diacrônica dos mecanismos que nos
subdesenvolveram corno nação.
O problema racial, para ele, sobrepõe-se a todos os outros. Essa
biologização da história, via antropologia física, tão em voga no Brasil
daquela época, era urna forma fácil e simplificadora, mas, ao mesmo
tempo, revestida da respeitabilidade de "ciência", para escamotear os
elementos econômicos, sociais, políticos e culturais que nos
subalternizavam corno nação. Estabelecia-se um critério de
classificação racial analógica e anticientífica, e daí se inferia, dentro da
escala de valores que esta classificação estabelecia, a causa de
desenvolvimento e/ou atraso dos povos.
As raças inferiores, a negra principalmente, tinham de desaparecer na
luta com outras raças mais fortes e superiores. O processo civilizatório,
por seu turno, era um atributo da raça branca que, mesmo quando se
misturava com os negros e outras raças inferiores, arianizava-os. Por
isto, ao contrário de outros pensadores da época, corno Euclides da
Cunha, por exemplo, Oliveira Vianna não estigmatizava o mestiço, mas
pregava, ao contrário, o estabelecimento de um processo
miscigenatório alternativo (o fundamental era o cruzamento entre
parceiros do mesmo sangue) capaz de arianizá-Io. Esse processo de
arianização através do eugenismo, no entanto, não igualava essas raças,
isto porque, para ele:
"Em todas as raças humanas, mesmo as mais baixamente colocadas na
escala da civilização, esses tipos superiores aparecem: não há raças
sem eugenismo. O que principalmente se distingue é a sua maior ou
menor quantidade de eugênicos. Quando duas ou mais raças, de
desigual fecundidade em tipos superiores, são postas em contato
num dado meio. as raças menos fecundas estão condenadas. Mesmo
na hipótese da igualdade do ponto de vista .de partida, a serem
absorvidas ou, no mínimo, dominadas pela raça de maior fecundidade. Esta gera os senhores; aquélas os servidores. Esta, as oligarquias dirigentes; aquelas, as maiorias passivas e abdicatórias."
Por isto, do ponto de vista sociológico, achava que as oligarquias
existentes, para que o Brasil evoluísse, deviam deixar de ser broncas e
se modernizassem. E isso somente seria possível através de mecanismos
de arianização das suas populações, especialmente dos seus grupos de
poder.
2. **************************************
Oliveira Vianna nasceu em Niterói, em 1883, e faleceu em 1951. Foi
professor da Faculdade de Direito de Niterói, tendo deixado urna vasta
obra não apenas jurídica, com especialização no direito do trabalho,
mas, também livros de sociologia, política e sobre as instituições
nacionais. Ele, conforme já dissemos, defende veementemente a
inferioridade racial do negro, negando-lhe qualidades civilizadoras,
chegando a escrever que o "negro, puro, não foi nunca, pelo menos do
campo histórico em que conhecemos, um criador de civilizações. Se, no
presente, os vemos sempre subordinados aos povos de raça branca, com
os quais entraram em contato; se nos seus grupos mais evoluídos das
regiões das grandes planícies nativas, são os elementos mestiços, não os
indivíduos de tipo negróide, aqueles que trazem doses sensíveis de
sangue semita, os que ascenderam às classes superiores, formam a
aristocracia e dirigem a massa de negros puros".
Inúmeros foram os autores que, ao analisarem a obra de Oliveira
Vianna, apontaram esta posição racista e pseudamente científica. No
particular, Artur Ramos e Nélson Werneck Sodré tiveram oportunidade
de se deterem na análise da sua obra procurando apontar as falhas
gritantes que existem na área de antropologia, defeito que se desdobra
na sua sociologia. que nada mais é do que uma explicação biológica da
história a partir de critérios eurocêntricos e que via na raça caucásica.
européia. o elemento que conduzia o processo civilizatório. Oliveira
Vianna é um deslumbrado pelo mito ariano de superioridade do branco e
inferioridade do negro. Por tulo isto. Artur Ramos ao fazer um balanço
da sua posição. escreve que para ele "o negro não gera. em tanta
abundância. mestiços assim tão superiormente dotados no tocante à
moralidade: os cronistas coloniais são unânimes em reconhecerem na
maioria dos mulatos falhas de caráter muito graves". E vê inevitáveis
citações dos cronistas coloniais com relação a essas "falhas" dos mulatos
que quando existem, estão na dependência de fatores sociais forrados
de método científico.
De um modo geral, porém, para Oliveira Vianna nenhum mestiço presta,
seja ele tipo cruzado do índio. seja o negro. O anátema estende-se a
todos eles:
"Essa desambição natural do índio e essa mediocridade ingênita
(sic) do negro se transmitem aos seus mestiços: daí a extrema
sobriedade das nossas populações mestiças. Curibocas. cafusos,
mulatos, todos, com exceção de uma pequena minoria de eugênicos
(sic) vivem a mesma vida dos seus ancestrais, satisfeitos na sua
miséria, contentes na sua parcimônia e incapazes de realizar,
espontaneamente. o mais leve esforço para melhorar o teor da sua
existência miserável. Essa ausência de stímulos de melhoria na sua
psiquê fá-Ios elementos inertes e improgressivos, forças negativas,
que dificultam e retardam o movimento ascencional da nossa massa
social para riqueza e para a civilização."
Concluindo sua crítica. Ramos escreve que "Oliveira Vianna põe. .no
mesmo parágrafo antropológico. cor da pele e moralidade, matiz dos
cabelos e vigor da inteligência, numa confusão lamentável entre os
temas biológicos de raça e os sociológicos de meio sócio-cultural".
À essa análise crítica da obra de Oliveira Vianna, feita por Artur Ramos,
seguiu-se a de Nélson Werneck Sodré. O autor de O ocaso do império
afirma que:
Na sua fascinação antropológica, Oliveira Vianna não usa qualquer
disfarce: o que é branco. o que é "ariano". é nobre, fidalgo,
excelente. e tudo isso porque se trata, no fundo. da classe
dominante, aquela que detém a propriedade e exerce o poder.
senão o poder público formal, na fase da colônia, pelo menos o
enorme, o desmedido poder privado, que é o verdadeiro, o único
poder que tem aqui exercício pleno. Quando negros, índios,
mamelucos, cafusos desmandam-se sexualmente, isto é corrupção;
quando se desmamdam os "arianos" isso passa a ser "padreação". e
lá surge a velha lenda do clima para explicar os desmandos. O
branco proprietário tem direito a tudo, para o ensaísta, e na sua
linguagem descreve o fenômeno com cores interessantes. A
antropologia de Oliveira Vianna. da física à cultural, é das mais
curiosas. É a antropologia de Lapouge nas Sélections sociales. é a
antropologia de Huntington em The Charecter of Races, quando não
é a pretensa psicologia social de Demolins com La superiorité des
anglo-saxol1s, ou de Pritchard com Where BIack Rules Wi/he quando
não desvaira para as teorins de Ammon e Gobineau.
Essa visão racista travestida em ciência social perpassa por toda a sua
obra. O livro que iremos analisar, em seguida. Evolução do povo
brasileiro, foi escrito como introdução ao recenseamento de 1920 e
divide-se em três partes. São elas: "Evolução da sociedade", "Evolução
da raça" e "Evolução dos sistemas políticos". Através desses três cortes
metodológicos procura traçar a nossa evolução social do início da
povoação até o período republicano.
No início, abordando o processo de povoamento. afirma que somos um
país de vocação agrária pois "é no campo que se forma a nossa raça e se
elaboram as forças íntimas da nossa civilização. Do campo, as bases em
que se assenta a estabilidade admirável da nossa sociedade no período
imperial".:;
O que ele entendia por realidade agrícola era a grande propriedade, o
latifúndio. Escreve, definindo a sua visão do problema, que "em nosso
país. ao contrário dos outros, a agricultura se inicia tendo por base a
grande propriedade. Os romanos evoluíram da pequena propriedade
para a grande propriedade: das suas primiti vas "jugadas" do tempo dos
reis, lavráveis em um dia, para os grandes latifúndios da época da
conquista. Os outros povos tiveram evolução igual. Nós, desde o início,
temos sido, ao invés disso, um povo de latifundiários; entre nós a
história da pequena propriedade pode-se dizer que data apenas de um
século. Todo o longo período colonial é um período de grande esplendor
e glória da grande propriedade territorial". 6 E é sobre essa realidade de
propriedade fundiária que a população brasileira será distribuída e
redistribuída ao longo da hisfória. Como não podia deixar de ser, essa
"aristocracia rural", como ele chama os senhores de terra, iria comandar
essa distribuição U durante esses trezentos anos fecundos e gloriosos".
É justamente aí que entra a análise das "raças exóticas" na sua
terminologia, que formaram "um problema prático, que interessa
fundamentalmente à orientação dos nossos destinos". Isto porque é da
composição étnica do Brasil, da sua pureza ou da sua mistura com os
dois componentes inferiores - negros e índios - que a psicologia do
brasileiro se definirá. Quanto à raça branca que para aqui veio (os
portugueses), afirma que os elementos primordiais da colônia não são
"de modo algum, como se há dito, essa escorralha de criminosos e
degredados, varridos das masmorras peninsulares".
Pelo contrário. Esses elementos "sadios" que aqui se fixaram, vindos de
Portugal "quando requeriam sesmarias para "fazerem fazendas",
costumavam alegar que são "homens de calidades", porque só a homens
tais se dá ingresso à propriedade da terra". 9 Para ele, portanto, houve
uma seleção racial e social na escolha dos primeiros sesmeiros, fato que
justificaria o seu direito de propriedade;.
Para justificar essa superioridade. Oliveira Vianna comete deslizes
elementares, afirmando que
dada à composição étnica das classes sociais na península e na
Europa. por aquele tempo. tudo nos leva a crer: a) que nos
primeiros contingentes colonizadores, que para aqui vêm
voluntariamente, os elementos mais importantes ou influentes
deviam pertencer ao tipo dólico-Iouro e de alta estatura. b) que as
copiosas correntes que afluem mais tarde, para a nossa terra, no II
e III séculos, principalmente neste, depois da descoberta das minas,
devem ser, ao contrário, compostas de branquióides brunos e de
pequena estatura, da raça celtibérica, que é a que dominava e
domina nas classes populares e rurais da sociedade peninsular.
Quanto aos elementos dólicoIouros, há uma série de indícios que nos
levam à convicção de que grande número deles aqui se fixam,
formando as figuras centrais da nossa aristocracia rural.
Como se pode ver, para Oliveira Vianna o início de nosso povoamento
foi feito por dólico-louros de Portugal, que pelas suas virtudes morais
decorrentes da sua raça foram selecionados pela metrópole para se
apoderarem das terras da colônia.
Quanto aos componentes das duas raças inferiores, a nativa e a
transportada (índios e negros) Oliveira Vianna se compraz em salientar a
sua contribuição negativa ao processo civilizatório. Depois de mostrar as
variações antropológicas dos índios (cor, estatura, crânio e compleição)
afirma que:
Entre esses aborígenes alguns possuem temperamento pacífico e
dócil, como os guaianases de Piratininga, e, em geral, os que
habitam o vale amazônico; outros, porém, são guerreiros
intratáveis, como os aimorés, por exemplo, cuja ferocidade enche
de pavor os primeiros colonizadores brancos. Em alguns as
qualidades intelectuais são mais acentuadas - o que se revela pela
posse de uma civilização superior e por certo gosto artístico na
elaboraçãodos seus artefatos. Outros nem sequer haviam evoluído
até à organização social das aldeias, que não conhecem [...] Em
tudo isto se pressente a enorme diversidade de atributos de ordem
moral, que essas várias tribos vão trazer à formação étnica do
nosso povo, quando, ou puros ou cruzados com os dominadores
brancos, se incorporam à sociedade colonial como elemento de
trabalho ou como força guerreira.
Em face disso, Oliveira Vianna afirma que "por aí já se vê como é
revoltoso e confuso o caos étnico, onde vai sair o nosso tipo
antropológico e social".
Quanto aos índios, Oliveira Vianna, embora considerando-os membros
de uma raça inferior, não os coloca na posição de quase animais em que
ele aloca os negros. "Os tipos africanos [são] os que vão trazer a esse
caos o contingente maior de confusão e discordância" .
Procura especificar os diversos grupos étnicos africanos que para aqui
foram trazidos de forma confusa e demonstrativa da sua ignorância da
etonografia africana, mas procura destacar essas diferenças físicas para
analisar os atributos morais de que eram possuidores por "atavismos"
congênitos.
Somos obrigados a fazer uma longa citação para que se tenha uma visão
de como ele via o negro e conferia-lhe qualidades morais de acordo com
a sua etnia.
Sensível é a diversidade dos tipos negros, essa é desconcertante. Só
a enumeração das tribos ou "nações" aqui entradas forma um rosário
interminável: e são "felupos", "minas", "cabindas", "angolas", "gêgis",
"monjolos", "bengalas", "caçanjes", "libolos, "gingas", "mandingas",
"haussás", "iorubás", "egbas", "felanins", "aschantis", "fulas", "iebus",
"crumanos", "timinins", "efãs", "congos", "cangalas", "bambas",
"bantus", "nagôs" e tantíssimas outras, todas elas possuindo
caracteres diferenciais específicos, divergindo e distinguindo-se
entre si por particularidades morfológicas e atributos psicológicos inconfundíveis. Os negros da tribo iebu, por exemplo, ou das tribos
casanje, ou haussá, embora reforçados e entroncados lêm a fealdade
repulsiva dos tipos negros puros. [grifos nossos] Os da nação mina, ou
fula, ou aschanti, ou felamim, são tipos, ao contrário, de grande
beleza pela proporcionalidade das formas, pela suavidade dos traços,
pela esbelteza da estrutura, pela pele mais clara [grifos nossos] e
pelos cabelos menos incarapinhados [grifo noso] do que os das
demais nações.
Como vemos, Oliveira Vianna destaca, sempre, como elemento de
beleza, atributos da raça branca para classificar o negro. Isto porque,
como acentua, o negro puro é portador de uma fealdade repulsiva.
Depois de expor as diversidades da raça negra, passa a analisar os seus
padrões de moralidade.
Há tribos de negros indolentes, com os gêis e os angolas, como os há
de negros laboriosós, como os timinins, ou minas, os daomeanos. Os
minas, os iorubas, os egbas, os' crumanos, os felamins possuem
temperamento dócil e civilizável, são negros pacíficos, afeitos à
obediência e à humildade; já os haussás, os efãs, os galas mostram
qualidades de altivez, rebeldia e mesmo ferocidade que os fazem
pouco apreciáveis pelos senhores ou insusceptíveis de cativeiro. O
grau de moralidade também varia muito de tribo a tribo e, se há
negros de costumes honestos, como os iorubas, os egbas, os
haussás, há os de caráter pouco resistente e facilmente
corrompíveis, como os gêgis e os angolas. Estes últimos são, porém,
superiormente dotados no ponto de vista intelectual, ao passo que
os outros, como os gêgis, os crumanos, os cabindas, revelam a
inferioridade mental, própria dos tipos mais baixos da raça negra.
3. *************************************
Não precisamos de muita argúcia para concluir que, segundo Oliveira
Vianna. os negros eram melhores moralmente à medida que revelavam
um temperamento dócil, adaptável à escravidão, assim como
esteticamente eram mais bonitos à medida que se aproximavam das
características e padrões da beleza grega. O negro puro era portador de
"fisionomia repulsiva, facies troglodítica" e "cataduras simiescas" (sic).
Esses negros são distribuidos em vários pontos do território fato que irá
determinar a emergência de uma estratificação social coincidente com
as qualidades das raças. Neste sentido, ainda segundo Oliveira Vianna,
"pelo estudo da distribuição geográfica das três raças formadoras. já
podemos ajuizar qual a sua distribuição social, isto é, a sua
especialização funcional na economia da sociedade colonial. Cada raça
se distribui pelas diversas classes sociais conforme as aptidões
específicas, e já vimos como os brancos sabem distinguir essas aptidões
e orientar a distribuição e a fixação das duas raças inferiores no sentido
do seu melhor aproveitamento".
É, portanto, uma distribuição no espaço geográfico e social que os
brancos colonizadores estabeleceram para ordenar a sociedade e essa
ordenação corresponderia às aptidões das raças. As raças inferiores
(negro e índio) eram alocadas nos espaços físico e social pelo
colonizador membro de uma raça superior.
Daí o negro ter sido escolhido pelo branco dominador de acordo com as
suas aptidões, 'todas elas, no entanto, limitadas pela sua inferioridade
racial. Afirma que "das diversas tribos negras aquelas mais bem dotadas
de inteligência e de sentimentos são utilizadas nas profissões em que
esses dotes se fazem mais necessários: é por isto que os 'minas', os
'angolas' e os 'iorubas' dominam principalmente entre os oficiais de
ofício manual, como pedreiros, carpinteiros, tanoeiros, ferreiros,
calafates. Nos serviços domésticos, as negras 'minas', dóceis, afetuosas
e possuindo uma inata habilidade culinária. são preferidas como
mucamas e cozinheiras, Elas e as de raça fula, porque são mais belas,
elevavam-se mesmo à condição de donas de casa, ou caseiras conforme
se depreende o citado testemunho de V AIA MONTEIRO".
Oliveira Vianna achava que não apenas a hierarquização social dependia
da raça, mas a própria divisão do trabalho entre as "raças inferiores" era
determinada por essas qualidades inatas. Assim, haveria uma
superposição étnica no sentido vertical e uma divisão social do trabalho,
no sentido horizontal, de acordo com as aptidões raciais. A sociedade
brasileira estaria, assim, harmonizada porque esses componentes
populacionais poliétnicos situavam-se de acordo com aquilo que um dos
seus elementos poderia dar dentro da sociedade escravista.
Como elemento intermediário, por isto mesmo, situavam-se os mulatos,
U em via de regra mais inteligentes". Esse componente mestiço os
senhores aplicavam em ofícios mais finos, como sapateiros, siringueiros
e alfaiates, em que se revelavam habilíssimos"
Desta forma estava estabelecido o equilíbrio social. O mestiço do negro
com o branco ou deste com o índio era o elemento que algumas vezes
poderia ser mais bem dotado e capaz de chegar a posições sociais
porque:
Os que negam o valor dos nossos mestiços, corno os que afirmam a
sua superioridade, falseiam a verdade, porque a vêm
unilateralmente: os nossos mestiços nem todos são absolutamente
inferiores nem absolutamente superiores. Há, entre nós, mestiços
superiores e mestiços inferiores. O conhecimento que temos da
diversidade do tipo mental das várias tribos negras e índias que
entraram em caldeamento com o branco, nos leva, aliás,
logicamente a essa conclusão. Um cruzamento feliz de um tipo
superior ou negro ou índio com o branco bem dotado de eugenismo
pode produzir um mulato ou mameluco superior, se porventura,
pelo jogo das influências hereditárias, preponderar nesse
cruzamento o eugenismo do tipo branco. É claro que essas
combinações felizes não são comuns: na sua maioria os mestiços
ficam abaixo do tipo superior, de que provêm. Nestes, por exemplo,
o branco imprime os seus atributos intelectuais, mas é do negro ou
do índio que eles herdam a estrutura do caráter, Naqueles,
dominam, ao contrário, os sentimentos do homem branco, mas a
inteligência se limita e a energia da vontade, a ambição de
riquezas, o desejo de ascensão, dominantes no ariano,
desaparecerem destruídos pela ação regressiva dos atavismos
bárbaros.
A dinâmica social fica, assim, para a raça branca. Apoiado nos seus
postulados racistas chega a absurdos quando interpreta fatos da nossa
história, Na guerra dos mascates, por exemplo, descobre um núcleo
ariano que a alimentou. Afirma que "nas cidades mais importantes da
costa. como o Rio e Recife, esses elementos arianos também se
condensam fortemente. formando núcleos poderosos: e a guerra dos
mascates em Pernambuco nos começos do III século, e as lutas
ardentes, pela mesma época, no Rio, travadas entre a aristocracia rural
e os "mercadores" lusitanos, mostram como é grande o número dos
elementos brancos ali concentrados",
Essas limitações estruturais "atávicas" das raças negra e índia
determinam que cada membro delas seja situado convenientemente na
estrutura social, pois os escravos "negros ou mulatos são inteligentemente distribuídos pelos diversos serviços e ofícios do latifúndio".
Dentro desse processo de mestiçagem agem, por outro lado, para
branquear a sociedade brasileira, as "seleções naturais e sociais que
aceleram extraordinariamente entre nós a rapidez do processo redutor
dos elementos bárbaros".
4.******************************************
Diante de tal quadro nada mais natural do que justificar-se a escravidão
de índios e negros. Os negros eugênicos eram aqueles que se adaptavam
à escravidão; o que para o autor significava terem mais elementos
capazes de civilizar-se. O rebelde era a borra de negros puros de
"catadura simiesca" e "troglodítica". Daí porque os atos de rebeldia do
escravo negro, principalmente os quilombos, eram um perigo
permanente". E, em conseqüência, a exaltação dos bandeirantes quando
os destróem. Escreve neste sentido que:
Não são somente os índios que exigem essa organização defensiva
da parte dos senhores rurais: também os negros fugidos e acoutados
no interior das florestas, em núcleos a que chamam "quilombos",
constituem um grave e inquietante perigo para as populações rurais
da colônia. Daí a necessidade de grandes expedições guerreiros
para atacá-los e destruí-los. Dessas expedições se incumbem os
mais famosos potentados rurais, senhores de vastos latifúndios e de
arcos inumeráveis. Dos célebres quilombos formados na região do
Rio das Mortes, a destruição é realizada por um grande potentado
paulista BARTOLOMEU BUENO DO PRADO, que de volta da expedição, traz, como troféu de guerra. cerca de quatro mil pares de
orelhas de negros aniquilados. No norte, o grande reduto africano
denominado "Palmares" é atacado e dizimado pelo ferro de um
caudilho possante, DOMINGOS JORGE VELHO. Com um formidável
exército de curibocas, desce da sua fazenda de Piancó, nos altos
sertões da Paraíba. para realizar estu façanha guerreira.
Repare-se o estilo triunfa lista do autor ao descrever as façanhas desses
bandeirantes, todos elogiados pelos seus feitos. As bandeiras, por isto
mesmo, tiveram "maravilhosa irradiação", eram "sertanistas intrépidos",
22 e os senhores mantinham "formidável organização militar", 23
praticando" proezas assombrosas", 24 tudo isto objetivando manter a
paz social contra os atos destrutivos da "indiada inútil", 25 "gentio
feroz", 26 e do "negro bárbaro".27 Não ap~nas a paz social, mas a
civilização, pois ela" é obra exclusiva do homem branco. O negro e o
índio, durante o longo processo de nossa formação social, não dão,
como se vê, às classes superiores e dirigentes, que realizam a obra da
civilização e construção, nenhum elemento de valor. Um e outro
formam uma massa passiva e improgressiva, sobre que trabalha, nem
sempre com êxito feliz, a ação modeladora do homem da raça branca".
5. *********************************
Finalmente, a abolição. Para Oliveira Vianna ela é um fator
desequilibrador da nossa economia agrária, pois:
Desde o momento, porém, em que a nossa tradicional orga. nização
do trabalho agrícola, assentada sobre a base da escravidão, é
substancialmente refundida. toda a sociedade rural é.
conseqüentemente, abalada das suas cumeadas aOs seus fundamentos. Dado o imprevisto e o subtâneo golpe que lhe édesferido
a \3 de maio de 1888, ela não tem, por assim dizer, tempo para
reorganizar-se no sentido de uma adaptação imediata à nova ordem
de coisas - e desmorona quase inteira. mente. Os grandes
latifúndios açucareiros, que se estendem pela longuíssima faixa da
costa. do sul ao norte do país. E cuja atividade agrícola se apóia
exclusivamente sobre o braço negro, sofrem uma desorganização e
entram numa fase opressiva e prolongada de agonia econômica [...]
Desordenada essa velha e soberba edificação, que é a nossa
aristocracia territorial, parte dos seus elementos entram a viver na
solidão dos seus vastos domínios, agora incultos, a vida vegeta.
tiva dos decaídos: de modo que hoje não raro encontramos, quando
percorremos o nosso interior agrícola, descendentes de grandes e
antigas famílias aristocráticas niveladas com os elementos mais
obscuros da nossa plebe rural.
Como podemos ver, Oliveira Vianna tece uma verdadeira apologia
saudosista aos senhores de escravos que representam para ele a
"aristocracia rural", ariana e civilizadora. Esta posição de defesa do
latifúndio escravista, de um lado, e a estigmatização do negro, índio ou
mestiço, de outro, são uma constante no seu pensamento social e
determinam todas as teses do seu livro. Não há meios termos. Nossa
evolução social deveria acompanhar a nossa evolução racial, de acordo
com a capacidade de cada raça. De um lado, o branco civilizador, de
outro'" a massa amorfa" a "patuléia de mestiços" incapaz de progredir,
avançar e civilizar-se em conseqüência da limitação congênita da sua
inteligência e destituída de senso moral pelo mesmo motivo.
Daí, Oliveira Vianna não demonstrar nenhuma simpatia pelo movimento
abolicionista e a sua conclusão, mesmo com as limitações sociais como
foi feita a abolição. Ocupa-se dela em apenas seis linhas afirmando que
"a abolição do elemento servil, em 1888, afasta do trono as simpatias da
grande aristocracia territorial, essencialmentente conservadora e
lealista. O próprio monarca, já enfermo e envelhecido, não exerce mais
sobre o país aquela ação moderada, mas enérgica e vigilante, dos
primeiros tempos”.
Diante da abolição apenas deplora que ela tenha tornado mais longa a
eliminação da população negra, afirmando que "sob esse aspecto, podese dizer que a lei da abolição, de 1888, concorre para retardar a
eliminação do H. aleI' em nosso país - porque, não há dúvida que em
escravidão, ele teria desaparecido mais rapidamente".
Era a eugenia por ele tanto elogiada, feita através da supressão, pela
morte, do elemento negro e que se daria através de três causas
principais: .. miséria, vício e castigo".
O livro Evolução do povo brasileiro não sintetiza o nosso processo
evolutivo, mas é, pelo contrário, um espelho do pensamento das elites
brasileiras dominadoras. Não é uma contribuição objetiva para o
conhecimento do nosso povo, mas um anátema violento e deformado
contra ele. Jarbas Medeiros escreve neste sentido que "em conseqüência
mesmo da sua adesão. às suas teorias raciais, Oliveira Vianna recorre à
teoria das elites como fator explicativo da história e toda a sua obra é
um elogio permanente e grandiloquente das nossas elites dirigentes".
Concluindo, devemos dizer que Oliveira Vianna estabeleceu uma escala
racial mítica, na qual o branco estava no cume da pirâmide e o negro na
sua base e transferiu essa escala para explicar as relações escravistas no
Brasil. Daí ter concluído que os negros e índios, por serem membros de
"raças bárbaras", estavam destinados a trabalhar e obedecer e os
brancos dominadores, por serem de uma raça pura e superior,
destinados a impor, por um mandato biológico. Essa hierarquização
social corresponderia, assim, a uma fatalidade. Os negros, por outro
lado, não poderiam transpor as barreiras sociais em conseqüência das
limitações psicológicas e morais da sua raça e todos aqueles que
tentassem transpô-las produziriam um desequilíbrio na sua estrutura
social que deveria estar rigidamente ordenada de acordo com a
capacidade de cada raça que compunha a nossa população.
Intoxicado pelo cientificismo arianizante da ciência eurocêntrica do seu
tempo, deixou uma obra que é um monumento de exaltação às elites
dirigentes e um libelo contra os seus componentes populares: negros,
índios, curibocas e outros não-brancos. Uma obra que nada tem de
científíca e serve, ainda, para justificar desmandos contra essas
camadas populares que, para ele, eram a patuléia de mestiços"
incapazes de se inserirem no processo civilizatório. Um livro que
deforma e deturpa os fatos para defender as elites e o racismo.
Fonte: Por Clovis Moura, em: As Injustiças de Clio: O negro na
Historiografia Brasileira