Book 6.indb - Cadernos Metrópole

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Book 6.indb - Cadernos Metrópole
cadernos
metrópole
n. 6
ISSN 1517-2422
PUC-SP
Reitor: Antonio Carlos Caruso Ronca
Vice-Reitora Acadêmica: Raquel Raichelis Degenszajn
EDUC - Editora da PUC-SP
Conselho Editorial: Ana Maria Rapassi,, Bernardete A. Gatti, Dino Preti, José Roberto Pretel
Pereira Job, Maria do Carmo Guedes, Maria Eliza Mazzilli Pereira, Maura Pardini Bicudo Véras,
Onésimo de Oliveira Cardoso, Raquel Raichelis Degenszajn (Presidente), Scipione Di Pierro Netto
Ficha Catalográfica na Fonte - Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Grupo de Pesquisa PRONEX. – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999
Semestral
ISSN 1517-2422
1. Áreas Metropolitanas - Periódicos. 2. Sociologia urbana - Periódicos. I. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. II. Grupo Pronex “Metrópole: Desigualdades Socioespaciais e Governança
Urbana”
CDD 307.7605
EDUC – Editora da PUC-SP
Direção
Maria Eliza Mazzilli Pereira
Coordenação Editorial
Sonia Montone
Revisão
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Editoração Eletrônica
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Capa
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Execução: Waldir Antonio Alves
Rua Ministro Godói, 1213
05015-001 – São Paulo – SP
Tel. (11) 3873-3359 – Fax (11) 3873-6133
E-mail: [email protected]
Sumário
Apresentação
7
Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica:
o vetor sudoeste de São Paulo
Wagner Iglecias
9
Reestruturação urbana da metrópole paulistana: a Zona Leste
como território de rupturas e permanências
Raquel Rolnik
Heitor Frúgoli Jr.
Metrópole e território: metropolização do espaço no Rio de Janeiro
Fany Davidovich
Mudanças socioespaciais e estrutura social da Região Metropolitana de
Porto Alegre: anos 1980 e 1990
Rosetta Mammarella
Tanya M. Barcellos
Mirian Regina Koch
La conformación del espacio urbano en un país de economia emergente.
El caso de cinco municipios en la Región Metropolitana de Buenos Aires
Juan D. Lombardo
Mercedes Di Virgilio
Leonardo Fernández
43
67
79
105
Apresentação
Neste número dos Cadernos Metrópole, apresentamos textos que tratam dos impactos da nova organização do capital nas cidades. Esse fenômeno é notado de modo
particularmente intenso nas metrópoles brasileiras, onde são marcantes as desigualdades
sociais e o contraste entre as instalações integradas à nova economia mundializadas e as
áreas ainda dependentes da economia industrial, cuja modernização vem gerando o desemprego para um sem-número de pessoas – na imensa maioria incapazes de se adequar
à nova realidade.
Além desse aspecto sócio-econômico, a dualidade se reflete nitidamente na paisagem metropolitana. Como observa Walter Iglecias em texto apresentado neste número, “territorialmente, os impactos das transformações nos principais mercados de trabalho
dessas grandes cidades referem-se à polarização sócio-espacial urbana, com a formação
de espaços urbanos extremamente diferenciados e segmentados, como os enclaves fortificados, os guetos, os centros empresariais sofisticados, os shopping centers, etc”.
A distribuição espacial desses enclaves e segmentos muda a face das cidades,
uma vez que as comunicações entre eles, por mais “virtual” que possa ser na era da informação, demandam estradas, pontes, deslocamento, desapropriações e barreiras, sejam
naturais (como é o caso dos acidentes geográficos) ou construídas, como ocorre com
avenidas que excluem os que não possuem automóvel.
A “cidade global” combinaria, assim, concentração e dispersão, com focos de modernização e alto padrão de consumo espalhados numa ampla manca urbana, segundo
os padrões estabelecidos pela especulação imobiliária, e populações mais pobres sendo “varridas” para áreas cada vez mais distantes do centro. Nada de muito novo. Como
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explica Fany Davidovich, para o caso do Rio de Janeiro: “Os limites dessa configuração
espacial estão compreendidos na distância de até pouco mais de duas horas a partir da
metrópole, por asfalto e em linha reta, privilegiando a orientação para São Paulo. Forma-se,
assim, nítida diferenciação com a resto do estado, onde tem prevalecido o atraso econômico e as funções urbanas tradicionais.
Apesar da existência de enclaves excludentes, locais de residência das elites, a
configuração espacial das grandes metrópoles do Cone Sul não pode prescindir da presença da classe trabalhadora, cuja mão-de-obra é usada para a manutenção das atividades de produção e serviços, com algumas lojas que apostam no “consumo popular” massificado, utilizando-se do aparato público de transporte coletivo para favorecer o aceso às
áreas mais centrais das sedes metropolitanas.
Lúcia Bógus
Luiz Cesar de Q. Ribeiro
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Impactos da mundialização sobre
uma metrópole periférica:
o vetor sudoeste de São Paulo
Wagner Iglecias
A cidade de São Paulo tem se notabilizado por conseguir manter a posição de
liderança na economia brasileira, embora, juntamente com o estado de São Paulo, venha
sofrendo nas últimas décadas um processo de desindustrialização e diminuição de sua
participação no Produto Interno Bruto. O novo modelo de inserção do Brasil na economia
mundial, pautado por reformas estruturais de caráter liberalizante, tem como uma de suas
mais importantes expressões espaciais a consolidação da capital paulista como pólo de
conexão da economia e do território brasileiros com os fluxos globais de capital. São
Paulo tem adquirido, nos últimos anos, características de uma metrópole informacional,
deixando de ser uma economia de produção de bens para tomar-se uma economia de
desempenho de funções. A cidade segue a mesma tendência observada nas mais importantes metrópoles do planeta e, à medida que o Brasil se integra à economia mundial,
passa a ser mais um centro de articulação do capitalismo contemporâneo, alçado à condição de sistema mundial.1
O processo de transformação da vocação econômica da cidade de São Paulo
acentuou-se durante a década de 1990 e, entre inúmeras e diversificadas atividades terciárias, tem cabido a ela concentrar os centros decisórios das corporações, cujos produtos e serviços caracterizam o capitalismo transnacionalizado da época atual. Em São
Paulo estão as matrizes brasileiras da maior parte das empresas de finanças, tecnologia,
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Wagner Iglecias
mídia, telecomunicações, publicidade, consultoria empresarial e companhias "ponto.com"
em atividade no país. Na capital paulista concentram-se ainda os segmentos mais qualificados do mercado de trabalho brasileiro, a maior universidade e alguns dos melhores
centros de pesquisa do país, a maior infra-estrutura de telecomunicações do território nacional, o maior mercado consumidor e a melhor rede de serviços corporativos de apoio às
atividades de gestão do grande capital (hotéis, centros de convenções, shopping centers,
restaurantes, espaços de cultura e lazer, etc.), entre outras características.
Na metrópole de São Paulo localizavam-se, em 1998, as sedes de 35 dos 100
maiores grupos empresariais brasileiros. Entre as 100 maiores empresas estrangeiras
com atividades no Brasil, 54 tinham suas matrizes sediadas na capital paulista ou em
cidades da região metropolitana. Entre os 100 maiores bancos privados nacionais, 44
tinham sede em São Paulo e 1, em Osasco, cidade vizinha à capital paulista. Entre os
bancos estrangeiros em atividade no país, que não chegam a contabilizar uma centena,
94% tinham suas matrizes brasileiras na cidade de São Paulo.
Enquanto a metrópole paulista concentra, no segmento dos maiores grupos nacionais e estrangeiros, o maior número de sedes de empresas; embora, por conta de recentes fusões e privatizações de companhias, seja crescente o número de corporações com
sedes em vários estados do Brasil, no setor financeiro, a primazia da cidade de São Paulo
é incontestável. Entre os 10 maiores bancos privados nacionais, 7 tinham sede em São
Paulo em 1998. Entre os 10 maiores bancos estrangeiros em atividade no país também
em 1998, 9 tinham suas matrizes na capital paulista. Além disso, a recente transferência
da parcela do mercado de capitais que cabia à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro para
a Bolsa de São Paulo tem concentrado a quase totalidade das corretoras de valores em
São Paulo. Não bastasse a concentração crescente dessas empresas na capital paulista,
a maior parte delas vem instalando suas sedes na porção sudoeste do município, alçada
quase à condição de um novo centro da cidade.
Tabela 1 – Concentração das sedes das grandes corporações
por estado – 1998* (%)
Reg. Metrop. SP
SP Interior
RJ
RS
MG
BA
Outros estados
Total
100 maiores
empresas privadas
nacionais
100 maiores
empresas
estrangeiras
35
3
18
9
6
7
22
100
54
7
13
4
7
1
14
100
100 maiores
bancos privados
nacionais
45
0
22
7
5
2
19
100
Bancos
estrangeiros
94
0
3
0
0
0
3
100
Fonte: Balanço Anual, Gazeta Mercantil.
* Por receita operacional líquida.
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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A capital paulista caracterizou-se, no decorrer do século XX, por concentrar as
funções de comando de cada etapa histórica de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. A formação, na década de 1990, de uma nova centralidade na cidade, para a qual
convergem as funções de articulação do mercado e do território brasileiros com a economia mundializada, é o objeto de reflexão do presente texto, ainda que, por mais paradoxal
que possa parecer, esse novo centro da cidade de São Paulo se localize territorialmente
junto à parcela mais excluída da periferia paulistana. Como afirma Milton Santos, a metrópole paulista vive um processo de mundialização incompleto, seletivo e desigual. Nela
se justapõem e se superpõem traços de opulência, devidos à pujança da vida econômica
e suas expressões materiais, e sinais de desfalecimento, devido ao atraso das estruturas
sociais e políticas. Tudo o que há de mais moderno pode aí ser encontrado, ao lado das
carências mais gritantes (Santos, 1990).
A magnitude das transformações pelas quais tem passado a economia mundial
no último quarto do século XX permite, inclusive, que se avancem alguns aspectos da
clássica leitura que fazem Braudel e Wallerstein do processo de desenvolvimento do
capitalismo. Efetivamente transformado numa economia-mundo de proporções planetárias, o capitalismo contemporâneo parece não mais organizar-se em zonas simplesmente
concêntricas, mas, por conta das possibilidades da revolução tecnológica das últimas
décadas, em forma de uma extensa rede composta de áreas geográficas específicas por
onde circulam seus fluxos de mundialização (Castells, 2000). Está em curso um processo
de redefinição das relações clássicas entre o centro e a periferia do sistema, e é a interação entre um grupo de cidades dispersas espacialmente pelo mundo que possibilita a
organização e a otimização das funções da valorização do capital em escala global. Uma
espécie de nova Liga Hanseática, cujos limites e dimensões são agora planetários. De
fato, muitos centros urbanos estão sendo desnacionalizados, ou mundializados, e, ainda
que cada metrópole possua suas particularidades históricas próprias e sofra os impactos
da mundialização a seu modo, os lugares específicos que as metrópoles representam na
economia global têm sido transformados por uma dinâmica comum, caracterizada pela
mobilidade crescente do capital. É possível que esteja em curso a formação de um enorme sistema urbano, de caráter transnacional. É através desse novíssimo sistema urbano
que se expressa material e territorialmente a mundialização do capital. Obviamente, essa
expressão não se restringe a esse sistema urbano, como nos mostra o exemplo dos tecnopólos, mas é nele que se substanciam seus aspectos mais evidentes.2
Parece não existir, porém, um tipo ideal de cidade no capitalismo contemporâneo,
mas apenas um sistema de cidades no qual se articulam os processos de mundialização
das relações capitalistas. Nesse sistema urbano transnacional, as diferentes metrópoles ocupariam nichos específicos nas hierarquias funcionais nele estabelecidas. Embora
remonte ao início do século XX, o conceito desse sistema mundial de cidades voltou a
ganhar fôlego nos anos 1980, a partir de um artigo de John Friedman e Goertz Wolff, em
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Wagner Iglecias
que os autores procuravam relacionar a emergência de novos processos de urbanização
em grandes metrópoles do mundo a forças econômicas globais.3 A bibliografia sobre
as cidades globais ou mundiais é extensa e bastante heterogênea, incluindo desde os
entusiastas da idéia de que as grandes metrópoles mundiais se inserem, de modo crescentemente competitivo, numa seara global pautada pela luta por investimentos privados,
até os que acreditam que, se de fato constitui-se como categoria analítica, o conceito de
"cidade global" ou "cidade mundial" aplica-se a um reduzidíssimo conjunto de metrópoles, as quais efetivamente concentrariam as funções de comando e controle da economia
contemporânea. Autores seminais na questão das "cidades globais", como John Friedman
e Saskia Sassen, sustentam que tais metrópoles articulam espaços regionais, nacionais
e internacionais na economia mundial, sendo que entre aquelas que articulam espaços
internacionais existem as mais notabilizadas, responsáveis pelas funções de controle e
comando das articulações financeiras mundiais. Nesse seleto grupo estariam Nova York,
Londres e Tóquio (Friedman, 1995; Sassen, s/d, 1998).
Embora seja arriscada a comparação entre cidades tão distintas quanto Tóquio,
Londres e Nova York ou São Paulo, Seul e México, que têm se constituído como alguns
dos pólos desse sistema urbano mundializado, pois pode-se tomar por semelhantes realidades muito diversas, cumpre notar que há uma série de características econômicas,
sociais, culturais e políticas comuns que são cada vez mais perceptíveis em todas essas aglomerações urbanas.4 As diversas metrópoles que fazem parte do sistema urbano
mundializado têm deixado de ser centros industriais e têm tido parte de sua economia
urbana transformada pelo desempenho de novos papéis, sobretudo os relacionados às
funções de comando e controle dos processos de valorização do capital que se difundem territorialmente pelo mundo. Elas são, na sua maioria, cidades "pós-fordistas", com
o predomínio do setor de serviços e o emprego de recursos tecnológicos avançados em
grande parte dos processos produtivos; sediam o capital global ou suas filiais espalhadas
pelo mundo, com destaque para os grandes conglomerados financeiros mundiais, as administrações das corporações transnacionais, e todos os serviços altamente qualificados
a eles associados (também chamados de setor quaternário), como os grandes escritórios
de auditoria e consultoria empresarial, as grandes seguradoras, os fundos de pensão, as
bancas de advocacia, as agências de publicidade, os centros de pesquisa universitária,
etc. Nessas metrópoles concentram-se também as sedes das corporações dos setores
de mídia, informática e telecomunicações, responsáveis pela profusão de produtos como notícias, cultura, tecnologias, estilos de vida, etc. Maiores centros econômicos de
seus respectivos países ou regiões, são, em geral, os seus maiores centros financeiros,
comerciais e turísticos. Constituem os maiores mercados consumidores e as maiores
áreas metropolitanas de seus países. São destinos de fluxos de emigração e imigração
e concentram os mais importantes portos e aeroportos de seus países (Fainstein, 1992;
Benko, 1994).
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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As forças econômicas globais incidem, não apenas sobre a funcionalidade econômica dessas cidades, mas também sobre suas estruturas socioespaciais. Essas metrópoles têm sofrido fortes processos de desindustrialização, com o abandono de áreas
geográficas inteiras, que não conseguiram superar o paradigma de produção anterior
(fordismo, economia de escala, linha de produção contínua e pouco flexível, etc.). Por
conta disso, enfrentam o desemprego estrutural, devido tanto às inovações dos processos produtivos quanto à baixa qualificação de grande parte de seus contingentes de
mão-de-obra urbana. Essa dinâmica tem conduzido à informalização e à precarização das
relações de trabalho, com a proliferação de atividades desenvolvidas à margem da economia formal, bem como à deterioração urbana de modo geral, expressa na decadência
dos padrões de qualidade de vida, no aumento da criminalidade violenta, na degradação
ambiental, etc. Territorialmente, os impactos das transformações nos principais mercados
de trabalho dessas grandes cidades referem-se à polarização socioespacial urbana, com
a formação de espaços urbanos extremamente diferenciados e segmentados, como enclaves fortificados, guetos, centros empresariais sofisticados, shoppings centers, etc. No
entanto, a transformação das funções econômicas dessas cidades parece não conduzir,
necessariamente, como afirmam alguns autores, à dualização do mercado de trabalho urbano e, tampouco, a seus reflexos na totalidade da espacialidade urbana.5 A importância
e a diversidade econômicas dessas metrópoles e o desempenho das novas funções relativas às conexões com os fluxos globais do capital podem dar origem a uma vasta gama
de atividades intermediárias, tanto salarial quanto funcionalmente. O que caracteriza as
grandes metrópoles na atualidade é a visibilidade de um extraordinário contraste social
por circunstância da proximidade espacial da extrema riqueza e da pobreza extrema, aparente em determinados bairros ou regiões da cidade, e não obrigatoriamente em todo o
espaço urbano.
Nas cidades conectadas aos fluxos globais de capital têm convivido num mesmo território, no entanto, dois circuitos econômicos crescentemente apartados. Ao mesmo tempo em que a casta de funcionários envolvidos na gestão do capital transnacional
se mundializa, por meio da interligação cotidiana com seus pares alocados em outras
regiões do mundo, desenvolve-se nessas metrópoles um lumpenproletariado praticamente descartado da economia formal, também denominado underclass, lumpentrash,
etc., reduzido à realidade local e altamente fragmentado, tanto por conta da feroz disputa pelos parcos recursos disponíveis às parcelas urbanas mais pauperizadas, como
por clivagens variadas, como as relativas a etnia, religião, localização geográfica no meio
urbano, etc.6 A reestruturação econômica e a mudança social das grandes cidades resultam na criação de uma massa de indivíduos pobres progressivamente isolados, cujas
chances de avançar em termos de mobilidade econômica e social são muito pequenas.
As mudanças estimuladas pela reestruturação econômica mundial têm feito com que as
agências governamentais municipais desenvolvam estratégias para tornar suas cidades
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Wagner Iglecias
competitivas em termos de atração de investimentos privados. Os segmentos sociais menos favorecidos são vitimados tanto pelo desaparecimento dos postos de trabalho quanto pelas inversões de prioridades nas intervenções públicas, crescentemente voltadas à
viabilização de atividades corporativas. O caso de São Paulo é modelar nesse sentido,
conforme veremos.
Os dois modos de construção da cidade
O tema do crescimento vertiginoso e desigual da metrópole de São Paulo no decorrer do século XX já é relativamente conhecido. Existe uma significativa literatura referente a ele, desenvolvida principalmente por cientistas sociais e urbanistas paulistas. Em
geral, as pesquisas e reflexões sobre o tema apontam para um modelo de crescimento
que se deu de modo discriminatório, por parte do poder público, em relação aos diversos contingentes socioeconômicos da metrópole (Singer, 1975; Santos, 1990; Maricato,
1996). Algumas pesquisas apontam questões mais específicas, como a da habitação,
e mostram como desde as primeiras décadas da industrialização paulista a questão da
moradia foi bastante problemática para as classes trabalhadoras, obrigando-as a desenvolver estratégias que resultaram em encortiçamento, favelização e autoconstrução de
casas em loteamentos periféricos (Bonduki, 1994). Outros estudos demonstram as estratégias desenvolvidas pelas elites paulistanas para se isolarem das camadas populares,
criando espaços sociais diferenciados e exclusivos na metrópole, bem como o abandono
recorrente desses espaços e sua ressignificação por parte das classes populares (Rolnik,
1994; Frúgoli, 1998).
A polarização entre as "terras altas", nos bairros de Campos Elíseos, Higienópolis
e Avenida Paulista, e as "terras baixas", nos bairros do Brás, Bom Retiro e Barra Funda,
que opunha industriais e barões do café a operários, no início do século XX, atravessou
as décadas e reproduziu-se em outros territórios da capital paulista. Ao lado de uma ideologia reacionária, que substituiu a mentalidade higienista da elite paulistana do início do
século pela especulação imobiliária pura e simples sobre terrenos ocupados pela população de baixa renda, historicamente, estiveram o desejo de auto-isolamento dos mais ricos
e a tendência de concentração, num mesmo espaço urbano, das atividades de gestão
do grande capital e a moradia das camadas mais abastadas da população. É por conta
dessa conjunção de fatores que a história da urbanização da cidade de São Paulo é a
história da periferização da pobreza e da criação e do abandono de centralidades.
A periferização da cidade, que é responsável pelas medidas grandiosas que caracterizam São Paulo e sua região metropolitana, deu-se em todas as direções geográficas,
em especial nos quadrantes sul e leste. A criação de novas centralidades, porém, há
décadas obedece a um percurso que parte do centro histórico da cidade em direção ao
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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quadrante sudoeste – enquanto nos primeiros tempos da industrialização paulistana a
Praça da Sé e seu entorno concentravam as atividades políticas, sociais e econômicas
desenvolvidas pelas elites. Com o correr das décadas, no entanto, o centro histórico teve
suas funções econômicas redefinidas, e a Avenida Paulista e seus arredores consolidaram sua hegemonia como bolsão residencial dos setores sociais mais elevados e como
centro de serviços sofisticados, passando a sediar empresas do setor terciário, como os
grandes bancos paulistas.
Durante os anos 1960, um boom imobiliário consolidou a tendência paulista na de
concentrar numa mesma região da cidade a moradia da elite econômica e as atividades
de ponta do capital. A expansão do bairro dos Jardins, iniciada ainda nas primeiras décadas do século XX, atingiu naquele período a margem do Rio Pinheiros e uniu-se ao então
ainda pouco habitado bairro do Morumbi. A Avenida Brigadeiro Faria Lima, que corta a região, foi alçada à condição de vetor dessa nova expansão do centro em direção à região
sudoeste da cidade. A extensão imaginária da Faria Lima, composta pelo traçado ligando
a imensa área entre os bairros de Itaim e de Santo Amaro, paralela ao Rio Pinheiros,
começava, a partir de então, a ser objeto de um novo movimento de especulação imobiliária e valorização urbana. Centenas de terrenos, muitos ainda vazios ou ocupados por
galpões industriais e residências de classe média, foram adquiridos por grandes agentes
imobiliários e estocados, numa estratégia de valorização a longo prazo. Poucas plantas
fabris foram instaladas na região a partir de então, e todas as apostas do mercado imobiliário apontavam para o crescimento das atividades de serviços em direção ao bairro de
Santo Amaro.
Santo Amaro, aliás, desde os anos 1950 já se notabilizava como a principal região
fabril da cidade. O antigo município de vocação agrícola, situado ao sul da capital paulista, transformar-se-ia, a partir dos anos 1960, numa região vastamente povoada, principalmente pelas camadas populares, formadas por milhares de trabalhadores migrantes
que afluíam para a metrópole atraídos pelo emprego industrial ou pelas atividades de
suporte a ele. Acompanhando o Rio Pinheiros e a antiga linha da ferrovia Sorocabana,
estabeleceu-se ali o principal pólo da grande indústria no município de São Paulo. Os
trabalhadores empregados nas fábricas ocuparam, ao longo do tempo, as regiões menos
valorizadas, nos barrancos entre as represas (enfrentando uma legislação de proteção
dos mananciais que impediria a ocupação dessas áreas) e, ao lado oeste do Pinheiros,
adensando a ocupação de distritos como Campo Limpo e Capela do Socorro, e ao longo
das estradas do M'Boi Mirim e Itapecerica. A chegada dessa população operária transfigurou completamente o antigo bairro de Santo Amaro, sendo a expressão mais visível
disso o Largo Treze de Maio, espaço central de toda a região. Ele se tornou, não apenas
ponto regional de conexão dos transportes, mas centro de comércio e convivência onde
ressaltam os traços de uma cultura nordestina transplantada (Sader, 1988).
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 9-41, 2º sem. 2001
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Wagner Iglecias
Cenesp e Berrini: marcos históricos e geográficos
O traçado entre a Avenida Brigadeiro Faria Lima e o bairro de Santo Amaro experimentou, entre as décadas de 1970 e 1990, tanto uma brutal valorização imobiliária
quanto uma modificação significativa de sua vocação econômica e de sua paisagem arquitetônica. A região já possuía uma série de equipamentos urbanos, construídos pelo
poder público, que constituíam seu potencial como futura extensão territorial das atividades de gestão do grande capital. Entre eles destacam-se as marginais do Rio Pinheiros e
o Aeroporto de Congonhas, bem como uma diversificada malha viária que desde o início
do século servia de interligação entre o bairro de Santo Amaro e o centro da cidade.7
No espaço de 20 anos formou-se o maior distrito corporativo do país. O recorte
urbano aqui denominado "Vetor Sudoeste" refere-se à extensão da Avenida das Nações
Unidas, também conhecida como Marginal Pinheiros, compreendida no trecho de 5 quilômetros entre a Avenida dos Bandeirantes e a Ponte Transamérica, na zona sudoeste
da cidade de São Paulo. Nesse trecho, outrora caracterizado pela presença de plantas
e galpões industriais, bairros residenciais de classe média e terrenos baldios, à margem
direita, e por favelas e bairros de classe média baixa, à margem esquerda do Rio Pinheiros, está se formando, desde o início dos anos 1990, a região terciária mais dinâmica da
América Latina. Na margem direita do rio têm sido construídos os maiores, mais caros e
mais avançados empreendimentos imobiliários do país, nos quais têm se instalado corporações brasileiras e transnacionais de setores de ponta da economia contemporânea,
bem como hotéis de luxo, centros de consumo sofisticado e infra-estrutura diferenciada
de lazer. Na margem esquerda do rio têm se consolidado os bairros habitados por populações de baixa renda.8
Os marcos históricos e territoriais do vetor sudoeste são o Centro Empresarial
São Paulo, fundado em 1977, e a Avenida Eng. Luiz Carlos Berrini, construída sobre uma
região de várzea, por conta dos empreendimentos imobiliários ali realizados pela construtora e incorporadora Bratke e Collet. No Centro Empresarial São Paulo concentram-se
sedes de algumas grandes corporações, e na Berrini existem mais de 40 edifícios pelos quais espalham-se centenas de empresas de suporte às transnacionais que vêm se
instalando em todo o vetor sudoeste. Enquanto a Berrini, situada no bairro do Brooklin,
interliga-se à Avenida dos Bandeirantes e aos bairros do Itaim, Moema e Aeroporto, numa região relativamente próxima ao centro da cidade, o Centro Empresarial São Paulo
localiza-se quase no outro extremo da Marginal Pinheiros, próximo ao centro de Santo
Amaro e ao Jardim São Luís, bairro situado à margem esquerda do rio e porta de entrada
da periferia da zona sul de São Paulo.9
O bairro do Brooklin faz parte do cinturão de regiões intermediárias entre o centro da cidade de São Paulo e o antigo município de Santo Amaro, e começou a ser
urbanizado ainda na década de 1910, quando já havia interligação férrea entre as duas
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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localidades. O Brooklin é, efetivamente, uma região que sofre processos de especulação
e valorização imobiliária desde o início do século XX. O bairro, que até meados dos anos
1970 tinha uso predominantemente residencial e, em menor escala, industrial, tornou-se,
a partir dos anos 1980, o entorno da mais marcante intervenção do capital privado sobre
o traçado urbano da história da cidade de São Paulo. A construção da Berrini, a avenida
que corta o bairro, foi uma invenção da Bratke Collet, numa operação praticamente monopolista (Fujimoto, 1994; Frúgoli, 1988). Já o bairro do Jardim São Luís tem sua origem
no processo de periferização da cidade, compõe-se de áreas até hoje pouco valorizadas
pelo mercado imobiliário e habitadas pelas populações de baixa renda, que nele difundiram o padrão tradicional de moradia popular em São Paulo, com a multiplicação de favelas e a autoconstrução de casas.
Em termos arquitetônicos, o vetor sudoeste tem se destacado de todas as outras
regiões da cidade. Os vários prédios que vêm sendo erguidos na extensão da Marginal
Pinheiros nos últimos anos caracterizam-se pelo estilo "pós-moderno". As torres ali rompem a austeridade da arquitetura modernista, na qual eram valorizadas as formas retas e
funcionais, a parcimônia das cores e, como materiais, o concreto e o vidro. Há um uso
maior de diagonais, volumes que saem do retângulo ou criam incisões nele, de elementos
lúdicos, materiais coloridos, transparências, sacadas e paisagismos. O andar térreo da
maioria das torres possui um saguão com pé direito alto e bastante jardinagem. Trata-se
de uma arquitetura que não se pretende tão racionalista quanto a modernista, dando mais
espaço à subjetividade dos efeitos e ornamentos. No lugar do concreto, experimentam-se
combinações inusitadas entre granito e vidro, diagonais, cilindros longitudinais, alumínio,
reentrâncias, originando uma simetria inusitada das formas dos prédios com a planície
espelhada do Rio Pinheiros e configurando um skyline totalmente novo no horizonte da
cidade e completamente diverso da tradicional imagem da São Paulo cinzenta dos mil
prédios, que tanto caracterizou a metrópole em seu período industrial.10
Não há em todo o território nacional concentração tão expressiva de empreendimentos com padrão de construção e funcionamento tão avançados quanto no vetor sudoeste da capital paulista. As torres de escritórios que estão sendo construídas na região
incorporam também toda sorte de inovações tecnológicas em termos de administração
predial, segurança patrimonial e infra-estrutura de telecomunicações internacionais. Essas torres são popularmente conhecidas como "prédios inteligentes". Possuem área de
laje superior a 1.000 m², sistema de ar-condicionado central (ACC), sistema de termoacumulação, sistema de regulagem automática da iluminação artificial interna aos prédios
de acordo com a luz vinda do ambiente externo, estruturas flexíveis para upgrades de
hardware e de telecomunicações, toda sorte de equipamentos para o estabelecimento de
conexões com qualquer parte do mundo, como redes corporativas de intranet, internet e
salas de videoconferência ligadas por antena via satélite a diversas localidades do mundo, além de avançados sistemas de segurança predial, como detectores de variações
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bruscas da temperatura ambiente e sistemas antiincêndio. As instalações internas são
bastante flexíveis, permitindo modificações de utilização de energia e de layout, providenciais para os upgrades de hardware que se sucedem a cada ano.
Real Parque e Peinha: marcos da fronteira
Enquanto a margem direita do Rio Pinheiros tem se notabilizado por concentrar
as sedes de algumas das mais importantes corporações transnacionais do setor terciário
avançado, na margem esquerda do mesmo rio situam-se duas favelas, Real Parque e Peinha, cuja fundação data dos anos 1960, e cuja localização em frente do novíssimo distrito
de negócios configura uma espacialidade bastante típica das grandes metrópoles mundiais no atual período de expansão capitalista, com uma pronunciada proximidade física
entre realidades socioeconômicas extremamente díspares. São comunidades que foram
poupadas do processo recente de remoção de favelas ocorrido no vetor sudoeste, e,
encravadas nos morros da margem esquerda do Pinheiros, simbolizam toda uma vastidão
periférica que se inicia a partir delas em direção aos quadrantes sul e sudoeste da cidade, onde sucede-se uma multiplicidade de bairros formados pelos ciclos de periferização
da cidade ao longo das últimas décadas, nos quais vivem alguns milhões de indivíduos
desde sempre privados de melhores condições e oportunidades de vida.
As favelas inseriram-se, em certo momento histórico, numa determinada lógica de
expansão imobiliária da cidade e de barateamento, para o capital, dos custos de reprodução da força de trabalho. A maior parte delas, situadas em terrenos públicos e regiões
altamente cobiçadas pela especulação imobiliária, foi ao longo dos anos paulatinamente
arrancada do caminho por onde o grande capital fez a sua marcha em São Paulo. Não
raro o poder público colocou-se ao lado do interesse privado e expulsou com violência
os moradores de inúmeras favelas para as regiões mais periféricas da cidade e até para
outros municípios da região metropolitana.11 Às reformas saneadoras do início do século,
que vi-savam circunscrever e controlar as classes populares e higienizar a cidade através
do combate à disseminação das pestes atribuídas aos mais pobres, sobrepôs-se sem
rodeios o puro e simples interesse econômico do capital imobiliário. Nas últimas décadas, algumas gestões municipais reproduziram a velha imagem associada aos cortiços e
às habitações populares do início do século, pela qual as favelas eram vistas como uma
anomalia do desenvolvimento urbano e um mal a ser extirpado. Por trás dessa formulação ideológica residiam as pressões do capital imobiliário pela desobstrução de regiões
inteiras, a serem redimensionadas, valorizadas e ocupadas por outros estratos sociais e
outras funções urbanas.
Fundada em meados dos anos 1960, a favela da Peinha está assentada sobre terrenos públicos e privados, num morro no Jardim Santo Antônio, emoldurada pela Marginal
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Pinheiros e pela avenida João Dias. Tem como vizinhos o Centro Empresarial São Paulo,
a empresa Origin do Brasil e o terminal de ônibus João Dias. Sua população, estimada
em 2,5 mil pessoas divididas em 446 famílias, mora em sua grande maioria em casas de
alvenaria construídas no sistema de autoconstrução (85%), sendo que o restante possui
barracos de madeira em áreas de risco de desabamento. A maior parte dos moradores é
procedente de Minas Gerais, havendo uma pequena vertente nordestina, proveniente das
zonas rurais de Pernambuco, Alagoas e Bahia. A grande maioria dos descendentes desses migrantes já é nascida em São Paulo. A maior parte de seus moradores tem baixo grau
de escolaridade e desempenha funções de pouca qualificação no mercado de trabalho.
Fundada também em meados dos anos 1960, por trabalhadores migrantes que
vieram a São Paulo para a construção do Estádio do Morumbi, a favela Real Parque está assentada em terreno público sobre um morro do subdistrito de mesmo nome, entre
os bairros do Morumbi e do Brooklin, que são separados pela calha do Rio Pinheiros.
Tem como vizinhos um terreno desocupado, de propriedade da Eletropaulo, e diversos
condomínios residenciais de alto padrão situados no subdistrito vizinho de Paineiras do
Morumbi. Sua população foi estimada, em 1994, em 7,5 mil pessoas. A maior parte de
seus habitantes também mora em casas de alvenaria construídas no sistema de autoconstrução, embora ainda existam diversos barracos construídos com material precário,
como madeira e papelão, e grande parte das moradias esteja situada em área de risco
de desabamento. A maior parte dos moradores é formada por migrantes mineiros e nordestinos e seus descendentes, a maioria já nascida em São Paulo. O nível educacional e
o padrão de qualificação profissional de seus moradores são bastante semelhantes aos
dos moradores da favela da Peinha.
O vetor sudoeste, pelos seus atores
O que o senhor vai querer perguntar para um
homem pobre, analfabeto e feio como eu?
Sr. Valdomiro, morador da Favela Real Parque
Vivemos na era do capitalismo mundializado, de predominância financeira e transnacional, na qual centenas de milhares de executivos ao redor do mundo são por ele
responsáveis. Através de seu trabalho cotidiano tem sido feito isso que se chama, genericamente, de globalização. Na cidade de São Paulo, a maior concentração desses profissionais está ocorrendo na região Sudoeste.
Trabalhadores de alta qualificação, os gestores ou executivos das corporações
transnacionais lidam com uma rotina de trabalho dominada por fluxos imateriais de capital. Estão envolvidos em atividades tão diversas como finanças, desenvolvimento de
software, auditoria e consultoria empresarial, negócios jurídicos, mídia, publicidade,
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engenharia, arquitetura, administração da produção, etc. Lidam com bens e serviços de
produção e circulação mundial. Têm à sua disposição vasta gama de informações, variáveis e condicionantes para que realizem tomadas de decisões. Destacam-se aqueles que
fazem uso dessas ferramentas com mais inteligência e criatividade. Ao contrário das antigas chefias dos primórdios da industrialização ou dos funcionários de colarinho branco,
cuja função era controlar o processo de trabalho, nos dias de hoje os trabalhadores envolvidos na alta gestão das transnacionais movimentam a dinâmica de produção do valor
pela utilização ótima dos recursos informacionais e intelectuais que têm à disposição. É
de se supor que, para tanto, possuam habilidades para compreender e apreender novos
conceitos e adaptar-se a novas situações, e que estejam, por essa razão, localizando-se
no topo da pirâmide salarial.
O perfil educacional e socioeconômico que está se formando no interior das corporações presentes no vetor sudoeste e nas atividades de suporte a elas é significativamente diverso da média do restante da metrópole. O nível educacional dos funcionários
nelas empregados é bastante elevado, se comparado ao mercado de trabalho paulistano
e brasileiro.12
O nível educacional dos nossos funcionários está dentro de uma média comparada às outras empresas de tecnologia. Mas no caso da Oracle, eu acho
que 90 a 95% das pessoas são graduadas; o nível é muito alto nesse aspecto,
porque a operação precisa de pessoas com esse perfil. Existe também um
número muito grande de pessoas pós-graduadas. Em todas as funções gerenciais para cima nem entra se não tiver graduação. Isso é pré-requisito. (Érica
Ramos, gerente de Comunicações da Oracle)
Outra característica marcante do perfil educacional dos funcionários das corporações transnacionais que se instalam no vetor sudoeste da cidade é o conhecimento avançado de, pelo menos, uma língua estrangeira, preferencialmente a inglesa, considerada
ferramenta corriqueira para as rotinas de trabalho.
O funcionário do ABN é jovem, de 20 a 29 anos, 90% é graduado, alguns são
pós-graduados. Aqui na Matriz, como são pessoas com cargos mais elevados,
isso muda um pouco o perfil socioeconômico, que é mais alto. Pelo fato de o
banco ser internacional, a maioria das pessoas que trabalham aqui tem pelo
menos mais um idioma, que é o inglês, e em alguns casos, é desejável o espanhol. Isso muda muito o perfil das pessoas que trabalham aqui, pois quando
você vai selecionar o funcionário você leva em conta os idiomas (...) nem todos
aqui, desde o boy até o presidente do banco, estão nesse nível. Mas pelo fato
de termos mais cargos gerenciais do que operacionais aqui, o nível é mais elevado. E com relação ao perfil dos trabalhadores da região, talvez seja possível
afirmar que haja semelhanças, pois não há fábricas nos arredores, e a vocação
das empresas aqui é praticamente a mesma. (Ruth Sampaio, gerente de Recursos Humanos do ABN Amro Bank)
Os níveis de remuneração desses trabalhadores e seus efeitos em termos de poder aquisitivo são proporcionais, tanto às responsabilidades que acumulam na gestão de
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grandes operações quanto à exigência crescente que as empresas têm feito em termos
de qualificação.
Eu diria que também noventa e tantos por cento das pessoas têm carro, têm
apartamento, têm telefone. Se alguém fizesse uma pesquisa de poder aquisitivo, desse tipo de coisa, de aquisição de bens materiais, eu acho que a média
seria muito elevada. Todo mundo faz viagem internacional, todo mundo fala
uma segunda língua. O nível é muito alto. (Érica Ramos, gerente de Comunicações da Oracle)
Nós temos um salário médio da ordem de 4.500 dólares mensais; eu diria que
é um perfil acima da média, tanto para o mercado bancário quanto para o mercado em geral. (Carlos Alberto Miranda, Vice-Presidente do Chase Manhattan
Bank)
Desenvolve-se entre os funcionários das empresas da região Sudoeste uma identidade corporativa, que não apenas atravessa as distinções nacionais e culturais, mas
parece inclusive ser mais forte do que elas.
O funcionário nosso tem acesso às tecnologias de ponta no que diz respeito
à informática, que são suportes, ferramentas, e no que diz respeito a produtos
e serviços internacionais, Nós comercializamos produtos e serviços internacionais Todos nós temos acesso a isso, ou por estarmos trabalhando com esses
produtos e serviços, ou através de treinamentos específicos sobre determinados produtos que estão disponíveis. Nós temos um sistema de e-mail que nós
falamos com o mundo inteiro em real time. Todo mundo que é Chase people,
Chase mundo, a gente fala. (Carlos Alberto Miranda, vice-presidente do Chase
Manhattan Bank)
As rotinas cotidianas de trabalho nos escritórios são concebidas a partir da operação global das corporações, a qual pressupõe um intenso contato entre profissionais
oriundos dos mais diversos países, conforme mostram os depoimentos abaixo.
Eu mais uma vez acho que as empresas de tecnologia têm muito desse perfil,
mas mais uma vez a Oracle também se destaca nisso. Gerência para cima,
todo mundo faz pelo menos uma viagem a trabalho por ano. É essa coisa da
integração, da interação com a operação mundial. A Oracle teve um processo
forte de globalização há três ou quatro anos atrás. Hoje, se você trabalha na
área de suporte técnico e tem uma reunião da área de suporte técnico em
Orlando, ou em San Francisco, ou onde quer que seja, se você tem aqui uma
função específica que requer que você vá para lá, você vai com muita facilidade. Então, viagens internacionais para reuniões, para encontros, para eventos,
isso é muito comum. A gente tem todo tipo de conexão, de comunicação para
fora, através de internet, intranet, linha especial, linha dedicada, conexões de
todo tipo, videoconferência, a gente tem equipamento para conference call, a
gente tem todos os recursos para se comunicar com o mundo (...) para nós é
muito simples. E não podia ser diferente, a Oracle é uma empresa de tecnologia. (Érica Ramos, gerente de Comunicações da Grade)
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Temos um ambiente de trabalho moderno, fortemente informatizado, ligado
em rede, nacional e internacionalmente. O contato com o mundo, viagens e
contatos com estrangeiros são freqüentes. Há muito intercâmbio eletrônico de
informações com as demais Andersens do mundo. (Mark Nielsen, diretor de
Recursos Humanos da Andersen Consulting)
Temos aqui na região um escritório do banco para a América Latina e o Caribe. As pessoas que trabalham lá ficam muito mais fora do país do que aqui. E
ali circulam muitas pessoas de vários países todos os dias. Os contatos com o
exterior são diários, daí o porquê da necessidade da língua. O contato é intenso, e o banco não sobreviveria sem ele. (Ruth Sampaio, gerente de Recursos
Humanos do ABN Amro Bank)
Embora haja, cotidianamente, um contato tão pronunciado com pessoas originárias de várias regiões do mundo, cuja circulação na região Sudoeste da cidade de São
Paulo é cada vez maior, parece ser pouco comum aos profissionais que ali trabalham uma
aproximação com outros grupos sociais que lhes sejam geograficamente próximos. O
diálogo com a executiva da Oracle deixa transparecer o gradual distanciamento que está
ocorrendo entre os setores do mercado de trabalho alocados nas grandes corporações
e o restante da cidade, e em especial com os demais contingentes presentes na sua
porção Sudoeste.
Pergunta: Tem uma vida pública na rua, as pessoas usam o passeio público ou
ficam no escritório o tempo todo? As pessoas andam na rua, interagem, vêem
pessoas de outros níveis?
Resposta: Acho que pouco. Acho que aqui lembra um pouco o jeitão americano mesmo: grandes empresas, com grandes pátios de estacionamento, as
pessoas entram e passam os seus dias inteiros aqui. Eu diria que você gasta
alguns minutos indo almoçar, nada mais que isso. Não é como uma avenida
Paulista, onde se tem um ambiente externo grande, diversificado (...) aqui não.
Mas quando você anda, é um perfil muito alto. Todo mundo tem o mesmo
perfil. É outro universo. Eu até como estou aqui há muito tempo, eu estranho,
você tem que andar em outro lugar, como na Paulista, eu me sinto totalmente
desconfortável. Porque aqui é um perfil único mesmo.
Carlos Alberto Miranda, vice-presidente do Chase, dá a mesma pista: "Sim, tem
um pouco isso de sair na rua, mas é uma coisa pequena. O cara anda 150, 200 metros,
e volta".
Há problemas infra-estruturais na região que, se não impedem, dificultam em muito
o uso do passeio público pelos executivos que ali trabalham. Não houve, ao longo do
tempo, a criação de uma infra-estrutura urbana minimamente agradável para um uso da
via pública que não o dos automóveis. "A praça, enquanto lugar público em que se enfrentam formas de sociabilidade antagônicas, é o cenário da exorcização das diferenças
sociais por meio do sentimento comunitário, portanto, palco privilegiado para a exibição
dos conflitos e seu enfrentamento através da palavra, dos gestos e posturas corporais.
Ao esvaziamento da praça corresponderá um silêncio das vozes" (Andrade, 1997).
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Existe um pouco de trotoir, mas é pouco, porque o espaço é completamente
inadequado para isso. As calçadas e as ruas não foram projetadas para esse
tipo de coisa. As poucas praças que existem por aqui são anteriores ao desenvolvimento da região e não foram pensadas para essa função. As ruas não
têm tamanho para comportar o número de carros que afluem para a região e o
caos no trânsito é enorme aqui. (João Marcelo R Saraiva, consultor da Watson
Wyatt)
Além das dificuldades práticas para o uso do espaço público, aflora nos depoimentos dos executivos a questão da criminalidade, permeada pela visão que associa espaço público e violência.
Esta é uma região relativamente tranqüila. Aqui é curioso que você não tem talvez aquele movimento típico da avenida Paulista, os pequenos roubos, os assaltos, porque lá é um número muito maior de pessoas, porque o perfil é mais
diversificado (...) mas aqui você tem grandes roubos, grandes assaltos em que
matam pessoas na porta do Carrefour ou assaltos a banco ali na esquina, em
que matam dois vigias no carro forte. Você tem um outro tipo de violência. Não
é aquela violência típica do roubo da carteira, mas são coisas mais pesadas.
Aqui a gente fica sabendo de grandes coisas. É engraçado, aqui, quando a
gente fica sabendo, são grandes assaltos, ação de quadrilhas. Eu acho que
até em função do perfil que tem nessa região. O perfil de assalto é outro. Eu já
presenciei vários. Vêm helicópteros. A questão da segurança aqui não vai para
o cidadão comum, mas para a própria segurança das empresas. (Érica Ramos,
gerente de Comunicações da Oracle)
Na região podem haver eventuais arrombamentos de carros. O que dá medo
aqui é que à noite as ruas são extremamente escuras, o bairro é muito deserto, todos os pontos comerciais fecham após as 18h00. Mas o bairro, durante
período diurno, é bem mais tranqüilo do que o Centro ou a Paulista. (Ruth
Sampaio, gerente de Recursos Humanos do ABN Anuo Bank)
A questão do aumento da criminalidade violenta na região é vista, no entanto, como uma questão de tempo. Circundados por uma realidade social na qual a violência adquire características quase epidêmicas, a tendência é que os funcionários corporativos,
tomados por uma sensação de que estão sendo sitiados pelo ambiente externo, fechemse cada vez mais em suas torres de escritórios.
Aqui é um lugar tranqüilo. Aqui é bem mais seguro do que a Paulista. Agora,
se você sobe mais 1.000 metros e esbarra na avenida Santo Amaro, você passa a ter todos esses tipos de problemas. O corredor de trânsito e o fluxo de
pessoas aqui ainda não suscitou esse tipo de violência, mas eu acredito que
isso vai ser uma questão de tempo. A região vai passar a ser alvo deste tipo de
ocorrência, naturalmente. A violência é gerada por um desnível econômico e
social muito forte. Essas pessoas que estão fazendo a violência estão tentando sobreviver de alguma forma, ganhar o dinheiro delas de alguma forma, e na
hora que a coisa começa a ficar mais difícil de se fazer isso lá na Paulista ou
na avenida Santo Amaro, eles vão ver o que é mais fácil. Mas vai ser na rua isso, não dentro do prédio, vai ser no passeio público. (Carlos Alberto Miranda,
vice-presidente do Chase Manhattan Bank)
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Enquanto em alguns depoimentos se reconhece a desigualdade social e econômica acentuada que caracteriza a realidade brasileira, outras falas parecem reduzir toda a
questão da proximidade física de contingentes tão díspares entre si a uma questão praticamente naturalizada, a qual pode ser evitada com o reforço dos aparatos de segurança.
Não vemos nenhum problema. Nós nunca tivemos nenhum problema aqui. Temos uma equipe e um sistema de segurança muito eficazes. Essa é uma questão social, com a qual temos de conviver. Essa realidade não nos prejudica
de forma alguma. (Gabriela Andrade, gerente de Marketing do World Trade
Center)
Atravessa também os depoimentos dos funcionários corporativos certa desesperança em relação à mudança desse estado de coisas, dessa disparidade aguda que é
vista e reconhecida, ainda que a experiência cotidiana dessas pessoas esteja cada vez
mais influenciada pelas condicionantes globais. As falas dos executivos das transnacionais não exprimem propriamente um desprezo em relação aos mais pobres que moram
nas favelas ao alcance de seus olhos através das janelas dos escritórios em que trabalham. Numa cidade como São Paulo não se pode deixar de perceber a pobreza. Mas as
falas denotam certa descrença em relação à solução do problema, à superação de uma
característica tão forte da nossa conformação social. Talvez denotem simplesmente indiferença. Como afirma Milton Santos (2000), os fragmentos resultantes do processo de
mundialização articulam-se segundo lógicas duplamente estranhas: por sua sede longínqua, distante do espaço da ação, e pela sua inconformidade com o sentido preexistente
da vida na área em que se instala, produzindo uma verdadeira alienação territorial. O
executivo da Birmann utiliza a metáfora do conquistador inglês na Índia, imortalizada em
filmes clássicos, para fazer referência, não propriamente à pretensa e discutível missão civilizatória dos colonizadores britânicos no Oriente, mas para aludir à extrema disparidade
de condições socioeconômicas entre uma elite reduzida e a pobreza por todos os lados,
tão visível nas telas de cinema quanto nas ruas de São Paulo.
Nós que vivemos em São Paulo vivemos dessa maneira. Nós somos mais ou
menos como o conquistador inglês que vivia na Índia. Esse é o nosso presente. E não há nada que diga que essa situação vá mudar no futuro. Isso deve se
aprofundar. Há um mecanismo que traz esse pessoal mais pobre para um nível
de consumo mais aceitável. Mas a dinâmica contrária é muito maior. Não há
nada nos três níveis de governo ou da iniciativa privada, em termos de iniciativas, que aponte para a mudança dessa situação. (Ricardo Pinheiro, diretor de
Projetos da Birmann)
Diante do insulamento dos funcionários corporativos nas torres de escritórios e
do aumento da criminalidade violenta que é atribuída à proximidade espacial de populações tão distintas em termos socioeconômicos, especula-se que o capital possa, uma vez
mais, reproduzir seu padrão de crescimento territorial na cidade e, eventualmente, expulsar para regiões longínquas as populações pobres que ainda habitam as proximidades
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das sedes das corporações. Talvez possa, mais do que expulsar, talvez possa mandar
essas populações para "mais longe".
Eu tenho medo de que essas pessoas excluídas sejam ainda expulsas para
lugares mais longínquos. Veja o exemplo da Águas Espraiadas. Tiveram poder
de tirar aquelas pessoas de lá e tiraram. Não acho que os pobres possam
ter poder de invadir nossa região, mas que nós tenhamos poder de invadir,
crescer e jogar essas populações ainda mais para longe. E eu não sei onde
é esse mais longe. (Ruth Sampaio, gerente de Recursos Humanos do ABN
Amro Bank)
Do receio à indiferença, e da indiferença à barbárie pode ser um passo. Como bem
diz Viviane Forrester em O horror econômico (997), "já não ignoramos, não podemos ignorar que ao horror nada é impossível, que não há limites para as decisões humanas. Da
exploração à exclusão, da exclusão à eliminação ou até mesmo a algumas inéditas explorações desastrosas, será que essa seqüência é impensável?" Talvez aí resida o caráter
de funcionalidade da tragédia humana que tem atingido tão fortemente a outra margem
do rio.13
Você está vendo como os jovens estão se acabando? Sempre, sempre nós vai
em velório. Velório de pessoas amigas que moram por aqui. A gente que ainda
não morreu ainda vai no velório dos outros. Eu não sei se você pensa como eu
penso ou se você vê o que eu vejo, mas faz dó, rapaz. A gente vai no velório de
alguém, no enterro de alguém, de cada vinte pessoas que são sepultadas por
dia, de cada vinte, quinze é jovem. E isso é todos os dias, uma rotina, todos os
dias. (Valdomiro Lima da Silva, morador da Favela Real Parque)
Valdomiro, assim como inúmeros outros moradores das favelas Real Parque e Peinha, é um migrante que se instalou em São Paulo entre fins dos anos 1960 e início dos
1970. Traz em sua fala um gosto amargo, que muitas vezes não é corroborado por outros
indivíduos que vieram para a metrópole na mesma situação que ele.
Eu sou, como diz, muito feliz em São Paulo. Mas também tenho muitas guerras que eu já passei. São Paulo é um lugar muito bom, lugar de pessoa que
sabendo levar a vida, ela vive. Mas sobre a violência, também é demais. A
gente pensa que tem justiça, mas não tem justiça. (...) Tem violência, você
vê aí, essa mortandade. Eu mesma perdi um filho, meu filho não era bandido,
nem marginal, menino trabalhador, menino honesto. Morreu com 25 anos, não
teve nenhuma sujeira em computador nenhum. Perdi uma filha com 28 anos.
Agora tá fazendo nove meses que mataram um neto meu com 19 anos. Ele era
segurança aqui do prédio. Então eu sou uma pessoa muito revoltada. Mas só
que eu fiz muitos amigos aqui, que me ajudou, como esse meu marido Antônio.
São Paulo foi ótima, graças a Deus. (D. Maria do Socorro Pereira, moradora da
Favela da Peinha)
Na maioria das vezes relegados a uma condição menor pelo poder público, foi na
sociabilidade desenvolvida entre iguais, em relações de ajuda mútua, que as populações
pobres de São Paulo criaram noções de pertencimento no espaço metropolitano e deram
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sentido às suas vidas. Conseguiram trabalho, constituíram família e conquistaram um lugar no mundo.
E foi por esse viés citadino de pertença à vida urbana, mesmo fora da esfera
da participação política, que a população encontrou o caminho para fazer valer
seus interesses pela cidade. Tecendo uma rede de auto-ajuda e formas de
sobrevivência nos poros da cidade, a população excluída fez do que lhe restou
da cidade um mundo de arrimo às suas necessidades, numa referência de suas práticas, onde cabia até mesmo o devaneio, o sonho de uma feliz – cidade,
(Pechman, 1995)
São Paulo toda vida pra mim foi boa. Tem mais vantagem do que a própria minha terra. Porque se a minha terra fosse boa eu tava lá. A minha terra é muito
difícil, muito escassa as coisas. (D. Luíza dos Santos, moradora da Favela Real
Parque)
É importante notar que a experiência de vida em São Paulo foi boa, como diz Luíza,
ou ótima, como quer, apesar de tudo, Maria do Socorro. Mas é colocada no passado. De
fato, para os migrantes, São Paulo foi boa porque na metrópole eles puderam, segundo
sua ótica, experimentar algum grau de mobilidade social, ter acesso a bens e oportunidades com as quais seus antepassados jamais puderam sonhar e, talvez, até mesmo vencer
na vida. Essa noção de realização e êxito guarda relação com o referencial existencial
original. Relativamente à situação social nos locais de nascimento, pode-se dizer que a
longa trajetória que envolveu a viagem até São Paulo, o estabelecimento na cidade mediante obtenção de um lugar para morar e um trabalho de onde tirar o sustento, a identificação com esse trabalho, o aprendizado de novos códigos de conduta, a formação de
relações sociais de ajuda mútua, a constituição de uma família na cidade, o sentimento de
ajudar a construir a cidade, a afetividade daí decorrente resultaram, finalmente, na idéia
de conquista de um lugar no mundo. Mas que se retenha a idéia de que São Paulo foi
boa para as populações que para ela migraram e nela se estabeleceram, conquistando ai
o seu lugar. Será que ainda continuaria a sê-lo?
Quando a gente chegou aqui, tinha muito emprego. Mas de três anos pra cá
São Paulo fracassou. Quando nós viemos pra cá tinha emprego demais da
conta. Só não trabalhava quem não quisesse trabalhar. Vinham buscar o pessoal em casa pra trabalhar. Agora é que tá desse jeito ai. Nós já vimos o que
passamos na vida nossa. Agora, essa criançada que está aí agora, se Deus
não pôr a mão pra ver, como é que vai ser essa criançada, essa rapaziada nova, como é que vai ser? Não pode comer porque não tem serviço mais? Não
pode ninguém trabalhar, então? (Sr. Antônio, morador da Favela da Peinha)
Parece estar em vias de extinção a civilização do trabalho, fundada nas relações
contratuais decorrentes de décadas de luta das classes trabalhadoras em todo o mundo,
cuja maior característica era o potencial para integrar milhões de indivíduos.
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Olha, pensando bem, eu não sei nem como analisar. Eu não sei nem o que
falar. Eu não sei nem entender como a maioria do povo vive. Tem pessoas aqui
que é trabalhador mesmo. Mulheres e homens, são trabalhador mesmo. Mas
não tem aonde trabalhar, não consegue trabalhar. E tá vivendo. Agora, como,
meu amigo, eu não sei. O campo de serviço, a faixa de emprego, a oportunidade para viver com o suor do próprio rosto, ninguém tá dando pra ninguém.
A gente tá vivendo pela misericórdia de Deus. (Valdomiro, morador da Favela
Real Parque)
Está em curso um processo de alterações profundas na existência material e na
subjetividade dos pobres. Os grupos sociais menos privilegiados são os mais atingidos
pela dinâmica econômica que assola uma metrópole como São Paulo e vivem hoje um sentimento de desilusão diante da distância que se aprofunda entre os anúncios e as possibilidades oferecidas pela cidade. Se a industrialização dos anos 1950 em diante significou,
para milhões de brasileiros, a chance de melhorar de vida através da migração para a metrópole e, bem ou mal, a integração num universo material e simbólico marcado pelas idéias
de crescimento, progresso e oportunidades para todos, os desdobramentos socioeconômicos que se abatem sobre a maior cidade do país só podem significar, neste momento,
um sentimento de desencanto, de decepção, de traição. Nas palavras de Valdomiro:
No sentido de favorecer a vida do pobre, do trabalhador, a coisa complicou.
Então, quer que eu diga como tá São Paulo agora? Agora? Uma droga. Todo mundo inseguro, meu irmão. Vive todo mundo inseguro. Agora não tem
mais em quem acreditar. Não se sabe se acredita em governo (...) os governos
atuais, prefeitos atuais, até mesmo na polícia. Como acreditar? Não tem mais
como acreditar. Então para mim está uma droga. Piorou. Recursos? Recursos para o pobre viver aqui? Aqui no sul do país, na grande cidade brasileira,
tem mais pobre do que nas cidades mais pobres do Nordeste. No Nordeste
o cara ganha dois reais por dia, três reais, mas sobrevive. Aqui, às vezes, o
cara consegue ganhar vinte reais, mas ele é obrigado a gastar trinta com as
explorações, de farmácia, de mercado, tudo. Aqui se paga pra tudo. Então não
tem como. Não se vê o lado dos pobres. Muitos nordestinos, muitos da gente
está aqui de teimoso, porque não pode voltar para as suas terras. Desfez o
que tinha lá, confiando em São Paulo, confiando no sul do país, confiando nos
governos de São Paulo, deixando o que linha lá (...) ali às vezes os mais ricos
tomaram dos mais pobres o que eles tinham lá. Veio parar aqui, o pobre veio
parar aqui. Agora tá lascado, porque agora nem aqui, nem lá. (Valdomiro, morador da Favela Real Parque)
Após anos enfrentando as dificuldades de integração a uma realidade completamente nova, pela qual tiveram de deixar para trás boa parte das referências que balizavam
suas condutas, adquirir novas habilidades e tecer novas relações para incorporar-se à vida
metropolitana, os mais pobres, em especial os migrantes, sofrem as conseqüências do
desmanche da principal medida de formação de uma teia de relações sociais e um sentido
de integração à sociedade em sentido amplo: o desmanche do trabalho. O desemprego
que se abate sobre os contingentes de migrantes que há décadas mudaram-se para a
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cidade de São Paulo e nela puderam estabelecer uma existência social relativamente sólida, embora permeada de dificuldades desde sempre, provoca perplexidade entre os indivíduos por ele afetados, pervertendo o sentido que davam às suas trajetórias de vida. Em
uma frase, a crise que se instala hoje sobre as populações pauperizadas põe em cheque o
lugar que essas populações ocupam no mundo. Portadores de qualificações profissionais
inadequadas às novas formas de organização do trabalho, esses indivíduos enfrentam,
crescentemente, a crise da noção do lugar que ocupam no mundo. Como afirma Ianni,
é principalmente nas grandes cidades, metrópoles, megalópoles e, freqüentemente, nas cidades globais, que se localiza a subclasse: uma categoria de indivíduos, famílias, membros das mais diversas etnias e migrantes, que se encontram
na condição de desempregados mais ou menos permanentes. (Ianni, 1996)
Desmobilizados politicamente, mesmo vivendo na periferia da zona sul de São
Paulo, uma das regiões mais efervescentes, nos anos de ditadura militar e abertura política, em termos de mobilização política popular, os moradores das favelas Peinha e Real
Parque encontram-se inclusive impossibilitados, por conta da falta de renda oriunda do
desemprego, de transitar pelo espaço urbano mais amplo. É comum nos dias de hoje
encontrar dezenas ou centenas de adultos, em dias úteis ou não, ociosos dentro de seus
barracos. A cidade transforma sua vocação econômica e sua paisagem, e tudo o que os
favelados conseguem exprimir é estranhamento diante do que vêem.
Eu saio pouco daqui. Saio pouco. Mas às vezes eu tenho que resolver umas
coisinhas minhas, lá no centro, e então eu vou. Teve uma época, uns tempos
atrás, eu passei três meses sem ir à cidade. Aí eu peguei um ônibus pra ir lá
no centro e eu fui lá no centro. Nós aqui nós pega essa avenida Santo Amaro
quase toda. Ó, rapaz, faz dó, viu? Porque eu conheci no decorrer dessa avenida Santo Amaro, tanto de um lado como do outro, direita e esquerda, cheio de
lojinhas, fabriquinhas, bares, que há cinco, seis, oito, dez anos atrás, funcionavam bonitinho, todo mundo fazia seus movimentos. Hoje em dia você anda lá,
tá tudo fechado. Fechado. As portas tudo fechadas. Pichadas. A placa "alugase", "'aluga-se", "vende-se". E ninguém se arrisca a alugar nada. É movimento
zero. (Valdomiro, morador da Favela Real Parque)
Como afirma Kevin Lynch, a cidade é o suporte material da memória (1960). Mas
Valdomiro já não consegue reconhecer no espaço construído da cidade a cidade que
conheceu anos atrás. Busca resgatar os signos de um tempo em que a metrópole dava
chance a todos ou a quase todos, através da efervescência das atividades econômicas,
tanto as mais complexas como, e principalmente, as mais simples, as lojinhas e fabriquinhas que funcionavam "direitinho", conferindo vigor e movimento à cidade, abrindo
oportunidades e integrando indivíduos. Ele se utiliza dos fragmentos da lembrança de
outros tempos e tenta ressignificar a realidade urbana, ressaltando a infinidade de placas
de aluguel e venda de imóveis que viu pela avenida Santo Amaro, e arrematando com a
metáfora tão comum a trabalhadores como ele: "é movimento zero".
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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Possivelmente pelo fato de constituírem realidade ainda nova, os prédios da Marginal Pinheiros são vistos, mas talvez não estejam sendo percebidos pelos moradores das
favelas. Não são reconhecidos, não são identificados, não são capturados por elaborações mentais que possam lhes atribuir gama muito variada de significados, pelo menos
até o momento. A única percepção mais consolidada é aquela imediata, que aponta para
a hierarquização do espaço urbano. O diálogo com Valdomiro ilustra a sensação de pouca familiaridade diante da nova cidade que está se construindo bem na frente de sua
janela. Na impossibilidade de fazer uso de referências novas para compreender o que
significa sua nova vizinhança, Valdomiro lança mão da explicação da exploração da força
de trabalho empregada na construção das torres para dar significação ao que vê.
Pergunta: A cidade está mudando muito. Muitas fábricas foram embora, existe muito desemprego, muitos prédios de escritórios estão chegando (...) por
exemplo, aqui na nossa frente há todos esses prédios, o que será que a gente
pode esperar disso?
Resposta: Eu acho que para o pobre, para a classe do médio ao pobre, quanto
mais cresce a cidade, quanto mais se em beleza a cidade, quanto mais pintam
os prédios, é mais miséria pra gente. Mais miséria para o pobre. Porque pra
fazer um prédio desse, eu sei, eu que sou carpinteiro, eu sei o que é a construção civil porque eu sou carpinteiro, eu ajudei a construir muitos prédios
aqui dentro da favela, enfim, que hoje tá ai. Pra fazer um prédio desses, se os
donos quiser, eles faz dentro de um ano, um prédio de vinte, vinte e cinco, trinta andares. A covardia está tanta, a lei está tão fajuta, tem empresário aí que
faz um prédio de trinta andares dentro de um ano com os trabalhadores tudo
clandestinos. Tudo clandestino. Com um ano o prédio está pronto. Ninguém
recebeu direito trabalhista, a miséria do trabalhador continua e os empresários
é quem tá beneficiado. Só.
D. Luíza, por sua vez, vê na construção das torres uma séria ameaça à permanência
das populações de baixa renda nos entornos da Marginal. Talvez a experiência traumática
de ter presenciado a retirada das favelas existentes sobre o leito do córrego Águas Espraiadas, localizadas ao lado do que hoje são o Centro Empresarial Nações Unidas e a
sede da Rede Globo, seja o motivo mais forte a constituir qualquer significação, aos olhos
dela, para a vizinhança opulenta que se instala também diante da janela de sua casa.
Isso tudo aí era terreno vazio e favela. Isso dá um pouco de medo, porque o
pessoal já fica acismado com os prédios, né? Porque o rico pra tirar o pobre é
daqui pra ali. Então eles vai apertando com os prédios, né, e para onde vai os
pobres? (D. Luíza dos Santos, moradora da Favela Real Parque)
Em determinados trechos da Marginal Pinheiros, a imagem de grandes prédios
envidraçados não dialoga com o restante do ambiente construído, como no caso do edifício-sede da Microsoft, localizado numa região ainda pouco verticalizada, ao lado da Ponte
João Dias e de frente para a Favela da Peinha. Há um isolamento concreto entre o prédio
e seu entorno, que provoca um choque visual entre a torre e o restante do que pode ser
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captado pelo ângulo visual. Em outros trechos da avenida, notadamente na Chácara Santo Antônio e na região da Berrini, já bem mais edificadas, as torres se perfilam em número
significativo, constituindo propriamente a imagem de uma outra cidade, encravada dentro
da cidade. As combinações inusitadas entre granito, alumínio e vidro, as formas diagonais, cilíndricas, longitudinais, e as reentrâncias que compõem a estética desses prédios
parecem fazer uma permanente homenagem a si mesmas, demarcar uma ruptura com o
tempo histórico e com o espaço geográfico, ignorar tanto o entorno construído quanto a
dinâmica social exterior e isolar os prédios e seus freqüentadores em si mesmos, através
das paredes de vidro externas, que tão bem refletem o leito do Pinheiros como espelham
quem tenta invadi-las com o olhar.14
Ao contrário da São Paulo dos mil prédios, de um Copan ou de um Itália, por
exemplo, que com suas dimensões generosas pareciam querer dizer para a cidade o
quão capazes éramos de ser a locomotiva do país, a capital do progresso, a cidade que
não podia parar, as novíssimas torres de escritórios do vetor sudoeste parecem querer
demarcar, através da linguagem de suas formas, o quão diferentes são do restante da
cidade. Ao contrário da estética portentosa representada na verticalidade fálica do mar
de prédios, que caracterizava e tanto orgulhava a metrópole nos anos 1960 e 1970, e
que afinal possuía uma função integradora da imagem da cidade, a parede de torres de
escritórios que se forma à margem direita do Pinheiros dá ares de não querer estabelecer diálogo com o restante do espaço urbano. Não tem a pretensão de ser orgulho para
ninguém (a não ser para seus incorporadores, construtores e proprietários, obviamente)
e, tampouco, de se juntar aos milhares. Com efeito, uma única torre, como no caso da
localizada ao lado da Ponte João Dias, já é suficiente para demarcar as distinções em
relação às cercanias.15
Daí talvez a dificuldade, manifestada pelos moradores do outro lado do rio, em
compreender aquilo que se modifica tão rapidamente, bem diante dos seus olhos. A estética que o horizonte da cidade adquire pode ser tão incompreensível quanto as transformações do modo de acumulação que tem se processado nesse mesmo espaço urbano,
nos últimos anos. Para Valdomiro, os prédios significam maior grau de exploração da
mão-de-obra barata, farta como nunca na cidade. Para D. Luíza, podem representar a expulsão física da população pobre da região para locais ignorados, desfazendo suas teias
de sociabilidade e desmantelando seus meios de ganhar a vida. O desenvolvimento recente dos circuitos de valorização do capital na cidade, todavia, pode indicar uma terceira
opção, possivelmente pior do que as manifestadas por Valdomiro e Luíza: a negação do
acesso dessas populações à economia formal e aos direitos da cidadania. Não propriamente o aprofundamento da exploração a que estiveram submetidos durante anos, e que
foi funcional em determinado momento do desenvolvimento econômico da cidade e do
país, e tampouco a expulsão para rincões periféricos, dada a própria lógica da urbanização de favelas levada a cabo em São Paulo desde 1992. Mas, sim, a morte civil desses
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contingentes, desprezados pelo capital e servindo, na avenida de maior circulação da
metrópole, apenas como moldura visual de uma cidade supostamente harmônica.
Expectativas para o futuro
As investidas que o grande capital tem feito, associadas a uma certa concepção
histórica de intervenção do Estado sobre o espaço público, são vistas como as causas
do aprofundamento das diferenças econômicas, materiais e simbólicas entre os vários
estratos sociais presentes na cidade. O acirramento das desigualdades, a explosão da
violência, a queda brutal da qualidade de vida, inclusive para os segmentos sociais mais
elevados, são todos fatores apontados como resultantes da lógica que preside tanto a
dinâmica econômica atual, quanto o modo de se construir a cidade e a própria postura
dos estratos que evitam ou mesmo abandonam a intermediação pública para a resolução
dos conflitos.
Acho que as pessoas ou os poderes que estão construindo esse mundo bem
moderno aqui na frente deixa de lado a vizinhança, de não ter contato, acho que
eles vão sair perdendo. O que mudou em São Paulo é que nem para rico São
Paulo é boje uma cidade mais tranqüila. Antigamente acho que era. Nem segurança vai conseguir manter quando esses mundos ficam tão distantes. Acho
que um dia vai ter conflito. (Rudolf, da Associação Comunitária Monte Azul)
Vejo com pesar o destino que São Paulo está tomando. Se de um lado São
Paulo é uma cidade de diferenças que já abrigou raças e credos diversos, e
por causa disso cresceu e se enriqueceu como metrópole, por essa própria
razão pode estar se acabando. Isto porque acho que São Paulo sente direta e
intensamente o acirramento de todas as diferenças socioeconômico-culturais
existentes no país. E isto faz com que a distância entre as pessoas de cada
classe ou realidade cada vez aumente, com globalização versus marginalização, tornando muito difícil a convivência pacífica. Conflituosidade e indiferença
já são características presentes, mas podem ser mitigadas pelas iniciativas já
existentes que visam promover maior cooperação e aproximação, defesa de
direitos e de qualidade de vida, com movimentos de bairro, de cidadania (...) é
rezar e esperar!... (Patrícia Carvalho, assistente senior Marketing do BEAl)
Valdomiro, morador da Favela Real Parque, revela seu sonho:
Pergunta: Seu Valdomiro, o senhor tem algum sonho de vida, que o senhor
espera, o que o senhor espera para daqui a dez anos, para vida do senhor e
para a vida do pessoal aqui?
Resposta: Em primeiro lugar, eu queria que mudassem as leis do nosso país.
Que nós tivéssemos governos, autoridades mais sérias, que tivessem mais respeito com a nação. Que cumprissem o que eles prometem. Que chegasse ao
conhecimento deles a necessidade de cada um brasileiro, de cada pai de família, de cada mãe de família, e da juventude, que eles dizem e sabem que é
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o progresso do país. Essa juventude aí, ela é uma horta. Mas o dono tem que
zelar da horta. Se não zelar a lagarta vai lá e come tudo. Acaba. E quem é o
dono dessa horta? Não é as autoridades? Não é o senhor presidente, não é os
senhores governo, não é os senhores juízes? Não é esse povo? Então eles têm
que cuidar da horta, porque senão o caruncho come. E o que é o caruncho?
O que é o inseto que tá querendo devorar a horta? É a falta de cultura, que os
jovens não vão ter (...) do jeito que vai, não vão ter; hoje em dia quem tem a oitava série, simplesmente a oitava série, é um analfabeto, é considerado ainda um
analfabeto. Não é verdade? Então esse povo tem que abrir campo, abrir campo
de estudo, de educação. E também nem só a educação, como outros cuidados. Cuidados com moradia, dignidade, segurança para o jovem. Você está
vendo como os jovens estão se acabando? Sempre, sempre nós vai em velório.
Velório de pessoas amigas que moram por aqui. A gente que ainda não morreu
ainda vai no velório dos outros. Eu não sei se você pensa como eu penso ou se
você vê o que eu vejo, mas faz dó, rapaz. A gente vai no velório de alguém, no
enterro de alguém, de cada vinte pessoas que são sepultadas por dia, de cada
vinte, quinze é jovem. E isso é todos os dias, uma rotina, todos os dias. Agora,
por que isso? Falta de segurança, para a nação. Falta de educação para os
jovens, falta de autoridade para combater o tráfico de drogas, combater as drogas. Combater a prostituição. Ninguém vê nada, ninguém vê nada, meu amigo.
E se as autoridades não tomar uma providência sobre isso aí (...) ai dos seus
filhos, coitado do futuro dos seus filhos, e também dos filhos deles também.
Faço do sonho de Valdomiro, homem "feio, pobre e analfabeto", como ele mesmo se definiu quando de nosso primeiro contato, o sonho de milhões de brasileiros que
vivem cotidianamente a experiência da desfiliação material e simbólica a um mundo que
fazia sentido até outro dia, e que se recusam, através dos apelos à formulação de uma regulação social pública, a serem reduzidos ao papel de párias. Eis o homem de escolaridade pouca e de oportunidades de vida tão radicalmente estreitas que utiliza as lembranças
da infância rural para metaforizar a sociedade e dar sua explicação sobre o mundo. Que o
caruncho da privatização das relações sociais não destrua a horta de Valdomiro. Que não
destrua a horta de todos nós.
Conclusões
O desenvolvimento recente do bairro globalizado na região sudoeste da cidade
de São Paulo demonstra a prevalência de um capital que crescentemente se mundializa,
atravessa fronteiras territoriais, serve-se do Estado para maximizar a sua valorização e
ignora parte significativa dos entornos geográficos e sociais à sua volta. Desenvolve laços
de sociabilidade que parecem mais fortes entre seus componentes, interligados em redes
informacionais, do que propriamente com atores e grupos sociais que lhe são distintos.
O processo de mundialização do capital transfigura as espacialidades ao redor
do mundo e redefine a morfologia das metrópoles. Se a metrópole clássica, tal qual a
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conhecemos nos escritos de um Engels, de um Dickens, de um Benjamin ou na poesia
de Baudelaire, era vinculada aos processos de modernização, tendo a dimensão do trabalho industrial como organizadora de uma economia, de uma sociabilidade e de uma
estética próprias, as metrópoles contemporâneas, sejam as do países do núcleo do capitalismo mundial ou não, com suas ilhas de globalidade e suas subversões às dimensões
de tempo e espaço, significam o fim de uma regulação política da dinâmica social ou, na
melhor das hipóteses, significam a redução radical da capacidade regulatória do Estado,
voltado ao atendimento das demandas de apenas alguns grupos e espaços urbanos, notadamente os mais mundializados.
A volatilidade crescente do capital solapa as vontades reguladoras do planejamento urbano, desmantela as reivindicações de inúmeros grupos sociais presentes na cidade e, no limite, pode impossibilitar a construção de uma sociedade plausível. O Estado,
tornado, se tanto, apenas um gerente das necessidades do grande capital, refuta a idéia
de uma refundação da dimensão política e ignora as demandas da maioria da população
urbana. Como nos diz Rancière, daí decorre o desentendimento (1996). Pelo dissenso,
àqueles que não têm suas demandas reconhecidas, como ocorre com a maior parte das
populações urbanas na atualidade, só resta lutar para conquistar o reconhecimento de
seus pleitos, de suas falas, de seus discursos, fundando no conflito a sua reivindicação,
fazendo os grupos privilegiados os reconhecerem como sujeitos de direitos e obrigando
o Estado a se repolitizar e se abrir ao diálogo. Enquanto as condições sociais objetivas
para tanto não se tornam realidade, o que se tem visto nas grandes cidades do mundo
é que a emissão da fala das populações desprivilegiadas tem se dado através de urros,
numa tentativa desorganizada de fazer valer os reclamos das maiorias. No caso de São
Paulo, a explosão da violência, antes restrita aos circuitos periféricos e atualmente generalizada pelo espaço urbano e transbordando para dentro, inclusive, da ilha de globalidade representada pelo vetor sudoeste, ilustra a dimensão da gravidade da adoção de
uma estratégia de preparar um pequeno recorte da cidade para ter competitividade internacional e ignorar todo o restante. A questão de fundo é: até que ponto a construção de
um enclave, pelo capital privado e pelo Estado, é eficaz para manter tal espaço asséptico
e imune à violência, à pobreza, à decadência econômica e ao abandono que se passam
fora dela? Ou, extrapolando a questão ao plano nacional, até que ponto o desenvolvimento brasileiro vai poder continuar se dando aos saltos, sempre a adentrar novos ciclos de
inserção internacional sem, no entanto, resolver os desequilíbrios criados pelos ciclos
anteriores?
Atentando à questão da metrópole, é possível dizer que em todos os ciclos pelos
quais passou a cidade ocidental, da antiga cidade mercantil à cidade industrial, a mais
marcante característica urbana sempre foi o encontro de uma gama de atividades econômicas diversas, empreendidas por indivíduos os mais variados, envolvidos num conjunto
de trocas que constituem o cerne da sociabilidade. Hoje, no entanto, é possível que, tanto
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diante das revoluções tecnológicas em curso, que ensejam a explosão de processos imateriais de valorização do capital e virtualização do espaço, quanto diante do afastamento
progressivo, no espaço urbano, entre grupos sociais diferentemente relacionados com os
fluxos globais de capital que atravessam o mundo, estejamos assistindo à implosão do
conceito clássico de metrópole.
Em cada período histórico, caracterizado por suas técnicas e tecnologias próprias,
há um tipo específico de uso e interação com o espaço. Numa época em que a cidade
deixa de ser industrial e passa a ser atravessada por inúmeros fluxos imateriais, é possível
que a relação com o espaço se torne virtual, pelo menos para aqueles indivíduos e grupos sociais mais diretamente envolvidos cotidianamente com a mundialização do capital.
Esse pode ser o caso dos executivos das transnacionais, permanentemente conectados
ao mundo através das tecnologias de informação cuja experiência social cotidiana é crescentemente desmaterializada. Dessa perspectiva, poderíamos dizer que esses estratos
não vivem mais a cidade. Pois viver a cidade, tal qual a vive o flâneur, por exemplo, é
andar pelo passeio público, é deslocar o corpo no espaço, é interagir, conhecer e reconhecer o outro, exercitar e desenvolver identidades a partir do encontro com o diverso,
apreender a materialidade urbana e criar noções de pertencimento.16
Se os indivíduos já não compartilham essa experiência e vivem muito mais a deslocar-se pelos espaços virtuais ou reais das torres de escritórios ou vivem reduzidos a
circunscrições urbanas diminutas, por estarem sendo descartados pelos processos de
acumulação, o que temos é a desconstrução de nossas metrópoles ou, pelo menos, do
clássico conceito que as define. Mais correto, talvez, seria chamá-las de misantrópoles.
Do grego misânthropos, que refere-se àquele que tem aversão à sociedade, que evita a
convivência, que é solitário, insaciável, antropófobo. O verbete, segundo os principais
dicionários, pode, por associação, ser estendido ao conceito de melancólico. Pois é isso
o que se tem quando dois grupos sociais, tão díspares como os aqui abordados, não
mais se encontram no espaço urbano e tampouco compartilham um conjunto mínimo de
valores e uma medida comum através da qual possam estabelecer o diálogo, marcar as
distinções e interagir socialmente.
A cidade vive, e enquanto viver será objeto de disputa. O que é característico dela
agora é o aprofundamento radical das distâncias, não apenas sociais e materiais, mas
sobretudo valorativas. Se, por um lado, alguns estratos adotam a tática cotidiana da evitação, da convivência com o outro, da aversão ao ambiente que lhes é externo, estranho,
diverso, por outro lado, outros indivíduos não conseguem apreender e compreender a
magnitude das transformações a que estão sendo submetidos. O exemplo do vetor sudoeste é, mais uma vez, emblemático nesse sentido. Nele estão colocados frente a frente
dois contingentes que experimentam trajetórias sociais opostas, ocasionadas pela mesma dinâmica econômica: enquanto, à margem esquerda, os favelados perdem o seu lugar
no mundo, na margem direita os executivos fazem do mundo o seu lugar. Se é faculdade
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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dos homens, como nos diz Simmel, construir caminhos, erguendo pontes para vincular
aquilo que em princípio, na natureza, não tinha vinculação alguma, e erguendo portas
para separar aquilo que originalmente era vinculado, é possível dizer que as pontes que
interligam as duas margens do Pinheiros estão hoje, e por enquanto, fechadas.
A conformação socioespacial da região sudoeste da cidade de São Paulo evidencia um processo de constante reposição de desigualdades, produzidas e reproduzidas
a cada novo ciclo de expansão econômica que o país atravessa. Mais do que herdeiro
de um pesado fardo socioeconômico legado do passado, o Brasil é penalizado por seu
próprio presente e, possivelmente, pelo seu futuro, que inauguram novos padrões de desigualdade social, agravados de fato, no caso brasileiro, pela herança anterior. A atualidade da pobreza se acentua à medida que os pobres são cada vez mais penalizados pelo
conjunto de transformações estruturais que atinge a sociedade brasileira e têm a sua inserção plena, na economia de mercado e nos direitos da cidadania, mais uma vez adiada
e talvez definitivamente comprometida.
Cabe ressaltar, contudo, que o caso aqui abordado aponta, não exatamente para
uma cidade, e, conseqüentemente, uma sociedade extremamente polarizada entre ricos e
pobres, entre globalizados e excluídos ou entre insiders e desconectados, mas mais propriamente para a construção, a partir da crescente desigualdade socioeconômica entre os
diversos grupos urbanos, de uma espacialidade caleidoscópica, profundamente dividida
em territorialidades com lógicas econômicas e sociais muito particulares e muito distintas
no tocante às suas relações com os fluxos de mundialização do capital. São territorialidades contíguas, as quais podem vir a caracterizar, nos próximos anos, não apenas a porção
sudoeste, mas todo o espaço metropolitano da maior cidade do hemisfério Sul.17 Embora
a desigualdade socioespacial possa ser encontrada em diversas metrópoles brasileiras,
é em São Paulo que ela se apresenta em seu matiz mais forte, dadas as atribuições que
cabem à capital paulista no atual momento de expansão do sistema capitalista em escala
planetária. Provavelmente, os autores mais céticos em relação ao uso generalizado do
conceito de cidade global ou mundial tenham razão, pois pelo menos no caso de São Paulo a cidade não se mundializa uniformemente. O que está se formando na região sudoeste
da capital paulista é um enclave global avizinhado de favelas quase completamente reduzidas à dimensão local. Curiosamente, a avenida que separa as duas margens do Pinheiros
chama-se Nações Unidas, mas é popularmente conhecida como Marginal. O primeiro nome sugere o cotidiano dos executivos das transnacionais presentes na região. O segundo
remete à situação dos habitantes das favelas próximas. Ao lado da avenida está sendo
construída uma nova linha de metrô, que atualmente opera de modo parcial. Dentro de algum tempo ela deve atravessar o rio e interligar-se à outra linha, que está sendo construída
na outra margem. Talvez a partir de então essas pessoas tão próximas e tão distantes possam se entreolhar dentro de um mesmo vagão. Mas enquanto não surgem no horizonte as
primeiras luzes do comboio, permanecemos todos aqui, na Estação Incerteza.
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Tabela 2 – Principais corporações cujos escritórios centrais no Brasil
localizam-se no vetor sudoeste da cidade de São Paulo
Empresa
País de
origem
Santander
Deutsche Bank
Sogeral
Lloyds Bank
ABN Amro Bank
Banco Exterior de Espanha
Chase Manhattan Bank
BCN
BEAL West LB
American Express
Visa
BankBoston (futura sede)
Espanha
Alemanha
França
Inglaterra
Holanda
Espanha
EUA
Brasil
Alemanha
EUA
EUA
EUA
Tecnologia
America On Line
Bay Networks
Computer Associates
Compaq
Epson
Ericsson
Hewlett Packard
Intel
Microsoft
Oracle
Sun Microsystems
Texas Instruments
3COM
EUA
EUA
EUA
EUA
EUA
Suécia
EUA
EUA
EUA
EUA
EUA
EUA
EUA
Ponto.com
Yahoo!
Submarino.com
Arremate.com
Viajo.com
Lokau.com
Zeid.com
Latinstocks.com
Ideia.com
Automóvel Online
Organic.com
Terra.com
StarMedia
EUA
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
Brasil
EUA
Mídia
Rede Globo (sede SP)
Gazeta Mercantil
Reuters
Net
Brasil
Brasil
EUA
EUA
Entretenimento
Time Warner
Cinemark
Columbia Tristar
Silicon Graphics
EUA
EUA
EUA
EUA
Setor
Finanças
Setor
Empresa
Consultoria Andersen Consulting
empresarial Arthur Andersen
Booz Allen
Coopers & Lybrand
McKinsey
Watson Wyatt
País de
origem
EUA
EUA
EUA
EUA
EUA
EUA
Indústria
Agfa
Alcan
Alcoa
Bayer
Benetton
BMW
Caterpillar
Ciba-Geigy
Chrysler
Dow Chemical
Gessy Lever
Hoechst
Multibrás
Nestlé
Mobil Oil
Parmalat
PepsiCo.
Pfizer
Philips
Procter & Gamble
Rhodia
Santista
Bélgica
Candá
EUA
Alemanha
Itália
Alemanha
EUA
Suíça
EUA
EUA
Hol/Inglat.
Alemanha
EUA
Suíça
EUA
Itália
EUA
EUA
EUA
EUA
França
Argentina
Telecomunicações
AT&T
BCP Cecular
GTE
Northem Telecom
HiperNet
EUA
Brasil
EUA
EUA
Brasil
Comércio
e serviços
Carrefour
Federal Express
Meliá Sol
World Trade Center
França
EUA
Espanha
EUA
Mercado
imobiliário
Bratke Collet
Birmann/Turner
Machenzie Hill
Richard Ellis
Tishman Speyer
Brasil
Brasil/EUA
EUA
EUA
EUA
Fonte: pesquisa de campo realizada pelo autor.
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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Graduado em Ciências Sociais pela USP e em Administração Pública pela FGV, mestre e doutorando
em Sociologia pela FFLCH-USP.
E-mail: [email protected]
Notas
1. No decorrer do texto lanço mão tanto dos termos "mundial" quanto "global", mas procuro utilizar o termo "mundialização", em vez de "globalização", por entender que o último, embora
muito mais difundido na literatura, sofreu nos últimos anos um processo de banalização que
parece ter turvado a sua nitidez conceitual, inclusive apropriado que foi por interesses mais
voltados para adulações ideológicas que propriamente para a análise criteriosa da realidade
social.
2. Como afirma Nicolas, "os espaços que se encontram integrados em forma reticular (de rede)
não dependem tanto de seus espaços vizinhos imediatos (não integrados às redes) quanto de
lógicas extraterritoriais e não raro extranacionais, que representam justamente o avanço da
mundialização sobre a internacionalização". Ver Nicolas 1994).
3. Trata-se do texto "World city formation. An agenda for research and action" (1982), retomado
mais tarde com o título de "The world city hipothesys" (1986). Segundo Antonhy King, porém,
a idéia da cidade mundial como metrópole que concentra parte significativa dos negócios
mundiais mais importantes surge com Patrick Geddes, em 1915. Fernand Braudel, por seu turno, utilizou o termo "cidade mundial" para denotar o centro de economias-mundo específicas,
como centros urbanos de concentração de funções de comando. Friedmann e Wolff usam o
termo como "a articulação espacial do emergente sistema-mundo de produção e mercados
através de uma rede mundial de cidades". Segundo eles, as cidades mundiais são as principais
regiões urbanas da rede na qual a maior parte das atividades econômicas mundiais deve estar
concentrada: são regiões que jogam um papel vital no grande empreendimento capitalista
que organiza o mundo para a extração eficiente de lucro. Saskia Sassen, outra referência
nos estudos sobre a urbanização contemporânea, fala em “capacidade de controle global",
referindo-se às cidades mundiais, as quais seriam "locais de produção de serviços altamente
especializados e funções elevadas de controle e gerenciamento". Ver King (1990); Friedmann
(1996); Friedmann e Wolff (1982).
4. Octavio Ianni chega a chamar as "cidades globais" de "cósmopoles", não apenas por concentrarem as funções decisórias da economia mundial, mas dado que "de tanto crescer pelo mundo
afora, a cidade global adquire características de muitos lugares. As marcas de outros povos,
diferentes culturas, distintos modos de ser podem concentrar-se e conviver no mesmo lugar,
como síntese de todo o mundo". Ianni (1996).
5. Penso aqui na própria argumentação de Sassen, desenvolvida em obras recentes, na qual ela
afirma que o mercado de trabalho das metrópoles tende a uma polarização funcional e salarial, cuja forma seria uma ampulheta. Edmond Preteceille, que há anos pesquisa as transformações da economia de Paris, ressalta, entretanto, que as atividades mais globalizadas representam uma parte relativamente pequena do emprego urbano, o que implica a relativização
da tendência de dualidade social a partir da reestruturação do mercado de trabalho.
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Wagner Iglecias
6. O termo underclass foi cunhado por Gunnar Myrdal em 1962, para fazer referência aos indivíduos situados à margem da economia. O termo passou a ser freqüentemente usado por
sociólogos norte-americanos, a partir de então, para se referir aos trabalhadores mal pagos,
não brancos, e em especial imigrantes, situados no último degrau da estrutura ocupacional
dos EUA. Ganhou, nos EUA, conotação racial e passou a referir-se sobretudo aos habitantes
dos guetos negros urbanos. Mais recentemente, a partir dos anos 1980, o termo underclass
passou a ter uso mais generalizado, quando os níveis de desemprego atingiram padrões até
então inexistentes, e começou a ser aplicado inclusive à realidade européia, na qual não teve
qualquer notação racial. O termo é usado hoje em dia para se fazer referência a todos aqueles
indivíduos cuja inserção no mercado de trabalho é frágil ou inexistente em um grande número
de sociedades capitalistas avançadas, e alguns autores, diante do agravamento das disparidades socioeconômicas em curso nas mais variadas sociedades, avançadas ou não, já deixaram
de utilizar o termo e adotaram o neologismo undercaste para fazer referência aos contingentes
acima citados. No entanto, o termo underclass é ainda utilizado pelos conservadores morais
e pelos economistas neoliberais para referir indivíduos que não se adaptam à sociedade por
suposta fraqueza individual e moral, motivados pela natureza assistencial do Welfare State.
Segundo essa ótica, os indivíduos da underclass criam uma subcultura desviante, evidente
nos bairros decadentes das grandes metrópoles. William Julius Wilson, prestigiado sociólogo
norte-americano de orientação progressista, por sua vez, sustenta que o declínio do emprego
industrial e o crescimento de empregos precários no setor terciário empurraram para fora do
mercado de trabalho os contingentes menos qualificados, como negros e hispânicos. Esses
contingentes teriam sido deslocados para a economia informal e para o crime ou, quando
muito, para uma posição altamente insegura e marginal dentro do mercado de trabalho. Ver a
esse respeito os textos "From 'Underclass' to 'Undercaste': Some observations about the future
of the post-industrial economy and its major victims", de Herbert Gans (1996), e "Red Belt,
Black Belt: racial division, class inequalitity and the State in the French urban periphery and
the American ghetto" 0996), de Loïc Wacquant, ambos publicados em Mingione (1996). Ver
tarmbém Wilson (1996).
7. Cabe notar que, embora a região já contasse com uma série de equipamentos públicos, foi
priorizada, no decorrer dos anos 1990, em termos de novos investimentos infra-estruturais,
em especial no setor de transportes, com a abertura de novas avenidas, túneis e a construção
de oito novas estações de trem ao longo da Marginal Pinheiros, sob um traçado que em breve
deverá ser transformado na linha 5 do Metropolitano de São Paulo.
8. Diversos termos são utilizados, na literatura, para fazer referência à região da capital paulista
aqui retratada, como "quadrante", "porção", "setor", etc. Utilizo o termo "vetor" para realçar
tanto o sentido de direção para onde se cria a mais nova centralidade paulistana quanto as
possibilidades daquilo que, a cidade pode vir a ser no futuro, dada a dinâmica que preside o
seu desenvolvimento, tendo em vista as novas peculiaridades da polarização socioespacial
que está sendo construída naquela parcela do espaço paulistano.
9. A região que inicia a partir da margem esquerda do Rio Pinheiros, em direção ao Sul e Sudoeste
da Grande São Paulo, constitui a porção mais pauperizada da periferia da metrópole, contando com altos índices de desemprego e violência. Nela destacam-se bairros como Campo
Limpo, Capão Redondo e Jardim Ângela.
10. "A nova arquitetura paulistana – o pós-modernismo da marginal Pinheiros substitui o modernismo da Paulista". Gazeta Mercantil, 21/6/96.
11. Ver a esse respeito o trabalho de Mariana Fix a respeito da remoção recente do conjunto de
favelas situadas no entorno do que é, atualmente, a Avenida das Águas Espraiadas, levada a
cabo por iniciativa da Prefeitura Municipal de São Paulo, gestão 1992-1996.
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Impactos da mundialização sobre uma metrópole periférica: o vetor sudoeste de São Paulo
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12. Segundo a Pesquisa Emprego e Desemprego do convênio Seade/Dieese, era a seguinte a distribuição dos ocupados no município de São Paulo segundo a escolaridade, no ano de 1997:
3,7% de analfabetos, 39,3% de indivíduos com o 1º grau incompleto, 18,1% dos indivíduos
com o 2º grau incompleto, 22,6% de indivíduos com o 3º grau incompleto e 16,3% com o 3º
grau completo. Não havia na pesquisa dados sobre pós-graduados, mas é possível pressupor
que sejam uma proporção bastante diminuta do mercado de trabalho.
13. Segundo o Mapa da Exclusão Social, elaborado pela PUC em 2000 e publicado em 24/9
daquele ano pela Folha de S. Paulo, eram as seguintes as taxas de homicídios, para cada 100
mil habitantes, entre a população de 15 a 24 anos, em 5 distritos da periferia sul da cidade de
São Paulo, no ano de 1999: Jardim Ângela, 206,87; Jardim São Luís, 186,85; Grajaú, 185,55;
Capão Redondo, 166,50; Campo Limpo, 142,98. A taxa média de homicídios na cidade de
São Paulo no mesmo ano era de 121,33 para cada 100 mil habitantes entre 15 e 24 anos. O
Grajaú, o Jardim Ângela e o Jardim São Luís, contíguos ao vetor sudoeste, ocupavam em 1999
a primeira, a segunda e quinta posições, respectivamente, no número absoluto de homicídios
de jovens no município de São Paulo.
14. Penso aqui nas torres da Marginal Pinheiros, em oposição à idéia das casas de vidro de que
nos fala Benjamin. Para tanto, ver Benjamin (1985).
15. Trata-se do edifício Birmann 20, sede da Microsoft no Brasil.
16. Ver o artigo "Cidade virtual desmaterializa a cidade real". O Estado de S. Paulo, 20/10/1996.
17. A hipótese da transformação das metrópoles em espaços não propriamente dualizados, mas,
sobretudo, fragmentados, vem sendo defendida por Edmond Preteceille e reforçada por Luiz
César Queiroz Ribeiro. Ver Preteceille (1994). Ver também Ribeiro (2000).
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Reestruturação urbana da metrópole
paulistana: a Zona Leste como território
de rupturas e permanências
Raquel Rolnik
Heitor Frúgoli Jr.
Introdução
Este texto é fruto de uma pesquisa realizada no segundo semestre de 1999, no
âmbito do mestrado em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e do Instituto Pólis, em São Paulo. A pesquisa, intitulada "Reestruturação urbana da metrópole paulistana: análise de territórios em
transição", teve como preocupação detectar alguns processos de territorialização das
mudanças socioeconômicas que estão ocorrendo na cidade de São Paulo.1
Sob a hipótese genérica de um processo de desindustrialização da capital, a pesquisa teve como estratégia cartografar o impacto desse processo sobre um território tipicamente estruturado pela indústria: a Zona Leste paulistana (ver Mapa 1). Como se dão
as relações entre as velhas e novas territorialidades de São Paulo? Quais as dinâmicas
que regem essas relações? Quais as suas características espaciais?
Um ponto de partida para tentar responder a essas perguntas passa pelo contra ponto entre o que ocorre na Zona Leste e a dinâmica urbana em curso no quadrante centro-sudoeste de São Paulo, região onde historicamente se concentram riqueza e
investimentos públicos.2 Um dos processos mais significativos nessa região é o complexo
desdobramento da centralidade do setor terciário, numa trajetória que abrangeu, ao
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 43-66, 2º sem. 2001
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Raquel Rolnik e Heitor Frúgoli Jr.
longo de décadas, o Centro Novo, a avenidas Paulista, Faria Lima e Berrini e a Marginal
Pinheiros, sendo que a paisagem mais recente formada pelas duas últimas – torres dos
centros empresariais e edifícios de escritórios mesclados a shopping centers temáticos,
hotéis, centros de convenção e salas de espetáculo – constituiria a imagem mais visível
e evidente de uma nova ordem urbanística: "a cidade do terciário avançado" ou o "novo
centro da cidade".
Independentemente da forma como tal processo pode ser apreendido – seja como
uma permanência, repaginada, do mesmo modelo concentrador ocorrido ao longo do século XX, em que não haveria propriamente uma ruptura no espectro das posições ocupadas pelos distintos segmentos sociais e econômicos na cidade (Rolnik, 1997), seja como
um processo que poderia estar gerando uma nova territorialidade na cidade, dadas certas
características do empresariado ali situado, as novas formas de parcerias com o poder
público e o enorme deslocamento de massas de pobres (Frúgoli Jr., 2000) –, observa-se
claramente um padrão de desenvolvimento do terciário moderno, com o gradativo desaparecimento dos espaços públicos, articulado a um forte modelo de exclusão territorial,
atendendo a interesses do capital imobiliário.
A dinâmica de reestruturação urbana em curso na Zona Leste, entretanto,
aponta características diversas, sendo preciso examinar com mais vagar as hipóteses
de reconversão econômica, analisando tanto a inscrição territorial da indústria como do
comércio – e a relação desse último com a indústria imobiliária –, para detectar a natureza das novas dinâmicas que estão efetivamente a produzir transformações nos territórios
periféricos. Visando à compreensão de tais características, a pesquisa focalizou a Zona
Leste do município de São Paulo.
A estruturação socioterritorial da Zona leste
A Zona Leste foi ocupada a partir de uma constelação de núcleos que se espalhavam ao longo do antigo caminho que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, através do
Vale do Paraíba. Esse eixo foi reforçado com a implantação da antiga ferrovia Central do
Brasil (São Paulo – Rio de Janeiro) no final do século XIX. Essa estruturação revela a
posição dos que vivem fora da cidade, do "lado de lá" da várzea do Carmo e da ferrovia
Santos-Jundiaí, ao longo da qual se implantou um cinturão de indústrias, definindo uma
forte barreira entre a cidade das elites e a ocupação periférica, ao longo do século XX,
por moradias de trabalhadores em loteamentos irregulares ou clandestinos, casas autoconstruídas e conjuntos habitacionais construídos pelo poder público.
Na década de 1960, tem início a construção da via Radial Leste e, na década de
1970, a implantação da linha Leste do metrô. Essas duas calhas de circulação sobre
rodas e sobre trilhos implantam-se junto à ferrovia, no mesmo fundo de vale, consolidando
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Reestruturação urbana da metrópole paulistana
45
definitivamente a direção Leste-Oeste como o principal eixo estruturador da Zona Leste
de São Paulo.
Essa estruturação em torno de um forte eixo na direção Leste-Oeste, que liga o
centro à periferia próxima e distante, reflete a história da exclusão territorial que teve lugar
na cidade de São Paulo e que encontra paralelos em todas as grandes cidades brasileiras.
Esse processo histórico de destinação socioeconômica dos territórios da cidade teve, como já vimos, a participação decisiva do poder público, que, de um lado, concentrou investimentos no centro expandido protegendo, através de um complexo regulatório urbanístico,
o patrimônio imobiliário da população de maior renda que vive nesse território e, de outro,
priorizou investimentos na periferia, basicamente em sistema viário e de transportes, que
servem para mover a população trabalhadora da "cidade-dormitório" para os espaços de
trabalho. Durante décadas a região foi se urbanizando progressivamente, acompanhando
o crescimento acelerado da população paulistana, com os maiores índices de crescimento
demográfico do município, notadamente da população de baixa renda.
A década de 1980, entretanto, apresenta uma inflexão na curva geral de crescimento
demográfico da cidade: a taxa geométrica de crescimento anual cai de 1,16% na década
de 1980, para 0,40% entre 1991 e 1996. Cerca de 514 mil pessoas abandonaram a cidade nesse período. O município de São Paulo só não viu sua população diminuir em termos
absolutos porque o crescimento vegetativo foi de 680 mil pessoas (Taschner e Bógus,
2000, pp. 252-254). Entre 1991 e 1996, os distritos centrais e intermediários do município registraram taxas de crescimentos populacional negativas, com destaque para o Pari
(Zona Leste), em contraponto ao crescimento nos distritos periféricos – Anhanguera, no
Noroeste, e Cidade Tiradentes, no extremo Leste da cidade, registraram os maiores níveis
de aumento populacional. Os distritos do centro expandido que possuem maior cobertura
de serviços e equipamentos urbanos perdem residentes. São distritos onde vivem tanto a
população de renda mais alta (Jardim Paulista, Moema, Alto de Pinheiros, dentre outros)
como áreas habitadas por população de menor renda (como os distritos Sé, Liberdade,
Brás e Pari) (Censo Demográfico 1991 e Contagem Populacional 1996 – IBGE)
Junto a essas mudanças populacionais, estão ocorrendo também transformações
nos padrões de moradia na cidade. O cruzamento dos dados de incremento populacional
por distrito com a localização dos lançamentos residenciais (Mapas 2 e 6) revela que,
onde a verticalização do uso residencial foi mais intensa, a população moradora diminuiu,
reduzindo a densidade, e, conseqüentemente, "exportando" populações para periferias
mais distantes, no próprio município e no entorno metropolitano. De um lado, a moradia
no centro expandido e nos enclaves residenciais de alto padrão na Zona Leste, Tatuapé
e Zona Norte, Santana verticaliza-se nos espaços controlados de condomínios fechados.
De outro, a moradia na periferia do município e na periferia metropolitana sofre um adensamento do lote e um incremento na favelização, aumentando os graus de precariedade
e exclusão territorial que, como já visto, é histórica na cidade de São Paulo, produzindo
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Raquel Rolnik e Heitor Frúgoli Jr.
e reproduzindo estruturalmente vastos territórios de exclusão social, ou seja, populações
impedidas da possibilidade de partilhar as potencialidades econômicas e de desenvolvimento humano que a metrópole oferece.
Um a um, todos os indicadores apontam a sobreposição de fatores de exclusão
nas extremas periferias Leste da cidade – como a baixa escolaridade, a precariedade das
condições habitacionais, a alta mortalidade infantil, os altos índices de homicídios. Enquanto nos bairros mais consolidados, o crescimento populacional é muito baixo ou até
mesmo negativo, o distrito periférico de Cidade Tiradentes, no extremo da Zona Leste, foi
um dos que mais tem crescido, já que entre 1980 e 1991 apresentou crescimento populacional de 101,92% (Rolnik, 2000).3
Historicamente, a verticalização residencial se deu no Centro/Sudoeste da cidade,
correspondendo aos distritos de maior renda. No período examinado (1985-2000), a produção de prédios de alto padrão com unidades de 3 e 4 dormitórios continuou seguindo
o mesmo critério, operando nos enclaves tradicionais de média e alta renda (Mapa 2).
Além da tradicional região, novos enclaves nas Zonas Leste (Tatuapé e região) e Norte
(Santana) emergiram, formando focos de investimentos privados.
Entretanto, outro elemento novo no mercado residencial formal na Zona Leste, que
o Mapa 6 revela, são os lançamentos mais populares de unidades com 2 dormitórios,
que se espalham em diversas áreas da cidade, alcançando a periferia mais próxima, onde
desponta uma paisagem de verticalização. Trata-se de uma dinâmica habitacional nova
nos setores intermediários da Zona Leste (Belém, Mooca, Tatuapé, Água Rasa, Penha,
Vila Formosa, Vila Prudente) que, a exemplo do centro expandido, também estão perdendo residentes.
Parte desse movimento, com impactos ainda pouco estudados, tem sido viabilizada por novas formas de organização da produção imobiliária residencial, como os planos
de autofinanciamento e as cooperativas habitacionais. No período entre janeiro de 1996
e abril de 1997, as cooperativas produziram 27 empreendimentos, sendo 11.667 apartamentos no município de São Paulo, principalmente nos distritos de Itaquera e Vila Nova
Cachoeirinha, na Zona Leste e Zona Norte, respectivamente, o que representa aproximadamente 30% do total lançado na Região Metropolitana de São Paulo (Silva e Castro,
1997, p. 18).
Por outro lado, o mercado imobiliário formal atua muito pouco nos distritos da Zona Leste mais distantes do Centro, que apresentam maiores graus de exclusão social,
como Lajeado, Guaianazes, Itaim Paulista, Cidade Tiradentes e Iguatemi. Nestes distritos,
a verticalização ainda é configurada predominantemente pela implantação de conjuntos
habitacionais produzidos pelo poder público (Cohab e CDHU), cercados por loteamentos
clandestinos com pouca ou nenhuma urbanidade. São os distritos onde o modelo de exclusão territorial permanece como forma de estruturação da cidade desigual.
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Reestruturação urbana da metrópole paulistana
As novas dinâmicas territoriais na Zona Leste
A questão da reconversão econômica
O processo de transição econômica por que passa São Paulo pode ser visto
como a questão predominante no debate sobre a situação contemporânea da metrópole
– embora não se possa cometer o erro de reduzir o problema aos fatores econômicos ou
tentar explicar tudo a partir deles. A redução da participação da indústria metropolitana
na força industrial do estado de São Paulo, de 64% do total, em 1980, para 52%, em
1990, e do município de São Paulo, que passa de 36% para 22% no mesmo período,
pareceria um sinal evidente de desindustrialização. Contudo, esse processo deve ser
circunstanciado: a indústria brasileira ainda apresenta grande concentração no estado
de São Paulo, cujo centro gestor é a metrópole. Ainda assim, existem indústrias que permanecem e realizam grandes investimentos na Região Metropolitana e no município de
São Paulo: 40% dos investimentos realizados nos anos de 1998 e 1999 na metrópole
ocorreram na indústria de transformação (Fundação Seade, 1999).
A reconversão econômica do município de São Paulo não pode, entretanto, ser
explicada essencialmente pela transição da metrópole industrial para a de serviços. O
município de São Paulo concentra hoje um terço do valor adicionado produzido pela indústria paulista. Isso o coloca em pé de igualdade com a soma das produções industriais
dos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Assim, embora a participação relativa
do município na produção industrial do estado e do país tenha diminuído, a cidade de São
Paulo é, ainda hoje, um grande e dinâmico centro industrial, e não a suposta metrópole
terciária que algumas análises no início dos anos 1990 pretendiam antever. Encontram-se
hoje no município não apenas a indústria que sobrou, mas também cadeias que permanecem e se expandem, ou seja, o município recebeu novos investimentos industriais nas
últimas décadas.
A perda de participação relativa do município na atividade industrial tem se dado
em favor de outros municípios da Região Metropolitana e cidades do interior, num raio
de 150 km da capital, especialmente as regiões de Campinas e São José dos Campos
e, em dimensões pouco expressivas, para regiões de mão-de-obra barata e de grandes
isenções fiscais. Possivelmente esteja em curso uma nova divisão regional do trabalho,
em que a capital concentra sobretudo setores caracterizados por padrões de produção
ligados à diversidade e à variabilidade da demanda, os gêneros dependentes das vantagens da vida urbana como a proximidade ao mercado consumidor, cadeias produtivas
parcial ou totalmente aglomeradas em redes flexíveis ou que dependem de oferta de
mão-de-obra especializada e serviços avançados ligados à produção, como por exemplo
consultoria empresarial, assessoria jurídica e de imprensa, agências de publicidade, etc.
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Raquel Rolnik e Heitor Frúgoli Jr.
(Gazela Mercantil, 1998). Assim, permanecem na capital e região metropolitana setores
extremamente dependentes do mercado de consumo metropolitano, como é o caso da
indústria alimentícia ou gráfica, ou da concentração específica de mão-de-obra altamente
especializada, como a indústria de software e outros equipamentos de informática.
Da antiga cidade industrial formada a partir dos anos 1950, São Paulo conserva
uma base industrial ampla e diversificada, tradicional e moderna, em que sistemas
quase completos de insumo/produto concentram-se espacialmente. É uma indústria
em mutação, baseada em estruturas mais extensas de subcontratação, que opera em
espaços menores e é usuária de serviços sofisticados e dependente de relações mais
complexas com seus clientes e fornecedores.
A comparação entre a territorialização da produção industrial em 1968, realizada
pelo Plano Urbanístico Básico (Mapa 4), e a territorialização no começo da década de
1990 utilizando o cadastro do Senai (Mapa 5) mostra a presença de várias pequenas
indústrias junto às áreas onde predominavam os grandes e médios estabelecimentos,4
notadamente ao longo da antiga ferrovia Santos-Jundiaí.
Esses mapas revelam uma mudança nos padrões de inscrição espacial da indústria na cidade: algumas grandes e médias indústrias deixando a localização junto aos principais eixos ferroviários e rodoviários (como a antiga ferrovia Santos-Jundiaí e as rodovias
Anchieta e Pres. Dutra) e a dispersão de milhares de pequenas indústrias, misturando-se
com outros usos e ocupando inclusive áreas da periferia. Na nova territorialização da
produção em São Paulo, convivem a modernização tecnológica e gerencial das empresas
mais capitalizadas, em geral transnacionais, e a precarização dos vínculos empregatícios
e das condições de trabalho nas micro e pequenas unidades, geralmente informais, empregando cada uma delas não mais de 50 pessoas.
A partir dos anos 1980, as transformações na indústria provocam a liberação de
trabalhadores em escala cada vez maior, resultando no aumento progressivo das taxas de
desemprego. A inovação, tecnológica ou gerencial é basicamente poupadora de mão-deobra. Portanto, a reconversão industrial da cidade e da metrópole implica uma transformação fundamental em relação ao passado recente: a indústria continua a produzir valor
adicionado, mas deixa de produzir empregos. Em 1990, o município de São Paulo tinha
891.699 trabalhadores em estabelecimentos industriais, número que cai para 633.082
em 1995 (Cadastros industriais Senai, 1995). O setor de serviços, embora crescente,
não chega a absorver mão-de-obra no ritmo do crescimento da demanda.
De toda forma, a nova economia que surge produz efeitos contraditórios sobre
o espaço da cidade: por um lado, vai sendo esvaziada a fissura interna que caracterizou a cidade industrial, que traçava uma barreira fabril entre a periferia precária a NorteOeste-Leste-Sudeste e a cidade rica e equipada a Sudoeste. À medida que as indústrias
saem da cidade, os bairros onde elas se localizavam podem ser repovoados para usos
residenciais, comerciais e de lazer. Entretanto, os novos megainvestimentos terciários,
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como os shopping centers e hipermercados, dentre outros, que estão ocorrendo nessas
áreas mais antigas, têm produzido uma fragmentação do tecido urbano-social, desenhando verdadeiros enclaves urbanos e muitas vezes impactando negativamente os centros
tradicionais de compras e serviços das cercanias.
A territorialização fragmentária do setor terciário
Como apontamos no início do texto, a localização do terciário avançado tem se
dado de forma a reforçar e expandir uma centralidade em processo de desdobramento,
mesclando, no caso do pólo mais recente dessa centralidade, megaprojetos de centros
empresariais a shoppings temáticos, casas de espetáculos, danceterias e restaurantes
no quadrante Sudoeste, agora beirando a Marginal do rio Pinheiros. Por outro lado, a
partir dos anos 1990, grandes shoppings e hipermercados têm também se instalado, de
forma dispersa, nas periferias da cidade, junto a grandes eixos de acessibilidade, muitas
vezes em área de urbanização incompleta. Essa territorialização, que justapõe grandes
shopping centers, pequenos estabelecimentos de comércio e serviços em assentamentos residenciais populares, produz uma nova espacialidade da desigualdade, constituindo
uma estrutura em que convivem a fragmentação e a dualização. Poderíamos remeter essa
nova forma à hipótese levantada por Preteceille (1993) e reforçada por Ribeiro (2000b,
pp. 68-69), de que mais do que reforçar uma dualização entre incluídos e excluídos, centro/periferia, a nova ordem espacial na cidade segue um modelo muito mais fractal, no
qual a tensão entre o avançado e o arcaico, o inserido e o excluído, o legal e o ilegal se
reproduz infinitamente no espaço.5
Shopping centers da Zona leste:
os casos do Aricanduva e Anália Franco
Podemos prosseguir na presente análise averiguando certas particularidades das
relações de grandes shopping centers com seu entorno no caso da Zona Leste. Embora
os shopping centers, em seu processo de expansão no contexto urbano, venham atendendo cada vez mais a públicos distintos, costuma-se enfocá-los sobretudo como espaços
articulados ao processo de auto-segregação das classes de maior poder aquisitivo, um
fenômeno em curso em várias cidades brasileiras. Sem negar essa faceta, podemos relativizá-la se levarmos em conta que, desde os anos 1980, vários shoppings têm também
se estabelecido em regiões de caráter mais policlassista ou popular, com uma ocupação
mais diversificada desses estabelecimentos (Frúgoli Jr., 1992). Ainda que a diversidade
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Raquel Rolnik e Heitor Frúgoli Jr.
observada nesses últimos seja menor do que aquela que se dá em espaços efetivamente
públicos, o fato é que, à medida que se multiplicam, os shoppings vêm dialogando com
contextos urbanos bastante diferenciados. Se essa realidade já se configurava no final
dos anos 1980, a breve observação recente de dois shoppings na Zona Leste – o Aricanduva (1991) e o Anália Franco (1999), com perfis bastante distintos – não só corrobora
tal constatação como abre novas questões quanto à reestruturação urbana.
Como se sabe, foi na região do "quadrante sudoeste" que se localizaram os primeiros shopping centers de São Paulo e o primeiro do Brasil, o Shopping Iguatemi – construído em 1966, na Av. Faria Lima –, cujo desenvolvimento posterior como um sub-centro
relativamente importante na metrópole deve-se sem dúvida à instalação desse shopping
na área (Pintaudi, 1992, pp. 35-36). O Iguatemi (com 373 lojas) é até hoje o shopping
mais tradicional e elitizado da cidade, atendendo boa parte da clientela dos Jardins –
área com os moradores de maior poder aquisitivo de São Paulo. Pode-se dizer que em
várias outras metrópoles brasileiras (como Belo Horizonte e Porto Alegre) a criação dos
primeiros shoppings seguiu o mesmo padrão, ou seja, foram situados em áreas nobres e
destinados a grupos sociais com maior poder aquisitivo, com alto padrão de seletividade
social (Lemos, 1992; Rossari, 1992).
O estilo do Iguatemi influenciou a criação de outros shoppings voltados para o
mesmo "público-alvo", como o Jardim Sul, em 1990 (hoje com 160 lojas), no Morumbi –
área de moradores com o segundo poder aquisitivo na metrópole e relativamente carente
de equipamentos de gastronomia e lazer –, seguido posteriormente pelo Shopping Tamboré (aberto em 1992, com 94 lojas), próximo a uma área com vários condomínios, como
Tamboré e Alphaville.
Essa tendência de buscar determinados "nichos" situados em regiões dotadas de
alto poder aquisitivo, ligada a uma etapa de aumento da competitividade pelo consumidor
de maior poder de compra, tem resultado em shoppings de vizinhança, que concentram
os usuários nos bairros onde estão situados, o que, por sua vez, reforça a distinção e
o status da região onde passam a se situar. Esse é o caso do Shopping Anália Franco – (nov/1999, 240 lojas) situado no enclave residencial de alta renda da Zona Leste
(ver mais detalhes à frente) –, assim como o Pátio Higienópolis (out/1999, 220 lojas) na
região do mesmo nome, de alto poder aquisitivo –, além do Shopping Villa-Lobos, inaugurado em 2000 – que pretendia atender uma população de 850 mil pessoas dos bairros
de Alto de Pinheiros, Vila Madalena, Sumaré e cercanias.
Entretanto, a recente e acelerada expansão de shoppings pelo Brasil vem criando
estratégias de faturamento também destinadas a públicos que variam das classes médias
às populares. Essa tendência a uma relativa massificação, de certa forma, consolidou-se
após a bem-sucedida experiência do Shopping Center Norte em São Paulo. Inaugurado
em 1984, o Center Norte foi o primeiro shopping a ter um apelo popular eficiente. Está
localizado no cruzamento da Av. Marginal Tietê com a linha norte-sul do metrô, junto à
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Reestruturação urbana da metrópole paulistana
estação e terminal rodoviário Tietê. É servido por uma vasta rede de transporte coletivo, fator essencial para milhares de consumidores, visto que uma grande parcela dos
freqüentadores não tem carro. Em poucos anos mudou hábitos de consumo e de lazer
de boa parte da população da Zona Norte paulistana, abarcando na época um grande
público da Zona Leste, Oeste e de vários municípios do norte da Grande São Paulo, antes que nessas regiões também fossem construídos grandes shoppings. Continua atualmente um dos shoppings com o maior número de lojas – atualmente com 500 – e com o
maior volume de freqüência e faturamento global em todo o Brasil (Frúgoli Jr., 1992).
Essa estratégia de massificação, tendendo, a depender do contexto, a uma popularização, propiciou a criação de shoppings paulistanos em áreas com populações de
menor poder aquisitivo, como é o caso, na Zona Leste, de shoppings regionais como o
Aricanduva – inaugurado em 1991, hoje com 330 lojas (ver mais detalhes adiante) – e o
Metrô Tatuapé (1997, 372 lojas), e mesmo de médio porte, como o Penha (1992, 219
lojas), ou de pequenas dimensões, como o Diretão S. Miguel, embora esses dois últimos
tenham um tamanho muito mais reduzido e características mais modestas. Isso também
foi verificável, guardadas certas diferenças, no Iguatemi de Salvador (1975, 531 lojas), no
Norte Shopping, no Rio de Janeiro (1986, 325 lojas) ou no Del Rey, em Belo Horizonte
(1991, 218 lojas).
O shopping Anália Franco: o diálogo
com um enclave emergente
O Jardim Anália Franco e a Praça Sílvio Romero, no Tatuapé, estão no epicentro da
emergência de um pólo de alto padrão de qualidade única na ocupação da Zona Leste,
constituindo uma espécie de enclave emergente.6 Parte dessa área foi construída quando do desmembramento da antiga fazenda Anália Franco, tendo sido aberto em 1974 o
Centro Educativo, Recreativo e Esportivo do Trabalhador – Ceret –, um parque estadual
que valorizou a região, iniciando-se a construção de prédios nos primórdios da década de
1980. Paralelamente, a partir de 1986, o Tatuapé deixou de ser ponto final do metrô, com
a retirada de um grande tráfego de ônibus e do expressivo comércio de camelôs da região. Isso propiciou o primeiro boom imobiliário na região, através de construtoras locais,
de propriedade em sua maioria de portugueses. Com isso, constituiu-se um mercado
imobiliário mais forte no Tatuapé, com a elevação geral dos preços dos terrenos. A partir
da forte intervenção do mercado imobiliário, de empresas como a Ação Imóveis, verificase um novo crescimento do Jardim Anália Franco, que conta hoje com 50 mil habitantes,
cuja média da renda familiar – R$ 2.570,00 – é 63% acima da média da Grande São
Paulo, com 50 edifícios residenciais de alto padrão e 12 edifícios em projeto – em geral
de 3 a 4 dormitórios (ver Mapa 2).
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Em entrevista concedida ao Instituto Pólis, Angela Ruiz, gerente de uma das imobiliárias mais fortes da Zona Leste, a Ação Imóveis, declara:
- ...veja bem, isso também se deve aos corretores. O Anália Franco na realidade, se você for olhar aí no mapa, ele é bem pequenininho. Mas o que acontece? A gente foi "crescendo" ele, quando a gente vai incorporar um prédio,
a gente lança como Anália Franco, mesmo sendo um pouquinho mais longe,
então o Anália Franco cresceu um pouco...
- Onde está hoje em dia o Anália Franco?
- Nossa! [mostrando no mapa]... Já chegou na avenida Salim Farah Maluf, aqui
ele encosta na Regente (Feijó), encosta na (Vila) Formosa, na (Vila) Carrão não
digo, mas na Formosa ele encosta. O Anália Franco a gente deu um jeitinho de
fazer ele crescer...
- É verdade...
- Acontece muito, é que nem na Vila Nova Conceição também, que era desse tamanho (três quarteirões), Perdizes, Pompéia... tem lugares que não são
Pompéia e não são Perdizes, mas foram crescendo e chegaram até lá embaixo, no vale... não é verdade?
Apesar dessa verticalização, o distrito do Tatuapé teve, entre 1991 e 1996, um decréscimo populacional,7 o que indica uma provável mudança de composição social, com
a possível remoção de parte da população original para áreas mais desqualificadas, o que
poderia constituir a pauta de uma futura pesquisa para averiguação e aprofundamento.
Tudo o que já foi mencionado leva a crer que a área hoje formada pelo Tatuapé e Anália
Franco constitui um território à parte, um enclave marcado por uma forte intervenção do
capital imobiliário e pela distinção social, mais do que propriamente uma nova tendência
de urbanização na Zona Leste.
O Shopping Anália Franco8 dialoga com esse enclave de várias formas, constituindo,
apesar das razoáveis proporções, um shopping de vizinhança voltado preferencialmente à
clientela local, de alto poder aquisitivo – conta com 240 lojas, 12 salas de cinema, um
grande supermercado (Carrefour) e duas lojas "âncora" (Jornal da Tarde, 12/7/98).
A visita ao Jardim Anália Franco em dezembro de 1999 realmente constatou uma
paisagem urbana sui generis na Zona Leste, marcada tanto por casas térreas ou sobrados de classe média, ligados à sua formação inicial, quanto à recente e acentuada verticalização, sobretudo numa área próxima ao shopping center, em torno da Av. Regente
Feijó, R. José Oscar Abreu e R. Maestro de Oliveira Torres – atestando um impressionante quadro de verticalização de alto padrão.
A visita ao interior do shopping revelou uma arquitetura aparentemente semelhante
a outros estabelecimentos da Multiplan, embora, num contraponto com o Shopping Morumbi (1982, hoje com 412 lojas), talvez se façam mais presentes lojas para um público
de maior poder aquisitivo, com uma sucessão de grifes ao longo de seus amplos corredores – como Zoomp, Triton, Brooksfield, M. Officer, Viva Vida, Tok & Stok, Polo Ralph Lauren, Saraiva Music Hall e outras, sem falar da presença de uma pequena galeria de arte,
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Nara Roesler (filial da situada na Av. Europa), além da organização regular de concertos e
palestras, compondo no conjunto uma ambiência de maior "sofisticação".
Tratava-se então de um shopping ainda pouco apropriado pela população do
entorno, uma vez que a visita se deu menos de um mês após sua inauguração, quando
várias lojas nem sequer haviam sido abertas. Entretanto predominavam, no horário do
meio da tarde, mulheres adultas e alguns homens em trajes "executivos" – todos denotando sua origem muito provavelmente ligada à classe média alta, quase não havendo
grupo de jovens circulando pelo local. Ainda que, de um modo geral, a estratégia de
shoppings desse tipo não seja incentivar uma excessiva utilização para o lazer, o que restringe razoavelmente a afluência de grupos jovens, somente uma observação cuidadosa
no futuro poderá confirmar tal hipótese com segurança.
Shopping Aricanduva: a relação
com as periferias consolidadas
Já o Shopping Leste Aricanduva vem desenvolvendo uma nova frente de expansão
do grande comércio varejista na Zona Leste, tal como fizera o Shopping Center Norte
com relação a uma área mais abrangente, desde meados da década de 1980. Está localizado no distrito de Cidade Líder, na Av. Aricanduva, junto ao Anel Viário Metropolitano,
que liga a Zona Sul à Zona Leste de São Paulo (passando por Diadema, São Bernardo
do Campo e Santo André), além de conectar-se à Marginal Tietê na altura da Penha, próximo às rodovias Pres. Dutra e Fernão Dias, beneficiando-se dessa posição privilegiada
quanto aos eixos viários metropolitanos – numa área atendida por 104 linhas de ônibus.
Tendo em vista a visão de Yvone Mautner a respeito do caráter dinâmico e mutante
da periferia como fronteira de expansão do capital, a instalação desse shopping poderia
vir a representar, por assim dizer, uma quarta etapa de desenvolvimento dessa área periférica, com uma temporalidade mais rápida, relativa à chegada de grandes equipamentos
de consumo, após a inicial construção de casas em lotes clandestinos, a regularização da
área e a instalação de equipamentos urbanos e a chegada dos primeiros equipamentos
de consumo e produção (Mautner, 1999, pp. 254-257). Em áreas próximas ao shopping
vêm sendo observados investimentos em lançamentos residenciais para moradores que
ganham a partir de 5 salários mínimos (O Estado de S. Paulo, 28/11/1999).
O Shopping Aricanduva9 representa uma enorme concentração de comércio e
serviços na região, fazendo parte de um grande complexo comercial que inclui dois hipermercados – Extra e WalMart –, um atacadista – Makro –, o Auto Shopping – especializado em automóveis – e o Interlar – especializado em decoração. É também nítida a
presença de multinacionais em ramos usualmente dominados pelo capital nacional, como
o Castorama – o maior grupo francês varejista de material de construção, com 164 lojas
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pelo mundo, que abriu a primeira no Brasil (com 60 mil itens e 17 mil m²) em setembro
de 1997, ao lado do Aricanduva - e o Cinemark - quinta maior empresa norte-americana
de multiplex (complexo de salas de cinema), que em 1998 abriu 14 salas nesse shopping
(Jornal da Tarde, 25/9/97 e 23/1/98). Segundo sua própria divulgação publicitária, o
shopping abrange consumidores de uma vasta área da Zona Leste, formada por Vila Matilde, Vila Carrão, Vila Formosa, Itaquera, Tatuapé, Penha, Parque do Carmo, São Mateus
e São Miguel (todos na Zona Leste), além dos municípios de Guarulhos e do ABC.10
A estratégia de trabalhar com um público de menor poder aquisitivo, com menores
margens de lucro mas maior volume de vendas, já observada nos anos 1980 na prática
de inúmeros lojistas do Center Norte ou, por exemplo, do grupo Carrefour, reproduz-se
aqui, no novo quadro econômico da década de 1990. Uma publicação do setor varejista
mostra como shoppings que incluem as classes populares em seu "público-alvo" têm
crescido no Brasil, principalmente a partir da implantação de estabilização econômica do
Plano Real, com vendas, no caso de São Paulo, que aumentaram em 20% em um ano
(entre 1996 e 1997), quatro vezes mais do que nos shoppings situados em áreas nobres
(O Empreendedor, jun/1997, S.P.). Ainda que esse aumento da renda da população de
baixa renda mereça uma melhor averiguação, o fato é que essa tem sido uma estratégia
do grande comércio varejista.11
Na visita ao Shopping Aricanduva (dez/1999) foi possível averiguar que o mesmo
se instalou num grande vazio urbano sem tradição comercial anterior, numa área marcada
por um impressionante cenário de habitações precárias que compõem a paisagem de Cidade Líder, Aricanduva, São Mateus e outros bairros das proximidades, não sendo fortuita
a existência, nas adjacências, de grandes estruturas de venda de material de construção,
como o Hipermercado da Construção Center Líder (além do já citado Castorama).
O complexo formado pelo shopping e pelos outros estabelecimentos tem realmente
dimensões impressionantes (ver o impacto do shopping na dinâmica de comércio e serviços da Zona Leste, observando a mancha mais escura no centro do Mapa 3), com uma paisagem marcada por várias vias de acesso e seus códigos de orientação, organizadas tanto
para veículos como para o transporte coletivo, pelas vastas superfícies de estacionamento,
pelas edificações comerciais – quase todas térreas – e por seus respectivos ícones.
Tendo em vista a estratégia presente em shoppings como o Aricanduva – que
se refere ao cluster de lojas, redes de serviços, franquias, hipermercados e magazines,
com uma associação de capitais multiestratificada que concatena o pequeno, médio e
o grande capital comercial, associado por sua vez ao capital imobiliário e financeiro –,
pode-se dizer que os corredores internos desse shopping, um pouco mais estreitos e
menos luxuosos, com uma arquitetura interna mais modesta quando comparada a outros
shoppings, constituem de certa forma o espaço da predominância do pequeno capital,
já que ali se espalham lojas, na maioria, de pequeno porte. Boa parte dos nomes são a
princípio desconhecidos, embora só um estudo mais detalhado pudesse confirmar esse
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 43-66, 2º sem. 2001
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dado. A loja de calçados Nicolette, existente no centro de Itaquera, na Zona Leste, também se encontra no shopping, o que nos leva a uma interrogação sobre a proporção de
redes de comércio da região ali incorporadas. Outra prática comum em muitas lojas do
Aricanduva é a existência de crediários que permitem, por exemplo, a compra de móveis
em 12 pagamentos sem juros, verificada em magazines mais populares.
O público freqüentador do shopping, observado no início da tarde de um dia de
semana num mês natalino, é bastante diversificado, configurando um quadro composto
por membros das classes médias e das classes populares, sendo que boa parte da clientela, como ocorre nos shoppings em geral, é feminina e adulta, circulando sozinhas ou
acompanhadas de filhas, mães, etc.
Entretanto, um dado realmente diferencial desse espaço em relação aos centros
tradicionais é a profusão de grupos de jovens e adolescentes, com roupas típicas dessa
faixa etária, formando grupos maiores e mistos – que chegavam até a doze pessoas – ou
duplas e trios. O que se nota, comparando-se com a clientela usual dos shoppings das
áreas mais centrais, é um razoável número de mulatos e negros, invariavelmente de boné, camiseta, bermuda, tênis ou chinelo, muitos de óculos escuros, compondo um visual
identificado popularmente e na grande imprensa como os manos (sem falar das correspondentes femininas, as minas). De toda forma, só um estudo mais aprofundado poderia
averiguar as redes de sociabilidade formadas por esses grupos, sobretudo em torno dos
equipamentos de lazer (Frúgoli Jr., 1992), encontrados numa quantidade razoável dentro
do shopping, dada a existência de duas grandes praças de alimentação, bancos dos corredores, cinemas, vídeo games, etc.
.
Deve-se ressalvar, entretanto, que a multiplicação de shopping centers, em si, não
está necessariamente ligada à reestruturação urbana. Mas dentro do desafio de pensar a
articulação desses estabelecimentos com esse processo – ligado a fenômenos como a
desindustrialização, o novo papel do setor de serviços e de intervenção urbana do grande
capital, os novos padrões de localização da moradia, entre outros –, isso não significa
assumi-los apenas como espaços constitutivos de enclaves excludentes, mas também
como locais que vêm incorporando de forma massificada as classes médias e, sobretudo,
as populares (tanto na estrutura de consumo como na de lazer e entretenimento), incluindo sua inserção nos territórios das periferias consolidadas.
O quadro até aqui rapidamente caracterizado – repetindo que se trata de uma
primeira aproximação, de caráter preliminar, com relação aos espaços comerciais da Zona Leste – procurou fixar as principais características sociais desses locais, abrindo na
verdade interrogações que doravante poderão ser retomadas em futuras pesquisas, explorando melhor os impactos ligados à heterogeneidade trazida pela presente reestruturação da região.
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Conclusão geral
Dentre as constatações da presente pesquisa, portanto, destaca-se a relativização da desindustrialização, em geral fortemente identificada aos processos de reestruturação urbana. Na verdade, no caso da Zona Leste, que representa uma vasta
porção do território paulistano, ocorre, simultaneamente, uma desconcentração e uma
reconversão industrial, com a dispersão de pequenas indústrias por distintos bairros e,
ao mesmo tempo, tanto alterações tecnológicas quanto uma forte precarização empregatícia. Isso certamente nos distancia dos processos havidos nos países do capitalismo avançado – como no caso da Inglaterra e dos Estados Unidos –, muitas vezes marcados por um efetivo esvaziamento das atividades industriais. No caso de São Paulo,
embora a presença de vazios nos antigos distritos industriais seja fato, a proliferação
de novos estabelecimentos, de pequeno porte, espalhados pelo tecido urbano, não nos
permite apontar uma “desindustrialização” e a constituição de uma “metrópole eminentemente terciária”.
Os amplos territórios da periferia paulistana também ensejam mais análises voltadas às suas crescentes diferenciações internas, destacando-se no presente estudo
ao menos duas tipologias significativas: as periferias consolidadas – algumas das quais
acompanhadas pelo surgimento aleatório de focos de estruturação do comércio varejista globalizada e monopolista e poder de consumo (como hipermercados e franquias de
grandes grupos transnacionais, como Carrefour e McDonald's) – e novas áreas de expansão das fronteiras periféricas – marcadas por altíssimos graus de exclusão territorial.
De certo modo, o modelo centro-periferia, que durante décadas deu conta das
principais dinâmicas urbanas em curso em São Paulo e em outras grandes cidades, continua marcando, de certa forma, as principais tendências de organização territorial metropolitana, ainda que diversos fenômenos possam estar gradativamente a relativizá-lo,
como a diminuição perversa da segregação social, a auto-segregação de grupos sociais
com maior poder aquisitivo (muitas vezes em áreas mais periféricas), a melhoria urbanística de bairros populares periféricos (acompanhada de expulsão de parte da população
após as melhorias), a possibilidade da ampliação de espaços metropolitanos “fractais”
(simultaneamente mais homogêneos no macro e mais heterogêneos no micro), o processo de desdobramento da centralidade do setor terciário moderno, entre outros (Rolnik et
alii, 1990; Caldeira, 2000; Ribeiro, 2000; Taschner & Bógus, 2000; Frúgoli Jr., 2000).
O que o presente estudo aponta é que, quanto à dinâmica da reestruturação urbana em curso em São Paulo, há necessidade de se diferenciar os fenômenos que se
observam no quadrante sudoeste, marcados de certa forma pela hegemonia do setor
terciário moderno, e os que observam na Zona Leste, cujas características já assinaladas
– desconcentração e reconversão industrial, a inscrição territorial do comércio varejista
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moderno, verticalização de áreas periféricas – podem apontar, a depender de novos
aprofundamentos, para novas formas de espacialização da desigualdade na metrópole.
Raquel Rolnik
Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
e técnica do Instituto Pólis. Responsável pelo projeto.
Heitor Frúgoli Jr.
Professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista Campus de Araraquara,
visitou algumas áreas do comércio varejista tradicional e moderno da Zona Leste, em colaboração à
presente pesquisa.
E-mail: [email protected]
Notas
* O presente artigo é uma versão modificada do paper originalmente apresentado no XXIV Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
– Anpocs (Petrópolis, outubro/2000), no Grupo de Trabalho "Cidade e Metropolização", na
Sessão "Transformações Econômicas e Re-estruturação Urbana". Agradecimentos a Kazuo
Nakano (responsável pela edição final de todos os mapas deste texto), a Wanderlei Oliveira,
à Fundação para o Desenvolvimento da Unesp – Fundunesp (pelo auxílio concedido para a
participação de Heitor Frúgoli Jr. neste encontro) e aos comentários dos colegas por ocasião
da exposição do trabalho.
1. Finalizado em janeiro/2000. Inicialmente, em função de disponibilidade de bases de dados,
trabalhamos apenas com o município de São Paulo.
2. O quadrante sudoeste de São Paulo, onde se concentra a maioria das classes média e alta, é a
região de maior taxa de motorização e também aquela que tem o sistema viário mais desenvolvido da cidade, abrigando a maior concentração de avenidas, vias expressas e empregos
(Rolnik et alii, 1990, p. 149).
3. Marques e Bichir (2001, p. 12) mencionam a existência atual de "hiperperiferias", em que as
condições de vida, apesar da dificuldade de comparação, parecem ser muito piores que as
“periferias da espoliação” dos anos 70 (Kowarick, 1979).
4. Apesar de serem mapeamentos realizados utilizando fontes e metodologias diferentes, vale
a comparação, pois o objetivo não é ter urna idéia precisa de cada indústria, mas uma visão
geral da inscrição territorial da produção em dois momentos da história de São Paulo.
5. Configura-se, segundo um autor, um aparente paradoxo: "(...) os espaços das cidades que estão
no centro da globalização e da reestruturação produtiva tornam-se na verdade globalmente
mais homogêneos, quando o examinamos na escala macro, e simultaneamente mais fraturados, quando o fazemos na escala micro" (Ribeiro, 2000b, p. 68).
6. Sobre enclaves em São Paulo, ver Caldeira (2000).
7. Censo Demográfico 1991 e Contagem Populacional 1996, IBGE
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Raquel Rolnik e Heitor Frúgoli Jr.
8. Empreendimento da Multiplan, empresa que construiu e administra o Morumbi Shopping
(São Paulo), o Barra Shopping (Rio de Janeiro), além de outros, em Belo Horizonte, Brasília e
Ribeirão Preto.
9. Do Grupo Savoy, que também possui o Central Plaza Shopping, em Vila Prudente (Zona
Leste).
10. Dados disponíveis na homepage http://www.aricanduva.com.br
11. “Com a estabilização e o aumento do poder aquisitivo da população da periferia, os shoppings
que se instalaram nas direções leste e norte da cidade de São Paulo, como o Aricanduva, p.
ex., onde funciona uma loja do Extra Hipermercado, do Grupo Pão de Açúcar, estão conseguindo grande sucesso, afirma Marcos Romiti, sócio-diretor da empresa [Pão de Açúcar].
A tendência é popularizar os shoppings para conquistar consumidores de classe econômica
C/D. Tanto assim que a tendência é de aumento de investimentos em áreas emergentes da
cidade de São Paulo, como as regiões de Itaquera e São Miguel, no extremo leste, e na zona
norte do Rio de Janeiro” (SuperHiper, set/98).
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Anexos
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Metrópole e território: metropolização
do espaço no Rio de Janeiro
Fany Davidovich
A complexidade das mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais no mundo de hoje tem um referencial importante na produção do espaço. Questões como redes,
paisagem, identidades regionais e outras transcendem o âmbito da geografia e passam
a constituir tema de diferentes ciências sociais. Importa, assim, considerar os novos usos
do território que contrariam a propalada imagem de uma "homogeneização" do espaço
conduzida pela globalização da economia.
A formação de grandes áreas urbanas, de limites pouco precisos, que se desenvolvem a partir de pólos metropolitanos, representa um dos aspectos relevantes da produção contemporânea do espaço. Já nos anos 1960, designou-se "megalópole" o fenômeno urbano que se elaborava nos Estados Unidos e na Europa. O tema em questão
tem constituído matéria de eventos científicos e políticos. No VI Congresso Internacional
de Metrópoles (Barcelona, março 1999), que reuniu acadêmicos e prefeitos de diversos
centros urbanos europeus, o futuro das cidades representou o eixo das discussões. Duas
considerações tiveram particular impacto:
A "reconfiguração do ambiente construído", que envolve a superação da formacidade tradicional e também a da metrópole, incorporando uma centralidade urbana
específica, que se define no contexto das tecnologias da informação e da globalização
da economia; são áreas em condições privilegiadas de abertura para esse mercado, que
dispõem de densidade de recursos humanos e econômicos, de infra-estrutura e equipamentos técnicos, condições superiores para a atração de negócios e empresas.
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Uma segunda consideração reporta-se à formação de uma rede de megalópoles,
já defendida na reunião do Habitat, em Istambul (1996) e concebida como base territorial
de um mercado globalizado, capaz de efetivar a organização da produção e do consumo
em escala mundial. Problemas e desafios dessa produção do espaço, que se elabora a
partir das metrópoles e que pode ser designada metropolização do espaço, foram também considerados no "Seminário Internacional Grandes Metrópoles del Mercosur" (Santiago do Chile, 1999). Urna realização que afirmou a importância política do Mercosul
para o continente, com base na sinergia de suas megacidades.
No Brasil, uma particularidade decorre, certamente, de uma metropolização do espaço ímpar na América do Sul, já que envolve duas regiões metropolitanas próximas, São
Paulo e Rio de Janeiro, cada qual com mais de 10 milhões de habitantes. A análise empírica
tem revelado que a presença de aglomerações urbanas de tal porte determina um efeito de
"contaminação" de um entorno que se define a uma certa distância da região metropolitana
por efeito da acessibilidade; entorno esse estruturado pela desconcentração de indústrias
e de atividades diversas, atendendo a complementaridades técnicas entre o pólo principal e
os outros centros e, também, à elevação de custos de reprodução na metrópole, em função
do congestionamento, do preço do solo urbano ou da violência, entre outros problemas.
Tais observações introduzem a proposta deste texto, que diz respeito, precisamente, à metropolização do espaço referente ao pólo do Rio de Janeiro, como uma representação da relação da metrópole com o território estadual.
A metropolização do espaço no Rio de Janeiro
Parece válido, mais uma vez, assinalar que a metropolização do espaço compreende, não só a região metropolitana, mas um entorno contíguo definido pela acessibilidade
e pela circulação. Uma produção do espaço que expressa marcas pretéritas e recentes
de processos macro e de processos locais, além das condições do meio físico. Nos limites assumidos para o texto, é nesse enfoque que se pretende centrar a análise, considerando as singularidades da metropolização do espaço no Rio de Janeiro e sua condição
como parte de um todo, regional, nacional ou internacional.
Singularidade da metropolização
do espaço no Rio de Janeiro
A singularidade do processo em questão pode ser, basicamente, atribuída a marcos que a formação histórica pretérita e as políticas públicas imprimiram no atual território
fluminense, fazendo distinguir:
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Um perfil de concentração de população e de atividades que caracterizou a cidade
do Rio de Janeiro desde o passado colonial, quando foi constituída em posto avançado
da metrópole ultramarina, no Atlântico Sul; esse perfil avançou ao longo do tempo,
alcançando auges com o papel de capital do país, a função portuária e, mais tarde, com
a posição metropolitana. Desenvolveu-se, assim, um tipo de dominação sobre o território
estadual, certamente, ímpar na federação brasileira. De fato, hoje, a região metropolitana do Rio de Janeiro concentra cerca de 80% da população urbana de um Estado de
pequena extensão territorial (43.900 km2), onde cerca de 95% dos habitantes vivem em
cidades e vilas.
Um outro aspecto da singularidade do processo em consideração remete à
ausência do imaginário de um pertencer coletivo das populações, em função da inexistência de coesão e de laços de solidariedade territorial. Um legado que ainda permanece
nas identidades carioca e fluminense e que traduz a contradição entre a posição urbana
sucessivamente acumulada pela cidade do Rio de Janeiro e o isolamento secular mantido
em relação à sua interlândia imediata. Na condição de Cidade Real e Município da Corte, até fins do século XVII, o Rio de Janeiro dependia de recursos da coroa portuguesa,
insuficientes para promover o povoamento do interior. No Império, a instituição da cidade
como Município Neutro selou a separação então vigente em relação à província; uma separação que foi sacramentada, também na República, com a criação do Distrito Federal e
do Estado da Guanabara.
A formação do espaço externo à cidade do Rio de Janeiro significou o legado de
um interior fragmentado e de baixo povoamento, durante séculos.
O planalto fluminense somente conheceu ocupação efetiva com a lavoura do café.
Contudo, as características dessa atividade que, entre outros aspectos, baseou-se no
trabalho escravo, não favoreceram o desenvolvimento de uma rede de cidades do porte
da que foi estruturada em São Paulo, facilitada, também, pela topografia dos espigões,
que se abrem em leque no planalto ocidental. A economia do café, em terras fluminenses, concorreu, porém, para a concentração de recursos e funções na cidade do Rio de
Janeiro, através da ampliação do movimento de comercialização e da expansão portuária,
associadas à importância conquistada pelo setor financeiro e pela produção imobiliária.
Acresce que a deca¬dência do café no vale do Paraíba, quase totalmente eliminada na
década de 1950, estimulou a aplicação de capitais em atividades especulativas, as quais
emprestaram um caráter específico à economia da cidade do Rio de Janeiro. Uma contínua agregação de funções, de população e de problemas urbanos convergiu para o
desenvolvimento de uma concentração urbana que ultrapassou os limites político-administrativos da cidade do Rio de Janeiro, e que foi instituída como região metropolitana, no
regime militar, após a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.
Como mencionado, a singularidade da metropolização do espaço no Rio de Janeiro também deve ser reportada à atuação particular de políticas públicas que deriva,
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basicamente, da alavancagem que empreendimentos estatais e federais e setores beneficiados pela política de substituição de importações produziram na recuperação do
território fluminense e na metropolização do espaço. Essa atuação partiu da cidade do
Rio de Janeiro como sede do governo federal e se transferiu parcialmente para Brasília,
com a mudança da capital e a instituição do estado da Guanabara. Patenteou-se, desse
modo, a debilidade da iniciativa do empresariado privado carioca, e afirmou-se a força de
permanência da configuração espacial assim produzida, que tem condicionado reestruturações produtivas mais recentes.
Traços da configuração espacial
do processo de metropolização
Referem-se basicamente:
À concentração urbana em torno da cidade do Rio de Janeiro (10 milhões, 1996/
IBGE), que remete a um processo de causação circular e cumulativa e que se desenvolveu antes mesmo de seu reconhecimento oficial como região metropolitana, incorporando
municípios de outra unidade da federação. A grande indústria teve um papel importante
na estruturação da metrópole, particularmente a construção naval (paralisada desde as
crises dos anos 1980), o refino do petróleo e a metalurgia. Mas, já em 1950, o setor de
serviços prevalecia na economia da cidade do Rio de Janeiro, ponto de afluxo de rendas
procedentes de todo o território nacional e de migrantes, que contribuíram para avolumar
um terciário de baixa qualificação e remuneração.
Um outro componente da metropolização do espaço fluminense reporta-se à separação geográfica entre empresa, sediada na cidade do Rio de Janeiro, e estabelecimento,
localizado a certa distância da metrópole. A atuação das estatais teve representação na
siderurgia e em investimentos sucessivos na produção de álcalis, do petróleo, da energia nuclear. Vários objetivos se cruzaram na criação da Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) e de Volta Redonda (1941), mas um motivo relevante foi a valorização estratégica
da posição geográfica do trecho do vale do Paraíba do Sul, entre Rio de Janeiro e São
Paulo, já então servidas por ferrovia – um trecho do antigo estado fluminense que adquiriu, assim, importância estratégica para o investimento de interesse nacional. Basta
mencionar, também, a presença da Academia Militar, em Resende, e a posição de Volta
Redonda e de Angra dos Reis como municípios de Segurança Nacional, até os anos
1960. Essa importância estratégica teve continuidade no vale do Paraíba paulista, onde
se localizaram batalhões de infantaria, fábricas de pólvora e de armamentos e centros de
tecnologia aeronáutica, que deram suporte à Embraer.
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O Programa Federal de Estradas de Rodagem, na década de 1950, imprimiu, por
sua vez, as linhas principais da organização daquele espaço, ao representar então um aporte tecnológico de acessibilidade. A abertura da Rio-São Paulo (BR-116), da Rio-Santos
(BR-101) e o novo traçado da Rio-Juiz de Fora (BR-040) facultou maior mobilidade à alocação da indústria. Assim, na construção naval, a japonesa Ishikawagima foi atraída para a
baía de Guanabara, reeditando a tradição do lugar, mas a holandesa Verolme pôde se instalar em Angra dos Reis. A fábrica de vagões da Companhia Santa Matilde foi estabelecida
em Três Rios, na direção de Minas Gerais. Mas a rodovia Presidente Dutra representou
o vetor mais importante da aproximação entre Rio de Janeiro e São Paulo, favorecendo o
posicionamento do vale médio do Paraíba do Sul como segundo pólo industrial do estado,
superado apenas pela região metropolitana. Desse modo, parte considerável do entorno da
metrópole apresenta uma configuração espacial em eixo; o do Médio Vale do Paraíba do
Sul, o do Litoral Sul e o do Litoral Norte (até a Região dos Lagos), o da Rio-Juiz de Fora,
que significam, também, o privilegiamento de alguns lugares, em detrimento de outros.
Os limites dessa configuração espacial estão compreendidos na distância de até
pouco mais de duas horas a partir da metrópole, por asfalto e em linha reta, privilegiando a orientação para São Paulo. Formou-se, assim, nítida diferenciação com o resto do
estado, onde tem prevalecido o atraso econômico e as funções urbanas tradicionais, à
exceção da atividade petrolífera na bacia de Campos.
A reestruturação produtiva, basicamente acionada pelas crises do Estado e por
injunções da nova ordem econômica mundial, implicou muito mais alteração em função
dos lugares dos que na configuração espacial estabelecida.
Implicações da reestruturação produtiva
Uma primeira observação cabe ao avanço do capital imobiliário atendendo à expansão do turismo e da segunda residência, principalmente ao longo da Costa Verde, no
eixo da Rio-Santos, substituindo-se à estagnação industrial, que se estendeu da Usina
Nuclear e do estaleiro Verolme até a Valesul, já na orla da região metropolitana. A construção da ponte Rio-Niterói e da rodovia BR-106 facilitou o investimento imobiliário na
Região dos Lagos, também favorecido pela oferta de loteamentos que sucedeu ao aterro
de salinas e à desativação da Companhia Nacional de Álcalis.
Outras implicações da reestruturação produtiva tem se manifestado no eixo do Médio Vale do Paraíba do Sul. A Companhia Siderúrgica Nacional representou um expoente no processo de privatização, afirmando-se na elevação dos níveis de produtividade e
na flexibilização dos contratos de trabalho, que se fizeram acompanhar do desemprego.
O ingresso de capitais privados internacionais tem uma representação particular na instalação de montadoras de veículos, transferidas dos países de origem com demanda
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saturada e beneficiadas com isenção fiscal: são exemplos a fábrica de caminhões especiais da Volkswagen, única na América Latina, e a da Peugeot-Citroen, em Porto Real,
fábricas que têm estimulado a implantação de várias indústrias complementares. Trata-se,
portanto, de uma localização singular da indústria automobilística no país, que apenas se
reproduz no entorno da região metropolitana de São Paulo, constituindo-se em fator de
acentuação de metropolização do espaço, já que o setor automotivo tem sido basicamente um elemento de estruturação de periferias metropolitanas.
No entorno que corresponde à região serrana do Rio de Janeiro, onde prevaleciam
a indústria têxtil e atividades turísticas, mudanças mais sensíveis se referem aos objetivos de desenvolver um pólo tecnológico; esses objetivos não alcançaram êxito em Nova
Friburgo, atual centro de confecções de moda íntima feminina, mas que progridem em
Petrópolis, com a transferência do Laboratório Nacional de Computação Científica da
capital.
É, porém, na região metropolitana propriamente dita que têm lugar as mudanças
mais complexas, envolvendo não só funções novas, como também tendências de reorganização do espaço. São iniciativas de instrumentalização da metrópole para atender
a pressões de competitividade impostas pela globalização da economia, no sentido de
capacitá-la para a atração de negócios e investimentos vindos de fora. Trata-se, por
exemplo, do desenvolvimento de requisitos de velocidade através de tecnologias da informação e das telecomunicações, que têm representação na Embratel, na lntelig e no
Teleporto, e apoio em sistemas de transmissão de dados através de cabos de fibra ótica.
Mas é preciso considerar, ainda, as tendências, que estão em curso, de reorganização espacial da região metropolitana. Essas tendências se afirmam em setores para os
quais concorrem diversas injunções, tais como a do fortalecimento do município que a
Constituição de 1988 estabeleceu ou a das dificuldades de governabilidade ante a extrema heterogeneidade econômica e social da área.
Um primeiro setor diz respeito à cidade ou município do Rio de Janeiro, que concentra a esmagadora maioria das atividades comerciais, financeiras, industriais e de serviços da região metropolitana. O acervo político, cultural e tecnológico que acumulou, como capital do país, constituiu suporte para a instalação do que Santos (1994) denomina
contexto "sociotécnico", que atribui novos valores a lugares e objetos. Niterói corresponde a um outro setor da região metropolitana, devido, igualmente, ao legado políticoadministrativo da função de capital do antigo estado do Rio de Janeiro e à vigência atual
de indicadores de qualidade de vida elevada.
Um terceiro setor refere-se a um agregado de municípios, a Baixada Fluminense,
onde vivem mais de 2 milhões e 700 mil pessoas, que representam expressivo potencial
de mercado, um dos motivos para a atração dos investimentos que vêm sendo programados para a área. É preciso considerar porém, as novas centralidades que se desenvolvem nessa periferia da metrópole, como as de Duque de Caxias e de Nova Iguaçu, que
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evidenciam tendências de crescente heterogeneidade da área. A construção de grandes
vias expressas, como a Linha Vermelha, a Via Light (estaduais) e a Linha Amarela (municipal), de viadutos extensos e de outras obras constituem novos eixos de estruturação do
espaço metropolitano e de ligações mais rápidas do aeroporto internacional com a Zona
Sul, a Barra da Tijuca e o Riocentro, a favor da expansão do turismo de negócios.
Algumas colocações devem ser ainda consideradas neste tópico. A dinâmica atual
da iniciativa privada, as privatizações e as novas funções de lugares, que vêm caracterizando o processo de metropolização do espaço no Rio de Janeiro, introduziram mudanças no sistema de relações. Assim, a fábrica de caminhões da Volkswagen, em Porto
Real, antigo distrito de Resende, dispõe de tecnologia de última geração na montagem
de veículos e de um moderno sistema de gestão, o do "consórcio modular": parcerias
com grupos empresariais distintos atendem ao fornecimento de diferentes componentes,
enquanto a logística e a engenharia do produto, a garantia de qualidade e o contato com
o cliente estão a cargo da Volkswagen. Essa empresa mantém uma rede digitalizada própria, que conecta seus estabelecimentos em São Paulo, na América do Sul e na Alemanha através da ligação com a rede de fibras óticas da Embratel.
Por sua vez, a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, representou uma fase nova para a indústria, seriamente afetada pelas crises dos anos
1980, que repercutiram também na influência que exercia sobre as atividades industriais
e comerciais do Médio Vale do Paraíba do Sul e os movimentos da população. A modernização em curso envolve projetos diversos, referentes, por exemplo, ao abastecimento
de energia, em consórcio da CSN com a Siemens, e à fabricação de aços planos galvanizados e de aço inoxidável, em parceria com a Krupp-Thyssen: a incorporação de tecnologias novas na produção de um aço de alta resistência visa a uma participação mais
agressiva da siderurgia brasileira num comércio mundial em crescimento. A mudança de
relações que a reestruturação produtiva opera nesse entorno da região metropolitana
tem ainda outras implicações. Pode-se aludir, principalmente, à modificação que o desemprego produz num padrão urbano, formado pelas ligações entre um pólo principal de
mercado de trabalho e os movimentos diários da população de cidades vizinhas. Pode-se
assinalar, também, que o Mercosul desponta como um alvo que concorre com a primazia
de São Paulo nas relações que se desenvolvem no território fluminense.
Problemas da metropolização
do espaço do Rio de Janeiro
A metropolização do espaço, acentuada pela reestruturação produtiva, não tem
sido suficiente para subverter as condições de perda de velocidade que vêm caracterizando a economia estadual e que têm sinalização, por exemplo:
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Nas dificuldades que a falta de um Pólo Petroquímico tem representado para o desempenho econômico da própria região metropolitana – obras do futuro Polo Gás-Químico estavam programadas para 2001; os problemas de natureza política e econômica, que
têm obstaculizado a efetivação do porto de Sepetiba também revertem em perda de velocidade para a economia estadual; do mesmo modo que a frustração do projeto Iridium,
de telefonia celular por satélite, para a posição continental da metrópole carioca nas telecomunicações. Indicadores econômicos negativos se somam a esses problemas, como o
da indústria têxtil (-24%, 1997) ou o de um setor que detém grande influência no Custo
Brasil, como a construção naval (-31%, 1997). É fora do espaço da metropolização que o
crescimento econômico do estado tem encontrado suporte, representado pela indústria
do petróleo e do gás natural, que assegurou o índice de 10,3% entre 1997 e 1998.
A reestruturação produtiva em curso tem reafirmado a metropolização de um dado
espaço do território estadual: projetos recentes de recuperação da produção envolvem
novos atores sociais através de parcerias, convênios ou consórcios com empresas estrangeiras, mas, afinal, dizem principalmente respeito às mesmas indústrias anteriormente
existentes e aos mesmos lugares.
A configuração espacial desse processo de metropolização implica, portanto acentuada seletividade de lugares e marginalização de outros, quanto a níveis de urbanização
e industrialização. Verifica-se, assim, que lugares que margeiam o eixo do Médio Vale do
Paraíba do Sul, como os municípios de Quatis, Itatiaia, Rio Claro, Rio das Flores e Piraí,
não possuem instituições de ensino de 3º grau; vilas constituídas em núcleos dormitórios
junto a áreas de atividade econômica mais importante apresentam condições precárias
de infra-estrutura urbana e de acessibilidade. Deve ser ainda considerado que a periferia metropolitana, durante largo período, deixou de ser contemplada por investimentos,
enquanto indústrias e atividades diversas se localizaram em áreas do entorno: a zona
serrana e, principalmente, o sul e centro-sul do território fluminense passaram a ser alvo
de recursos públicos e privados importantes, devido à valorização de sua posição estratégica em relação à circulação com os estados de São Paulo e de Minas Gerais.
A metropolização do espaço no Rio de Janeiro, que constitui uma representação
das desigualdades econômicas e sociais do estado, não favoreceu, portanto, a integração efetiva do território, que é afetada pela prevalência de uma baixa conectividade viária:
ela responde pelos elevados fretes e custos de operação, 31% a mais do que em outras
unidades da federação, e pela fraca articulação entre as diferentes áreas do estado, que
inclui as ligações dos entornos da região metropolitana – insulação relativa e recíproca
que envolve o Vale do Paraíba do Sul, os eixos do litoral sul e norte e a zona serrana. É
preciso, porém considerar que problemas de integração efetiva do território fluminense
podem ser primordialmente atribuídos a um processo econômico que atende a interesses macro, de escala nacional; o território como suporte logístico de implantações, com
características de enclave, públicas e privadas internacionais. A Companhia Siderúrgica
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Metrópole e território: metropolização do espaço no Rio de Janeiro
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Nacional teve esse papel, bem como a Álcalis, o Estaleiro Verolme, a Usina Nuclear, a
indústria automobilística ou a exploração do petróleo, entre outros empreendimentos, que
foram acionados pelo objetivo nacional, em diferentes períodos da economia e da política
do país. Tais características de enclave se reproduzem na região metropolitana: a Refinaria de Duque de Caxias e o futuro Polo Gás Químico, a Embratel em Itaboraí, o Porto
de Sepetiba. Colocam-se, desse modo, em pauta problemas de integração da metrópole
pelo lado da produção e não apenas pelo lado da dimensão do mercado de trabalho que
a cidade do Rio de Janeiro ainda representa para populações de municípios contíguos,
submetidas a longas e penosas migrações diárias.
As observações até aqui apresentadas remetem à parte inicial do texto, referente
à questão das grandes manchas urbanas características da produção contemporânea
do espaço.
Observações finais
Um primeiro ponto faz assinalar que a mancha urbana no Rio de Janeiro corresponde ao que foi designado espaço da metropolização e se restringe a alguns eixos, tendo a
região metropolitana como centro. Mancha urbana que se opõe à de São Paulo, onde se
espraiou em área e não apenas em linhas e pontos. Tal diferença também se manifesta
em valores; a proposta de uma Região Urbana Global (IPEA, 1999), apoiada no eixo Rio
-São Paulo indicou, por exemplo, que a porção paulista compreende 64% da área considerada, enquanto sua região metropolitana perfaz 51% do PIE total.
O Rio de Janeiro mantém-se como segundo pólo econômico do país, contando
com a dimensão do mercado e da qualificação da mão-de-obra. Mas ainda é a sua capital
que centraliza a maioria desses atributos. Empresas de serviços respondem por 66% do
PIB estadual, sobressaindo as telecomunicações, as estatais privatizadas, os principais
fundos de pensão, que sustentam a cidade como centro político de uma esfera de decisões e de negociações.
Importa, porém, considerar até que ponto um desenvolvimento sustentável para o
território fluminense, que inclui a região metropolitana, ainda depende do aporte de recursos federais, que tem se mostrado limitados. Projetos como os da Região Urbana Global
ou de uma integração estratégica com o sudeste que envolvem o Rio de janeiro podem
representar condições inéditas de crescimento, ainda que não impliquem, necessariamente, integração econômica e social do território.
Fany Davidovich
Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (IPPUR/UFRJ).
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 67-77, 2º sem. 2001
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Fany Davidovich
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Mudanças socioespaciais e estrutura
social da Região Metropolitana
de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
Rosetta Mammarella
Tanya M. Barcellos
Mirian Regina Koch
A problemática social das grandes metrópoles brasileiras tem sido amplamente
focalizada no âmbito dos estudos acadêmicos e nos debates políticos. Na tentativa de
compreender a dinâmica que está na base da transformação do perfil das grandes cidades, são cada vez mais considerados fatores relevantes os processos de globalização e
de reestruturação produtiva. O ponto para onde converge o debate teórico é a polêmica
em torno da tese da global city,1 segundo a qual a globalização tenderia a resultar numa
dualização da estrutura social. Esta vertente explicativa demarca as conseqüências desses processos pela desindustrialização e terciarização da economia e por uma dualização
do mercado de trabalho, que passa a se caracterizar por empregos altamente qualificados e bem remunerados, juntamente com ocupações de qualificação inferior e baixa
remuneração, traduzindo o futuro das metrópoles em hipóteses de polarização social. A
decorrência mais direta da globalização seria, portanto, uma alteração da estrutura social,
com a ampliação dos extremos e uma retração das camadas médias, na direção de um
formato de tipo ampulheta, com um aprofundamento da concentração da renda e das
desigualdades sociais.2
O movimento de reestruturação produtiva incide, portanto, sobre o desenvolvimento econômico e social, como processos articulados, com desdobramentos espaciais e
com repercussões na estrutura social. A identificação das mudanças que ocorreram na
estrutura econômica da década de 90, em especial em regiões dinâmicas e de forte
concentração urbana, como é o caso das áreas metropolitanas, constitui-se em substrato
para avaliar não só os impactos sobre as grandes cidades como sobre o perfil da estrutura social.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
80
Rosetta Mammarella, Tanya Barcellos e Mirian Koch
O problema que estamos querendo discutir neste trabalho está relacionado em
grande medida a essas considerações. Nossa indagação central diz respeito à situação
da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), que, embora sem o porte das grandes
metrópoles brasileiras,3 sofre os impactos desses macroprocessos. Ao mesmo tempo
nos perguntamos que características estariam se esboçando na estrutura social dessa
área, que apresenta diferenciações internas muito nítidas em termos de estrutura produtiva, de formação histórica e de configuração de seu espaço territorial, pois se situa num
eixo industrial que se estende até a região de Caxias do Sul, sendo, ao mesmo tempo,
circundada por uma área de crescente expansão econômica e demográfica.
Nosso objetivo é apresentar alguns resultados preliminares da pesquisa “Desigualdades socioespaciais na RMPA”,4 particularmente no que diz respeito à análise da
estrutura social, de modo a avançar mais um passo na contribuição que o estudo vem
trazendo para o debate sobre as tendências de crescimento das grandes metrópoles
do país. Trazemos, assim, uma primeira abordagem acerca da hierarquia social dessa
Região, procurando descrever suas principais características e verificar as mudanças
ocorridas entre 1980 e 1991. Foram consideradas, dentro da RMPA,5 pelo menos três
espacialidades que apresentam traços econômicos diferenciados: a área que concentra
a produção coureiro-calçadista, polarizada por Novo Hamburgo e São Leopoldo (RMPA
1); a área polarizada por Porto Alegre (RMPA 2); e o município de Porto Alegre.6
Além da abordagem da estrutura social, o texto contempla uma leitura sintética da
sua problemática social, vista através das principais variáveis de renda e instrução, bem
como uma contextualização da área, especificamente no que diz respeito às tendências
mais recentes de conformação da estrutura produtiva e do mercado de trabalho.
A análise efetuada tem por base, fundamentalmente, os dados dos censos demográficos de 1980 e 1991, que foram utilizados particularmente para o exame da estrutura
social, da renda e da instrução, e as informações da FEE sobre o Valor Adicionado Bruto
(VAB) a preço básico, relativas aos anos 1990.7 Embora com temporalidades distintas,
acreditamos que os nexos existentes entre as abordagens do contexto econômico e do
mercado de trabalho da metrópole, de um lado, e da sua estrutura socioocupacional, de
outro, são encontrados na problemática da globalização/reestruturação. A última década
deixa mais claros os impactos desses processos que já podem ser divisados em algumas
mudanças entre 1980-1991. Embora não possamos estabelecer correlação direta entre
o movimento que ocorre no âmbito do processo produtivo e os fenômenos sociais, eles
mantêm relações de interdependência. Nesse sentido, acreditamos que o conhecimento
das mudanças recentes na economia e no mercado de trabalho, de certo modo, permitenos levantar algumas hipóteses sobre as transformações na estrutura social dos anos
1990, e com isso, minimizar a defasagem com relação aos dados sobre as categorias
socioocupacionais, que só estarão disponíveis após a divulgação do Censo 2000.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
Mudanças socioespaciais e estrutura social da RM de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
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A estrutura produtiva e o mercado de trabalho
metropolitano: uma visão sintética dos anos 1990
O contexto econômico no período recente
Mesmo que de maneira diferenciada, as mudanças ocorridas no capitalismo mundial no período mais recente afetam todos os países e regiões. O Brasil, desde o final
dos anos 1970, vem incorporando em sua economia os efeitos da reestruturação internacional e o conjunto de princípios e propostas gestado pelos países centrais. Mas foi
nos anos 1990 que essas medidas foram incorporadas na política econômica nacional.
Do ponto de vista econômico, o Plano de Estabilização (Real) constitui-se no principal
elemento de diferenciação do desempenho da economia nacional e gaúcha em relação à
fase anterior (Alonso, 2000).
Para a análise do comportamento da economia metropolitana do RS, nos anos
1990, temos de ter presente esse conjunto de questões que dão conta do novo regime
de acumulação em nível nacional, que tem estreita articulação com o desenvolvimento da
economia estadual.
A análise da estrutura econômica da RMPA se detém nas mudanças que ocorreram na década de 1990, verificando se elas apontam uma nova formatação, com substituição da predominância dos setores tradicionais para os setores modernos da economia, fenômeno característico das grandes metrópoles. Para tanto, utilizaremos os dados
do VAB, total e setorial, agregados para a RMPA e suas duas sub-regiões, e para Porto
Alegre, nos anos de 1990, 1996-1998.
Conforme Alonso (2000), a característica econômica mais importante da RMPA é
a concentração, em seu território, das atividades industriais e de serviços, decorrente de
um processo que se estabeleceu até o final dos anos 1970, embora, na década seguinte
essa tendência se enfraqueça, com redução da participação da RMPA no total da produção estadual. A crise que se estabeleceu a partir do final dos anos 1970 e que persiste
nos 1990, tem implicações sobre a capacidade da Região em manter seu nível de importância na economia estadual.
Uma abordagem inicial do VAB aponta, efetivamente, para a diminuição do peso
da RMPA no conjunto da economia gaúcha no período entre 1990 e 1998. Em 1990, a
Região gerava 38,92% do VAB do estado, passando para 36,14% em 1998. Essa perda
atinge todos os setores da economia, à exceção das atividades de comércio, o único que
apresentou desempenho positivo no período (cresceu de 45,87% para 48,92% entre
1990 e 1998). A redução mais significativa foi na atividade industrial da Região, cuja participação se reduziu de 48,22%, em 1990, para 44,64%, em 1998.
A retração da década não é linear no tempo. A partir de 1996, constatamos
avanços na economia metropolitana, expressos tanto pela sua participação no conjunto
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
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Rosetta Mammarella, Tanya Barcellos e Mirian Koch
estadual como pelo seu crescimento. Tomando o triênio 1996-1998, ou seja, o período
pós-Real,8 verificamos uma ligeira recuperação na participação da Região no total do
estado, havendo, inclusive, um crescimento do VAB a taxas um pouco acima das médias
estaduais: 6,76% a.a. na RMPA, e 6,71% a.a. no RS. Os setores que tiveram crescimento acima da média estadual, nesse caso, foram a indústria e o comércio.9
Em termos espaciais, os principais responsáveis pela retração da economia industrial metropolitana na década foram a RMPA 1, cuja contribuição baixou, entre 1990 e
1998, de 13,15% para 11,46% e Porto Alegre, onde verificamos uma redução de 9,49%
para 8,28% na participação que tinha no total do estado.
Um fator explicativo para a situação da RMPA 1 é a crise vivida pelo setor coureirocalçadista em função da abertura comercial no país, com extinção de mecanismos de
estímulo às exportações. Esse setor, que vinha sofrendo forte concorrência dos produtos
asiáticos e europeus, teve sua crise aprofundada a partir da política de câmbio valorizado
em meados de 1994. Essa nova conjuntura obrigou as empresas a adotar mecanismos
de reestruturação a fim de assegurar a inserção do seu produto no mercado internacional, com estratégias que compreendiam, entre outras, a redução de custos com cortes
de pessoal e a intensificação da migração de empresas para outras áreas atrativas.10
Nesse processo, muitas firmas faliram ou tiveram de fechar. Já em Porto Alegre, o processo de desindustrialização relativa, que se instalara ainda nos anos 1970-1980 (Alonso e
Bandeira, 1988), tem se intensificado na medida em que, sistematicamente, retrai a participação do setor industrial no total do estado e se consolidam as atividades de comércio
e do terciário, O peso do comércio em Porto Alegre sobre a estrutura estadual passou de
27,10%, em 1990, para 30,15%, em 1998, aumento esse que está relacionado à modernização do setor e à ampliação do número de shopping centers e de grandes redes de
supermercados na capital.11
Apesar da significativa retração da economia metropolitana entre 1990 e 1998,
ela se mantém predominante no conjunto do estado quando comparada a outros recortes
espaciais.12 As perdas da RMPA, no caso do setor industrial, foram compensadas pelo
aumento do VAR nos principais municípios da Região Norte do estado,13 porém com a
predominância de poucos gêneros.14
Olhando a economia metropolitana na sua composição interna, por setores de atividades, o fato que se destaca, no período entre 1990 e 1998, é a perda de posição
da indústria em favor dos demais serviços, o que denota um movimento de redução da
importância industrial e um aumento do peso do segmento terciário. Da mesma maneira
como observamos na análise da contribuição da RMPA à economia gaúcha, ocorre uma
mudança de patamar na contribuição da indústria na composição interna do VAR metropolitano entre 1990-1998 (de 54,53% em 1990 cai para 46,73% em 1998), sendo
que a menor participação deu-se em 1996 (45,65%). O terciário também muda de patamar, com salto positivo: entre 1990 e 1998 sua participação cresce de 44,02% para
52,56%.
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Mudanças socioespaciais e estrutura social da RM de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
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As espacialidades intrametropolitanas, por sua vez, reproduzem o movimento verificado no conjunto da Região, no que se refere à distribuição interna do produto por
setores da atividade, indicando que após 1996 está ocorrendo uma relativa recuperação
da importância da indústria e uma consolidação do setor terciário na economia.
Essa recuperação da importância industrial da RMPA encontra apoio no quadro
de investimentos previstos para o RS, seja de ampliação da capacidade de produção,
seja de implantação de novos empreendimentos em diferentes ramos industriais. Dados
recentes da Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais (Sedai) apontam a
manutenção de uma concentração da atividade industrial na RMPA, se levarmos em conta que nela se localizam 72% dos investimentos fixos, já fruindo benefício ou em análise,
programados para o estado, através do Fundo Operação Empresa (Fundopem).15 Os setores de maior relevância na composição desses investimentos são o químico-petroquímico e o metal-mecânico, que, no conjunto, representam cerca de 48% do total do estado.
Destacam-se também os setores petróleo, montadoras e componentes automotivos, que
somam em tomo de 15%. Nesse montante de investimento, o número previsto de empregos diretos para a RMPA significa cerca de 43% do total do RS, sobressaindo-se, nesse
aspecto, o setor têxtil, vestuário e calçados.16 Como podemos observar, a geração de
empregos não é da mesma magnitude dos investimentos, demonstrando o predomínio de
empreendimentos com alta capacidade tecnológica e baixa utilização de mão-de-obra.
Analisando a distribuição dos novos investimentos segundo os municípios da RMPA, é em Porto Alegre onde ocorre a maior concentração, quase 23% do total previsto
para o estado. Seguem-se Triunfo (13%), Canoas (10%) Gravataí (9%), todos da RMPA
2, o que sinaliza uma forte concentração do ponto de vista territorial, que poderá agravar
as diferenciações no espaço metropolitano. Ainda é importante registrar a presença de
Alvorada e Viamão, típicas localidades “dormitório” da RMPA 2, no quadro de investimentos da Região. Na previsão de empregos, os que tendem a se beneficiar em maiores
proporções são Porto Alegre (8%), Gravataí (5%) e Charqueadas (3%), e, na RMPA 1,
Novo Hamburgo (4%).
Análise do mercado de trabalho da RMPA17
Em geral, podemos identificar, no mercado de trabalho da RMPA, alguns movimentos que acompanham as tendências observadas para outras áreas do país.18
O primeiro fenômeno que podemos observar no período 1993-1999 é a alteração no perfil de escolaridade da população em idade ativa e que repercute no quadro
de ocupados, que alcançou maior qualificação. Essa se expressa na redução do grupo
sem escolaridade e com o nível fundamental incompleto e no aumento no grupo com
fundamental completo e ensino médio incompleto. Os trabalhadores que completaram o
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
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Rosetta Mammarella, Tanya Barcellos e Mirian Koch
ensino médio ou que tinham escolaridade mais elevada ampliaram significativamente sua
participação nesses anos. A melhoria dos níveis de escolaridade é fundamental para promover melhores condições de inserção no mercado de trabalho, seja para o desempenho
adequado de atividades em segmentos da economia que introduzem novas tecnologias
nos processos de trabalho19 ou também porque promove uma maior possibilidade de
reconversão profissional (De Toni e Xavier Sobrinho, 1997).
Tivemos ainda um aumento considerável na participação das mulheres no conjunto
da população ocupada, de 39,8% para 42,6%, o que refletiu um incremento maior no
número de postos de trabalho ocupados por mulheres, em contraste com a variação na
ocupação masculina. Trata-se de uma “feminização” do mercado de trabalho, que vem se
verificando em geral no país.
A precarização das relações de trabalho é outro movimento que acompanha as
mudanças econômicas, políticas e sociais da década e se manifesta sob diversos ângulos, que podem ser avaliados basicamente a partir do trabalho sem registro, do trabalho
autônomo e do emprego em serviços domésticos. Também o aumento das taxas de desemprego e o recuo do emprego público são indicadores dessa precarização, havendo
ainda um aumento impressionante do tempo médio de procura por emprego, que subiu
de 25 para 46 semanas. Sobre as categorias que expressam mais diretamente a precariedade das relações de trabalho, vemos que o emprego doméstico e o trabalho autônomo aumentaram significativamente, enquanto o emprego assalariado apontou retração de
2,0%. Já o número de trabalhadores sem carteira assinada passou de 13,3% para 17,2%
do conjunto de assalariados do setor privado. Somam-se a isso dois fatos: as novas ocupações assalariadas no setor privado, que surgiram ao longo da série analisada, são, em
sua totalidade, precárias; e a perda, pelo setor público, de 15,8% dos seus postos de
trabalho. Se somarmos as três categorias principais na formação do trabalho precário –
assalariados do setor privado sem carteira assinada, autônomos e emprego doméstico
–, constatamos que a participação do trabalho precário se amplia consideravelmente (de
29,6% para 35,4%).
Além da precarização, verifica-se também um empobrecimento da população trabalhadora. Embora no início da série analisada o rendimento médio tenha apresentado
evolução positiva, em decorrência dos ganhos relacionados com o Plano Real, nos últimos anos houve redução dos rendimentos do trabalho. Além disso, devemos mencionar
uma tendência de melhora na posição dos assalariados sem carteira ante os empregados
formais, indicando que se altera a posição de ocupações tradicionalmente consideradas
de melhor qualidade e que “a massa salarial se expande proporcionalmente mais na ‘periferia’ do mercado de trabalho” (Xavier Sobrinho et alii, 2000, p. 25). Considerando os
diferenciais por sexo, verificamos uma redução das disparidades de remuneração entre
homens e mulheres, embora elas tenham se mantido elevadas.20 É preciso ainda destacar
que a melhoria nos rendimentos não conseguiu alterar de modo significativo o quadro de
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Mudanças socioespaciais e estrutura social da RM de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
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concentração de renda. Na RMPA, a fatia apropriada pelos 25% mais pobres passou de
6,5% para 6,8%, subindo apenas 0,5% entre 1993 e 1996 (De Toni e Xavier Sobrinho,
1997, p. 157).
Finalmente, é necessário fazer referência ao problema da perda de postos de trabalho no setor industrial, que se intensifica como conseqüência da reestruturação produtiva, e teve dimensão considerável, contabilizando 53 mil vagas. A indústria tinha uma
participação de 24,2% na ocupação em 1993, tendo seu peso reduzido para 19,0% em
1999. Paralelamente, os serviços agregaram 76 mil postos ao mercado de trabalho, ampliando sua participação na ocupação de 46,9% para 50,3%, entre 1993 e 1999, o que
configura uma terciarização do mercado de trabalho da RMPA.21
A estrutura socioocupacional da RMPA
Renda e escolaridade: fatores básicos
na formação da estrutura social
Antecedendo a análise da estrutura socioocupacional da RMPA, teceremos algumas considerações acerca das variáveis renda e grau de instrução, indicadores que contribuem na definição de posições sociais, expressando a desigual distribuição do capital
econômico e escolar na sociedade.
O exame dos dados relativos a 1980 e 1991 evidencia alterações na grandeza
de diferentes variáveis relacionadas à renda, desfavoráveis às faixas de menores rendimentos, acompanhando a tendência de outras metrópoles brasileiras. Ao observarmos o
percentual que indica a distribuição da renda total dos maiores de 14 anos pelas cinco
faixas consideradas,22 verificamos que entre 1980 e 1991 todas as faixas perdem participação, com exceção do extremo inferior, que cresce atingindo mais de 55% do total.
Esse fato é indicativo do empobrecimento da população, com provável redução de rendimentos provenientes do trabalho, bem como de alterações nas relações de trabalho,
com aumento das relações precárias. Também pode estar pesando nesses resultados a
presença de municípios com predomínio de população rural, onde o trabalho familiar é
majoritário.
Se nos fixarmos na faixa dos sem rendimento, mas abarcando os que ganham até
2SM, verificamos também um incremento em 1991, com relação a 1980, reafirmando
os resultados obtidos por Rocha (1994), através do estudo sobre linhas específicas de
pobreza para cada região metropolitana, onde a autora aponta o crescimento da pobreza
nos anos 1980.23 A menor participação dessa faixa de renda em Porto Alegre indica que
a capital do estado, como núcleo, apresenta os maiores níveis de pobreza nos municípios
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
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Rosetta Mammarella, Tanya Barcellos e Mirian Koch
periféricos, padrão que evidencia um “fechamento” da capital como local de domicílio
dos pobres, seja devido ao esgotamento dos espaços livres, e conseqüente aumento
do valor das moradias, seja devido a mecanismos, institucionais ou não, que impedem o
avanço da favelização no núcleo.
Cabe ainda registrar que o percentual de população da RMPA nas faixas com renda
acima de 2 SM cai de 32,5%, em 1980, para 26%, em 1991, sendo a maior queda na faixa
com rendimentos de mais 2 SM até 5 SM, mostrando que a crise dos anos 1980 incidiu
não somente sobre as camadas mais pobres da população.
Analisando o perfil das espacialidades consideradas, verificamos que os resultados apresentados pelo grupamento da RMPA 2, com relativamente maior participação
de faixas médias e altas na distribuição da renda, aproxima-se do encontrado para o total
da RMPA. Porto Alegre é o maior responsável por esse resultado. O diferencial fica com
o grupamento da RMPA 1, que tem maior concentração nos estratos inferiores. Nessas
subdivisões da RMPA, observamos que, para os dois anos em foco, considerando somente o estrato mais baixo de renda, os cinco piores municípios classificados pertencem
à RMPA 2 e são municípios dormitórios localizados na periferia de Porto Alegre, com exceção do município de Portão, da RMPA 1. Já na faixa que reúne os que ganham mais de
1 até 2 SM, os piores classificados situam-se na RMPA 1, região da produção coureirocalçadista, que já despontava com salários baixos antes da crise instalada em meados
dos anos 1990. A partir das faixas seguintes de rendimento (de mais de 2 SM até mais
de 20 SM), Porto Alegre (RMPA 2) apresenta o melhor posicionamento, reforçando a
primazia da capital.
Na análise do perfil da Renda Feminina, no período 1980-1991, considerando as
espacialidades estudadas, observamos que a participação percentual do estrato mais
baixo, sobre o total da renda feminina, sobe em todos os grupamentos, atingindo cerca
de 75% do total das mulheres acima de 14 anos no conjunto da RMPA, em 1991. São
decrescentes os percentuais referentes aos demais estratos, com exceção da faixa superior, que agrupa os rendimentos de mais de 15 até mais de 20 SM, sendo o principal
responsável por esse resultado o município de Porto Alegre. Na espacialização realizada,
verificamos, mais uma vez, que os resultados encontrados na RMPA 2 estão muito próximos daqueles verificados para o conjunto metropolitano. Novamente Porto Alegre é a
referência. A RMPA 1, por sua vez, apresenta um perfil diferenciado, tendendo para maior
concentração nas faixas mais baixas de rendimento.
A situação de desigualdade apontada no exame da renda total se repete com
maior intensidade nessa abordagem, demonstrando as disparidades de remuneração entre homens e mulheres.
Ao analisarmos as variáveis relacionadas à educação, constatamos que, para o
conjunto dos municípios da RMPA, no período 1980-1991, houve um aumento da escolaridade, dado pela expansão de pessoas freqüentando o 1º e 2º graus, cursos técnicos
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Mudanças socioespaciais e estrutura social da RM de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
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e cursos de nível superior (em torno de 24%) e pela queda de segmentos com curso
primário elementar e sem escolaridade (aproximadamente 11%).24
No entanto, fazendo uma análise do crescimento para todos os estratos, observamos que as faixas que mais cresceram no período estão localizadas nos extremos: a faixa
que reúne as pessoas sem escolaridade cresceu aproximadamente 61%, e, no outro extremo, a faixa com curso superior, mestrado ou doutorado teve um incremento de aproximadamente 57%. Também é significativo o crescimento da faixa que agrega a população
com 2º grau e cursos técnicos (aproximadamente 40% no período).
Espacializando os resultados verificamos que, para 1991, na RMPA 1, onde predominam municípios com especialização na indústria de couros e calçados, a participação
das faixas “nenhum curso e primário elementar” atinge mais de 76% da população. Já a
RMPA 2 apresenta uma estrutura de escolaridade muito próxima daquela encontrada para o conjunto da RMPA, com maior participação de faixas de escolaridade mais elevadas.
Em parte explicamos esse resultado pela presença de Porto Alegre nesse agrupamento,
onde as faixas de nível médio e superior contribuem com mais de 33% no total, reforçando seu papel de capital estadual e sede da RMPA, concentrando por seu porte, funções
e estrutura a primazia em equipamentos de educação. Destacamos ainda, nessas faixas,
os elevados percentuais de participação encontrados para os municípios de Novo Hamburgo e São Leopoldo (RMPA l) e Canoas (RMPA 2) , localidades que concentram tradicionais equipamentos de educação. Também Esteio apresenta melhor perfil de escolaridade, embora não tenha a mesma infra-estrutura. Nesse caso, o que está determinando,
além da proximidade geográfica desses centros educacionais, é a sua posição favorável
no quadro da distribuição da renda.
Análise das categorias socioocupacionais na RMPA
Antes de empreendermos a tarefa de analisar a estrutura social da RMPA e de
descrever as mudanças que se verificaram na sua composição entre 1980 e 1991, são
necessárias algumas considerações metodológicas sobre a construção das categorias
socioocupacionais como instrumentos adequados para expressar essa estrutura.
Partimos do pressuposto básico de que o trabalho desempenha papel central na
estruturação da sociedade e de que, por conseqüência, a ocupação pode se constituir em
variável potencialmente indicadora das condições de vida e do lugar social das pessoas.
Tal suposição encontra fundamento particularmente na visão de Bourdieu (1989) sobre
o espaço social como espaço de posições sociais. Para o autor, o mundo social pode
ser representado como um espaço construído com base em princípios de diferenciação
ou de distribuição. Esses princípios são constituídos pelas propriedades que atuam no
universo social e que podem conferir poder a quem as detém. Trata-se de diferentes
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espécies de poder ou de capital que se situam em campos distintos, sendo que o capital
pode se encontrar na forma de propriedades materiais ou no estado incorporado ou capital cultural. O capital “representa um poder sobre um campo (num dado momento) e,
mais precisamente, sobre o produto acumulado do trabalho passado (em particular sobre
o conjunto dos instrumentos de produção)” (idem, p. 134). Em conseqüência, representa
também um poder sobre os mecanismos que contribuem para garantir a produção de
bens e, portanto, um poder sobre rendimentos e ganhos.
Os agentes e grupos de agentes são definidos pelas suas posições relativas nesse espaço. O conhecimento do espaço de posições permite recortar classes no sentido
lógico do termo, ou seja, identificar um conjunto de agentes que ocupam posições semelhantes, e que, sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm probabilidade de terem
atitudes e interesses também próximos, e, portanto, práticas similares. Seriam classes no
papel, com existência teórica25 (idem).
Dentro dessa perspectiva, a ocupação tem um conteúdo material e de representação social que permite reconhecer, a partir dela, uma hierarquia social, uma espécie
de esboço da estrutura social. Para construir as categorias socioocupacionais em nossa
realidade temos que partir de uma definição de ocupação que não é tão diretamente
expressão desse significado social. No levantamento censitário, a ocupação diz respeito
à atividade que a pessoa desenvolveu nos últimos 12 meses, mesmo que não seja coerente com a profissão que desempenha regularmente ou que se considere capacitado a
desempenhar. No caso das categorias com que trabalhamos, foram utilizadas fundamentalmente as variáveis relativas à ocupação levantadas pelo Censo Demográfico, filtradas
em alguns casos por variáveis de renda e instrução, resultando em 8 grandes grupos que
reúnem 25 categorias socioocupacionais.26
A distribuição das categorias socioocupacionais foi examinada buscando, de um
lado, identificar características vinculadas às transformações que decorrem da reestruturação produtiva e da globalização,27 e, de outro, contemplar as diferenciações mais significativas que podemos observar no espaço metropolitano, tendo em vista, em especial, a
distribuição das atividades produtivas.
Procuramos descrever o conjunto metropolitano de modo a construir uma primeira
idéia, mais geral, acerca da sua conformação social, quadro que funciona como parâmetro para a análise das demais espacialidades em que dividimos a região. Também é
importante verificar em que medida essa estrutura se assemelha à de outras grandes
metrópoles, o que foi realizado cotejando a estrutura da RMPA com a do Rio de Janeiro. Embora essa metrópole tenha dimensão muito maior, a comparação é um importante
elemento de avaliação, quando temos por objetivo identificar tendências decorrentes da
globalização e da reestruturação econômica em espaços de forte concentração urbana.
O exame da RMPA no ano de 1991 expõe uma estrutura socioocupacional na
qual se destacam o proletariado industrial, que concentra 28,67% dos ocupados, e a
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classe média, com um peso de 26,83%. Essa, se reunida à pequena burguesia (6,85%),
que, de certo modo aproxima-se das camadas médias, passa a pontear a estrutura social da região. Também o proletariado terciário aparece com um percentual relativamente elevado na distribuição dos ocupados por categoria (20,80%). Por ordem, estão posicionados, na seqüência, o subproletariado, a elite intelectual, os agricultores e a elite
dirigente.
Se abrimos os grandes grupos de categorias para computar sua composição interna, podemos obter uma melhor caracterização do objeto em pauta. Especificando o
interior do proletariado industrial, o operariado empregado na indústria tradicional detém
a maior fatia dos ocupados. Esse segmento industrial tem uma presença forte quando
olhamos a economia pelo lado do emprego. Particularmente o setor coureiro-calçadista é
responsável por uma parcela significativa do emprego industrial na região. Com relação
às classe médias, vemos que quase metade do grupo é constituída de empregados de
escritório, categoria que reúne ocupações que executam atividades de rotina. Dentro do
proletariado terciário são os prestadores de serviços especializados, seguidos dos empregados do comércio, os principais responsáveis pela posição do grupo. No subproletariado mais de 70% do peso fica com os empregados domésticos. Finalmente, no interior
das elites dirigente e intelectual, sobressaem os empresários na primeira e os profissionais de nível superior empregados na segunda.
Pensando essa estrutura nos marcos das hipóteses de polarização social postas
por uma parte dos estudos da globalização, constata-se que a RMPA estaria mais próxima de uma conformação de tipo ôvo do que de uma com a forma de ampulheta, configuração que corresponderia às novas características impressas pela globalização na
estrutura social.28 No nosso caso, essa proximidade decorre do peso que têm a pequena
burguesia e a classe média juntas, que, mesmo não sendo hegemônico, é ainda bastante
significativo, especialmente ante o tamanho do subproletariado.
Os traços básicos que podemos extrair da composição da população ocupada por
categorias socioocupacionais na RMPA são um pouco diferentes daqueles configurados
para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo a posição do proletariado secundário o principal fator que distancia as duas distribuições. Lá, o operariado industrial tem
menor peso ante as classes médias, que ponteiam na composição dos ocupados. Além
de ter menor peso na estrutura social, o proletariado industrial no Rio de Janeiro se distribui internamente de forma distinta. Naquela metrópole, são os operários da construção
que se destacam no conjunto dos operários industriais, embora perdendo participação
durante o período 1980-1991. Já os trabalhadores da indústria tradicional, que na RMPA
são majoritários no interior do proletariado secundário, no Rio têm a mesma participação
que os operários da indústria moderna. Do mesmo modo que na região de Porto Alegre,
no Rio, o operariado industrial perde participação na composição da estrutura social, embora lá sejam os trabalhadores da indústria tradicional que perdem mais.
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Observando a distribuição das categorias socioocupacionais e seu comportamento no período 1980-1991, constatamos que as posições dos diferentes grupos de categorias se mantêm. No entanto, além de ter havido redução de participação em alguns casos e ganhos em outros, as taxas de crescimento apontam resultados que nos fornecem
algumas indicações em termos de prováveis mudanças na estrutura social.
Em primeiro lugar, chama a atenção a diminuição sofrida pelas categorias do proletariado secundário.29 À exceção dos operários dos serviços auxiliares da economia, todas
as outras ocupações perdem posição na distribuição, embora só tenha havido redução
em termos absolutos dos operários da construção civil. A diminuição da importância relativa do proletariado industrial é um fenômeno que se verifica também em outras regiões e
que reflete, de um lado, as alterações tecnológicas nos processos de produção e, de outro, as mudanças na localização da produção industrial, que, no caso do RS durante a década de 1970 se desloca primeiramente da capital para seu entorno e depois é marcado
por uma perda, tanto da capital como da região, em favor do perímetro perimetropolitano
e de centros com alguma tradição industrial, como foi o caso da região de Caxias do Sul
(Alonso e Bandeira, 1988). Mais recentemente, as perdas da RMPA significam ganhos
na região norte do estado.
Também o espaço ocupado pelas classes médias recua um pouco no período,
sendo responsáveis por essa perda os empregados de escritório e os técnicos e artistas,
uma vez que as demais ocupações têm sua participação ampliada, especialmente os empregados da saúde e da educação. A pequena burguesia, particularmente os pequenos
empregadores urbanos, foi a categoria que obteve aumento mais importante de participação na composição da população ocupada, passando de 4,42% para 6,85% entre 1980
e 1991. Também o subproletariado e o proletariado terciário ampliaram seu significado
na estrutura social, embora com menor intensidade.
A categoria dos agricultores só encontra alguma expressão quando se “retira” a
capital do conjunto metropolitano. Nesse caso, ela assume um peso bem maior do que
a elite. Isso reflete uma das especificidades da RMPA, que é a presença de municípios
com predomínio de população e atividades rurais.
Se o subproletariado secundário e a classe média são os dois estratos da estrutura social metropolitanos de maior peso, não foram eles que mais cresceram em termos
geométricos. Nesse caso, em primeiro lugar estão os ambulantes (8,80% a.a.), seguidos pelos pequenos empregadores (7,82% a.a.) e biscateiros (7,43% a.a.). Esses dados
são coerentes se forem considerados os efeitos sociais da chamada “década perdida”,
que vivenciou longos momentos de crise,30 afetando de um lado o mercado de trabalho,
com desemprego, e impulsionando o incremento de uma fatia de ocupados com baixos
rendimentos, composta justamente pelo universos dos feirantes, doceiros, carroceiros,
ambulantes, etc.; de outro lado, tivemos o surgimento de pequenos empregadores. No
outro extremo, nos anos 1980, é possível sentir os reflexos da política de modernização
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do setor público (fusão de órgãos, racionalização dos cargos de chefia, etc.) sobre a
estrutura social da RMPA: para os dirigentes do setor público, a taxa de crescimento foi
negativa (-4,86% a.a.).
Ao dividir a região em duas espacialidades, que acompanham a presença de características econômicas distintas, encontramos estruturas sociais diferentes.
Na RMPA 1, área que, como vimos, agrupa municípios onde predomina uma especialização na indústria de couros e calçados, o peso do proletariado industrial é muito
significativo ante o que encontramos no conjunto metropolitano. Embora perdendo participação entre 1980 e 1991, essa categoria representa nada menos do que 47,35% no
último ano. Devemos apontar ainda que, entre os operários industriais, a importância dos
empregados da indústria tradicional (32,62% do total de pessoas ocupadas em 1991) é
ainda maior do que no conjunto da região metropolitana. Já a classe média, o proletariado
terciário e o subproletariado, que têm um peso bastante menor, crescem a taxas mais
elevadas nessa estrutura.31
Com relação à elite, verificamos que sua participação é menor nessa sub-região,
tendo havido, inclusive, decréscimo entre 1980 e 1991. Isso ocorre com maior intensidade em relação à elite intelectual, o que é compreensível, se levarmos em conta que é
na capital onde se concentram profissionais de nível superior, situação que não encontra
paralelo no estado. Não obstante, o crescimento dessa sub-área e o papel que podem
vir a desempenhar os campi universitários nela localizados32 indicam que há perspectiva
de aumento da elite intelectual. É interessante observar que, embora com queda de participação na distribuição dos ocupados, o incremente absoluto da elite, tanto dirigente
como intelectual, nessa sub-região resultou em uma taxa de crescimento que supera significativamente o crescimento médio desse grupo na RMPA. Dentro da elite dirigente, os
dirigentes privados aumentaram a uma taxa de 13,20% ao ano entre 1980 e 1991, índice
que só é superior para os biscateiros e ambulantes, também nessa espacialidade.
A RMPA 2 apresenta uma estrutura socioocupacional mais parecida com a da
região metropolitana como um todo. Nessa sub-região, é muito grande o peso de Porto
Alegre, o que em parte explica a semelhança. Entretanto, devemos demarcar ao menos
alguns pontos, de modo a melhor caracterizá-la.
Os operários industriais, embora com menor participação relativamente ao que
verificamos no conjunto metropolitano, na verdade estão melhor posicionados se excluirmos Porto Alegre da configuração, e passam a representar 33,29% dos ocupados em
1991 (na capital eles têm uma participação de apenas 15,58%). Sob esse aspecto, cabe
mencionar que essa sub-região apresenta um parque industrial considerável e diversificado, e, tal como comentamos anteriormente, vem sendo foco de altos investimentos
industriais. Com o subproletariado ocorre também um crescimento quando excluímos a
capital do agregado espacial, refletindo a presença, nessa sub-região, de municípios que
concentram a residência de populações de baixa renda da região.
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O peso da classe média, que significa, em 1991, 28,69% nessa fatia do território,
está muito marcado pelo significado que tem no município de Porto Alegre, onde contribui com 34,16% da população ocupada em 1991, o que lhe garante a posição mais
destacada na estrutura. O mesmo ocorre com a elite dirigente e intelectual, que está
altamente representada em Porto Alegre. A concentração de órgãos da administração
pública e do legislativo, bem como de serviços especializados, são fatores importantes
para compreendermos essa proeminência da elite intelectual em Porto Alegre. Além disso, esse fato se relaciona com a formação histórica do RS, traduzindo a importância das
instituições universitárias sediadas na capital, que têm fornecido “intelectuais” para os
centros universitários criados mais recentemente no estado e especialmente em outros
municípios da região metropolitana.
Novamente, é necessário resgatar que a estrutura social que identificamos nas
diferentes espacialidades da RMPA não retrata um quadro nítido de polarização social.
Não obstante, alguns aspectos identificados, em especial quando analisamos as mudanças que ocorreram no período 1980-1991, são indicativos de alguns fenômenos que
vêm sendo relatados pela bibliografia. O elevado crescimento dos profissionais de nível
superior autônomos pode estar expressando o avanço dos segmentos mais modernos da
economia urbana, pois nessa categoria podemos encontrar ocupações mais qualificadas.
A retração do crescimento dos dirigentes públicos já prenuncia o processo de declínio
do estado. O incremento da pequena burguesia (que reúne os pequenos empregadores
e os comerciantes por conta própria), talvez, seja conseqüência da redução do emprego
formal. O aumento dos empregados na saúde e educação (dentro da classe média) estaria respondendo aos requerimentos de qualificação do trabalho e de atendimento das
demandas em relação às necessidades básicas da população. Finalmente, o crescimento
dos ambulantes e biscateiros estaria refletindo a precarização das relações de trabalho e
o empobrecimento paulatino da população urbana.
Considerações finais
Alguns pontos devem ser destacados a partir da análise realizada, tendo em vista a
problemática que privilegiamos em nossa reflexão.
Em primeiro lugar, verificamos que se delineia uma mudança no perfil da economia metropolitana, que se terciariza, com a capital do estado exercendo predomínio nas
atividades de comércio e com o aumento das atividades de serviços disseminado em
praticamente todos os municípios metropolitanos. Ao mesmo tempo, não podemos deixar
de ressaltar a continuidade de um processo de concentração econômica, e industrial,
na RMPA, que mantém sua capacidade de atrair pesados investimentos industriais. O
quadro recente que emerge do exame dos dados do Valor Adicionado Bruto denota que,
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mesmo perdendo posição na economia estadual, a região mantém larga vantagem em
relação ao restante do RS. Se levarmos em conta as perspectivas de investimento industrial observamos que, inclusive, a capital, que vem sofrendo uma desindustrialização acelerada, reaparece como locus relevante para empreendimentos em setores modernos da
indústria. Também a região coureiro-calçadista apresenta sinais de recuperação da crise
experimentada na década passada.
Em segundo lugar, encontramos alterações significativas na configuração do mercado de trabalho metropolitano, apontando tendências de precarização das relações de
trabalho e empobrecimento da força de trabalho. Não obstante a tendência de melhoria
na qualificação da população economicamente ativa, há uma redução nos rendimentos
do trabalho e uma deterioração nas remunerações de ocupações consideradas de melhor qualidade, em favor de ganhos em segmentos da periferia do mercado de trabalho.
Também a terciarização do mercado de trabalho é um fenômeno que pode ser identificado na RMPA, acompanhando a tendência de outras concentrações urbanas no país.
A análise da renda e da educação no período 1980-1991 demonstra que o processo observado no mercado de trabalho metropolitano nos anos 1990 já aparecia na
década anterior e reforça a visão de uma crescente desigualdade social marcando o futuro das metrópoles na era da globalização, não obstante a melhoria que já se manifesta
nos níveis de escolaridade da população.
Finalmente, a primeira incursão no estudo da estrutura social revelou algumas questões importantes para pensarmos especialmente as especificidades que marcam a nossa
área metropolitana. O relevo do proletariado industrial na composição da estrutura social,
que só não é identificado na capital, mostra ainda uma certa incoerência em relação ao
avanço do setor terciário na economia da área. De certo modo, o peso dessa categoria
decorre do caráter tradicional que predomina em alguns segmentos industriais que são
fortes na região, como é o caso da indústria coureiro-calçadista. Ao mesmo tempo, vemos o incremento de categorias situadas nos extremos da estrutura social, profissionais
de nível superior e ambulantes e biscateiros, que poderia ser indicativo de processos que
acompanham a reestruturação e a globalização.
Rosetta Mammarella
Tanya M. Barcellos
Mirian Regina Koch
Fundação de Economia e Estatística - Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos (FEE/NERU).
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Notas
1.
Identifica-se um "novo tipo histórico de cidade", a cidade global, que se distingue, tanto na
estrutura econômica como na estrutura social e espacial que dela resultam, do tipo histórico
que teria acompanhado a fase da hegemonia da produção industrial fordista.
2.
São identificados dois eixos no debate: um, marcado pelo confronto entre teorias da globalização, polarizado pelos paradigmas da pós-industrialização, tendo em Manuel Castels e
Saskia Sassen seus expoentes, e do pós-fordismo, defendido por Edmond Preteceille e Storper.
O outro eixo é o que procura submeter à prova empírica a hipótese da tendência à dualização
e à polarização social, onde aparecem Hamnett e Maloutas (Ribeiro e Lago, 2000).
3.
Segundo classificação do IPEA, a RMPA apresenta características de metrópole nacional,
equivalendo a um porte médio, em conjunto com as metrópoles de Curitiba, Belo Horizonte,
Salvador, Fortaleza, Brasília. Fortaleza. São Paulo e Rio de Janeiro são classificados como
metrópoles globais (Caracterização..., 1999).
4.
A pesquisa se desenvolve com base em Convênio firmado entre o IPPUR/UFRJ e a FEE, e
se insere no âmbito do trabalho "Desigualdades Sócio-Espaciais e Governança Urbana" no
quadro do Pronex.
5.
A RMPA foi considerada na sua composição oficial (municípios que a integram de acordo
com a legislação em vigor no ano de 1991). Somente o município de Parobé, que passou
a fazer parte da região em 1989, foi excluído, em função de não termos conseguido obter
estimativas para o ano de 1980, relativamente aos dados censitários, inviabilizando a análise
comparativa da estrutura social no período escolhido para análise.
6.
As sub-regiões consideradas apresentam a seguinte composição; RMPA 1 (Campo Bom, Dois
Irmãos, Estância Velha, Ivoti, Nova Hartz, Novo Hamburgo, Portão, São Leopoldo, Sapiranga); RMPA 2 (Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Glorinha, Gravataí,
Guaíba, Porto Alegre, Sapucaia do Sul, Triunfo, Viamão).
7.
Os dados disponíveis sobre o valor adicionado referem-se aos anos de 1990 e 1996 a 1998.
Em anexo, um conjunto de tabelas com as principais informações analisadas no texto.
8.
Não foi calculada a taxa geométrica de crescimento do VAB para o período 1990-1998 em
função da mudança de moeda em 1994, com o Plano de Estabilização. Para tanto seria necessário fazer a atualização dos valores monetários.
9.
Entre 1996 e 1998, a indústria na RMPA cresceu 8,58% a.a. e, no estado, 8,50% a.a.; o comércio cresceu 2,22% a.a. na Região e 1,16% a.a. no RS.
10. Esse processo de migração das empresas do setor coureiro-calçadista não é novo. Já na década de 1980 o Vale dos Sinos perde empresas para municípios da região Norte do estado,
mormente os mais ao sul dessa região.
11. No período entre 1970 e 1983 surgiram dois shopping centers em Porto Alegre, situação
que se manteve inalterada até 1990, quando se instalou outro shopping. Em 1991, mais dois
empreendimentos se localizaram na capital. Em 1990, a cidade sediava sete grandes redes
de supermercados.
12. Como, por exemplo, a Aglomeração Urbana da Região Nordeste; o grande eixo da produção
compreendendo os municípios de Erechim, Carazinho, Marau, Passo Fundo, Panambi, Cruz
Alta, Ijui, Santo Ângelo, Santa Rosa, Horizontina; a Área Perimetropolitana. Uma primeira aproximação acerca da composição dessas espacialidades estão em Alonso e Mammarella (1998).
13. Nesse caso estamos nos referindo à regionalização do RS, proposta por Alonso e Bandeira
(1989), que divide o estado nas regiões Norte, Nordeste e Sul.
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14. Esses poucos gêneros tiveram significativo incremento nos municípios de Horizontina,
Panambi, Passo Fundo e Marau (metal-mecânica), e Cruz Alta, Marau e Carazinho (alimentares).
15. Os dados referem-se à totalidade dos investimentos fixos previstos. Desses, pouco mais de
50% já estão protocolados no que se refere à RMPA. No conjunto do estado, quase 54% já
foram protocolados.
16. Tendo em vista a situação de crise no setor coureiro-calçadista, apontada na análise do Valor Agregado do setor industrial, visualiza-se uma perspectiva de crescimento no Setor, em
função da nova conjuntura mais favorável à exportação e da presença de investimentos fixos
para o setor, conforme informações do Fundopem.
17. Essa breve análise do mercado de trabalho metropolitano foi realizada com base no estudo
“Mercado de trabalho no Rio Grande do Sul nos anos 90” (Xavier Sobrinho et alii, 2000),
representando uma síntese dos seus resultados no que se refere à abordagem da Região Metropolitana de Porto Alegre. Em especial, foi utilizada a parte da análise sustentada nos dados
da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED) – FEE/
FGTAS-SINE/Fund. SEADE-SP/Dieese, que abrange o período 1993-1999.
18. Sobre as principais mudanças observadas no mercado de trabalho em áreas metropolitanas,
ver Ribeiro (2000), que descreve a situação do Rio de Janeiro.
19. No caso da indústria mecânica, por exemplo, a exigência que se coloca em termos de escolaridade é de pelo menos o 1º Grau completo (Zimmermann, Jornada e Stemberg, 1997).
20. No universo dos ocupados os ganhos das mulheres representavam 68,3% dos ganhos médios
dos homens em 1993, relação que se eleva em 1999 para cerca de 71%.
21. É importante registrar que, dentro do terciário, foi o emprego doméstico que teve o maior
crescimento (o número de trabalhadores em atividades domésticas cresceu 39,7% entre 1993
e 1999).
22. Faixas Renda: sem renda e até 1 SM; mais de 1 até 2 SM; mais de 2 até 5 SM; mais de 5 até
15 SM; mais de 15 até mais de 20 SM. Foi utilizada a renda dos maiores de 14 anos para
estabelecer um recorte contemplando a população em idade economicamente ativa.
23. A autora considera a faixa de até 2 SM para definir a linha de pobreza.
24. Faixas de Escolaridade: nenhum curso; primário elementar; 1º grau e técnicos; 2º grau e técnicos; superior/mestrado e doutorado.
25. As classes que podemos recortar no espaço social não existem como grupos reais, embora
os elementos usados para sua definição sejam explicativos quando buscamos entender a
probabilidade de se constituírem em grupos, famílias, associações, sindicatos, etc. Na realidade, o que existe é um espaço de relações. É importante considerar que a análise das classes
"teóricas" deve partir da análise estatística, que é o primeiro passo para captar a estrutura do
espaço social.
26. A listagem onde estão definidas as 25 categorias socioocupacionais pode ser encontrada
em Ribeiro (2000). Foram excluídas das distribuições da população ocupada por categorias
socioocupacionais a categoria "outros", que engloba as ocupações mal definidas em 1991,
mas que em 1980 incluía também os aposentados, estudantes e donas-de-casa. Para efeitos
de comparação, optou-se por não utilizar esse resíduo.
27. Embora na década de 1980 estivessem ainda incipientes os processos de reestruturação e
globalização no que diz respeito à visibilidade de suas conseqüências, em especial nos países periféricos, pensamos que algumas indicações podem ser extraídas a partir de um olhar
conduzido pelas hipóteses que vêm sendo levantadas pela literatura.
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28. Para representar a estrutura social, tem sido utilizada a imagem do ôvo e da ampulheta, pensando a primeira como reprodução da distribuição normal da população, mais larga no meio
e estreitando nas pontas, e a segunda como retrato da polarização social, com diminuição do
meio e aumento dos extremos (Ribeiro, 2000).
29. É importante destacar que o proletariado industrial, mesmo perdendo posição na estrutura
socioocupacional, teve crescimento absoluto nas três espacialidades consideradas. Na RMPA
1 alcança uma taxa de crescimento de 3,57% ao ano, bem superior ao crescimento populacional médio da região metropolitana. Somente em Porto Alegre houve decréscimo absoluto
dessa categoria.
30. Os anos 1980 podem ser periodizados; 1981/83, com momentos de recessão; 84/86, período
de recuperação, marcado por exportações e Plano Cruzado; 87/89, inflação crônica e tentativas de estabilização (Alonso e Mammarella, 1998).
31. O subproletariado, além de ter ampliado sua participação na distribuição dos ocupados, apresentou um crescimento absoluto muito significativo, sendo a categoria que mais cresceu, não
somente na RMPA 1, mas também nas outras espacialidades. Provavelmente, esse incremento
está relacionado com a entrada de migrantes, atraídos pelo aumento das oportunidades de
trabalho que acompanhou a fase de expansão da indústria coureiro-calçadista na área.
32. No município de São Leopoldo está localizada a Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos),
que é a terceira universidade brasileira em número de matrículas.
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XAVIER SOBRINHO, Guilherme G. de F. et alii (2000). Mercado de trabalho no Rio Grande do
Sul nos anos 90. Versão preliminar. Porto Alegre, FEE (mimeo).
ZIMMERMANN Ilaine; JORNADA, Maria Isabel H. e STERNBERG, Sheila S. Wagner (1997). Modernização industrial e qualificação: observações em torno da indústria mecânica gaúcha.
Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, FEE, v. 25, n. 2, pp. 79-106.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
98
Rosetta Mammarella, Tanya Barcellos e Mirian Koch
Tabela 1 – Participação do Valor Adicionado Bruto a preço básico no total do RS,
por setores de atividade e total. Região Metropolitana de Porto Alegre, Porto Alegre e RS.
1990, 1996 a 1998
(%)
Agropecuária
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Rio Grande do Sul
Indústria
1990
1996
1997
1998
1990
1996
1997
1998
1990
1996
1997
1998
0,79
0,49
2,62
3,11
100,00
0,13
0,27
1,87
2,15
100,00
0,09
0,25
1,57
1,82
100,00
0,10
0,26
1,63
1,89
100,00
9,49
13,15
35,07
48,22
100,00
7,73
13,08
31,49
44,57
100,00
7,62
12,41
31,96
44,37
100,00
8,28
11,46
33,18
44,64
100,00
27,10
5,78
40,09
45,87
100,00
29,18
5,61
42,31
47,92
100,00
29,89
5,83
43,03
48,86
100,00
30,15
5,49
43,43
48,92
100,00
Demais serviços
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Rio Grande do Sul
Comércio
Total dos serviços
Valor Adicionado Bruto
1990
1996
1997
1998
1990
1996
1997
1998
1990
1996
1997
1998
17,14
7,64
29,70
37,33
100,00
16,96
7,16
19,81
36,97
100,00
16,87
7,16
29,53
36,70
100,00
16,92
7,10
29,60
36,70
100,00
19,62
7,17
32,29
39,46
100,00
19,54
6,83
32,45
39,28
100,00
19,60
6,88
32,36
39,25
100,00
19,48
6,79
32,28
39,07
100,00
12,89
9,00
29,93
38,92
100,00
12,55
8,22
27,89
36,11
100,00
12,46
8,26
28,42
36,67
100,00
12,62
7,67
28,47
36,14
100,00
Fonte: FEE/NCS
(*) Inclui Porto Alegre
Tabela 2 – Estrutura interna do Valor Adicionado Bruto a preço básico, por setores
de atividade e total. Região Metropolitana de Porto Alegre, Porto Alegre e RS.
1990, 1996 a 1998
(%)
Agropecuária
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Rio Grande do Sul
Indústria
1990
1996
1997
1998
0,74
0,66
1,06
1,46
12,08
0,14
0,46
0,92
1,31
13,75
0,09
0,37
0,68
0,61
12,30
0,11
0,46
0,78
0,71
13,53
1990
32,40
64,32
51,56
54,53
44,01
Demais serviços
1990
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Rio Grande do Sul
43,84
27,98
32,72
31,52
32,97
1996
52,94
34,11
41,86
39,68
39,16
1997
51,48
32,99
39,52
38,05
38,02
1996
22,55
58,28
41,32
45,65
36,60
1997
24,20
59,51
44,51
47,89
39,58
Comércio
1998
24,82
56,53
44,09
46,73
37,84
1990
1996
1997
1998
23,02
7,04
14,66
12,50
10,95
24,37
7,15
15,90
13,36
10,48
24,23
7,13
15,29
13,45
10,10
22,51
6,75
14,37
12,75
9,42
Total dos serviços
1998
52,56
36,26
40,77
39,81
39,21
1990
66,86
35,01
47,38
44,02
43,92
1996
77,31
41,26
57,76
53,04
49,65
Fonte: FEE/NCS
(*) Inclui Porto Alegre
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
1997
75,71
40,12
54,81
51,50
48,12
Valor Adicionado Bruto
1998
75,07
43,01
55,14
52,56
48,63
1990
1996
1997
1998
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
99
Mudanças socioespaciais e estrutura social da RM de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
Tabela 3 – Taxa geométrica no Valor Adicionado Bruto a preço básico no total do RS,
por setores de atividade e total. Região Metropolitana de Porto Alegre, Porto Alegre e RS.
1996-1998
(% a.a.)
Agrupecuária
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Rio Grande do Sul
Indústria
Comércio
Demais serviços
Total dos serviços
VAB
12,28
1,56
11,36
8,58
8,50
2,84
0,13
2,49
2,22
1,16
6,63
6,33
6,39
6,38
6,77
5,45
5,28
5,33
5,32
5,61
7,01
3,12
7,81
6,76
6,71
(8,08)
(60,44)
(1,19)
(24,74)
5,86
Fonte: FEE/NCS
(*) Inclui Porto Alegre
Tabela 4 – Estrutura interna da Renda Total
Região Metropolitana de Porto Alegre e Porto Alegre – 1980-1991
(%)
Sem rendimento
e até 1 SM
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Mais de 1
até 2 SM
Mais de 2
até 5 SM
Mais de 5
até 15 SM
Mais de 15 até
mais de 20 SM
Renda total
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
40,79
38,62
43,51
42,75
49,88
55,77
55,61
55,64
21,22
33,27
22,93
24,53
15,60
23,25
17,07
18,23
21,96
20,38
21,77
21,56
19,27
14,80
17,21
16,76
12,11
6,34
9,23
8,78
12,06
5,23
8,19
7,64
3,91
1,39
2,56
2,38
3,20
0,95
1,92
1,74
100
100
100
100
100
100
100
100
Fonte: Censos, 1980 e 1991, FIBGE
(*) Inclui Porto Alegre
Tabela 5 – Estrutura interna da renda feminina
Região Metropolitana de Porto Alegre e Porto Alegre – 1980-1991
(%)
Sem rendimento
e até 1 SM
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Mais de 1
até 2 SM
Mais de 2
até 5 SM
Mais de 5
até 15 SM
Mais de 15 até
mais de 20 SM
Renda feminina total
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
57,97
58,53
63,81
63,03
67,38
75,33
74,58
74,72
19,70
30,03
19,40
20,98
12,16
15,29
11,36
12,06
15,02
9,31
11,84
11,46
12,85
7,28
9,40
9,02
6,52
1,98
4,42
4,06
6,60
1,92
4,05
3,67
0,8
0,16
0,52
0,47
1,01
0,17
0,60
0,53
100
100
100
100
100
100
100
100
Fonte: Censos, 1980 e 1991, FIBGE
(*) Inclui Porto Alegre
Tabela 6 – Estrutura interna do grau de instrução
Região Metropolitana de Porto Alegre e Porto Alegre – 1980-1991
(%)
Nenhum custo
Porto Alegre
RMPA 1
RMPA 2 (*)
RMPA
Primário elementar
1º grau e técnicos
2º grau e técnicos
Superior/Mestrado/
Doutorado
Total
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
1980
1991
24,17
35,00
30,42
31,14
37,67
59,05
48,07
50,14
34,57
46,20
38,13
39,39
12,02
16,73
12,65
13,42
18,74
10,48
15,87
15,03
17,29
11,92
16,50
15,64
15,69
6,68
11,23
10,52
21,53
9,52
15,86
14,67
6,82
1,64
4,35
3,92
11,5
2,78
6,92
6,14
100
100
100
100
100
100
100
100
Fonte: Censos, 1980 e 1991, FIBGE
(*) Inclui Porto Alegre
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
100
Rosetta Mammarella, Tanya Barcellos e Mirian Koch
Tabela 7 – Estrutura social da Região Metropolitana de Porto Alegre
1980, 1991
1980
%
1991
%
Taxa geométrica
cresc. 80-91
Agricultores
Agricultores
2,55
2,55
1,86
1,86
-0,53
-0,53
Elite dirigente
Empresários
Dirigentes do setor público
Dirigentes do setor privado
Profissionais liberais
1,11
0,51
0,19
0,18
0,23
0,90
0,48
0,09
0,13
0,21
0,51
1,80
-4,86
-0,25
1,43
Elite intelectual
Profissionais de nível superior autônomos
Profissionais de nível superior empregados
5,40
0,57
4,83
5,08
0,96
4,12
1,82
7,38
40,91
Pequena burguesia
Pequenos empregadores urbanos
Comerciantes por conta própria
4,42
2,33
2,09
6,85
4,12
2,74
6,54
7,82
4,91
Classe média
Empregados de escritório
Empregados de supervisão
Técnicos e artistas
Empregados da saúde e da educação
Empregados da segurança pública, justiça e correios
27,22
12,61
5,97
3,25
3,67
1,73
26,83
11,09
6,21
2,93
4,71
1,89
2,24
1,19
2,75
1,43
4,73
3,21
Proletariado terciário
Empregados do comércio
Prestadores de serviços especializados
Prestadores de serviços não especializados
20,25
6,39
8,97
4,89
20,80
7,52
8,39
4,90
2,63
3,90
1,75
2,40
Proletariado secundário
Operários da indústria moderna
Operários da indústria tradicional
Operários dos serviços auxiliares da economia
Operários da construção civil
Artesãos
30,98
6,34
10,80
3,87
8,44
1,53
28,67
5,53
10,66
4,72
6,29
1,47
1,66
1,11
2,25
4,24
-0,32
2,03
8,08
6,85
0,96
0,26
9,00
6,68
1,88
0,44
3,39
2,14
8,80
7,43
100,00
100,00
2,38
Subproletariado
Empregados domésticos
Ambulantes
Biscateiros
Total
Fonte: Censos, 1980 e 1991, FIBGE.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
101
Mudanças socioespaciais e estrutura social da RM de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
Tabela 8 – Estrutura social da Região Metropolitana de Porto Alegre
(RMPA 1) – 1980, 1991
CATs
1980
%
1991
%
Taxa geométrica
cresc. 80-91
Agricultores
Agricultores
5,17
5,17
2,60
2,60
-1,93
-1,93
Elite dirigente
Empresários
Dirigentes do setor público
Dirigentes do setor privado
Profissionais liberais
0,62
0,43
0,03
0,04
0,12
0,56
0,34
0,04
0,09
0,10
3,58
2,18
5,94
13,20
2,52
Elite intelectual
Profissionais de nível superior autônomos
Profissionais de nível superior empregados
2,18
0,28
1,90
1,91
0,50
1,42
3,17
9,97
1,65
Pequena burguesia
Pequenos empregadores urbanos
Comerciantes por conta própria
4,59
3,01
1,57
6,38
4,34
2,04
7,59
7,92
6,93
Classe média
Empregados de escritório
Empregados de supervisão
Técnicos e artistas
Empregados da saúde e da educação
Empregados da segurança pública, justiça e correios
18,13
7,56
4,12
3,14
2,36
0,95
20,05
8,01
5,63
2,60
2,99
0,82
5,37
4,96
7,41
2,63
6,65
3,06
Proletariado terciário
Empregados do comércio
Prestadores de serviços especializados
Prestadores de serviços não especializados
13,82
4,53
5,95
3,34
15,07
5,58
5,86
3,63
5,24
6,41
4,26
5,20
Proletariado secundário
Operários da indústria moderna
Operários da indústria tradicional
Operários dos serviços auxiliares da economia
Operários da construção civil
Artesãos
51,72
6,08
36,61
2,10
5,74
1,20
47,35
5,41
32,62
2,64
5,69
0,99
3,57
3,30
3,32
6,62
4,33
2,61
3,76
3,23
0,42
0,11
6,06
4,47
1,10
0,49
9,04
7,53
14,05
19,53
100,00
100,00
4,41
Subproletariado
Empregados domésticos
Ambulantes
Biscateiros
Total
Fonte: Censos, 1980 e 1991, FIBGE.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
102
Rosetta Mammarella, Tanya Barcellos e Mirian Koch
Tabela 9 – Estrutura social da Região Metropolitana de Porto Alegre
(RMPA 2) – 1980, 1991
1980
%
CATs
1991
%
Taxa geométrica
cresc. 80-91
Agricultores
Agricultores
2,00
2,00
1,65
1,65
0,16
0,16
Elite dirigente
Empresários
Dirigentes do setor público
Dirigentes do setor privado
Profissionais liberais
1,21
0,52
0,22
0,21
0,25
1,00
0,52
0,10
0,14
0,24
0,12
1,74
-5,46
-1,37
1,31
Elite intelectual
Profissionais de nível superior autônomos
Profissionais de nível superior empregados
6,07
0,63
5,44
5,95
1,09
4,86
1,71
7,10
0,86
Pequena burguesia
Pequenos empregadores urbanos
Comerciantes por conta própria
4,39
2,18
2,20
6,98
4,05
2,93
6,29
7,79
4,57
29,12
13,66
6,35
3,27
3,94
1,90
28,69
11,93
6,37
3,02
5,18
2,19
1,76
0,65
1,92
1,17
4,46
3,22
21,6
6,78
9,60
5,21
22,37
8,05
9,08
5,25
2,22
3,50
1,37
1,95
26,63
6,40
5,40
4,24
9,00
1,60
23,55
5,56
4,65
5,29
6,45
1,60
0,76
0,61
0,52
3,95
-1,14
1,93
8,98
7,61
1,08
0,29
9,81
7,29
2,10
0,43
2,71
1,49
8,24
5,54
100,00
1,90
Classe média
Empregados de escritório
Empregados de supervisão
Técnicos e artistas
Empregados da saúde e da educação
Empregados da segurança pública, justiça e correios
Proletariado terciário
Empregados do comércio
Prestadores de serviços especializados
Prestadores de serviços não especializados
Proletariado secundário
Operários da indústria moderna
Operários da indústria tradicional
Operários dos serviços auxiliares da economia
Operários da construção civil
Artesãos
Subproletariado
Empregados domésticos
Ambulantes
Biscateiros
Total
100,00
Fonte: Censos, 1980 e 1991, FIBGE.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
Mudanças socioespaciais e estrutura social da RM de Porto Alegre: anos 1980 e 1990
103
Tabela 10 – Estrutura social de Porto Alegre
1980, 1991
CATs
1980
%
1991
%
Taxa geométrica
cresc. 80-91
Agricultores
Agricultores
0,69
0,69
0,69
0,69
0,92
0,92
Elite dirigente
Empresários
Dirigentes do setor público
Dirigentes do setor privado
Profissionais liberais
1,85
0,77
0,35
0,33
0,41
1,61
0,80
0,16
0,25
0,40
-0,39
1,17
-5,78
-1,56
0,74
Elite intelectual
Profissionais de nível superior autônomos
Profissionais de nível superior empregados
8,84
0,94
7,90
9,64
1,73
7,90
1,69
6,71
0,89
Pequena burguesia
Pequenos empregadores urbanos
Comerciantes por conta própria
4,68
2,71
1,97
7,57
4,95
2,63
5,41
6,57
3,57
Classe média
Empregados de escritório
Empregados de supervisão
Técnicos e artistas
Empregados da saúde e da educação
Empregados da segurança pública, justiça e correios
35,26
16,56
7,73
4,03
4,77
2,17
34,16
13,96
7,46
3,77
6,54
2,44
0,60
-0,66
0,56
0,27
3,82
1,96
Proletariado terciário
Empregados do comércio
Prestadores de serviços especializados
Prestadores de serviços não especializados
21,42
7,30
9,06
5,06
21,62
8,52
8,23
4,87
0,98
2,33
0,01
0,54
Proletariado secundário
Operários da indústria moderna
Operários da indústria tradicional
Operários dos serviços auxiliares da economia
Operários da construção civil
Artesãos
17,53
2,97
2,91
3,55
6,50
1,60
15,58
2,48
2,43
4,47
4,50
1,69
-0,19
-0,73
-0,73
3,02
-2,43
1,39
9,74
8,46
1,02
0,25
9,14
6,89
1,93
0,32
0,31
-0,98
6,86
3,33
100,00
100,00
0,89
Subproletariado
Empregados domésticos
Ambulantes
Biscateiros
Total
Fonte: Censos, 1980 e 1991, FIBGE.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 79-103, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano
en un país de economía emergente.
El caso de cinco municipios en la
Región Metropolitana de Buenos Aires*
Juan D. Lombardo
Mercedes Di Virgilio
Leonardo Fernández
(Con la colaboración de Natalia da Representaçao y Victoria Bruschi)
Este trabajo se sitúa en la practica concreta de la conformación del espacio urbano, precisamente, en medio del campo que se extiende entre las transformaciones originadas en los procesos neoliberales de escala mundial que se están produciendo en una
megaciudad y, el escenario urbano imaginado por algunos autores sobre la ciudad global,
informacional ó postmoderna.
El estudio tiene como referencia a la Región Metropolitana de Buenos Aires, en
particular a cinco de sus municipios en el período que va de 1991 al 2001.
Para tratar de explicar esa conformación el trabajo se organiza alrededor de las
siguientes preguntas:
¿Cómo se produce la articulación entre sociedad y espacio?, ¿cuál es su lógica?
¿cuáles son las relaciones sociales predominantes en que se sustenta actualmente la conformación del espacio urbano?
¿cómo se organiza y cuáles son los actores principales del mercado que acciona
en la conformación del espacio urbano? y
¿cuál es el espacio urbano que se conforma?
Cadernos Metrópole n. 6, 105-134, 2º sem. 2001
106
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
Introducción
En la Región Metropolitana de Buenos Aires (RMBA) se han producido en la última
década (década del '90) un conjunto amplio de transformaciones de importancia en diversas dimensiones del espectro socio-económico. Una de estas dimensiones es aquella que
comprende al territorio y al espacio construido y que se denomina dimensión espacial.
Estas transformaciones que se han producido y se están produciendo en la ciu1
dad no constituyen hechos aislados, sobre todo si se las relaciona con aquellas que
han comenzado a producirse en la sociedad argentina desde comienzos de 1976, que
se han acentuado a partir de 19912 y que "naturalmente" coinciden con los procesos
socio-económicos-tecnológicos neoliberales que se están desarrollando a nivel mundial3
(Lombardo, 2000a).
Las transformaciones espaciales actuales, a las que nos referiremos en particular
en este trabajo, están operando cambios importantes en el territorio: en la distribución de
funciones y recursos en el espacio, en la organización de esas funciones y recursos, en el
equipamiento selectivo de zonas urbanas, en la priorización de lugares, en la asignación
de precios al suelo y al espacio urbano, en el modo en que la aglomeración
se constituye, en la distribución de ese espacio entre la población del área, en la
profundización de la segregación espacial que adquiere una magnitud inédita. En fin
en la configuración de un espacio urbano, de una dimensión urbana que parece
no articularse alrededor del proceso de reproducción de la vida, sino alrededor de un
proceso de acumulación del capital, en el que predomina la lógica de la obtención del
beneficio.
Este espacio urbano no se realiza de forma "natural" y aislada, sino que lo va haciendo por la acción de actores sociales, de relaciones sociales específicas, de inversiones , etc.
Ahora bien del conjunto de preguntas complejas que la afirmación hecha inmediatamente arriba genera, nos concentraremos, en este trabajo que presentamos, sólo en
dos de ellas:
¿cuáles son las relaciones sociales y los principales actores que sustentan actualmente la conformación del espacio urbano?
¿cuál es el espacio urbano que se está conformando?
Vamos a observar esto en la RMBA. En particular vamos a atender a la organización
y articulación del mercado del suelo en esta Región y en su acción en los partidos de:
San Miguel, Malvinas Argentinas, José C. Paz, Hurlingham y Tigre (ver Mapa 1).
Estas preguntas remiten a un punto, a nuestro entender central, en la discusión
acerca de la configuración del espacio: la relación entre espacio y sociedad que, a lo
largo de la historia se establece en cada periodo específico.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
107
La articulación entre espacio y sociedad
¿Cómo se produce la articulación entre sociedad y espacio, o, en otros términos
como se transponen, se articulan, el orden social y el espacial?, ¿cuál es su lógica?
La comprensión de las relaciones legales que se establecen entre procesos socio
económicos, relaciones sociales y formas espaciales está estrechamente ligada a la posibilidad de esclarecer la trama articulada de determinismos de diverso orden que atan
los procesos socio económicos con las organizaciones espaciales. Esta relación es de
naturaleza compleja (Coraggio, 1989).
La conformación del espacio urbano funcionalmente dividido, equipado, articulado
y organizado, no es un producto independiente de las relaciones sociales establecidas en
la sociedad en cuestión. La primera sustenta una multiplicidad de procesos ambientales,
socio económicos, políticos, culturales, espaciales que se articulan dialécticamente en un
sistema que se genera principalmente para la reproducción social.
Este sistema conforma un marco, en que los actores de los distintos niveles socio
económicos (individuales, familiares e institucionales) realizan sus prácticas, sus acciones para reproducirse, dentro de un conjunto de opciones que el sistema conformado
les presenta. Este complejo no incluye sólo a los hogares sino también al capital, a las
instituciones, etc., vale decir a todos aquellos actores sociales que integran el sistema de
reproducción.
Lo señalado implica principalmente la reproducción de esos distintos sectores
sociales, de las distintas fracciones del capital y de la propia formación social y por
tanto, la conformación de estrategias de reproducción por parte de cada uno de los
actores sociales que llevan operativamente adelante este proceso. Estas estrategias
articulan y contextualizan las prácticas sociales que los actores realizan en el proceso
de su reproducción.
El tipo de desarrollo adaptado por la sociedad condiciona estas estrategias pues
determina las características del mercado de trabajo, del consumo, del accionar del estado, de las condiciones de vida de la población, del proceso y del accionar político, el
marco del crecimiento del capital, etc.
Este sistema presenta distintos campos o dimensiones que están profundamente
interrelacionadas (lo social, lo económico, lo cultural, lo espacial, etc.). Las prácticas de
reproducción de los distintos actores sociales relacionan y concatenan operativamente
estas distintas dimensiones. Es decir van produciendo un sinnúmero de combinaciones
que se operacionalizan sobre el territorio, conformando un sistema de relaciones de reproducción (sociales, económicas, culturales, medio ambientales, espaciales, etc.).
En este sistema de relaciones sociales, insertas en el circuito de la reproducción, estas prácticas se articulan y entrelazan y van generando en ese hacer, un sostén
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
108
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
pragmático en el territorio. En otros términos, generan su espacialidad social a fin de poder realizarse operativamente.4
A su vez el espacio urbano (los edificios, las calles, el espacio zonificado y organizado) por ser al mismo tiempo sustento espacial (Coraggio, 1989) y lugar de operacionalización del proceso de reproducción social, sería, por esas condiciones, síntesis
de un conjunto amplio de determinaciones (las políticas, los programas y proyectos, la
legislación, los reglamentos, los códigos, etc).
Estas determinaciones o determinismos, se van generando en esas diversas dimensiones ó campos que hemos señalado más arriba y regulan la articulación entre sociedad, espacio y territorio, en la cual, las legalidades sociales predominan sobre la legalidad natural (Coraggio, 1989).
Este sistema conforma, no mecánica pero si contradictoriamente, la ciudad en el
territorio.
La lógica de extracción del beneficio capitalista (la acumulación y su capitalización),
que concreta en el territorio un aparato de importancia sostenido hoy día principalmente
por la ingeniería neoliberal y el capital financiero, está hegemonizando el proceso de reproducción de la formación social y la conformación de la ciudad actual.
En este sentido en el Anexo 1 y para dar una idea de magnitud de aquello que venimos señalando, se presentan datos de ingreso, ocupación y desocupación de la población y de los beneficios del capital, que señalan importantes desigualdades en el interior
del sistema de reproducción.
Al respecto de esa conformación y como ejemplo, puede señalarse que en la
RMBA, la nueva dinámica económica emergente de los procesos de liberalización y desregulación permitió un despliegue de inversiones financieras, situación que generó procesos sociales, económicos y de reorganización espacial que implican la recomposición
y localización de actividades secundarias y terciarias, la creación de nuevas y la consiguiente distribución de edificios, infraestructuras, equipamientos, fuentes de trabajo, relocalización de la población, etc. La organización de este espacio remarca algunos circuitos
pragmáticos que hacen posible en el territorio la obtención del beneficio y la consecuente
segregación socio espacial.
Vale decir se observan transformaciones en la configuración territorial de la Región
que aparecen articuladas con las desigualdades que se presentan en el sistema de reproducción y con los circuitos de extracción del beneficio (Catenazzi, Lombardo y Wagner,
2001).
Ahora bien, la acción de los procesos a que nos referimos, sobre el territorio, implica un espacio funcionalmente dividido, una distribución de funciones, actividades productivas, una división social y técnica del trabajo expresada en infraestructuras, redes de servicios , escuelas, hospitales, viviendas, bancos, edificios públicos, etc.; y la cooperación y
articulación espacial de estos componentes.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
109
En este sentido, la ciudad, como base operativa de la reproducción de un sistema,
cuyo centro es la reproducción del capital, es un valor de uso complejo para el proceso
de reproducción social (Topalov, 1979).
Así, concentra todos aquellos elementos que son necesarios para la vida urbana,
como las condiciones generales de la reproducción, la población, el capital financiero y
productivo, el espacio distribuido entre los diversos sectores sociales, los circuitos de
circulación de las mercancías, las sedes del capital financiero, etc. En el espacio urbano
esos elementos se ponen en relación y articulan de forma tal que resultan funcionales al
sistema de reproducción imperante en que se impone hoy principalmente, como dijimos,
la lógica de extracción del beneficio del capital financiero.
La dimensión espacial resulta central al proceso de reproducción social, sencillamente porque es el lugar donde operativamente se realiza reproducción, sin su existencia
o asistematicidad la reproducción no estaría asegurada en ninguna de sus dimensiones.
Por ello su análisis resulta un lugar privilegiado para observar la articulación entre
espacio y sociedad. Y a su vez este análisis espacial dentro de las formas de reproducción de una sociedad, brinda un marco de interpretación operativo para comprender
cómo una sociedad se expande, organiza y ordena sobre un territorio.
El proceso de reproducción del capital es en realidad una multitud de procesos
pluricausales de reproducción, que comprende a los distintos sectores sociales y a los
distintos capitales particulares o fracciones que compiten entre si en la ciudad para
obtener su valorización. En este sentido la aglomeración urbana que se conforma es funcional, contradictoria y desigual en su distribución entre la población.
En este contexto, el estado, en el caso de nuestro país por ejemplo, actúa ahora
principalmente, sobre dos puntos importantes en relación a las cuestiones señaladas: la
implementación de políticas sociales para contener a la masa de desocupados y el sostén de la acción y de las inversiones de capital privado (fundamentalmente financiero y de
las empresas de servidos públicos) sobre el territorio.
Dentro de este complejo se concreta el espacio urbano y su configuración, hecho
que asume las características de la generación de una mercancía que hay que producir,
circular, consumir y distribuir.
Espacio urbano, sistema de reproducción,
mercado del suelo y distribución del territorio
Ahora bien, ¿qué significan las transformaciones espaciales que se están produciendo en la RMBA dentro del sistema que hemos esbozado inmediatamente arriba?;
¿cual es la ciudad que se está conformando como totalidad y de la que actualmente sólo
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
110
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
observamos diariamente algunas de sus transformaciones? y ¿cuáles relaciones sociales
sustentan la conformación de ese espacio urbano en la RMBA?
Las transformaciones en diversas dimensiones cuya existencia hemos indicado,
se sustentan en un sistema de relaciones sociales que fueron conformando también, en
lo que a este trabajo interesa y en particular, un mercado y un modo de distribución del
territorio entre la población de la Región.
El mercado al que nos referimos es el de la tierra, el suelo y el espacio urbano5.
Veamos cómo en el desarrollo de ese mercado se fueron conectando y articulando
un conjunto de factores, como: algunas de las transformaciones que se indicaron aquí en
términos generales, las practicas sociales de los actores con intereses e involucrados en
este proceso, los propios actores sociales, un conjunto de inversiones, la normativa, etc.
En el marco de desregulación y descentralización del sistema vial nacional iniciado
en 1989 por el Estado argentino se produce la privatización del mantenimiento y operación de unos 10.000 km de rutas nacionales y accesos a distintas ciudades, entre ellas
los accesos a la ciudad de Buenos Aires. Vale decir la red de autopistas que atraviesan
la RMBA.
Esto implicó importantes inversiones en la mejora y conservación de esas autopistas que atraviesan la RMBA. Entre 1990 y 1998 uno de los sectores más importantes
de destino de la inversión en la región ha sido el de las infraestructuras de transporte y
circulación, áreas en las que se invirtieron aproximadamente 2.000 millones de dólares
(Ciccolella, 1999).
Paralelamente se produce un aumento considerable del parque automotor y un
incremento de las viajes en auto particular. Estas aumentaron entre 1970 y 1992 en un
58% (Gutiérrez, 1999). Mientras que el patentamiento automotor para el total del Conurbano Bonaerense alcanzo valores en 1990 de 1.121.879 unidades, pasando en 1998 a
2.283.744. En los partidos que este estudio toma como referencia (San Miguel, Malvinas
Argentinas, J. C. Paz – Partidos que integraban el ex General Sarmiento –, Hurlingham
– Partido que hasta 1996 integraba Morón – y Tigre) estas valores fueron para 1990 de
192.768 vehículos patentados pasando a 425.745 unidades en 1998 (Dirección Provincial de Estadística; 1990-1998).
Al incremento señalado en el parque automotor debe agregarse el aumento considerable en el número de expendedoras de combustible en la RMBA que asciende en el
período considerado a aproximadamente 5000 unidades (Federico Sabaté, 1999)
Como dato complementario a la información anterior puede señalarse, además, el
incremento que, entre 1990 y 1998 tuvo en la RMBA la telefonía celular. Información que
adquiere importancia si la asociamos, por una parte, al incremento cuantitativo que en
los últimos años han tenido los barrios cerrados, countries y ciudades cerradas situados
en la periferia de la RMBA como lugares de residencia permanente y, por otro al estrato
social al que pertenecen los sectores que habitan en estos emprendimientos entre 1991
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
111
y 2001. Y adquiere importancia, pues permite: el estado de comunicación permanente,
"on line", de los habitantes de esos barrios periféricos, y el rápido desplazamiento que
permiten las autopistas entre esos lugares de residencia y el centro de la ciudad (sitio en
que se localizan los centros de dirección de la economía y el poder político) (De Mattos,
1996b).
Estas autopistas de la RMBA se constituyen en los nuevos ejes de expansión de la
ciudad, a lo largo de las cuales se extienden las nuevas urbanizaciones y los equipamientos terciarios. Entre ellas se destacan las de los corredores Norte y Oeste de la RMBA.
Corredores sobre los que se concentran mayoritariamente los denominados nuevos emprendimientos. Entre Barrios Cerrados, Countries y las llamadas Ciudades privadas se
concentran allí 356 emprendimientos privados (Clarín, 2001). Estas vias permitem conectar en forma rápida los puntos centrales situados en la ciudad de Buenos Aires con las
nuevas urbanizaciones, ahora lugares de residencia permanente de los sectores altos de
la sociedad, ubicados en partidos de la primera, segunda y tercera carona de la RMBA
(San Isidro; San Fernando; San Miguel; Malvinas argentinas; Tigre; Pilar; Escobar; etc.)
La traza de estas autopistas transcurre en los espacios intersticiales que deja el
tendido de las líneas del Ferrocarril. Vale decir atraviesa áreas de tierras no subdivididas
en períodos de anteriores extensiones urbanas (ver Mapa 1).
De este modo se abre una importante área de valorización e inversión sobre tierras
no subdivididas anteriormente, que pueden ser compradas en grandes fracciones a bajo
costa y sobre las que cabe realizar inversiones en infraestructura y servicios, pero que
brindan la posibilidad de altísimos beneficios.6
Vale decir, se impulsan con inversiones en infraestructura en el territorio de la
RMBA "áreas de oportunidad". Áreas que a través de inversiones fueron articuladas a
la economía y que resultan propias al desarrollo de otras inversiones de capital privado.
La operaciones en estas áreas fueron inducidas por las transformaciones ocurridas en el
marco de los procesos actuales en marcha, en este caso la privatización y concesión de
bienes públicos
Ahora bien ,?cómo se organiza el capital en el territorio? y ¿cómo organiza este a
su vez al territorio?
Dentro del contexto propuesto al país por la apertura del mercado interno a los
capitales extranjeros, acentuado principalmente a partir de 1991 por la sanción de importante normativa, que ofrecía un marco de inserción y seguridad a los inversores externos,
los empresarios nacionales que quisiesen realizar un emprendimiento inmobiliario en el
territorio de la RMBA, pudieron disponer, a partir de ese momento, de montos importantes de dinero para financiar sus operaciones. Esto implicaba tasas altas de retorno del
dinero.
En palabras de un desarrollador argentino "se disponen de nuevas fuentes de financiación en el mercado: fondos de pensión, compañías de seguros, etc. La financiación
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
112
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
se realiza a través del mercado financiero, a través de títulos, acciones, fondos de inversión de los propios bancos..." (Patto, 1998).
En síntesis, a partir de fines de los '70 y principalmente desde 1991 comenzaron
a modificarse:
●
los montos de financiación a que los empresarios actuantes en el área de la cons-
trucción (nos referimos a desarrolladores y empresarios constructores)7 podían acceder
para financiar sus emprendimientos;
●
el tipo de financiación y
●
los plazos de retorno de esta financiación.8
A estas posibilidades que se ofrecían para realizar emprendimientos alrededor de
los ejes conformados por las autopistas, hay que sumar las inversiones directas en equipamiento realizadas también a lo largo de esos ejes por el capital privado (fundamentalmente shoppings, hipermercados y hotelería), así como las realizadas igualmente en equipamientos terciarios por capital de origen nacional. En total el monto de estas inversiones
ascendió entre 1990 y 1998 a $4.650 millones (Ciccolella P; 1999),
Si bien las inversiones realizadas y sus resultados fueron de gran magnitud, también
los beneficios empresarios sobre esas inversiones fueron muy altos:
Al beneficio empresario, obtenido sobre el suelo urbanizado en los nuevos emprendimientos y señalado más arriba, hay que agregarle las rentas secundarias (Jaramillo;
1989) que surgen de la construcción sobre ese suelo (urbanizado y ubicado en un área
zonificada).
Actualmente el costo empresario de construcción de una vivienda media oscila
alrededor de $450/m2. Comparativamente el precio de venta en el mercado de una vivienda en el eje expansión norte de la aglomeración (Pilar) asciende a $984/m2 (La Nación, 2001). Por tanto hay un beneficio empresario bruto de 218% al que habría que
descontarle la tasa de interés de retomo del dinero prestado por el capital financiero para
la construcción.
A las transformaciones señaladas, que en distintas dimensiones (normativa, financiera, laboral, etc.) se fueron produciendo en la RMBA, hay que sumar las acontecidas
en la organización de las empresas actuantes en el área tierra, suelo y espacio urbano
(empresas inmobiliarias, financieras, etc.) como parte del proceso de reproducción del
mercado en el territorio que venimos tratando.
Esto implica transformaciones no sólo en la organización empresaria (gestión), sino
también en el equipamiento tecnológico, los tiempos, ritmos del trabajo a desarrollar y en
el empleo del sector.9
Estas transformaciones alcanzan también a las empresas de construcción, que
participan en este mercado a que nos estamos refiriendo, y comprenden los métodos
utilizados en el proceso de trabajo, el equipamiento tecnológico y la cantidad y calidad de
la mano de obra empleada.10
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
113
"Las empresas que coordinan los emprendimientos como desarrolladoras
actualmente son en general compañías financieras que actúan con gran profesionalidad y
trabajan en el área de los emprendimientos urbanos" (IRSA; 1998).
En este contexto se va conformando un nuevo e importante actor social: el
desarrollador. Este actor es un personaje central en esta nueva etapa que venimos
señalando y es quien coordina, organiza y pone en contacto a los distintos componentes
e integrantes de esta red o circuito que lleva adelante un emprendimiento en plazos estrictísimos y que tiene por fin cumplir con la realización de la obra y obtener el beneficio
previsto en el plan (lRSA, 1998).
En la reproducción del mercado que señalamos la normativa juega un rol de
importancia.
Al respecto lo señalado por Aspiazu (2000) respecto a las privatizaciones en Argentina es perfectamente aplicable al mercado que estamos considerando: "las políticas
públicas generan mecanismos de transferencia de recursos, de protección, de consolidación de áreas beneficiadas con rentas extraordinarias o de privilegio...De allí que deban
entenderse como la generación de un nuevo mercado para el sector privado, privilegiado
respecto a las restantes áreas de la economía"
Una de las principales medidas regulatorias respecto al suelo urbano es la Ley
8912/77. Esta Ley rige el ordenamiento del territorio de la Provincia de Buenos Aires y
regula el uso, ocupación, subdivisión y equipamiento del suelo.
La presión generada actualmente sobre la administración por la falta de recursos
en los municipios, el régimen de competencia, introducido por las nuevas condiciones
y transformaciones impuestas en el país, que implica la atracción de capitales privados
hacia el municipio y, la presión de los propios inversores sobre este ultimo estableció, no
sólo un marco a la negociación entre el municipio y el capital privado con fines múltiples,
sino que generó transformaciones en la legislación. Así:
1) la tensión generada por la construcción de los nuevos emprendimientos, expresada como tensión entre promotores de estos y municipio, ha producido modificaciones
en la Ley 8912. En este sentido la Provincia de Buenos Aires sanciona en 1998 el Decreto 27/98 que reglamenta los barrios cerrados en el ámbito de su jurisdicción. A partir de
ese momento los barrios cerrados deberán gestionarse a través de la ley nacional 13.512
sin vulnerar los indicadores contenidos en el articulo 52 del decreto ley 8912/77 u optar
en lo pertinente por el régimen jurídico establecido por el decreto 9404/80.
La sanción de esta normativa del suelo (Ley 8912/77) implicó el fin de los llamados "loteos populares" (loteos realizados en el territorio de la RMBA sin la existencia
de infraestructura, servicios y equipamientos) que habían generado un mecanismo mediante el cual, la RMBA se extendió a lo largo de las vías del Ferrocarril, principalmente
desde el período de substitución de importaciones. Estos loteos se vieron complementados a su vez por una financiación muy accesible, para los sectores populares, para la
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
114
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
amortización del precio de venta. Sobre esta base se va conformando la ciudad autoconstruída.
El pretendido control del mercado del suelo que se suponía implicaba esta normativa a que nos referimos, no dio los resultados esperados11;
2) desde el punto de vista impositivo y para las deficitarias finanzas locales, el
marco
de negociación citado más arriba permite a los municipios: desarrollar el territorio,
sumar contribuyentes, resuelve privadamente la provisión de infraestructura urbana (agua,
gas, desagües, pavimento, etc.) además de contribuir atrayendo servicios y equipamientos (hipermercados, supermercados, colegios privados, etc.), pero implica áreas de su
territorio, precisamente las cualificadas por esos servicios y equipamientos, encerradas
por barreras y no accesibles a toda la población del partido. Este modo de gestionar la
ciudad, que termina con la erección de estos emprendimientos en el municipio en cuestión, significa pragmáticamente, votos para los intendentes, pues hay un cierto desarrollo
de la ciudad abierta, como: nuevos equipamientos, calles de acceso a los emprendimientos que son utilizadas también por otros habitantes del partido, extensión de las líneas de
transporte colectivo, mejoras en la zona comercial de la ciudad abierta, inducidas por la
afluencia de mayor público, fuentes de trabajo (servicio doméstico), etc.
Esto implica también, para quiénes realizan inversiones en estos emprendimientos
privados, dirigidos sólo a aquellos sectores sociales que tienen la capacidad de pago
requerida, la obtención de importantes beneficios. Ya que esa inversión se realiza en un
suelo adquirido a bajo costo, que se provee de infraestructura, se equipa y se organiza
de tal modo que, la distribución de las parcelas y los atributos espaciales dentro de un
espacio cercado se realiza de acuerdo a la conformación del precio requerida por el emprendedor, dentro de un plan muy preciso y acotado en el tiempo.
En el contexto que venimos señalando cabe mencionar que en los cinco partidos
tomados como referencia en este estudio, entre 1986 y el 2000, fueron aprobadas 41
modificaciones a la división del suelo establecida por el municipio (entre cambios de zonificación y modificaciones al código que las regula). Esas superficies se destinaron en su
gran mayoría a emprendimientos cerrados, a conjuntos habitacionales en torre y a zona
comercial (Lombardo, 2000a).
Dentro de las transformaciones que se están señalando, el Estado aparece con un
nuevo rol.
En los '90 el Estado disminuye notablemente sus acciones directas sobre el territorio, dejando su rol como planificador y realizador, para pasar a actuar ahora como
promotor de las inversiones privadas. Esto se ve posibilitado por los cambios realizados
en los marcos institucionales y de regulación.
A su vez y si bien la normativa otorga a los municipios en sus distritos la responsabilidad en la división de la tierra, estos, que disponen de presupuestos deficitarios o muy
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
115
limitados, se ven obligados, como uno de los medios para desarrollar su territorio, a atraer
capital privado, para que realice allí inversiones. Esta vía es facilitada por los cambios
efectuados en la normativa (como ejemplo puede citarse el decreto 27/98 y las modificaciones que los municipios realizan – cambios de usos – a la división del suelo establecida
en su territorio, con el fin de optimizar allí la inversión del capital privado).
La llegada de este capital implica la transformación de sectores del municipio
(que dispondrán de infraestructura, equipamiento y servicios) y la generación de nuevos
contribuyentes, pero implica también áreas cerradas que participan sólo esporádicamente del partido y que proponen, en esos espacios urbanos cerrados, otro tipo de socialización, que contrasta con la de los habitantes del lugar y distinta a la consensuada por la
sociedad hasta el momento.
"El neoliberalismo pone a cada municipio a competir para atraer al capital global,
porque con inversiones habrá modernidad, desarrollo, recaudación de impuestos, etc."
(Seminario La Universidad como agente del desarrollo Local, 2001).
A su vez el Estado sostiene la acción del capital y del mercado sobre el territorio.
Ante la desocupación masiva, propone y ejecuta políticas sociales asistencialistas, compensatorias, que actúan como contención de las situaciones de desigualdad social que
se producen.
Ahora bien ¿cuál es la demanda que se está configurando para este mercado?
La posibilidad de acceder al mercado del suelo y del espacio urbano es a través
de la financiación de la compra de esta mercancía. En esto hay dos grandes variables a
considerar: la oferta de financiación pública y privada y las condiciones que puede cumplir la demanda (la cual precisa sus posibilidades de acceder a esta financiación).
(Ver un desarrollo más detallado de esos puntos en los Anexos 1 y 2).
Respecto a la financiación pública: esto implica una oferta amplia que principalmente se ofrece para la construcción de viviendas (entrega de un producto terminado),
mejoramiento de barrios (provisión de infraestructura) y regularización dominial.
El núcleo de población a que en general se dirige esta oferta es población NBI
(con necesidades básicas insatisfechas) y aquella que tiene ingresos de hasta $450.
Pero no se ofrece por medio de estos programas, excepto a través del Banco Hipotecario Nacional, un préstamo que permita acceder a la compra de un lote de terreno
cuyo precio alcanza hasta 200$/m2, ó de una casa que oscila alrededor de 900$/m2, que
son las ofertas comunes en el mercado que estarnos considerando.
Más bien y en conjunto este grupo de programas se dirigen a contener la creciente
masa de desocupados y refuerzan la tarea de apoyo y promoción del estado a las inversiones del capital privado.
La oferta de financiación privada hipotecaria, ofrecida por la banca internacional
(Rio, City, Galicia, etc.) es: una oferta para empleados o autónomos que financia entre
75 y 100% de la compra. Los plazos de devolución oscilan entre 10 y 20 anos, con una
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116
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
Poblacíon económicamente activa, empleo y desempleo
en el Gran Buenos Aires (GBA). 2001. En porcentaje
TA de 14 y más
Tasa de empleo
Tasa de desocupados
Categoria ocupacional
Asalariados
No asalariados
Asalariados sin jubilación
GBA1
Mayo 2001
GBA2
GBA3
GBA4
59,4
50,1
15,7
58,4
48,5
17,0
55,9
47,2
15,6
60,2
47,7
20,7
58,4
47,9
17,9
69,7
30,3
31,2
71,9
28,1
37,9
74,2
25,8
41,5
75,7
24,3
43,7
73,8
26,2
40,6
Total
Fuente: EPH – INDEC.
tasa de interés anual de entre 11 y 13%. El piso mínimo del ingreso a demostrara va de
$1000 a $1800 y el monto de la cuota oscila entre el 35 y 40% del ingreso mensual. Se
debe demostrar además estabilidad en el empleo, certificar los ingresos y estado de la
situación impositiva para los autónomos.
Bien ¿cuáles son las condiciones de la población y sus posibilidades de acceder a
la financiación indicada?
La población de la Región presentaba a mayo del 2001 una tasa total de
desocupación muy elevada, del 18,7% y en la zona GBA4, el área más desfavorecida,
esta alcanzaba al 22,9%.
El ingreso promedio de los ocupados variaba, por otra parte entre $479 en la zona
más desfavorecida, donde se concentra la mayor cantidad de hogares de la Región, a
$1008 en la zona GBA1.
Ahora bien, la brecha existente entre la oferta y los ingresos del sector de la demanda parece ser muy amplia, sobre todo entre aquellos sectores en los que se concentran las necesidades y la oferta. Necesidades que el capital financiero e inmobiliario deja
en manos del estado para su contención.
Promedio del ingreso de los ocupados del
Gran Buenos Aires (GBA) y sus espacios. 2000. En pesos
Mayo 2000. Porcentaje de hogares
que habitan en cada GBA sobre
total de hogares del GBA
GBA y sus espacios
Mayo 2000
GBA1
1.088
7,9
GBA2
617
27,8
GBA3
531
28,7
GBA4
479
35,6
Total
571
100,0
Fuente: EPH – INDEC.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
117
Lo que parece conformarse entonces, es una oferta que se dirige a una demanda
muy concentrada y que se ubica en barrios cerrados, countries, clubes de campo, ciudades pueblo, torres countries, etc. vale decir en lo que en este trabajo llamamos nuevos
emprendimientos.
Este hecho se complementa con las palabras de un consultor bancario:
(...) el 60% de la oferta se localiza en el sector de ingresos que está entre los $1500 y
1200 – 1000 mensuales. En la franja de ingresos que va de $1000 – 900 hacia abajo
los bancos no dan financiación y las empresas constructoras tienen dificultades para
hacerlo. (Patto, 1998)
Dentro del marco configurado por la acción de las medidas neoliberales instrumentadas en nuestro país, concretamente a través de la normativa sancionada, las acciones,
las prácticas de los actores sociales, van generando las transformaciones que venimos
señalando y se van convirtiendo en los circuitos espacio temporales en los que nos movemos diariamente.
Estas transformaciones ocurridas en distintos niveles y dimensiones y sus múltiples y variadas articulaciones, actúan también operativamente en la reorganización y reacomodamiento de los actores sociales en el proceso de reproducción de la sociedad,
de acuerdo a la lógica que predomina en el conjunto. Pragmáticamente esto significa
los distintos lugares que cada actor y sector social, que se encuentra en este contexto,
ocupa de acuerdo a su partiipación en el sistema que se establece. Implica a su vez el
reacomodamiento, la reorganización y la distribución del espacio entre los distintos sectores sociales.
La lógica predominante en el conjunto es la impuesta por las regias que establece
en nuestra sociedad actualmente el accionar del capital privado para su reproducción,
particularmente del capital financiero e inmobiliario.
La situación, no casual, que venimos señalando en el mercado inmobiliario, ha propiciado una apropiación diferencial del espacio urbano por parte los distintos sectores
sociales y ha generado situaciones heterogéneas y desiguales, en lo que se refiere a la
calidad de vida de los habitantes en las distintas zonas.
Las transformaciones, las practicas y acciones de los distintos actores sociales y
las inversiones provenientes de distintos sectores y de distintos niveles del ámbito financiero (fondos disponibles para realizar emprendimientos o inversiones de los propios emprendedores en sus emprendimientos o inversiones de ahorristas nacionales o inversiones inducidas par acciones del Estado argentino, etc.), fueron construyendo un mercado,
asentado sobre las prácticas de los actores que en el tomaban parte, cuyas inversiones
sobre el territorio articuladas con el nuevo tipo de gestión de la ciudad que se da, fueron
reproduciendo un espacio organizado alrededor de la obtención del beneficio. La distribución de estas inversiones sobre el territorio indujeron la resignificación de este, de las
áreas y de las actividades urbanas sobre las que se realizaron.
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
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Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
De este modo y lentamente el capital privado se fue convirtiendo en el principal
organizador del proceso de reproducción social y de distribución del espacio. El estado
aparece aquí como facilitador o promotor de este proceso.
A continuación y para dar una idea de la magnitud aproximada del mercado sobre
el que estamos tratando y que se está reproduciendo en la RMBA, se ha calculado el beneficio empresario promedio sobre suelo urbano, considerando sólo los emprendimientos
llamados "barrios cerrados" (countries, barrios cerrados, clubes de campo y los grandes
emprendimientos) en 29 partidos de la RMBA.
Sobre una superficie de aproximadamente 19.000 ha. ó 190.000.000 de m2 de
suelo urbano (A y DET; 2001), (La Nación; 2001), considerando un costo empresario
en suelo urbanizado de 25$/m2 y un precio de venta promedio de 116$/m2 (La Nación,
2001) para los partidos de la RMBA, se obtiene un beneficio empresario promedio de
91$/m2 y un beneficio bruto total promedio de $17.290.000.000 millones de dólares
para la RMBA. Cifra de la que habría que descontar el interés del dinero adelantado por
el capital financiero y pagado por los emprendedores para llevar adelante estos emprendimientos.
Estas son las relaciones que sustenta el espacio y que reproducen los actores
sociales a través de sus prácticas (ver Gráfico 1).
La conformación del espacio urbano
Entonces ¿cuál es el espacio urbano que se conforma actualmente en el territorio
por la acción de ese mercado?
Dentro del contexto generado por las transformaciones que se están produciendo
a distinto nivel en la RMBA, se fue reproduciendo, en distintas dimensiones y niveles, el
marco operativo para la obtención del beneficio del capital privado en el mercado de la
tierra, el suelo y el espacio urbano en la RMBA sobre los nuevos ejes de expansión que
constituyen las autopistas.
Este modo de acción del capital privado en el territorio no es nuevo, es una profundización del utilizado por el capital inmobiliario en otro período de expansión de la Región (período de Substitución de Importaciones) (Lombardo, 1999). La diferencia reside
en la dirección y predominancia que impone al proceso de acumulación del período en
cuestión, la fracción predominante del capital y que se establece en todo el proceso de
reproducción de la sociedad. En este sentido la incidencia e impronta en el territorio de
las inversiones resulta distinta a la de períodos anteriores.
La lógica de la obtención del beneficio sobre la inversión, observada en el contexto
que se señala y realizada en la mercancía tierra, suelo y espacio urbano, dentro del mercado conformado, es la lógica sobre la que se organiza el mapa espacial que el sector
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
119
privado está configurando en el territorio. Lógica que decide sobre la inclusión, exclusión
o el estado de expectativa para las distintas zonas à áreas de los distintos partidos de la
RMBA en la que acciona el sector inmobiliario.
Las zonas que resultan excluidas o desvalorizadas son dejadas en manos del estado por el capital privado, al no resultar su desarrollo "financiable" y "rentable".
Vale decir el punto central aquí, en relación al suelo y al espacio urbano es, la puesta en valor o en desvalorización o en términos de expectativa, de distintas zonas urbanas
para la obtención del beneficio. En este contexto hay un punto de importancia: la división
funcional del espacio que precisa los distintos lugares del espacio y por tanto especifica
el mercado del suelo y el espacio urbano. Este indicador muestra la distribución deseada
(zonificación municipal) y la real (zonificación existente sobre el territorio) de la renta en
el espacio urbano. A su vez establece la relación entre las personas, el capital y el estado
mediado por el mercado y la normativa.
Esto va organizando sobre el territorio un mapa urbano de características variables con precios de la tierra, el suelo y el espacio urbano. En este esquema las áreas
valorizadas se distribuyen entre las sectores de altos ingresos que pueden acceder a las
altos precios de la mercancía urbana, las zonas de los sectores medias se muestran, en
general, como áreas en expectativa de precio y las áreas ocupadas por los sectores de
menores ingresos no son objeto de inversión y se deterioran cada vez más. Aunque en
estas áreas aparecen espacios en expectativa de precia (en general por el bajo precio
del suelo que permite realizar al emprendedor una compra "conveniente" y obtener muy
buenos beneficias al cualificada). (Ver Mapas 5 y 6).
A su vez se especifican calidades urbanas con infraestructura y equipamientos de
acuerdo al precio de las distintas zonas. La privatización de los servicios urbanos básicos
(agua, desagües, electricidad, gas, etc.) realizada en la RMBA profundiza y acentúa este
proceso poniendo aun más en manos del capital privado la cualificación del espacio urbano. Operativamente los procesos de reproducción de los distintos sectores sociales se
efectivizan en estas áreas subdivididas por el capital privado.
Como consecuencia se produce en la ciudad una división muy marcada de la fragmentación socio espacial que opera de modo muy diverso en los distintos sectores sociales: conformando aislamiento en los bajos, expectativa en los medios y segregación
elitista en los altos (Catenazzi, Lombardo y Wagner, 2001).
Vale decir el capital privado a través de las práctica y acciones de los sujetos sociales, se ha convertido en el principal organizador del proceso de reproducción social y
de distribución del espacio urbano. El mecanismo de integración entre proceso de reproducción y distribución del espacio se realiza a través del mercado. El estado aparece aquí
como facilitador o promotor de este proceso.
El fenómeno que señalamos se ejemplifica para los cinco partidos de referencia de
este trabajo, en los planos adjuntos (ver Mapas 2, 3, 4, 5 y 6).
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
120
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
En el Mapa 2 podemos observar, como situación de partida, la distribución de los
distintos estratos socio económicos en el área de estudio en 1991.
Para dar una idea de magnitud gráfica de las transformaciones en el territorio
se han confeccionado dos mapas (Mapas 3 y 4) con los vacíos urbanos (espacios no
ocupados en el territorio por usos específicos, por ejemplo INTA, Campo de mayo, etc.)
existentes en el territorio en 1992 y en el 2001. El espacio ocupado entre uno y otro período asciende a 5690 ha.
En los planos 5 y 6 puede observarse el nuevo mapa espacial del área por la acción del mercado que venimos describiendo. En el ultimo de estos mapas se han querido
señalar, para marcar con claridad la situación que estamos describiendo, los emprendimientos urbanos y los asentamientos populares.
En estos mapas podemos observar un territorio en transformación. Un núcleo relativamente consolidado y dos bordes en los que los extremos de la pirámide social parecen ir concentrándose. Tanto en el núcleo consolidado como en los bordes hay áreas
en expectativa de precio. Las áreas más consolidadas se encuentran en San Miguel y
Hurlingham con núcleos de precios altos. Los sectores medios ocupan el centro del territorio analizado. Tanto los nuevos emprendimientos como los asentamientos populares se
encuentran dispersos en todo el territorio y en muchos casos colindan.
Los llamados nuevos emprendimientos no aparecen en el Partido de Tigre ya como
islas, sino como un conjunto más consolidado, principalmente por la relación que se establece
allí entre el capital y el estado municipal y que implica un modo de gestionar la ciudad.
Los precios del suelo sirven de base a toda la organización socio territorial.
Es dable señalar finalmente, la contradicción central que con respecto a la conformación del espacio urbano presenta el sistema de reproducción social que observamos,
en que la lógica, el poder y el impulso de la reproducción del capital financiero e inmobiliario predomina por sobre la organización, articulación cualificación y distribución de un
espacio que debiese privilegiar el desarrollo de la vida equitativa e igualitariamente.
Juan D. Lombardo
Prof. Asociado regular; Instituto del Conurbano; Universidad de General Sarmiento; Área de Urbanismo.
[email protected] y [email protected]
Mercedes Di Virgilio
Asistente principal regular; Lic. en Sociología; Instituto del Conurbano; Universidad de General
Sarmiento; Área Políticas Sociales.
[email protected]
Leonardo Fernández
Asistente alumno; Instituto del Conurbano; Universidad de General Sarmiento; Área de Urbanismo.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
121
Notas
*Este trabajo es parte de un estudio más amplio titulado: Reproducción social del suelo y del espacio urbano en cinco partidos del eje Norte de la RMBA. Se agradece al Prof. A. Federico
Sabatè la atenta lectura y los comentarios sobre el presente escrito.
1. Ver al respecto Lombardo J. (2000b).
2. Entre otras importantes medidas con: la ley de reforma del estado; la privatización de gran
cantidad de empresas públicas; la ley de convertibilidad; la apertura del mercado interno
al capital extranjero; la acción de inversiones extranjeras; la reforma y desregulación del
mercado laboral; el cambio de roles del estado con respecto al control de la economía, etc.
Ver además sobre este tema: Federico Sabaté (2001).
3. Las principales características de estos procesos son: desregulación de las instituciones financieras entre y dentro de los países; la predominancia del capital financiero respecto
a otros sectores de inversión del capital; la revolución de los sistemas de información y
comunicación; la perdida de la centralidad del trabajo como categoría alrededor de la que
se estructuraban clases e identidades; la predominancia del mercado como institución central; la reorganización de la relación entre capital y trabajo; la revolución tecnológica; la
reestructuración económica, política, social y urbana dentro de los países como punto derivativo importante de lo citado precedentemente para adaptarse a las nuevas condiciones socioeconómicas internacionales (De Mattos, 1996b), (Harvey, 1997), (Borja e Castels,
1997), (Castells, 1989), (Coraggio, 1999), (Sassen, 1991).
4. Para el desarrollo exhaustivo de este tema, ver Bourdieu y Passeron (1995); Coraggio (1999);
García Canclini (1990 y 1995); Hintze (1989); Margulis (1986); Marx (1994); De Olivelra y
Sales (1986); Lombardo (2000a).
5. Se entiende aquí: por tierra a aquella porción de territorio subdividido en lotes urbanos y
ubicada dentro de los límites del perímetro urbano; por suelo urbano entenderemos a esa
porción de territorio, a ese, esos lotes urbanos, dotados de infraestructura (agua, desagües
cloacales, electricidad, luz, gas, teléfono, etc.) e inserto(s) en una división funcional del
suelo (zonificación) y por espacio urbano a ese suelo urbano con edificio(s) construido(s) e
inserto en una división funcional del suelo (zonificación).
6. Como por ejemplo puede señalarse el beneficio empresario en inversiones realizadas en tierras en el eje norte de expansión urbana. El precio del suelo promedio para el empresario
con las costas de urbanización y subdivisión incluidos oscilaba entre 20 y 25$/m2. El precio
de venta en cambio variaba entre 40 y 200$/m2 (La Nación, 2001). Vale decir esto implica un beneficio bruto por el suelo de entre 100% y 900%, si se toma como base 20$/m2,
sobre el capital invertido, a lo cual habría que descontar el interés del dinero prestado al
empresario por el sector financiero para realizar el emprendimiento, que resultaba de una
importancia muy considerable.
7. El capital financiero actúa principal y diferenciadamente sobre los distintos actores que participan en la construcción de la ciudad: la industria de la construcción (fabricación de cemento, acero, materiales de construcción, etc.); el empresario constructor (de edificios o
infraestructura); las empresas privatizadas de servicios públicos; el desarrollador (empresarios, consultores, arquitectos, etc.) el propietario de la tierra, los comercializadores de
bienes inmuebles, el consumidor (comprador de suelo o vivienda) y el Estado.
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Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
8. "Desde la convertibilidad el país es refundado en términos inmobiliarios. Antes se pensaba
en emprendimientos a corto plazo. La cuestión era ver como en el menor tiempo posible el
activo (casa, edificio) pasaba de la mano del desarrollador al consumidor y el primero recuperaba el dinero. Ahora hay que planificar, hay estabilidad, las inversiones son a 10, 15 o
20 anos. En este nuevo esquema los bancos cumplen funciones distintas a Ias de los últimos
50 anos. Los corredores inmobiliarios tienen ahora que hacer planes comerciales cuando
antes se limitaban sólo a poner en contacto al comprador con el vendedor. En las empresas
constructoras sucede lo mismo, ahora tienen que planificar el desarrollo de la construcción
porque hay plazos estrictos para las inversiones. Ahora se construye sin capital propio, con
dinero de terceros, con valores en la forma que se llama securitización (usando valores, títulos)" (Patto, M; 1998 ). Por otra parte podemos observar que, a partir de los '80 comienza a
variar el monto de las inversiones en los emprendimientos inmobiliarios que se llevan a cabo. EL costo del m2 construido en 1989, período de crisis en la industria de la construcción,
oscilaba entre $800 y $1000. El tipo de edificio predominante que se construía en la Capital
Federal era el edificio en altura, en propiedad horizontal. Por tanto un edificio levantado
en un terreno de 30m x 50m con una superficie por piso de 100m2 y una altura de 10 pisos
(edifico corriente en esos anos), tenia un valor aproximado de $1.000. 000. Los edificios en
torre podrían alcanzar hasta $3.000.000 (Garay, 1998 ).
Los montos invertidos en los emprendimientos actuales varían considerablemente de estos:
En el "Marinas Golf' (Partido de Tigre) se invertirán en total aproximadamente $200.000.000,
en "Nordelta" (Partido de Tigre) la inversión total será de $250.000.000, mientras que en
"Pilar del este" se realizará una inversión total de $450.000.000 (Clarín, 2000).
9. Un complejo de factores como: el tipo de financiación, sus montos, los plazos de devolución
y los costos del dinero adeudado para la realización de los emprendimientos, produjeron
transformaciones, no sólo en la organización de las empresas que llevaban adelante emprendimientos inmobiliarios a partir de los '80, sino también en sus formas de operar para
lograr los plazos establecidos para las distintas etapas de obra. Así fue necesaria una planificación estricta de los emprendimientos, de su plan financiero y de inversiones, de sus
plazos de ejecución, de los planes comerciales e inmobiliarios, de los plazos de devolución
del dinero solicitado para la realización del emprendimiento, etc. Esta organización y planificación alcanza a todas las ramas y etapas que hacen a la realización de los emprendimientos inmobiliarios actuales: la compañía financiera, los corredores inmobiliarios, las
empresas constructoras, etc. (Pano, 1998).
10. Se utilizan sistemas constructivos industrializados y equipo pesado (grúas, plumas, monta
cargas, elevadores de materiales y obreros) que permiten alcanzar el final de obra en forma
más acelerada y ocupando menor cantidad de mano de obra por menos tiempo. En este
nuevo escenario, son decisivos para generar ahorro en la utilización de mano de obra, los
nuevos métodos de construcción (por ejemplo: tabiquería armada en fábrica y yesería). La
pre elaboración de estos elementos reducen el tiempo efectivo de trabajo en obra, "condicionando la función de competitividad empresarial a la reducción de sus nóminas de
trabajadores" (Fidel, 1998). Vale decir se priorizó el reemplazo de mano de obra por capital
y el vuelco hacia técnicas intensivas en capital. La inversión bruta en la industria de la construcción creció en 1997 un 23,7% (Fidel, 1998).
11. "La provincia de Buenos Aires, en un sentido amplio, carece de una política clara de planeamiento y gestión del territorio, sin la cual la normativa termina siendo un puro instrumento
formal, incapaz de incidir sobre la ciudad que realmente se quiere" (Colegio de Arquitectos
de la Provincia de Buenos Aires, 2001).
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La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
12. Este escrito fue elaborado en base al trabajo Catenazzi y Di Virgilio (2001): Ingreso ciudadano y condiciones urbanas; Buenos Aires; Mimeo
13. Arcuri, A.; 1999: El Conurbano Bonaerense; La Plata; Provincia de Buenos Aires.
14. Federico Sabaté, A.; 2000: Problemas vinculados al financiamiento de la vivienda; Buenos
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15. Banco Galicia; 2001: Folleto con condiciones para solicitar financiación con garantía hipotecaria. Buenos Aires. Banco ltaú; 2001: Follero con condiciones para solicitar financiación
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126
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
Anexo 1
El sistema de reprodución social
La población
Cuadro 1 – Población económicamente activa,empleo y desempleo
en el Gran Buenos Aires (en porcentajes). Años 1995-1996
Abril 1996
Mayo 1995
GBA1
TA de 14 y más
Tasa de empleo
Tasa de desocupación
Tasa de subocupación horaria
Categoria Ocupacional
Asalariados
No asalariados
Asalariados sin jubilación
58,3
49,1
15,8
GBA2
57,2
44,6
22,0
GBA3
56,2
43,2
23,1
GBA4
64,4
48,8
24,3
Total
59,7
46,2
22,7
GBA1
58,9
48,9
17,0
GBA2
54,4
44,0
19,0
GBA3
54,6
43,6
20,1
GBA4
59,4
45,9
22,7
Total
56,6
45,0
20,5
65,5
34,5
29,8
70,9
29,1
31,8
76,9
23,1
32,5
72,5
27,5
40,6
72,6
27,4
35,3
72,4
27,6
22,8
71,7
28,3
33,2
72,3
27,7
35,4
73,4
26,6
43,2
72,6
27,4
36,8
Fuente: INDEC.
Cuadro 2 – Población económicamente activa,empleo y desempleo
en el Gran Buenos Aires (en porcentajes). Años 1996-1998
Mayo 1998
Mayo 1997
GBA1
TA de 14 y más
Tasa de empleo
Tasa de desocupación
Tasa de subocupación horaria
Categoria Ocupacional
Asalariados
No asalariados
Asalariados sin jubilación
62,2
54,1
13,0
GBA2
56,6
47,1
16,8
GBA3
57,1
45,7
20,0
GBA4
60,4
48,4
20,1
Total
58,6
47,7
18,6
GBA1
62,1
54,1
12,9
12,2
GBA2
59,0
50,8
13,9
12,2
GBA3
54,6
46,7
14,5
14,7
GBA4
60,8
49,5
18,6
15,7
Total
58,7
49,4
15,8
14,2
73,5
26,5
35,8
72,3
27,7
33,9
75,4
24,6
41,1
73,5
26,5
45,0
73,7
26,3
41,0
66,3
33,7
41,1
73,4
26,6
36,9
75,0
25,0
37,9
74,5
25,5
44,8
73,7
26,3
40,5
Fuente: INDEC.
Cuadro 3 – Población económicamente activa,empleo y desempleo
en el Gran Buenos Aires (en porcentajes). Años 1999-2001
TA de 14 y más
Tasa de empleo
Tasa de desocupación
Tasa de subocupación horaria
Categoria Ocupacional
Asalariados
No asalariados
Asalariados sin jubilación
Mayo 1997
Mayo 2000
Mayo 2001
GBA1 GBA2 GBA3 GBA4 Total
GBA1 GBA2 GBA3 GBA4 Total
GBA1 GBA2 GBA3 GBA4 Total
59,6
52,1
12,6
14,6
60,9
51,6
15,2
14,6
57,4
48,1
16,2
16,0
61,1
48,2
21,1
14,9
59,9
49,4
17,5
15,1
59,4
50,1
15,7
14,7
58,4
48,5
17,0
16,2
55,9
47,2
15,6
16,2
60,2
47,7
20,7
17,2
58,4
47,9
17,9
16,5
58,9
50,7
13,9
10,2
58,6
48,3
17,6
15,4
56,4
47,8
15,2
15,8
58,8
45,3
22,9
17,5
58,1
47,2
18,7
15,9
72,0
28,0
31,0
73,1
26,9
37,5
73,6
26,4
39,7
74,2
25,8
47,3
73,6
26,4
41,2
69,7
30,3
31,2
71,9
28,1
37,9
74,2
25,8
41,5
75,7
24,3
43,7
73,8
26,2
40,6
70,4
29,6
33,4
73,2
26,8
39,0
73,3
26,7
42,0
76,4
23,6
43,2
74,2
25,8
41,0
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
127
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
Cuadro 4 – Promedio de ingreso de los ocupados del GBA
y sus espacios (en pesos). Años 1997-2000
GBA y sus
espacios
Mayo
1997
Mayo
2000
Mayo 1997
% de hogares en cada
GBA sobre total de
hogares del GBA
Mayo 1997
% de ingresos en cada
GBA sobre total de
ingresos del GBA
Mayo 2000
% de hogares en cada
GBA sobre total de
hogares del GBA
Mayo 2000
% de ingresos en cada
GBA sobre total de
ingresos del GBA
GBA 1
GBA 2
GBA 3
GBA 4
Total
915
685
574
526
615
1.008
617
531
479
571
7,8
28,6
28,2
35,4
100
12,1
30,7
26,6
30,7
100
7,9
27,8
28,7
35,6
100
14
29,6
26,6
29,8
100
Fuente: EPH-INDEC.
El capital
Cuadro 5 – entidades financieras según patrimonio neto y utilidades (en miles
depesos). Diciembre de 1999. Diciembre de 2000, Septiembre de 2001
Nº de
orden según
utilidades
en Sept. de
2001
1
2
3
4
5
6
Diciembre 1999
Entidad financiera
Patrimonio
neto
BBVA Banco Francês S.A.
940.597
Banco Río de la Plata
1.205.544
Banco de Galicia y Buenos Aires S.A. 1.332.149
Banco Nazionale del Lavoro S.A.
344.047
Bank Boston N.A.
729.328
Citibank N.A.
724.026
Utilidades
Diciembre 2000
Patrimonio
neto
95.250 1.081.318
119.168 1.339.648
156.324 1.437.720
42.024
394.223
8.433
755.178
42.873
767.654
Utilidades
Septiembre 2001
Patrimonio
neto
180.266 1.141.525
207.593 1.234.199
203.056 1.419.033
50.177
334.221
3.703
756.209
50.465
726.859
Utilidades
138.837
124.529
38.316
29.331
1.033
-10.795
Fuente: BCRA
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
128
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
Cuadro 6 – Principales grandes empresas según utilidades
(en millones de dólares). Año 1998
Nº de orden según
utilidades em 1998
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
Empresa
YPF
Telefónica de Argentina
Telecom Argentina
Siderca
Pérez Companc
Transportadora de Gas del Sur
Shell
Alluar
Siderar
Edesur
Techint
Telintar
Edenor
Massalin Particulares
CRM (Movicom)
Central Costanera
Cervecería Quilmes
Petrolera San Jorge
Comercial del Plata
Agea
Transportadora de Gas del Norte
Central Puerto
Carrefour
Loma Negra
Cosméticos Avón
Argencard
Unilever
Gas Natural Ban
IBM
Arcor
Fuente: Daniel Aspiazu
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
Utilidades
580,0
510,9
374,0
326,6
205,0
156,5
121,2
120,9
120,6
93,2
90,9
88,8
81,8
77,9
73,6
68,1
66,2
64,1
62,1
60,8
59,8
57,1
52,5
52,5
51,1
49,8
49,3
43,8
40,9
40,0
129
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
Cuadro 7 – Principales grandes empresas según utilidades
(en millones de dólares). Año 1999
Nº de orden según
utilidades em 1999
Empresa
Utilidades
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
YPF
Telefónica de Argentina
Telecom Argentina
Pérez Companc
Transportadora de Gas del Sur
Pan American Energy
Alluar
Chevron S. Jorge (ex Petrolera S.Jorge)
Massalin Particulares
Edenor
Siderca
Cervecería Quilmes
Movicom
Aguas Argentinas
Cargill
Central Costanera
Centrosud (Jumbo)
WinterShall Argentina (Deminex)
Central Puerto
Transportadora de Gas del Norte
Refinería del Norte
Gas Natural Ban
BGH
Metro Gas
Shell
Cosméticos Avón
Astra
Carregour
Supermercados Coto
Miniphone
477,0
456,0
358,0
338,0
145,7
118,3
103,8
95,5
91,9
90,1
85,8
78,0
68,6
62,1
59,7
58,1
54,8
50,9
50,2
47,7
47,0
45,6
44,2
42,1
41,1
40,9
39,1
38,9
35,1
35,0
Fuente: Daniel Aspiazu
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
130
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
Anexo 2
El acceso al mercado del suelo y el espacio urbano
Hay, desde nuestro punto de vista y en lo que a este tema respecta, algunas cuestiones centrales a tener en cuenta. Una de ellas son las características de la población
demandante, que ya hemos considerado en el anexo 1 y la segunda que trataremos aquí
es: la financiación existente para el acceso al mercado del suelo y la vivienda.
La problemática a la que alude este tema, se sitúa no sólo en el nivel financiero sino que incluye otros aspectos como: ocupación de la población, distribución del ingreso
entre esa población, nivel de ingresos, acción del estado en el área de problemas considerados, acceso al suelo, la infraestructura y los servicios, distribución de esa población
en el territorio, costos y precios de la vivienda, tecnología empleada para su fabricación,
etc., aspectos que han sufrido en la región transformaciones de importancia por la acción
de los procesos neoliberales actuales.
El punto que vamos a considerar principalmente es el financiamiento público y privado para el acceso a los bienes que se incluyen en el mercado que estamos tratando.
La financiación pública en los '90: la acción del estado argentino en este tema se
organiza, en este período, alrededor de los siguientes núcleos operativos: vivienda, regularización del domino de inmuebles, mejoramiento de barrios (infraestructura, etc.) y la
concesión de micro créditos destinados a mejorar o ampliar la vivienda y agregarle instalaciones. Estas líneas operativas se orientan no sólo a través de los organismos nacionales de vivienda sino también a través de la Secretaría de Desarrollo Social y la Secretaria
de Desarrollo Sustentable.
Se reseñaran aquí los principales instrumentos públicos con acción en la RMBA y
la Provincia de Buenos Aires.12
Fondo Nacional de la Vivienda (FONAVI): sancionado por ley en 1972 y puesto
en marcha en 1977, es un fondo que se constituyó primeramente a través de cargas
laborales, de aportes previsionales y del recupero de los créditos otorgados y se dirigió
al financiamiento de la vivienda por media de subsidias. En una segunda instancia (en los
'90) este fondo pasa a ser conformado sólo por un impuesto sobre los combustibles líquidos y el gas natural. En 1995 el recurso FONAVI forma parte del Sistema Federal de la
Vivienda. Los fondos pueden destinarse al financiamiento de viviendas y sólo el 20% de
ellos a obras de urbanización, infraestructura y equipamientos comunitarios.
Los sectores beneficiarios, fueron familias de bajos recursos que no alcanzaban
a cubrir el costa de amortización de una vivienda mínima con el menor de los intereses
que fijaba el Banco Hipotecario Nacional (BHN) en un plazo de 30 años. EL monto del
financiamiento cubría el 90% del costa de cada unidad de vivienda. El modo de operar
fue la entrega de un producto terminado a los beneficiarios (vivienda) y su financiamiento
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
131
en cuotas, con el objetivo que lo adquiriesen en propiedad. No se trataba de viviendas
individuales sino agrupadas en conjuntos, con infraestructura y equipamiento, ubicados
en términos generales en zonas periféricas urbanas. En esta operatoria participan diversos niveles del estado como el nacional, el provincial y el municipal.
Los requisitos para la obtención del financiamiento, en distintas operatorias provinciales del Fondo (Financiamiento total, Con aparte del destinatario, etc.), eran ingresos
mínimos de entre $260 y $470, con plazos de amortización no menores a las 240 cuotas
y con tasas que oscilaban entre Sin interés a 6%.
Inversiones del FONAVI en vivienda en el país.
1990-2000. En miles de U$S
Año
Inversiones
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
751.530.74
837.264.59
622.284.29
797.522.89
900.123.70
741.259.27
976.465.81
894.947.46
896.683.44
718.708.44
874.773.66
Fuente: Catenazzi, A; Di Virgilio, M; Ingreso ciudadano y condiciones de vida; 2001.
De esta inversión en 1990 y en 1999 el 12,72% y el 14,54% sobre el total respectivamente fueron destinados a la Provincia de Buenos Aires.
Programa Arraigo: es un instrumento para regularizar el dominio en tierras fiscales de
inmuebles a través de organizaciones sociales. Una vez realizada la subdivisión y la urbanización por la organización social intermediaria, se transfieren las tierras a las distintas familias.
En la Provincia de Buenos Aires (Avellaneda, Bahía Blanca, Florencio Varela, General Sarmiento, La Matanza, Lanus, Pilar, Quilmes, San Isidro, San Femando, San Martín, Tres de Febrero, Tigre, General Pueyrredon, La Plata, Ensenada, Esteban Echeverría, Lamas de Zamora, Morón) y a partir de 1995 fueron beneficiarios de este programa
290.000 personas. En las operaciones realizadas en el marco de este programa el precio
promedio del inmueble regularizado alcanzó a 2$/m2. Los plazos de amortización fueron
entre 5 y 10 anos con un interés del 9% anual.
Ley 24.146/92: regula la transferencia de edificios a los municipios, su venta a entidades intermedias sin fines de lucro y la venta a los ocupantes de los inmuebles cuando
sean personas de bajos recursos y no posean vivienda. Esta Ley no ha sido aún instrumentada de modo que puedan desarrollarse procedimientos para su utilización concreta.
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
132
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
Régimen de regularización de inmuebles urbanos: desde 1994 existe este instrumento que permite regularizar el dominio de tierra privada (loteada y vendida legalmente)
y de viviendas. Su objetivo es establecer un régimen para regularizar el dominio a favor de
ocupantes de inmuebles urbanos que tengan como destino la casa habitación permanente. El proceso de regularizaciíon se financia a través de una contribución del beneficiario
que asciende al 1% del valor fiscal del inmueble en cuestión.
Ley de regularización dominial 24.374 (con acción en la Provincia de Buenos Aires): su objeto es promover la regularización del dominio en grandes loteos en los que no
se haya concretado el traspaso.
Programa de regularización dominial, financiera y escrituraria : este programa, en
vigencia a partir de 1995, que refuerza las acciones establecidas en la Ley 24.374 se dirige a regularizar la situación de dominio de inmuebles y lotes con boletos de compraventa.
Parte de la población beneficiaria de este programa fue la población que habita en los
barrios construidos por el Instituto de la Vivienda de la Provincia de Buenos Aires.
Las "leyes caso por caso": estas leyes involucran a un conjunto de normativas que
se dirigen a regularizar las situaciones de dominio de inmuebles, basadas en la expropiación y/o transferencia a ocupantes de hecho. Situación que afecta actualmente a gran número de familias del Conurbano Bonaerense. Los beneficiarias incluidos en estos casos
y que forman parte de una lista de ocupantes de inmuebles de hecho, pagan una cuota
mensual por sus terrenos. Estos terrenos tienen un precio que oscila entre los $1000 y
los $2000.
Programa 17 de mejoramiento habitacional e infraestructura social básica: su objeto es, desde su creación en 1995, el mejoramiento de las condiciones de la vivienda,
la infraestructura y el acceso a la tierra de los hogares NBI, vale decir de población con
niveles de ingreso no suficientes para el acceso a las operatorias del FONAVI. La acción
dentro de este programa se lleva a cabo con apartes del estado nacional y de otros actores involucrados como provincia, municipios y organismos no gubernamentales.
Programa de mejoramiento de barrios (PROMEBA): este programa creado en
1997 se dirige a sectores de población NBI que habitan en centros urbanos de más de
20.000 habitantes y su objetivo es atender la regularización del dominio de inmuebles,
proveer servicios de infraestructura, facilitar la realización de conexiones sanitarias domiciliarias y la relocalización de población de asentamientos populares en situaciones
críticas.
Programa para la provisión de agua potable, ayuda social y saneamiento básico:
este programa se dirige a comunidades rurales o a núcleos urbanos periféricos en situación de carencia y su objetivo es brindar asistencia financiera y técnica para la ejecución
de las obras y la provisión de servicios de agua potable y desagües cloacales.
Emergencia habitacional: destinatarios son las familias NBI propietarias de un lote
y con ingresos inferiores a la línea de pobreza en situación de emergencia habitacional.
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001
133
La conformación del espacio urbano en un país de economía emergente
A través de este programa se adjudican materiales para construir, refaccionar o ampliar
viviendas. Los beneficiarios deben aportar la mano de obra para la construcción.
Fondo de reparación histórica del Conurbano: programa de asistencia en el Conurbano Bonaerense que funcionó hasta el ano 2000 y cuyo objetivo era la construcción o
mejora de viviendas en villas de emergencia y asentamientos populares con situación de
dominio clara. A través de esta fuente se realizaron durante el período de su existencia,
inversiones en infraestructura (desagües cloacales, agua potable y saneamiento, alumbrado público, etc.) y equipamiento social urbano (escuelas primarias y técnicas, hospitales,
centros de salud, etc.) por un monto anual aproximado de entre U$S300 y 400.000.000
(Arcuri, A.; 1999).13
Microcreditos: las acciones de mejoramiento de barrios y asentamientos se complementan en algunos casos con microfinanciamientos. Estos microfinanciamientos se
destinan al mejoramiento de la vivienda, provisión de infraestructura y ampliación de la
vivienda y deben complementarse con la participación activa de los beneficiarios. Los
beneficiarios son sectores de ingresos informales que viven en barrios y asentamientos
periféricos de las grandes ciudades (población NBI que no alcanza las exigencias de
programas como el FONAVI), que son propietarios de una vivienda de uso propio y que
presenta alguna de las siguientes características: que no tenga servicio de electricidad,
que carezca de baño instalado y de provisión de agua en la vivienda y que no tenga el
número de habitaciones y/o superficie adecuada para el grupo familiar de referencia. Estas ayudas financieras se otorgan a través de ONGs y se generan en fondos públicos. La
amortización del crédito no puede ser superior al 20% de los ingresos familiares. Hasta la
fecha fueron otorgados 1530 créditos con un monto de aproximadamente $2.200.000.
De esta inversión el Ministerio de Infraestructura y Vivienda concentró el 96%
mientras que el restante 4% fue ejecutado a través del Ministerio de Desarrollo Social.
Inversión realizada por el Estado nacional en programas urbanos.
1990-1999. En %
Fondo Nacional de la vivienda (FONAVI)
Programa
Mejoramiento habitacional e infraestrutura social básica
Rehabilitación de zonas inundadas y otras emergencias climáticas
Mejoramiento de barrios
Otros
Total
95,1
Inversión realizada
entre 1990 y 1999- %
1,5
1,1
2,0
0,3
100
Fuente:Catenazzi, A; Virgilio, M. Ingreso ciudadano y condiciones urbanas; Buenos Aires 2001
Cadernos Metrópole n. 6 , pp. 105.134, 2º sem. 2001
134
Juan D. Lombardo, Mercedes Di Virgilio e Leonardo Fernández
Ahora bien ¿cuál es actualmente la oferta de financiación privada?
La oferta de financiación de este tipo existente en el mercado para acceder a la
compra, ampliación o refacción de una vivienda es muy concentrada. Se estima que sólo
el 5% de las propiedades están hipotecadas de manera privada (Federico A; 2000).14
En este tipo de financiación aparecen un grupo de bancos privados no nacionales
(en cuanto al origen de sus capitales) como el Río; el City; el Galicia; el banco de Quilmes; el de Crédito Argentino; la BNL; el Boston; etc.
La oferta existente para empleados o autónomos financia entre el 75 y el 100% de
la compra según se trate de unidades nuevas o usadas y hasta el 50% para la refacción.
Los plazos de devolución del préstamo hipotecario oscilan entre 120 y 240 meses,
con una tasa de interés anual de entre 11% y 13%. El monto de la cuota mensual oscila
entre el 35% y el 40% del ingreso mensual demostrado del solicitante. El piso mínimo
de ingreso varía entre $1000 y $1800 según el banco y el tipo de empleo (dependiente
o autónomo respectivamente). Se puede certificar el ingreso familiar. Se deben cumplir
además y según el tipo de empleo diversos requisitos; para los dependientes: demostrar
los ingresos declarados para la solicitud del crédito, continuidad laboral mínima de un
ano, comprobante de aportes jubilatorios; y para aquellos que poseen un empleo autónomo: certificación de ingresos; título o matrícula profesional, constancia de situación impositiva, declaración de réditos y constancia de aportes profesionales. (Federico A; 2000)
(Banco Galicia; 2001 y Banco Itaú; 2001).15
Cadernos Metrópole n. 6, pp. 105-134, 2º sem. 2001

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