45ª3 - Máquinas de Combate

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45ª3 - Máquinas de Combate
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Prelúdio da Guerra
A assinatura do tratado de paz no final da Primeira Guerra Mundial deixou a Alemanha humilhada e
despojada de suas possessões. Perdeu seus territórios ultramarinos e, na Europa, a Alsácia-Lorena e a
Prússia Oriental. Os exércitos aliados ocuparam a região do Reno, limitaram rigorosamente o tamanho do Exército e da Marinha
alemães, e o seu país foi obrigado a pagar indenizações pela Primeira Guerra Mundial que logo provocaram o colapso de sua
moeda e causaram desemprego em massa.
Assim, foi numa Alemanha envenenada pelo descontentamento que Adolf Hitler ergueu a voz pela primeira vez. Apelando para a
convicção do povo alemão de que tinham sido brutalmente oprimidos pelos vencedores da guerra, logo conseguiu uma larga
audiência. Falava de grandeza nacional e da superioridade racial nórdica, denunciava judeus e comunistas como aqueles que
haviam apunhalado a Alemanha pelas costas e levado o país à derrota, e por meio de um programa intensivo de propaganda criou
o Partido Nacional-Socialista, que em 1932 tinha 230 lugares no Parlamento alemão e cerca de 13 milhões de adeptos. Depois da
morte do Presidente Hindenburg, em 1934, o poder de Hitler tornou-se absoluto. No verão de 1934, eliminou implacavelmente os
rivais e, desprezando a regra de lei, estabeleceu um regime totalitário.
Em seguida deu inicio a um programa de rearmamento, em contravenção ao Tratado de Versalhes, mas sem ser impedido pelos
demais signatários, e no começo de 1936 já estava confiante o bastante para enviar tropas alemães para reocupar a região do Reno.
Mais uma vez os Aliados não fizeram nenhuma tentativa para detê-lo, e a operação foi bem sucedida. Mais tarde, no mesmo ano,
ele e seu aliado italiano fascista Benito Mussolini enviaram auxílio a Franco na Guerra Civil Espanhola e assinaram um pacto
unindo-os no Eixo Berlim-Roma.
A preocupação primária de Hitler durante esse período foi com a necessidade alemã de Lebensraum, ou seja, espaço vital. Se o
país devia passar de nação de segunda categoria para primeira potência mundial, necessitava de espaço para se expandir, e se
precisava comportar uma população em rápido crescimento e exigindo prosperidade, necessitava de terras para cultivo e matériasprimas para energia e indústria.
Começou olhando na direção da Áustria, que já possuía um forte movimento nazista, mas cujo chanceler estava ansioso por
conservá-la como nação independente. Os exércitos de Hitler avançaram assim mesmo e, em 1938, entraram em Viena, sem
encontrar oposição. Hitler tivera êxito pela combinação de uma diplomacia de força e um hábil desenvolvimento de sua máquina
de propaganda.
A Checoslováquia seria a próxima vítima. A região fronteiriça, conhecida como Sudetos, tinha uma população alemã que se
sentia excessivamente discriminada tanto pelos tchecos quanto pelos eslovacos. A região era rica em recursos minerais, tinha um
grande exército, e ostentava fábricas de equipamento bélico Skoda. Incitando o descontentamento da população germânica, Hitler
foi capaz de fomentar a agitação na Checoslováquia, que levou a um confronto armado na fronteira. Nessa altura, o primeiroministro britânico, Neville Chamberlain, representando os defensores da Checoslováquia - Inglaterra, França e Rússia -, foi à
Alemanha acalmar Hitler. O resultado de uma série de reuniões foi que, a menos que os Sudetos fossem anexados à Alemanha,
Hitler começaria uma guerra; mas se suas reivindicações territoriais na Checoslováquia fossem atendidas, não faria reivindicações
posteriores no resto da Europa. A França e a Inglaterra concordaram - apesar de suas promessas de proteger a Checoslováquia -, e
Hitler, quebrando também a sua promessa, mais tarde invadiu a Checoslováquia inteira. Considerou que a Inglaterra não estaria
preparada para lutar por aquele país, e que a França não ia querer lutar sozinha - e estava certo; mas na vez seguinte, quando
invadiu a Polônia, elas declararam guerra.
Como a história provaria mais tarde, a declaração veio com excesso de atraso. As vacilações das potências ocidentais haviam
permitido que Hitler alcançasse uma força armada e uma posição na Europa, cujo desalojamento levaria seis anos de carnificina.
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Começa a Luta
Nas circunstâncias, as exigências de Hitler na Polônia até que foram modestas: tudo o que
reclamava, dizia, era a devolução do porto alemão de Dantzig e livre acesso a ele e à Prússia
Oriental através da Polônia, o Corredor Polonês. A Polônia não estava inclinada a ceder, e vendo
que a Inglaterra reagira violentamente à ocupação da Checoslováquia, Hitler não fez muita pressão
no inicio. Afinal de contas, a Inglaterra havia duplicado seu efetivo bélico e dera à Polônia uma
garantia absoluta de proteção. Mas percebeu que a garantia não valia nada sem o apoio russo de
leste, e, percebendo que os ingleses iam se apressar a solicitar esse apoio, tratou de trazer a Rússia
para o seu lado. Os russos tinham sido evitados pelos ingleses quando ofereceram, anteriormente,
uma aliança, e não estavam relutantes, depois de superada a desconfiança inicial, em fazer um
acordo com Hitler, particularmente quando este lhes prometia uma oportunidade de recuperar o
território polonês que havia perdido em 1918.
Assinado o pacto Molotov-Ribbentrop, o caminho de Hitler estava livre, e em 1° de setembro de
1939 forças alemães cruzavam a fronteira polonesa. Seguiu-se a primeira demonstração da eficácia
da tática móvel combinando forças blindadas e aéreas. Os poloneses concentraram seus exércitos
bem à frente, perto da fronteira, e suas reservas ficaram escassamente espalhadas. Assim, quando
as colunas blindadas de Hitler, apoiadas pela Luftwaffe, atravessaram as fortificações da Polônia,
as tropas polonesas, marchando a pé, foram incapazes de retroceder com rapidez suficiente para se
reagruparem. Num hábil movimento de pinças, Bock e Von Rundstedt, do norte e do sul
respectivamente, lançaram seus homens em direção a Varsóvia. Em 17 de setembro tropas russas
cruzaram a fronteira oriental e, apesar da valente resistência, Varsóvia caiu a 28 de setembro.
A oeste, ingleses e franceses haviam conseguido pouca coisa, parte por causa da lentidão da
mobilização, parte por causa de idéias táticas ultrapassadas. A leste a Polônia caiu porque seu
Exército, ainda confiando em maciças cargas de cavalaria, era um anacronismo, posto em total
desorientação pela implacável investida das forças compactas e altamente móveis de Hitler.
A Alemanha e a Rússia dividiram a Polônia entre si, e a Rússia foi além, fazendo consideráveis
exigências territoriais à Finlândia, contra o que os finlandeses se opuseram. Seguiu-se uma guerra
onde os finlandeses lutaram dura e amargamente, mas que em março de 1940 já era uma questão
decidida.
O colapso da Polônia foi seguido pelo que se tornou conhecido como “guerra disfarçada” que
durou até a primavera de 1940. Durante esses meses, os líderes aliados consideraram plano
ofensivo após plano ofensivo - sem chegar a conclusão alguma -, enquanto Hitler, depois de ter a
sua oferta de paz aos Aliados rejeitada em outubro, desenvolveu seus planos para uma ofensiva
impetuosa e decisiva contra a França. Quanto mais cedo desencadeasse sua ofensiva, menos
preparados estariam os franceses para lhe fazer frente, e depois de derrotada a França, ele tinha
certeza de que a Inglaterra negociaria a paz. Entretanto, o tempo, seus generais e as condições
climáticas estavam contra ele, e mesmo quando finalmente fixou a data de 17 de janeiro para
início da ofensiva, um extraordinário incidente liquidou seus planos. Um oficial alemão, voando
de Munster para Bonn, perdeu a rota e aterrissou na Bélgica. Foi preso, e com ele seus captores
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encontraram o plano operacional completo da Alemanha para o ataque ao oeste. Quando o novo
plano, o Plano Manstein foi posto em prática, trouxe poucas surpresas desastrosas para os Aliados.
Ambiente e Origem
"Quem quer que acenda a tocha da guerra na Europa nada pode desejar senão o caos".
Adolf Hitler, 21 de maio de 1935
A 30 de janeiro de 1933, Hitler ascendeu ao poder na Alemanha. Essa data marca, tanto quanto o pode
fazer uma simples data, o fim do período "após-guerra", na história européia. Durante os catorze anos que
se lhe seguiram, os estadistas tiveram seu pensamento subordinado à guerra passada, às suas lições e aos
problemas que ela deixou por solucionar. De 1933 em diante, eles se viram forçados a subordinar cada vez
mais seu pensamento à próxima guerra, e não à que passara.
Em busca da paz
O problema relevante, que as nações tiveram que enfrentar depois de 1918, foi o da criação de um mundo
pacífico. A frase "uma guerra para terminar com a guerra" oculta uma profunda emoção nascida da revolta
contra a barbárie da guerra, como meio de se solucionar disputas. Mas se uma repetição da pavorosa
catástrofe tivesse de ser evitada, as condições capazes de torná-la possível deveriam ser removidas.
Particularmente, o direito soberano de toda nação, de perturbar a paz na busca das respectivas finalidades
nacionais, era algo que devia ser abolido. A insistência em torno desse direito e a recusa das Grandes
Potências em subordinar suas ambições individuais ao bem-estar geral, resultaram na anarquia
internacional que produziu a guerra de 1914. A estabilidade da paz, somente poderia ser assegurada pela
eliminação da violência e a substituição dos métodos legais nas questões internacionais.
Assim, um dos maiores temas na história do mundo de após-guerra, é o esforço em favor do
estabelecimento de um método para a solução pacífica das questões. O Covenant da Liga das Nações
asseverou, em seu preâmbulo, ser desejo dos signatários promover a cooperação internacional "aceitando a
obrigação de não recorrerem à guerra" e "pelo firme estabelecimento da compreensão do direito
internacional, como a verdadeira regra de conduta entre os governos". O Covenant procurou pôr em
prática esses princípios pelo assentamento de um modo de agir definitivo, em favor dos acordos pacíficos
e pela criação de penalidades, ou "sanções", contra qualquer Estado que violasse essas resoluções. Por
meio do Pacto de Paris, ou Pacto Kellog, sessenta e dois Estados concordaram em renunciar à guerra como
"instrumento de política nacional" - isto é, como método de efetivar suas exigências ou de satisfazer suas
ambições - e prometeram que somente por meios pacíficos procurariam ajustar suas disputas. Em adição a
esse acordo geral, tratados específicos de conciliação e não-agressão foram concluídos por muitos Estados
com os seus vizinhos. Mesmo assim, a possibilidade da guerra sob certas circunstâncias ainda permaneceu;
mas se esses acordos tivessem sido fielmente observados, teriam representado um longo passo em prol da
eliminação da guerra no mundo moderno.
Nesses acontecimentos, a República Alemã teve parte louvável. A amargura que se seguiu à guerra, e que
achou expressão num conflito contínuo e inútil, entre vitorioso e vencido, começou a atenuar-se pelo ano
de 1924. Os aliados reconheceram a necessidade de aceitar a Alemanha como componente normal da
sociedade européia das nações. A Alemanha, por sua vez, sob a orientação de Stresmnann, abandonou a
atitude de resistência e vingança, em favor de uma política de "reconciliação e realização". O resultado
imediato dessa mudança foi o Tratado de Locarno em 1925. A Alemanha trocou mútuas garantias, com a
Bélgica e a França, prometendo ambos os lados jamais entrar em guerra um contra o outro, e resolver por
meios pacíficos "as questões de qualquer espécie que surgissem entre eles". Os tratados alemães de
arbitramento com a Polônia e a Tchecoslováquia formaram parte do mesmo acordo. Em 1926, um tratado
de não-agressão foi firmado entre a Alemanha e a Rússia. No mesmo ano, a Alemanha ingressou na Liga
das Nações e aceitou as obrigações do Covenant. Em 1928, ela foi um dos signatários originais do Pacto
de Paris, e, em 1929, suas relações pacíficas com a Rússia foram reforçadas por um tratado de conciliação
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entre as duas potências. De tais ações poder-se-ia deduzir que a Alemanha estava pronta para tomar parte
ativa, senão dirigente, na causa da paz.
Atrás desses auspiciosos acontecimentos, contudo, outros, menos promissores se estavam processando.
Subsistiam muitas das primitivas concepções de pré-guerra. A atitude de desconfiança e receio, legada
pela guerra passada, custava a se desvanecer. E, o que não é menos importante, a tentativa de criar um
mundo pacífico originou-se da situação estabelecida pelos tratados de 1919. Não há necessidade de se
discutir aqui a sabedoria ou justiça dos tratados. É bastante se reconhecer que uma das suas causas fôra o
anseio de se proteger contra qualquer novo ataque das potências derrotadas. As nações vitoriosas sentiram
que deviam permanecer bastante fortes para jugular qualquer tentativa dessa natureza - ou melhor ainda,
que os seus inimigos deviam tomar-se impotentes para repetir a agressão de 1914. Se um sistema de paz
permanente pudesse ser estabelecido, essa atividade de desconfiança seria talvez abandonada. Mas até que
pudessem confiar na eficácia de um sistema de segurança coletiva, no qual um Estado ameaçado pelos
seus vizinhos pudesse contar com a proteção de outros Estados, as nações acharam que deveriam continuar
confiando na sua própria superioridade de força.
O resultado foi que a idéia de se resolver disputas por negociações, ao invés da força, teve na prática um
êxito muito limitado. As nações vitoriosas mostravam-se relutantes em conceder quaisquer vantagens
substanciais das quais seus antigos inimigos se pudessem um dia utilizar contra ela. Isto significou que a
Alemanha, por sua vez, se desiludiu de toda a idéia de soluções pacíficas. Stresemann conduziu a sua
política com dificuldade, contra um forte elemento nacionalista, que acreditava mais na violência que na
conciliação. Quando a política de Stresemann demonstrou ser incapaz de produzir os resultados esperados,
e quando, além disso, a Alemanha mergulhou com o resto do mundo na depressão de 1929, o caminho
estava aplainado para a derrocada de sua política de moderação e para a volta ao ódio e à violência.
A filosofia de Hitler
O ódio e a violência levaram Hitler ao poder. Ele simbolizava um ponto de vista inteiramente hostil aos
ideais que animavam os esforços tendentes ao estabelecimento de uma paz permanente. Contra o conceito
de uma comunidade de nações, ele se batia por um nacionalismo fanático. Contra a idéia do domínio do
direito, ele antepunha a supremacia da força armada. Os esforços que resultaram na criação da Liga das
Nações e assinatura do Pacto de Paris estavam baseados na crença de que a paz não só era desejável como
possível, e de que disputas entre nações poderiam ser solucionadas por meios de pacíficas negociações. O
espírito que Hitler representava recusava-se a admitir que os desejos da Alemanha pudessem ficar
comprometidos por concessões feitas a outras nações. Esses desejos tornaram-se "direitos" que não
poderiam ser preteridos, que nem mesmo ficariam sujeitos a negociações, mas teriam que ser concedidos à
Alemanha - ou a conseqüência seria a guerra.
Os alemães que adotaram esse ponto de vista, encontraram um objetivo concreto de ataque no Tratado de
Versalhes. Por esse tratado, a Alemanha perdeu uma oitava parte de seu território de pré-guerra, inclusive
terras que tinham sido suas durante gerações, e mesmo séculos. Perdeu mais de seis milhões de sua
população, muitos alemães que assim ficaram separados da mãe-pátria. A perda do território significou a
privação de importantes recursos, tais como carvão e ferro; e, além disso, a perda das antigas colônias,
privou a Alemanha de outras fontes de abastecimento. Essas perdas serviram para desmantelar-lhe a
organização econômica pré-guerra, e suas probabilidades de recompor-se ficaram gravemente dificultadas
pelas reparações de guerra que lhe foram impostas. Além disto, o tratado imprimiu-lhe humilhações como
a "mentira de culpada pela guerra", pelas quais ela aceitou a responsabilidade pela guerra de 1914; as
restrições sobre suas forças armadas de terra e mar e a proibição de ter uma força aérea militar; a criação
de uma permanente zona desmilitarizada em ambas as margens do Reno, nas quais nem tropas, nem
fortificações eram permitidas; e um exército aliado de ocupação, que permaneceria em solo alemão pelo
menos durante quinze anos depois da paz.
O primeiro objetivo da Alemanha nazista foi o de quebrar esses grilhões impostos pelo acordo da paz.
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Mesmo reconhecendo a perda da Alsácia-Lorena como definitiva, a Alemanha se recusava a aceitar
indefinidamente uma situação que deixasse sua fronteira ocidental indefesa contra uma invasão. Na sua
fronteira oriental, a Alemanha estava completamente insatisfeita com os limites de 1919. A perda de
Dantzig, o desmembramento da Silésia, a criação do Corredor Polonês, que separou terras alemães, tudo,
enfim, era olhado como afrontas intoleráveis aos direitos nacionais alemães. O retorno final desses
territórios tornou-se, pois, um objetivo consistente da política exterior alemã.
Mas os objetivos de Hitler foram muito além disto. Embora tivesse adotado tanto a atitude militarista
como as ambições pangermânicas, que existiram na Alemanha de antes da guerra, acabou por completo
com os objetivos da diplomacia de antes da guerra. Bismarck, depois da sua vitória sobre a França,
renunciou qualquer desejo de maior extensão das fronteiras alemães. Descrevendo a Alemanha como um
"Estado saciado", ele se concentrou na construção de alianças e de amizades que a garantissem contra
ataques. Quando os seus sucessores iniciaram uma política expansionista, fizeram-no mais na esfera
colonial que na européia. Hitler, no Mein Kampf, manifesta o seu desdém por ambas as políticas. Não é
bastante para a Alemanha recuperar as terras que perdeu como resultado da guerra. "A exigência do
restabelecimento das fronteiras de 1914, é uma loucura política... As fronteiras de 1914 nada mais
significam para o futuro da nação alemã " E a seus olhos a volta das colônias, pelo menos no momento, é
igualmente sem importância. "Para a Alemanha, a única possibilidade de realizar uma política territorial
solidamente alicerçada consiste na conquista de terras novas na própria Europa."
Atrás dessa idéia jazem as teorias raciais e nacionalistas de Hitler: raça como fundamento de todo o
progresso humano, e pureza de sangue como fundamento da raça. "O povo não perece por perder guerras,
mas pela perda daquela força de resistência, que é contida apenas no sangue puro." A raça mais alta, a
criadora exclusiva da cultura moderna, é a ariana ou nórdica, que se corporifica da maneira mais pura nos
alemães. É dever sagrado dos germânicos manter essa pureza e assegurar a sua supremacia sobre as raças
inferiores que os rodeiam.
E o dever fundamental dessa raça superior, não é somente o de sobreviva, mas também o de expandir-se.
O Estado "deve garantir à raça que ela cumpre uma finalidade sobre este planeta". A Alemanha tem que
possuir toda a terra que for necessária para que o seu povo tenha conforto e segurança. "O direito à terra e
solo pode ser mudado para dever, uma vez que sem extensão de solo, uma grande nação se veja condenada
à ruína." isso se aplica não somente à atual população da Alemanha, mas ao seu crescimento futuro. "Hoje
somos 80 milhões de alemães na Europa. Mas a justeza desta política externa não ficará estabelecida,
senão quando dentro de um simples século 250 milhões de alemães estejam vivendo neste continente."
Esta é a doutrina que se resume na frase "sangue e solo". Envolve ela a determinação de reunir todos os
alemães num só Estado, e a de adquirir terra bastante para lhes prestar apoio de acordo com o valor de sua
superioridade racial. "Sem dúvida, tal política territorial não pode achar por exemplo a sua finalidade
cumprida no Camerum, mas sim quase que exclusivamente na Europa". Mas onde na Europa pode a
Alemanha encontrar terras para a expansão de sua população? Somente naquela grande planura
setentrional que se estende para o leste das fronteiras alemães. "Falando de terras na Europa, hoje em dia
apenas podemos referir-nos em primeira instância à Rússia e aos Estados fronteiriços sob a sua influência.
Eles parecem ser o caminho que o destino nos aponta". E os povos inferiores que já vivem nessas terras,
não têm direito algum que prevaleça contra as necessidades do alemão superior. Como já o expressou
grosseiramente Alfred Rosenberg: "A honra racial exige território, e território bastante. Numa luta assim
não pode haver consideração por vis poloneses, tchecos, etc. O terreno tem de ser limpo para os
camponeses alemães".
Um programa desse modo revolucionário, não deixa claramente lugar para métodos de moderação.
Stresemann, com suas limitadas aspirações, pôde ter esperança em ser afinal atendido por meio de
negociações pacíficas. Hitler não podia esperar tal coisa e, de fato, não teve desejo algum de adotar esse
meio. Ele o repudiou deliberadamente em favor de uma solução pela força. "A reconquista de territórios
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perdidos" - diz ele no Mein Kampf "não pode ser obtida com solenes apelos a Deus todo-poderoso, ou por
meio de piedosas esperanças numa Liga das Nações, mas apenas pela força armada". E, de fato, este
método é não somente necessário, mas admirável. "Aqueles que querem viver devem lutar, e os que não
quiserem combater neste mundo de eternas lutas, não merecem viver... Nas guerras eternas, tornou-se
grande a humanidade - na paz eterna, a humanidade se arruinaria".
A Alemanha e o desarmamento
A qualquer um que percebeu o significado desse programa, deve ter ficado claro que a Alemanha de Hitler
precisava ser tratada de um modo muito diferente do da Alemanha de Stresemann. Contudo, a despeito de
seu interesse pela ascenção de Hitler, as potências demonstraram pouca compreensão da natureza
fundamental da metamorfose que assim teve lugar, não somente na Alemanha, mas também na situação
internacional. Elas estavam talvez menos dispostas que nunca a fazer concessões de grande alcance que
pudessem enfraquecer a sua presente situação de segurança; mas o método do gradual ajuste pela
negociação, foi ainda o que tentaram aplicar nas suas relações com o novo regime.
E, de fato, a despeito da crescente impaciência da Alemanha, esse método lhes trouxe já importantes
benefícios. O mais notável foi a solução da questão das reparações. Haviam sido feitos esforços para
modificar e regularizar suas dificuldades econômicas por meio do Plano Dawes de 1924 e do Plano Young
de 1929; e quando o último destes planos fracassou como resultado da depressão, ficou finalmente claro
que toda a política de reparações se tornara impraticável. Ela foi abandonada em conseqüência da
conferência de Lausanne de 1932; embora certas reivindicações fossem pró-forma mantidas e apesar de
uma tentativa ter sido feita para encadear a resolução com o problema do débito da guerra, a resolução
significou para todos os efeitos que o problema das reparações chegara a um fim.
Outro terreno em que a Alemanha obteve uma vantagem importante, se bem que muito mais limitada, foi o
do desarmamento. As nações vitoriosas se colocaram na obrigação moral de tomar medidas reais nesse
terreno. O Covenant da Liga asseverava que isso era necessário para a manutenção da paz. A cláusula do
Tratado de Versalhes que impôs o desarmamento à Alemanha, afirmou que isto foi feito "com a finalidade
de tornar possível a iniciativa de uma limitação geral dos armamentos de todas as nações." Numa nota à
Alemanha a respeito dessa cláusula, os aliados tinham dito:
As potências aliadas e associadas desejam tornar claro, que as suas exigências em relação ao armamento
alemão, não foram feitas unicamente com o objetivo de tornar impossível à Alemanha retomar a sua
política de agressão militar. Elas também representam os primeiros passos para a redução e limitação dos
armamentos, o que constituiria um dos mais frutíferos preventivos da guerra e cuja realização deverá ser
um dos primeiros deveres da Liga das Nações.
Quando, pois, se reuniu a primeira conferência do desarmamento, em fevereiro de 1932, a Alemanha
achou que tinha o direito de exigir que essa promessa fosse cumprida, ou que a Alemanha fosse libertada
das limitações que lhe tinham sido impostas. Ficou demonstrado ser difícil a adoção do primeiro caso, e a
França em particular mostrou-se relutante em aceitar o segundo. Apesar de tudo, um acordo foi
conseguido a 11 de dezembro de 1932 - acordo por meio do qual a Inglaterra, a França e a Itália
concordavam com o princípio de "igualdade de direitos, num sistema que daria segurança a todas as
nações". O passo foi dado somente depois que a Alemanha se retirou da conferência de desarmamento, e a
efetiva aplicação do princípio foi passível de nova dilação. Mas a própria aceitação do princípio, foi uma
concessão muito real. Não mais foi possível resistir-se indefinidamente às reivindicações da Alemanha
neste terreno.
Cedo tornou-se aparente, entretanto, que Hitler tinha pouca intenção de aguardar o lento progresso das
negociações - se é que tinha mesmo algum desejo de obter um acordo negociado. Pelo mês de março de
1933, seus desafios tinham ido tão longe que a Grã-Bretanha se viu compelida a apresentar uma série
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inteiramente nova de propostas, numa tentativa para solver o impasse. A 13 de maio, um discurso do vicechanceler von Papen, fez com que o mundo aguardasse com alarme, em suspense, a mensagem que Hitler
devia dirigir ao Reichstag quatro dias mais tarde. Um apelo direto do presidente Roosevelt, teve o efeito de
moderar a linguagem de Hitler, mas não a sua atitude fundamental. Já ele estava pondo em jogo as táticas
que se iriam tornar familiares, que consistiam na apresentação de propostas aparentemente razoáveis e, em
seguida, na fuga a qualquer negociação efetiva pela rejeição de tudo que pudesse significar uma garantia
de sua boa fé. O clímax sobreveio a 14 de outubro de 1933. Na manhã desse dia, tinha sido discutida em
Genebra uma nova proposta britânica que considerava um gradual desarmamento geral, sob a condição da
Alemanha abster-se do rearmamento durante o intervalo necessário à realização da iniciativa. À tarde
desse mesmo dia, Berlim anunciou a retirada da Alemanha, não somente da conferência, mas também da
Liga das Nações. Foi o sinal de que Hitler tinha abandonado toda az pretensão de uma ação coletiva em
favor do desafio, baseado na força.
Duas outras tentativas de manter a Alemanha associada aos esforços conjuntos desenvolvidos pelas outras
potências, tinham fracassado nesse ínterim. Em junho, uma Conferência Econômica Mundial teve lugar
em Londres. Em agosto, ela foi protelada numa atmosfera de desapontamento e desilusões. Mas no
decorrer da conferência, a Alemanha tinha revelado a idéia que fazia das soluções econômicas, num
memorando em que exigia a devolução das colônias alemães e a liberdade de agir à vontade contra a
Rússia. Em julho, realizou-se em Roma uma conferência e nela Mussolini buscou um acordo que
aplainaria o caminho do desejo mútuo da Alemanha e da Itália de revisar o tratado de paz, com o apoio
benevolente da Grã-Bretanha a sobrepor-se à oposição da França. Mas a idéia somente conduziu a um
Pacto das Quatro Potências, pacto tão inútil que nenhuma delas se deu sequer ao trabalho de o ratificar.
Pelo mês de outubro, a Alemanha estava convencida de que, no momento, iria mais longe, caminhando
sozinha.
A Alemanha se rearma
A despeito da gravidade da situação, o governo britânico preferiu manter-se otimista. Recusou-se a admitir
que a brecha fosse permanente ou que os métodos de conciliação fossem daí por diante igualmente
ineficazes. "A Alemanha não é objeto de imposições" - disse Sir John Simon. "Ela é parte numa
discussão... Saudamos as garantias de Herr Hitler de que o único desejo da Alemanha é a paz e de que ela
não tem intenções agressivas". A Grã-Bretanha, portanto, assumiu o papel de mediadora, numa tentativa
de afastar as dificuldades, particularmente as existentes entre a França e a Alemanha. "A questão política
central" - como disse Sir John Simon - "é como conciliar a exigência alemã de igualdade com o desejo de
segurança da França." Para esse fim a Grã-Bretanha encorajou ativamente negociações diretas entre os
dois Estados, baseadas na aceitação de uma medida limitada e controlada de rearmamento a favor da
Alemanha.
Nada resultou desses esforços. A França estava determinada a encarar o rearmamento alemão como um
perigo. A Alemanha por sua vez acompanhava suas ofertas com condições que pareciam anular limitações
efetivas. Em tais circunstâncias, a França ficou mais determinada que nunca a tornar sua segurança
absolutamente certa antes que se visse diante de uma Alemanha rearmada e agressiva; e em 1934 o
primeiro ministro francês, Barthou, efetuou ativos esforços com essa finalidade.
O resultado foi o projeto de um Locarno oriental. A crescente preocupação da Rússia com o crescimento
da Alemanha Nazista fê-la cada vez mais desejosa de tomar parte nos esforços em favor do
estabelecimento de segurança coletiva. A profissão de fé hitleriana de pacíficas intenções deu uma
oportunidade para a apresentação do novo projeto como uma prova de sua sinceridade. A França pode ter
se mostrado céptica sobre o resultado, mas a Grã-Bretanha estava ansiosa por não deixar de tentar todos os
esforços. Enquanto ela própria não estava disposta a aceitar novas incumbências, deu sua benévola
aprovação à idéia de um pacto de mútuas garantias entre a Alemanha e suas vizinhas orientais, inclusive a
Rússia, e a um complementar tratado de garantias entre a Rússia e a França, tratado a que a Alemanha teria
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uma oportunidade de se associar e o qual seria um elo com Locarno e o Covenant. Mas toda a esperança
numa realização compreensiva desses planos desfez-se a 10 de setembro de 1934, quando uma nota alemã
estabeleceu tantas condições para a discussão da proposta, que elas praticamente tiveram o significado de
uma rejeição imediata.
Entrementes, multiplicaram-se os sinais da intenção alemã de levar a sua política agressiva ao limite
máximo que permitisse o seu estado de relativa fraqueza. O fato de que, a despeito das limitações impostas
pelos tratados, ela já começara a rearmar-se, foi revelado pelo orçamento alemão de março de 1934. Ao
mesmo tempo, um discurso de Hitler acentuando os tópicos provocadores da mudança de fronteiras e da
unidade racial fez crescer o alarme tanto na França como nos pequenos Estados fronteiriços à Alemanha.
Não tardou muito que fatos concretos viessem aumentar essa sensação de perigo. A campanha alemã no
Sarre, onde se realizou um plebiscito em janeiro de 1935, foi caracterizada pelas táticas nazistas de
fanfarronice e ameaça; e, embora a votação que devolveu aquela área à Alemanha tivesse significado a
solução pacífica do que poderia ter sido um problema perigoso, ela não foi, talvez, senão um infeliz
encorajamento dos métodos e aspirações nazistas. A pressão nazista sobre Dantzig tornou-se fator
seriamente inquietante. A agitação nazista em torno do Memel avolumou-se quase até o perigo de um
ataque à Lituânia. Mais sérias que todas, as provocações nazistas na Áustria conduziram em julho de 1934
ao assassínio do chanceler Dollfuss e à perspectiva de uma invasão alemã. Não constituiu surpresa o fato
de que durante esse ano os pequenos Estados começaram a esquecer suas diferenças e a reunir-se com o
fim de proteger-se mutuamente. A formação de um pacto balcânico em fevereiro e de um pacto báltico em
setembro e - mais notável ainda - a corrida tardia dessas pequenas nações para o reconhecimento da União
Soviética, mostraram como sentiram o vento que estava soprando.
O governo britânico, contudo, continuava a esperar o melhor, e o retorno do Sarre à Alemanha parecia
apresentar uma oportunidade para novos esforços. Hitler, ao tempo de sua retirada da Liga, tinha
asseverado que o Sarre representava a única exigência territorial alemã à França. "Quando o território do
Sarre tiver sido restituído à Alemanha, somente um louco poderá considerar a possibilidade de uma guerra
entre os dois Estados." Sendo Hitler sincero, não parecia haver razões para que um acordo não fosse
conseguido.
De conformidade com isto, e como resultado de uma reunião em Londres, a França e a Grã-Bretanha
apresentaram uma série de propostas a 3 de fevereiro de 1935. Elas propuseram "uma geral convenção
livremente negociada entre a Alemanha e as outras potências", a qual envolvia a remoção das restrições
em torno do rearmamento alemão, em troca da volta da Alemanha à Liga das Nações e o abandono de sua
parte de todas as intenções agressivas por meio da participação numa série de tratados de não-agressão e
de assistência mútua.
A formal resposta alemã foi, como de costume, plausível e especiosa. Expressando um desejo sincero de
"promover a salvaguarda da paz", ela se mostrou a favor de pactos bilaterais, como preferíveis a um
tratado geral. Mas a verdadeira resposta alemã foi dada na forma de uma ação que mostrou a diferença
entre as palavras e as ações. A 10 de março, o general Goering anunciou que a Alemanha já tinha, em
violação ao tratado, criado uma força aérea militar. E a 16 de março, enquanto Sir John Simon esperava ir
dentro de poucos dias a Berlim para discutir as recentes propostas, um decreto alemão anunciou a
restauração do alistamento obrigatório e a criação de um exército de cerca de 550.000 homens.
Política conciliatória britânica
O resultado mostrou o sucesso daquela política de passo-a-passo que era o alicerce da tática hitleriana.
"Um hábil conquistador" - tinha Hitler escrito no Mein Kampf - "imporá sempre que possível as suas
exigências ao conquistado por meio de fatos consumados. Porque a rendição voluntária mina o caráter de
um povo; e com um povo assim pode-se calcular que nenhuma dessas opressões em detalhe fornecerá
razões bastantes para que torne a recorrer às armas." Aplicando este princípio, ele o ampliou pelos
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constantes esforços para dividir e isolar seus adversários, e uma tentativa para desarmá-los depois de cada
golpe de violência que era apresentado como a última das ações dessa natureza. A oferta de uma base
aparente para a paz futura.
Cedo tornou-se visível que neste caso não havia perigo algum de um recurso à guerra. Embora a GrãBretanha protestasse, ela não se uniria à França na consideração da possibilidade de medidas punitivas. A
Grã-Bretanha, a França e a Itália se reuniram em Stresa em abril para condenar a ação alemã - condenação
ecoada uma semana mais tarde pela Liga das Nações. A Alemanha não teve obstáculos; e os
acontecimentos que se seguiram poderiam, sob certos aspectos, sugerir que a Alemanha estava no caminho
de ainda outros avanços como resultado de seu provocante recurso à política da força.
Porque, afinal de contas, impunha-se a pergunta: agora que a Alemanha tem armas, de que modo
provavelmente vai usá-las? Todos os que acreditavam em que os verdadeiros propósitos de Hitler estavam
expressos no Mein Kampf, viram-se obrigados a prever que uma Alemanha rearmada seguiria uma política
de agressão baseada na força. Mas à linguagem do livro poder-se-ia contrapor as expressões de devoção à
paz tão freqüentes nos discursos de Hitler. A despeito de uma série de ações que poderiam parecer
curiosamente em desacordo com essa aspiração, uma parte da opinião britânica mostrou-se fortemente
inclinada a aceitar a palavra de Hitler e desenvolver esforços, até agora fúteis, para o encontro de uma base
permanente de concórdia.
Em conseqüência, apenas nove dias depois que a Alemanha anunciou o seu rearmamento, Sir John Simon
e Mr. Antony Eden visitaram Berlim e conferenciaram com Hitler e seus oficiais. Embora tivesse sido
anunciado depois do encontro que "as aspirações dos dois governos são assegurar e reforçar a paz européia
promovendo a cooperação internacional", nenhum resultado específico foi conseguido; e a alegada
amistosidade das conversações não impediu a Grã-Bretanha de unir-se à censura à Alemanha em Stresa e
Genebra. Mas em maio uma nova oportunidade surgiu para explorar ainda mais as perspectivas de
conciliação.
Essa oportunidade se apresentou quando do discurso de Hitler perante o Reichstag, a 21 de maio de 1935.
Uma vez mais, ele negou quaisquer propósitos agressivos e insistiu em que uma Alemanha forte e
satisfeita seria uma contribuição à paz européia. E ainda mais, subordinou a política alemã a treze pontos
que pareciam adequados para oferecer uma base real a um acordo construtivo. Reiterando sua exigência
por uma real eqüidade, Hitler lhe acrescentou a promessa implícita de voltar à Liga se esta fosse separada
do Tratado. Prometeu respeitar para o futuro não somente as cláusulas territoriais de Versalhes, mas todos
os tratados voluntariamente firmados; e foi tornado claro que isso envolvia a aceitação da zona
desmilitarizada ao longo do Reno. Renovou a oferta de concluir pactos de não-agressão com os vizinhos
da Alemanha, e aduziu a isto ofertas de um pacto aéreo suplementar ao de Locarno, aceitação de um
esquema justo e prático para a limitação dos armamentos e "um arranjo internacional que evitará de um
modo efetivo e tornará impossíveis todas as tentativas de interferência externa nos negócios de outros
Estados".
Essas ofertas, encorajadoras ao primeiro relance, mostraram-se notavelmente artificiosas mal foram feitas
tentativas para transformá-las em realidade. A idéia de um pacto aéreo jamais passou de uma troca de
pontos de vista; e um questionário britânico tendente a obter uma explanação mais precisa das idéias de
Hitler encontrou contínua escapatória. Um acordo se seguiu rapidamente, mas este dificilmente podia ser
encarado como um obstáculo aos progressos de Hitler ou contribuição à segurança coletiva.
Este foi o acordo naval anglo-germânico. Durante a visita de Sir John Simon, Hitler tinha apresentado suas
exigências por uma igualdade com a França no ar, e por uma armada igual a 35% da marinha britânica.
Estas exigências foram repetidas em seu discurso de 21 de maio. A Grã-Bretanha não teve esperança
alguma de fazer a França concordar com a igualdade aérea alemã, mas ela também teve em vista o fato de
ter a Alemanha criado uma força aérea eficiente a despeito de todas as objeções. Ficou convencida de que
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a Alemanha iria rearmar-se; faltava apenas saber se o rearmamento seria limitado por um acordo definitivo
ou livremente realizado sem nenhuma restrição efetiva. A Grã-Bretanha, portanto, decidiu-se a negociar
em torno da questão naval; e sua decisão foi reforçada quando recebeu a informação de que em abril, já
haviam sido dadas ordens para a construção de doze submarinos alemães, cujas partes tinham sido
manufaturadas no inverno anterior. O resultado foi o tratado naval anglo-germânico de 18 de junho de
1935. A Alemanha não só obteve o direito de construir uma força naval igual a 35% da britânica; ela
também se reservou o direito de igualdade em submarinos, sob a condição de que, no presente, não fosse
além de 45 por cento.
"Consideramos este acordo" - disse o Primeiro Lord do Almirantado ao público britânico "essencialmente como uma contribuição à paz mundial... Temos de lidar com o problema essencialmente
prático de que a Alemanha já está construindo uma frota que está fora dos limites assentados no Tratado de
Versalhes; o que fizemos foi, por acordo com a Alemanha, circunscrever os efeitos que pudessem decorrer
dessa decisão unilateral". Nem todos ficaram satisfeitos com esta explicação. O povo britânico,
recordando-se dos estragos produzidos pelos submarinos durante a guerra de 1914, sentiu-se chocado por
ver essa arma devolvida à Alemanha. A França, por sua vez, achou-se ultrajada pela aceitação dessa nova
violação de tratado pela Alemanha, aceitação registrada sem consulta à França e em menos de dois meses
depois da adesão da Grã-Bretanha à condenação da Alemanha em Stresa. Estas reações, e o fato da GrãBretanha ter-se resolvido a arrostá-las, foram uma demonstração do desejo de encontrar uma base ajustada
e estável para as relações com a Alemanha, mesmo ao preço das mais graves concessões.
Locarno e Renânia
A maneira da França abordar o problema foi completamente diferente. Desde o fim da guerra a França
tinha estado receosa do restabelecimento militar alemão e resolvida a pôr-se em guarda contra tal fato.
Falhando nos esforços para obter uma garantia militar da Grã-Bretanha, ela se lançou a alianças com os
pequenos Estados da Europa oriental, os quais também careciam de proteção contra os desejos das
potências derrotadas de recuperar os territórios perdidos. Estas ligações de certa maneira enfraqueceram
quando a França pareceu não desejosa ou incapaz de oferecer oposição efetiva durante o período inicial do
governo de Hitler. Pelo verão de 1934, entretanto, a França estava fazendo novos esforços, não somente
para fortalecer amizades existentes como para atrair-lhes também a Rússia. A Grã-Bretanha, resolvida a
evitar a divisão da Europa em dois campos hostis iguais aos que existiram antes de 1914, insistiu em que o
tratado deveria ajustar-se à estrutura do Covenant da Liga e apresentar-se à Alemanha em termos de
igualdade. Por meio de interpretações extremamente engenhosas, essas condições foram triunfalmente
obtidas. A 2 de maio de 1935, foi assinado um tratado, pelo qual a França e a Rússia prometeram apoio
mútuo contra a agressão, em termos especificamente vinculados ao Covenant e compatíveis com a
participação alemã.
Mas a Alemanha de jeito nenhum ficou abrandada com esse convênio. A sua objeção de que o tratado foi
na realidade dirigido contra si podia constituir um reconhecimento implícito de intenções agressivas, mas
apesar de tudo, não foi molestada por isto. Até então seus progressos tinham sido feitos com êxito em
relação à França e à Inglaterra. Agora, tinha de levar em conta a Rússia; e se as suas atividades
provocassem guerra, seria uma guerra em duas frentes, igual a que Bismarck sempre procurou evitar e
igual à precipitada pelos seus mais ineptos sucessores em 1914.
A par disto, houve um fator altamente emocional. Hitler e o movimento nazista eram os inimigos
declarados e mortais do bolchevismo. As páginas do Mein Kampf estão prenhes de diatribes contra os
comunistas e de ataques aos dirigentes da Rússia como "comuns criminosos tintos de sangue, a escória da
humanidade." O espetáculo da França procurando a ajuda dos Sovietes foi apenas menos chocante que a
compreensão de que os Sovietes agora tinham a garantia da ajuda da França.
O primeiro passo de Hitler em resposta foi de uma simplicidade impudente. Acusou a França do
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rompimento de um tratado. Num memorando de 29 de maio de 1935, o governo alemão expressou a
opinião de que qualquer ação militar baseada no pacto franco-soviético seria "uma flagrante violação do
Tratado de Locarno". Se o problema se tivesse limitado à discussão de um princípio, teria sido apenas mais
um exemplo divertido de Satanás censurando o pecado. Mas esta reivindicação trazia consigo uma
conseqüência prática de vital importância tanto para a França como para a Alemanha.
Pelo Tratado de Versalhes, a Alemanha estava proibida de construir fortificações ou de manter forças
armadas na Renânia ou numa faixa de 50 quilômetros a leste do Reno. A despeito do rearmamento e
conscrição, a fronteira ocidental da Alemanha estava, assim, aberta à invasão francesa. Com a entrada da
Rússia no quadro, este apresentava um perigo mais grave que nunca. Se a Alemanha quisesse ter um
caminho livre para o leste, teria, a todo o custo, que barrar o caminho aberto a oeste.
Já foi tornado claro que a Alemanha não teve escrúpulo algum em violar o Tratado de Versalhes. Mas a
zona desmilitarizada estava garantida pelo Tratado de Locarno - o tratado que Hitler, a 21 de maio, tinha
prometido respeitar. Se, contudo, a França realmente tivesse rompido o Tratado de Locarno, Hitler poderia
sentir-se livre de seus compromissos. Este foi o ponto de vista que ele resolveu não somente adotar, mas
agir sobre essa base. A 7 de março de 1936, tropas alemãs marcharam sobre a Renânia, numa
demonstração designada como ocupação "simbólica" - simbólica, com a duração de uma semana, com a
participação de 90.000 homens.
O estado-maior alemão tinha-se oposto ao movimento, convicto de que dessa vez a França lutaria. O
estado-maior francês queria a luta. Mas Hitler ao escolher essa oportunidade fizera-o com característica
astúcia. A França e a Grã-Bretanha já estavam envolvidas na situação criada pela invasão da Etiópia e a
adoção por parte da Liga de sanções contra a Itália. Um voto impondo sanções de petróleo, que a GrãBretanha estava advogando, podia conduzir à guerra. Sob as circunstâncias era improvável que a Itália,
embora um dos garantidores de Locarno, - entrasse em ação contra a Alemanha. O outro garantidor, a GrãBretanha, sofria a pressão da França por promessas de ação, mas mostrava uma aversão arraigada a
comprometer-se. E a França estava envolta no turbilhão político precedente a uma eleição que enfraquecia
as mãos de seu governo para negócios estrangeiros.
Assim, Hitler jogou e ganhou. A Itália não agiu. A Grã-Bretanha associou-se a um apelo francês à Liga, e
aprovou a oferta francesa de submeter a questão da validade do Locarno à corte de Haia, mas se recusou a
considerar uma ação militar ou a solicitar à Liga uma ação contra a Alemanha. A usual oferta alemã de
uma nova base de paz, incluindo uma série de pactos de não-agressão, pode ter contribuído para essa
moderação. Indubitavelmente a Grã-Bretanha estava menos impressionada que em ocasiões anteriores. O
discurso de Hitler a 24 de março mostrou quão pouco um documento assinado poderia fazê-lo respeitar
compromissos. "Se o resto do mundo se cinje à letra de tratados, eu me cinjo a uma eterna moralidade. Eu,
como representante do povo alemão, devo assegurar à nação o direito de viver e de salvaguardar sua
honra, liberdade e interesses vitais." Expressando "alguma dúvida em torno da concepção mantida pelo
governo alemão sobre a base em que os futuros entendimentos fossem fundados", Mr. Eden dirigiu àquele
governo um questionário em que solicitava explicações precisas sobre os vários pontos de Hitler,
demonstrando ao mesmo tempo que as negociações por um tratado seriam inúteis "se uma das partes
doravante se sentisse livre para negar suas obrigações sob o fundamento de que ela, na ocasião, não estava
em condições de concluir um tratado a cujo cumprimento se obrigara". Não surpreende o fato da
Alemanha, depois de procurar uma resposta evasiva a essas perguntas desastradas, ter-se decidido em
suma a deixar de responder. A despeito disto, a Grã-Bretanha ainda prosseguiu nos esforços para chegar a
alguma base de entendimentos.
A Grã-Bretanha garante a França
Mas justamente com esses esforços desenvolveu-se uma ocorrência de grande importância. A GrãBretanha não reconheceu que o Tratado de Locarno se tivesse invalidado. Se a Alemanha repudiou o
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tratado, é porque naturalmente não podia obter vantagens dele. As garantias à França e à Bélgica, contudo,
ainda permaneciam de pé, e sua importância tinha aumentado. A 19 de março, a Grã-Bretanha prometeu
assistência à Bélgica e à França no caso de agressão não provocada e inaugurou conversações militares
entre os estados-maiores. Mas, enquanto que pelo tratado de Locarno não havia a obrigação para a França
de auxiliar a Grã-Bretanha se esta fosse atacada, a nova adaptação, que alcançou uma base precisa pelos
fins de novembro, tornou essa obrigação recíproca. Com efeito, a ação alemã tinha transformado o
Locarno de uma garantia de que a Alemanha participava numa aliança contra ela - numa aliança que a
França em vão procurou obter mesmo desde 1919. Em julho de 1934, como uma das conseqüências do
assassínio de Dollfuss, Mr. Baldwin tinha asseverado que a fronteira da Grã-Bretanha estava no Reno. A
ocupação alemã da Renânia, seguida como foi do prolongamento do serviço militar para dois anos e da
inauguração de um Plano Quatrienal nas linhas de uma economia de guerra, fez agora a Grã-Bretanha
reconhecer que ela devia ter-se postado com todas as suas forças atrás dessa linha.
Assim foi inaugurada a política dual que mais tarde foi definida por Lord Halifax. "Nossa primeira
resolução é impedir a agressão. No momento, a doutrina da força barra o caminho a um acordo. Mas se a
doutrina da força fosse abandonada, todas as questões relevantes seriam facilmente solvíveis. A política
britânica descansa sobre um duplo alicerce de propósitos. Um deles é a nossa determinação de resistir à
força. O outro é o reconhecimento de nossa parte do desejo do mundo de prosseguir na obra construtiva da
paz". As conversações militares foram a expressão do primeiro propósito. O segundo foi corporificado nas
tentativas britânicas de obter uma conferência em que um novo Locarno ficasse estabelecido - tentativas
que finalmente ruíram como um resultado da guerra civil espanhola.
O Eixo Roma-Berlim
O significado vital da luta na Espanha foi vividamente resumido num memorando escrito pelo capitão
Liddell Hart ao ministério da Guerra da Grã-Bretanha, em março de 1938. "As pessoas que falam em
evitar outra Grande Guerra" - asseverou ele - "já estão vinte meses atrasadas. A segunda Grande Guerra do
século XX começou em julho de 1936... A assistência direta que a Itália deu com a força aérea e a
assistência indireta que a Alemanha deu com a força naval, transportando as tropas de Franco da África
para a Espanha; foram as primeiras operações da guerra atual... Que nós, neste país, deixamos de ver essa
"guerra em progresso" é devido ao fato de ainda estarmos pensando politicamente, enquanto os Estados
ditatoriais pensam militarmente".
Fosse qual fosse a base de seu pensar, havia um pensamento grave e dominante na mente dos governos
britânico e francês: o pensamento de evitar que a guerra espanhola se alastrasse e envolvesse a Europa.
Com este propósito, eles advogaram uma política generalizada de não-intervenção. Era uma política
admirável na teoria, mas o seu valor prático foi anulado pela formal recusa da Alemanha e da Itália de
cumprir suas promessas. Procurando salvaguardar a paz, as democracias abstinham-se de agir, enquanto os
ditadores mandavam homens e material para a Espanha. A política evitou uma guerra aberta, mas encurtou
em muito o caminho para o conflito final, pois que a cooperação de Hitler e Mussolini conduziu ao eixo
Roma-Berlim e pôs um fim ao isolamento alemão.
Uma aliança entre a Alemanha e a Itália é um dos objetivos essenciais contidos no Mein Kampf. Durante
três anos, as suspeitas italianas quanto às intenções alemães na Áustria estiveram no caminho. Mas pelo
ano de 1936, a Itália desviou sua atenção do Danúbio e concentrou-se no Mediterrâneo. Os acontecimentos
haviam mostrado quão úteis essas duas potências podiam ser uma à outra. A recusa alemã de participar das
sanções contra a Itália diminuiu grandemente a eficiência dessas sanções. A ação alemã na Renânia
impediu a continuação e endurecimento das sanções, fato que poderia ter tido as mais sérias
conseqüências. A Alemanha, por sua vez, tinha dado uma clara ilustração da utilidade da Itália como freio
da Grã-Bretanha e da França. E agora os dois Estados estavam lutando lado a lado para esmagar o governo
republicano da Espanha. E entre o entendimento a respeito da Espanha e a colaboração num âmbito
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europeu, ia apenas um passo.
E, de fato, no começo de 1936, haviam sido tomadas medidas nesse sentido. As visitas dos representantes
oficiais começaram em março, e, em julho, foram assinados acordos sobre comércio e aviação. Em julho
chegaram a um acordo sobre a Áustria. O reconhecimento alemão da conquista da Etiópia foi um gesto
amigável e bem recebido. A 25 de outubro, foi assinado um acordo que estabelecia a unidade de esforços
na esfera diplomática e a cooperação na Espanha e no Danúbio. A 1o de novembro, em Milão, Mussolini
proclamou a aproximação como "um eixo em torno do qual todos os Estados europeus animados pelo
desejo da paz podem colaborar".
A conseqüência imediata dessa colaboração foi o desaparecimento da Áustria.
A anexação da Áustria
A ascensão de Hitler ao poder fizera declinar o entusiasmo austríaco por uma união com a Alemanha, mas
aumentara a pressão nazista sobre a Áustria, tanto no interior como no exterior. Já em maio de 1933,
correram boatos sobre um possível golpe nazista. As organizações nazistas andavam ativas dentro do país;
através da fronteira vinha uma torrente contínua de rádio-propaganda e injúrias; importante fonte de renda
foi aniquilada com a taxação em mil marcos dos "vistos" aos turistas alemães que se destinavam à Áustria;
uma "Legião Austríaca" de refugiados nazistas foi formada em solo alemão. A Áustria logo sentiu a
necessidade de uma proteção substancial contra a sua agressiva vizinha.
Pelo ano de 1934, os apelos do chanceler Dollfuss causaram alguma impressão entre as potências. A 17 de
fevereiro, a França, Itália e Grã-Bretanha anunciaram terem chegado a um "comum ponto de vista quanto à
necessidade de manter-se a independência e integridade da Áustria, em conformidade com os seus tratados
pertinentes ao caso." Mas era preciso algo mais que a manifestação de pontos de vista. Em março, uma
série de acordos entre a Áustria, Hungria e Itália, materializados no protocolo romano de colaboração
econômica e política, mostrou que Dollfuss se tinha lançado nos braços de Mussolini.
Os protocolos deixaram de salvar o próprio Dollfuss, mas, provavelmente para o momento, salvaram a
Áustria. Em julho, uma tentativa de levante nazista resultou no assassínio de Dollfuss, mas fracassou na
deposição do governo; e a pronta concentração de tropas italianas na fronteira foi uma advertência eficaz a
Hitler para que não interferisse. O acontecimento de algum modo aumentou a preocupação da França e da
Grã-Bretanha pela liberdade austríaca. A 27 de setembro estas duas potências e a Itália reafirmaram a sua
declaração do mês de fevereiro anterior. Em janeiro de 1935, a França e a Itália prometeram consultar-se
no caso de ameaça à independência austríaca. A 3 de fevereiro, a Grã-Bretanha concordou com unir-se a
tais consultas. O compromisso foi reafirmado em Stresa, em abril. E em março de 1936, a reafirmação dos
protocolos de Roma pareceu uma garantia do apoio de Mussolini.
Na verdade, entretanto, a desabrochante amizade entre Hitler e Mussolini já tinha amortecido os zelos
deste com relação à independência austríaca. Mussolini estava agora ansioso por ver a Áustria em paz com
a Alemanha, mesmo que fosse ao preço de concessões. Em conseqüência, o chanceler Schusschnigg, que
sucedeu a Dollfuss, sentiu-se na obrigação de concluir o acordo austro-alemão de 11 de julho de 1936.
Neste, Hitler reconheceu "a plena soberania do Estado Federal Austríaco"; mas a vaga promessa da
Áustria de, em troca, reconhecer que era um Estado germânico, e agir nessa conformidade, encerrou
possibilidades suficientemente alarmantes para aqueles que confiavam na continuação de sua
independência.
Também aqui havia a questão de até onde as promessas de Hitler mereciam crédito. Na primavera de 1933
ele dissera que não nutria o pensamento de invadir país algum. No seu discurso de 21 de maio de 1935,
asseverara: "A Alemanha não pretende, nem deseja interferir nos negócios internos da Áustria, anexar a
Áustria ou realizar um Anschluss." Quando da ocupação da Renânia, ele anunciara que a luta alemã pela
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igualdade estava concluída, e que "nós não temos exigências territoriais a fazer na Europa." E ao
compromisso específico à Áustria em julho ele poderia ter acrescentado a sua garantia de 30 de janeiro de
1937 de que "já passou o período das chamadas surpresas."
Mas contra essa resolução apresentou-se a reiterada insistência nazista em torno da união de todos os
alemães num só Reich. Na primeira página do Mein Kampf, Hitler tinha escrito: "A Áustria germânica
deve tornar à grande pátria alemã. . . Sangue comum pertence a um Reich comum". O problema era
portanto saber em que palavras de Hitler acreditar; se nas faladas ou nas escritas. E neste, como na maioria
dos casos, eram as pessoas que acreditavam no Mein Kampf que estavam com a razão.
Dentro de um ano, a contar de suas últimas garantias, Hitler se decidiu a marchar sobre a Áustria. O
general von Fritsch, chefe do exército alemão, e o barão von Neurath, ministro das Relações Exteriores,
opuseram-se a isso. Em fevereiro de 1938, eles foram afastados, como parte do expurgo geral nos postos
mais altos. Uma vez mais, Hitler antepunha sua vontade à opinião dos peritos que receavam que tal ato
significasse a guerra.
Os acontecimentos sucederam-se rapidamente. A 8 de fevereiro, o chanceler Schusschnigg foi convidado
para uma entrevista com Hitler em Berchtesgaden, e quatro dias mais tarde, lá comparecia. Esperava ele
poder confundir Hitler com a apresentação de provas duma trama nazista que violou o acordo de 1936. Ao
invés disto, foi submetido a críticas prenhes de ameaças. Sob a ameaça de invasão, Schusschnigg
concordou com a remoção de restrições contra o Partido Nazista e admissão de dois simpatizantes nazistas
a postos ministeriais. Em troca, Hitler prometeu reafirmar a independência da Áustria.
Tornou-se em breve evidente que isto era apenas o começo. Em seu discurso de 20 de fevereiro Hitler
proclamava em altos brados sua vontade de ser o protetor de todos os alemães, mas não assumiu nenhum
compromisso específico quanto à liberdade austríaca. Sentindo-se traído, Schusschingg decidiu agir com
coragem e firmeza. Iniciou negociações com os dirigentes da classe trabalhadora, cujas organizações
tinham sido desfeitas nos dias sangrentos de fevereiro de 1934; e anunciou um referendum para o dia 13 de
março sobre a questão da independência austríaca.
Essa última medida precipitou a ação. Mussolini chamou-a de "uma arma que explodirá em vossas mãos."
Hitler estava certo de que dessa vez não haveria tropas italianas no Passo do Brenner. Von Ribbentrop, em
Londres, assegurava ao governo britânico que Hitler não tinha intenção alguma de atacar a Áustria. A
França, como um dos resultados da demissão do premier Chautemps, estava sem governo. Demonstrações
nazistas irromperam na Áustria. A imprensa alemã clamou contra atrocidades austríacas. Um ultimato
expedido ao meio-dia de 11 de março exigia que fosse revogada a convocação do plebiscito. As quatro da
tarde, um segundo ultimato exigia a demissão de Schusschnigg às sete e trinta. A rejeição de qualquer um
dos dois ultimatos significaria uma invasão alemã. Afim de evitar corresse sangue, Schusschnigg
capitulou. Um governo apressadamente formado por chefes nazistas convidou Hitler a mandar tropas à
Áustria afim de preservar a ordem. Na manhã do dia 12, a invasão começou. No dia 13, a Áustria era
formalmente anexada. No dia 14, Hitler entrou triunfalmente em Viena, sua primeira conquista incruenta.
Bastava somente dar uma olhadela ao mapa para se ver que a Tchecoslováquia seria a próxima.
A crise de maio de 1938
A própria existência da Tchecoslováquia era uma afronta para certos princípios fundamentais do credo
nazista. Dentro das fronteiras desse Estado, principalmente na zona ocidental conhecida como região dos
sudetos, havia mais de três milhões de habitantes de raça alemã, os quais, com seus ancestrais, tinham
estado ali durante séculos. Até 1919, tinham sido súditos não da Alemanha, mas do império dos
Habsburgos. Mas a idéia da gente de sangue alemão viver sob o domínio eslavo, desafiou as doutrinas
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raciais nazistas. A política de reunir todos os alemães num só Estado devia estender-se aos sudetos.
Mas, além da voz do sangue, havia o apelo do solo. A Tchecoslováquia apresentava-se como um
formidável obstáculo ao programa nazista de expansão para o leste. Essa "fortaleza construída por Deus no
coração da Europa", como a chamou Bismarck, estava reforçada por obras modernas de defesa e
guarnecida por um exército bem equipado. Mais que isto, ela estava de aliança com a França, e assim era
um instrumento de possível guerra em duas frentes. Tinha de ser isolada e esmagada, para que ficasse livre
o caminho às ambições nazistas.
Mas, acima de tudo, a Tchecoslováquia tinha entrado em relações estreitas com a Rússia. Um tratado,
concluído ao tempo da aliança franco-soviética, previa assistência mútua sob a condição de que também a
França cumprisse as suas obrigações. A idéia de que um pequeno Estado vizinho tenha aceito auxílio
bolchevista contribuiu para enfurecer os nazistas. Mais e mais a Rússia estava sendo apresentada ao povo
alemão como seu inimigo mortal, e os espólios a serem ganhos da Rússia eram acenados, sedutores, diante
de seus olhos. Os atos da reunião de Nuremberg em setembro de 1936 tinham sido compostos na maioria
de diatribes contra as Sovietes. Hitler declarara: "Se tivéssemos os montes Urais com o seu incalculável
depósito de tesouros em matérias-primas, a Sibéria com as vastas florestas e a Ucrânia com os tremendos
campos de trigo, a Alemanha sob a direção nacional-socialista nadaria em fartura".
Essa hostilidade ao bolchevismo tomou forma no pacto Anti-Comintern, firmado pela Alemanha e Japão
em novembro de 1936. Embora dirigido contra a comunismo mais que à Rússia especificamente, a sua
promessa de tomar severas medidas contra as atividades comunistas "internas ou externas" não deixava
nem um pouco de ser ameaçadora, apesar de seu caráter vago. A Itália aderiu ao acordo em 1937; a
Espanha, Hungria e Manchukuo apuseram-lhe mais tarde as assinaturas. Em contraste com esses aliados
na luta, a Tchecoslováquia se apresentava a Hitler como um Estado que estava sendo "usado pelo
bolchevismo como o ponto de ingresso. Não fomos nós que procuramos um contacto com o bolchevismo,
mas o bolchevismo usou esse Estado para abrir um canal para a Europa central". Rumores de aviões e
bases russos em solo tcheco foram usados para emprestar apoio a essa acusação. A idéia de que a
Tchecoslováquia era um instrumento ao ataque russo à Alemanha, foi facilmente estendida à crença de que
os próprios tchecos eram bolchevistas.
Quando a Áustria foi anexada, a Alemanha dera garantias de que não tinha desígnio algum referente à
Tchecoslováquia. Tornou-se claro, pouco depois, que essa promessa tinha mais ou menos o mesmo valor
que os anteriores compromissos nazistas. A tática já usada contra a Áustria foi novamente posta em
prática. Uma torrente de insultos foi dirigida pelas autoridades e pela imprensa da Alemanha contra os
tchecos e seus líderes. Acusações precipitadas de atrocidades tchecas foram espalhadas pelo rádio.
Fomentou-se o descontentamento interno entre eslovacos e alemães; e entre estes o instrumento foi o
Partido alemão dos Sudetos, chefiado por Konrad Henlein.
Esse grupo tinha conseguido nova proeminência em conseqüência da depressão e da subida de Hitler ao
poder. De 1933 em diante, recebeu ele cada vez maior apoio do Estado alemão. Suas exigências, contudo,
na ocasião limitavam-se a uma maior liberdade dentro da Tchecoslováquia. Autonomia e não anexação,
era a sua reivindicação oficial até as vésperas do Munique.
A anexação da Áustria encorajou Henlein para um novo gesto de atrevimento. A 25 de abril de 1936, o seu
programa de Carlsbad continha a reivindicação da quase completa independência para todos os alemães
dentro do Estado, numa base que os entregava praticamente à direção de Hitler. Em maio, a organização
das tropas de assalto sudetas foi outro sinal de que se preparavam perturbações.
As potências, e particularmente a Grã-Bretanha, estavam ainda relutantes em ir ao encontro dos
acontecimentos. Cinco dias depois da conquista da Áustria, a Rússia propôs uma conferência em que
fossem estudados os meios de impedir nova agressão. A Grã-Bretanha considerou-a prematura e recusou-
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se a assumir novos compromissos na Europa oriental. A proposta soviética, disse Chamberlain a 24 de
março, "envolvia menos a consulta com um ponto de vista a ser assentado do que o concertar de ação
contra uma eventualidade que ainda não se apresentara." Mas, recusando quaisquer garantias antecipadas,
ele aduziu à advertência: "Onde paz ou guerra estão em jogo, obrigações legais não ficam envolvidas, e se
a guerra rebentasse certamente não ficaria confinada àqueles que assumiram tais obrigações". Em outras
palavras, embora a Grã-Bretanha não prometesse adesão, também não prometeu ficar de lado.
A extensão do perigo ficou demonstrada na crise que culminou a 21 de maio. As eleições municipais
tchecas estavam marcadas para 22 de maio. No dia 19 chegou a notícia da concentração de onze divisões
alemães na fronteira. Aos pedidos ingleses de informações, a Alemanha respondeu que os movimentos de
tropa eram "rotina". Mas um incidente ocorrido na fronteira e a recusa de Henlein de continuar as
negociações que haviam sido realizadas com o governo, convenceu os tchecos de que uma invasão estava
em projeto. Na sexta-feira, 21 de maio, guarneceram suas fortificações fronteiriças e apelaram para a GrãBretanha e a França. O governo francês prometeu ficar ao lado dos tchecos. A Grã-Bretanha concordou em
vir em apoio da França. A ação francesa também atrairia a Rússia. Na segunda-feira a crise tinha passado,
com a negativa indignada da Alemanha de que tivesse quaisquer desígnios em relação à Tchecoslováquia,
e decisão de Henlein de reabrir as negociações com o premier Hodza.
O Pacto de Munique
Mas isso serviu apenas para diminuir temporariamente a tensão. A questão sudeta tinha levado a Europa à
beira de uma conflagração geral. O ponto de vista britânico exigia urgentemente uma nova tentativa de
"consulta para um acordo", antes que nova crise tornasse a guerra inevitável. A França estava igualmente
ansiosa por uma solução pacífica. Uma sugestão alemã de que as quatro potências ocidentais "arbitrassem"
a questão foi rejeitada a 22 de julho. Mas os tchecos sofriam pressão no sentido de fazerem as maiores
concessões possíveis aos sudetos; e a 4 de agosto, no papel de "investigador e mediador", Lord Runciman
chegou a Praga.
A situação nas seis semanas seguintes caracterizou-se pelo aumento das concessões tchecas e por uma
agressividade cada vez maior por parte dos nazistas. A 5 de setembro, foi apresentado um plano liberal,
que dava aos sudetos alemães autonomia local e plena participação no governo central. Mas a esse tempo a
imprensa alemã estava publicando clamorosas histórias de atrocidades e denunciando os tchecos como
mentirosos, torturadores e assassinos que queriam chapinhar em sangue alemão, e as desordens
provocadas por alemães pareciam aplainar o caminho para uma intervenção.
"Estamos convictos" - disse Sir John Simon a 27 de agosto - "de que com boa vontade de todos será
possível encontrar-se uma solução que satisfaça todos os interesses legítimos". Mas a Alemanha estava
resolvida a obter uma solução de acordo com o seu ponto de vista, mesmo ao risco de guerra. A fase final
foi inaugurada pelo discurso de Hitler em Nuremberg, a 12 de setembro de 1938. O Estado nazista, bradou
ele, estava rodeado de conspiradores, desde democratas até bolchevistas. Os sudetos alemães estavam
sendo tratados como animais ferozes. A Alemanha não se submeteria a um tratamento assim. Desde maio
que os alemães apressavam a conclusão de suas obras fortificadas no oeste. "Não mais estou disposto, em
circunstância alguma, a encarar com intérmina tranqüilidade o prosseguimento da opressão dos
compatriotas alemães na Tchecoslováquia".
O discurso foi o sinal para distúrbios na região dos sudetos. Segundo parecia, esperava-se que o exército
alemão atravessasse de uma vez a fronteira. Mas não houve invasão, e a polícia tcheca logo restaurou a
ordem. A 15 de setembro, Henlein pela primeira vez exigiu claramente a anexação. O governo tcheco
respondeu ordenando a sua prisão, e ele fugiu para a Alemanha. Apesar das ameaças de Hitler, Praga se
manteve firme.
Era preciso saber-se, contudo, se uma atitude firme não fez senão aumentar o perigo da guerra. A 14 de
17
setembro, o premier Chamberlain decidiu-se a uma tentativa pessoal de chegar a um acordo com Hitler.
"Em vista da situação cada vez mais crítica" - telegrafou - "proponho avistar-me convosco com uma
proposta tendente a encontrar uma solução pacífica". No dia 15, ele chegou de avião e encontrou-se com
Hitler em Berchtesgaden.
Na entrevista que se seguiu, Chamberlain. descobriu que "a situação era muito mais aguda e muito mais
premente do que eu tinha imaginado." Teve a impressão de que Hitler estava determinado a anexar a
região dos sudetos e estudava uma invasão imediata. O máximo que ele prometeria seria, caso a GrãBretanha aceitasse as suas exigências, e se nada novo ocorresse para forçá-lo a uma ação, refrear-se de
hostilidades ativas até Chamberlain ter tempo para consultar o seu gabinete. "Não tenho dúvida alguma" disse mais tarde Chamberlain na Câmara dos Comuns - "de que somente a minha visita evitou uma
invasão para a qual tudo tinha sido preparado".
No dia 16, Lord Runciman comunicou a substância do relatório que mais tarde vasou numa carta ao
primeiro ministro (a 21 de setembro). Nesse documento, ele acentuou que os tchecos tinham concordado
com, praticamente, todas as exigências de Henlein, e que pela maioria das recentes dificuldades a culpa
deveria ser atribuída a Henlein e seus adeptos. Mas, prosseguiu, "há um perigo real, o perigo mesmo de
uma guerra civil, na continuação deste estado de incertezas. Conseqüentemente, há razões muito reais para
uma política de imediata ação drástica." Essa ação, concluiu Lord Runciman, por um curioso processo de
lógica, deveria consistir antes de tudo em satisfazer Henlein pela entrega da região sudeta à Alemanha.
Havendo tomado tal decisão, o governo britânico entendeu-se com o premier e ministro dos Estrangeiros
francês, que chegou a Londres no dia 19. O resultado foi a apresentação no dia seguinte ao governo tcheco
de uma série de exigências cuja natureza era a de um ultimato. Essas exigências incluíam a transferência
de todas as zonas com mais de 50% de habitantes alemães; o ajuste da fronteira por uma comissão
internacional; e a garantia das novas fronteiras por uma fiança internacional de que participariam a GrãBretanha e a França. Quando o governo tcheco protestou, e propôs arbitragem sob o tratado germanotcheco de 1925, o Sr. Benes foi informado por uma mensagem enviada às 2,15 da madrugada de que a
Grã-Bretanha e a França lhe recusariam o apoio se rejeitasse a proposta. No dia 21, os tchecos cederam, e
no dia seguinte Chamberlain voou a Godesberg a fim de obter de Hitler um acordo final.
Achou que Hitler ainda não estava satisfeito. Um novo memorando. acompanhado de um mapa, incluía
exigências de mais outras concessões, inclusive a imediata ocupação militar das zonas a serem cedidas.
Esta última condição abria justamente as perspectivas de um choque armado que Chamberlain se esforçava
por evitar. Mas o seu protesto a Hitler obteve como resposta apenas demoradas invectivas contra os
tchecos e a ameaça de ação imediata.
Chamberlain voltou de Godesberg com a paz ainda na balança. As novas exigências foram enviadas a
Praga, com a observação de que "os governos francês e britânico não podem continuar a tomar a
responsabilidade de aconselhá-los a não mobilizar". Foi uma promessa implícita de apoio no caso de os
tchecos, como quase estavam prontos a fazer, rejeitarem as exigências. A rejeição e mobilização tchecas
seguiram-se de fato; e a 26 de setembro a promessa foi feita em definitivo, por uma declaração em
Londres, de que se a Alemanha atacasse a Tchecoslováquia "o resultado imediato tem que ser a França
dar-lhe assistência e a Grã-Bretanha e a Rússia ficarem certamente ao lado da França".
Hitler mostrou poucos sinais de recuo. Uma proposta para uma conferência de potências resultou em nada.
A 26 de setembro, Hitler exigiu que a rendição se efetuasse até o dia 1o de outubro, e prometeu que "se
este problema estiver solucionado, a Alemanha não terá mais problemas territoriais na Europa." Mais tarde
foi informado de ter dito a Mussolini que tinha decidido começar a invasão a 28 de setembro. Duas
mensagens do Presidente Roosevelt não conseguiram demovê-lo dessa atitude. A frota britânica foi
mobilizada. A França convocou reservas e guarneceu a Linha Maginot. Chamberlain apelou a Mussolini
para que usasse sua influência, e escreveu a Hitler: "Sinto que podeis obter todo o essencial sem guerra e
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sem dilação." Mas tudo pareceu demonstrar que Hitler queria a guerra.
A 28, a tensão desfez-se. Hitler convidou Chamberlain, Daladier e Mussolini a uma conferência em
Munique. No dia 30, pouco depois da meia noite, o acordo foi firmado. As zonas cedidas iriam ser
ocupadas por escalas entre 1o e 10 de outubro. Uma comissão iria determinar as fronteiras e decidir em que
zonas o plebiscito deveria realizar-se. Foram tomadas precauções quanto à Hungria e Polônia. A GrãBretanha e a França renovaram suas promessas de garantia. Em adição, a Grã-Bretanha e a Alemanha
firmaram uma declaração de que o acordo era "simbólico do desejo dos nossos povos de nunca mais
entrarem em guerra um contra o outro".
Mesmo este tratado não conseguiu reprimir as exigências hitlerianas. Ele acabou por tomar não somente as
zonas da maioria alemã, mas também as puramente tchecas. A comissão internacional de fronteiras
fracassou em impedir a rapacidade alemã. Uma força para policiar as zonas em plebiscito foi organizada
na Inglaterra e depois dissolvida. Nenhum plebiscito foi realizado. O tratado de garantias jamais foi
observado. E no dia 19 de dezembro, Mr. Chamberlain disse a respeito do governo nazista: "Estou ainda à
espera de um sinal... de que eles estão prontos para dar a sua contribuição à paz".
Esse sinal nunca veio. A pressão alemã sobre o remanescente da Tchecoslováquia - reorganizada agora em
um Estado federal - prosseguiu por meio de uma série de exigências econômicas e políticas. A 26 de
setembro, Hitler dissera: "Não estamos interessados em oprimir outros povos. Não desejamos
absolutamente ter outras nacionalidades entre nós... No momento em que a Tchecoslováquia tiver solvido
seus outros problemas... o Estado tcheco não mais me interessa. Não queremos mais tcheco algum."
Em março de 1939, Hitler anexou a Boêmia e a Morávia e proclamou um protetorado sobre a Eslováquia.
A absorção da Tchecoslováquia
Os passos que conduziram a esta ação seguiram uma trilha agora tornada familiar - a de excitar desordens
internas e violentas exigências eslovacas de autonomia, a do desencadeamento de uma campanha na
imprensa alemã martelando sobre "sanguinário terror tcheco" e "uma orgia de insolência hussita", a da
chamada do premier Hacha de Praga a Berlim e extorquindo-lhe um "pedido" de intervenção por parte da
Alemanha no momento em que as tropas nazistas já se achavam em movimento. Mas os fatores envolvidos
eram novos; e quando Mr. Chamberlain assegurou que "a opinião pública mundial recebeu um choque
mais forte do que quaisquer outros que lhe tenham sido aplicados, mesmo pelo atual regime da
Alemanha", expressou ele a percepção de que a política alemã tinha entrado numa fase nova, em que os
antigos métodos não mais eram adequados.
A primeira fase da política de Hitler culminou com a ocupação da Renânia em março de 1936. Ligava-se à
remoção das restrições internas que o Tratado de Versalhes tinha imposto à Alemanha. Em 1938, na
segunda fase, veio o ataque às fronteiras estabelecidas pelo tratado, sob a alegação de que elas violavam a
"autodeterminação" e o direito de se unirem todos os alemães num só Estado. Mas nem a independência
nacional nem a unidade racial puderam ser apresentadas como motivos para novas anexações. Estas se
basearam numa reivindicação de mais terras, o que abriu uma perspectiva de expansão indefinida. "A
Boêmia e a Morávia" - disse Hitler na sua proclamação - "pertenceram por milhares de anos ao espaço
vital do povo alemão. A força e a injustiça separaram-nas arbitrariamente de seu antigo, histórico
engaste... É de conformidade com o princípio de autopreservação que o Reich está resolvido a intervir
decisivamente para restabelecer as bases de uma razoável ordem centro-européia". Em tais bases seria fácil
justificar-se uma tentativa alemã de restabelecer o santo Império Romano em toda a Europa setentrional e
oriental.
Assim, toda a fantasiosa segurança que os pequenos Estados hauriam da crença de que Hitler queria
apenas alemães no Reich desapareceu por completo. "Esses recentes acontecimentos" - disse Chamberlain
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- têm feito, certa ou erradamente, com que todos os Estados adjacentes à Alemanha se sentissem ansiosos
e inseguros quanto às futuras intenções da Alemanha". A separação de Memel da Lituânia, e sua anexação
pela Alemanha, a 21 de março, dificilmente deve ter aquietado essas emoções. Os Estados das regiões do
Danúbio e dos Bálcãs olhavam interessados os novos acontecimentos. Já um comércio agressivo orientado
pela Alemanha os impelira estreitamente ao sistema econômico nazista. Os esforços para uma completa
dominação nazista, não somente econômica, mas política, pareciam exercer pressão mais ativa que nunca.
Isto ficou demonstrado pela informação de que a 17 de março a Alemanha tinha apresentado um virtual
ultimato à Romênia, ultimato que teria colocado, se satisfeito, a vida econômica daquele país sob completo
controle alemão. A informação foi desmentida pela Alemanha, que mais tarde negociou um tratado de
comércio mais moderado com a Romênia. Mas os desmentidos alemães tinham agora deixado de influir
sobre os governos europeus.
A perspectiva de uma infinita expansão do controle alemão devia forçosamente afetar a política das outras
potências, inclusive a da Grã-Bretanha. No auge da crise de Munique, Mr. Chamberlain tinha dito num
discurso pelo rádio: "Sou um homem de paz até as profundezas da minha alma. O conflito armado entre
nações é um pesadelo para mim. Mas se eu estivesse convencido de que alguma nação tinha resolvido
dominar o mundo pela ameaça da força, acho que se deveria resistir." Agora, condenando as novas
anexações, ele perguntou significativamente: "É este o fim de uma velha aventura, ou é o começo de uma
nova? É este o último ataque a um pequeno Estado, ou será ele seguido por outros? É este, de fato, um
passo na direção de uma tentativa para a dominação do mundo pela força?"
Parecia haver lugar muito pequeno para dúvida sobre as respostas. Toda a base da conciliação e boa fé
sobre a qual se presumia que repousava o acordo de Munique tinha sido agora destruída. As garantias de
Hitler, disse Chamberlain, tinham sido lançadas ao vento, e a confiança britânica estava completamente
destruída. Fôra claramente indicada uma nova base à política britânica.
A frente de paz
A natureza dessa base foi definida por Lord Halifax no dia 20 de março. "Se e quando se tornar evidente
para os Estados que não há garantia visível contra os sucessivos ataques dirigidos a todos os que possam
parecer que estão no caminho dos planos ambiciosos de dominação, então logo a concha da balança
penderá para o outro lado, e em todos os círculos será da mesma forma imediatamente possível encontrarse mais disposição para considerar que a aceitação de mais largas obrigações mútuas é ditada pelas
necessidades de autodefesa, mesmo que o não seja por outras razões."
A política dual da Grã-Bretanha, de fato, mudou agora de natureza. Ela não foi abandonada, mas a ênfase
foi diretamente voltada ao avesso. Até aqui o peso maior tinha sido posto na conciliação, com a
perspectiva da resistência mantida relutantemente em reserva, como último e desesperado recurso. Agora
estava claro que a resistência era a primeira necessidade; mas ainda havia a esperança de que, quando a
força e determinação dessa resistência fossem tornadas dominadoramente visíveis, uma volta à
conciliação, com alguma perspectiva de sucesso, seria possível.
Um dos resultados foi a aceleração do rearmamento britânico. Já prognosticada na primavera de 1935, a
decisão definitiva tinha sido tomada em 1936; e em 1937 a verba de um milhão e meio de libras para um
período de cinco anos ficou decidida. Já em fevereiro de 1939 era evidente que esta soma seria
possivelmente ultrapassada. Os acontecimentos de março trouxeram razões novas; e de 283.500.000 libras
esterlinas do ano anterior, o orçamento da defesa britânica subiu para 382.456.000 libras esterlinas, com
aproximadamente 600.000.000 de libras esterlinas em projeto para o ano vindouro. As forças britânicas
foram aumentadas no fim de março. Em maio começaram com os Estados Unidos negociações para a
acumulação de uma reserva de matérias-primas. E no dia 27 de abril, o passo sem precedentes foi dado
pela Grã-Bretanha quando ela anunciou a adoção do alistamento obrigatório em tempo de paz. A nação
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estava mobilizando suas forças para a emergência vindoura.
Entrementes, a frente unida franco-inglêsa estava sendo firmemente consolidada. A 6 de fevereiro, seus
compromissos mútuos foram confirmados por Chamberlain numa declaração de que todas as forças de
cada um dos países estariam à disposição do outro em caso de guerra, e de que "a solidariedade dos
interesses pelos quais a França e este país estão unidos é tal que qualquer ameaça aos interesses vitais da
França, de onde quer que venha, deve determinar a imediata cooperação deste país." O significado desta
solidariedade foi demonstrado a 7 de março, quando foram revelados os planos de uma força
expedicionária britânica de 19 divisões - cerca de 300.000 homens. A adoção do alistamento obrigatório
foi outro sinal das intenções britânicas. Desde então, a Grã-Bretanha e a França, em todas as questões de
diplomacia, deviam ser compreendidas como agindo de perfeito acordo.
A mais aguda questão diplomática passava então a ser a Polônia. Imediatamente depois de seus triunfos na
Boêmia e no Memel, Hitler voltou a sua atenção para a sua vizinha oriental. Exigiu ele o retorno da Cidade
Livre de Dantzig, a cessão de uma faixa de terra para uma rodovia através do Corredor Polonês e
crescentes direitos para a minoria alemã na Polônia. Os poloneses rejeitaram a exigência, convocaram
tropas e notificaram a França e a Inglaterra. A França já estava ligada à Polônia por uma aliança. Agora, a
Inglaterra se colocou a seu lado. A 31 de março, Chamberlain declarou: "No caso em que o governo
polonês julgue de importância vital resistir pela força a uma ação que ameace a independência da Polônia,
o governo de Sua Majestade ver-se-á na necessidade imediata de emprestar ao governo polonês todo o
apoio que estiver ao seu alcance".
Este foi o começo da frente de paz cuja finalidade era impedir nova agressão, se preciso pela força. No
mês seguinte, semelhantes garantias foram dadas à Romênia e à Grécia pela França e Grã-Bretanha, e um
acordo de assistência mútua no Mediterrâneo foi firmado entre a Grã-Bretanha e a Turquia em maio. Estas
garantias constituíram para a política britânica iniciativas quase tão revolucionárias como a conscrição.
Mesmo desde a guerra, a Grã-Bretanha se tem recusado firmemente a aceitar acordos remotos e
indefinidos na Europa central e oriental. Sua volta a esta política serviu para mostrar até que ponto ela
estava resolvida a impedir a todo o custo a ameaça de dominação nazista sobre a Europa.
Dantzig e a Polônia
A resposta de Hitler foi característica: repudiou um outro grupo de tratados. No seu discurso de 28 de
abril, utilizou-se da garantia à Polônia como desculpa para a denúncia tanto da declaração de amizade que
a Alemanha e a Inglaterra tinham feito em Munique como do tratado naval anglo-germânico de 1936. Isto
era algo que a Inglaterra podia receber calmamente, como tinha recebido a declaração alemã, em dezembro
anterior, sobre a intenção de aumentar a força submarina alemã ap nível da britânica. Mais séria foi a
denúncia do tratado de não agressão germano-polonês de 1934. Tratava-se então de um acordo concluído
para um período de dez anos e ao qual Hitler estava habituado a referir-se com especial orgulho como
sendo uma prova de seu desejo de paz. Em maio de 1935, ele dissera: "Reconhecemos o Estado polonês
como a pátria de uma grande nação patriótica, com a compreensão e a cordial amizade de leais
nacionalistas". Em fevereiro de 1938, ele disse que a compreensão "tinha conseguido remover todo o atrito
entre a Alemanha e a Polônia e lhes possibilitado trabalhar juntas em verdadeira amizade." Em setembro
seguinte, asseverou: "Estamos todos convencidos de que esse acordo resultará numa duradoura
pacificação." Ainda em fins de janeiro de 1939, Herr von Ribbentrop disse no decurso de uma visita a
Varsóvia: "Posso assegurar aos alemães na Polônia que o acordo de 1934 pôs um ponto final à inimizade
entre os nossos povos". Agora, em abril, Hitler desfez esse acordo sob a alegação de que ele havia sido
violado pela garantia britânica e "portanto não mais está em vigor."
A campanha contra a Polônia tomou agora uma intensidade familiar. A imprensa alemã clamava contra os
horríveis maus tratos infligidos aos alemães na Polônia e a intolerável provocação que a Polônia oferecia à
Alemanha. Herr Forster, líder dos nazistas de Dantzig, ia e voltava entre aquela cidade e a de Berlim de
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uma maneira que lembrava a de Konrad Henlein. Os recursos de Hitler tornaram-se mais fortes em maio
com a conclusão de uma aliança militar com a Itália, aliança pela qual uma estava ligada à outra no caso
de conflito armado. Verificaram-se expulsões já de poloneses, já de alemães. "Turistas", lembrando de
perto membros das tropas de assalto, passaram subitamente a visitar Dantzig em grande número. Armas
eram contrabandeadas para a cidade em crescentes quantidades. Multiplicaram-se os choques internos na
Polônia; um conflito ameaçava irromper entre as autoridades de Dantzig e os guardas alfandegários
poloneses; tiroteios de fronteira acrescentaram a isto tudo um toque de mau agouro. "A Alemanha" - disse
Hitler, depois de os acontecimentos terem servido ao seu trágico propósito - "estava determinada a acabar
com essas condições macedônicas em sua própria fronteira, e, mais ainda, fazer isto não somente no
interesse da ordem, mas também no interesse da paz européia".
A Grã-Bretanha, nesse ínterim, nos esforços para completar a frente de paz, abriu negociações com a
Rússia.
As negociações com a Rússia
A 18 de março, o governo britânico perguntou o que o governo soviético faria no caso de um ataque não
provocado à Romênia. A Rússia respondeu com a sugestão de uma conferência internacional para
considerar a questão da agressão alemã. Com uma singular escolha de adjetivos, o governo britânico
considerou tal proposta como sendo prematura; mas em seguida a uma conferência com o presidente
francês em Londres, a 21 de março, a Grã-Bretanha se decidiu a sugerir que a França, a Polônia e a Rússia
formassem a seu lado e fizessem uma declaração que incluísse um compromisso de consultas no caso de
nova agressão. Com a decisão de garantir a Polônia e os outros Estados, tornou-se urgentemente desejável
um acordo mais estreito e numa base mais positiva de ação com a Rússia. Já num discurso sobre a política
exterior, a 10 de março, Stalin dissera: "Apoiamos em sua luta pela independência os povos que se
tornaram vitimas de agressão." Parecia agora haver em ambos os lados, a esperança de alcançar um
acordo.
As razões completas do esboroamento daquelas esperanças somente serão conhecidas quando se dispuser
de um relatório minucioso das negociações. Um fator, entretanto, logo se tornou claro. O governo
soviético desejava estender aos Estados Bálticos uma garantia articulada que os protegesse de agressões
tanto indiretas como abertas. Os Estados bálticos, por sua vez, recusaram ruidosamente qualquer
assistência não solicitada, particularmente da Rússia. A Grã-Bretanha procurou obter algum arranjo que
implicasse em compromissos. "Espero que seja possível agora" - disse Chamberlain a 7 de junho "sugerir-se uma fórmula aceitável aos três governos que, enquanto consideram os direitos e interesses de
outros Estados, asseguram cooperação entre esses Estados para a resistência contra a agressão". As
conversações continuavam a arrastar-se. A impaciência soviética se manifestara na substituição de
Litvinov por Molotov como ministro do Exterior. A 12 de junho, Mr. William Strang, um funcionário do
Foreign Office, seguiu para Moscou com novas propostas. A 31 de julho, com as dificuldades ainda não
resolvidas, a Grã-Bretanha e a França se decidiram a enviar uma missão militar a Moscou. Mas pelos
meados de agosto a questão ainda estava em ponto morto e a crise chegou a uma nova e final fase.
No dia 16 de agosto, enquanto a mobilização dos exércitos europeus, pela terceira vez num ano, adiantavase bastante, a Alemanha anunciou uma nova série de exigências que implicavam na anexação tanto do
Corredor Polonês como de Dantzig. No mesmo dia, o embaixador britânico em Berlim informou ter tido
uma conversação com o secretário de Estado, barão von Weizsacker. "Ele pareceu muito confiante e
expressou a crença de que a assistência russa à Polônia não só seria inteiramente negligente, mas que a
URSS no fim até se uniria à partilha dos despojos poloneses. Nem mesmo a minha insistência sobre a
inevitabilidade da intervenção britânica pareceu preocupá-lo." No dia 18, tropas alemães ocuparam a
Eslováquia e começaram a concentrar-se na fronteira meridional da Polônia. A 19, um tratado comercial
russo-germânico foi firmado. A 21, os dois países anunciaram a decisão de concluir um pacto de não-
22
agressão.
A Alemanha e a Rússia, na verdade, já tinham um pacto de não-agressão desde 1926. Mas em vista das
perseguições de Hitler ao comunismo, ele foi considerado por ambos os lados como letra morta. A
declaração do novo acordo, particularmente nesse tempo, atribuiu-lhe uma vital importância; e o
verdadeiro pacto, datado de 23 de agosto, era muito mais específico e obrigatório que o primeiro.
Mostrava claramente a vontade de Hitler de eliminar a Rússia como prelúdio de uma definitiva ação contra
a Polônia.
A vinda da guerra
Se esperava que a Grã-Bretanha e a França recuassem, Hitler errou por completo. O primeiro resultado foi
a reafirmação das garantias à Polônia e sua incorporação dessas num tratado definitivo. A França
convocou novas reservas. A Grã-Bretanha tornou clara a sua posição numa nota dirigida à Alemanha a 22
de agosto:
Tem sido alegado que se o governo de Sua Majestade tivesse tornado a sua posição mais clara em 1914,
uma grande catástrofe teria sido evitada. Haja ou não verdade nesta alegação, o governo de Sua Majestade
está resolvido a que nesta ocasião não surja tão trágico erro de interpretação. Se vier o caso, ele está
decidido e preparado para empregar, sem delongas, todas as forças sob o seu comando, e é impossível
prever-se o fim das hostilidades uma vez iniciadas.
Esta advertência foi acompanhada, contudo, da solicitação de uma trégua e de diretas negociações entre a
Polônia e a Alemanha, com uma oferta de cooperação britânica para a consecução de um acordo. O pedido
foi vasado numa mensagem pessoal de Chamberlain a Hitler e a qual foi levada de avião a Berlim por Sir
Neville Henderson. Obteve uma recepção tempestuosa, mas a resposta que recebeu foi intransigente.
Dantzig e o Corredor eram interesses a que a Alemanha não podia renunciar. As ações britânicas haviam
encorajado a agressão polonesa. A intenção britânica de mobilizar foi "um premeditado ato de ameaça ao
Reich". A sugestão de trégua foi completamente ignorada.
Outros líderes juntaram agora seus esforços para a causa da paz. O rei Leopoldo da Bélgica, agindo em
nome dos neutros ocidentais, irradiou um apelo no dia 23. No dia seguinte, pelo rádio, o Papa fez a
seguinte advertência: "Nada se perde com a paz - tudo se pode perder com a guerra." A 24, enquanto onze
milhões de homens estavam mobilizados na Europa e a marinha de guerra britânica rumara para suas
bases, o presidente Roosevelt expediu três mensagens. Concitou o rei da Itália a procurar impedir a guerra.
Instou ele junto ao presidente Moscicki da Polônia para que adotasse métodos de solução pacífica. Enviou
um apelo semelhante a Hitler. No dia seguinte, quando chegou a aceitação polonesa, tornou a apelar para
Hitler - pela quinta vez no decorrer de um ano. Nenhuma das mensagens obteve resposta. Uma carta
pessoal de Daladier a Hitler, na qualidade de velho soldado de linha de frente para outro, foi respondida de
um modo que nada prometia.
A diplomacia britânica prosseguiu em seus esforços. No dia 25 de agosto, Sir Neville Henderson levou a
Londres uma mensagem em que Hitler prometia, para quando tivesse sido satisfeito na questão das
colônias e resolvido a da Polônia, dar garantias ao Império Britânico e aceitar uma razoável limitação dos
armamentos. A Grã-Bretanha respondeu a 28, dizendo que estava disposta a discutir esses tópicos, mas
que antes era preciso resolver honrosamente a questão polonesa, e que oferta nenhuma de vantagens
especiais poderia persuadir a Grã-Bretanha de retirar as garantias dadas. Os poloneses, Hitler foi
informado, estavam prontos a discutir as coisas; entrementes, a Grã-Bretanha fá-los-ia evitar qualquer ação
que pudesse conduzir a um choque.
Os blackouts eram agora generalizados nas grandes cidades européias. Civis e crianças estavam sendo
evacuados de Londres e Paris. A Alemanha estava esperando que a Rússia ratificasse o pacto de não-
23
agressão. No dia 29, uma nova nota alemã foi entregue ao embaixador inglês. O estado de coisas criado
pelas bárbaras ações polonesas era "insuportável para uma grande potência. Forçou agora a Alemanha,
depois de ter sido por muitos meses um passivo espectador, a, por sua vez, dar os passos necessários para a
salvaguarda dos justos interesses alemães." (O espectador passivo estava então completamente mobilizado.
Mas quando, no dia seguinte, a Polônia ordenou a mobilização parcial, as estações de radio alemães
denunciaram-na como sendo "uma grave e completamente injustificada provocação"). O governo alemão
contudo concordou em "aceitar a oferta do governo britânico de empregar seus bons ofícios no sentido de
que fosse mandado a Berlim um emissário polonês com plenos poderes." Esperavam-no para o dia
seguinte.
O governo britânico agarrou-se a esta última palha. No decorrer do dia 30, enviou cinco telegramas a
Berlim referindo-se à pressão sobre a Polônia para que evitasse todos os incidentes fronteiriços e
pleiteando mais tempo. Num telegrama e em outra nota mandados naquela mesma noite insistiu em que a
Alemanha deveria seguir o curso ordinário de conversações por intermédio do embaixador polonês e
renovou a proposta de uma trégua durante as negociações.
Quando esta nota foi apresentada, à meia-noite de 30 de agosto, Herr von Ribbentrop respondeu com a
apresentação de um longo documento, que ele leu rapidamente em alemão. Era a proposta de 16 pontos
para um acordo baseado no retorno de Dantzig à Alemanha, a retenção de Gdynia pela Polônia e um
plebiscito no Corredor com certos direitos reservados para ambos os lados, fosse qual fosse o resultado.
Mas quando Sir Neville Henderson perguntou-lhe sobre o texto dessas propostas, Ribbentrop respondeu
que agora era muito tarde, já que os poloneses não mandaram enviado algum a Berlim. A alegada oferta
não foi, assim, jamais apresentada à Polônia. A insistência do governo britânico, o embaixador polonês,
depois de repetidos esforços, conseguiu afinal avistar-se com Ribbentrop na noite seguinte, 31 de agosto.
Mas o pacto russo estava agora ratificado e o caminho da Alemanha estava desimpedido. Quando o
embaixador polonês tentou entrar em contacto com Varsóvia, verificou que a comunicação tinha sido
cortada pelo governo alemão. Na madrugada do dia seguinte começou a invasão alemã da Polônia.
"Nenhum outro meio me foi deixado" - anunciou Hitler "a não ser enfrentar a força com a força."
A Grã-Bretanha e a França viram-se assim forçadas a correr em auxílio da Polônia. Numa última e
desesperada esperança, contudo, elas esperaram dois dias mais. Mussolini, que já tinha decidido sua
neutralidade a despeito do tratado com a Alemanha, sugeriu uma conferência. A Grã-Bretanha e a França
aceitaram-na, sob a condição da Alemanha retirar suas tropas da Polônia. Ao mesmo tempo, a GrãBretanha e a França enviaram uma exigência direta à Alemanha de retirada ou guerra. Esperaram em vão
por uma resposta até o domingo, dia 3 de setembro, e depois então assentaram um definitivo limite de
tempo. O limite de tempo britânico expirava às 11 horas da manhã; o francês, às 5 da tarde. Quando estas
horas se escoaram, as nações estavam em guerra.
Setembro a Dezembro de 1939
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Os beligerantes
A invasão alemã da Polônia a 1o de setembro e a entrada da França e da Grã-Bretanha no conflito
a 3 de setembro marcaram, não tanto o começo de uma nova guerra, como a abertura da fase mais
intensa de uma guerra que já estava em desenvolvimento. Até onde já então tinha ido era uma
questão de interpretação. Uma possível opinião era a de que ela, de qualquer modo, jamais tinha
cessado, durante os anos que decorreram desde 1914. Um ponto de vista mais moderado, como o
emitido pelo capitão Liddell Hart, poderia ser o de que o rebentar da rebelião espanhola, em julho
de 1936, fôra o seu ponto de partida. Mas, para qualquer observador informado estava pelo menos
claro que a luta, armadas por um período considerável antes de se recorrer às hostilidades, fôra
conduzida de modo incruento, mas com crescente intensidade.
É que agora estava mundialmente reconhecido que a guerra moderna consistia em algo mais do que no
choque de homens armados. Era uma luta de nações a utilizar todos os recursos à sua disposição para a
derrota dos adversários e para proteger-se a si mesmas contra a destruição. Como Hobbes já escreveu, "a
natureza da guerra consiste não na luta propriamente dita, mas na conhecida aptidão para isto". Exércitos,
marinhas e forças aéreas eram as últimas reservas a serem colocadas na balança. Mas, embora estas
pudessem garantir a decisão final, não a poderiam fazer quando não apoiadas. Elas não passam da ponta de
lança que deve apoiar-se na haste representada pelo total esforço nacional. Da extensão dos recursos
nacionais em capacidade industrial e permanente poder econômico, mesmo mais que o efetivo das forças
armadas, depende a resistência daquela haste e o grau do poder ofensivo que a impulsiona. Um sumário do
potencial de guerra dos beligerantes ao começar o conflito representa uma estimativa de seus recursos
econômicos e a sua posição estratégica, não menos que a sua força em campo.
Para começar, os três beligerantes mais importantes eram, em grau variado, nações industriais. Numa
guerra em que as forças em luta dependiam de armamento mecânico e da vasta quantidade de munições e
suprimentos que essas armas exigiam, este era o requisito essencial. Entre esses beligerantes, a Alemanha
indubitavelmente levava vantagem. Sua capacidade industrial, a segunda depois da dos Estados Unidos,
era em bruto igual às da Grã-Bretanha e França combinadas. Além disto, enquanto os esforços das
indústrias britânica e francesa eram dirigidos principalmente para a satisfação das necessidades comuns da
coletividade em tempo de paz, a indústria alemã já estava organizada para finalidades de guerra. O Plano
de Quatro Anos de 1936, que colocou o total da economia germânica sob a direção do general Goering,
visava tornar a Alemanha imune da derrota fosse pelas armas ou pelo bloqueio. Canhões ao invés de
manteiga, era o seu lema. "Vivemos numa fortaleza", disse Goering; e nessa fortaleza as energias dos
oitenta milhões de habitantes eram concentradas antes de mais nada nos propósitos da defesa.
Os aliados ao contrário, tinham dado poucos passos a fim de controlar sua economia para finalidades de
guerra. Os governos da França e Grã-Bretanha, é verdade, se tinham outorgado altos poderes de
regulamentação da indústria, importação e câmbio estrangeiro. Mas, afora os passos em favor da
nacionalização da indústria de armas que tinham sido dados pelo governo Blum, a França pouco fez para
aplicar esses controles. Mesmo os planos das indústrias bélicas específicas que a Inglaterra tinha projetado
em conexão com o rearmamento foram aplicados apenas moderadamente, e não foi senão em junho de
1939 que receberam coordenação central através do estabelecimento de um Ministério de Suprimentos. A
economia desses dois países funcionava numa base essencialmente civil, quando a guerra rebentou.
Porém, apesar da Alemanha parecer possuir sob este aspecto uma vantagem inicial, esta devia ser
considerada de várias maneiras. Em primeiro lugar, o próprio fato dos gêneros de consumo terem sido
reduzidos de maneira tão drástica em benefício do rearmamento deixava pequena margem para maior
intensificação dos esforços produtivos em favor das finalidades bélicas. Algo poderia ter sido feito,
naturalmente, pelo racionamento, que reduziria ainda mais o consumo ordinário e deixaria disponíveis
para as indústrias de guerra, tanto os trabalhadores como os materiais. O general von Fritsch tinha uma vez
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observado: "Embora se possa terminar uma guerra com cartões de racionamento, jamais se deve começá-la
assim." Mas, o general von Fritsch tinha perdido o prestígio desde a sua demissão do posto de
comandante-em-chefe em fevereiro de 1938, como resultado de sua oposição à invasão da Áustria. E não
muito depois que a guerra começou foi revelado que ele encontrara a morte na Polônia durante a
realização de uma perigosa operação de reconhecimento. Qual a natureza dessa operação, ou por que um
general de tão alta projeção tinha sido encarregado de efetuá-la, eram perguntas em torno das quais o
mundo especulava à vontade.
Assim, a guerra, no tocante à Alemanha, iniciou-se com cartões de racionamento. Uma série de decretos
estabeleceu ferozes restrições em artigos como gêneros alimentícios, vestuário, sabão e automóveis.
"Quanto à carne" - declara o rotundo Goering a uma assistência alemã no dia 9 de setembro - "pode-se
dizer que nós a consumimos demais de qualquer maneira. Com menos carne ficaremos mais magros e
necessitaremos de menos fazenda para o nosso vestuário." Mas com um standard de vida já próximo ao
mínimo, e falta de trabalho mesmo antes da irrupção da guerra a Alemanha já parecia estar no cume dos
seus esforços econômicos.
A França e a Grã-Bretanha, por outro lado, tinham ainda uma margem muito considerável e a qual ainda
poderia ser incrementada por meio de cooperação eficiente. Já então elas tinham assentado coordenar seus
esforços militares em caso de guerra. Quando esta rebentou, elas trataram de estender essa coordenação à
esfera econômica. Um acordo comercial a 17 de novembro foi seguido de um tratado financeiro a 12 de
dezembro. Juntos, constituíam eles um arranjo de um alcance sem precedentes. Significaram praticamente
uma fusão de seus recursos em materiais bélicos, alimentos e tonelagem de navegação, bem como créditos
no exterior. Uma política comum de compras no estrangeiro foi estabelecida não apenas para evitar
competições na aquisição, mas também para regulamentar a importação de acordo com a produção e para
elaborar um plano simples de distribuição, entre os dois países, das mercadorias necessárias a ambos. Os
ativos no câmbio estrangeiro seriam utilizados em comum; o câmbio foi fixado em 176,5 francos para a
libra; foram estabelecidas consultas e ações comuns sobre preços e créditos; a assistência financeira a
outros países seria dividida numa base de 40 /o da parte da França e 60 da parte da Grã-Bretanha. "Por
estes meios" - disse o comunicado aliado sobre o acordo de novembro - "arranjos foram feitos para a
entrada em ação, dois meses depois do começo das hostilidades, da organização da comum atividade de
ambos os países, a qual, no último conflito, só foi obtida no fim do terceiro ano." O acordo de dezembro
realizou essa finalidade com muito maior perfeição que a existente durante a Grande Guerra.
Em segundo lugar, a indústria, seja na paz ou na guerra, depende das matérias-primas; e neste ponto a
Alemanha estava em franca desvantagem. O seu próprio suprimento de gêneros alimentícios foi estimado
como sendo apenas 83% adequado, com deficiências em frutas, legumes e especialmente em gordura. Em
matérias-primas industriais, a Alemanha normalmente importava um terço de suas necessidades, a despeito
de seus esforços para fomentar a produção interna e para obter sucedâneos. Em suprimentos especiais, ela
tinha um superavit apenas em carvão, potássio e magnésio. Sofria de deficiências particularmente em
matérias vitais como algodão, borracha, petróleo e ferro em bruto. Era verdade que os territórios
propriamente ditos da Grã-Bretanha e França também careciam de muitos desses suprimentos. Mas, alguns
podiam ser obtidos nos seus impérios, e os dois países tinham ainda acesso a outras fontes estrangeiras.
Para a Alemanha tal acesso constituía um problema de solução muito mais difícil, já que seus inimigos
retinham o domínio do mar.
Pelo lado militar, a Alemanha teve outra vantagem inicial que parecia, entretanto, de difícil extensão no
futuro. Em relação ao exército, de fato, qualquer disparidade existente se mostrava favorável aos aliados.
O exército efetivo de 850.000 homens da Alemanha via-se diante de uma força francesa de 708.000 e
britânica de 250.000. Cada lado poderia colocar entre dois e três milhões de homens sob mobilização total.
Em teoria, a Alemanha, com uma população acima de 80 milhões, deveria ser capaz de manter um
equilíbrio numérico. Mas, na realidade, as exigências da produção interna esperava-se fossem mais sérias
na Alemanha que na França ou Grã-Bretanha. Uma tentativa de cálculo pôs o total do potencial humano
alemão em três e meio milhões contra cinco milhões da Grã-Bretanha e França. E no caso dessas reservas,
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a ausência de um treinamento militar geral na Alemanha depois de 1919, conquanto modificada pela
existência de organizações semimilitares, parecia afetar a qualidade dos seus recrutas, comparadas com os
da França. Outro defeito atribuído à Alemanha era o pequeno número de oficiais competentes nos postos
de responsabilidade, de capitão a coronel. O Estado-Maior alemão pode ter retido todo o seu antigo brilho,
mas os oficiais superiores pareciam constituir um ponto decididamente fraco na sua máquina militar.
Onde a Alemanha tinha a maior preponderância era no ar. Embora, faltassem estatísticas precisas, tinha ela
provavelmente 10.000 a 12.000 aviões, dos quais talvez 6.000 eram de primeira linha. A força combinada
anglo-francesa era certamente menor que esta, talvez de uns 20%. Essa inferioridade quantitativa,
entretanto, pode, em certos pontos, ter sido modificada pela superioridade qualitativa. Havia motivos para
crer-se que os aviões britânicos eram mais bem construídos e que os velozes caças alemães careciam de
flexibilidade de manobras alcançada por seus rivais britânicos. E aqui novamente a rápida expansão da
Alemanha envolveu um problema de pilotos treinados e, particularmente, de comandantes de esquadrilha.
Sob esse aspecto, e no tocante ao seu pessoal, a força aérea britânica era provavelmente, para o seu
tamanho, a mais poderosa da Europa.
No ar, as perdas e deterioração combinadas, calculava-se, deveriam atingir em tempo de guerra 90%
mensais. Em capacidade de substituição, como efetivo inicial, a Alemanha partiu com vantagem,
vantagem que se esperava fosse temporária, apenas. Contra a sua produção de 1.000 a 1.200 por mês havia
a produção britânica de 700 a 800 e francesa de possivelmente 200 aparelhos. Em perto de um ano,
cálculos aceitáveis punham a produção aliada apenas ligeiramente atrás da alemã, estimada em 1.500
aparelhos por mês, e creditou-lhes cerca de 8.400 aparelhos contra possíveis 9.300 da Alemanha. Além
disso, a Grã-Bretanha estava desenvolvendo no Canadá uma indústria aeronáutica e campos de treino para
pilotos cuja contribuição seria certamente de primeira importância. Mesmo os cálculos mais moderados
acreditavam que qualquer resto de superioridade alemã dificilmente perduraria até depois da primavera.
A situação estratégica
Quando se consideraram as exigências que a guerra haveria de impor a esses diferentes recursos, tomou-se
logo evidente uma diferença entre os dois adversários. Se bem que a Alemanha não tivesse possessões
imperiais, ela também estava livre de obrigações imperiais. Não tinha necessidade de dispersar forças para
proteção de colônias ou para defesa de rotas comerciais. Como em 1914, podia concentrar seus esforços; e
uma vez mais, sua posição geográfica lhe permitia operar em linhas interiores. Um estudo da situação
estratégica, na verdade, dificilmente era possível sem compará-la com a de 1914.
O primeiro e mais evidente dos fatos era o de que em 1939, em contraste com a situação de 1914, a
Alemanha estava sozinha. A aliança com a Itália, entusiasticamente exaltada pelos dois sócios como um
"pacto de aço", tinha menos de quatro meses de idade quando a guerra estourou. Imediatamente, a despeito
dos protestos de sua continuada lealdade à aliança, a Itália assumiu uma atitude de determinada
neutralidade - atitude simbolizada pela reforma ministerial de 31 de outubro que eliminou do governo os
principais partidários da Alemanha. O discurso do conde Ciano na Câmara das Corporações, a 16 de
dezembro, revelou que a Itália tinha estipulado uma paz de três anos a fim de poder completar seus
preparativos militares, que a Alemanha entrou em guerra com a Polônia a despeito dos esforços italianos
para evitar as hostilidades e que o acordo germano-soviético era tudo menos bem-vindo. O tom oficial dos
pronunciamentos italianos era ainda favorável à Alemanha, mas isto parecia motivado menos pela afeição
ao Reich do que por uma insistente irritação em relação à Grã-Bretanha e França. Parecia cada vez mais
provável que a Itália ainda uma vez aceitaria as condições mais atraentes que qualquer dos lados lhe
oferecesse.
Esta atitude de parte da Itália, e ainda mais o pacto germano-soviético, tiveram importante influência sobre
o outro membro do grupo anti-comintern. A vitória do general Franco na Espanha tinha sido proclamada
por ele mesmo e pelos que o apoiavam como um triunfo sobre o Bolchevismo. Qualquer projeto que a
Alemanha alimentasse em relação ao auxílio espanhol como sinal de gratidão pela sua assistência a Franco
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viu-se gravemente diminuído em conseqüência do tratado com a Rússia. Em qualquer caso seria discutível
que a Espanha se movimentasse sem que primeiro a Itália assim procedesse. Assim, a neutralidade
espanhola estava assegurada para o momento. Essa situação momentânea livrou os aliados da ameaça vital
que de outra forma teria recaído sobre a sua posição no Mediterrâneo - resultado atribuível pelo menos
tanto à boa sorte como à boa política.
Na outra ponta do Mediterrâneo, a situação era definitivamente mais favorável aos aliados do que tinha
sido em 1914. A Turquia então se colocara ao lado da Alemanha. Agora ela não somente se mantinha
neutra, mas também decidida a resistir a qualquer agressão alemã na região balcânica. Um tratado
definitivo de assistência mútua no Mediterrâneo oriental, incluindo garantias específicas à Grécia e à
Romênia, foi firmado entre a Turquia e os Aliados, em 19 de outubro. Seguiu-se-lhe um acordo comercial
entre a Turquia e a Grã-Bretanha completado por conversações militares entre os três Estados. Foi assim
assegurada aos Aliados uma coordenação dos esforços defensivos nos Bálcãs e no Oriente Próximo.
O outro aliado da Alemanha em 1914 foi a Áustria-Hungria. O império dos Habsburgos tinha sido
liquidado em Versalhes; mas o seu resultado final fôra a absorção pela Alemanha nazista desses antigos
territórios habsburguenses, a Áustria e a Tchecoslováquia. Podia considerar-se que esta absorção
compensava em parte o desaparecimento do antigo aliado alemão, especialmente do ponto de vista
estratégico. A dominação da Boêmia, aquela "fortaleza construída por Deus no coração da Europa", ficou
assim uma vez mais assegurada. Havia vantagens econômicas também na aquisição tanto do parque
industrial como das recursos naturais, se bem que essas vantagens não estivessem de maneira alguma
isoladas uma da outra. Do ponto de vista puramente militar, por outro lado, o aumento do potencial
humano estava longe do equivalente do antigo exército austríaco. Pelo contrário, a presença de uma
população hostil e cheia de ressentimentos na Áustria e na Tchecoslováquia poderia tornar-se um
problema sério que dificultaria os esforços de guerra do Reich.
Mas, se era verdade que a Alemanha se encontrava sozinha, não era menos verdadeiro que enfrentava um
número menor de inimigos. No oeste, naturalmente, o efetivo comparado desses inimigos tinha toda a
aparência de ser maior que em 1914. A preponderância naval britânica era ainda mais esmagadora. O
exército francês era considerado quase unanimemente - e só os alemães discordavam disso - como o
melhor do mundo. As defesas terrestres da França, um monumento das convicções e da resolução de
André Maginot, eram consideradas fortes a ponto de tornar um suicídio qualquer assalto direto; e embora
isto tornasse mais tentador um ataque de flanco através da Bélgica ou da Suíça, considerava-se que o alto
comando francês estaria preparado para fazer frente a tal manobra. A contrabalançar tudo isto, entretanto,
havia o fato de que se a Alemanha não podia invadir a França, esta enfrentava igual dificuldade para
invadir a Alemanha. E no leste, onde a Rússia czarista tinha se lançado à invasão em 1914, havia agora a
União Soviética no pleno vigor de recente amizade para com o Terceiro Reich.
Isto eliminou o perigo, considerado pelo Estado-Maior, de uma guerra em duas frentes. Não eliminara de
todo a segunda frente. Mas pelo menos a Polônia parecia oferecer um problema menos formidável; e a
Alemanha, com o lançar de todo o seu peso contra o inimigo mais fraco, poderia esperar eliminá-la do
quadro antes que os antagonistas mais fortes pudessem trazer todo o seu poderio para o oeste.
A campanha da Polônia
A Polônia, como nação, havia muito se acostumara a viver perigosamente. Sua situação no Báltico tornoulhe o território uma estrada natural de exércitos em marcha para leste ou oeste; sua carência em defesas
naturais fê-la presa de vizinhos poderosos e vorazes. Entre 1772 e 1796, a Áustria, a Rússia e a Prússia
tinham decidido extinguir o Estado polonês. Sua opressão continuou no decorrer de todo o século
dezenove. Mas, embora os poloneses tenham sido vencidos e divididos, jamais foram subjugados. O
espírito do nacionalismo polonês sobreviveu a todos os esforços de dominação, e o sonho do Estado
polonês revivido permaneceu sendo a finalidade de todos os patriotas poloneses. Com o irromper da guerra
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de 1914, sua oportunidade chegou. Um chefe militar emergiu na pessoa de Pilsudski; um Comitê Nacional
Polonês foi formado na França e obteve o apoio dos aliados para a independência polonesa; e em 1919 um
Estado livre polonês mais uma vez foi tornado existente.
Desde então, até a sua morte, em 1935, Pilsudski foi a figura dominante na Polônia. Depois que morreu, az
tarefa da chefia ficou a cargo de dois homens - o coronel Beck, ministro dos negócios exteriores, e o
marechal Smigly-Rydz, comandante-chefe do exército. Sua tarefa era manter a independência da nação
num momento em que ela se tornava gradualmente mais ameaçada. Um ataque pela Alemanha ou pela
Rússia; uma guerra entre a Alemanha e a Rússia; um acordo entre a Alemanha e a Rússia, a expensas da
Polônia - tudo isto era possível, e tudo isto ameaçava a existência da Polônia. Os líderes poloneses
procuraram preparar-se para tais eventualidades com a organização de um exército eficiente, a manutenção
de uma atitude correta, e onde possível amigável, em relação tanto à Rússia como à Alemanha e a procura
de apoio alemão e francês. Embora desejassem a paz, não pretendiam comprá-la à custa de sacrifícios que
pudessem ameaçar a independência polonesa. Quando Hitler apresentou exigências que envolviam tal
ameaça, os poloneses estavam plenamente resolvidos a lutar antes que render-se.
A Polônia sobre a qual se despencou a avalancha alemã era um país de trinta e cinco milhões de
habitantes, dois terços dos quais viviam da agricultura. Era tudo, menos um país opulento. O padrão de
vida do campônio polonês era bem mais baixo que o do alemão. Era um país de poucos recursos
industriais, e com pouco capital disponível para financiar o desenvolvimento da indústria. A aquisição da
Alta Silésia significou-lhe a posse de uma área industrial com importantes depósitos carboníferos. Havia
alguns depósitos de óleo ao sul, nas proximidades dos Cárpatos. Todos os esforços foram feitos pelo
governo para a organização de uma indústria pesada na região sul-central, uma indústria cuja natureza e
localização eram influenciadas por considerações de ordem militar. Mas, embora esses esforços tivessem
determinado certos progressos, a organização econômica da Polônia era ainda tudo menos adequada a
propósitos bélicos.
Sob o ponto de vista da defesa, a geografia era de pouca vantagem para os poloneses. Os Cárpatos
formavam-lhe uma fronteira natural ao sul; mas a absorção pela Alemanha da Boêmia e Morávia e a
ocupação da Eslováquia, que ocorreu a 18 de agosto, fez desses limites naturais um prolongamento de
flanco de uma fronteira já por si muito longa para ser eficientemente defendida. No oeste, havia algumas
fortificações a cobrir a Silésia, e certo número de importantes cidades tinham sido também fortificadas.
Mas nada havia que lembrasse a linha Maginot para deter o invasor. O choque principal tinha de ser
aparado diretamente pelo exército polonês.
O exército polonês era bem treinado e bom em qualidade. Com trinta e duas divisões de primeira linha e
trinta divisões de reserva, ele somava perto de um milhão de homens; e mobilizações subseqüentes
aumentaram esse total para milhão e meio. Mas ele era ainda inferior às forças alemães, não somente em
número, como em equipamento. Havia deficiência de artilharia pesada, canhões anti-tanques e canhões
anti-aéreos. Embora teoricamente possuísse uma divisão blindada, esta tinha sido relegada, ou obrigada a
ser relegada, em favor de uma força móvel de cavalaria. E, sobretudo, a sua força aérea, embora composta
de 1.200 aviões, iria mostrar-se de uma fatal fraqueza no conjunto da organização defensiva da Polônia.
De acordo com a estratégia alemã, deveria ser desfechado um golpe esmagador que obtivesse a rápida e
completa eliminação da Polônia como beligerante. Contava ela obter isto durante o período que a França e
a Inglaterra necessitariam fazer com que suas forças tomassem posição, e antes que uma ofensiva maior
pudesse ser desfechada por essas potências no ocidente. Para tal propósito, das 90 divisões de infantaria
mais 8 divisões blindadas, três quartas partes, isto é, mais de um milhão de homens, eram concentradas
contra a Polônia, ficando a cargo da defesa no ocidente 20 divisões de reserva de tropas veteranas.
Os planos alemães foram baseados num ataque envolvente por dois exércitos principais em direção a
Varsóvia. Cada uma dessas forças principais ia, por sua vez, realizar uma série de ataques que resultariam
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no amplo movimento final. Ao norte, o Corredor deveria ser cortado por ataques procedentes da
Pomerânia e da Prússia Oriental, enquanto uma segunda força na Prússia Oriental devia provocar uma
diversão avançando diretamente rumo a Varsóvia. Ao sul, duas forças deviam envolver a Silésia e depois
dirigir-se para nordeste a fim de fazer junção com uma terceira força atacando na direção de Lodz.
Exércitos do norte e sul iriam então convergir num movimento final para esfacelar o que restasse da defesa
polonesa.
Para fazer frente a esse ataque, os poloneses planejaram uma resistência retardadora em certo número de
pontos próximos à fronteira. Atrás dessas forças avançadas, três grupamentos principais tomariam posição
para proteger Varsóvia e o triângulo industrial mais ao sul. Numa série de ações retardadoras, essas forças
recuariam afinal até a linha fluvial interior do Narew-Bug-Vístula-San, onde seria travada a batalha
decisiva.
Três fatores foram primariamente responsáveis pela desorganização desse plano defensivo. Primeiro, a
mobilização polonesa ainda estava incompleta quando o golpe foi desfechado. A mobilização alemã já
começara a 9 de agosto, e estava bem encaminhada pelo dia 20 do mesmo mês. Mas, desejosos de evitar
provocação - desejo encorajado pela Grã-Bretanha e França - os poloneses retardaram a mobilização geral
até 31 de agosto, o dia em que precedeu o ataque germânico. Embora a semana precedente tivessem
tomado as medidas preliminares, isto significava que os poloneses careciam de tempo para desenvolver
por completo os seus planos. Segundo, a eficácia do ataque aéreo alemão foi devastadora e total. O
bombardeio das estradas de ferro da Polônia desorganizou completamente os transportes e comunicações e
tornou difícil a coordenação. Os ataques às bases aéreas polonesas, auxiliados por um serviço de
espionagem de grande eficiência, destruíram a quase totalidade da força aérea polonesa mesmo antes dela
deixar o solo. Dentro de dois dias, os alemães tinham o domínio completo do ar, e o exército polonês foi
deixado às cegas. Terceiro, a velocidade e a audácia do avanço mecanizado alemão ultrapassaram todas as
previsões. Os poloneses contavam com más estradas e com a lama polonesa para neutralizarem os tanques
e transportes. Mas, os rios estavam pouco profundos e as chuvas tinham cessado, e assim esses obstáculos
naturais deixaram de desempenhar todo o papel que lhes fôra atribuído. O avanço arrojado das colunas
mecanizadas alemães levava-as, de quando em quando, a perder por completo o contacto com o grosso da
tropa, e em muitos lugares mostrou-se extremamente dispendioso, mas a sua contribuição para a
desorganização das forças polonesas valeu plenamente esse preço.
Os dois primeiros dias da campanha demonstraram a natureza arrasadora do ataque alemão. Lançando-se
sobre as forças polonesas ainda não preparadas e antes que elas se pudessem estabelecer em posições
defensivas adequadas, os alemães levaram por diante a primeira linha dos defensores em direção à
Varsóvia e à linha do Vístula. Ao norte, os movimentos combinados partidos de Posen e da Prússia
Oriental ameaçavam flanquear as forças polonesas e obrigaram-nas a retirar para o sul. Isto permitiu que
as forças alemães fizessem junção a 5 de setembro e cortassem o Corredor, embora a resistência ainda
continuasse em torno de Gdynia e da península de Hela. Ao sul, os alemães avançaram rapidamente sobre
o distrito industrial da Silésia, e com a captura de Cracóvia a 6 de setembro a região inteira estava em suas
mãos. Em ambas as frentes, forças alemães mecanizadas progrediram com o fim de romper as
comunicações e cortar a retirada polonesa. Esses dois movimentos de pinça, ao norte e ao sul, abriram o
caminho ao avanço principal pelo centro, o qual a 7 de setembro chegou até a importante cidade de Lodz.
A primeira fase da campanha foi assim completada em uma semana. A resistência inicial dos poloneses
tinha sido esmagada e áreas contendo recursos importantes transpostas pelos invasores. Os alemães não
tinham sido bem sucedidos entretanto no plano de destruir ou mesmo separar os principais exércitos
poloneses. A sua resistência estava mostrando sinais de revigoramento, e os poloneses recuaram para
linhas defensivas mais curtas a fim de fazer frente ao ataque alemão concentrado, que agora convergia
sobre eles. A segunda fase mostrou o aumento dos ataques de flanco, os quais fizeram com que os
poloneses recuassem incessantemente, precipitando a convergência das unidades alemães sobre a região de
Varsóvia. Uma penetração de elementos mecanizados alcançou os subúrbios da capital a 8 de setembro,
embora não tenha sido senão no dia 15 que o exército alemão chegou diante da cidade. Entrementes,
30
incursões partidas do norte desenvolveram-se para leste até Brest Litovsk, e, ao sul um forte destacamento
mecanizado foi lançado em direção a Lemberg com o objetivo de cortar a linha de comunicação com a
Romênia. No dia 16, a região de Varsóvia fôra praticamente cercada e o avanço meridional chegara
bastante além do Vístula. Mas, conquanto as comunicações polonesas tenham sido rompidas e o comando
militar estivesse mostrando sinais de desorganização, a crescente severidade da resistência deu esperança
de que uma defesa eficaz ainda pudesse ser organizada na Polônia oriental.
Esta era a situação quando, a 17 de setembro, a União Soviética efetuou uma invasão do leste. O governo
russo anunciou que, segundo o seu ponto de vista, o Estado Polonês tinha cessado de existir, e que os
tratados com ele concluídos, tais como o pacto de não-agressão de 1932, tinham perdido o valor. Em
conseqüência, a União Soviética achou necessário, intervir para proteger seus irmãos de sangue na
Polônia. Ao mesmo tempo, Berlim declarou que a intervenção havia tido lugar com o pleno conhecimento
e aprovação do governo alemão.
Para o destino da Polônia, este foi o golpe decisivo. Embora os russos tenham encontrado pequena
resistência, essa nova invasão completou a desorganização das defesas polonesas e impediu a possibilidade
de criar uma verdadeira frente a leste. É verdade que na área de Varsóvia continuaram a ser travados duros
combates por cerca de três semanas. Conquanto os alemães tenham exigido a sua rendição no dia 17, a
própria Varsóvia manteve heróica resistência sob constante bombardeio e privações crescentes até o dia
27. A fortaleza de Modlin resistiu até o dia 29; na península de Hela a resistência continuou até o dia 2 de
outubro; e uma força de 16.000 poloneses ao norte de Lublin manteve a luta até o dia 5 de outubro. Estas
porém não passaram de lutas isoladas, e os esforços da Polônia como Estado ruíram com a invasão russa.
Mesmo antes de terminada a luta, os despojos tinham sido repartidos pelos conquistadores. Após uma
temporária "divisão militar" que trouxe a Rússia até o Vístula, o acordo de 29 de setembro fixou uma
fronteira mais para o leste e seguindo linhas gerais etnográficas. Assim, a Rússia se contentou com menos
de metade da Polônia, deixando para a Alemanha a porção mais rica, mas adquirindo uma população de
cerca de 12 milhões, racial e economicamente aparentados aos camponeses russos. Da parte restante a
Alemanha anexou as seções ocidentais ao Reich e criou ao centro uma província teoricamente autônoma
de 112.000 km² e de uma população acima de 13.000.000, como uma espécie de território em que
poloneses e judeus ficassem segregados dos outros habitantes do Reich.
Esperava-se que quando Hitler acabasse com a Polônia faria um apelo de paz aos aliados, sob o
fundamento de que o objetivo original da guerra estaria desaparecido. Tal apelo foi sugerido no discurso
de Hitler em Dantzig: a 19 de setembro; e a 6 de outubro, dirigindo-se ao Reichstag, ele sugeriu um ajuste
fundado nas conquistas alemães já existentes e das necessidades ainda insatisfeitas. Tão pouco contribuiu
esta iniciativa para uma base aceitável que a Itália, dois dias antes, virtualmente refutou qualquer intenção
de se associar a um esforço alemão de paz. "As propostas contidas no discurso do chanceler alemão" disse Mr. Chamberlain a 12 de outubro - "são vagas e incertas e não contêm sugestão alguma para reparar
os erros cometidos em relação à Tchecoslováquia e à Polônia... Seria ainda necessário perguntar-se por
que meios práticos o governo alemão pretende convencer o mundo de que a agressão cessará e os tratados
serão cumpridos." Sob tais condições, a paz estava ainda longe de ser alcançada; e com o fim da campanha
polonesa, os esforços militares seriam concentrados na frente ocidental.
A frente ocidental
Ao começar a guerra o problema imediato dos aliados no ocidente foi dar auxílio eficaz à Polônia. Uma
assistência direta era visivelmente impossível, a menos que eles estivessem preparados para arriscar a
perigosa empresa de forçar o Báltico. Uma assistência indireta somente se poderia tornar efetiva com o
levar uma pressão ao ocidente capaz de forçar os alemães a afrouxar a tenaz na Polônia e consagrar suas
principais energias à defesa da Renânia. Mas esta também era uma empresa cujo preço poderia ser nada
menos que ruinoso se desenvolvesse um ataque frontal às defesas permanentes da muralha ocidental ou da
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Linha Siegfried.
Estas defesas eram a resposta alemã à Linha Maginot francesa. Esta última tinha sido construída no
decorrer de um período de anos e a um custo de cerca de 500.000.000 de dólares. Consistia numa série de
fortificações subterrâneas, intercaladas de casamatas e fortins de defesa circular, cobrindo a fronteira desde
Luxemburgo até a Suíça, e estendendo-se em certos pontos numa profundidade de 40 km. Nessas
fortificações interligadas, uma guarnição poderia manter-se durante um período prolongado sem auxílio de
fora; e sob sua cobertura os exércitos franceses poderiam concentrar-se e manobrar sem recear um ataque
de surpresa. As linhas alemães eram uma série de posições independentes, construídas sob o princípio de
defesa em profundidade e dispostas de maneira a submeter a um mortal fogo cruzado quaisquer forças que
penetrassem naquela zona. Seu término foi apressado desde 1937 com nada menos de meio milhão de
homens, que nela trabalharam durante a crise de 1938. Embora diferentes na construção, ambas tinham
isto em comum: uma progressiva resistência de defesa contra forças atacantes com a finalidade de
desgastá-las a um ponto tal que pudessem ser destruídas por contra-ataques antes de terem transposto a
última das fortificações.
Foi contra esta posição que os exércitos franceses começaram a movimentar-se ao rebentar a guerra. A 5
de setembro, um comunicado francês anunciou: "Nossas tropas tomaram contacto com o inimigo em todos
os pontos de nossa fronteira entre o Rheno e o Mosela." Durante os dez dias seguintes, eles ocuparam uma
área de cerca de 100 milhas quadradas dentro da fronteira alemã. O avanço caracterizou-se por uma
deliberação cautelosa que mostrou a intenção de evitar qualquer inútil perda de vidas e de completar cada
estágio da operação antes de proceder-se ao seguinte. No dia 12, foi anunciada forte resistência alemã, e
contra-ataques alemães tiveram início no dia 15. E quando a resistência polonesa ruiu, apenas os postos
avançados tinham sido tomados e as fortificações principais ainda estavam adiante. Mas com a queda da
Polônia desapareceu a urgência imediata, e a Alemanha estava livre para mandar o grosso de seus
exércitos para a frente ocidental.
Pelos meados de outubro, uma série de ofensivas locais foi lançada contra os franceses. Nesse meio termo,
contudo, o comando francês decidira "retrair para outras posições as divisões francesas que entraram em
ofensiva em território alemão com a finalidade de indiretamente levar assistência aos exércitos poloneses".
No fim do mês elas se tinham retirado até às suas próprias fronteiras e as operações ficaram reduzidas a
incursões ocasionais e choques de patrulhas intercaladas de duelos de artilharia.
Enquanto os franceses efetuavam tais operações, as tropas britânicas avançavam em maciças correntes
através do Canal. A 11 de outubro, Mr. Hore-Belisha anunciou que durante as primeiras cinco semanas de
guerra 158.000 homens tinham sido transportados à França e deu a entender que outros movimentos
estavam em progresso. A 10 de dezembro foi anunciado que tropas britânicas estavam ocupando uma
seção da Linha Maginot, entrando em contacto com o inimigo.
O inimigo nesse meio tempo não mostrou intenção alguma de efetuar um ataque direto contra a Linha
Maginot. Ao invés, havia sinais de que a idéia de um ataque de flanco através dos Países Baixos estava
uma vez mais exercendo uma atração sobre os líderes alemães. À medida que tropas transferidas da
Polônia começaram a concentrar-se nas fronteiras belga e holandesa e a imprensa alemã verberava com
intensidade crescente a Holanda pela sua fraqueza em aceitar a violação de seus direitos pelos britânicos, o
alarme nesses países aumentava. A 1o de novembro o governo holandês, que realizara inundações
preliminares, proclamou o estado de sítio em certos distritos fronteiriços. A 6 de novembro o rei dos
belgas fez uma repentina e secreta visita à rainha Guilhermina em Haia, e no dia seguinte os dois
soberanos enviaram às potências beligerantes um apelo de paz e uma oferta de seus bons ofícios. No dia 9,
a Bélgica aumentou suas forças para 600.000 homens e a Holanda inundou outras áreas.
Havia argumentos persistentes de que a Alemanha se tinha decidido a atacar a 12 de novembro; mas se isto
era verdade, sobreveio uma mudança de intenção. Possivelmente a solidariedade dos dois governos
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neutros teve seus efeitos, mesmo que seu apelo de paz não tenha dado resultado. Respostas cautelosas da
Grã-Bretanha e França no dia 12 eram seguidas, a 14, pela rejeição alemã, sob o fundamento de que as
respostas britânica e francesa constituíam uma recusa. Mas embora a tensão se atenuasse, as tropas
alemães permaneceram na fronteira. Foi talvez a título de advertência, à vista do prosseguimento do
perigo, que a França anunciou no começo de dezembro o reforçamento e a extensão da Linha Maginot,
que cobriria as fronteiras suíça e belga com uma linha defensiva que, disse o porta-voz francês, com
otimismo cauteloso; "pode muito bem ser descrita como formidável." Em conexão com essas operações
terrestres, houve uma circunstância notável a ausência de qualquer atividade aérea intensa. Os reides
mortíferos esperados contra centros civis não se concretizaram. As próprias comunicações atrás das linhas
foram poupadas ao bombardeio. Os franceses foram capazes de fazer avançar suas tropas; aos alemães foi
permitido trazer suas forças da Polônia ao ocidente sem interferência do ar. Os dois lados pareciam pouco
desejosos de começar, ou devido ao receio às represálias ou por medo da opinião neutra. Houve ativos
vôos de reconhecimento, e a Royal Air Force efetuou extensos vôos para distribuição de propaganda em
território alemão. Mas a não ser choques ocasionais entre patrulhas, as operações militares foram pouco
apoiadas pelo ar. Foi mais em relação à guerra marítima que a aviação mostrou a maior atividade.
A guerra no mar
A preponderância naval da força aliada no mar era muito maior em 1939 do que fôra em 1914. As frotas
britânica e francesa juntas somavam perto de dois milhões de toneladas; a frota alemã alcançava apenas
235.000. Contra os quinze navios ingleses e sete franceses de grande tonelagem (não se incluindo oito
porta-aviões), a Alemanha tinha sete navios de grande tonelagem, e, destes sete, dois datavam da última
guerra e três eram couraçados de bolso. A disparidade não era tão grande como estes números possam
indicar, pois que os aliados tinham de guardar as principais rotas marítimas, inclusive o Mediterrâneo, e
não havia meio de forçar a inferior armada alemã a uma batalha decisiva. Mas, embora pudesse estar na
posição de realizar sérios danos, a Alemanha dificilmente ameaçaria o domínio aliado nos mares.
Trazer essa ameaça ao máximo de sua eficácia era a tarefa de Erich Raeder, o chefe do almirantado
alemão. Havia muitas indicações de que ele estava disposto a pôr em prática e desenvolver a tradição de
Tirpitz. Era um marinheiro experimentado que tinha lutado nos bancos de Dogger e na Jutlândia durante a
última guerra, e que alimentava as recordações da batalha em que seu navio tinha sido afundado e as da
derrota final que fez com que a frota da Alemanha Imperial fosse posta a pique pela própria tripulação em
Scapa Flow. Segundo parecia estava preparado para conduzir a guerra marítima com desenfreada
crueldade, utilizando-se de toda a arma que parecesse capaz de quebrar o poderio naval britânico ou de
derrotar o bloqueio instalado pelo inimigo. Em particular, fizera um estudo meticuloso da guerra
submarina, que acreditava ser o meio mais provável para a consecução desses fins.
Contra ele, do lado britânico, erguia-se Winston Churchill. Ao romper da guerra, o homem que tinha sido
o Primeiro Lord do Almirantado em 1914 fôra novamente chamado ao Gabinete para ocupar esse posto e
trazer o peso de sua experiência uma vez mais à tarefa de manter livres os caminhos marítimos da GrãBretanha e varrer dos oceanos os navios alemães. Era uma tarefa que já ele executara com vigor e
imaginação sob circunstâncias muito mais difíceis. Se tais qualidades pudessem novamente obter sucesso,
Mr. Churchill as tinha em abundância.
A principal arma de ataque da Alemanha contra a frota britânica era o submarino, de que o Reich possuía,
segundo cálculos, 65 quando a guerra rebentou. Embora a sua eficácia contra navios de grande tonelagem
devidamente cercados de destróieres fosse julgada limitada, não era de modo algum desprezível. Isto foi
demonstrado a 18 de setembro, quando uma combinação de circunstâncias permitiu a um submarino
alemão afundar o Courageous, antigo couraçado transformado em porta-aviões. Mais extraordinário ainda
foi o feito do submarino que a 14 de outubro penetrou em Scapa Flow e pôs a pique o navio de batalha
Royal Oak, causando uma perda de 812 vidas. O pleno significado desse feito apenas se patenteou mais
tarde, quando foi revelado que o mesmo resultou no abandono de Scapa Flow como a base principal, em
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favor de um ancoradouro menos acessível. Outra perda temporária foi sofrida nos princípios de dezembro,
quando um couraçado da classe de Queen Elizabeth, mais tarde identificado como sendo o Barham, foi
atingido por um torpedo, mas conseguiu chegar a um porto.
Mas também a Grã-Bretanha tinha submarinos, os quais, de modo algum, se encontravam inativos. Em
dezembro, dois feitos marcantes foram noticiados. O submarino Salmon, realizando um cruzeiro no mar
do Norte, registrou uma combinação única de desapontamento e triunfo. Em certa altura, o transatlântico
Bremen pareceu não lhe escapar, quando regressava cautelosamente de Murmansk a um porto pátrio. Mas
quando o Salmon se preparam para lhe mandar um tiro à proa, aviões alemães surgiram e forçaram o
submarino a emergir. Ter-lhe-ia sido assim mesmo possível torpedear o Bremen, mas em obediência às
leis de guerra o Salmon susteve o fogo e deixou o transatlântico escapar. Em compensação, pouco depois o
submarino realizou o notável feito de afundar um submarino alemão; e, no dia seguinte, achou-se diante de
uma presa ainda mais importante, quando avistou a frota alemã numa de suas raras excursões pelo mar do
Norte. A divisão consistia em um couraçado de bolso, dois cruzadores de batalha, dois cruzadores pesados
e do cruzador leve Leipzig. Tomando posição com cautela, o Salmon mandou seis torpedos e em seguida
mergulhou, procurando refúgio. O seu comandante, contudo, teve tempo ainda para ver que um dos
projéteis atingiu o Leipzig; e um instante depois duas explosões indicaram que um dos cruzadores pesados,
possivelmente o Blucher, também tinha sido atingido. E poucos dias depois um pequeno submarino inglês,
o Úrsula, realizou ousada operação na embocadura do Elba, mergulhando sob uma rede de proteção de seis
destróieres para torpedear um cruzador de 6.000 toneladas da classe do Köln e escapando incólume.
Foi, contudo, e uso de aviões contra vasos de guerra que representou um novo aspecto da guerra naval,
aspecto em torno de cuja eficiência houve muita discussão entre os técnicos. Os resultados, depois de três
meses de guerra, eram ainda inconcludentes. No primeiro reide da guerra, efetuado pela Royal Air Force
contra o canal de Kiel, acreditou-se haverem sido causados sérios danos a um couraçado de bolso e que
projéteis atingiram outro navio de guerra. Em dezembro; quando foram intensificados os reides britânicos
contra as bases da costa nazistas, em parte para contrabalançar a atuação das esquadrilhas alemães de
incursão e de lançamento de minas, a caça aérea à frota germânica foi levada a efeito vigorosamente. A 3
de dezembro foi anunciado que uma forte formação de bombardeiros britânicos tinham atacado uma
divisão naval alemã nas vizinhanças de Heligoland, fazendo sobre o navio impactos diretos com bombas
pesadas. Mas as defesas alemães foram enrijecidas, e o reide seguinte, a 18 de dezembro, resultou no mais
vigoroso encontro aéreo até então travado. Os alemães, de fato, clamaram que 52 aviões britânicos tinham
tomado parte no reide e que, destes, 36 foram abatidos - um número de baixa maior que o verdadeiro
efetivo da esquadrilha britânica. A Grã-Bretanha reconheceu a perda de 7 aparelhos ingleses contra 12
alemães, e apresentou isto como um resultado satisfatório da atuação de aviões de bombardeio diante dos
novos caças Messerschmitt, que em número considerável, haviam tomado parte na ação.
Os alemães, por sua vez, tentaram vários reides que, apesar de suas afirmações, não foram coroados de
êxito. A 27 de setembro e 9 de outubro a frota repeliu ataques sem sofrer perdas, e a persistente afirmativa
alemã sobre o afundamento de Ark Royal desfez-se gradualmente em face da evidência cada vez mais
nítida de que o porta-aviões continuava intacto. Um ataque a 16 de outubro contra navios ancorados no
Firth of Forth teve resultados algo melhores. Nenhuma avaria foi causada nos navios propriamente ditos,
conquanto o cruzador Southampton tenha recebido um impacto de refilão; e as baixas, como as ocorridas
no cruzador Edinburgh e no destróier Mohawk, foram resultantes de estilhaços de bombas. No dia
seguinte, num ataque a Scapa Flow, foi atingido por impactos o velho Iron Duke, que estava em uso como
navio-base, mas deles não resultaram baixa. Tendo todos esses reides resultado em baixas para os
atacantes, suas pequenas vantagens devem ter parecido desencorajadoras. Pelo mês de dezembro, os
aviadores alemães, depois de darem buscas pela principal frota britânica nas Shetlands, voltaram a sua
atenção para navios de pesca e embarcações leves de preferência às presas menos vulneráveis e mais
perigosas.
Mas o aspecto mais ativo da guerra no mar foi a campanha submarina contra a navegação mercante. O
afundamento do navio de passageiros Athenia no primeiro dia da guerra, foi uma clara indicação de que
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uma guerra submarina irrestrita seria recomeçada no ponto em que tinha terminado em 1918. Com
centenas de navios britânicos a seguir sua tarefa individual ao rebentar a guerra, a proteção tornou-se
difícil a princípio e as perdas eram naturalmente sérias. Mas os ingleses haveriam de aplicar rapidamente
as lições aprendidas na guerra anterior. A organização de um sistema de comboios, a resposta mais eficaz
aos submarinos, foi rapidamente posta em prática e mostrou resultados imediatos. De conformidade com
as declarações de Mr. Churchill a 6 de dezembro, as perdas em navios mercantes britânicos no mês de
outubro eram a metade do que foram em setembro, e em novembro se limitaram a dois terços do que
tinham sido em outubro. Embora a Grã-Bretanha tivesse dois mil navios sempre no mar, e entre cem e
cento cinqüenta a entrar e sair diariamente dos portos britânicos, 110.000 toneladas para cada mil
toneladas afundadas, as perdas totais eram de 340.000 toneladas. (Ao fim desse ano, as perdas tinham
atingido a 460.000 toneladas). Mas a Grã-Bretanha começara a guerra com 21.000.000 de toneladas, e
entre capturas de navios inimigos, transferências de pavilhões neutros e novas construções, ela recuperou
cinco sextos de suas perdas.
Em face dessas defesas, a Alemanha recorreu a dois expedientes: - ataques dos submarinos contra navios
neutros e lançamento indiscriminado de minas. As perdas neutras causadas pelos submarinos aumentavam
gradualmente à medida que a guerra progredia; e as perdas neutras causadas pelas minas eram o dobro das
da Grã-Bretanha. Essas minas espalhadas ao longo da costa britânica estavam em muitos casos equipadas
com dispositivos magnéticos capazes de fazê-las explodir sem contacto direto. Parece que algumas dessas
minas foram lançadas por aviões. Para combater tais ataques a Grã-Bretanha acrescentou uma extensa
varre-minas à caça ininterrupta e implacável aos submarinos. Mr. Churchill calculou que de dois a quatro
submarinos tinham sido destruídos cada semana. Isto, disse ele, "era uma soma superior à que
esperávamos da potência alemã em substituir os seus submarinos e respectivos capitães e tripulações
treinadas... Ao receber informações de que a Alemanha, durante o ano de 1940, terá um total de 400
submarinos em serviço e de que eles estão fabricando esses barcos pelo sistema de produção em série, fico
a pensar se eles estão preparando capitães e tripulações para os submarinos com um método similar." Sua
declaração de que 144 prisioneiros arrebanhados em submarinos estavam na Inglaterra, pode ser
comparada com a situação do fim de 1916, quando 180 prisioneiros representaram uma perda de 46
submarinos alemães. Nessa base, a Alemanha, ao fim da primeira semana de dezembro de 1939, deve ter
perdido 36 submarinos ou mais da metade de sua frota de pré-guerra. Além disso, a Grã~ Bretanha, pelos
fins de dezembro, anunciou a intenção de colocar uma barragem de minas protetoras de 800 km. de
comprimento e 50 a 70 km. de largura ao longo de sua costa oriental.
Mas além dos submarinos, das minas e dos bombardeiros, havia uma ameaça cuja eliminação era tarefa da
marinha. Esta consistia nos navios mercantes armados em guerra. Lembranças dos estragos causados pelo
Emden durante a última guerra tornaram a Grã-Bretanha particularmente vigilante em relação a esse
perigo. Ele poderia provir de navios mercantes alemães armados, tais como o Windhuk, que escapuliu do
porto de Lobite na África Ocidental Portuguesa a 17 de novembro. Ou poderia vir de navios de guerra
alemães capazes de livrar-se das patrulhas britânicas, e particularmente dos três couraçados de bolso cuja
combinação de velocidade e capacidade ofensiva tornavam-nos particularmente adequados a reides contra
a navegação comercial.
Tornou-se cedo evidente que pelo menos dois navios estavam ao largo empenhados exatamente nessa
atividade. A 2 de outubro um cargueiro britânico, o Clement, foi afundado por um corsário ao largo da
costa brasileira. A 9 de outubro, o Deutschland, que já tinha afundado o cargueiro britânico Stonegate,
revelou sua presença no Atlântico norte pela captura do cargueiro americano City of Flint - começando
assim um episódio misto de drama e comédia que findou quando o navio, tentando alcançar a Alemanha,
procedente de Murmansk via costa norueguesa, foi levado ilegalmente ao porto de Haugesund pela
tripulação alemã de presa, e conseqüentemente apreendido pelas autoridades norueguesas e entregue aos
seus proprietários americanos. Seis semanas depois, ao largo da costa meridional da Islândia, o
Deutschland, em companhia de um vaso de guerra alemão de tipo mais leve, topou com o navio mercante
armado Rawalpindi, que foi posto a pique depois de uma luta heróica, mas sem esperança contra forças
superiores. Com a aproximação de um cruzador britânico, o Deutschtand desapareceu nos nevoeiros
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setentrionais; e se ele efetuou outras depredações quaisquer, estas não foram reveladas ao mundo.
Estava claro então que também um segundo corsário estava em atividade. O afundamento do Clement a 2
de outubro abriu um caminho que conduziu através do Atlântico sul até Moçambique, onde o African
Shell foi capturado a 15 de novembro por um navio mais ou menos identificado como sendo o Admiral
Scheer. Então o caminho voltou-se para a América do Sul, onde teve um fim a 13 de dezembro.
Nessa data o corsário, então pela primeira vez identificado como sendo o Admiral Graf Spee, estava
navegando rumo sul ao longo da costa uruguaia quando avistou o vapor francês Formose escoltado pelo
cruzador britânico Exeter, de 10.000 toneladas. O comandante alemão, capitão Langsdorff, imediatamente
ofereceu batalha. Mas as probabilidades a seu favor ficaram reduzidas quando os dois cruzadores leves,
Ajax e Achilles, acorreram rapidamente ao chamado do Exeter para tomar parte no combate.
Mesmo assim, o capitão alemão deve ter tido razões para achar que o seu navio era superior à força
combinada dos seus adversários. Seus armamentos mais pesados eram os seis canhões de 205 mm do
Exeter. Os dois cruzadores leves dispunham apenas de canhões de 150 mm. O Graf Spee tinha duas torres
cada uma das quais com três canhões de 279 mm, cujo alcance era três mil metros maior que o de qualquer
canhão do Exeter e cinco mil metros maior que o dos canhões do Ajax e do Achilles. Seus projéteis eram
de 300 kg., comparados com as de 124 kg. que eram os projéteis mais pesados do Exeter. Tanto em
alcance como em capacidade de ofensiva, o navio alemão era definitivamente superior.
Do que ele carecia era velocidade. Seus 25 nós eram suficientes para um navio tão pesadamente armado;
mas os cruzadores britânicos tinham uma velocidade de 32 nós, que usaram com brilhante vantagem. A
batalha iniciou-se às seis horas "numa bela manhã com mar amplo" (como a descreveu mais tarde o
comandante do Ajax); e quando os navios britânicos com a sua velocidade superior colocaram-se entre o
Graf Spee e o Alto mar, o comandante alemão não teve oportunidade de evitar a batalha mesmo que assim
o quisesse.
Nas primeiras fases do encontro foi o Exeter que levou a pior. Os cruzadores mais leves levaram algum
tempo para chegar ao alcance de tiro, e isto permitiu ao Graf Spee concentrar-se contra o seu adversário
mais formidável. Nas quatro horas seguintes, suas granadas pesadas fizeram entre 40 e 50 impactos no
Exeter, danificando sua roda de leme e pondo fora de ação seus canhões mais pesados. Pelas 10 horas da
manhã, com apenas um de seus canhões de 203 mm. disparando, e este mesmo manejado à mão, o Exeter
estava praticamente forçado a ficar fora de qualquer intervenção efetiva na batalha.
A esse tempo, entretanto, tanto o Ajax como o Achilles estavam em luta e se aproximando rapidamente do
Graf Spee... O Ajax movia-se entre o navio alemão e a costa, ficando o Achilles ao outro lado, e os
canhões de 150 mm. dos dois cruzadores martelavam com ferocidade no decorrer de uma batalha móvel
rumo ao sul. Os cruzadores britânicos fizeram uso eficaz de cortinas de fumaça para cobrir seus
movimentos e de sua velocidade para manobrar sobre o Graf Spee e forçá-lo a dividir seu fogo. Pelo meio
da tarde o Graf Spee encontrava-se numa situação séria, com a popa danificada e a torre de controle
destruída, e com tantos feridos entre a sua tripulação que sua capacidade de luta estava seriamente
diminuída. Mas, embora tentasse escapar, o Exeter avariado ainda o perseguia, cortando-lhe a retirada
rumo norte, e os dois cruzadores leves utilizavam-se agora das cortinas de fumaça para mais se aproximar
do Graf Spee e martelar-lhe os costados de uma distância de fogo incrivelmente pequena. Os impactos que
eles colocaram na proa justamente acima da linha d'água fizeram enormes estragos e asseguraram a vitória
britânica. Um impacto no Ajax, que lhe deixou em ação apenas duas de suas quatro torres, deu ao Graf
Spee uma trégua muito necessária e a chegada da escuridão permitiu-lhe escapar para procurar, a toda
velocidade, segurança neutra em Montevidéu. Quando à meia-noite ele avistou pela primeira vez os
contornos do porto, estava reduzido a um navio completamente derrotado.
A fase seguinte foi uma batalha diplomática em torno do tempo que ele tinha o direito de permanecer
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naquele porto. A Alemanha clamou para que lhe fosse dado tempo de refazer-se. A Grã-Bretanha insistiu
em que não lhe fosse permitido fazer reparos. Depois de proceder a uma investigação, as autoridades
uruguaias ordenaram ao capitão Langsdorff, apesar dos seus protestos, partisse às 8 horas da noite de
domingo de 17 de dezembro. É claro que isto não permitiria ao Graf Spee recobrar sua capacidade
combativa; e havia informes de que seus recentes adversários, que o aguardavam vigilantes na embocadura
do Rio da Prata, tinham sido grandemente reforçados por unidades ainda mais poderosas. Parecia uma
alternativa entre enfrentar a derrota em face de forças superiores ou submeter-se ao internamento pelo
resto da guerra. Cumprindo ordens diretas do governo alemão, o capitão Langsdorff optou por uma
terceira solução. As 6,30 da noite do dia 17 levou seu navio para fora do porto, desembarcou a tripulação,
e meteu-o a pique nos baixios distantes três milhas da costa. Três dias depois, o capitão Langsdorff
suicidou-se em Buenos Aires, onde ele e a maioria de sua tripulação tinham encontrado refúgio.
Este fim ignominioso de uma belonave antes tão altiva acentuou ainda mais a importância vital de todo o
episódio. Foi mais tarde sublinhado pela revelação de que o único reforço à esquadra britânica tinha sido o
cruzador pesado Cumberland, que substituiu o Exeter avariado. O Graf Spee não teria a enfrentar força
alguma superior que a que antes se encontrara. O fato era, contudo, que essa mesma força lhe tinha sido
demasiada. Antes da batalha do Rio da Prata era crença geral que apenas os mais novos cruzadores de
batalha poderiam enfrentar os couraçados de bolso. Agora ficou demonstrado que navios bem menores,
mas de maior velocidade, lidando com perícia e ousadia acima de todos os louvores, tinham podido
enfrentar decididamente o orgulho da frota alemã. O mito do couraçado tinha sido destruído logo na
primeira prova.
A guerra econômica e os neutros
Nenhum desses esforços navais, naturalmente, representou um fim em si próprio. Atrás da luta nos mares
ocultava-se a firme vontade de cada lado de preservar sua própria vida econômica e de arruinar a do
antagonista. Nessa frente econômica realizava-se uma luta vital e possivelmente decisiva em que todo o
poderio dos beligerantes estava empenhado.
A primeira tarefa de cada nação era a de assegurar os suprimentos essenciais à sua vida nacional e
capacidade bélica. Isto significava não apenas assegurar suas necessidades primárias por meio da
importação; significava também acesso continuado aos mercados de exportação, através dos quais as
importações pudessem ser pagas. Hitler, antes da guerra, tinha descrito a Alemanha como uma nação que
tinha que exportar ou morrer. Para a Grã-Bretanha, e numa extensão bem menor da França, tal necessidade
também era vital. Na guerra como na paz, disse Mr. Chamberlain a 20 de setembro, "nossas vidas
dependem da corrente ininterrupta de comércio, e é nossa política fundamental preservar, o mais possível,
as condições do comércio normal".
O corolário inevitável disto foi um esforço por todos os meios possíveis para interromper o comércio do
inimigo. Mr. Chamberlain descreveu o objetivo britânico como sendo o de desorganizar a estrutura
econômica alemã tornando-lhe impossível a condução da guerra. Objetivo idêntico era visado pela
Alemanha em relação à Inglaterra. As armas germânicas eram o submarino e o corsário comercial,
juntamente com a pressão diplomática sobre vizinhos neutros subjugados, afinal, pela ameaça de uma
invasão armada. As armas aliadas eram o bloqueio submarino da Alemanha e uma diplomacia apoiada
pelo poderio econômico.
Está claro que para um ataque assim, e ainda mais para a defesa essencial, o controle do mar era muito
mais vital para os aliados do que para a Alemanha. A Inglaterra em particular era altamente vulnerável a
um bloqueio eficaz. Dependia ela da importação de 75% de seus gêneros alimentícios e da quase
totalidade de suas matérias-primas industriais, exceção feita ao carvão e ao minério de ferro. A França
também, embora em matéria de alimentação fosse praticamente auto-suficiente, tinha de trazer de fora suas
matérias-primas essenciais. Com o controle do mar, entretanto, quase todas as suas necessidades poderiam
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ser satisfeitas pelos países marginais da costa Atlântica. A Alemanha sob tais circunstâncias ficaria
impedida de manter contacto direto com esses países; e para a obtenção de um terço das matérias-primas
que normalmente importava, ela tinha que depender antes de tudo de seus vizinhos do continente.
Nessa guerra econômica, portanto, as nações neutras ocuparam uma posição de importância vital. Mesmo
antes da irrupção de hostilidades armadas elas tinham sido o teatro principal da guerra não declarada. Essa
luta cresceu agora de intensidade; e fora dos campos de batalha propriamente dito, os neutros ofereciam
passagem para um ataque econômico de flanco, por meio do qual poderia ser dado um golpe capaz de ser
final e decisivo.
Os neutros ocidentais estavam conseqüentemente sob forte pressão diplomática de ambos os lados logo
desde o começo. A Suécia era particularmente importante para os alemães em virtude do seu minério de
ferro que fornecia 41% das importações alemães desse gênero. A Holanda e a Bélgica, embora de menor
significação como fontes de suprimento, eram importantes como possíveis canais através dos quais
material de fora poderia infiltrar-se na Alemanha. Mas, os esforços alemães pareciam obter sucesso
relativamente pequeno. A 14 de novembro, suas conversações com a Suécia sofreram interrupção, segundo
parecia, porque a Alemanha exigia praticamente o monopólio do comércio sueco. A 27 de dezembro, em
contraste, a Grã-Bretanha foi capaz de concluir um acordo que prometia atrair a Suécia à órbita comercial
aliada. Seguiram-se-lhe acordos com a Islândia e a Bélgica. e pelo fim do ano havia boas perspectivas de
relações satisfatórias entre os aliados e os neutros da Europa ocidental.
Na Europa oriental a situação era algo mais complexa. Tratava-se de uma área em que o comércio alemão
tinha realizado um avanço dominador nos anos que precederam a guerra, e a qual poderia fornecer algo
como 20% da importação normal da Alemanha. Mas, a base desse comércio indicou um aspecto
vulnerável da economia alemã. Este era a carência de fundos líquidos para o livre comércio exterior. Sua
reserva oficial em ouro, cerca de 77 milhões de marcos, estava bem abaixo de 1% de sua circulação
fiduciária. Suas inversões no estrangeiro, em contraste com as de 1914, eram negligenciáveis. As reservas
de ouro e câmbio estrangeiro de todas as fontes podiam perfazer um total de dois bilhões de marcos, mas
mesmo isto pagaria apenas um terço das importações alemães em 1938. Em conseqüência, seu comércio
exterior tinha sido construído predominantemente sobre uma base bilateral de trocas; e em vista das
exigências da economia de guerra, parecia duvidoso que a Alemanha pudesse realizar as exportações de
mercadorias necessárias ao pagamento das importações de que ela tanto precisava.
Neste particular, os aliados estavam numa posição muito mais flexível. Antes da guerra, pouco mais que
1,5°/o do seu comércio era feito com a Europa sul oriental. Mas, para o caso de excluir a Alemanha
daquela área, os aliados tinham grande vantagem de serem capazes de pagar à vista. Os estoques de ouro
da Grã-Bretanha perfaziam 560 milhões de libras esterlinas e suas inversões no exterior eram estimadas
em 1.172.000.000 de libras esterlinas. A França tinha reservas de ouro no valor de 1.702.000.000 de
dólares e haveres no estrangeiro entre 90 e 180 bilhões de francos.
Este era o potencial econômico que os aliados utilizaram para atrair os neutros não expostos à pressão de
bloqueio. "Temos contratos consolidados" - disse o Ministro da Guerra Econômica da Grã-Bretanha - "de
uma espécie que, em tempos de paz, faria estremecer os sóbrios homens de negócios." Comprava-se de
países com que os aliados em tempo de paz tinham pouco ou nenhum negócio, mas dos quais a Alemanha
poderia obter produtos essenciais. Eram pagos preços mais altos do que o necessário para a compra desses
mesmos produtos em outra parte. A Turquia, que se recusara a renovar seu tratado comercial com o Reich
quando esse expirou no fim de agosto, foi recompensada com um empréstimo substancial e compras
aliadas de todo o seu estoque de cromo, figos e uvas. O cobre da Iugoslávia, que normalmente ia para a
Alemanha, foi atraído para os aliados, que também lhe compraram toda a safra de ameixa exportável. Em
torno da Romênia travava-se intensa luta. Em março, a Alemanha firmou um acordo que colocou à sua
disposição grande parte dos recursos da Romênia, especialmente petróleo de que ela tão desesperadamente
necessitava. Após o rebentar da guerra, foram entabuladas negociações no sentido de aumentar a
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exportação de petróleo romeno para o Reich e da obtenção de uma taxa mais favorável de câmbio. No dia
20 de dezembro foi anunciado que a Romênia tinha concordado em elevar suas exportações de petróleo
para a Alemanha a um mínimo de 130.000 toneladas mensais sobre as 80.000 toneladas que tinham
prevalecido desde o rompimento da guerra, e a acelerar a entrega de outras 260.000 toneladas, que seriam
objeto de acordo prévio. A taxa de câmbio de 40 lei para o marco, que a Alemanha desejava fosse elevada
a 60, foi em verdade elevada a 49. Dois dias mais tarde, entretanto, sob pressão aliada, essa taxa foi
reduzida a 44,75 para o que dissesse respeito a todas as exportações importantes, com exceção do feijão
soja. Era claro que mesmo neste caso a pressão financeira aliada não era de modo algum negligenciável. A
importância de suas reservas em caixa foi indicada pelas estatísticas do comércio britânico no mês de
dezembro, as quais mostravam uma importação de 86 milhões de libras esterlinas contra uma exportação
de 42 milhões de libras esterlinas. Somente enérgicas medidas financeiras puderam fazer com que uma
balança comercial tão adversa pudesse ser conscienciosamente equilibrada por esses métodos de guerra
econômica.
No caso dos países que careciam de comunicações diretas com a Alemanha, o progresso foi menos
dispendioso. Na América do Sul, onde o cumprimento pela Alemanha de seus acordos de troca não mais
era possível, os aliados tinham possibilidades de insistir na obtenção de termos favoráveis. O significado
disto foi ilustrado por uma circular endereçada pelo Departamento Argentino de Controle Cambial aos
importadores e homens de negócios a 20 de novembro, acentuando que o volume das vendas aos aliados
dependeria do montante que estes comprassem da Argentina. No caso da Espanha, a interrupção das
ligações comerciais estabelecidas com a Alemanha pelo governo de Franco, e a necessidade desesperadora
que este tinha de câmbio estrangeiro, fizeram com que a Espanha entrasse em acordo sobre a venda de
minério de cobre e de ferro aos aliados. Mas, de todos esses fatos, o de importância mais vital foi a
mudança dos termos da Lei de Neutralidade adotada pelos Estados Unidos.
A lei original foi adotada como resolução em 1935, tomando em 1937 a forma de medida permanente. Seu
primeiro objetivo foi evitar que os Estados Unidos ficassem envolvidos numa guerra, em conseqüência de
compromissos econômicos. Com este propósito, a lei proibia a venda de munições ou a concessão de
empréstimos a beligerantes. Mas, era natural que nisso houvesse também um desejo de continuar o
comércio de modo tão extenso quanto possível, sem arriscar-se a uma guerra. E quando a crise na Europa
se revelou, tornou-se claro que o sentimento do povo americano orientava-se de modo crescente em favor
dos aliados e ansioso por não se ver envolvido na luta - sentimento ardentemente compartilhado pela
administração Roosevelt.
Quando a guerra rebentou, portanto, o presidente primeiro aplicou a lei existente por uma proclamação a 5
de setembro, e depois convocou uma sessão especial do Congresso para o dia 21 de setembro a fim de
serem discutidas emendas à lei, especialmente a supressão do embargo absoluto de armas. A nova lei,
conforme foi aprovada a 4 de novembro, provocou uma diferença fundamental no projeto aliado para a
obtenção de suprimentos americanos. Ao invés da proibição, foi adotado o princípio do cash and carry
com respeito a vendas aos beligerantes. Nenhum armamento lhes poderia ser levado por navios
americanos e todos os títulos referentes a mercadorias exportadas aos beligerantes tinham que ser
transferidos antes que essas mercadorias deixassem o território americano. A interdição dos empréstimos a
beligerantes foi mantida; mas foi possível então aos aliados, por meio de um uso cuidadoso de seus
recursos em numerário, chamar para seu lado a capacidade produtiva da indústria americana. Embora os
navios americanos estivessem proibidos de entrar na zona de guerra, e assim não fossem de utilidade para
os aliados, havia ao menos a compensação de que essa mesma decisão teria a probabilidade de evitar, para
os americanos, quaisquer prejuízos importantes, conseqüentes do bloqueio aliado.
A eficácia do bloqueio foi uma das lições mais edificantes da última guerra. Mal rebentou a nova
conflagração, foram postos em execução planos destinados a reviver e fortalecer os métodos que então
tinham sido utilizados. O Ministério da Guerra Econômica foi instituído na Grã-Bretanha sob a chefia de
Mr. Ronald Cross. A lista de contrabando absoluto emitida pelo ministério incluiu não apenas armas e
munições mas também combustíveis, máquinas de transporte e animais, artigos de comunicação e
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"moedas, metais preciosos em barras, dinheiro corrente, provas de débito". O contrabando condicional,
que poderia ser aplicado se assim o desejasse o governo alemão ou suas forças armadas, compreendia
"toda a sorte de gêneros alimentícios preparados ou não, forragens, vestuário e artigos e materiais usados
para a sua produção." A 8 de setembro, cinco portos de controle de Kirkwall a Haifa, foram instituídos;
neles os navios deveriam ser revistados. Outros portos de controle seriam mais tarde acrescentados a esse
número. A 1o de dezembro esta medida foi reforçada pelo sistema de navicert - revista nos portos neutros
das cargas de exportação e a emissão de certificados àqueles que estivessem sujeitos à denominação de
contrabando, certificados esses que lhes facilitariam a passagem pelo controle.
O efeito disso tudo foi extremamente amplo. Mesmo os países danubianos sentiram-no de modo prático. A
rota normal do comércio da Hungria e da Romênia ia através do mar Negro e do Mediterrâneo aos portos
alemães do norte. Agora, a Alemanha era forçada a tentar desenvolver a montante do Danúbio acima; e
quando o gelo fechou o rio, no começo de dezembro, os alemães ficaram na dependência do transporte por
estrada de ferro, o qual parecia completamente inadequado às suas necessidades de importação de matérias
provenientes da Europa sul-oriental. De um modo similar, grande proporção do minério de ferro sueco era
normalmente exportada através do porto norueguês de Narvick sobre o Mar do Norte. Uma parte seguia no
verão através de Lulea sobre o Báltico. Mas este porto estava fechado ao tráfego marítimo durante os
meses hibernais. Mais ainda, o poder inglês de efetivar o bloqueio, com o seu escopo de provocar danos e
retardamentos onerosos, forneceu-lhe uma poderosa arma contra qualquer desejo dos neutros de agir como
intermediários a favor da Alemanha. Desde o começo, os neutros foram praticamente racionados às suas
cotas de importação normais, e uma aquiescência a isto foi um dos aspectos do tratado sueco,
indubitavelmente modelo para outros. Sua eficácia é revelada por cifras: durante o primeiro mês da guerra,
a Grã-Bretanha capturou 150.000 toneladas mais de navios mercantes alemães do que perdeu em
conseqüência de ataques submarinos. Ao fim do ano, os aliados calcularam terem tomado
aproximadamente um milhão de toneladas, relativo a 10% de toda a importação anual da Alemanha. E,
além disso, entre 400 e 500 navios da frota alemã ficaram imobilizados em portos espalhados por todo o
mundo; pois, embora ocasionalmente algum navio escapulisse, - como é o caso da saga do Bremen, que
chegou à Alemanha procedente de Nova Iorque, via Murmansk - os acontecimentos mais comuns eram
como os do Cap Norte, apreendido em alto mar, o de Columbus, afundado pela própria tripulação afim de
evitar a captura, e do Tacoma, internado em Montevidéu. As importações alemães do exterior estavam
sendo reduzidas a quase nada - e a Alemanha, que já tinha reduzido as importações para quase o mínimo,
pouco podia fazer para minorar os efeitos do bloqueio.
Depois das importações, as exportações. Tendo cortado as primeiras, os aliados procuraram estrangular
estas, a fim de evitar que a Alemanha pagasse por importações tais como as que realizara. A 21 de
novembro foi anunciado que em represália à colocação ilegal e indiscriminada de minas efetuada pela
Alemanha, os aliados resolveram capturar todas as exportações alemãs onde quer que as encontrassem.
Seguiram-se a isto vigorosos protestos da maioria das nações neutras, mas elas não conseguiram revogar a
decisão. A 27 de novembro, o rei Jorge firmou a necessária ordem do Conselho e a 4 de dezembro a
medida foi posta em prática.
Havia, contudo, um neutro importante não atingido por todas essas medidas - uma potência cujas novas
relações com a Alemanha tornavam-se o grande ponto de interrogação no quadro diplomático e econômico
e talvez mesmo no militar. Essa nação era a União Soviética.
O avanço da Rússia
Desde a data do pacto de não-agressão, a Alemanha procurou dar ao mundo a impressão de que suas novas
relações com a Rússia eram tão estreitas que seriam capazes de conduzir a quase uma aliança militar. Cada
novo acontecimento foi apresentado como um passo para mais perto da cooperação completa. O tratado de
29 de setembro, com a sua promessa de conjugar esforços em favor da paz e de promover consultas
mútuas se estes esforços falhassem, foi apresentado como um prenúncio da entrada da Rússia na guerra. E
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as cláusulas que prometiam uma troca de matérias-primas russas por produtos industriais alemães numa
escala que traria a troca de mercadorias ao nível máximo obtido no passado, pareciam indicar uma
reviravolta completa das anteriores relações econômicas.
Os verdadeiros fatos, entretanto, não estavam inteiramente em harmonia com tais concepções. A falência
da oferta de paz de Hitler, conquanto tenha provocado uma nova diatribe do Sr. Molotov contra os aliados,
fez com que a Rússia manifestasse o firme desejo de manter sua neutralidade. A troca de produtos, apesar
de uma promessa a 9 de outubro de que começaria imediatamente, deixou de desenvolver-se em grau
apreciável.
Quanto às armas russas, ficou logo claro que elas não tinham outra utilidade senão a de serem logo postas
ao serviço do Reich.
A verdade era que a Rússia pensou tirar vantagem da única posição em que a guerra a colocara. Nunca
desde a Revolução tinha estado ela tão livre do receio de um ataque imediato. A conclusão de um
armistício com o Japão a 16 de setembro reforçou essa liberdade. Mas aí havia ainda o receio de que um
ataque acabaria por ser dirigido contra ela de parte das potências capitalistas. Sua determinação era tirar
vantagem do presente para reforçar sua posição contra essa eventualidade, e particularmente consolidar
seus flancos enquanto a Alemanha mantinha o centro ocupado.
Seus esforços no flanco meridional não foram, em absoluto, coroados de êxito. Tratava-se aí da Turquia,
com a qual a Rússia iniciara negociações a 22 de setembro. Conquanto nenhum detalhe preciso tenha sido
revelado, parecia que os objetivos da Rússia eram o fechamento dos Estreitos contra potências externas, e
a criação de um bloco balcânico que realizaria um ajuste as espensas da Romênia. De qualquer modo, os
turcos recusaram-se a aceitar as exigências russas. Embora as negociações tenham finalizado a 17 de
outubro com protestos mútuos de amizade contínua, o máximo assegurado foi afastar a Rússia dos efeitos
da aliança anglo-turca firmada dois dias depois. E a ameaça de uma penetração russa ergueu tanto a Itália
como as nações balcânicas para a exploração, em seu próprio favor, da possibilidade de um pacto
defensivo. Embora no momento o problema da Romênia omitisse de qualquer acordo, era claro que
qualquer ameaça direta por parte da Rússia encontraria séria resistência.
Na frente setentrional, em contraste, o avanço russo foi espetacular. Ministros dos Estados Bálticos foram
convocados a Moscou para negociações. Foram, ouviram e concordaram. Um tratado com a Estônia a 29
de setembro, promovendo a assistência mútua, deu aos Sovietes direitos a guarnições militares e bases
navais e aéreas em solo estoniano. Este serviu de modelo para os tratados concluídos com a Letônia a 5 de
outubro e com a Lituânia a 10 de outubro, o último dos quais devolveu à Lituânia o distrito de Vilna há
muito desejado. Esses tratados tornaram a influência russa suprema numa esfera que sempre tinha sido
considerada de influência alemã; e para demonstrar isto, o Reich, a 7 de outubro, convidou todos os
cidadãos de origem alemã residentes nesses países a retornarem à Alemanha, com a intenção anunciada de
estabelecê-los nos distritos recém-anexados da Polônia. Estava claro que Stalin estava disposto a não ter
nas mãos problema nenhum relativo a minorias alemães molestadas.
O próximo na lista era a Finlândia; e aqui o avanço veloz e sem obstáculos da Rússia topou com
dificuldades. A 9 de outubro foram iniciadas as negociações numa atmosfera que mostrou que o governo
finlandês estava pelo menos encarando a possibilidade de resistência. Nos dois dias seguintes os habitantes
das cidades mais expostas foram avisados de que deviam evacuá-las como medida de precaução. No dia
14, a Finlândia anunciou que qualquer espécie de aliança estava fora de questão. As negociações,
suspensas de uma vez, foram definitivamente rompidas a 13 de novembro. Foi revelado que as exigências
russas se referiam principalmente à segurança de Leningrado e do golfo da Finlândia. Para esta finalidade,
eles pediram certas ilhas no golfo e uma base naval à entrada de Hangoe; a cessão de um território no
istmo de Carélia que removeria a fronteira finlandesa bem para fora do alcance de artilharia contra
Leningrado; e um ajuste da fronteira na região de Petsamo. A Rússia, de sua parte, estava pronta a ceder
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5.500 km² ao longo da parte média da fronteira. Os finlandeses queriam uma nova discussão em torno da
cessão da ilha de Hogland e estavam irremovíveis na recusa de emprestar ou vender o porto de Hangoe, o
que, asseguraram, seria inconsistente com a sua política de neutralidade.
Pareceu por um momento que a Rússia estivesse disposta a contemporizar na crença de que os finlandeses
acabariam finalmente por chegar a um acordo. Mas, na última semana de novembro, esta atitude mudou
abruptamente, e uma campanha de injúrias foi lançada subitamente contra o governo finlandês. A 26 de
novembro, a Rússia protestou contra um pretenso incidente fronteiriço de tiroteios. A 28, a Rússia
denunciou seu pacto de não-agressão com a Finlândia. Uma oferta finlandesa de negociações não foi
tomada em consideração e no dia 30 as tropas soviéticas invadiram a Finlândia.
O resultado foi uma explosão mundial de indignação. Já tinha havido expressões diretas de simpatia tanto
da parte do presidente Roosevelt como dos soberanos escandinavos, que se tinham reunido em conferência
a 18 de outubro. A Suécia a 3 de dezembro atuou como intermediária na apresentação a Moscou de uma
nova oferta finlandesa; mas a Rússia tinha organizado um governo finlandês próprio em Terijoki dois dias
antes, e ignorou a nova medida. Mas, a 2 de dezembro a Finlândia deu um novo passo tendente a obter
apoio, apelando para a Liga das Nações baseada nos artigos 11 e 15.
A Liga agiu com uma prontidão algo inusitada. Quando um apelo inicial viu-se à frente da asserção russa
de que ela não estava em guerra com a Finlândia, o Conselho foi convocado para 9 de dezembro e a
Assembléia para 11 do mesmo mês. Quando a Rússia não levou em consideração outro apelo para aceitar a
mediação da Liga, estes organismos adotaram uma resolução condenando a URSS como agressora e
estabelecendo que ela se colocara fora da Liga das Nações. Apelaram em seguida para os seus membros no
sentido de que emprestassem à Finlândia toda a assistência dentro de suas possibilidades.
Tornou-se em breve evidente que, embora fosse dada certa assistência por meio de movimentos
voluntários e suprimentos, nenhum país estava ainda preparado para efetuar uma ação militar direta em
favor da Finlândia. Mas, enquanto aguardavam a ajuda dos outros, os finlandeses mostraram-se
extremamente dispostos a defender-se a si mesmos.
A invasão russa deu-se em cinco pontos principais. Ao norte, o porto de Petsamo foi capturado e uma
expedição mandada rumo sul. Ao mesmo tempo, uma segunda expedição encaminhou-se para a
extremidade do golfo de Bothnia, via Sala, e uma terceira procurou penetrar a "cintura" da Finlândia em
torno de Suomussalmi. O objetivo principal dessas forças, comparativamente pequenas em número, era a
estrada de ferro que circundava a extremidade do golfo de Bothnia e ligava a Finlândia com a Suécia.
Mas, o esforço principal teve lugar no sul. No istmo de Carélia, as posições fortificadas finlandesas - a
linha Mannerheim - opuseram formidável obstáculo a um ataque direto. Os russos de momento
contentaram-se com um ataque de fixação nesta zona, e procuraram flanquear as defesas finlandesas com o
lançamento de seu principal avanço em duas colunas em torno do norte do lago Ladoga.
Todas essas colunas tiveram um certo êxito inicial, que incluiu a captura de Petsamo e um avanço além de
Salla até o rio Kemi. Pelo fim do ano, entretanto, nenhuma só das cinco colunas isoladas conseguiu
alcançar seu objetivo essencial. As tropas utilizadas nas primeiras fases eram em muitos casos de
qualidade inferior. Havia uma incrível falta de coordenação entre os diversos comandos. No caso das
comunicações e abastecimentos, os russos dependeram da única e não muito adequada rota da estrada de
ferro de Murmansk. Os finlandeses, que tinham a vantagem de lutar em linhas interiores, possuíam
também uma rede de estradas de ferro da qual podiam dispor tanto para abastecimentos como para
reforços, e demonstraram uma qualidade de organização incomparavelmente melhor que a dos russos.
Foram capazes de barrar as colunas envolventes ao norte do lago Ladoga e depois mandar forças para o
norte a fim de infligir novos reveses aos russos em Sala e Suomussalmi. Pelo fim de dezembro, a
desordenada máquina militar russa parecia temporariamente paralisada; e o prestígio tanto militar como
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moral da União Soviética estava ameaçado de sofrer severamente, a menos que esses reveses fossem
rápida e eficazmente compensados.
Janeiro a Março de 1940
O desenvolvimento das hostilidades
O início do ano encontrou os exércitos dos principais beligerantes a vigiarem-se uns aos outros
das respectivas posições fortificadas na frente ocidental, com uma cautela que não oferecia
nenhuma perspectiva imediata de um ataque em larga escala. Os aliados, no momento, pareciam
ter aceito o ponto de vista de Mr. Churchill, expresso a 12 de novembro, no sentido de que "se
atravessarmos o inverno sem que ocorra algo grande ou importante, teremos, na verdade, vencido
a primeira campanha da guerra". Ao lado alemão havia indícios de vaga ferocidade a ameaçar os
aliados com quase imediata destruição. Hitler, na sua proclamação de Ano Novo, e novamente no
seu discurso de 30 de janeiro, insinuou que estava para começar a coisa a sério. Goering anunciou
que ao sinal de Hitler a força aérea "desencadearia sobre a Grã-Bretanha um assalto de violência
jamais conhecida na história." Mas, com todas essas palavras, a atividade na frente ocidental era
confinada a incursões esparsas, nas quais os aliados pareciam apenas procurar informações, e os
alemães tentando conseguir o domínio de posições que mais tarde lhes pudessem vir a ser úteis.
A ameaça séria de possível ação veio a 14 de janeiro, com um novo surto de guerra nos Países Baixos.
Certos informes da imprensa alegaram que este era baseado no fato de que o piloto de um avião alemão
que fez uma aterrissagem forçada em solo belga tinha por casualidade no bolso os planos de um ataque
alemão. A circunstância foi realçada de um modo curioso pelo fato de que o governo holandês, a 6 de
janeiro, anunciara a determinação de resistir a qualquer ataque "com toda a potência de nossas armas", e o
governo belga se tinha mostrado disposto a apoiar a Holanda contra a agressão. Mas, fosse qual fosse a
razão, o alarme foi suficientemente forte para que a Bélgica mobilizasse 600.000 homens e para que a
Holanda e a Grã-Bretanha cassassem todas as licenças no Exército. A 24 de janeiro, Mr. Chamberlain
renovou o compromisso britânico de assistência imediata à Bélgica no caso de um ataque alemão. Embora
nessa ocasião a crise tivesse amainado, os Países Baixos e a Suíça também permaneceram em estado de
alerta à vista das informações periódicas que recebiam acerca de concentrações alemães nas proximidades
de suas fronteiras. Os pequenos vizinhos da Alemanha, estava claro, não confiavam absolutamente em sua
boa fé.
Entretanto, dificilmente se poderiam considerar ideais para uma ofensiva militar as condições desse
período. As condições meteorológicas - as informações a respeito das quais incorriam nas muitas coisas
suprimidas pela censura, em razão de que elas pudessem servir aos aviadores inimigos - mostraram de que
eram capazes, desencadeando uma Blitzkrieg por conta própria. O inverno mais frio do último meio século
se abatera sobre a Europa. Os temporais desencarrilavam trens, interrompiam o tráfego e criaram uma
escassez temporária de carvão, tanto para as indústrias como para es cidadãos particulares. Em fevereiro,
foi informado que uma quarta parte da população de Berlim vivia em casas sem calefação. Essas
dificuldades na frente interna refletiam-se sem dúvida na contínua inação militar.
Isto não era verdade, entretanto, nem no mar, nem no ar. Navios mercantes continuavam a cruzar os mares
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com abastecimentos essenciais. As marinhas mantinham uma vigilância incessante sobre as rotas vitais de
comércio. E tanto à superfície das águas como em baixo dela, a guerra prosseguia - uma guerra que
procurava apertar o bloqueio contra o inimigo e romper o cerco que o inimigo se esforçava por impor.
A guerra no mar
Nestas lutas os aliados estavam mais do que bem. Pelo fim de março, cálculos não oficiais indicavam o
total das perdas britânicas e francesas em 211 navios, perfazendo 810.000 toneladas. As perdas em navios
de todas as nações beligerantes e neutros atingiam 7.300 toneladas diárias, em comparação com as 20.000
toneladas registradas durante o período da guerra irrestrita de 1917. O que era mais encorajador era a
prova de que os afundamentos estavam em declínio, o que era, em grande parte, devido ao bom êxito do
sistema de comboio. As perdas de navios aliados e neutros somavam 90.000 toneladas em março contra
200.000 toneladas em fevereiro. Mesmo na semana que terminava a 20 de fevereiro, e a qual mostrava a
perda de 20 navios, apenas cinco britânicos havia entre estes. Entre 26 de fevereiro e 3 de março, a GrãBretanha perdeu somente dois navios pequenos, somando 1886 toneladas. E a 30 de março, Mr. Churchill
anunciou que durante a quinzena anterior apenas um navio britânico havia sido afundado em conseqüência
de ação inimiga.
Nesta situação, a Alemanha lançou toda a sua fúria contra a navegação neutra. O completo desprezo pela
lei do direito internacional demonstrado pelos nazistas com o afundamento de navios beligerantes sem
aviso prévio, e o espalhar indiscriminado de minas, ficou mais luminosamente em evidência com os seus
ataques deliberados às tripulações dos navios mercantes. Durante o mês de fevereiro, em que foi
informada a perda de 25 navios britânicos, as nações neutras perderam 39. Até 14 de fevereiro a Suécia
tinha perdido, desde o rebentar da guerra, 32 navios de carga, com 228 marinheiros mortos e 15 perdidos.
De conformidade com o ministro sueco das relações exteriores, sete desses navios foram indiscutivelmente
afundados pelos submarinos da Alemanha, três dos quais quando estavam a caminho de portos neutros; e
do total de 32 apenas sete tinham a Grã-Bretanha como destino. Até 21 de fevereiro, a Noruega perdera 49
navios e 327 marinheiros. Um total de cerca de 200 navios neutros fôra destruído até o fim de março.
Somente num comboio aliado, onde suas probabilidades de afundamento eram de um contra 800, estava
um navio neutro razoavelmente protegido nos mares. Mas, se a navegação aliada era martelada e a neutra
ameaçada, a navegação alemã era varrida dos mares. Pelo fim de março, 38 navios somando cerca de
200.000 toneladas tinham sido postos à pique, a maioria pela própria tripulação a fim de evitar a captura.
Quando foram acrescentadas as cem mil toneladas da navegação alemã tomadas pelos aliados, elas
somaram cerca de 8% da marinha mercante da Alemanha. As restantes estavam presas em portos alemães
ou neutros ou confinados, no que dissesse respeito à navegação, às águas do Báltico e dos estados neutros
do norte.
A rota principal deixada aberta para a navegação alemã ficava ao longo da costa norueguesa. A Alemanha
tinha preparado um caminho marítimo que permitia aos seus barcos navegar de Murmansk para os portos
alemães, mantendo-se dentro de águas territoriais neutras durante todo o trajeto. Na última parte de
fevereiro, foi informado que vasos de guerra aliados estavam cruzando o Ártico na região de Murmansk e
Petsamo. Protestos da Noruega à Grã-Bretanha pelos fins de março revelaram que destróieres britânicos
mantinham estreita vigilância sobre navios alemães carregados de minério, os quais às vezes viajavam
dentro do limite de três milhas. Uma nova dosagem de audácia nas operações efetuadas pelos submarinos
britânicos conduzia no dia 22 de março ao torpedeamento de um cargueiro alemão carregado de minério
na zona fortemente minada do Kategat, e no dia seguinte outro cargueiro foi afundado na mesma área. Foi
tornado claro que em ambos os casos, em contraste com os métodos nazistas, os comandantes dos
submarinos britânicos tomaram providências para o salvamento das tripulações alemães e efetuaram a
destruição dos navios sem perda de vidas.
A esse tempo o bloqueio abrangia um campo ainda mais vasto. Informações de que mercadorias eram
transportadas pelo mar à Alemanha através de Vladivostok e de que a Alemanha tinha feito propostas tanto
à Rússia tomo ao Japão para a criação de bases submarinas no Pacífico, eram seguidas de notícias de
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atividade naval aliada no Extremo Oriente. Pelos fins de março, pelo menos dois navios russos - um dos
quais tinha sido capturado já a 13 de janeiro - tinham sido apreendidos com a sua carga de metais em Hong
Kong pelos navios de guerra britânicos. Um protesto soviético conduziu a nada mais que a entrega desses
navios aos franceses por "motivos administrativos". Estava ficando claro que, onde os aliados suspeitavam
que uma carga se destinava à Alemanha, ficavam cada vez menos inclinados conceder aos neutros o
benefício da dúvida.
Seria esperar demais que uma atividade tão constante e de tão longo alcance pudesse ser executada
inteiramente sem perdas. Assim mesmo, o preço que os navios aliados eram forçados a pagar durante esse
período foi comparativamente pequeno, e muito inferior ao registrado durante os primeiros meses da
guerra. Nenhum navio de importância fôra afundado, conquanto o Nelson tenha sido danificado por uma
mina e outro cruzador levemente atingido durante um reide aéreo sobre Scapa Flow. A 16 de janeiro, foi
revelado que três submarinos britânicos tinham sido perdidos enquanto "empenhados num serviço
particularmente perigoso" - presumivelmente uma tentativa para alcançar a base naval alemã da enseada de
Heligoland. Dois destróieres, o Grenville e o Exmouth, foram perdidos pelos britânicos durante o mês de
janeiro; outro, o Daring, foi torpedeado em fevereiro; e em março o destróier francês La Railleuse foi a
vítima de uma explosão no porto de Casablanca. Contra essas perdas menores, a Grã-Bretanha tinha cinco
navios grandes quase prontos, esperando-se que dois desses entrassem em serviço na primavera. A França
tinha um vaso de guerra para ficar pronto provavelmente no decurso do ano, e outro, o Jean Bart - o
segundo de quatro em construção - chegou à fase de lançamento nos primeiros dias de março.
As perdas alemães eram menos fáceis de se avaliar, pois que a frota nazista era demasiadamente
importante para ficar inativa. Mais notável era a carência de qualquer ação de parte dos couraçados de
bolso. Em teoria, a Alemanha deveria ainda possuir dois desses depois da perda do Graf Spee, Mas, um
deles, o Admiral Scheer, não dera notícia de si desde que a guerra tivera início. Quanto ao Deutschland, a
última notícia obtida foi a declaração curiosa de 25 de janeiro de que ele retornara à sua base e fôra
rebatizado com o nome de Lutzow a fim de reservar seu antigo nome para um navio mais poderoso. Já que
um dos cruzadores alemães em construção havia sido batizado com o nome de Lutzow, esse procedimento
pareceu extraordinariamente singular. Mas, qualquer que fosse o seu nome, nada mais dele foi ouvido; e
parecia haver certa razão para a suspeita de que ambos os navios de batalha de bolso tinham sido postos
fora de ação no decurso dos vários ataques britânicos pelo ar e por meio de submarinos.
Na questão da guerra submarina, a posição alemã era da mesma forma difícil de ser calculada. A despeito
dos clamores alemães sobre produção em massa, era altamente duvidoso que mais do que quatro botes
submarinos por semana tivessem sido completados, e um número mais baixo estaria provavelmente mais
próximo da verdade.
Isto faria pouco mais que manter o equilíbrio com a base aliada de destruição, conservadoramente
calculada entre dois a três por semana. Informes sobre a natureza dos novos submarinos alemães eram
igualmente variados; mas a sugestão de que a Alemanha se empenhava pela obtenção de unidades maiores
capazes de mais largo campo de ação, viria ficar comprovada por evidências definitivas.
A libertação do Altmark
Mas, o episódio mais emocionante da guerra no mar foi um que produziu menos efeito sobre a força naval
alemã do que sobre o restante do prestígio alemão. O caso do Altmark foi uma seqüência triunfante da
destruição do Graf Spee. Esse navio, que tinha à bordo a tripulação de sete navios ingleses destruídos pelo
cruzador de bolso, fôra objeto de uma busca meticulosa da armada britânica mesmo desde a batalha do rio
da Prata. Por dois meses, o navio-prisão iludia os caçadores. E então, a 16 de fevereiro, foi localizado por
aviões britânicos de reconhecimento quando deslizava pela costa norueguesa ao sul de Bergen, rumo a
Hamburgo e à segurança.
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Três destróieres britânicos saíram no encalço de sua presa. Mas a tentativa do Intrepid de capturar o
Altmark foi frustrada por um navio armado norueguês cujo comandante exigiu que os britânicos
respeitassem as águas territoriais da Noruega. Durante as discussões, o Altmark penetrou no abrigo de um
fiorde próximo; e então os navios britânicos retiraram-se para além do limite de três milhas e
radiografaram por ordens ao Almirantado.
O almirante respondeu com uma ordem de penetrar na zona neutra e libertar os prisioneiros. Foi depois do
escurecer que o destróier mais antigo, Cossack, aproximou-se do norueguês e pediu que o Altmark fosse
levado a Bergen sob guarda unida e ali revistado à cata de prisioneiros britânicos. Quando isto foi
recusado, da mesma forma como foi recusado o pedido de que o comandante norueguês permitisse uma
busca no local, o Cossack foi adiante. O Altmark, libertando-se dos gelos em que tinha sido colhido,
tentou enfrentar o Cossack, mas o destróier abordou-o e um grupo de marinheiros galgou a coberta do
navio alemão. Houve tiros de ambos os lados; um número de marinheiros alemães que tinha escapado
pelos lados abriu fogo da terra, e o fogo com que os ingleses responderam causou entre eles numerosas
baixas. Encerrados nos paióis de munição, depósitos e num tanque vazio de óleo havia 299 marujos
britânicos, muitos deles em sérias condições físicas causadas pelas fadigas penosas do aprisionamento.
Com estes a bordo, o Cossack deixou o Altmark paralisado entregue à respectiva tripulação e rumou com
os homens libertados para a Inglaterra.
Seguiu-se a isto um feixe de protestos diplomáticos. A Alemanha protestou junto à Noruega por ter esta
permitido a violação de sua neutralidade. A Grã-Bretanha, alegando que o Altmark era um navio armado e
que as autoridades norueguesas tinham-no abordado e revistado em Bergen, protestaram junto à Noruega
por ter esta deixado de descobrir e de libertar os prisioneiros. A Noruega, negando que o navio tivesse
parado em Bergen e afirmando que ignorava que houvesse prisioneiros a bordo ou que o Altmark estivesse
armado, protestou contra a ação do Cossack e exigiu a volta dos marinheiros libertados - exigência
provavelmente feita mais para satisfazer a Alemanha do que com a esperança de ser atendida. A cólera
apoplética dos porta-vozes nazistas ofereceu o espetáculo algo cômico da Alemanha expressando horror
por uma violação do direito internacional. O contraste entre a atitude normal alemã e essa repentina
exigência de legalidade foi sutilmente estabelecido por Mr. Chamberlain, a 24 de fevereiro.
"De tal maneira os nazistas respeitam os interesses alheios que os navios neutros não mais estão livres de
seus ataques, mesmo quando navegam apenas entre um ponto neutro e outro. Podem afundar navios
mercantes, podem destruir cargueiras cujas tripulações são deixadas a navegar ao léu e morrer de inanição,
mas os países neutros não devem reclamar. Porém, se nós, os britânicos, a fim de salvar 300 homens,
ilegalmente feitos prisioneiros, da brutalidade de um campo de concentração, cometemos assim uma
quebra meramente técnica de neutralidade, que não envolve vidas e não toca na propriedade neutra, então
é quanto basta para que os nazistas fiquem exaustos de tantas exclamações de histérica indignação."
Cumprido o seu dever, por meio de formais e vigorosos protestos, acompanhados por uma oferta de
arbitramento, a Noruega por sua vez mostrou-se contente em aceitar um compromisso que deixou o caso
no ponto em que estava.
A guerra no ar
Enquanto, pois, a guerra se desenvolvia à superfície das águas como em baixo dela, a guerra no ar
continuava a dar sua contribuição principal a esse aspecto particular do conflito. Extensivos vôos de
reconhecimento em terra, durante os quais os aviões aliados chegavam a pontos longínquos do leste tão
distantes como a Polônia, eram efetuados por ambos os lados; mas, à exceção de ocasionais encontros de
patrulhas, não houve lutas, e nenhum bombardeio de objetivos civis ou militares. Mas os navios de guerra
e os mercantes estavam expostos aos perigos da guerra aérea tanto quanto aos dos submarinos e das minas.
Aqui, como no caso da guerra submarina, os neutros desprotegidos é que corriam os principais riscos. Os
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ataques aéreos alemães a comboios britânicos, conquanto aparentemente em aumento durante o mês de
março, foram na quase totalidade infrutíferos. Os bombardeios e metralhamentos de traineiras e navios
leves davam resultados dificilmente compensadores da indignação suscitada por tão implacável
brutalidade. Ocasionalmente, um navio britânico isolado podia sofrer - como por exemplo o transatlântico
de passageiros Domala, vítima, a 2 de março, de um ataque aéreo a metralhadora e o qual ceifou pelo
menos 108 vidas, na maioria de indianos britânicos que estavam sendo repatriados depois de um
internamento na Alemanha. Mas eram os neutros que ofereciam a presa mais fácil. particularmente porque
estavam geralmente desarmados e completamente iluminados. Nove navios holandeses foram
bombardeados e metralhados somente a 4 de março; outros três foram atacados no dia seguinte. A
navegação escandinava não era mais respeitada pelos aviões do que pelos submarinos. Nem mesmo os
italianos escapavam. A 7 de março, durante uma fase particularmente crítica nas relações entre a GrãBretanha e a Itália, o cargueiro italiano Emilia Lauro foi vítima de um selvagem ataque aéreo que matou
um e feriu três - ação que, conforme observara, lastimosamente, o comandante italiano, "veio como
surpresa de nossos amigos".
Scapa e Sylt
A atividade era dirigida principalmente contra navios mercantes, e de quando em vez contra os vasos de
guerra ocupados no serviço de comboiamento. O esforço máximo dos aviadores alemães contra a frota
britânica durante esse período verificou-se com o reide contra Scapa Flow, a 16 de março. Embora Mr.
Churchill tivesse anunciado cerca de três semanas antes que Scapa Flow não havia sido usada como base
principal desde o afundamento do Royal Oak, ela estava sendo utilizada claramente como importante
ancoradouro, e parecia nessa ocasião estar abrigando certo número de grandes navios e outras
embarcações menores. Ao escurecer do dia 16 de março, catorze Heinkels se lançaram sobre a base, num
reide que durou hora e meia. Algo como cem bombas foram deixadas cair, causando sete baixas entre o
pessoal naval e infringindo danos menores num vaso de guerra descrito como não sendo um "navio de
primeira classe". O aspecto mais importante da incursão, todavia, consistiu no fato de os alemães terem
pela primeira vez atacado objetivos de terra da mesma forma que os navios no porto. Aparentemente com
o fim de danificar hangares e campos de pouso, a decolagem dos caças britânicos, os alemães lançaram
bombas explosivas e incendiárias nas cercanias desses objetivos, matando um civil e ferindo sete.
A ação provocou imediatas represálias britânicas. A atividade aérea britânica nesse sentido orientou-se
para o interceptar dos incursores alemães, tanto por meio de patrulhamentos de costa como por ataques
aéreos a bases aeronavais e para o ataque a navios alemães de patrulhamento na costa do Reich. No dia do
reide contra Scapa Flow, aviadores britânicos localizaram e bombardearam vários navios de patrulha ao
largo de Heligoland. Mas, a 19 de março, nova intensificação de ação se verificou, quando os britânicos
efetuaram o maior reide aéreo da história contra as bases aéreas alemãs na ilha de Sylt. Tendo começado
logo depois do escurecer e prosseguido com ondas sucessivas de bombardeiros, o reide durou quase sete
horas, enquanto o seu desenvolvimento, radiografado pelos aviadores ao Almirantado e comunicado ao
primeiro ministro, era relatado, fase por fase, por Mr. Chamberlain na Câmara dos Comuns.
Como no caso do reide contra Scapa Flow, os comunicados britânicos e alemães sobre o reide contra Sylt
mostraram ampla divergência. Os aviadores britânicos acreditaram terem destroçado numerosos hangares
alemães, obtido impactos em tanques de óleo e depósitos de munição, e danificado seriamente o molhe
conhecido como Dique Hindenburgo, a única ligação ferroviária da ilha com o continente. O comunicado
alemão admitiu apenas danos de menor importância, e os nazis procuraram provar sua afirmativa com uma
excursão cuidadosamente organizada de jornalistas especialmente escolhidos. De qualquer modo, pareceu
provável que ambos os reides tinham, até certo ponto, um caráter experimental, e havia dúvidas sobre se os
experimentos foram concludentes para qualquer um dos lados beligerantes.
Nenhum dos dois lados, era claro, estava ainda pronto para arriscar-se a um ataque aéreo de plenitude de
força. Se ficou certo que os bombardeiros podiam passar, ficou também certo que o faziam arriscando-se
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consideravelmente a jamais regressar. Se a defesa, não desfrutava, no ar, da preponderância que
"afirmava" ter conseguido em terra, era mesmo assim bastante forte para obrigar ao atacante a interromper
sua ação. Os próprios reides contra a navegação consistiam em ações rapidíssimas, em que pequenas
esquadrilhas ou mesmo aparelhos isolados lançavam suas bombas e se punham imediatamente a salvo;
dificilmente 3% dos navios afundados o foram por ataques aéreos. Nem também as esquadrilhas atacantes,
via de regra, se empenhavam em batalhas quando alçavam vôo os aviões defensores. As perdas em
combate propriamente dito, tanto nesses reides como na frente ocidental, foram desprezíveis. Os aliados
pretendiam ter abatido 133 aparelhos (os alemães reconheciam a perda de 85) e danificado outros 26 tão
seriamente que era improvável tivessem podido alcançar suas bases. Os alemães afirmaram ter abatido 357
aviões aliados - número que os aliados disseram ser mais que o dobro de suas perdas reais. Mas mesmo
aceitando completamente as afirmações de ambos, o comentário do Spectador a 23 de fevereiro
continuaria verdadeiro: "A escala da guerra aérea até esta data, e as possibilidades da guerra aérea futura,
serão postas nas suas verdadeiras proporções se se notar que em todas essas luta - Mar do Norte, Baía de
Heligoland, Frente Ocidental - nenhum dos lados perdeu em aparelhos o equivalente a uma semana, ou
meia semana, de produção."
Assim, tanto no mar como no ar, não menos que em terra, as forças armadas hesitavam em empenhar-se
fortemente em luta. Ao invés elas tentavam, por meio do bloqueio e dos ataques à navegação, estrangular a
vida econômica do adversário. E enquanto cada qual conduzia esta espécie de ofensiva, cada qual também
se esforçava por fortalecer e consolidar sua frente interna para os esforços crescentes que se esperavam
fossem exigidos pela guerra.
As frentes internas
A declaração do gabinete de guerra britânico, a 9 de setembro, de que os planos estavam sendo feitos de
acordo com a presunção de que a guerra durasse três anos ou mais podia ser tranqüilizadora, mas
dificilmente será tida como inesperada. Em contraste com o ocorrido em 1914, quando se esperava uma
vitória rápida e fácil, havia agora poucas ilusões sobre o caráter sério da luta em que as nações tinham
entrado. Diante de tal perspectiva, ambas as facções pareciam determinados a evitar o mais possível as
dispendiosas confusões da última guerra, no terreno civil não menos que no militar. Em 1914 se verificara
arraigada relutância em perturbar o curso normal da vida civil, mesmo com sacrifício de uma maior
eficiência militar. Em 1939 era evidente desde o começo que todas as atividades nacionais tinham que ser
orientadas com o único propósito de se obter o máximo da eficiência bélica.
Para as democracias isto significou a regularização e coordenação dos esforços econômicos até um ponto
muito mais extensivo que o que jamais tinham conhecido até então, dirigidas por uma concentração de
autoridade muito mais poderosa que qualquer outra que existira em tempos de paz. A Grã-Bretanha e a
França preferiram evitar a palavra "ditadura", como também o que ela representava. Mas para a direção
eficiente das energias nacionais a uma finalidade suprema, alguma forma de autoridade central, munida de
poderes adequados, era absolutamente essencial. O reconhecimento deste fato serviu de base à organização
dos gabinetes de guerra em ambos os países.
Por trás dessa resolução, entretanto, ostentava-se um fato ainda mais fundamental. Este era a manutenção,
em ambos os países, do sistema do governo parlamentar. A autoridade obtida pelos ministros franceses e
ingleses descansava solidamente na sóbria decisão de uma maioria de representantes selecionados da
nação. O parlamento britânico, a 24 de agosto, votou a Lei dos Poderes de Emergência (Lei da Defesa),
que conferiu ao governo o direito de impor extensivas regulamentações decididas em sessão de conselho.
O governo francês, a que já tinha sido dado o direito de agir por meio de decretos temporários, teve esse
direito confirmado para a duração da guerra, por voto da Câmara, a 30 de novembro, e do Senado, a 1o de
dezembro. Mas nenhuma dessas medidas era de alguma forma uma abdicação da autoridade fundamental
do parlamento. O gabinete existia, e os ministros exerciam os seus poderes, sujeitos em última instância à
aprovação das legislaturas eleitas; e ou o Parlamento podia anular esses poderes ou impor-se ao ministério
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toda a vez que tal ação se mostrasse desejável no interesse nacional.
Isto foi demonstrado pela crítica constante, se bem que razoável, que os governos dos dois países tiveram
que sofrer e satisfazer. Nos primeiros dias da guerra, foi a Câmara dos Comuns que promoveu uma
drástica modificação dos regulamentos do Decreto das Medidas de Guerra nos interesses de uma pior
liberdade pessoal. Na França, semelhante criticismo pôs fim a alguns dos piores absurdos da censura,
inclusive a supressão de toda a crítica à política governamental; na Inglaterra, isto teve resultado igual com
a reorganização do impropriamente denominado Ministério da Informação. Mas tais realizações
reforçaram a eficácia do governo democrático, ao invés de enfraquecê-la. Conforme Mr. Churchill disse
numa irradiação de 27 de janeiro:
"No nosso país, os homens públicos sentem orgulho em serem servidores do povo. Envergonhar-se-iam de
ser seus patrões. Ministros da Coroa sentem-se fortalecidos por terem ao seu lado a Câmara dos Comuns e
a Câmara dos Lordes, a se reunirem com grande regularidade e buscarem contínuas oportunidades de
estimular suas atividades. Naturalmente, é bem verdade que surgem muitas vezes severas críticas ao
governo em ambas as Casas. Mas nós não nos ressentimos com a crítica bem-intencionada de qualquer
homem que queira vencer a guerra. Nem mesmo a crítica honesta nós evitamos, e esta é a mais perigosa de
todas."
O gabinete de guerra britânico
Percebeu-se na Grã-Bretanha, durante a guerra passada, que um gabinete de uns vinte membros era
organismo grande demais para uma eficiente direção dos negócios. Quando Mr. Lloyd George se tornou
Primeiro Ministro, em 1916, ele criou um pequeno grupo interno de cinco, cuja função única era a direção
da guerra. Esse foi o precedente que orientou a formação de um Gabinete de Guerra interno ao romper da
presente conflagração. Presidiu-o o Primeiro Ministro e contava com Sir John Simon (Chanceler do
Erário), Lord Halifax (Secretário do Exterior), Lord Chatfield (Coordenação da Defesa), Mr. Hore-Belisha
(Guerra), Sir Kingsley Wood (Ar), e Sir Samuel Hoare (Lord do Selo Privado). Dois outros membros
levaram a essa corporação a experiência obtida durante a Grande Guerra. Mr. Winston Churchill, voltando
ao seu antigo posto no Almirantado, foi incluído no Gabinete de Guerra; e Lord Hankey, que tinha longa
folha de serviço como Secretário do Comitê de Defesa Imperial e o qual servira como Secretário do
Gabinete Imperial de Guerra, entrou como ministro sem pasta. Em edição, Mr. Anthony Eden, que foi
nomeado Secretário dos Domínios, iria ter acesso ao Gabinete de Guerra no tocante a assuntos relativos ao
seu departamento.
Em 1916 observaram-se certas divergências entre esse corpo e o Gabinete de Guerra. Em primeiro lugar,
este não era uma coalizão de todos os partidos. Os partidos Liberal e Trabalhista tinham sido aproximados,
mas, depois de confabulações, haviam decidido manter-se de lado, prontos a apoiar os esforços de guerra
do governo, mas permanecendo livres para criticar onde a crítica se mostrasse justificada. Em segundo
lugar, ele consistia em grande parte na chefia de pastas. Os membros do anterior gabinete de guerra tinham
sido libertados de todos os deveres administrativos, com a finalidade de poderem devotar todas as suas
energias aos problemas mais amplos da guerra. No caso presente, os membros retinham suas pastas
executivas, e sentiu-se que isto seria um erro. Foi também sugerido em alguns círculos que devido a razões
não alheias à inclusão de Mr. Churchill - o Gabinete de Guerra pendia pesadamente para o lado dos
serviços militares, e que o fiel da balança poderia, com vantagens, ser desviado para o lado civil.
Mal se tinham passado quatro meses antes que uma mudança mais importante no Gabinete de Guerra
tivesse lugar. A 5 de janeiro foi anunciado que Mr. Hore-Belisha renunciara a pasta de Secretário de
Estado da Guerra. A notícia apanhou o público em geral inteiramente de surpresa. Mr. Hore-Belisha tinha
ganho uma reputação de enérgico reformador, particularmente durante a sua gestão na pasta da Guerra.
Sua drástica modificação do Supremo Comando, suas medidas para democratizar o exército e acelerar as
promoções, seus esforços para melhorar o soldo dos soldados, tinham provocado comentários favoráveis.
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O mistério foi mal desfeito pelas explicações oficiais no Parlamento. A coisa mais aproximada a uma
insinuação, na declaração algo velada de Mr. Hore-Belisha, foi a observação: "Não me ocorreu considerar
que estávamos tornando o exército democrático demais para lutar pela democracia." O primeiro ministro
limitou-se grandemente a negar algumas interpretações que corriam em forma de boatos. Não tem havido,
disse ele, divergência alguma em política entre Mr. Hore-Belisha e o Gabinete ou o Conselho do Exército.
Não tem havido pressão alguma para o seu afastamento de parte dos homens de "galões dourados", e
nenhum membro do Alto Comando ameaçou renunciar. "Quero dizer apenas que cheguei à percepção de
dificuldades - talvez possa descrevê-las como resultado das muito grandes qualidades de meu honrado
amigo - que, a meu modo de ver, faziam desejável que alguma mudança ocorresse de quando em vez".
Tudo que era possível deduzir-se de tal declaração era que, no caso de Mr. Oliver Stanley, que substituiu
Mr. Hore-Belisha na pasta da Guerra, essas dificuldades peculiares dificilmente se apresentariam.
A substituição, se bem que aceita sem críticas sérias, pouco contribuiu para refrear a crescente impaciência
que se tornou manifesta num certo número de círculos durante os meses que se sucederam. Um sentimento
foi expresso abertamente: não apenas o de que certos funcionários se conduziam de um modo algo menos
que ideal em seus postos, mas também o de que havia necessidade de mais eficaz coordenação dos
esforços do que a empregada pelo Gabinete de Guerra nas bases existentes. No começo de abril foram
tomadas medidas experimentais para conciliar esses sentimentos. Além de certas modificações
ministeriais, inclusive a substituição de Sir Kingsley Wood no Ministério do Ar por Sir Samuel Hoare, e a
resignação de Lord Chatfield ao seu cargo no Gabinete, a estrutura mesma do corpo central governante foi
reorganizada. Mr. Churchill tornou-se chefe de um comitê composto dos chefes dos serviços de guerra; Sir
John Simon, daí em diante, passou a presidir um comitê de política econômica; e Sir Kingsley Wood,
agora Lord do Selo Privado, foi posto na chefia de um comitê de política interna. Assim, a direção das
ativas hostilidades, dos assuntos econômicos e dos problemas sociais e domésticos foi entregue a uma
autoridade coerente, com o Gabinete de Guerra a exercer a suprema função de órgão coordenador. Não era
de modo algum tudo que a crítica esperava, mas representou progresso destacado em favor da unidade de
direção.
Governo de guerra na França
Também na França, o início da guerra conduziu a uma reorganização do governo. Daladier procurou
ampliar as bases de seu ministério com a inclusão de dois líderes socialistas, mas estes não obtiveram a
permissão de seu partido em termos aceitáveis por Daladier. O ministério que ele anunciou a 13 de
setembro era, portanto, muito semelhante na composição ao que o precedera. A modificação mais notável
foi a transferência para o ministério da Justiça de M. Bonnet, que durante a sua gestão no ministério do
Exterior estivera por demais ligado à política de apaziguamento. Nem também era este um órgão reduzido,
nos moldes do Gabinete de Guerra britânico, se bem que de certa maneira uma significativa concentração
de poderes tivesse sido efetuada quando Daladier tomou em mãos as pastas da Guerra e dos Negócios
Exteriores, além da chefia do Gabinete.
O parlamento francês governa tradicionalmente o executivo com mãos ciumentas; e um ministério dotado
do poder de emitir decretos-leis de tanta autoridade concentrada nas mãos do primeiro ministro iria fazer
com que seus atos fossem fiscalizados com cuidados ainda maiores que os habituais.
Os socialistas particularmente poderiam mostrar certa preocupação a respeito da atitude do governo no
tocante aos elementos mais radicais da Esquerda. Ao começo da guerra, o governo utilizou todos os
recursos de sua autoridade para lançar um golpe contra os comunistas. O partido estava proscrito e seus
líderes presos; sua tentativa de se reorganizar num Partido de Operários e Camponeses foi declarada ilegal;
os conselhos municipais comunistas foram suprimidos, e 60 dos 73 deputados comunistas à Câmara foram
privados de seus assentos. Mas, na verdade, os próprios socialistas se adiantaram em condenar Moscou
desde o pacto germânico-soviético. O próprio Parlamento votou a expulsão dos deputados comunistas; e
quando, em fevereiro, M. Daladier defendeu sua política ante a Câmara, em sessão secreta, obteve o
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triunfo quase sem precedentes de um voto unânime de confiança.
Este sucesso, entretanto, mostrou-se temporário. Certa obstinação sobre a condução da guerra tornou-se
evidente em março, e foi acentuada à conclusão da paz entre a Finlândia e a Rússia. A 15 de março, depois
de dois dias de debates secretos, uma moção de confiança foi obtida no Senado, sem nenhum voto em
contrário, mas, de um modo significativo, com certo número de abstenções. A 19 de março houve uma
prolongada sessão secreta na Câmara dos Deputados. Ao terminar, uma moção expressando admiração
pela Finlândia e confiança em que o governo conduzisse a guerra à vitória foi aprovada por 239 contra 1
voto. Mas as cifras demonstraram que 300 deputados, na maioria socialistas, tinham-se abstido de votar, e
indicava crescente precariedade na posição do governo. O resultado foi a renúncia do governo Daladier a
20 de março.
O sucessor de Daladier foi Paul Reynaud, ministro das Finanças. M. Reynaud era conhecido como um
homem de energia e decisão um moderado que apoiava os métodos democráticos e as finanças
equilibradas. Sua reputação crescera com o trabalho desenvolvido no gabinete Daladier, onde sua política
conseguira estabilizar a posição financeira da França e trouxera uma volta de confiança capaz de paralisar
a evasão do capital para o exterior. Seu gabinete, em que Daladier permaneceu na qualidade de Ministro
da Guerra e o próprio M. Reynaud assumiu a direção da política estrangeira, ficou marcado por dois feitos
especiais. Criou um grupo central de nove ministros para agir como Gabinete de Guerra, e ampliou as
bases do governo com a inclusão de três socialistas no ministério. Além disso, um Comitê de Guerra,
consistente dos ministros da defesa e dos chefes dos serviços combatentes, e um Comitê Econômico InterMinisterial, cuja função era coordenar a atividade econômica, foram criados no interesse de uma direção
central mais eficaz.
O novo ministério foi recebido de maneira algo duvidosa. Seu primeiro voto de confiança foi obtido pela
contagem de 268 contra 156, mas a abstenção de 111 membros deixou-o com uma maioria real de apenas
um voto. Havia várias razões para isto. O gabinete dos nove, que M. Reynaud descreveu como "bastante
para a deliberação, mas não para a ação", era considerado por muita gente como sendo ainda grande
demais. A inclusão dos ministros socialistas foi vista com maus olhos pelos conservadores; e os radicalsocialistas, o partido de Daladier, exibia certos sinais de descontentamento. Embora o novo gabinete
tivesse mostrado sinais de força crescente nos dias que se seguiram, no começo de abril seu futuro era
ainda duvidoso.
A ascendência de Goering
Na Alemanha de Adolf Hitler não havia, naturalmente, problema algum de concentração de autoridade
para fins de guerra. Isto fôra conseguido com a ascenção de Hitler ao poder. Mas mesmo assim o governo
alemão sentiu a necessidade de um órgão capaz de supervisar a coordenação das medidas necessárias para
o eficaz prosseguimento da guerra. O equivalente alemão do Gabinete de Guerra britânico era, pois, o
Conselho Ministerial para a Defesa do Reich, que Hitler criara com o decreto de 30 de agosto.
O chefe desse órgão era o marechal-de-campo Goering, agora definitivamente estabelecido como segundo
na importância depois do próprio Hitler. Desde que os nazistas tomaram o poder, ele tinha sido
encarregado de uma sucessão de tarefas críticas, de modo que a sua autoridade já se estendia aos terrenos
político, militar e econômico. Foi presidente do Reichstag, criador e chefe da força aérea alemã, e diretor
do Plano de Quatro Anos que governava a atividade econômica da Alemanha. E em seu discurso no
Reichstag, a 1o de setembro, Hitler nomeou Goering seu sucessor imediato para o caso de lhe acontecer
algo durante a guerra.
Para o segundo na lista, e também para membro do Conselho de Defesa, Hitler nomeou Rudolf Hess. O
mérito relevante deste era a sua completa devoção pessoal a Hitler. Em troca, Hitler provavelmente
confiava em Hess mais que em qualquer outro de seus associados. Tornou Hess seu vice-líder no Partido
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Nazista, e dependia dele em muitos dos trabalhos de detalhe envolvendo coisas como a redação de
decretos. Da parte de Hess, Hitler podia contar com solícita obediência.
Os outros quatro membros do Conselho eram Wilhelm Frick (Ministro do Interior), dr. Walther Fuck
(Ministro da Economia e diretor do Reichsbank), general Wilhelm Keitel (Chefe do Estado-Maior pessoal
de Hitler) e dr. Heinrich Lamers, chefe da Chancelaria do Reich e secretário do Conselho. Esses homens
eram naturalmente membros em função dos próprios cargos que ocupavam, e sua inclusão foi menos digna
de nota que a omissão de certos outros líderes. A ausência de Herr von Ribbentrop poderia ser atribuída ao
fato de que ele era Ministro do Exterior, visto que o Conselho iria lidar principalmente com questões
domésticas. Mas a exclusão do dr. Goebbels, ministro da Propaganda, e de Heinrich Himmler, chefe da
Polícia Secreta, eram levadas por muitos observadores na conta da hostilidade pessoal de Goering. Sua
inimizade em relação a Goebbels havia muito era notória; e sua antipatia a Himmler, embora
possivelmente mais recente, não era por isso menos amarga. Parecia ser compartilhada pelos altos círculos
do exército, revoltados com a brutalidade dos métodos policiais de Himmler. Diz muito do poder de
Himmler o fato de pouco tempo depois Goering ter sido obrigado a conceder-lhe o direito a um assento
como substituto do dr. Frick sempre que este tivesse que ausentar-se.
Ao término do ano era sentida a necessidade de coordenação ainda maia estreita. O Conselho de Defesa
poderia harmonizar a política, mas algo semelhante a um Estado-Maior para a economia nacional atrairia
maior harmonia neste terreno O resultado foi a criação, a 4 de janeiro, de um Conselho Geral da Economia
de Guerra. Novamente Goering foi escolhido chefe, e ligados a ele estavam funcionários dos principais
ministérios que lidavam com questões sociais e econômicas, da mesma forma que do exército e da
organização do Plano de Quatro Anos. A nova nomeação tornou Goering chefe supremo de toda a
economia nacional, e colocou diretamente em suas mãos o controle de funções específicas que mesmo
Hitler nunca procurou exercer.
Economia de guerra
"As Finanças", disse Sir John Simon ao apresentar o orçamento de guerra da Grã-Bretanha, "são a quarta
arma de defesa, não menos importante que as outras três, e se as finanças falharem, o pilar que sustenta
todos os nossos esforços de guerra, ruirá". Mas as finanças nesta guerra significam algo muito mais que o
simples equilíbrio entre as despesas e as receitas do governo. Com todos os beligerantes, mesmo durante o
período mais calmo da guerra, gastando somas equivalentes a menos de metade de suas rendas nacionais,
as fontes de empréstimos e impostos tinham que ser consideradas; e isto significava, em última análise, um
cuidado extraordinário com as próprias fontes de renda nacional.
Um resultado foi a completa mudança de atitude quanto à questão dos gastos individuais. Em tempo de
paz era natural que os cidadãos fossem encorajados a comprar quanta coisa lhes fosse possível. Quanto
mais eles comprassem, maior seria o encorajamento dos esforços de produção; e esse caminho, sentia-se,
conduzia à prosperidade nacional. Mas em tempo de guerra, todas as energias produtivas da nação eram
necessárias à condução da guerra. Quanto mais o cidadão médio exigia para si próprio, menos ficaria para
os propósitos de guerra. Por outro lado, quanto mais suas exigências fossem reduzidas ao estritamente
essencial, tanto maiores seriam os recursos à disposição do Estado.
Um dos modos de restringir s consumo individual era o racionamento. Isto foi introduzido na Alemanha
para certo número de artigos de primeira necessidade a 27 de agosto, e depois regulamentado em
setembro. Os aliados foram mais vagarosos para adotar restrições obrigatórias. Mas a 8 de janeiro a
Inglaterra introduziu cartões de racionamento para a manteiga, açúcar, toucinho e presunto, e a carne foi
acrescida à lista em março. Sir John Simon explicou essas medidas como destinadas deliberadamente a
reduzir o consumo dos gêneros; e as medidas tomadas em fevereiro para o controle do algodão e da lã
foram dirigidas para idêntico fim. As restrições francesas, introduzidas a 1o de março, tomaram a forma
não de cartões de racionamento, mas da proibição de certos alimentos em determinados dias - nenhuma
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carne na segunda-feira, por exemplo, e nada de farináceos na terça-feira. O álcool ficou proibido por três
dias da semana, mas o vinho foi deixado à vontade dos consumidores gauleses.
Um segundo método consistia na elevação dos preços - ou, alternativamente, na redução dos salários.
Todos os governos beligerantes reconheceram as dificuldades com que esbarrava esta última medida; mas
todos se empenharam em evitar qualquer séria elevação de salários, enquanto deixavam que os preços
tomassem um rumo ascendente. No caso de certos gêneros de primeira necessidade ainda não racionados,
percebeu-se que estes tinham que ser limitados; e em fevereiro o governo britânico apresentou um plano
de subsídio alimentar ao custo de 58.000.000 de libras por ano para ser aplicado ao trigo e ao leite, da
mesma forma que aos gêneros racionados como carne e toucinho, cujos preços se elevavam acima do
desejável. Mas a elevação de preços de muitos artigos foi deixada à vontade; e nos países beligerantes como também, na verdade, nas nações neutras da Europa - o custo da vida subiu durante esse período entre
vinte e trinta por cento.
A par desses acontecimentos manifestava-se um esforço, não somente para aumentar a produção da
agricultura e indústria nacionais, como também - e particularmente no caso da Grã-Bretanha - para dar um
estímulo especial às indústrias de exportação. As compras britânicas no exterior - sempre grandes,
aumentaram substancialmente como resultado das exigências bélicas. As importações de 105.000.000
libras em janeiro ultrapassavam mais que duas vezes e meia as exportações, e excederam as importações
de janeiro de 1939 em perto de 30.000.000 de libras. As importações de fevereiro baixaram a menos de
96.000.000 libras, mas as exportações também baixaram até 40.000.000 de libras. Isto envolvia não
somente um problema de balança comercial, mas também um de câmbio estrangeiro. Algum alívio poderia
ser esperado de planos como o da expansão da agricultura doméstica para dois milhões de acres; e o
problema do câmbio poderia tornar-se menos agudo por meio de compras dentro do Império, onde as
aquisições extensivas de produtos como lã, cobre e madeira já tinham sido resolvidas. Mas era aparente
que sério esforço ainda tinha que ser feito para equilibrar a balança.
Nos círculos comerciais da Grã-Bretanha ergueu-se em conseqüência a exigência pela criação de um
Ministério da Economia, cuja tarefa seria a coordenação e direção de todas as atividades econômicas da
nação - a tarefa mesma que estava sendo cumprida pelo Conselho Econômico de Goering na Alemanha.
Essa proposta foi rejeitada por Mr. Chamberlain, que receava que "esse ministro de altos poderes poderia
fazer mais mal do que bem" e o qual pensava no "que é que o primeiro ministro iria fazer depois que esse
cavalheiro desse ordens a todos os departamentos." Mas a 1o de fevereiro ele anunciou a criação de um
Conselho de Exportação, chefiada por Sir Andrew Rae Duncan, cuja tarefa seria encorajar o comércio
exportador da Grã-Bretanha e diminuir a diferença entre exportações e importações pelo incremento das
exportações em cerca de cinqüenta por cento.
O problema das finanças
Esses, pois, eram alguns dos acontecimentos que se ocultavam por trás dos esforços dos governos
beligerantes para assentar as bases necessárias à neutralização do crescente custo da guerra - custo que, na
Grã-Bretanha, chegava a seis e meio milhões de libras por dia. A França gastava algo menos, a Alemanha
consideravelmente mais. Nem toda essa despesa podia ser coberta pelos impostos comuns, embora sérios
esforços tenham sido feitos para a obtenção da maior renda possível. Os impostos sobre a renda dos
britânicos subiram de 37 para 80 por cento. O imposto francês sobre a renda - de 4 para 15 por cento parecia baixo em comparação, mas foi completado por impostos indiretos e por taxações drásticas sobre os
lucros comerciais. A Alemanha aumentou um imposto já pesado em 50 por cento, e impostos indiretos
sobre vários artigos em 20 por cento. Mesmo a Grã-Bretanha dificilmente poderia esperar, entretanto,
obter pela taxação mais que 40 por cento de um gasto de guerra que acabaria por subir a tanto como três
bilhões de libras por ano. A Alemanha teria conseguido muito se se aproximasse daquela proporção;
enquanto a França, que gastaria sete e meio bilhões de dólares em 1940, teria provavelmente que obter
53
tanto como três quartas partes daquela soma por meio de empréstimos e créditos.
Essa situação exigia uma cuidadosa administração dos recursos de crédito do país. Certo uso poderia ser
feito dos empregos de capital existentes, particularmente para conseguir créditos no exterior. Todos os
beligerantes tinham imposto rígidas restrições cambiais. A Alemanha, naturalmente, havia muito tinha
reivindicado para o Estado todos os bens de estrangeiros. Em fevereiro, a Grã-Bretanha atribuiu uma lista
de sessenta garantias americanas selecionadas. Mas a principal fonte de recursos devia ser as apropriações
dos fundos disponíveis dentro do país. A flutuação favorável de um empréstimo britânico de 300.000.000
libras à taxa de três por cento mostrou a intenção de se manter o custo das apropriações o mais baixo
possível; e isto foi acompanhado de medidas tendentes a evitar a alta conseqüente das inversões
particulares e pela fixação a um preço mínimo das garantias governamentais. A França também se
empenhou em preservar ao governo uma posição crediária favorável; e a Alemanha mostrou sinais de
ampliar o já extenso controle que exercia sobre a política de inversões de indivíduos e corporações.
O fato era, naturalmente, que fora desses países - os baluartes financeiros da Europa - relativamente
poucas fontes de crédito havia disponíveis. A Grã-Bretanha esperava poder fazer uso da capacidade de
crédito do Canadá e dos outros Domínios, e poderiam ser obtidos créditos comerciais de vários neutros.
Mas estes, à exceção dos Estados Unidos, tinham fundos limitados para poder pôr à disposição dos
beligerantes; e os créditos americanos estavam barrados pela Lei da Neutralidade. Conforme Mr. Robert
Hudson, Secretário do Comércio Ultramarino, resumiu o duplo problema dos suprimentos e finanças:
"Não estamos livres para concentrar todas as nossas forças na fabricação de munições, porque devemos
devotar parte dos nossos recursos industriais, uma parte crescente, ao preparo de artigos que pagarão pela
matéria-prima de que essas munições por sua vez possam ser fabricadas. Não podemos tomar empréstimos
externos para fazer isto, como fizemos entre 1914 e 1918. Devemos pagar à vista. Esta é uma guerra de
cash-and-carry".
Dificuldades orçamentárias, entretanto, não iriam, por si só, trazer o colapso a qualquer um dos
beligerantes. Enquanto os seus povos continuassem a produzir, e enquanto consentissem em fazer entrega
de uma parte bastante de sua produção ao Estado para fins bélicos, suas dificuldades econômicas não
seriam insuperáveis. As restrições e o racionamento que tinham sido impostos o foram, na maioria dos
casos, devido à necessidade da precaução, mais que em resultado de necessidades imediatas, e as
necessidades absolutas da vida eram ainda satisfeitas em todos os países beligerantes. A Alemanha tinha,
sem dúvida, impelido seus cidadãos para mais perto de um padrão mínimo de vida do que a Grã-Bretanha
ou a França. Ao começo do ano, uma política mais suave foi adotada com respeito aos salários e horasextras indicação de que a pressão sobre os trabalhadores era considerada como tendo ido longe demais. E
quando a 15 de fevereiro Goering anunciou um aumento no preço da manteiga e do leite, ele sentiu a
necessidade de acrescentar a isso um argumento de que a Alemanha tinha grande quantidade de gêneros
alimentícios disponíveis, como também um apelo às donas de casa para que se mantivessem animosas.
No terreno comercial, as importações alemães dos neutros acessíveis pareciam alcançar ou mesmo
ultrapassar o nível de antes da guerra, e certa quantidade de suprimentos de outros países gotejou através
dos vizinhos da Alemanha. Um sinal menos prometedor foi o decréscimo das exportações, mesmo para a
Europa continental. Para sanar as deficiências em ambos esses terrenos, as melhores esperanças da
Alemanha repousavam no desenvolvimento de suas relações com a Rússia. Era verdade que pequeno lucro
fôra obtido até então de tais relações. Mas um novo tratado comercial, a 12 de fevereiro, (esses tratados
estavam se tornando ocorrenciais quase que mensais) acenava com o elevar do tráfico entre os dois países
dos existentes 200 milhões de marcos para "um nível que excederia o de todos os anos decorrentes desde a
Guerra Mundial" - isto é, ultrapassaria o bilhão de marcos a que chegara em 1931. E se tais esperanças
fossem seriamente alimentadas, elas sem dúvida haveriam de receber considerável impulso com a
conclusão da guerra russo-finlandesa.
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A Rússia e a Finlândia
A severidade do inverno que se abatera sobre a Europa, fossem quais fossem os seus efeitos sobre as
operações no ocidente, em nada contribuíra para diminuir a intensidade da guerra que se travava entre a
Rússia e a Finlândia. Nas frentes de batalha que se estendiam ao Círculo Ártico, sob uma temperatura que
às vezes decaía a 45°C. abaixo de zero, a luta prosseguia; e à medida que ela continuava, a fantasia
exuberante dos primeiros informes sobre os êxitos finlandeses começou a dar lugar a apreciações mais
sóbrias em torno das graves perspectivas que se descortinavam.
Ao iniciar-se o ano, os finlandeses ainda mostravam uma resistência de notável sucesso à contínua pressão
soviética, que se manifestava em todas as frentes. O avanço norte, de Salla ao entroncamento ferroviário
de Kemijaervi, encontrou uma barreira inicial a 19 de dezembro, e uma tentativa subseqüente foi
paralisada em meados de janeiro. O esforço de atravessar a estreita cintura da Finlândia, com a finalidade
de alcançar o golfo de Bothnia e assim cortar as ligações ferroviárias com a Suécia, levou, pelo fim do ano,
à batalha de Suomussalmi, em que os finlandeses primeiro derrotaram a 163a divisão russa e depois,
passada uma semana, voltaram-se contra a 44a divisão, que vinha em socorro da primeira, e castigaram-na
severamente. Os ataques contra a linha Mannerheim foram repelidos com êxito; outro movimento ofensivo
ao sul de Suomussalmi, em Kuhmo, foi frustrado; e a séria ofensiva ao norte do lago Ladoga, que
continuou por todo o mês de janeiro, chegou até o fim desse mês sem ser coroada de sucesso decisivo.
Ao começo de fevereiro, entretanto, mudou a tática russa. Já então tivera lugar uma modificação no
comando russo, e as tropas de segunda categoria empenhadas nas operações anteriores foram substituídas
por divisões mais bem treinadas, possivelmente trazidas das forças siberianas. Essa reorganização foi
então seguida de um nove plano de campanha. Até aí os esforços principais tinham sido dirigidos por
forças mecanizadas contra a fronteira não-fortificada da Finlândia oriental. As dificuldades de terreno, a
deficiência das comunicações russas, e a habilidade dos finlandeses em tirar plena vantagem desses
fatores, tinham contribuído para a falta de êxito dos russos. Foram então abandonados os métodos iniciais.
Os esforços ao norte ficaram reduzidos a meras operações auxiliares; e a 1o de fevereiro todo o peso da
ofensiva russa foi lançado num ataque frontal contra a Linha Mannerheim.
A Linha Mannerheim
A Linha Mannerheim era um exemplo de primeira classe de modernas fortificações. Seguiu ela os
princípios adotados pelos alemães no ocidente e pelos franceses na sua mais recente construção atrás da
Linha Maginot os princípios da defesa em profundidade. Tirou plena vantagem das características naturais
do terreno em que fôra construída. A largura de 96 km. do istmo de Carélia é pontilhada de lagos que
constituem obstáculos para um assalto em massa ao longo de todo o comprimento daquela linha. A tática
de infiltração impõe-se praticamente ao atacante pela própria natureza do terreno. E as obras de
fortificações haviam sido construídas justamente para fazer frente a essa tática. Elas não eram construídas
numa linha contínua, mas numa série de posições isoladas. Os pontos fortes eram a cidadela de Muolaa ao
centro, as defesas de Taipale no lago Ladoga, e os fortes de Koivisto no golfo da Finlândia. Entre eles, e
mais atrás, em três zonas principais, havia uma série de posições fortificadas a cobrirem as principais
linhas de aproximação e construídas de modo a produzir um fulminante fogo cruzado contra as tropas
atacantes. Uma crescente resistência na defesa foi calculada para infligir aos atacantes perdas tais que um
contra-ataque apropriado lhes completaria a destruição.
Parecia que uma brecha preliminar fôra aberta, na última parte de janeiro, onde o principal peso do ataque
russo estava então concentrado: ao longo da estrada de Viipuri a Leningrado antes de Summa, no centro
direito da linha entre Muolaa e Koivisto. Atrás do ataque havia uma concentração de artilharia
remanescente das batalhas do Somme e de Verdun, durante a Grande Guerra. Assestados quase lado a
lado, os canhões russos martelavam incessantemente as fortificações, atirando, segundo cálculos, umas
300.000 granadas diariamente. Os efeitos desse canhoneio foram a erradicação das peças defensoras e o
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desvio de sua linha de fogo, ficando assim a infantaria atacante, coberta por tanques, capacitada de avançar
sobre cada posição sucessiva. Depois de uma batalha de quinze dias, Summa foi capturada e a primeira
linha defensiva estava penetrada.
Os finlandeses tinham obtido suas vitórias iniciais ao permitirem que as forças russas, avançassem para
depois isolá-las, por meio de ataques às suas comunicações. Isto exigia uma flexibilidade de manobra que
não era possível na defesa de posições fortificadas. O equivalente dessa tática na Linha Mannerheim teria
sido um contra-ataque antes que o saliente criado pelos russos no ataque contra Summa se tivesse
transformado numa ruptura das linhas finlandesas. Mas fortes ataques russos na extremidade oriental da
linha e ao norte do lago Ladoga mantiveram engajadas substanciais forças finlandesas e impediram os
finlandeses de reforçar os defensores de Summa. Eles não tinham reservas frescas disponíveis para contraataques, apesar da convocação de homens de 45 e 46 anos. Com a ruptura da frente finlandesa, os russos
estavam capacitados a alargar a sua frente e a voltar a atenção aos fortes de Koivisto que ameaçavam seu
flanco.
A 26 de fevereiro. os finlandeses finalmente admitiram a perda de Koivisto. A cidade-chave de Viipuri
encontrava-se então sob um bombardeio a curta distância. Tropas russas penetraram em seus subúrbios nos
primeiros dias de março; outras forças russas foram empregadas num movimento de flanco em torno da
baía de Viipuri. Apesar da barragem de artilharia e do fogo de metralhadoras que as acolheu no avanço
aberto por sobre o gelo, elas dominaram as ilhas e a baía e puderam fixar-se no continente. A 11 de março,
Viipuri estava envolvida e seus dias visivelmente contados.
Mas quatro dias antes, a 7 de março, o mundo ficara atônito ao ter conhecimento da notícia de que
negociações de paz já estavam em andamento entre a Rússia e a Finlândia.
A oferta russa de paz
Os passos que conduziram a esse acontecimento foram um segredo cuidadosamente guardado; e os vários
documentos disponíveis ao tempo de ter sido este trabalho escrito haviam levantado apenas uma parte
muito pequena do véu. Mas parecia claro que, mesmo depois de declarada a guerra, ambas as facções
continuavam a acalentar na mente a possibilidade de um acordo. A 15 de dezembro, o Ministro dos
Estrangeiros da Finlândia irradiou uma mensagem pessoal ao premier Molotov oferecendo negociações
para uma paz honrosa. Oferta semelhante foi feita pelo presidente Kallio, numa reunião da Dieta de
Guerra, a 1o de fevereiro. Nesse ínterim, os russos haviam, segundo parece, informado à Suécia, a 29 de
janeiro, que estavam desejosos de receber sugestões dos finlandeses, uma vez que as primitivas
reivindicações russas fossem satisfeitas e garantias subseqüentes lhes fossem dadas. Mas a resposta
finlandesa, e a base sugerida no discurso do presidente Kallio, não iam de encontro a essas condições.
Moscou decaiu na atitude de que o regime de títeres de Terijoki, e não "os bandidos finlandeses" de
Helsingfors, constituía o governo legal da Finlândia; e novas iniciativas finlandesas, por intermédio da
Suécia, a 12 de fevereiro, não receberam resposta.
Na parte final de fevereiro, entretanto, essa atitude mudou. Novos perigos de um choque com o Japão,
sobre a fronteira da Mongólia, negociações que haviam sido interrompidas, e um certo nervosismo devido
à situação interna, podem ter tido algo a ver com isso. De qualquer forma, o embaixador soviético em
Londres achegou-se ao governo britânico a 22 de fevereiro com uma série de propostas que pedia à GrãBretanha encaminhasse à Finlândia.
As propostas russas eram mais duras que as exigências originais que tinham conduzido à guerra com a
Finlândia. Elas incluíam todo o território que cobre o lago Ladoga e o total do istmo de Carélia, bem como
concessões na região de Petsamo e um longo arrendamento da base naval de Hangoe. O governo britânico
estudou-as durante cinco dias e depois achou que eram ultrajantes demais para serem encaminhadas.
Assim, tendo falhado na obtenção dos bons ofícios britânicos, o governo soviético voltou-se de novo para
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a Suécia.
A posição da Suécia
Os suecos tinham boas razões para procurar a oportunidade de paz com mais empenho que os ingleses.
Sua posição era a de uma crescente inquietude. A guerra entre a Alemanha e os aliados tornara a sua
neutralidade bastante precária. Os interesses da Alemanha em manter acesso aos suprimentos suecos,
particularmente o minério de ferro, acentuaram a sua pressão política, dirigida especialmente em favor da
supressão na imprensa sueca de quaisquer comentários menos favoráveis à Alemanha. Em vista do que o
comércio e a navegação suecos sofriam com os indiscriminados métodos alemães de guerra naval, tais
comentários eram naturalmente de certa freqüência. E, do mesmo modo naturalmente, os aliados,
conquanto simpatizassem com os suecos por sua tão difícil situação, eram obrigados a efetuar todos os
esforços para impedir a sua manutenção técnica de neutralidade, utilizada, de fato, numa forma favorável à
Alemanha.
O início da guerra russo-finlandesa complicou enormemente a situação. Pôs a Escandinávia,
particularmente a Suécia, entre três fogos. Havia a sensação geral de que a Finlândia era um baluarte
essencial cuja queda tornaria a Suécia a próxima vítima da agressão russa; e um sentimento "ativista"
muito considerável manifestou-se no país, exigindo não somente assistência voluntária aos finlandeses,
mas também intervenção militar direta a seu favor. E mesmo que os aliados não tenham até então exercido
pressão para o mesmo fim, manifestações como o discurso de Mr. Churchill a 20 de janeiro, solicitando
aos neutros que apoiassem os aliados contra a Alemanha, eram sinais bastante claros de que isso poderia
por fim acontecer.
Contra essa possibilidade erguia-se o perigo muito mais iminente de uma ação direta alemã, se a Suécia
desse um passo em falso. Não que a Alemanha fosse necessariamente hostil aos finlandeses, apesar de sua
ligação com a Rússia. Ela cedeu à pressão russa, retendo aviões italianos que eram mandados à Finlândia,
via Alemanha, no começo da guerra. Mas não mostrou entusiasmo algum pela aventura russa. Negou
peremptoriamente o boato de que dera assistência militar ou técnica contra os finlandeses. E era
significante o não ter, aparentemente, oposto objeções ao auxílio sueco à Finlândia ou ao trânsito de
abastecimentos e de voluntários dos países aliados através de solo escandinavo.
Uma intervenção militar aliada direta, entretanto, teria sido um caso decididamente diferente. A Alemanha
nutria a viva suspeita de que o objetivo de tal intervenção não seria apenas o de libertar a Finlândia, mas
também o de desfechar um golpe no Reich. Na Grã-Bretanha e França havia apoio considerável à política
de ser utilizada a intervenção na Finlândia para a criação de uma frente norte contra a Alemanha e assim
privar esta do acesso às minas de ferro da Suécia. Esta política foi vivamente defendida por Mr. HoreBelisha num discurso aos seus eleitores, a 23 de fevereiro. A Alemanha, por sua vez, tornou claro à Suécia
e à Noruega que a presença de tropas aliadas em seu território constituiria o sinal para uma invasão alemã.
Os aliados e a Finlândia
Em fevereiro, os aliados estavam definitivamente estudando uma expedição à Finlândia. As primeiras
solicitações finlandesas, que se tornaram freqüentes de 30 de novembro em diante, eram de suprimentos
militares. A essas, os aliados responderam com a melhor de sua capacidade, e uma relação impressionante
de suprimentos, incluindo artilharia e aviões como também grande variedade de armamento leve, foi mais
tarde revelada pelos governos francês e britânico. Mas não foi senão em meados de janeiro que o barão
Mannerheim disse que se sentiria satisfeito em ter 30.000 soldados bem treinados pelos meados de maio.
A 5 de fevereiro, o Supremo Conselho de Guerra reuniu-se e se decidiu a mandar uma expedição.
Percebeu-se, entretanto, que isso provocaria um ataque alemão à Suécia e que parte da força seria
requerida para auxiliar os suecos. Assim, embora o efetivo da expedição fosse estabelecido em 100.000,
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apenas 30.000 iriam realmente para a Finlândia. Foi sugerido aos finlandeses na segunda metade de
fevereiro que fizessem um apelo público por uma expedição que não chegasse depois de 5 de março, o que
permitiria aos aliados ajustar com a Noruega e a Suécia a questão da passagem.
A esse tempo, com a Rússia a martelar a Linha Mannerheim, a situação finlandesa se tornara muito mais
desesperadora. A 13 de fevereiro, mais ou menos, a Finlândia procurou os países escandinavos com um
pedido oficial de auxílio militar, estabelecendo que a alternativa era para ela solicitar intervenção aliada, e
deixando compreendido que os aliados tinham feito uma promessa concreta de assistência militar. A 16 de
fevereiro foi anunciado que a Suécia recusou a solicitação finlandesa. A notícia conduziu a um estourar de
protestos "ativistas" tão sério que dois dias depois o rei Gustavo teve que convocar o Conselho da Coroa a
fim de fazer uma declaração pública apoiando a ação de seus ministros. A 25 de fevereiro, uma reunião
dos ministros do Exterior da Noruega, Suécia e Dinamarca resultou na declaração de que estes países
estavam unanimemente decididos a manter sua neutralidade, e que "receberiam com satisfação quaisquer
propostas para o início de negociações entre os beligerantes."
Entrementes, parece que os finlandeses tinham começado a fazer pressão por um auxílio aliado mais
imediato. Uma declaração de M. Daladier, a 12 de março, revelou que no começo da segunda metade de
fevereiro, fôra feito um apelo e que a 16 de fevereiro os finlandeses haviam sido informados de que os
transportes necessários tinham sido reunidos e que os franceses dispunham de 50.000 soldados prontos
para embarcar. Reconheceu-se, não oficialmente, haver a Inglaterra tomado medidas semelhantes.
Enquanto esperavam um pedido formal da Finlândia, os aliados trataram de limpar o caminho na
Escandinávia. A 2 de março, de conformidade com uma declaração do ministro dos Estrangeiros da
Noruega, os aliados pediram a este país e à Suécia permissão para o transporte de tropas através de seu
território. A Suécia recusou a 3 de março; a Noruega a 4 de março. A esse tempo, conversações
preliminares de paz estavam em andamento em Estocolmo, e os próprios finlandeses se mostravam
hesitantes. Pediram aos aliados permissão para suspender a sua decisão de uma solicitação formal de
ajuda, e ao mesmo tempo inquiriam se podiam contar com 50.000 homens no prazo de um mês. Os
aliados, de conformidade com Mr. Chamberlain, responderam que a sua proposta anterior representava a
maior força materialmente capaz de ser transportada. Este era o significado, aparentemente, de "todos os
recursos disponíveis" que, conforme disse Mr. Chamberlain na Câmara dos Comuns a 11 de março, os
aliados tinham prometido oferecer à Finlândia, se esta lhes pedisse. Mas o pedido jamais veio, pois que os
finlandeses já estavam negociando os termos finais da paz em Moscou. Um pedido formal dos aliados, a
12 de março, de passagem pela Escandinávia não deu em nada, pois que algumas horas mais tarde os
representantes finlandeses firmaram o tratado de paz com a Rússia.
O tratado de paz russo-finlandês
Os termos impostos pelo tratado à Finlândia eram muito mais severos que os que ela havia rejeitado em
novembro. Ao norte, ela obteve a volta de Petsamo, que os russos tinham ocupado ao começo da guerra;
mas as restrições do tratado de paz de 1920 a respeito de forças navais naquela região foram renovadas, e
um território na península de Rybachi devia ser cedido. Na fronteira oriental, ao invés de obterem uma
faixa da Carélia Russa, de conformidade com as propostas anteriores, os finlandeses cederam uma faixa na
região de Salla, incluindo a cidade de Kuolajaervi. Além disso, houve importantes concessões de trânsito
em ambas estas regiões. Haveria livre trânsito entre a Rússia e a Noruega através da região de Petsamo, e
entre a Rússia e a Suécia pela rota ferroviária mais curta. Para este propósito, os finlandeses prometeram
que a linha que corria do interior do golfo de Bothnia até Kemiajervi iria nesse mesmo ano estender-se até
atingir a fronteira e estabelecer ligação com uma linha russa de Kandalaksha. Isto completaria uma rápida
rota de trânsito da extremidade do golfo de Bothnia ao mar Branco, o que poderia ser de primeira
importância para o desenvolvimento da região de Murmansk.
Mas foi no sul que a Finlândia sofreu as perdas realmente importantes As negociações anteriores tinham
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fracassado em conseqüência da relutância finlandesa em ceder as ilhas estratégicas do golfo da Finlândìa e
vender ou arrendar a base naval de Hangoe. Agora, os finlandeses tiveram que atender a ambas as
exigências. Todas as ilhas na baía de Viipuri e um certo número no golfo da Finlândia foram entregues.
Hangoe foi arrendada à Rússia por trinta anos, a uma renda anual de 8 milhões de marcos finlandeses, e a
península e ilhas adjacentes passaram para administração russa até a duração do prazo de arrendamento.
Os termos relativos ao istmo de Carélia foram os mais drásticos de todos. As exigências originais da
Rússia baseavam-se apenas num reajustamento fronteiriço sem importância, que faria recuar a fronteira de
modo a deixar Leningrado fora do alcance de artilharia. Ao invés, o istmo todo, inclusive Viipuri, foi
cedido juntamente, com uma faixa para o norte do lago Ladoga, colocando-o completamente em território
russo. Economicamente, esta foi a perda mais grave sofrida pela Finlândia. Viipuri, ou Viborg, a terceira
cidade da Finlândia em tamanho, era o porto de mar de uma área que continha grande parte da indústria
finlandesa. Agora metade dessa área, com importantes serrarias e fábricas de pasta para papel e uma
população de cerca de 400.000 pessoas, era entregue à Rússia, enquanto a área remanescente ficava
privada de um acesso direto ao seu escoadouro natural.
Mas, embora essa perda econômica significasse um golpe severo à Finlândia, o aspecto estratégico era
mais importante, particularmente sob o ponto de vista da Rússia. Suas finalidades nas primitivas
negociações tinham sido o assegurar do domínio sobre o golfo da Finlândia, a garantia da segurança de
Leningrado e a remoção da possibilidade de uma ameaça a Murmansk pela península de Rybachi. Elas
estavam agora alcançadas plenamente; e, além disso, a possibilidade da Finlândia poder novamente
oferecer séria resistência militar foi reduzida a uma fração quase desprezível. A Rússia podia, agora,
dominar Petsamo. A cessão de Kuolajaervi reduziu a distância do golfo de Bothnia, e a projetada estrada
de ferro proveria uma linha de comunicação capaz de permitir um avanço russo para isolar a Finlândia da
Suécia. Hangoe e as ilhas adjacentes tornaram a Rússia suprema no golfo da Finlândia. E, mais importante
que tudo, as cessões em torno do lago Ladoga significavam a perda pela Finlândia das principais posições
defensivas. Uma nova linha fortificada poderia ser construída mais atrás; mas um ataque russo não mais
seria dividido pelo lago Ladoga, e a cessão de Viipuri e da faixa ao norte do lago Ladoga envolvia o
rompimento das ligações ferroviárias em que a Finlândia baseara a defesa de sua fronteira oriental.
A perspectiva de que a Rússia tivesse assim a Finlândia à sua mercê constituía motivo de grave
preocupação para a Suécia. A garantia russa de que não tinha mais aspirações territoriais na Escandinávia
foi aceita com alguma reserva, que não foi mitigada pela informação de que, na comissão designada para
assentar os detalhes da nova fronteira, os delegados russos tinham traçado um mapa que estendia suas
reivindicações a vários pontos. E quando a proposta de um pacto de defesa mútua entre a Suécia, Noruega
e Finlândia foi vetada pela Rússia, como sendo contrária à cláusula do tratado que proibia alianças hostis,
parecia claro que a Rússia estava determinada a manter a Finlândia dentro da sua própria órbita política.
Desta forma, a paz, embora tivesse apaziguado as apreensões imediatas da Suécia, de forma nenhuma as
removeu inteiramente. Em certos círculos manifestava-se a tendência de criticar a Suécia pelas suas
argumentações, e particularmente pelo seu bloqueio da intervenção aliada. Mas o seu problema era de
caráter desesperadamente difícil, e a sua simpatia pelos finlandeses tinha sido demonstrada de uma forma a
mais tangível. Calcula-se que nove mil voluntários suecos tinham sido enviados à Finlândia indubitavelmente muito mais que os que tinham vindo de todos os outros países juntos. Cinco mil mais
tinham oferecido seus serviços. Dinheiro e suprimentos no valor de 125.000.000 de marcos filandeses lhes
tinham sido mandados. Para uma nação de 6.000.000 de habitantes esse esforço não era de modo algum
pequeno. O balanço de toda a questão foi muito bem resumido pelo barão Mannerheim nas suas
despedidas às exaustas forças finlandesas:
"Sem o auxílio pronto, em armas e equipamentos, que nos foi dado pela Suécia e as potências ocidentais, a
nossa luta até esta data teria sido concebível... Somos orgulhosamente cônscios do dever histórico, que
continuaremos a cumprir - a defesa daquela civilização ocidental que tem sido nossa herança por séculos;
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mas também sabemos que pagamos até o último níquel qualquer dívida que porventura tenhamos
contraído com o Ocidente."
O Oriente Próximo e os Bálcãs
O fim da guerra finlandesa removeu, temporariamente, qualquer imediata perspectiva de criação de uma
frente norte contra a Alemanha. Era esta uma perspectiva que tinha sido abertamente discutida por certo
número de comentadores, tanto na Inglaterra como na França, os quais achavam que a existência da linha
Siegfried tornava necessário o encontro de outro ponto mais promissor por onde a Alemanha pudesse ser
atacada. Mas uma frente norte não era a única possibilidade; e enquanto alguns olhos estavam voltados
para a Escandinávia e a Finlândia, outros perscrutavam, especulantes, os Bálcãs e o Oriente Próximo.
Essa especulação foi alimentada pela revelação de que mui consideráveis preparativos militares aliados
estavam a caminho na extremidade oriental do Mediterrâneo. O desembarque em Suez, a 12 de fevereiro,
de um contingente de tropas australianas e neozelandesas, estimado em 30.000 homens, chamou a atenção
sobre as forças muito consideráveis que estavam sendo concentradas naquela região. Tropas britânicas no
Egito e na Palestina e tropas francesas na Síria, calculava-se com justeza, tinham atingido um total de bem
acima de meio milhão de homens. A Turquia tinha cerca de 350.000 homens em armas; e na segunda parte
de março a realização de uma conferência em Aleppo entre os Estados-Maiores aliados e turco sugeriram
que essas forças estavam se preparando para agir de acordo quando a ocasião se apresentasse.
Isto descortinou várias possibilidades. Um dos pontos em torno dos quais as discussões freqüentemente se
concentravam era o de um ataque aos campos petrolíferos russos de Baku. Se a Rússia tencionava prover a
Alemanha de considerável quantidade do óleo de que ela tão desesperadamente necessitava, era de Baku
que esse óleo tinha que vir. Lá se encontravam os mais antigos e produtivos campos da Rússia, fornecendo
vinte e três milhões de toneladas, ou três quartas partes da produção total da Rússia. Sua tomada seria um
golpe severo na economia soviética, bem como em quaisquer esperanças alemães de obter substanciais
fontes de petróleo.
Um ataque aos próprios poços de Baku teria que ser conduzido através do difícil terreno montanhoso do
Cáucaso meridional. Séria falta de comunicações agravaria essa dificuldade; é que, embora fosse
informado que a Turquia tinha completado uma nova linha ferroviária para Erzerum, parte dessa linha não
passava ainda de bitola estreita, e o próprio sistema ferroviário turco tinha sofrido considerável dano em
resultado do tremor de terra da Anatólia setentrional, em princípios do ano. Se, contudo, o principal
objetivo era cortar os suprimentos para a Alemanha, algo poderia ser feito pela tomada de Baku. Esse
porto, terminal, no mar Negro, do oleoduto de Baku, ficava a apenas 32 km. da fronteira turca, e seria
vulnerável a um ataque ou bloqueio pelo mar. Um incentivo para tal ação foi fornecido pela notícia, em
fevereiro, de que navios-tanque russos estavam começando a transportar petróleo de Batum para o porto
romeno de Constança, onde este ficaria armazenado para depois ser reembarcado para a Alemanha.
Afirmou-se mesmo que os aliados, na conferência de Aleppo, tinham aplanado o caminho para a obtenção
do consentimento da Turquia de passagem de vasos de guerra aliados através dos Dardanelos para o mar
Negro - informe este que, entretanto, os aliados logo desmentiram.
Por outro lado, foi sugerida a possibilidade da Rússia mesma desferir um ataque, não tanto à Turquia,
como à Pérsia ou ao Iraque. A finalidade seria os campos de petróleo de Mosul ou as comunicações
aliadas com a Índia, através do golfo Pérsico. Certo esforço foi feito para o encontro de um significado
agressivo nas misteriosas manobras navais russas no mar Negro, manobras que tiveram lugar na última
fase de fevereiro. Mas, conquanto um certo nervosismo fosse informado como existente entre as nações do
Oriente Médio, nenhuma prova tangível surgiu de que a Rússia estivesse alimentando quaisquer desígnios
agressivos naquela direção.
Uma terceira possibilidade de ação existia sobre os Bálcãs. Se um ou mais Estados balcânicos se
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resolvessem afinal a entrar para o campo dos aliados, ficaria aberta a possibilidade da criação de uma
frente oriental contra a Alemanha. Se um desses Estados fosse atacado pela Alemanha ou pela Rússia,
semelhante perspectiva se apresentaria. E em vista da intensa luta diplomática que vinha sendo travada
nessa região era bastante possível que algo semelhante pudesse verificar-se.
Ao mesmo tempo, era improvável que a Alemanha atacasse nos Bálcãs até que todas as outras formas de
pressão estivessem esgotadas. O que a Alemanha queria no momento era não tanto a posse das terras
daquela região como a garantia de que os produtos dessas terras lhe ficariam à plena disposição. Uma
invasão militar também mui provavelmente interviria na produção, frustrando, pelo menos
temporariamente, o propósito que se destinaria a servir. Enquanto os países balcânicos continuassem a
comerciar com ela, a Alemanha teria todo o interesse em apoiar-lhes a neutralidade, tentando,
simultaneamente, por todos os meios de pacífica pressão colocar suas economias a serviço do Reich.
A Romênia e a Alemanha
O foco principal de tal pressão - e não somente do lado alemão mas também do aliado - era a Romênia. Os
produtos romenos eram de primeira necessidade para a Alemanha, e o mais importante deles era o
petróleo. Pelo acordo de dezembro, supunha-se que a Alemanha tinha assegurado um mínimo de 130.000
toneladas por mês. Na verdade, entretanto, os fornecimentos de janeiro não chegaram a mais de 26.000
toneladas. Ampla variedade de obstáculos erguia-se a caminho. O transporte por si mesmo apresentava um
problema formidável. O Danúbio gelado impedia o transporte por água, e os aliados se preparavam para a
primavera fretando todos os barcos disponíveis, a fim de deixá-los fora do alcance dos alemães. O
funcionamento dos transportes por estradas de ferro, através da Galícia, agora em poder da Rússia, era tão
pouco satisfatório que, pelo fim de janeiro, a Alemanha arranjou permissão para colocar em serviço as
seus próprios técnicos e guardas de ferrovia, a fim de tentar remediar a situação: A concorrência aliada nas
compras elevou o preço de 17 para 44 dólares por tonelada. A pressão alemã em favor do aumento dos
embarques foi respondida pela contra-pressão aliada. Oitenta por cento da indústria petrolífera romena
pertencia a estrangeiros; e quando, a 17 de janeiro, uma comissão de petróleo foi nomeada para
regulamentar a indústria, a Romênia foi advertida pelos aliados de que não deveria forçar as companhias
francesas e britânicas a fornecerem petróleo à Alemanha. Em fevereiro, com o estrangulamento do
comércio da România e corte dos embarques de metais e borracha, os aliados extraíram do governo do rei
Carol a promessa de que as exigências alemães de aumento das cotas não seriam aceitas e de que seriam
sustados os embarques de gasolina de aviação para o Reich. Pelo menos durante o inverno, as esperanças
nazistas de receber substanciais fornecimentos de petróleo da Romênia pareciam destinadas a sofrer um
desapontamento.
Houve ainda medidas a interferir também nos fornecimentos de outros produtos. A 12 de fevereiro foram
impostas aos cereais e óleos vegetais fortes taxas de exportação. A 22 do mesmo mês, um interdito de
exportação foi imposto a uma longa relação de artigos empregados na manufatura de munições. A 26 de
fevereiro, foram aumentados os fretes de exportação, em alguns casos até em 40 por cento. Além disso, a
Romênia, no começo de março, tinha 1.600.000 homens em armas - circunstância que empobrecia a
agricultura romena e reduzia o total da produção agro-pecuária disponível para a Alemanha. Uma tentativa
alemã de obter a redução desse efetivo com o oferecimento de garantia das fronteiras da Romênia foi
acompanhada pela exigência de, praticamente, um monopólio do comércio romeno e da inclusão dos
simpatizantes dos nazistas no ministério - exigências essas que foram firmemente rejeitadas. No fim de
março, uma missão alemã chegou para negociar novas concessões comerciais, particularmente em torno de
produtos agrícolas e cotas de petróleo; mas até o fim do mês não parecia haver obtido qualquer êxito digno
de menção.
A Turquia e a Aliança Balcânica
Por trás desse equilíbrio bem sucedido da Romênia entre os beligerantes estava o esforço de todo o grupo
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dos Estados balcânicos de permanecer alheio ao conflito. Esta atitude foi indubitavelmente fortalecida pela
posição da Turquia. Era verdade que a Turquia mesma estava francamente a favor dos aliados. Os termos
de sua aliança, suas estreitas relações econômicas com a Grã-Bretanha e a França, e episódios como a
ocupação das fábricas Krupp em Estambul e a expulsão de mais de cem técnicos alemães eram expressões
claras de sua simpatia. Conforme o ministro turco das Relações Exteriores declarara no começo de
fevereiro: "A Turquia não é neutra, mas apenas não-beligerante no momento." Mas a sua influência sobre
os países balcânicos era dirigida menos para impeli-los para o lado dos aliados do que para mantê-los fora
do controle da Alemanha. E a sua influência não ficou diminuída com a sua posição firme em favor da
independência balcânica. Como um jornal turco dissera a 20 de fevereiro: "Se a Alemanha atacar os Bálcãs
encontrar-nos-á para enfrentá-la ao lado dos aliados. Nosso país não esperará a sua vez de braços cruzados,
enquanto os Bálcãs forem esmagados. Este é um erro que nós não cometeremos.''
Houve alguns sinais no começo do ano de uma tendência turca para encorajar a formação de um bloco
balcânico mais forte como barreira eficaz à penetração alemã ou russa, e por algum tempo parecia que os
Estados balcânicos concordariam com essa idéia. Mas qualquer frente comum envolveria o ajuste das
dificuldades existentes entre esses mesmos Estados, e ficou demonstrado que isto constituía um grande
embaraço. Neste caso, novamente, a Romênia foi o foco. Ela tinha obtido territórios tanto da Hungria
como da Bulgária no fim da guerra passada, e não estava disposta a desistir deles para ganhar a amizade
desses dois vizinhos seus. A Bulgária, segundo parecia, não tencionava criar dificuldades sérias, e a
própria Hungria não oferecia qualquer ameaça imediata; mas nenhum desses países estava disposto a
renunciar às suas ambições territoriais, que somente poderiam ser satisfeitas às custas da Romênia. Havia
alguma perspectiva de que se fizesse algum esforço para encontrar uma solução, quando a conferência da
Aliança Balcânica - a que nem a Hungria, nem a Bulgária pertenciam - reuniu-se em Belgrado, a 2 de
fevereiro. Mas a conferência, de três dias de duração, findou sem qualquer outro resultado, além de um
comunicado ligeiro expressando o interesse comum pela manutenção da neutralidade e da paz.
Isto deixou claro que os outros membros da Aliança não estavam dispostos a exercer pressão efetiva sobre
a Romênia no interesse de uma solidariedade mais ampla. Mais significativo ainda era que nenhum passo
pareceu ter sido dado em favor de um acordo de apoio mútuo contra a agressão. De fato, o ministro das
Relações Exteriores da Iugoslávia, ao encerramento da conferência, asseverou com considerável otimismo
que "Os Bálcãs não estão ameaçados por lado algum". Mas pelo menos era verdade que a sensação de
perigo imediato que se alastrara ao começo do ano dera lugar a um maior grau de confiança na segurança
dos Bálcãs. Isto queria dizer que a unidade não era, no momento suficientemente importante para impelir
os diversos Estados a fazer concessões sérias ou firmar compromissos de apoio mútuo. E a razão desse
modo de pensar era menos a fé nas intenções reais da Alemanha do que a sensação de maior desafogo em
relação às atitudes da Itália e da Rússia.
A Política da Itália
A atitude de encorajamento em favor da idéia de um bloco balcânico, que a Itália, numa fase, pareceu ter
adotado, diminuía de força à medida que o ano se escoava. Ela tinha sido motivada em primeiro lugar pelo
receio da penetração russa nos Bálcãs, talvez mesmo de um ataque russo naquela região. Mas esse receio
se desfez quando a Rússia ficou com a Finlândia, e com isto também diminuiu o desejo de solidariedade
nos Bálcãs. Afinal de contas, havia ao menos a possibilidade de que a influência da Turquia sobre um
agrupamento dessa espécie pudesse tornar-se forte bastante para atraí-lo à órbita aliada, e isto não seria de
modo algum vantajoso para a Itália. Seus propósitos seriam melhor servidos se os Estados balcânicos
pudessem continuar suspeitando de todos os beligerantes, inclusive da Rússia. Então, movidos pelo desejo
de manter sua neutralidade, poderiam mostrar-se inclinados a procurar o apoio da Itália, e a aceitar uma
benévola orientação política deste país em troca da perspectiva de sua proteção.
Isto significava que a Itália, como as outras Grandes Potências, tinha um interesse, bem definido quanto à
situação da Romênia. Se a Rússia tinha alguma intenção de expandir-se nos Bálcãs, a Romênia é que
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deveria formar a primeira linha de defesa. E se a Itália obtivesse garantias de que a Romênia estava
firmemente resolvida opor-se ao avanço do bolchevismo, verse-ia obrigada neste caso a ir em socorro da
Romênia. Foi, de fato, assegurado no Senado romeno que Mussolini tinha prometido vir em auxílio desse
país em caso de ataque, não importa de onde partisse.
Havia razão para dúvidas, entretanto, sobre se a Itália faria uma promessa de tal natureza, inteiramente
sem reservas. Embora ela reconhecesse a posição crucial da Romênia, tinha um interesse tradicional muito
mais vivo pela Hungria; e a Hungria, embora mantivesse uma atitude moderada, de modo nenhum tinha
abandonado o desejo de reaver o território perdido para a Romênia. A Hungria também estava numa
posição de certo modo exposta. Ela também tinha a Rússia por vizinha; e, o que ainda é mais importante,
estava obstruindo grandemente o caminho de qualquer projetada expansão alemã pelo Danúbio.
Para a Hungria, pois, havia boas razões em fortalecer os laços com a Itália, e para a Itália em apoiar a
Hungria como um baluarte de uma zona balcânica neutra. Nos começos de janeiro, os dois ministros das
Relações Exteriores, conde Ciano e conde Csaky, tiveram uma conferência na Itália. A declaração de que
tinham estabelecido "uma perfeita identidade de vistas" foi interpretada como significando quase tudo para
uma aliança militar definitiva. Foi desmentido em Roma que qualquer novo acordo formal tivesse sido
negociado; mas pareceu provável que os dois estadistas tinham acordado a resistência comum à Rússia, e
que Ciano, enquanto, possivelmente, tivesse renovado a promessa de apoio italiano às reivindicações
territoriais da Hungria, usara de sua influência para persuadir este país a não exercer pressão em tal sentido
no momento.
A carência de qualquer acordo preciso foi sugerida pelas circunstância que cercaram a visita do primeiro
ministro Teleki a Roma na última semana de março. Os rumores de que o encontro de Hitler com
Mussolini no Brenner era o prelúdio de uma reaproximação ítalo-russa deixaram naturalmente a Hungria
nervosa a respeito de sua posição. Aparentemente, o conde Telek foi tranqüilizado quanto a este ponto
particular pela informação de que a Itália não encarava transformação fundamental alguma de sua atitude
em relação a Moscou. Ao mesmo tempo, entretanto, foi-lhe dado perceber que as próprias ambições da
Hungria não poderiam complicar uma situação extremamente delicada. "A Hungria", disse ele numa
entrevista, "plenamente cônscia da dificuldade do momento, adotou uma atitude que harmonizava com as
necessidades superiores da Europa. Meu país é paciente. Ele tem uma história milenar, e portanto pode
esperar." Era uma clara demonstração de que as reivindicações particulares da Hungria iriam ser protelada:
para quando o resultado da guerra européia se mostrasse mais certo do que parecia no momento.
O que não era tão claro era fazer com que tudo isso ficasse dentro da influência alemã na bacia do
Danúbio. Embora a Itália naturalmente desejasse uma posição predominante, poucos sinais havia de que
ela estivesse disposta a oferecer qualquer forte resistência à penetração alemã na Hungria e nos Bálcãs.
Sua atitude era a de que a Itália não era neutra, mas sim um país não-beligerante cujos laços com a
Alemanha permaneciam firme; como nunca. A conclusão de um acordo comercial a 24 de fevereiro, após
um mês de negociações, foi transformada na oportunidade para a reafirmação da colaboração política entre
a Alemanha e a Itália; e a imprensa controlada continuava a manifestar uma contínua hostilidade em
relação à Grã-Bretanha e à França.
Era essa uma atitude que poderia ter graves complicações. A Itália estava numa posição de poder causar
sérios incômodos aos aliados, se assim o quisesse. Poderia instigar revoltas nas colônias africanas da
França, como também no Egito e na Arábia. Poderia fazer muito para tornar difícil a situação aliada no
Mediterrâneo, difícil e mesmo incerta. E se os aliados viessem a ficar seriamente envolvidos nos Bálcãs ou
no Oriente Próximo, então a Itália, ocupando-lhes as comunicações marítimas, também estaria capacitada
para mantê-las em cheque.
A disputa do carvão
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Foi talvez com a intenção de esclarecer a atitude italiana por um exemplo que a advertisse sobre as
conseqüências de qualquer real hostilidade que a Grã-Bretanha, no fim de fevereiro, sufocou os
fornecimentos de carvão alemão. A ocasião era a da suspensão das negociações comerciais anglo-italianas.
A Grã-Bretanha, acreditava-se, tinha oferecido suprir a Itália de certas matérias-primas industriais em
troca de armas e munições. A Itália esquivou-se a fornecer armas à inimiga da Alemanha e ofereceu pagar
com produtos tais como frutas e téxteis. (Foi notado, entretanto, que os fornecimentos de armas italianas à
França continuavam sem interrupção; e a 6 de março um novo acordo comercial foi firmado entre os dois
países). Pelos meados de fevereiro, as negociações com a Inglaterra foram suspensas; após mais algumas
escaramuças, foi anunciado que todos os carregamentos de carvão da Alemanha para a Itália seriam
interceptados a contar da meia noite de 1o de março.
Essa ordem feriu a Itália num ponto particularmente sensível. Ela importava cerca de doze milhões de
toneladas de carvão por ano, e, destas, sete milhões vinham da Grande Alemanha. Normalmente, dez
milhões chegavam por mar; e, embora parte desse carvão pudesse ser transportada por terra, calculava-se
que as super-ocupadas estradas de ferro alemães possivelmente não poderiam transportar mais que cinco
milhões de toneladas. Se a Itália quisesse obter o combustível tão vital às suas indústrias, tinha que entrar
em acordo com os aliados.
A Grã-Bretanha já tinha demonstrado o desejo de lidar brandamente com a Itália ao permitir que o carvão
alemão continuasse a fazer parte das exportações da Alemanha mesmo depois da interdição de dezembro.
Parece que a Itália estava incerta sobre se a nova medida iria realmente ser reforçada e se decidiu a tirar
uma prova disso com o desafiar da ordem britânica. Treze transportes italianos de carvão que deixaram os
portos alemães ao começo de março foram prontamente capturados pela frota britânica. Com uma falta de
carvão já existente e os preços a subirem rapidamente, a Itália, apesar de protestos irados, decidiu-se a
procurar um acordo. A Grã-Bretanha, por sua vez, estava pronta a aceitar uma transigência,
particularmente em vista da projetada visita de Ribbentrop a Roma. A 9 de março ficou decidido o reinício
das negociações comerciais, tendo a Grã-Bretanha desistido de insistir sobre os armamentos, mas obtido
uma promessa de fornecimento de materiais como caminhões e motores para avião, e a Itália prometido
não importar mais carvão alemão por mar. Para assinalar a lição, a nota britânica de 20 de março, em
resposta aos anteriores protestos italianos, afirmou que os navios italianos, bem como os de outros países
neutros, tinham sofrido as conseqüências do completo desrespeito alemão às leia de guerra, assegurando a
intenção de, no futuro, usar todas as armas legais contra o Reich.
Esse acordo chegou justamente no momento em que a Alemanha estava empenhada em novos esforços
para arrastar sua parceira do Eixo a uma cooperação mais eficiente. Sua ansiedade em torno das possíveis
complicações que poderiam resultar da guerra finlandesa desvanecera-se agora com a perspectiva da paz
entre a Rússia e a Finlândia. Seu desejo de melhorar e consolidar a posição na Europa sul-oriental podia
agora prosseguir com mais vigor e liberdade. A possibilidade de que a derrota da Finlândia fosse
considerada como um revés dos aliados, capaz de ferir o seu prestígio nos Estados balcânicos, era uma
razão adicional para tirar vantagem desse momento particular. E a Itália, cuja cooperação era essencial
numa empresa de tal espécie poderia, impelida pelo ressentimento ficado da disputa do carvão com a GrãBretanha, oferecer auxílio à Alemanha.
Hitler e Mussolini
A 10 de março, o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, von Ribbentrop, chegou a Roma em missão
diplomática de exploração. Além das conversações com o rei e Mussolini, fez uma visita ao Vaticano, no
desejo de suavizar as relações tensas entre o Papado e o Reich. Aí, foi friamente correta a recepção de que
o fizeram alvo. O Papa tinha estado durante algum tempo gravemente ressentido com a cruel brutalidade
do tratamento alemão aos poloneses derrotados, e ele deixou claro, como o fizera no programa de paz de
cinco ítens apresentado no Natal, que a reparação de tais injustiças era, a seu modo de ver, condição
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essencial à paz.
Parecia certo que von Ribbentrop falhara em quaisquer tentativas que pudesse ter feito para obter o apoio
do Pontífice em favor de uma cruzada de paz. Suas conversações com os líderes italianos, embora
possivelmente mais cordiais, não pareciam ter conseguido nenhum resultado mais tangível. Um acordo
sobre os fornecimentos de carvão alemão sugeriu que a influência de von Ribbentrop tinha sido utilizada
para apoiar as negociações comerciais que o dr. Clodius estava na ocasião realizando em Roma. Mas
embora o comunicado final dissesse que as conversações haviam sido levadas a efeito dentro do espírito e
da estrutura do pacto de aliança e dos acordos existentes entre a Itália e a Alemanha, não pareceu que se
tivesse concordado sobre qualquer medida positiva. Foi significativo o fato de nem bem havia von
Ribbentrop cruzado os Alpes, ter sido anunciado oficialmente que as novas fortificações italianas cobriam
as fronteiras tanto da Alemanha como da França - declaração essa saudada com entusiásticos aplausos pela
Câmara italiana.
Nessa situação, Hitler se decidiu a tratar ele próprio do problema. Numa declaração de surpresa a 17 de
março, foi revelado que os dois ditadores tinham combinado um encontro para o dia seguinte na fronteira
italiana.
O encontro de Brennero de 18 de março foi oficialmente descrito como um "colóquio cordial". Além
desta, nenhuma informação positiva foi concedida. Mas embora quaisquer conclusões fossem, portanto,
algo especulativas, era ainda possível divisar entre essas várias atividades diplomáticas os contornos da
política que a Alemanha tinha em mente.
O primeiro elemento nessa política era o desejo de se impedir que as hostilidades se estendessem. Fossem
quais fossem os planos militares da Alemanha, ela parecia inclinada a confinar a guerra ao ocidente e a
impedir a criação de uma nova frente na qual os aliados pudessem atacar. Isto envolvia a manutenção da
neutralidade balcânica - uma área resistente que guardaria as portas de fundo da Alemanha. Para plena
segurança, era desejável que a influência política predominante nos Bálcãs fosse a da Alemanha e seus
amigos. Isto aplanaria o caminho ao incremento da influência econômica que traria os Estados balcânicos
de modo efetivo sob dominação alemã e permitiria a plena exploração de seus recursos agrícolas e outros.
A criação de um forte bloco econômico nessa região, firmemente ligado à Alemanha, pelas relações
comerciais, representaria longo caminho percorrido em favor da frustração do bloqueio aliado; e se o
xeque-mate resultante não convencesse os aliados da desesperança em continuar a luta, poderia aplainar o
caminho para um golpe esmagador e possivelmente decisivo da Alemanha no ocidente.
Um plano desta ordem, entretanto, requereria a cooperação tanto da Rússia como da Itália com a
Alemanha. A concorrência dessas três potências pela influência nos Bálcãs, e os receios que ela provocou,
tornaram possível à Turquia e aos aliados manter viva a sua influência naquela região. Uma frente comum,
por outro lado, poderia estabelecer tal pressão sobre os Bálcãs que eles não teriam outra escolha a fazer,
senão a de aceitar o domínio e de adaptar as respectivas políticas para servir as necessidades bélicas da
Alemanha.
Esse era o ponto crítico de todo o plano, e, sob quaisquer aparências, constituía um obstáculo que não era
fácil de transpor. A hostilidade italiana ao bolchevismo, que aumentou rapidamente depois do tratado
germano-soviético de agosto, tinha-se inflamado com o rebentar da guerra finlandesa. A possibilidade de
um avanço russo nos Bálcãs fez com que a Itália encarasse a Rússia como a inimiga mais imediata. A
Alemanha parecia esperar que o fim da guerra finlandesa diminuísse essa hostilidade, e que a garantia de
que a Rússia estava pronta para proteger as fronteiras romenas e turca aquietaria o temor italiano. Mas a
Itália mostrava-se céptica; e a anunciada alegação de Ciano a Ribbentrop de que a Itália não tinha intenção
alguma de mudar sua política era relativa tanto à sua atitude para com a Rússia como à sua manutenção da
neutralidade.
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A Rússia e o Eixo
A Rússia, por sua vez, parecia igualmente fria relativamente a idéia de uma cooperação mais estreita.
Embora Berlim persistentemente informasse que o premier Molotov estava para visitar a capital alemã,
não havia quaisquer indício de que tal se realizasse. Ao invés, a conclusão da paz com a Finlândia parecia
ter sido aproveitada como oportunidade para a volta a uma atitude de vigilante e defensiva neutralidade.
A guerra finlandesa, de fato, já influenciara de modo importante as relações da Rússia com a Turquia e os
Bálcãs. Os reveses iniciais das tropas russas tinham encorajado esses países, e particularmente a Romênia,
a tomar uma atitude mais audaz em relação à perspectiva de ataques russos. Havia, mesmo, surgido na
Turquia indícios de uma crescente hostilidade, que, juntamente com os preparativos militares dos aliados,
tinham despertado certa preocupação da Rússia pela segurança de sua fronteira no Cáucaso. Essa sensação
chegou ao clímax na parte final de fevereiro, quando uma retirada de peritos russos da Turquia foi seguida
de informes sobre choques de fronteira e a declaração pela Turquia do estado de emergência. Mas isto
desfez-se quando a Rússia deu garantias de que não tinha em mira qualquer ataque, e ambos os países
concordaram em retirar suas tropas da fronteira, com a finalidade de evitar novos encontros. Pelos meados
de março, essa mesma atitude conciliatória foi mostrada com o desejo de se dar à Romênia garantias
contra ataques; e se a Romênia ainda não sentisse confiança bastante nas promessas da Rússia de reduzir
suas preocupações militares, ao menos estas contribuíram para a diminuição das possibilidades de
quaisquer hostilidades imediatas.
A atitude da Rússia foi resumida pelo premier Molotov num discurso perante o Soviete Supremo a 29 de
março. Reiterando sua promessa de não reaver a Bessarábia da Romênia pela força, e relembrando a
existência de pactos de não-agressão com a Turquia e o Irã, expressou ele suspeitas em torno dos
preparativos dos aliados no Oriente Próximo e advertiu-os de que estavam brincando com fogo. Seu tom
foi saturado de hostilidade clara aos aliados - hostilidade aumentada pela ação francesa de exigir o
regresso do embaixador soviético depois de seu telegrama demasiado antidiplomático sobre a conclusão da
paz finlandesa. Foi tornado abundantemente claro por essas passagens, como também pelas referências de
Molotov à América, que a Rússia continuava a não sentir amizade às potências ocidentais.
Os aliados, contudo, acharam que um certo conforto podia ser extraído da carência de qualquer
cordialidade fora do comum nas referências de Molotov ao Eixo. A julgar por esse discurso, a relutância
da Itália em entrar em relações amigáveis com a Rússia parecia ser retribuída por Moscou. Houve um
relancear à atitude da Itália em relação à guerra finlandesa, e uma referência cheia de ressentimento aos
embarques italianos de aviões para os finlandeses. Quanto à Alemanha, a linguagem de Molotov podia ser
simpática. Estabeleceu ele contraste entre os vínculos amigáveis de Moscou e Berlim com "a política hostil
dos imperialistas em relação a um Estado socialista", e predisse outras conseqüências nas relações
econômicas entre os dois países. Mas essas referências, embora sem dúvida cordiais, dificilmente
chegaram à altura do entusiasmo; e a acompanhá-las havia a clara indicação de que a Rússia não tinha a
menor intenção de transformar essas relações amigáveis numa aliança militar. "A União Soviética", disse
Molotov, "nunca foi nem será instrumento da política de outrem. Somos pela neutralidade e não
participaremos da guerra entre as Grandes Potências."
Assim, embora os aliados nada esperassem, no momento, da Itália e da Rússia, viam ao menos a
perspectiva de que nenhum desses dois neutros teria pressa em lançar seu peso para o lado da Alemanha.
Havia ainda para a Grã-Bretanha e a França a possibilidade de exercer pressão sobre eles por meio de
apelos, se não à sua mais alta emotividade, ao menos à sua cupidez ou receios. E, enquanto tentassem por
meios diplomáticos diminuir a hostilidade que essas potências continuavam a exibir, os aliados podiam
contar em seu ativo com a constante amizade continuada dos Estados Unidos.
As Américas e a Guerra
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As repúblicas americanas, contemplando através do oceano as condições dos países neutros da Europa,
tinham certa razão de se sentirem gratas à enorme distância que as separava da cena do conflito. Era um
conflito cujo desenrolar deveria ter efeito importante sobre seus interesses e cujo resultado poderia ser de
vital significado para o seu destino. Mas ao menos não estavam expostas a pressões imediatas como as
sofridas pelos pequenos Estados da Europa. Nenhum dos principais beligerantes olhava com olhos
calculadores para as suas fronteiras. A perspectiva de alastramento da guerra não ameaçava envolvê-las a
qualquer momento em hostilidades de que elas desejavam permanecer alheias. Algumas poderiam acabar
por participar do conflito, como fizeram na Grande Guerra; mas essa decisão seria tomada por sua livre
vontade à luz das circunstâncias, e não forçada por uma pressão contra a qual seria vã qualquer resistência.
A situação do Canadá
O contraste foi evidenciado pela situação do Canadá no continente americano. A proclamação de 10 de
setembro, pela autoridade do Parlamento do Canadá, de um estado de guerra com a Alemanha, colocou o
Domínio, sem reservas, na relação dos beligerantes. Contudo, nenhuma outra nação americana - apesar das
observações alarmistas do coronel Lindbergh achou que com esse passo a ameaça da guerra tinha sido
trazida para mais perto de suas portas. No continente europeu, se a Holanda fosse invadida, a Bélgica
dificilmente poderia esperar permanecer à margem; se a Romênia entrasse na guerra, a posição de
neutralidade de todos os outros Estados balcânicos estaria conseqüentemente periclitante. E o risco de que
esses Estados fossem envolvidos era aumentado pelo fato de estarem eles ocupando uma posição
estratégica que poderia ser de primeira importância a uma ou outra das nações em guerra. Mas não era
provável que o Canadá se tornasse o foco de tais considerações estratégicas; nem também, no referente à
frente ocidental, seria a sua participação na guerra capaz de provocar uma invasão ameaçadora da
segurança de qualquer outro Estado americano.
Isto não quis dizer que o seu valor estratégico, à parte outros fatores, fosse de qualquer modo desprezível.
Sem contar a possível importância de sua posição no Pacífico, possuía ele em Halifax uma base naval que
era a chave do Atlântico norte. Desse porto, completado com bases nas Índias Ocidentais Britânicas,
divisões navais poderiam operar no trabalho de comboios e na busca de submarinos e corsários inimigos.
Em teoria, tal coisa traria a possibilidade de operações bélicas inquietadoramente perto do hemisfério
americano. Mas na prática pouco mais fazia do que fornecer certas facilidades valiosas àquele controle
marítimo que as armadas britânica e francesa de qualquer maneira teriam que procurar impor nas áreas em
que fossem encontrados navios mercantes ou de guerra beligerantes.
As atividades do Canadá mesmo podiam, portanto, ser olhadas sem perturbação séria pelos seus vizinhos
do continente. Nem o aumento de suas forças militares, nem a criação de sua parte de indústrias de guerra
ameaçavam-nos com embaraços. Sem dúvida, os planos de utilização dos recursos industriais do Canadá
para a manufatura extensiva de munições poderiam, afinal, reduzir em algo a dependência em que os
aliados se encontravam dos Estados Unidos. Mas, entrementes, o esquema de treinamento aéreo, que
visava a produção de 15.000 pilotos treinados anualmente, provavelmente exigiria a utilização em larga
escala do equipamento americano; e o uso dos recursos financeiros do Canadá para a causa aliada
dificilmente poderia provocar qualquer sério ressentimento da parte dos países a que as compras aliadas
iriam ser feitas.
Efeitos na América Latina
Foi a questão do provável efeito da guerra sobre os seus interesses econômicos que se tornou a
preocupação mais imediata das várias repúblicas americanas. Peritos observadores advertiam que os
tempos de bloqueio da última guerra dificilmente se repetiriam, e que não era absolutamente desejável que
se repetissem. Mas era claro que, para bem ou mal, sérias mudanças iriam ter lugar no comércio das
nações americanas. Os canais normais do comércio exterior estavam irremediavelmente desfeitos, e a
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questão era a de que lucros poderiam ser adiantados para se contrabalançar as perdas inevitáveis.
No caso da América Latina, havia ao irromper a guerra um ponto especial a considerar-se. Era o da
existência de acordos comerciais de troca com vários países europeus, e particularmente com a Alemanha.
Com eles, muitos desses países da América Central e do Sul tinham obtido créditos comerciais em Berlim,
créditos que somente podiam utilizar para a aquisição de mercadorias alemães. No período que se seguira
ao Munique, a incerteza da situação levou esses países a procurar liquidar seus saldos com o aumento de
suas importações da Alemanha. Ainda não se conhece ao certo até que ponto, com o início da guerra, a
política teve êxito. O Uruguai desmentiu os boatos de que tivesse fortes créditos congelados, e assegurou
que suas contas com a Alemanha estavam saldadas até essa data. O México, por outro lado, tinha ainda
créditos pendentes, em resultado de vendas de petróleo à Alemanha e à Itália. Um observador calculou que
uma soma de 75.000.000 de dólares estavam presos; mas, no conjunto, a maioria dos países parecia ter os
saldos reduzidos a somas comparativamente pequenas.
Era claro que se estava, contudo, tornando difícil para a Alemanha manter esses acordos de troca, em vista
do bloqueio e da captura de suas exportações pelos aliados. No caso de países como a Argentina e o Chile,
o comércio com a Alemanha mostrou uma queda violenta. Havia indícios de que algumas exportações
seguiam ainda caminhos indiretos. Suspeitou-se que as crescentes exportações de algodão brasileiro para a
Itália não se destinavam à Itália somente. O Brasil perdeu o seu melhor mercado europeu de café quando a
Alemanha foi eliminada, mas em compensação passou a aumentar suas vendas aos vizinhos do Reich. Mas
ao sinal de que os aliados pretendiam exercer uma supervisão mais estrita sobre as compras neutras, a
América Latina precisava enfrentar a perspectiva de um considerável reajustamento das relações
comerciais.
Isto foi acentuado pela política dos aliados. Seus esforços para conservar o câmbio estrangeiro levaram em
muitos casos a restringir as compras. As importações britânicas do Chile, por exemplo, caíram nos últimos
três meses de 1939 a seis por cento do que tinham sido no mesmo período do ano anterior. Mas havia
sinais de que isto era apenas a fase preliminar de um reajustamento de acordos que atrairiam as
importações para mais perto das exportações. A estreita ligação da Argentina à Grã-Bretanha, que
continuava a ser seu melhor freguês, colocou aquele país praticamente em condições de Domínio, no
tocante ao comércio. Mas mesmo com as melhores perspectivas nesse sentido, a maioria dos países latinoamericanos teriam de voltar-se para os Estados Unidos a fim de efetuar as vendas que estavam perdendo
na Europa.
O comércio de guerra e os Estados Unidos
As relações comerciais entre os aliados e os Estados Unidos eram mesmo em tempos de paz de
importância capital. A Grã-Bretanha e o Canadá havia muito eram os fregueses mais importantes dos
Estados Unidos. Os países juntos compraram em 1939 mercadorias americanas no valor total de um bilhão
de dólares - cifra que representa a terça parte do total das exportações americanas, excedendo
consideravelmente as compras de toda a América Latina. As vendas à Alemanha no mesmo ano somaram
apenas 47.000.000 de dólares. A França, com aquisição no valor de 182.000.000 de dólares, comprou mais
que a Alemanha, Rússia e Itália combinadas.
Essa disparidade foi acentuada pela guerra, que trouxe um grande aumento do total das compras aliadas.
Estatísticas de dezembro mostraram que, enquanto as exportações para a Grã-Bretanha tinham
ultrapassado em modestos três milhões de dólares às do mesmo mês do ano anterior, as exportações para a
França tinham triplicado, e as compras pelo Canadá tinham aumentado em 15.000.000 de dólares aumento esse de mais de quarenta por cento. Em contraste, nos cinco meses decorrentes de setembro a
janeiro inclusive, toda a Grande Alemanha, inclusive a Polônia, comprou menos que um milhão de dólares
de mercadorias, em comparação com os 66.000.000 de dólares a que chegaram as suas compras no mesmo
período do ano anterior. O aumento de 47 por cento nas compras neutras - a de 70 por cento no caso da
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Escandinávia - sugeriu que a Alemanha podia estar obtendo mais do que esses números mostravam; mas
este era um caso que os aliados não tardariam a examinar.
Fosse qual fosse o prejuízo líquido do comércio americano com a Europa central, ele era mais que
contrabalançado pelas vendas crescentes aos aliados e à América Latina. As exportações de janeiro foram
as mais altas em dez anos; 75 por cento mais que em janeiro de 1939. Nem todos os setores da produção
americana, entretanto, partilharam desse aumento. Os materiais de guerra foram beneficiados às custas de
algumas das mais vendíveis indústrias de exportação. As aquisições britânicas de trigo nos Domínios e na
Argentina reduziram as exportações de trigo americanas. O fumo americano sofreu em resultado das
compras britânicas na Turquia. A exportação de automóveis ficou reduzida em dez por cento. O algodão,
por outro lado, beneficiou-se com as crescentes compras britânicas e canadenses, que em fevereiro de
1940 triplicaram de exportação, comparadas com 1939; e os metais, maquinaria, produtos químicos, e
especialmente aviões; pareciam ter de enfrentar o fechamento dos portos.
No caso dos fornecimentos bélicos, entretanto, havia sinais de grande dose de prudência de parte tanto dos
compradores como dos vendedores. O acordo franco-britânico de coordenação das respectivas políticas de
compra significava que suas comissões de compra nos Estados Unidos evitavam a concorrência uma com
a outra; capacitando-as a seguir uma política de forte pechincha pelos suprimentos que desejavam. Os
fabricantes americanos, por sua vez, mostravam muita cautela na aceitação de pedidos excedentes à sua
capacidade, a menos que lhes fosse assegurado um preço alto bastante para quaisquer necessidade de suas
instalações e equipamento.
Isto era ilustrado particularmente pela situação que dizia respeito aos aviões. Os aliados, e a França em
especial, estavam contando com fornecimentos substanciais dos Estados Unidos, e ofereciam uma
perspectiva de pedidos no total de um bilhão de dólares. Naturalmente, eles queriam os últimos tipos de
aviões, que deveriam ser fabricados com a maior rapidez possível. Pedidos desse volume exigiriam a
expansão das instalações fabris existentes; e os fabricantes exigiam a garantia de que o custo das novas
construções seria coberto, e que um acordo a esse respeito não seria anulado pelas regulamentações do
Tesouro sobre o fisco. Ao mesmo tempo, tanto a opinião pública como os círculos militares ficavam algo
perturbados ao pensamento de que a venda dos aviões mais modernos poderia deixar certos segredos
militares à disposição de potências estrangeiras. Durante todo o mês de março, tiveram lugar, intensivas
negociações com um comitê do Congresso a perscrutar o ângulo militar da situação. Mas pelo fim do mês,
essas várias dificuldades pareciam ter sido sanadas, e havia toda a probabilidade de que fornecimentos em
grande escala estariam à disposição dos aliados durante o ano vindouro.
Os direitos dos neutros
Essas realizações econômicas indicavam algumas das vantagens de uma neutralidade benevolente. Por
outro lado, as desvantagens imediatas eram relativamente pequenas. Os neutros europeus tinham a
preocupação permanente de que direitos de diversas espécies seriam violados - suas águas penetradas por
vasos de guerra beligerantes, seu território sobrevoado por aviões beligerantes. As repúblicas americanas
tinham poucas preocupações dessa natureza. Mesmo a questão dos direitos de comércio neutro, que nas
guerras passadas fôra tão considerada, ficou reduzida de importância quando os navios dos Estados Unidos
foram proibidos de entrar na zona de guerra. E embora certas dificuldades houvessem surgido de quando
em vez, em conseqüência do bloqueio e de outros incidentes da guerra marítima, elas eram
comparativamente menores na importância e no efeito.
Uma controvérsia, na verdade, surgia diretamente da tentativa de se criar uma situação que evitasse o
aparecimento de tais controvérsias. Ao iniciar a guerra, uma conferência pan-americana foi chamada a
considerar a adoção de uma política comum em relação aos problemas que a guerra provavelmente
apresentaria. A idéia mais notável surgida na conferência, que teve lugar mo Panamá, de 23 de setembro a
3 de outubro, era a da criação de uma "zona de segurança americana" da largura média de 300 milhas em
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torno do continente, e do tratamento dessa faixa como sendo de águas territoriais dentro das quais as
atividades beligerantes fossem barradas. Embora ela não incluísse as águas canadenses, abrangia as
possessões britânicas nas Caraíbas, e levantou a questão de utilizá-las como bases navais e a da imunidade
do comércio beligerante dentro de seus limites. A efetivação dessa proposta dependeria inteiramente da
boa vontade dos países em guerra de aceitá-la e submeter-se à mesma, pois que nenhum Estado americano
tinha realmente em vista medidas navais de garantia. Um almirante americano pôs o dedo no ponto vital.
"É uma bela idéia", comentou, "mas que faremos se alguém meter o nariz nessa zona?"
Em dezembro, alguém o fez. A batalha do rio da Prata entre os cruzadores britânicos e o Graf Spee
projetou a questão para a frente, complicando-a com a alegação uruguaia de que o encontro tinha tido
lugar dentro do limite das três milhas. A 23 de dezembro, foi apresentado um protesto aos beligerantes por
esse e outros episódios, inclusive ataques à navegação beligerante. A resposta britânica de 15 de janeiro
implicou o desejo de aceitar a declaração do Panamá, se a sua garantia pudesse ser assegurada, mas
assegurou que, enquanto disto se carecesse, "as legítimas atividades dos navios de Sua majestade não
podem de modo algum pôr em perigo, mas muito pelo contrário contribuir para a segurança do continente
americano". A Alemanha, a 14 de fevereiro, rejeitou toda a idéia, assegurando que ela favorecia a
Inglaterra e a França e mostrando que o Canadá era um Estado beligerante que diretamente confinava com
essa zona. Embora a 3 de fevereiro novas propostas para o controle da navegação beligerante fossem
delineadas pelo Comitê Inter-Americano de Neutralidade, estava claro que tão ampla inovação no direito
internacional tinha pouca probabilidade imediata de aceitação prática.
Em torno de questões mais assentadas havia também rusgas ocasionais. Uma nota americana protestando
contra o interceptar das exportações alemães foi publicada a 8 de dezembro, mas na prática tal medida
criou sérios agravos; e a Grã-Bretanha, em resposta a 22 de fevereiro, defendeu a sua legalidade justificada
pelo direito às represálias, e apontando para as violações alemães do direito e dos tratados por seus
métodos de lançamento de minas e de guerra submarina. Mas certos outros aspectos do bloqueio criaram
considerável, se bem que passageiro, aborrecimento na América. A detenção de navios americanos em
portos de controle, particularmente em Gibraltar, era considerada como envolvendo injustificável
distinção. Um memorial de protesto a 22 de janeiro acentuou o fato de que embora os navios italianos
fossem soltos após uma detenção média de quatro dias, os navios americanos eram retidos por uma média
de 12 dias e 10 horas. Um protesto ainda mais ríspido foi enviado relativamente à retenção pelos britânicos
das malas destinadas à Alemanha a bordo dos navios americanos - prática que foi estendida até ao Clipper
transatlântico durante a sua aterrissagem nas Bermudas a 18 de janeiro. As discussões em torno da
legalidade dessa prática concentraram-se na Convenção de Haia de 1907. Os Estados Unidos
reivindicavam o artigo I, que assegurava que a inviolabilidade de toda a correspondência postal era
claramente estabelecida. Mas a Grã-Bretanha e a França, indicando o artigo II que dizia que essa
inviolabilidade não excluía um navio neutro das leis da guerra marítima, achavam que isso as justificava
no interceptar de dinheiro e outros valores que a mala apreendida continha, no valor de 8.000.000 de
dólares, como em outras questões, as discussões terminaram sem se chegar a um acordo.
A missão de Sumner Welles
Mas, embora tais incidentes mostrassem a possibilidade de surgir um atrito entre os Estados Unidos e os
aliados, não era provável que deles resultasse qualquer ruptura séria. A administração Roosevelt estava
interessada pelos aspectos mais amplos do conflito. O presidente se mostrava plenamente cônscio de seu
significado para a América e dos perigos inerentes a uma possível derrota dos aliados. Ele estava
impaciente por usar de sua influência onde fosse possível em favor de uma oportunidade para a
restauração da paz. Mas, como demonstrou em seu discurso de 16 de março, percebeu que era necessária
uma base moral para que a paz fosse real e duradoura; e durante esse período parecia haver pouca
possibilidade de que a Alemanha aceitasse qualquer ajuste que ao menos se aproximasse dessa condição.
Foi, segundo parece, com a intenção de descobrir se existia mesmo alguma perspectiva que o presidente
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Roosevelt anunciou, a 9 de fevereiro, a nomeação de Mr. Sumner Welles para a realização de uma tournée
de sondagens pelos capitais beligerantes. "Essa visita", disse o comunicado da Casa Branca, "é somente
destinada a servir o propósito de esclarecer o presidente e o secretário de Estado a respeito da atual
situação da Europa. Mr. Welles não estará, naturalmente, autorizado a fazer propostas ou tomar
compromissos em nome do governo dos Estados Unidos."
Essa explicação pareceu simples demais para satisfazer as tendências especuladoras de um grande número
de observadores. Mas na busca dos propósitos mais fundos e sutis que se escondessem atrás dessa missão,
eles não obtinham ajuda alguma de Mr. Welles. O subsecretário de Estado seguiu o caminho que lhe foi
traçado, alto e de lábios cerrados, de uma capital a outra. No decurso de quatro semanas, ele se avistou
com os mais altos funcionários de Roma e Berlim, conversou com os líderes dos diversos partidos em
Paris e Londres e se encontrou com representantes do governo polonês no exílio. Ao fim dessa excursão, o
único esclarecimento que ofereceu foi o comunicado: "Desejo declarar categoricamente que não recebi
nenhum plano ou proposta de paz de beligerante algum ou de qualquer outro governo; que não apresentei
nenhuma proposta nesse sentido a governos beligerantes ou outros quaisquer; que nem estou trazendo ao
presidente quaisquer propostas dessa natureza".
O que, entretanto parecia claro, é que, em suas conversações com Mr. Welles os estadistas europeus
haviam insistido em que nenhuma paz seria virtualmente conseguida com vitória. Tanto a Grã-Bretanha
como a França insistiram em que a sombra nazista tinha de ser varrida da Europa. Do lado alemão houve
declarações ainda mais peremptórias, se é que pudessem ser aceitas as explicações semi-oficiais de Berlim.
Von Ribbentrop assinalou a firme intenção alemã de romper o poder da "plutocracia" britânica. Interpretou
isto como significando o fim do controle britânico dos mares, a entrega de Gibraltar e do canal de Suez e a
exclusão da influência britânica do continente, para que pudesse ser assegurado o domínio alemão em
favor de seu "espaço vital". Hitler elaborou essas exigências e acrescentou-lhes a devolução das colônias à
Alemanha e o reconhecimento do direito da Alemanha de estabelecer a sua própria Doutrina de Monroe na
Europa central e oriental. A isto, o "New York Times" comentou: "A Doutrina de Monroe, segundo essa
interpretação, dá-nos o direito de ocupar a Argentina e o Brasil, de fuzilar seus principais cidadãos, fecharlhes as universidades, estabelecer o seu trabalho obrigatório, arrancar milhares de mulheres e crianças de
seus lares e impor nossas idéias à América Latina a ponta de baioneta."
A declaração do presidente Roosevelt, por ocasião da volta de Mr. Welles, revelou o quanto este enviado
especial se sentia pouco à vontade ao regressar de suas explorações pela Europa. "Ele não recebeu, nem
me trouxe nenhuma proposta de paz, de nenhuma fonte", disse Mr. Roosevelt, acrescentando que a sua
informação seria valiosa "mesmo que ela delimite as perspectivas imediatas do estabelecimento de
qualquer paz justa, estável e duradoura na Europa." Ao mesmo tempo, um episódio curioso sugeria que
Mr. Welles tinha deixado atrás certa soma de descontentamento em, pelo menos, um país europeu. Mal
tinha ele chegado em casa quando os nazis publicaram o que era inculcado como uma série de documentos
dos arquivos poloneses tendentes a provar que enviados diplomáticos americanos tinham contribuído, com
o encorajamento da Polônia e dos aliados, para o atiçamento das disputas que acabaram por conduzir à
guerra. Fosse qual fosse o valor histórico que essa publicação pudesse chegar a ter, era difícil ver-se que
valor propagandístico poderia ter no momento para a causa nazista, ou de que modo esta tiraria vantagens
de tão curiosa manifestação de ressentimento para com a América.
O anel que se aperta
No começo de abril, portanto, notava-se um aumento de resolução de ambos os contendores, e o
incremento dos preparativos para uma fase nova e mais tensa da luta. As novas ameaças nazistas de ação
devastadora chegaram ao auge com a alegação de Goering de que Hitler tinha preparado um golpe
decisivo no ocidente. Os aliados, por sua vez, recusavam-se a dar atenção ao clamor que se erguia em
certos círculos para que se decidissem a tomar a ofensiva, mas deixaram claro que estavam resolvidos a
incentivar a luta à procura de uma decisão. Sua solidariedade econômica tinha sido mais incrementada por
71
um novo tratado entre a Grã-Bretanha e a França a 16 de fevereiro. Sua união política e militar foi
fortalecida numa reunião do Supremo Conselho de Guerra a 28 de março, onde ficou estabelecido que
nenhuma paz seria buscada a não ser por acordo mútuo, e que a concordância de ação iria continuar por
muito depois da paz, como era necessário para a segurança e a reconstrução da Europa. E em seu discurso
de 3 de abril, o premier Reynaud referiu-se a seu novo gabinete de guerra com uma frase que parecia
antecipar mais vigorosas medidas: "Nós forjamos esta arma, e, agora vamos usá-la".
Pelo menos uma forma de seu uso estava claramente indicada - o aumento da pressão econômica sobre a
Alemanha. Os aliados não mais estavam contentes em ver a manutenção da neutralidade legal das
pequenas nações resultar da prática em vantagem para o inimigo. Estavam utilizando meios legais para
diminuir essa vantagem. Uma política de compras mais extensiva foi elaborada para afastar os produtos
neutros das mãos dos alemães. Novos tratados comerciais prescreviam que os países em questão
racionariam voluntariamente as suas importações, a fim de evitar que elas servissem de canais de
suprimento ao Reich. Mas foi tornado claro que se os neutros não o fizessem voluntariamente, isso lhes
seria imposto pelo bloqueio aliado; e foi também previsto que, de um modo ou de outro, se encontraria
meio de se lidar com questões tão importantes como os embarques de minério de ferro sueco para a
Alemanha. Com o bloqueio a estreitar-se no Báltico, no Adriático e no Pacífico, os aliados estavam
visivelmente ficando prontos para a aplicação de uma nova intensidade de pressão. Restava ver-se se isso,
que em nada contribuiria para o bem-estar dos neutros, também conduziria à extensão das hostilidades às
suas custas quando a Alemanha procurasse romper o anel que se apertava.
De Abril a 15 de Junho de 1940
Uma nova espécie de guerra
A probabilidade de que a vinda da primavera traria uma ofensiva em grande escala foi ampliada
pelas novas medidas de bloqueio adotadas pelos aliados. Para essas medidas havia, pelo menos,
dois motivos discerníveis. O primeiro, naturalmente, era privar a Alemanha dos meios para a
condução da guerra. Mas o segundo era baseado na esperança de que o perigo de ser lentamente
sufocado forçaria a Alemanha a abandonar sua tática defensiva. Julgava-se em muitos círculos
que o desencadeamento de um ataque pela Alemanha, que a forçaria a deixar sua posição
preparada, seria de real vantagem para os aliados. Obrigá-la-ia a efetuar esforços mais
desmedidos, que rapidamente absorveriam suas reservas de material; e ao mesmo tempo era
esperado que as forças nazistas, martelando as posições aliadas, extenuar-se-iam de tal maneira
que os aliados, no momento apropriado, poderiam lançar o contra-ataque que lhes traria a vitória
a um custo mínimo.
Essa concepção de guerra defensiva, uma guerra de responsabilidade limitada, tinha o sucesso dependente
de um cálculo acurado do poder dessa defensiva. Mas quando a Alemanha tomou a iniciativa e desfechou
um golpe de sucesso contra a Escandinávia com uma arremetida arrasadora através dos Países Baixos,
rapidamente se percebeu que os cálculos baseados na experiência passada tinham de ser lançados aos
ventos. A guerra "real", quando estalou, foi uma espécie inteiramente nova de guerra. Os elementos
básicos talvez fossem os mesmos apresentados nos livros militares, mas o desenrolar da tática baseava-se
em novas armas, e o novo uso dessas armas tornava-a inteiramente sem precedentes.
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Para essa espécie de guerra, os aliados descobriram que ainda não estavam preparados. Tinham que definir
a sua natureza e descobrir uma resposta aos novos métodos de ataque em meio aos desesperados esforços
de suportar esse ataque com êxito suficiente para evitar o completo aniquilamento. E, entrementes, eram os
nazistas que, com a sua nova técnica, mantinham a iniciativa. Eles foram capazes de escolher o seu próprio
terreno e campo e de impor ao inimigo, submetido a forte pressão, as condições de batalha que melhor
convinham aos seus propósitos. Em dois meses de luta, o tamanho do sucesso que obtiveram era em si
uma prova de quão diferente esta guerra era daquela que havia vinte e cinco anos se travara em grande
parte desse mesmo território.
Essa diferença não era inerente, não somente em métodos militares, mas às amplas conseqüências da luta.
Já não eram mais apenas os beligerantes, e mesmo sequer os pequenos estados pára-choques, aqueles que
haveriam de sofrer as conseqüências do desfecho. Mesmo as nações que estavam de fora, sem nenhum
receio imediato de ataque, despertaram com um choque à percepção de que isso era algo mais que uma
guerra comum por objetivos limitados. Era uma luta entre duas concepções totalmente diferentes de vida; e
enquanto era certo que o mundo seria transformado pelo fato da própria guerra, a natureza da
transformação que se seguiria a uma vitória nazista estava começando a tornar-se clara. Seria o fim de um
tipo de sociedade para cuja evolução o mundo ocidental tinha gasto séculos, e a criação de uma ordem
inteiramente nova que imporia seu cunho não apenas às nações conquistadas mas ao mundo em geral. E
quando o mundo enfrentou essa perspectiva, tornou-se consciente de que estava diante da ameaça de uma
revolução mundial iminente, - ameaça que não mais partia de Moscou e sim de Roma e Berlim.
A Invasão da Escandinávia
A decisão a que chegaram os aliados, no fim de março, de apertar de modo mais eficiente o bloqueio da
Alemanha foi vista com especial apreensão na Escandinávia. Havia naturalmente muitas aberturas que os
aliados pretendiam tapar - o petróleo e metais que a Alemanha estava obtendo dos Bálcãs, os gêneros
alimentícios que recebia dos Estados danubianos, a ampla quantidade de produtos de além-mar que lhe
chegavam através dos Países Baixos. Importantes porém como eram, havia razão para se acreditar que as
questões de interesse mais imediato dos aliados fossem as relacionadas com o minério de ferro que a
Alemanha estava recebendo da Suécia e o qual era transportado através das águas territoriais norueguesas.
Para essas duas nações, os problemas de neutralidade tinham-se tornado gradualmente mais difíceis desde
que a guerra começara. Ao mais leve indício de que não estavam completamente subordinadas à
Alemanha, a imprensa e o governo nazistas rompiam em grita ameaçadora. Ao mesmo tempo, a Alemanha
na sua guerra aérea e submarina não fazia esforços para distinguir os navios suecos e noruegueses dos
barcos beligerantes. Até o dia 6 de abril, 52 navios noruegueses, 33 suecos e 28 dinamarqueses tinham
sido afundados, com uma perda de perto de mil vidas. Quando os protestos desses neutros à Alemanha
foram respondidos apenas com novas recriminações, os aliados naturalmente começaram a achar que tal
neutralidade deixava algo a desejar.
A guerra finlandesa tinha por um tempo acrescentado nova complicação a esse estado de coisas. Com o
fim das hostilidades, os Estados escandinavos ficaram livres dos perigos inerentes dos planos aliados de
intervenção em favor dos finlandeses. Mas o problema geral permaneceu, acentuado por uma crescente
impaciência aliada pelo continuado acesso da Alemanha aos suprimentos escandinavos; e isto foi expresso
pela irradiação de Churchill a 30 de março, a qual acentuava que os neutros estavam sendo forçados a
suprir uma potência cuja vitória significaria a sua escravidão. Qualquer dúvida sobre o que essa atitude
significava para a Escandinávia foi removida pela declaração de Chamberlain a 2 de abril, a qual atacava
esse "duplo padrão de neutralidade" e insinuava fortemente que os esforços que estavam sendo realizados
para bloquear a rota escandinava eram apenas a fase preliminar de operações mais efetivas. E dois dias
mais tarde, falando à União Nacional dos Conservadores e Associações Unionistas, o primeiro ministro
disse: "Embora jamais procuremos infligir danos ou perdas aos neutros, e embora estejamos ansiosos por
guardar todas as regras, não se pode esperar que permitamos que a Alemanha tire vantagens
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indefinidamente dos nossos escrúpulos com o arrancar assistência e conforto aos neutros.
A esse ponto de vista foi dada expressão oficial nas notas aliadas apresentadas à Noruega e à Suécia a 5 de
abril. Essas notas, de conformidade com a declaração do sr. Koht a 8 de abril, alegaram que os
acontecimentos dos últimos três meses tinham mostrado a recusa da Alemanha de permitir que os estados
escandinavos dirigissem livremente sua própria política externa. O resultado foi que a Alemanha, por seu
acesso a importantes matérias-primas, beneficiava-se de vantagens nesses países para desvantagem e
perigo das Potências Aliadas. Isto era algo que os aliados não mais podiam tolerar. Eles estavam lutando
tanto por si próprios como pela causa das pequenas nações, e não podiam permitir que fossem
prejudicados pelas vantagens que tal situação dava à Alemanha. Tinham, portanto, que se reservar o direito
de tomar medidas que pusessem fim a todas as práticas que ajudavam a Alemanha ou feriam a causa
aliada.
As medidas que tinham em mente referiam-se particularmente à rota do minério de ferro. Os navios
alemães acharam possível viajar de Narvik à costa norueguesa sem deixar as águas territoriais até
chegarem ao Skaggerak e à guarida dos campos de mina alemães. "Não tem havido", disse Churchill a 11
de abril, "nenhum impedimento maior ao bloqueio da Alemanha do que esse corredor norueguês. Foi
assim na guerra passada, e tem sido assim nesta guerra." Durante a guerra passada, os aliados tinham
induzido a Noruega a colocar campos de mina nessas águas; e quando a atual guerra iniciou, eles
procuraram obter da Noruega permissão para colocar suas próprias minas ali. Mas a Noruega resistiu
firmemente a essa exigência; e a sua virtual rejeição ao pedido aliado, consignada nas notas de 5 de abril,
mostrava que nenhuma ação efetiva poder-se-ia esperar de sua parte. A 8 de abril, os aliados passaram das
palavras aos atos. Na manhã daquele dia, os aliados anunciaram que tinham resolvido "impedir o uso
continuado pelo inimigo de trechos de águas territoriais que lhe eram de especial valor", e que em
conseqüência tinham colocado campos de mina em três pontos das águas norueguesas.
O governo norueguês protestou imediatamente e exigiu a remoção das minas. Parecia bem possível que
uma grave situação resultasse daí entre a Noruega e os aliados. Mas antes que isso ocorresse, todo o
quadro foi mudado pela ação da Alemanha.
Os preparativos alemães
Desde o estalar da guerra, a Alemanha se esforçara em manter os Estados escandinavos firmemente dentro
de sua órbita. Devido a razões tanto econômicas como estratégicas, era-lhe da máxima importância
preservar o acesso a esses países, bem como o evitar que seus adversários conquistassem tanto uma
ascendência diplomática como um ponto de apoio militar na península. Esse esforço tinha sido aumentado
pela guerra finlandesa e possibilidade de intervenção aliada. Não havia ilusões de que os aliados usariam
tal intervenção para criar uma nova frente contra a Alemanha; e mesmo antes que os aliados chegassem à
decisão de prestar auxílio armado à Finlândia já a Alemanha tinha iniciado seus preparativos para fazer
abortar uma ação dessa natureza no norte.
Quando chegou a vez de proteger seus próprios interesses às custas dos neutros, os nazistas pela sua
própria natureza gozaram de uma liberdade de ação que fôra negada aos aliados. Estes tinham baseado sua
causa moral na manutenção da legalidade internacional e na preservação dos direitos de todas as nações,
grandes ou pequenas. Essa posição efetivamente os impedia de cometer qualquer séria infração da
soberania das países neutros. Podiam invocar a doutrina das represálias para justificar certos atos
extraordinários, como por exemplo a apreensão das exportações alemães ou o lançar dos campos de mina
ao largo da Noruega. Podiam arriscar-se a uma violação técnica de direitos teóricos num caso extremo,
como o do Altmark. Mas somente uma necessidade premente os faria sacrificar sua vantagem moral em
benefício de exigências militares. A Alemanha, entretanto, não tinha tais vantagens a perder. Na doutrina
nazista, o bem-estar do Reich era o único padrão moral a ser considerado; e enquanto a Alemanha podia
procurar utilizar contra os aliados os conceitos morais de democracia que estes alimentavam, sempre que
74
servissem aos propósitos do Reich, não tinha intenção de deixar-se dominar por tais escrúpulos.
No começo do ano, portanto, a Alemanha se decidiu a impor seu domínio à Escandinávia, tanto para
proteger sua posição como para estender a frente marítima contra a Inglaterra. Em fevereiro, as medidas
preliminares estavam em pleno andamento e eram reunidos navios para transporte ao mesmo tempo em
que se exercitavam tropas ao longo do Báltico em operações de desembarque. A anunciada intenção aliada
de apertar o bloqueio estimulou essas medidas e provocou notas de sinistra advertência na imprensa alemã.
Já a 16 de março, o Voelkischer Beobachter acentuara: "Os exemplos da Polônia e Finlândia mostram com
ênfase esmagadora o que acontece aos pequenos povos quando desafiam as leis de seu espaço vital... A
generosa atitude da Alemanha apresenta-se em flagrante contraste com o sórdido egoísmo com que a
Inglaterra e a França procuram obrigar pequenos povos a servir os fins de sua estratégia." Ao fim do mês,
comentando um discurso de Churchill, um jornal berlinense inquiria: "Que é a perda de algumas vidas
neutras em comparação com a cínica tentativa de fazer morrer de fome as mulheres e crianças de toda uma
nação? A Alemanha não esquecerá daqueles que compartilham este assassínio em massa, privando o povo
alemão dos meios legais de defesa." E a 5 de abril, depois de uma conferência com Goebbels, os diretores
dos jornais alemães começaram a prever uma nova fase da guerra e a aproximação da hora fatal dos
neutros.
Essa campanha da imprensa foi sincronizada com a partida de uma expedição completa contra a Noruega.
Embora o lançamento das minas aliadas tivesse dado ao ataque alemão a aparência de um contra-golpe, a
coincidência era puramente fortuita, já que os navios alemães em alguns casos tinham partido para o seu
destino pelo menos três dias antes. As indicações de que algo estava acontecendo tornaram-se aparentes a
8 de abril, quando um transporte alemão apinhado de soldados, o Rio de Janeiro, foi afundado por um
submarino britânico ao largo de Lillesand, e uma flotilha alemã, informava-se, estava navegando com
rumo norte através do Grande Belt. Mas enquanto o público ainda especulava em torno do significado
desses acontecimentos, a Alemanha desfechava seu golpe. Ao alvorecer de 9 de abril, numa faixa de mil
milhas, suas forças assaltavam a Noruega e a Dinamarca.
A ocupação da Dinamarca
Quando cruzaram a fronteira dinamarquesa em Flensburg, as tropas alemães transpuseram o que era quase
a última fronteira não-fortificada da Europa. A Dinamarca, mais ainda do que seus vizinhos escandinavos,
sentia-se compelida, em virtude de seu tamanho e posição estratégica, a depender mais da boa fé
internacional do que de força armada para a sua possível defesa. Nação de menos de quatro milhões de
habitantes, cuja única fronteira terrestre confinava com o Reich alemão, havia muito ela tinha reconhecido
que não poderia oferecer resistência eficaz a uma invasão; e mesmo suas recentes confiscações para a
defesa aérea eram mais um gesto significando o desejo de manter sua independência do que uma garantia
real contra a conquista. Como o seu premier tinha dito na irradiação do Ano Novo: "O povo dinamarquês
só tem um caminho a seguir. Temos de prosseguir no caminho da neutralidade e confiar no valor das
promessas e acordos que conosco foram firmados."
O principal desses acordos era o pacto de não-agressão com a Alemanha. Em abril de 1939, em resultado
da mensagem do presidente Roosevelt pedindo penhores de paz, Hitler tinha convocado os pequenos
vizinhos da Alemanha para perguntar se eles se sentiam ameaçados, e oferecera-lhes a conclusão de
tratados que pretensamente removeriam quaisquer receios que porventura alimentassem. Nem a Suécia,
nem a Noruega tinham aceito a oferta, em vista dos exemplos de quão perigoso era para um país pequeno
aceitar qualquer garantia alemã. A Dinamarca, entretanto, julgou que não podia; de modo algum, arriscarse a ofender sua despótica vizinha; e a 31 de maio firmou com a Alemanha um tratado por meio do qual
ambas prometiam que "em nenhuma circunstância recorreriam à guerra ou a qualquer outra forma de
violência uma contra a outra."
Era essa uma garantia débil bastante, em vista dos antecedentes da Alemanha; contudo, era a única
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garantia que a Dinamarca possuía. Ela não tinha aliança e não recebera garantia alguma de qualquer outra
nação. Com os restantes neutros ocidentais, durante anos tinha depositado suas esperanças na Liga das
Nações e na perspectiva de um desarmamento geral; e quando tudo isso ruiu, somente lhe restou a
esperança de que, num novo conflito, não oferecesse nem ofensas, nem tentações a qualquer facção que
lhe pudesse pôr em perigo a neutralidade. Estava ela ligada com frouxos laços de cooperação econômica e
política ao Grupo de Oslo, que consistia nas nações escandinavas e nos Países Baixos; mas esses Estados
tinham evitado toda a idéia de aliança militar, por consentimento mútuo. Quando, em março, a Finlândia
obteve da Suécia e da Noruega a promessa de que um pacto de assistência mútua se seguiria à sua paz com
a Rússia, a Dinamarca foi deixada fora desse projeto, como sendo mais um passivo do que um ativo; e o
próprio projeto desfez-se quando a Rússia lhe interpôs o veto decisivo. Em resultado, os Estados
escandinavos todos ficaram sozinhos e isolados diante da nova acometida alemã.
A força que a Dinamarca poderia opor a tal acometida era insignificante. Em teoria, ela podia colocar
cerca de 150.000 homens em pé de guerra; mas a maioria desses homens era deficientemente treinada, e os
efetivos de paz disponíveis não passavam de 11.000 homens. Dificilmente, portanto, poderia causar
surpresa o não ter o invasor encontrado resistência real alguma. As forças que se lançaram ao assalto em
meia dúzia de pontos, por terra e mar, eram calculadas na ocasião em cerca de 40.000 a 50.000 homens.
Apenas a Guarda Real, em Copenhague ofereceu breve resistência, que foi prontamente dominada. Pelas
quatro horas da tarde, o país estava sob controle alemão.
Esse controle, de acordo com o governo alemão, não era o de um conquistador, mas sim de um protetor.
Numa nota aos governos dos países invadidos, o Reich alegou que as medidas aliadas de bloqueio
constituíam "um golpe destruidor na concepção de neutralidade". O Reich estava de posse de provas de
que a Inglaterra e a França estavam planejando a invasão dos países nórdicos, e era claro que esses países
não poderiam oferecer resistência eficaz. A Alemanha interviera portanto "para proteger a paz do norte
contra todo o ataque anglo-francês e obter a sua garantia definitiva." Em vista desse altruísmo sem
exemplos, a Alemanha esperava que os países em questão compreendessem seus motivos e não lhe
oferecessem oposição. "Toda a resistência", - advertiu-lhes a Alemanha, - "teria de ser e seria quebrada por
todos os meios disponíveis pelas forças armadas alemães que aqui aportaram, e levaria portanto a uma
efusão de sangue absolutamente inútil."
Em face dessa perspectiva, a Dinamarca não tinha outro recurso senão ceder. Depois de conferenciar com
o seu gabinete, o rei Cristiano deu à publicidade uma proclamação, também assinada pelo primeiro
ministro, aceitando a situação sob protesto. A população foi solicitado evitar a resistência afim de se salvar
o país dos desastres da guerra. Numa sessão especial do Parlamento, à tarde, o primeiro ministro fez uma
declaração em que disse: "A Alemanha assegurou-nos que não tinha intenção alguma de violar a
independência e integridade territorial da Dinamarca... Nosso povo sem dúvida perceberá a necessidade da
atitude do governo... Só a Dinamarca, nada senão a Dinamarca importa agora."
Mas se o reino dinamarquês se mostrou, assim, uma presa fácil, com a Noruega a coisa foi muito diferente.
A invasão do Noruega
As forças navais alemães que se movimentavam simultaneamente contra seis portos noruegueses, assim
procediam com o conhecimento de que o sucesso de sua empresa não dependia somente delas próprias.
Reforços aguardavam-nas em vários pontos nos bojos de navios alemães que, chegando à Noruega
ostensivamente com lastro, na realidade ocultavam as tropas e equipamentos mecanizados destinados à
invasão. O elemento de surpresa, acentuado por essa tática, era uma grande vantagem inicial, permitindo a
um punhado de homens tomar posições essenciais enquanto os noruegueses os olhavam atônitos. E, como
toque final, havia os agentes que esperavam os nazistas dentro da Noruega e os quais, ao tempo marcado,
realizaram as missões mais importantes que lhes tinham sido confiadas, assegurando assim a vitória.
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O ministro do Exterior da Noruega reduziu mais tarde o alcance deste auxílio interno e alegou a 6 de maio
que ainda estava para descobrir um autêntico caso de traição. "Pode custar a ser acreditado", disse ele,
"mas fomos tomados de surpresa. Eles vieram sobre nós à noite, enquanto dormíamos." Há pouca dúvida
de que grande parte das conversas sobre quinta-coluna e cavalos de Tróia era exagerada, e que em muitos
casos a surpresa foi obtida não em conseqüência da deserção norueguesa, mas em resultado de falsas
ordens expedidas pelos próprios nazistas. A cooperação interna, contudo, de qualquer fonte que partisse,
permaneceu como sendo o aspecto vital de todo o quadro. A confiança mesma com que os navios de
guerra alemães atravessaram os fiordes estreitos e sinuosos, sem se preocupar com barreiras de minas
protetoras ou com o perigo das baterias de costa, demonstrava a completa certeza que tinham de que o seu
caminho já fôra eficazmente preparado.
Em Narvik, por exemplo, os nazistas foram auxiliados tanto pelas atividades do cônsul alemão como pela
ação do comandante militar norueguês. O primeiro manejou os fios dos preparativos, inclusive a presença
de cargueiros com o seu carregamento oculto de tropas. O último deixou de tomar as providências e de
emitir as ordens que pudessem tornar a resistência possível. Dois vasos de guerra noruegueses,
surpreendidos no porto de Narvik, abriram fogo conta os navios alemães quando surgiram à vista através
de forte temporal de neve; mas foram quase que imediatamente torpedeados, e a própria cidade estava
ocupada dentro de meia hora sem que um só tiro fosse disparado de terra. Em Trondheim, de
conformidade com um comunicado norueguês, os vasos de guerra alemães tinham-se rodeado de uma
flotilha de pequenos barcos noruegueses que impediu os fortes de Agdenes de abrir fogo. Também neste
caso, a cidade foi ocupada sem resistência; mas o forte de Hegre, ao leste, ofereceu uma resistência que
prosseguiu por toda a campanha subseqüente. Bergen, Stavanger e Kristiansand foram da mesma forma
capturados após uma resistência relativamente pequena.
Era em Oslo, contudo, que estava a chave de toda a operação. Neste caso também, uma combinação de
surpresa e de falsas ordens reduziu a resistência ao mínimo. Houve breve luta no aeroporto, e os fortes de
Oskaraorg impuseram curta resistência. Mas mesmo a perda de dois vasos de guerra na passagem pelos
estreitos deixou de paralisar a expedição alemã, que, efetivamente, ocupou a capital durante a manhã de 9
de abril.
As autoridades norueguesas souberam à meia-noite que navios alemães tinham entrado no fiorde, e o
gabinete se reuniu no ministério do Exterior, às 5 da madrugada, com as hostilidades já se desenvolvendo,
chegou o ministro alemão para apresentar a nota que informava a Noruega de que estava sendo tomada sob
a proteção benevolente do Reich e exigia a completa rendição do país ao controle alemão. Com certa
relutância, o enviado alemão permitiu ao ministro das Relações Exteriores, Koht, consultasse seus colegas
antes de receber uma resposta. A resposta foi uma rejeição imediata, que envolvia a certeza de hostilidade.
O governo se transferiu imediatamente para Hamar e convocou o Storting (Parlamento da Noruega) para
informá-lo dos últimos acontecimentos e receber sua aprovação. A tarde, já na iminência de um ataque
alemão a Hamar, o governo transferiu-se de novo, dessa vez para Elverum.
Nem todas as possibilidades de acordo, entretanto, haviam sido desvanecidas. Em Elverum, foi recebido
um pedido do ministro alemão, dr. Brauer, para uma audiência com o rei Haakon. O dr. Brauer era um
homem em que o professor Koht tinha considerável confiança, e parecia possível que novas e mais
aceitáveis propostas fossem apresentadas. O Storting, portanto, concordou em associar três de seus
próprios componentes com o professor Koht, e o dr. Brauer foi informado de que seria recebido no dia
seguinte.
Havia certa dificuldade em torno da audiência, já que os alemães, de modo mais sem tato, assaltaram
Elverum antes que ela se pudesse realizar. Foi somente a sua recusa em mãos dos noruegueses que
capacitou o ministro alemão a obter a entrevista que tinha solicitado. Ficou demonstrado, entretanto, que a
mesma era inútil. O dr. Brauer informou o rei, e depois a delegação, de que a mudança de situação
obrigava a novas exigências. A principal destas era a da resignação do atual ministério e do
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estabelecimento de um novo governo sob a chefia do major Vidkun Quisling, líder do Partido Nazista da
Noruega. Conquanto o sr. Koht parecesse pronto a considerar uma mudança governamental que tomasse
possível a colaboração com a Alemanha, essa submissão a um títere desacreditado era uma exigência que
ia longe demais. O rei insistiu em que não poderia nomear um governo que não gozasse da confiança do
povo, e o regime Quisling estaria em pé de igualdade com o que os russos haviam colocado na região da
Carélia após a invasão da Finlândia. Consentiu em reservar a resposta para depois de consultar seu
governo legal, mas este concordou com a sua decisão, que foi comunicada ao dr. Brauer na noite de 10 de
abril. A pergunta do ministro alemão sobre se isso significava que a resistência norueguesa continuaria, a
resposta foi: "Sim, o mais demoradamente possível".
Havia, de fato, limites muito sérios à extensão do tempo que a Noruega poderia esperar manter-se por si
própria. Mesmo em condições favoráveis ela dificilmente poderia reunir mais que 100.000 soldados numa
população de escassos três milhões de habitantes. Tomada de surpresa como fôra, parecia improvável que
mais do que a metade desse número estivesse à sua disposição. Os alemães, a 11 de abril, tinham talvez
50.000 homens na Noruega, bem equipados com armas mais leves, ainda que não providos plenamente de
tanques e artilharia pesada. A tarefa imediata dos noruegueses era opor a maior barreira possível a essas
forças modernas e particularmente evitar que seu corpo principal, em Oslo, estabelecesse junção efetiva
com as guarnições muito mais fracas que tinham ocupado os outros portos noruegueses.
Isso significava, com efeito, evitar um avanço sobre o norte ou leste do fiorde de Oslo. A marcha alemã
para o oeste pouco mais poderia fazer do que reforçar o controle de um breve trecho costeiro. A marcha
para o leste entretanto, abriria as comunicações com a fronteira sueca; e um avanço bem sucedido para o
norte logo colocaria os invasores em posição de cortar o país em dois e consolidar o seu domínio em toda a
Noruega meridional.
O imediato esforço norueguês constituiu, portanto, no traçar de um anel em torno dos alemães que se
lançavam nessas duas direções. A marcha para o norte seguia pelo vale de Glommen, conduzindo às
junções ferroviárias da Hamar e Elverum e guardado a leste pela fortaleza de Kongsvinger. A sudeste de
Oslo, os alemães desembarcaram tropas à margem oriental do fiorde e abriram caminho para o interior.
Essas eram forças aparentemente pequenas mas tinham diante de si pouco mais que improvisados
destacamentos noruegueses. A 15 de abril, os alemães proclamaram ter atingido a fronteira sueca e estar
no comando das defesas de ambas as margens do fiorde de Oslo; e no dia 18, a resistência norueguesa
nessa zona parecia ter chegado ao fim.
Entrementes, os alemães pareciam ter-se ocupado da regularização de seus instrumentos de autoridade na
Noruega. A completa ineficácia do major Quisling mesmo como títere ficou revelada quando, a 15 de
abril, ele foi substituído por um antigo governador provincial e ministro da Justiça, Ingolf Christensen. Isto
indicava ainda a esperança de que o Reich seria capaz de manter a ficção de um governo independente a
exercer autoridade efetiva e aceitar a proteção alemã, mas essa esperança rapidamente se desfez. A 19 de
abril, ele recebeu novo golpe quando Hitler ordenou a expulsão do ministro norueguês de Berlim. E a 24
de abril, a Alemanha anunciou sua soberania irrestrita sobre os distritos ocupados da Noruega e nomeou
um comissário responsável apenas perante o próprio Hitler.
A área que ela governava, entretanto, era distintamente limitada. As guarnições nazistas obtiveram pouco
sucesso na extensão de seu controle em torno dos portos ocidentais. Ao norte de Oslo, os alemães
exerciam pressão sobre os vales de montanhas com unidades avançadas, mas o seu controle além de
Hamar era ainda precário. Os noruegueses continuavam a opor encarniçada resistência, e começava a
chegar-lhes socorros de parte dos aliados. O curso futuro dos acontecimentos dependeria agora do êxito
que a marinha britânica tivesse em cortar as comunicações alemães com a Noruega e em abrir o caminho
para o desembarque de uma força aliada considerável.
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As operações navais
As vésperas da campanha norueguesa, o corpo principal da Home Fleet encontrava-se em Scapa Flow.
Desde a perda do Royal Oak, as defesas desse ancoradouro tinham sido reforçadas, e a frota havia estado
operando daquela base durante as últimas cinco ou seis semanas. Periodicamente durante esse lapso os
alemães lançavam ataques aéreos contra Scapa, e dois deles tiveram lugar na semana que precedeu a
invasão, além de um reide fracassado para atingir as Orcades. Mas na última dessas visitas, a 8 de abril, a
frota não mais estava lá.
A razão era a presença no mar de unidades navais alemães. No domingo, 7 de abril, aviões britânicos de
reconhecimento avistaram uma divisão naval alemã, incluindo cruzadores de batalha, rumando para norte
ao largo de Heligoland. Logo que essa informação foi recebida, a frota pôs-se ao mar em busca do
inimigo. Havia todas as perspectivas de que os navios alemães, mesmo que não fossem alcançados, seriam
impelidos para uma armadilha; é que ao largo da Noruega setentrional se encontrava no momento
poderosa força britânica preparando-se para o cumprimento da tarefa de espalhar novos campos de mina
ao alvorecer do dia seguinte.
O fato dos alemães terem escapado foi devido a uma combinação de boa sorte e mau tempo. A sorte do
destróier britânico Glowworm mostrou quão limitada eram as possibilidades da frota alemã. Esse navio
perdera um homem, caído ao mar, no domingo, dia 7 de abril, e retardou-se por algum tempo à sua
procura. No dia seguinte estava rumando para norte a fim de unir-se ao resto da força quando se encontrou
com dois destróieres alemães. Mal se tinha engajado na luta e outro navio surgiu pelo lado norte - o novo
cruzados alemão Admiral Hipper. Antes de poder perceber e informar que tinha topado com a principal
frota alemã, o Glowworm foi posto a pique, com a perda do grosso de sua tripulação.
Novamente, no dia seguinte, a esquadra britânica roçou as bordas da força inimiga. Ao romper do dia de 9
de abril, terça-feira, à hora marcada para o ataque da expedição alemã, o cruzador de batalha Renown
avistou através da tempestade de neve que então caíra ao largo de Narvik o navio de guerra alemão
Scharnhorst, acompanhado do Admiral Hipper. De uma distância de 16.000 m, o Renown atingiu o
Scharnhorst com dois impactos, um dos quais pôs fora de ação o fire control da belonave alemã; mas o
Scharnhorst, auxiliado pela tempestade e por uma cortina de fumaça lançada pelo cruzador que o
acompanhava, conseguiu escapar-lhe de vista, embora o Renown estivesse fazendo vinte e quatro nós no
mar forte e se tivesse distanciado bastante de seus destróieres. No decurso da ação, ele foi atingido por
uma granada que o perfurou na altura da linha d'água, mas não explodiu e não causou baixas a bordo.
Contudo, apesar desses exemplos de boa sorte, os alemães pagaram um preço substancial em perdas navais
pelo sucesso de sua empresa. O saldo final não pôde ser calculado com precisão. A afirmativa norueguesa
de ter afundado o navio de guerra Gneisenau no fiorde de Oslo era encarada pelos observadores com certa
cautela. Um submarino britânico disputou com as baterias de costa norueguesas a glória do afundamento
do cruzador Karlsruhe. O cruzador que aviadores britânicos acreditavam ter posto a pique no porto de
Bergen era, de acordo com testemunhas oculares, o Köln, que já tinha sido avariado por um torpedo. Os
alemães admitiram a perda do Blücher e do Karlsruhe, e parecia certo que o Emden tinha sido afundado
por um lança-minas norueguês e que o Admiral Scheer tinha sido posto fora de ação por um submarino
britânico. Uma autoridade naval britânica calculou as perdas navais nazistas ao fim da primeira semana em
50% de sua força em navios de guerra de primeira classe, 33% dos cruzadores pesados, 83% dos
cruzadores leves e 43% dos destróieres. Mesmo se permitindo uma razoável margem de erros, era certo
que a frota alemã tinha sido anulada como força ofensiva eficiente.
O significado disso, entretanto, poderia ser facilmente superestimado. A frota alemã de superfície, mesmo
na plenitude de sua força, jamais esteve em condições de desafiar a marinha britânica. Na melhor das
hipóteses, poderia ser uma força de corsários; e mesmo sob esta forma de atividade, seus sucessos tinham
sido tão pequenos que podiam ser considerados desprezíveis. Se, entretanto, pôde ser utilizada para
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assegurar a conquista da Noruega pelos alemães, com as suas perspectivas de bases aéreas e de submarinos
dentro de pequeno raio de alcance da Inglaterra, a perda de um terço ou mesmo da metade de seus efetivos
podia não parecer um preço alto demais a pagar. Uma vez estabelecidos nessas posições, os alemães
podiam confiar mais na sua força aérea e submarina do que nas belonaves de superfície para proteger suas
comunicações e anular todos os esforços da potência marítima britânica para desalojá-los.
Ficou demonstrado que os cálculos alemães em ambos os casos, haviam sido feitos sobre bases bastante
razoáveis. Os golpes aliados nas comunicações inimigas no Skaggerak eram rápidos e vigorosos e suas
fases iniciais foram tão eficazes, que os alemães na Noruega ficaram dependendo em grande parte do
transporte aéreo para a obtenção de reforços. Mas a natureza das operações aliadas era seriamente limitada
pelas circunstâncias. Conforme Churchill explicou mais tarde, a potencialidade aérea alemã significava
que uma continuada patrulha de superfície naquela zona teria resultado em perdas capazes de conduzir a
um desastre naval. A confiança foi, portanto, posta num bloqueio submarino completado por minas. Os
submarinos britânicos receberam ordens de afundar todos os navios alemães que se lhes apresentassem.
Foram lançadas minas, não somente no Skaggerak e no Kattegat, mas também ao longo da costa báltica da
Alemanha. Essas diversas atividades resultaram na perda para os alemães, no decorrer de três semanas, de
pelo menos vinte e oito navios de transporte e abastecimento e sérias avarias em uma dúzia de outros. Mas
mesmo ao preço de tais perdas, os navios alemães continuavam a circular, e a relativa segurança de suas
comunicações, abalada pelos assaltos iniciais, foi gradualmente restabelecida.
A possibilidade de desalojar imediatamente os alemães por meio de um ataque direto também acarretava
graves riscos. Embora as guarnições alemães dos portos fora de Oslo raramente se compusessem no
começo de mais que dois mil soldados, o avanço inicial lhes dera uma vantagem real. Navios invasores
teriam de enfrentar não somente ataques aéreos em águas apertadas em que havia pouco espaço para
manobras, mas também o perigo adicional representado pelas baterias da costa e pela força naval inimiga
emboscada nos fiordes profundamente recortados. Um ataque a Oslo, como os nazistas estavam no
comando dos fortes, teria sido suicídio. O ataque a Trondheim foi tomado em consideração, e uma força
que incluía tropas canadenses foi aprontada para a expedição, marcada para o dia 25 de abril. Mas os
êxitos iniciais no desembarque de tropas em Andalsne e Trondheim decidiram os peritos militares a se
concentrarem nesses pontos, de preferência a um ataque direto a Trondheim, que oferecia riscos de sérias
perdas.
No caso de Narvik, a situação se desenvolveu de modo diferente, graças em grande parte à iniciativa do
comandante da flotilha britânica de destróieres naquela região. A 9 de abril, essa flotilha de cinco navios,
sob o comando do capitão Warburton-Lee, estava patrulhando o fiorde Ocidental, entre as ilhas de Lofoten
e o continente. Fazendo reconhecimentos, o comandante soube que Narvik já estava firmemente dominada
e que sendo os destróieres nazistas dos maiores e mais modernos - força que teria quase o dobro da
potência de fogo da divisão britânica - se encontravam no porto. Ao saber dessa situação, o Almirantado,
se bem que particularmente ansioso por destruir os navios de abastecimento que acompanhavam a
expedição alemã, hesitava em ordenar um ataque. Mas quando foi dito ao capitão Warburton-Lee que ele
próprio deveria ser o único juiz, e que o Almirantado o apoiaria fosse qual fosse a sua atitude, pouca
dúvida poderia haver sobre o que sucederia.
Às primeiras horas de 10 de abril, a flotilha iniciou a penetração do fiorde. Esperava com certeza encontrar
o canal minado e o porto defendido pelas baterias de terra. Nevava tão fortemente que, como um oficial
informou, "Jamais vimos nenhum dos lados do fiorde, exceto no começo, quando quase o abalroamos uma
vez". Sua entrada aparentemente pegou as forças alemães completamente de surpresa, pois que foram
capazes de afundar os navios de abastecimento no porto antes de terem sido forçados a retirar pelo fogo do
inimigo mais forte. O destróier Hunter foi afundado; o Hardy foi atingido tão seriamente que teve de ser
encalhado e abandonado (seus sobreviventes meteram-se terra a dentro e foram libertados quatro dias mais
tarde); o Hotspur ficou avariado, mas conseguiu sair com os restantes dois navios. Na retirada, coroaram o
feito com o afundamento de um transporte alemão de munições. Deixaram atrás de si um destróier alemão
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afundado e três em chamas.
Essa façanha aplainou o caminho para a eliminação da força naval alemã três dias mais tarde. A 13 de
abril, nove destróieres britânicos, acompanhados pelo couraçado Warspite cuja tarefa era silenciar as
baterias de costa, penetraram em Narvik, onde se encontravam então sete destróieres alemães. Três destes
foram destruídos no decurso de um encontro que durou duas horas e meia. Os restantes escaparam pela
estreita entrada de 16 km do fiorde de Rombaks rumo ao leste de Narvik, sempre perseguidos pelos
destróieres britânicos. Um dos navios alemães, já gravemente danificado, foi incendiado; os restantes três
foram encalhados e perfurados pelos respectivos tripulantes, que fugiram para terra. Três dos destróieres
britânicos ficaram danificados durante a ação; mas a força alemã tinha sido varrida, e com ela desaparecera
toda a esperança alemã de reforçar sua guarnição por mar.
Mas Narvik mesma ainda não estava em mãos aliadas; e embora estivesse, sua situação longínqua e a
carência de comunicações terrestres tê-la-ia tornado quase inútil como base de operações militares contra
as principais forças alemães. O patrulhamento naval ao largo da costa ocidental evitava que quaisquer
reforços substanciais alcançassem as guarnições de Bergen e Trondheim. Mas expulsá-las dali exigia a
realização de operações militares; e agora restava a marinha tornar possível o desembarque eficaz de uma
força de efetivo considerável e bem equipada, se se quisesse expulsar os invasores da Noruega.
A expedição aliada
A própria natureza da situação exigia uma expedição de tal ordem. Teoricamente, os aliados não tinham
mais obrigações diretas para com a Dinamarca e a Noruega do que tiveram com a Finlândia. A coisa mais
aproximada a uma garantia era a referência de Chamberlain à Suécia e Noruega no decurso dos debates
finlandeses a 19 de março: "Nada irá ou poderá salvá-las a não ser a determinação de se defenderem e de
se unirem com outros que estão prontos a auxiliá-los na sua defesa." Mas por seus próprios interesses, os
aliados não poderiam manter-se alheios à invasão alemã da Escandinávia. Foi imediatamente anunciado
que os aliados tinham decidido estender daí em diante sua completa assistência à Noruega e conduzir a
guerra lado a lado com eles. Esta garantia foi repetida por Chamberlain a 9 de abril. A 11 de abril,
Churchill disse a respeito. dos noruegueses: "Nós os auxiliaremos da melhor forma que pudermos.
Conduziremos a guerra em comum com eles, e somente faremos a paz quando os seus direitos e liberdade
estiverem restaurados". E a 13 de abril, o rei George enviou uma mensagem pessoal ao rei Haakon,
assegurando-lhe que os aliados estavam dando à Noruega todo o auxílio que lhes era possível.
Quando os primeiros dias penosos se arrastavam, esse auxílio pareceu custar muito a chegar. Os alemães
tinham alegado que a sua ocupação da Noruega e Dinamarca visava apenas antecipar uma iminente
invasão aliada. A 27 de abril, com a apresentação teatral mas inconvincente, pelo sr. Ribbentrop, de
"provas documentárias", esta lenda avolumou-se até o ponto em que os nazis asseguravam que uma
expedição aliada tinha-se feito ao mar para logo retroceder à notícia da ação alemã. Para tais fantasias, a
carência de imediata ação aliada era a única resposta convincente, e servia para colorir a hipótese de que a
Grã-Bretanha e a França tinham sido de fato escolhidos em sono pelo golpe alemão. Churchill deu algum
apoio a isso quando a 11 de abril, depois de admitir que sabiam há meses dos preparativos alemães,
insistiu em que os aliados não tinham meios para saber qual era a verdadeira finalidade desses
preparativos. Isso sem dúvida significava subestimar a perspicácia sua e de seus colegas. A verdadeira
natureza dos erros de previsão aliados foi talvez melhor expressa numa nota do correspondente militar do
Times:
"Quando a campanha da Finlândia chegou ao fim, o corpo principal da força reunida para ir em auxílio
daquele país foi transferido para outra parte, juntamente com a sua artilharia anti-aérea. A divisão 49 e
certas outras tropas foram mantidas, entretanto, estacionárias, com o objetivo de serem desembarcadas nos
principais portos noruegueses na eventualidade de uma invasão alemã vinda do sul. A captura desses
portos pelos alemães não foi prevista, e era considerado que os destacamentos relativamente pequenos
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designados para esse propósito seriam suficientes para mantê-los até que outras forças pudessem ser
desembarcadas sob a sua cobertura... A invasão alemã não foi, portanto, uma surpresa completa em si
mesma; mas o seu alcance e o seu êxito invalidaram completamente o plano original".
Os aliados, em conseqüência, viram-se à frente de uma operação que é tradicionalmente uma das que
oferecem sérias dificuldades - o desembarque de tropas numa costa hostil enfrentando a resistência
inimiga. As recordações pouco confortadoras da frustrada tentativa de forçar os Dardanelos, que
começaram a avivar-se a essa perspectiva, de modo nenhum se tranqüilizaram à contemplação do terreno
norueguês. Essa costa montanhosa, guardada por numerosas ilhas e sulcada por enseadas profundas e
sinuosas, oferecia um problema formidável. Os estrategistas ingleses, como se vê pela citação acima,
haviam compreendido perfeitamente as vantagens que essa costa oferecia para a defesa. Eles tinham agora
de encontrar um meio de levar de vencida a resistência que aí seria oposta pelo inimigo.
A chave de toda a operação, estava claro, era o porto de Trondheim. Oslo, para o momento, estava fora de
cogitações; e um porto como Bergen, circundado por montanhas que quase o isolavam do interior, oferecia
vantagens relativamente menores sob o ponto de vista estratégico. De Trondheim, por outro lado, o acesso
seria possível - se bem que de forma alguma fácil - ao principal sistema de comunicações da Noruega
meridional. Um exército que obtivesse um forte ponto de apoio nessa região poderia ter esperança de
estabelecer uma linha que cortasse o sul do norte e oferecesse uma base de que as forças aliadas pudessem
varrer, vindas do planalto central, as posições alemães ao longo da costa.
A primeira tentativa, entretanto, não foi um assalto frontal, mas um movimento para tomar a posição de
Trondheim pela retaguarda. Nos dias 14 e 17, foram desembarcados destacamentos navais em Namsos e
Andalsnes, respectivamente; nos dias 16 e l8, eles foram seguidos pelos primeiros contingentes de tropa.
Seu imediato objetivo era obter o domínio da estrada de ferro e assim evitar uma junção entre as forças de
Trondheim e o grosso das forças alemães e ao mesmo tempo, obter comunicações que lhes permitissem
entrar rapidamente em contacto com as forças norueguesas e tomar posições avançadas, na esperança de
mantê-las contra os alemães até que chegasse o grosso das forças aliadas.
A essa data havia uma corrida contra o tempo, uma corrida que possivelmente já fôra perdida. Era verdade
que os alemães, apesar de uma semana de lutas, não tinham ainda estabelecido comunicações entre o
grosso de suas tropas e as guarnições da costa. Esse era um tributo notável à qualidade da resistência
norueguesa, mas os defensores estavam sendo fortemente comprimidos pelas forças alemães que exerciam
pressão ao norte de Oslo e a leste de Trondheim. A 16 de abril, o ministro norueguês em Londres lançou
um apelo no sentido de que os aliados agissem rapidamente e assinalou a necessidade urgente de auxílio
contra os alemães no sul da Noruega meridional.
O fato era que a força alemã estava então crescendo com uma rapidez que fazia com que a conservação das
posições inicialmente ocupadas pelos aliados fosse uma possibilidade. O processo de restabelecer o
controle sobre o Skaggerak tinha evoluído o bastante para fazer que suas comunicações desfrutassem de
uma segurança razoável. Os alemães estavam agora recebendo, não somente reforços, mas o equipamento
mecanizado que permitia às forças avançadas fazer rápidos progressos para tomar importantes posições, e
os noruegueses podiam ver a perspectiva de que a tática que tinha sido tão bem sucedida na Polônia seria
repetida às custas suas.
Contra isso, as primeiras forças britânicas podiam oferecer pouco, no tocante ao equipamento pesado.
Destacamentos leves eram mandados às pressas para o interior a fim de se juntarem aos noruegueses e
ajudá-los a barrar o avanço alemão de Hamar a Lillehammer, mas sua inferioridade em número e
equipamento tornou impossível consolidassem suas posições. Ao mesmo tempo, as unidades navais
alemães no fiorde de Trondheim puderam manter sob o fogo de sua artilharia pesada as forças aliadas que
avançavam para o sul, vindas de Namsos, e forçaram-nas a recuar para Steikjer. E a perspectiva de que tais
desvantagens fossem em breve levadas de vencida era seriamente ameaçada pela superioridade alemã no
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ar.
O início da campanha mostrou o domínio do poder aéreo sobre o poder marítimo de forma mais direta que
a registrada antes. Os pesados ataques aéreos às forças navais britânicas ao largo de Bergen, a 9 de abril,
representaram a primeira batalha real entre navios e aviões em número considerável e em alto mar.
Fazendo-se a comparação, em vista dessa batalha, entre bombardeiros e navios de guerra, o resultado
penderia decisivamente favorável a estes últimos.
Sob esse aspecto, a bomba mais poderosa lançada durante a guerra foi uma de 1.000 libras, que alcançou
Rodney com um impacto direto. A pesada armadura da coberta do vaso de guerra resistiu completamente
ao choque, e o único dano causado pela explosão foi ferimentos em três oficiais e sete marinheiros. Dois
outros cruzadores foram atingidos, mas ficaram apenas levemente danificados por estilhaços, e
permaneceram em seus postos junto à frota.
As unidades menores e mais levemente blindadas não podiam esperar escapar tão facilmente. Contra
impactos diretos, que eram apenas os considerados fatais, tinham a proteção da velocidade,
principalmente. Nesse mesmo encontro, cinco ataques foram desfechados diretamente contra o destróier
Aurora, em face do pesado ataque anti-aéreo, mas nenhum deles alcançou seu objetivo. O destróier
Ghurka, por outro lado, foi fortemente atingido e teve de ser abandonado. Foi contra unidades dessa classe
que os aviadores alemães obtiveram seus raros êxitos durante a campanha subseqüente. Tudo o que
conseguiram foi infligir certas avarias a um cruzador durante o bombardeio de Stavanger, a 17 de abril,
mas assim mesmo esse navio foi capaz de chegar a um porto. Os pilotos alemães pareciam ter pendor para
superestimar as vitórias sobre os navios que atacavam, e suas afirmações de vitórias acabaram por incluir o
afundamento dum vaso de guerra da classe do Queen Elizabeth, o de um cruzador da classe do York e um
porta-aviões. Mas o Almirantado desmentiu a perda de navios dessa classe durante a campanha; e em vista
da fantástica qualidade das anteriores afirmações alemãs desse caráter, sua ulterior exuberância deixava
pouca impressão nos observadores destacados.
O poderio aéreo, portanto, mostrou-se incapaz de disputar eficazmente o domínio dos mares. A frota
britânica podia manter abertas as comunicações marítimas, o que era essencial para a expedição aliada.
Mas o seu poder estacava diante dos portos; e era nos portos, pontos de junção das operações marítimas e
terrestres, que a força aérea alemã agia com o máximo de sua eficiência.
Esses portos estavam longe de serem adequados, mesmo sob as melhores condições. Um ataque bem
sucedido a Trondheim teria assegurado um bom ancoradouro com modernas instalações portuárias. A
decisão dos aliados de confinar seus esforços iniciais a Namsos e Andalsnes deixou-os dependentes de
simples aldeias de pesca, cujas poucas docas não passavam de toscas construções de pedra ou mesmo de
madeira, carecendo completamente de guindastes mecânicos e de outras necessárias facilidades de
descarga. Sua vulnerabilidade a ataques aéreos era acentuada pela incapacidade de enviar material antiaéreo com os primeiros destacamentos aliados. Eram esses os pontos que os alemães golpeavam com plena
fúria. A 19 de abril, eles desfecharam contra Namsos um ataque que durou sete horas, e que foi seguido de
outros que continuaram durante os três dias seguintes. "Vi Chapei, Madrid, Abo e Rovaniemi" escreveu
um correspondente francês, "depois de ataques aéreos. Sei o que um bombardeio é, mas o arrasador da
destruição de Namsos excedia tudo que tinha visto." Os Ataques a Andalsnes, se bem que menos
espetaculares, eram quase da mesma eficácia. Quando o equipamento antiaéreo foi posto à disposição, os
dois portos estavam em ruínas.
As tropas aliadas que tinham avançado para o interior foram expostas a assaltos igualmente terríveis. Elas
receberam os ataques coordenados de tropas, tanques e bombardeiros de mergulho; e em Steinkjer
enfrentaram, além disso, o fogo dos navios de guerra alemães que se encontravam no fiorde de Trondheim.
O último fator, juntamente com o desembarque de forças navais alemães que ameaçavam cortar os
primeiros destacamentos e avançar com rumo sul em direção a Levanger, praticamente cortaram o braço
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setentrional da pinça aliada que se movia contra Trondheim. Foi deixado aos destacamentos meridionais
capturar primeiro as vitais junções ferroviárias de Dombaas e de Stoeren, para então investir para o sul
com a maior rapidez possível a fim de evitar um avanço alemão sobre os principais vales em direção a
Trondheim.
Essas forças aliadas estavam mal equipadas para semelhante tarefa. Careciam de equipamentos
mecanizados e de artilharia pesada. Encontravam-se sem uma dotação adequada de canhões antitanques e
anti-aéreos. Na melhor das hipóteses, elas podiam esperar agir como força retardadora contra o inimigo. E
a possibilidade de receberem reforços de pendia mais uma vez da situação no ar.
Isto significava o estabelecimento de bases aéreas aliadas na Noruega. Houve desde o princípio tentativas
de anular o poderio aéreo alemão com ataques às suas principais bases. Stavanger esteve sob quase
constante bombardeio, e houve reides freqüentes contra campos como Fornebu, perto de Oslo, e Aalborg,
ao norte da Dinamarca. Mas apesar dos danos extensos causados a esses campos, os aviões nazistas
continuavam a operar, e tornou-se claro que se os bombardeiros não podiam controlar as vias marítimas,
muito menos podiam impedir a atividade inimiga. Nem era possível a caças operar com eficiência de bases
britânicas distantes 500 km. Os caças bi-motores que eram utilizados desempenhavam bem a tarefa
quando em encontros com o inimigo. Mas não podiam permanecer no ar por muito tempo, e eram
provavelmente menos rápidos que os bombardeiros alemães, como por exemplo os Junkers Ju.88. Podiam
operar patrulhas limitadas ou atacar objetivos definidos. Mas para a defesa, era necessário aviões de caça
que pudessem permanecer por mais tempo no ar e erguer vôo assim que o inimigo surgisse. Mas tal força
não podia operar sem bases, e os alemães tinham capturado todas as bases importantes da Noruega.
Algumas tentativas foram feitas pelos aliados para o uso de lagos gelados, mas se mostraram
insatisfatórias; e uma base improvisada na área de Dombaas foi descoberta e bombardeada até que ficou
quase inútil. Por fim, tornou-se absoluta a superioridade aérea nazista na Noruega.
Tal fato selou o destino da expedição aliada. A superioridade alemã tanto em efetivos como em potência
de fogo foi aumentada sem cessar e à medida que as forças nazistas avançavam. A 25 de abril, elas
investiram pelo Osterdal - o oriental dos dois vales principais - contra Tynset e estavam a distância de
ataque de Roeros; e no Gudbrandsdal, o vale paralelo a leste, os aliados foram obrigados a recuar de Otta a
Dombaas. Lá então conseguiram deter o inimigo; mas os alemães no Osterdal lançaram duas colunas
mecanizadas através de caminhos montanhosos em direção a um ponto da estrada de ferro entre Dombaas
e Stoeren. Era um movimento que ameaçava efetuar ligações entre a força atacante e os alemães de
Trondheim e cortar as forças aliadas em duas. Somente reforços imediatos poderiam salvar a expedição
aliada, agora numa inferioridade de quase dez para um. Mas o Alto Comando chegou à conclusão de que a
remessa de reforços era impossível, em vista da supremacia aérea dos alemães; e embora fosse informado
que o general de Wiart, a 29 de abril, tinha assegurado que "as tropas britânicas têm tudo que precisam" a
decisão tomada foi, entretanto, a de retirar as tropas a fim de salvá-las da destruição. Na noite de 1 para 2
de maio, a retirada foi efetuada de Andalsnes, e na noite seguinte de Namsos. Com exceção de grupos
esparsos de noruegueses que ainda resistiam, a totalidade da Noruega meridional foi deixada nas mãos dos
nazistas. Com uma chuva final de bombas sobre a expedição em retirada, os alemães afundaram três
destróieres - um britânico, um francês e um polonês, - mas, de acordo com o comunicado do Almirantado,
os transportes de tropa não foram atingidos.
O comunicado do Almirantado sobre a retirada sugeria, entretanto, que a luta não tinha sido
completamente abandonada, e que seriam realizados esforços noutros pontos da Noruega. Isto significava
claramente que se concentrariam em Narvik. Aqui, a batalha naval de 13 de abril tinha resultado na perda
do controle alemão sobre o porto, mas não sobre a cidade propriamente dita. Não foi senão dois dias mais
tarde que os aliados começaram a desembarcar tropas, e a protelação deu aos alemães tempo não somente
para consolidar suas posições, como também para capturar as elevações de Rombak, a leste das pequenas
forças norueguesas lá fixadas, e estender o seu controle ao longo da estrada de ferro que conduzia à
fronteira sueca. Quando, portanto, as forças militares aliadas chegaram, encontraram a posição forte danais
para um assalto frontal. Ao invés disso, desembarcaram tropas nos dois lados do fiorde das cercanias da
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cidade, e iniciaram o vagaroso processo de envolvimento da guarnição nazista.
Ficou demonstrado que essa operação nada tinha de fácil. A guarnição alemã não tinha perspectiva
imediata de ser substituída, pois que todas as tentativas de remessa de reforços por mar foram
interceptadas, e os esforços germânicos para avançar de Namsos por terra eram retardados pelas forças
norueguesas e aliadas que operavam de Mo e Bodoe. Mas a posse pelos alemães das elevações de Rombak
tornou possível um desembarque ocasional de aviões de transporte, e outros reforços chegaram de páraquedas. Suprimentos, incluindo artilharia anti-aérea, eram também deixados cair de pára-quedas; e o
bombardeio alemão, juntamente com a posse alemã dos fortes da costa, envolviam um vagaroso processo
de redução, antes que as forças navais aliadas pudessem entrar no porto em segurança. A perda do
pequeno cruzador Curlew, equipado com peças anti-aéreas, mostrou o quão arriscado era para os navios
operarem nessas águas estreitas e difíceis.
Apesar de tudo, as forças aliadas, que haviam crescido até chegarem a um número orçado em 15.000,
gradualmente se concentraram. A 28 de maio, foi lançado um ataque que durou vinte e quatro horas; e no
dia seguinte, os aliados puderam anunciar que a cidade de Narvik estava enfim em seu poder.
Mas esse não foi, de modo algum, o fim da história. O grosso das forças alemães tinha deixado a cidade
antes da mesma ser capturada e recuado ao longo da ferrovia para as suas posições em torno de
Bjoernfjell. Era claro que elas não estavam ainda dispostas a entregar esses meios de acesso às minas de
ferro suecas sem uma luta que, devido a natureza do terreno, poderia muito bem prolongar-se
indefinidamente. Com todo o resultado do conflito - um resultado que incluía o destino da própria Noruega
- em jogo na frente ocidental, os aliados se decidiram a evitar mais desgastes de força e a evacuar toda a
Noruega. "A dura necessidade da guerra", disse o rei Haakon na sua proclamação de 10 de junho, "forçou
os governos aliados a conjugar todas as suas forças para a luta em outras frentes, e eles precisam de todos
os homens e de todo o material nessas frentes." Avisou, portanto, o seu povo de que era inútil continuar a
resistência e ao mesmo tempo lhe garantiu que o seu rei e governo continuariam a luta fora do país,
expressando a confiança em que "o povo norueguês, juntamente com outros povos que agora estão
sofrendo sob o jugo alemão, reaverão uma vez mais os seus direitos e liberdade." Como toque final trágico
à evacuação, o Almirantado foi obrigado a anunciar a perda de um navio-tanque, um navio de
abastecimento, dois destróieres e o porta-aviões Glorius - afundado, de conformidade com informes
alemães, pelos vasos de guerra Scharnhorst e Gneisenau.
As aquisições da Alemanha
Nestas operações, intensamente criticadas, foi engajada apenas uma pequena parte das forças adversárias
de cada lado. Não se considerava, aliás, a Noruega como um alvo que justificasse o risco de maiores
perdas. Hitler podia arriscar navios de guerra, que lhe eram de pequena utilidade em qualquer parte, mas o
Almirantado se recusou a enfrentar quaisquer aventuras sérias com a armada britânica. A expedição aliada
à Noruega meridional, constante de 12.000 homens, formava menos que uma simples divisão; e embora os
alemães tivessem mandado oito ou dez divisões, esta continuava sendo uma pequena porção das duzentas
divisões que, ao que se calculava, o Reich tinha em armas. Importante como era a posse da Noruega, sob
numerosos aspectos, nenhum dos lados estava desejoso, contudo, de jogar alto a ponto de enfraquecer
seriamente a sua posição no caso de um movimento do inimigo nos Bálcãs, no Mediterrâneo ou nos Países
Baixos.
Havia contudo definitivas conseqüências econômicas e estratégicas que representavam um ganho real para
a Alemanha e perda nítida para os aliados. O espólio imediato obtido pelos nazistas era em si substancial.
Metade das reservas de ouro dos bancos centrais de Oslo e Copenhague, somando cerca de 75.000.000 de
dólares, juntamente com quantidade ignorada de valores estrangeiros, caiu em mãos alemães. No porto
livre de Copenhague, os armazéns foram completamente atulhados de artigos importados, desde os
gêneros alimentícios até peças de motor. Somente na Dinamarca foram encontradas de 300.000 a 500.000
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toneladas de óleo e petróleo. Estes eram manás que a economia estritamente racionada do Reich tinha
todas as razões para bem receber.
Os recursos naturais da Noruega e Dinamarca eram de maior importância ainda. A Dinamarca era rico país
agricultor e produtor de laticínios, no qual um terço da população vivia exclusivamente do cultivo da terra.
Uma nação como a Alemanha, que ficou sem manteiga afim de fabricar canhões, podia bem receber a
aquisição do maior exportador de manteiga do mundo, e também um dos maiores produtores de toucinho.
Tanto a Dinamarca como a Noruega eram grandes exportadoras de peixe, e os produtos florestais e
minerais da Noruega eram importantes para propósitos bélicos. Um aspecto complementar dessas
aquisições era o de que elas privavam os aliados, particularmente a Grã-Bretanha, de suprimentos que até
então recebiam. A Grã-Bretanha absorvia metade das exportações dinamarquesas e mais que uma quarta
parte das da Noruega. Ela estava agora sem o seu maior fornecedor de manteiga, toucinho e ovos. Com a
conquista da Noruega, ela perdia o grosso de seu abastecimento normal de madeira e mais de noventa por
cento de sua polpa de madeira - materiais importantes na manufatura de aviões e na provisão de celulose
para explosivos, como também ao fabrico de papel para jornais. Da Noruega também vinham ligas de ferro
e produtos de acetileno, importantes para o preparo de aço e construções navais. Tais produtos, agora à
disposição da Alemanha, teriam de ser substituídos pelos aliados por abastecimentos de fontes menos
adequadas.
Havia, é verdade, outras considerações que até certo ponto perturbavam esse equilíbrio. Para começar, a
Dinamarca tinha uma balança comercial favorável com a Inglaterra, enquanto da Alemanha comprava
mais do que lhe vendia. Isto significava que a Dinamarca obtinha fundos da Grã-Bretanha e os empregava
na Alemanha, obtendo assim uma certa soma de câmbio estrangeiro que não mais estaria à disposição do
Reich. Também, embora a nova conquista pudesse facilitar a situação alimentar no Reich, essa vantagem
poderia, a certos respeitos, ser temporária. Nenhum país bastava a si mesmo em matéria de gêneros
alimentícios. A Noruega em particular, com apenas três por cento de suas terras aráveis, dependia de
importações de cereais; e a Dinamarca era uma produtora especializada para o mercado mundial e
dependia a muitos aspectos de abastecimentos de fora. Isto era particularmente verdadeiro no caso dos
adubos e forragens, ambos os quais provinham de além-mar; e estes, particularmente as forragens
concentradas como a torta oleosa, eram justamente os de que a Alemanha carecia. Isto queria dizer que,
embora a Dinamarca fosse uma abastecedora por curto prazo de gêneros alimentícios, surgia a
possibilidade de que a carência de forragens conduziria no inverno a uma considerável matança de gado; e,
entrementes, o problema de abastecer a Noruega de gêneros alimentícios devia ser resolvido pela
Alemanha. Mas essas eram dificuldades que podiam ser facilmente exageradas. A Alemanha tinha
mostrado, no caso de outras conquistas suas, que podia lidar com essa espécie de situação, reduzindo o
padrão de vida dos povos que mantivesse submissos; e a imediata instituição de um racionamento rígido
na Dinamarca mostrou a determinação de conservar essa nova conquista por métodos semelhantes.
Um fator importante, contudo, escapava-lhe em grande parte ao controle. Esse era a navegação
dinamarquesa. Era um fator particularmente importante no caso da Noruega, cuja navegação de quatro e
meio milhões de toneladas era a quarta frota mercante do mundo em tamanho, ligeiramente superior à
frota alemã. Considerável parte dessa frota, incluindo cerca de cinqüenta por cento dos 272 navios-tanques
noruegueses, já estava fretada pelo governo britânico. Somente pequena porção dessa frota estava em
portos noruegueses quando se verificou a invasão, e aos navios em alto mar foi ordenado pelo rádio
arribassem a portos neutros ou aliados. Por meio de disposições subseqüentes, um comitê norueguês com
sede em Londres tomou sob controle unificado essa frota agindo em colaboração com o controle naval
anglo-francês estabelecido logo no começo da guerra. A navegação dinamarquesa, entretanto, era um
problema mais complicado. O governo norueguês podia agir com os aliados; mas o governo dinamarquês
estava sob proteção alemã e não podia adotar uma atitude hostil ao Reich. Isto significava que a navegação
dinamarquesa, do ponto de vista aliado, era tecnicamente de um caráter inimigo. Ao mesmo tempo, os
aliados não tinham desejo algum de tratar a Dinamarca como uma potência hostil, e tinham todas as razões
para adquirir e não destruir os navios dinamarqueses. Ao invés de os apreender ou afundar, os aliados se
ofereceram para arrendá-los, sob a condição de serem transferidos para a bandeira britânica ou francesa e
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de que a renda correspondente não passasse para a Alemanha. Essas condições, entretanto, mostraram-se
de difícil aceitação, e durante abril e maio a maior parte dos 700 navios pertencentes à Dinamarca, dois
terços dos quais em portos neutros ou aliados, permaneceram imóveis. Um comitê dinamarquês de
navegação, organizado pelo ministro da Dinamarca nos Estados Unidos, negociava com os aliados; e a 23
de maio foi firmado um acordo permitindo aos navios deixarem os portos neutros com qualquer destino, a
exceção da Alemanha e países sob seu controle. Mas isto acabou por ser apenas uma concessão
temporária, e o destino final dos navios que continuavam a ostentar o pavilhão dinamarquês parecia ser
provavelmente sua apreensão pelos aliados.
Sob o aspecto estratégico, a conquista da Noruega meridional, em particular, significava uma vantagem
bem definida para a Alemanha. Os portos noruegueses se prestavam admiravelmente à atividade
submarina. As bases aéreas norueguesas diminuíam para a metade a antiga distância pelo ar à Inglaterra
setentrional, especialmente à base naval de Scapa Flow. A Alemanha estava, pelo menos potencialmente,
numa posição muito mais favorável para martelar as principais rotas marítimas britânicas, incluindo as
rotas norte e oeste das Ilhas Britânicas, e para obrigar as forças navais de bloqueio que antes patrulhavam a
área entre a Escócia e a Noruega a estender suas atividades por um raio muito maior. A importância da
nova situação foi demonstrada a 17 de abril com o informe de que a Grã-Bretanha estava colocando minas
ao longo de sua costa ocidental, principalmente para proteger o estuário do Clyde. A ameaça ainda era
mais potencial do que imediata, pois que o êxito dos submarinos contra a navegação mercante continuava
em declínio, e parecia que as bases aéreas norueguesas ainda não estavam sendo utilizadas para reides de
longa distância. Mas a Alemanha, apesar de tudo, estendeu grandemente o alcance de seu poder ofensivo
contra o flanco oriental britânico.
Do ponto de vista negativo, havia também vantagens reais para a Alemanha. Mesmo que não tivesse usado
essas novas posições como bases para ação agressiva, a ocupação removera o receio de que pudessem ser
tomadas e utilizadas contra ela pelo inimigo. O controle da Dinamarca e da Noruega era uma proteção para
a frente setentrional da Alemanha, cuja importância ficou grandemente aumentada. porque significava
também o controle sobre o Báltico. E tinha a outra e positiva vantagem de quase automaticamente
significar o controle da Suécia.
A invasão da Noruega alarmara naturalmente a Suécia, receosa pela própria segurança. E, por mais irônico
que pareça, foi o veto russo ao proposto pacto escandinavo de defesa que livrou a Suécia da obrigação de
entrar na guerra em favor da Noruega. Mas havia sempre a perspectiva de que, se as forças alemães fossem
mal sucedidas, os nazistas exigissem passagem através da Suécia para homens e abastecimentos. A Suécia
rejeitara de antemão qualquer idéia dessa natureza e alegara firmemente a intenção de defender sua
neutralidade contra qualquer violação. Apoiou esta alegação com ataques a aviões que lhe sobrevoaram o
território e com protestos enérgicos junto ao Reich contra tais atos. Uma troca de cartas entre o rei Gustavo
e Hitler parece ter levado a Alemanha a dar garantias; mas o fato decisivo foi o êxito da consolidação do
controle alemão na Noruega. Isto significava, com efeito, que a Suécia caíra irremediavelmente na órbita
alemã, tanto política, como economicamente; e o começo de negociações comerciais com a Alemanha em
fins de abril indicava o fato da Suécia ter percebido que, com a Alemanha controlando a entrada do
Báltico, o acesso sueco ao mundo exterior era dependente da boa vontade alemã.
Significava também que os recursos da Suécia estavam mais completamente do que nunca à disposição da
Alemanha, e especialmente que a Alemanha tinha agora garantido um fornecimento contínuo de minério
de ferro sueco. Isto era de importância capital, pois que das importações alemães de minério de ferro no
total de 24.000.000 de toneladas em 1938 quase 11.000.000 de toneladas provinham da Suécia, e a sua alta
qualidade tornava-a indispensável à indústria alemã de armamentos. Normalmente, o grosso dessa
importação seguia o caminho de Narvik, e esse porto no momento não mais era utilizável. Mas as
importações alemães por essa rota vinham mostrando forte declínio desde o início do ano; e com a
abertura da rota do Báltico acreditava-se que Lulea e outros portos suecos, embora mais limitados em
capacidade que o de Narvik, podiam encarregar-se do grosso das exportações necessárias. Por outro lado,
os aliados estavam agora grandemente privados do acesso ao minério sueco. A Grã-Bretanha, em
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fevereiro, recebera, em realidade, mais minério de Narvik que o recebido pela Alemanha. Os dois milhões
de toneladas de minério que ela normalmente importava da Noruega e Suécia representavam apenas uma
terça parte de suas importações, mas sua alta qualidade tornavam-no de grande importância, e a indústria
britânica de aço estava provavelmente destinada a enfrentar certa dificuldade antes de poder conseguir
uma fonte substituta de abastecimentos.
A queda de Chamberlain
O colapso da campanha norueguesa levou ao auge uma crise política que havia muito se vinha
desenvolvendo. Nas primeiras etapas da invasão nazista, o público tinha sido encorajado a acreditar que
Hitler tinha dado um passo descuidado, cujas conseqüências cedo sentiria. Com o passar do tempo sem
que essas conseqüências surgissem, crescente obstinação se tornou aparente; e com a revelação da
completa falta de habilidade dos aliados na realização de um contra-golpe decisivo, o sentimento de
decepção achou vasas numa explosão de ira contra o governo, e especialmente contra o primeiro ministro.
Mas o responsável não era apenas o fracasso norueguês. Como Attlee disse durante debates subseqüentes:
"Reina grande ansiedade entre o povo deste país, que não está convencido de que a guerra está sendo
conduzida com suficiente energia, capacidade, força e resolução. e isto não somente na Noruega. A
campanha norueguesa é o auge de outros descontentamentos". Isto ficou delimitado pela diferença na
atitude geral em relação a Chamberlain e Churchill. Este era responsável pelo Almirantado, cuja política
foi alvo de considerável crítica sob a acusação de falta de audácia crítica orientada pelo almirante Keyes,
que se mostrava ressentido com a rejeição de sua oferta de dirigir um ataque a Trondheim. Churchill falara
de modo otimista a respeito da ação de Hitler, classificando-a de "erro estratégico e político tão grande
como o cometido por Napoleão ao invadir a Espanha." Prometera que os exércitos aliados iriam "limpar o
solo dos Vikings da imunda mácula da tirania nazista". Mas Churchill, fossem quais fossem os seus
enganos, teve pequena parte na responsabilidade pelas grandes deficiências que tinham condenado a
campanha ao fracasso. Logo que Hitler começara a rearmar-se, ele tinha estado a martelar o governo, num
esforço para persuadi-lo da necessidade de se preparar para a luta vindoura. E agora apontava para
antecedentes de que não teve culpa quando dizia: "A razão da séria desvantagem decorrente da falta de
iniciativa nossa é daquelas que não podem ser rapidamente removidas. Foi falha nossa não termos nos
últimos cinco anos mantido ou reconquistado a paridade com a Alemanha no ar. Esta é uma velha e
comprida história."
Por outro lado, Chamberlain não podia deixar de compartilhar uma parte, ao menos, de tal situação. E à luz
do fracasso norueguês, toda a política do governo chamberlainiano começou a assumir uma perspectiva
diferente aos próprios olhos dos que o apoiavam. A lembrança de tentativas inúteis para apaziguar os
ditadores, a exclusão inexorável de seu conselho de homens que advogavam uma orientação mais briosa, a
carência de vigor mesmo depois de iniciada a guerra e o otimismo frívolo de alegações como que "Hitler
tomou o bonde errado" - tudo isso agora refluiu sobre ele. Qualquer possibilidade que tivesse de recuperar
a posição era desfeita pela sua arrogante impenitência. A desculpa implícita em seu discurso de 7 de maio
visava menos o fracasso da expedição do que o fato mesmo de tal expedição ter sido enviada. Recusava-se
a estudar quaisquer mudanças sérias de pessoal ou a criação de algum gabinete de guerra realmente
eficiente. Reiterou a convicção de que "a balança das vantagens até o presente pende para o lado das forças
aliadas". Era claro que sob sua chefia não se poderia esperar um novo impulso de vigor ou imaginação.
O resultado foi uma revolta dentro do próprio Partido Conservador contra a continuação dessa inexorável
falta de habilidade. Este foi o fato vital em torno da votação de 8 de maio na Câmara dos Comuns. O
governo estava à superfície, sustentado por uma votação de 281 contra 200. Mas o Partido Conservador na
Câmara somava 365 membros, e destes apenas 252 votaram pelo governo. Entre os 65 conservadores que
não tinham votado pode ter havido algumas abstenções normais, mas o grosso se abstivera
deliberadamente de votar como expressão de sua desaprovação. Os 33 conservadores que votaram contra o
governo incluíam figuras proeminentes tais como Duff Cooper, L.S. Amery, Leslie Hore-Belisha e Lord
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Winterton todos eles antigos ministros conservadores. Todos os membros conservadores dos serviços de
guerra presentes à sessão votaram contra o ministério.
Apesar da maioria de Chamberlain, portanto, a votação era uma clara condenação de sua chefia. Ele tentou
ainda endireitar a situação, alargando as bases do ministério. Mas os líderes trabalhistas se recusaram a
unir-se a uma administração de que Chamberlain fosse o chefe, e essa recusa resolveu o caso. A 10 de
maio, Chamberlain renunciou, e Churchill teve coroada a sua movimentada carreira com a obtenção,
afinal, da pasta de primeiro ministro.
Mas a esta altura os aliados se defrontaram com uma nova crise, muito mais grave, pois Hitler lançou todo
o poderio de seus exércitos contra os Países Baixos.
A Invasão dos Países Baixos
A confiante inocência da Dinamarca e da Noruega, que se deixaram apanhar completamente de surpresa,
estava longe de ser partilhada pelos pequenos países à fronteira ocidental da Alemanha. Logo desde o
renascimento da Alemanha como potência militar, eles vinham tendo plena consciência dos perigos com
que se iriam defrontar no caso de uma nova guerra no oeste. A topografia dos Países Baixos, que oferecia
menos obstáculos naturais que o terreno mais para o leste, tomava-os o caminho mais adequado para um
exército de invasão que partisse quer da França quer da Alemanha. A tentação era aumentada pela sua
relativa carência de obras artificiais de defesa, quando contrastadas com as pesadas fortificações de ambos
os lados da fronteira franco-alemã. Uma investida através da Holanda e da Bélgica era algo que os chefes
militares tanto da Alemanha como dos aliados tinham que ter em vista como uma possibilidade sempre
presente.
Os Países Baixos, por sua vez, estavam completamente alertas quanto a essa perspectiva. Nos primeiros
dias da guerra, ela chegou muito perto da realização durante a crise de novembro; e novamente em janeiro
um ataque alemão pareceu iminente. O irromper das hostilidades na Escandinávia mostrou o quanto as
pequenas nações neutras estavam expostas à cruel agressão nazista e prenunciou ações alemães mais
vastas no oeste. A Bélgica, a 10 de abril, cancelou as licenças no exército. A Holanda também começou a
tomar precauções, que a levaram a reforçar suas tropas nas áreas fronteiriças de Limburg e Bradant a 12 de
abril e a inundar a região em torno de Utrecht. A lei marcial já estava em vigor em certos distritos; e a 19
de abril o estado de sítio foi estendido a todo o país. Com a lição das atividades quinta-colunistas da
Noruega diante delas, tanto a Holanda como a Bélgica começaram a deter pessoas suspeitas em posiçõeschave - se bem que no caso da Holanda pelo menos tais medidas se mostrassem por demais limitadas no
seu intuito.
A 7 de maio estava claro que tais precauções tinham e muito bem - a uma razão de ser. Nesta data, chegou
aos Países Baixos a informação de que os alemães estavam concentrando tropas rapidamente em pontoschave ao longo da fronteira. O governo imediatamente cancelou as licenças no exército, convocou certas
classes de reserva, fechou vários canais internos e suspendeu todas as mensagens telefônicas e telegráficas
para fora do país. A imprensa semi-oficial alemã ensaiou uma surpresa compungida à idéia de que os
Países Baixos se considerassem ameaçados, e apontou insistentemente os Bálcãs como sendo o real foco
do perigo. Depois, com todos os preparativos completos, o governo alemão entrou a vociferar contra a
falsidade aliada em utilizar a situação do Mediterrâneo como uma cortina de fumaça destinada a mascarar
suas intenções a respeito dos Países Baixos, desígnios esses que a Alemanha tinha que neutralizar,
tomando sob sua proteção aqueles países. Na madrugada de 10 de maio, os exércitos alemães invadiram a
Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo.
As defesas dos Países Baixos
O poder defensivo dessas novas vítimas da ofensiva nazista, se bem que limitado em extensão e recursos,
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não era de modo algum desprezível. O pequeno Grão Ducado de Luxemburgo, com a sua população de
600.000 habitantes, não poderia naturalmente oferecer nenhuma resistência eficaz. Mas a Holanda e a
Bélgica, ambas a esse tempo plenamente mobilizadas, tinham em armas cerca de 400.000 e 600.000
homens respectivamente; e possuíam sistemas de defesa que, esperava-se, compensariam, em certos
aspectos, a falta de defesas naturais.
Entretanto havia também sérias omissões que, por algum tempo, tinham preocupado seriamente os peritos
militares. Até certo ponto, essas omissões eram o resultado inevitável da atitude política dos dois países.
Em sua insistência por uma rígida política de neutralidade, tanto a Bélgica como a Holanda haviam
recusado todas as sugestões para entrarem em planos específicos destinados a dar-lhes o auxílio aliado de
que agora necessitavam de modo tão premente. A Holanda permanecia orgulhosamente isolada, sem
garantia alguma de assistência exterior em caso de invasão. A 19 de abril ainda, o premier de Geer tinha
anunciado numa irradiação: "Até onde o auxílio humano alcance, contamos somente com nós mesmos.
Além disso, temos de ambos os lados a promessa de que a nossa neutralidade será respeitada até que a
mantenhamos, e sobre isto não pode haver dúvida alguma. Portanto, não queremos arranjos e mesmo os
evitamos." Se por fim os holandeses mostraram certo ressentimento pelo fato de um eficaz auxílio aliado
não ter chegado a tempo, esse atraso era, em grande parte, conseqüência da atitude que aqueles países
haviam adotado.
A atitude da Bélgica foi semelhante. Até 1936, a Bélgica mantivera uma aliança militar com a França. Mas
com a ascenção de Hitler e a perspectiva de nova luta, o rei Leopoldo achou que a volta a uma posição de
neutralidade era preferível a uma situação que significava a certeza de nova invasão, no caso da guerra
rebentar. Em 1937, portanto, ela foi libertada de seus compromissos. Mas tanto a Grã-Bretanha como a
França reafirmaram a garantia dada em Locarno de socorrer a Bélgica em caso de invasão, e o governo
alemão assegurou a determinação "de respeitar sempre o território belga", desde que a Bélgica deixasse de
se envolver em atividade militar contra o Reich.
Em resultado dessa nova posição, Leopoldo achou-se obrigado a abster-se mesmo de conferências
militares com os aliados. "As alianças", disse, "mesmo as defensivas, não nos serviriam, porque, por mais
pronto que fosse, o auxílio não nos poderia alcançar antes do primeiro choque do invasor, que poderia ser
sobrepujante e contra o qual devemos preparar-nos a lutar sozinhos." Todos os esforços aliados para
chegar a um acordo que lhes facilitasse o auxílio mais rápido possível foram inúteis em face dessa atitude.
Leopoldo acreditava que poderia manter a neutralidade permanecendo à parte, e que qualquer cooperação
com os aliados convidaria certamente a um ataque. Em dezembro, seguindo-se ao medo à guerra do mês
anterior, houve certo contato entre os estados maiores militares, mas o rei rejeitou tanto a unidade de
comando como um plano combinado de campanha. A Bélgica, acreditava, era dez vezes mais forte
defensivamente do que em 1914, e havia menos risco em ficar sozinha do que em planejar a aceitação de
um auxílio definitivo; e mesmo a lição da Noruega não o induziu a aceder aos apelos dos aliados.
O acontecimento iria provar que seus cálculos eram otimistas demais. A Bélgica podia ter sido mais forte
que em 1914, mas agora tinha de enfrentar os métodos novos e muito mais devastadores de 1940. e para
essa tarefa não estava de modo algum equipada. O custo do rearmamento significava que ela tinha sido
incapaz de adquirir alguns dos mais dispendiosos armamentos, inclusive artilharia pesada e equipamento
mecanizado. Estava com falta tanto de tanques como de canhões anti-aéreos; e, o que era ainda mais sério,
era fraca em aviões de primeira linha e defesa anti-aérea. Dado o caráter da blitzkrieg hitleriana, eram
essas deficiências de primeira grandeza.
Mais ainda, a atitude da Bélgica em relação aos aliados era paralela à atitude da Holanda em relação à
Bélgica. Os holandeses se recusaram a considerar não apenas planos de defesa coordenada com a Bélgica,
mas mesmo a eficiente continuidade de fortificações fronteiriças. Sua primeira real linha defensiva, ao
longo do Ijssel, era uma continuação da linha belga do Mosa. Mas ela não oferecia nenhuma grande
barreira; e a posse pelos holandeses da fortaleza de Maastricht significava que eles mantinham um ponto
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de vital importância para o sistema defensivo belga, mas que os próprios holandeses, em parte devido a
dificuldades de ordem geográfica, dificilmente poderiam esperar defender por mais de um período muito
breve.
Atrás dessa linha de pouca profundidade, as defesas belgas e holandesas deixavam de ter qualquer ligação.
Conforme declarou o presidente da comissão de defesa nacional do Senado belga a 26 de dezembro, havia
entre os dois sistemas um corredor desguarnecido de 65 km. de largura. Uma penetração inimiga nessa
área, vinda de leste, dividiria os dois países e ameaçaria a posição belga no flanco mais fraco. A posição
holandesa, consistente principalmente de defesas resultantes do aproveitamento de canais e zonas
inundáveis, era a linha Grebbe, cerca de 30 km. a leste de Utrecht, estendendo-se à fronteira belga, mas
não fazendo ligação alguma com a linha do canal Alberto. E na região de Utrecht ficava a principal linha
protegendo a parte rica e populosa do país, a Holanda ocidental - de novo uma linha de que as defesas
aquáticas formavam os principais esteios. Era um sistema tanto tradicional como não dispendioso que
convinha à frugalidade holandesa; mas por mais eficaz que pudesse ter sido no século XVII era
dificilmente adequado a uma guerra do século XX.
As defesas belgas eram mais modernas e mais lógicas. Ao sul, o difícil terreno das Ardennes era uma
defesa avançada a proteger a principal linha ao longo do Mosa. Ao norte, o Canal Alberto oferecia uma
defesa reforçada por uma cadeia de casamatas que, toscamente, faziam paralelo com a fronteira holandesa
desde Antuérpia até o Mosa. E ao centro, a proteger as Ardennes e a fronteira holandesa, estavam os fortes
de Liège, modernizados e aumentados desde 1914 e acrescentados à junção do Mosa e do Canal Alberto
com o novo forte de Eben Emael. Onde o sistema holandês podia, na melhor das hipóteses, conseguir uma
ação retardadora, os belgas podiam esperar que suas defesas mantivessem a resistência até a chegada de
auxílio eficaz.
Mas eles precisavam de tal auxílio, e precisavam que viesse depressa. Logo após ter sido iniciada a
invasão, o governo belga apelou para a Grã-Bretanha e França. "O governo belga", dizia a sua mensagem,
"está resolvido a resistir com todas as suas forças à agressão de que o país é mais uma, vez objeto. Ele
apela para os governos da República e do Reino Unido no sentido de que o auxílio previsto em tratados e
confirmado pela declaração em comum de 24 de abril de 1937 lhe seja estendido com a maior brevidade
possível."
Apoio aliado
Os aliados já haviam previsto as medidas a tomar em tal situação. Estavam plenamente cônscios do perigo
que seria oferecido ao seu flanco esquerdo por uma investida alemã através dos Países Baixos, e suas
representações à Bélgica sobre a necessidade de medidas de defesa comum tinham sido uma tentativa para
enfrentar essa ameaça. Quando a Bélgica se recusou a escutá-los, os aliados se decidiram a salvaguardar
suas posições por outros meios. A Linha Maginot, projetada ao tempo em que se esperava a Bélgica se
aliasse à França, não tinha sido construída ao longo da fronteira belga, que ainda estava aberta quando a
guerra começou. De setembro em diante, portanto, os franceses diligenciaram a construção de um sistema
suplementar de fortificações naquela área. Essas construções não eram tão completas e tão permanentes
como a Linha Maginot, pois que tinham sido baseadas ao princípio da defesa de profundidade, numa rede
de fortins isolados, entremeados de armadilhas para tanques e outras defesas acessórias; mas, ao que
parecia, os franceses tinham pouca dúvida de que, devidamente guarnecida, essas defesas seriam
perfeitamente adequadas para repelir o invasor.
Havia, na verdade, uma corrente de opinião no Alto Comando Francês a qual defendia a retenção das
principais forças aliadas nessas posições defensivas, mesmo que os Países Baixos tivessem de ser deixados
entregues ao seu destino. Mas essa atitude era combatida por outro grupo e pelos britânicos, que achavam
que a garantia dada aos belgas devia ser cumprida e que a costa belga não tinha de ser entregue ao inimigo
sem luta. Também pode ter havido a impressão de que a invasão alemã abriria oportunidade para um
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contra-golpe decisivo. Conforme pouco antes da invasão afirmou um escritor militar belga. "A invasão dos
Países Baixos envolveria uma grande derrota diplomática alemã. Parece pouco provável que a Alemanha
se exponha a tal probabilidade."
Quando chegou o apelo do rei Leopoldo, portanto, os aliados já se tinham decidido por um plano de ativa
assistência. Duas horas depois, tropas aliadas estavam em movimento. Seu destino principal era a parte da
linha ao sul de Louvain, embora pelo menos um batalhão tivesse sido enviado à Holanda, na esperança de
que chegasse a tempo de poder ajudar os holandeses. Algumas unidades francesas tomaram posições em
direção à costa, mas a ala esquerda era mantida principalmente pelos belgas, com o grosso da Força
Expedicionária Britânica ao centro e os franceses ao sul, particularmente ao longo do Mosa. As guardas
avançadas dos aliados em marcha estabeleceram contato com o inimigo a 13, e a 15 os seus corpos
principais estavam em posição.
A esse tempo, entretanto, já os alemães tinham conseguido êxitos tão substanciais que tornou todos os
planos aliados obsoletos e fez desmoronar todo o conceito que estes faziam da natureza da guerra. A tática
empregada pelos alemães na sua investida ocidental já tinha sido prenunciada na Polônia, mas a
importância da lição polonesa, ao que parece, não foi muito bem apanhada pelo Alto Comando Aliado. Em
conseqüência, conquanto a invasão dos Países Baixos não tenha sido em si uma surpresa, o elemento de
surpresa estava contudo presente, aqui como na Noruega, como um resultado dos métodos táticos
empregados pelo inimigo.
Esses métodos foram possibilitados pelo motor a gasolina. Os resultados obtidos com as unidades
mecânicas combatentes em terra e no ar ofereciam novas possibilidades de rapidez e poder ofensivo
aproveitados ao máximo pelos nazistas. O uso de bombardeiros de mergulho para aplainar o caminho, de
tanques para efetuar a ruptura inicial de linhas, de infantaria motorizada para explorar ou consolidar o
avanço, ofereciam um novo espetáculo de coordenação precisa e efetiva. E outro elemento de surpresa foi
injetado pelos ataques, não somente às linhas aliadas como à retaguarda. Até uma extensão considerável,
esses ataques foram assistidos por aqueles membros da quinta-coluna nazista, particularmente na Holanda,
que tinham sido preparados com instruções precisas para desempenhar sua parte essencial.
Mas foi o lançamento de tropas em pára-quedas e o desembarque de outras com botes a motor e aviões de
transporte que tornaram possível a captura de posições vitais e a conquista da Holanda em cinco dias.
A conquista da Holanda
Esse foi o primeiro passo em torno do qual os alemães se concentraram. Simultaneamente com o assalto à
fronteira, que resultou na tomada de Maastricht e na invasão da Holanda setentrional, um ataque foi
desfechado do ar contra Roterdã e as posições-chave ao longo do Mosa. Aviões de transporte aterrissaram
e capturaram o aeroporto de Waalhaven. Hidroaviões com mais tropas desceram no rio Mosa. Residentes
alemães, que se tinham reunido durante a noite numa ilha sobre o rio, onde o edifício de concreto que
servia de sede aos escritórios de uma companhia alemã de navegação formava um quartel-general ideal,
contribuíram com a tomada das pontes que davam acesso à cidade. Outros transportes aéreos desceram no
aeroporto durante o dia, até que um reide aéreo britânico pô-lo parcialmente fora de ação. Embora os
holandeses, depois de dura luta, tivessem conseguido expulsar os alemães das posições obtidas na cidade,
estes continuaram a manter o aeroporto e a margem esquerda até serem alcançados pelas principais forças
alemães vindas do leste.
Foi, de novo, a força mecanizada que tornou possível esse avanço rápido. As defesas holandesas não
conseguiram resistir aos ataques em massa dos bombardeiros ou de paralisar o assalto dos tanques
alemães. As defesas aquáticas com que se contava para deter os tanques foram transpostas quando o
assalto aéreo capacitou os destacamentos alemães a cruzar os rios e canais e a manter um ponto de apoio
até que os engenheiros ergueram pontes para a passagem dos tanques. A tomada da ponte de Moerdijk por
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tropas pára-quedistas evitou a demolição desta e permitiu aos alemães flanquear o todo das principais
defesas aquáticas holandesas e, no quarto dia da campanha, isolar o grosso das tropas holandesas de
quaisquer reforços vindos do sul.
Entrementes, as principais cidades da Holanda eram submetidas a furiosos ataques aéreos. Roterdã
encontrava-se em chamas e parcialmente destruída. Amsterdã era pesadamente bombardeada. Tanto em
Amsterdã como em Haia, elementos quinta-colunistas desfechavam ataques a posições-chave, auxiliados
por tropas pára-quedistas. A 13 de maio, a rainha Guilhermina e o governo holandês partiram para a
Inglaterra, deixando no cargo o comandante-chefe, general Winkelinan. No dia seguinte, já tomada
Roterdã e Utrecht ameaçada de completo aniquilamento, estava claro que a Holanda se achava no fim de
uma resistência efetiva. As autoridades holandesas alegaram que ao fim de cinco dias de luta o exército
tinha sofrido 100.000 baixas, isto é, uma quarta parte de seus efetivos. A 14 de maio, com a finalidade de
evitar mais destruição e carnificina, rendeu-se toda a Holanda ao norte do Mosa, e no dia 17 a província de
Zeeland que ainda combatia cessou a resistência. Após uma quinzena de governo militar, a nação que fôra
subjugada em cinco dias foi posta sob o controle do dr. Seyss-Inquart - nome que evocava calamitosas
recordações da Áustria e cobria de manto gelado a futura felicidade dos Países Baixos.
A batalha de Flandres
A eliminação da Holanda do rol dos beligerantes abriu a possibilidade de um movimento alemão de cerco
através da Bélgica setentrional à maneira do plano de 1914. Entretanto, evidenciou-se logo que se deviam
esperar dificuldades, tanto de caráter estratégico como tático. Da mesma forma que na Polônia, os alemães
seguiram o plano de romper as forças adversárias e envolvê-las parceladamente. Tendo tomado conta da
Holanda, procuraram em seguida isolar as forças na Bélgica atacando, não à sua ala esquerda, mas a sua
junção com as principais linhas francesas.
O inicial golpe alemão, que rompeu as defesas holandesas, também varreu a primeira linha belga com
desconcertante rapidez. A pronta captura de Maastricht deixou exposto o Canal Alberto; e a tomada, no
segundo dia, do novo forte de Eben Emael permitiu aos invasores cercar as defesas de Liège quase no
mesmo ponto que em 1914 e voltar-se contra o próprio Canal Alberto. Os belgas recuaram para uma linha
ao longo do rio Dyle, onde as forças aliadas se lhes reuniram, mas não antes que Namur tivesse sido
envolvida (se bem que seus fortes, como os de Liège, continuassem a resistir) e Louvain fosse alcançada
pelos alemães. Mas, embora a pressão continuasse nessa região, estava claro a 15 de maio que toda a força
da ponta de lança alemã estava sendo lançada contra as posições francesas do Mosa.
Quando os aliados deixaram suas posições preparadas para penetrar na Bélgica, eles realizaram aquilo que
na realidade era uma conversão à direita, cujo pião se fixava em Sedan. As posições resultantes ao longo
do Mosa formavam um ângulo reto com o prolongamento da Linha Maginot de Montmedy a Mézières.
Com isso, deslocaram numerosas unidades que mantinham esse setor especial. Ele deixou aquela parte da
linha temporariamente fraca; mas os aliados contavam com as defesas das Ardennes belgas para retardar o
inimigo e impedir qualquer assalto sério.
Esse foi um erro sério, talvez mesmo fatal. As forças mecanizadas alemães irromperam através do terreno
difícil das Ardennes, com seus bosques e elevações, com uma velocidade espantosa. Sua rapidez levou de
vencida as forças relativamente leves daquele setor e evitou a destruição de estradas e
pontes, o que poderia retardar o avanço. Os invasores golpeavam a linha do Mosa, enquanto as tropas
destinadas a reforçar o setor de Sedan ainda se deslocavam para tomar posições. De acordo com Reynaud,
essas tropas comandadas pelo general Corap eram de qualidade inferior, menos solidamente treinadas e
dispondo de oficialidade menos eficiente que as que estavam substituindo. Haviam sido postadas ao longo
do Mosa, organizadas em pouca profundidade, e metade das divisões de infantaria ainda não estavam em
posição a 14 de maio. Quando os alemães investiram contra o Mosa, entre Namur e Sedan, foram capazes,
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em parte porque também aí algumas pontes não tinham sido destruídas, de efetuar travessias em três
lugares e de conseguir uma ruptura da linha entre Sedan e Maubeuge, ameaçando assim com o
envolvimento de todo o sistema francês de fortificações. A 19 de maio, um corredor de 100 km. de largura
já tinha sido aberto entre os exércitos franceses a leste e as forças aliadas na Bélgica. Não mais era
simplesmente um "saliente", como tinha sido dito a princípio. Estava sendo alargado e aprofundado por
uma pressão constante, que chegou ao auge quando, a 21 de maio, as colunas alemãs abriram caminho
para o oeste e atingiram a costa em Abbeville.
Esse êxito surpreendente tinha a explicação básica na simples máxima enunciada por Frederico, o Grande:
"As batalhas são ganhas pela superioridade de fogo." Os alemães, nesses encontros, foram capazes de
lançar maior peso de metais que seus adversários. Isto era devido tanto à superioridade alemã em
equipamentos mecanizados como à eficiência com que esse equipamento foi utilizado. Como na Polônia, a
sua superioridade no ar foi utilizada primeiro para destruir os aeroportos franceses nos reides em massa
contra Nancy e outros centros, a 10 de maio, e depois para facilitar o assalto preliminar contra a infantaria
defensora, assalto que aplainou o caminho para o ataque terrestre. A força aérea aliada retribuiu com
eficácia dentro de seus limites, hostilizando as colunas alemães de suprimentos e penetrando
profundamente na Renânia e na Alemanha meridional para atacar centros ferroviários e os depósitos de
combustível que continham as reservas tão essenciais a uma guerra mecanizada. A 15 de maio, a R.A.F.
entrou em plena ação contra os alemães que estavam transpondo o Mosa, e contribuiu para que fosse
evitado um desastre imediato, ao preço da perda de trinta e cinco aviões. No decorrer desses dias de
combate, ficou perfeitamente comprovada a superior qualidade dos aviadores e aparelhos aliados. Mas isto
não pôde contrabalançar a carência em número; mesmo que as perdas alemãs registrassem uma proporção
de quatro para uma, conforme declaração britânica, a vantagem não era grande bastante para manter o
equilíbrio no ar.
Quanto aos tanques, a vantagem alemã ainda era maior. Os alemães tinham pelo menos dez e
possivelmente doze divisões blindadas, somando cerca de cinco mil tanques. Contra estes, os franceses
possuíam no máximo quatro ou cinco divisões e os britânicos uma. Causava este fato fraqueza na defesa e
mais ainda nos contra-ataques. Os alemães revelaram a posse de tanques lança-chamas (possivelmente a
"nova arma secreta" que dominou o forte de Eben Emael) e de tanques gigantes de setenta ou oitenta
toneladas, cuja armadura resistia ao fago dos canhões anti-tanques e fez com que entrasse em ação os
canhões 75 franceses, que atiravam com alça zero. Foi realmente triste chegar-se à conclusão de que os
mais eficientes desses tanques, e os mais difíceis de deter-se por meios ordinários, haviam sido
provavelmente construídos na Tchecoslováquia.
A superioridade alemã nesses pontos essenciais era acentuada pela estreita cooperação das duas armas. O
choque inicial, efetuado pelos bombardeiros de mergulho, que tomaram o lugar da barragem de artilharia
da guerra passada, foi imediatamente seguido por um assalto mecanizado, enquanto os defensores ainda se
encontravam confusos pelo primeiro choque. Assim que os tanques pesados descobriram os pontos débeis
da linha, arremeteram por eles e, seguidos por veículos blindados mais leves, abriram-se em leque e
atacaram as zonas mais à retaguarda, forçando assim uma precipitada reorganização da linha para enfrentar
a ameaça vinda de nova direção. Os defensores, desse modo desequilibrados, não tinham oportunidade real
de se recompor, já que os alemães mantinham a iniciativa por meio de golpes sobre golpes. Os esforços
dos aliados para cortar o corredor por meio de contra-ataques obtiveram alguns êxitos iniciais, mas não
conseguiram de modo algum, nenhum resultado permanente; e, através da brecha entre Bapaume e
Peronne, os alemães foram capazes de obter reforços que obrigaram os franceses a recuar para trás do
Somme e fizeram a volta pela costa para envolver as forças aliadas ao norte.
Retirada da Bélgica
Os chefes aliados cedo perceberam o perigo que representava para essas forças a rapidez do avanço
alemão sobre o Mosa. A 12 de maio, já estava claro que esse avanço oferecia séria ameaça às posições
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aliadas no rio Dyle, e que a situação ao sul tornava desejável uma retirada. A insistência do rei Leopoldo,
entretanto, que protestou contra a rendição de Bruxelas e Antuérpia, a ordem foi retardada até o dia 15.
Com a ruptura pelos alemães das linhas aliadas em Sedan, a retirada tornou-se inevitável e, a 17 de maio,
as forças aliadas recuaram para trás de Bruxelas (de onde o governo belga saíra para Ostende) e ocuparam
uma linha que corria de Lille, ao longo do Escalda em frente a Ghent, para um ponto a oeste de Antuérpia,
cidade que is alemães entraram no dia seguinte.
Com o irrompimento alemão para o Canal, a 21 de maio, a situação dos exércitos setentrionais tornou-se
extremamente precária. Eles agora estavam cortados de socorros diretos do sul e dependentes, para efeito
de suprimentos e reforços dos portos do Canal. Mas o irrompimento alemão para a costa, acompanhado de
violentos ataques aéreos aos próprios portos, ameaçava cortar essas vias finais de comunicação. A 23 de
maio, luta pesada se desenvolvia em torno de Boulogne, de onde a guarnição foi evacuada dois dias mais
tarde por destróieres que repeliram os tanques alemães em avanço a uma distância quase do tiro com alça
zero. A 26, os alemães proclamaram a queda de Calais, embora a guarnição aliada, isolada e dependente
de provisões vindas do ar, mantivesse a cidadela por mais quatro dias. Com Ostende já ameaçada, apenas
um porto, o de Dunquerque, permanecia aberto para os aliados.
Então, a 28 de maio, a última esperança de manutenção desse porto pareceu desfazer-se com a decisão do
rei Leopoldo de fazer com que as tropas belgas se rendessem aos alemães.
"Em plena batalha", disse Reynaud numa irradiação no mesmo dia, "o rei Leopoldo III, sem uma palavra
aos soldados franceses e britânicos, que, em resposta ao seu angustioso apelo, tinham acorrido em socorro
ao seu país, depôs as armas." A amargura dos aliados era compreensível. Mas se de fato a rendição os
apanhou de surpresa, a intenção do rei, se bem que não a sua decisão final, parece que lhes foi comunicada
alguns dias antes. Com certeza houve uma sessão noturna que durou até às 5 da madrugada no dia 25 de
maio, sessão em que seus ministros em vão procuraram demovê-lo de seus propósitos. Quando ele
persistiu, os ministros lhe denunciaram a ilegalidade da medida sem uma sanção ministerial, e declararam
que o governo belga continuaria com novas forças ao lado dos aliados. O próprio Leopoldo buscou uma
saída solicitando aos alemães um armistício; mas quando este foi recusado, optou pela rendição
incondicional.
Não há dúvida alguma de que suas razões baseavam-se na convicção de que a situação militar era sem
esperança. Churchill, a 4 de junho, tinha dito que desde a ruptura da linha do Mosa "somente uma rápida
retirada para Amiens e para o sul podia ter salvo os exércitos britânicos e francês"; mas acrescentou que o
único motivo que evitou a efetivação dessa retirada foi o fato de ter ela acarretado a destruição do exército
belga e a rendição de todo o país. Essa era a perspectiva com que o rei, que se recusara a reconhecê-la uma
quinzena antes, agora se defrontava. Enquanto as colunas alemães avançavam rapidamente em direção à
costa, as principais forças alemães ao norte lançaram todo o seu peso contra as forças belgas. Impeliram os
aliados para além do Escalda, tomando Ghent e Courtrai, e efetuaram em seguida uma arremetida que as
levou através do Lys e deixou Bruges sob seu fogo. Quando o caminho da retirada estreitou-se, a
destruição do exército belga tornou-se iminente, e com ela a perda de toda a Bélgica. Na esperança de
resguardar algo de seu país e de sua própria autoridade, Leopoldo, por sua própria responsabilidade, fez a
paz.
Pareceu a princípio que tal atitude acarretava a destruição certa dos aliados que tinham vindo em seu
socorro. Com a sua ala esquerda repentinamente exposta, e os esforços para cortar o corredor do Somme
repelidos com mais perdas, pareceu difícil de se crer que pudessem abrir caminho para o sul ou escapar
através de Dunquerque antes que a armadilha se fechasse ao todo. A 29 de maio, o comunicado oficial
alemão anunciou que o destino dos exércitos franceses e britânicos estava selado.
O que se seguiu foi um triunfo da disciplina e do moral. O flanco exposto foi rapidamente reorganizado
para formar uma frente contínua. A área em torno de Dunquerque foi inundada para constituir uma
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barreira extra aos ataques mecanizados. Os corpos de tanques franceses que lutavam ao redor de Lille
efetuaram uma heróica ação de retaguarda sob o comando do general Prioux; e mesmo quando os alemães
os separaram do grosso das forças, parte dessas forças conseguiu romper caminho para a frente.
Vagarosamente e em boa ordem, diante de um inimigo que empregou todo o seu poderio procurando
esmagá-los, os exércitos franceses e ingleses recuaram em direção a Dunquerque.
Ali, as forças navais dos dois países empreenderam uma das ações mais difíceis que se pode imaginar, o
embarque de um exército batido em face de violenta perseguição. Muita gente se recorda das operações de
Corunna há mais de um século; mas Sir John Moore não teve nessa ocasião que enfrentar uma força aérea
inimiga. Os bombardeiros alemães atacaram sem cessar tanto as tropas retirantes como os navios que as
recolhiam, e com particular selvageria a própria Dunquerque. A situação era agora o reverso do que fôra,
na Noruega, com os aviões inimigos a martelar novamente o ponto de junção entre as forças de mar e
terra. Dessa vez, entretanto, a destruição das instalações portuárias não era tão decisiva. Elas não mais
eram imprescindíveis ao fornecimento de material, e as circunstâncias tornaram possível embarcar os
homens em praias abertas. Uma vasta flotilha de pequenas embarcações tinha sido reunida para levar os
sobreviventes aos transportes e navios de guerra que os aguardavam ao largo. Durou cinco dias a
evacuação, favorecida por um mar calmo e parcialmente protegida durante pelo menos dois dias por forte
nevoeiro. Quando a 4 de junho os alemães afinal entraram em Dunquerque, era este um porto em ruínas de
que sua presa escapara.
À vista da magnitude da operação, e da exposição a ataques não somente da aviação como de submarinos
e botes-rápidos munidos de lança-torpedos, a perda anunciada pareceu surpreendentemente pequena. A
Grã-Bretanha admitiu a perda de seis destróieres e de vinte e quatro pequenas embarcações, juntamente
com 24.000 toneladas de navios mercantes, no decurso da operação. A França perdera sete destróieres e
um navio de abastecimentos. Quão grande era a força salva da Bélgica, apenas as altas autoridades o
poderiam dizer com exatidão. Churchill anunciou que a marinha, utilizando-se de quase mil navios de
todos os tipos, tinha carregado 335.000 homens através do Canal. Sua declaração sobre as perdas,
constante de "mais de 30.000" homens, pareceu, na sua deliberada maneira vaga, ocultar uma certa
reticência. Não houve, contudo, tentativa alguma para reduzir a seriedade das perdas de material, que
incluíam mais de mil canhões e o grosso do equipamento mecanizado britânico, bem como uma porção
não declarada do pertencente aos franceses. Fosse qual fosse a perda infligida aos alemães atacantes - que
uma autoridade neutra estimou em quarenta por cento de seu equipamento mecanizado - essa perda era tal
que, conforme Churchill advertiu, exigiria bastante tempo aos aliados para ser reparada.
Um aspecto da evacuação ofereceu uma pequena parcela de conforto para o futuro. E isso era devido às
realizações da força aérea britânica. A superioridade individual que tinha sido demonstrada de modo cada
vez mais impressionante, mesmo desde o começo da guerra, nunca esteve tão em evidência como na
batalha de Dunquerque. Dessa vez, os caças britânicos dispunham de bases dentro de seu raio de ação; e se
em sua inferioridade numérica, não foram capazes de manter os bombardeiros inteiramente afastados,
anularam praticamente a sua eficácia durante a maior parte da evacuação. Sem essa supremacia britânica
no ar, toda a majestade da marinha dificilmente teria podido evitar que a operação degenerasse num
matadouro. "Foi a primeira vez", escreveu um observador americano, "que as forças de caça inglesas e
alemãs entraram em combate real durante um período tão extenso e em que tanta coisa se jogava. A
superioridade dos aviões ingleses ficou imediatamente estabelecida."
Aquisições Alemães
O cômputo dos lucros e perdas resultantes da conquista dos Países Baixos e do norte da França era ainda
de avaliação mais complexa que o da Escandinávia. Todos esses países eram, até uma extensão
considerável, produtores especializados que estavam longe da auto-suficiência quanto às necessidades da
vida. A Holanda produzia gêneros alimentícios para menos de três milhões dos seus oito milhões de
habitantes. A Bélgica, o país europeu de maior densidade de população, estava ainda mais dependente da
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importação de gêneros alimentícios. Eram esses paises que, como a Dinamarca e a Noruega, viviam de
troca de gêneros com outros países; e embora a Alemanha ocupasse um lugar importante nesse sistema de
trocas, o processo para ajustar os países conquistados dentro do sistema econômico alemão iria certamente
acarretar profundos reajustamentos, particularmente para os conquistados.
Na aquisição de bens imediatos, a Alemanha podia provavelmente contar com um forte saldo credor. Era
verdade que ela obtivera relativamente pouco em ouro ou moeda estrangeira, cuja maior parte havia sido
calmamente evacuada antes da invasão. Os créditos holandeses e belgas nos Estados Unidos, como os da
Dinamarca e Noruega, tinham sido congelados ao romper das hostilidades por ordem do governo
americano. O grosso da marinha mercante holandesa escapara ao controle nazista. E embora certos
estoques de petróleo tivessem sido adquiridos, os grandes depósitos, em portos como Flushing e Amsterdã,
tinham sido destruídos antes da rendição.
Mas a Holanda era um grande país mercante com fortes estoques de gêneros em depósito e em trânsito, e
os armazéns de seus portos, como também cidades como Antuérpia e Dunquerque, representavam sem
dúvida bem-vindas aquisições. A Holanda também, como a Dinamarca, oferecia um suprimento de
gêneros para curto período, baseado nas grandes indústrias de laticínios e no cultivo de legumes; se bem
que, outra vez como a Dinamarca, a manutenção da produção nesses terrenos dependesse de forragens e
fertilizantes vindos de fora, os quais havia dúvida de que a Alemanha pudesse fornecer.
Havia, entretanto, aquisições mais permanentes de natureza industrial. Apesar de haver capturado poucos
navios, a Alemanha obteve os maiores estaleiros da Europa. Essas aquisições nos quatro países
conquistados forneciam uma capacidade total igual à da própria Alemanha. Embora os estaleiros não
pudessem ser adaptados à construção de grandes unidades navais sem considerável emprego de tempo e
dinheiro, poderiam servir para a construção de submarinos, particularmente desde que tanto a Dinamarca
como a Holanda tinham firmas produzindo motores Diesel. Mais importantes ainda eram as indústrias
pesadas da Bélgica e Luxemburgo. A Bélgica tinha consideráveis depósitos de carvão, e estes completados
pela aquisição do norte da França, incluindo-se a grande bacia do Lens, que produzia mais de 30.000.000
de toneladas anuais. O Luxemburgo, situado à orla da bacia produtora de ferro do Lorena, tinha uma
produção de minério igual a três quartas partes da produção alemã e fornecia oito por cento das
importações pré-guerra da Alemanha. A indústria pesada da Bélgica. Luxemburgo e norte da França seria
uma valiosa aquisição aos recursos da Alemanha e uma perda correspondente para os aliados.
Dessas conquistas provinha uma possível desvantagem. A Alemanha, que extraía trinta por cento de suas
importações de pré-guerra desses países, também os usava como via de suas importações de além-mar.
Isto era especialmente verdadeiro em relação à Holanda, cujo comércio de trânsito, de um modo geral, era
igual à metade de suas exportações e importações combinadas. Isto se tornou particularmente importante
depois de iniciar a guerra e da instituição do bloqueio aliado. A Holanda, cujas importações dos Estados
Unidos em janeiro de 1940 eram o dobro das de janeiro de 1939, representava claramente uma lacuna séria
no sistema aliado. Ela agora estaria sujeita aos seus plenos rigores, e a Alemanha seria incapaz de usá-la
como canal para o mundo exterior. Mas o significado disto não devia ser exagerado. O controle aliado já
estava começando a apertar-se, conforme ficou demonstrado pela queda das cifras de importação de
fevereiro e março, em relação ao nível do ano anterior. O tratado comercial firmado com a Inglaterra a 21
de março estabelecia o racionamento das exportações numa base das estatísticas de antes da guerra: e os
comerciantes holandeses, que escaparam à lista negra aliada, estavam cooperando para que suprimentos
essenciais não chegassem à Alemanha. O rombo já tinha sido reduzido a um orifício antes da invasão
alemã.
Para os países conquistados, o aspecto mais sério da nova situação econômica consistia no fato de toda a
sua economia ter sido baseada no livre intercâmbio de gêneros no mercado mundial, e de ter sido agora
essa base destruída. Para os aliados, significava a perda tanto de fregueses como de fontes de suprimento.
Cerca de dez por cento do comércio britânico, cerca de quinze por cento do da França, faziam-se com
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esses países. Mas era o aspecto estratégico que oferecia o perigo mais iminente. A extensão da fronteira
alemã contra a Inglaterra, resultante da conquista da Noruega, era agora ainda mais alongada e numa
direção muito mais perigosa. Pela primeira vez desde os dias de Napoleão, a Inglaterra via a costa do
Canal de posse dum inimigo poderoso. Se a Noruega trouxe os nazistas a uma distância de ataque de
Scapa Flow e às rotas comerciais do norte, os Países Baixos lhes deram bases aéreas situadas a uma hora
de alcance de bombardeio do coração da Inglaterra industrial, e bases submarinas cuja importância fôra
perfeitamente evidenciada durante a última guerra. Embora as instalações portuárias de Boulogne e
Dunquerque tivessem sido destruídas antes da evacuação, e embora Zeebrugge estivesse uma vez mais
bloqueada, seria apenas uma questão de tempo para que fossem postos novamente em condições de
utilização - e possivelmente em condições de muito melhor utilização que as existentes mesmo em 1918.
E, entrementes, a sua posse permitiria dificultar as comunicações aliadas e tornaria a Hitler mais fácil
concentrar-se contra a Inglaterra ou atacar com todas as suas forças o coração da França.
A tomada de Paris
Uma das características da prematura posição aliada de condescendência tinha sido a afirmativa de que o
tempo estava ao lado dos aliados. Mas o tempo, como depois passaram a perceber, era um aliado
inconstante. Enquanto a França e a Inglaterra puderam permanecer atrás de suas defesas e preparar-se
despreocupadamente para uma luta prolongada, podia se supor que elas repeliriam com firmeza a inicial
investida alemã. Mas mesmo isso exigia uma ação rápida e enérgica, se quisessem tirar todas as vantagens
dessa situação de calma; e mesmo quando tal situação terminou, não compreenderam os aliados como
havia sido breve este período.
Com o fim do período de trégua, o tempo passou a favorecer o outro lado. Tornou-se evidente que a
Alemanha estava disposta a usar todo o peso de sua vantagem para esmagar os aliados antes deles
poderem obter superioridade em organização e equipamento. O tempo, de que desesperadamente
necessitavam, era-lhes negado, pois Hitler lançava agora golpes sobre golpes antes que seus adversários
pudessem recobrar-se do choque anterior. Mesmo enquanto a última das tropas derrotadas estava chegando
de Dunquerque, os nazistas tinham reunido suas forças para uma nova arremetida, dessa vez diretamente
contra Paris.
Novamente, a advertência preliminar veio em forma de reides aéreos. A 1o de junho, o vale do Ródano.
inclusive a importante área industrial em torno de Lyon, foi atacado pela primeira vez. A 3 de junho, as
primeiras bombas caíam sobre Paris mesma. Até certo ponto, esses reides aparentavam ter o agora clássico
objetivo de martelar as bases aéreas e destruir os aviões defensores no solo. E a 5 de junho a Inglaterra, até
então quase imune, experimentou o primeiro de três ataques aéreos sucessivos, mas em grande parte
ineficazes, dirigidos às bases situadas nas costas do leste e do sul.
O avanço propriamente dito foi iniciado na madrugada de 5 de junho. Numa frente de 190 km ao longo do
Somme e do Aisne, os bombardeiros de mergulho nazistas desciam sobre as linhas francesas, seguidos
pela infantaria alemã que se deslocava em formação em massa para o assalto. Dessa vez, os tanques, ao
invés de encabeçarem o avanço, foram, segundo parece, mantidos em reserva, para explorar brechas
porventura abertas pela infantaria. Esse processo, possivelmente, foi motivado pela natureza das novas
defesas, organizadas às pressas, ao longo da linha do Somme e destinadas especialmente a neutralizar a
tática nazista de infiltração. As tropas mantiveram a posição contra a infantaria atacante. Quando os
tanques surgiram, foram capazes de infiltrar-se entre os postos avançados, para caírem na armadilha e
serem destruídos mais tarde pelas defesas de tanques da retaguarda.
Confiava-se que essas defesas, se bem que não fossem inexpugnáveis, pudessem infligir ao inimigo perdas
desastrosas. Mas ficou logo claro que mesmo tais perdas não conseguiram deter o comando alemão, agora
determinado a ministrar um golpe esmagador antes que os remanescentes do exército de Flandres
pudessem ser reorganizados ou que a Linha Weygand fosse tornada permanente. Os ataques principais,
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desfechados no baixo Somme e ao longo do canal Ailette, entre o Aisne e o Oise, conseguiram penetração
durante o primeiro dia nas defesas externas. Durante dias seguidos, a fúria dos ataques e o número dos
atacantes, ao invés de enfraquecer, crescia gradualmente. No começo, calculava-se que os alemães
estavam empregando quarenta divisões. No quinto dia, esse número subiu para cem divisões o total das
tropas alemães de primeira linha disponíveis.
Sob essa tremenda pressão, os franceses, agora apoiados por tropas britânicas à sua esquerda, eram
obrigados a recuar continuamente. A 6 de junho, os alemães anunciavam o rompimento da linha do
Somme em três pontos e o avanço de 27 km; e no leste o seu ataque atingia o Chemin-des-Dames. No dia
9, chegaram ao Sena em Rouen e estenderam seu ataque, mais para leste na direção de Argonne. O Aisne
foi atravessado em dois pontos e as forças avançadas alemães estavam a 55 km de Paris. No dia seguinte,
quando a ponta ocidental da pinça penetrou no Sena e a sua ponta oriental, apoiada por um avanço sobre
Reims, chegou até o Marne, o governo francês deixou Paris e se dirigiu primeiro a Tours e depois, quatro
dias mais tarde, a Bordéus. No dia 12, tanto o Sena como o Marne tinham sido atravessados, e uma força
aliada, contendo pelo menos uma divisão britânica, fôra cortada da costa do canal. Os alemães afirmavam
que dois exércitos franceses, com um total de cerca de meio milhão de homens, tinham sido postos fora de
ação eficaz.
Paris era agora uma cidade condenada. Num esforço para salvá-la da destruição, o comando aliado decidiu
não fazer tentativa alguma para defendê-la, e sim fazer recuar suas forças para uma linha mais ao sul. A 14
de junho, ressoavam na silenciosa capital os passos das tropas nazistas em marcha, e outra vez, após
setenta anos, Paris era entregue aos alemães. Com renovada fúria; o ataque nazista lançou seu peso contra
a frente francesa mais a leste, num esforço para esmagá-la no seu pivô, em Montmedy, e flanquear a Linha
Maginot.
Quando a 10 de maio foi iniciada a invasão da Holanda, Hitler a descrevera com a batalha que iria "decidir
o destino da nação alemã para os próximos mil anos". No início do avanço sobre Paris, Weygand dissera
na sua ordem do dia: "Começou a batalha da França. O destino do nosso país, a salvaguarda da nossa
liberdade, o futuro de nossos filhos dependem da vossa tenacidade". Era, assim, o destino de ambos os
contendores que estavam em jogo. Não mais era uma simples questão de vitória ou derrota, mas sim de
sobrevivência ou aniquilamento nacional. E quando a pressão incessante continuou e a Itália lançou seu
peso para o lado da Alemanha, tornou-se claro que a Inglaterra e a França precisavam reunir todos os seus
recursos a fim de restabelecer a situação.
Os governos de guerra aliados
A campanha norueguesa, que se mostrara fatal ao ministério Chamberlain, teve, de modo significativo,
efeito contrário sobre a posição de Reynaud. Chamberlain representava os erros do passado. Reynaud
representava uma reação contra esses erros e a promessa de uma política nova e mais eficiente. Os
acontecimentos da Noruega pareciam confirmar a resolução francesa de depor Daladier; e o ministério
Reynaud, que a 22 de março mal tinha obtido um voto de confiança da Câmara, recebia o apoio unânime
daquela Casa a 19 de abril.
A invasão dos Países Baixos deu mais firmeza ao apoio ao ministério. Atenuaram-se temporariamente as
divergências dentro da Câmara e a oposição externa diminuiu ao ser reconhecida a necessidade de
completa união nacional para enfrentar a nova emergência.
Uma das razões de tal oposição fôra a inclusão de elementos socialistas no ministério, numa tentativa para
se lhe alargar a base - passo que fez os partidos da Direita tomar a princípio uma atitude que era a
expressão de sua crítica. Agora, entretanto, o desejo por um esforço unido sobrepujou as diferenças
políticas. A 10 de maio, dois líderes da oposição conservadora entraram no gabinete de guerra para lhe dar
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um caráter completamente representativo de todos os matizes da opinião política.
A harmonia assim conseguida, entretanto, foi submetida a severas provações durante os meses seguintes.
Em particular, o espírito de moderação e transigência, responsável por falhas anteriores, continuava a
dificultar a ação do governo sob diversas formas. Houve, mesmo, indícios de que o antigo premier, Pierre
Laval, tinha obtido, contra a oposição de Daladier, a realização de novas tentativas de apaziguamento da
Itália, talvez mesmo a idéia de uma paz com a Alemanha por meio de transigências. A responsabilidade
direta de Daladier pela condução da guerra terminou a 18 de maio, quando numa reorganização parcial do
ministério Reynaud tomou conta da pasta da Guerra, entregando a Daladier, em troca, a dos Negócios
Exteriores. Ao mesmo tempo, o ministério do Interior era dado a Georges Mandel, que fôra assistente de
Clemenceau e o qual, acreditava-se, dirigiria com mão forte os negócios internos, animando as autoridades
locais com um espírito resoluto e enérgico; e o idoso marechal Pétain foi convidado para o cargo de vicepresidente do Conselho, com a tarefa especial de aconselhar Reynaud sobre a condução da guerra.
Essas nomeações reavivaram a lembrança do Tigre e da bem sucedida defesa da França, um quarto de
século antes. Por isto mesmo, talvez, elas localizaram o contraste com o espírito de Munique e dos homens
que o corporificavam. A 5 de junho, seguindo-se a crescentes atritos em torno de questões da política
futura, essa sensação chegou ao auge e resultou numa nova revisão do ministério. Daladier foi deixado de
lado definitivamente. Albert Sarraut, seu associado mais íntimo, perdeu a pasta de ministro da Educação.
Várias outras mudanças com a mesma tendência geral foram efetuadas. O resultado foi a eliminação final
das principais figuras ligadas a Munique - uma "transformação", como se expressou um comentador, "que
eliminou concepções gastas, espíritos fatigados e tendências em conflito". Simultaneamente, outro passo
em direção à eficiência era evidenciado pela redução do gabinete de guerra de onze para oito membros.
Essas transformações na esfera do governo civil foram o resultado da necessidade de "novos métodos e
novos homens" de que Reynaud falara dois dias antes. Mais significantes ainda foram as transformações
no comando militar. Um dia depois de ter sido Pétain chamado ao serviço do governo, o general Gamelin
foi removido de seu posto de comandante-chefe e substituído pelo general Weygand, a quem Gamelin
sucedera em 1935. A 25 de maio, numa reviravolta drástica, quinze generais foram demitidos de seus
comandos. E em conexão com a reorganização de 5 de junho, o general Charles de Gaulle foi levado,
como colaborador especial de Reynaud, ao ministério da Guerra.
Por trás dessas transformações estava o fato de ter Reynaud reconhecido, a 21 de maio, que a clássica
concepção francesa da guerra tinha sido completamente esmagada pelas novas realizações. Essa
concepção baseava-se na tática defensiva de uma guerra de posição e simbolizada pelo general Gamelin e
pela linha Maginot. Era, entretanto, uma concepção da qual o próprio Reynaud duvidara durante algum
tempo. Em 1935, ele apresentara um projeto de lei para a criação de uma considerável força mecanizada
que desse à França capacidade de ofensiva - proposta essa rejeitada pelo governo de então. O general de
Gaulle compartilhava esta crença na necessidade da ofensiva por meio de material mecanizado; e em
Weygand, discípulo e sucessor espiritual de Foch, os franceses esperavam estivesse corporificado o
próprio espírito de ofensiva.
Na Grã-Bretanha também houve uma transformação em direção semelhante. O salto do general Ironside, a
26 de maio, de chefe do Estado Maior Imperial a comandante-chefe das forças metropolitanas talvez tenha
sido parcialmente motivado por uma crescente preocupação em torno da possibilidade de invasão. Era,
contudo, verdade que o seu sucessor, Sir John Dill, era considerado muito mais que Ironside como o
homem que partilhava da preferência de Weygand pelo ataque em vez de defesa. Mas o indício real de
uma mudança de atitude por parte da Inglaterra foi evidenciado, e de modo ainda mais claro do que no
caso da França, pelas mudanças no governo, que se seguiram à renúncia de Chamberlain.
O ministério Churchill
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O desejo de união nacional que animou a França em face do assalto de Hitler, encontrou imediato paralelo
na Grã-Bretanha. A falta de confiança em Chamberlain tinha sido uma barreira para um verdadeiro
governo nacional, mas a sua substituição por Churchill abriu logo o caminho para a união de todos os
partidos em torno do comum esforço bélico.
O novo gabinete da guerra era um pequeno organismo interno composto de cinco membros. Churchill,
Halifax e Chamberlain representavam a maioria conservadora, com Attlee e Greenwood como
representantes dos trabalhistas. A ausência da representação liberal nesse órgão indicava que certas
dificuldades políticas ainda permaneciam em suspenso, pois que teria sido extremamente difícil a inclusão
de Sinclair mediante a eliminação de Simon, e a eliminação de Simon era quase um pré-requisito para a
colaboração trabalhista. Mas na prática o novo órgão oferecia geral satisfação a todas as camadas da
opinião pública. Era pequeno bastante para prometer uma direção eficaz da política. Seus membros
estavam geralmente livres de deveres administrativos - princípio que em vão se desejava impor a
Chamberlain. Apenas Lord Halifax, no Ministério das Relações Exteriores, estava chefiando um
departamento específico. Os outros quatro membros ocupavam postos que obrigavam a tarefas nominais, e
assim estavam livres para dedicar toda a atenção à política geral.
Nem a mudança do Gabinete de Guerra nem a do Ministério representavam. por si sós, uma transformação
completa. O Partido Trabalhista, em seus ataques a Chamberlain e seus associados, tinha mostrado uma
antipatia particular em relação a esses três fidalgos, Sir John Simon, Sir Samuel Hoare e Sir Kingsley
Wood. A eliminação desse grupo, popularmente identificado com o espírito de Munique e do
apaziguamento, foi, entretanto, incompleta. Simon foi generosamente elevado ao posto de LordeConselheiro com a promoção a visconde. Hoare achou tratamento menos digno de felicitações na sua
nomeação a enviado especial a Madrid, onde foi saudado com uma demonstração de jovens nacionalistas,
que exigiam desse notável apaziguador a entrega de Gibraltar. Chamberlain, todavia, obteve um assento no
Gabinete de Guerra, e Wood ocupou na Fazenda Real um posto de máxima importância. Mas isto podia
ser contrabalançado pelo sangue novo nos departamentos de serviços, em postos tais como o ministério
dos Abastecimentos, onde Herbert Morrison, um dos melhores administradores dos trabalhistas, tomou
conta da nova posição. Alexander no Almirantado, Eden no Ministério da Guerra e Sinclair como ministro
do Ar formavam um trio prometedor que ficaria sob a direção do próprio Churchill, pois que o novo
primeiro ministro iria continuar a agir como coordenador dos departamentos de serviço na qualidade de
ministro da Defesa. E para animar o ministério havia o novo espírito que Churchill expressou ao definir o
objetivo de seu governo: "É a vitória, a vitória a todo o custo; vitória apesar de todos os terrores; vitória
por mais longo e duro que seja o caminho, pois que sem a vitória não há sobrevivência."
Dois departamentos, calculava-se, atrairiam atenção especial sob as circunstâncias existentes. O primeiro
era o ministério do Ar, e particularmente a sua eficiência na questão do aumento da produção. Já em
março, Sir Kingsley Wood, então ministro do Ar, expressou a confiança em que o número dos aviões
fornecidos aos aliados excedesse a produção mensal alemã. Os peritos neutros foram menos arrebatados,
mesmo quando os 770 aviões obtidos dos Estados Unidos durante os primeiros seis meses foram incluídos
nos cálculos. Os acontecimentos subseqüentes iriam mostrar que o comunicado do ministro era
decididamente otimista. Era dessa sorte de condescendência que despertava a ira dos críticos; mas embora
isso resultasse na substituição de Wood por Sir Samuel Hoare em abril, a transformação dificilmente
constituía uma garantia de nova energia ou deficiência. Em Sir Archibald Sinclair, entretanto, o ministério
tinha agora um chefe que prometia ambas as coisas. E, como nova afirmação de vigor, um departamento
especial de produção aeronáutica foi criado, e Lord Beaverbrook nomeado para dirigi-lo. Essa nomeação,
embora possivelmente arriscada, constituía um daqueles atos inspirados, tão condizentes com o caráter de
Churchill. Beaverbrook era um barão da imprensa, e os barões da imprensa freqüentemente têm tido a
tendência de agir sob impulsos dominadores de preferência a cálculos sóbrios. (Lloyd George disse certa
vez de sua aliança com Northcliffe que ela era semelhante a ir a um passeio acompanhado dum gafanhoto).
Mas não havia dúvidas sobre as qualidades dinâmicas do novo titular ou quanto às suas profundas
convicções sobre a necessidade de uma produção crescente, e ambas essas qualidades significariam uma
101
diferença entre as de seus predecessores.
O outro departamento era o de finanças. Por trás de todo o problema de abastecimentos estava a questão da
política financeira, e Sir John Simon no Tesouro parecia partilhar da relutância de seus colegas em
reconhecer a insuficiência dos métodos ortodoxos e da moderação. O orçamento que apresentou a 23 de
abril sofreu severas críticas, baseadas no seu intuito limitado e carência de imaginação. Se bem que
concluísse uma despesa de mais de dois e meio milhões de libras esterlinas, críticos competentes
sustentavam a tese de que estava muito aquém dos esforços que deviam ser feitos; e nem os impostos
crescentes sobre mercadorias de uso nem as provisões para empréstimos - que acarretavam a rejeição do
plano largamente discutido do professor Keynes sobre economia compulsória - pareciam adequados para a
emergência. Havia certa dúvida sobre se Sir Kingsley Wood no Tesouro faria algo mais ousado que o seu
predecessor. Mas uma indicação de possíveis novas receitas foi dada a 29 de maio, quando o imposto
sobre os lucros excessivos, que o governo impunha a tudo acima de um limite fixo, foi tornado extensivo
das indústrias de guerra a todo o gênero de comércio e negócio; se bem que a sua recusa de estudar novos
gravames até que o país se adaptasse à carga existente, pudesse ainda ser considerada como uma
demonstração da carência da percepção da necessidade de apressar a mobilização de todos os recursos
nacionais.
Mas o poder de efetuar tal mobilização já tinha sido considerado fora de qualquer dúvida. Numa das mais
drásticas medidas jamais votadas pelo Parlamento Britânico, o governo, a 22 de maio, obteve por meio da
Lei de Defesa de Poderes de Emergência controle sobre toda a propriedade e potencial humano do reino.
Isto permitia ao ministro requisitar qualquer indústria, "designar qualquer pessoa para executar qualquer
serviço exigido", resolver sobre salários e condições de trabalho, e em geral convocar tanto a riqueza como
a mão de obra para o serviço do Estado. Seu propósito imediato foi permitir ao Estado o controle e a
reorganização do total da indústria bélica; e os primeiros passos que tomou foram colocar todas as fábricas
de munição numa base de trabalho ininterrupto, dia e noite, e trazer essas indústrias sob o controle de um
novo Departamento de Munições, cuja tarefa seria a de acelerar e organizar de modo mais eficiente a
produção essencial.
O controle ao mesmo tempo reforçou os já amplos poderes do governo sobre os elementos suspeitos no
interior do país. A atenção despertada pelas atividades subversivas na Noruega foi mais aguçada pela
ameaça presente de invasão, que se afigurava seguir-se à conquista dos Países Baixos pela Alemanha.
Precauções contra desembarques inimigos e particularmente contra tropas pára-quedistas determinaram a
construção de barricadas e o recrutamento de um corpo de defensores locais voluntários. Precauções
contra a traição de elementos internos conduziram a novas restrições em relação aos cidadãos dos países
inimigos e à prisão dos principais simpatizantes do fascismo, inclusive Sir Oswaldo Mosley e o membro
conservador do Parlamento capitão Archibald Ramsay. Uma lei impondo a pena de morte por traição foi
rapidamente aprovada pelo Parlamento, a 23 de maio. Diante de um perigo maior do que qualquer outro
havia séculos, a Grã-Bretanha suspendeu suas liberdades tradicionais, no interesse da segurança nacional.
Neutros e não-beligerantes
O avanço da máquina de guerra alemã despertou os sentimentos mais diversos entre as nações que estavam
fora do conflito. Algumas delas, a Itália em particular, mostravam-se prontas para aclamar os sucessos
nazistas e esperavam lucrar com eles. Mas a maioria dos Estados ainda não tocados pelas hostilidades
percebia com crescente inquietação que o resultado afetaria profundamente seus próprios destinos; e o seu
despertar à consciência achou expressão em importantes transformações políticas que se adaptariam à
nova situação criada pelas vitórias alemães.
A mais desconfiada, talvez dessas nações era a União Soviética. O ressentimento contra os aliados e a
amizade oficial em relação à Alemanha, que caracterizaram as declarações de Molotov nos fins de março,
continuaram a constituir a atitude do governo soviético pelo menos durante as semanas subseqüentes.
102
Havia uma tendência para se enxergar a invasão alemã da Escandinávia como o resultado compreensível
do plano aliado de intervenção em favor da Finlândia, e para se aceitá-la como uma nova garantia contra
ataques vindos de oeste. A Rússia, ocupada em aplicar as lições da guerra finlandesa e em considerar os
contínuos problemas de sua situação interna, estava disposta a olhar, no momento, com complacência a
aventura alemã.
Com o correr do tempo, entretanto, surgiam sinais pálidos da diminuição tanto da parcialidade russa em
relação à Alemanha como de seu descontentamento em relação aos aliados. Um dos sinais dos futuros
acontecimentos era constituído pela proposta russa, nos últimos dias de abril, de renovação das
negociações comerciais com a Grã-Bretanha. Essas negociações tinham sido iniciadas na primavera de
1939, mas o seu imperceptível progresso fôra completamente paralisado ao iniciar a guerra finlandesa.
Essa dificuldade especial estava agora fora do caminho, mas ainda nenhum dos dois lados demonstrava
desejo algum de entrar diretamente num acordo. A Grã-Bretanha, embora disposta a negociar em
princípio, insistia em que qualquer tratado devia tomar uma forma capaz de contribuir para o bloqueio da
Alemanha, e parecia esperar um acordo segundo o modelo dos tratados recentemente negociados com os
neutros ocidentais e pelos quais estes prometiam limitar as exportações à Alemanha ao nível das de antes
da guerra. A Rússia estava pronta a discutir uma garantia de que nenhuma de suas importações passaria
para a Alemanha, mas se recusava a considerar qualquer limitação de seu direito de dispor de seus
produtos como bem entendesse. Isto constituía uma barreira, mas não uma barreira intransponível, pois
que nos fins de maio a Grã-Bretanha cedeu em sua insistência ao ponto de tornar possível o envio de uma
missão comercial a Moscou. Havia ainda dificuldades em torno do modo de condução das negociações,
pois que o embaixador britânico estava ausente, de licença, desde janeiro e os russos se mostravam
ansiosos pelo reatamento de relações diplomáticas completas. A própria nomeação de uma persona grata,
Sir Stafford Cripps. como chefe da missão comercial deixou de satisfazer a exigência russa de negociações
por intermédio dum embaixador regulamentar. O resultado, entretanto, foi simplesmente dar a Sir Stafford
Cripps o cargo de embaixador, e as formalidades preliminares pelo menos tinham sido assim preenchidas.
O controle alemão dos caminhos do Báltico, todavia, dificilmente poderia ser bem recebido pela União
Soviética; e a possibilidade da extensão desse controle para dentro do próprio Báltico não podia ser
ignorada. Havia especial interesse em torno da posição da Suécia, conforme ficou demonstrado pela
conversação diplomática que resultou, a 3 de maio, no comunicado de que a Rússia e a Alemanha tinham
concordado quanto ao seu mútuo interesse na preservação da neutralidade sueca. A Rússia seguiu-se a isso
com esforços para melhorar a sua própria posição; e um dos resultados desses esforços foi a aceitação pela
Lituânia, a 15 de junho, de um ultimato soviético que estendeu consideravelmente os direitos russos
adquiridos pelo tratado de outubro e tornou a Lituânia um completo protetorado militar. Era um reforço da
posição defensiva russa que mostrava certa dúvida sobre o possível rumo da futura atividade alemã.
Nos Bálcãs, também, a Rússia demonstrava crescente interesse pela tranqüilidade, como a melhor garantia
de segurança. A 9 de maio, anunciou ter advertido os beligerantes, como também a Itália, de que se
abstraíssem de aventuras nos Bálcãs; e a 17 de maio informou-se que havia feito representações, dentro
dessas mesmas linhas, junto aos próprios Estados balcânicos. Parecendo constituir uma ameaça no começo
do ano, a Rússia surgiu agora, pelo menos ao que se referia aos Estados balcânicos, como um protetor e
um amigo.
Os Estados Balcânicos
Essa atitude deu motivo a um sentimento de desafogo em um grupo de estados que continuavam a achar
que sua segurança permanecia precária, completamente à mercê das ambições de seus grandes vizinhos ou
das exigências militares dos beligerantes. A própria absorção das energias das nações em guerra nas
campanhas da Noruega ou de Flandres fornecia apenas um alívio parcial. Mas a boa ou má fortuna da
Alemanha ou dos aliados influenciava profundamente a atitude dessas pequenas nações, cuja vontade de
resistir a um agressor variava diretamente com o grau de auxílio com que achavam que poderiam contar no
103
caso de tal resistência; e pelos meados de junho o crescente sucesso do Eixo se refletia numa tendência
cada vez maior sobre a decisão das nações balcânicas de optar por uma política conciliatória em relação à
Itália e Alemanha.
O começo de abril achou os beligerantes a manobrar ainda por favoráveis posições diplomáticas e
econômicas na Europa oriental. A Grã-Bretanha, que chamara de volta seus enviados aos Bálcãs para
consultas em fins de março, anunciou a 4 de abril a criação de um órgão especial, subordinado ao Tesouro,
para tratar de interesses comerciais nos Estados balcânicos. Ao lado alemão, o persistente dr. Clodius
ainda estava em Bucarest, fazendo pressão para a desmobilização da Romênia e por fornecimentos mais
substanciais de petróleo e gêneros alimentícios. Apesar da falta de sucesso quanto a essas exigências mais
importantes, ele foi capaz, a 20 de abril, de obter uma nova taxa cambial e um acordo experimental para a
aquisição de certas matérias-primas, em troca de armas e maquinarias alemães. Fortalecido por esses
resultados limitados, continuou a viagem até Budapest e Belgrado, na esperança de atrair a Hungria e a
Iugoslávia mais firmemente para a órbita alemã.
Simultaneamente, a Alemanha propôs um protetorado prático da zona do Danúbio. As intrigas e contraintrigas chegaram ao auge com a acusação alemã, ao começo de abril, de que a Grã-Bretanha planejava
bloquear o tráfego do Danúbio, fazendo saltar pelos ares as margens do rio junto ao Portão de Ferro, e a 10
de abril informou-se que um navio de carga que levava suprimentos para a Alemanha tinha sido feito
explodir. A captura pela Romênia, a 8 de abril, de várias barcaças britânicas que carregavam dinamite
pareceu emprestar algum viso de verdade aos receios alemães de interferência, se bem que a Inglaterra
explicasse que essa dinamite se destinava ao afundamento das barcaças no caso de uma tentativa alemã de
interceptação. O resultado foi a informação de que a Alemanha tencionava exigir o direito de policiar o
Danúbio - sugestão que depois foi modificada para uma proposta, apoiada pela Hungria, de que os
próprios Estados danubianos se encarregassem do policiamento do rio em vez de continuar a deixá-lo
entregue à comissão internacional existente, - proposta essa redigida de maneira a permitir à Alemanha
partilhar dessa atividade. Ela foi rejeitada pela Iugoslávia; mas pelos fins de abril tornou-se claro que a
Alemanha dominava comercialmente a maior parte do rio e que isso poderia muito bem significar efetivo
domínio militar no momento em que tal se tornasse desejável.
Essa pressão continuou simultaneamente com a campanha da Noruega, que pouco distraía os beligerantes
de seus interesses nos Bálcãs. Era, antes, um exemplo aos Estados balcânicos de quão pouco poderiam
esperar que a sua neutralidade fosse respeitada pela Alemanha, e uma advertência contra os perigos que
poderiam oferecer os simpatizantes alemães dentro de suas fronteiras. Juntamente com outros neutros, os
Estados balcânicos voltaram a atenção para esses elementos, e para os atenciosos "turistas" alemães que
pareciam especialmente atraídos pelas fortificações fronteiriças e campos petrolíferos. O acontecimento
mais assustador foi a prisão do antigo premier iugoslavo Stoyadinovich, a 19 de abril, seguida de
numerosas outras detenções e expulsões quando o governo descobriu uma conspiração para um levante
que se verificaria juntamente com a invasão alemã. Medidas semelhantes foram tomadas na Romênia; e a
11 de maio o ministério romeno foi reconstruído para incluir um grupo de ministros menos favoráveis à
Alemanha que seus predecessores. Para modificar essa situação de um modo curioso, todavia, havia a
gradual aproximação entre o rei Carol e a Guarda de Ferro fascista, aproximação essa que teve expressão
numa anistia política a 25 de abril. Nem a Romênia nem a Iugoslávia estavam ainda prontas para cerrar as
portas a relações amigáveis com o Eixo. Com a vitória alemã em Flandres, na verdade, elas tomaram a
decisão definitiva de travar relações mais amigáveis com o vencedor. Uma parcial desmobilização romena,
a 29 de maio, foi seguida, a 1o de junho, pela demissão do ministro do Exterior aliadófilo e pela nomeação
de um simpatizante dos alemães em seu lugar. O livramento de Stoyadinovich e seus associados, noticiado
a 14 de junho, foi o sinal de que a Iugoslávia se movia em direção semelhante.
A repercussão na América
A extensão da guerra, entretanto, produzia efeitos fora do continente europeu. Todos os países invadidos, a
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exceção de Luxemburgo, tinham possessões no exterior; e o status desses territórios, particularmente os
pertencentes à Holanda e Dinamarca, tornou-se um caso de séria atenção por parte de outras potências,
tanto beligerantes como neutras.
Um dos cuidados imediatos da Grã-Bretanha foi evitar o controle nazista da Dinamarca, desde as Faroes
até a Islândia. As Faroes, pequeno grupo de ilhas a duzentas milhas a noroeste das Shetlands, foram
ocupadas por tropas britânicas pouco depois da invasão, com a finalidade de ser evitada a sua tomada e
uso como base submarina e aérea. O risco da Islândia ser utilizada para fins semelhantes também existia,
mas a ação no momento foi transferida, parcialmente, em resultado das medidas tomadas pelas próprias
autoridades islandesas. Essa ilha tinha o status de reino independente, ligado à Dinamarca apenas por uma
união pessoal com a coroa dinamarquesa. A 9 de abril, o seu legislativo decidiu que, desde que a invasão
alemã tornava impossível ao rei exercer sua autoridade na Islândia, o exercício dos poderes reais seria
confiado ao ministério, até ulterior aviso. Com a retirada aliada da Noruega, entretanto, a posição
desprotegida da Islândia significava a necessidade de garantias mais efetivas; e a 10 de maio o governo
britânico anunciou que tropas tinham desembarcado a fim de proteger a ilha contra a invasão, com a
garantia de que essa força seria retirada depois de concluídas as hostilidades.
A vasta ilha da Groelândia era também uma possessão dinamarquesa; e aqui os resultados da guerra
mostravam os primeiros sinais de interferência direta no hemisfério ocidental. Os cuidados dos Estados
Unidos manifestaram-se imediatamente, e a hostilidade americana em relação à idéia de um ponto de
apoio alemão tão próximo ao continente americano foi claramente manifestada. Embora os recursos da
Groelândia fossem insignificantes, sua localização a tomava importante elo da rota aérea setentrional da
Europa e possível abrigo de bases aéreas inquietadoramente próximas aos Estados Unidos. Conforme
Roosevelt acentuou perante o Congresso a 16 de maio: "Dos fiordes da Groelândia há uma distância de
quatro horas à Terra Nova, cinco horas à Nova Escócia,... e apenas seis horas à Nova Inglaterra." Nenhum
passo imediato foi dado; mas conversações tiveram início com a Grã-Bretanha e o Canadá, e o
comunicado, a 1o de maio, de que os Estados Unidos mandariam um cônsul à Groelândia constituiu o
primeiro passo em direção à afirmativa da aplicação da doutrina de Monroe a esse país.
A invasão da Holanda levantou ainda maiores possibilidades perturbadoras. A Dinamarca cedera suas
possessões nas Caraíbas durante a última guerra, quando os Estados Unidos compraram as ilhas Virgem.
Mas a Holanda retinha ainda as Índias Ocidentais Holandesas, com as suas importantes refinarias de
petróleo, bem como a Guiana Holandesa. A 11 de maio, um destacamento aliado foi desembarcado nas
ilhas holandesas afim de evitar possível sabotagem; mas foi anunciado que o governo americano tinha sido
informado da situação, e a garantia de que nenhuma mudança de soberania estava sendo estudada foi, no
momento, aceita pelos Estados Unidos.
A questão das Índias Orientais Holandesas provocou cuidados ainda maiores. Eram elas possessões sobre
as quais os japoneses tinham por algum tempo lançado olhares especulativos; e a sua tomada pelo Japão
mudaria profundamente a situação estratégica do Pacífico, fornecendo a esse país, ao mesmo tempo,
valiosos e necessários recursos. O governo nipônico já tinha deixado claro que não poderia permitir a
aquisição dessas ilhas por outra potência; e os Estados Unidos, a 17 de abril, fizeram declaração
semelhante, que, na realidade, não passava de uma advertência ao próprio Japão. Ambos os países
mantinham-se em alerta desde a invasão da Holanda; mas cada qual agia como obstáculo ao outro, e os
próprios holandeses agiram altivamente por meio do governo colonial, o que impediu que o problema se
tornasse imediatamente agudo.
Mas, além desses motivos reais de preocupação, houve nos Estados Unidos uma compreensão rapidamente
crescente dos interesses vitais do país no caso de um conflito generalizado. A extrema crueldade dos
ataques alemães a neutros inofensivos provocou ressentimentos crescentes; e o despontar da possibilidade
de uma derrota aliada fez com que a atenção se voltasse subitamente para as conseqüências que uma
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vitória de Hitler teria sobre a América.
Esses sentimentos encontraram vigoroso porta-voz no presidente Roosevelt. A 15 de abril, num discurso
perante a conferência da União Pan-Americana, o presidente traçou o contraste entre a tradição americana
de paz e a atitude dos agressores europeus, utilizando-se de termos que, se bem que não mencionassem
potência alguma especificamente, implicavam tanto numa condenação como numa advertência. Com a
invasão dos Países Baixos, a sua condenação tornou-se mais direta. Num discurso, nesse mesmo dia,
perante o Congresso Científico Americano, declarou-se "chocado e revoltado pelas trágicas notícias vindas
da Bélgica, dos Países Baixos e de Luxemburgo". A 11 de abril, em resposta ao apelo do rei Leopoldo,
escreveu: "O povo dos Estados Unidos espera, como eu próprio, que se possa pôr um fim à política
tendente a dominar povos pacíficos e independentes pela força e agressão militar, e que o governo e o
povo da Bélgica possam preservar sua integridade e liberdade." Quão geralmente esses sentimentos eram
partilhados pelas outras nações do Novo Mundo ficou demonstrado a 18 de maio, quando as vinte e uma
repúblicas americanas deram o passo sem precedentes de emitir uma declaração conjunta asseverando que
protestavam contra a última agressão militar, e que consideravam "a violação de neutralidade ou a invasão
de nações mais fracas como uma medida injustificável para a condução e sucesso na guerra."
A ação dos Estados Unidos não ficou confinada a palavras. Em resultado da agressão alemã e dos reveses
aliados, o presidente, apoiado por crescente exigência popular, resolveu-se a defender dois rumos
simultâneos. O primeiro foi expandir e acelerar a defesa nacional, iniciada a 16 de maio pela petição de
Roosevelt ao Congresso em favor de novos créditos no valor de mais de um bilhão de dólares. O segundo
foi uma tentativa para evitar que essa expansão interferisse no fornecimento de suprimentos aos aliados, e
para acelerar esse fornecimento, cuja urgência se tornara mais manifesta. Em junho, o governo tomava
ativas medidas para se desfazer de seu estoque de armas, ou pela venda direta do velho equipamento ou
pela troca de aviões, por exemplo, com os fabricantes, que mais tarde lhe forneceriam novos modelos, e
entrementes venderiam o equipamento assim tornado disponível à Grã-Bretanha e à França. E enquanto
esses passos estavam sendo dados para tornar os recursos americanos mais prontamente disponíveis, a
diplomacia americana exercia pressão crescente sobre a Itália, na esperança de mantê-la fora da guerra.
A Entrada da Itália na Guerra
Ao tempo da invasão da Noruega, a atitude da Itália em relação aos aliados se tinha metamorfoseado numa
hostilidade implacável. Havia ainda dúvidas sobre se o encontro do Brenner entre Mussolini e Hitler
resultara num plano combinado e minucioso; mas as semanas que se seguiram viram a Itália começar
preparativos positivos para a entrada na guerra. A 2 de abril, adotou uma medida estabelecendo a
mobilização civil, e dando ao governo poder para requisitar os serviços e bens de todos os cidadãos em
tempo de guerra. A 10 de abril, a imprensa acentuou que as forças italianas estavam em pé de guerra, e
durante as semanas subseqüentes procedeu-se à completa mobilização das reservas por meio de
notificações individuais. Ao mesmo tempo, informou-se que a frota se tinha concentrado nas ilhas do
Dodecaneso, de onde podia ameaçar as bases aliadas do Mediterrâneo oriental.
Os aliados, por sua vez, fizeram esforços sucessivos para desanuvear suas relações com a Itália. A 17 de
abril, em seguida a demonstrações hostis em Milão, o ministro britânico da Guerra Econômica disse, em
tom de advertência, que a Grã-Bretanha gostaria de saber em que pé estavam suas relações com a Itália.
No começo de maio, foi informado que o governo britânico solicitara à Itália definisse sua posição exata
dentro das próximas duas semanas. Suas dúvidas sobre que isso provocaria qualquer resposta satisfatória
ficaram demonstradas em fins de abril, quando tomou a deliberação séria de convocar todos os navios
mercantes de volta do Mediterrâneo e reforçar a frota com base em Alexandria.
A atitude francesa, ao contrário, caracterizava-se pela suavidade, na esperança de desfazer a crescente ira
italiana. Durante todo esse período, Reynaud fez sucessivas referências amigáveis à Itália, e indicou por
várias vezes o desejo francês de discutir as reivindicações italianas. A 20 de abril, ele revelou que suas
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iniciativas diretas não haviam tido até então resposta alguma. Concessões definitivas foram oferecidas em
maio com respeito aos direitos italianos a Tunis, Djibuti e ao canal de Suez, e a 6 de junho Reynaud
declarou numa irradiação: "Não há povo algum com o qual a França não possa resolver por meios
pacíficos as divergências de interesse que lhes pareça contrário." Mas a esse tempo já estava
completamente visível o fato de estar fora do desejo de Mussolini uma solução por meios pacíficos.
Essa atitude de descaso foi acentuada pelo repentino abandono por parte de Mussolini daqueles
grandiloqüentes discursos públicos com os quais ele se costumava deliciar. "Depois dos meus discursos",
disse ele a um auditório a 9 de maio, "deveis acostumar-vos ao meu silêncio. Somente os fatos o
romperão". Mas se o chefe deixou de soltar a língua, o resto da matilha se mantinha em plena grita. Era
dirigido por Giovanni Ausaldo, diretor do Telégrafo e pessoa íntima do conde Ciano, cuja promessa, a 14
de abril, de que "em breve soarão os clarins" foi um corolário ao tema que desenvolvera em subseqüentes
editoriais e irradiações. Essa promessa foi fielmente alardeada por outras personalidades fascistas e pela
imprensa italiana em geral; e para evitar quaisquer notas discordantes, o Osservatore Komano, órgão da
Santa Sé, o único dos jornais italianos a manter uma atitude imparcial em relação à guerra, foi
primeiramente atacado e por fim virtualmente suprimido.
Em certa ocasião pareceu que os clarins ressoavam para um assalto contra a Iugoslávia. As inquietantes
relações entre os dois países, que não foram melhoradas pelo envio à Albânia de grandes contingentes de
"trabalhadores" italianos, chegaram a um estado de considerável tensão em fins de abril, como resultado de
demonstrações hostis em Florença. A 21 de maio, essa tensão atingia a um ponto cuja gravidade era
indicada pelo fechamento por parte da Itália da fronteira iugoslava até a fronteira albanesa e pelo
aceleramento dos preparativos militares na Albânia. A 29, entretanto, a Itália estava pronta a dar garantias
satisfatórias, e o alívio iugoslavo contribuiu para a adoção de sua nova política de orientação para o Eixo.
Era na realidade contra a Grã-Bretanha que se dirigiam de preferência os insultos italianos. O controle
naval britânico do Mediterrâneo, e o tangível efeito deste sobre o reforço do bloqueio da Itália, faziam com
que a Inglaterra fosse um objetivo ardentemente desejado. Ansaldo, a 5 de maio, expressou a esperança de
ver a invasão das Ilhas Britânicas. Parece que foram feitos esforços para alistar a Espanha na cruzada,
concitando-a a tomar Gibraltar; mas, embora uma missão militar espanhola visitasse a Itália, Franco
parecia querer evitar comprometer-se em demasia. As negociações em progresso em torno do bloqueio
parecem ter sido utilizadas pela Itália como base de queixas, mais do que meios para a busca de uma
solução, e a 31 de maio elas foram rompidas definitivamente. A 9 de junho, Ansaldo asseverou que a Itália
tencionava tomar parte na segunda fase da guerra, em que "unidos à Alemanha, nós sustentaremos a guerra
à Inglaterra. Abriremos de uma vez para sempre as portas cerradas da Grã-Bretanha. Tal é, a nossa
convicção."
Nessa data, tudo estava pronto para a aventura. Já a 18 de abril foi revelado que comissões militares
tinham sido trocadas entre a Itália e o Reich. A 30 de abril, o novo couraçado italiano Vittorio Veneto foi
posto em serviço. A 17 de maio, um orçamento de guerra destinou vastas novas somas para despesas
militares, e os fascistas foram advertidos de que nem mesmo a sua situação de membros do Partido os
salvaria se agissem como traidores, opondo-se à entrada na guerra. Os decretos de mobilização civil
entraram em vigor a 24 de maio. Dois dias depois, foram preparadas medidas para conservar o petróleo em
estoque com a proibição do uso de carros a motor e de botes a motor particulares, a contar de 1o de junho.
E a 29 de maio, a revogação das licenças de importação demonstrou quão próximo a nação estava do
mergulho final.
Os ataques aéreos alemães contra o vale do Ródano a 1o de junho, que incluíram um ataque a Marselha por
aviões vindos do mar, procuravam sem dúvida demonstrar praticamente a Mussolini que o mergulho podia
ser dado com segurança. Quando o Conselho de Ministros se reuniu, a 4 de junho, o estágio final foi
completado. No dia seguinte foi anunciado que as águas costeiras italianas eram "perigosas",
presumivelmente por terem sido lançados nelas campos de mina. A 7 de junho, todos os navios italianos
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em viagem receberam ordens de arribar ao porto neutro mais próximo. A 9 de junho, o ex-secretário do
Partido, Farinacci, anunciou que "chegou a hora em que todas as exigências italianas serão satisfeitas". E
no dia seguinte, falando de sua costumeira sacada, Mussolini disse ao seu povo que a Itália tinha entrado
na guerra "contra as democracias plutocráticas e reacionárias que sempre bloquearam a marcha e
freqüentemente conspiraram contra a existência do povo italiano.
"A mão que segurava o punhal", disse Roosevelt num discurso nessa mesma tarde, "mergulhou-o nas
costas do vizinho." A decisão italiana causou um profundo desapontamento ao presidente. Recordou ele
que mais de três meses antes Mussolini tinha apontado com orgulho para a sua ação de manter a guerra
fora do Mediterrâneo. Quando a atitude italiana começava a mudar, o presidente procurou exercer pressão
sobre ela para que continuasse em paz. A 1o de maio foram feitas representações que se repetiram a 15 do
mesmo mês; e numa e noutra dessas ocasiões o presidente se oferecera para comunicar as exigências
italianas aos aliados e para procurar obter garantias de que a Itália tomaria parte na conferência de paz em
igualdade de condições com os beligerantes, desde que se abstivesse de entrar na guerra. Mas Mussolini
declarara que não via base para negociações no momento presente e não demonstrara desejo algum de
cooperar no interesse da paz. Novo esforço dos Estados Unidos a 31 de maio foi uma vez mais em vão.
Na sua comunicação anterior, Roosevelt tinha advertido o chefe italiano de que "na opinião do governo
dos Estados Unidos, qualquer extensão das hostilidades à região do Mediterrâneo poderia resultar no
aumento ainda maior do cenário do conflito". Era a advertência velada de que os Estados Unidos, em tal
caso, poderiam não mais achar possível ficar alheios. Agora que o fato ocorreu, embora os Estados Unidos
ainda não estivessem preparados para uma formal entrada na guerra, a administração chegou até o limite
extremo da não-beligerância. "Seguiremos", disse o presidente, "dois rumos óbvios e simultâneos.
Estenderemos aos adversários da força os recursos desta nação, e ao mesmo tempo lançaremos mão e
aceleraremos o uso desses recursos a fim de que nós mesmos na América tenhamos equipamento e
treinamento condizentes com a tarefa de enfrentar qualquer emergência e realizar completamente a
defesa."
Foi dada assim a garantia de que a política havia muito defendida pelo presidente Roosevelt - a política de
auxiliar os aliados "por todos os meios afora a guerra" - seria levada ao máximo. Cinco dias depois, em
resposta a um apelo desesperado de Reynaud, Roosevelt em termos ainda mais definidos prometeu que a
nação redobraria de esforços e que enquanto os aliados resistissem poderiam contar com suprimentos
crescentes, procedentes dos Estados Unidos. Na última frase, e nas conclusões que dela se podiam tirar,
estavam tanto os receios como as esperanças pelo futuro da causa aliada. Mas mesmo essa garantia foi
incerta demais para resolver a situação desesperada. A 17 de junho, com a Linha Maginot abandonada e o
exército em plena retirada, a França solicitou condições de paz.
15 de Junho a Agosto de 1940
A Derrocada da França
A decisão da França de abandonar seus aliados e buscar uma paz em separado era algo que
deixou, a 17 de junho, de conter qualquer elemento de surpresa. Já durante algum tempo antes,
apesar das afirmações periódicas de imperturbável união entre a Grã-Bretanha e a França, a
probabilidade de tal passo tinha estado a aumentar gradualmente. Na verdade, os próprios tons
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desses pronunciamentos emprestavam côr à possibilidade. Churchill, por exemplo, afirmou a 19
de maio: "Recebi dos chefes da República Francesa e em particular de seu indomável primeiro
ministro sr. Reynaud as mais sagradas garantias de que, houvesse o que houvesse, eles lutariam
até o fim." Mas o próprio caráter premente dessa afirmativa concorria para que ela fosse de menor
eficiência para o reforço de confiança do que para o despertar de especulações em torno de sua
necessidade. E em seu discurso de 4 de junho, Churchill se utilizou de uma frase cujo significado
cedo se percebeu. "Tenho plena confiança em que... nos mostraremos novamente capazes de
defender a nossa pátria insular e de dominar a tempestade da guerra e sobreviver à ameaça da
tirania, por anos se for necessário e se necessário sozinhos."
Mas uma coisa era explicar satisfatoriamente um acontecimento que já se verificara, e outra era prever que
tal acontecimento se realizaria. A busca de explicações tendia quase inevitavelmente a transformar-se
numa busca de evasivas. A culpa era atribuída de vários modos aos generais, aos políticos, ao soldado raso
do exército francês e ao povo francês em geral.
Nenhuma dessas explicações era completamente satisfatória em si mesma. Nenhuma, todavia, podia ser
inteiramente desprezada. Os políticos indubitavelmente contribuíram, se não para a própria derrota, pelo
menos para uma situação que tornara a derrota possível - se bem que nesta questão havia uma tendência
dominadora em certos círculos para sublinhar os erros de cálculo da Esquerda, ignorando ao mesmo tempo
as atividades mais sinistras ou mais mal orientadas da Direita. Até certo ponto, entretanto, os conflitos dos
políticos franceses contribuíram para a falta de preparo da França. Já desde 1918, as questões sociais
vinham aumentando de agudez. A impaciência crescente das massas pela intransigência dos grupos
dirigentes tinha sido respondida por uma resistência gradualmente mais inflexível das classes favorecidas a
qualquer medida que envolvesse reforma social ou econômica. Essa crescente preocupação pelas questões
internas afetou sem dúvida a probabilidade da França adotar um rumo vigoroso e decisivo de política
externa. Isto era particularmente verdadeiro depois de 1935, quando os reflexos da luta social se
estenderam à esfera internacional, e Berlim e Moscou vieram a simbolizar as principais ameaças ou
refúgios das facções que se degladiavam. O resultado foi uma semiparalisia de decisão nos problemas
externos, a qual contribuiu para o preparo dos fundamentos diplomáticos - e talvez também militares - da
catástrofe final.
Então, subitamente, alguns observadores descobriram a existência de um sentimento muito difundido de
derrotismo entre o povo francês. A descoberta não era totalmente convincente, mas indicou talvez certas
características do moral nacional. Poucos afirmariam que a guerra foi saudada na França com grande
entusiasmo. Ela entrou na guerra não para repelir qualquer invasão iminente, mas sim para subjugar um
inimigo potencial antes que se tornasse tão forte que lhe fosse impossível resistir militarmente. Um Hitler
que dominasse a Europa oriental poderia significar uma França subjugada sem travar sequer uma batalha.
Este era o ponto de vista daqueles que se mostravam partidários de uma resistência a favor da Polônia.
Mas era um ponto de vista passível de ser debatido e em torno do qual certos grupos franceses estavam
prontos para entrar em debates. As dúvidas sobre a sua validade podem ter concorrido para o aumento do
desencorajamento nacional quando a guerra começou a tomar um rumo desfavorável, auxiliando assim os
agentes de Hitler e seus aliados no país na tarefa do enfraquecimento da resistência popular. O que tornava
tudo isso difícil de ser avaliado era a falta de qualquer direção eficiente do espírito de resistência no
momento crítico. Nenhum Gambetta se ergueu para conclamar a nação para novos e heróicos esforços; e o
refrão Il faut en finir que marcara a atitude da nação em relação à luta era uma base inadequada para
esforços espontâneos em face de tão rápida e arrasadora derrota.
Mas quando tudo isso era tomado em consideração, ressaltava um fato central. Este era a derrota militar. O
exército francês, de tão alto prestígio ao começo da guerra, tinha sido esfacelado por um inimigo superior.
Fosse com que fosse que a situação geral da França tivesse contribuído para esse resultado, era ainda a
derrocada militar que mais carecia de uma explicação.
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O colapso militar
Não poderia ser explicado como sendo devido à qualidade do soldado francês. Este pelo menos não era
responsável pela inferioridade no equipamento e pela falha disposição de reservas que se tornaram
perfeitamente clara depois de 10 de maio. O mais que se poderia dizer contra ele era que o seu espírito de
luta carecia daquele desespero que poderia parcialmente contrabalançar essas deficiências e dar ao Alto
Comando um pouco de tempo extraordinário para retificar alguns de seus erros. Ele tinha sido preparado
para uma espécie de guerra; viu-se numa outra diferente, que absolutamente não lhe era familiar. Foi
submetido a uma concentração de fogo sem precedentes, que fazia com que se parecesse inútil tudo que
fizesse em resposta. Viu-se a lutar por dez dias sucessivos contra forças alemães que eram renovadas cada
dois ou três dias. Sobretudo, sentia que estava sendo sobrepujado constantemente sem que pudesse travar
luta direta com o inimigo. Começou, por fim, a sentir que o seu próprio destacamento estava sendo
deixado sozinho e sem apoio para aparar todo o peso do assalto. Quando a luta se apresentava quase sem
esperança, seu moral em muitos casos não estava convenientemente preparado para prosseguir o combate
e dai vinha a desagregação. Se, entretanto, este era o caso em geral, havia também muitas exceções, e
exemplos de tropas francesas mantendo uma resistência corajosa e tenaz não faltaram mesmo depois do
começo das negociações de armistício. Um comentarista britânico, escrevendo na The Fighting Forces,
pagou-lhes generoso tributo: "As falhas que motivaram a derrota não podem ser atribuídas ao soldado
francês. Não há homem algum mais preso ao seu solo natal que o campônio francês, ninguém mais
verdadeiramente patriota... A verdadeira causa reside na preparação falha e ineficiente."
A culpa dessas falhas cabe em grande parte ao Alto Comando francês. Os preparativos falhos não eram
somente materiais, mas também intelectuais. A rigidez da mente foi ilustrada pela sua recusa em admitir
que as lições da campanha polonesa tinham qualquer aplicação séria ao problema da defesa francesa. Sua
excessiva confiança na tática defensiva fê-lo subestimar de modo fatal o poder que as novas armas e
métodos tinham dado ao ataque. Contudo, apesar de centralizar o pensamento em torno da Linha Maginot,
o Alto Comando deixou de desenvolvê-la de modo consistente. Com o problema da fronteira belga a exigir
uma solução, ele nem estabeleceu defesas fixas adequadas, nem elaborou um eficaz contra-golpe para o
caso de uma invasão alemã. E quando o êxito do avanço alemão deitou por terra todos os princípios de sua
doutrina, o Alto Comando continuou a agarrar-se aos remanescentes de suas obsessões e permitiu que
reservas essenciais fossem deslocadas para as fortificações orientais, quando o destino da França estava
em jogo ao longo do Mosa e do Somme.
Esse era um dos fatores da fraqueza aliada, não somente quanto à defesa inicial, mas ainda mais
gravemente na questão vital dos contra-ataques. Nos dias que se seguiram à ruptura alemã até o Canal,
essa fraqueza era ainda mais evidente. Por vários dias, os alemães mantiveram um corredor precário de
apenas 20 km. de largura. O fechamento desse corredor teria isolado substanciais forças alemães e
retardado, senão impedido, o seu avanço através de Flandres.
Apenas uma tentativa séria foi feita para o conseguimento dessa finalidade. E essa foi levada a efeito pelas
forças britânicas, a 22 de maio, com apenas duas divisões e sem apoio francês. Embora ganhasse algum
terreno não foi suficientemente forte para provocar uma ruptura; e, carecendo de força para aproveitar as
vantagens obtidas, as divisões britânicas viram-se avançando para uma armadilha e foram obrigadas a
recuar. Um plano mais ambicioso, se bem que ainda limitado, foi entretanto desenvolvido ao mesmo
tempo por Weygand. Ele envolvia a sincronização de uma nova investida ao norte, em que duas divisões
britânicas, outra vez, tomariam parte, com o avanço do principal exército francês no sul. Foi
originariamente marcado para o dia 25 de maio, mas a necessidade de repouso e de reforma das divisões
britânicas provocou o seu retardamento até o dia 26. Esse dia, entretanto, era tardio demais. A essa data, o
ataque alemão ao exército belga tornou iminente o colapso deste, e todas as forças britânicas disponíveis
foram mandadas rapidamente para o norte a fim de apoiá-lo. Privados do esperado auxílio britânico, os
franceses desistiram de seu plano, e com a rendição belga todas as possibilidades de revivê-lo
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desapareceram.
A importância desse episódio consiste não somente na revelação que faz da coordenação imperfeita entre
os comandantes aliados. Mostra também como havia escassez de reservas disponíveis quando em
conseqüência da falta de auxílio de duas divisões britânicas o principal exército francês achou-se incapaz
de lançar sequer um contra-ataque limitado. Mais alarmante ainda era a falta de habilidade francesa para
reaver mesmo as posições locais de primeira importância. Isto foi demonstrado com o fracasso da tentativa
de recaptura das cabeças de ponte que os alemães estabeleceram ao longo do Somme. Quando a batalha da
França começou, essas serviram de vias para o assalto mecanizado alemão; e os tanques lançados dessas
cabeças de ponte foram capazes de furar a linha Weygand, iniciando o desmantelamento final de toda a
frente.
A Batalha da França revelava de modo cada vez mais claro a inferioridade francesa, não somente em
equipamento, mas, o que era mais surpreendente, em número. Afirmou-se oficialmente que a França
mobilizara entre cinco e seis milhões de homens. Mas mesmo admitindo-se que entre vinte e trinta
divisões foram dispostas na fronteira italiana, era difícil imaginar-se onde esses homens poderiam estar, e
aumentava a suspeita de que esses números eram em grande parte um mito. Mais tarde, num comunicado
em que comparava os esforços britânicos e franceses e no qual não tinha motivos para subestimar os da
França, Paul Baudoin fixou o total da mobilização em três milhões. De acordo com Pétain, os franceses no
auge do avanço final puderam dispor em linha apenas sessenta divisões contra cento e cinqüenta divisões
alemães. "É provável", escreveu um oficial de engenharia americano, "que a 5 de junho, quando o golpe
foi desfechado, o poder combativo dos alemães entre Abbeville e Montmedy tenha sido o dobro do dos
franceses. E já que os alemães retinham a iniciativa e uma mobilidade superior, essa proporção poderia
facilmente alcançar quatro para um em determinados pontos. Os franceses simplesmente careciam de força
para impedir uma ruptura da frente."
"O objetivo da nova fase de operações", disse o Alto Comando alemão", era romper a frente setentrional
francesa, forçando o despedaçamento das unidades francesas rumo ao sudoeste e sudeste para depois
destruí-las." O caminho foi aberto quando os franceses eram impelidos da linha do Somme, e com a
travessia do Sena e do Marne o objetivo estava quase alcançado. Os exércitos franceses nessa região foram
metodicamente cortados em pedaços. Esforços tardios para trazer reforços do setor atrás da Linha Maginot
foram prejudicados pelo rompimento das comunicações, devido não somente ao bombardeio da retaguarda
do front, como também ao fato de que o avanço tinha cortado as linhas ferroviárias mais diretas. A
tentativa de retirada para o Loire fracassou quando as tropas encontraram as estradas atravancadas por uma
torrente de refugiados e o rápido avanço mecanizado alemão ultrapassou os franceses retirantes. O Loire
por si mesmo era ineficaz como linha de defesa, e a retirada permitiu aos alemães desembarcar na
retaguarda da Linha Maginot e auxiliou o sucesso do ataque frontal que perfurou as defesas em dois
pontos. Algumas das tropas nessa área continuaram a resistir até o fim, mas toda a esperança numa frente
coerente tinha desaparecido. A 9 de junho, Weygand, com irônica ambigüidade, disse ao exército: "Este é
o último quarto de hora. Agüentem firmes!" Mas quando passou o último quarto de hora, o principal
exército francês deixou de existir como força combativa efetiva.
O colapso político
Quando Weygand substituiu Gamelin no comando das forças aliadas, tomou a si uma causa que sentia já
estar perdida. Essa convicção foi reforçada quando a situação militar foi de mal a pior; e quando os
alemães lançaram o ataque à linha do Somme, Weygand chegou à firme conclusão de que essa era a prova
final, e de que se a França fosse uma vez mais obrigada a ceder caminho a rendição seria inevitável.
Nessa crença ele teve o apoio de um grupo crescente dentro do governo. A crise ministerial de 5 de junho
resultara na eliminação dos mais ativos advogados da causa da paz em separado. Mas entre os novos
membros introduzidos no gabinete para fortalecer o espírito de resistência houve alguns, como Paul
Baudoin, que em poucos dias se passaram para o partido da paz; e outros de espírito firme até aquela data
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ficaram convencidos de que, com a rendição de Paris, nenhuma esperança mais restava. A 12 de junho, a
questão chegou a uma decisão, quando o gabinete, reunido em Tours, foi informado por Weygand de que a
batalha estava perdida e de que nada restava senão solicitar um armistício.
Houve ainda considerável resistência a essa proposta. Mesmo admitido que a possibilidade de resistência
em solo francês estava quase no fim, havia ainda a possibilidade de se conduzir a luta nas colônias.
Reynaud se fez porta-voz dos que estavam contra a rendição quando - em palavras já parcialmente
falsificadas - escreveu a Roosevelt, no dia 10: "Lutaremos na frente de Paris; lutaremos atrás de Paris;
fechar-nos-emos numa de nossas províncias para lutar, e se ainda dela formos afastados, estabelecer-nosemos na África do Norte para continuar a luta, e se necessário, mesmo em nossas possessões da América
continuaremos a combater."
A isso, porém, tanto Weygand como Pétain, apoiados por uma parte do gabinete, se opunham firmemente.
Weygand estava visivelmente obsessionado pela crescente desorganização da autoridade civil e pelo
perigo de ela conduzir a uma revolução. Alegou-se mesmo que ele dissera ao gabinete que motins
comunistas tinham irrompido em Paris - informe que Mandel imediatamente desfez chamando o chefe de
Polícia da Capital e obtendo um desmentido autorizado. Mas apesar de tudo, perdurava o receio de tais
motins; e a acompanhá-lo havia a esperança de que, fazendo-se a paz antes que tudo estivesse perdido,
alguns resquícios da independência francesa ainda pudessem ser salvos. Pierre Lazareff, diretor do Paris
Soir, atribuiu a Pétain palavras que, mesmo que apócrifas. expressavam indubitavelmente os pontos de
vista do partido da paz: "Solicitemos imediatamente um armistício, enquanto ainda se mantêm intactos a
nossa marinha e grande parte do nosso exército e a Linha Maginot continua a resistir. Mais tarde,
estaremos a mercê do vencedor... Não podemos entregar a nação a si própria e aos invasores. Fiquemos no
nosso solo sagrado para tomar conta de nosso povo. E antes que soe a hora em que o vencedor, nada tendo
a recear, se recuse a discutir condições, obtenhamos dele a garantia de que os nossos jovens e as nossas
cidades serão poupados a ponto de termos em mãos ainda a possibilidade de um renascimento."
Mas se o futuro da França era o primeiro a considerar-se, não era pelo menos o único. A Grã-Bretanha era
aliada da França, e a França lhe estava ligada por compromissos que, honradamente, não poderiam ser
ignorados. A 28 de março, depois de uma reunião do Supremo Conselho de Guerra em Londres, uma
declaração conjunta foi emitida pelos dois governos, nos seguintes termos:
"O Governo da República Francesa e o Governo de Sua Majestade... resolvem mutuamente que durante a
presente guerra não negociarão ou concluirão um armistício, nem tratado de paz, exceto por consentimento
mútuo.
Acordam ainda em não discutirem condições de paz antes de chegarem a completo acordo sobre as
condições necessárias para assegurar a cada um dos dois uma garantia duradoura e efetiva de segurança.
Finalmente, acordam em manter depois da conclusão da paz uma comunidade de ação em todas as esferas
até o prazo em que se mostre necessário para salvaguardar a sua segurança e efetuar a reconstrução, com a
assistência de outras nações, de uma ordem internacional que garanta a liberdade dos povos, o respeito à
lei e a manutenção da paz na Europa."
O gabinete, entretanto, decidiu que à Grã-Bretanha deveria ser solicitado o livramento da França desse seu
compromisso; e Reynaud, capitulando diante do sentimento da maioria, obteve uma entrevista com
Churchill, que, acompanhado por Halifax e Beaverbrook, voou a Tours no dia 13. Os ministros britânicos
se recusaram a, nessa fase, libertar a França de seus compromissos, mas prometeram todo o auxílio
disponível para barrar o avanço alemão. (A Força Aérea Britânica, de fato, empenhou-se em pesadas ações
em conseqüência disso, e todas as tropas que se pôde reunir na Inglaterra, inclusive uma força de
canadenses, foram mandadas rapidamente à França). Concordaram, todavia, com que Reynaud fizesse um
novo apelo aos Estados Unidos, e com que, no caso de uma resposta não satisfatória, a situação fosse
112
novamente examinada.
A anterior mensagem de Reynaud, datada de 10 de junho, solicitando "assistência nova e cada vez maior",
tinha sido respondida com a promessa de que todos os esforços seriam feitos para apressar e aumentar a
remessa de suprimentos. Ao "novo e final apelo" de Reynaud a 13 de junho, o presidente somente pôde
responder que o governo faria todos os esforços possíveis nas condições presentes, e que se sentia
impelido a acrescentar a advertência de que isso não implicava em auxílio militar, já que somente o
Congresso tinha o poder de tomar tais resoluções.
No dia 16, à luz dessa resposta, a França apelou uma vez mais para a Grã-Bretanha. A resposta foi a
proposta sensacional de se fundir os dois impérios, para que a guerra pudesse prosseguir em comum. Um
único gabinete de guerra seria estabelecido, os dois parlamentos se associariam formalmente e a União
apelaria para os Estados Unidos no sentido de "fortalecer os recursos econômicos dos aliados e dar-lhes
sua poderosa assistência material, para a causa comum." Era uma garantia implícita de que a causa
francesa seria defendida até o último inglês. Mas o grupo pró-paz da França achou nessa proposta um
motivo mais de alarme que de entusiasmo. Achava que a França perderia a independência e cairia sob a
dominação inglesa. A arriscarem-se a isso, preferiam entregar-se ao suave arbítrio da Alemanha nazista.
A Inglaterra resignou-se, pois, à perspectiva da defecção francesa. Embora deixasse claro que ela mesma
estava determinada a continuar a luta, aquiesceu relutantemente com que a França negociasse um
armistício. Mas a mensagem do governo britânico a esse respeito continha uma condição de capital
importância. A frota francesa deveria ser enviada a portos britânicos e ali permanecer durante as
negociações.
Na tarde do dia I6, Churchill estava para partir a novo encontro com Reynaud quando lhe chegou a notícia
de que o ministério francês caíra. Em face da crescente pressão do partido pró-paz e das defecções a seu
favor, Reynaud se viu obrigado a renunciar. Aparentemente, ele jamais considerara a tentativa de angariar
apoio no Parlamento ou na nação contra os que advogavam a rendição. Pode ter tido a esperança de, por
sua renúncia, dissolver o ministério existente e ganhar assim nova oportunidade para formar outro mais
resoluto. Mas o presidente Lebrun estava agora ao lado do partido da paz. Ao invés de conceder a Reynaud
novo mandato, voltou-se para Pétain.
O ministério organizado pelo velho marechal compunha-se não somente dos principais membros do
partido pró-paz como também, predominantemente, de representantes da Direita. A figura principal era
Pierre Laval, que até então se destacava como principal adversário de Reynaud e o verdadeiro arquiteto do
bloco pró-paz. Todas as hesitações chegaram então ao fim. Pétain imediatamente iniciou negociações com
a Alemanha, através do governo de seu velho pupilo, o general Franco. A 17 de junho, anunciou ao povo
francês: "Dirigi-me ao nosso adversário para perguntar-lhe se estava disposto a firmar conosco, como entre
soldados depois da luta e com honra, meios de pôr fim às hostilidades."
Os pontos do armistício
Para Hitler, a fraseologia de Pétain deve ter soado como tolice antiquada. A questão da honra
provavelmente lhe importava menos que a questão prática dos fins eficazes. Ele deve ter tomado em
consideração os sentimentos franceses somente até o ponto de se abster de impor condições que
provocassem os franceses à luta e não à submissão. Mas pouco depois exigia o máximo - e numa base que
abriria caminho para conseqüências futuras indefinidas.
A 18 de junho, Hitler discutiu as condições em perspectiva com Mussolini em Munique. A presença do
Duce constituía uma recordação de que outras facções que não a França e a Alemanha estavam
interessadas. Não estava bem claro se a França teve a intenção de combater a Itália, ou se - como parecia
provável - o seu governo apenas encarara o fato de que a Itália era beligerante, em vista da natureza
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modesta de sua beligerância. Em qualquer caso, a França foi imediatamente convidada a remediar esse
pouco caso; e a 20 de junho, algo retardadamente, uma solicitação de armistício foi encaminhada a Roma.
No dia seguinte, enquanto as tropas francesas continuavam a combater os alemães em avanço, Hitler e seu
estado-maior receberam os negociadores franceses. O vagão ferroviário em que Foch se sentara foi
transportado até o ponto da floresta de Compiègne em que o armistício de 1918 foi assinado. Nesse local
simbólico, os representantes da França derrotada confrontaram os alemães vitoriosos. Depois de
submetidos a um discurso em torno das desgraças passadas e inocência atual da Alemanha, eles receberam
as exigências alemães com a garantia de que a Alemanha não teve a intenção de dar às condições "o
caráter de um insulto a tão valente adversário". Discussões posteriores resultaram em modificações de
certos pontos, e no dia 22 as condições foram aceitas. Mas mesmo isso não pôs fim às hostilidades, que
deveriam cessar somente quando também com a Itália se chegasse a um acordo satisfatório. No dia 24, a
França chegou a um acordo com Roma; e a esse tempo as tropas alemães formavam uma linha que corria,
através da França, do lago de Genebra à foz do Gironda. A 1h35 da madrugada de 25 de junho, exatamente
oito dias depois que seus líderes admitiram estar a sua causa sem esperanças, as tropas francesas
receberam, afinal, ordem de depor as armas.
O governo francês desde o começo das negociações alegara que somente uma paz honrosa seria aceitável.
"Se os franceses são obrigados a escolher entre a existência e a honra", disse Baudoin, "sua escolha está
feita". Essa afirmativa foi repetida enfaticamente durante os dias que se seguiram. Mas à medida que era
retardada a conclusão do armistício, e a imprensa e rádio alemães continuavam a acentuar que um país
derrotado tinha de se render incondicionalmente, a perturbação do governo crescia. Uma resistência
renovada foi ligeiramente considerada, mas na mente dos líderes franceses ela era um recurso desesperado
que somente no último caso deveria ser tentado. Na ocasião em que as condições do armistício lhes foram
comunicadas, eles estavam numa situação moral capaz de aceitar com, alívio quase todas as condições,
inclusive as que privariam do caráter de independência o governo francês.
Esta foi quase a única concessão dada pelos acordos do armistício. As vantagens dadas à Itália, na verdade,
eram tão pequenas que quase não passavam de um gesto aberto de desprezo da Alemanha para um
associado de menor importância. Por uma bela ironia, os ganhos territoriais italianos eram limitados à
ocupação das poucas milhas de solo francês que tinham sido conquistadas no lento avanço para os quatro
dias que precederam o armistício. Houve um gesto em relação à segurança de suas fronteiras, entretanto,
com a criação de zonas desmilitarizadas ao longo tanto das fronteiras alpinas como das coloniais africanas;
e lhe foram concedidos direitos plenos ao porto de Djibuti e da secção francesa da estrada de ferro de
Djibuti a Addis Abeba.
Quanto ao resto, as condições italianas seguiam substancialmente às do armistício alemão, que deixavam a
França desarmada e desmembrada. Dois terços da França seriam ocupados - à costa francesa - por tropas
alemães. Isto incluía não somente as áreas industriais da França, exceto Lyon, como também toda a costa
atlântica, até a fronteira espanhola. O exército francês deveria ser imediatamente desmobilizado, a exceção
de uma pequena força para finalidades de segurança interna e cujo efetivo seria indicado pelo vencedor.
Todas as fortificações e todo o material bélico deveriam ser entregues. A atividade aérea, mesmo na área
não ocupada, foi proibida, e nesta área os campos de aviação ficariam sob o controle germano-italiano.
Toda a navegação mercante francesa deveria ser chamada à metrópole e permaneceria em portos franceses
até ulterior deliberação. Os prisioneiros de guerra alemães deveriam ser soltos, mas os prisioneiros de
guerra franceses ficariam nos campos de concentração alemães até a conclusão da paz. A França deveria
entregar todos os cidadãos alemães designados pelo governo alemão - uma concessão particularmente
vergonhosa que lançaria milhares de refugiados às mãos vencedoras da Gestapo. A frota deveria ser
desarmada nos portos franceses sob controle ítalo-germânico, com a solene garantia de que essas potências
não tinham a intenção de utilizá-las para si próprias.
Mas essas condições eram apenas o começo. Os detalhes de sua aplicação foram entregues a uma
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comissão de armistício sediada em Wiesbaden, onde os alemães podiam exercer pressão constante sobre
os impotentes delegados franceses. A Alemanha e a Itália se reservaram o direito de cancelar as condições
caso achassem que o governo francês deixara de cumprir suas obrigações. E as condições de uma paz
permanente ficariam aguardando a consecução de completa vitória do Eixo, quando uma França
desorganizada e impotente seria obrigada a desempenhar seu papel especial na servil organização da Nova
Europa de Hitler.
Essas as condições a respeito das quais Pétain disse: "A honra foi salva. Nosso governo permanece livre. A
França somente por franceses será governada".
A ditadura Pétain
Os franceses que governavam de Vichy estavam, todavia, determinados a que a França fosse dirigida
numa base muito diferente da dos últimos setenta anos. O novo regime representava uma liquidação
temporária do elemento essencial e básico da política francesa: - cumprimento ou destruição dos princípios
da Revolução de 1879. As forças da Direita estavam agora resolvidas a utilizar a derrota externa para
assegurar sua vitória interna. A República, com a sua divisa de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, era
para esses homens um anátema. Resolveram substituir a liberdade pela disciplina, a igualdade pela
autoridade, a fraternidade por uma organização calcada na de seus vencedores totalitários. Com a nova
divisa de Trabalho, Família, Pátria, eles iniciaram a tarefa de extirpar as tradições que tinham moldado o
espírito da França no último século e meio.
Sua primeira medida foi pôr de lado a constituição vigente. A 9 de julho, o Parlamento francês, com a
ausência de cerca de um terço de seus membros, aprovara uma resolução concedendo plenos poderes ao
governo Pétain. No dia seguinte, isso foi ratificado por ambas as Casas do Parlamento que se reuniram
para formar uma Assembléia Nacional. A 11 de julho, o presidente Lebrun passou ao marechal Pétain seus
poderes de chefe de Estado. Nesse mesmo dia, a transformação foi completada pela publicação de três
decretos que aboliram os principais dispositivos da constituição existente e colocaram nas mãos de Pétain
pleno poder legislativo, bem como o controle da diplomacia, do exército, das finanças e das nomeações
civis e militares. Os decretos sugeriram a criação de novas assembléias legislativas, mas não lhes
prescreveram forma prática. Entrementes, as Câmaras existentes continuariam legalmente a existir, mas
como suas reuniões haviam sido proteladas indefinidamente e apenas poderiam reunir-se por determinação
de Pétain, sua parte nos negócios públicos parecia haver efetivamente terminado.
Uma série de decretos se seguiram a esses, decretos cujo efeito seria a transformação radical da vida
francesa. Eles indicavam a criação de um Estado cuja economia seria predominantemente agrícola e
evitaria competir com a Alemanha industrial; a supressão dos partidos políticos e dos sindicatos
trabalhistas; uma política de repressão, não apenas contra os judeus e estrangeiros, mas também visando
organizações tais como a Maçonaria; e crescente autoridade à Igreja, bem como novas leis de herança
destinadas a salvaguardar a base camponesa da agricultura. As próprias divisões locais - de departamentos
criados pela Revolução e que serviram de base à administração napoleônica - foram abolidas em favor das
províncias mais antigas. "O governo", disse Pétain, "apoiará com todas as suas forças todas as instituições
que visem evitar a corrupção da moral e a proteção à real felicidade... A França deve voltar a seu caráter
basicamente agrícola e camponês, e sua indústria deve tornar a descobrir sua tradicional qualidade. É
portanto preciso pôr-se um fim às desordens econômicas presentes pela organização racional da produção
e de organizações corporativas."
Mas essa imitação lisonjeadora, embora sincera, produziu pouca impressão na Alemanha. Pétain
alimentara a esperança de que a França em paz reteria força bastante para garantir a independência da
política. Laval, com seus sonhos de um Bloco Latino, acreditara em que uma orientação no sentido do
sistema fascista faria com que Mussolini protegesse a França contra Hitler e a usasse como uma aliada que
pudesse contrabalançar o poderio de uma Alemanha por demais poderosa. Ambos sofreram rude decepção.
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Nem o avanço para uma ditadura totalitária, nem a instalação de uma corte para julgar os líderes acusados
da responsabilidade pela guerra serviram para aquietar as censuras persistentes dos nazistas. O governo era
apressado por constante pressão em favor de novas medidas. Os recursos da França foram debilitados pelo
fechamento da fronteira da zona ocupada, o que não apenas cortou as comunicações e suprimentos como
deixou a área meridional ainda superlotada com a massa de refugiados. A solicitação do governo para que
lhe fosse permitida a volta para Paris, embora baseada especificamente nos termos do armistício, foi
rejeitada; pois que, embora a solicitação pudesse demonstrar que Pétain não tinha esperanças de fazer uma
política que pudesse ofender os conquistadores, os alemães não tinham desejo algum de ver uma possível
autoridade rival na zona ocupada. A organização daquela zona, e particularmente as medidas para chamar
a Alsácia para mais perto do Reich, demonstravam a decisão alemã de manter a França dividida e de
multiplicar as dificuldades que pudessem criar confusão contínua e evitar aquele renascimento que o
governo francês tão carinhosamente acalentava. Mais e mais o regime Pétain parecia composto de velhos
desesperados a lutar para firmar pé em meio as circunstâncias que jamais poderiam compreender ou
controlar. A vaga percepção disto pareceu surgir para Pétain quando se queixou a um grupo de jornalistas,
a 20 de agosto: "Estamos presos de modo absoluto aos termos do armistício. Os alemães seguram a corda e
torcem-na cada vez que acham que o acordo não está sendo cumprido." (Um dos repórteres atribuiu-lhe
uma frase ainda mais pitoresca: "A França está manietada por uma fronteira desde o Atlântico até os
Alpes. Toda a vez que fazemos alguma coisa que desagrada as autoridades ocupantes, estas apertam ainda
mais as correias.)
A Inglaterra e a frota francesa
A atitude da Inglaterra em relação aos termos do armistício formava algo misto de raiva e preocupação.
Havia uma simpatia sincera à França naquele transe desesperado. Mas também havia a convicção de que
na contínua resistência britânica estava a esperança, não apenas da sobrevivência da Inglaterra, mas da
restauração da independência e integridade francesa. Era natural que as condições de sua rendição
tivessem despertado emoções não só de "dor e surpresa", conforme Churchill se expressou, mas de
ressentimento contra um governo que desrespeitara seus compromissos e entregara ao inimigo os meios
para aplicar um golpe sério e talvez fatal a uma antiga aliada.
Havia, conseqüentemente, a esperança de que, apesar do governo Pétain, a resistência francesa continuasse
ao menos na esfera colonial. Isto era encorajado por informações procedentes de Marrocos, da Síria e da
Indochina, as quais indicavam que os comandantes militares locais estavam resolvidos a lutar, e pelo
estabelecimento em Londres de um comitê chefiado pelo General De Gaulle, que conclamava todos os
franceses livres para a continuação da luta ao lado da Grã-Bretanha. Mas um movimento dessa ordem foi
previsto pelos alemães, que introduziram nos termos do armistício uma cláusula que obrigava o governo
francês a proibir a resistência por parte de qualquer cidadão francês ou qualquer porção das forças
armadas. Foi exercida, portanto, sobre Vichy pressão para que refreasse as revoltas incipientes. O
governador da Indochina foi substituído. Weygand voou à Síria e persuadiu o comandante, general
Mittelhauser, a aceitar o armistício. Marrocos foi de algum modo persuadido a entrar na linha. O êxito,
porém, foi até certo ponto precário. No fim de agosto, em seguida à garantia britânica de pleno apoio
econômico e militar a qualquer área que se unisse à causa comum, a África Equatorial Francesa aceitou a
chefia de De Gaulle e houve informes de crescente obstinação na Nova Caledônia e na Indochina. Mas na
vital região mediterrânea onde as colônias francesas formavam parte tão essencial de todo o sistema
defensivo, estas não só deixaram de ser um ativo como passaram a constituir um passivo.
A própria questão do que aconteceria no Império Francês, todavia, importante como era, passou para lugar
secundário em face da questão do que aconteceria à frota francesa.
A aquiescência britânica às negociações francesas por uma paz em separado fôra acompanhada, ao ser
comunicada a Reynaud, de uma condição vital - a de que a frota francesa fosse mandada a portos
britânicos para neles permanecer durante as negociações. Quando o governo Pétain tomou o poder, foi
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logo lembrado dessa condição. O envio imediato da frota francesa não foi conseguido, apesar da pressão
direta de vários ministros britânicos que estabeleceram contato com os líderes franceses; mas, garantias
repetidas, inclusive uma promessa pessoal do almirante Darlan, foram dadas de que a frota não cairia em
mãos inimigas.
As condições do armistício dificilmente poderiam ser consideradas como podendo assegurar o
cumprimento dessas garantias. Era verdade que elas continham a promessa de que os navios não seriam
realmente utilizados pela Alemanha ou Itália. Mas o mundo chegou ao ponto de poder julgar bem do valor
de tais promessas; e era inconcebível que, tendo ao alcance das mãos uma arma contra n superioridade
naval britânica, o Eixo não se apoderasse dela e a usasse. Mesmo que, com delicadeza não habitual,
procurasse manter-se dentro de formalidades legais, o Eixo teria a possibilidade de repudiar a cláusula de
remissão contida no armistício, bem como outras cláusulas, sob o pretexto de que a França deixara de
cumprir o texto do acordo, e em tal caso a França nada poderia fazer senão submeter-se. O armistício era
uma simples garantia de papel, que nenhuma segurança oferecia.
Como nos casos das colônias francesas, houve a princípio alguma esperança de que a frota francesa se
recusasse à submissão. Mas uma vez mais, a autoridade do governo Pétain, possivelmente apoiada por
ameaças alemães de represálias pessoais, impediu quaisquer impulsos que os marujos franceses possam ter
tido para desafiar o armistício. Estava claro que, no que lhes dizia respeito, não só se recusariam a
continuar a lutar como se conformariam em ver seus navios postos à disposição da Alemanha.
Era de capital importância evitar-se tal resultado. Conforme as coisas estavam, mesmo que a frota francesa
ficasse imobilizada, a Grã-Bretanha manteria uma boa margem de superioridade no mar. Mas se a frota
francesa fosse entregue, essa margem desapareceria por completo. O Eixo teria então 19 couraçados contra
11 britânicos, 46 cruzadores contra os 60 da Grã-Bretanha e cerca de 250 destróieres contra os 182 da GrãBretanha. A superioridade em submarinos já obtida pelo Eixo alcançaria uma proporção de três para um.
A frota francesa, exceto algumas unidades em águas americanas, foi agrupada no começo de julho em três
divisões principais. Uma parte da frota, cuja entrada nos portos franceses estava bloqueada, encontrava-se
em portos britânicos, notadamente em Portsmouth e Plymouth. Esta incluía os navios de batalha Paris e
Courbet, dois cruzadores leves, alguns submarinos inclusive o Surcouf , o maior do mundo - e cerca de
200 embarcações menores. Em Alexandria, na companhia de uma esquadra britânica, estavam o navio de
batalha Lorraine e quatro cruzadores, bem como unidades menores. Em outros portos africanos,
principalmente na nova base de Mers-el-Kebir, perto de Orã estavam os dois novos e poderosos cruzadores
de batalha Strasbourg e Dunkerque, bem como os couraçados Bretagne e Provence, juntamente com vários
cruzadores leves e destróieres. Sobre os dois primeiros grupamentos a Grã-Bretanha poderia esperar
exercer algumas medidas de controle, mas era essencial que a disposição dos navios em águas algerianas
fosse assentada logo e em definitivo.
Nas primeiras horas da manhã de 3 de julho, os navios em águas britânicas foram abordados por fortes
destacamentos, que não encontraram resistência alguma, exceto no Surcouf, onde um mal-entendido
causou um encontro rápido e violento do qual resultaram duas mortes. Nessa mesma manhã, uma esquadra
britânica surgiu ao largo de Orã apresentando um ultimato ao comandante, almirante Gensoul. Esse
ultimato exigia que o comandante francês agisse de acordo com uma das seguintes alternativas:
"A - Acompanhar-nos e continuar a lutar pela vitória contra os alemães e italianos.
B - Acompanhar-nos com tripulações reduzidas sob o nosso controle a um porto britânico. As tripulações
reduzidas serão repatriadas o mais rapidamente possível.
C - Se qualquer dessas duas resoluções for por vós adotada, restituiremos vossos navios à França quando
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da conclusão da guerra ou pagaremos por eles plenas indenizações se, entrementes, ficarem avariados.
De modo alternativo, se por acaso desejais estipular que vossos navios não sejam utilizados contra os
alemães ou italianos a menos que eles rompam as condições do armistício, acompanhai-nos com
tripulações reduzidas às Índias Ocidentais - Martinica, por exemplo, onde eles possam ser desmilitarizados
de maneira satisfatória para nós, ou talvez confiados aos Estados Unidos para com eles ficarem até a fim
da guerra, com as tripulações em liberdade.
Caso vos recuseis a aceitar essas ofertas honrosas, terei, com profundo pesar, que solicitar-vos afundeis
vossos navios dentro de seis horas. Não se cumprindo o acima exposto, tenho ordens do governo de Sua
Majestade de utilizar qualquer força que se tornar necessária para evitar que vossos navios caiam em mãos
alemães ou italianas."
Ao almirante francês foram, assim, oferecidos pelo menos cinco possíveis meios de ação, dois dos quais
envolviam a garantia de que seus navios ficariam fora do alcance de qualquer beligerante, inclusive a GrãBretanha. Ele os rejeitou todos. Negociações no decorrer do dia não conseguiram modificar-lhe a decisão.
Anunciou a decisão de lutar, e durante as conversações os navios franceses prepararam-se para o combate.
Oito horas e meia depois que as propostas foram entregues, o comandante britânico, em conseqüência das
ordens do Almirantado no sentido de completar sua missão antes de escurecer, interrompeu relutantemente
as discussões e abriu fogo contra os navios franceses.
Os navios franceses responderam da melhor maneira que podiam. Mas apesar de terem podido preparar-se
durante o período da trégua, estavam numa posição desfavorável em relação aos navios britânicos,
particularmente em vista de terem aviões britânicos semeado minas à entrada do porto. Apesar disso, o
Strasbourg, juntamente com algumas unidades menores, conseguiu abrir caminho entre as forças britânicas
e rumar para Toulon. Foi perseguido por aviões e atingido com pelo menos um torpedo, mas apesar desse
dano atingiu seu objetivo. Os restantes vasos de guerra foram menos afortunados. Num encarniçado
encontro que durou dez minutos, o Bretagne foi afundado, o Provence foi incendiado e o Dunkerque foi
pesadamente danificado e feito encalhar. A maior parte da frota francesa ficou efetivamente incapacitada
ou destruída.
Durante os dias subseqüentes, foram tomadas outras medidas a fim de garantir ainda mais o êxito. Um
ataque de bombardeio foi desfechado contra o Dunkerque danificado, para se ficar bem seguro de que
estava fora de ação. O novo couraçado Richelieu, que estava quase pronto para o serviço e permanecia no
porto norte-africano de Dakar, foi posto fora de ação a 8 de julho. A divisão naval francesa estacionada em
Alexandria concordou com a rendição e desmobilização de seus navios. O Jean Bart, incompleto, estava
em Casablanca e não foi molestado, já que era certo que não seria de utilidade ao inimigo pelo menos
durante algum tempo. A 8 de julho, não mais havia couraçado francês intacto e ao largo.
A trágica ironia dessas atitudes, ocorridas um mês depois da cooperação naval francesa à evacuação de
Dunquerque, não precisou ser acentuada. Seu provável efeito sobre as relações com os antigos aliados
também estava claro. Já o governo Pétain tinha mostrado considerável irritação pela atitude britânica em
relação ao armistício e procurou mesmo pôr a culpa do colapso francês à falta de eficiência do auxílio
inglês. Com a batalha de Orã, essa crescente tensão atingiu o ponto de ruptura, e as relações formais entre
os dois países tornaram-se mais rígidas. Ações britânicas como a aplicação do bloqueio à França, a
requisição dos navios mercantes franceses e o bombardeio dos portos e bases aéreas franceses na zona
ocupada aumentaram ainda mais esse ressentimento. Da aliança, os dois países encaminhavam-se
rapidamente para o antagonismo aberto, senão mesmo para as hostilidades armadas.
A Batalha da Inglaterra
"O que aconteceu à França", disse Churchill a 17 de junho, "não alterou em nada a fé e os propósitos
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britânicos. Tornamo-nos os únicos campeões em armas da causa mundial. Faremos o que pudermos para
merecer tão grande honra".
A Grã-Bretanha era de fato o último obstáculo existente ao completo triunfo de Hitler. Não mais havia
aliados contra ele, a não ser de um modo técnico. Era verdade que existiam governos refugiados que
reivindicavam a sua posição de dirigentes legítimos dos países conquistados. Os soberanos da Noruega e
dos Países Baixos haviam encontrado refúgio no solo britânico. Um comitê nacional tcheco, sob a chefia
do dr. Benes, fôra constituído em Londres e recebido o reconhecimento inglês como um Governo
Provisório, a 21 de julho. Um governo polonês no exílio manteve sua existência depois da queda da
Polônia, e forças armadas polonesas continuavam a lutar ao lado dos aliados. Depois do armistício, o
governo e as tropas polonesas transferiram-se para território britânico, e a 5 de agosto um acordo militar
definiu as bases de sua cooperação com as forças inglesas. Acordo semelhante foi alcançado a 7 de agosto
com o comitê francês chefiado pelo general Charles de Gaulle, acompanhado da garantia da determinação
britânica de restaurar a independência francesa depois de obtida a vitória.
Mas por mais úteis que pudessem ser esses fragmentos salvos do desastre, permanecia o fato de que
nenhum desses governos exercia jurisdição efetiva sobre uma única polegada de solo europeu. Na esfera
colonial, o caso era bem diferente. A continuada autoridade do governo dos Países Baixos sobre as Índias
Orientais Holandesas significava um ativo de modo nenhum desprezível. A perspectiva de renovada
resistência nas colônias francesas foi bem-vinda e encorajada. Mas qualquer séria esperança da derrota da
Alemanha repousava, no momento, sobre a Grã-Bretanha, sobre a Grã-Bretanha apenas.
O problema imediato era a ereção de um baluarte contra a conquista nazista em progresso. Depois
deveriam ser achados os meios e recursos que capacitassem os ingleses a passarem para a ofensiva. Mas,
no momento, a derrocada da França afastava-lhe quaisquer perspectivas de tomar a iniciativa forçando a
Inglaterra a adotar uma política defensiva contra a possibilidade iminente de invasão.
Essa possibilidade, que se tomara bastante real com a conquista alemã dos Países Baixos, aproximara-se
com a rendição da França. Os termos do armistício, juntamente com os ganhos territoriais, colocaram a
Alemanha de posse de toda a linha costeira européia da Finlândia à Espanha. Desde os tempos de
Napoleão, que a Inglaterra não enfrentara tal emergência, e o Cannal não mais constituía aquela barreira
absoluta que demonstrara ser em 1805. O submarino, o aeroplano e o barco-torpedeiro representavam
armas ofensivas novas contra a potência naval protetora da Grã-Bretanha e novos métodos de cobertura ao
rápido transporte de uma força de desembarque. Tropas lançadas de pára-quedas ou levadas por aviõestransporte podiam esperar obter um ponto de apoio e estabelecer cabeças de ponte para uma invasão em
maior escala. Cinco mil km. de litoral davam ao inimigo um grande número de bases aéreas e navais, nas
quais poderia reunir as forças necessárias e de onde poderia lançar ataques diferentes que mascarassem a
real direção de seu objetivo principal. Um desembarque coroado de êxito em solo britânico não mais
estava completamente fora do domínio da possibilidade.
Era certo, contudo, que encontraria formidáveis obstáculos. Quaisquer que fossem as modificações
determinadas pelas novas armas, permanecia de pé o fato de que a armada britânica ainda se mantinha
soberana dos mares. A força aérea britânica tinha demonstrado de modo convincente seu poder defensivo
durante a evacuação de Dunquerque. As tropas britânicas salvas por esse feito brilhante sofreram apenas
perdas relativamente fracas durante o período subseqüente; e obtiveram não somente uma experiência
pessoal dos novos métodos de guerra como também a convicção de sua própria superioridade na luta,
quando do encontro com um inimigo em situação absolutamente desigual. Um invasor não enfrentaria nem
tropas destreinadas, nem um exército de moral combalida, mas - talvez pela primeira vez - um corpo de
tropas amadurecidas cujo espírito de luta aumentara em vez de ter diminuído com as experiências do
passado.
Em matéria de chefia e organização, da mesma forma, os defensores tiveram a oportunidade de lucrar, não
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somente por conhecerem os métodos alemães como em conseqüência da lição dada pelos erros franceses.
A guerra total exigia a organização e direção de todas as forças nacionais. Mas na França a falta de preparo
das autoridades civis e da população contribuíra para a confusão da situação militar. Os movimentos
militares eram prejudicados pelos refugiados que atravancavam as estradas. A desorganização civil
permitiu aos agentes inimigos aumentarem ainda mais a confusão, espalhando falsos rumores e emitindo
falsas ordens. O fato de não haverem sido determinadas tarefas específicas para os civis num caso de
emergência militar desempenhou seu papel na debacle final.
Para evitar, na Inglaterra, a repetição dessas dificuldades, foram tomadas certas medidas para instruir e
organizar a população civil. O princípio da responsabilidade local, adotado como base do serviço de
alarme anti-aéreo, foi estendido de modo mais generalizado. Foram criadas zonas de defesa nas quais a
responsabilidade plena seria depositada em mãos de determinadas pessoas, caso tais zonas fossem
isoladas. Foram dadas instruções sobre os métodos de combater tropas pára-quedistas e de se bloquear as
estradas contra tanques e os campos de pouso, impedindo a descida de aeroplanos. Uma força de
voluntários para a Defesa Local, composta de homens julgados inaptos para o serviço ativo do exército ou
que ainda não haviam sido chamados às armas, foi convocada e armada com o propósito específico de
impedir as tentativas de criar confusão atrás das linhas, confusão que tanto êxito tivera nos Países Baixos.
Foram construídas vias alternadas de transporte e comunicação, esperando-se ao mesmo tempo que o
princípio de descentralização permitisse a cada localidade manter-se mesmo com suas comunicações
cortadas.
Simultaneamente, as defesas militares eram transformadas. As costas britânicas ficaram eriçadas de
embasamentos de artilharia, destinados a produzir fulminante fogo cruzado contra possíveis pontos de
desembarque. As praias ficaram protegidas com arame farpado e outros obstáculos. Uma rede de defesas,
cuidadosamente camuflada, estendeu-se para o interior, e por trás dela erguiam-se dois milhões de homens
em armas. As zonas mais importantes foram completamente evacuadas pelos civis, e áreas defensivas
especiais foram criadas, áreas que possivelmente abrangiam uma faixa de 30 km. ao longo da maior parte
da costa e também de muitas regiões interiores. A 19 de agosto, uma ordem de precaução declarou área
defensiva o total das Ilhas Britânicas - passo que permitiu ao ministro da Segurança Interna vestir de
poderes quase ditatoriais treze comissários regionais. O Parlamento já arrancara ao governo o direito de
apelar contra sentenças sumárias ditadas por tribunais especiais que fossem eventualmente organizados;
mas fora essa precaução, o destino de cada cidadão ficaria, durante uma emergência, à mercê do ditador
local.
Juntamente com tais medidas verificou-se crescente intensidade no esforço de suprir a falta de
equipamentos de que as forças armadas ainda se ressentiam seriamente. Havia ainda relutância quanto à
adoção de métodos totalitários de organização econômica; mas apesar da crítica, novo vigor tornou-se
evidente na produção de guerra. E enquanto se preparava para maiores esforços, a Grã-Bretanha se via
apoiada por maiores esforços de parte dos Domínios. O Canadá, que planejou um corpo de duas divisões
completas iniciou intensivo treinamento aéreo, também apressou o ritmo de sua produção de
abastecimentos e eliminou alguns obstáculos pela adoção de uma coordenação mais estreita com a
indústria bélica americana. Tropas da Austrália, Nova Zelândia e África do Sul chegaram à Inglaterra, e a
força aérea sul-africana participou da defesa do Quênia. E por trás do Império erguiam-se os recursos da
indústria americana, já impelidas para a maior produtividade por meio de um fluir mais pródigo de pedidos
de guerra da Grã-Bretanha e pela política de cooperação da administração Roosevelt. Enquanto pudesse
manter os mares abertos, a Grã-Bretanha parecia ter assegurado recursos cada vez mais crescentes em
homens e material.
Havia, entretanto, uma importante exceção nessa unidade de esforços. Único entre os membros da
Commonwealth, a Irlanda declarara a sua neutralidade ao iniciar a guerra. Essa neutralidade, apesar dos
sucessivos exemplos infelizes dados pelo destino de neutros fracos, ela estava disposta a preservar; e a
possibilidade de que a Irlanda pudesse tornar-se um trampolim para a invasão alemã tornou-se objeto de
grande importância nos planos defensivos da Inglaterra. Foram iniciadas negociações entre Londres,
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Dublin e Belfast, na esperança de encontrar uma fórmula que pudesse conciliar a segurança britânica com
as necessidades políticas irlandesas. Mas a insistência da Irlanda para que fosse abolida sua participação
constituía um poderoso obstáculo, e o mais que se pôde conseguir foi o direito da Grã-Bretanha de mandar
socorros no caso de uma invasão ter lugar efetivamente. Medidas de precaução, como o estacionamento de
tropas na fronteira do Ulster e o minar do mar da Irlanda e da passagem entre as Orcades e a Islândia, foi o
máximo que se pôde obter. A Irlanda, por menos vontade que tivesse de partilhar da sorte da Holanda,
ainda se mostrava determinada a lutar contra o primeiro que a atacasse.
"Oferta" de Paz e o orçamento
Houve rumores de que os alemães estavam utilizando a Irlanda como intermediário em sondagens na GrãBretanha sobre a questão da paz - rumores esses que foram desmentidos, pelo lado alemão, por informes
de que Sir Samuel Hoare agia como representante do partido pró-paz da Grã-Bretanha, fazendo propostas
ao Eixo. Estes informes podem ter mascarado os próprios esforços alemães tendentes a sondar as
possibilidades de conversações de paz. De qualquer maneira, a idéia de que a Alemanha não se esquivaria
às negociações foi até certo ponto confirmada pelo próprio Hitler, num discurso que pronunciou no
Reichstag a 19 de julho.
Mas, embora o discurso falasse em paz, dificilmente sugeria uma base prática para a sua conclusão. A
rápida e quase desdenhosa passagem em que Hitler expressava a convicção de que "Não vejo razão alguma
para que esta guerra continue", era menos uma oferta de negociações do que uma exigência de rendição. O
Führer alternou suas costumeiras diatribes contra os adversários, e particularmente contra os líderes
britânicos, com orgulhosa fanfarronada sobre a força e invencibilidade da Alemanha. Seu "último apelo à
razão" não fez esforço algum para mostrar à Grã-Bretanha o que ela lucraria com a paz; simplesmente a
ameaçou com o aniquilamento completo caso prosseguisse na guerra.
A resposta oficial foi contida na irradiação de Lord Halifax, a 22 de julho, a qual expunha a
impossibilidade de qualquer paz duradoura com Hitler. A resposta não-oficiai foi o desfechar de uma série
de amplos reides aéreos contra objetivos alemães. Mas a verdadeira resposta da Grã-Bretanha ficou
implícita no orçamento que Sir Kingsley Wood apresentou à Câmara dos Comuns no dia 23 de julho.
Esse era o terceiro orçamento apresentado à nação desde o começo da guerra. Cada um dos orçamentos
anteriores exigira da parte dos contribuintes esforços cada vez maiores e sem precedentes. O terceiro
orçamento levava esses sacrifícios para mais longe ainda. Consignava uma despesa de 3.467 milhões de
libras esterlinas - cerca de setenta por cento da receita normal do país. Afim de obter-se três quintas partes
dessa soma com impostos, o imposto de renda básico foi elevado para oito xelins e seis pence sobre a libra
esterlina; os impostos adicionais e as obrigações sobre a propriedade imobiliária foram aumentados;
aumentaram os impostos que incidiam sobre artigos dispensáveis, como o fumo, o vinho, a cerveja e
diversões; e um novo imposto sobre compras, destinado a recair sobre artigos de luxo com especial peso,
foi acrescentado aos demais. Essas disposições não deixavam dúvida de que os ingleses achavam-se
submetidos a um nível de vida mais espartano do que qualquer outro por que haviam anteriormente
passado. Mas as críticas foram dirigidas não contra a severidade, mas sim contra a moderação nos
encargos, e particularmente contra o fato de ter sido deixado um déficit de 2.200 milhões de libras
esterlinas, para ser coberto por empréstimos. A reação pública testemunhou o desejo do povo inglês não
somente de continuar a guerra, mas de fazer todo o possível para pagar-lhe os encargos.
O poderio aéreo e o bloqueio
Se em face dessa firme atitude britânica os nazistas se decidissem a desfechar um golpe aniquilador contra
o único inimigo que lhes restava, verse-iam diante de uma tarefa preliminar e básica. Essa era a obtenção
do domínio indiscutível do ar. Era necessário não somente proteger o eficaz desembarque de tropas, como
fazer o possível para conseguir desembarcá-las. O domínio britânico do mar não poderia ser, seriamente,
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disputado por nenhum instrumento naval à disposição do Eixo. Somente pela superioridade no ar poderia
ele esperar desafiar o poderio naval britânico, mesmo temporariamente, e assim tornar possível a passagem
de uma força invasora desafiando a frota britânica.
A fase preliminar começou a 18 de junho, com o início dos ataques aéreos diários contra a Inglaterra.
Durante algum tempo não foram efetuados em grande escala. Em muitos casos pareciam destinados
apenas a experimentar as defesas britânicas, descobrir objetivos vulneráveis como campos de aviação e
instalações industriais e para proporcionar aos pilotos certa familiaridade com uma região até então por
eles desconhecida. Eram, em geral, ataques noturnos. O comando alemão estava organizando suas bases na
costa francesa - inclusive as ilhas do Canal. que tinham sido evacuadas pelos ingleses, como
insustentáveis, no fim de junho - e enquanto esse processo não se completasse dificilmente estariam
prontos para reides maiores.
No começo de julho, foi adotada tática, que se caracterizou por ataques diurnos de crescente violência. O
estabelecimento de novas bases permitia operações diurnas, trazendo os pilotos para perto de seus
objetivos e permitindo assim aos caças acompanhar os bombardeiros. Ao mesmo tempo, observou-se uma
mudança tanto nos objetivos como nos métodos. Embora fossem lançadas bombas sobre aeroportos e
fábricas, estes não mais representavam os objetivos principais. A maior violência era agora dirigida contra
os portos e a navegação britânica.
Isso sugeria que, no momento, o objetivo nazista era menos a destruição do poderio aéreo britânico que o
reforço do bloqueio. Os esforços dos beligerantes para estrangularem um ao outro economicamente, que
tinham sido sobrepujados por mais dramáticas realizações de caráter militar, haviam continuado sem
esmorecimento; e agora que o choque das armas ficara mais uma vez limitado, a luta econômica emergia
novamente como fator predominante no conflito.
O alastramento das conquistas alemães tinha seriamente aumentado a manutenção do bloqueio britânico.
Proporcionava um ativo maior à Alemanha, e a queda da França enfraqueceu seriamente as forças do
bloqueio. A marinha britânica que antes contava com o auxílio da marinha francesa, passara a cumprir
sozinha todas as tarefas do bloqueio, que se tornavam ainda mais pesadas pelo fato da Itália ser então um
país beligerante, e não um neutro desfavorável aos aliados. A perda, contudo, não era irreparável. A frota
britânica, aumentada com unidades navais de outros países conquistados, cresceu mais com a fusão dos
navios de guerra franceses que tinham entrado nos portos britânicos antes do armistício, nalguns dos quais
foram postas tripulações francesas dispostas a continuar em serviço. O enfraquecimento do poder naval
germânico, como resultado da invasão da Noruega, facilitou parte da tarefa da frota britânica e deixou-a
menos exposta a perigos nas águas da metrópole. Nenhum navio de grande tonelagem foi afundado ou
sequer seriamente danificado entre 15 de junho e 1o de setembro. Os navios mais leves, entretanto, sobre
os quais caía a maior parte do serviço de comboio, não se safaram tão bem. A Grã-Bretanha, era verdade,
admitia a perda de apenas trinta destróieres desde o começo da guerra, e essa perda era maior do que a
substituível por novas construções. Mas parte de sua força de destróieres era necessária no Mediterrâneo, e
havia silêncio em torno do número de navios avariados e recolhidos para reparo. Registrava-se um
processo de usura que, sem ameaçar tornar-se fatal, fez com que fosse muito bem recebida a aquisição de
cinqüenta destróieres já antiquados dos Estados Unidos, no mês de setembro.
Apesar dessas desvantagens, havia indícios de que o bloqueio nada perdia de sua eficácia. O próprio fato
de que havia menos suscetibilidades neutras a considerar constituía algo como uma vantagem. O bloqueio
foi aplicado à França ocupada depois do armistício. A zona não-ocupada, como também a Espanha,
estavam sujeitas ao racionamento, a juízo da Grã-Bretanha. O alargamento do sistema de navicert no fim
de julho impôs um controle ainda mais estrito. Os protestos dos alemães, e particularmente seus apelos
para os sentimentos humanitários, foram barulhentos e prolongados. Eles apontavam para a perspectiva de
más colheitas em certas partes da Europa, e insistiam em que o bloqueio significaria a fome generalizada.
Mas os peritos calcularam que, embora houvesse certa restrição alimentar, a fome somente poderia resultar
122
da má distribuição conseqüente do açambarcamento pelos alemães de todos os fornecimentos de víveres
dos países conquistados; e as autoridades britânicas interpuseram a esse clamor de fome iminente
argumentos tais como este do dr. Funk: "A situação presente da Inglaterra é catastrófica, notadamente no
tocante aos seus suprimentos de víveres, enquanto os suprimentos alemães de víveres estão absolutamente
assegurados". Churchill, a 20 de agosto, reafirmou a determinação britânica de não afrouxar o bloqueio da
Alemanha ou dos países sob o seu poder. O que prometeu, entretanto, foi auxílio imediato a todo o
território que genuinamente reobtivesse a sua liberdade. "Façamos que Hitler carregue plenamente a sua
responsabilidade", disse o primeiro ministro, "e demos aos povos da Europa que gemem sob o seu jugo
todo o auxílio possível, até chegar o dia em que esse jugo seja quebrado." Não se podia dizer que tal
proposta fosse capaz de abrandar os líderes alemães.
Esse estrangulamento por mar era poderosamente completado pelas atividades da força aérea britânica. Os
bombardeiros britânicos não esperavam pelos reides contra a Inglaterra para começar a lançar bombas
sobre a Alemanha. Desde o dia da invasão dos Países Baixos, eles desfechavam ataques às comunicações e
pontos de concentração alemães; e seus objetivos ampliaram-se gradualmente, até alcançar a própria
cidade de Berlim. Não poupavam os países ocupados, e os portos e centros aviatórios da França ocupada,
bem como nos Países Baixos e na Escandinávia, sofreram ataques devastadores. Muitos desses eram
objetivos que ficavam dentro do raio de ação das escoltas de caça e os quais podiam ser atacados à luz do
dia. O território alemão era mais distante e sofria ataques principalmente à noite - método que poderia
tornar os bombardeiros menos precisos, mas o qual envolvia perdas menores que os ataques diurnos. Os
atacantes britânicos estavam numa relativa desvantagem, pois que enquanto um reide contra a Inglaterra
podia alcançar seu objetivo quase sem advertência, um reide contra os objetivos alemães obrigava um vôo
mais longo sobre território em poder do inimigo. Havia ali substanciais defesas terrestres, e os aviadores
britânicos pagavam um tributo à concentração do fogo alemão e à precisão de seus tiros. Mas os pilotos
britânicos tinham sido submetidos, em regra, a um treinamento mais intensivo que seus adversários
alemães e recebiam os benefícios das experiências proporcionadas pelos reides em que lançavam boletins
sobre a Alemanha do começo da guerra. Realizavam seus reides com uma audácia e tenacidade que, na
opinião dos observadores imparciais, tornavam seu trabalho muito mais eficaz que o dos aviadores
alemães.
Seus objetivos eram principalmente de natureza econômica. Cooperavam para a defesa da Grã-Bretanha
atacando bases aéreas nazistas. Bombardeavam portos que poderiam ser bases de submarinos ou portos de
concentração de tropas para invasão. Mas o seu objetivo principal era danificar o potencial bélico nazista
com ataques às fontes de produção e rotas de abastecimento. Depósitos de petróleo, fábricas de aviões e de
outros materiais bélicos, usinas de gasolina sintética e refinarias eram os objetivos mencionados noite após
noite. Portos e entroncamentos ferroviários recebiam atenções quase iguais. Os sistemas de canais da
Alemanha ocidental e dos Países Baixos foram deixados perigosos, senão mesmo inúteis, e a destruição do
grande viaduto sobre o canal de Dortmund-Ems inutilizou uma via de transporte especialmente
movimentada. A concentrada zona industrial do Ruhr, os portos mais movimentados e os centros
manufatureiros do noroeste da Alemanha ficaram habituados a reides de intensidade crescente. Os cálculos
em torno dos aviões ingleses empregados nos bombardeios cresceram, nos fins de agosto, a uma soma de
oitocentos por noite. Mesmo isso não poderia inutilizar por completo o sistema de produção da Alemanha,
mas se esperava contribuísse para o longo processo de usura, do qual o bloqueio era a espinha dorsal.
Os alemães, por sua vez, investiam contra os portos e a navegação. O porto de Southampton e a base naval
de Portsmouth foram os objetivos de reides particularmente furiosos, mas os ataques sucessivos atingiram
objetivos desde a Escócia oriental até o canal de Bristol. O estreito de Dover foi submetido a reides de
crescente intensidade quando os nazistas procuraram impedir seu uso pela navegação britânica. Quando a
eficácia dos ataques aéreos aos próprios navios ficou limitada pela ação de comboios armados e pelo uso
dos balões de barragem erguidos atrás dos navios, os alemães acrescentaram-lhes o uso de botestorpedeiros a motor depois o de canhoneios de longo alcance. Embasamentos de canhões, provavelmente
completados por montagens ferroviárias, tinham sido construídos em linhas múltiplas desde Boulogne até
Dunquerque, de maneira que uma barragem poderia ser empregada para o domínio do Canal ao longo de
123
um trecho de entre 80 e 110 km. A 22 de agosto, alguns dos canhões de longo alcance abriram fogo sobre
um comboio que passava, se bem que sem conseguir afundar nenhum dos navios, e seguiram esse ato com
o bombardeio de Dover. Os canhões britânicos responderam e os bombardeiros britânicos localizaram os
embasamentos, e assim essa forma de ataque foi abandonada no momento, com nenhuma indicação clara
do propósito a que tinham servido com essa utilização em escala tão limitada.
O efeito dessas diversas atividades contra a navegação britânica pareceu pouco proporcional à sua
intensidade. Houve uma acentuada alta de perdas em navios pelos fins de junho e a primeira parte de julho,
chegando-se à cifra de 114.137 toneladas perdidas na semana que findou a 7 de julho. Mas desta data em
diante verificou-se um declínio firme, se bem que moderado até à cifra de 52.899 toneladas, registrada na
semana que findou a 18 de agosto. Em todo o primeiro ano da guerra, o total das perdas britânicas foi dado
como sendo inferior a dois milhões de toneladas, e como sendo ligeiramente menores as perdas aliadas e
neutras. (Esses números correspondem a uma estimativa preliminar do Ministério da Navegação. As cifras
publicadas a 10 de setembro pelo Almirantado - perdas britânicas 1.539.196 tons, aliados 462.924, neutras
769.213 - representaram um mínimo mais otimista). Mas as perdas britânicas tinham sido equilibradas por
construções novas ou por navios tomados, e não mais que dois ou três por cento dos navios que entraram e
saíram dos portos britânicos foram destruídos por ataque inimigo. Os comboios continuavam a utilizar-se
do Canal, e os portos britânicos, inclusive o de Londres continuavam em função. Se o objetivo nazista era
cortar a Inglaterra do mundo exterior, faltava muito para o atingir.
Pelos fins de julho, os reides aumentaram de intensidade, tanto em relação ao número dos aviões
empregados como à extensão do tempo de duração dos ataques. Mas as cifras continuavam ainda
relativamente pequenas, e mesmo as perdas sofridas pelos atacantes (que a Grã-Bretanha calculou em 307
em julho) dificilmente poderiam ser chamadas de severas. Um oficial alemão afirmou no fim do mês que
bem a metade dos aviadores nazistas não tinha ainda entrado em ação. Se assim era, a situação foi
consideravelmente modificada durante as semanas seguintes.
A 8 de agosto começou uma série de reides diurnos em massa que durou, com algumas interrupções, até as
duas semanas seguintes. O número dos atacantes, começando em centenas, subiu a mais de um milhar. Os
ataques eram em muitos casos ainda dirigidos contra portos e navegação. Mas boa parte da energia
crescente foi dirigida contra as defesas aéreas britânicas, numa tentativa de inutilizar os aeroportos e
destruir os aviões defensores.
A força aérea britânica respondia golpe com golpe. Não somente foram intensificados e estendidos os
reides contra a Alemanha, como também eles atingiram, dentro de um raio de 6.500 km., a própria Itália
setentrional. Os caças defensores faziam com que os alemães pagassem os ataques com perdas de mais de
15% em aviões. Apesar da severidade dos assaltos, era claro que a Royal Air Force não tinha ficado de
modo algum imobilizada.
A situação exigia uma vez mais mudança de tática. Os alemães pareciam contar com a sua superioridade
numérica (que, entretanto, estavam longe de utilizar plenamente) para abater a força aérea britânica. Mas a
natural vantagem da defensiva, combinada com a qualidade superior da aviação britânica, demonstrara que
isso não poderia ser conseguido com reides diurnos em massa. O resultado foi o seu abandono em favor de
reides noturnos contra alvos largamente dispersos. Era essa uma forma de vôo de que os alemães tinham
menos experiência que de vôos diurnos, e a precisão tanto de seus bombardeios como da própria
navegação aérea ficaria inevitavelmente reduzida. (O lançamento de bombas sobre a Irlanda a 26 de agosto
sugeriu a existência de pilotos inexperientes que se tinham afastado de sua rota). Mas os bombardeiros,
mesmo sem a escolta de caças, sofreriam menores perdas, pois que nenhum dos lados criara resposta
satisfatória a ataques noturnos; e a natureza dispersa dos reides, que visaram vinte diferentes lugares a 28
de agosto, permitiria aos alemães empregar todo o seu poderio contra os defensores e mantê-los
subjugados pela constante pressão numérica.
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Os objetivos eram também muito variados. Os aeródromos e fábricas de aviões ocupavam um lugar
proeminente, mas outros estabelecimentos industriais, como também portos e centros ferroviários, serviam
também de alvo. Era dada atenção especial não somente ao porto de Londres, mas também às defesas antiaéreas e à rede de comunicações que as envolviam. Pela primeira vez, a metrópole, que se esperava se
tornasse um objetivo logo ao iniciar a guerra, experimentou uma série persistente de ataques, que, uma vez
iniciados, não mostrou sinal algum de abatimento.
A eficácia desses métodos, depois de empregados durante quinze dias ininterruptos, ainda era difícil de ser
avaliada. Os danos admitidos eram provavelmente bastante extensivos em certas localidades. Mas não
parecia que os recursos básicos do esforço de guerra inglês estivessem seriamente desequilibrados, ou que
os danos causados às suas defesas anti-aéreas fossem mais que temporários. Nem também havia sinal
algum de sério enfraquecimento do moral britânico. Se é que a força aérea alemã estava efetivamente
preparando o caminho para a invasão, parecia que ainda tinha diante de si a maior parte da tarefa.
Havia razão, entretanto, para as repetidas advertências dos líderes britânicos contra o excessivo otimismo.
A Alemanha estava longe ainda do auge de seu esforço aéreo. O Reich, com quatro ou cinco mil aviões de
primeira linha e um número várias vezes maior de aparelhos em reserva, tinha até então utilizado apenas
uma fração de sua força em qualquer reide isolado. O cálculo de 1.335 aviões alemães perdidos sobre a
Inglaterra - a maioria dos quais durante o mês de agosto - pode ter sido quatro ou cinco vezes maior que o
das perdas inglesas, mas era ainda menor que a produção alemã durante um só mês. E embora a GrãBretanha procurasse obter uma produção igual senão superior à da Alemanha, decorreria algum tempo
antes que conseguisse algo aproximado a igualdade numérica. No momento, entretanto, ela estava sendo
encorajada pelo conhecimento de que a qualidade superior de suas máquinas e de seus pilotos se tinha
mostrado adequado para a ocasião, e que - coisa ainda mais importante que a perda de máquinas - a perda
de pilotos pelos invasores estava minando os recursos alemães em tripulações treinadas. Para o futuro, ela
devia olhar antes de mais nada para as marés do equinócio que se aproximavam, como sendo um possível
período de perigos. Mas se Hitler não conseguisse aproveitar esse período para lançar a invasão, encontrarse-ia diante da estação incerta dos ventos e cerrações outonais - esses dias de tempo instável que variavam
entre os de sol límpido e de neblina e granizo que os meteorologistas ingleses, com invencível otimismo,
costumavam descrever como sendo "em geral bons."
O Mediterrâneo e os Bálcãs
A entrada da Itália na guerra tornou a inferioridade numérica dos aliados ainda mais acentuada. Suas
setenta divisões davam-lhe um poder calculado em milhão e meio de homens, dos quais talvez um milhão
eram de primeira linha. Sua força aérea compreendia entre dois e três mil aviões de primeira linha e igual
número em reserva. A qualidade dessas forças podia levantar certas dúvidas, em vista de sua recente
atuação. Os aviões italianos, embora de modo geral bons, não pareciam estar ao nível dos últimos tipos
alemães e britânicos. O exército deixava algo a desejar em matéria tanto de instrução como de material.
Mas as sete divisões de tropas alpinas eram geralmente consideradas excelentes; havia três divisões
motorizadas de tanques, que tinham sido recentemente organizadas com assistência alemã, se bem que
ainda continuassem longe das do nível alemão; e algumas divisões "altamente móveis", combinando
cavalaria com tropas motorizadas, constituíam uma característica peculiar e valiosa do exército italiano.
Ao mesmo tempo, restavam algumas dúvidas sobre as qualidades combativas do exército, e essas dúvidas
se estenderam ao poder do potencial bélico da Itália. A Itália era um país que se ressentia seriamente de
recursos necessários para uma luta prolongada. Praticamente, todos os seus materiais bélicos essenciais
provinham do exterior, e o grosso desses materiais ficaria agora à mercê do bloqueio. Algodão, borracha,
quase todos os minérios essenciais, vinham de ultramar. O abastecimento interno de alimentação não era
muito adequado, e o racionamento começara mesmo antes da entrada da Itália na guerra. As finanças
tinham sido minadas pelas aventuras na Etiópia e na Espanha, e o orçamento anual, conforme delineado
em maio, previa um déficit de mais de um bilhão de dólares. A dependência italiana do carvão estrangeiro
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tinha sido vivamente ilustrada pela sua disputa com a Grã-Bretanha em março, e sua falta de
abastecimento interno de petróleo era mais sério ainda. Algumas dessas deficiências, tais como as de
carvão, poderiam possivelmente ser supridas pela Alemanha. A lição das sanções da Liga durante a crise
etiópica tinha conduzido a Itália à tentativa da criação de uma reserva interna de petróleo e ao
desenvolvimento da extração dos depósitos de petróleo albaneses. A frouxidão do bloqueio aliado, ditada
pela esperança de que ela se mantivesse afastada do Eixo, permitiu à Itália reunir reservas de outros
artigos. Mas mesmo com essa margem, parecia provável que a Itália considerasse que seus recursos
somente eram adequados a uma guerra curta e coroada de êxito.
Havia, entretanto, alguns sinais, ao começo, de que a Itália mesma estava disposta a desfechar uma
blitzkrieg ao modelo alemão. Seus líderes se jactavam da contribuição já feita pela Itália ao sucesso
alemão pela manutenção de meio milhão de soldados aliados imobilizados durante a sua precária nãobeligerância. Quase se pensou que seu papel de beligerante seria pouco diferente. É que apesar de todas as
suas ruidosas exigências pela posse de Nice e da Savóia, ela não tinha pressa em se apoderar delas. Foi
somente a 21 de junho, depois que já a França tinha solicitado um armistício e o fim da sua resistência
estava assegurado, que a Itália decidiu um avanço cauteloso através dos Alpes. Mesmo então, esse seu
avanço, em quatro dias de luta, deixou de atingir Nice, e a ocupação dos territórios cobiçados lhe foi
denegada pelos termos do armistício. Poderia ainda esperar obtê-las quando da paz final; mas,
entrementes. suas atividades européias pouco melhoraram sua reputação guerreira.
Mas a Itália também tinha ambições coloniais, e a perspectiva de satisfazê-las poderia muito bem parecer
mais brilhante depois do colapso da França. Enquanto os aliados estavam reunidos, as possessões italianas
na África setentrional encontravam-se em posição precária. A Líbia ficava entre as forças francesas de
Tunis e as britânicas do Egito. A Eritréia e a Etiópia foram cortadas da sede do Império pelo domínio
britânico do canal de Suez cercadas por três lados de territórios hostis. E se a Turquia se unisse aos
aliados, a Itália não poderia garantir o seu domínio do Dodecaneso.
A defecção da França transformou toda a situação. As defesas aliadas nessa região estavam ligadas aos
dois pontos de Tunis e da Síria. Quando os comandantes franceses naquelas zonas decidiram limitar-se aos
termos do armistício, a posição estratégica ficou vitalmente mudada. As forças francesas na Síria (que
Baudoin disse consistirem em 60.000 homens, mas que por fim chegaram ao dobro dessa cifra)
representavam bem a metade do exército aliado no Oriente Próximo. Sua retirada deixou séria brecha entre
a Turquia e as forças britânicas da Palestina, brecha essa que enfraqueceu o apoio com que os turcos
contavam e contribuiu para a sua decisão de permanecerem neutros. O afastamento de qualquer perigo
proveniente de Tunis, com a sua base naval de Bizerta e fronteira fortificada apoiadas com pelo menos
50.000 soldados franceses, permitiu à Itália desistir do que de outro modo seria uma grande ameaça à
Líbia. Por fim, a rendição da Somália Francesa alterou profundamente a situação na África oriental. As
colônias italianas, que até então ficavam entre dois fogos, estavam agora numa posição exatamente
inversa. Era o Egito e Sudão que, agora, sentiam o tenaz das forças italianas plantadas a cada lado e
somando meio milhão de homens.
Até então, as operações iam a pouco mais que escaramuças. As forças aéreas de ambos os lados
imediatamente se tornaram ativas, atacando as bases do adversário. Os italianos da Eritréia efetuavam
reides não somente contra as colônias britânicas adjacentes, mas também contra a importante base naval e
aérea de Aden. Os aviadores britânicos atacavam as bases e depósitos de abastecimento da Eritréia e da
Etiópia. Alexandria foi submetida a freqüentes ataques. Postos fronteiriços como os de Sollum e Mersa
Matruh receberam freqüentes atenções, e os atacantes italianos fizeram tentativas contra Haifa e Port Said.
Os ingleses, em represália responderam com o martelar das bases costeiras líbias, particularmente Tobruk.
que servia de principal ponto de concentração para qualquer invasão projetada. Ambas as forças terrestres
efetuavam ataques fronteiriços, e a patrulha britânica de tanques leves mostrou-se especialmente eficaz na
realização de operações de inquietação através do deserto ao longo da fronteira.
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Quando a tática ofensiva dos italianos se tornou mais arrojada e mais definida, ficou mais clara a natureza
de seu objetivo. No momento, os preparativos requeriam fossem cruzados os 500 km. de deserto que
orlavam a Líbia, e a estação de águas em trechos do Sudão retardava o avanço projetado sobre o vale do
Nilo. Havia toda a razão para se esperar, entretanto, que afinal um ataque coordenado fosse lançado da
Líbia e da Etiópia. Entrementes, os italianos se ocupavam com o arrasar de postos britânicos que os
pudessem embaraçar à retaguarda e em capturar posições fronteiriças que utilizariam como trampolins
para um conseqüente ataque.
Com estas últimas atividades, obtiveram pouco êxito na fronteira líbia. Recuperaram Forte Capuzzo, que
os britânicos tinham capturado nos primeiros dias da campanha, mas a sua guarnição viu-se numa situação
claramente desfavorável, particularmente depois que os ingleses conseguiram cortar-lhes os
abastecimentos de água. No Sudão, entretanto, os italianos ocuparam os importantes centros de comércio e
comunicações de Kassala e Galabat, que poderiam constituir bases úteis para um ataque rumo a Khartum e
à junção do Nilo Branco com o Nilo Azul. Na fronteira do Quênia, conseguiram, depois de três semanas
de ataques, capturar o posto fortificado de Moyale, e em seguida isolaram o saliente de Dolo, encurtando
assim materialmente a sua fronteira nessa região e anulando uma base útil para os reides britânicos.
Seu êxito mais notável. entretanto, foi a captura da Somália Britânica. A entrega de Djibuti pelos franceses
deixou aquela colônia numa situação algo desprotegida. Possuía ela os dois pequenos portos de Zeila e
Berbera e um litoral que contornava a entrada ao mar Vermelho. Tinha, assim, certa importância
estratégica; mas o domínio italiano da Eritréia e de Djibuti dava já aos peninsulares bases mais importantes
contra as rotas de Aden e do mar Vermelho, bases essas que seriam reforçadas por aquisições posteriores
ainda. Economicamente, a colônia era de importância insignificante e cercada como estava de território
italiano, e somente por um alto preço poderia ser defendida contra um ataque resoluto. Sua vantagem
como base para possíveis incursões contra as forças italianas era limitada, mas a possibilidade era bastante
para induzir os italianos a se apoderarem dela. Quando um ataque tríplice foi desfechado contra a colônia,
a 4 de agosto, os britânicos já tinham decidido opor-lhes a resistência possível com as forças locais, mas
sem fazer sérios esforços para reforçá-las. Contra duas divisões italianas, equipadas com tanques e
artilharia, uma força britânica de 7.000 homens poderia efetuar no máximo uma ação retardadora. A 19 de
agosto, as tropas britânicas foram retiradas sob a proteção dos canhões dos vasos de guerra britânicos, e a
Itália foi deixada de posse da colônia.
Se bem que não de grande importância, esse êxito não poderia ser desprezado. Mas apesar disso, fez com
que os italianos retardassem seu ataque contra os principais objetivos do Egito e de Suez; e por trás dessa
demora ocultava-se o seu fracasso em destruir a posição naval britânica no Mediterrâneo.
As operações navais
Uma das coisas em torno das quais os porta-vozes italianos tinham estado particularmente insistentes era o
seu poder de conseguir o controle sobre o Mediterrâneo. O domínio britânico tinha sido até então baseado
nos três pontos-chave de Gibraltar, Malta e Alexandria. Esses, de conformidade com as argumentações
italianas, seriam tornados insustentáveis pelas novas armas e métodos de guerra marítima. Sua nova base
fortificada em Pantelária bloquearia a passagem entre a Sicília e a África do Norte e isolaria as forças
britânicas do Levante. A ilha de Malta, a apenas cinqüenta milhas da Sicília, parecia estar à mercê dos
aviões de bombardeio. Alexandria estava ao alcance das bases italianas do Dodecaneso. A própria
Gibraltar estava a distância de vôo da Sardenha. Quanto às águas do Mediterrâneo, os submarinos italianos
por baixo e os bombardeiros italianos por cima acabariam por impedir-lhe o uso pelos navios britânicos de
superfície, e a frase Mare Nostrum esse mito a que as juras italianas se cingiam tão tenazmente - poderia
afinal tornar-se em realidade.
Esses cálculos não deviam ser tão facilmente desprezados. Se a frota francesa, com bases especialmente
em Toulon e Bizerta, tivesse permanecido em ação, as perspectivas italianas continuariam frágeis. Mas
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quando todo o peso das operações no Mediterrâneo recaiu sobre os ombros dos britânicos, ela se viu
obrigada a impor um impulso real nos seus recursos navais Não mais podia concentrar o grosso de sua
frota de batalha nas águas territoriais sem arriscar seriamente a sua posição mediterrânea. No Mediterrâneo
mesmo a divisão necessária de suas forças em duas esquadras, ficando a mais poderosa em Alexandria,
significou o risco de uma superior concentração italiana contra cada uma delas, de cada vez. As duas
esquadras juntas eram provavelmente muito pouco superiores à armada italiana em navios de grande
tonelagem, de que a Itália tinha cinco em ação e outro recém-completado. Mas em embarcações menores,
especialmente em destróieres e submarinos, as cifras italianas eram grandemente superiores às que a GrãBretanha podia apresentar.
Esse balanço de forças serviu para que a Itália determinasse a sua tática. Ela jamais esperou poder
enfrentar a frota britânica num grande encontro naval. O entusiasmo com que a tripulação dos navios
mercantes italianos pôs a pique os seus barcos ao iniciar a guerra mostrou quão pouco a Itália esperava
ganhar o imediato controle do mar. A Itália confiava em que poderia empregar com êxito a tática de
combates de pouca duração, seguidos de rápidas retiradas, que seria posta em prática como processo de
usura. Seus navios leves e rápidos, nos quais a proteção era sacrificada em benefício da velocidade, foram
designados para a rapina comercial e para enfrentar forças inferiores, e para escapar antes de ficar ao
alcance do fogo dos couraçados britânicos. Para o golpe final contra estes navios de guerra, os italianos
dependiam não tanto de seus vasos de grande tonelagem como dos submarinos e, sobretudo, dos aviões. A
seus olhos, o bombardeiro era a resposta ao poderio naval britânico. O teatro de guerra do Mediterrâneo
deveria ser o verdadeiro campo de provas que solucionaria a disputa entre o bombardeador e o couraçado,
e toda a perspectiva futura da Itália dependia de uma resposta favorável.
Essa resposta não viria antes do começo de setembro. Muito ao invés de ser varrida do Mediterrâneo, a
frota britânica tornou-se cada vez mais audaciosa em suas operações naquele mar. Continuava a operar de
suas bases, apesar da força aérea italiana. A própria ilha de Malta, submetida, desde o começo da guerra a
um bombardeio ininterrupto e pesado, continuava a ser utilizada ao menos como depósito para navios de
guerra e comboios. Os navios mercantes britânicos continuavam a atravessar o Mediterrâneo sob proteção
naval ao mesmo tempo em que a frota britânica impunha obstáculos às comunicações italianas com a
Líbia. No começo de setembro, foi revelado que a divisão naval britânica do Levante fôra reforçada, sem
interferência, com navios modernos que quase lhe duplicavam o poderio - uma demonstração de que os
novos navios de batalha da classe do King George V estavam agora em serviço. E nos poucos encontros
que tinham tido lugar nesse ínterim, a iniciativa e as vantagens estavam nitidamente ao lado dos britânicos.
O primeiro choque importante teve lugar a 9 de julho em águas nas quais a Itália reivindicava completa
ascendência Uma divisão naval britânica, empregada em comboiar navios de abastecimento de Malta a
Alexandria, avistou uma força naval italiana ao sul de Creta. Essa força, que consistia de dois couraçados,
considerável número de cruzadores e cerca de vinte e cinco destróieres retirou-se imediatamente, e os
navios britânicos empreenderam uma perseguição que os levou até o Mediterrâneo central e somente
terminou quando os navios italianos atingiram a zona da proteção de suas próprias baterias de costa. Um
dos couraçados italianos foi atingido por um tiro a longa distância e um cruzador foi danificado por
torpedo aéreo. Os navios britânicos, que retornaram ao trabalho de comboiamento, foram submetidos a
fortes ataques aéreos durante os dois dias seguintes; mas embora os italianos tivessem descrito o
bombardeio como "inclemente" e insistido em que ele forçara os navios ingleses a fugir para Alexandria,
os britânicos afirmaram que seus navios não haviam sofrido nenhum impacto. Ao mesmo tempo, as
unidades que se encontravam em Gibraltar efetuaram amplo cruzeiro de combate no Mediterrâneo
ocidental sem encontrar navio italiano algum. Ela também foi atacada por bombardeiros, que informaram
terem atingido os alvos favoritos dos comunicados do Eixo que eram o Hood e o Ark Royal - informação
essa terminantemente desmentida pela Grã-Bretanha.
As conclusões tiradas dessa ação, de que a armada italiana não tinha sido muito bem sucedida nem no
combate nem na retirada, foram confirmadas por outro encontro, a 19 de julho, quando o cruzador Sydney
e destróieres de escolta entraram em contato com dois cruzadores ligeiros italianos e afundaram um deles,
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o Bartolomeo Colleoni, que imprudentemente esperou até travar-se um duelo de artilharia. E numa extensa
operação de seis dias, entre 30 de agosto e 5 de setembro, no decorrer da qual a frota de batalha italiana se
manteve prudentemente bastante fora do alcance do fogo, a chegada de reforços esteve coberta por ataques
aéreos à Sardenha e pelo bombardeio e canhoneio das bases italianas do Dodecaneso. Se a essas operações
se acrescentar o prévio bombardeamento das bases costeiras da Líbia, parecia que a frota britânica ainda
podia utilizar-se do Mediterrâneo quase à vontade.
Esses acontecimentos também tiveram certos efeitos políticos De modo geral julgara-se que a principal
importância da perda da Somália britânica consistia no golpe que vibrava no prestígio britânico. Mas
houve indícios de que esse golpe era ofuscado por outros fatores. A imprensa italiana, por exemplo,
revivendo os agravos sofridos pelos italianos em Tunis, achou ocasião para se queixar de que as
autoridades francesas ignoravam os êxitos italianos e viam apenas o poder da frota britânica. Era um ponto
de vista que parecia ter certa influência também sobre outros neutros.
Um desses neutros era a Espanha. Parecia inevitável que a entrada da Itália na guerra aumentasse a
tentação da Espanha de se lhe juntar, particularmente em vista de já existir um forte sentimento entre os
líderes falangistas em favor da Alemanha. O colapso da França e a chegada de tropas alemães aos Pirineus
transformou a posição estratégica e ofereceu perspectivas de direto auxílio alemão se a Espanha se unisse
ao Eixo. Uma proclamação oficial espanhola de 12 de junho anunciou de modo significativo a "não
beligerância", em vez de neutralidade, da Espanha; e a ocupação de Tânger, completada com o aumento da
grita pela volta de Gibraltar ao domínio da Espanha exigência essa publicamente endossada por Franco a
17 de julho - fez prever a possibilidade de ação direta. Em agosto, entretanto, as tendências beligerantes
estavam menos evidentes. Os reides aéreos italianos contra Gibraltar pouco tinham conseguido a não ser
precipitar a evacuação dos civis. O poder marítimo italiano desaparecia visivelmente do Mediterrâneo
ocidental. Os protestos contra o bloqueio britânico, e particularmente contra a interferência nas
importações de gasolina, começaram a se acalmar, e um acordo na segunda quinzena de agosto teve como
conseqüência a aceitação prática do controle britânico. A Espanha pelo menos retardou a união de seu
destino ao das potências do Eixo.
Resistência semelhante era mostrada pela Grécia. Pelos meados de agosto, a Itália exerceu pressão sobre a
Grécia, para que esta desistisse das garantias britânicas que tinha aceito em 1939. Quando os primeiros
passos se mostraram ineficazes, foi iniciada uma campanha de ameaças, baseada em pretensas atividades
terroristas gregas na fronteira albanesa. Navios mercantes gregos eram capturados, destróieres gregos eram
bombardeados por aviões italianos e um cruzador grego foi afundado por um submarino cuja propriedade
a Itália negou indignadamente. A Grécia, por sua vez, procurou auxílio de qualquer fonte possível. Apelos
à Alemanha para reduzir a pressão italiana seguiam paralelo com a conversação de Estado-Maior com
peritos russos e esforços para obter garantias de assistência turca. Finalmente, em face da firme atitude
grega, a Itália desistiu do caso e voltou a atenção para o Egito, que tratou de ameaçar com a invasão
iminente. A Grécia ainda se agarrava à garantia britânica - talvez porque no destino da Romênia tivera um
exemplo frisante dos resultados de uma renúncia.
A partilha da Romênia
As esmagadoras vitórias alemães no ocidente confirmaram certas tendências da política romena já
estabelecidas ao fim de maio. A nomeação do pró-fascista Gigurtu para ministro dos Negócios
Estrangeiros foi seguida de sinais que demonstravam uma orientação em favor do Reich. É certo que um
acordo comercial, fôra firmado a 6 de junho com a Grã-Bretanha, mas ele representava os últimos fracos
sinais de hesitação do rei Carol. Com a derrocada da França, ele se decidiu. A 21 de junho, um decreto real
estabeleceu a criação de um Estado totalitário tendo Carol no controle completo. Era um sinal
indisfarçável de sua decisão de lançar-se aos braços das potências do Eixo. Sua recompensa veio
imediatamente. Foi a partilha de seu reino e a perda do trono.
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O sinal foi dado pela Rússia. Já uma vez a União Soviética tirara vantagens do avanço alemão para
consolidar a sua posição no Báltico. O ultimato à Lituânia exigindo plena ocupação militar e o
estabelecimento de um governo favorável foi seguido pela imposição de exigências semelhantes à Letônia
e à Estônia. Mudanças de governo aplanaram o caminho para a completa absorção dessas repúblicas.
Eleições realizadas sob auspícios comunistas a 14 de julho produziram maiorias favoráveis. A 21 de julho,
as três assembléias aprovaram resoluções solicitando admissão na União Soviética. Sua solicitação foi
aceita pelo Supremo Soviete no começo de agosto. Uma área com a qual a Alemanha contara como
pertencendo à sua particular esfera de influência tinha-se submetido ao bolchevismo.
Nada disso, entretanto, desviou a atenção da Rússia dos Bálcãs; e com a resolução de Carol chegara a hora
da reobtenção da Bessarábia, antes que a Alemanha se nomeasse protetora das fronteiras romenas. A 26 de
junho um ultimato solicitou a volta da Bessarábia e da Bucovina do Norte e exigiu a resposta para o dia
seguinte. A Romênia sugeriu discussões em torno da proposta. enquanto tentava freneticamente obter uma
promessa de apoio alemão e italiano. Mas nenhuma dessas potências estava preparada para arriscar um
choque com a Rússia, e a União Soviética insistiu pelo cumprimento imediato. Uma hora antes do expirar
do limite de tempo, a Romênia concordou. Durante os quatro dias seguintes, as tropas russas - que usaram
a manobra como teste de seu poder de velocidade e mobilidade - haviam percorrido 55 km² de uma
população de cerca de quatro milhões.
Era de se esperar logicamente que os outros vizinhos da Romênia se sentissem encorajados por esse passo
para exigir a imediata satisfação de suas próprias reivindicações. A Bulgária, que procurava reaver a parte
da Dobruja perdida em 1913, estava na feliz situação de ter a aprovação de quase todos, exceto da própria
Romênia. A Hungria, cujas exigências eram mais extensas e mais intransigentes, não estava tão
favorecida, e os magiares estavam ficando extremamente impacientes com as exortações à paciência
repetidamente feitas pela Alemanha e Itália. Delegados da Hungria foram como peregrinos a Munique no
dia 10 de julho, onde receberam de Ciano e Ribbentrop lições sobre a beleza da harmonia entre vizinhos e
as virtudes de acordos por meio de negociações - preceitos esses positivamente em desacordo com as
práticas comuns das potências do Eixo. Mas a Hungria estava dessa vez decidida a obter uma satisfação
mesmo ao risco de guerra.
Esta era a última coisa que o Eixo desejava. Sua vontade era a de haver paz e colaboração econômica de
parte dos Bálcãs. Enquanto tentavam induzir a Hungria à moderação, deixaram claro que a Romênia tinha
de fazer algumas concessões. A Romênia estava agora completamente dependente da vontade dos
ditadores. Tinha proclamado formalmente a sua plena conversão pela renúncia da garantia britânica e
formação de uma administração fascista tendo Gigurtu como premier. Para satisfazer as necessidades
econômicas da Alemanha, ela tomou conta da principal companhia de petróleo, a Astra Romano, em que a
Grã-Bretanha tinha fortes interesses, e lhe requisitou tanto os carros-tanque como as embarcações fluviais
que, em alguns casos, eram também propriedade britânica. A Grã-Bretanha revidou com a captura de
alguns navios romenos e ameaça de represálias mais drásticas; mas Carol, mesmo que o quisesse agora
não mais podia escapar à escolha que fizera.
A conseqüência necessária foi a cessão de territórios à Hungria e à Bulgária. No começo de agosto, a
cessão da Dobruja meridional ficou resolvida em princípio, se bem que as discussões em torno dos
detalhes da transferência continuassem durante todo o mês. Uma delegação romena que visitou Salnzburg
e Roma nos últimos dias de julho tinha sido convencida de que algum esforço deveria ser feito para
atender o desejo do Eixo de solucionar as dificuldades balcânicas; e pelos meados de agosto as
conversações com a Hungria começaram. Mas os dois lados estavam ainda muito discordantes, e no dia 22
as negociações chegaram a um ponto morto.
A Alemanha e Itália decidiram, assim, resolver o assunto discricionariamente. Os dois países balcânicos
foram convocados para uma conferência em Viena. A 30 de agosto foi baixada uma determinação que
mandava a Romênia ceder aproximadamente metade da Transilvânia à Hungria e evacuá-la no prazo de 15
130
dias. Embora o ministro romeno dos Negócios Estrangeiros, que chamou essa determinação de "uma
sentença que nem sequer discutir pudemos", tivesse afirmado que ela veio acompanhada de uma garantia
alemã para o restante território romeno, o acatamento da decisão provocou descontentamentos populares
que ameaçavam resistir à ocupação e que resultaram na abdicação do rei.
Não tinha importância que Carol não pudesse ter feito outra escolha. Ele assumira a direção pessoal da
política; tinha, portanto, que sofrer as conseqüências do desastre que se lhe seguiu. Mas, de modo bastante
paradoxal, foi a Guarda de Ferro com os seus simpatizantes nazistas que centralizou os ressentimentos
contra a decisão alemã de afastar Carol em nome do patriotismo. O próprio Carol havia contemporizado
com essa organização, mas sobravam ainda os ressentimentos mútuos; e agora que a Guarda de Ferro se
decidira a tirar sua desforra, Carol achou que não poderia apoiar-se em nenhuma outra organização.
Tentou conseguir um acordo por meio de transigências chamando o general Antonescu para a chefia do
gabinete. Mas as simpatias de Antonescu estavam com a Guarda de Ferro, e sua recente prisão por motivos
políticos (ele fôra preso duas vezes em julho) dificilmente lhe dispunha o ânimo a favor do monarca. A 5
de setembro ele assumiu o cargo, mas somente depois que Carol tinha abdicado quase todos os poderes em
favor do novo premier. Mas apesar disto, as demonstrações contra o rei continuavam a crescer de
violência, e a Guarda de Ferro, inflada com o seu triunfo depois de anos de opressão, ameaçava ficar
incontrolável. A 6 de setembro, Carol abdicou e partiu para o exílio, e seu filho Miguel subiu ao trono pela
segunda vez nos seus dezoito anos de idade. Mas o poder real estava nas mãos de Antonescu, e ele
publicamente proclamou a intenção de usá-lo para completar a transformação da Romênia num Estado
fascista firmemente ligado à Alemanha e Itália.
As Américas e Hitler
O rápido êxito dos exércitos de Hitler despertou vivas emoções no Novo Mundo. Estas não eram, na
verdade, inteiramente uniformes. A existência de tendências totalitárias em certas repúblicas latinoamericanas inclinou os respectivos líderes para uma cautelosa simpatia pelo avanço nazista. Mas o
sentimento mais característico era um alarme crescente causado pelo desmoronamento de defesas que
então começavam a aparecer como baluartes das próprias Américas.
Esse senso de interesse direto no começo da guerra era aguçado pelo estado de emergência de certos
problemas definitivos resultantes do avanço alemão. A questão de que suas conquistas européias poderiam
conduzir à aquisição das colônias dos países conquistados despertou recordações da situação que levou à
proclamação da doutrina de Monroe um século atrás. O fenômeno da Quinta Coluna como predecessor de
conquista provocou a alarmada percepção da amplitude de movimentos semelhantes em várias repúblicas
americanas. O comércio da América Latina, já seriamente deslocado pela guerra, enfrentava novas
dificuldades à medida que a tenaz de Hitler apertava a maioria de seus restantes clientes. E por trás dessas
questões práticas estava a especulação mais generalizada em torno do que as Américas fariam num mundo
dominado por um Hitler vitorioso. Alguns observadores foram ainda capazes de encarar essa perspectiva
com relativo otimismo. Mas a maioria estava inclinada a concordar com Roosevelt quando este a
descreveu como sendo "o pesadelo irremediável de um povo sem liberdade... o pesadelo de um povo
encarcerado, algemado, faminto e alimentado através de grades dia a dia pelos donos desdenhosos e
desapiedados de outros continentes."
A administração americana, na verdade, era estimulada a seguir com vigor crescente a política que
orientava suas atividades desde a própria deflagração da guerra. Em especial, ela se encaminhava para três
rumos simultâneos - o reforço da defesa nacional, a cooperação com as outras repúblicas americanas por
um sistema defensivo comum para o hemisfério ocidental e o reforço da Grã-Bretanha na sua contínua
resistência ao avanço nazista.
Era natural que a revelação de novos métodos de ataque pelo exército alemão conduzisse os americanos à
revisão de seu sistema militar, à luz dos recentes progressos. Era igualmente de se esperar que as
131
autoridades militares solicitassem não somente um número crescente de homens, mas também o aumento
ainda mais crescente de material mecanizado, especialmente de tanques e aviões. Mas enquanto as
deficiências do exército eram objeto de amplas discussões, o aspecto naval do quadro pareceu ainda mais
fundamental. Até então a função da marinha tinha sido primariamente a defesa do Pacífico. O perigo de
qualquer ataque sério do lado do Atlântico fôra praticamente eliminado pela ascendência da armada
britânica. Mas a crise em torno da frota francesa e a perspectiva da invasão alemã da Inglaterra tornava
essencial considerar o que aconteceria se essa ascendência chegasse a um fim e o encargo de controlar o
Atlântico fosse acrescentado à marinha dos Estados Unidos.
A influência dessas considerações foi verificada no aumento sem precedentes das verbas da defesa
americana. Uma lei concedendo 1.784 milhões de dólares já estava pendente quando Hitler invadiu os
Países Baixos. Em seguida a essa ocorrência, o presidente solicitou uma nova verba de mais de um bilhão
de dólares. A 10 de julho, o total das verbas para a defesa chegou a 5.252 milhões de dólares. A essa data,
o presidente enviou uma nova solicitação de 4.848 milhões de dólares, destinados à crescente expansão. Já
então também estava sendo discutido o projeto da criação de uma armada-de-dois-oceanos, do custo inicial
de cerca de quatro bilhões de dólares. Um total de dez bilhões de dólares seria, pois, gasto com a defesa
durante o ano fiscal de 1941, com outros dez bilhões em perspectiva para o término da expansão naval,
calculada para 1947.
Mais passos previam o duplo problema do potencial humano e dos recursos. Uma lei, já em discussão ao
começo de setembro, previa a instrução militar obrigatória, baseada no sorteio. Uma proclamação a 1o de
setembro convocava 60.000 homens da Guarda Nacional para o serviço ativo. Um departamento de
recursos de guerra foi criado, e o presidente foi revestido de poderes excepcionais para controlar a
exportação de artigos vitais por meio de licenças ou embargos. A perspectiva de que os acontecimentos do
Pacífico pudessem interferir nos abastecimentos essenciais de borracha e estanho, dois organismos
governamentais foram criados, tendo por tarefa acumular suprimentos de reserva desses artigos vitais. No
começo do outono um gigantesco programa de preparação encontrava-se em pleno desenvolvimento.
A conferência de Havana
As medidas internas, entretanto, constituíam apenas um aspecto do problema. Os Estados Unidos
poderiam ser tornados, com relativa facilidade, imunes contra qualquer ataque vindo da Europa, pelo
menos num futuro imediato. Mas era também altamente desejável evitar qualquer flanqueamento das
defesas americanas por meio de uma infiltração fascista na América Latina. A defesa eficaz era um
problema que dizia respeito a todo o hemisfério e exigia a cooperação dos Estados pan-americanos.
Vários episódios revelaram que esses Estados se sentiam em real perigo por parte das atividades nazistas.
Ao fim de maio, o Uruguai deu passos tendentes a sufocar aquilo que acreditou ser um plano nazista de
levante militar e tomada do país. Uma organização bem aparelhada foi desmascarada, com "pontos de
apoio" nos centros-chave e comunicações fronteiriças com grupos semelhantes na Argentina e Brasil.
Investigações levadas a efeito por um comitê do Congresso obtiveram provas que, acreditava-se,
mostravam ser o Uruguai o centro de uma organização nazista sul-americana dirigida do Ministério do
Exterior de Berlim e supervisada de perto por agentes diplomáticos alemães. Revelações em torno de
extensa penetração econômica no Brasil, onde a substancial população alemã estava bem organizada, e
sobre planos de um golpe de Estado direitista no Chile, em meados de julho, foram suficientemente
capazes de impressionar os Estados Unidos - que já haviam enviado um cruzador para visitar o Uruguai - a
ponto de fazê-los mandar mais dois navios de guerra a esses países mencionados. Uma nota insultuosa da
Espanha e a retirada de seu enviado ao Chile foram tomadas como evidências de pressão totalitária; e
pressão ainda mais direta era ameaçada por notas da Alemanha a cinco Estados centro-americanos,
advertindo-os contra medidas inamistosas no desenrolar da vindoura conferência de Havana. Por mais
isolados e talvez mesmo exagerados, que alguns desses episódios pudessem ser, eles mostravam ao menos
um definido interesse nazista na América Latina. Mas havia dúvida sobre se esses países cooperariam para
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um pacto defensivo que, já que o encargo principal de seu desenvolvimento devia recair sobre os Estados
Unidos, iria reforçar a hegemonia daquela nação no hemisfério ocidental.
A questão das colônias européias apresentava dificuldades algo similares. A ocupação aliada das ilhas
holandesas no mar das Antilhas fôra aceita, mas a tomada pelos alemães dessas ilhas ou das possessões
francesas no caso de vitória teria sido uma questão bem diferente. Mesmo no pé em que estavam as coisas,
a vigilância exercida por uma divisão naval britânica em torno de unidades navais francesas na Martinica
poderia resultar numa situação embaraçosa. Hitler por sua vez desmentira numa entrevista que tivesse
quaisquer desígnios quanto ao Novo Mundo, mas isto nem um desmentido mais oficial pronunciado por
Ribbentrop eram muito convincentes. A 17 de junho, uma resolução conjunta foi adotada pelo Congresso
no sentido de se recusar a transferência de "qualquer região geográfica do hemisfério ocidental de uma
potência não-americana para outra potência não-americana". Mas mesmo sem transferência, um controle
eficaz poderia ser obtido por meio de algum governo títere da França ou Holanda. Seria, entretanto, falta
de tato os Estados Unidos agirem por sua própria iniciativa numa região em que outros Estados
americanos pudessem reivindicar interesses de prioridade, e alguma outra forma de procedimento aceita
era desejável em nome da solidariedade.
O problema econômico era ainda mais vexatório. Setenta e cinco por cento do comércio dos países ao sul
das Caraíbas se fazia normalmente com a Europa. Exportavam eles artigos de primeira necessidade e
importavam mercadorias manufaturadas; e enquanto os Estados Unidos estavam prontos para servi-los
com importações, pouca necessidade tinha de suas exportações, a exceção de uns poucos produtos, como
frutas e café. A Europa, mesmo uma Europa dominada pelos alemães, seria provavelmente imprescindível
à prosperidade da América Latina - fato que Herr Funk assinalou a 25 de junho numa advertência contra a
adoção de medidas econômicas inamistosas. Ele tinha em mente, em particular, a sugestão americana de
um cartel, financiado pelos Estados Unidos, para comprar e dispor os excedentes latino-americanos. Mas a
praticabilidade do plano era incerta; e enquanto os Estados da América Latina estavam dispostos a deixarse financiar por fundos americanos, era duvidoso que, em troca, se solidarizassem com a política desejada
pelos Estados Unidos.
Eram essas as principais questões da conferência Pan-Americana que se reuniu em Havana a 21 de julho.
Se o sucesso da conferência foi, inevitavelmente, limitado, representou ela, entretanto, um progresso real
no caminho da cooperação. Pelo Ato de Havana adotado a 29 de julho (embora sua validade final ficasse
dependendo da ratificação dos signatários) o princípio da não-transferência de colônias foi ratificado, os
meios de ação em torno desse princípio foram adotados, e medidas foram recomendadas para restringir as
atividades quinta-colunistas. Não se fez nenhum pacto defensivo, e a resolução em torno das questões
econômicas não oferecia nenhuma medida positiva de cooperação; mas não há dúvida de que se tornou
maior a possibilidade de que nesse terreno fossem tomadas medidas para enfrentar uma emergência futura.
Bases e destróieres
Enquanto se verificavam esses esforços em favor da solidariedade continental, os Estados Unidos também
procuravam meios de fortalecer a Inglaterra contra a ameaça nazista. E esses dois objetivos, que já
chegaram a parecer completamente diferentes, mostravam agora uma crescente conexão um com o outro, e
ambos com o problema americano da defesa nacional.
A política da administração consistia ainda em limitar a assistência à Grã-Bretanha a "medidas que não
levassem à guerra". Era esta uma política endossada pelas convenções tanto democráticas como
republicanas que se tinham reunido durante o verão. Fôra reafirmada por Roosevelt quando, em mensagem
ao Congresso a 10 de julho, solicitando novos créditos para a defesa, ele argumentou: "Não usaremos
nossas armas numa guerra de agressão. Não mandaremos nossos homens tomar parte em guerras
européias." Era uma política que parecia no todo representar o ponto de vista da grande massa do povo
133
americano.
Restava a questão, entretanto, do auxílio eficaz que se poderia proporcionar fora a assistência armada.
Havia ainda certa relutância para se repelir a disposição da Lei de Neutralidade que impedia os
empréstimos aos beligerantes. Os preparativos americanos de defesa poderiam ser integrados com
encomendas bélicas britânicas de um modo que estimulasse a indústria sem interferir na remessa de
suprimentos à Grã-Bretanha. O governo poderia permitir que intermediários comprassem estoques de
armamentos para vendê-los, e isso permitiu que as forças britânicas fossem rapidamente reequipadas ao
tempo em que se considerava a invasão iminente. Mas tais estoques esgotaram-se em pouco tempo, e
pouco mais poderia ser feito diretamente para prover a Inglaterra de material bélico. Os equipamentos
navais, entretanto, ficaram disponíveis na forma de 123 destróieres que tinham sido postos na reserva
como antiquados e os quais seriam uma adição muito bem-vinda à força naval britânica duramente
delapidada.
Houve tantos incentivos como obstáculos à sua venda. A condição em que se encontravam não constituía
uma barreira, pois que centenas deles tinham sido postos em serviço depois da deflagração da guerra, e
cerca de cinqüenta estariam imediatamente disponíveis para o serviço. O real obstáculo era constituído por
certos dispositivos da Convenção de Haia, completados pela legislação americana que proibia a venda de
tais navios a beligerantes; mas os conselheiros jurídicos do presidente confiavam em que se pudessem
encontrar subterfúgios adequados. O incentivo era o desejo de se evitar a derrota da Grã-Bretanha e de
manter a armada britânica como primeira linha de defesa. No momento, a superioridade britânica em
navios de grande tonelagem não estava ameaçada; mas a sua carência de destróieres era demonstrada pelas
perdas na navegação, que sugeriam uma suspensão parcial do sistema de comboios, causada pela falta de
meios. Para que as linhas vitais de abastecimento da Grã-Bretanha fossem mantidas abertas, era desejável
reforçá-la neste setor. Se bem que os Estados Unidos estivessem planejando uma armada de dois-oceanos,
esta não poderia ficar pronta em menos de cinco ou seis anos. A manutenção da frota britânica, pelo menos
durante esse intervalo, deveria ser ardentemente desejada.
A Grã-Bretanha, por sua vez, tinha motivos, fora sua necessidade de destróieres, para aceitar quaisquer
condições razoáveis que os Estados Unidos pudessem apresentar. Seus interesses no Pacífico estavam num
perigo crescente diante das pretensões nipônicas. A fraqueza de sua posição no Extremo Oriente era
demonstrada pelo fato de concordar com o fechamento da estrada da Birmânia aos suprimentos destinados
à China, e em fazer voltar suas restantes guarnições na China Setentrional, inclusive Shangai. Se os
Estados Unidos também se vissem compelidos a deixar o Pacífico devido aos receios causados pela
Europa, os interesses britânicos no Oriente ficariam ainda mais enfraquecidos. Era, pois, uma política
razoável a se considerar a crescente confiança e a dependência americanas na armada britânica, bem como
a apoiar a América por meio de suas defesas atlânticas, permitindo-lhe estabelecer bases navais e aéreas
em solo britânico.
A plena realização desta última política, entretanto, envolvia a cooperação de um terceiro interessado. O
Canadá, como Domínio de governo próprio, não mais estava sujeito às ordens da Mãe Pátria, por mais
predisposto que estivesse à persuasão. Ao mesmo tempo, o Canadá, como Estado virtualmente
independente, estava ficando mais interessado na idéia da solidariedade pan-americana, embora ainda
estivesse para aceitar um assento na conferência Pan-Americana. Estava, pois, em situação de facilitar ou
dificultar o projeto de arranjos defensivos entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos.
O acordo firmado entre o presidente Roosevelt e o primeiro ministro Mackenzie King em Ogdensburg, a
18 de agosto, foi assim um prelúdio desejável, senão mesmo necessário, de arranjos mais amplos. Era
importante menos por quaisquer dispositivos detalhados que pelo que possivelmente envolvia. Decidia o
estabelecimento de um departamento de defesa conjunta para "considerar num sentido amplo a defesa da
metade norte do hemisfério ocidental". Não assentava, entretanto, nenhuma ação específica em condições
também específicas. Não era uma aliança formal nem dava explicitamente às forças de uma nação o direito
134
de usar o território da outra. Mas os Estados Unidos não poderiam de modo algum ver um inimigo
potencial no controle do Canadá, conforme Roosevelt o havia reconhecido dois anos antes, quando
garantiu a assistência americana contra um invasor; nem também poderiam os Estados Unidos permitir que
o Canadá pusesse em perigo a sua própria segurança caso a América se visse envolvida numa guerra
importante. Praticamente, os dois países estavam unidos; e a tarefa essencial do Departamento de Defesa,
cujas sessões começaram em Ottawa na semana seguinte, seria o preparo das medidas que se mostrariam
necessárias num caso de emergência.
A Grã-Bretanha estava agora preparada para agir. A 20 de agosto, Churchill anunciou estar o seu governo
de conformidade com o princípio da cessão de bases aos Estados Unidos. A 3 de setembro, Roosevelt
informou o Congresso de que tinha completado os arranjos para a venda de cinqüenta destróieres e de que
os Estados Unidos adquiririam sete bases em território britânico nas Caraíbas e oito na Terra Nova, a título
de empréstimo, pelo prazo de noventa e nove anos. Era um grande passo para a frente na questão da defesa
do hemisfério, e o augúrio feliz para a Grã-Bretanha de que teria a contínua assistência americana.
E, para a resistência britânica, isso era um novo penhor, se é que tal era necessário. Uma das bases da
oposição à venda dos destróieres tinha sido a alegação de que nem mesmo isso capacitaria a Grã-Bretanha
a sobreviver ao assalto alemão, e que esses navios americanos poderiam eventualmente ser voltados contra
os Estados Unidos, quando se entregassem como parte da frota britânica. Agora, anunciando a venda, o
secretário de Estado Hull revelou a garantia britânica de que a frota jamais seria metida a pique nem
entregue, sob quaisquer condições. Era um simples eco do desafio de Churchill à invasão, no dia 4 de
junho, depois da evacuação de Dunquerque:
"Iremos até o fim, lutaremos na França, lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com crescente
confiança e força crescente no ar, defenderemos a nossa ilha a qualquer custo, lutaremos nas praias,
lutaremos nos aeródromos, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas montanhas, jamais nos
renderemos, e mesmo que, o que nem por um instante acredito, esta ilha ou grande parte dela seja
subjugada e aniquilada, o nosso império além dos mares, armado e guardado pela frota britânica,
continuará a luta até que pela vontade de Deus o Novo Mundo, com toda a sua força e seu poderio, se
adiante para a libertação do Velho Mundo."
A Nova Europa de Hitler
O aniversário da invasão da Polônia mostrou a quase totalidade da Europa continental prostrada sob o
poderio nazista. As transformações de doze meses de guerra estavam pouco aquém de um cataclisma. Das
25 Nações-Estados do continente apenas sete estavam com as fronteiras intactas ou o solo livre de um
invasor estrangeiro. Um milhão de quilômetros quadrados de território tinham mudado de dono. Cem
milhões de pessoas viram-se submetidas a ordens alienígenas, e três quartas partes dessas pessoas caíram
sobre domínio alemão.
Para essas pessoas, a transformação significava mais que simples conquista. Significava a mais profunda
destruição de um modo de viver cuja tradição remontava a séculos. A civilização criada pela Europa
ocidental baseava-se em dois elementos. Um era o conceito helênico da liberdade intelectual, da pesquisa
plena e sem travas e do julgamento individual como únicos guias seguros na busca da verdade. O outro era
o conceito fundamental do cristianismo, o conceito da fraternidade do homem e do valor de todo o
indivíduo, sem distinção aos olhos de seu Criador. Ambas estas tradições foram completamente repudiadas
pela filosofia nazista. Nem a fé, nem a razão deveriam servir de guias; e os homens deveriam deixar
conduzir-se por uma emotividade primitiva e brutal que não os seus e nenhum poder livre de sua irrestrita
força física.
Esse ponto de vista, puramente destrutivo nas suas decorrências, não podia tolerar nenhuma dessas
expressões espontâneas da vida em comunidade tão características da existência ocidental. Não era
135
somente a liberdade política que devia desaparecer. Todas as modalidades culturais e econômicas
emanadas da iniciativa popular eram igualmente perigosa. A religião tinha de ser arregimentada. As uniões
trabalhistas deviam ser abolidas. A educação tinha de se basear não na busca da verdade, mas no
aprofundamento do obscurantismo em que os novos dirigentes viam sua única salvaguarda. Todas as vias
de livre comunicação de idéias, fosse a literatura, o rádio ou a imprensa, deviam ser hermeticamente
seladas, para evitar que um raio de luz penetrasse e provocasse perguntas na mente fenecida de uma
população subjugada. A Europa - uma Europa dócil e apática - deveria jazer para sempre sob um manto de
silêncio mantido pelas trevas e pelo medo.
Não restava a essa Europa se não servir seu novo amo. A suprema raça germânica - ou ao grupo de
terroristas que serviam de patrões àquela raça - o resto do continente devia ser tributário. Na Polônia
conquistada, enquanto os velhos eram tangidos para o leste onde iam morrer de inanição numa terra
espoliada de seus recursos, dois milhões de camponeses capazes foram transportados para o trabalho
forçado na Alemanha. Na Tchecoslováquia esmagada, o sistema industrial outrora próspero foi
transformado em benefício da Alemanha. No oeste, os países conquistados, privados de abastecimento,
enfrentavam um inverno de privações, senão mesmo de morte pela fome, e a ruína iminente de sua
economia era ilustrada pela perspectiva de a Dinamarca ter de abater uma terça parte de suas aves e quase
metade de seus suínos em virtude de não ser possível alimentá-los. Os canais principais e secundários de
comércio utilizados por esses países, a liberdade de adaptar a sua produção ao mercado mundial haviam
desaparecido, e seus esforços produtivos estavam sendo dirigidos no sentido de servir às necessidades da
Alemanha, que seria um freguês monopolizador - sob condições por ela mesma impostas.
Para assegurar essa subserviência, os territórios conquistados teriam de ser privados do vigor e da
inteligência. Nenhum líder iria ficar para promover resistência ao conquistador. A destruição dos
principais elementos de caráter e inteligência foi entregue às mãos peritas da Gestapo. Na Polônia e na
Tchecoslováquia, os campos de concentração estavam atulhados de pastores, professores e líderes políticos
que iam sendo vagarosamente mortos ou aniquilados espiritualmente por meio de torturas calculadas. "Os
poloneses são servos" - disse um administrador alemão - "e só lhes cabe servir. Temos de injetar uma dose
de ferro na nossa coluna vertebral e jamais admitir que a Polônia se possa reerguer." No oeste, a lista dos
proscritos aumentava à medida que os nazistas buscavam um por um os principais pensadores e chefes
liberais; e a maré desesperada dos refugiados inflava cada vez mais enquanto os refúgios, um atrás do
outro, capitulavam às armas alemães.
Tais eram as características responsáveis, em última análise, pelo horror do avanço alemão. Havia horror
físico bastante para emocionar mesmo um mundo tornado refratário à brutalidade - a matança de
refugiados nas estradas, a desumana destruição de uma Roterdã indefesa, a selvageria indiscriminada da
guerra aérea em geral. Mas a coroar tudo isso havia a mais lenta agonia daqueles milhões de seres
humanos decentes e inofensivos que viviam suas vidas modestas em paz com os vizinhos, tinham
liberdade para expressar seus pensamentos sem sofrerem ofensas e podiam associar-se a seus semelhantes
nos cultos ou diversões ou organizações tendentes a melhorar sua própria sorte e a da comunidade a que
pertenciam, e os quais viam agora tudo isso varrido para longe e seu corpo e espírito submetidos à tirania
da barbárie. Era uma revolução que, por mais que o pretendesse, não visava uma vida mais abundante, mas
sim a criação de uma sociedade servil em que o Reich alemão, rodeado de nações escravas, se ergueria,
arrogante, a receber o tributo obtido pelo poder de suas armas vitoriosas. Era contra esse obscurantismo
espiritual que a Grã-Bretanha, ao fim do primeiro ano de guerra, se destacava sozinha, qual o baluarte da
fé dos homens livres na sobrevivência final da liberdade.
Setembro a Dezembro de 1940
A Batalha da Inglaterra
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O curso da guerra durante o outono de 1940 foi determinado em grande parte por um único fato, e
este de capital importância: a incapacidade alemã de subjugar a Inglaterra pelo emprego da
potência aérea. O resultado imediato e fundamental dessa incapacidade foi o adiamento de
quaisquer planos que Hitler pudesse ter alimentado para a invasão da Grã-Bretanha. Era então
apenas um adiamento; entretanto, a menos que os nazistas corrigissem a seu favor a situação
aérea, teriam finalmente de abandonar por completo a idéia de invasão. A este único fator
subordinavam-se todas as outras considerações, e os esforços para o estabelecimento de outros
planos e a busca de outros expedientes obedeciam em larga escala ao curso da guerra aérea e à
influência deste sobre as possibilidades de sobrevivência da Grã- Bretanha.
Neste particular, o resultado dos ataques aéreos em massa lançados em setembro pelos alemães teve uma
importância que poderia, com razão, ser comparada às decorrências da Batalha do Marne em 1914. Em
ambos os casos o atacante sofreu um revés de primeira importância, mas em nenhum deles esse revés
trouxe aos defensores a vitória final. Seu resultado foi o de impedir a vitória imediata com que contava a
Alemanha, obrigando-a a adotar novos planos e novos métodos para substituir aqueles que não haviam
dado bons resultados. Dessa forma, afastando pela força uma decisão imediata, esse revés deu à Inglaterra
e seus aliados aquela possibilidade - tênue mas de capital importância - que constituiu o primeiro e
imprescindível alicerce da vitória final.
O fracasso de seus cálculos iniciais impôs aos alemães a necessidade de novo período de preparação, como
medida preliminar para outro assalto. Podia esperar-se ainda que o próximo ataque em escala total partisse
do lado alemão. Mas, até o momento em que fosse desencadeado, a tarefa da Alemanha era volver à
defensiva e consolidar as vantagens obtidas. Não seria, forçosamente, uma defesa passiva. Era de grande
vantagem impor ao inimigo o máximo dispêndio de energias compatível com o esforço interno destinado à
reorganização tanto dos antigos como dos novos recursos para a próxima grande operação ofensiva.
Entretanto, os próprios métodos de desgaste resultantes dessa atitude estratégica não eram considerados
como os verdadeiros instrumentos da vitória. O objetivo de tais métodos era simplesmente enfraquecer
tanto quanto possível a posição da Grã-Bretanha, fortalecendo a posição da Alemanha. Isso havia de
alterar fortemente o equilíbrio de forças no sentido de facilitar o bom êxito da próxima tentativa de Hitler.
Em seus fundamentos, portanto, o plano geral estratégico era idêntico ao que inspirou as operações
militares que conduziram à derrota da França. Esse plano consistia em conservar a vantagem da iniciativa,
e por conseguinte da surpresa. Para isso engajava tanto quanto possível o total dos efetivos inimigos ao
longo da linha de frente, procurava descobrir os pontos débeis da defesa, e desfechava depois sobre eles
um golpe esmagador que resultasse numa ruptura e no aniquilamento de um inimigo já então confundido e
exausto. O fato da Luftwaffe ter sido derrotada em seu ataque inicial à Grã-Bretanha não impediu
absolutamente que tais métodos continuassem a ser empregados; simplesmente obrigou os alemães a
empregá-los de modo diferente. O poderio militar alemão permaneceu tão elevado quanto antes. Até
mesmo o poderio da própria aviação alemã estava apenas levemente diminuído, e podia ser rapidamente
restabelecido. Faltava apenas reconhecer que um assalto ao baluarte central da Grã-Bretanha não bastava
por si só, e que o ataque devia ser ampliado a fim de pôr em perigo os flancos exteriores do Império. Se
desse modo os recursos ingleses pudessem ser suficientemente enfraquecidos, talvez que a principal
cidadela fosse incapaz de suportar o novo e mais violento assalto que estava sendo preparado.
A Grã-Bretanha parecia perigosamente vulnerável a tal espécie de métodos. Além de proteger o coração
contra os golpes de uma força aérea numericamente superior, cujo tempo de vôo ao solo inglês era agora
uma questão de segundos, ela tinha também que defender as artérias vitais cujo corte lhe seria fatal. As
rotas marítimas, que tinham de trazer-lhe um fluir constante de comércio, a fim de assegurar-lhe a vida,
estavam agora bloqueadas pelos corsários nazistas de superfície e submarinos, cujas bases a rodeavam
desde Narvik até Bordéus. Seu controle da entrada ocidental do Mediterrâneo era prejudicado por uma
Espanha obstinada e hostil. Suas forças que guarneciam o Suez defrontavam-se com o exercito italiano da
Líbia e encontravam-se ameaçadas pela retaguarda em vista do avanço nazista que colocou tropas alemães
137
às margens do mar Negro, dirigidas, qual ponta de lança, para os Dardanelos. Sua luta tenaz e hábil contra
a ameaça italiana no Mediterrâneo era levada a efeito sob um receio constante de ação francesa hostil.
Quando a Alemanha se fortificou na Europa continental, as vantagens que lhe davam a posse de uma
posição central e a da iniciativa nos ataques aumentaram ainda mais. Parecia impossível que sua tremenda
máquina militar não fosse logo lançada contra essa linha fraca e extensa, ou que a Inglaterra pudesse reunir
recursos capazes de aparar o golpe quando viesse.
Contudo, essa tarefa estupenda era enfrentada com uma resolução inabalável. O espírito firme que se
recusou a reconhecer a derrota continuava sendo um dos principais recursos britânicos. A derrota da
França serviu apenas para reforçar ainda mais essa tenacidade inglesa, que aproveitou o exemplo
inesquecível do que acontece a uma nação que deixa de resistir até esgotar sua última parcela de energia.
Assim, a Grã-Bretanha se preparou para novos desastres, na convicção de que, por mais graves que
fossem, ela emergiria inconquistada ao fim de todos eles.
A questão no momento não era a da derrota da Alemanha. Às vezes, os líderes britânicos se permitiam o
emprego de palavras demasiado esperançosas sobre a ofensiva que acabaria por trazer a vitória. Mas esta,
na melhor das hipóteses, situava-se em futuro remoto; o problema imediato era o da simples
sobrevivência, e era para o aumento das possibilidades de sobrevivência que se dirigiam as energias
britânicas. Estas energias eram ainda desesperadamente fracas, e restava saber se poderiam ser fortalecidas
mais rapidamente do que a Alemanha aumentar seu poder ofensivo que se alicerçava nos recursos de um
continente subjugado. Mas a Grã-Bretanha, firmemente resolvida a cumprir a missão que se havia
imposto, mostrou também um espírito ofensivo pronto a revidar golpe com golpe, e antecipou-se mesmo
ao inimigo, buscando os pontos fracos do Eixo e golpeando-os com o vigor compatível com o mínimo de
segurança que se podia permitir. E quando se lhe tornou claro haver chegado ao fim de seus recursos,
começou a sentir-se encorajada pelas provas crescentes de que os recursos mais vastos dos Estados Unidos
estavam sendo, gradual mas inexoravelmente, lançados na luta que a América reconhecia agora como não
apenar da Grã-Bretanha, mas também de si própria.
O Assalto Aéreo à Inglaterra
Nos fins de agosto tornara-se claro que os alemães tinham deixado de atingir o seu objetivo inicial e
absolutamente imprescindível: o esmagamento da Real Força Aérea pelo método do assalto direto. Os
ataques a bases aéreas, que haviam desempenhado papel tão decisivo na Polônia e nos Países Baixos,
mostraram-se completamente falhos contra a Inglaterra. Nenhum campo de pouso foi posto fora de uso
senão por períodos muito breves. A destruição de aviões podia ser desprezada; na verdade, de acordo com
o órgão soviético Estrela Vermelha, os ataques coroados de maior êxito não destruíram mais de 43
aparelhos num dia, quando esse número era dez vezes maior durante o ataque à França. Os alemães, pois,
viram-se incapazes de evitar que os aviadores britânicos decolassem, e se mostraram da mesma forma
incapazes de expulsá-los do ar quando com eles se mediam em combate. E também falhou o outro objetivo
simultâneo alemão de pôr fora de ação os portos da Inglaterra meridional, numa tentativa para conquistar o
domínio do Canal, pois a Luftwaffe se viu incapaz de ganhar a ascendência sobre a R.A.F.
Tendo sido, assim, repelido o assalto direto, a Alemanha se viu compelida a recorrer a métodos indiretos
de ataque. Num discurso pronunciado por Hitler a 4 de setembro pôde-se vislumbrar a aproximação de
uma nova tentativa. O ditador alemão proclamou uma vez mais a exaustão de sua paciência em relação aos
ingleses. Isto foi provocado pelo bombardeio de Berlim. "Se eles atacam nossas cidades", bradou, "nós
arrasaremos as suas. Acabaremos com o trabalho desses piratas noturnos". Mas o propósito que se
escondia por detrás dos novos métodos era algo mais que simples represália. Era o de golpear os amplos
recursos de que dependia a eficácia da força aérea britânica. Se esses recursos pudessem ser esmagados,
quebrar-se-ia a haste que mantinha a ponta de lança, e o poder aéreo deixaria de ser uma arma ativa
quando fosse esmagada a força que a manejava.
Esse era o motivo que animou os ataques em massa contra Londres, iniciados a 7 de setembro. As
138
primeiras incursões, dirigidas especialmente contra as docas e defesas aéreas, poderiam ser apresentadas
como um recomeço dos métodos seguidos durante todo o mês de agosto. Mas uma frase do comunicado
alemão de 8 de setembro sobre "os enormes danos causados ao centro nervoso do Império Britânico"
mostrou como os objetivos haviam sido ampliados; e dois dias mais tarde, quando o peso do ataque atingiu
a parte central de Londres, o Ministério do Ar tirou a seguinte conclusão: "O inimigo abandonou agora
toda a pretensão de cingir-se aos alvos militares. Têm sido lançadas bombas indiscriminadamente sobre
Londres, sem nenhuma distinção de objetivo." A finalidade do ataque não foi destruir diretamente as
defesas militares da capital, mas paralisar um centro vital por meio da destruição de seus serviços
essenciais, e assim mergulhar numa desorganização irremediável todo o esforço nacional de cujo
funcionamento contínuo dependia a defesa do país.
Nas semanas que se seguiram, Londres esteve submetida a um martelamento que não tem paralelo em
nenhuma cidade moderna - nem mesmo Barcelona, Varsóvia ou Roterdã. Nos estágios iniciais, o
Ministério do Ar descrevia os danos como severos, mas não sérios, tendo em vista a situação geral da
guerra, e este julgamento poderia ser considerado razoável mesmo três meses mais tarde. Contudo, os
estragos causados somente na primeira semana já eram bastante graves. O imenso conjunto das docas de
Londres, com os armazéns e fábricas adjacentes, jazia quase todo em ruínas. Em quase todos os distritos
da cidade, as casas de moradia e de comércio tinham sido devastadas e antigos monumentos danificados
ou destruídos. Os serviços vitais, tais como o de gás, água e eletricidade estiveram por vezes seriamente
prejudicados. Mas, apesar de todas as feridas que lhe foram infligidas, o centro nervoso continuava a
funcionar. Sua sobrevivência foi um tributo à firmeza de ânimo de seus habitantes sob esse assalto
contínuo; mas era ainda mais significante como nova e brilhante vitória da RAF.
A chave dessa vitória foi o bom êxito da defesa de aviões-caças contra os aparelhos de bombardeio diurno.
Numa série de ocasiões, a Luftwaffe cujas operações, segundo Berlim, estavam sendo dirigidas
pessoalmente por Goering - procurou com persistente habilidade modificar suas táticas, de modo a evitar
os infatigáveis Spitfires e Hurricanes. Os alemães puseram em prática todos os recursos de velocidade e
surpresa. Rompiam suas formações ao se aproximarem da costa e se abriam em amplo leque a fim de
dispersar os defensores antes de convergirem sobre Londres vindos de pontos diferentes e em diferentes
altitudes. Aproximavam-se em formações sólidas sobrevoadas por escoltas de caças, às vezes em várias
altitudes, prontos a lançar-se sobre os caças britânicos quando estes enfrentassem os bombardeiros.
Tentavam formações mistas de bombardeiros e caças, a voar às vezes em formações de losango. Enviavam
grandes ondas de bombardeiros umas após outras, na esperança de que os defensores, depois de
enfrentarem as primeiras ondas, fossem forçados a voltar às suas bases para se reabastecerem de
combustível e munições, dando às subseqüentes esquadrilhas alemães possibilidade de irromper sobre seus
objetivos. A cada um desses expedientes a RAF teve uma resposta. Era naturalmente impossível evitar que
alguns dos bombardeiros chegassem aos objetivos. Mas os reides diurnos em massa eram, contudo,
desfeitos quase completamente antes de chegarem ao seu objetivo final, e pagavam por tais tentativas
pesado tributo.
O preço pago pelos ataques diurnos em massa já tinha sido demonstrado pelos reides de agosto. De 8 de
agosto a 5 de setembro, houve 61 grandes ataques aéreos a objetivos britânicos. Quinhentos a seiscentos
aviões foram utilizados nos mais pesados desses reides, e as perdas chegaram de um quinto a um terço das
forças atacantes. Somente no dia 15 de agosto, 180 aparelhos inimigos foram abatidos, e as perdas nos
primeiros dez dias somaram 697. A troca dos objetivos costeiros pelos aeródromos de caça no interior dó
país, na última parte de agosto, encontrou castigo igualmente drástico, apesar dos bombardeiros nazistas
estarem acompanhados de escoltas de caça ainda mais numerosas. O resultado de 35 grandes ataques foi a
perda de 562 aviões alemães contra 219 dos defensores. Apesar, contudo, desses altos preços, o principal
objetivo dos ataques - a destruição da RAF - estava tão longe de realizar-se como em qualquer outra
ocasião.
Foi essa incapacidade que condenou ao fracasso o ataque alemão contra Londres. O verão aproximava-se
do fim. Para que a Grã-Bretanha fosse forçada a render-se ou ter o caminho aberto à invasão, urgia atingir-
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lhe o coração com um golpe rápido e esmagador. Mas as armas defensivas britânicas mostravam-se ainda
ativas para enfrentar tal golpe; e se este não pudesse ser completamente aparado, pelo menos seria
desviado - embora com uma estreita margem - da acometida direta e final, que lhe teria sido fatal.
Dos 38 grandes reides diurnos lançados entre 5 de setembro e 6 de outubro, 18 visaram a zona de Londres.
No reide inicial de 7 de setembro, em que as docas foram marteladas e a área adjacente reduzida a um mar
de chamas, tomaram parte 350 aviões alemães. Apesar da defesa de caças que os enfrentou quando
cruzavam a costa, muitos dos atacantes conseguiram levar sua carga destrutiva sobre a capital. Mas por
isso os alemães pagaram o preço de 103 aviões, contra a perda de 18 aparelhos britânicos. Outros ataques
em massa se seguiram nos dias 9 e 11, e custaram aos alemães um preço pouco menos elevado que os
anteriores - o resultado na última data foi de 89 contra 17. E a 15 de setembro realizou-se o esforço
supremo que se mostrou o clímax dos assaltos diurnos alemães e o mais retumbante de todos os êxitos da
RAF.
Pouco antes do meio-dia naquela data - um dia lindo com tênues nuvens numa altitude que variava entre
600 e 900 metros - foi lançado o ataque em duas vagas totalizando 250 aviões mais ou menos. Ainda uma
vez mais, atravessaram as defesas avançadas de caças exclusivamente pela força de sua superioridade
numérica apenas para terem de enfrentar mais Spitfires e Hurricanes sobre a capital. O combate principal
durou pouco mais que meia hora, e quando terminou um mínimo de 70 aviões alemães fôra destruído pelos
defensores.
O ataque foi renovado cerca das duas da tarde. Novamente, perto de 250 aviões foram mandados em duas
vagas sucessivas. Dessa vez, foram enfrentados por 21 grupos de aparelhos de caça ingleses logo depois de
cruzarem a costa e atacados tão vigorosamente, que somente um punhado deles conseguiu penetrar na
capital. Dentro de uma hora o ataque foi neutralizado e dispersado com a perda de 97 aparelhos. No
decorrer das vinte e quatro horas daquele dia, as perdas alemães verificadas foram de 185 aparelhos. Mas
este número incluía somente os aviões que foram vistos cair; e no mais cerrado do combate, e
especialmente acima das nuvens em que um adversário atingido podia não ser visto caindo e se
despedaçando, houve certamente muitas perdas mais que não puderam ser oficialmente compulsadas. O
Marechal do Ar Barratt calculou que com um método menos rigoroso de contagem a cifra iria a 232 muito pouco menos que a metade de toda a força atacante.
Perdas como estas não estavam absolutamente em relação com os efeitos obtidos. A batalha de 15 de
setembro constituiu um ponto decisivo na mudança do curso da guerra. Pela primeira vez, os alemães
falharam no esforço de dominar a Grã-Bretanha por meio de ataques aéreos diurnos. Embora os reides em
massa continuassem, sua violência e seu ritmo entraram daí em diante em declínio. Cada vez que os
alemães realizavam um novo esforço total, o número de suas perdas tornava mais evidente a custosa lição
dos ataques anteriores. Entre 6 de setembro e 5 de outubro, os nazistas perderam pelo menos 883 aviões
sobre a Inglaterra, e o poder combativo dos defensores não só não fôra quebrado como não fôra reduzido.
A esse tempo, uma conclusão era inevitável. Nem a Inglaterra nem a RAF poderiam ser dominadas pelos
ataques diurnos a não ser a um custo equivalente ao suicídio
O resultado foi que os nazistas se viram forçados a dedicar seus principais esforços aos métodos menos
acurados dos reides noturnos. Orientados por incêndios ateados pelas bombas incendiárias lançadas por
incursores diurnos que conseguiam atravessar as barragens, ou por dispositivos de iluminação presos a
pára-quedas, que eles próprios deixavam cair, os bombardeiros noturnos irrompiam para lançar suas
toneladas de altos explosivos sobre a cidade preparada para a batalha. Os danos resultantes eram, sem
dúvida, grandes, mas a própria natureza da operação impediu que fossem realmente decisivos. Já que os
incursores estavam incapacitados de determinar com precisão os alvos, dependia de sorte atingir com
impactos os objetivos vitais - as instalações elétricas ou centros de comunicação cuja destruição poria a
metrópole fora de ação. A própria Londres, estendendo-se com os seus distritos suburbanos por uma área
de 4.200 km², era um alvo difícil de se errar; mas os objetivos realmente essenciais dentro de Londres
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eram mais difíceis de serem atingidos de uma altura de cinco ou seis mil metros.
Não se poderia esperar, entretanto, que a sorte se mantivesse indefinidamente do lado dos defensores. Se
os ataques noturnos continuassem sem impecilhos, a capital acabaria por ser condenada. A resposta aos
bombardeios noturnos tornou-se, assim, o maior problema da Grã-Bretanha, e a descoberta de tal resposta
foi tarefa longa e difícil. Os resultados das quatro primeiras noites de ataques em massa demonstraram que
a demora poderia ser fatal. Durante essas terríveis investidas, que resultaram na demolição de zonas
inteiras em torno das docas do East End e no atear de gigantescos incêndios que transformaram Londres
num inferno, os incursores ficavam muito além do alcance dos refletores e escapavam quase intactos.
Entretanto, nas noites que se seguiram, foi encontrada uma resposta parcial. Não foi o bastante para deter
os incursores, mas prejudicou-os o bastante para impedir o desastre iminente. Não era um só método, mas
uma combinação de métodos que variavam de conformidade com a natureza dos ataques inimigos. Nas
noites de 11 e 12 de setembro, o uso de refletores foi em grande parte abandonado, e o fogo anti-aéreo
concentrou-se numa contínua barragem de enjaulamento a fim de manter os incursores em vôo alto e
afastá-los da rota. Novos métodos de previsão auxiliavam a perfeição da barragem, e novas combinações
de refletores e fogo anti-aéreo foram postos em prática. A experiência que rapidamente ganharam os
bombeiros voluntários de Londres capacitava-os a controlar os incêndios e a reduzir o número dos que
poderiam servir de orientadores. Os alemães, de modo algo lastimoso, acusavam os ingleses de atear
outros fogos para enganar os pilotos germânicos que chegavam, confiantes, ao escurecer. A utilidade dos
aviões de caça contra os bombardeiros noturnos era ainda limitada, mas todos os esforços foram feitos
para dilatar esses limites, mediante a seleção de pilotos possuidores de qualidades especiais e adaptação de
aviões, tais como os Defiant e Nighthawk, à tais missões particulares. Nenhum desses métodos, nem
mesmo todos juntos, ofereciam todavia qualquer perspectiva real de imunidade, mas serviam ao propósito
imediato de afastar a ameaça iminente de aniquilação e reduzi-la a simples desgaste, ainda que esse se
realizasse em escala que não podia deixar de ser encarada com preocupação.
Os alemães por sua parte eram obrigados a aceitar e aplicar as lições dos reides de setembro. Fizeram-no
com óbvia relutância. Suas pesadas perdas de 15 de setembro demonstravam que a vitória ainda estava
longe, embora o resto do mês apresentasse ainda terríveis e persistentes reides contra a capital. A maioria
dos reides diurnos parecia destinada mais a manter ocupados os caças defensores do que à realização de
bombardeios eficientes. Quando foram repelidos a 27 de setembro, a perda de 133 aparelhos reforçou a
lição das anteriores tentativas. Estava mais do que claro, ao fim do mês, que, com tais métodos não havia
esperança alguma de esmagar as defesas anti-aéreas britânicas - pelo menos enquanto esses fossem
empregados com um número limitado de aviões.
O custo dos reides de bombardeio noturnos constituiu uma importante lição. Reides em massa
significavam perdas em massa, mesmo quando os bombardeiros eram acompanhados de escoltas de caça.
Dentre os 185 aviões alemães abatidos a 15 de setembro, 131 eram bombardeiros. Os caças naturalmente
saíam-se melhor nos encontros com aparelhos da mesma espécie. Num esforço para restabelecer o
equilíbrio, os alemães tinham aumentado gradualmente a proporção dos caças para os bombardeiros, até
que esta chegou em certas ocasiões a atingir a relação de cinco caças para um bombardeiro. Mas este era
um método muito custoso e dispersivo, acentuado pelo fato de que limitava a atividade dos bombardeiros à
hora e meia de tempo de vôo, pois esta era a capacidade dos Messerschmitt da escolta. Não foi longo o
passo entre essas considerações e a conclusão de que os bombardeios diurnos seriam melhor executados
pelos próprios caças. Um caça-bombardeiro Messerschmitt, o Jaguar, já tinha feito sua apresentação e
demonstrado sua utilidade dentro de limites especiais. O emprego deste tipo, suplementado por aviões
comuns de caça que carregavam bombas, reduziria pelo menos a perspectiva de perdas em massa nos
reides diurnos.
Disto, entretanto, duas conclusões foram tiradas. A primeira foi a aceitação do reide noturno como
principal método de ataque. O caça-bombardeiro podia com maior facilidade irromper pelas defesas
durante o dia, mas sua ação era de menor eficácia. Comparados com os Junkers Ju 88, que conduziam
quatro bombas de 250 kg cada uma, ou dezesseis de 50 kg, o Jaguar conduzia duas de 250 kg. e o
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Messerschmitt 109 apenas quatro de 50 kg. O Jaguar podia efetuar impactos mais firmes e pesados, mas
sempre carecia das propriedades de um verdadeiro bombardeiro.
Já era porém evidente que nenhum golpe rápido e completamente eficiente poderia ser esperado dos
bombardeios noturnos. A adoção das novas táticas resultava no abandono implícito da esperança nos
métodos da Blitzkrieg em favor de um prolongado processo de desgaste. Este foi um fato de
conseqüências importantes no momento. Significou o fim de toda a esperança numa vitória imediata sobre
o Grã-Bretanha e a aceitação da perspectiva de um segundo inverno da guerra, seguido de todas as
mudanças na previsão e nos métodos que esta envolvia. Somente uma necessidade inevitável poderia fazer
com que as potências do Eixo, que tanto careciam de uma decisão imediata, aceitassem tal situação. Neste
único fato revelou-se toda a extraordinária importância da vitória britânica no ar.
As novas táticas foram postas em prática no começo de outubro. Um oficial aviador alemão de alta patente
delineou o que os nazistas esperavam delas expondo os seus cinco objetivos principais. Estes consistiam
na obtenção de controle absoluto sobre o Canal da Mancha e a área costeira inglesa, na aniquilação
progressiva e completa de Londres, com especial atenção nos objetivos militares e produção industrial, na
paralisação da atividade técnica, comercial e civil, na desmoralização da população civil e no
enfraquecimento gradual da aviação de caça inglesa. Era um programa vastíssimo, tendo em vista as
dificuldades que os nazistas já haviam experimentado ao tentar alcançar qualquer um desses objetivos,
isoladamente.
O efeito imediato foi inteiramente diferente, se bem que de modo algum destituído de importância.
Consistiu na repentina queda da cifra dos aviões alemães abatidos. As vezes os atacantes se sentiam
incapazes de resistir à tentação de enviar bombardeiros juntamente com os caças para um ataque diurno
em massa, e então suas perdas tornavam a crescer. De quando em vez eram tentados com êxito um pouco
maior, ataques diurnos em massa de caças-bombardeiros. Mas a modalidade mais comum dos reides
diurnos consistia na sucessão de pequenos grupos ou mesmo de aviões isolados, às vezes a utilizar nuvens
soltas como cobertura até que estivessem sobre Londres, mas geralmente vindo rapidamente, a nunca
menos de 4.500 metros e freqüentemente acima de 9.000 m, para lançar bombas indiscriminadamente
sobre a cidade, e regressando antes que os caças britânicos pudessem dar-lhes combate. Estes eram ataques
de inquietação que visavam manter a população sob tensão constante e ao mesmo tempo impor à RAF
uma vigilância de tal maneira crescente que acabasse por extenuar-lhe os pilotos de caça.
Era durante os reides noturnos que os bombardeiros executavam tarefas sérias. Neste caso também o
bombardeio era indiscriminado, freqüentemente orientado pelas estações de rádio-farol. Os danos em
objetivos vitais continuavam a depender da sorte, mas os prejuízos causados a Londres em geral cresciam
ininterruptamente. Não havia resultados espetaculares como os obtidos anteriormente, em setembro,
durante os ataques ao East End; mas periodicamente se informava que os reides mais recentes registravam
uma intensidade que excedia a todos até então experimentados. Enquanto os defensores estavam
aprendendo os meios de reduzir os danos à vida e à propriedade, os atacantes estavam também ganhando
experiência, e os reides noturnos tornavam-se cada vez mais pesados com menor número de aparelhos à
medida que o outono progredia.
O principal objetivo no decorrer de outubro continuou sendo Londres, mas já não mais se limitou a
Londres apenas. A princípio, houve apenas alguns reides esparsos contra o norte e o centro da Inglaterra.
Pelos meados do mês, entretanto, esses ataques secundários começaram a espalhar-se, concentrando-se
contra Liverpool ou alguma isolada cidade dos Midlands e chegando, em menor escala, da Escócia à Gales
do Sul. Representavam uma dispersão de esforços que indicava um certo desencorajamento nos planos de
aniquilamento de Londres e uma tendência para transladar o esforço a outras partes do país.
A relativa ineficácia desses esforços dispersos, cuja persistência embaraçou um pouco os observadores na
Inglaterra, acabou por chamar também a atenção dos nazistas. O fracasso da tentativa de conquistar a
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Inglaterra por meio do aniquilamento de Londres obrigara os alemães a ampliar a frente aérea, a fim de
envolver as mais importantes zonas industriais do país. Mas, se uma ofensiva em escala extrema contra
toda essa frente estava além dos recursos alemães, impunha-se como método melhor, tanto no ar como em
terra, a concentração da maior força possível sobre um único ponto de ataque. Passaram-se, porém, seis
semanas de hesitação antes que os nazistas aceitassem a idéia de considerar Londres apenas como um dos
muitos de seus objetivos, e concentrassem os ataques a cada um desses objetivos separadamente.
Uma circunstância fortuita contribuiu para que fosse marcada a inauguração dessa nova fase. Embora os
alemães clamassem periodicamente que atacavam apenas objetivos militares, achavam dificuldades em
ater-se consistentemente a esta alegação, e assim alternavam os ataques com outros realizados, segundo
diziam, em represálias pelo bombardeio de cidades alemães. Desde o começo de setembro, a frase "reide
de represália" tornou-se habitual nos comunicados alemães. Este ponto de vista recebeu novo estímulo
quando a RAF teve a audácia de bombardear Munique enquanto Hitler se dirigia aos seus velhos
camaradas no aniversário do "putsch" da cervejaria nazista. Uma afronta assim exigia claramente uma
vingança de caráter especial - que serviria além disso para justificar as novas táticas da guerra aérea alemã.
Na noite de 14 de novembro - uma clara noite de luar sem nevoeiro e visibilidade de quinze milhas - o
golpe foi desfechado contra Coventry. Em ondas sobre ondas durante a noite toda, quinhentos aviões
submeteram essa cidade de 250.000 habitantes a um martelamento de tal ferocidade que não encontrava
paralelo nem sequer nos bombardeios sobre Londres. Mais de 400 toneladas de bombas choveram sobre
uma zona reduzida no coração da cidade, destruindo casas e lojas, pondo fora de ação o serviço de gás e
água e reduzindo a antiga catedral a uma carcaça devastada. Os importantes estabelecimentos industriais,
situados principalmente nos arredores, sofreram relativamente pouco. Mas isto explica-se, pois o objetivo
visado era a cidade considerada como comunidade, antes do que qualquer parte determinada da mesma. As
bombas incendiárias lançadas pelos primeiros atacantes guiaram os bombardeiros seguintes. Estes, voando
a grande altura, arrojaram suas bombas sobre a área conflagrada que lhes ficava debaixo. Era um modelo
de bombardeio indiscriminado, tendo em vista, quase na mesma escala, propósitos terroristas de resultados
materiais, e os atacantes preocupavam-se mais com a extensão dos danos do que com sua natureza.
Este foi o início de uma série de ataques semelhantes contra as principais cidades da Inglaterra. Londres,
que sofreu pesado ataque no dia seguinte ao de Coventry, experimentava periodicamente ataques em
massa. Nos intervalos, enquanto pequenos grupos de atacantes mantinham alertas as defesas da capital, os
principais ataques seguiram um circuito irregular, que incluiu Birmingham, Liverpool, Southampton e
Bristol, como principais cidades escolhidas para incursões repetidas. Outras eram submetidas a ataques de
importância secundária e, de quando em vez, um esforço de maior vulto era desenvolvido contra um novo
objetivo. Plymouth foi atacada a 27 de novembro. Sheffield sofreu o primeiro ataque de uma série em 12
de dezembro. Manchester foi acrescentada à lista em 22 de dezembro.
Embora o mau tempo trouxesse uma trégua ocasional - Londres, a 7 de dezembro, teve o seu primeiro dia
de descanso em três meses - as noites longas favoreciam os bombardeiros quando o tempo estava claro.
Somente o sucesso no esforço desesperado para encontrar uma resposta aos atacantes noturnos poderia pôr
fim a este severo processo de desgaste, e trazer alívio aos ingleses, que viviam agora sob a constante
sombra das bombas.
A 29 de dezembro um novo golpe fez sentir o peso da ameaça que pairava sobre o país. Até então o fogo
tinha sido utilizado como auxiliar para a destruição causada pelas bombas de alto poder explosivo. Mas
mesmo os primeiros ataques, como os levados a efeito sobre a zona do porto de Londres, revelaram o
poder devastador das bombas incendiárias, e colocaram os bombeiros na primeira linha dos defensores da
Inglaterra. Foi então exigido deles um esforço ainda maior, em vista de os nazistas terem escolhido de
preferência esta forma de ataque. Em um feroz ataque contra Londres, foi realizado um esforço deliberado
para destruir a cidade pelas chamas. Milhares de bombas incendiárias foram lançadas indiscriminadamente
contra a metrópole, com efeitos devastadores. A City, coração de Londres, foi atingida de modo
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particularmente violento. A grande cúpula da catedral de São Paulo recortava sua silhueta contra os
primeiros incêndios que lavraram em torno. A grande catedral foi salva à custa de heróicos esforços,
depois de estar por várias vezes em perigo, mas outros edifícios de alto valor estimativo foram destruídos
pelas chamas. O Guildhall foi consumido pelos incêndios que se propagaram dos edifícios próximos. O
Old Bailey e numerosos edifícios de empresas londrinas estavam entre os prédios destruídos. As igrejas de
Wren, tesouros incomparáveis da cidade, sofreram grandemente, tendo sido pelo menos oito destruídas
completamente. Em muitos casos, pouco houve a lamentar pelas destruições materiais a não ser pelo
sofrimento humano que causaram, pois houve quarteirões de ruas estreitas, cuja destruição daria lugar a
novas construções, mais condizentes com uma grande capital. Mas em uma única noite apenas o inimigo
infligiu a Londres um desastre sem paralelo desde o grande incêndio de 1666. Era evidente que a firmeza
de ânimo da população, já duramente posta à prova, ainda sofreria sérias provações na luta pela
sobrevivência.
Mesmo em face desta perspectiva, ainda havia motivos para encorajamento. Embora os danos causados
por ataques de 500 aviões fossem bastante sérios, era importante o fato de que os ataques se mantivessem
nessa escala limitada, e que somente um único em tais proporções foi realizado. Os atacantes ainda não
estavam preparados para empregar mais de uma parte de sua força, ou mesmo para lançar na luta os novos
tipos de aviões que haviam criado. Isto era um tributo animador às defesas aéreas da Inglaterra. Os
atacantes ainda não tinham encontrado um ponto fraco sobre o qual desfechar toda a força do golpe, na
confiante expectativa de um golpe decisivo. E se os nazistas estavam mantendo sua força verdadeira na
reserva, o mesmo faziam os britânicos, e enquanto essa força não fosse totalmente empregada, não poderia
ser suficientemente enfraquecida para um assalto final e decisivo. Este era, contudo, um empreendimento
que os alemães ainda não estavam preparados a tentar. A experiência final e definitiva na guerra aérea
ainda não fôra feita e, por sério que fosse o problema dos bombardeiros noturnos, não era, do ponto de
vista alemão, uma arma decisiva, a menos que pudesse quebrar o ânimo do povo britânico.
Civis na linha de frente
Os danos diretos causados à produção de guerra britânica pelos ataques aéreos eram menos uma questão
de destruição espetacular, do que um desgaste lento mas inexorável. Os danos que abrangeram uma zona
importante foram; neste sentido, provavelmente os causados nos ataques de setembro contra o East End de
Londres. Os incêndios ateados nos grandes depósitos próximos às docas destruíram importantes
quantidades de alimentos e outros artigos importados. Uma instalação de petróleo foi atingida e um
número considerável de fábricas sem dúvida veio a sofrer. Estes resultados em si, é verdade, eram
pequenos comparados com a economia nacional em conjunto. A continuarem os ataques incessantes,
entretanto, era certo que seus efeitos não seriam limitados a edifícios públicos ou moradias particulares.
Aqui e ali era atingida uma fábrica, e de quando em vez uma instalação industrial era completamente
destruída. A percentagem era pequena e grande parte dos estragos poderia ser reparada, entretanto, mesmo
um lento progresso, conseguido através de semanas e semanas de trabalho, não poderia deixar de exercer
influência sobre uma nação que exercitava todas as suas energias para sobrepujar o inimigo em aviões,
canhões e equipamento.
O mesmo se dava com os serviços de necessidade pública imprescindível. "Nenhum dos serviços de que
depende a vida de nossas grandes cidades", disse Churchill, "água, combustível, gás, esgotos, nenhum
deles foi completamente desorganizado". Entretanto, muitos serviços foram interrompidos ao serem
atingidas usinas elétricas ou gasômetros, ou quando foram rompidos cabos ou encanamentos, acarretando
conseqüências prejudiciais à produção. Havia demoras freqüentes nas comunicações, particularmente no
serviço postal. As ferrovias em geral funcionavam bem, mas os transportes urbanos ofereciam
consideráveis dificuldades, especialmente na zona metropolitana. E, enquanto os atacantes continuavam a
martelar sobre Londres e os portos da costa sul, a utilidade de tais portos limitava-se cada vez mais a
pequenos navios, desviando cada vez mais, para os portos da costa oeste, o encargo do vital comércio
ultramarino britânico. Mas esses portos, por sua vez, também foram alvo da indesejável atenção dos
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bombardeiros inimigos.
Mas não era unicamente a tais danos materiais que podia ser atribuído o declínio na produção. Devia ser
levado em conta também a mão de obra, assim como os materiais e maquinaria. Cada vez que um
trabalhador corria para um abrigo, durante um alarme anti-aéreo, a produção sofria. Os ataques de
inquietação efetuados durante o mês de outubro visaram particularmente aumentar essa interferência. Até
certo ponto, este efeito foi atenuado quando se começou a considerar o alarma como uma alerta, fazendo
os trabalhadores ir para os abrigos somente quando fossem informados pelos vigias que os atacantes
achavam-se nas vizinhanças imediatas. Mas este procedimento era incerto no caso dos atacantes estarem
ocultos pelas nuvens ou a grande altitude e havia limites aos riscos que se poderia razoavelmente pedir dos
empregadores. A perda resultante de horas de trabalho era provavelmente o principal fator no declínio de
produção verificado neste período.
Além disso, havia o prejuízo causado à eficiência, e que decorre inevitavelmente de qualquer alteração na
rotina normal de vida. Desse ponto de vista, mesmo o bombardeio indiscriminado, que não atingisse alvo
de importância objetiva, poderia ter ainda um efeito importante sobre a capacidade de produção. A
destruição de casas, que privava os operários de residir em lugares mais convenientes a seus empregos, as
interrupções nos serviços de ônibus e bondes, a perda de horas de sono em conseqüência de contínuos
ataques noturnos, poderiam exercer um efeito cumulativo. Embora poucas fábricas em Coventry tivessem
sido destruídas, a destruição de moradias, já escassas em conseqüência da expansão da indústria de guerra,
significava um sério inconveniente. A relutância ocasional dos condutores de ônibus e táxis em trafegar
durante os ataques de inquietação, ou as alterações nas linhas normais, alterações essas tornadas
necessárias pelas crateras ou bombas de tempo, aumentavam as dificuldades do tráfego. Nesta guerra total,
a desorganização da vida civil fazia inevitavelmente parte do esforço militar do inimigo.
Assim, não seria exagero dizer que o civil, especialmente o londrino, encontrava-se na linha de frente. Em
princípios de dezembro, mais de 19.000 civis tinham sido mortos e 27.000 feridos, sendo que
aproximadamente quatro quintos dessas cifras pertenciam a Londres. Formações como as de vigias antiaéreos e bombeiros estavam constantemente empenhadas em tarefas das mais perigosas e o grosso da
população estava exposto a perigos que, em guerras anteriores, somente corria um povo que sofresse
realmente uma invasão. Mas, embora corressem os riscos de soldados, eram ainda tratados como civis.
Não eram mobilizados e dirigidos em suas atividades, nem protegidos contra o ataque inimigo com a
mesma preocupação demonstrada para com as tropas. Constituíam uma guarnição que, para sua vida e
segurança, dependia, em grande parte, da própria iniciativa.
Isto não quer dizer que seu bem-estar fosse totalmente negligenciado. As vítimas civis dos ataques aéreos
tinham sido objeto de real preocupação desde que se tornaram sérias as perspectivas de guerra, e, em
certos aspectos, a organização criada pelo governo Chamberlain foi, dos preparativos de guerra, a medida
mais eficiente. O funcionamento das medidas de precauções contra ataques aéreos e o serviço auxiliar de
combate ao fogo mereceram louvores irrestritos. Os preparativos para o cuidado aos vitimados eram mais
do que adequados. Mas em certas outras ocasiões houve falta de previsão sobre as necessidades que
surgiriam e os métodos necessários para satisfazê-las.
Uma dessas questões era os cuidados àqueles que haviam ficado sem teto. Compreendera-se, até certo
ponto, que as perdas de vida provavelmente seriam acompanhadas de danos à propriedade, mas não houve
um cálculo real do que decorria disso. Quando zonas urbanas inteiras foram destruídas, (o subúrbio de
Poplar, por exemplo, onde mais da metade das casas foram atingidas), surgiram inúmeras pessoas sem
teto, sofrendo a necessidade imediata de alimentos, roupas e abrigo. Os centros de alojamento designados,
geralmente uma escola ou edifício semelhante, não estavam equipados para suprir as necessidades. Eram
encarados como lugares para onde os desabrigados passariam algumas horas, até encontrarem outra
acomodação. Mas, para encontrar tais acomodações, tornava-se necessária uma organização eficiente de
distribuição, e esta não existia. As dificuldades eram aumentadas pela distribuição de funções entre as
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várias corporações locais - conselhos distritais, comissões de assistência pública, comissários regionais - e
a tendência a encarar o problema sob um aspecto local, para o que eram completamente inadequados os
recursos das localidades mais pobres, muitas vezes as mais duramente atingidas. Além disto, os centros de
descanso não constituíam absolutamente abrigos, e enchê-los de desabrigados representava um aumento de
perigo. A tragédia ocorrida em um destes centros, em que grande número de pessoas sem teto foi alvo de
um bombardeio em conseqüência dos percalços nos preparativos para sua evacuação, constituiu uma
sombria demonstração da necessidade de ser melhorado o sistema. Foram tomadas medidas para
centralizar a tarefa, sob a direção de um único comissário, considerando Londres como uma única zona de
distribuição, e tornando assim possível utilizar casas vazias e outros alojamentos. Em outubro, o
equipamento dos centros de descanso e os dispositivos para fornecimento de refeições aproximaram-se de
uma base mais adequada.
Um outro problema, ainda mais premente, era o dos abrigos. Aqui, mais uma vez não foi encarada a
verdadeira natureza dos modernos ataques aéreos. Consideravam-se os abrigos como sendo lugares onde o
povo se refugiaria por uma hora ou duas, até terminar o ataque. Quase não ocorrera às autoridades a idéia
de ataques que, apenas com pequenos intervalos, continuassem durante dias e noites seguidas. Em
conseqüência, o verdadeiro emprego dos abrigos como dormitórios, não foi, em realidade, jamais
considerado. O princípio da dispersão foi, portanto, o que orientou a política dos abrigos. Dever-se-ia
encorajar o maior número possível de habitantes urbanos, particularmente mulheres e crianças, a partir
para o campo. Os que ficassem contariam com pequenos abrigos de superfície, os quais, embora não
resistindo a um impacto direto, dispersariam a população e assim, pensava-se, reduziriam as
probabilidades de baixas muito grandes.
Esta orientação era de emprego conveniente nas zonas fracamente bombardeadas, mas, quando começaram
os ataques em massa, o sistema falhou por completo, pelo menos no tocante aos distritos de Londres mais
duramente atingidos. Exigia-se maior sensação de segurança do que a proporcionada pelos abrigos de
superfície, acrescendo-se a isto o desejo de afastar-se do ruído ocasionado pelos ataques. Não somente a
explosão das bombas mas as detonações da barragem anti-aérea contribuíam para roubar o sono, e a oferta
do governo de fornecer tampões para os ouvidos despertou pouco entusiasmo entre a população que
suportava os bombardeios.
Assim, os londrinos começaram a ir para o subsolo. Sendo completamente inadequadas as acomodações
nos poucos abrigos públicos, suficientemente profundos, a população de Londres amontoava-se nas
estações das ferrovias subterrâneas, para dormir nas plataformas e escadas, ou reclamava a abertura de
grandes alojamentos em depósitos e edifícios de apartamentos relativamente seguros. Tentou-se
seriamente dissuadir os londrinos de tal procedimento, e particularmente de se aglomerarem nas estações
subterrâneas, mas em face da inexorável exigência do público, as autoridades foram finalmente forçadas a
ceder. "É imprescindível", reconheceu o ministro da Segurança Interna, "agir de acordo com a maneira de
proceder do povo de Londres em face das condições de ataques aéreos". Isto significava um
reconhecimento do uso de estações subterrâneas e um esforço para conseguir mais acomodações em
abrigos profundos.
Representava, ainda, uma tentativa para melhorar as condições nos abrigos. A aglomeração em
construções jamais destinadas a tal fim teve certos resultados alarmantes. A falta de ventilação e de
instalações higiênicas eram os defeitos mais incômodos, mas a ameaça de enfermidades era mais séria e a
falta de aquecimento na maioria dos abrigos aumentou a apreensão ao aproximar-se o inverno. "A menos
que sejam prontamente tomadas medidas eficientes", escreveu o British Medical Journal, "podemos prever
que, com a aproximação do inverno, um estado de coisas, relativo às moléstias infecto-contagiosas, poderá
vir a ser mais devastador que a blitzkrieg".
As medidas desejadas tardavam a chegar. Esperava-se uma ação mais eficiente, em princípio de outubro,
quando a retirada de Chamberlain do ministério resultou em numerosas modificações, inclusive a
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substituição de Sir John Anderson por Herbert Morrison, no Ministério da Segurança Interna. Morrison,
que advogara, antes da guerra, a construção de abrigos profundos, foi considerado um dos mais eficientes
administradores trabalhistas, cuja reputação fôra conquistada no próprio governo de Londres. Aceitou os
planos já aprovados para aumentar as acomodações de dormitórios nos abrigos, por meio de beliches
triplos, e prometeu dedicar maior cuidado aos problemas do aquecimento, instalações sanitárias e cuidados
médicos. Foram adotados novos planos para acomodações subterrâneas, inclusive a abertura de túneis em
certos trechos não utilizados do trânsito subterrâneo. Mas Morrison, argumentando que apenas 15% dos
londrinas recorriam a abrigos profundos, recusou-se a adotar uma política mais geral de construção e
continuou a confiar na dispersão, combinando a evacuação de habitantes da capital com novos abrigos de
superfície. O parecer de uma junta presidida por Lord Horder, apresentado em setembro, foi apenas
parcialmente aplicado e mesmo os melhoramentos prometidos, inclusive beliches para um milhão de
pessoas, estavam sendo feitos muito lentamente no fim do ano.
Contudo, o fato notável nestes meses de grandes esforços não foi a insistência nos pedidos para melhores
condições, mas a paciência da grande massa do povo ante essa situação sem precedentes. Era um tributo à
unidade de espírito que animava toda a população. O grande número de vítimas (embora os relatórios
semanais mostrasse nítido declínio), a perda de casas e propriedades, a fadiga motivada pela tensão e falta
de sono, eram fatores ocasionais e a natural impaciência ante a vagarosidade e a ineficiência por parte das
autoridades nada tinha a ver com a determinação de suportar não somente estas vicissitudes, mas quaisquer
outros encargos futuros. Longe de ficar abalado o moral do povo britânico, foram reveladas reservas de
fortaleza de ânimo, boa disposição e generosidade de esforço voluntário, que eram a própria essência do
espírito vivo da democracia. Foi neste espírito, quase tanto quanto em seus recursos naturais, que
continuou a basear-se a sobrevivência da Inglaterra.
Contra-ataque inglês
O fracasso do ataque aéreo de Hitler à Inglaterra, que representou uma grande vitória para a RAF, era,
entretanto, apenas parte da história. Compreendia-se claramente que uma defesa eficiente consistia em
algo mais do que apenas repelir o inimigo. O principal erro na filosofia da Linha Maginot foi justamente
não haver reconhecido esse fato. Era um erro em que a Inglaterra não pretendia incidir. Os seus métodos
de defesa não eram passivos, mas dinâmicos, e consistiam não somente em repelir o assaltante, mas
hostilizá-lo com contra-ataques até o limite de seus recursos.
Os primeiros objetivos, e essenciais, dos ataques britânicos foram os portos de invasão, do outro lado da
Mancha. Em princípio de setembro os nazistas pareciam estar fazendo intensos preparativos para a invasão
da Inglaterra. Haviam requisitado todas as barcas disponíveis, e os estaleiros ocupavam-se em adaptá-las,
para tornar possível o desembarque de tanques e canhões. Estas embarcações, com propulsão própria, e
capazes de transportar apreciável quantidade de homens ou material, movimentaram-se pelos rios e ao
longo da costa, indo concentrar-se nos portos desde Antuérpia até o Havre. Ao mesmo tempo, pequenos
navios de guerra, inclusive destróieres e submarinos, eram reunidos em prontidão para o dia em que
estivesse assegurado o domínio do ar e a armada pudesse ser lançada através do canal, rumo a seu objetivo
final.
A 5 de setembro os bombardeiros britânicos iniciaram uma série de ataques, dia e noite, visando um porto
de cada vez e contando com o auxílio da marinha. O Almirantado britânico qualificou essas investidas
como "poderosas e repetidas operações ofensivas". Na noite de 15 de setembro, que seguiu a grande
batalha aérea na qual as perdas alemães atingiram uma cifra recorde, a maré alta e a lua cheia ofereciam
condições perfeitas para a invasão. Mas o castigo infligido à Luftwaffe e os poderosos ataques contra as
bases de invasão frustraram quaisquer planos que tivessem sido imaginados. No dia seguinte o tempo
piorou e a 17 a concentração de barcas foi afastada da costa, procurando abrigo mais para o interior. O
perigo iminente fôra, no momento, pelo menos suspenso.
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Nas semanas seguintes correram rumores persistentes, segundo os quais fôra feita pelo menos uma
tentativa de invasão, com resultados desastrosos. A resposta foi um desmentido categórico de que as forças
britânicas tivessem alguma vez detido o inimigo no mar ou que seus aviadores tivessem visto um único
soldado alemão nas barcas. Ao mesmo tempo frisou-se, com insistência, que a invasão, embora sustada no
momento, ainda era uma possibilidade ativa, e nos meses seguintes os bombardeiros britânicos, auxiliados
periodicamente pela marinha, continuaram a martelar, com resultados devastadores, os portos ocupados
pelos alemães, ao longo de 3.200 km. de litoral.
Quer os alemães tivessem tido, ou não, neste período, planos de invasão, havia vantagens evidentes em
manter presente esta ameaça. Quanto mais esforços a Inglaterra despendesse contra os portos do canal,
tanto menos bombardeiros ficariam disponíveis para usar contra a Alemanha propriamente dita. Tais
ataques, dirigidos mais tarde contra bases de submarinos, como Lorient, bem como contra as bases de
invasão, eram de natureza essencialmente defensiva. Da mesma natureza eram, em grande parte, os
ataques desfechados contra aeroportos na Alemanha e em territórios sob ocupação alemã. Estes objetivos
representavam a primeira linha de defesa da Inglaterra e somente depois de alcançados é que a Inglaterra
poderia usar as forças disponíveis no contra-ataque ao potencial bélico da Alemanha.
Isto, no princípio, representava uma séria limitação. Outros limites foram impostos pelas circunstâncias. A
Inglaterra não somente tinha menor número de bombardeiros disponíveis, mas tinha de mandá-los mais
longe que os alemães, que atacavam das bases do canal. Isto praticamente significava que seus esforços
limitavam-se a incursões noturnas e, embora as horas de escuridão se prolongassem com o inverno, ainda
significava que os atacantes britânicos ainda podiam dedicar muito menos tempo sobre os seus verdadeiros
objetivos. Além disso, esses objetivos eram muito mais dispersos do que os centros importantes da
Inglaterra. Estendiam-se do Báltico ao Adriático e de Pilsen a Turim e seu número resultava numa
considerável dispersão de esforços. A Inglaterra reconhecera, talvez antes da Alemanha, a conveniência da
concentração do ponto de vista da eficiência. Mas, embora isto pudesse ser tentado até certo ponto, sentiase também a necessidade de manter uma pressão bastante constante sobre uma frente extremamente ampla.
Em mais de uma ocasião os aparelhos britânicos atacaram quarenta objetivos em uma única noite. Tal
tática diminuía inevitavelmente o peso do golpe que poderia ser vibrado em qualquer ponto isolado.
Com a extensão dos bombardeios indiscriminados pelos alemães, e particularmente após a série de ataques
iniciada em Coventry, surgiu em alguns círculos britânicos a exigência de represálias, especialmente
contra Berlim. O Alto Comando opôs-se categoricamente a tais métodos. Mostrava-se inclinado a duvidar
do efeito psicológico de tal processo e a natureza limitada de seus recursos tornava imperioso que estes
fossem utilizados para causar o máximo dano possível aos objetivos mais importantes. Havia tais objetivos
em Berlim, mas a capital, como cidade, não ocupava na vida alemã o mesmo lugar que Londres na da
Inglaterra. A destruição de Londres paralisaria a vida da Inglaterra. A destruição de Berlim, mesmo que
fosse praticável (e a experiência de Londres demonstrou quão difícil seria) teria apenas eliminado um dos
muitos centros em torno dos quais giram as atividades bélicas da nação alemã.
Contrariamente ao método de bombardeio indiscriminado, portanto, a RAF operou baseada em um plano
diretor, visando objetivos militares e industriais. O seu fim principal era procurar os pontos fracos do
potencial bélico germânico e martelá-los incessantemente. O ponto mais fraco de todos era, sem dúvida, o
petróleo. As refinarias e fábricas de petróleo sintético - Stettin, Leuna, Gelsenkirchen, Hanover - foram
persistentemente atacadas, semana após semana. Seguia-se de perto, em importância; o sistema alemão de
comunicações, cuja interrupção dificultaria ainda mais a produção de petróleo, prejudicando também a
economia geral. O grande parque ferroviário de Hamm recebeu especial atenção, como parte de um ataque
geral ao intrincado sistema ferroviário do Ruhr. As junções em centros tais como Mannheim, Coblenz e
Krefeld, o canal Dortmund-Ems, o grande porto fluvial de Duisburg-Ruhrort, as instalações portuárias e
ferroviárias de Hamburgo e Bremen, foram submetidos a pesados e repetidos ataques. Em terceiro lugar
estavam objetivos tais como fábricas de aviões - Focke-Wulfe em Bremen, Junkers em Bernburg e Dessau,
Messerschmitt em Gotha e Augsburg - uma longa série de fábricas de munições, inclusive os
estabelecimentos Krupp, em Essen, e Skoda, em Pilsen, fábricas de produtos químicos, usinas elétricas e
148
depósitos militares. Em Berlim, os principais alvos incluíram indústrias tais como as fábricas elétricas
Siemens-Schukert, bem como usinas elétricas, estações ferroviárias e fábricas de aviões. Em Colônia havia
fábricas de alumínio, de produtos químicos e de munições. Em Stuttgart havia os estabelecimentos
Daimler-Benz, de armamentos e carros blindados. Danos causados a qualquer um desses objetivos
poderiam ser contados como vantagens sob o ponto de vista britânico.
A extensão dos danos não pôde ser calculada com precisão. O Ministério do Ar britânico afirmou que o
porto de Hamburgo foi quase completamente inutilizado, e que os bombardeios do Ruhr resultaram em
grande redução na produção, 50% no caso dos estabelecimentos Krupp, e na remoção de fábricas e
operários daquela região. Havia motivos para acreditar que os suprimentos de petróleo tinham sofrido
consideravelmente, acentuando-se particularmente a importância dos danos causados ao sistema
ferroviário alemão. Afirmou-se que as estradas de ferro, já sobrecarregadas ao limite máximo, mesmo nas
condições mais favoráveis, haviam sido desorganizadas em uma proporção que prejudicava seriamente a
economia de guerra alemã. Os alemães não podiam transportar quantidades suficientes de carvão do Ruhr
para os altos fornos franceses, que esperavam colocar em base de produção, ou para os centros urbanos,
onde a população civil via-se a braços com a escassez de carvão, no inverno que se aproximava.
Observavam-se dificuldades semelhantes na obtenção das matérias-primas necessárias para as fábricas
alemães particularmente no Ruhr. Falava-se mesmo de colheitas que apodreciam nos campos, por falta de
transporte de operários para a ceifa. Mesmo que tais estimativas fossem apenas parcialmente corretas,
havia algum fundamento na crença expressa pelos ministros britânicos, de que os ataques sobre a
Alemanha causaram muito mais danos do que os ataques alemães contra a Inglaterra.
Entrementes, havia algumas considerações capazes de reprimir qualquer tendência a um otimismo
exagerado. Avião por avião, era altamente provável que os aviadores britânicos golpeassem mais
duramente. Eles procuravam objetivos específicos e os bombardeavam de uma altura de 1.700 a 2.600 m,
ao passo que os alemães preferiam uma altura três ou quatro vezes maior. Mas os atacantes germânicos
eram muito mais numerosos e as suas incursões duravam muito mais, e a extensão limitada dos danos por
eles causados sugeria que qualquer ameaça séria à produção necessitaria muito tempo. A esperança de
obter-se qualquer efeito realmente sério com os bombardeios noturnos repousava na perspectiva de que
alguma parte vital da economia da Alemanha tivesse tão pequena margem de excesso que mesmo um leve
prejuízo poderia romper o elo fraco na cadeia de seu esforço de guerra. Os ingleses acreditaram ter
encontrado dois desses elos no petróleo e nos transportes, e cresceu a convicção de que a persistência dos
ataques sobre esses pontos - e ainda mais a sua intensificação - era algo que a Alemanha não poderia
suportar por muito tempo sem sério risco de colapso.
A Campanha no mar
Não era somente por ataques aéreos que se exercia pressão sobre os pontos fracos da Alemanha. Menos
espetacular, porém muito mais persistente e extensa, era a firme pressão do bloqueio. A interrupção dos
fornecimentos ultramarinos, especialmente os de petróleo, ameaçava o Eixo em um ponto vital. Ainda
mais urgente era o problema dos transportes, criado pela suspensão do tráfego marítimo. Isto lançou novo
ônus sobre o sistema ferroviário, não somente da Alemanha mas de toda a Europa. O petróleo romeno, que
antes viajava pelo mar Negro e o Mediterrâneo, dependia agora da distribuição ferroviária, como
complemento à linha do Danúbio. O comércio com a França e Espanha era inteiramente terrestre. A Itália,
que antes recebia 80% de sua importação por mar, dependia agora inteiramente das rotas terrestres, e os
esforços da Alemanha para fornecer-lhe carvão e petróleo impuseram às estradas de ferro novo e pesado
encargo. Os ataques aéreos britânicos representavam importante arma de desgaste, mas representavam
papel secundário em relação à arma do bloqueio.
No outono houve indícios de que a balança do esforço alemão começava a desequilibrar-se. Durante os
primeiros meses da guerra, a Alemanha desenvolvera esforços persistentes para enfraquecer a Inglaterra
pelo contra-bloqueio. Era com o poderio aéreo, entretanto, que contava para uma decisão rápida, após a
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queda da França. Mas quando seus esforços iniciais fracassaram e viu-se ante a perspectiva de uma luta
prolongada, o bloqueio assumiu nova importância. A Alemanha ainda confiava nos ataques aéreos contra
os centros industriais britânicos para apressar o colapso da Inglaterra. Mas isto era apenas uma modalidade
de ataque: a segunda era o ataque por mar, e, no fim do ano, foi esta última que ofereceu a mais séria
ameaça às perspectivas de sobrevivência da Inglaterra.
A possibilidade de que a Inglaterra fosse eficientemente bloqueada havia sido aumentada pelas recentes
conquistas da Alemanha. Esta possuía agora um anel de bases de submarinos estendendo-se de Narvik a
Bordéus. Tinha bases aéreas no canal da Mancha e canhões de longo alcance para tornar perigosa a
passagem de comboios britânicos, e seus próprios navios de superfície, destróieres e lanchas torpedeiras,
desenvolviam atividade naquela zona. No Atlântico e mar do Norte estava mais próximo das rotas de
navegação oceânicas e seus portos não eram mais de entrada estreita, cuja passagem poderia ser tornada
perigosa pelas minas e patrulhas britânicas. Seus submarinos podiam ir mais rapidamente a suas bases,
permanecer no mar por mais tempo e cobrir uma zona mais extensa. Podiam manter uma vigilância
constante nessas zonas, a trezentas ou quinhentas milhas de distância, onde as rotas de navegação
começam a aproximar-se umas das outras, à medida que se avizinham dos portos britânicos. Os
submarinos maiores podiam ir mais além, para atacar no limite do sistema de comboios, onde somente um
ou dois navios de escolta acompanhavam os navios mercantes. O uso de submarinos menores, produzidos
em massa, dava-lhe unidades mais numerosas para multiplicar os pontos de perigo e provocar uma grande
dispersão de esforços pelas forças navais britânicas.
Esta nova situação também oferecia oportunidades mais amplas aos atacantes de superfície. Podiam sair e
voltar mais facilmente e operar com maior liberdade na zona pouco guarnecida do meio do Atlântico.
Como estas vantagens era de surpreender que seu aparecimento não fosse mais freqüente ou maiores os
danos causados. Foram assinalados corsários no Pacífico, Oceano Índico e Atlântico Sul, mas suas vítimas
foram relativamente poucas. Os atacantes no Atlântico Norte eram ainda mais raros. Contudo, a gravidade
da ameaça que representavam foi demonstrada a 5 de novembro, quando um couraçado de bolso alemão
atacou um comboio de 38 navios e começou tranqüilamente a destruir um a um. Foram salvos unicamente
pelo heroísmo do cruzador mercante Jervis Bay, que logo enfrentou o atacante e procurou aproximar-se,
com a esperança de colocar o corsário alemão ao alcance de seus torpedos ou de seus canhões de 150 mm.
Embora falhasse no empreendimento, permitiu que, dos 38 navios, 34 escapassem. A sua ousadia
encontrou eco na humilde bravura de um cargueiro sueco, que permaneceu nas proximidades do local da
ação até o anoitecer e depois, por voto unânime da tripulação reunida no convés, tornou à zona de perigo
para salvar 65 tripulantes. O próprio comandante sueco pronunciou o epitáfio do Jeryis Bay:
E para lá navegou com galhardia. Estava exatamente sob o fogo dos canhões do couraçado. Não tinha
probabilidade alguma de escapar, e nós o sabíamos; mas lá se manteve até o último momento a fim de dar
a nós outros, que nos encontrávamos nos navios mercantes, uma oportunidade para livrar-nos.
Nesta guerra marítima, a força aérea desempenhou um papel novo e cada vez mais importante. Os ataques
centra os portos britânicos para destruir seus serviços eram um aspecto do esforço do bloqueio. Eram
utilizados bombardeiros para atacar os navios, não somente no canal, mas mesmo mais longe da costa, e a
perda do Empress of Britain, a 26 de outubro, foi o resultado de um ataque aéreo coroado de êxito. E o que
era ainda mais importante: aviões de longo raio de ação podiam ser agora utilizados a fim de auxiliar os
submarinos na localização de seus objetivos. Eles não necessitavam mais vagar completamente às cegas. A
sua presa poderia ser-lhes indicada, e sua eficiência aumentou de maneira correspondente.
Era evidente a urgência de fazer frente a tais métodos e a criação de uma força de bombardeiros de longo
raio de ação tornou-se, depois da defesa contra o bombardeiro noturno, o problema mais premente da
Inglaterra, no ar.
A Inglaterra enfrentava, assim, um inimigo cuja posição era muito mais forte do que na última guerra, e
150
para combatê-lo seus recursos eram muito inferiores. Se na primeira conflagração tinha de vigiar uma
costa de poucas centenas de quilômetros, tinha agora de guardar uma frente de mais de três mil km. Não
mais esperava poder bloquear de modo eficiente as bases de submarinos. Podia contar, até certo ponto,
com o ataque direto, com a força aérea, ocasionalmente auxiliada pela marinha, como no bombardeio de
Cherburgo. O porto de Lorient, principal base para submarinos de longo raio de ação, foi um objetivo
especial, e a urgência crescente da situação foi demonstrada pelo ataque de três dias, iniciado em 26 de
dezembro. Entretanto, agora que os nazistas tinham tantas bases a escolher, mesmo a destruição total das
mais adequadas apenas trariam alguns inconvenientes a suas atividades submarinas.
Para guardar as linhas de navegação e perseguir os atacantes, a Inglaterra também achava-se em
desvantagem. Não mais contava com o auxílio da marinha francesa, a armada italiana estava contra ela, a
marinha americana ainda não viera em seu auxílio. Até mesmo a sua potência naval era menos adequada
do que no conflito anterior. A Inglaterra terminara a guerra passada com 527 destróieres e começou esta
com 178. A sua perda de 36 unidades até fins de 1940 fôra mais que compensada pelas novas construções,
e a aquisição de 50 destróieres americanos foi um acréscimo bem recebido. Mas, para dar caça aos
submarinos que cruzavam em uma área tão extensa, tal força era lamentavelmente pequena.
O mesmo se dava com o sistema de comboios. Esta fôra, na guerra passada, a resposta mais eficiente aos
submarinos, mas sua aplicação se ressentia agora da falta de navios de escolta. "Tivemos provas cabais",
escreveu o Almirante Richmond, "da eficiência do sistema de comboio, mas esta eficiência depende do
preenchimento de duas condições: que as forças de escolta sejam suficientemente fortes, tanto em número
como em tipos, para enfrentar quaisquer ataques que possam sobrevir, e que a proteção seja contínua em
toda a zona em que existe o perigo".
Isto foi claramente demonstrado pelos dois aparecimentos de corsários alemães no Atlântico Norte,
durante este período. No ataque de novembro o corsário despachou-se prontamente do Jervis Bay e
continuou a procurar os navios, que se tinham dispersado, neste meio tempo. Mas quando, no dia de Natal,
um corsário descobriu que o comboio visado estava guardado pelo cruzador Berwick, de 10.000 toneladas,
mudou prontamente de rumo e procurou ocultar-se no nevoeiro.
Para rematar tudo isto, havia a necessidade de navios no Mediterrâneo. Os êxitos navais ali foram em parte
conseguidos deixando expostas as rotas de navegação no Atlântico, e o preço foi um aumento na perda de
tonelagem. A cifra semanal mais baixa durante este período foi a de 16.806 toneladas, para a semana
terminada a 28 de outubro. Mas tais cifras não incluíram o Empress of Britain e dois cruzadores mercantes
perdidos na mesma semana e a cifra seguinte mais baixa foi de 31.094, para a semana terminada a 6 de
outubro. Mais características, contudo, são as cifras duas e três vezes maiores verificadas: 87.975 para 24
de novembro, 101.190 para 8 de dezembro, atingindo o recorde de 198.030 para a semana terminada a 21
de outubro. A média semanal de afundamentos (britânicos, aliados e neutros) subiu rapidamente a 65.000
para todo o período da guerra, mas a média nos últimos três meses de 1940 foi bem superior a 80.000
toneladas por semana.
A perda total de mais de quatro milhões de toneladas era em si um problema sério, e ainda mais alarmante
em relação ao futuro. A Inglaterra tinha conseguido muito mais navios do que perdera, nesse período. O
frete de navios neutros, as capturas de barcos inimigos, a disponibilidade dos navios noruegueses,
holandeses e gregos, quando estes países aderiram à causa aliada, acrescentaram mais dez milhões de
toneladas aos 21 milhões que a Inglaterra já possuía. Mas muitos desses navios já estavam à disposição da
Inglaterra, cujo comércio, na proporção de mais de 40%, mesmo em tempo de paz, era feito em navios
estrangeiros. Além disto, mesmo que essas aquisições pudessem ser contadas como vantagens líquidas,
não se poderiam repetir. As perdas futuras deveriam ser reparadas, seja pela compra de navios velhos dos
quais havia escasso número, seja por novas construções.
Mas mesmo os projetos britânicos de construir 1.350.000 toneladas por ano estavam muito aquém da
151
proporção de afundamentos, e, como aspiração, pareciam excessivamente otimistas. Era dos Estados
Unidos, cujos estaleiros já estavam sobrecarregados, que a Inglaterra devia depender para novas
substituições. A menos que a América pudesse aumentar sua produção, em benefício da Inglaterra, a
continuação da proporção existente de perdas conduziria inevitavelmente ao colapso britânico.
Enquanto isto, aumentava o esforço não só da marinha de guerra, mas também da marinha mercante. Com
o continente fechado para si, a Inglaterra tinha de recorrer cada vez mais aos países ultramarinos para os
fornecimentos básicos. Essas viagens mais longas eram feitas pelo sistema de comboio, com suas
prolongadas esperas nos portos, as rotas tornadas mais longas pelos movimentos de ziguezague e a
redução da velocidade de todos os navios do comboio à velocidade desenvolvida pelo barco mais lento. A
escassez de unidades da marinha de guerra significava que os navios mercantes tinham de ser desviados de
sua tarefa, e adaptados à missão de cruzadores armados. O transporte de provisões e reforços para o
Oriente Médio trouxe novos encargos aos navios, quando tiveram de tomar a rota mais longa, contornando
o cabo da Boa Esperança. Tudo isto significava que, com aproximadamente a mesma tonelagem que em
1914, a Inglaterra tinha em realidade menos navios disponíveis para a importação regular de alimentos e
matérias-primas. A comunicação de 13 de dezembro, sobre uma possível redução na ração de carne, foi
especificamente relacionada pelo Ministério da Alimentação com o fato de terem sido desviados navios
para o transporte de provisões ao Egito. A necessidade de mais barcos agravava-se, enquanto aumentava a
destruição alemã.
Nesta situação, a única esperança de substituições adequadas repousava nos Estados Unidos. "Devemos ter
navios", disse o ministro da Navegação, em apelo irradiado a 26 de novembro. "A nossa vida aqui e as
questões que dependem de termos bastantes navios são tão tremendas que não podemos estar muito
seguros quanto à nossa situação com referência à navegação. Devemos ter uma margem de segurança".
Neste, como em muitos outros aspectos, os Estados Unidos ocupavam então uma posição central e que se
poderia tornar decisiva. E, enquanto a urgência crescente dos apelos da Inglaterra era respondida pelos
esforços crescentes por parte da América, o Eixo, por sua parte, procurava um método de impedir este
auxílio e, com a extensão do Eixo ao Japão, Hitler procurou, agindo no Oriente, desfazer o equilíbrio que
se esboçava no Ocidente.
O Extremo Oriente e a Guerra
A irrupção da guerra na Europa parecia, à primeira vista, proporcionar ao Japão uma oportunidade
tradicionalmente favorável às suas ambições. No último meio século sua política constante fôra tirar
proveito das dificuldades das potências européias para consolidar e estender sua posição no continente
asiático. Um novo conflito, que absorvia todas as energias do Ocidente parecia ser a melhor garantia
contra qualquer interferência eficaz nas atividades do Japão no Oriente.
Essas atividades eram agora orientadas para fins extremamente ambiciosos. Quando o Japão começou a
desempenhar um papel nos negócios mundiais, no fim do século XIX, seu primeiro desejo foi proteger
seus interesses essenciais contra a onda do imperialismo europeu, que se estendia rapidamente. Isto levouo automaticamente a um imperialismo próprio, pois tal proteção parecia requerer a criação de uma esfera
de influência - na realidade um Lebensraum japonês no continente vizinho. Mas, a partir de 1920, isto já
era demasiado modesto para o espírito japonês, e o conceito de uma missão civilizadora especial apossarase da imaginação dos mais ardentes nacionalistas nipônicos. "Está agora perfeitamente claro", escreveu um
deles, "que a salvação de toda a raça humana constitui a missão de nosso império. As nações acham-se
agora em uma situação de desordem. Se toda a raça humana observasse a virtude de nosso Imperador e
viesse viver sob essa influência, então o futuro da humanidade seria iluminado".
Inspirado por esta alta finalidade, o Japão, depois de 1930, empreendeu esforços persistentes para assumir
o Encargo do Homem Amarelo. O fato deste encargo ter merecido da República Chinesa uma triste falta
de apreço, veio apenas tornar ainda mais firme a resolução japonesa. Desde a invasão da Manchúria, em
152
1931, a pressão contra a China prosseguiu firme e incessantemente. O Japão negou com insistência ter
quaisquer ambições territoriais, e as províncias conquistadas ficaram com uma independência nominal, por
sombria que fosse, na realidade. Mas o objetivo final desta fase da política japonesa era reduzir toda a
China a uma situação de subserviência, por acordo direto com o governo central, ou pela continuação de
um processo gradual de repartição que, depois de dividir a China em uma série de regimes fantoches,
permitiria por fim ao Japão estabelecer um novo governo central, diretamente sob seu controle.
No outono de 1939, contudo, estes esforços criaram para o Japão uma situação que lhe tolhia gravemente a
liberdade de ação. Quando irrompera a guerra anterior, em 1914, o Japão estava forte em recursos internos
e em preparação naval e militar. A sua aliança com a Inglaterra forneceu-lhe pretexto para atacar as
possessões alemães no Extremo Oriente e utilizar a sua vitória, barata e fácil, como prelúdio para grandes
exigências contra a própria China. A sua posição em setembro de 1939, era muito menos feliz.
Um incidente, em 1937, que o Japão pretendera ser de significação puramente local, envolveu-o em uma
luta decisiva contra toda a China. Os dois anos subseqüentes assinalaram uma série de vitórias japonesas
que continuaram deixando a vitória final tão distante quanto antes. Seus exércitos haviam penetrado no
interior do país, incapazes de desfechar um golpe decisivo ou de retirar-se sem desastrosa perda de
prestígio. Sua economia suportava o custo esmagador das contínuas hostilidades, cujo peso crescente
reduzia rapidamente o padrão de vida doméstico e criava séria corrente de descontentamento. Somente
uma solução satisfatória do incidente da China, por uma vitória militar ou pela rendição diplomática dos
chineses, poderia livrar o Japão desta dificuldade e deixá-lo livre para alcançar seus objetivos finais,
enquanto a Europa estivesse impotente para interferir.
Com efeito, o esforço para dominar a China era apenas uma etapa de um programa mais vasto, a que se
dedicava agora o Japão. O seu objetivo final era obter autoridade exclusiva sobre todo o Oriente. Em
declaração feita em 1934, um porta-voz do Ministério do Exterior reclamava para o Japão o exclusivo
direito de exercer influência econômica e política sobre os negócios da China. E em dezembro de 1938, o
príncipe Konoye afirmou a determinação do Japão de "prosseguir na tarefa de estabelecer uma nova ordem
na Ásia Oriental", uma tarefa da qual, como foi esclarecido, todas as outras nações seriam excluídas.
Os obstáculos potenciais à realização desse intento eram a União Soviética e as potências democráticas. A
posição geográfica da Rússia na Sibéria e Mongólia tornavam-na ameaça constante, que deveria ser
eliminada se o Japão quisesse gozar de plena segurança no continente. O movimento comunista chinês foi
desde logo o elemento mais decisivo e mais eficiente na resistência nacional à agressão japonesa, e a
Rússia era uma fonte não apenas de encorajamento moral a este movimento, mas de apreciável quantidade
de provisões militares. Quanto às potências democráticas - Inglaterra, França e Estados Unidos - os seus
interesses territoriais eram completados e mesmo superados por seus interesses econômicos no Oriente, e
embora seus governos se mantivessem alheios à aventura do Japão, não havia dúvidas quanto ao lado em
que estavam as suas simpatias populares. Uma feição básica da Nova Ordem devia ser a exclusão final e
completa do Ocidente.
Por outro lado, tornava-se mais e mais claro que o auxílio indireto que as políticas do Japão e do Eixo se
prestavam reciprocamente poderia transformar-se rapidamente em uma colaboração mais direta. Ambos
procuravam uma revisão da manutenção do status quo pelas democracias. Ambos tinham ambições que só
podiam ser satisfeitas às custas dos atuais possuidores. Se havia pouco terreno positivo para uma amizade
entre o Eixo e o Japão, havia pelo menos uma força poderosa: a identidade de inimizades. Havia, mesmo,
uma atitude paralela em relação a problemas internos. Com efeito, embora o caráter divino do imperador
como descendente do Deus Sol era um obstáculo à adoção completa do sistema fascista pelo Japão (Vítor
Emmanuel, afinal de contas, não poderia invocar tão ilustre linhagem... ) a nação não deixava de ser levada
pela necessidade a uma estrutura econômica corporativa, e seus dirigentes eram inimigos tão declarados do
bolchevismo e todas as suas obras, como os fascistas ou os nazistas.
153
Esta foi a base para o Pacto anti-Komintern que a Alemanha e o Japão firmaram em 1936, e ao qual a
Itália, Hungria e Espanha aderiram mais tarde. Seus termos eram tão vagos quanto ameaçadores, e
serviram para irritar os sovietes, sem assegurar qualquer promessa clara de apoio no caso de hostilidades
reais. O indício tangível do ressentimento russo foi uma séria demora na renovação de importante acordo
de pesca, um acontecimento que evidentemente não contribuiu para aumentar a popularidade do pacto no
Japão. Mas, se os círculos políticos alimentavam desconfianças, o exército encarava o pacto apenas como
um passo inicial para uma aliança mais definida, e o exército, com a sua independência do controle
parlamentar e a sua capacidade em fazer e desfazer mistérios, vinha tendo influência decisiva nos negócios
exteriores desde 1931. Propunha-se, agora, a persuadir seus novos amigos no ocidente a concordar com
um pacto militar formal.
Estas esperanças sofreram rude decepção. Enquanto uma missão militar percorria as capitais do Eixo, a
Alemanha dava os últimos retoques às negociações com a Rússia. A notícia do pacto germano-soviético
representou um golpe que deixou perplexos os militaristas japoneses. Representava isto um verdadeiro
revés, tanto mais que a atitude da Rússia, nitidamente conciliadora durante as primeiras fases da agressão
nipônica, mostrava indícios de tornar-se mais dura. Um choque armado em ilhas do rio Amur, em 1937,
não resultara em conseqüências sérias. Mas uma disputa sobre Changkufeng em 1938 resultara na feliz
defesa russa daquela posição e um início de hostilidades na zona de Nomonham, na fronteira da Mongólia,
em 1939, terminou em um revés que um porta-voz japonês francamente qualificou de "desastroso". Se o
urso ia retribuir os golpes recebidos, o Japão, mais do que nunca, necessitava de amigos.
O primeiro impulso dos chefes militares desiludidos foi seguir o exemplo da Alemanha e pactuar com as
potências contrárias. Mas não restava dúvida que, nessas circunstâncias, as condições seriam duras e os
japoneses começaram a recordar, esperançosos, que, embora a Alemanha tivesse deixado de lado o pacto
anti-Komintern, restavam os outros signatários. Era verdade que nem a Hungria nem a Espanha, e nem
mesmo a Itália, seriam de muito auxílio contra a Rússia. Mas esses dois caminhos permaneciam abertos ao
Japão, pelo menos em teoria e, neste meio tempo, a irrupção de hostilidades no oeste poderia permitir-lhe
tomar novas medidas, à custa da Inglaterra e Estados Unidos.
A posição desses países bem como a da França, já tinha sido seriamente enfraquecida pela expansão do
Japão. Os esforços de apaziguamento não tiveram maior êxito na Ásia do que na Europa. Cada nova
concessão era seguida por novas exigências. Cada recuo das democracias na Europa era seguido por novo
passo japonês na Ásia. Enquanto os tentáculos da agressão japonesa envolviam a China, a tentativa de
isolá-la das fontes externas de fornecimento trouxe ataques contra as ligações comerciais do ocidente e
pressão sobre as concessões estrangeiras que eram as bases de comércio com a China. A ocupação da
Manchúria e da China setentrional resultou na sua pressão prática dos interesses comerciais ocidentais ali.
Munique foi seguida pela invasão japonesa do sul da China e ocupação de Cantão. Tropas japonesas
ocuparam Bias Bay, adjacente ao território sob concessão inglesa no continente, defronte de Hong Kong.
Da pressão sobre a França resultou a promessa de cessar o embarque de armas pela estrada de ferro da
Indochina, mas não impediu uma ocupação japonesa da ilha de Hainan. A pressão sobre o núcleo britânico
de Tientsin obteve concessões da Inglaterra, mas o bloqueio continuou ainda por um ano inteiro, até serem
obtidas novas concessões. O Japão não podia ainda estar pronto a arriscar um choque aberto, mas,
excetuando isto, estava decidido a fazer todo o possível para tornar insustentável a posição dos
estrangeiros.
Com os Estados Unidos, entretanto, houve alguns momentos incômodos. Era da América que o Japão
recebia a maior parte de seus materiais de guerra imprescindíveis e a possibilidade de um embargo
americano, que já estava sendo preconizado com insistência nos Estados Unidos, devia ser sempre tida em
mente. O caminho para tal atitude foi aberto ao ser anulado o tratado americano com o Japão, o qual,
conseqüentemente, caducou a 26 de janeiro de 1940. E, embora os Estados Unidos não tivessem tirado
vantagem imediata da nova situação, o tom reservado do governo e a concessão à China, em março, de um
crédito de vinte milhões de dólares, aconselhavam uma medida de precaução. Um esforço para abrandar
esta atitude, insinuando que o Yangtse seria em breve reaberto ao comércio, não teve resposta. Era
154
evidente que, embora a Europa estivesse com a atenção desviada, os Estados Unidos ainda vigiavam
atentamente o Extremo Oriente.
Assim, apesar das evidentes vantagens da situação do Japão, os primeiros seis meses de guerra
encontraram-no impotente para tirar qualquer proveito substancial do conflito europeu. Embora tenha
causado indignação o fato de um vaso de guerra britânico ter detido, justamente às portas do Japão, o
Arama Maru e retirado 21 marinheiros alemães; e embora um almirante japonês tenha considerado "muito
desagradável ver vasos de guerra britânicos cruzando ao longo de nossas costas", os japoneses tiveram de
contentar-se com uma restituição de 9 dos prisioneiros. Forte tensão de ambos os lados foi motivada pela
detenção de súditos britânicos pelo Japão, sob vagas acusações de espionagem, e de cidadãos japoneses
pela Inglaterra, por motivos ainda mais indefinidos. Contínuo atrito era causado pelas exigências japonesas
para obter um maior controle sobre Shanghai e devido ao contínuo bloqueio de Tientsin. Mas nada disso
causou qualquer alteração fundamental na posição - que, reconhecidamente, já tinha sido bastante
enfraquecida - das potências estrangeiras na China, e uma vitória sobre a China continuava tão distante
como antes.
Na verdade, os esforços militares nipônicos mostravam uma eficiência que diminuía rapidamente. Um
sério revés sofrido em outubro de 1939 em Changcha foi em parte compensado no mês seguinte pela
invasão da província de Kwangtung e a captura de Nanning. Mas, como em outras regiões, o avanço
japonês tornava-se mais lento à medida que penetrava no interior, e a atividade dos guerrilheiros nos
territórios nominalmente conquistados continuava a tornar precário o controle japonês. Uma nova incursão
em fevereiro terminou tão mal que no fim foi qualificada como sendo apenas uma "expedição punitiva".
Nem as tentativas de paz, em dezembro, nem a tentativa subseqüente de criar um governo títere, dirigido
por Wang Ching-Wei, tiveram qualquer êxito. O custo crescente da triste aventura imperialista do Japão
foi revelado no orçamento de março, com o total sem precedentes de mais de dez bilhões de ienes.
Não era de surpreender, portanto, que o Japão começasse a lançar os olhos sobre novos e mais fáceis
terrenos de conquista. Desde o início, aventura na China tinha sido tarefa do exército, imposta por este ao
governo e à nação. Os chefes civis encaravam-na com desconfiança e perturbação, e mesmo a marinha,
embora compartilhasse dos sentimentos expansionistas do exército, demonstrava pouco entusiasmo por
esse empreendimento. Em contraste com a luta indecisa e sem resultados no continente, apontava o
caminho fácil que conduzia às ricas presas dos mares do Sul, onde a borracha, petróleo e estanho - todos
de necessidade vital para o Japão - pareciam aguardar um novo conquistador. O seu entusiasmo era tanto
maior por ser um terreno em que a marinha, até então sobrepujada pelas atividades do exército, muito
anunciadas mas pouco produtivas, desempenharia inevitavelmente o papel decisivo. Na primavera de 1940
todas essas considerações combinaram-se para fazer rever uma mudança nos objetivos territoriais
imediatos do Japão.
Tais idéias receberam impulso, de forma curiosa, com a invasão alemã da Noruega. Esta expansão das
hostilidades, criando novas conseqüências de guerra para os Países Baixos, provocaram temores,
claramente expressos pelos japoneses, pelo futuro das possessões holandesas no Extremo Oriente. A 15 de
abril, o ministro do Exterior Hirota proclamou a íntima ligação do Japão com a região dos mares do Sul e a
sua profunda preocupação "por qualquer acontecimento da guerra na Europa que possa afetar o status quo
das Índias Orientais Holandesas".
Era uma declaração que causava mais alarma do que simpatia entre as outras potências com interesses
naquela região. As ambições do Japão nunca foram ocultas e pronunciamentos desta espécie, em outros
casos, haviam sido muitas vezes o prelúdio de uma ação agressiva. O fato do Japão ter, dois meses antes,
denunciado o seu tratado de arbitragem com a Holanda, sob a alegação de não pertencer mais ao Tribunal
Internacional, já parecia ser destinado a preparar o caminho para um movimento de surpresa. Ao
pronunciamento de Hirota, o governo britânico respondeu expressando profunda preocupação por qualquer
acontecimento que afetasse a posição das Índias Orientais Holandesas, e o secretário Hull anunciou que
155
qualquer intervenção em seus negócios internos, ou alteração de sua situação por outros meios que não os
pacíficos, "seria prejudicial à causa da estabilidade, paz e segurança em toda a zona do Pacífico". Restava
somente ao Ministério do Exterior japonês expressar satisfação por essa identidade de vistas, satisfação de
que a imprensa japonesa, não percebendo que os pontos de vista na questão eram idênticos, deixou de
compartilhar.
A invasão da Holanda fez ressurgir a questão de uma forma mais aguda, provocando uma nova série de
pronunciamentos, semelhantes aos de abril. Desta vez, entretanto, o Japão estava visando uma finalidade
mais séria. "A atual situação internacional", disse o Ministro da Guerra, em junho, "desenvolve-se de uma
maneira vantajosa para a política nacional do Japão. Não devemos perder a presente oportunidade, ou
seremos acusados pela posteridade".
O Pacto de Berlim
Os primeiros passos, embora sob uma forma equivalente a pouco mais do que a solução de certas questões
secundárias, indicaram a posição melhorada do Japão em relação às potências ocidentais. Um acordo com
a Rússia, sobre a fronteira mongólica, anunciado a 10 de junho, constituiu um indício de que, naquele
momento, o Japão poderia dirigir sua atenção para o sul, sem nenhum receio sério de distúrbios no norte.
A disputa em Tientsin, que vinha durando há um ano, terminou a 19 de junho, quando a Inglaterra e a
França concordaram com a essência das exigências nipônicas. A retirada, em agosto, das poucas tropas
britânicas restantes no norte da China, simbolizava nova retirada em face da pressão japonesa. Enquanto
isto, o Japão aproveitava o ensejo para intensificar o bloqueio da China, exigindo que os franceses
restringissem o trânsito de mercadorias pela Indochina, concentrando novas tropas diante de Hong Kong, e
convidando a Inglaterra a fechar a estrada da Birmânia.
A estrada da Birmânia era agora, com exceção da longa e dispendiosa estrada para a Rússia, através de
Sinkiang, a única rota pela qual poderiam chegar provisões à China, do mundo exterior. Iniciada em 1937,
o seu trecho final foi aberto ao tráfego em princípios de 1939. Era uma estrada bastante rústica em alguns
pontos, serpenteando por entre precipícios e montanhas, com apenas 2,50 m de largura, em alguns lugares
sujeita a interrupções pelas tempestades e desbarrancamentos, e a prolongadas paradas do tráfego se um
caminhão se desarranjasse em algum trecho mais difícil. Mas embora de capacidade limitada e inadequada
para os transportes mais pesados, as caravanas de caminhões que percorriam 1.100 km. desde a estação
ferroviária de Lashio até o ponto terminal da estrada, em Kumming, transportavam as provisões de guerra
vitais à continuação da resistência chinesa. Um volume de tráfego de 7.000 toneladas por mês era bastante
pequeno, mas representava o próprio sangue da luta da China pela independência.
Foi esta artéria vital que a Inglaterra, após três semanas de negociações, concordou em fechar, por um
período de três meses, a partir de 18 de julho. Era uma importante concessão, decorrente da situação
desesperada em que se achava a Inglaterra, após o colapso da França. Toda a sua força era necessária na
Europa. Ela não estava em posição de assumir uma atitude firme no oriente se o Japão adotasse as
"enérgicas medidas finais" que ameaçara. O que alguns críticos duvidaram, entretanto, era se o
apaziguamento impediria de qualquer maneira tais medidas, e se a própria impotência da Inglaterra não
tornava mais vital do que nunca manter a resistência da China. Era verdade que o fechamento da estrada
coincidia com a estação chuvosa que, de qualquer maneira, forçaria uma grande diminuição no tráfego,
mas temia-se que esta medida inicial fosse apenas o prelúdio do completo abandono da China. Isto foi
negado por Churchill, o qual declarou aos que o criticavam na Câmara dos Comuns que era "um acordo
temporário, na esperança de que o tempo assim ganho pudesse conduzir a uma solução justa e eqüitativa,
para ambas as partes em disputa, e livremente aceita por ambas". Era assim uma condição implícita, se não
expressa, segundo a qual o Japão deveria aproveitar o intervalo para procurar a paz com a China. Mas
aqui, também, isto poderia ser interpretado como um encorajamento ao Japão para por fim à conquista da
China com um supremo esforço final.
156
No caso, o Japão mostrou-se incapaz tanto de derrotar Chiang Kai-shek como de negociar uma paz em
separado. Mas os seus principais esforços não foram dirigidos a nenhum destes objetivos, mas a estender o
seu controle a uma esfera inteiramente nova. A sua pressão sobre a Indochina tomara inicialmente a forma
de um protesto contra o pretendido trânsito de provisões de guerra. Mas, atrás disto havia uma tentativa
deliberada de liquidar, em seu próprio benefício, o cambaleante império francês no oriente.
Parecia evidente a natureza propícia do momento. Com a França prostrada e a Inglaterra completamente
ocupada, os adversários mais imediatos estavam fora do caminho. Os Estados Unidos tornavam-se cada
vez mais preocupados com a situação na Europa, e custariam a oferecer qualquer resistência efetiva à
expansão japonesa. O conquistador da França poderia formular algumas reclamações sobre suas
possessões coloniais. Mas o embaixador de Hitler dera garantias, a 22 de maio, de que a Alemanha não
estava interessada nas Índias Holandesas, e era de esperar que um avanço nipônico no sudeste da Ásia
seria encarado pelo menos com indiferença, e possivelmente com benevolência aprovadora.
Estas esperanças encontraram expressão nos pronunciamentos dos dirigentes japoneses. Em discurso sobre
a nova ordem na Ásia Oriental, irradiado pelo Ministro do Exterior Arita, a 29 de junho, foi prevista a
nova orientação expansionista. "Os países da Ásia oriental e as regiões dos mares do Sul", disse Arita,
"estão geográfica, histórica, racial e economicamente muito relacionadas. A união de todas essas regiões
em uma única esfera, na base de existência comum, assegurando, assim a estabilidade da esfera, é uma
conclusão natural". A idéia foi cristalizada na frase "Grande Ásia Oriental", que o príncipe Konoye, novo
primeiro ministro, pronunciou a 1o de agosto e que ele definiu como incluindo não só o Japão, Manchukuo
e China, mas também a Indochina e Índias Orientais". A estes limites seu Ministro do Exterior mais tarde
acrescentou o Sião, a Birmânia e a Nova Caledônia, excluindo delicadamente, embora apenas
temporariamente, sem dúvida, a Austrália e Nova Zelândia.
No momento, o problema imediato era a Indochina. A promessa francesa, feita em junho, de proibir o
transporte de mercadorias para a China, incluía a permissão ao Japão de postar inspetores nos principais
pontos, para verificar se o acordo era observado. A afluência subseqüente de funcionários japoneses foi
muito além de tudo o que se projetara antes. Em agosto os japoneses controlavam praticamente as
principais vias de atividade econômica da colônia, e formulavam novas exigências para bases aéreas e a
passagem de tropas japonesas Estas exigências encontraram obstinada resistência, tanto por parte das
autoridades locais como do governo de Vichy e, apesar da evidente fraqueza de ambos, o Japão
demonstrou uma visível hesitação em forçar suas exigências por ação direta. Diante de uma presa que
parecia quase sua, o Japão parecia dançar com impaciência quase incontrolável, não querendo, entretanto,
estender a mão e apanhar o que estava a seu alcance.
A explicação reside na constante incerteza do Japão sobre a atitude da Alemanha. A indiferença que Hitler
expressou em maio, mostrou logo ser mais aparente do que real. A Alemanha fez ver claramente que sua
conquista da França e Holanda de nenhuma maneira fôra destinada a beneficiar o Japão. Tendo suportado
os encargos e o calor do conflito, a Alemanha considerava à sua disposição os frutos da vitória. Poderia
talvez deixar uma parte ao Japão, mas esta parte dependia de seu consentimento. Para tal consentimento
era necessário um outro motivo do que um súbito impulso de generosidade, e o Japão deveria, por sua
parte, oferecer alguma compensação tangível pelas aquisições feitas graças ao vencedor.
Em agosto evidenciou-se terem surgido de ambos os lados motivos para um acordo. Se a queda da França
tinha despertado desmedidamente a ambição do Japão, a recusa da Inglaterra em cair tinha dado a Hitler
um incentivo para aumentar a frente contra ela. A crescente importância do auxílio americano à
continuação da resistência britânica tornava particularmente desejável encontrar algum modo de diminuir
ou anular essa assistência. Assim como o pacto soviético tinha sido baseado na esperança de que sua
conclusão induziria as potências ocidentais a se absterem de apoiar a Polônia, também se esperava que
uma aliança com o Japão forçaria os Estados Unidos a dedicar toda a atenção ao Pacífico e a renunciar a
157
qualquer interferência no conflito europeu.
Para reforçar essa idéia, um dos misteriosos enviados especiais de Hitler, Herr Stahmer, foi a Tóquio, em
princípios de agosto. Sua missão coincidia com os desejos do grupo então dominante na política japonesa.
O exército se tornara cada vez mais impaciente com a política do almirante Yonai. Sentia que este
demonstrava demasiada relutância em reconhecer a necessidade de uma nova estrutura nacional e a
impossibilidade de uma reconciliação com a Inglaterra e Estados Unidos. O ponto culminante chegou
quando o gabinete Yonai rejeitou o pedido do Ministro da Guerra para ser criado um sistema mais forte no
país e uma associação mais íntima com o Eixo. O resultado foi a substituição de Yonai pelo príncipe
Konoye, em julho, e uma nova aproximação com o fascismo, tanto no interior como no exterior. Mas desta
vez, também, a marinha abandonara sua oposição do ano anterior a uma aliança com a Alemanha, e estava
pronta a aceitar uma política exterior que prometia abrir caminho para a expansão rumo ao sul, por ela
desejada.
As novas negociações foram acompanhadas de crescente pressão sobre a Indochina. Foi ali que o valor
tangível da aliança proposta pôde ser provado imediatamente, pois a chave da situação não estava em
Hanoi nem em Vichy, mas em Berlim. Hitler, por sua parte, uma vez assegurada a aliança, estava
preparado a pagar adiantadamente, às custas de Vichy, para isso ordenando aos franceses a ceder. A 22 de
setembro foi assinado um acordo que deu ao Japão um direito limitado de guarnição e o uso de bases
aéreas da fronteira setentrional da Indochina.
Cinco dias mais tarde, uma aliança entre a Alemanha, Itália e Japão foi assinada em Berlim. As suas
disposições essenciais estavam contidas no artigo III.
Depois de prometer respeito mútuo pela nova ordem na Europa, dirigida pela Alemanha e Itália e a nova
ordem na "Grande Ásia Oriental" uma aceitação dessa frase vaga e ameaçadora - dirigida pelo Japão, as
três potências prometeram "auxiliar-se mutuamente por todos os meios políticos econômicos e militares,
quando uma das três partes contratantes fosse atacada por uma potência atualmente não envolvida na
guerra européia ou no conflito sino-japonês".
Havia somente duas potências de primeira classe atingidas por essa definição. Uma era a Rússia Soviética.
Mas o pacto apressava-se em esclarecer que a Rússia não era visada por suas disposições, declarando
especificamente que as relações existentes entre aquele país e os signatários não eram afetadas. Isto
deixava somente os Estados Unidos como a potência contra a qual era dirigida a aliança. Do ponto de vista
do Eixo, pelo menos, o objetivo final era enfraquecer a resistência da Inglaterra, mas, para consegui-lo, a
ameaça era dirigida imediatamente à América. Se fosse preciso qualquer novo esclarecimento, os
comentários da imprensa do eixo forneceram-no em abundância. Em uma declaração típica, o Corriere
della Sera descreveu a aliança como "uma séria advertência aos imprudentes do outro lado do Atlântico
que pudessem ser atraídos pela Inglaterra, por ideologias antiquadas ou por obscuros laços de interesse."
Não era, contudo, uma ameaça imediata de guerra. Declarações tais como a de Ribbentrop, segundo a qual
o principal objetivo do acordo era "restabelecer a paz no mundo o mais rapidamente possível", ou a
alegação do imperador japonês, quanto ao desejo de "implantar a justiça na terra e fazer do mundo um
único lar", deviam provocar certa dose de ceticismo nas democracias. Mas a finalidade essencial da aliança
era limitar o âmbito da guerra, levantando uma ameaça que impediria os Estados Unidos a uma
intervenção ativa ou mesmo indireta. Se, contudo, este objetivo falhasse, poderia bem parecer que o Japão
havia tomado sobre os ombros uma parcela bastante desproporcionada das conseqüências. A Itália e a
Alemanha já estavam plenamente envolvidas na Europa. Se os Estados Unidos interviessem no Pacífico,
era difícil ver como essas nações poderiam empregar qualquer esforço de uma forma que fosse de utilidade
real para o Japão. Mas se os Estados Unidos empreendessem uma ação positiva na Europa, o Japão parecia
obrigado a uma declaração de guerra. Parecia assumir um grande risco para obter pequenos resultados.
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Por outro lado, os resultados foram imediatos e as perspectivas de nenhum modo desprezíveis. O Japão
obtivera uma recompensa tangível, conseguindo tomar pé na Indochina. Poderia esperar razoavelmente
que Hitler empregasse seu controle sobre Vichy para facilitar-lhe a absorção final de toda aquela colônia.
Poderia contar, ainda, com a Alemanha, para exercer pressão diplomática sobre a Rússia, o que impediria
esta de provocar distúrbios enquanto o Japão estivesse ocupado em seu avanço para o sul. Poderia esperar,
não somente que o ataque do Eixo manteria a força inglesa plenamente ocupada - e corria o rumor que
Hitler ameaçara a alternativa de um compromisso de paz que deixaria a Inglaterra livre para agir no
Extremo Oriente - mas que as atividades do Eixo causassem à América tal preocupação que ficasse
impedida de qualquer ação no Pacífico, e a última ameaça às ambições japonesas estaria, assim,
efetivamente anulada.
Verificou-se rapidamente que haveria decepções de ambos os lados. Hitler, com objetivos próprios a
seguir em Vichy, mostrou pouca preocupação em facilitar os intentos japoneses. Nem a pressão japonesa
para uma base em Saigon, nem a diversão tentada pelo Japão, sob a forma de uma exigência siamesa para
a restituição do Camboja - embora isto tenha provocado choques isolados na fronteira - conseguiram
arrancar novas concessões aos franceses. O esforço inicial para flanquear os chineses, pela nova posição
na Indochina, teve uma curiosa conseqüência na retirada japonesa de Kwangsi e a triunfante entrada
chinesa em Nanning. Apesar do Japão anunciar insistentemente a iminência de um pacto soviético de nãoagressão, a Rússia manteve-se friamente alheia. O golpe final que o pacto vibrou no hesitante espírito
britânico de apaziguamento foi demonstrado pela decisão de reabrir a estrada da Birmânia, quando expirou
o acordo existente, a 18 de outubro. E a perspectiva de que o Eixo enfrentaria a América em benefício do
Japão, ou que este a desafiaria pelos interesses da Alemanha e Itália, desfez-se rapidamente em face da
vigorosa e agressiva reação dos Estados Unidos à dupla ameaça contida no pacto de Berlim.
A América e o Eixo
A atitude dos Estados Unidos em face do avanço do Japão fôra até então mais de reprovação moral do que
de oposição aberta. Havia, entretanto, crescente tendência em reforçar esta atitude com medidas que, sem
constituírem um desafio imediato, implicavam em uma advertência de ação mais concreta se o Japão
persistisse em sua orientação. Em 1938, o Departamento de Estado exerceu pressão sobre os fabricantes,
para imporem um embargo moral sobre a exportação de vários fornecimentos, como peças de aviões. A
denúncia do tratado comercial, em julho de 1939, abriu a possibilidade de mais medidas oficiais. Em julho
de 1940, o presidente impôs o sistema de licenciamento a uma série de artigos, que incluíam ligas de ferro,
munições, equipamento para aviação, gasolina de aviação e certas qualidades de aço. Isto ainda não
constituía um embargo, pois continuaram a ser concedidas licenças, mas levantava a perspectiva de os
26% da exportação americana de material bélico para o Japão serem cortados a qualquer momento por
ordem do executivo.
A crescente tensão evidenciada durante o verão, e que foi expressa por várias vezes em advertências dos
Estados Unidos ao Japão, atingiu nova fase com a conclusão do pacto de Berlim. Embora o secretário Hull
tenha declarado que o tratado "não alterava substancialmente uma situação que existia há vários anos",
observou também que o governo sabia o que estava em perspectiva e tomara esse fato em consideração, ao
decidir a orientação de sua política. Já antes da assinatura do pacto, os Estados Unidos haviam tomado
medidas que constituíam uma resposta. A 26 de setembro, foi decretado o embargo a partir de 16 de
outubro, a exportação de sucata, tão necessária à indústria do aço japonesa; ao mesmo tempo foi anunciado
um empréstimo de 25 milhões de dólares à China, a ser liquidado em compras americanas de tungstênio.
Em outubro foram adotadas novas medidas de advertência, com o reforço das forças americanas em Havaí
e - talvez a mais chocante de todas - o conselho do Departamento de Estado aos americanos residentes em
territórios sob controle japonês para regressarem a seu país logo que pudessem liquidar seus negócios.
Estas medidas tiveram um efeito nitidamente calmante sobre o ardor dos líderes japoneses. No primeiro
arranco de entusiasmo com a nova aliança, pareciam inclinados a julgar que os Estados Unidos podiam ser
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desafiados sem risco. "Se os Estados Unidos recusarem deliberadamente compreender as verdadeiras
intenções do Japão, Alemanha e Itália", disse o príncipe Konoye, a 4 de outubro, "e desafiarem as nações
do Eixo; este estará pronto a aceitar tal desafio e a lutar até o fim". Ao mesmo tempo, o ministro do
Exterior Matsuoka afirmava: "Lanço este desafio à América. Se esta, para sua satisfação, quer apegar-se
cega e obstinadamente ao status quo no Pacífico, nós combateremos a América. Pois será melhor perecer
do que manter o status quo."
Esta exuberância belicosa, entretanto, cedeu rapidamente nos dias seguintes. O espetáculo de milhares de
cidadãos americanos acorrendo a comprar passagem para seu país era, por si só, suficiente para provocar
reflexões mais moderadas no Japão. Em 11 de outubro explicou-se oficialmente que a aliança realmente
não significava o que parecia significar e que, longe de ser obrigado a intervir em um choque entre a
América e seus aliados europeus, o Japão estava perfeitamente livre para decidir seu próprio modo de agir.
"Ainda somos senhores de nossa política", disse o porta-voz diplomático. "Sempre prezamos nossa
autonomia diplomática e ainda a temos". Em discurso pronunciado dois dias mais tarde, Matsuoka
descreveu o pacto como uma aliança de paz e convidou a América a aderir e auxiliar a "transformar todo o
mundo em uma só e grande família".
Decorrido um mês da assinatura do Pacto de Berlim, podia ver-se que sua contribuição imediata à
realização das ambições do Japão era insignificante. A Inglaterra, para satisfação manifesta dos Estados
Unidos, tinha reaberto a estrada da Birmânia. A Rússia fizera ver claramente que não tinha intenção de
cessar seu auxílio à China. As Índias Holandesas reforçavam suas defesas e, apesar de um acordo,
aumentando os fornecimentos de petróleo ao Japão, resistiam a suas exigências de maior vulto. A partir
disto, a resistência da China, continuando com o mesmo vigor, era novamente encorajada pelo fato de a
Inglaterra e os Estados Unidos, depois de nove anos, terem finalmente descoberto na China Livre uma
aliada das democracias.
Este último fato sobressaiu ainda mais em princípio de dezembro. Lenta e relutantemente, o Japão era
levado à conclusão de que nenhuma paz aceitável poderia ser negociada com Chiang Kai-shek. Com a
melhor tática possível, voltou ao regime fantoche de Nanquim, chefiado por Wang Ching-Wei. O
reconhecimento daquele governo, várias vezes adiado, foi solenemente proclamado a 30 de novembro,
acompanhado de um "tratado de paz", que nenhuma das partes poderia cumprir efetivamente. A resposta
imediata dos Estados Unidos foi a concessão, à China, de créditos no total de 100 milhões de dólares. Isto
foi seguido pela extensão das medidas de licença pan exportação a importante série de produtos de ferro e
aço. O Canadá já proibira a exportação de cobre para o Japão. A Inglaterra, a 10 de dezembro, concedeu à
China créditos no valor de 10 milhões de libras. Por este tempo Matsuoka fôra reduzido a uma quietude
involuntária. "Não estamos conquistando a China", assegurou, ele a um jornalista, a 9 de dezembro.
"Poderá levar meio século mas o mundo verá como somos sinceros. Admito que o que estamos fazendo
possa parecer uma guerra de conquista. Se o povo americano nos compreendesse, estaria disposto a
auxiliar; mas não nos pode compreender".
O último movimento do Eixo, portanto, em vez de forçar uma nova retirada americana no Pacífico,
realmente conduziu a uma inversão da retirada que se estava processando antes. No Atlântico, o seu efeito
foi igualmente decisivo. Berlim calculara que a ameaça do Japão forçaria a América a abandonar todos os
interesses na Europa e dedicaria todos os seus recursos a proteger seus interesses na Ásia. O efeito real foi
revelar quão fundamentalmente o resultado do conflito europeu estava ligado à sobrevivência americana.
Se o Eixo fosse derrotado na Europa, o Japão deixaria de ser uma ameaça séria. Mas, se a Alemanha e
Itália vencessem, os Estados Unidos ver-se-iam ameaçados não somente no Pacífico, mas possivelmente
mesmo no continente americano. Era do lado do Atlântico que residia a ameaça real e somente a luta
desesperada da Inglaterra para sobreviver impediam-na de tornar-se uma ameaça imediata. Se a Inglaterra
sucumbisse, a América e os ditadores enfrentar-se-iam, em mortal e implacável inimizade.
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O princípio de todo o auxílio possível à Inglaterra, portanto, tornou-se a política visada não somente pela
administração mas por grande parte do público americano. Este importante fato foi nitidamente ilustrado
na campanha eleitoral, durante o outono. Embora ainda se fizessem ouvir vozes isolacionistas, ambos os
candidatos presidenciais prometiam o máximo auxílio, excetuando a guerra. Quaisquer esperanças que
tivesse o Eixo de criar um conflito de opiniões - e havia indícios definidos de que o Pacto de Berlim visava
este objetivo - foram grandemente desapontadas por esta identidade de vistas, e terminaram com a
reeleição de Roosevelt.
O problema dos meios, entretanto, era de crescente dificuldade. Os primeiros auxílios se apresentavam sob
a forma de fornecimento de armas e material bélico disponíveis. Mas no outono, estas fontes estavam
quase completamente esgotadas. Uns poucos remanescentes podiam ainda ser aproveitados. As
encomendas suecas de aviões foram desviadas para a Inglaterra. Tanques de treinamento e canhões de
defesa costeira foram cedidos ao Canadá. Muitos bombardeiros de longo raio de ação, conhecidos como
"fortalezas voadoras", que estavam em construção ou encomendados, foram prometidas à Inglaterra ao
serem concluídos, juntamente com o visor de lança-bombas Sperry, que fazia parte de seu equipamento.
Mas as entregas futuras, era claro, somente seriam possíveis com uma produção substancialmente
aumentada.
Isto foi demonstrado com a situação das entregas de aviões. A 30 de outubro, Roosevelt revelou que a
Inglaterra pedira permissão para encomendar mais 12.000 aviões, elevando o total encomendado a 26.000.
Somente a construção de novas fábricas tornaria possíveis tais fornecimentos dentro de um prazo razoável.
Em tal situação, as entregas de aviões dificilmente atingiam a 300 por mês. Foram entregues 383 em
agosto, mas desceram a 284 em setembro, e dos 334 exportados em outubro, a Inglaterra recebeu somente
280. A exportação de motores para aviões, que atingiu a 648 em outubro, indo 544 para a Inglaterra,
mostrou uma constante melhora, que modificou de alguma maneira a situação. Mas seria necessária uma
expansão substancial das indústrias de defesa para atender aos pedidos em perspectiva.
O problema foi complicado pelo fato da crescente pressão da Inglaterra ter-se verificado simultaneamente
com o aumento de encomendas resultante do programa americano de rearmamento. O fortalecimento das
defesas da nação sem interferir no afluxo de fornecimentos à Inglaterra envolvia constantes questões de
prioridade e colocaram o presidente diante de um de seus problemas mais árduos. A 8 de novembro ale
anunciou o estabelecimento de um regulamento de distribuição, pelo qual os dois países repartiriam
igualmente os fornecimentos de material bélico. Mas por satisfatório que fosse isto, não resolvia a questão
da suficiência de tais fornecimentos. E esta questão tornava-se cada vez mais crítica para as perspectivas
da Inglaterra. Como foi exposto francamente por Lord Lothian, 1941 seria certamente um "ano árduo e
perigoso". Ele repetiu a advertência feita com freqüência cada vez maior pelos líderes britânicos, de que
Hitler "certamente renovará o ataque à Inglaterra com todo o seu poderio, neste inverno na primavera".
Este ataque teria de ser enfrentado por uma Inglaterra que Churchill descreveu como uma nação meio
armada enfrentando uma nação plenamente armada. Era somente em fins de 1941 que a Inglaterra poderia
esperar estar plenamente armada, e isto somente se pudesse contar com o máximo auxílio dos Estados
Unidos. À descrição de Arthur Greenwood, da América como um segundo arsenal, aliava-se o
reconhecimento de que a produção da Inglaterra não era suficiente, mesmo quando aumentada com a
crescente chegada de provisões do Canadá, cada vez mais industrializado. Os abastecimentos americanos
deviam vir nas maiores quantidades e com a maior rapidez possíveis, a fim de permitir à Inglaterra
enfrentar a crise que se anunciava.
Mas não era somente a produção que representava um problema. Lothian, fazendo ver a necessidade de
aviões, munições e navios, previu também a necessidade de auxílio financeiro. A sua declaração de que a
Inglaterra aproximava-se do fim de seus recursos foi recebida com considerável reserva em alguns
círculos, em face do cálculo da Comissão de Reserva Federal, de que a Inglaterra começara a guerra com
um ativo líquido de quatro e meio bilhões de dólares. Mas, como a Inglaterra gastava 14 milhões de libras
por dia e enfrentava uma balança comercial adversa cada vez mais séria, as dificuldades de câmbio e o
problema financeiro envolvido na política de cash-and-carry tornavam altamente desejável encontrar
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disposições mais generosas.
Essas necessidades conduziram, no fim do ano, à inauguração de uma nova fase nas relações entre a
Inglaterra e os Estados Unidos. Os britânicos admitiam, com crescente franqueza, a seriedade da situação.
A visita de Lord Lothian a Londres, em novembro, não só permitiu-lhe fazer uma idéia clara da situação,
mas oferceu-lhe uma oportunidade para convencer seu governo que tais táticas eram as mais convenientes
naquelas circunstâncias. A sua clara exposição das necessidades da Inglaterra, em entrevista concedida na
sua volta, foi seguida por conversações entre funcionários da Fazenda de ambos os países, no decurso das
quais Sir Frederick Phillips declarou publicamente a necessidade de créditos para a Inglaterra, a fim de
fazer frente aos compromissos futuros. O último discurso de Lothian, lido por um auxiliar enquanto o
embaixador achava-se em seu leito de morte, constituiu não somente uma exposição lógica das questões
envolvidas no conflito europeu, mas um poderoso apelo para o máximo auxílio americano à Inglaterra, na
luta desesperada em que se empenhava.
Estes foram os primeiros passos que levaram o público americano a uma nova compreensão da situação
reinante. Foram seguidos imediatamente por esforços por parte da administração para apressar a
organização da produção e preparar o caminho para a adoção de novas políticas, livres tanto das restrições
como da ostensiva imparcialidade da Lei de Neutralidade. A criação de um conselho de quatro membros
para dirigir a produção da defesa foi uma medida destinada a vencer sério obstáculo na expansão de
armamentos. A natureza da nova política foi indicada pela sugestão de Roosevelt de que os armamentos
deviam ser arrendados ou emprestados à Inglaterra, um procedimento que forneceria à Inglaterra o que
realmente precisava, eliminando ao mesmo tempo as complicações decorrentes do câmbio em dólares.
Mas implicava também em um auxílio irrestrito à Inglaterra, contra seus inimigos, conforme foi
claramente indicado na parábola de Roosevelt, sobre o empréstimo de uma mangueira de água a um
vizinho, cuja casa era presa de incêndio. Quando aconselhou a Inglaterra a continuar na firma de contratos,
num total de três bilhões de dólares, mostrou-se confiante em que o Congresso consentiria em tais
medidas, necessárias à Inglaterra.
As potências do Eixo naturalmente encararam estes acontecimentos com crescente desconfiança.
Encontraram pretexto para exprimir sua irritação em uma entrevista do ministro britânico da Navegação. O
sr. Cross, frisando a necessidade de construção americana para completar a da Inglaterra, e acentuando que
os navios encomendados aos estaleiros americanos levariam um ano em construção, disse ambicionar os
navios paralisados nos portos americanos, que poderiam preencher a lacuna. Boa parte desses navios
consistia em barcos alemães e italianos imobilizados pelo bloqueio. A idéia de que estes deveriam ser
entregues ao inimigo levou um porta-voz alemão a advertir os Estados Unidos de que estavam sendo
incitados a cometer um ato de guerra. Advertências semelhantes foram feitas ante a sugestão de que fosse
permitido aos navios americanos ir até portos irlandeses. A Alemanha não chegou a ameaçar guerra, mas a
imprensa italiana, que participou do clamor, foi mais longe, e advertiu a América que tais medidas trariam
uma declaração de guerra pelo Japão - ameaça a que o Japão, como parte envolvida, deixou de responder.
Esta situação ficou definitivamente assentada pela irradiação de Roosevelt a 29 de dezembro. Era um
toque de clarim para ser desenvolvido o máximo esforço nacional, a fim de assegurar uma vitória
britânica. "O Eixo não somente reconhece", disse ele, "mas proclama que não pode haver paz final entre a
sua e a nossa filosofia de governo... Não pode haver apaziguamento com a violência. Não pode haver
argumentação com uma bomba incendiária. Sabemos agora que uma nação somente pode ter paz com os
nazistas ao preço da rendição total... O povo britânico está movendo uma guerra ativa a esta diabólica
aliança. A nossa própria segurança futura depende em grande parte do resultado dessa luta... A luta da
democracia contra a conquista mundial está sendo grandemente auxiliada e deve sê-lo ainda mais, pelo
rearmamento dos Estados Unidos e pela remessa de cada onça e cada tonelada de munições e provisões
que possamos poupar, para auxiliar os defensores que estão nas linhas de frente... Devemos ser o grande
arsenal da democracia... Não haverá esmorecimentos em nossa determinação de auxiliar a Grã-Bretanha.
Nenhum ditador, nenhuma combinação de ditadores enfraquecerá esta resolução por ameaças de como
162
interpretam eles esta resolução."
Tal pronunciamento era declaração, se não de verdadeira aliança com a Inglaterra, pelo menos de
hostilidade sem reservas aos adversários da mesma. Na promessa que continha, mesmo mais do que na
crença expressa do presidente de que "as potências do Eixo não vão vencer esta guerra", a Grã-Bretanha
podia encontrar a garantia, de que necessitava tão desesperadamente, de apoio material do Novo Mundo,
com o qual poderia prosseguir a luta até a vitória final.
As Dificuldades do Eixo
O fato da Alemanha não ter conseguido efetuar a conquista imediata da Inglaterra, tornou necessária uma
modificação radical nos planos do Eixo. Estando agora fora de cogitações uma vitória rápida e definitiva,
as perspectivas de uma guerra curta tiveram de ser abandonadas, e levados a efeito preparativos para uma
luta mais severa e prolongada. Isto implicava em uma mudança de cálculos, tanto políticos como militares.
A demora em obter uma decisão não somente deu à Inglaterra tempo para aumentar seus recursos
militares, como lhe ofereceu uma oportunidade para transformar os remotos recursos potenciais do Novo
Mundo em verdadeiras armas, removendo-os das minas e fábricas para os campos de batalha. A
perspectiva de um potencial de guerra que aumentava de maneira ininterrupta e firme, obrigava os países
do Eixo a reunir, por sua parte, todos os recursos de que pudessem dispor. Não somente sua própria força,
mas a da Europa conquistada, devia ser mobilizada e desenvolvida à sua capacidade máxima, se quisessem
alcançar a vitória antes dos recursos muito mais vastos das democracias entrarem em jogo.
Assim, a organização da Europa sob o domínio alemão, que os nazistas esperavam efetuar calmamente,
depois da vitória, teve agora de ser tentada em meio a condições de guerra, enquanto o resultado ainda,
estava por decidir-se. A criação de uma "nova ordem" tornou-se o tema principal da diplomacia do Eixo.
"Em poucos meses", jactou-se Hitler, em seu discurso de Munique, "a Alemanha implantou realmente a
liberdade neste continente. A tentativa britânica de balcanizar a Europa - e os estadistas britânicos devem
notá-lo cuidadosamente - está terminada e excluída. O objetivo da Inglaterra era desorganizar a Europa. A
Alemanha e Itália a organizarão".
Esta empresa napoleônica era uma tarefa complexa e vasta. Nem todas as nações interessadas encaravam
com entusiasmo o conceito alemão de liberdade. Enquanto a população conquistada mostrava crescente
resistência, os Estados satélites demonstravam relutância cada vez maior em colocar seus destinos
inteiramente à mercê dos nazistas. A tarefa de Hitler consistia em persuadir um continente inteiro a aceitar
uma unidade integrada, dirigida por uma única política, ditada pela própria Alemanha de conformidade
com seus próprios interesses essenciais. Mas estes nem sempre eram os interesses dos Estados envolvidos,
e eles freqüentemente divergiam, não somente da Alemanha, mas entre si. A persuasão e pressão
combinadas reconciliariam a Espanha e a Rússia, a França e a Itália - e mesmo, segundo parecia, a Itália e
a Alemanha - na realização de um esforço comum e harmonioso; mas era simplesmente gigantesco.
Enquanto Hitler prosseguia em sua tentativa, o êxito por ele conseguido apenas serviu para marcar com
clareza ainda maior os limites além dos quais, sem uma completa vitória militar, poderia ter pouca
esperança de avançar.
O seu avanço mais notável foi na Romênia. A rendição política desse país ao Eixo, em princípios de
setembro, foi apenas prelúdio do controle militar alemão. Em princípio de outubro começou a penetração
de tropas alemães na Romênia. Foi diversamente explicada: como remessa de instrutores para o exército
romeno (que Antonescu tinha pedido em setembro), como as conseqüências essenciais da garantia do Eixo
à integridade da Romênia, e como necessária para guardar as jazidas petrolíferas contra a sabotagem.
A última explicação era decididamente a mais provável. A constante necessidade de reabastecer os
depósitos de petróleo do Eixo - particularmente com a exaustão dos depósitos tomados em conseqüência
de conquistas anteriores - tornou-se aguda com as perspectivas de uma guerra prolongada. A Alemanha
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tinha agora não somente de preocupar-se com suas próprias necessidades, mas com as da maioria da
Europa. Mas a Europa conquistada estava agora isolada das fontes ultramarinas de que recebia
normalmente a maior parte de suas provisões. A Itália, particularmente, via-se em sérias dificuldades, com
a sua única fonte imediata, os poços albaneses, suprindo menos de dez por cento de suas necessidades
normais, mesmo antes do avanço grego ter ameaçado cortá-los completamente. A Alemanha produzia
pouco mais da metade de suas necessidades de tempo de paz, de 8 milhões de toneladas, mas a quantidade
produzida por outros países europeus era insignificante. A Romênia, com uma produção de quase seis
milhões de toneladas, cujo pleno controle era vital para o Eixo, constituía uma exceção. Mesmo assim a
diferença entre a produção européia e o consumo era de 10 a 20 milhões de toneladas, dependendo da
natureza da guerra e da eficiência do racionamento civil; assim, a menos que a guerra pudesse ser
terminada antes de serem consumidas as reservas existentes, novas fontes deveriam ser encontradas.
Em vista disso, o controle da Romênia representava uma vantagem que não devia ser desprezada. Com
hábeis manobras, baseadas no método de exigências gradativas, exposto por Hitler no Mein Kampf, tal
controle foi assegurado sem guerra e sem a destruição dos poços, o que fôra preparado para execução em
caso de guerra. O efeito foi verificado na apreensão das principais companhias petrolíferas, a maioria delas
de propriedade de capitalistas britânicos ou franceses, e no acordo, pela Romênia, de fornecer à Alemanha
três milhões de toneladas no ano seguinte, duplicando o máximo das vendas anteriores. O transporte ainda
representava um problema, mas de maneira alguma insolúvel caso fossem tomadas medidas para aumentar
os serviços de barcas e oleodutos. Um obstáculo mais sério era a situação perturbada da Romênia,
demonstrada pelos distúrbios e assassínios em massa efetuados pela Guarda de Ferro, em fins de
novembro. A anarquia que favorecera os objetivos políticos alemães era dificilmente compatível com a
satisfação de suas extensas exigências econômicas.
A absorção da Romênia, contudo, era apenas uma fase dos planos da Alemanha para a Europa ocidental.
Toda a área do Danúbio devia ser fundida em um único bloco econômico, dedicado à produção de
matérias-primas essenciais à alimentação da indústria alemã e constituindo um mercado para os produtos
manufaturados alemães, dentro de limites estabelecidos pela própria Alemanha. Do ponto de vista
estratégico, a formação de tal bloco excluiria influências hostis e proporcionaria à Alemanha uma base
para preparar novo avanço; sua expressão política seria a adesão dos pequenos estados danubianos ao
Pacto de Berlim.
Este projeto teve certo êxito, mas não satisfez a todos os objetivos nazistas. O processo foi iniciado pela
adesão da Hungria, a 20 de novembro. Três dias depois, o primeiro ministro romeno, trocando olhares
sombrios com seu novo colega húngaro (pois o conflito motivado pela Transilvânia ainda estava de pé),
apôs sua assinatura. Mas a 24 de novembro, com a adesão da Eslováquia, o processo, abrupta e um tanto
ingloriamente, chegou ao fim. Toda a pressão exercida sobre a Iugoslávia encontrara resistência. Embora a
colaboração prevista pelo tratado comercial de 19 de outubro tenha sido descrita pelo ministro do Exterior
iugoslavo como "não somente econômica mas política", o seu país ainda não estava pronto a aceitar a
subserviência. O tratado iugoslavo de amizade com a Hungria, de 12 de dezembro, embora representasse
uma ligação evidente com o novo grupo, parecia de fato constituir o prelúdio de novo esforço para uma
aliança balcânica, que poderia proteger a independência dos pequenos países contra a pressão do Eixo. E a
Bulgária, cuja adesão era esperada com confiança, recusou subitamente quando a Rússia fez sentir sua
influência.
A atitude da Rússia durante este período foi de compreensível desconfiança. Se havia poucos sinais de
cordialidade crescente para com o Eixo, não havia nenhum de simpatia real para com a Inglaterra. A
imprensa soviética com admiração moderada, referia-se de quando em vez aos sucessos britânicos. Mas os
estadistas soviéticos continuavam a insistir na ameaça do imperialismo capitalista; e o seqüestro pela
Inglaterra, do ouro e navios pertencentes aos países bálticos resultou em novo atrito. A 22 de outubro, a
Inglaterra ofereceu um pacto de não-agressão que incluiria o reconhecimento da anexação dos Estados
Bálticos e uma garantia de que a Rússia participaria nas negociações de paz, no fim da guerra. Mas,
embora pedisse em troca apenas "uma atitude mais benévola", as suspeitas da Rússia estavam
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profundamente enraizadas e a proposta não foi levada a sério.
Ao mesmo tempo, as relações da Rússia com Berlim continuavam a ser visivelmente reservadas. A União
Soviética aceitou sem desconfiança aparente o Pacto de Berlim, embora o mesmo aproximasse
formalmente o Japão e a Alemanha. Entretanto, o Kremlin mostrou-se completamente frio ante a idéia de
que a Rússia devia juntar-se à aliança e, ainda mais, ante a sugestão de que devia colaborar ativamente na
nova ordem de Hitler. O Pacto anti-Komintern não fôra de nenhuma maneira esquecido. A colaboração
com a Espanha de Franco não oferecia atrativos e as palavras doces da imprensa italiana - um de cujos
articulistas chegou a descobrir afinidade espiritual entre a Rússia e o Eixo, como "uma força antiplutocrática no mundo moderno" - não conseguiram apagar a memória das críticas italianas, das quais
algumas das mais vigorosas datavam da recente campanha finlandesa.
Assim, a conferência anunciada com tanta esperança pela imprensa do Eixo jamais se realizou. Quando
Molotov chegou a Berlim, a 12 de novembro, foi apenas para uma conferência de três dias com os chefes
alemães. Nem mesmo os italianos foram incluídos. A visita teve realmente grande importância. Apesar das
alegações periódicas feitas o ano anterior nos círculos alemães de que tal visita estava iminente, a Rússia
até então abstivera-se de qualquer gesto semelhante, e o fato do mesmo realizar-se agora era um indício
claro da preocupação da Rússia por suas relações com o Eixo e o seu desejo de evitar qualquer coisa
parecida a um rompimento sério. Mas apesar do ruído de que foi seguida a conferência e da
impressionante comitiva de funcionários e técnicos que acompanharam Molotov, poucos resultados
tangíveis apareceram. Mesmo a comunicação de um novo acordo comercial, a 23 de dezembro, parecia
dificilmente um resultado adequado. Se a Rússia era aliada da Alemanha, era sem dúvida aliada bastante
displicente.
Havia, mesmo, dúvidas crescentes sobre se, realmente, existia uma ligação entre as duas potências. Atrás
da aparência de boas relações, houve indícios de crescente tensão, quando a Alemanha desceu o Danúbio e
implantou suas forças no mar Negro. Isto era uma intrusão em uma esfera de interesse vital para a Rússia,
o que dificilmente seria bem visto em Moscou, tornando-se evidente uma certa rudeza de tom. A
dissolução da comissão internacional do Danúbio pela Alemanha e o estabelecimento de um novo regime
sob seu próprio controle, trouxe em mente que a Rússia, inicialmente não incluída, era, desde a aquisição
da Bessarábia, uma potência danubiana. A sua admissão à conferência danubiana resultou em novo atrito e
na retirada de seus delegados no fim do ano. As alegações alemães de que a Rússia fôra informada
antecipadamente da ocupação da Romênia e aprovara a adesão da Hungria ao Eixo, provocaram enérgicos
desmentidos de Moscou. O Kremlin parecia cada vez mais relutante em facilitar o drang nach Osten
alemão.
Isto teve uma influência direta sobre a posição da Bulgária. Este país não tinha, em si, objeções sérias a
uma ligação mais íntima com o Eixo. Agradeceu repetidas vezes à Alemanha o ter assegurado a restituição
de Dobruja. Uma agitação para obter território à custa da Grécia contou com uma perspectiva de apoio
alemão. A súbita visita do rei Boris a Berlim, em 17 de novembro, parecia um prelúdio a esta adesão
formal ao pacto do Eixo. Mas a Rússia, que observava ansiosamente a expansão alemã em direção aos
Dardanelos, interveio. A pressão sobre a Bulgária foi reforçada pela visita de um funcionário do Ministério
do Exterior soviético. Berlim diminuiu sua pressão e voltou a métodos mais brandos. Uma moderação
semelhante do tom alemão para com a Turquia e uma crescente firmeza nas declarações públicas turcas,
sugeriam que a Rússia também fizera sentir sua influência naquele setor. A afluência de tropas alemães na
Romênia, no fim do ano, demonstrou que a Alemanha não renunciara completamente à possibilidade de
novo avanço, mas sugeria também uma preocupação mais imediata por um novo movimento russo, através
do Danúbio ou em direção à Bulgária, o que poderia comprometer essas perspectivas e tornar a Rússia um
perigo mais ativo na retaguarda da Alemanha.
Espanha a França
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Na Europa ocidental, a Alemanha também julgou aconselhável limitar seu avanço a limites moderados.
Um controle mais amplo sobre os serviços espanhóis e os recursos franceses oferecia muitas tentações,
mas havia dificuldades no caminho desses objetivos que tornavam a persuasão mais aconselhável que a
coação, e a persuasão pouco conseguira até o fim do ano.
Na Espanha havia certo sentimento, não apenas de inclinação mas de empenho numa colaboração mais
completa com o Eixo. Tal tendência era representada pelo partido falangista, que exercia o monopólio do
poder político. Seu credo imperialista não incluía apenas Gibraltar e o Norte da África, mas também a
América Latina; e o fato do partido ser chefiado por Serrano Suner, cunhado de Franco e ministro do
Interior, parecia uma garantia de que procurariam rigorosamente realizar suas ambições. Quando Suner
apareceu em Berlim, a 17 de setembro, julgava-se que estava para concluir uma aliança que poderia levar a
Espanha realmente à guerra.
Em que pese as profecias otimistas nesse sentido, tanto dos porta-vozes do Eixo como falangistas, nada
disso se verificou. A Espanha brilhou pela ausência entre os signatários do Pacto de Berlim. O encontro de
Hitler com Franco, na fronteira espanhola, a 23 de outubro, não produziu resultados tangíveis. A elevação
de Suner ao posto de ministro do Exterior e a inauguração de nova série de negociações, não deram
resultados. A Espanha ainda não estava pronta a empenhar-se na aventura e Hitler, no momento,
contentava-se em deixá-la não beligerante.
A explicação pôde ser encontrada na exaustão econômica da Espanha. Ela dependia de fornecimentos
estrangeiros, tanto em alimentos como em materiais, inclusive petróleo, e isto colocava-a à mercê do
bloqueio britânico. Franco não desejava ver esta arma voltada contra si. Hitler não estava particularmente
empenhado em acrescentar outro país esgotado e faminto à lista de suas responsabilidades. A Itália poderia
estar mais empenhada em usar a Espanha para fechar a entrada do Mediterrâneo, mas, no momento, esta
não era a grande preocupação da Alemanha. Com seus exércitos na fronteira espanhola, e uma divisão de
"turistas" alemães dentro da própria Espanha, sua ocupação não apresentaria séria dificuldade. Mas, no
momento, era preferível deixar-lhe os meios de existência e esperar que, por esta brecha no bloqueio, uma
certa quantidade de provisões pudesse passar para a Alemanha. As negociações espanholas com a
Inglaterra e Estados Unidos acentuaram a importância desses países para a vida econômica da Espanha.
Um acordo financeiro preliminar com a Inglaterra, em dezembro, foi seguido por um acordo britânico para
fornecer à Espanha minério de manganês, comprando toda a sua produção de laranjas. Alimentavam-se
esperanças de conseguir créditos dos Estados Unidos, que aliviariam as dificuldades da Espanha no
tocante à gasolina e algodão e forneceriam importantes quantidades de trigo, para fazer frente a uma
escassez de alimentos considerada crítica. As ambições territoriais da Espanha deviam, no momento, ceder
lugar a essas necessidades.
A situação francesa era ainda mais complexa. Embora a França gozasse menos independência nominal do
que a Espanha, sua liberdade de ação potencial era maior, se quisesse utilizá-la. Derrotada e ocupada como
estava, ainda possuía elementos que a tornavam um fator vital nos cálculos, tanto do Eixo como dos
aliados. Em última instância, a França ainda poderia agir, e os efeitos de suas ações não somente seriam
importantes, mas, em certas circunstâncias, provavelmente decisivos.
A rendição da França, em junho, foi baseada na convicção, não somente de que à resistência francesa era
sem esperanças, mas que o colapso da Inglaterra estava iminente. A não realização desta segunda
eventualidade constituiu sério embaraço para o governo de Vichy. Seus chefes estavam implicitamente
obrigados à aceitação de um domínio alemão do continente e irrestrita colaboração francesa na nova
ordem de Hitler. A continuação da resistência por parte da Inglaterra foi, portanto, um elemento
perturbador. Ele adiou sempre a conclusão de uma paz definitiva com a Alemanha, que removeria a
incerteza existente e prepararia o caminho para uma política permanente e estável. Entretanto, isto
ameaçava deitar por terra todos os cálculos de uma inevitável vitória alemã, sobre os quais se baseavam as
esperanças de Vichy. E enquanto continuava a incerteza, havia terreno propício a divergências na opinião
166
francesa, que poderiam finalmente ameaçar o regime de Vichy.
Tais possibilidades de distúrbios internos foram acentuadas pelo estímulo externo do governo francês
livre, chefiado pelo General De Gaulle. Em particular representava uma crescente ameaça ao controle de
Vichy sobre as colônias francesas. O controle do governo francês livre já se estendia à maioria da África
Equatorial Francesa. Novas defecções não somente ameaçariam o desmantelamento do império francês
mas enfraqueceriam o poder que restava à França para resistir ao completo domínio da Alemanha.
Daí a importância atribuída ao episódio de Dacar. As notícias da África Ocidental convenceram De Gaulle
que seu aparecimento ali levaria a colônia a aderir à sua causa. O governo de Vichy, resolvido por sua
parte a impedir tal coisa, enviou novo governador geral, Pierre Boisson, cujas medidas vigorosas
restabeleceram a autoridade e melhoraram as defesas do porto. Ao chegar, encontrou De Gaulle uma
situação bastante diferente da que esperava. O governo britânico, cujo auxílio De Gaulle solicitara, parece
ter tido suas dúvidas. Mas os rumores das atividades alemães e italianas em Dacar, cujo uso como base
ameaçaria seriamente a rota do Cabo, despertaram ansiedade. Foi decidido enviar um destacamento naval,
não tanto para auxiliar a tomada da colônia, como para impedir qualquer interferência do Eixo na tentativa
de De Gaulle.
O resultado foi uma confusão de desastrosas conseqüências. A tentativa de De Gaulle, a 23 de setembro,
de desembarcar sob bandeira de trégua, foi recebida sob fogo. Vários navios franceses que haviam tido
permissão para deixar o Mediterrâneo, mas que haviam sido obrigados a voltar quando tentavam alcançar
Libreville, achavam-se no porto de Dacar, entre eles o couraçado Richelieu, avariado. Estes, bem como as
baterias da costa, abriram fogo contra os navios britânicos, que responderam à altura, e afundaram dois dos
três submarinos que participaram do ataque. Uma tentativa de desembarque das forças do General De
Gaulle foi repelida e, ao fim de três dias, a operação foi interrompida e a expedição retirou-se.
De Gaulle explicou sua retirada alegando que não desejava combater outros franceses. Tal alegação não
foi totalmente convincente, em face da natureza do choque e de seu ataque ulterior a Libreville, coroado de
êxito. A Inglaterra, por sua parte, não desejava agravar a provocação já verificada em Orã, mas desse
ponto de vista, sua conduta era excessiva ou insuficiente. A represália francesa, enviando aviões para
bombardear Gibraltar, mostrava como as duas antigas aliadas estavam próximas das hostilidades e, em
conseqüência disto, os poderes dos inimigos da Inglaterra no gabinete de Vichy, foram aumentados.
O chefe deles era Pierre Laval. Este advogado de Auvergnat conseguira uma posição importante no
gabinete e fôra legalmente designado sucessor de Pétain pelo próprio marechal. Estava animado por um
ódio à democracia e vivo ressentimento contra a Inglaterra. Para ele, a colaboração com a Alemanha era
não somente necessária mas positivamente vantajosa e estava plenamente preparado para uma aliança
armada se isto apressasse a queda da Inglaterra. Desde o início do regime de Vichy, exerceu constantes
intrigas para enfeixar em suas mãos o poder e usá-lo para colocar a França inteiramente ao lado do Eixo.
Estava agora ocupado em uma série de negociações destinadas a um entendimento permanente entre a
Alemanha e a França. Em fins de outubro, sua conclusão parecia iminente. O próprio Hitler tivera uma
entrevista com Laval, a 22 de outubro e um encontro formal com Pétain a 24. As perspectivas eram tão
graves que o rei Jorge enviou uma mensagem pessoal a Pétain, e Churchill irradiou um apelo ao povo
francês. "Não é a derrota", disse ele, "o que a França sofreria agora em mãos dos alemães, mas o
aniquilamento total. O que pedimos neste momento, em nossa luta gela vitória que compartilharemos
convosco, é que, se não podeis auxiliar-nos, ao menos não nos prejudiqueis. Recordai que jamais nos
deteremos, jamais cansaremos e jamais cederemos".
Havia, de ambos os lados, motivos urgentes de entendimento. A incerteza da situação na França era
agravada pela existência de uma rígida barreira entre as zonas ocupada e não ocupada. Era particularmente
intenso o desejo de libertar os dois milhões de prisioneiros franceses em poder dos alemães. Do lado
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alemão, os principais objetivos eram o direito de trânsito de tropas pela França, o uso de portos e bases
franceses, tanto nas colônias como na metrópole, e, se possível, a aquisição do resto da frota francesa. Se
isto pudesse ser assegurado, poder-se-ia esperar uma paz permanente com anexações muito limitadas.
Alguma coisa, entretanto, não estava certa. Embora Pétain prontamente se dispusesse à colaboração, em
princípio, recusava as concessões mais vitais. Onde Laval era levado pelo desejo de destruir a Inglaterra,
Pétain era animado principalmente pelo desejo de salvar a França. A cisão entre os dois homens,
aumentando rapidamente, atingiu o ponto culminante em 13 de dezembro. Em uma agitada sessão do
gabinete, Laval foi acusado de uma conspiração para depor Pétain e fazer-se chefe supremo. Era a ocasião
da transferência das cinzas do filho de Napoleão, o duque de Reichstadt, para os Inválidos de Paris, um
gesto hitlerista cuja pomposa falta de significação sugeria sua finalidade oculta. Contudo, o marechal
recusou assistir à cerimônia, demitiu Laval do gabinete, cancelou o decreto que o fazia seu sucessor e
mandou prendê-lo.
A medida não significava um desafio à Alemanha. O sucessor de Laval foi Pierre Flandin, cujas simpatias
pelos nazistas eram ainda mais profundas e mais remotas. A Alemanha, por sua parte, estava um tanto
incerta sobre como poderia tirar proveito da situação. O embaixador alemão, Herr Abetez, acorreu em
auxílio de Laval e obteve sua libertação mas não sua reintegração no governo. Uma nova pressão para
mais concessões, encontrou obstinada resistência por parte de Pétain, enquanto tornavam-se mais
evidentes a significação da política alemã e a força de sua posição. Ele fôra profundamente chocado pela
expulsão dos habitantes de língua francesa da Lorena, contrariamente às condições do armistício, medida
que foi seguida, a 30 de novembro, pela notícia da anexação da Lorena à Alemanha. Ele começara a
compreender que o exército na África do Norte, chefiado por Weygand - que fôra enviado para ali em
primeiro lugar para defender as colônias contra De Gaulle - era um triunfo que poderia ser jogado com
efeito cada vez maior, enquanto a posição da Itália tornava-se cada vez mais precária. A resistência já
demonstrada aos esforços italianos para controlar a Síria foi reforçada com a remessa de novo emissário,
com instruções para restabelecer a completa autoridade francesa. No fim do ano, unidades navais francesas
saíam de Toulon para portos mais seguros no Norte da África. No momento, diminuíra o perigo da entrada
francesa na guerra, ao lado da Alemanha.
A Invasão Italiana da Grécia
O rumo que tomava a nova ordem de Hitler provavelmente não despertava muito entusiasmo no espírito de
Mussolini. Este achava-se suficientemente disposto a adotar, para fins de propaganda, o papel de
revolucionário. O uso de frases sobre as "nações proletárias" ou as alegações de Hitler de que se tratava de
luta entre duas filosofias, o ouro contra o trabalho, eram fielmente repetidas na imprensa italiana. Mas, na
realidade, pouco tinham a ver com os objetivos pelos quais a Itália entrou na guerra. Esses objetivos nada
de comum tinham com a criação de uma unidade integral, dirigida e controlada por Berlim. Na verdade, a
obtenção de tal finalidade poderia facilmente tornar a sorte da Itália mais desesperada do que aquela que se
esforçava por melhorar.
A Itália, de fato, tinha pouco interesse em uma cruzada revolucionária. Estava empenhada numa guerra
mais antiquada, de objetivos e proporções limitadas. O que ela queria não era a transformação da
sociedade, mas umas poucas modificações no mapa. Seu objetivo era a aquisição de território às custas de
seus vizinhos. Se a França entregasse Nice e Túnis, se a Inglaterra abandonasse o Egito e Gibraltar, a
continuação da existência desses países como democracias plutocráticas seria de importância
relativamente pequena.
Mas, nos planos alemães, tais alterações territoriais eram de importância secundária. A Alemanha
naturalmente desejava diminuir o poder de qualquer inimigo potencial. Mas, se abandonassem o inimigo e
cooperassem lealmente no sistema continental da Alemanha, a sua extensão territorial tornava-se de menos
importância. Poderiam ser desejáveis anexações, para aumentar a submissão de certos estados, mas eram
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antes instrumentos do que fins. Na realidade, as fronteiras pouco significariam, uma vez anulada a
independência dos satélites da Alemanha.
Mas o papel em perspectiva para a Itália nessa organização não poderia ser considerado brilhante. Mesmo
no momento atual ela tinha apenas a situação de pequena associada da Alemanha. Na nova Europa
dificilmente poderia aspirar mais do que a isto. Ela não poderia aspirar ao domínio de toda a Europa. Este
papel caberia à Alemanha, e a ele mesmo a sua associada na vitória deveria submeter-se. Assim, mesmo
que a Itália realizasse seus desejos territoriais, o que parecia cada vez menos provável, teria de colocar
todos os seus recursos, novos e antigos, à disposição do dominador do continente. Se tal sorte devia
constituir a recompensa da vitória, dificilmente estaria à altura da luta.
Essas considerações surgiram com clareza cada vez maior durante o outono. Quando os dois ditadores
encontraram-se no passo do Brenner, a 4 de outubro, ainda foi possível discutir planos grandiosos para a
repartição da África (de que a Espanha compartilharia) e falar sobre um Grossraum separado para cada
uma das potências do Eixo, bem como para a Rússia. Mas as idéias de Hitler pareceram mudar, no mês
seguinte. As negociações com a França demonstraram que ele parecia estar disposto a dispensar os
possíveis ganhos da Itália, para obter a cooperação francesa.
Os acontecimentos nos Bálcãs indicavam que a Alemanha prosseguia na ampliação de sua própria esfera,
enquanto a Itália ficava abandonada. Quando os dois ditadores avistaram-se em Florença, a 28 de outubro,
Mussolini vetou qualquer idéia de uma paz com a França ao preço de sacrifícios italianos, e mostrou estar
resolvido a desempenhar seu papel nos Bálcãs desfechando um ataque contra a Grécia.
"Declaro solenemente", dissera Mussolini a 10 de junho, "que a Itália não pretende arrastar outros povos
seus vizinhos a este conflito. Que a Suíça, Iugoslávia, Turquia, Egito e Grécia tomem nota dessas minhas
palavras". Mas garantias dessa espécie, vindas de um ditador, eram então geralmente encaradas como
sinais de perigo, particularmente pelos pequenos países que tinham tratados de amizade com o Eixo. De
fato, a Iugoslávia já fôra ameaçada, e foi principalmente o desejo de Hitler evitar distúrbios nos Bálcãs que
impediu um ataque. Mas, ao passo que os recursos da Iugoslávia eram importantes para o Eixo, a
significação econômica da Grécia era desprezível, e Hitler, embora relutante, consentiu em dar liberdade
de ação à Itália, na esperança de que a Grécia não ofereceria resistência séria.
A relutância alemã não detivera totalmente Mussolini. Seus planos foram reprimidos em agosto, quando
Hitler procedia à penetração na Romênia e à organização da bacia do Danúbio, mas voltaram à cena em
outubro, com novas acusações, reforçadas pela Alemanha, de auxílio grego à frota britânica e imputações
de ataques gregos contra a Albânia. Desta vez a Itália não deu à Alemanha oportunidade para vetar. As 3
horas da madrugada de 28 de outubro - Hitler devia chegar a Florença naquela manhã - foi entregue aos
gregos um ultimato, com prazo de 3 horas, exigindo que certos pontos estratégicos fossem entregues à
Albânia. O enviado italiano, quando interrogado sobre quais eram esses pontos, não pôde responder. A
nota era, evidentemente, uma simples formalidade, pois, às 5,30 da manhã era iniciada a invasão da
Grécia.
Os acontecimentos que se seguiram constituíram uma lição frisante de como não se deve fazer uma
blitzkrieg. Praticamente nenhum dos expedientes que prepararam o caminho para as vitórias de Hitler fôra
empregado pelos italianos. Não havia a vantagem da surpresa; isso permitira aos gregos sua mobilização.
Não houve nenhum esforço para um desembarque simultâneo por mar, para acompanhar a invasão
terrestre. A força aérea foi usada insuficientemente contra alguns portos, mas não contra as concentrações
militares gregas. Nem um único pára-quedista foi lançado. Além disto, não havia sinais de coordenação
com um plano mais amplo do Eixo. Embora a posse da Grécia fosse de utilidade no caso de um
movimento combinado no Mediterrâneo, este movimento ainda não estava preparado e a Alemanha, que
nem mesmo rompera relações diplomáticas com a Grécia, demonstrava notável indiferença pela campanha
italiana. Mesmo a ameaça de um movimento alemão através da Bulgária, que poderia ter imobilizado
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importantes forças gregas na fronteira oriental, não se concretizou. Foi somente no fim do ano que a
Alemanha consentiu, com relutância, em prestar auxílio no ar, assim mesmo bastante limitado. Em face da
liberalidade com que, apenas dois meses antes, a Itália enviara suas esquadrilhas para tomar parte no
ataque à Inglaterra, - com resultados infelizes para seus aparelhos, - a necessidade de retirá-las e chamar a
força aérea alemã constituía um lamentável reconhecimento de seu descalabro.
As forças gregas que enfrentavam o ataque atingiam cerca de 150.000 homens. A Grécia dispunha de
reservas de 600.000 homens, mas poderia equipar somente oito ou dez divisões e mesmo assim seu
equipamento estava longe de ser adequado, pelos padrões modernos. A sua pequena força naval era
antiquada e sua força aérea insignificante. Os italianos tinham na Albânia mais de 200.000 homens, com
equipamento pesado e artilharia, esperando-se que sua superioridade no ar e no Adriático os auxiliasse a
obter uma vitória rápida e decisiva.
Esperava-se que o primeiro objetivo visado pelos invasores fosse o porto de Salonica, no mar Egeu. Mas
era justamente ali que provavelmente se encontrariam as mais poderosas forças gregas. Os italianos,
portanto, limitavam suas operações da base de Koritza a dois pequenos avanços, um em direção à Florina e
à estrada de ferro para Salonica, e o outro para o sudeste, na direção de Kastoria, como primeiro passo
rumo a Larissa e Atenas. O grosso das forças italianas iniciaram um avanço duplo em direção a Yanina e
às comunicações rodoviárias que convergiam para a cidade montanhesa, sendo este apoiado por outro
avanço ao longo do setor costeiro do Epiro, em direção do golfo de Arta.
A lentidão do avanço nos primeiros dias e as forças relativamente pequenas empregadas, sugeriam que os
italianos contavam com um pronto colapso grego. Quando a resistência se mostrou séria, os invasores
tiveram de fazer preparativos apressados para uma campanha de maior vulto. A força no setor costeiro que
alcançou o rio Kalamas a 31 de outubro deteve-se ali por uma semana. O avanço sobre Yanina progredia
muito lentamente e no front de Koritza os gregos fizeram os invasores recuar além da fronteira em 2 de
novembro, e tomavam as alturas que comandavam as principais bases nazistas.
A 7 de novembro os italianos reiniciaram o avanço, com resultados surpreendentes. Enquanto progredia o
avanço costeiro, o avanço sobre Yanina transformava-se em desastre. O terreno montanhoso e a falta de
estradas adequadas faziam com que os movimentos das tropas italianas se limitassem aos vales. Em vista
da falta de estradas normais à direção do movimento, cada avanço era isolado, e não podia ser prontamente
reforçado senão com elementos partidos da base principal. A presença de equipamento mecanizado pesado
em estradas que a chuva e a neve tornavam cada vez mais difíceis, significava um avanço lento. Tornouse, assim, possível aos gregos tomar as alturas que comandavam a estrada por onde deviam passar essas
colunas isoladas, capturando os postos italianos de flanco à ponta de baioneta e envolvendo as forças
principais abaixo deles. Esta foi a tática com que, a 9 de novembro, os gregos derrotaram completamente
uma divisão alpina italiana no rio Aoos (Viosa). Era uma vitória que detinha abruptamente o corpo
principal dos invasores e - o que era ainda mais significativo - transferia decisivamente a iniciativa aos
gregos.
A tática que mostrara ter tanto êxito na defensiva era agora adaptada ao ataque. Evitando um ataque frontal
contra a principal força italiana, os gregos iam de uma altura dominante para outra. Este processo de
infiltração flanqueou os destacamentos italianos, um após outro, e fez os invasores recuar
ininterruptamente. A 20 de novembro começou nova série de êxitos com um avanço nas montanhas
ocidentais, nas proximidades de Leskovik. Isto prenunciava um avanço geral. Koritza, que estava sob o
fogo há quase três semanas, caiu a 22 de novembro. Os gregos marcharam para o norte, até Pogradec,
junto ao lago Ochrida, capturando-a a 30 de novembro. As forças italianas na costa, ameaçadas pelo
avanço grego no centro, foram forçadas a um retraimento. No fim do mês, pelo menos quatro divisões
italianas haviam sido destroçadas, sendo feito grande número de prisioneiros e capturada grande
quantidade de material. Nem um único invasor restava então em solo grego.
170
Apesar da crescente resistência italiana, reforçada por novas tropas, continuou o avanço metódico, no sul
da Albânia. Enquanto ao longo do rio Shkumbi os gregos progrediam lentamente, em direção a Elbasan, o
avanço nas montanhas ao sul desalojava os italianos de uma base após outra e ameaçava a sua posição ao
longo da costa. A captura de Premet, a 4 de dezembro, de Porto Edda e Delvino, a 6 de dezembro,
provocou a queda de Argyrokastro, a 8 de dezembro. Isto privou os italianos de sua base principal no setor
do Epiro e de seu principal porto de entrada na Albânia. Abriu caminho para um avanço ao longo da costa,
o qual atingiu Chimara, a 22 de dezembro. Os gregos estavam então mais de 65 km. além da fronteira
albanesa e ainda mantinham a iniciativa apesar dos contra-ataques italianos cada vez mais freqüentes.
Enquanto suas forças no centro se fechavam lentamente em torno das três divisões italianas que defendiam
Klisura e Tepelini, a coluna que marchava pela costa prosseguia rumo a Valona, e as forças do norte
adiantavam-se para Elbasan e a estrada para Tirana. Se estes pontos pudessem ser capturados, os gregos
controlariam o grosso das comunicações rodoviárias e o poder italiano na Albânia estaria virtualmente
terminado.
O Poder Naval no Mediterrâneo
No tocante às operações terrestres, os gregos lutavam virtualmente sós. Uma certa quantidade de
equipamento, especialmente canhões anti-tanques e anti-aéreos, foi fornecida pela Inglaterra, sendo
também desembarcadas algumas unidades mecanizadas. Mas, ao renovarem seu apoio à Grécia, no início
da guerra, prometendo todo o auxílio possível, as autoridades britânicas fizeram ver claramente que havia
poucas forças disponíveis. Os gregos deveriam esperar principalmente assistência aérea e naval.
Tal auxílio, contudo, foi bastante apreciável. O reforço da força aérea grega por bombardeiros britânicos
não somente tornou possível ataques a concentrações de tropas e a pontes e estradas - pouco numerosas em
muitos lugares - que tinham de ser usadas pelos reforços italianos, mas também ataques a portos albaneses
e a depósitos na própria Itália. Embora os ataques contra o norte da Itália ainda partissem da Inglaterra, a
disponibilidade de bases em solo grego deixava, pela primeira vez, a península italiana exposta a incursões
aéreas. Aos ataques sobre Durazzo e Valona, que logo tornaram esses portos praticamente inúteis,
seguiram-se ataques sobre Bari e Brindisi, bem como sobre Taranto e Nápoles. Quando aos bombardeiros
foram acrescentados grupos de combate, em novembro, os aliados tiveram melhor oportunidade de
enfrentar o domínio italiano nos ares.
Mas o que realmente se transformou em conseqüência da campanha grega foi a situação naval. A iniciativa
no Mediterrâneo já passara à frota britânica. Essa iniciativa era agora mais acentuada e no fim do ano os
navios italianos estavam praticamente privados do uso do mar que os italianos proclamavam
orgulhosamente como de sua propriedade.
Os reforços que a frota do Mediterrâneo recebera em princípios de setembro tinha, segundo Churchill,
quase duplicado a sua força. Durante a maior parte de setembro, grande parte desta força foi empregada
para dificultar a ofensiva que Graziani desfechara da Líbia. A 29 de setembro, a frota saiu para uma
excursão de 1.800 milhas, que terminou a 2 de outubro com o bombardeio de Stampalia, no Dodecaneso.
O mais próximo que chegou do inimigo foi uma ocasião em que avistaram ao longe a frota italiana
voltando à toda velocidade para sua base. A 12 de outubro, entretanto, durante outra excursão, o Ajax
afundou dois destróieres e avariou outro, liquidado pelo York na manhã seguinte. Durante o resto do mês,
a principal atividade da frota, além de vigiar as linhas de aprovisionamento italianas, foi uma repetição do
processo de tornar a posição de Graziani tão incômoda quanto possível.
A campanha grega, entretanto, abria novas possibilidades. A aquisição de bases em Creta encurtara a
distância entre Alexandria e a Itália e tornava possível exercer pressão mais de perto. Estando agora em
segurança o Mediterrâneo oriental, em conseqüência desta nova posição, era possível empreender com
mais persistência a procura da armada italiana, e utilizar o elemento surpresa para atacá-la em suas
171
próprias águas.
A importância disto foi revelada de maneira surpreendente pela ação de Taranto, a 11 de novembro. A
habitual incursão pelas águas próximas à Itália não conseguiu encontrar a armada italiana ao largo. Ela
achava-se abrigada no duplo porto de Taranto, sua base principal desde o início da guerra. Ali, estava a
salvo de um ataque naval direto. Contudo, o almirante britânico tinha consigo os porta-aviões Eagle e
Illustrious e estes tornaram possível desfechar um mortífero ataque de surpresa. Auxiliados pelo luar,
aviões torpedeiros lançaram-se sobre as desvigiadas belonaves italianas e atacaram com êxito visível. Um
dos mais modernos couraçados italianos, da classe Littorio, foi seriamente avariado. Dois couraçados da
classe Conte di Cavour foram atingidos, um deles tão seriamente que teve de ser encalhado para não
afundar. Dois cruzadores, um destróier e vários navios de provisões foram danificados na mesma ação.
"Esta foi a semana mais importante na história das operações navais desta guerra", disse o Primeiro Lord
do Almirantado, ao relatar a ação. A metade dos navios capitâneas da armada italiana fôra posta fora de
ação. A sua superioridade numérica fôra reduzida à inferioridade. Dos danos causados nem todos - ou
talvez mesmo nenhum - tinham caráter permanente, mas até que pudessem ser feitos os reparos
necessários, estavam afastadas todas as possibilidades da Itália desafiar o poderio naval britânico. Os
danos causados à base de Taranto, e a falta de confiança em sua segurança, levaram o remanescente da
frota italiana a procurar novos abrigos, com os ingleses continuamente em sua esteira. A 27 de novembro
foram localizados nas vizinhanças da Sardenha, possivelmente dirigindo-se para Cagliari. Novamente,
desta vez em uma ação de longo alcance, foram os aviões britânicos que causaram os danos reais.
Acreditou-se que o Vittorio Veneto, um dos dois novos couraçados italianos, dois cruzadores grandes e um
pequeno e dois destróieres, foram atingidos por torpedos ou pelo fogo de artilharia. E quando, a 14 de
dezembro, a frota foi mais uma vez localizada, desta vez no porto de Nápoles, durante um bombardeio
foram feitos impactos diretos sobre uma concentração de cruzadores e destróieres, causando danos que não
puderam ser avaliados com precisão.
A significação desses fatos era de grande alcance. Não somente permitia aos navios britânicos voltar ao
serviço de comboios no Atlântico, como foi demonstrado pela presença do cruzador Berwick, mas deixou
o Adriático exposto ao poder naval britânico. Quando a frota britânica, a caminho para Taranto, enviou
uma força ligeira pata atacar um comboio italiano no estreito de Otranto, invadiu uma zona considerada
como de exclusivo domínio italiano. Ainda mais frisante foi a ação de 18 de dezembro, quando couraçados
britânicos bombardearam Valona, e destróieres rumaram para o norte, até Bari e Durazzo sem nenhuma
interferência dos italianos. Por esta ocasião, as forças navais gregas e britânicas desenvolviam atividade
contra os comboios italianos, e os reforços italianos para a Albânia tinham de contar principalmente com
os transportes aéreos.
Assim, uma por uma, iam sendo fechadas as rotas marítimas italianas. As suas forças na África Oriental
foram isoladas pelo domínio britânico sobre o canal de Suez e o mar Vermelho. A Inglaterra, por sua vez,
utilizava a rota do mar Vermelho sem interrupção e ocasionalmente bombardeava portos na Eritréia e
Somália Italiana, A única tentativa séria de interferência em um comboio britânico foi verificada a 19 de
outubro, sendo prontamente repelida com a perda de um destróier italiano. As ilhas do Dodecaneso a que a
Itália tinha atribuído tamanha importância estratégica, estavam isoladas e não possuíam abastecimento de
boca. As rotas de aprovisionamento do Adriático não estavam mais em segurança. E as comunicações com
a Líbia e o exército de Graziani estavam à mercê da Inglaterra, justamente quando aquele necessitava de
todo o apoio.
A Campanha no Norte da África
O início do outono encontrou o exército britânico no Egito ainda aguardando o muito esperado golpe da
Líbia. Enfrentava um exército que, somente nessa colônia, lhe era numericamente superior na proporção
de 2 ou 3 contra um, isto sem referir sua superioridade em equipamento e a presença de forças adicionais
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na África Oriental. Essas forças colaborariam em uma tríplice operação ofensiva, na qual o avanço da
Líbia seria apoiado por uma penetração mais para o interior, partindo do oásis de Jarabub, e por uma
ofensiva partida da África Oriental, em direção a Khartum. O tom de advertência nos discursos de
Churchill, quando falava sobre o Oriente Médio, e a sua recusa em garantir um resultado favorável nessa
região, constituíam indicações suficientes da gravidade da situação.
O avanço italiano através da fronteira da Líbia, a 12 de setembro, foi, entretanto, uma operação bastante
limitada. Não houve tentativa para iniciar os outros dois avanços simultaneamente. Apenas forças
avançadas relativamente ligeiras foram empregadas. Uma única divisão mista de tanques e infantaria
constituíam o elemento principal do ataque. Os ingleses enfrentaram-na com forças ainda mais leves.
Contentavam-se em dificultar seu progresso com ações retardadoras, em que tomavam parte tanques,
aviões de bombardeio e forças navais.
A primeira resistência séria deveria realizar-se em Mersa Matruh, ponto terminal da estrada costeira e da
ferrovia, que eram as principais linhas de aprovisionamento vindas de Alexandria.
Esses planos nunca foram postos à prova pelo inimigo. Com a ocupação de Sidi Barrani, a 17 de setembro,
Graziani sentiu que tinha conseguido bastante, naquela ocasião. Diante dele estendia-se um trecho de 110
km. de deserto, que as tropas italianas deveriam atravessar para travar combate com a principal força
britânica, e não tinham intenção de avançar enquanto não estivessem plenamente asseguradas suas
necessidades de campanha, e, particularmente, suas provisões de água. Graziani passou os três meses
seguintes reforçando as defesas em torno de Sidi Barrani, melhorando estradas e construindo um
encanamento de água, e aguardando a inspiração de que necessitasse antes de realizar nova operação.
Era possível que o avanço de Graziani, marcado como estava para coincidir com os ataques aéreos
alemães em massa contra a Inglaterra, fosse baseado na esperança de que o colapso britânico abriria o
caminho para um êxito que não exigisse esforço sério. Como tal não se verificasse, Graziani não mostrou
desejos de levar o ataque a fundo. Nada fez, durante a campanha grega, quer para usa-la como diversão
estratégica, quer para criar uma situação favorável a seus compatriotas que se achavam em sérias
dificuldades na Albânia. E enquanto esperava, os britânicos no Egito melhoravam rapidamente suas
posições. Os reforços, atingindo a proporções que Churchill descreveu como "dezenas de milhares",
começaram a chegar rapidamente desde princípios de setembro. Milhares de toneladas de provisões os
acompanhavam. Seguia-se equipamento mecanizado do mais moderno, quando a Inglaterra começava a
substituir as perdas de Dunquerque. A RAF, cujos Gloster Gladiators já haviam demonstrado estar à altura
dos melhores aviões italianos, foi reforçada por modernos Hurricanes, com oito metralhadoras. Mesmo
quando a ameaça de invasão alemã pairava de perto, a Inglaterra continuava enviando seus melhores
homens e materiais, não somente para defender o Oriente Médio, mas para assumir a ofensiva com a maior
brevidade possível.
A campanha grega veio justamente no momento em que estavam sendo preparadas novas atividades.
Aparentemente a distração da força italiana poderia melhorar as perspectivas britânicas. Este pode ter sido
o efeito final, mas o resultado imediato foi forçar a RAF a desviar para a Grécia uma parte de suas forças,
de si não muito numerosas. Mas um ensaio em pequena escala resultou na captura de Gallabat, operação
em que a coordenação de tanques, aviões e infantaria demonstrou animadora eficiência. A nova
supremacia naval, conseguida depois de Taranto, melhorava ainda mais as perspectivas. A série de
desastres italianos que resultou na renúncia do Marechal Badoglio, a 6 de dezembro, e de outros altos
funcionários nos dias seguintes, indicava um certo grau de desorganização no alto comando italiano. A 7
de dezembro, a força britânica, agora completamente preparada, ocupou suas posições preliminares e, ao
amanhecer de 9 de dezembro, desfechou esmagador ataque contra os infortunados italianos.
O ataque foi uma obra-prima de surpresa, mobilidade e coordenação. Uma força de cerca de 40.000
homens atacava um inimigo pelo menos duas vezes maior, em homens e tanques, embora Graziani mais
173
tarde atribuísse o resultado à sua falta de tanques. Mas os ingleses avançaram com forças mecanizadas à
frente e em estreita cooperação com as forças naval e aérea. Jamais na história essas armas diferentes
operaram juntas com tamanha uniformidade. A força aérea adotou o método, agora clássico, de destruir o
adversário no solo. Praticamente todos os aeroportos italianos entre Desna e Sidi Barrani foram
bombardeados na manhã do ataque, a superioridade assim conquistada foi mantida nas três semanas
seguintes. Ao mesmo tempo, a marinha, agora livre para navegar sem interrupções ao longo da costa,
atacou as posições e comunicações das forças fascistas que, do lado do mar, eram pouco mais do que um
flanco prolongado.
Simultaneamente, unidades blindadas britânicas, apoiadas pela infantaria, atacavam as defesas externas
que Graziani construíra em um círculo de 50 km. em torno de Sidi Barrani. Enquanto um grupo fintava as
posições frontais italianas, um outro, ao sul, dominava o importante forte de Nibeiwa, apanhando a tropa
em extrema confusão, e outras unidades blindadas cercavam ainda a principal posição italiana, para
envolver-lhe a retaguarda e alcançar o mar nas proximidades de Buqbuq.
O resultado foi desastroso para os italianos. Das cinco divisões fascistas existentes nessa zona, somente
uma escapou inteira e duas ficaram completamente isoladas em Sidi Barrani. A cidade caiu a 11 de
dezembro e mesmo enquanto continuava a crescer o número de prisioneiros, as forças britânicas
adiantavam-se em novo movimento envolvente para isolar, em Sollum, as forças que batiam em retirada.
Aí, a alta escarpa da Líbia, que em Sidi Barrani penetra cerca de 50 km. para o interior, recua para a costa,
e apenas duas estreitas gargantas dão passagem para suas alturas. Já em setembro os italianos acharam ali
uma armadilha mortífera, sob o fogo dos defensores. Agora, em retirada, e forçados a subir ao invés de
descer, o exército vencido ficou sob o fogo concentrado de tanques, navios e aviões. A sua tentativa de
fazer alto e resistir em Sollum e Forte Capuzzo foi vencida, a 16 de dezembro e, nessa ocasião, unidades
mecanizadas de vanguarda lançavam-se outra vez, para a frente, a fim de cercar Bardia e cortar a retirada
para Tobruk.
Aqui se centralizaram as operações para o resto do mês. Enquanto aviões e navios bombardeavam as bases
italianas, desde Quênia até Trípoli, a principal força atacante convergia sobre Bardia. Dentro da cidade
estavam cerca de três divisões italianas, mantendo uma resistência desesperada, que daria a Graziani
tempo para reconstituir suas forças derrotadas. A 18 de dezembro, o porto foi atacado de perto, recebendo
os sitiantes constantes reforços. A artilharia e os bombardeiros martelavam sem cessar a cidade, e a
armada, da qual alguns navios se aproximaram até a curta distância da costa em audacioso ataque noturno,
também prestava o seu apoio. Enquanto aguardavam que esses métodos levassem o inimigo à rendição,
sem necessidade de um ataque completo, unidades mecanizadas britânicas recomeçavam o avanço e, no
princípio do ano, estavam a pouca distância da principal base inimiga, em Tobruk.
Essas operações, brilhantemente concebidas e executadas com audácia, mudaram toda a situação na
África. Se ainda não ameaçavam a destruição do exército de Graziani, pelo menos o neutralizaram como
ameaça imediata à Líbia. Mais de 38.000 prisioneiros e grandes quantidades de material caíram em poder
dos britânicos, e a Itália tinha poucas probabilidades de substituí-los em número capaz de enfrentar a
marinha inglesa. A 19 de dezembro Eden declarou serem as perdas dos atacantes inferiores a mil. E o
efeito político desta demonstração da vitoriosa capacidade britânica em assumir a ofensiva, provavelmente
seria incalculável em toda a zona do Mediterrâneo.
Havia algumas perspectivas de que esta influência seria sensível na própria Itália. Acrescentado aos
desastres navais e ao fracasso da campanha na Grécia, este novo golpe deveria afetar seriamente o
prestígio do regime fascista. Churchill, encorajado por essa perspectiva, dirigiu a 23 de dezembro, pelo
rádio, um apelo ao povo italiano, no qual acusava Mussolini de ser o único responsável por todos os males
da Itália, prometendo calamidades ainda maiores se lhe permitissem seguir sua carreira ruinosa. Pela
primeira vez um chefe britânico apelava para o espírito de revolução em uma nação inimiga.
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Não houve indício imediato de que o apelo tivesse qualquer resultado. Não era certo que o regime fascista
pudesse ser derrubado, ou mesmo que a Itália pudesse ser forçada a fazer a paz, enquanto a Alemanha
estivesse determinada a mantê-la na guerra. Mas mesmo sem isto, as vantagens não deixaram de ser
apreciáveis. A Itália revelara-se como o ponto fraco do Eixo e se o seu esmagamento não representasse
necessariamente a vitória final, pelo menos diminuía a pressão sobre os recursos britânicos no teatro
meridional da guerra, e permitia maior concentração no ponto decisivo, onde seria alcançada a vitória. E
até que ponto isto aumentava a gravidade dos problemas de Hitler era demonstrado pelo fato de que
durante seis meses sua grande máquina militar ficara parada e sem uso. Nisto, como talvez em nenhuma
outra coisa, estava indicada a significação da vitória da Inglaterra, ao repelir o primeiro grande assalto
direto.
Janeiro a Março de 1941
A Batalha do Atlântico
O primeiro trimestre de 1941 foi um período em que, atrás de uma cortina de atividade
intermitente, ambos os lados desenvolviam o máximo de energia a fim de reunir todos os recursos
disponíveis para a prova decisiva que tinham pela frente. Era um período a que faltava a calma
enganosa do inverno anterior. Havia plena consciência da importância vital de utilizar esses
meses com a máxima vantagem e, embora as hostilidades fossem limitadas a uma escala reduzida,
as limitações eram impostas mais pelas circunstâncias do que pela vontade dos degladiantes.
Mesmo assim, as atividades que continuaram a assinalar a luta foram da mais alta significação.
Nos outros dois teatros da guerra terrestre, África e Bálcãs, verificaram-se acontecimentos que
iriam ter grande influência para a ampliação da luta na primavera. O foco real do conflito,
contudo, não estava na Líbia nem na Albânia, mas na vastidão das águas, sobre e sob as quais se
travava uma luta incessante pelo domínio dos mares.
Era a Batalha do Atlântico - campanha que Churchill qualificou de uma das mais importantes da guerra.
Mais uma vez, como tantas outras vezes no passado, a Inglaterra via-se frente a frente com a sombria
realidade de que sua vida dependia do domínio dos mares. Mais uma vez um inimigo que fizera pouco do
poder naval era forçado a reconhecer que somente pela destruição de seu poder naval a Inglaterra poderia
ser vencida. O assalto inicial fôra repelido pela magnífica atuação de seus aviadores e pela coragem e
tenacidade de seu povo. Mas o poder de suportar e repelir novos assaltos dependia de suas comunicações
marítimas e do contínuo acesso aos continentes distantes, donde lhe provinha a força.
Era uma batalha que a Inglaterra devia vencer para sobreviver. Se a falta de navios de guerra resultasse em
um desmantelamento do sistema de comboios, se a construção de navios mercantes não superasse a
proporção de afundamentos, a Inglaterra encaminhar-se-ia com crescente rapidez para o desastre. A
situação exigia o uso mais extenso dos elementos existentes e a maior expansão possível na construção
disponível. Era uma corrida entre os estaleiros e os submarinos. "Nunca, na história do poder naval", disse
Alexander, "tivemos tanta necessidade de muito mais navios e de grande número de homens".
A solução deste problema representava, afinal, a sobrevivência. Em si não traria automaticamente a
vitória. Mas era o passo vital e indispensável para torná-la possível. O poder naval sozinho não poderia
quebrar a supremacia militar de um inimigo continental. Mas os acontecimentos no Mediterrâneo
demonstraram que podia proporcionar a base necessária para um ataque militar bem sucedido. Se o triunfo
do poder naval pudesse promover a segurança no país, todo o poder da nação poderia ser empregado na
ofensiva, no exterior. A vitória na Batalha do Atlântico era o prelúdio indispensável para a vitória na
175
Europa.
Foi o reconhecimento desse fato que determinou a nova tática de Hitler contra a Inglaterra. As anteriores
alegações sobre a supremacia aérea e as perspectivas de invasão foram substituídas, em seu discurso de 24
de fevereiro por nova insistência sobre a guerra no mar. Descrevendo os progressos feitos durante o
inverno na construção de submarinos e no treinamento de tripulações, ele afirmou: Somente agora pode
começar nossa luta no mar. Esses cavalheiros devem estar preparados para acontecimentos ainda maiores
em março e abril. Onde passarem navios britânicos, lançaremos nossos submarinos contra eles, até a hora
da decisão".
A gravidade dessa ameaça foi demonstrada pelo novo impulso da guerra no mar, recebido em princípios
de março. Durante os primeiros dois meses do ano, as perdas de navegação estavam em declínio.
Oscilaram entre um mínimo de 14.687 toneladas para a primeira semana de janeiro ao máximo de 65.557
tons. para a semana terminada em 23 de fevereiro. Mas a semana seguinte mostrou um total de 150.700, e
as duas semanas que seguiram apresentaram cifras de 98.832 e 146.098 toneladas. Enquanto que a média
de 12 semanas era de cerca de 60.000, a média das quatro semanas de março foi de 114.000. Isto
significava que todos os dias três ou quatro navios de cerca de 4 mil toneladas eram afundados. Estas
perdas elevadas eram em parte atribuídas a um novo desvio da força naval para o Mediterrâneo e a cifra
diminuída de 59.141 tons. para a semana terminada a 23 de março oferecia esperança de melhoras. Mas
mesmo isto era mais do que podia ser suportado por muito tempo. Nesta frente, a Inglaterra travava a sua
batalha mais crítica e mais difícil.
A Guerra no Ar
O ataque aéreo à Inglaterra, ao contrário, passou a ter importância relativamente secundária. Isto era
apenas em parte devido à calmaria de seis semanas iniciada em meados de janeiro. Embora houvesse um
ou outro ataque violento, durante as pouco freqüentes alterações no tempo, as más condições de vôo
tornavam tais atividades intermitentes. Mas o que era realmente importante era a maneira como a atividade
aérea alemã tornava-se uma fase subordinada, mas definida da guerra no mar.
Isto tornou-se claro com o reinício dos ataques em grande escala em março. Enquanto os bombardeiros de
longo raio de ação intensificavam seus esforços contra as rotas de navegação, os ataques na Inglaterra
eram dirigidos contra os portos, inclusive o de Londres. Os danos causados à indústria foram bastante
esparsos. O bombardeio ainda era dirigido antes contra uma zona do que contra objetivos específicos, mas
essas zonas não eram tanto comunidades industriais como organizações de que dependia o bom
funcionamento dos portos de mar. Era um esforço para cortar as artérias da Inglaterra, por meio de ataques
dirigidos não somente contra as vias de navegação, mas também contra a zona vital, próxima ao coração.
Os golpes foram desfechados com formidável selvageria. Pela primeira vez estenderam-se até Glasgow e o
Clyde. A técnica de ataque em massa, demonstrada em Coventry, era combinada com a do primeiro ataque
com bombas incendiárias contra Londres. O seu efeito era um tanto reduzido por um sistema mais
eficiente de vigilância contra incêndios, tornado obrigatório no princípio do ano. Mas os incursores
replicaram atacando 0o objetivo em duas noites sucessivas e, apesar da melhora das defesas dos caças
noturnos e da técnica anti-aérea, os danos infligidos a Plymouth, Southampton, Swansea, Cardiff e Bristol
foram consideráveis. Nenhuma comunidade, entretanto, sofreu algo semelhante à prolongada provação de
Londres, no outono anterior. Faltavam ainda à força aérea alemã recursos para vibrar mais de um golpe
importante em uma única noite, e tais golpes não eram vibrados todas as noites. Embora os portos
sofressem, tiveram tempo para refazer-se e a tenaz resistência de seu povo não mostrou tendência a
esmorecer.
As condições meteorológicas de inverno, que deram ao povo inglês um pouco de tempo para respirar,
serviram também para diminuir as atividades da RAF. Apesar das noites mais longas darem aos
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bombardeiros maior tempo para o cumprimento de suas missões, e ainda que os novos aparelhos ingleses
de bombardeio pudessem atacar as fábricas alemães na Polônia e na Boêmia, as más condições de vôo
anulavam em grande parte essas vantagens. Quando situada em portos, a indústria alemã, tal como a
inglesa, era particularmente visada. Um pesado ataque contra Hanover a 10 de fevereiro, constituiu uma
das poucas incursões no interior do país realizadas nos primeiros dois meses. Colônia teve a 26 de
fevereiro o seu primeiro reide do ano, e os ataques subseqüentes contra cidades industriais alemães, apesar
de violentos, foram em sua maioria de curta duração.
A atividade aérea britânica era portanto de natureza principalmente defensiva, ainda que as operações
fossem taticamente ofensivas. Visavam os objetivos que constituíam bases para o assalto de Hitler ao
poder naval da Inglaterra, isto é, os portos onde se abrigavam ou de onde partiam os corsários, os campos
de pouso de onde decolavam os bombardeiros para atacar os portos e a navegação da Inglaterra. Foram
realizados persistentes ataques contra as instalações portuárias e os estaleiros em Bremen, Wilhelmshaven
e Kiel, contra as bases de submarinos em Lorient e Bordéus, contra a porto de Brest, onde o Scharnborst e
o Gneisenau foram descobertos e bombardeados em fins de março, após terem realizado cruzeiros no
Atlântico ocidental. A 11 de fevereiro, a marinha, em coordenação com a força aérea, bombardeou Ostend
violentamente. Mesmo que tais operações não pudessem fechar completamente os portos continentais, as
avarias neles causadas (e que foram muito mais graves após o emprego da nova bomba de aviação que
começou a ser usada em março) poderiam pelo menos dificultar a eficácia da marinha alemã.
Os acontecimentos mais relevantes foram entretanto os ataques diurnos sobre a costa do território
ocupado. Iniciando suas operações a 10 de janeiro, os aviões de bombardeio britânicos, acompanhados por
poderosas escoltas de caças, lançaram uma série de reconhecimentos ofensivos que marcaram nova fase no
poderio aéreo inglês. A aviação inglesa alcançara então um grau de desenvolvimento que a libertava de ter
de esperar o inimigo por detrás da terra de ninguém formada pelo canal. Já podia agora fazer com que seus
bombardeiros se arriscassem em operações ofensivas diurnas, e se mostrava confiante em que podia
empregar escoltas de caça de modo mais eficiente do que os alemães em seus ataques diurnos contra a
Inglaterra. Os ataques contra as bases aéreas alemães haviam sido destinados não somente a interceptar os
bombardeiros inimigos ou a destruí-los no solo, mas a fazer com que suas posições avançadas se
tornassem por fim insustentáveis, e forçá-los a retirar-se para mais longe. Cada quilômetro que os
aviadores nazistas fossem empurrados para longe da costa, era uma vantagem para a defesa da Inglaterra.
Havia, entretanto, um longo caminho a percorrer antes de passar-se da situação existente a uma ofensiva
proveitosa contra a Alemanha. Nem o aumento da potência dos golpes desfechados pela aviação, nem a
contínua e firme pressão do bloqueio levariam por si mesmos, a Alemanha ao colapso. O bloqueio
continuava a restringir os recursos da Alemanha, e poderia terminar por privá-la de abastecimentos vitais.
Mas uma organização mais eficiente dos países conquistados pela Alemanha e uma cooperação mais
estreita entre os nazistas e seus aliados poderiam retardar esse desfecho ou evitá-lo inteiramente.
A Alemanha sobre a Europa
Durante todo o inverno prosseguiu rapidamente a adaptação da atividade econômica dos países
conquistados às necessidades de guerra da Alemanha. Enquanto os nazistas estendiam seu controle a uma
área cada vez maior, prosseguiam na consolidação daquilo que haviam conquistado. Os sinais de
independência que restavam a esses países eram quase inteiramente geográficos. Política e
economicamente estavam de todo sujeitos ao conquistador.
Isto significava, entre outras coisas, sua redução ao papel de estados tributários. Segundo os cálculos
britânicos, a Alemanha extorquia anualmente o total de 1.150 milhões de libras. Somente o pagamento
anual francês era três vezes maior do que o mais elevado pagamento anual de reparações exigido da
Alemanha, pelo plano Young. Para a Alemanha que, segundo se calculava, gastava cerca de 70% de sua
renda nacional, isto representava uma contribuição nada pequena.
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Tais cobranças, naturalmente, eram em grande parte apenas um método oculto de requisitar os produtos
dos países atingidos. Eram completadas por outros métodos, mais claros. Não somente os países
conquistados tinham poucas possibilidades de negociar com outro pais além da Alemanha, mas eram
obrigados a comerciar até um ponto que, voluntariamente, nunca teriam atingido. Produtos que teriam
preferido guardar para si, esses países eram forçados a vender ao estrangeiro. Praticamente todos os ovos
na Boêmia, Bélgica e Dinamarca eram destinados ao Reich. A Noruega enviava 200 toneladas de peixe
por dia, a Holanda e Noruega, durante o outono, eram forçadas a vender a maior parte de sua colheita de
batatas. As requisições de gado eram completadas pelas matanças obrigatórias, pois a Alemanha estava
impossibilitada de fornecer a forragem necessária no inverno. Era um saque em massa às despensas
nacionais para acumular as reservas da Alemanha.
Em troca, os países interessados pouco obtinham, além da ocupação militar. Os preços eram fixados pela
Alemanha. As taxas de câmbio entre o marco e a moeda local eram fixadas a seu favor, ou eram impressos
"marcos de ocupação", que se tornavam o meio local de câmbio. Mas mesmo quando era feito o
pagamento, era muitas vezes um gesto vão. A Alemanha, embora insistindo em que esses países lhe
vendessem, estava menos interessada em vender-lhes. Os produtos que enviava era os que lhe sobravam e
não o que os seus fregueses desejavam e eram remetidos em quantidade e preços impostos pela Alemanha,
condições essas que forçosamente não iriam enriquecer os países ocupados.
A sua prosperidade, contudo, não era motivo de preocupação por parte da Alemanha. O objetivo nazista
era obter toda sua produção, mesmo acima de suas mais estritas necessidades, e, conseqüentemente,
reduzir seu padrão de vida ao mínimo. Durante esse inverno, a Europa pode não ter em realidade morrido à
míngua, mas indubitavelmente foi vítima da fome e do frio. A Dinamarca e Noruega, cujas rações estavam
próximas do frugal padrão germânico de tempo de guerra, não poderiam estar contentes. Os outros países
ocidentais, cujo padrão estivera anteriormente muito acima do da Alemanha, tinham-no agora inferior e,
no fim da escala, estava a Polônia, deliberadamente reduzida a rações de fome. A Alemanha
provavelmente desejava manter seus povos dominados com vida, pelo menos enquanto fossem produtores
ativos, mas, a não ser isso, não tinha nenhum incentivo para poupá-los a algo que desejasse.
Esses povos também não tinham liberdade para determinar a natureza de sua produção. Na medida do
possível, a Alemanha incorporava as áreas industriais conquistadas em seu próprio sistema econômico. As
fábricas da Boêmia, Alsácia e Lorena ficaram dentro de suas fronteiras aduaneiras. Em outras zonas, como
no norte da França, outras fábricas foram confiscadas, ou adquiridas, segundo as condições alemães. Em
outras regiões, se restava indústria, era para auxiliar e não para competir com a indústria sob controle
alemão. Em geral os estados satélites deviam ser produtores de alimentos ou matérias-primas, incitados a
produzir mais em benefício da Alemanha, ou em alguns casos, levados a mudar a produção de alimentos
para a de produtos industriais, como feijão soja. E quando necessário, não somente seus produtos, mas
também seus trabalhadores, eram requisitados pela Alemanha, para satisfazer as necessidades alemães de
produção.
Apesar da constante agitação, indicada pelos conflitos e sabotagem particularmente na Noruega e Holanda,
estas imposições podiam ser feitas a países menores. Os aliados e associados da Alemanha, por outro lado,
estavam um tanto cerceados em sua cooperação. O Japão pouco apoio econômico podia prestar, e o seu
desejo de dar auxílio militar estava longe de ser entusiástico. A sua principal preocupação era impor ao
Sião e Indochina uma mediação japonesa em seu conflito fronteiriço, que seria paga com concessões
militares e econômicas. Quando, após a conclusão do tratado, Matsuoka partiu para visitar seus aliados do
Eixo, chegou a Berlim a tempo de ver a revolta da Iugoslávia contra a rendição do regente à Alemanha, e
chegou a Roma simultaneamente com as notícias da derrota da frota italiana ao largo do cabo Matapan.
Era um fato destinado a provocar muita meditação sobre a conveniência de arriscar experiências dessa
natureza no Pacífico.
As esperanças que a Alemanha depositava na Rússia não se positivaram. É verdade que o tratado
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comercial já previsto foi assinado a 10 de janeiro, entre grandes aclamações. O tratado anterior, que fôra
igualmente aclamado, funcionara um tanto imperfeitamente, em parte devido às dificuldades de transporte
da Rússia e em parte devido ao fato da Alemanha não ter fornecido produtos manufaturados, em troca de
matérias-primas. Mas afirmava-se que essas dificuldades tinham sido removidas e que o novo acordo
promoveria um volume de comércio em muito superior a qualquer outro antecedente. Embora não fossem
publicados pormenores, notava-se que os produtos que a Rússia aparentemente prometera fornecer, como
petróleo, algodão e cobre, eram todos artigos que ainda recentemente tinha importado dos Estados Unidos,
embora isto pudesse ser alterado por projetados aumentos de produção. Mas em princípios de março
parecia que a Rússia cessara seus fornecimentos de petróleo, talvez em conseqüência da ocupação alemã
da Bulgária. Parecia difícil que se pudesse contar com a Rússia como arsenal do Eixo.
Por outro lado, podia-se tirar algo das necessidades da Itália. Ela dependia da Alemanha para a maior parte
de suas provisões industriais e de guerra, inclusive carvão e petróleo. Em troca, entretanto, pouco tinha a
fornecer, exceto tecidos e alimentos, sendo esses últimos em pouca quantidade. Mas o preço do auxílio foi
severamente fixado no tratado comercial de fevereiro, o qual também dispunha sobre a remessa de cerca
de 200 mil trabalhadores italianos para a Alemanha. Uma severa redução nas rações - inclusive a de
gorduras, reduzida à metade - constituiu uma demonstração tangível ao povo italiano da solidariedade dos
laços que os prendiam a seu cruel aliado.
Restava a França do marechal Pétain, e ali as relações continuavam em um estado de incerteza e
inquietação. Ao se encontrarem em outubro em Montoire, Hitler e Pétain chegaram a um amplo acordo
sobre a colaboração. No período que se sucedeu, entretanto, verificou-se que as exigências de Hitler iam
muito além da maneira como Pétain compreendera os termos do acordo. Quando o velho marechal recusou
firmemente a sua aquiescência, foi exercida pressão por intermédio de Laval, e esta pressão continuou
depois da demissão deste. Uma tentativa de acordo, que admitiria Laval no gabinete, com poderes
limitados, foi rejeitada por ele, que visava reduzir Pétain a uma figura de proa e assegurar todo o controle,
como chefe do ministério. As prolongadas negociações, sob constante pressão, tanto dos alemães como da
facção de Laval em Paris, resultaram, em fins de fevereiro, em uma reorganização do gabinete, que
colocou, na posição a que Laval aspirava, o almirante Darlan, como principal figura do ministério e
presumível sucessor do marechal.
Isto representava um êxito da resistência de Vichy, embora sob dificuldades, mas estava longe de indicar
hostilidade à Alemanha. Pétain acreditava positivamente na colaboração, e Darlan, viajando
continuamente como negociador, entre Paris e Vichy, estava plenamente preparado a concordar com o
papel da França, como satélite da Alemanha. Os alemães, por sua parte, embora possam ter considerado
Laval como seu instrumento mais aceitável, não desejavam amparar suas pretensões à custa de um
rompimento declarado com Pétain. Em vez disto, utilizaram-no como instrumento para induzir Vichy a
fazer o máximo de concessões. Visavam, particularmente, assegurar o controle dos portos e frota
franceses. Mas o marechal insistiu na absoluta observância dos termos do armistício. Qualquer auxílio que
prestasse à Alemanha, deveria ser um auxílio que não representasse envolvimento na guerra.
Mesmo dentro desses limites, contudo, a França ainda podia ser utilizada contra a Inglaterra, e,
particularmente, contra o bloqueio britânico. Desvanecera-se, no momento, a esperança de utilizar a
Espanha como brecha no bloqueio. A sua situação, no tocante à alimentação, era desesperada, e, embora
estivesse inclinada para o Eixo, dependia das provisões alimentícias da Inglaterra e Estados Unidos. "É
completamente inútil", dizia uma emissora falangista, "apresentar argumentos filosóficos ou estender-se
em retórica política. A nossa única preocupação é a metafísica da fome".
A França, entretanto, estava em uma posição mais poderosa, particularmente no lado sentimental. Os
apelos à simpatia britânica e aos sentimentos humanitários dos Estados Unidos obtiveram apreciável
resposta. Embora o governo britânico relutasse em enfraquecer o bloqueio, desejava evitar um choque com
a França ou desgostar correntes importantes da América que pediam auxílio. Em princípios de janeiro, um
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navio da Cruz Vermelha americana teve permissão para entrar na França com material médico e em março
foram tomadas providências para deixar passar dois navios com 13.500 toneladas de farinha, para
distribuição na zona não ocupação.
Nesse tempo, entretanto, a questão aproximou-se de um impasse. Este foi precipitado por uma declaração
do almirante Darlan, a 10 de março, na qual ameaçava comboiar os navios franceses através do bloqueio
inglês e louvou a generosidade alemã, fornecendo dois milhões de quintais de trigo da zona ocupada. Mas
a França havia meses vinha fazendo acompanhar seus navios mercantes por destróieres e a generosidade
alemã nada mais era do que o cumprimento atrasado de um acordo de troca firmado em outubro do ano
anterior. Como a zona ocupada compreendia as principais regiões produtoras de trigo, ficara combinado
que trigo e batatas seriam trocados por carne e verdura do sul da França. Foi somente em março,
entretanto, que isto foi cumprido, e mesmo assim, os carregamentos foram em pequenas quantidades. A
rígida manutenção da linha de demarcação, mais do que o bloqueio britânico, era a causa real das
dificuldades na França não ocupada.
Além disto, o bloqueio fôra mantido com considerável frouxidão. Durante os meses de dezembro e janeiro,
450 navios, com carregamentos no total de 500.000 toneladas, tinham entrado em portos franceses. Estas
cargas constavam não somente de alimentos, mas de material de guerra, como bauxita, magnésio e
nitratos. Destes, a comissão de armistício do Eixo tomou logo muito mais da metade, ficando a Alemanha
com a parte do leão. A França não ocupada, cujas indústrias já estavam fabricando caminhões, barcaças e
peças de aviões para a Alemanha, era também importante fornecedora de matérias-primas.
A truculenta declaração de Darlan, demonstrando, portanto, o desejo de empreender uma ação mais
enérgica a instâncias da Alemanha, veio numa ocasião em que se esgotava a paciência britânica. Um
incidente, a 30 de março, levou ao ponto de ruptura. Naquela data, navios de guerra britânicos
aproximaram-se de quatro navios franceses que tinham passado por Gibraltar, com carregamentos que,
segundo acreditavam os ingleses, compreendiam importantes materiais de guerra, inclusive borracha. Uma
tentativa de busca foi impedida pelas baterias francesas da costa da Argélia, que abriram fogo contra os
navios britânicos, que foram ainda perseguidos por aviões de bombardeio franceses. Era um episódio que
prometia colocar em foco a situação na França não ocupada e enrijar a atitude, tanto da França como da
Alemanha, em relação à política de colaboração de Vichy.
A Inglaterra e a América
Enquanto a Alemanha assim consolidava os seus recursos no continente, a Inglaterra prosseguia o seu
processo gradual de adaptação a uma completa economia de guerra. A 3 de janeiro, três comissões
executivas para produção, importação e reconstrução, foram estabelecidas, chefiadas por ministros do
gabinete. A comissão de produção, particularmente, chefiada por Ernest Bevin, visava proporcionar uma
coordenação que até então faltava neste ramo do esforço de guerra, embora ainda não representasse o
controle total, que muitos círculos julgavam ser desejável.
Duas medidas importantes foram tomadas nas semanas seguintes. A primeira era uma providência para a
convocação industrial de homens. Embora Bevin esperasse que a transferência, para a indústria de guerra,
de trabalhadores de ocupações não essenciais, pudesse ser efetivada em uma base voluntária, estava
preparado a empregar os seus poderes para torná-la obrigatória, se fosse necessário, e isto incluía a
obrigatoriedade dos empregadores não desperdiçarem os trabalhadores. Algo do que significava essa
última disposição foi demonstrado em março, ao serem tomadas medidas para concentrar as atividades
manufatureiras de 50 indústrias de consumo em umas poucas fábricas, a fim de que maior número de
trabalhadores ficassem disponíveis para a produção de guerra. A 16 de março foi anunciado terem sido
concluídos os planos para a mobilização, não só de homens, mas também de mulheres, para ocupar
trabalhos essenciais nas indústrias de guerra.
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Mas, enquanto eram tomadas tais medidas para uma utilização mais eficaz dos recursos da Inglaterra,
esses em si continuavam inadequados, em face da gigantesca tarefa a ser realizada. Para preencher a
lacuna, a Inglaterra tinha de contar com provisões de além mar. Podia esperar-se, então, uma contribuição
cada vez maior dos Domínios e da Índia. Em uma conferência reunida a 25 de outubro, as possessões
britânicas ao leste de Suez estabeleceram planos para a coordenação de suas atividades em questões de
suprimentos de guerra. O Canadá, cujos primeiros planos para produção de guerra sofriam uma
considerável dependência da Inglaterra, teve esta dificuldade sanada até certo ponto pelas circunstâncias
decorrentes da queda da França. Assim, o novo ano encontrou não somente uma intensificação do plano de
treinamento aéreo, mas um programa de produção de armas leves já em andamento, prestando-se também
maior atenção à construção de navios pequenos. Entretanto, tais contribuições, embora valiosas, eram
inevitavelmente limitadas. Devia-se contar principalmente com os recursos mais vastos dos Estados
Unidos.
O fundamento do programa americano de auxílio à Inglaterra era a lei de empréstimo e arrendamento,
apresentada em princípios de janeiro. Sua essência residia na disposição de que o presidente podia
determinar a transferência a qualquer país "cuja defesa o presidente julgue vital para a defesa dos Estados
Unidos", de qualquer artigo de defesa, nas condições que julgue satisfatórias. Era uma medida, não
somente de tocante generosidade, mas também admiravelmente engenhosa. Não apenas eliminava o
problema das transferências cambiais, mas deixava pendente mesmo a questão de créditos específicos, e a
necessidade britânica de grandes créditos era demonstrada por sua decisão de liquidar suas propriedades
industriais nos Estados Unidos. A disposição de que "o benefício para os Estados Unidos pode ser o
pagamento ou restituição em espécie ou propriedade, ou qualquer outro benefício direto ou indireto", era
destinada a reduzir ao mínimo o problema de dívidas de guerra, após a mesma. Embora alguns círculos
evidenciassem impaciência ante a extensão dos debates no Congresso, a forma assumida pelo projeto
representava o caminho mais curto para o objetivo fundamental.
As disposições da Lei Johnson e da Lei de Neutralidade impediam a concessão de créditos a um
beligerante. Procurando uma medida que as evitasse, por motivos específicos, em vez de anular essas leis,
o governo evitou uma luta muito mais prolongada que surgiria.
Na realidade, os debates consolidaram o sentimento nacional, sem retardar seriamente os fornecimentos à
Inglaterra. Enquanto prosseguiam, eram reunidos materiais para a Inglaterra e Grécia, e 4 minutos depois
de Roosevelt assinar a lei, a 11 de março, o seu embarque foi ordenado. Outras medidas foram tomadas
imediatamente para colocar a lei em pleno vigor. O valor dos materiais existentes que poderiam ser
transferidos foi limitado a 1.300 milhões de dólares, mas este podia ser aumentado, por meio de verbas
específicas. O presidente solicitou imediatamente uma verba de 7.000 milhões, prontamente cedida pelo
Congresso, e dos quais 1.080 milhões foram imediatamente destinados a fornecimentos britânicos.
O aspecto financeiro das provisões americanas estava assim assegurado. Faltava apenas que a crescente
indústria de guerra da América atingisse o ponto culminante, a fim de produzir nas quantidades desejadas.
De todos os artigos, inclusive aviões, os de maior necessidade eram os navios. "Em nenhuma esfera de
nosso esforço de guerra", disse um porta-voz britânico, "o auxílio que os Estados Unidos nos podem
prestar, pela legislação de arrendamento e empréstimo, é mais urgente do que na de navegação". E
enquanto aguardava que a crescente produção americana sanasse as perdas, o que, na proporção existente,
não poderia ser conseguido antes de 1942, a Inglaterra continuava a cobiçar as 600.000 toneladas
pertencentes ao Eixo e países ocupados, imobilizadas em portos americanos. A descoberta de sabotagem a
bordo de 28 navios italianos levou o governo americano a apreendê-los, em fins de março, colocando 2
navios alemães e 36 dinamarqueses sob guarda preventiva. Era uma medida capaz de torná-los, ou seu
equivalente, acessíveis à Inglaterra.
O problema oferecia, de fato, um tríplice aspecto: produzir armas, conseguir navios para transportá-las e
providenciar para que navios e carregamentos chegassem em segurança. Juntamente com este último ponto
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levantava-se a questão de proporcionar comboios americanos, que estava ainda na fase de discussões
preliminares.
Enquanto aguardava os fornecimentos intensivos de armas, a Inglaterra podia enfrentar o perigoso período
intermediário, não apenas resolutamente, mas com uma garantia que lhe permitiria utilizar seus recursos
com mais liberdade não somente na defesa, mas também no ataque.
Não faltavam indícios de que a Inglaterra já estava experimentando o caminho para a ofensiva. Embora as
notícias de contínuas incursões contra a costa do canal continuassem sem confirmação, os alemães
culpavam pára-quedistas britânicos de desordens na Holanda e dois episódios definidos foram divulgados.
Um foi o lançamento de pára-quedistas no sul da Itália, a 10 de fevereiro, e a supressão de tráfego
verificada nas ferrovias do sul da Itália indicava que o esforço não fôra inútil. O outro foi a incursão contra
as ilhas Lofoten, a 4 de março, que destruiu dez navios mercantes e um estabelecimento de óleo de baleia,
levando de volta prisioneiros e voluntários noruegueses para lutarem contra os nazistas. Era uma
demonstração útil do que poderia fazer o poder naval na campanha de guerrilhas.
Era na África, entretanto, que a ofensiva continuava a ser exercida em grande escala. Ali, em uma
campanha cujo sucesso se baseava solidamente no poder naval, os britânicos encontraram o que poderia
ser para eles o equivalente da campanha alemã na Polônia: uma prova de sua máquina militar contra o
mais fraco de seus adversários, e que seria um ensaio geral para a provação mais árdua reservada pelo
futuro.
O Avanço na Líbia
Quando o General Wavell desfechou seu ataque contra Sidi Barrani, a 9 de dezembro, seus planos eram
caracterizados pela mais extrema flexibilidade. Ele estava preparado, em caso de resistência séria, a limitar
o ataque a uma operação local. Mas estava, também, pronto a tirar proveito de qualquer fraqueza de parte
do inimigo, e a aproveitar qualquer oportunidade que se lhe deparasse para consumar a destruição
completa do exército de Graziani na Líbia.
O aproveitamento de todas as possibilidades requeria um planejamento longo e cuidadoso. As lições da
experiência passada na guerra do deserto, e no estudo das condições impostas pelo clima e terreno,
acrescentava-se uma experimentação cuidadosa da capacidade de homens e veículos em operar até o limite
sob essas condições. Os constantes reconhecimentos resultaram no conhecimento do deserto a ser
atravessado e das posições a serem atacadas. Neste fato baseava-se a convicção de que seria possível abrir
uma brecha no perímetro meridional e flanquear as defesas restantes, especialmente se se pudesse agir de
surpresa.
A decisão de utilizar a surpresa, contudo, impunha sérias condições a toda a operação. Reunir uma força
que pudesse ser transportada através do deserto aberto e oculta a uma distância tal, que pudesse desfechar
um golpe contra os italianos, ignorada pelos defensores ou por seu serviço secreto, era tarefa tão
formidável que muitos observadores consideravam impossível. Com certeza, para atacar com uma força
realmente poderosa, surgiriam problemas de transporte e aprovisionamento, e dificilmente seria possível
ocultar a atividade deles resultante. Era necessário contar, em primeiro plano, com uma força pequena,
mas de grande mobilidade, cujo ânimo e equipamento compensassem a inferioridade numérica. O sucesso,
se tivesse de vir, viria rapidamente, pois os atacantes levavam uma provisão de água no máximo para
cinco dias. E enquanto pudessem ser feitos preparativos para fazer seguir o êxito inicial com reforços e
provisões, os atacantes deviam a princípio contar com a captura de provisões italianas, para prosseguirem
suas operações, até chegarem novos abastecimentos. Em dois artigos vitais, água e gasolina, a força
atacante dependia em grande parte do inimigo.
Não era de surpreender, portanto, que Wavell descrevesse a operação inicial como uma simples incursão.
182
Isto era, contudo, um ponto de vista mínimo. Mesmo que Sidi Barrani resistisse, a operação teria muito
valor e poderia ser interrompida sem desastre. Em caso de bom êxito, por outro lado, os objetivos eram
ilimitados. Wavell era partidário da idéia de perseguição ilimitada. Ocupara particularmente a sua atenção
a tendência da defesa fortalecer-se com a chegada de reforços e do ataque esmorecer quando faltavam aos
atacantes provisões e apoio. Uma vez o inimigo em retirada, não se lhe devia dar oportunidade de refazerse, mas devia sofrer pressão incessante, com todos os recursos que puderem ser empregados contra ele.
Não se deu aos italianos tempo para se refazerem em Capuzzo e Sollum, mas foram impelidos através da
fronteira e apenas tinham alcançado Bardia, as forças mecanizadas britânicas estavam atacando suas
defesas.
Bardia
Como ponto fortificado de apoio, Bardia tinha qualidades para ser considerada muito mais poderosa do
que Sidi Barrani. Ocupava uma forte posição natural, que os italianos tinham preparado durante quatro
anos para tornar inexpugnável. Seu anel externo de defesas era protegido por uma armadilha de três metros
para tanques, e coberta em toda sua extensão por uma barreira de arame farpado, quase da altura de um
homem. Dentro havia uma rede de fortins e ninhos de metralhadoras, com uma guarnição de mais de 40
mil homens, com boa dotação de artilharia. Não havia razão para crer que cairia facilmente em poder dos
assaltantes.
Possivelmente foi o excesso de confiança que a deixou ser isolada com tanta facilidade. A guarnição não
tentou abrir caminho através das forças avançadas britânicas que cortaram a estrada para Tobruk, nem
perturbar a concentração de reforços e artilharia em breve acumulados em torno da cidade. Nem foram
feitos esforços para trazer reforços de Tobruk. Bardia, com a sua artilharia respondendo vigorosamente ao
bombardeio britânico, aguardava o assalto.
Ali não havia oportunidade para surpresa tão completa como a conseguida em Sidi Barrani. Contudo,
houve surpresa no tempo e local do assalto. Durante mais de duas semanas foram feitos reconhecimentos
cuidadosos nas defesas, por forças aéreas e terrestres. As patrulhas seguidamente penetravam nas defesas
externas, trazendo de volta informações sobre o dispositivo dos defensores e a natureza das fortificações.
Em particular, a localização das armadilhas para tanques e minas terrestres foram anotadas e o fosso
circunstante atentamente observado, sendo tudo preparado para dar ao assalto a rapidez necessária para
tornar a surpresa uma realidade.
O ataque foi lançado a 3 de janeiro. Sob a proteção de intenso bombardeio de terra, mar e ar, as tropas
australianas encabeçaram o ataque contra as defesas externas. Enquanto uma força lançava um ataque de
fixação no sudeste, o ataque principal visava as defesas do sudoeste. Quando os sapadores, sob a cobertura
do bombardeio, cortaram as redes de arames, a infantaria irrompeu através das defesas acessórias para
apoderar-se dos fossos e preparar sobre eles as pontes para os tanques. Vencida esta primeira dificuldade,
os tanques e a infantaria adiantaram-se para romper o anel externo de fortes e apanhar as defesas principais
pela retaguarda.
Estava ainda em perspectiva a possibilidade de luta violenta. Entre as defesas externas e a cidade havia
várias ilhas de terreno acidentado, recortado de ravinas e semeado de cavernas, que ofereciam numerosas
vantagens para uma defesa decidida. Mas a defesa já não era levada a cabo resolutamente. Estava privada
do apoio das principais baterias italianas, dirigidas para o sul e agora interceptadas pelos ingleses que
avançavam pelo oeste. A profunda cunha introduzida na posição italiana praticamente isolava o setor norte
do resto das defesas. Este fato completou a obra de desmoralização já iniciada pelo bombardeio britânico.
A artilharia italiana ainda mantinha uma tenaz resistência, nas depressões onde se achava oculta, mas a
infantaria cedeu rapidamente. Ao fim de 36 horas, a resistência no sul e sudeste fôra vencida e a cidade
estava ao alcance. As 13,30 de 5 de janeiro os ingleses eram senhores de Bardia.
183
Os resultados foram substanciais. Ao custo de menos de 600 baixas, o exército do Nilo, de Wavell, tinha
feito 40.000 prisioneiros e apreendido 130 tanques médios e leves, cerca de 500 canhões de todos os
calibres e 700 veículos de transporte. Em menos de um mês de luta, sete divisões italianas haviam sido
capturadas ou destruídas, além do grupo mecanizado do General Maletti. Fôra conseguida a ruína do
exército italiano na Líbia oriental e preparado o caminho para a conquista de toda a Cirenaica.
Tobruk
Enquanto as forças britânicas se concentravam para o assalto a Bardia, suas forças mecanizadas estiveram
lançando sobre Tobruk, 112 km. ao oeste, contínuos ataques de inquietação. Com a queda de Bardia,
procedeu-se a uma rápida concentração contra essa importante base militar e naval. "Enquanto se procede
o desembaraço do campo de batalha de Bardia", dizia o comunicado de 6 de janeiro, "elementos avançados
de nossas forças aproximam-se da zona de Tobruk". No dia seguinte, o aeroporto de El Adem, 24 km. ao
sul do porto, foi ocupado sem resistência. No dia seguinte, a vanguarda mecanizada contornou a cidade
para o oeste a fim de evitar a chegada de reforços ou a retirada. Nenhuma das duas coisas foi tentada. As
forças italianas que ainda permaneciam na Cirenaica estavam sendo retiradas para o oeste com a maior
rapidez possível e não foi feito nenhum esforço sério para hostilizar as forças britânicas que se reuniam
para o assédio de Tobruk.
As defesas de Tobruk, embora menos completas do que as de Bardia, que era mais próxima da fronteira,
eram de caráter semelhante. O perímetro externo, com cerca de arame farpado e fosso anti-tanque,
estendia-se por 40 km., incluindo uma série de linhas de crista que dominavam o porto e a cidade,
reforçado por dez pontos fortificados, intervalados ao longo da frente. Dentro da parte sul e leste das
defesas externas, corria outra linha semelhante. Ao oeste, uma série de fortes dominava as montanhas e
cobria o acesso ao porto, ocupando os dois pontos fortes de Solaro e Airente, cujas obras eram de origem
romana - uma posição dominante ao sul e ligeiramente a oeste da cidade. - A guarnição, aproximadamente
a metade da de Bardia, não era muito numerosa para guarnecer defesas tão extensas. Mas estava bem
provida de artilharia, e o velho cruzador San Giorgio, que fôra avariado e encalhado no porto, contribuía
com o fogo de suas baterias de 254 mm e seus canhões anti-aéreos. Durante duas semanas empenharam-se
em duelo de artilharia com os sitiantes, cujos preparativos para o assalto prosseguiam incessantemente.
Entre esses preparativos estava novamente o reconhecimento meticuloso, que tantos resultados dera nas
batalhas anteriores. Contínuos patrulhamentos aéreos e terrestres experimentavam as defesas e faziam
levantamentos dos dispositivos das forças defensoras. Prestou-se particular atenção à localização das
baterias italianas. Foram empregados numerosos expedientes para provocar o fogo dos canhões, que eram
localizados por observadores postados nos montes distantes e assinalados, para lhes ser dada a devida
atenção no dia do ataque.
O tempo também desempenhou a sua parte. Durante toda a campanha, homens e veículos tiveram de
enfrentar o vento que varria o deserto e redemoinhava a areia em tempestades periódicas. Em meados de
janeiro o vento atingira a força de um furacão, mantendo os aviões em terra e reduzindo a visibilidade a
zero. Mas, enquanto isto retardava os preparativos finais diante de Tobruk, também auxiliava a ocultar as
posições britânicas à guarnição e quando o tempo finalmente clareou, estava tudo pronto para o ataque,
que foi desencadeado a 21 de janeiro.
O ataque enganou completamente os italianos. Enquanto tropas britânicas e francesas livres estabeleciam
contacto com os italianos ao longo de todo o perímetro e unidades mecanizadas barravam a retirada para o
oeste, o avanço principal foi efetuado no setor sudeste. Os italianos esperavam que o ataque viesse pelas
duas estradas que vinham de Bardia pelo leste, e de El Adem pelo sul, e ali as defesas tinham sido
reforçadas e concentrado o fogo das principais baterias italianas. Entre essas duas estradas, entretanto,
havia um ponto fraco, onde a formação rochosa do terreno tinha impedido o aprofundamento do fosso
anti-tanque e ali foi concentrado o ataque. Coberto por um intenso bombardeio, que visava as baterias
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italianas, as unidades avançadas enfrentaram o fogo cruzado das posições fortificadas italianas para cortar
as redes de arames, sendo seguidas de perto pelos tanques e infantaria, com os australianos à frente. Mais
uma vez, em condições que tornavam a surpresa quase impossível, foi ela conseguida.
A luta na primeira fase foi árdua. Ali, como em Bardia, destacaram-se os artilheiros italianos e isto aplicase também aos artilheiros anti-aéreos, cujo fogo intenso e bem dirigido dificultou seriamente a ação dos
aviões britânicos, que procuravam atingir as baterias em terra. Na fase inicial também o grosso da
guarnição lutou vigorosamente. Mas esta resistência foi rapidamente dominada, depois dos tanques e
infantaria passarem pela brecha, estendendo-se até a linha de defesas externas e assaltando os postos
fortificados com granadas e metralhadoras leves. Ao meio-dia, a segunda linha tinha sido penetrada e
tomada a principal posição de artilharia, na junção das estradas de Bardia e El Adem. Dali, o ataque
estendeu-se para oeste, a fim de dominar os fortes de Solaro e Airente. Com a sua captura, durante a tarde,
estava desimpedido o caminho para Tobruk. Fôra feita uma brecha nas defesas externas e as tropas vindas
do leste tinham coberto 13 km. de terreno acidentado para alcançar os rochedos que dominam o porto.
Ainda continuava a resistência no setor norte e em algumas elevações ao sul e oeste, o que adiou para o dia
seguinte a entrada em Tobruk. De manhã, verificou-se ser desnecessário o tríplice ataque que fôra
planejado. Ao meio-dia de 22 de janeiro a cidade estava em poder dos ingleses. Foram capturadas uma
divisão de infantaria, unidades de camisas negras e navais, inclusive o almirante do porto, com menos de
500 perdas. Com estes 25 mil prisioneiros, os ingleses colocaram onze divisões fora de ação, desde o
início da campanha.
Derna e Bengási
A resistência italiana em Tobruk, embora tenha retardado o avanço britânico, de nenhum modo poupou o
exército de Graziani da perseguição, em sua fuga para o oeste. As unidades mecanizadas avançadas que se
tinham adiantado para cercar Tobruk, continuaram o seu avanço ao longo da estrada para Derna, cerca de
160 km. ao oeste. A 10 de janeiro já estavam reconhecendo as defesas, que os italianos tentavam
apressadamente reforçar. Mesmo antes de Tobruk ser definitivamente ocupada, essas unidades de
vanguarda controlavam plenamente a estrada costeira. Estando a guarnição de Derna, de 10 mil homens,
sob crescente pressão do ar e das patrulhas mecanizadas, a principal força britânica lançava-se para a
frente na direção de seu próximo objetivo.
Os atacantes entravam agora em novo tipo de terreno que, se era mais agradável do que os 300 km. sobre
os quais tinham lutado recentemente, era, de alguma maneira, mais difícil. O promontório de Barka, entre
Derna e Bengási, em contraste com o deserto que o cerca por todos os lados, é fértil e possui boas aguadas.
Mas é também um terreno acidentado, onde numerosos morros e cursos d'água oferecem vantagens aos
defensores. Derna exemplificava essas vantagens, e, embora os observadores esperassem a princípio pouca
resistência por parte dos italianos ali, na realidade o ataque resultou em uma das lutas mais árduas de toda
a campanha.
Derna não tinha defesas externas como Bardia e Tobruk, mas era protegida por uma série de elevações,
defendidas por velhos fortes turcos e cobertas por incessante fogo de artilharia. A própria cidade achava-se
junto ao curso de água de Wadi Derna, cujo barranco de 300 m protegia o flanco interno das defesas
orientais. Isto significava que as rápidas manobras com que Bardia e Tobruk tinham sido completamente
cercadas eram impossíveis em Derna. A cidade era aberta para o oeste, e os atacantes foram obrigados a
um assalto frontal, em face da tenaz e decidida resistência.
Desde 24 de janeiro, quando um choque de forças mecanizadas, a 5 km. de Derna, marcou o início da luta,
a pressão sobre a guarnição aumentou continuamente. A artilharia italiana, coberta pelas elevações,
canhoneava as unidades britânicas que se concentravam para o assalto. Em 27 de janeiro, os principais
fortes tinham sido capturados, mas os canhões italianos continuavam a despejar nutrido fogo dos montes a
oeste da cidade e a estrada que conduzia à cidade fôra dinamitada, para torná-la intransitável. A situação
185
mudou quando uma companhia de australianos conseguiu atravessar o Wadi Derna, diante de fortes
defesas e manter o terreno, seguindo-se-lhes outras tropas nos dois dias seguintes. Quando surgiu
finalmente a ameaça de cortar a retirada, a guarnição destruiu os depósitos e provisões que restavam e
escapou, a 30 de janeiro. Era até certo ponto justo o argumento do expedito General Bergonzoli, que em
Bengási caiu em poder dos britânicos, de que Derna fôra a "melhor resistência de todas".
Este era um ponto da campanha da Líbia onde mesmo a surpresa tática era virtualmente impossível.
Bengási ao contrário, foi uma surpresa das mais espetaculares, que culminou triunfalmente esta série
notável de vitórias.
Ela tornou-se possível devido à incessante perseguição exercida pela principal força britânica, após a
queda de Derna. As cidades costeiras caíam uma após outra, sem resistência, enquanto os italianos
retiravam-se com uma velocidade de derrota completa. A 3 de fevereiro, as tropas britânicas, que
avançavam uma média de 50 km. por dia, entraram em Cirene, quartel-general de Graziani, bombardeado
dez dias antes. Já então evidenciava-se que os italianos tinham abandonado qualquer idéia de defender
Bengási. Com a maior rapidez com que podiam ir para o oeste, suas tropas eram embarcadas em Barce,
para aproveitar a pequena ferrovia, com 145 km. de extensão, que termina em Soluch, ao sul de Bengási e
a própria guarnição de Bengási preparava-se rapidamente para retirar-se antes que se visse cercada sem
esperança de escapar.
Ela foi impedida por um golpe totalmente inesperado. Entre Derna e Bengási, a fértil zona costeira é
separada do deserto pelas montanhas de Jebel el-Akdar. Uma estrada ao sul de Derna conduz a Mekili, no
extremo oriental da cadeia de montanhas, e deste ponto uma estrada secundária dirige-se para Bengási,
através do promontório de Barka. Apenas as unidades avançadas britânicas tinham cortado as
comunicações a oeste de Tobruk, voltaram sua atenção para este ponto importante. Quando caiu Tobruk,
parte de uma divisão blindada foi enviada para tomá-lo. As provisões, inclusive alimentos e água, eram
limitadas ao que essas tropas pudessem levar, e encontraram alguma resistência por parte de unidades
blindadas italianas em torno de Mekili. No fim do mês, entretanto, exerciam controle completo e prontas
para combinar com a coluna costeira um movimento contra Bengási.
Com a captura de Cirene chegara a ocasião não só de agir, mas de agir com a máxima rapidez e segredo,
se se quisesse interceptar os italianos. A coluna voltou-se para o oeste, não ao longo das estradas
estabelecidas, mas mais para o sul, atravessando um território por onde exército algum jamais havia
passado. Era um terreno quase impraticável, assolado por fortíssimas tempestades, exigindo o máximo de
esforço dos homens e dos veículos. Viajavam orientados pela bússola e pelas estrelas, muitas vezes
forçados a retardar a marcha, fazendo apenas os altos indispensáveis para comer e dormir. Em 36 horas
cobriram 240 km, alcançando as costas nas imediações de Soluch.
Por pouco não chegaram atrasadas. As colunas italianas já se estavam deslocando para o sul. Com mais
duas horas teriam estado fora da armadilha. Mesmo assim ainda tinham uma possibilidade, dada a sua
superioridade de cinco contra um, em homens e tanques e estavam mais descansados que a pequena força
interposta em seu caminho. Mas seus tanques eram novos modelos, a que os tripulantes não estavam ainda
acostumados e suas tropas eram embaraçadas pelos refugiados civis que as acompanhavam. Durante a
tarde de 5 de fevereiro, entretanto, lutaram com energia, em um esforço para romper a linha. Mas as forças
britânicas não somente bloqueavam o caminho, mas enviaram um destacamento ao sul, para minar a
estrada, enquanto outra força se desenvolvia para o norte, para completar o cerco dos italianos. No dia
seguinte, a vanguarda mecanizada da coluna principal chegava para reforçar o ataque. Os britânicos ainda
tinham inferioridade em homens e armas, mas puderam manter-se ante as repetidas cargas italianas,
destruindo sessenta tanques inimigos. Os esforços italianos ainda continuaram na segunda noite da batalha,
enquanto o General Bergonzoli ordenava uma suprema tentativa. Seu fracasso deixou os italianos com a
munição esgotada e suas forças mecanizadas praticamente aniquiladas. Os australianos já haviam ocupado
Bengási, na tarde de 6 de fevereiro, e os britânicos podiam esperar novos reforços para a batalha no sul. A
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7 de fevereiro, ao meio-dia, a resistência italiana desmantelou-se e a vitória foi completa.
Era o ponto culminante de uma ação quase perfeita. Em dois meses, o exército do Nilo, cujas unidades
avançadas levaram a perseguição até EI Agheila, tinha avançado mais de 800 km. Em cinco encontros
sucessivos atacaram e derrotaram um inimigo que tinha a vantagem de número superior e posições
defensivas preparadas. Segundo o próprio Mussolini, tinham desbaratado o 10o corpo do exército italiano,
com sua artilharia e equipamento. Foram feitos 133.000 prisioneiros, inclusive 19 generais e um almirante,
e tudo isso fôra conseguido ao custo de 1.774 baixas, das quais apenas 438 mortos.
Este preço surpreendentemente baixo foi o resultado da rapidez e precisão que caracterizaram toda a
campanha. Antes de cada ataque havia dias e noites do mais cuidadoso reconhecimento, que forneciam um
cabedal de informações em que se podiam assentar planos de grande precisão. As forças atacantes, e
particularmente os tanques, sabiam exatamente o que deles se esperava e a maneira como os tanques
cumpriram sua tarefa constituiu o segredo da pequena perda de vidas. Uma vez que os grupos avançados
tinham aberto as brechas necessárias nas defesas preparadas, a rapidez e potência de fogo do ataque
mecanizado marcava o ritmo para o resto de toda a operação.
E nem mesmo a maneira brilhante por que Wavell dirigia suas forças explicou totalmente a tática de
Graziani. Era difícil perceber um plano coerente em suas ações depois de Sidi Barrani. Desde este primeiro
revés, não se percebeu um indício real de um esforço sério para defender a Cirenaica. Contudo não se
decidiu a entregá-la com uma perda mínima de homens. Empreendeu uma série de resistências, demasiado
fracas para serem eficazes, mas de vulto suficiente para significar que no fim seu exército era entregue,
desorganizado, aos atacantes. Razões políticas provocaram as ordens para ser desenvolvido um esforço
sério na defesa de Bardia e Tobruk. As dificuldades de transporte complicaram a tarefa da retirada, diante
de um inimigo móvel e implacável. A falta de transporte mecanizado, de que se queixava Graziani, foi
agravada pelo número de veículos perdidos em Sidi Barrani e Bardia, e o abandono dos restantes durante a
retirada. Na verdade, Graziani viu-se a braços com a falta de caminhões para retirar todos os seus homens
a tempo.
Entretanto, o fato é que o retardamento imposto aos ingleses pelas praças fortes de Bardia e Tobruk jamais
foi aproveitado de qualquer modo eficiente. Fôra dado a Graziani tempo tanto para remover o grosso de
suas forças para Trípoli como para concentrá-las em qualquer outra posição mais favorável para a defesa
da Cirenaica. Contudo, nenhuma dessas coisas foi feita. Se os prisioneiros capturados pelos ingleses
tivessem alguma vez entrado em combate formando um só organismo, teriam oferecido formidável
resistência. Ao invés, foram divididos em forças relativamente pequenas, sendo derrotados por partes e
perdendo toda a esperança de conservar em seu poder qualquer parte da Líbia oriental.
Naturalmente tal perda não era irreparável. Sendo correta a afirmação feita por Mussolini de que os
efetivos inicialmente ao comando de Graziani somavam 400.000 homens, o marechal italiano possuía
ainda uma força considerável. A resolução de manter uma frente na Líbia foi evidenciada pelo esforço
desesperado para enviar reforços ao campo de batalha, o que ficou demonstrado pelo aumento do número
de navios italianos de abastecimento que os ingleses anunciaram ter afundado, e pelo aparecimento de
tanques alemães em número suficiente para lançar uma operação ofensiva na Cirenaica pelos fins de
março. Mas, pelo menos temporariamente, Suez estava fora de perigo, e o Exército do Nilo poderia desviar
sua atenção para outra parte.
A Campanha anfíbia
Numa conferência pronunciada em 1939, o General Wavell, a certa altura, mostrou como compreendia os
métodos que mais tarde havia de pôr em prática com tanto brilhantismo.
"Há novas forças com que ocupar-se, tanto terrestres como aéreas, com possibilidades em grande parte
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inexploradas... O chefe que souber utilizar-se de tais forças com imaginação, com genialidade mesmo,
poderá ver seu nome colocado junto ao dos grandes cabos de guerra. Mas não lhe será fácil conquistar esse
título... No terreno terá de manejar forças que se deslocam com uma rapidez e a uma distância que em
muito excedem à mais móvel cavalaria do passado; ser-lhe-á imprescindível um estudo da tática e da
estratégia naval bem assim como um estudo análogo da cavalaria... Não é preciso dizer que o chefe deverá
saber guiar as forças aéreas com o mesmo conhecimento que as forças de terra... Numa guerra futura, o
êxito será conquistado por meio da combinação das forças de terra e ar, e jamais pelo emprego somente de
uma delas."
Tais foram os princípios postos em prática na campanha da Líbia. Em terra, a característica mais notável
foi o emprego de forças mecanizadas em operações de reconhecimento, assim como no ataque e na
perseguição, bem como a maneira por que o conjunto das operações foi planeado considerando ta1
emprego como fator preponderante. No ar, a coordenação entre a RAF a as forças terrestres acarretava
atividade extraordinariamente variadas. Na tarefa primária de expulsar do ar o inimigo, os aviadores
britânicos obtiveram notável êxito, e isso foi em grande parte o resultado dos ataques persistentes e
devastadores desfechados contra as bases aéreas italianas. A medida que a campanha se desenvolvia,
aumentava o número das bases tornadas insustentáveis, e a cifra representativa dos aeroplanos destruídos
no solo auxiliava a explicar a fraqueza aérea italiana. Em El Adem, o principal aeroporto de Tobruk,
abandonado a 7 de janeiro, foram encontrados aeroplanos inutilizados. A 12 de janeiro descobriu-se que
mais cinco bases aéreas haviam sido abandonadas pelos italianos, inclusive a base de hidroaviões de
Bomba.
Como conseqüência disso, a eficácia da força aérea italiana foi praticamente anulada. Seus aliados alemães
na Sicília, se bem que efetuassem vários reides contra as posições inglesas de retaguarda e contra o canal
de Suez, realizaram poucos esforços sérios para interferir na campanha. Em Bardia, foi somente nos dois
últimos dias das operações que os italianos se apresentaram. Estiveram completamente ausentes durante o
ataque a Tobruk, e somente apareceram quase no fim do ataque a Derna. Os 75 aviões destruídos
encontrados no campo de pouso de Benina serviram para explicar os motivos do fracasso dos aviadores
italianos em impedirem a surpresa do ataque inglês contra Bengási. No curso dessas operações, segundo
Mussolini, o 5o Corpo da aviação italiana foi quase completamente sacrificado, perdendo 171 aviões e 525
homens; e aproximadamente a metade dessas perdas em aviões ocorreram no solo.
Em conseqüência dessa falta de resistência séria, a RAF podia realizar livremente variadas atividades de
tanta importância para as operações terrestres. Seus aviadores representaram papel preeminente no
bombardeio preliminar das posições italianas, que serviu para preparar o ataque. Foram os olhos da
artilharia inglesa, localizando as baterias inimigas e observando o fogo de seus próprios canhões. O
trabalho realizado pelos pilotos britânicos nos vôos de reconhecimento, antes e depois dos ataques,
forneceram informações vitais sobre os movimentos e os dispositivos do inimigo; e em cooperação com as
forças mecanizadas, atacavam violentamente o inimigo em retirada, assim como suas linhas de
abastecimentos. A RAF manteve-se, durante toda a campanha, constantemente sobre as primeiras linhas de
combate e à retaguarda do inimigo.
A missão cumprida pela marinha era ainda mais importante e de maior alcance. Foi em grande parte a
marinha, auxiliada naturalmente pela aviação, que desmantelou as linhas de abastecimento que ligavam o
exército de Graziani à península itálica. Poder-se-ia dizer que a marinha britânica teve ainda maior êxito
que a RAF, alcançando o domínio completo de seu próprio elemento. Durante o período inicial de
preparação, os abastecimentos alcançavam o Egito através da longa rota do Cabo; mas no fim, a
superioridade da frota permitiu que os mesmos fossem levados diretamente através do Mediterrâneo,
acelerando assim o ritmo das medidas preparatórias. Foi deveras extraordinário o fato de ter a frota inglesa
podido agir, durante toda a campanha, como se não existissem nem a marinha nem a aviação italianas,
podendo assim trazer ao êxito do avanço, sem ser molestada, a sua valiosa contribuição.
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Parte dessa contribuição era realizada durante os próprios ataques contra as posições italianas. Navios
monitores, em particular, representaram um importante papel no bombardeio final tanto de Bardia como de
Tobruk. Mas foi no cumprimento das missões menos espetaculares de abastecimento e comunicação que a
marinha emprestou às forças de terra um auxílio sem o qual não teria sido possível o avanço. O mar
tornou-se assim uma rota aberta de suprimentos que diminuía o esforço do avanço britânico. Em terra, os
ingleses podiam prestar um agradecido tributo aos italianos como construtores de rodovias, e por terem
deixado aos ingleses depósitos de abastecimentos de vital importância, tais como petróleo e água, cuja
captura era quase imprescindível ao avanço. Mas era da marinha que as tropas de terra geralmente
dependiam para assegurar-se abastecimentos, inclusive de água, e para desembaraçar-se das massas de
prisioneiros depois de cada vitória. E, o que não foi menos importante, os repetidos movimentos de
flanqueio realizados contra os italianos por forças móveis britânicas somente se tornaram possíveis pelo
fato de que a frota se manteve em guarda ao longo do flanco litorâneo.
Enquanto na região costeira progredia o avanço principal, também se realizavam outras operações.
Ininterruptamente, desde o verão anterior, uma coluna britânica altamente móvel estivera percorrendo o
deserto interior da Líbia, inquietando guarnições inimigas isoladas e destruindo suas comunicações. A essa
altura, os partidários do General De Gaulle, alguns dos quais haviam representado importante papel no
avanço principal, também atacavam os postos avançados italianos. Na última parte de janeiro, depois de
um avanço espetacular partido do território do Chad, destruíram a guarnição que ocupava o oásis de
Murzuk. No mês seguinte eles aniquilaram os vários postos dos oásis de Kufra. A 21 de março caíram as
últimas posições italianas de importância no interior, quando uma guarnição de 800 homens se rendeu em
Jarabub. A promessa de Churchill de que o império italiano seria despedaçado, estava sendo cumprida na
Líbia, e por esse tempo o processo de destruição achava-se também adiantado na África oriental.
A Campanha na África Oriental
A conquista da Líbia tornou nulas as possibilidades de que as forças italianas na África oriental se
tornassem uma séria ameaça ao Egito. Não se esperava que, mesmo nas circunstâncias mais favoráveis,
fossem elas capazes de realizar mais do que uma operação ofensiva de apoio. Em qualquer ataque contra o
Suez, esperava-se que o exército da África do norte representasse a ponta de lança, enquanto às forças da
África oriental caberia um papel secundário. A ameaça partindo do norte fôra, porém, afastada
definitivamente, e a África oriental estava completamente isolada, tendo pouca esperança de receber
reforços. Possuía entretanto guarnições que somavam cerca de 200.000 homens, que ainda dispunham de
consideráveis depósitos de abastecimentos à sua disposição. E, se não mais se esperava que fossem
capazes de conquistar o Egito, reconhecia-se que as mesmas se encontravam em situação de causar
consideráveis perturbações.
Tal possibilidade, entretanto, fôra em grande parte diminuída pela tática empregada por Wavell, que
utilizara o período anterior ao ataque propriamente dito efetuando constantes ataques de inquietação sobre
as forças italianas tanto nas fronteiras da África oriental como na Líbia. O general britânico manteve assim
uma constante pressão que privou virtualmente os italianos da iniciativa antes que os ingleses
desfechassem sua ofensiva, a qual, em realidade, foi tornada possível em grande parte pelas eficientes
operações secundárias realizadas durante as semanas anteriores.
A situação em Gallabat constituiu um exemplo. Os italianos haviam capturado esse posto fronteiriço logo
no começo da campanha, não conseguindo, porém, jamais mantê-lo completamente em segurança. As
constantes incursões e escaramuças a que a guarnição era submetida terminaram por tornar essa posição
insustentável no começo de novembro, forçando os italianos a retirarem-se através da fronteira. Em si
mesma essa retirada era de pouca importância, pois a posse do posto de Metemma, nas proximidades,
tornava precária a posse de Gallabat pelos britânicos. Mas a importância da operação decorria do fato de
terem os italianos abandonado uma base que poderiam ter utilizado para operações ofensivas, e de terem
passado assim à defensiva; e mais tarde, quando Metemma por sua vez também caiu, ficou ainda mais
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evidente que a tática aplicada pelos ingleses era correta.
Mais significativo ainda foi o efeito desses ataques de menor importância contra a posição inglesa em
Kassala. Tratava-se de um importante centro ferroviário e comercial cuja captura pelos italianos colocouos em situação de ameaçar Cartum e a possessão inglesa do Sudão. A ameaça, porém, nunca se
materializou. Uma das razões foi a insegurança do flanco italiano em tôrno de Gallabat. Outra razão ainda
foi o fato de que a própria posição de Kassala era submetida às mesmas incessantes operações de
inquietação. Durante todo o outono as incursões contra as defesas e suas comunicações aumentaram em
escala sempre crescente; e em meados de janeiro a situação das duas divisões se transformara de incômoda
para verdadeiramente perigosa. A 18 de janeiro os italianos evacuaram essa importante cidade.
Tais retiradas significavam muito mais do que a suspensão da ameaça italiana sobre o Sudão. Elas
resultaram imediatamente em uma ameaça inglesa contra a Eritréia. Kassala e Gallabat dominavam as
duas principais vias de comunicação entre o Sudão e a África Oriental Italiana. Simultaneamente,
desenvolvia-se num terceiro ponto uma ameaça contra a Etiópia. O descontentamento das tribos nativas
era um fator que os ingleses começavam a explorar com êxito. O antigo imperador, Hailé Selassié, surgiu
em terras abexins conclamando à reunião seus chefes feudais. Durante meses, oficiais ingleses haviam
estado armando e instruindo grupos de guerrilheiros na província de Gojjam, no noroeste. No mês de
janeiro as operações de guerrilha haviam atingido um grau de verdadeira revolta local, e também nessa
zona os italianos viram-se obrigados a bater em retirada de seus postos avançados antes que a ameaça se
tornasse ainda maior, enquanto, simultaneamente, a crescente atividade de patrulhas na fronteira do
Quênia, tanto da Etiópia como da Somália, faziam prever operações mais sérias no sul.
Desta forma, pelos fins de janeiro, realizavam-se operações militares desde o golfo de Sidra até o oceano
Índico, abrangendo um território tão extenso quanto a própria Europa. Considerado em seu aspecto mais
amplo, tratava-se de um território em que os ingleses tinham a vantagem de operar em linhas interiores,
enquanto os italianos limitavam-se a pontos isolados do perímetro, fixados entre o Exército do Nilo e a
marinha britânica. Uma demonstração tangível desse aspecto foi a transferência de uma divisão hindu, que
partiu da frente líbia depois das operações de Sidi Barrani, a fim de tomar parte na ofensiva contra a
Eritréia.
Se, entretanto, considerar-se a África oriental em si mesma, o quadro geral parecerá algo modificado.
Nessa campanha particular os italianos ainda podiam operar em linhas interiores contra um inimigo que
atacava partindo de numerosos pontos grandemente separados. Atrás dos defensores há um grande número
de excelentes rodovias, a principal contribuição italiana à Etiópia desde a conquista; e duas ferrovias, uma
partindo de Massawa para Agordat, na Eritréia, e outra de Djibuti a Adis-Abeba, que constituíam
importantes meios de comunicação entre o interior do país e a costa.
Foi contra o primeiro desses objetivos que os ingleses lançaram o ataque inicial, empregando uma força
composta de elementos algo diversos. No ataque contra a África Oriental Italiana, tropas sul-africanas e da
Costa de Ouro, da Índia, do Quênia e do Sudão, lutaram lado a lado com highlanders, belgas e franceses
livres. Não se poderia dizer que uma das qualidades menos acentuadas de Wavell como chefe fosse essa de
mostrar-se capaz de comandar contingentes tão diversos, diferentes em raça, costumes e pontos de vista, e
fazer deles uma força coesa destinada a servir ao mesmo propósito.
Eritréia
A captura de Kassala devolvera aos ingleses uma base avançada servida à retaguarda por importantes
ligações ferroviárias, e da qual era possível um avanço imediato no encalço dos italianos em retirada. A
retirada efetuava-se em duas colunas separadas, nas direções de Agordat e Barentu, e era de grande
vantagem impedir que as colunas tornassem a reunir-se. Por meio de um rápido movimento, a força
britânica cortou a estrada lateral de Agordat a Barentu e flanqueou os italianos que se encontravam na
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última dessas zonas. Ameaçados de cerco, os defensores abandonaram Barentu a 2 de fevereiro, iniciando
a retirada ao longo dos caminhos rústicos que, atravessando a região, conduziam à estrada principal para o
sul, procedente de Asmara. Entrementes, a coluna do norte tentara, sem êxito, organizar uma linha
defensiva nas vizinhanças de Biscia, sendo repelida a 24 de janeiro. A 1o de fevereiro, continuando a sofrer
a pressão das unidades móveis britânicas, essa força evacuou a cidade ligeiramente fortificada de Agordat,
retraindo-se para leste ao longo da estrada de ferro, e na direção da forte posição natural de Keren.
Aí, o avanço britânico foi abruptamente detido. A região no sopé de elevações, na qual as rápidas unidades
mecanizadas britânicas haviam até então operado tão eficazmente, dera lugar a despenhadeiros e escarpas
que limitavam o principal planalto da Eritréia. Em terreno assim escarpado os veículos motorizados
estavam virtualmente impossibilitados de operar, particularmente pelo fato dos italianos em retirada terem
destruído a principal rodovia que galgava a escarpa e que se dirigia a Keren. Contra um ataque frontal, os
defensores podiam tirar vantagens dos picos e gargantas que barravam as vias de acesso à cidade, e que
deveriam ser dominados um a um por meio de combates corpo a corpo. O avanço não mais lembrava a
campanha da Líbia; assemelhava-se mais à luta na Albânia.
O desejo de limitar estas dificuldades levou à ampliação do campo de operações. Enquanto as forças
localizadas- diante de Keren deslocavam-se lentamente para o sul, capturando uma série de pontos fortes
isolados, e enquanto a coluna sul, que avançava desde Barentu, achava a progressão cada vez mais difícil,
desenvolviam-se outros ataques, na mesma direção geral, mas partidos de pontos grandemente separados.
Na Etiópia, o avanço desde Metemma, ao longo da estrada de Gondar, completado por um avanço de
Umm Hagar para o norte, visava assegurar o domínio do planalto setentrional da Abissínia, preparando
assim o caminho para o isolamento, e por fim para o cerco da Eritréia pela retaguarda. No norte da Eritréia
foi desfechado um avanço ao longo da costa, em direção a Elghena, donde voltou-se para o interior,
penetrando lentamente pelas montanhas, a fim de ameaçar Keren pelo norte. Esta coluna estabeleceu
contacto com os defensores em 28 de fevereiro, mas o progresso das demais operações era lento e difícil.
A linha férrea entre Keren e Asmara permanecia aberta, e a guarnição, que recebera reforços e que
alcançava o efetivo de 35.000 homens, opunha enérgica resistência ao cerco lento mas firme efetuado
pelos atacantes.
Somália
Enquanto isto, uma situação muito diferente surgia no sul. Se a Eritréia não era adequada a uma britzkrieg,
a Somália italiana era mais adaptada a uma campanha como a da Líbia. Ali também operações
preliminares tinham preparado o caminho. Em janeiro, os italianos abandonaram o posto de Buna, no
Quênia. Um violento ataque, precedido por pesado bombardeio aéreo, desalojou-os do posto fortificado de
El Wak, logo do outro lado da fronteira da Somália. Essas retiradas, como o retraimento de Gallabat,
indicavam que a iniciativa havia passado para as mãos dos ingleses. Estes agora tiravam proveito de sua
vantagem, intensificando rapidamente a atividade de patrulhas através da fronteira. Em princípios de
fevereiro, numerosos postos etíopes nas vizinhanças do lago Rudolfo tinham sido tomados, e unidades
avançadas penetraram 65 km além da fronteira oriental. A fraqueza das defesas, revelada no decurso
destas operações, e o fato dos italianos não esperarem nenhuma ameaça de maior vulto, ofereciam
brilhantes perspectivas para um golpe, que repetiria, em pequena escala, o êxito do ataque de surprrsa de
Wavell contra a Líbia.
A 10 de fevereiro, violentos ataques pela força aérea sul-africana constituíram o prelúdio para um avanço
de forças mecanizadas ligeiras sobre Afmadu. A cidade foi tomada às primeiras horas de 12 de fevereiro e
apressado o avanço sobre o rio Juba, em três colunas separadas. A 13 de fevereiro, a cidade de Bulo Erillo,
a 210 km da fronteira; foi tomada, após violento combate. No dia seguinte foi feita notável presa em
Kismayu, o segundo porto da Somália italiana. Em sua captura, a coordenação das forças de terra, mar e ar
demonstrou mais uma vez as vantagens da campanha anfíbia e o avanço podia contar com as
191
comunicações marítimas em vez de depender da rota terrestre, através do Quênia.
Em dois dias, os invasores tinham avançado 110 km, atingindo o rio Juba. Este era a principal barreira
defensiva, que os italianos esperavam manter sem grandes dificuldades. Ali, como na campanha do norte,
tais esperanças foram desfeitas pela combinação de surpresa e mobilidade conseguida pelos britânicos. O
ponto central da defesa era a cidade fortificada de Gelib. Mas ela foi flanqueada pelo norte, por uma
travessia de surpresa do Juba, e pelo sul, quando os captores de Kismayu tomaram Jumbo. Essas duas
forças convergiram sobre Gelib, em coordenação com um ataque frontal. A rapidez das forças blindadas e
a eficiência de seu mortífero fogo de armas automáticas dominaram os defensores. Os atacantes
penetraram através de um denso sistema de defesas, de ambos os lados do Juba, e dominaram a divisão
italiana que ocupava Gelib. As forças restantes, estendidas ao longo do Juba, foram flanqueadas por um
rápido deslocamento do vale para o litoral, mais ao leste. A 23 de fevereiro o pequeno porto de Brava foi
ocupado e no dia seguinte, Mogadiscio, a capital da colônia, caiu em poder dos britânicos. Em dois dias,
os atacantes tinham avançado 350 km. A conquista da Somália italiana era virtualmente completa. Os
italianos perderam não somente o território, mas os principais portos donde os seus corsários até pouco
antes haviam atacado a navegação no oceano Índico. Um comunicado, datado de 27 de fevereiro, frisava a
natureza notável do feito:
"Sua grandeza será apreciada ao se compreender que, no período de 12 a 25 de fevereiro, partindo de bases
avançadas, já no fim de linhas de comunicação com 350 km de extensão, as formações combatentes
avançaram, apesar da oposição, por uma única pista, em uma distância de 900 km. Além disto, o
importante obstáculo formado pelo rio Juba foi atravessado - uma linha que os italianos pareciam
considerar inexpugnável."
Etiópia
A conquista não era importante apenas em si mesma; ela abria novos e excelentes caminhos para a invasão
da Etiópia. Mais uma vez os britânicos podiam prestar reconhecido tributo à atividade dos italianos como
construtores de estradas. Havia uma boa estrada que subia o vale do Juba, em direção a Adis-Abeba, e
outra mais para o leste, subindo o Webbe Shebeli e atravessando o deserto de Ogaden, em direção a Harar.
Nenhuma delas estava impedida por defesas preparadas, pois esta era a última direção donde os italianos
teriam esperado o perigo. Um avanço por qualquer uma dessas estradas ameaçaria seriamente a posição
italiana na Abissínia.
As forças britânicas avançaram por ambas as estradas. Os conquistadores de Mogadiscio avançaram para o
interior, subindo o Webbe Shebeli, em princípios de março. Podiam adiantar-se com confiança, pois não
restava nenhuma força organizada inimiga para ameaçar suas comunicações. Os italianos, calculava-se,
tinham perdido 31.000 homens durante a invasão e as poucas centenas que restavam da guarnição original
tinham fugido para a Etiópia. Avançando em uma média de 80 km por dia, as forças britânicas chegaram a
Dagabur em 10 de março, prosseguindo o avanço rumo à ferrovia singela que ligava Adis-Abeba com o
porto francês de Djibuti.
Nesta fase, a vantagem da força anfíbia foi demonstrada mais uma vez. A perda da Somália britânica, no
ano anterior, decorrera mais de razões emocionais do que práticas. Agora, entretanto, que se podia fazer
uso prático da mesma, foram tomadas medidas para recuperá-las. Enquanto os violentos ataques da RAF
contra os aeroportos próximos mantinham inativos os aviões italianos, os bombardeiros cooperavam com
os canhões da frota, martelando as posições italianas em Berbera.
Sob a proteção do bombardeio, foram desembarcadas duas colunas separadas, obrigando os defensores a
dividir suas forças, e com elas foram carros blindados, de um tipo especialmente destinado a cooperar com
o ataque aéreo, o que representava um novo passo no desenvolvimento da coordenação. O grosso da
guarnição italiana, após uma breve resistência, retirou-se, sob a cobertura da escuridão, e os britânicos
192
recuperaram outra posição, cujo uso encurtaria grandemente as comunicações terrestres da força invasora.
Esta força da Somália italiana, que alcançou Jigiga a 17 de março, destacou parte de sua força para atacar
em direção a Hargeisa e unir-se com as colunas vindas de Berbera. Uma vez aberta essa estrada, todo o
poderio da força combinada poderia ser lançado contra Harar e a estrada para Adis-Abeba.
Enquanto o avanço oriental atacava assim a ferrovia, várias colunas adiantavam-se para a capital, vindas
do oeste e do sul. O domínio do vale do Juba permitiu um movimento rápido para o norte, rumo à zona de
Dolo. Ao mesmo tempo, as forças etíopes na fronteira norte do Quênia, que tinham recuperado o forte de
Moyale, avançaram para tomar Mega e Javello. Essas duas colunas convergiam agora para Neghelli, que
caiu a 22 de março, removendo a última defesa importante da capital no sul.
Outras ameaças surgiam no oeste e no norte. Enquanto o avanço de Metemma para Gondar progredia
lentamente, a revolta na região do Gojjam, ao sul do lago Tana, disseminava-se rapidamente. Em
fevereiro, os etíopes desalojaram uma guarnição italiana de Danghela, seguindo-a com a captura de Burye,
a 6 de março, depois de 10 dias de bombardeio aéreo e constante fogo dos franco-atiradores. A estrada
direta de Gondar a Adis-Abeba estava cortada e importantes forças italianas recuavam para a base de
Debra Markos. Quase ao mesmo tempo, verificava-se novo avanço no oeste, quando as forças vindas de
Kurmuk capturaram a escarpa de Afodu e dirigiram-se para o oeste, na região fronteiriça, ao sul do Nilo
Azul.
Foi, assim, efetuada uma série de penetrações na África Oriental Italiana. Espaçados a intervalos
irregulares ao longo da fronteira, cada ponto de entrada era assinalado pelas cidades que dominavam as
linhas naturais de comunicação: Kassala, Gallabat, Kurmuk, Mogadiscio, Berbera. Inicialmente poderiam,
por uma série de movimentos convergentes, procurar fixar-se aos principais pontos das defesas exteriores,
tais como Gondar, Keren e Harar. Visavam finalmente, em um único ponto de convergência, a capital da
Etiópia, Adis-Abeba. E, à medida que cada avanço separado atacava postos, estradas de ferro ou
guarnições, contribuía não somente para a aproximação do objetivo final, mas também para a divisão das
forças defensoras em fragmentos separados que, apesar de poderem manobrar em linhas interiores, ver-seiam praticamente impossibilitados de, na resistência final, lutar como um corpo coordenado.
O encontro decisivo verificou-se em Keren, onde a guarnição italiana apresentou aos ingleses a resistência
mais tenaz e vigorosa até então encontrada. Diante do lento avanço dos britânicos que fechavam o cerco
por três lados, os defensores lançaram uma série de vigorosos contra-ataques. Em conseqüência dos
contínuos ataques aéreos que a fraca aviação italiana quase não podia evitar, o comando fascista fez com
que sua infantaria e artilharia se aferrassem às posições nos picos que dominavam a estrada procedente de
Agordat. Mas, ao mesmo tempo em que as forças britânicas e hindus aproximavam-se gradualmente das
posições italianas, a aviação britânica lançava uma série de ataques durante todo o dia, visando os pontos
fortes inimigos nas montanhas bem como a estrada que lhes servia tanto de via de abastecimento como de
itinerário de retirada. Sob este constante martelar, o ânimo dos defensores começou a ceder; e quando a
perda de uma sucessão de alturas culminou com um assalto de surpresa ao longo de um desfiladeiro
isolando o quartel-general de uma brigada e ameaçando as tropas de completo cerco, a defesa cedeu.
Durante a noite de 26 de março a guarnição retirou-se pela estrada de Asmara, que ainda se achava aberta,
e no dia seguinte, após um sítio de sete semanas, os britânicos estavam de posse de Keren.
Sua queda comprometeu irremediavelmente o resto da Eritréia. Toda a energia dos italianos fôra gasta
nesta última e obstinada resistência e daí em diante foram tentadas poucas outras ações defensivas. Asmara
foi declarada cidade aberta e rendeu-se sem luta. Enquanto um destacamento composto de tropas
britânicas e francesas livres avançava pela encosta abaixo na direção do porto marítimo de Massawa, de
onde os destróieres italianos fugiam então para cair sob o fogo da frota britânica, o grosso aliado mudava
de rumo para o sul na esteira das forças italianas que batiam em retirada para a Etiópia.
Mas a sorte da Etiópia também estava selada. A esperada resistência na estrada para Adis-Abeba não
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conseguiu materializar-se. As defesas do Passo de Marda foram literalmente varridas. A antiga cidade de
Harar, após um pesado bombardeio aéreo, foi capturado a 26 de março, quase sem resistência. Quatro dias
depois o avanço atingia Diredawa, cortando a ferrovia para a capital. Se bem que a garganta do rio Awash
oferecesse uma possível linha defensiva, os italianos não fizeram nenhuma tentativa séria para mantê-la
em seu poder. Ao invés, enviaram um parlamentar para tratar de uma rendição pacífica da cidade a fim de
poupar a população civil; e a 5 de abril, as forças avançadas britânicas entraram em Adis-Abeba, a qual no
dia seguinte foi completamente ocupada. Com a perda de Debra Markos, anunciada a 7 de abril, as
restantes forças italianas começaram a ser tangidas, em fragmentos isolados, para a região central do norte.
O Mediterrâneo e os Bálcãs
Quando Mussolini, em seu discurso de 23 de fevereiro, se ateve á idéia de um crescente auxílio alemão
como principal esperança para restabelecer a situação criada pelos desastres italianos, teve finalmente de
reconhecer uma realidade muito pouco lisonjeira. Sem a ação por parte da Alemanha, fosse para socorrer a
Itália diretamente, fosse para combater seus inimigos em qualquer outra parte, não haveria esperança de
evitar o colapso. Os gregos não se mostravam capazes de compreender as tradições marciais de Roma. A
salvação do império africano dependia dos bárbaros de além dos Alpes. Mesmo a frota britânica,
praticamente incólume apesar dos melhores esforços por parte dos italianos, somente, poderia ter sua
ascendência no Mediterrâneo abatida por uma Alemanha que não possuía nem navios nem bases naquele
mar.
O começo do ano mostrou que a frota da Itália continuava a ser molestada mesmo dentro de seus próprios
portos. Enquanto várias belonaves britânicas prestavam uma contribuição vital ao avanço na Líbia, e
outras vigiavam as rotas marítimas, a aviação britânica procurava descobrir os vasos italianos que se
aventuravam fora dos portos. A 8 de janeiro, no ataque mais pesado que Nápoles já havia experimentado,
um dos principais objetivos foi um couraçado, sendo também bombardeados cruzadores e instalações
navais em Messina, na na noite seguinte.
Entretanto, já se encontrava a caminho a ajuda enviada pelo mais poderoso dos aliados da Itália. A 2 de
janeiro foi oficialmente anunciado que um corpo de aviação alemã chegara à península para "tomar parte
na dura luta aero-naval travada agora na bacia mediterrânea". O significado dessa declaração oficial foi
revelado pelo poderoso ataque de bombardeiros de mergulho a que foi submetido um comboio britânico a
10 de janeiro.
O ataque verificou-se no estreito da Sicília. Através deste estreito de 130 km de largura viajava um
comboio levando abastecimentos para a Grécia, e escoltado por um destacamento naval que incluía o
cruzador Southampton e o porta-aviões Illustrious, bem como outras unidades. Ao alvorecer foram
encontrados dois destróieres italianos, sendo um deles afundado após um combate em retirada quase sob
os canhões de Pantelária. Durante a manhã os italianos tentaram efetuar dois ataques aéreos contra o
comboio, sendo ambos repelidos sem que o comboio sofresse avarias.
Esta ação, porém, era apenas um prelúdio. A notícia da presença de navios ingleses dava às esquadrilhas
alemães sediadas na Sicília sua primeira oportunidade de tomar parte numa ação séria. Pouco depois do
meio-dia, 15 aviões mergulharam sobre o comboio, de uma altura de 2.500 m. A tática empregada mostrou
que os pilotos constituíam um grupo escolhido a dedo por sua perícia e audácia. Diante de um muro de
explosivos partidos dos navios de guerra britânicos, os aviadores alemães atacavam com calma e
resolução. Baixavam para lançar suas bombas de 500 kg e metralhar o comboio quase com alça zero,
voando depois quase ao nível d'água e entre os navios do comboio, o que os tornava praticamente imunes
ao tiro anti-aéreo. O ataque continuou quase sem interrupção durante sete horas, em vagas sucessivas de
40 a 50 aparelhos, e somente terminou com o cair da noite.
Os resultados foram sérios de ambos os lados. A audácia dos atacantes custou-lhes pelo menos 12 aviões;
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mas em compensação causaram ao comboio perdas de modo algum desprezíveis. A mais importante de
todas foi a do cruzador Southampton, uma unidade ligeira de 9.000 toneladas, lançada ao mar em 1937. Os
atacantes infligiram ao navio tais avarias com o bombardeio que não foi possível à tripulação dominar as
chamas que haviam irrompido a bordo. As tentativas para rebocar o cruzador para um porto foram em
conseqüência abandonadas, e a belonave foi posta a pique pelos canhões dos outros navios britânicos. No
dia seguinte ao ataque, o destróier Gallant foi danificado por uma mina ou torpedo, conseguindo porém
chegar a um porto por suas próprias máquinas.
O ataque mais encarniçado, porém, fôra concentrado sobre o porta-aviões Illustrious. Esse novo barco já
representara um papel da mais alta importância nas operações ofensivas realizadas no Mediterrâneo pela
frota britânica. Em vista, até certo ponto, de serem as operações quase completamente ofensivas, sua
dotação normal de aviões de caça fôra reduzida, e aumentado o número de aparelhos de bombardeio. Seu
poder defensivo diminuíra ainda mais quando, logo após ter sua primeira esquadrilha de caças decolado
para dar combate aos Stukas, foi o navio atingido por uma bomba de 500 kg. que avariou 20 aviões e
inutilizou a plataforma de pouso. No resoluto ataque que se seguiu, os atacantes fizeram vários furos nos
costados do barco. O mecanismo do leme foi partido, e o porta-aviões navegou em círculo durante algum
tempo, sem controle efetivo. A água que entrava pelos furos dos costados e que ameaçava atingir a casa
das máquinas, constituía mais uma grave dificuldade a vencer. Havia além disso incêndios a bordo, e o
calor e a fumaça tornavam quase impossível à tripulação a permanência a bordo do navio avariado. Mas os
homens da casa das máquinas prosseguiram obstinadamente seu trabalho, o que fez com que o Illustrious
chegasse a Malta por seus próprios recursos, apesar de tão seriamente avariado.
Esse golpe inicial foi continuado pelos Stukas com uma série de selvagens ataques contra Malta. Seu
objetivo imediato era acabar definitivamente com o Illustrious; e suas intenções mais ambiciosas, o
desmantelamento completo de Malta e sua inutilização como base aero-naval inglesa. Uma incursão de
quatro horas a 15 de janeiro foi seguida um dia depois por um prolongado ataque diurno em que dez
aparelhos foram abatidos. Um reide de sete horas, efetuado a 18 do mesmo mês acarretou a perda de mais
19 aviões alemães. Os objetivos eram as defesas aéreas e a base naval, e os alemães afirmaram que os
impactos verificados no Illustrious haviam-no posto fora de ação até o fim da guerra. Em realidade, porém,
depois de sofrer em Malta reparos que lhe devolveram a navegabilidade, o porta-aviões foi levado para os
Estados Unidos onde esteve num dique seco até o outono. E em setembro já se podia prever que o
Illustrious teria ainda muito que fazer até o fim da guerra. Mas a verdade é que os alemães julgavam que
em setembro a guerra já estaria terminada.
Entrementes a RAF devolvia os golpes alemães com igual vigor. O ataque ao comboio chamara a atenção
para a principal base dos Stukas, em Catânia, na Sicília. Em conseqüência de uma série de ataques durante
a semana que começou a 12 de janeiro, pelo menos 90 dos 150 aviões alemães originariamente enviados
para a Sicília foram destruídos, no solo ou em vôo. O golpe no poderio aéreo alemão no Mediterrâneo foi
demonstrado não somente pela ausência de novos ataques numa escala igual aos de 10 de janeiro, mas
também pela diminuição dos ataques contra Malta, que até os fins de março não recomeçaram de modo
sério. Qualquer que tenha sido o resultado do episódio considerado do ponto de vista da disputa pela
preponderância do couraçado sobre o avião ou vice-versa, o fato é que o mesmo pouco contribuiu para
fazer com que o fiel da balança no Mediterrâneo pendesse para o lado do Eixo.
A armada britânica, ao contrário, continuava a levar a guerra cada vez mais diretamente à Itália. Durante a
primeira semana de fevereiro, a esquadra, em ordem completa de batalha, realizou um amplo cruzeiro no
Mediterrâneo sem encontrar nenhum único vaso de guerra inimigo, e sem a mais leve interferência dos
aeroplanos do Eixo. A imunidade da frota britânica não decorreu de qualquer falta de audácia de sua parte,
pois a 2 de fevereiro os ingleses lançaram um ataque com aviões torpedeiros contra a represa de Tirso, na
Sardenha, uma das principais usinas hidroelétricas da ilha. A 9 de fevereiro a frota efetuou uma operação
ainda mais audaciosa. Ao clarear do dia uma força - que incluía, além do Renown e o Ark Royal, o
Malaya, que os alemães afirmaram haver posto fora de ação a 10 de janeiro - apareceu ao largo do porto de
Gênova. Em violento bombardeio, em que foram lançadas 300 toneladas de obuses de uma distância
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variando entre 16 e 25 km, os navios ingleses atingiram diferentes objetivos, entre eles as usinas elétricas
Ansaldo, depósitos de combustíveis, navios de abastecimentos, instalações portuárias e quadros
ferroviários de manobra. Enquanto alguns aviões localizavam os objetivos para o fogo da artilharia de
bordo, outros incursionavam sobre a grande refinaria de petróleo em Leghorn e sobre a importante junção
ferroviária de Pisa.
O ataque foi tão violento quanto devastador. Giovanni Ansaldo, reconhecendo que "o golpe fôra
cuidadosamente estudado e levado a efeito com audácia", expressou a surpresa geral de que "a divisão
naval inimiga tivesse podido chegar diante de Gênova em pleno dia". O êxito da surpresa foi, de fato, uma
das mais notáveis características da operação. Para alcançar seu objetivo a frota teve de navegar ao largo
da Sardenha, ao alcance de alguns dos mais importantes aeródromos da Itália e através de águas
normalmente freqüentadas por barcos de toda a espécie. A base naval de Spezzia ficava a menos de 100
km da própria cidade de Gênova. Mesmo assim não foram avistados, durante a aproximação, qualquer
navio de patrulhamento ou avião de observação. As baterias de costa, colhidas completamente de surpresa,
precisaram de 15 minutos para responder ao ataque, e o fez com um fogo ineficaz. Os bombardeiros
italianos apareceram somente depois que a frota rompera o contacto, e foram repelidos sem terem causado
danos aos navios ingleses.
Este duro golpe no território continental italiano, segundo se calculou, devia causar profundo efeito
psicológico; e desse ponto de vista a escolha de Gênova tinha significação particular. Era desse porto,
como acentuou Churchill, que se esperava zarpasse uma expedição nazista para a África do Norte. A
impunidade com que a frota britânica operava em águas próximas da Itália constituía uma advertência dos
riscos a que estaria sujeita uma tal expedição.
Em conseqüência, os nazistas, já obrigados a reforçar as vacilantes armas italianas, sentiram-se na
obrigação de envolver-se ainda mais energicamente nas operações navais. Como resultado da conferência
realizada nos dias 13 e 14 de fevereiro entre os dois chefes navais, foi anunciado um programa de
cooperação entre as duas marinhas. Mas enquanto os submarinos italianos já operavam no Adriático, não
parecia que os alemães tivessem qualquer plano imediato de enviar suas unidades para o Mediterrâneo.
Segundo o ponto de vista alemão, não era de navios, e sim de marinheiros, de que carecia a marinha
italiana, e o emprego de tripulantes alemães poderia infundir maior espírito de iniciativa na armada
italiana.
No fim de março surgiu uma oportunidade para pôr à prova essa hipótese. A esse tempo, estava sendo
realizado plenamente o envio de reforços ingleses para a Grécia, e os Stukas que haviam reforçado os
italianos na ilha de Rodes, tiveram pouco êxito na tarefa de interromper o trânsito de comboios. Diante da
perspectiva imediata de um ataque alemão à Grécia, chegara a ocasião de ser desfechado um audacioso
golpe naval destinado a interromper a linha de abastecimentos no Mediterrâneo oriental.
A 27 de março um reconhecimento aéreo descobriu uma força naval italiana navegando para leste,
procedente da Sicília. O grosso da frota inglesa encontrava-se então em Alexandria. O almirante
Cunningham enviou imediatamente uma força de cruzadores e destróieres capitaneados pelo Orion, sob o
comando do vice-almirante Pridham-Whipple, para tomar contacto, enquanto os couraçados mais lerdos
seguiam, atrás, na esperança de também poderem travar luta com o inimigo. Ao mesmo tempo, a marinha
grega, cujos limitados recursos estavam sendo empregados de modo persistente e eficaz no Adriático, foi
informada de que um combate estava em perspectiva, e fez-se ao largo para tomar parte no que devia ser a
maior batalha naval desde a de Jutlândia.
Na manhã de 28 de março, descobriu-se que a força italiana dividira-se em duas partes. Uma, a sudoeste
de Creta, compunha-se do novo couraçado Vittorio Veneto, acompanhado por cruzadores e destróieres; a
outra, mais ao norte, era composta por dois couraçados da classe do Conte di Cavour com quatro
cruzadores e três destróieres. A separação das forças indicava que não esperavam nem tencionavam dar
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combate à frota britânica. Visavam objetivos separados, que pensavam alcançar sem oposição séria. Mas o
grosso da frota britânica já se fizera ao mar, e a divisão de forças por parte dos italianos constituía um
grave erro. Unidas, as unidades fascistas estariam na proporção de três couraçados contra outros três
ingleses, onze cruzadores contra quatro, catorze destróieres contra um número inferior de navios ingleses e
gregos. Dividida, a força italiana deixava que sua parte do sul - com um único couraçado - fosse apanhada
por uma força que incluía o Barham, o Warspite e o Valiant, bem como o porta-aviões Formidable. A
força italiana do norte não tomou parte no encontro principal. E se entrou em ação, foi somente para
canhonear seus próprios navios da divisão naval do sul, que fugiam na escuridão.
As forças ligeiras britânicas entraram em contacto com o inimigo nas primeiras horas da manhã de 28 de
março. Os italianos achavam-se a 24 km de distância; as belonaves inglesas de grande porte encontravamse a 150 km. A descoberta de que a força italiana incluía o Vittorio Veneto tornou impossível aos
cruzadores britânicos empenharem-se em luta com a divisão naval italiana; voltaram, por isso, a popa aos
navios italianos, procurando fazer com que os mesmos os perseguissem e chegassem ao alcance do tiro
dos couraçados britânicos, manobra essa que obrigou os barcos ingleses a se manterem durante certo
tempo sob o fogo dos canhões de 380 mm do grande navio de guerra italiano. A manobra teve êxito, ainda
que não de modo completo. Embora não tenha conseguido levar os vasos de guerra italianos até ao alcance
dos grandes canhões britânicos, fê-los navegar na direção desejada, tornando assim possível, finalmente,
sua entrada em ação.
Os italianos, entretanto, aperceberam-se da presença de couraçados ingleses e iniciaram a retirada em
direção à península antes que o inimigo pudesse aproximar-se. Uma vez que tinham vantagem em
velocidade sobre os navios ingleses, as perspectivas britânicas não pareciam satisfatórias. A presença do
Formidable foi o fator decisivo. Esse porta-aviões lançou seus aeroplanos contra o inimigo em retirada, e
particularmente contra o Vittorio Veneto. Em três ataques desfechados entre as 11,45 horas e o cair da
noite, pelo menos três torpedos atingiram o couraçado italiano, reduzindo a oito nós a sua velocidade. O
cruzador Pola foi atingido seriamente, e a velocidade de toda a força foi muito diminuída em conseqüência
de sucessivos ataques aéreos.
Desta forma, os ingleses puderam aproximar-se bastante durante a noite. Seguindo uma rota oblíqua a fim
de cortar a retirada dos italianos, os couraçados ingleses entraram em contacto com o inimigo pouco
depois das 22 horas. Não havia luar, e o contato se verificou cerca de 150 milhas a oeste de Creta. O
primeiro a ser descoberto foi o cruzador Pola, adernado cerca de três milhas de distância. Ao
aproximarem-se do navio italiano, avistaram os ingleses mais três cruzadores inimigos a estibordo. A frota
britânica tomou direção contrária à dos navios italianos, e os holofotes do destróier Greyhound entraram
em ação. A uma distância de 4.000 m os três couraçados ingleses dirigiram suas salvas contra o cruzador
Fiume, iluminado por um súbito clarão, e praticamente varreram a belonave italiana da superfície. O
cruzador Zara teve o mesmo destino. Descobrindo dois destróieres inimigos em posição de lançar um
ataque com torpedos, os couraçados alteraram seu curso e os destróieres italianos foram esmagados
quando tentavam esconder-se atrás de uma cortina de fumaça. Os destróieres ingleses entraram em ação e
desfecharam o golpe de misericórdia no Pola, no Zara e no Fiume. A perda desses três cruzadores de
10.000 toneladas e de dois destróieres foi perfeitamente determinada, sendo reconhecida pelo próprio
governo italiano. Foi também virtualmente certa a perda de outro destróier e de mais um cruzador. O
Vittorio Veneto, adernado e movendo-se vagarosamente quando foi avistado pela última vez tinha ainda
400 milhas a percorrer até a península, e os reconhecimentos aéreos na manhã seguinte não conseguiram
perceber qualquer traço do couraçado italiano. Foi uma vitória decisiva, obtida sem a perda de um só navio
ou de um só homem.
"Foi esta a primeira vez na história" - afirmou um porta-voz do Almirantado - "em que a hábil
coordenação das operações navais com ataques desfechados pela aviação resultou na diminuição da
velocidade de barcos inimigos, permitindo que nossas forças navais travassem luta apesar da vontade
contrária do adversário. Foi também a primeira vez na história naval em que perdas tão graves foram
impostas ao inimigo, enquanto nossas próprias forças saíram do encontro completamente incólumes." Em
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realidade, o fato constituiu o ponto culminante do emprego combinado de navios e aviões que o almirante
Cunningham realizou em Taranto e Gênova. As esquadrilhas de aviões navais de reconhecimento não
apenas tornaram possível a descoberta dos barcos inimigos com grande margem de tempo, como também
exerceram constante vigilância de seus movimentos, permitindo ao comando manter-se completamente
informado. Os ataques aéreos, além de avariar seriamente o Pola e o Vittorio Veneto de modo a impedir
que esses dois navios tomassem parte na ação principal contra o grosso da frota, obrigaram também toda a
divisão naval inimiga a ziguezaguear para fugir às bombas e torpedos, e anularam sua vantagem em
velocidade, permitindo aos barcos ingleses, mais vagarosos, alcançá-los finalmente, forçando-os a lutar. E
apesar da Itália continuar com uma força naval considerável, esperava-se que as perdas sofridas tornasse
mais desafogada a situação dos ingleses no Mediterrâneo
libertando maior número de unidades para serem enviadas a tomar parte na Batalha do Atlântico.
A série de desastres da qual esse encontro foi o clímax não seria provavelmente daquelas que servissem
para fortalecer a estabilidade do regime de Mussolini. E a drástica mudança na composição do governo
italiano ocorrida nesse período mostrou quanto era incerta a situação. No fim de janeiro, o conde Ciano
abandonou o cargo de ministro do Exterior para servir ativamente na frente de batalha. Cinco outros
ministros já se encontravam na frente, e mais dois partiram no dia seguinte. A 4 de fevereiro foi anunciada
a mudança de 33 altos funcionários, e seus sucessores eram veteranos da velha guarda da Marcha sobre
Roma. Mussolini sentia a necessidade de medidas drásticas para assegurar a fidelidade de seus
subordinados na própria metrópole na ocasião em que iniciava esforços mais desesperados para
contrabalançar os reveses sofridos, aos quais se ajuntavam outros que continuavam a verificar-se na luta
contra os gregos.
A Campanha na Albânia
A característica da campanha grega durante os meses de inverno foi a continuação daquele processo de
infiltração, vagaroso mas persistente, em que se basearam os êxitos iniciais dos gregos. Havia poucos
êxitos espetaculares, e os progressos reais, mas limitados, eram tornados conhecidos pelos comunicados de
um modo que revelava o desejo de evitar as exageradas afirmações que caracterizaram a campanha
finlandesa. O porta-voz grego que qualificou os comunicados de "simples e lacônicos", descreveu muito
bem os termos em que os mesmos estavam redigidos. Mesmo assim, os comunicados deixam perceber
uma ininterrupta pressão exercida sobre as tropas fascistas, especialmente na frente central ocupada pelo
11o exército italiano em torno de Klisura e Tepelini. Mais ao norte registravam-se avanços por um e outro
lado. No setor da costa, onde as forças navais de ambos os lados tomavam parte de quando em vez em
operações de bombardeio contra as posições terrestres, não foi tentado nenhum grande esforço. A
campanha consistia principalmente na luta pela posse de posições isoladas nos picos e vales da região de
Pindo.
Era esse o tipo de guerra que mais convinha às condições em que se encontravam os gregos, bem como
aos recursos de que dispunham. Em meados de dezembro o inverno chegara à região montanhosa com
inclemência fora do comum. Fortes nevadas, que de quando em vez davam lugar a chuvas e a temperaturas
excepcionalmente baixas, tornavam extremamente difíceis quaisquer operações extensivas. Em certos
aspectos tais condições favoreciam mais a defesa do que o ataque, dificultando assim os esforços ofensivos
dos gregos. Mas elas prejudicavam igualmente a contra-ofensiva italiana, e, em particular, aumentavam
ainda mais as dificuldades que o terreno apresentava ao emprego de tanques e transporte motorizado.
Desse modo, apesar das condições meteorológicas mostrarem sua imparcialidade com relação ao justo ou
ao injusto, o cômputo das vantagens mostrava-se favorável aos gregos.
O fato da luta ter sido limitada a operações de pequena monta era também, até certo ponto, uma vantagem,
particularmente no que dizia respeito aos abastecimentos. Os gregos tinham deficiências de toda ordem,
desde armas até equipamento. A escassez de material sanitário constituía em especial um problema
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durante o inverno, quando às baixas causadas pelo fogo inimigo se somavam às que eram causadas pelo
congelamento e a exposição às intempéries. O alongamento das linhas de comunicação dos gregos através
de um terreno difícil, em conseqüência do avanço para dentro da Albânia, trouxe mais um elemento
desfavorável ao problema dos transportes, tornando-se grave não somente a falta de caminhões como
também de muares. A Grécia não podia, por si mesma, suprir essas necessidades, e isso significava que
dependia de sua aliada, a Inglaterra, para o recebimento de material vindo de fora. Tal problema era
consideravelmente facilitado em conseqüência das vitórias inglesas na Líbia, onde haviam sido capturados
depósitos italianos de materiais e abastecimentos. Os aviadores britânicos evitavam tanto quanto possível o
bombardeio do material que deveria pouco mais tarde cair em poder dos ingleses, e os canhões e
caminhões apreendidos eram enviados imediatamente para a Grécia, onde eram utilizados contra seus
antigos donos. Mesmo isso, porém, apenas em parte satisfazia as exigências gregas, sendo urgentemente
necessário o uso de comboios tais como o que foi atacado pelos Stukas a 10 de janeiro, e destinados a
suprir as tropas gregas dos elementos indispensáveis à guerra.
Os gregos, entretanto, aplicavam da melhor forma possível os elementos de que dispunham. Com
paciência e tenacidade avançavam laboriosamente de uma posição para outra, na conquista de objetivos
estratégicos. Foi pela aplicação de tais métodos que gradualmente conquistaram a posição que dominava
as posições montanhosas de Klisura. Tirando vantagem da melhoria temporária das condições
meteorológicas na primeira semana de janeiro, as tropas gregas esmagaram as fortificações italianas
propositadamente preparadas e ganharam o controle das alturas ao norte e a leste da aldeia, mantendo sob
o fogo de sua artilharia toda a região circunvizinha. Flanqueados, e submetidos a pesado bombardeio por
parte da RAF, cujos principais esforços nas semanas anteriores haviam sido dirigidos contra a base de
Flbasan, viram-se os defensores forçados a abandonar Klisura a 10 de janeiro. Fôra, assim, vencido um
grande obstáculo, e disso resultara ficar aberto o caminho para novas operações dirigidas contra Tepelini e
Berat.
Tal continuidade de iniciativa por parte dos gregos era motivo de sério desassossego em Roma. O
comandante das tropas italianas na Albânia fôra substituído, depois das derrotas de novembro, pelo
General. Soddu. Após algum tempo em que quase nada de positivo pôde fazer, o General. Soddu foi por
sua vez destituído, e o General. Ugo Cavallero, que a 6 de dezembro substituíra Badoglio na chefia do
Estado-Maior, assumiu em pessoa o comando da campanha. Essa mudança prognosticava novos e
resolutos esforços italianos no sentido de mudar a sorte das armas.
Para tal finalidade, tanto as armas como os homens deveriam suportar encargos ainda maiores. Novos
reforços foram embarcados para a Albânia, sofrendo perdas consideráveis por parte das forças navais tanto
da Inglaterra como da Grécia; entrementes a RAF realizava sérios estragos nas instalações portuárias de
Valona. Muitas das novas tropas eram batalhões de camisas negras, cujo zelo partidário, esperava-se,
infundisse maior vigor ao ataque. Percebeu-se um aumento na atividade aérea fascista; e havia esperanças
da parte dos italianos de que a morte do General. Metaxas, a 29 de janeiro, pudesse enfraquecer o espírito
de resistência dos gregos, do qual o general servira de inspirador.
Mas os novos esforços tiveram pouco mais êxito que os anteriores. Apesar de lançados nada menos de 46
ataques no curso das quatro semanas que se seguiram, os resultados foram em grande parte inócuos em
vista do âmbito restrito dos mesmos. Pelos comunicados italianos podia-se ver quão pouco sucesso
alcançaram tais operações ofensivas, pois nenhuma vitória real foi anunciada, e nem mesmo apareceu a
informação de que se realizava uma verdadeira ofensiva. Foram algumas vezes anunciadas capturas de
posições de importância local, mas o que caracterizava mais os comunicados era a informação de que o
inimigo havia sido repelido com pesadas perdas. Em realidade, os gregos foram capazes de tirar vantagens
dos próprios esforços italianos a fim de continuar a obter novos êxitos. Não somente repeliam um após
outro os ataques dos tanques e da infantaria italiana, mas passavam muitas vezes ao contra-ataque levando
o inimigo para atrás de seu ponto de partida. Na última semana de janeiro haviam os gregos aberto nova
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brecha nas linhas italianas, apoderando-se gradualmente das alturas que dominavam Tepeli.
Com a breve melhoria das condições de tempo a 13 de fevereiro, surgiu uma oportunidade para operações
mais extensas, que foi oportunamente aproveitada. As tropas gregas lançaram seu principal ataque contra
as posições italianas poderosamente fortificadas no maciço de Trebesina. Essa cadeia de elevações ao
norte de Klisura domina as vias de acesso para Valona e Berat e constitui um dos principais bastiões que
protegem Tepelini. O caminho foi aplanado por uma preparação de artilharia que durou 48 horas e por
pesados ataques da RAF cujos Hurricanes, recém-chegados à zona de batalha, aumentaram a superioridade
aérea aliada sobre os italianos e forneceram proteção adequada aos bombardeiros. O ataque em si mesmo
resultou na captura de picos de 2.000 m de altura, cobertos de neve, e isso antes que nova mudança nas
condições do tempo trouxesse outra pausa nas operações após uma semana de avanços. Os italianos, já
exaustos por seus esforços ofensivos, sofreram perdas ainda mais pesadas quando tentarem retomar as
posições por meio de novos contra-ataques. Na primeira semana de março, os gregos anunciaram haver
capturado 20.000 prisioneiros e causado aos italianos 120.000 baixas desde o começo da guerra.
Isso mostrava a tenacidade com que lutavam os italianos, e indicava que continuariam persistindo em seus
esforços para uma ofensiva de resultados plausíveis. A perspectiva de uma intervenção ativa por parte da
Alemanha constituía novo incentivo. Ainda que de certo modo isso fosse um motivo de satisfação, o
auxílio germânico contra os gregos seria de molde a pouco aumentar o prestígio italiano, e conviria muito
aos fascistas poderem anunciar algumas vitórias antes que seus aliados entrassem em ação completamente.
Num supremo esforço para incentivar seus soldados, o próprio Mussolini visitou, em março, a frente de
combate, a fim de inspirar novas operações ofensivas contra os gregos.
Suas esperanças, porém, não se realizaram, pois os gregos desferiram o golpe em primeiro lugar. As
operações iniciadas a 6 de março numa escala limitada, desenvolveram-se no dia seguinte, esmagando
completamente as posições avançadas italianas, e fazendo 1.050 prisioneiros num dos maiores êxitos
alcançados pelas forças gregas. Assim, foi contra uma ofensiva grega em pleno desenvolvimento e com
poderoso apoio aéreo que os italianos lançaram a 9 de março seu contra-golpe. Empregando maior número
de tropas que em qualquer outra operação anterior, os fascistas estenderam seus esforços ao longo de uma
frente de 19 km no setor central. Os ataques foram cuidadosamente preparados e se caracterizaram pela
violência e obstinação. Num esforço para colher o inimigo de surpresa, foram tentados tanto ataques
noturnos como ataques sem preparação de artilharia. Os assaltos foram particularmente violentos nos dias
13 e 14 contra as posições de Trebesina ocupadas pelos gregos, quando os italianos procuravam retomar as
alturas ao nordeste de Tepelini.
Apesar desses formidáveis esforços, Mussolini não obteve nenhuma vitória para com ela apresentar-se de
volta a Roma. Tal como no mês anterior, os gregos não somente repeliram os ataques italianos mas
também continuaram a obter novas vitórias apesar dos esforços inimigos. As perdas fascistas subiam a
cifras desastrosas. Cinco divisões, segundo estimativas gregas, haviam sido despedaçadas, e os 120.000
homens que as compunham tiveram 50.000 baixas, incluindo cerca de 30.000 do 15o Corpo de Exército
que mais uma vez sofrera o maior peso da luta. A 16 de março parou a ofensiva, e apesar de continuar
encarniçadamente a luta, esta era de caráter local e restrito, pois chegara ao fim o impulso vindo da
retaguarda.
Uma das características do esforço grego, e por certo não a menos notável, foi não ter o alto comando
distraído tropas para enfrentar a crescente ameaça nazista à sua retaguarda. As tropas gregas lutavam
obstinadamente e com êxito, procurando em primeiro lugar cumprir de modo completo a missão de
derrotar os italianos. E quando o perigo alemão se tornava cada vez mais próximo de suas fronteiras, os
aliados britânicos reuniram uma força de veteranos moralmente preparados por vitórias anteriores para
com ela guarnecer a nova frente que parecia estar prestes a ser aberta nos Bálcãs.
200
A Absorção da Bulgária
Um dos aspectos mais característicos das relações entre os países do Eixo era a fria indiferença com que a
Alemanha encarava os contínuos desastres de sua infeliz aliada italiana. Se foram enviados Stukas para a
Sicília e forças blindadas para a Líbia, os alemães o fizeram menos por um desejo de auxiliar a Itália do
que para manter mais ocupadas as forças inglesas. Em relação às derrotas italianas na Albânia, os alemães
mostraram mais desprezo do que pesar. Apesar das insistentes notícias de uma intervenção nazista naquela
campanha, o Reich, que se abstivera mesmo de romper suas relações com a Grécia, não forneceu mais que
um limitado auxílio à Itália por meio de aviões para o transporte de tropas italianas. No fim de março
ficara claro, porém, que seriam tomadas medidas mais sérias; mas os acontecimentos nesse intervalo
demonstraram que as referidas medidas não seriam motivadas pelo desejo especial de socorrer a Itália, e
sim em razão dos próprios interesses alemães nos Bálcãs, e que estavam sendo satisfeitos por meio de um
plano metódico e de longo alcance.
A primeira fase foi a consolidação da posição alemã na Romênia. O contínuo afluxo de tropas nazistas,
começado em dezembro, resultou durante os dois meses seguintes na concentração de uma força de cerca
de meio milhão de homens, completada por aviação e divisões blindadas. Nem mesmo as perturbações
internas da Romênia, apesar de dificultarem a entrega de petróleo e de outros abastecimentos à Alemanha,
afetaram seriamente a chegada de mais soldados alemães. Antonescu, depois de uma guerra civil que
durou três dias e que foi precipitada por certas facções da Guarda de Ferro, elogiou a maneira por que fôra
apoiado durante a crise pela "sombra leal do Führer". Uma união ainda mais estreita com a Alemanha foi
forjada em março, quando os nazistas receberam o direito de vetar qualquer acordo comercial entre a
Romênia e o exterior. Mas Hitler e suas legiões abstinham-se cuidadosamente de intervir nas lutas
internas, confiantes em que, qualquer que fosse o resultado das mesmas, a Romênia estaria sempre
firmemente em suas mãos. Com inegável habilidade, prosseguiram na tarefa de transformar o país numa
base segura de onde esperavam avançar passo a passo para a absorção final de toda a península balcânica.
Era essencialmente uma política de conquista incruenta. A presença de consideráveis forças militares era
um instrumento destinado a fazer com que os vários países chegassem a um entendimento, assim como
uma garantia para o caso em que o resultado não fosse favorável. Mas o maior desejo alemão era evitar a
precipitação da luta armada nos Bálcãs. Mais proveitosas seriam a colaboração voluntária dos governos
existentes e a colocação de seus recursos a serviço da Alemanha. Com os zelos, as suspeitas e os
ressentimentos mútuos que caracterizavam as relações dos Estados balcânicos, havia todas as perspectivas
de que poderiam ser isolados um a um e levados a cair na órbita da Alemanha, que se apresentaria sempre
a cada um como protetor.
O destino da Bulgária, país a ser beneficiado por esse privilégio, estava virtualmente selado. Quaisquer
que fossem as razões que, em novembro, haviam retardado sua adesão ao Eixo, a posição final do país já
estava então decidida. No começo do ano ficara evidenciado que a Bulgária não poderia oferecer oposição
a uma exigência alemã para a remessa de tropas àquele país. O primeiro ministro Filoff, em irradiação
feita a 12 de janeiro, repudiou, em nome da Bulgária, o fascismo e o comunismo, e afirmou a resolução do
governo de salvaguardar a liberdade e a independência do país. Tais sentimentos, entretanto, eram pouco
mais que esperanças piedosas. Quando a Grã-Bretanha solicitou uma garantia de que nada seria feito para
facilitar a expansão nazista, Filoff sentiu-se incapaz de comprometer-se; e o afluxo de turistas alemães,
iniciado nos primeiros dias de janeiro, mostrou que já estavam sendo realizados os preparativos para a
submissão do país.
Em meados de fevereiro tudo estava pronto. A Alemanha já estabelecera completamente suas posições na
Romênia. Os engenheiros alemães haviam completado seus preparativos para o lançamento de pontões
através do Danúbio. Turistas alemães, identificados como oficiais do Estado-Maior Geral, encheram
completamente o principal hotel de Sofia. Sob a direção de técnicos alemães, prosseguiram os preparativos
201
para a recepção do exército.
Melhoraram-se estradas, experimentaram-se pontes, restringiu-se o tráfego de civis pelas ferrovias, sendo
organizado um serviço para tomar conta do novo tráfego. Os aeródromos foram colocados sob a
supervisão alemã. O exército búlgaro foi mobilizado e concentrado; não porém na frente norte, mas na
fronteira turca. Os elementos radicais e líderes da oposição agrária foram presos. A Alemanha esperava
apenas o desaparecimento dos gelos flutuantes do Danúbio para realizar o movimento final.
A 1o de março verificou-se em Viena a assinatura, por parte da Bulgária, do pacto das Três Potências.
Antes mesmo que as firmas fossem postas no documento, as tropas alemães já se encontravam em marcha.
Pela madrugada o primeiro destacamento motorizado atravessou o Danúbio, e pouco depois do meio-dia
os caminhões começaram a chegar a Sofia. Mais outro baluarte que impedia a marcha da Alemanha para
leste havia caído sem que fosse preciso disparar um só tiro.
A Grã-Bretanha e os Bálcãs
Contra esse processo de desgaste, que ameaçava levar finalmente os nazistas até Salonica e os Dardanelos,
a Inglaterra procurou erigir barreiras que pudessem deter a avalanche. Enquanto estivesse em curso a
campanha da Líbia havia poucas perspectivas de que a Inglaterra pudesse desviar forças adequadas para
enfrentar os alemães nos Bálcãs. Mas o enfraquecimento do império italiano aproximava cada vez mais o
dia em que o Exército do Nilo pudesse desviar suas vistas para outra parte; e entrementes a diplomacia
inglesa esforçava-se para fortalecer nos pequenos Estados da Europa oriental a resistência do agressor.
Com a Bulgária pouco havia a fazer. Os esforços feitos nesse sentido eram menos importantes por sua
influência sobre o país do que pelo efeito sobre os demais que talvez ainda hesitassem. O discurso que
Churchill pronunciou a 9 de fevereiro acentuava a lição dada à Bulgária na guerra passada por se ter aliado
aos alemães, e expressava a esperança de que os camponeses búlgaros "não seriam levados, pela terceira
vez nos últimos trinta anos, a tomarem parte sem necessidade numa guerra desastrosa." Outra advertência
foi feita no dia seguinte, quando a Inglaterra rompeu suas relações diplomáticas com a Romênia,
reconhecendo a si mesma, tacitamente, o direito de bombardear objetivos naquele país, incluindo os
campos petrolíferos. Quando, apesar de tudo, a Bulgária cedeu aos nazistas, as relações foram rompidas
empregando uma linguagem tão rude que não restava dúvidas de que a Inglaterra se reservaria todo o
direito de atacar o inimigo no solo búlgaro.
Entretanto, muito mais importante que a Bulgária era a posição da Turquia. Apesar de sua aliança com a
Inglaterra, não havia certeza de que a Turquia se manteria firme contra o avanço nazista. Seus dirigentes
haviam reafirmado a lealdade do país à aliança. Sua imprensa referia-se à "zona de segurança" da Turquia
e deixavam antever que seu país lutaria se a Bulgária fosse invadida. Mas, como tudo isso não teve
conseqüência alguma, bem poderia acontecer que uma linguagem semelhante a respeito da invasão da
Grécia também não tivesse significação. Havia mesmo a dúvida de que a Turquia, mau grado suas firmes
promessas, haveria em todas as circunstâncias de resistir a conhecida combinação de suborno e ameaça a
que no momento estava sendo sujeita por parte da Alemanha.
A 14 de janeiro foi iniciada uma série de conversações entre oficiais de estado-maior ingleses e turcos,
continuando durante os dez dias subseqüentes. Durante esse período os ingleses capturaram Tobruk, e a
possibilidade de uma séria ameaça italiana ao Egito foi decisivamente afastada. Mas apesar da maior
liberdade de ação que tal acontecimento deu aos ingleses, não conseguiram eles chegar a qualquer
entendimento preciso com os turcos sobre uma futura cooperação. Uma das razões disso, sem dúvida, era
que a Turquia continuava a não ter certeza de que o auxílio britânico em caso de emergência seria
suficientemente adequado; entretanto, o maior obstáculo consistia na dúvida que os turcos alimentavam a
respeito da atitude da Rússia.
202
De fato, a esse tempo a ambígua atitude russa com respeito à situação dos Bálcãs tornara-se uma fonte de
confusão. Por detrás de todos os problemas balcânicos aparecia a confusão da Rússia com relação à sua
própria política. A maneira clara por que desaprovara um domínio alemão da Bulgária, como o que se
verificara em novembro, permanecia ainda bem patente no começo do ano. A 12 de janeiro anunciou-se
em Moscou que a Rússia não fôra informada da existência de qualquer soldado alemão na Bulgária e que a
isso não havia dado seu consentimento. Mas o efeito dessa declaração russa - que constituiu o primeiro
atrito direto depois do tão anunciado pacto comercial com a Alemanha - foi enfraquecido por não ter a
Alemanha feito qualquer pausa em seu processo de infiltração, e pela incapacidade das partes vitalmente
interessadas de obter um pronunciamento claro da atitude russa durante as semanas que se seguiram. Se a
União Soviética não aconselhou os turcos a que cedessem, deu entretanto todos os sinais de que relutaria
em pôr quaisquer obstáculos no caminho da Alemanha, e não era difícil para os turcos encararem a
perturbadora possibilidade de que os Sovietes pudessem procurar compensações num avanço alemão,
anexando partes da Turquia próximas à fronteira caucásica.
Foi nessa situação que a Turquia, a 17 de fevereiro, anunciou subitamente a conclusão de um pacto de nãoagressão com a Bulgária. Olhado superficialmente o acordo parecia bastante inofensivo. Renovava o
tratado de 1938 com a declaração de que os dois países tinham "decidido manter e desenvolver a confiança
mútua em suas relações amistosas". Mas as circunstâncias emprestaram a tais sentimentos aparentemente
admiráveis uma significação que ia além da formal. A Turquia não se encontrava sob nenhum perigo de
ataque por parte da Bulgária, e sim somente por parte dos alemães, cuja ocupação da Bulgária era
iminente. A Bulgária, por seu lado, não tinha razão alguma para temer um ataque da Turquia enquanto
permanecesse independente; e as garantias assim estabelecidas só poderiam ser interpretadas como uma
demonstração de que os alemães poderiam avançar sem interferência. A afirmação turca de que o pacto se
destinava simplesmente a tranqüilizar os búlgaros, e que nada tinha a ver com um possível ataque alemão,
somente poderia ser aceita se os turcos tivessem uma ingenuidade de que em geral não eram tidos como
possuidores.
A Inglaterra agiu rapidamente no sentido de esclarecer esta confusa situação. A 20 de fevereiro, o ministro
do Exterior e o chefe do Estado-Maior da Inglaterra chegaram ao Cairo. Na capital egípcia, em conferência
com o General. Wavell, Eden e Dill tiveram oportunidade de ver um quadro amplo dos recursos imperiais
em homens e material. Investidos da certeza da conferência com Wavell, partiram ambos imediatamente
para Ankara, a fim de manter conversações com os líderes turcos.
Desta vez os resultados foram mais satisfatórios. O tom da declaração de 27 de fevereiro, a qual afirmava
que os dois países estavam de completo acordo em todos os pontos, indicava o fortalecimento da atitude
turca, o que foi revelado pelos comentários sobre a ocupação alemã da Bulgária. A pressão alemã sobre
Ankara, apoiada por uma nota pessoal de Hitler ao presidente Inonu, foi recebida com fria resistência, e
pela tomada de várias medidas de caráter militar. Mas permanecia um elemento de incerteza, e uma atitude
sem compromisso em relação a um pedido grego de garantias de auxílio, mostrava quão longe estava a
Turquia de comprometer-se de modo direto.
A própria Grécia era agora um campo de provas. Começara uma forte pressão alemã contra Atenas; e com
as tropas alemães na fronteira da Trácia, a possibilidade de uma invasão nazista se tornara finalmente real.
Mas os gregos não mostravam sintomas de ceder; e a chegada de Eden e Dill a Atenas, a 2 de março, foi
seguida, dentro das 24 horas seguintes, pela declaração de que se chegara a um acordo completo sobre a
"maioria das importantes questões que no momento interessam a Inglaterra e a Grécia."
A mais importante de todas essas questões era o auxílio militar. Esse tópico já havia sido revelado pelos
ingleses. No fim de janeiro, Wavell visitara Atenas para investigar a situação; e mais uma vez, depois da
vitória de Bengási, voltara-se a falar nesse problema. Mas os gregos temiam que qualquer sinal de uma
expedição substancial de tropas inglesas servisse apenas para precipitar um ataque alemão antes que o
auxílio pudesse ser eficaz. Agora, entretanto, não restava mais dúvidas sobre as intenções alemães, e não
203
havia motivos para retardar a chegada de ajuda britânica; ao contrário tudo exigia que o auxílio viesse o
mais rapidamente possível.
A decisão inglesa já havia sido tomada, mas sua realização acarretava sérios riscos. A Alemanha, não
tendo suas forças ocupadas em parte alguma, poderia lançar, se necessário, todo o seu poderio contra a
Grécia. A Inglaterra precisava estar em guarda contra a invasão de sua própria ilha e precisava manter uma
força suficiente para a defesa do canal de Suez; assim, era limitadíssimo o número de tropas de que podia
dispor sem deixar em perigo esses dois objetivos vitais. Mas, apesar de tudo, chegara a ocasião de arriscarse. Permitir mais um avanço alemão seria não somente entregar Salonica, mas provavelmente também os
Dardanelos, arriscando-se a perder os campos petrolíferos do Oriente Médio e mesmo o controle do
Mediterrâneo oriental, com todas as conseqüências que tais perdas poderiam acarretar sobre o canal de
Suez e a África. Os perigos a enfrentar eram impostos por considerações tanto de estratégia como de
prestígio. Quando no verão anterior o Gabinete decidira reforçar as tropas de Wavell diante do perigo
iminente de invasão, e mais tarde durante a própria ofensiva inglesa na Líbia, mostrara que poderia
assumir a responsabilidade de tomar medidas audaciosas e arriscadas. Havendo tanta coisa em jogo, não
era de esperar-se que dessa vez não aceitasse correr o risco.
No começo de março começaram a chegar reforços para a Grécia. Enquanto o Exército do Nilo recebia
recrutas da Inglaterra, os veteranos de Wavell juntamente com outras forças vindas da metrópole se
encaminhavam para os Bálcãs. As primeiras tropas desembarcaram nos portos do sul da Grécia, entre eles
os de Volos e Pireus, e consolidaram-se atrás de uma linha secundária, fora do alcance de um golpe
imediato do inimigo. Somente quando tais posições haviam sido asseguradas, começaram essas tropas a
ocupar a fronteira norte.
A chegada de tropas inglesas em solo grego teve seu efeito não apenas sobre a situação militar, mas
também sobre a situação política. Esperava-se que esta prova da resolução inglesa servisse para encorajar a
atitude da Turquia em relação à Alemanha; atitude essa que ainda se mantinha dúbia depois da partida de
Eden de Ankara. Faziam-se então novos esforços para obter um pronunciamento claro de que a Turquia
daria seu apoio. A Grécia iniciou conversações de caráter militar com o Estado-Maior turco, e Eden
manteve nova conferência com Saracoglu em Chipre a 19 de março. Estes encontros tiveram um resultado
momentâneo demonstrado numa tendência para definir com maior precisão a atitude da Turquia.
Saracoglu, ao voltar, falou de uma vitória comum com a Grécia, e a mensagem turca de 25 de março - o
120o aniversário da revolta da Grécia contra a Turquia - chegou muito próximo de uma verdadeira
promessa de auxílio. Mas a Turquia ainda evitava qualquer compromisso final que a levasse a uma ação
armada contra a Alemanha em qualquer circunstância específica.
Esse progresso limitado, entrementes, encontrava certo eco por parte da Rússia, materializado por uma
mudança de atitude. Ao tempo da ocupação alemã da Bulgária, a posição dos Sovietes ainda era dúbia.
Depois de um silêncio inicial, Moscou aventurou-se a emitir de modo indireto sua desaprovação. Mas essa
não foi dirigida à Alemanha, e sim à Bulgária, e condenava não a ocupação em si mesma, mas a afirmação
búlgara de que ela constituía uma contribuição à paz. Ainda estava a Rússia longe de considerar-se em
condições de colocar obstáculos no caminho das potências do Eixo.
Entretanto, já estava sendo preparado o terreno para uma atitude mais firme. Quando Eden se encontrava
em Ankara, Sir Stafford Cripps voara de Moscou para tomar parte na conferência. Aí tivera ele não
somente uma oportunidade de explicar o ponto de vista soviético, mas de retornar com informações de
primeira mão a respeito das ações inglesas em perspectiva. A luz de tais informações, a Rússia sentiu-se
em condições de assegurar à Turquia ao menos a sua benevolência. Numa declaração feita a 25 de março
foi asseverado que "no caso de que a Turquia seja objeto de agressão e que se sentir obrigada a entrar em
guerra para a defesa de seu território, ela poderá então, de conformidade com o pacto de não-agressão
existente entre si e a URSS confiar na inteira compreensão e neutralidade da URSS". Os termos sugeriam
possíveis limitações, e as passadas inconsistências da atitude russa poderiam possibilitar a continuação do
204
cepticismo a seu respeito. Entretanto a própria Turquia mostrava-se inclinada a aceitar confiante a asserção
soviética.
Sob tais aspectos, os acontecimentos durante o mês de março constituíram um progresso potencial no
sentido da criação de uma sólida frente sob os auspícios britânicos. Mas o foco mais imediato da luta
diplomática era a Iugoslávia, sobre cuja decisão dependia todo o curso dos acontecimentos nos Bálcãs.
A Iugoslávia e o Eixo
As ligações entre a Alemanha e a Iugoslávia já eram de importância considerável. E as Ligações
econômicas, em particular, eram de importância capital. Haviam aumentado sem cessar desde 1934, e com
a guerra tornara-se maior a dependência da Iugoslávia com relação ao Reich, tanto com referência a
mercados como a abastecimentos. Pelo tratado comercial de outubro de 1940, que fôra acompanhado de
expressões alemães tais como declarar a Iugoslávia "um grande e insubstituível associado comercial"
julgava-se que dois terços do comércio iugoslavo era desde então feito com o Reich. A partir de então
tornou-se contínua a pressão exercida pela Alemanha sobre as pequenas nações para aumentarem suas
exportações de produtos, especialmente gêneros alimentícios; e um grupo alemão assegurou-se o controle
das minas de cobre de Bor, que até então haviam estado sob controle francês. Com a expansão nazista na
Romênia e na Bulgária, as vias de trânsito comercial através da Iugoslávia pelo Danúbio e principal linha
ferroviária para Sofia e Estambul aumentaram grandemente de importância. A marcha dos acontecimentos
parecia arrastar inexoravelmente a Iugoslávia para uma colaboração ainda mais estreita com a Nova
Ordem.
Do ponto de vista político, entretanto, o quadro era menos preciso. Embora existisse pouca hostilidade
aberta contra o Eixo, havia igualmente pouco entusiasmo por aderir a ele, particularmente se tal fato
significasse praticamente a diminuição da independência da Iugoslávia. O irrompimento da guerra entre a
Itália e a Grécia acentuou a desconfiança que existia sob as relações aparentemente corretas entre a
Iugoslávia e a Itália. Mas apesar de certos grupos, particularmente no exército, serem favoráveis a um
socorro à Grécia, poucos estavam prontos a assumir a responsabilidade de se verem envolvidos em
hostilidades com a Alemanha. Considerações tanto internas como externas impunham uma política de
neutralidade e independência. As minorias croatas e eslovenas, cuja conciliação era tentada pelo regente
desde que subira ao poder, mantinham-se ainda pouco confiantes nos sérvios e representavam uma fonte
potencial de discórdias em ocasiões de crise. Essas minorias não eram necessariamente favoráveis aos
nazistas, mas as regiões em que viviam situavam-se no caminho de qualquer invasão, e a melhor linha de
defesa encontrava-se mais atrás, nas montanhas da Sérvia e do Montenegro. Uma colaboração limitada
com o Eixo era a política que com mais probabilidade asseguraria a paz interna.
O avanço alemão nos Bálcãs, entretanto, fez com que fossem difíceis de manter os limites desejados para a
colaboração. Em meados de fevereiro, quando tudo já se encontrava pronto para a ocupação da Bulgária, a
Alemanha voltou sua atenção para a Iugoslávia, destinando-a para próxima vítima. Essa atitude do Reich
colocou o governo iugoslavo em novo dilema. Se um desafio à Alemanha possivelmente levantaria a
oposição dos croatas, ceder ante a ameaça alemã provocaria uma rebelião por parte dos sérvios. Quando,
portanto, o primeiro ministro e o ministro do Exterior, chamados por Hitler, partiram para Berchtesgaden a
13 de fevereiro, fizeram-no numa atmosfera de segredo, pressagiadora de grandes dificuldades internas.
A esperança de evitar tais dificuldades residia em encontrar uma fórmula de transigência que pudesse ser
aceita tanto por Hitler como pela Iugoslávia. A aplicação dos métodos hitleristas de desgaste deixara o país
em situação precária. Os exércitos alemães encontravam-se agora nas fronteiras oriental e setentrional da
Iugoslávia, e o colapso da Grécia completaria o cerco. Não era possível obter-se garantias satisfatórias da
parte da Rússia ou da Turquia, e duvidava-se também da possibilidade de um auxílio eficaz por parte da
Inglaterra. Um acordo com os agressores poderia oferecer certa segurança; e se o destino da Grécia estava
selado, poderia ao menos haver uma possibilidade de vantagens territoriais que pudessem colocar Salonica
205
fora das garras italianas.
Qualquer acordo, entretanto, deveria ser compatível com a manutenção da independência da Iugoslávia.
Havia pouca vontade de apoiar a Bulgária, cujas ambições territoriais na Macedônia haviam sempre
afastado os sérvios. Mas seguir seu exemplo de aderir completamente ao Eixo, e em particular se tal fato
acarretasse a ocupação alemã, era algo a que o governo não se arriscava. A não ser com essa exceção, o
governo de Belgrado estava pronto para fazer todas as concessões possíveis; e sua primeira tarefa era
persuadir os nazistas a aceitarem essas limitações antes que coagir a Iugoslávia pela força.
Os alemães mostraram considerável relutância em aceitar qualquer coisa que não uma aliança completa.
Mas havia relutância ainda maior em provocar um conflito, e o exército da Iugoslávia estava sendo
mobilizado sem alarde a fim de que pudesse oferecer considerável resistência. Na primeira semana de
março, o regente, na base das discussões mantidas em Berchtesgaden, apresentava um acordo de
transigência que esperava pudesse ser aceito pelo governo e o povo iugoslavo. Em face da contínua
pressão nazista para uma adesão total, o regente manteve sua recusa sobre a passagem de tropas alemães.
Foi aceito entretanto o trânsito de material de guerra e de trens de feridos; um pacto de não-agressão
garantiria a neutralidade e a integridade da Iugoslávia e esse país deveria colaborar ainda mais
estreitamente com o Reich no terreno econômico, recebendo técnicos alemães para acelerar a produção.
Tais eram, em essência, os termos que o príncipe Paulo apresentou a seus conselheiros políticos e militares
numa conferência palaciana, a 6 de março, e que foram recebidos com violenta oposição e com numerosas
ameaças de demissão. Apesar de ter o príncipe evitado uma crise imediata, o desassossego espalhou-se
rapidamente pelo país. E quando foi reunido o conselho seguinte, a situação havia tomado um caráter
sério. Chegaram petições enviadas pelos partidos da oposição, governadores das províncias, veteranos de
guerra e por outras organizações. As diplomacias britânica e grega exerciam pressão, e o ministro
americano chamou a atenção do governo iugoslavo para a Lei de Empréstimos e Arrendamentos, e para o
apoio que a mesma poderia trazer à Iugoslávia em caso de resistência. Os líderes da oposição começaram a
declarar que a assinatura do que quer que fosse na Alemanha, mesmo de uma conta de hotel, significaria o
colapso do governo.
O regente encontrava-se, pois, entre duas ameaças: a da invasão e a da guerra civil. Das duas, acreditava
que a invasão era a mais perigosa. A 20 de março forçou o gabinete a tomar uma decisão favorável ao
pacto. A pronta renúncia de três ministros do gabinete e a ameaça da retirada do ministro iugoslavo na
Rússia, obrigou a novo adiamento. Mas a medida que aumentava a agitação popular, crescia igualmente a
pressão alemã para pôr um fim a tão incerta situação. A 24 de março o primeiro ministro e o ministro do
Exterior partiram para Viena onde no dia seguinte foi o acordo assinado.
Mas, apesar de assinado pelos ministros, a nação se recusava a ratificar o compromisso. Enquanto o
governo começava a desintegrar-se com uma série de novas renúncias, a cólera popular expressava-se por
meio de crescente demonstrações que em certas províncias chegavam a lutas de ruas, e no Montenegro e
na Sérvia central atingiam o ponto de verdadeiras revoltas. Em sua tentativa de estabelecer um meio termo,
o príncipe Paulo levara a nação a uma unidade que ela jamais desfrutara desde a sua formação - uma
unidade dirigida não somente contra o Eixo, mas também contra o próprio governo.
A nação foi salva da guerra civil pela intervenção decisiva do exército. Opondo-se sempre a concessões à
Alemanha, os líderes decidiram-se a agir quando ficou patente que o governo cedera aos nazistas. A figura
central era o general Simovitch, vigoroso e popular chefe da aviação. Os planos foram concertados com
notável segredo e realizados com rapidez e precisão exemplares. A uma hora da madrugada de 27 de
março, foram colocados cordões de isolamento foram colocados cordões de isolamento formados por
soldados em torno de todos os principais centros da capital, inclusive a repartição central de polícia e as
estações radio-emissoras. Uma hora mais tarde os líderes governamentais eram colocados sob custódia. O
regente fugiu da capital. O rei Pedro, que em setembro completaria dezoito anos de idade, subiu ao trono e
206
designou um novo gabinete sob a chefia do General. Simovitch. Um golpe militar incruento restaurara a
independência da Iugoslávia.
O fato ocorreu justamente quando os exércitos hitleristas acabavam de tomar posição para seu assalto à
Grécia, e fez com que todo o plano alemão fosse momentaneamente desregulado. Tendo ao lado uma
Iugoslávia em que não podia confiar, e que constituía uma ameaça potencial a seu flanco, o avanço das
tropas alemãs parecia perigoso demais para ser tentado. Hitler precisava sentir-se seguro da subserviência
da Iugoslávia ou incluir esse país na lista dos objetivos a atacar. O governo de Simovitch, entretanto, tinha
a esperança de que pudesse manter-se em paz sem precisar render-se. Evitou qualquer ação de repúdio ao
recente tratado. Estava disposto a seguir uma linha política de amizade e cooperação econômica. Mas não
aceitaria as exigências alemães para a ratificação imediata do pacto e para a desmobilização que tiraria
todo o significado da revolta, e que sem a menor dúvida provocaria outra, nem tampouco aceitaria a
mediação oferecida pela Itália, cuja intervenção no caso da Tchecoslováquia resultara somente na divisão
daquele país.
Hitler estava resolvido a forçar uma decisão imediata. Se os alemães tinham de lutar, que fosse antes de
terem os iugoslavos completado seus preparativos militares, e antes que os ingleses estivessem
completamente consolidados na Grécia. Ao mesmo tempo que fazia pressão contra Belgrado, Hitler
tentava fomentar dissenções internas. Mas o Dr. Macek, líder croata, após vários dias de incerteza,
consentiu em ocupar o cargo de vice-primeiro-ministro, assegurando assim a unidade nacional. Desta
forma, quando os agentes da propaganda alemã retiravam dos arquivos as histórias já preparadas que
haviam servido para narrar atrocidades cometidas pelos poloneses e tchecos contra alemães indefesos,
Hitler reajustava rapidamente o dispositivo de suas forças. A Hungria, que até então havia evitado uma
cooperação completa, fôra colocada em linha apesar do suicídio do conde Teleki, cuja honra não pudera
em tão pouco tempo repudiar o recente tratado de amizade com a Iugoslávia. O anúncio feito pela Rússia a
5 de abril da assinatura de um pacto de não-agressão com a Iugoslávia constituía simplesmente outro
motivo para agir com mais rapidez. Na madrugada de 6 de abril, as tropas alemães cruzaram as fronteiras
da Grécia e da Iugoslávia. Fôra desencadeada a ofensiva hitlerista de primavera.
Abril a Junho de 1941
A Batalha dos Bálcãs
No começo da guerra cada nova agressão de Hitler era encarada com otimismo por seus
adversários. Consideravam cada nova invasão como uma aventura cheia de perigos, oferecendo
uma oportunidade para ocasionar aos nazistas a derrota inicial que marcaria o ponto em que o
curso da guerra mudaria desfavoravelmente para o Eixo. Churchill qualificara a invasão da
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Noruega como um erro comparável à invasão da Espanha por Napoleão. Comentaristas militares
manifestaram a esperança de que a invasão dos Países Baixos, expondo os exércitos alemães a
uma luta em campo aberto, haveria de conduzi-los à derrota. Dessa vez o ataque à Grécia e à
Iugoslávia criou esperanças análogas. A ação empreendida por Hitler forjara nova aliança contra
ele próprio. Surgia mais uma vez uma frente continental. E as recordações da contribuição
prestada à vitória dos aliados na guerra passada pelos combates da frente oriental - recordações às
vezes exageradas - encorajavam a esperança de que o papel por ela representado na última guerra
pudesse repetir-se dessa vez.
Entretanto, um estudo sóbrio da situação levava a conclusões menos otimistas. Para começar, era evidente
que os países balcânicos, por si mesmos, tinham pouca esperança de deter a máquina de guerra nazista.
Não havia a menor dúvida sobre as qualidades combativas dos sérvios ou dos gregos. Mas em número, e
principalmente em equipamento, encontravam-se em desvantagem. O equilíbrio somente poderia ser
restabelecido com a ajuda da Inglaterra - uma ajuda substancial em homens, e mais substancial ainda em
material pesado, tanques e aviões.
Mas a extensão do auxílio inglês estava gravemente condicionada por certos fatores básicos. Numa ampla
situação estratégica como se encontrava a Inglaterra, havia outras imposições que tinham prioridade sobre
os Bálcãs. A primeira delas era a defesa das ilhas britânicas. O que quer que acontecesse em outros teatros
de guerra, a Grã-Bretanha não ousava expor seu coração a um golpe fatal por meio de um sério
enfraquecimento de suas guarnições da metrópole ou por uma demasiada dispersão de sua força aérea. E
as forças que poderiam ser desviadas do cumprimento dessa missão primária deveriam ser empregadas em
primeiro lugar na defesa do canal de Suez. A perda do canal significaria a expulsão do Mediterrâneo, e
mudaria todo o curso estratégico da guerra. Somente quando esses dois objetivos primários estivessem
com sua segurança razoavelmente garantida é que se poderia enviar forças para os Bálcãs. Poderia haver
controvérsias a respeito do que devesse ser considerado como margem razoável de segurança, bem assim
sobre até que ponto essa margem poderia ser afetada pela remessa de forças para a Grécia.
Mas, se fosse perdida a Inglaterra ou o canal de Suez, o êxito nos Bálcãss teria muito pouca significação.
Hitler, ao contrário, podia lançar nos Bálcãs todo o peso de suas armas. Desta vez não havia uma frente
ocidental que ocupasse o grosso das forças alemães. Não havia sequer, em qualquer outra parte, ameaça
séria de um ataque inimigo capaz de fixar consideráveis forças germânicas. A vantagem numérica inicial
desfrutada pela Alemanha tornava-se ainda maior em conseqüência dessa liberdade de ação, e aumentada
ainda mais pela posse ininterrupta da iniciativa. Mais uma vez, como nas campanhas anteriores, era
possível à Alemanha forçar os aliados a se manterem em guarda contra diversos perigos, e atacar então
com força esmagadora num ponto escolhido, obtendo assim a vitória rápida e decisiva a que
invariavelmente conduzia o plano alemão.
Em tais circunstâncias, a decisão da Iugoslávia de lutar parecia, quando encarada superficialmente, uma
desvantagem para os aliados. Uma firme neutralidade teria sido, em vários aspectos, muito mais desejável.
Manteria fechado ao invasor a via de acesso do Vardar. Permitiria aos gregos e ingleses concentrarem-se
numa frente estreita e bem preparada que lhes desse uma boa perspectiva de defesa. A abertura forçada das
hostilidades na Iugoslávia criaria uma frente muito mais ampla para a qual seus próprios recursos eram
inadequados, e à qual nem os gregos nem os ingleses estavam em condições de enviar ajuda imediata. O
resultado foi um rápido desmoronamento que abriu novos caminhos ao invasor e que, em seu curso, trouxe
também o colapso da Grécia.
Em realidade, não se tratava para a Iugoslávia de escolher entre a neutralidade e a beligerância, mas entre a
rendição e a conquista. Hitler não tinha a intenção de deixar que a neutralidade da Iugoslávia constituísse
uma vantagem para os aliados. As vias de penetração pelo vale do Vardar e através do desfiladeiro de
Monastir eram de grande importância para o plano alemão de ataque, e as negociações meramente formais
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que se seguiram ao golpe de estado de Simovitch deixaram bem claro as agressivas intenções alemães. Em
vista de tal situação, não restava aos aliados mais do que aplaudir a atitude iugoslava de resistir. Quaisquer
que fossem as desvantagens que pudessem sobrevir, eram sempre melhor do que as decorrentes de uma
política de rendição de Cvetkovitch.
Para a Inglaterra a escolha era igualmente simples. Uma vez que as nações balcânicas tivessem resolvido
lutar, a Inglaterra teria de emprestar-lhe todo o auxílio a seu alcance, pois por maiores que fossem os riscos
decorrentes de tal atitude, na passividade não haveria segurança. Aí estava também uma oportunidade de
terminar com o processo alemão de conquistas incruentas, e obrigar o Reich a pagar cada um de seus
novos avanços. Mesmo que a derrota fosse certa, a resistência haveria em todo o caso de enfraquecer a
Alemanha. Forçá-la-ia a gastar seus recursos em homens e material. Retardaria o progresso em direção ao
objetivo final. Poderia mesmo desorganizar seus planos tão seriamente que o objetivo final chegasse a
ficar além das possibilidades alemães de alcançá-lo. De qualquer forma, a Alemanha teria de gastar mais
tempo, e qualquer ganho de tempo para a Inglaterra aproximaria a ocasião em que todo o poderio britânico
e todos as formidáveis recursos da América pudessem ser lançados à luta.
A Queda da Iugoslávia
Um dos fatores que justificavam o otimismo dos prognósticos aliados era a natureza difícil do terreno nos
Bálcãs. Da mesma forma que se considerou o mar como um elemento capaz de dificultar a invasão da
Noruega e que o deserto foi superestimado como barreira de proteção à Líbia, as montanhas balcânicas
foram exageradas como obstáculos para o avanço nazista. E de fato, qualquer observador comum as teria
julgado elementos extraordinariamente favoráveis à defesa. Era verdade que no norte os territórios
anexados pela Iugoslávia no fim da primeira guerra mundial formavam parte das planícies húngaras, das
quais os cursos d'água são as principais características, mas para o sul do Sava, encontravam-se as massas
dos Alpes Julianos e Dináricos que cobriam a maior parte da região, enquanto a leste uma série de cadeias
de montanhas cobria a fronteira da Bulgária. Uma das principais vias de penetração, o vale do sistema
Morava-Vardar, atravessava o país longitudinalmente, desde Belgrado até Salonica; e ramificando-se para
leste a partir do Morava, em Nish, havia outro corredor até o Nisava, na direção de Sofia e do vale do
Maritza. Mas em geral era uma região de altos picos separados por estreitos vales de rios onde um avanço
por parte de colunas blindadas seria muito mais difícil do que nas planícies do norte da França.
Os preparativos feitos pelo governo Cvetkovitch sob a regência do príncipe Paulo pareciam destinar-se a
enfrentar uma invasão vinda do norte. Aí estavam colocadas as forças mais poderosas, inclusive a maior
parte dos regimentos sérvios. Esperava-se que essas tropas, recuando da planície danubiana, fariam sua
principal resistência na região montanhosa de onde seria difícil desalojá-las. Julgava-se que a leste as
poucas estradas disponíveis seriam mantidas por forças mais fracas, e que os croatas, em quem não se
confiava muito, seriam colocados nessa zona, de preferência às principais defesas no norte. Entrementes
um corpo de exército estava concentrado na fronteira albanesa, pronto para esmagar os italianos enquanto
as outras frentes se mantivessem firmes.
Tal era a situação que Simovitch encontrara ao assumir o poder. Se tivesse tido tempo, poderia ter alterado
esses dispositivos e tratado de fazer planos em cooperação com os ingleses e gregos, ainda que também
neste ponto o novo governo, da mesma forma que o anterior, parecia guiar-se pela esperança de evitar
qualquer provocação ao Eixo. De qualquer modo Hitler resolveu, como era de esperar, desfechar o ataque
antes que os sérvios pudessem organizar uma defesa mais eficaz; e a nação se viu obrigada a lutar levando
a desvantagem de concepções militares erradas.
Havia também nessa herança deixada pelo regente outros elementos que seria eufemismo classificar de
concepções erradas. Eden revelou o fato de ter a Inglaterra recebido constantes garantias de que estava
sendo realizada a mobilização da Iugoslávia. Mas esta se fazia de modo vagaroso e incompleto, e foi
somente com Simovitch que se registrou uma tentativa para pôr a nação, de uma vez por todas, em pé de
guerra, e isso tarde demais para ser combinado com um plano eficaz estabelecido entre a Iugoslávia e seus
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aliados. Foi, por fim, reunida uma força de 32 divisões, num total de cerca de meio milhão de homens.
Mas não havia divisões blindadas, e os demais equipamentos pesados eram escassos. A força aérea, num
total de talvez 900 aviões, era completamente impotente contra o poderio concentrado da Luftwaffe.
Do outro lado das fronteiras as forças alemães achavam-se postadas ao longo de um arco de 1.600 km
desde a Áustria até a Bulgária. Hitler fixou em 20 o número das divisões empregadas, mas considerando a
afirmação nazista de que o número de baixas alemães na campanha balcânica subira apenas a 1.000
mortos, a cifra apresentada mereceu toda a suspeita. Observadores estrangeiros estimaram em 40 o número
de divisões alemães, das quais cinco pelo menos eram blindadas; e acrescentaram que essas tropas
terrestres eram apoiadas por duas das seis frotas aéreas nazistas, num total de três mil aviões. A vantagem
alemã não residia somente no número e no material Desfrutavam mais uma vez as vantagens de um plano
organizado meticulosamente, tal como haviam demonstrado nas campanhas anteriores, e que mas uma vez
foi o resultado da superação dos obstáculos iniciais e do fato de ter sido mantido um avanço relâmpago sob
condições que, particularmente do ponto de vista dos abastecimentos, poderiam ter sido facilmente
consideradas impossíveis de serem vencidas.
Era essa organização atrás das linhas de batalha que capacitava aos nazistas arriscarem-se em golpes tão
audaciosos em que a vitória era um prêmio a curto prazo, ao invés de empregar-se em ações mais
prudentes, cujos resultados fossem mais lentos e mais restritos. Um avanço partindo do norte capturaria
facilmente Belgrado, mas deixaria intactos os exércitos iugoslavos, e teria de encontrar uma forte
resistência no sul. Um ataque no flanco oriental era muito mais difícil, pois eram poucas e más as estradas
que atravessavam as montanhas, e as linhas de comunicação eram limitadas. Mas se tal plano tivesse êxito,
os alemães não somente conseguiriam o domínio da via de penetração do Vardar; mas dividiriam as forças
inimigas, tendo oportunidade de envolvê-las e destruí-las separadamente Esse havia sido o método que
trouxera rápida vitória na Polônia e nos Países Baixos. Apesar das condições grandemente diferentes, o
Estado-Maior alemão julgou que o plano poderia ser repetido com êxito nos Bálcãs.
Em conseqüência. o verdadeiro peso do ataque alemão partiu da Bulgária. No norte, um movimento de
pinças procedentes da Bulgária e da Romênia avançou sem pressa sobre Belgrado, que foi ocupada a 14 de
abril. Na fronteira grega foram lançados ataques através das montanhas de Ródope, na direção da
Macedônia oriental e da Trácia. Entrementes três colunas principais avançavam do leste, no flanco
iugoslavo. A coluna norte avançava através do passo de Dragoman, sôbre Pirot e Nish. Mais ao sul, uma
segunda coluna, procedente de Kustendil, progredia na direção do Vardar, em Skoplje. E no extremo sul
uma força que avançava ao longo da cadeia de montanhas de Beleshitsa forçou a passagem pelo
desfiladeiro de Strumitsa para alcançar o Vardar inferior, e ameaçar assim toda a posição aliada.
Não seria demasiado afirmar que esses êxitos iniciais foram decisivos para toda a campanha. Seu efeito
imediato foi o de dividir os sérvios de seus aliados ao sul. Isso foi rapidamente seguido pelo
desmantelamento das próprias forças iugoslavas. Uma vez alcançado o Vardar, as forças invasoras
desenvolveram-se rapidamente em várias direções. Enquanto parte das forças se dirigiam para o sul, na
direção de Salonica. outra progredia para o norte, a montante do Vardar, na direção de Veles e Skoplje. A
8 de abril ambas as cidades haviam sido tomadas, e as colunas nazistas avançavam para o oeste em direção
à fronteira albanesa. Com a captura de Nish, na manhã de 9 de abril, os alemães encontravam-se
firmemente a cavaleiro da principal via de comunicações. Fôra efetuada a separação das forças iugoslavas
do norte e do sul, e o aniquilamento dos exércitos do sul era indicado pelo rápido avanço nazista para o
oeste.
Uma vez mais o peso das unidades mecanizadas alemães conquistara um magnífico triunfo. Como de
costume, o caminho foi preparado por um devastador ataque aéreo. Todas as estações ferroviárias de
importância foram fortemente bombardeadas, e a pior fúria dos assaltos caiu sobre Belgrado. Os
iugoslavos haviam retirado suas forças e declarado a capital cidade aberta. Mas sua importância como
centro de comunicações e abastecimentos era o bastante para que os nazistas a descrevessem como
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"fortaleza" e a submetessem ao mesmo terrorismo indiscriminado a que sujeitaram Varsóvia e Roterdã.
Por três dias a desprotegida cidade foi submetida a um bombardeio geral de implacável violência, que a
deixou prostrada e em ruínas, à espera do conquistador.
Simultaneamente, o golpe tombava igualmente sobre as bases aéreas da Iugoslávia. Durante o primeiro dia
todos os campos de pouso do país foram virtualmente destruídos como elementos de combate. Os ingleses,
com um poder aéreo inadequado mesmo para atender as necessidades da campanha na Grécia, podiam
fazer relativamente pouco a favor da Iugoslávia. Foi realizado um esforço para atacar as concentrações e
comunicações alemães na Hungria e na Bulgária. Bombardeiros britânicos atacaram violentamente as
tropas alemães que atravessavam o desfiladeiro de Strumitsa. Mas os recursos de que dispunha a RAF
eram por demais limitados para oferecer um sério perigo à superioridade aérea dos alemães, ou para deter
o avanço mecanizado nos passos orientais impedindo as unidades nazistas de desembocarem no vale do
Vardar.
Atravessados esses passos, os alemães estavam em condições de utilizar completamente o poderio de suas
forças blindadas. É bem possível que com dispositivos mais bem tomados os próprios passos poderiam ter
sido mantidos, e os gregos estavam mostrando em Rupel como se poderia fazer tal coisa. Além disso, o
perigo de uma progressão vinda da estrada ficara claramente visível durante a última guerra, e de um modo
tal que havia levado os sérvios a insistirem na anexação daquele distrito exclusivamente por motivos
estratégicos. Mas, apesar de tudo isso, não foi preparada nenhuma defesa adequada. Os alemães,
empregando novo tipo de tanque especialmente adaptado à guerra de montanhas, abriram caminho e
desembocaram suas divisões no vale do Vardar. Tropas pára-quedistas prepararam o caminho para a
captura de Veles por 200 tanques, que irromperam através de Shtip. Enquanto uma parte da força
progredia para o norte para capturar Skoplje, outra avançava para o sul, na direção de Prilep e do
desfiladeiro de Monastir. O braço norte da tenaz juntamente com outra coluna avançava diretamente sobre
Skoplje, e capturava a cidade no mesmo dia. Enquanto parte desta força continuava seu avanço para o
norte, outra parte progredia para oeste, em direção a Tetovo, via de acesso mais curta para a fronteira
albanesa. Skoplje, em realidade, era uma posição central de onde se poderia dominar todo o sul da Sérvia.
De Nish, capturada no dia seguinte, foi lançado mais um ataque através de Prishtina e Prizren, em direção
a Scutari. No noroeste os italianos e alemães avançavam descendo pelo vale do Sava, para capturar
Liubliana e Zagreb, numa progressão paralela com o avanço alemão a jusante do Drava através de
Maribor. E no nordeste um exército iugoslavo que ameaçava a Hungria, partindo de Novi Sad, era forçado
a retroceder quando as forças alemães procedentes da Bulgária avançaram em direção a Belgrado.
Ao fim de cinco dias de luta era evidente a derrota completa da Iugoslávia. Havia ainda alguma esperança
de que as tropas derrotadas pudessem recuar sobre a Bósnia e o Montenegro e reconstituir ali uma frente
efetiva. No passo de Kachanik, ao norte de Skoplje, os alemães encontraram uma resistência obstinada que
mostrou sinais de transformar-se em contra-ofensiva. Outras forças iugoslavas que haviam irrompido do
norte lançaram um persistente contra-ataque na região de Nish e do vale do Morava. Mas tais operações
teriam pouco resultado a menos que os alemães encontrassem dificuldades em outros pontos. A unidade
dos exércitos iugoslavos havia sido rompida de forma quase irreparável, e os nazistas já estavam lançando
seu peso principal contra os ingleses e gregos.
Isso fez com que aparecesse de modo ainda mais evidente outro aspecto do esforço iugoslavo. Se por um
lado seus planos se tinham revelado defeituosos, por outro as operações ofensivas que empreenderam
mostraram-se inadequadas. A invasão da Iugoslávia foi o sinal para um ataque deste país contra a Albânia.
Uma força capturou Scutari, a 7 de abril, e progrediu para leste a montante do rio Drin a fim de encontrarse com outra procedente da fronteira albanesa, se dirigiu depois para o sul, esforçando-se para fazer junção
com a força que atacava nas proximidades do lago Ochrida. O êxito dessa operação teria ameaçado os
italianos no sul da Albânia e tornado possível uma junção das forças iugoslavas e gregas; e isso, por sua
vez, permitiria que as forças na região do Pindo dirigissem toda sua atividade contra a ameaça alemã
partida do desfiladeiro de Monastir. Mas apesar dos iugoslavos afirmarem haver avançado até Durazzo, a
rapidez do desmoronamento da frente principal tornou tais vitórias sem significação. A 12 de abril os
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alemães e italianos haviam feito junção no lago Ochrida. As colunas alemães progredindo para oeste
partindo de Nish e Skoplje ameaçavam o flanco e a retaguarda das forças iugoslavas. Uma força italiana
avançando para o sul ao longo da costa da Dalmácia, alcançou Spalato a 16 de abril. A menos que o grosso
dos exércitos sérvios pudesse restabelecer-se, seria infrutífera a esperança de esmagar os italianos na
Albânia.
O golpe final foi o cerco de Sarajevo. Nessa localidade da Bósnia, com suas recordações de 1914, se
refugiara o governo, e esperava-se que em torno dessa forte posição atrás do maciço de Drina os exércitos
derrotados pudessem reorganizar-se. Mais uma vez, entretanto, tais esperanças foram desvanecidas pelos
avanços nazistas. Auxiliados por simpatizantes croatas, uma poderosa força blindada alemã progrediu
rapidamente para o sul procedente de Sava para tomar pelo flanco e pela retaguarda o 2o Exército,
enquanto uma forte pressão a oeste de Belgrado impedia a abertura de comunicações completas com as
forças que ainda lutavam no nordeste. Apanhado numa armadilha donde não podia escapar, o 2o Exército
depôs as armas a 16 de abril. Para a Iugoslávia, isso significava o fim. As outras forças que haviam lutado
desesperadamente para retomar seu ponto de apoio cederam então, e ao meio-dia de 18 de abril, a luta
cessou oficialmente. Contaram-se histórias de sérvios perseverantes, imbuídos da tradição komitaji, que
fugiram para as montanhas com suas armas portáteis para continuar numa luta de guerrilhas; mas em vista
da maneira completa por que os alemães haviam conquistado o domínio do país, tais gestos eram de pouca
significação militar. Mais uma vez uma pequena nação havia sido traída pela esperança de que a
Alemanha nazista fosse capaz de deixá-la viver em paz, e toda sua bravura diante do ataque não constituiu
substituto para a preparação e o material de guerra.
E, com o colapso final da Iugoslávia, ficou também selado o destino da Grécia.
A Defesa da Grécia
Na Grécia, do mesmo modo que na Iugoslávia, a invasão alemã encontrou incompletos os preparativos de
defesa. Fôra combinado um plano de operações, e tomadas posições preliminares, mas o efetivo das forças
inglesas era ainda muito limitado. Durante o mês anterior, em conseqüência do acordo que Eden e Dill
haviam estabelecido com o governo de Atenas, fôra transportado um total de 60.000 homens para a
Grécia. A metade dessa força era composta de tropas australianas e neozelandesas. Os contingentes
ingleses incluíam uma brigada de tanques e o grosso da artilharia e das tropas auxiliares. Essa força,
insuficiente para cumprir a missão com que se defrontava (e suas unidades blindadas em particular eram
completamente inadequadas) não pôde receber qualquer reforço desde o momento em que a luta começou.
O avanço nazista na Cirenaica criou uma diversão estratégica eficaz, que deteve o afluxo de tropas do
Egito. Os poucos portos gregos adequados foram tornados logo praticamente inúteis pelos bombardeios da
Luftwaffe. Os esforços ingleses na campanha balcânica foram realizados com pouco mais do que a
vanguarda da expedição que deveria ser por fim enviada à Grécia.
O plano inicial para a defesa da Grécia baseava-se no convencimento que a meados de março parecia
quase uma certeza - de que a Iugoslávia haveria de render-se ao Eixo. Isso significava que quando os
italianos renovassem seus esforços no Epiro, os alemães teriam como objetivos as duas principais vias de
acesso ao longo do vale do Vardar e através do desfiladeiro de Monastir. Havia pouca esperança de que a
primeira dessas vias pudesse ser mantida durante algum tempo, e ainda menos de defender a Macedônia
oriental e a Trácia. Um esforço sério nessa região poderia ser considerado somente se a Turquia estivesse
pronta para prestar auxílio. Mas não havia garantias de que tal acontecesse, e o perigo de perder forças
consideráveis era grande demais para as vantagens que disso pudessem advir.
Em conseqüência, o plano original destinava-se principalmente a aparar a ameaça partida de Monastir. No
oeste, a frente albanesa devia ser mantida contra os italianos. A leste, enquanto uma cobertura procuraria
manter os fortes que defendiam as passagens da Bulgária para o sul, a intenção do comando era aceitar a
perda de Vardar e Salonica e firmar o flanco direito no terreno elevado do oeste. Tal dispositivo permitiria
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uma concentração substancial de forças na frente central, onde parecia residir o perigo principal.
Tal plano foi completamente mudado pela decisão iugoslava de resistir. Isso significava que as principais
vias de invasão haviam sido cobertas. O perigo sobre o centro fôra momentaneamente afastado, e a
atenção podia ser concentrada nos flancos. Em conseqüência, o grosso dos exércitos gregos foi
concentrado contra os italianos no oeste, enquanto três divisões eram enviadas para reforçar as tropas na
fronteira búlgara. Considerava-se também provável que essas últimas posições teriam por fim de ser
abandonadas em favor da principal linha de defesa mais a oeste; esperava-se, porém, que fosse possível
efetuar uma retirada em ordem em caso de necessidade, depois de infligir ao inimigo o máximo possível
de perdas.
Por dois dias as tropas na linha Metaxas mantiveram os passos contra violentíssimos ataques alemães. Os
nazistas lançaram cinco colunas através das montanhas de Ródope na direção da costa do mar Egeu. Na
Trácia encontraram os alemães pouca resistência e alcançaram facilmente o mar no antigo porto búlgaro
de Dedeagach. Mas na Macedônia, e particularmente no vale do Struma e no planalto de Nevrokop, lutouse com extraordinária violência. Um nutrido bombardeio da artilharia pesada e dos aviões de ataque em
mergulho cobria o avanço dos tanques lançados em ondas sucessivas, enquanto tropas pára-quedistas
procuravam tomar a posição pela retaguarda: Duas fortificações avançadas foram perdidas nas primeiras
operações, e muitas outras no planalto de Nevrokop passaram várias vezes de mão, em lutas corpo a corpo.
Mas apesar de todas as dificuldades, as principais posições gregas mantiveram-se firmes ante os ataques
frontais.
Foi o desmoronamento da frente iugoslava que trouxe o desastre. A penetração alemã depois da ruptura
em Strumitsa forçou os iugoslavos a uma retirada que deixou exposto o flanco esquerdo dos gregos, a
leste. Uma divisão blindada alemã lançou-se pela brecha, capturou Doiran, e avançou rapidamente para o
sul, na direção de Salonica. As forças alemães no vale do Vardar quebraram a resistência inimiga no passo
de Guevgueli. Uma pequena força motorizada grega enfrentou os alemães que avançavam do lago Doiran,
mas foi esmagada após uma heróica resistência. Outras forças motorizadas alemães deixaram para trás a
fortaleza de Rupel e desceram pelo vale de Struma. Na noite de 8 de abril os invasores alcançaram
Salonica e cortaram as forças gregas no leste.
Isso constituiu um sério golpe. A perda de Salonica fôra prevista, e todos os depósitos importantes de
material haviam sido removidos ou destruídos. Mas a ruptura das comunicações e a perda de três divisões
gregas foi um golpe totalmente inesperado. Apesar de várias fortalezas da linha Metaxas continuarem a
resistir por alguns dias, não havia mais esperança de conservar a posição, e o exército grego a leste do
Vardar não poderia fazer outra coisa senão render-se aos alemães.
Muito mais sério, entretanto, foi o efeito que o colapso iugoslavo exerceu sobre a principal posição
defensiva. O ataque alemão para o oeste, partindo de Veles, abria um caminho em linha reta para Bitolj e o
desfiladeiro de Monastir. Uma posição que se considerava até então estar em segurança passou a ser
ameaçada de perigo iminente. Com as forças gregas na Macedônia cortadas e o grosso das tropas restantes
em luta contra os italianos, a tarefa de enfrentar essa ameaça vital recaía principalmente sobre a expedição
britânica.
A linha defensiva a oeste do Vardar fôra projetada na expectativa de que os sérvios continuassem a
defender a parte sul da Iugoslávia. Corria desde o mar, nas proximidades de Katerini, através de Edessa,
até a fronteira. Ao longo dessa linha de 100 km de comprimento, apoiada em fortes defesas naturais,
encontrava-se a força inglesa, completada por duas divisões gregas. Mas entre ela e o principal exército
grego mais para o oeste havia uma lacuna defendida somente por pequenos destacamentos de tropas
montanhesas; e era nessa lacuna que os alemães estavam atacando, com bases de Eitolj. Era imperativo
organizar imediatamente uma defesa eficaz a fim de que as tropas aliadas, que se encontravam divididas,
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não fossem apanhadas pela retaguarda.
A rapidez com que os alemães atravessaram a Iugoslávia não somente completou a separação entre esse
país e a Grécia, como também tornou impossível deter os invasores no desfiladeiro de Monastir. Enquanto
a RAF concentrava seus ataques sobre as colunas alemães que progrediam de Prilep para Bitolj, uma força
de reserva era reunida às pressas nas proximidades de Florina. Era composta de tropas de infantaria
australiana completadas por unidades de artilharia e tropas anti-tanques; e as forças blindadas que haviam
estado ocupadas em trabalhos de destruição mais para leste, foram chamadas para tomar parte na defesa.
A 9 de abril, o avanço alemão, em cuja vanguarda se encontrava a divisão de elite Adolf Hitler, encontrouse com as forças britânicas, sendo travada violenta luta que durou dois dias. Apesar de terem os alemães
sofrido um revés em que tiveram pesadas perdas, era evidente que os defensores não poderiam manter-se
indefinidamente, pois continuavam a chegar reforços nazistas, que davam a estes superioridade numérica.
Na outra extremidade da linha principal de resistência, o flanco direito encontrava-se agora atacado por
forças alemães vindas do vale do Vardar, e ameaçado de aniquilamento em conseqüência do colapso da
resistência em Florina. Foi, pois, decidido fazer com que toda a linha recuasse para uma nova posição
defensiva que apresentasse ao invasor uma frente contínua. Esse movimento foi iniciado no dia 12.
Enquanto um batalhão da guarda territorial mantinha um passo ao sul de Florina durante 24 horas,
resistindo a violentos e repetidos ataques de tanques e infantaria, as tropas australianas e neozelandesas,
bem como as unidades blindadas, recuaram para Kazani a fim de tomar posições na nova linha de defesa.
Essa linha, cujo flanco oriental se apoiava no monte Olimpo, corria através da Sérvia e ao longo do curso
superior do rio Haliakmon (também chamado Vistritza) até as elevações a oeste da planície de Kozani.
Contra essa linha se lançaram os alemães com uma crescente força motorizada, apoiada por contínuos
bombardeios de Stukas. Nos primeiros dias da campanha, a força aérea alemã se concentrara na Iugoslávia
e nas defesas da fronteira. A 11 de abril atacava os portos de Pireu e Volos e os poucos aeródromos
utilizáveis da Grécia. Isso foi o começo de um processo de destruição, completado quando novas retiradas
privaram a RAF de outras bases que haviam sido construídas, forçando-a a retirar-se para campos de
pouso de emergência onde seus aparelhos eram atacados no solo; tornou-se mesmo, por fim, impossível
reforçar as esquadrilhas desfalcadas durante a luta. A escassez de aviões e de tanques tornou-se evidente
quando os alemães lançaram todo o seu poderio, e a RAF já estava por demais fraca para proteger as
tropas terrestres dos ataques desfechados pela aviação alemã.
Retirada do Monte Olimpo
Os golpes que os alemães lançaram então contra a linha do monte Olimpo recaíam especialmente sobre o
flanco esquerdo. Aí os alemães repetiram sua tática habitual de desferir golpes contra os pontos de junção
das forças defensoras. Da mesma forma que haviam separado os iugoslavos dos gregos, procuravam meter
uma cunha entre as forças gregas da região do Pindo e as forças aliadas de leste. O principal peso desse
assalto recaiu sobre as duas divisões gregas que defendiam as elevações a oeste de Kozani. Em
encarniçados combates os gregos foram repelidos de Siatista e através do curso superior do rio Haliakmon.
Efetuaram uma parada defensiva em Grevena, que deteve os atacantes, mas ao preço de perdas tais que
praticamente as destruíram como força combatente. A brigada blindada inglesa, que realizara uma ação
retardadora quase contínua desde o desfiladeiro de Monastir, fôra enviada às pressas para socorrer o flanco
esquerdo. Mas era evidente que só se poderia manter a posição temporariamente, e que quando a mesma
caísse, o flanco e a retaguarda da força expedicionária britânica estariam expostos, ficando as próprias
tropas inglesas sob a ameaça iminente de destruição.
Entrementes a perspectiva de transferir a linha para o sul foi seriamente comprometida pelo que acontecia
na frente inglesa. A 15 de abril os alemães forçaram os australianos a recuar através do passo de Kozani e
alcançaram o rio Haliakmon, diante da Sérvia. A destruição das pontes sobre o rio deteve as tropas
mecanizadas, e a infantaria alemã sofreu grandes perdas. Mas o peso do número, apoiado por terríveis
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bombardeios de mergulho, permitiu aos nazistas forçarem a travessia do curso d'água e tomar a Sérvia a 17
de abril.
O flanco direito do monte Olimpo estava agora em perigo, ao procurarem os alemães realizar um duplo
envolvimento para isolar os defensores. Enquanto mais para o oeste os australianos repeliam os ataques no
passo de Sarandaporo, uma força neozelandesa lutava obstinadamente no vale do Tempe. Essa força,
elevada ao efetivo de uma brigada pelos reforços australianos que recebera, repeliu, ao preço de grandes
perdas, duas divisões alemães. Esses combates formavam ações de cobertura cujo êxito era imprescindível
para a retirada que estava sendo realizada. A 14 de abril, uma brigada australiana ocupou uma posição que
cobria o flanco esquerdo em Kalabaka, e no dia seguinte uma brigada neozelandesa cobriu o centro, ao
norte de Tirnavos. A desesperada defesa da zona do Olimpo permitiu ao flanco direito retirar-se da
armadilha que o ameaçava; e toda a força britânica, com sua frente ainda inteiriça, começou a retirar-se
através da planície de Larissa.
Ainda não se conhece completamente a história dessa retirada. Foi uma ação épica em que a capacidade
dos comandantes que dirigiam a operação era rivalizada pela coragem e a tenacidade da tropa. A planície
da Tessália oferecia sérios obstáculos às forças mecanizadas do inimigo. As colunas em retirada moviamse através de uma região já devastada pela Luftwaffe. Larissa, a principal cidade, fôra reduzida a ruínas.
Os principais centros e vias de comunicação, incluindo duas estradas de ferro que corriam para o sul
procedentes de Larissa e Kalabaka haviam sido repetidamente bombardeadas. A ferrovia principal, de
linha simples, estava sob constante ataque aéreo, e os bombardeiros de mergulho perseguiam os comboios
ao longo da linha. A RAF empregou-se a fundo para dar às tropas de terra todo o auxílio possível. Pilotos
de caça, voando quase sem descanso, atacavam as formações inimigas, muito superiores em número.
Esquadrilhas de bombardeio, muitas vezes sem escolta, atacavam repetidamente as linhas de
abastecimento e as concentrações nazistas. Mas as dificuldades encontradas eram insuperáveis. Os
aeródromos da planície de Larissa que não tinham sido destruídos pelos bombardeios estavam agora em
mãos do inimigo, e os aviadores aliados viam-se obrigados a utilizar campos de pouso de emergência no
sul da Grécia e do Peloponeso, expostos ao constante desgaste dos aparelhos e seus acessórios.
Dessa forma, os alemães, seguros de sua superioridade, atacavam as forças retirantes quase sem serem
molestados. As tropas britânicas eram castigadas não somente pelos bombardeiros mas também pelos
caças, que baixavam a pouca altura para as metralhar e canhonear. Grandes formações de aparelhos
alemães eram interceptadas por grupos de apenas 20 a 50 máquinas inglesas. E mesmo diante desse assalto
combinado por terra e ar, as linhas inglesas mantiveram-se firmes. A sólida frente que apresentavam ao
inimigo não era rompida ou flanqueada; e quando suas novas posições defensivas eram alcançadas,
enfrentavam os nazistas com uma obstinada vontade de lutar.
Apesar de tudo, o abandono da linha do Olimpo significou o fim de toda a esperança de defender a Grécia.
O exército grego não podia oferecer mais auxílio contra os alemães. A força inglesa era pequena demais
para realizar qualquer outra operação que não uma ação retardadora. A questão era, pois, apenas prolongar
a ação retardadora.
A Evacuação da Grécia
A 17 de abril o governo grego estava realmente à beira da capitulação. O rápido agravamento da situação
militar, juntamente com o colapso final da Iugoslávia, convenceu os generais da inutilidade de prosseguir
na resistência. Numerosas tropas receberam longas licenças, enquanto outras foram desmobilizadas. Os
líderes militares aconselharam o governo a solicitar condições para um armistício.
O gabinete, reunido várias vezes durante o dia, considerou que essa era uma decisão difícil demais. Foi
redigida uma proclamação anunciando a remoção do governo para a ilha de Creta, mas foi posta de lado
antes de ser publicada. O primeiro ministro Korizis, diante da alternativa de entregar o país ao Eixo ou
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prosseguir na luta, com todos os sacrifícios que tal coisa significava, achou que o fardo era por demais
pesado, e suicidou-se. Mas o rei, talvez encorajado pelas demonstrações públicas, decidiu continuar a
resistência. Formou um governo militar sob sua própria chefia, preparando-se para o prosseguimento da
luta.
Entretanto, esse resto de esperança foi desfeito por um novo golpe no oeste. Quando a Iugoslávia foi
invadida, o exército grego preparou-se para esmagar os italianos, lutando para isso ao lado dos iugoslavos.
O desmoronamento da resistência sérvia destruiu esse plano antes que o mesmo pudesse ser posto em
prática, e a ameaça alemã partida de Monastir obrigou à retirada na Albânia a fim de proteger a retaguarda
grega. Isso era imposto por uma dura necessidade. Significava o sacrifício de vantagens obtidas a muito
custo pela bravura dos gregos, nos combates com os italianos. Tal fato, porém, era aceito como inevitável,
e quando as forças aliadas no leste retiraram-se de Florina, os gregos começaram a reajustar a frente
albanesa com a evacuação de Koritza, cuja captura representara seu primeiro grande êxito.
A retirada continuava vagarosamente. As forças gregas, não possuindo transporte motorizado e tendo atrás
de si relativamente poucas estradas, precisavam de tempo para efetuar a operação e manter, ao mesmo
tempo, uma frente intacta contra os italianos. Pouco tinham a temer de um ataque frontal, pois os italianos
ao seguirem em sua esteira, faziam-no cautelosamente, e quando ousavam aproximar-se demasiado, a
retaguarda grega ensinava-os a conservar a distância. Não eram os italianos na linha de frente, e sim os
alemães à retaguarda, que obrigavam os gregos a se retirarem. E foi somente nas vésperas da rendição que
os italianos ficaram novamente senhores da Albânia.
Mas essa operação era vagarosa demais comparada com o avanço alemão a leste. A progressão além de
Grevena, conquanto abrisse uma via de acesso para a planície oriental, através de Kalabaka e Trikkala,
tornou também possível um ataque a oeste contra o exército grego no Epiro. Uma das poucas vias
praticáveis através da cadeia de montanhas do Pindo era o passo de Metsovo, que se encontrava então
aberto aos alemães. Somente uma retirada rápida através de Yanina poderia ter salvo os exércitos gregos
que repeliam tenazmente os italianos ao longo da fronteira albanesa, e não havia condições materiais
favoráveis à realização desse movimento. O rápido avanço alemão através das montanhas para capturar
Yanina colocou as forças gregas em situação desesperada, e a 20 de abril seu comandante capitulou ante os
alemães.
As medidas que se seguiram esclareceram singularmente as relações entre os associados do Eixo. Apesar
de terem os alemães efetuado contacto com os italianos na Albânia, os dois exércitos mostraram-se pouco
interessados em operar conjuntamente. Os italianos utilizaram suas energias para, com gritos de vitória,
seguir no encalço dos gregos em retirada. Os alemães continuaram a realizar seu plano militar dando
pouca atenção ao efeito que tal atitude pudesse causar aos italianos. O cerco dos iugoslavos em Sarajevo
destinava-se a completar a dominação alemã na Sérvia. O flanqueamento dos gregos no Epiro tinha por
fim libertar a retaguarda nazista, capacitando-a a realizar o avanço final através do sul da Grécia. Os
gregos, por seu lado, continuaram a combater os italianos enquanto entravam em negociações com os
alemães. Não era somente o fato de esperarem conseguir dos alemães termos de rendição mais favoráveis.
Queriam também evitar a indignidade de render-se a um inimigo contra o qual haviam obtido nítidas
vitórias, mesmo ao serem derrotados pelo inimigo mais poderoso.
Os alemães pareciam perfeitamente preparados para aceitar essa situação. Nas condições da rendição
efetuada a 21 de abril, os italianos foram ignorados por ambas as partes. Mas um grito de indignação do
Duce afrontado exigiu tanto do aliado como do inimigo maior formalidade de tratamento, e os italianos
tiveram permissão para tomar parte nas negociações em Salonica. A 23 de abril, foi firmada a rendição
final dos gregos.
Esses acontecimentos tiveram efeito decisivo sobre a estratégia aliada em outros lugares. A 20 de abril as
forças britânicas haviam alcançado uma posição diante de Lâmia. Parecera possível realizar uma defensiva
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na linha desde Volos até Arta, que aproveitava as vantagens oferecidas pela cadeia de montanha de Orthys.
Mas a pobreza dos recursos disponíveis e o perigo de que tropas transportadas por aviões pudessem cortar
a retirada, acrescido do que estava acontecendo no Epiro, tornavam duvidosa essa operação. A decisão
final tornou-se necessária em conseqüência mesmo da medida tomada pelo próprio governo grego. A 21
de abril, numa nota cuja franqueza e generosidade expressavam o espírito inquebrantável revelado pelos
gregos durante toda a luta, o primeiro-ministro declarou:
"O governo grego, expressando ao governo britânico e às valentes tropas imperiais sua gratidão pelo
auxílio que prestaram à Grécia na defesa contra o injusto agressor, vê-se obrigado a fazer as seguintes
declarações:
Depois de ter conduzido por mais de seis meses uma luta vitoriosa contra forças grandemente superiores, o
exército grego alcançou agora um estado de exaustão, encontrando-se além disso privado completamente
de certos recursos indispensáveis ao prosseguimento da guerra, tais como munições, veículos motorizados
e aviões, recursos que foram sempre fornecidos de modo incompleto desde o começo da guerra.
Este estado de coisas torna impossível aos gregos continuar a luta com qualquer possibilidade de êxito, e
os priva de toda a esperança de poderem prestar alguma assistência a seus valorosos aliados. Ao mesmo
tempo, em vista da importância de preservar os contingentes britânicos, e em vista da limitada aviação
disponível, e da extensão da frente heroicamente defendida por elas, as forças imperiais tem necessidade
absoluta de assistência do exército grego, sem a qual não podem prolongar sua resistência senão por
alguns dias.
Nestas condições, a continuação da luta, além de não produzir efeito útil, não teria outro resultado senão
causar o colapso do exército grego e uma efusão inútil de sangue das tropas aliadas. Conseqüentemente, o
governo real sente-se obrigado a declarar que seria inútil o sacrifício ulterior da Força Expedicionária
Britânica e que sua retirada em tempo parece se ter tornado necessária pelas circunstâncias e pelo interesse
da luta em comum."
As novas posições tomadas basearam-se, portanto, não mais no esforço de defender a Grécia, e sim na
necessidade de cobrir a retirada inevitável dos britânicos. As forças australianas e neozelandesas
guarneceram uma linha de 50 km que se estendia desde as Termópilas até o golfo de Corinto. Nessas
posições resistiram durante três dias aos resolutos ataques de seis divisões nazistas. Entrementes, enquanto
as forças nazistas que enfrentavam os britânicos procuraram flanqueá-los, as divisões alemães que haviam
ficado livres pela rendição grega no Epiro acorriam para o sul, e uma força alemã que desembarcara na
ilha de Eubéia ameaçava atravessar para o continente, apanhando os defensores pela retaguarda. A 22 de
abril, enquanto a retaguarda continuava a defender o passo de Bralos, a brigada neozelandesa era retirada
para o sul de Erythrai. E tendo a 25a Divisão deixado aberta a estrada de Atenas, o restante da retaguarda
retirou-se a fim de cobrir a parte final ra evacuação.
A evacuação propriamente dita foi realizada nas mais desfavoráveis condições. Mais uma vez o exército
retirante teve de embarcar partindo de praias. O porto de Volos fôra perdido, e o porto do Pireu
bombardeado a ponto de tornar-se imprestável. A Luftwaffe atacava não somente as tropas em retirada,
mas também os possíveis pontos de embarque, e a navegação, onde quer que a encontrasse. As praias eram
poucas e pequenas, e os homens e transportes não dispunham da proteção aérea que a RAF fôra capaz de
dar em Dunquerque. A dificuldade provinha da falta de aparelhos e de bases, e ainda que tanto a RAF
como a aviação naval emprestassem valente auxílio para a retirada das tropas, pouco podiam fazer para
proteger as tropas ou os transportes contra os ataques desfechados em alto mar.
Apesar de todos esses obstáculos, 44.865 homens, dos 57.757 que haviam sido empregados foram
retirados pela marinha e pelos navios auxiliares. Durante sete noites consecutivas, enfrentando perigos
crescentes, os navios aproximavam-se da costa para recolher os sobreviventes. A 28 de abril havia já
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poucas esperanças de recolher mais do que extraviados. Atenas e Patras haviam sido ocupadas no dia
anterior; e a 26 a cidade e o istmo de Corinto haviam sido capturados por tropas pára-quedistas, cortando a
retirada do continente e preparando o caminho para um rápido cerco das tropas que se tinham refugiado no
Pelopeneso. A 1o de maio, depois de ter perdido quatro barcos transportes e dois destróieres, o almirante
Cunningham retirou seus navios, dando por finda a operação.
Terminara assim uma campanha que, embora dirigida habilmente e executada com bravura, fôra
inevitavelmente custosa para as forças britânicas. Mais uma vez tinham sido obrigadas a sacrificar seu
equipamento pesado durante a evacuação. As baixas em homens subiram a 11.500, entre eles cerca de
3.000 mortos e feridos, e os remanescentes, com a retirada cortada, caíram prisioneiros dos alemães. Mas
os homens que haviam suportado as dificuldades em Florina e Sérvia, no Olimpo e nas Termópilas,
estavam convencidos de que tinham infligido ao inimigo danos muito mais graves, e mesmo na derrota
continuavam convictos de que as vicissitudes a que haviam obrigado os alemães eram muito maiores. "As
forças britânicas eram inferiores em número" - escreveu a 20 de abril um correspondente de guerra. "Assim tem sido desde que os alemães se lançaram à luta. O inimigo possui mais tanques, mais canhões,
mais aviões, mais homens. Se os britânicos tivessem um efetivo igual ou mesmo a metade dos efetivos e
dos aviões alemães na Grécia, a história seria diferente." Ainda que houvesse certa crítica que acusava as
autoridades britânicas de terem tomado medidas inadequadas, a campanha foi, de modo geral, encarada
menos como um desastre do que como um revés inevitável. Os sacrifícios ingleses significaram a
imposição de sacrifícios ao inimigo, e deram ao esforço de guerra britânico um pouco mais de tempo, fator
de tão vital importância naquela ocasião.
Entretanto, para as nações que haviam sido subjugadas pelo conquistador, esse fato constituía um fraco
motivo de consolo. A Grécia e a Iugoslávia tiveram de enfrentar não somente a ocupação, mas também a
divisão territorial. Apesar da conferência preliminar em Viena não ter chegado a um acordo definitivo
sobre a divisão dos despojos, Hitler condescendeu em entregar algumas migalhas a seus esfomeados
sócios do Eixo. Após proclamarem a Croácia país independente, governado por terroristas e assassinos,
transformaram tal país num reino governado por um príncipe italiano. A Hungria enviou tropas para
ocupar partes de Banat que perdera em 1919. A Bulgária realizou suas reivindicações, ocupando partes da
Macedônia que havia muito cobiçava. A Itália, começando com a anexação de Liubliana, estendeu
gradualmente seu domínio pela costa oriental do Adriático até o norte do Epiro; e, em junho, Mussolini
revelou que suas forças haviam obtido permissão para ocupar a maior parte da Grécia, inclusive Atenas.
Essa última medida amargou a derrota dos gregos, infligindo-lhes especial humilhação. Apesar das
altissonantes afirmações de Mussolini, foi exclusivamente o exército alemão que esmagou a resistência
grega. Até o momento das forças nazistas ameaçarem a retaguarda grega, a campanha italiana na Albânia
se caracterizara pelas ininterruptas derrotas fascistas. Tão inglórios eram seus esforços que Virgínio Gayda
foi levado a fazer a raivosa afirmação de que os gregos tinham sobre os italianos uma superioridade
numérica de quatro para um, dispondo de imensos recursos à retaguarda. Tal fantasia era um tributo
involuntário ao heroísmo grego. Deficientes em número, e carentes dos abastecimentos mais elementares,
es gregos lançaram-se assim mesmo contra um agressor muito maior, e com tal violência e coragem que
puderam crescer em número e poderio aos olhos do atacante perturbado. Foi somente quando as forças
mecanizadas alemães lançaram-se para decidir da campanha, que Mussolini, como um Falstaff
mediterrâneo, seguiu audaciosamente nas pegadas do vencedor, lançando exclamações de triunfo pelas
vitórias que não conquistou.
Desta forma foi a Grécia incluída na lista heróica das pequenas nações que, mantendo-se inabaláveis em
defesa de suas liberdades contra inimigos esmagadoramente poderosos, escreveram uma nova página na
história da luta pela liberdade, e que para a Grécia foi tão esplendorosa quanto qualquer outra durante o
curso de sua longa e altiva história. Enfrentaram sem titubear o ataque desenfreado e sem motivo de um
vizinho poderoso. Quase sem auxílio, travaram durante cinco meses uma guerra das mais esgotantes, e
durante a maior parte desse período levaram-na para dentro do próprio território inimigo. Quando tiveram
de enfrentar um novo e mais poderoso adversário, fizeram-no com a mesma coragem e tenacidade. A
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comunicação que a Grécia dirigiu à Inglaterra no começo de março não foi um brado de socorro, mas a
simples informação de que o país estava decidido a resistir à agressão iminente, mesmo que tivesse de
lutar só e desajudado. E quando o auxílio prestado pela Inglaterra mostrou-se incapaz de impedir o
desastre, não houve ressentimento ou recriminações. Governo e povo tiveram as mesmas manifestações de
gratidão e compreensão. O auxílio prestado de todos os lados a fim de facilitar a evacuação, as flores
lançadas sobre as ruas em que passaram os prisioneiros ingleses no desfile triunfal dos nazistas em Atenas,
foram manifestações espontâneas do espírito grego para as quais não há admiração suficientemente
profunda. Esse espírito foi inquebrantável apesar da derrota; e se isso aumenta temporariamente a tragédia
da Grécia, servir-lhe-á de apoio no dia da vitória final.
A Batalha do Mediterrâneo
A conquista dos Bálcãs trouxe à Alemanha poucas compensações imediatas. Os recursos econômicos da
Grécia, já de si não muito importantes, haviam ficado reduzidos a uma quantidade mínima em
conseqüência de seu esforço militar. Os recursos econômicos da Iugoslávia incluíam cobre e bauxita; mas
a Alemanha, que se apresentava como o único mercado, recebera garantias completas de que tais produtos
lhe seriam entregues sem que para isso tivesse absolutamente necessidade de ir à guerra. A invasão
também não fôra ditada por uma necessidade urgente de obter a vitória militar nos Bálcãs. Era verdade que
o ataque italiano à Grécia proporcionara às forças britânicas um apoio naquele país. Mas essas forças, tais
como se encontravam, não ofereciam ameaça alguma à Alemanha; e tudo que a Grécia e Iugoslávia
desejavam era manterem-se em paz, embora não ao preço de sua independência nacional.
Assim, ainda que a conquista alemã pudesse servir para pôr os Bálcãs fora de qualquer futura ameaça à
retaguarda nazista, não significava a remoção de um perigo militar imediato. Por outro lado, a verdadeira
vantagem militar, embora real, era indireta. Não eram a Grécia nem a Iugoslávia em si mesmas as bases de
onde a Alemanha pudesse atacar o inimigo de modo mais eficaz, apesar de que a ocupação das ilhas do
Egeu não podia ser desprezada como elemento dessa natureza. A importância real estava em que tais
aquisições representavam um passo necessário para alcançar os objetivos finais no Mediterrâneo: a
expulsão da Inglaterra do canal de Suez e o domínio de todo o Oriente Médio.
Mas havia ainda outros passos a serem dados antes que o verdadeiro golpe pudesse ser desferido, e para
isso a conquista da Grécia constituía uma medida preliminar. Mesmo quando ainda se realizava a
conquista, os alemães já faziam preparativos para a execução dos movimentos seguintes que os
aproximariam do canal de Suez. A Grécia conduziria a Creta, e Creta por sua vez poderia abrir
amplamente a porta para a África do Norte e o Oriente Médio.
Este programa foi interrompido pela decisão nazista de invadir a Rússia. A estratégia alemã sempre se
mostrara favorável à concentração do esforço contra um objetivo de importância, e a Rússia era um
adversário contra quem o Reich precisaria empregar todo seu poderio. Os nazistas estavam em situação de
destinar forças para a conquista de Creta, mas quaisquer operações sérias na Síria e no Iraque, ou mesmo
na Líbia, deveriam esperar o resultado do imenso jogo em que Hitler se comprometera.
Para os defensores britânicos do canal de Suez, que se achavam a braços com a prova suprema, o
retardamento só poderia ser bem recebido. Embora continuassem a chegar àquela região abastecimentos e
reforços, sua quantidade permanecia rigidamente condicionada pela escassez de praça disponível nos
navios e pelo tempo perdido no percurso da longa rota do Cabo. Um ataque realmente vigoroso teria
colocado em verdadeiro perigo as defesas imperiais britânicas pois seus recursos estavam espalhados de
modo tão amplo e superficial que mesmo uma operação de pequena importância poderia acarretar tal
ameaça para a posição britânica no Mediterrâneo, que toda a base ficaria em perigo.
Entretanto, mesmo diante de tal situação, Wavell realizava uma série de operações ofensivas em que
utilizava ao máximo seus recursos. Com a campanha da Líbia em plena realização, Wavell iniciara a
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conquista da África Oriental Italiana. Enquanto esse empreendimento ainda estava em sua fase inicial, veio
a solicitação para uma expedição à Grécia. Com tais planos não havia margem para cálculos errados. Mas
os erros de cálculo eram inevitáveis. E o resultado, entre outras coisas, foi a perda da Cirenaica e o
ressurgimento da ameaça contra o Egito.
Retirada na Líbia
A chegada à Sicília, em dezembro, de um corpo da aviação alemã, além de acrescentar novos riscos às
comunicações inglesas no Mediterrâneo, teve também importante efeito sobre as comunicações do Eixo
com a Líbia. A estreita passagem entre a Sicília e a África tornou-se então uma zona perigosa não apenas
para os barcos mercantes ingleses, mas mesmo para os navios de guerra. Para os navios de superfície era
mais difícil interceptar comboios destinados à África do Norte. O patrulhamento aéreo permitiu ao Eixo
determinar a aproximação dos navios de guerra britânicos e aproveitar os períodos em que não havia
belonaves inimigas para enviar transportes e abastecimentos através do estreito. A complacência dos
franceses permitiu aos alemães o uso das águas tunisianas em sua passagem para a Líbia, e apesar de que
os destróieres e submarinos ingleses afundassem grande número de barcos inimigos, era claro que estava
chegando à Trípoli uma ajuda substancial.
As forças mecanizadas alemães representavam importante papel nessa operação. A perspectiva de que os
italianos pudessem ser expulsos da África do Norte era daquelas que os nazistas não poderiam encarar com
satisfação. A fim de fixar as limitadas forças de Wavell impedindo-as de intervir nos Bálcãs, e em
benefício do propósito final de realizar um movimento de pinças contra o canal de Suez, era de grande
importância imediata manter a atividade do Eixo na Líbia. Como foi demonstrado pela campanha da
Cirenaica, isto dependia do material blindado e motorizado. Nesse particular, porém, os italianos se
haviam mostrado muito deficientes, tanto em quantidade como em qualidade. Mas esta desvantagem
poderia ser desfeita com a chegada de reforços alemães em tanques e tropas motorizadas de choque. Com
tais forças para agir como pontas de lança nos ataques, a infantaria italiana poderia ser capaz de realizar a
tarefa menos gloriosa de consolidar o terreno conquistado por seus mais empreendedores aliados.
No começo de fevereiro, chegavam a Trípoli consideráveis forças alemães; e no fim de março, apesar das
dificuldades do transporte exclusivamente por mar, haviam os nazistas transferido para a Líbia uma
divisão blindada inteira e parte de duas outras. Com a abertura da campanha balcânica, essas forças
estavam preparadas para criar uma diversão estratégica que impossibilitasse o General Wavell de desviar
para a Grécia uma parte considerável de suas tropas.
O primeiro sinal dessa preparação para passar à ofensiva foi a captura de El Agheila, a 24 de março. Esse
revés, embora desgostasse os ingleses, foi recebido sem maior perturbação. A aldeia era apenas um posto
avançado, mantido somente por forças ligeiras, e sua perda parecia pouco influenciar na segurança geral
da Cirenaica.
Essa mesma sensação perdurou quando os tanques alemães e italianos avançaram sobre Mersa Brega, nos
começos de abril. Um porta-voz militar no Cairo qualificou de "frouxa escaramuça" o encontro resultante
dessa operação. Mas dessa vez foi maior a importância do movimento ofensivo, parte em conseqüência da
reação que essa atitude alemã exerceu sobre o comando inglês.
Explicando o resultado, Churchill fez várias declarações reveladoras. Os alemães atacaram antes do tempo
previsto pelos britânicos, e com mais vigor e rapidez do que esperavam os generais ingleses naquela
frente. O efetivo britânico não excedia em muito a única brigada blindada posta em ação na Cirenaica. E
essa unidade foi "derrotada, dispersada, e em grande parte destruída" pelo ataque alemão, o qual,
inesperadamente, se mostrou incapaz de prosseguir em direção à fronteira do Egito.
Em outras palavras, os erros de cálculo da parte dos britânicos permitiram aos alemães conseguir uma
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surpresa muito parecida com a que Wavell obteve em dezembro, e com resultados quase iguais. Churchill
teve a franqueza de declarar que o dispositivo das forças avançadas britânicas baseava-se na expectativa de
que o ataque fosse realizado mais tarde e com forças mais ligeiras, e que, portanto, as unidades avançadas
britânicas não estavam em condições de suportar um golpe vigoroso. Esse golpe teve inicialmente o
objetivo de impedir a remessa de tropas para a Grécia, e os alemães não haviam tentado avançar além de
Agedabia. Entretanto, a destruição da força blindada inglesa ofereceu uma oportunidade, muito bem
aproveitada pelos alemães, que dela tiraram vantagens imediatas. A divisão inglesa que se encontrava em
Bengási, ameaçada de cerco, retirou-se rapidamente; e os invasores, partidários da doutrina da perseguição
ilimitada, lançaram-se para a frente numa tentativa de completar o aniquilamento da divisão inimiga.
Residia aí, entretanto, a principal diferença entre a derrota dos britânicos e a dos italianos. Apesar de
perderem a Cirenaica muito mais depressa do que a haviam conquistado, os britânicos não deixaram para
trás forças que pudessem ser envolvidas, como aconteceu aos italianos apanhados em Bardia, Tobruk e
Bengási. Contudo, para as proporções do encontro, as perdas foram bastante elevadas. Mesmo depois de
evacuar o promontório de Barka, a intenção era manter uma linha defensiva em Derna-Mekili. Mas apesar
de terem sido travadas ações de retaguarda, os alemães avançaram com demasiada rapidez para que os
britânicos pudessem manter sua linha. Realizaram as tropas o Eixo, em sentido inverso, a marcha que os
ingleses haviam feito pelas estradas do deserto, e isso para ameaçar de cerco os defensores. Cerca de 2.000
prisioneiros foram, com efeito, isolados, e numa incursão fantasticamente audaciosa efetuada por
motociclistas no melhor estilo dos gangsters, a vanguarda alemã capturou dois generais britânicos que se
encontravam na cauda de uma coluna em retirada. Dois outros já haviam sido feitos prisioneiros durante o
curso das operações. Parecia possível que toda a defesa britânica teria mais uma vez de retirar-se para
Mersa Matruth.
A 9 de abril foi anunciado que o exército em retirada se estabelecera firmemente nas fortificações de
Tobruk. Aí, tal como em realidade aconteceu, os ingleses pretendiam permanecer por tempo considerável.
Contornando Tobruk, as forças alemães e italianas, já então gastando o máximo de suas energias,
capturaram Bardia a 12 de abril. As comunicações terrestres de Tobruk com o Egito haviam sido cortadas,
mas a guarnição estava em condições de efetuar uma retirada por mar, caso as circunstâncias o exigissem.
Não mais se ocultava a gravidade da ameaça que pairava sobre o Egito. Embora muito menos numerosas
que as forças de Graziani que haviam avançado no outono de 1940, as tropas ítalo-alemães estavam agora
animadas por um espírito muito diferente, e sob o comando do general Rommel. Havia muito pouca
probabilidade de que os alemães cometessem os erros táticos que tinham levado os italianos ao desastre, e
tudo indicava que dessa vez seriam mais persistentes e imaginosos em seus esforços. Estando as tropas de
Wavell desfalcadas pela remessa de várias unidades a outros teatros de guerra, mesmo uma pequena força
alemã bem mecanizada e equipada tinha possibilidade de ameaçar diretamente o canal de Suez.
A decisão de conservar Tobruk representou um papel não pequeno nas operações destinadas a evitar tal
ameaça. Apesar de cercada, a guarnição de Tobruk jamais se rendeu. Ao contrário dos italianos, os
britânicos tinham a vantagem das comunicações marítimas que o Eixo não podia esperar, na ocasião, vir a
romper. Isso significava a segurança de suas linhas de abastecimento, e com uma força poderosa, protegida
por boas defesas acessórias erigidas, constituía séria ameaça ao avanço das unidades do Eixo. Essa
guarnição encontrava-se a cavaleiro da principal via terrestre por onde se deslocavam os abastecimentos
para as tropas do Eixo na fronteira. Estavam em situação de criar uma diversão na retaguarda nas forças
avançadas inimigas, dificultando grandemente seu poder ofensivo. Para que uma ofensiva contra o Egito
pudesse ser coroada de êxito, era da mais alta importância, senão absolutamente imprescindível, que
Tobruk se encontrasse em mãos do Eixo.
Em conseqüência, enquanto as forças avançadas faziam pressão contra Sollum, parte do efetivo dos
atacantes era dirigido para um ataque contra Tobruk. Mas ambos os esforços fracassaram. A defensiva
organizada pelos britânicos em Sollum tinha caráter oportunista; procuravam causar ao inimigo o máximo
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de perdas, mas permaneciam prontos para retirar, se fosse necessário, na direção de Mersa Matruth. Mas a
rapidez do avanço do Eixo diminuiu a potência dos golpes desferidos. Apesar de capturada Sollum, a
posse dessa posição era altamente precária e ficou evidenciado serem necessárias tropas mais poderosas
para que fosse possível realizar qualquer novo avanço.
Tobruk também se manteve firme ante os vigorosos ataques. Os tanques alemães, após persistentes
esforços, conseguiram penetrar nas defesas externas da praça. Mas a defesa britânica era mais flexível, e
ao mesmo tempo mais decidida, do que o fôra a defesa italiana. A ação da artilharia não estava dificultada
por posições fixas, mas podia, ao contrário, ocupar qualquer ponto contra os tanques atacantes. Ao mesmo
tempo as forças blindadas inglesas eram capazes de lançar contra-ataques locais que expulsavam os
inimigos de pontos em que se tinham firmado pé dentro das defesas. A 18 de abril, as forças do Eixo
haviam sido repelidas tanto em Sollum como em Tobruk e passado à defensiva.
A situação da campanha aérea nessas operações favoreceu os ingleses. Os alemães, raciocinando em
termos de operações limitadas, haviam iniciado o ataque sem a esmagadora superioridade aérea
costumeira. Mais uma vez, pois, a RAF teve oportunidade de entrar em combate com um inimigo
aproximadamente igual em número. Estava em situação de enfrentar os atacantes no ar e ao mesmo tempo
desfechar pesados golpes contra as forças terrestres inimigas. Os aeródromos recapturados pelos nazistas o que do ponto de vista inglês constituía um dos aspectos mais sérios da campanha - foram atacados
vigorosa e persistentemente. As concentrações de tanques e de infantaria durante o avanço, bem como as
colunas de transporte e de abastecimento que entulhavam todas as estradas disponíveis, eram intensamente
bombardeadas. Apesar de não terem detido o avanço mecanizado, esses bombardeios diminuíram sem
dúvida o poder de choque das forças atacantes. Quando a zona de combate foi estabilizada ao longo da
fronteira, a atividade aérea britânica tornou-se ainda mais importante, e os aparelhos ingleses passaram a
desferir golpes contra as comunicações, bases e aeródromos inimigos desde Sollum até Trípoli. E os
nazistas, tendo concentrado noutro teatro de guerra as principais forças da Luftwaffe, não se esforçaram
em conseguir completo domínio do ar na Líbia.
Mais notável ainda foi o papel representado pela marinha. Sua contribuição durante a primeira fase do
avanço encontrou paralelo no auxílio que prestou à defesa. Enquanto mantinha aberta as comunicações
com Tobruk, atacava fortemente as comunicações do Eixo com Trípoli. Protegeu com êxito os poucos
comboios que, naquele período, se aventuraram a cruzar a rota do Mediterrâneo. O fato de terem os
ingleses aceitado correr tais riscos demonstra o quanto era urgente a necessidade de enviar abastecimentos
para o Egito, particularmente tanques, e o material assim transportado representou uma contribuição de
importância vital para o bom êxito da defesa. Ao mesmo tempo, a navegação inimiga sofria graves perdas.
Pela menos dois comboios, que haviam zarpado da Sicília, foram destruídos em abril, além de
afundamentos isolados. A frota cooperou com a força aérea, inquietando as colunas e concentrações do
Eixo, e realizou espetaculares ataques contra as bases inimigas. Uma incursão naval contra Bardia, a 19 de
abril, em que um destacamento britânico de desembarque fez explodir um depósito de munições, foi
seguido dois dias depois por um bombardeio de surpresa contra Trípoli, que constituiu o martelamento
mais sério sofrido até então por qualquer porto durante a guerra. Quando Bengási começou a ser usado
pelos nazistas como porto de abastecimento, aliviando assim o peso que recaía sobre a rota terrestre
procedente de Trípoli, foi submetido a constante bombardeios por parte da RAF. A marinha cooperou
nesses ataques, bombardeando aquele porto duas vezes, a 7 e a 10 de maio. Se as comunicações alemães e
italianas não puderam ser de fato cortadas, foram pelo menos grandemente perturbadas pela aviação e a
marinha.
No começo de maio a situação estabilizou-se, tomando o caráter de operações locais de ataques e contraataques de ambos os contendores. As forças do Eixo realizaram, sem êxito, novas tentativas para expulsar
os britânicos de Tobruk. Um ataque iniciado a 30 de abril resultou numa penetração de 200 m, numa frente
de dois quilômetros, nas defesas da praça. Mas o inimigo foi detido por meio de vigorosos contra-ataques,
e ainda que ele tivesse podido manter-se em certos pontos dentro das defesas anteriores, não conseguiu
mais vantagens nas semanas seguintes. Ao contrário, a guarnição de Tobruk pôde reiniciar seus ataques de
222
surpresa contra os sitiantes e suas linhas de comunicação.
Na fronteira, a situação era ainda mais imprecisa. A zona em torno de Sollum e de Forte Capuzzo era o
centro da luta, mas nenhum dos lados se achava em posições muito firmes. Ambos os adversários
lançavam fortes ataques que aumentavam de vigor à medida que chegavam reforços. Um ataque nazista
através da fronteira em fins de abril foi respondido por um movimento de flanco dos ingleses, que quase
alcançou Bardia no começo de maio. Um novo avanço britânico contra Sollum, duas semanas depois, era
contrabalançado no fim do mês por um avanço alemão sobre uma frente de 50 km, e que lhes deu a posse
do passo de Halfaya. Mas nenhum dos lados se achava ainda bastante forte para desfechar um ataque
completo. As forças mecanizadas de cada um dos contendores, estacionadas no planalto central,
representavam constante ameaça ao flanco do exército que pretendesse avançar pela costa. Embora tais
operações não pudessem ser mantidas por um período prolongado, o rápido avanço mesmo de uma força
mecanizada de efetivo limitado não poderia deixar de ser levado em consideração. Isto foi demonstrado
quando os britânicos desfecharam um forte ataque a 15 de junho. Apesar dessa operação ter sido motivada
em parte pelo desejo de desorganizar os preparativos que os alemães estavam fazendo, havia esperanças de
que ela pudesse resultar em conquistas de terreno. Mas os alemães, mostrando dispor de forças numerosas
e fazendo vir outras mais de Tobruk, detiveram o avanço após três dias de encarniçados combates, e
realizaram um ameaçador movimento de flanco que obrigou os britânicos a bater em retirada para suas
posições iniciais. Embora a tática de inquietação empregada pelo general Wavell tivesse até então
impedido o inimigo de desferir um golpe de envergadura, não havia ainda, em conseqüência dos recursos
de que dispunha, agravado suficientemente a situação das forças do Eixo ao ponto de possibilitar um
avanço decisivo das forças inglesas.
A África Oriental Italiana
O avanço do Eixo na Líbia repercutiu na África Oriental também de modo adverso aos britânicos.
Esperava-se em geral que, com a captura de Adis-Abeba ruiria o que ainda restava da resistência italiana,
livrando assim forças britânicas para ser empregadas noutros teatros de operações. O Duque de Aosta,
preocupado com o destino que em mãos dos nativos teriam os colonos italianos, quis concertar uma
capitulação. Mas não interessava à Itália ou à Alemanha menosprezar qualquer empreendimento que
pudesse aumentar ou prolongar o esforço a que Wavell se encontrava submetido. O duque recebeu,
portanto, ordem de continuar a luta, sendo-lhe dada a duvidosa garantia de que o avanço do Eixo contra o
canal de Suez faria com que forças ítalo-alemães vitoriosas chegassem em seu auxílio. Em conseqüência,
os britânicos encontraram-se envolvidos em contínuas operações contra um inimigo cujo único propósito
era retardar-lhe ao máximo o avanço, e isso muna região onde o terreno montanhoso dificultava qualquer
movimento rápido.
A queda de Adis-Abeba deixou três principais centros de resistência dos italianos, além de algumas
pequenas bolsas que ainda faltavam ser dominadas. Esses centros situavam-se no norte do lago Tana em
torno de Gondar, ao sul de Adis-Abeba na região lacustre e na zona de Jimma, e ao longo da principal
estrada entre Adis-Abeba e Asmara. Desses três, era o último aquela cuja submissão imediata parecia mais
importante. Nessa região, os derrotados defensores da Eritréia retiravam-se para o sul perseguidos pelo
general Platt, enquanto o Duque de Aosta se retirava para o norte, tendo no encalço as forças do general
Cunningham, através de um terreno que oferecia numerosas posições favoráveis a uma resistência
prolongada. Na terceira semana de abril, essa força do sul, destruindo as estradas que deixava para trás e
mantendo a certa distância o inimigo por meio de ações de retaguarda, tomara posições defensivas a 240
km a nordeste de Adis-Abeba, numa forte posição natural em Dessié. A 24 de abril, entretanto, após uma
semana de sítio, tropas sul-africanas capturaram uma importante posição montanhosa, cortando as vias de
acesso procedentes do sul e aproximando-se dos defensores. O intenso bombardeio de artilharia que
apoiara esse avanço preparou então o caminho para o ataque final. A 26 de abril Dessié foi capturada com
8.000 prisioneiros. O Duque de Aosta, com o restante de sua força, retirou-se para o norte a fim de unir-se
223
aos italianos procedentes da Eritréia que haviam firmado resistência em Ambra Alagi.
Era sobre essa posição que convergiam as colunas britânicas. Embora não tivessem podido impedir a
junção das forças italianas partidas de Asmara e Dessié, haviam expedido destacamentos para leste os
quais bloquearam a comunicação com as forças remanescentes na zona de Gondar. O esforço principal era
realizado pelas tropas indianas vindas do norte, e pelas unidades sul-africanas, procedentes do sul. A 17 de
maio, estando as tropas indianas dominando um passo a 3.000 m de altura cerca de 20 km. mais ao norte, e
os sul-africanos senhores de importantes posições ao sul, a posição italiana ficara praticamente cercada. As
principais defesas haviam sido erigidas para enfrentar um ataque lançado do norte, e as defesas do sul
tinham sido construídas às pressas, num esforço para completar os obstáculos naturais. As unidades sulafricanas, galgando as encostas, puderam, com auxílio de fogo de morteiro, expulsar os italianos dos
abrigos cavados numa ravina que oferecia uma proteção natural, e enfraquecer, assim, a resistência
naquela frente. A 18 de maio, o Duque de Aosta, que a 23 de abril rejeitara uma exigência de rendição
incondicional, enviou um parlamentar para solicitar os termos de capitulação, e no dia seguinte a
guarnição de 7.000 homens, depois de uma resistência cuja bravura foi reconhecida pelos próprios
adversários, virtualmente capitulou. O número total de prisioneiros feitos durante a batalha, e nas
operações que a ela se seguiram imediatamente, somaram 18.000.
Mas isso ainda não era o fim de toda a resistência na Etiópia. As forças na região de Gondar, incluindo as
que haviam escapado de Debra Markos, perderam toda a esperança de receber socorros; mas ainda que
periodicamente partes delas fossem capturadas, a resistência prosseguia com tenacidade. No sul, onde
haviam começado as chuvas e os rios se transformado em torrentes, os remanescentes de duas divisões
equipadas com tanques ligeiros, resistiam ao avanço convergente das forças britânicas partidas de Neghilli
e Adis-Abeba. Embora os italianos fossem gradualmente tangidos para o sudoeste, o rio Omo formava
uma barreira que obrigou os perseguidores a uma séria pausa. As forças avançadas que alcançaram o rio na
primeira parte de, abril foram detidas pela destruição de uma longa ponte e pela falta de potência de
choque suficiente para atravessar os passos a viva força. Apesar das operações de limpeza de que
resultaram 14.000 prisioneiros, foi somente no começo de junho que os ingleses puderam forçar uma dupla
travessia do rio e iniciar as fases finais da conquista da região.
Nesse intervalo, entretanto, o progresso já realizado na África Oriental trouxe notáveis resultados. A
captura de Amba Alagi e o fim do mais ativo centro de resistência deixaram em liberdade o grosso das
forças sul-africanas que haviam tomado parte tão destacada na campanha. A 7 de junho foi anunciado que
essas forças encontravam-se no Egito e que estavam prontas para atuar de modo ainda mais direto na
defesa do canal de Suez e da África do Norte. No começo de junho, fôra derrotado o grosso das forças
italianas no setor sul, e restava apenas efetuar operações de limpeza.
Entrementes, eram tomadas medidas para o completo controle da costa do Mar Vermelho. Depois da
captura de Massawa, a principal atenção dos ingleses dirigia-se para as forças italianas que se retiravam
para o interior do país. Mas a 10 de junho um desembarque de surpresa por parte de tropas indianas, em
cooperação com a marinha e a RAF, resultou na captura de Assab e na eliminação prática dos italianos que
se encontravam na região costeira. O único porto que permanecia fora do controle britânico era o porto
francês de Djibuti, que se encontrava sob estreito bloqueio. A importância desse avanço já fôra mostrada
pela ordem de 11 de abril, do presidente Roosevelt, retirando o Mar Vermelho da lista de zonas de guerra,
e deixando-o assim aberto aos navios americanos. A possibilidade de abastecimentos vindos diretamente
da América era de primeira importância para a defesa do Suez. Aviões de fabricação americana
representavam um papel cada vez mais importante na guerra do deserto, e os tanques e material
motorizado americanos começaram a chegar pelos fins de junho. Isso constituía um considerável auxílio
para os recursos, aplicados ao máximo, da marinha mercante britânica.
As operações na África Oriental tinham passado a um plano secundário, pelo menos no que se referia à
opinião pública, cujas vistas se voltavam mais particularmente para os acontecimentos da Líbia e dos
224
Bálcãs. Entretanto, apesar de relativamente pequena no que se referia aos efetivos empregados, a operação
foi quase sem precedentes quanto à amplitude e rapidez. As forças que haviam iniciado as operações em
Kismayu a 17 de fevereiro capturaram Amba Alagi a 19 de maio. Em 94 dias avançaram 2.400 km através
de desertos e montanhas enfrentando um inimigo numericamente superior. O general Cunningham nunca
pôde lançar em ação mais do que 20.000 homens e 68 canhões de campanha. Em 1936, os italianos, tendo
diante de si apenas as hordas primitivas e mal armadas de abexins, levaram sete meses para avançar 680
km de Adigrat a Adis-Abeba. Talvez não fosse esta a maneira mais conveniente de avaliar a façanha dos
britânicos, mas dava uma idéia da natureza de suas realizações naquela região remota e difícil.
Iraque
Mesmo antes de ter a rendição das forças do Duque de Aosta aliviado a situação na Etiópia, criara-se no
Oriente Médio novo campo de batalha. O perigo no Iraque foi passageiro, mas enquanto durou deu motivo
a sérias perturbações, pois atingiu uma região da mais alta importância estratégica.
O reino do Iraque nasceu em conseqüência da vitória dos aliados em 1918. Mas, sendo um resultado do
colapso do império turco, era também em certo sentido uma expressão do fracasso dos nacionalistas
árabes. Ao invés de um único reino árabe independente, haviam sido criados numerosos estados
subsidiários, a maioria dos quais sujeitos, de um modo ou de outro, à influência da Inglaterra ou da França.
O próprio Iraque representava o desejo da Inglaterra de salvaguardar seus próprios interesses na
Mesopotâmia. A Grã-Bretanha, porém, procurava fazer isso com o mínimo de controle político; e o tratado
de 1930, que foi seguido da admissão do Iraque na Liga das Nações, estabelecia a completa independência
do país, subordinado somente a exigências britânicas de facilidade para a defesa de vias de comunicação
de importância vital para o Império.
Essas comunicações eram de importância particular como um elo na rota mais curta para a Índia. Bases
aéreas e rodovias forneciam uma via de comunicação mais curta do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico. Sua
importância para as comunicações em tempo de paz, apesar de grande, era ultrapassada pela importância
como elemento necessário à defesa do Oriente Médio. Basra era um possível corredor para os suprimentos
vindos da Índia e do Pacífico, e um ponto da máxima importância na estratégia defensiva. Situada no
fundo do Golfo Pérsico, era uma base potencial para a proteção dos campos petrolíferos do Irã, de Bahrein
e Mossul. Estava a cavaleiro de uma rota de reforços e abastecimentos para a Síria, a Palestina e o canal de
Suez. Uma ferrovia de bitola estreita ligava Basra à ferrovia principal entre Bagdá e Estambul, linha que
constituíra nos primeiros anos do século motivo de grandes rivalidades e que era uma rota pela qual se
poderia levar auxílio à Turquia em caso de ser necessária uma ajuda britânica.
Além disso, havia o petróleo de Mossul. A produção desse campo, cujo interesse os ingleses partilhavam
com franceses e holandeses, havia aumentado rapidamente nos últimos dez anos, atingindo um total anual
de quatro milhões de toneladas. Era transportado por um oleoduto para os portos mediterrâneos de Trípoli
(na Síria) e Haifa, e ainda que a parte que corria para Trípoli tivesse sido cortada após o colapso da França,
o abastecimento que passava por Haifa fornecia o combustível para a frota britânica. Ainda que
importante, isso não era imprescindível, pois, com alguns inconvenientes, poder-se-ia conseguir petróleo
de Bahrein e do Irã. Mas apesar da perda de Mossul não ser fatal à Inglaterra, a Alemanha teria enormes
vantagens se conseguisse capturá-lo. A intenção de impedir que o petróleo caísse em mãos dos nazistas
mais do que o desejo de aproveitá-lo para si própria, era o que levava a Inglaterra a preocupar-se com o
Iraque.
Para a Alemanha, e ainda mais para a Itália, a existência do nacionalismo árabe parecia oferecer uma
oportunidade para solapar a posição da Inglaterra no Oriente Médio. Mesmo o Japão, cujas ligações
comerciais estavam aumentando, era capaz de exercer certa influência. A propaganda por meio de folhetos
e pelo rádio, bem como por meio de agentes assalariados, era completada por subsídios ao movimento
pan-arábico e aos líderes árabes. O Grande Mufti de Jerusalém, que procurara refúgio em Bagdá depois de
225
sua expulsão da Palestina, era o líder das atividades anti-britânicas. Um grupo de oficiais do exército do
Iraque achava-se pronto para trabalhar com a Alemanha em oposição aos interesses ingleses. O fato de ter
o rei somente seis anos de idade enfraquecia a autoridade do governo sob a chefia do regente Abdul Ilah.
O Iraque era, pois, um campo fértil para as atividades nazistas.
O país rompera as relações com a Alemanha ao iniciar a guerra. Mas tal não fôra feito no caso da Itália,
cuja legação continuava sua penetração, e alguns dos líderes do Iraque estabeleceram contacto com von
Papen, em Ankara. Embora a opinião no parlamento fosse em grande parte contrária a uma ruptura com a
Inglaterra, não havia um sentimento popular fortemente favorável a qualquer dos contendores. Foi assim
possível ao antigo primeiro ministro Rashid Ali Beg Gailani criar entre os oficiais do exército uma
corrente cujo poder terminaria por fazer surgir a ameaça de uma guerra civil. Tal perspectiva levou à
renúncia do ministério durante as férias parlamentares, e preparou o caminho para o golpe militar de 4 de
abril, que depôs o regente e colocou Rashid Ali no poder.
A atitude do novo governo foi inicialmente de molde a dar aos aliados a impressão de que não constituiria
um perigo. A Alemanha estava a ponto de lançar sua campanha nos Bálcãs e não poderia desprezar
qualquer apoio. Rashid Ali deu garantias de que a aliança do país com a Inglaterra seria mantida, e a
chegada de reforços ingleses para Basra foi aceita com aparente desejo de cooperação. A Inglaterra,
entretanto, permaneceu céptica, tomando novas medidas para salvaguardar sua posição. Quando, no
começo de maio, chegou um novo contingente, foi recebido de modo diferente. O governo insistiu em que
a chegada de novos contingentes não deveria ser feita enquanto não se retirassem as tropas que se
encontravam no país, e concentrou as forças iraquianas em Basra e no aeroporto de Habbaniah, apelando
para o auxílio alemão.
Foi escassa a ajuda que a Alemanha pôde dar. Os alemães, entretanto, tinham motivos tangíveis para
desejar que o Iraque resistisse eficazmente. E agora, que já havia terminado a campanha da Grécia, os
alemães consideravam Creta como um trampolim para a Síria e já estavam preparando o terreno no
Oriente Médio. Mas ainda não chegara a ocasião para agir de modo efetivo. A intervenção inglesa incitara
os alemães a agir, e ainda que alguns aviões nazistas chegassem ao Iraque através da Síria a fim de
encorajar os iraquianos a ocupar a zona de Mossul, o auxílio não foi suficiente para afetar o resultado ou
permitir que os nazistas criassem uma situação capaz de assegurar um apoio permanente.
Não houve tampouco qualquer apoio por parte dos outros estados árabes. O Grande Mufti irradiou um
apelo de auxílio, conclamando os árabes para uma guerra santa. O Iraque fez tentativas junto dos outros
signatários do pacto de Saadabad, de 1937, num esforço para conseguir apoio. A Turquia respondeu
oferecendo-se como mediadora, mas tal oferta foi rejeitada pelo governo inglês. Nem o Afeganistão nem o
Irã estavam preparados para intervir. A Arábia Saudita, com todo seu tratado de amizade para com o
Iraque, manteve-se observadoramente alheia. Deixaram que a Inglaterra conseguisse pela força as suas
reinvindicações, sem qualquer intervenção exterior.
Contudo, a demora na realização das operações deu lugar a inquietações. O Iraque pôde mobilizar talvez
60.000 homens, número que excedia em muito ao das forças que a Inglaterra poderia destinar àquele teatro
de operações. Mas os britânicos possuíam equipamento mais moderno, particularmente em aviões e
armamento mecanizado, e isso permitiu-lhes ficar senhores da situação.
O primeiro foco da luta teve lugar no aeroporto de Habbaniah, no Eufrates, a 105 km a oeste de Bagdá.
Tratava-se de um ponto não fortificado, e os aviões que nele se encontravam eram em grande parte
aparelhos de treinamento. O cerco dessa posição por uma força iraquiana dotada de artilharia colocou-a em
situação precária. Mas a aviação britânica entrou prontamente em ação atacando as posições da artilharia
adversa, o que deteve o bombardeio de Habbaniah. Ao mesmo tempo eram desfechados ataques contra os
aeródromos, resultando na destruição virtual da pequena aviação nativa, antes da chegada de reforços
alemães. De Basra os ingleses enviaram artilharia para Habbaniah, e a guarnição assim reforçada pôde
226
repelir os sitiantes, a 6 de maio.
Foi assim assegurada uma posição vital. A captura do porto e do aeródromo de Basra assegurou outra.
Mais a oeste, a pequena estação de Rutbah foi efetivamente ocupada. Mas a ocupação da capital
continuava a ser necessária a fim de derrubar o regime hostil e controlar novamente os poços petrolíferos.
O resto do mês de maio foi dedicado a essa tarefa, prolongada pela resistência oferecida às forças
britânicas que avançavam de Basra, e pela abertura dos diques do Eufrates, o que inundou grande parte da
área entre Habhaniah e Bagdá. Foi somente quando os britânicos repeliram um contra-ataque iraquiano a
22 de maio que a cidade de Feluja caiu em poder dos ingleses. Durante a semana subseqüente, entretanto,
a resistência foi definitivamente quebrada. O alastramento da revolta entre as tribos árabes contribuiu para
a desmoralização do regime de Bagdá. No dia 31 de maio, estando os ingleses nos arredores da capital e
havendo fugido Rashid Ali, foi acordado um armistício, e no dia seguinte o regente voltou para restaurar a
ordem no Iraque.
E já era tempo dos ingleses abafarem a revolta, pois os nazistas encontravam-se senhores de Creta e
haviam iniciado sua penetração na Síria. Se o Iraque mantivesse uma atitude incerta ou inamistosa,
dificultaria seriamente as medidas inglesas para enfrentar a nova ameaça alemã. Entretanto, dominada a
revolta, os britânicos estavam com sua retaguarda em segurança, e isso constituía um dos poucos consolos
para compensar o que, naquele intervalo: acontecera em Creta.
Creta
A evacuação da Grécia pelos ingleses privara-os do último ponto de apoio no continente europeu, com
exceção da fortaleza de Gibraltar. Mas em Creta, para onde se havia transferido o governo grego,
dispunham ainda os britânicos de uma posição de inegável importância. O ancoradouro da baía de Suda
oferecia uma base avançada de onde os britânicos podiam inquietar as comunicações do Eixo com a África
do Norte. Os aeródromos de Creta, apesar de limitados em número e capacidade, encontravam-se dentro
de folgado raio de ação da Sicília e da parte sul da Itália. Era uma posição estratégica que, embora longe
para fornecer uma base principal, oferecia um ponto de partida para rápidos ataques ao inimigo.
A posse de Creta, entretanto, era ainda mais importante por seus aspectos negativos do que positivos. Se é
verdade que representava um saliente na zona de segurança inimiga, proporcionava por outro lado um
baluarte para a defesa de posições de importância vital para a Inglaterra. A ilha era um posto avançado que
guarnecia todo o Mediterrâneo oriental. Cobria a saída do mar Egeu e se situava na linha de comunicações
entre a Itália e suas guarnições no Dodecaneso. Fechava as vias de acesso à base naval de Alexandria e às
possessões britânicas na Palestina e em Chipre. Enquanto Creta fosse mantida em mãos dos ingleses, a
posição destes em torno de Suez seria muito forte.
A conquista dos Bálcãs pelos nazistas, entretanto, criou para os ingleses o problema de manter Creta em
seu poder. Mas a sombra da Luftwaffe ameaçava a ilha com um ataque aéreo de tal envergadura que não
poderia ser dominado pelos defensores. Não foi preciso o violento ataque aéreo de 4 de maio para que os
ingleses percebessem a magnitude da tarefa com que teriam de enfrentar na defesa de Creta.
Contudo, depois de pesadas todas as considerações, chegaram à decisão de que deveriam fazer o máximo
de esforços para defender a ilha. Como explicou Churchill, a 10 de junho, tratava-se de escolher entre duas
alternativas terríveis. De um lado se achava a entrega, sem luta, de uma posição da mais alta importância a
fim de evitar as perdas que uma luta haveria de acarretar. Por outro lado, impedir que a ilha caísse em
mãos do inimigo, apesar de saber que uma tentativa de tal ordem seria muito custosa restava ao menos
fazer com que os alemães pagassem caro a conquista. Reconhecia-se claramente que o inimigo teria as
vantagens de uma esmagadora superioridade aérea, e que a RAF somente seria capaz de dar um escasso
apoio aos defensores. Esperava-se, porém, que diante dessa desvantagem as forças de terra e a marinha
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poderiam frustrar qualquer tentativa séria dos nazistas para desembarcar tropas, e os líderes militares
acreditavam, segundo declarou Churchill, "não somente que Creta precisava ser defendida, mas que,
apesar da carência de apoio aéreo, havia boas probabilidades de vencer a batalha."
A 11 de maio a concentração de aviões que os alemães haviam estabelecido na Grécia revelou que a
batalha estava iminente. Enquanto os bombardeiros da RAF desfechavam ataques noturnos, esforçando-se
para dificultar os preparativos nazistas, os alemães lançaram um ataque aéreo contra a baía de Suda,
continuando com uma série de bombardeios contra os principais aeródromos de Creta. Então, nas
primeiras horas da manhã de 20 de maio, depois de uma noite de pesado bombardeio das principais
posições defensivas, aviões nazistas de transporte de tropas lançaram seus pára-quedistas sobre a ilha,
iniciando assim a primeira invasão aérea da história.
Havia quatro objetivos principais na primeira operação. Próximo a Suda, principal ancoradouro naval,
encontravam-se Canea, a capital da ilha, e a importante base aérea de Maleme. Cento e cinco quilômetros
para leste achava-se Heraklion (Cândia) com a melhor base aérea da ilha, e aproximadamente a meio
caminho situava-se a pequena cidade de Rethymno. Essas posições não eram somente centros importantes
de defesa, mas pontos cuja captura daria acesso aos principais portos na costa norte e prepararia o caminho
para desembarques por mar.
A primeira tarefa dos alemães era conseguir um ponto de apoio inicial. Os pára-quedistas foram as tropas
de choque empregadas nessa tentativa. Equipados com metralhadoras individuais portáteis e providos de
morteiros também lançados em pára-quedas, podiam oferecer formidável resistência uma vez que se
reunissem após a aterrissagem. O acidentado terreno da ilha oferecia inumeráveis locais onde poderiam ser
lançados fora do alcance imediato dos defensores, tornando difícil um envolvimento rápido de seus
numerosos destacamentos dispersos.
Mesmo assim, não constituíam eles, em si mesmos, uma ameaça de grande vulto. Suas baixas imediatas
foram relativamente altas, e a maior parte foi subjugada em pouco tempo. Mas os pára-quedistas serviram
para distrair e dispersar boa parte dos defensores, e sempre que conseguiam apoderar-se de um ponto de
apoio, eram continuamente reforçados por mais tropas transportadas por avião. Pela primeira vez os
alemães empregaram planadores para o transporte de tropas; eram aparelhos capazes de aterrar em
praticamente qualquer campo aberto. Até seis podiam ser rebocados por um avião, mas o número de
planadores era geralmente dois para cada máquina. Cada um deles transportava dez ou doze homens
equipados com metralhadoras pesadas e fuzis-metralhadoras e com aparelhos portáteis de rádio que os
mantinham em contacto permanente com suas bases. Completando esses elementos, havia os aviões de
transporte, que geralmente ficavam inutilizados ao aterrar, e se destinavam a transportar os homens
necessários à ocupação de um ponto determinado.
Tais métodos levariam à ilha uma força invasora, ainda que a um elevado custo, nas primeiras fases da
luta. Mas, apesar de serem equipados com armas automáticas, e mesmo com artilharia leve, não poderiam,
com esse armamento, manter-se contra as armas mais pesadas dos defensores. Mas da mesma forma por
que competia à aviação a tarefa de transportar os homens para o ataque, assim também a ela cabia a missão
de apoiá-los depois de aterrissados. Tal era a missão do avião de bombardeio, ao qual cabia toda a
responsabilidade do êxito da invasão.
Foi aí que a falta de poderio aéreo dos britânicos se mostrou um defeito fatal. Se os aviões de caça
defensores tivessem podido enfrentar com êxito os bombardeiros atacantes, não haveria dúvidas sobre o
destino dos invasores. Quando ficou demonstrado que tal coisa era impossível, tanto as tropas terrestres
como os aeródromos ficaram à mercê dos ataques aéreos e de seus efeitos devastadores. "O avião de
bombardeio" - escreveu um correspondente logo nas primeiras fases da luta - "é, sem exceção, a melhor
arma empregada na linha de frente. Qualquer que seja seu poderio, uma tropa terrestre acabará sempre
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cedendo se os bombardeiros inimigos puderem atacá-la impunemente."
E também neste caso, uma força defensora com vantagens iniciais no terreno foi por fim esmagada pela
força atacante que possuía superioridade aérea. O acontecimento decisivo foi a captura, pelos alemães, do
aeródromo de Maleme. Foi o resultado da capacidade dos bombardeiros atacantes de apoiar eficazmente as
operações das tropas de pára-quedistas e de infantaria aerotransportada. Ao implacável ataque dos
bombardeiros, tanto de mergulho como de grande altitude, somavam-se os furiosos ataques dos caças a
baixa altura, metralhando os defensores. Entretanto, mesmo sob tão violento bombardeio, a guarnição
pôde repelir os primeiros assaltos das forças terrestres alemães. A 21 de maio, entretanto, os transportes
aéreos alemães conseguiram por fim desembarcar tropas especializadas na guerra de montanhas bem como
o equipamento necessário a esse tipo de operações. Com o apoio dos Stukas, os montanheses nazistas
podiam metralhar e canhonear os postos de metralhadoras e as posições de artilharia das forças defensoras
do aeródromo. No terceiro dia de luta, essa posição vital caiu em poder dos nazistas que imediatamente
iniciaram a reconstrução das pistas existentes a fim de transformar o local numa base a ser usada pelos
aviões-transportes destinados a trazer novos reforços. Rethymno e Heraklion também foram capturadas; e
apesar de retomadas por contra-ataques britânicos, os nazistas já se haviam assenhoreado de poderoso
ponto de apoio de onde lançar novos esforços.
Esses êxitos, e particularmente a perda do campo de pouso de Maleme, completaram a ruína das defesas
britânicas. As tropas desembarcadas de aviões tinham de cooperar com os bombardeiros a fim de privar os
aparelhos britânicos das bases indispensáveis à continuação das operações. A comunicação de 22 de maio
segundo a qual os aviadores britânicos haviam sido retirados de Creta significou o começo do fim.
Somente os aparelhos de caça poderiam proteger as tropas terrestres dos ataques dos bombardeiros ou
dificultar a chegada de reforços alemães. Foram realizadas algumas tentativas com caças de longo raio de
ação que decolavam de aeródromos situados no Egito, mas, para todos os efeitos práticos, os defensores
estavam agora privados de proteção aérea. Isso significava que seriam inúteis os esforços das tropas
defensoras. Os bombardeiros alemães ficaram, pois, em condições de apoiar as tropas nazistas de Maleme
contra os ataques terrestres. Os aviões de transporte podiam trazer continuamente reforços. A
superioridade numérica dos defensores, a única que esses ainda possuíam, seria em breve desfeita a favor
dos atacantes.
Para agravar ainda a situação, a retirada dos aviões de caça significava que os britânicos já não podiam
impedir o acesso dos inimigos à ilha, pelo mar. Na noite de 21 de maio, uma divisão naval britânica atacou
um comboio que se compunha em sua maior parte de pequenas embarcações de pesca, acompanhadas
entretanto de navios de transporte, e escoltadas por lanchas torpedeiras rápidas e destróieres. Abrindo
caminho através das embarcações menores e canhoneando devastadoramente os barcos maiores, os navios
britânicos destruíram ou dispersaram a expedição com graves perdas para os alemães. Outro comboio
procedente do Dodecaneso foi atacado na manhã seguinte, tendo o mesmo destino. Mas o êxito britânico
foi conseguido por um alto preço. Dois cruzadores e quatro destróieres foram perdidos nessas operações,
sendo avariados dois couraçados e vários cruzadores. Em vista da furiosa violência dos ataques aéreos
sobre a frota, os navios britânicos não poderiam continuar sujeitos a tais perdas. A 24 de maio as forças
navais inglesas foram obrigadas a retirar-se para as águas entre Creta e o continente, limitando-se a
realizar ataques de pouca duração contra as comunicações marítimas dos invasores.
A luta em Creta tornara-se então de uma selvageria sem paralelo em todo o curso da guerra. A
superioridade britânica em equipamento terrestre não era suficientemente grande para desfechar golpes
rápidos e decisivos; e o ataque aéreo alemão não era bastante force para quebrar a resistência das forças
defensoras e dar às tropas nazistas de terra uma vitória fácil. As primeiras batalhas da guerra haviam sido
decididas, em grande parte, pela manobra, com a luta mais acesa limitada a poucos pontos decisivos. Em
Creta, porém, os contendores travavam uma luta desesperada, feita de ataques e contra-ataques
desesperados em torno de posições disputadas, e as perdas de ambos os lados aumentavam a medida que a
batalha prosseguia. No fim da primeira semana, a balança se inclinara definitivamente em favor dos
nazistas. As forças alemães em Maleme já eram suficientemente poderosas para tomar a ofensiva e repelir
229
vagarosamente os ingleses para a extremidade ocidental da ilha. A 29 de maio haviam capturado Canea e
se apossado da baía de Suda, afirmando terem capturado Heraklion, onde prosseguia encarniçada a luta.
Ao mesmo tempo, os italianos estavam desembarcando na ponta oriental da ilha. Na Líbia, um avanço das
tropas do Eixo para o Egito exigia de Wavell a máxima atenção, impedindo-o de enviar qualquer reforço
substancial para Creta. Com as rotas marítimas agora abertas ao inimigo, desfizera-se toda a esperança de
conservar a ilha. A 29 de maio o comando britânico decidira-se pela evacuação.
De todas as operações semelhantes realizadas pelos ingleses, foi esta, em muitos aspectos, a mais difícil.
Não havia proteção nem para as tropas que embarcavam, nem para os navios, que eram submetidos a
constantes ataques por parte dos bombardeiros de mergulho. Na costa sul, de onde as tropas tinham de ser
embarcadas, havia poucas praias e quase nenhum porto. O único porto navegável, Hierapetra, caiu em
mãos dos inimigos quando tropas alemães e italianas fizeram junção ali, a 31 de maio. Os navios
carregados de tropas foram submetidos a ininterruptos ataques durante sua viagem de 360 milhas para o
Egito. Foi unicamente pela capacidade de resistência e pela tenacidade, tanto dos navios de salvamento
como das tropas em retirada, que se conseguiu salvar a metade das forças britânicas.
A perda de Creta alterou seriamente a situação do Mediterrâneo. Aumentou muito a segurança das
comunicações do Eixo entre a Itália e Trípoli; trouxe nova ameaça às defesas marítimas da Inglaterra; fez
com que os bombardeiros inimigos se aproximassem ainda mais de Alexandria e do canal de Suez;
consolidou o controle que, depois da conquista da Grécia, o Eixo estabelecera no mar Egeu, e abriu uma
possível rota marítima do mar Negro à Itália, o que facilitaria em muito o esforço das linhas de
abastecimento da Itália, particularmente em matéria de petróleo. Dava, além disso, a manutenção das vias
de acesso aos Dardanelos e indicava um importante progresso no lento cerco da Turquia, que parecia estar
sedo metodicamente realizado pelo Eixo.
Foi, de resto, uma derrota invulgarmente custosa. Embora tenham sido salvos 15.580 soldados britânicos,
perderam-se cerca de 13.000, dos quais quase a metade era de mortos ou feridos. Além disso, quase a
totalidade dos 15.000 soldados gregos que se encontravam na ilha foram sacrificados. Em contraposição a
isso, Churchill afirmava que o inimigo sofrera apenas 17.000 baixas, acrescentando que 5.000 desses
haviam perecido no mar, durante as operações de desembarque, o que permitia que essas perdas fossem
aceitas com certa reserva. Ainda mais sérias eram as perdas navais. Quatro cruzadores e seis destróieres
foram afundados durante a batalha e as operações de evacuação, além de um número indefinido de navios
avariados. Entre eles encontrava-se o Warspite, cujas avarias foram tão graves que teve de ser enviado
para a costa americana do Pacífico a fim de sofrer reparos. Quando a isso se acrescenta a perda de uma
canhoneira no porto de Tobruk e do monitor Terror ao largo da costa da Líbia, o total para esta fase da luta
no Mediterrâneo foi igual às perdas que se poderiam ter esperado num encontro naval de grandes
proporções.
Havia poucas vantagens imediatas para, aos olhos do público britânico, contrabalançar essas perdas. As
retiradas muito bem feitas já se estavam tornando freqüentes demais, e esta última fôra realizada em
circunstâncias particularmente perturbadoras. Não era fácil aceitar o argumento de que somente a melhoria
das condições meteorológicas permitira aos nazistas realizarem com êxito a invasão partindo de bases na
Grécia, as quais haviam sido declaradas inadequadas pelos ingleses cinco semanas antes. Era difícil
explicar a maneira por que tropas transportadas por aviões e sem material pesado, mesmo quando apoiadas
pela ação dos bombardeiros, tinham podido capturar posições vitais enfrentando tanques e artilharia.
Segundo Churchill, a escassez da artilharia anti-aérea disponível foi o motivo pelo qual não se construíram
em Creta mais aeródromos. Mas isso não explicava a perda tão rápida dos que existiam, nem o fato de
terem sido ineficazes as medidas tomadas para deixá-los imprestáveis ao inimigo ao serem abandonados.
Permanecia a impressão de que uma vez mais os britânicos haviam sido apanhados de surpresa pela
iniciativa alemã.
Apesar de tudo, a defesa de Creta servira para ganhar tempo em favor de importantes operações noutros
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teatros. Esta era a conseqüência mínima que se podia esperar, e talvez os acontecimentos subseqüentes
revelassem efeitos ainda mais importantes. No momento, entretanto, o principal peso da ameaça nazista
parecia recair sobre o Oriente Médio. Novos reforços haviam chegado à Líbia. Pesados ataques aéreos
contra Alexandria visavam a base aérea naquela cidade. Apesar da retirada dos aviões alemães do Iraque,
continuava a infiltração nazista na Síria, com a conivência das autoridades francesas. Todos os indícios
mostravam uma nova tentativa de um movimento de pinças contra Suez, e a situação na Síria representava
um novo o crítico elemento que aumentava o poder dessa ameaça.
Vichy e a Síria
O contínuo esforço gasto pelo governo de Vichy para chegar a um acordo exeqüível com a Alemanha em
nada contribuiu para diminuir a ambigüidade da posição da França. Apesar dos líderes franceses
concordarem em princípio com os nazistas, permanecia indefinido o alcance prático de sua cooperação.
Embora se aproximassem da Alemanha, ainda não se encontravam preparados para romper abertamente
com a Inglaterra. Pétain continuava a alegar que a honra vedava a realização de qualquer empreendimento
contra os antigos aliados da França, e a sancionar medidas que somente poderiam ser consideradas como
contribuições à derrota da Inglaterra.
Esse auxílio aos nazistas, embora ainda não incluísse a assistência militar ou naval francesa, constituía,
apesar de tudo, um auxílio real ao esforço de guerra alemão. Permitia-se às lanchas torpedeiras alemães o
uso dos canais franceses para passar do Atlântico para o Mediterrâneo. Firmas francesas ocupavam-se na
reparação de tanques e submarinos alemães, assim como na manufatura de peças de tanques e aviões para
os nazistas. Abastecimentos consideráveis continuavam a chegar aos países do Eixo por intermédio dos
portos franceses. Além da detenção dos navios britânicos desde o armistício, parte considerável da
marinha mercante francesa encontrava-se a serviço dos nazistas, e cerca de 240.000 toneladas de navios
mercantes haviam sido requisitadas sem mais rodeios. Quando a tais gravames se acrescentavam as
atividades dos agentes alemães nas colônias francesas, o auxílio dissimulado que a França estava
prestando ao inimigo se tornava considerável demais para ser ignorado.
Mesmo assim, em muitos aspectos, a extensão de tal ajuda era menos notável do que suas limitações. Um
ano depois da assinatura do armistício, o vencedor ainda não conseguira obrigar a França a prestar-lhe
assistência completa e às claras. Apesar de uma pressão constante, a França ainda não havia dado o passo
final. Apesar de ter sido o país derrotado, desarmado e dividido, o espírito nacional não fôra quebrado
completamente. Sua economia estava praticamente à mercê dos alemães. Seus abastecimentos em víveres
dependiam em grande parte da vontade do vencedor. Os nazistas tinham nas mãos o destino de mais de um
milhão e meio de prisioneiros. A constante pressão nazista era reforçada pelas atividades de um grupo de
franceses que desejavam ardentemente a adotação pela França de um sistema completamente nazista, e
cuja veemência quase levou o país á desordem no fim de abril. Mas um dos obstáculos para isso era o risco
de que uma pressão por demais forte pudesse resultar numa explosão popular. As censuras feitas ao
público pelo marechal Pétain sobre o fato de serem ouvidas transmissões radiofônicas da Inglaterra, e os
esforços para impedir as deserções para as forças do General De Gaulle, eram sinais evidentes da
tenacidade do sentimento anti-alemão, tanto na França ocupada como não ocupada.
Mas tal sentimento, embora pudesse limitar as concessões a serem feitas em segurança, em nada diminuía
o desejo do governo de Vichy de um acordo definitivo com a Alemanha. Darlan, reiniciando suas
peregrinações entre Vichy e Paris, via em tal acordo a única esperança de sobrevivência da França.
Convencido, e mesmo desejoso, de uma vitória alemã, o almirante estava preparado para oferecer
completa cooperação dentro de uma Europa dominada pelos alemães, e esforçar-se por conseguir um
acordo no menor prazo possível na esperança de que a situação provisória controlada pelo armistício
pudesse ser substituída pela estabilidade de uma paz permanente.
Seus esforços culminaram com uma entrevista que manteve com Hitler e Ribbentrop, a 11 de maio, em
231
Berchtesgaden. As condições que trouxe do encontro foram ratificadas pelo gabinete a 14 de maio. O
segredo com que tais condições foram mantidas em relação ao público não poderia servir para tranqüilizar
nem a França nem o mundo sobre a natureza das mesmas. O governo francês esperava apenas menor
rigidez dos limites entre as zonas ocupada e não ocupada, a libertação de uma parte considerável dos
prisioneiros de guerra, e a redução, em vinte e cinco por cento, do custo da ocupação alemã. Não se sabia o
que daria a França em troca. Darlan negou que as concessões acarretassem a abertura de hostilidades com
a Grã-Bretanha ou a entrega da frota para a Alemanha. As notícias de que seria alterada a linha de
ocupação, e de que as tropas alemães receberiam facilidades de trânsito, não foram confirmadas por fatos
reais. A propalada insistência de Hitler para que a França provasse seu direito de possuir um império
colonial recuperando os territórios degaullistas, representava uma tarefa que, apesar de coincidir com os
desejos de Vichy, o governo de Pétain ainda não se encontrava em condições de empreender. Mas não
havia dúvida de que estava sendo considerada a possibilidade de uma completa colaboração econômica, e
era claro que a utilização pelos nazistas das bases coloniais francesas para fins militares, fôra concedida de
modo prático, senão formal.
Esses fatos determinaram uma pronta advertência da parte do governo inglês. "O governo de Sua
Majestade" - declarou Eden a 22 de maio - "está certo de que o povo francês considera tal política
incompatível com a honra da França. O governo de S.M. precisa, entretanto, levar em consideração os atos
do governo de Vichy. Se, na realização de sua política declarada de colaboração com o inimigo, ele toma,
ou permite que sejam tomadas, medidas prejudiciais à nossa conduta da guerra ou destinadas a auxiliar o
esforço de guerra do inimigo, considerar-nos-emos naturalmente livres para atacar o inimigo onde quer
que se encontre; e ao agir dessa forma não nos sentiremos adstritos a qualquer distinção entre os territórios
ocupados e não ocupados." O que disso se deduzia claramente é que a Inglaterra não mais recuaria ante o
risco de hostilidades abertas.
Essa posição era fortalecida pela atitude decidida dos Estados Unidos. Numa declaração feita a 15 de
maio, que foi mais tarde irradiada para o povo francês, o presidente Roosevelt expressou sua convicção de
que o povo da França não aceitaria voluntariamente "qualquer acordo que levasse à chamada colaboração
e que na realidade implicaria numa aliança com uma potência militar cuja política geral e fundamental visa
a completa destruição da liberdade, da independência e das instituições populares em todo o mundo."
Poucos dias mais tarde o Secretário de Estado Cordell Hull declarou francamente ao embaixador francês
que o novo acordo ultrapassava os termos do armistício, dando a Hitler o controle virtual dos assuntos
franceses. Uma advertência feita a 6 de junho segundo a qual uma colaboração completa podia ser
considerada uma medida inamistosa, foi seguida de expressões reveladoras de uma preocupação
concernente à penetração alemã na Síria e do desapontamento pela atitude de Vichy, que levou os alemães
a lutarem nas terras da Síria. Todos esses pronunciamentos constituíam um apelo cada vez mais forte ao
povo francês contra a política de Darlan.
Nenhuma dessas medidas teve qualquer efeito visível sobre o governo de Vichy. O marechal Pétain
declarou ao embaixador americano que a resistência inglesa, conquanto heróica, era inútil, e que a França,
desarmada, era impotente diante da Alemanha, cujo domínio do continente o governo francês devia
aceitar. Numa irradiação ao povo francês, Darlan declarou que o acordo representava uma escolha entre a
vida e a morte. Pétain, por sua vez, pedia uma obediência irrestrita. "Para vós, povo da França, trata-se
somente de que me deveis seguir sem reserva mental, no caminho da honra e do interesse nacionais". Isso
tudo refletia a mesma crença na vitória inevitável da Alemanha que levou Fernand de Brinon a desejar aos
nazistas um rápido êxito em sua invasão dos Bálcãs: "A expulsão dos ingleses do continente contribuirá
para abreviar o fim da guerra e há de poupar muitas desgraças aos franceses."
Tal era o conflito subterrâneo que, pelos meados de maio, se manifestou de modo definido na Síria.
Estrategicamente, a Síria era a chave de todo o Oriente Médio. Sua captura pelos alemães deixaria a
Turquia virtualmente isolada. O Iraque ficaria quase à mercê do Eixo. Colocaria no mais grave perigo a
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situação naval da Inglaterra. Acima de tudo, completaria o perigo vindo da Líbia, acrescentando uma
ameaça ainda mais séria ao canal de Suez. Como os demais estados árabes, a Síria fôra um fértil campo
para a propaganda do Eixo. O domínio francês significara a supressão dos esforços no sentido de
estabelecer um reino da Síria, a repressão armada de desordens nacionalistas, o esboroamento das
esperanças de uma breve independência quando Paris deixou de melhorar o tratado de 1936. As
dificuldades econômicas a partir do armistício haviam trazido considerável mal-estar que agravou a
situação e conduziu a desordens e greves na primavera de 1941. Era provável que uma invasão alemã
encontrasse pouca oposição popular.
A Inglaterra, desde a queda da França, preocupava-se muito com essa situação. Se as circunstâncias
tivessem possibilitado, as forças inglesas teriam então agido. Mas a fraqueza militar da Inglaterra naquela
região, e o desejo de evitar provocações desnecessárias a Vichy, haviam-na impedido de agir. Ao mesmo
tempo o governo inglês esclareceu que o alheamento dependia exclusivamente da observação estrita dos
termos do armistício. O governo declarou que "não poderia permitir que a Síria ou o Líbano fossem
ocupados por qualquer potência hostil ou que fossem usadas como uma base para ataques contra os países
do Oriente Médio que a Inglaterra se comprometera a defender, ou que se tornassem teatro de desordens
tais que pudessem constituir uma ameaça àqueles países. O governo de S.M., portanto, considera-se livre
para tomar quaisquer medidas que, de acordo com as circunstâncias, considerar necessárias para seus
próprios interesses."
Os acontecimentos durante o ano seguinte mantiveram viva a vigilância britânica. A infiltração alemã
fazia constantes progressos em todo o império francês. No Marrocos, uma comissão alemã de armistício
tomara o completo controle dos recursos econômicos e das instalações militares. Havia forte suspeita de
que Dacar estava sendo realmente usada pelos alemães como base submarina. O governo de Vichy era
acusado de conceder facilidades em Tunis para o trânsito de reforços e de abastecimentos para a Líbia. Na
Síria, a comissão italiana de armistício tentara, com pouco êxito, apoderar-se completamente do controle; e
quando foi substituída por uma comissão alemã, significou apenas que o processo se desenvolveu de modo
mais rápido e muito mais eficaz. Por ocasião do acordo Darlan-Hitler, o país estava maduro para a
ocupação nazista.
Os acontecimentos que acompanharam os choques no Iraque levaram os ingleses a agir. Carregamentos de
armas francesas da Síria para as forças de Rashid Ali lançaram uma luz sinistra sobre a extensão do
controle nazista; e a prova final de sua completa dominação foi dada pela utilização dos aeródromos da
Síria pelos aviões alemães a caminho do Iraque. As alegações do general Dentz de que tal fato era o
resultado de uma súbita epidemia de aterragens forçadas, e de que em caso algum os termos do armistício
davam aos alemães o direito de utilizar aeródromos franceses, não convenciam nem tranqüilizavam. A
resposta inglesa foi desfechar mais uma série de fortes ataques contra as principais bases aéreas da Síria.
Além disso, faziam-se rápidos preparativos para uma ação mais definida. A infiltração na Síria de técnicos
alemães e de pessoal terrestre, e as notícias de que eles haviam tomado o controle dos principais
aeródromos, mostrou claramente que a Inglaterra deveria agir sem perda de tempo se quisesse impedir
uma completa ocupação alemã. A concentração das energias alemães na batalha de Creta deu aos ingleses
o que poderia ser sua última oportunidade de evitar o perigo. Enquanto os líderes de Vichy
conferenciavam com Weygand sobre a crise - e, segundo foi noticiado, ficaram sabendo que o mesmo era
contrário à política seguida pelo governo, e se opunha a qualquer desvio de forças da África do Norte para
a Síria - tropas britânicas e francesas livres eram concentradas na fronteira da Síria. Na madrugada de 8 de
junho, lançaram-se para o norte em duas colunas principais partidas da Palestina e da Transjordânia,
enquanto duas outras avançavam para oeste procedentes do Iraque, na direção de Palmira e Alepo.
Esperava-se que a ocupação se realizasse sem grande resistência. Uma proclamação prometendo a
independência da Síria tinha por fim fazer com que a população local se rebelasse. A deserção espetacular
do coronel Collet que, juntamente com um esquadrão de circassianos, abandonou as forças sírias, foi
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recebida como um sinal da existência de um movimento degaullista dentro da guarnição francesa. A fim
de tranqüilizar a população e para induzir as tropas defensoras a não oferecerem resistência, os aviões
lançavam boletins, e os invasores utilizavam caminhões com alto-falantes. Mas embora os nativos se
mantivessem alheios, as tropas francesas ofereciam uma resistência cada vez mais tenaz. Vichy tomara
medidas para garantir a fidelidade dos altos oficiais, e as tropas coloniais, que constituíam o grosso das
forças defensoras, estavam prontas a obedecer as ordens de seus superiores. Contra todos os seus desejos,
os ingleses e franceses viram-se pouco depois obrigados a lutar de verdade.
Mas não tiveram de enfrentar qualquer oposição séria por parte de tropas nazistas. Poucos dias antes da
invasão a Alemanha prometera auxílio caso a Síria fosse atacada. Mas havia problemas mais sérios a
serem tratados, e ficou demonstrado que a promessa valia tão pouco quanto a maioria das garantias
nazistas. Assim, enquanto o general Dentz resolvia oferecer uma resistência tenaz, seus superiores em
Vichy consideravam a questão como um incidente local. Assegurando à Inglaterra que as forças nazistas
(cuja presença fôra firmemente negada) tinham sido retiradas, o governo francês prometeu nada fazer que
agravasse o conflito. Diminuindo rapidamente o risco de uma intervenção alemã, os ingleses já não tinham
tanta pressa de terminar a campanha.
Em conseqüência, as operações prosseguiram em ritmo vagaroso. Os ingleses continuaram seus esforços
para reduzir ao mínimo os combates, mesmo diante dos recalcitrantes franceses. (Mesmo assim, o general
Dentz foi levado a contragosto a afirmar que os soldados australianos "são às vezes destemidos em sua
maneira de lutar.") Damasco foi capturada somente a 21 de junho. Uma força britânica avançando para
leste procedente do Iraque ocupou o aeroporto de Palmira (Tadmur) na primeira semana de julho. Mas,
apesar da cooperação das unidades da frota, a coluna que operava na costa realizou apenas progressos
microscópicos na direção de Beirute, depois de ter capturado Saida, a 15 de junho. O afastamento de
qualquer ameaça iminente ao canal de Suez, e a esperança de que os franceses pudessem ser persuadidos a
concordar com um armistício, foram elementos que cooperaram para que as operações perdessem em
intensidade, até serem suspensas as hostilidades a 12 de julho; e a esse tempo todos os demais
acontecimentos foram obscurecidos pela invasão alemã da Rússia.
Hitler e a Rússia
Em março de 1939, poucos dias antes da captura de Praga, Stalin expressou sua desilusão com as
potências ocidentais, atacando acremente sua política de apaziguamento:
"A política de não intervenção revela uma avidez, um desejo não de impedir a obra nefanda dos
agressores... mas de permitir que todos os beligerantes se afundem ainda mais no abismo da guerra,
encorajando-os nisso subrepticiamente; permitir que se enfraqueçam e se esgotem mutuamente; e então,
quando eles já se tiverem tornado suficientemente fracos, aparecer em cena com forças frescas, aparecer,
naturalmente, "no interesse da paz", e ditar condições aos beligerantes enfraquecidos".
Nos vinte meses que se seguiram ao pacto de não agressão germano-russo, houve muitas ocasiões de
lançar essas palavras à face do dirigente soviético. Condenada em março a política de apaziguamento, era
em agosto adotada com todas as demonstrações de entusiasmo. Entretanto, mesmo santificada aos olhos
dos bolchevistas pela sanção do Kremlin, seus efeitos permaneciam inexoravelmente os mesmos. Partisse
de Munique ou de Moscou, o apaziguamento era sempre uma preparação para o desastre. E este se tornava
ainda mais certo em vista das vantagens muito superficiais que pareciam resultar do pacto com a
Alemanha. Pela maneira de agir do governo de Moscou não se podia deduzir com segurança o que ele
exatamente desejava ou previa. A política de imediatismo, entretanto, fortaleceu a posição estratégica da
Rússia contra a agressão nazista. Os nazistas não podiam encarar nenhuma daquelas atitudes com bons
olhos. E a desconfiança mútua que ambos mantiveram viva fez com que fosse falsa toda a base para
cooperação russo-alemã.
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A Alemanha, em realidade, parecia haver julgado que a Rússia se quedaria numa inatividade complacente,
deixando que Hitler traçasse a vontade as fronteiras da Europa. Verdade era que os nazistas haviam aceito
a existência de uma esfera russa de influência no Báltico e na Polônia oriental, mas parece terem
acreditado que isso resultara mais da abstenção alemã do que da iniciativa russa de agir por conta própria.
E quando os Sovietes começaram de fato a dilatar suas fronteiras, cada ação russa era recebida em Berlim
como um choque, tanto mais forte quanto era o resultado de uma política de surpresas. A intervenção
direta da Rússia na Polônia foi seguida pelos pactos com os estados bálticos e o ataque à Finlândia. A
queda da França trouxe não somente a captura da Bessarábia de um modo julgado brusco por Hitler e
Ribbentrop, mas também o aumento da pressão russa pela posse da Bucovina e por um controle maior
sobre o Danúbio. Com a absorção de fato dos estados bálticos, e particularmente da Lituânia, onde a
Alemanha havia reconhecido certos direitos, aumentou a perturbação nazista, que não diminuiu pela
insistência de Stalin sobre a repatriação das minorias alemães naquela região. A Alemanha não poderia, de
modo algum, encarar com bons olhos que em sua fronteira oriental a Rússia se consolidasse.
Havia outras medidas menos definidas que aumentavam o ressentimento e o mal-estar dos alemães. A
atividade comunista nos países da Europa oriental, mesmo naqueles sob o controle alemão, era
considerada ação claramente inamistosa. Além de não ter cumprido suas promessas de entrega de
mercadorias de acordo com o tratado comercial, a Rússia era acusada de sabotagem deliberada. As
tentativas russas para reiniciar as negociações comerciais com a Inglaterra começaram em plena campanha
da Noruega. As concentrações de tropas russas, depois da invasão dos Países Baixos, eram consideradas
como gesto inamistoso. Apesar de revelarem decidida frieza com relação à Inglaterra, discursos de
Molotov não desfizeram a impressão de que o Kremlin esperava somente que se apresentassem
oportunidades que lhe permitissem tirar vantagens de um revés alemão.
Esses interesses rivais convergiam inevitavelmente para os Bálcãs. No outono de 1940, a Rússia
preocupava-se seriamente com a penetração alemã, e procurava ativamente fortalecer sua própria
influência. Se a queda da França tornara a ocasião inoportuna para um desafio direto, a incapacidade alemã
de dominar a Inglaterra tornou possível certa firmeza de atitude. Em vista disso, e apesar de haver
concordado em visitar Berlim, Molotov recusou-se a aceder formalmente às exigências do Eixo, e fez
novas declarações sobre as pretensões da Rússia. Hitler declarou - e Molotov desmentiu - que essas
pretensões incluíam a garantia de que a proteção alemã da Romênia não estava dirigida contra a Rússia, e
o pedido de novas concessões na Finlândia, o direito de garantir e ocupar a Bulgária, e a aquisição de
bases nos Dardanelos. Hitler teria considerado, com indignação, que tais propostas constituíam uma
intromissão indevida na esfera de influência da Alemanha, e que a desconfiança mútua entre os dois
estados, ao invés de diminuir, aumentara em conseqüência da visita.
A penetração alemã na Bulgária agravou ainda mais as relações entre os dois países. A preocupação russa
pela segurança dos Dardanelos aumentou com a intromissão alemã numa região considerada de
importância vital para a segurança dos estreitos. Quando a Alemanha persistiu com sua política, a Rússia
agiu no sentido de expressar sua oposição. Sua admoestação à Bulgária por haver cedido aos nazistas
seguiu-se pelas garantias dadas à Turquia e pela atitude amistosa para com o golpe de estado de Simovitch
em Belgrado. É possível, mesmo, que o tratado de amizade com a Iugoslávia de 5 de abril fosse apoiado
por promessas veladas de abastecimentos militares. Quando a Hungria juntou-se aos alemães no ataque à
Iugoslávia, Moscou fez-lhe uma severa advertência. O ponto de vista expresso pela Estrela Vermelha, de
que com o abandono da invasão da Grã-Bretanha o peso central da guerra fôra transferido do oeste para o
leste, era uma clara manifestação da crescente apreensão russa pela proximidade do conflito.
O Acordo entre Moscou e Tóquio
Esta era a atmosfera político-diplomática no momento em que foi anunciado haver sido concluído um
tratado de neutralidade entre a União Soviética e o Japão. Servia para revelar até que ponto a Rússia se
preocupava com a ameaça à sua fronteira ocidental. Desde o começo da guerra, o Japão se esforçava por
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conseguir aquele tratado. Mas até então Stalin não havia visto razões para ficar de mãos atadas só para
facilitar a conquista da Ásia pelo Japão. Segundo fôra afirmado, os russos exigiam como preço para
qualquer acordo a cessão da parte norte da Sacalina e a entrega da ferrovia oriental da China, o que
representava concessões muito além daquelas que o prestígio do Japão poderia fazer. A solicitação alemã
não conseguira fazer com que o governo russo adotasse atitude mais conciliatória, e Matsuoka, em sua
visita de março, encontrou poucas perspectivas para um acordo a realizar-se dentro de pouco tempo.
Quando Matsuoka voltou em abril, para uma visita de cortesia quando de sua viagem de volta ao Japão, as
condições haviam mudado. A crescente tensão com a Alemanha tornara desejável à Rússia assegurar sua
retaguarda contra o associado oriental de Hitler. Recebendo algumas indiretas dos diplomatas soviéticos, o
surpreso e encantado Matsuoka resolveu prolongar sua estada; e uma entrevista com Stalin conduziu a
uma pronta conclusão do acordo que havia tanto procurado. Bastante significativo é o fato de que o acordo
tratava mais de neutralidade do que de não agressão. Cada uma das partes prometia manter-se neutra se a
outra "fosse objeto de hostilidades por parte de uma ou várias outras potências". Ao mesmo tempo
prometiam respeitar a integridade e a inviolabilidade territorial recíproca; e uma declaração adicional dava
a esse ponto maior alcance, incluindo nele o Manchukuo e a Mongólia Exterior.
Aos olhos de Matsuoka o acordo era um triunfo de primeiríssima ordem. Apesar de terem os Sovietes
assegurado à China que o acordo não significava o abandono da causa chinesa, os japoneses podiam bem
sentir que não precisavam mais temer qualquer intervenção direta dos russos. Nas comemorações que se
seguiram a euforia de Matsuoka sublimou-se ainda mais com a liberalidade dos brindes que ofereceu,
chegando até a propor que Stalin e ele pusessem suas cabeças como penhor da sinceridade, sugestão que o
ditador soviético recebeu com visível falta de entusiasmo. Apesar de tudo, as vantagens em perspectivas
eram mais pesadas do lado do russo taciturno que do saltitante nipônico. As propostas iniciais haviam sido
feitas com a intenção de arrastar a Rússia para a órbita do Eixo. Mas o resultado real foi deixar a União
Soviética livre para tomar uma atitude firme na Europa, em vista de ter sido aliviada de suas ansiedades na
Ásia.
A Alemanha tinha agora diante de si um problema de alta política. Por uma sucessão de medidas,
incluindo a proibição de continuar o trânsito de material de guerra através de seu território bem como pelas
concentrações de tropas em sua fronteira ocidental, a Rússia se apresentava claramente um fator muito
incerto nos cálculos nazistas. A Alemanha não levara isso em consideração ao lançar sua campanha nos
Bálcãs; mas, pelo fim de abril, a tensão era muito mais séria, e se não fosse anulada representaria um grave
risco para qualquer outra ação que a Alemanha viesse a tomar. Isso era verdade não somente com relação a
quaisquer planos de ataque à Grã-Bretanha, mas também a quaisquer medidas contra a posição inglesa no
Mediterrâneo e a quaisquer planos que pudessem ter sido assentados para a posse dos recursos do Oriente
Médio.
A questão dos recursos era de importância crescente. A medida que as campanhas alemães lhe dissipavam
as reservas, e quando já se afastara a possibilidade de uma vitória, a Alemanha via-se obrigada a voltar-se
para leste em direção às fontes de abastecimentos de que necessitaria para sustentar uma guerra longa.
Para os abastecimentos em gêneros alimentícios, e de petróleo em particular, havia duas regiões que
poderiam servir de objetivos: os países do Oriente Médio, especialmente os campos petrolíferos do Irã e
do Iraque, e as ricas terras russas da Ucrânia e do Cáucaso.
No caso de uma Rússia amiga a escolha não ofereceria qualquer dúvida. Apesar de haver dificuldades no
caminho da invasão alemã do Oriente Médio, eram menos do que aquelas que necessariamente haveriam
de surgir numa campanha contra a Rússia. Mas estando os Sovietes já desagradados com as vantagens
obtidas nos Bálcãs pelos alemães, um novo avanço aumentaria esse descontentamento e ofereceria um
flanco mais vulnerável a um possível ataque russo. Por outro lado, se a Rússia fosse subjugada, não
somente seus recursos ficariam disponíveis, mas o próprio Oriente Médio haveria de cair quase
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automaticamente em poder dos conquistadores da Ucrânia.
Entretanto, mesmo a questão dos abastecimentos era secundária para o problema essencialmente
estratégico. Em última análise a tarefa central dos nazistas era a conquista da Inglaterra. Estava agora
evidente a natureza formidável dessa tarefa, especialmente depois da lição de Creta. Mesmo com uma
indiscutível superioridade aérea diante de uma guarnição relativamente pequena, os invasores tiveram de
lutar arduamente até dominar a ilha. Uma invasão da Inglaterra, defendida como estava por um exército
bem treinado e bem equipado e por uma força aérea muito mais poderosa do que aquela que repelira os
assaltos alemães de setembro, exigiriam da parte do comando alemão o emprego de todos os recursos de
que pudessem dispor. E, em particular, requereria absolutamente todos os recursos aéreos da Alemanha.
Enquanto a RAF não fosse expulsa dos céus não era provável que tivesse êxito uma invasão por mar ou
pelo ar. Mas enquanto a Rússia representasse um perigo, era preciso que forças consideráveis
permanecessem de guarda contra o possível ataque. Essa imobilização de forças fazia com que as tropas
restantes não fossem suficientes para garantir o êxito de um ataque à Inglaterra. A eliminação completa da
Rússia como potência militar era necessária à tarefa de dominar a Inglaterra.
Era essa a surpreendente conclusão a que, segundo Hitler, haviam chegado os dirigentes militares nazistas.
A hostilidade russa significava "a fixação de forças tão poderosas no leste que a conclusão radical da
guerra no ocidente, particularmente no que diz respeito à aviação, não pode mais ser garantida pelo Alto
Comando alemão". Era também um notável tributo à resistência inglesa. Em 1939 o Estado-Maior alemão
insistira em que deveria ser evitada uma guerra com a Rússia sempre que houvesse risco de conflito no
oeste. Agora, entretanto, defendiam um ponto de vista contrário, e uma guerra com a Rússia parecia
condição necessária para uma vitória sobre a Inglaterra. Em sua mutável estratégia, parecia que a estrada
para Londres passava em Moscou. Não se tratava mais de um pacto com a Rússia ou de concessões feitas
pelos Sovietes, mesmo que extensas. Somente a derrota total da Rússia poderia dar à Alemanha a liberdade
completa de que ela precisava para lançar todo seu peso contra as Ilhas Britânicas.
No fim de abril estavam sendo tomadas as primeiras medidas. Uma vez que a Rússia estava não somente
transferindo tropas para oeste, como também aumentando seus preparativos e esperando que os mesmos
estivessem completamente preparados a 1o de agosto, era grandemente vantajoso para a Alemanha que o
ataque fosse desfechado dentro do menor prazo possível. As concentrações de tropas alemães continuaram
durante todo o mês de maio. As divisões que haviam conquistado a Grécia foram transferidas para o norte,
na Polônia. As forças aéreas que haviam atacado a Inglaterra foram gradualmente retiradas As tropas
alemães foram retiradas da Itália, e os italianos ficaram encarregados de guarnecer não somente seu
próprio pais como também a região balcânica do sul. A 2 de junho, Hitler encontrou-se com Mussolini no
passo do Brenner a fim de assentar as últimas decisões.
A Fuga de Hess
Foi em meio desses crescentes preparativos que se registrou um dos mais fantásticos episódios da guerra.
Os elementos de que se dispõe para estudar a fuga de Rudolf Hess são escassos e pouco esclarecedores. A
10 de maio, pilotando um novo ripo de Messerschmitt, e sem munição, Hess decolou de Augsburg às 6
horas da tarde. Poucas horas depois, após ter percorrido quase 750 milhas, lançou-se de pára-quedas nas
proximidades de Glasgow, na propriedade rural do Duque de Hamilton. Levava consigo um mapa com sua
rota e destino, e ao ser preso pediu para avistar-se com o duque. Mas além do fato de ter sido entrevistado
por Hamilton e de haver sido identificado por um funcionário do Foreign Office, suas intenções e
atividades permaneceram cercadas de mistério.
O mesmo aconteceu com a finalidade de sua fuga. Apesar de ter em seu poder o homem que, depois de
Goering, fôra designado como sucessor de Hitler, o governo inglês recusou-se terminantemente a dar
qualquer informação sobre ele. Disso poder-se-ia ao menos deduzir que Hess não era um desertor cuja
presença poderia ser utilizada eficientemente para efeitos de propaganda; e uma tendência do público para
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considerá-lo como um apóstata do nazismo, foi rapidamente desfeita por um discurso de Bevin,
qualificando-o de assassino. Do lado alemão, a tendência inicial de tratar Rudolf Hess como louco ou
traidor foi substituída por uma piedosa simpatia que o apresentava como um idealista cujo humanitarismo
o levara a procurar salvar a Inglaterra do desastre em que cegamente se despenhava.
A explicação mais plausível parecia ser uma modificação da história contada pelos alemães. Não havia
indício algum de que Hess tivesse rompido com Hitler ou que temesse um colapso alemão. Mais de uma
vez, entretanto, o governo nazista mostrara-se pronto para fazer a paz com a Inglaterra a fim de consolidar
suas conquistas na Europa. A crença de que um grupo considerável e influente de ingleses fosse favorável
a um acordo dessa natureza era carinhosamente alimentada pelos altos círculos nazistas. Era muito forte
também a crença de que tal grupo inglês apoiaria entusiasticamente a Alemanha numa cruzada contra o
bolchevismo. Não se podia considerar impossível que um fanático como Rudolf Hess acreditasse que, caso
pudesse entrar em contacto com aquele grupo inglês, poderia dar início a um processo que terminasse por
dar à Alemanha a possibilidade de elevar mais uma vez a bandeira de uma cruzada européia contra o
perigo vermelho. Hess escolheu o Duque de Hamilton como ponto de contacto porque acreditava tê-lo
encontrado durante os jogos olímpicos (o que foi negado por Hamilton), e que ele era um membro
eminente do grupe de apaziguadores (disso. porém, não havia provas). Hess esperava ser recebido como
um enviado a quem se permitiria apresentar suas propostas e voltar para a Alemanha com a resposta ou
sem ela. Alimentando tais ilusões, seu encarceramento como prisioneiro de guerra foi para ele um rude
golpe.
De qualquer modo, essa aventura extraordinária não exerceu influência perceptível no curso dos
acontecimentos Se a captura de Hess era de alguma importância para a Inglaterra, o governo inglês pelo
menos não o revelou. Houve na Alemanha prisões entre os nazistas mais chegados a Hess, e foi convocada
às pressas uma reunião dos líderes do partido; não houve porém qualquer sinal de que o desaparecimento
do nazista n° 3 e do homem mais chegado a Hitler tivesse qualquer influência sobre a estabilidade do
regime.
Mas enquanto a Alemanha prosseguia em seus preparativos para uma nova agressão, a Rússia mostrava
sinais de recuo. A 6 de maio, numa medida sem precedentes, o próprio Stalin assumiu a liderança. Pela
primeira vez durante sua longa supremacia o ditador soviético pôs de lado seu anonimato oficial e aceitou
a responsabilidade direta de um cargo de governo. Era sinal de que grandes decisões estavam para ser
tomadas, e que precisavam assentar-se em todo o prestígio do próprio Stalin a fim de que pudessem ser
aceitas pela nação inteira.
O primeiro resultado claro foi uma volta ao apaziguamento. Foram tomadas várias medidas que indicavam
o desejo de tranqüilizar a Alemanha a respeito da participação da Rússia ao lado do Eixo. A 9 de maio o
Kremlin deixou de reconhecer os governos da Noruega, Bélgica e Iugoslávia, que, apesar de conquistados
pelos alemães, mantinham representantes diplomáticos em Moscou. Foram tomadas medidas para a
entrega das mercadorias estipuladas no acordo comercial com a Alemanha, e em condições mais
satisfatórias para o Reich. Foram retiradas as tropas da fronteira romena, e diminuiu a pressão soviética no
sentido de conseguir um controle completo do delta do Danúbio. Apesar da acusação feita mais tarde por
Hitler de que a Rússia se unira à Inglaterra numa conspiração contra a Alemanha, o embaixador inglês era
calculadamente deixado à margem, e o reconhecimento de Rashid Ali no Iraque constituía um gesto
deliberadamente antibritânico. Com as notícias propaladas nos fins de maio de que estavam em progresso
novas negociações entre a Rússia e a Alemanha, parecia que o apaziguamento conseguiria mais uma vez
evitar um choque.
Estas aparências eram porém enganadoras. Os preparativos alemães já se encontravam quase prontos, e no
começo de junho já quase nem havia mesmo a preocupação de ocultá-los. Enquanto a Romênia se
mobilizava, e as tropas alemães se concentravam não apenas na Polônia, mas também na Finlândia,
aviadores alemães realizavam uma série de ativos vôos de reconhecimento através da fronteira. As
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negociações que talvez estivessem sendo realizadas teriam apenas um caráter geral, e as exigências
poderiam ser aumentadas oportunamente com o fim de ganhar tempo. Embora dessa vez não aparecessem
na imprensa as costumeiras críticas que precediam a uma invasão, a exibição, em Moscou, de jornais
cinematográficos alemães sobre a guerra era uma medida que poderia ser considerada quase igual à
equivalente nazista da declaração de guerra.
O Pacto com o Turquia
O ato final começou com o tratado turco. Ele constituiu um golpe tanto na Inglaterra como na Rússia, e um
longo passo naquele processo de desgaste que caracterizara a política turca do ano anterior. Qualquer
esperança de que a Turquia pudesse acorrer em auxílio da Grécia fôra finalmente desfeita quando os
exércitos alemães alcançaram o Egeu e separaram os dois países um do outro. O resultado da campanha da
Grécia fortaleceu a resolução da Turquia de não aceitar o desafio do Eixo, a não ser em último caso.
Aceitaria o auxílio inglês caso fosse atacada, mas não reconhecia qualquer obrigação de sua parte de
auxiliar a Inglaterra. E quando, sob a pressão dos nazistas, permitiu que os navios alemães atravessassem
os Dardanelos e que armamento francês fosse transportado através de seu território até o Iraque, a Turquia
mostrou que iria muito longe nas concessões para evitar ver-se envolvida em hostilidades ativas.
Entrementes, sua situação piorava continuamente. A ocupação de Salonica pelos nazistas foi seguida pela
captura das ilhas gregas no Egeu, e finalmente pela conquista de Creta. Os alemães controlavam então a
saída dos Dardanelos e possuíam bases aéreas e navais dentro de um raio de ação das próprias costas
turcas. As forças nazistas da Bulgária e da Grécia estavam a pouco mais de 160 km de Estambul. As
atividades nazistas na Síria e no Iraque significavam a ameaça de um novo cerco. O anel apertava-se em
torno da Turquia, e cada progresso realizado pelos nazistas fazia com que a resistência dos turcos para o
futuro fosse mais difícil.
Desta forma, havia crescentes incentivos para que fossem ouvidas propostas que pudessem parecer uma
garantia de que a independência do país seria mantida. As atividades de von Papen, fortalecidas em maio
por uma carta pessoal de Hitler para Inonu, não resultou num acordo imediato mas assentou as bases para
negociações ativas. Embora os turcos se recusassem abertamente a abandonar a aliança britânica, estavam
preparados para aceitar um pacto de neutralidade que viesse reforçado pela esperança de acordos
comerciais de vulto; e a 18 de junho um tratado dessa natureza foi assinado em Ankara.
Os turcos insistiram em que isso era perfeitamente compatível com suas obrigações existentes. Embora
não tenham prometido agir de modo algum contra a Alemanha, deram garantias de que não se deixariam
utilizar contra a Inglaterra. Em particular, alegaram que não permitiriam a passagem de tropas ou material
de guerra alemães. Mas, em realidade, o tratado significava uma nova orientação no sentido do Eixo.
Negava implicitamente aos aviadores britânicos o direito de utilização das bases aéreas turcas, ou que os
navios de guerra britânicos passassem pelos Dardanelos. Isso representava mais uma barreira para impedir
ajuda direta dos ingleses à Rússia, e a garantia da proteção do flanco direito da Alemanha.
Os acontecimentos alcançavam agora seu clímax. Mesmo nesse ponto o apaziguamento poderia ter tido
êxito se fosse deixada à Rússia qualquer oportunidade de escolha. Mas a afirmação de Molotov de que não
haviam sido apresentadas exigências, se bem que dúbia na forma, era, quanto ao fundo, perfeitamente
clara. O objetivo de quaisquer negociações que servissem para mascarar outras atividades fôra alcançado.
Na madrugada de 22 de junho, hora e meia antes de ter o embaixador alemão informado Molotov de que a
Alemanha se decidira pela guerra, os alemães lançaram-se ao ataque ao longo de toda a fronteira.
Naturalmente a campanha era apresentada como uma santa cruzada. Nenhuma das passadas
inconsistências impedira os alemães de conclamar a Europa mais uma vez contra a ameaça vermelha. A
Itália prestou imediatamente sua duvidosa ajuda. A Romênia e Hungria aderiram entusiasticamente, e a
Finlândia com relutância. Vichy e Madrid prepararam-se para enviar voluntários. Apesar de não ter o papa,
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em discurso irradiado poucos dias mais tarde, sancionado a afirmação alemã de que os nazistas e seus
associados eram os campeões do cristianismo, os satélites menores de Hitler puderam utilizar-se deste
elemento de propaganda.
Mas se esse apelo destinava-se a confundir ou dividir as democracias, falhou completamente. Churchill
irradiou imediatamente uma declaração que resumia a atitude do povo britânico. Nada retirou de sua
condenação ao bolchevismo. Mas continuava firme na sua insistência de que Hitler era o inimigo e que o
único objetivo era a derrota da Alemanha. "Qualquer homem ou estado que lute contra o nazismo terá
nosso apoio. Qualquer homem ou estado que marche junto com Hitler é nosso inimigo." Acima de tudo, o
novo e formidável jogo em que se metera Hitler oferecia uma oportunidade que não se deveria deixar
escapar. Se a Rússia fosse derrotada, todos os recursos da Alemanha seriam empregados contra a
Inglaterra, e por fim contra o hemisfério ocidental. "O perigo que ameaça a Rússia" advertiu ele - "é
portanto o nosso perigo e o perigo dos Estados Unidos... Redobremos nossos recursos e golpeemos unindo
nossos recursos enquanto nos restam vida e forças." Era um claro apelo à América para aproveitar a
oportunidade a fim de alinhar-se de modo completo e sem reservas ao lado da Inglaterra na luta em que
ambos os países estavam agora comprometidos.
A Batalha do Oeste
A firme progressão para leste da máquina de guerra nazista, embora espetacular, adquiriu sua importância
não em conseqüência de suas realizações imediatas, mas por seu efeito no conflito mais fundamental. Com
muito menos estardalhaço e muito menos furor, mas com o mesmo ódio e tenacidade, a batalha do
Atlântico exigia dos dois principais beligerantes o máximo de recursos. Esse era o teatro vital em que a
luta haveria de ser decidida em última instância, e as vitórias em qualquer outra parte eram principalmente
importantes pelas influências que pudessem exercer nas perspectivas de vitória no ocidente.
O objetivo primordial dessa batalha era o domínio dos mares. A verdadeira zona do conflito, entretanto,
era algo muito mais vasta. O comboio e o submarino eram somente as pontas de lança d

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