A DEPOSIÇÃO DE FILMES FINOS

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A DEPOSIÇÃO DE FILMES FINOS
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A DEPOSIÇÃO DE FILMES FINOS
3. A deposição de filmes finos
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3. A deposição de filmes finos
3.1 Introdução
A grande maioria das aplicações dos supercondutores requer a sua utilização sob
correntes que podem exceder os 105 A cm-2 e campos superiores a 1 T. Os supercondutores do
tipo II de baixa temperatura crítica, Nb-Ti ou Nb3Sn, cumprem bem este requisito, mas os
supercondutores cerâmicos são bastante anisotrópicos. Medidas da densidade de corrente
crítica em filmes de Bi-2212 a 54 K indicam Jc=105 A cm-2 para H⊥c, mas apenas 102 A cm-2
para H||c [157]. Este comportamento é devido ao facto da supercorrente fluir pelos planos de
CuO2. É, assim, de todo o interesse promover a orientação cristalográfica do material por
forma a que os planos de CuO2 (ou plano a-b) estejam alinhados com o sentido desejado para
a circulação da corrente no material.
Devido ao facto dos supercondutores cerâmicos apresentarem fusões incongruentes, não
é possível preparar monocristais de dimensões apreciáveis pelas técnicas de crescimento
habituais, tornando-se necessário aplicar outras técnicas de orientação.
Na tabela 3.1, são listadas as principais técnicas de orientação utilizadas no fabrico de
cerâmicos supercondutores de alta temperatura crítica, como o YBCO ou o BSCCO,
separadas de acordo com a força motriz que induz essa orientação.
Tabela 3.1 - Técnicas de orientação de grão em supercondutores cerâmicos.
– Orientação induzida por fusão
Fusão de zona com laser (LFZ) [151]
Solidificação direccional [158]
– Orientação induzida por deformação mecânica e recristalização
Pó no tubo (PIT) [159]
Forjagem [160]
– Orientação induzida pelo substrato [161]
Filmes finos
por deposição química de vapores organometálicos (MOCVD) [7]
MOCVD convencional [162]
MOCVD assistido por aerossol [163-165]
por deposição física
vaporização laser [166]
pulverização catódica (sputtering) [167]
epitaxia de feixe molecular (MBE) [168]
Filmes espessos
deposição electroquímica [169]
deposição em substrato girante (spin coating) [170]
epitaxia de fase líquida (LPE) [171]
serigrafia [172]
sol-gel [173]
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3. A deposição de filmes finos
As técnicas acima mencionadas são aplicadas de acordo com as possíveis utilizações do
material fabricado:
i) aplicações envolvendo transporte de grandes quantidades de energia, implicando a
utilização de fibras ou fitas (de salientar as técnicas de LFZ e PIT);
ii) aplicações no âmbito da indústria electrónica onde se aplica o material depositado
sob a forma de filme (técnicas de orientação induzidas pelo substrato).
LFZ - fusão de zona com laser
Nesta técnica, é necessário formar previamente o material que se pretende fundir e
dar-lhe uma forma de barra. Esta barra é alimentada a uma determinada velocidade constante
para uma câmara onde é focado um laser que induz a fusão numa zona muito estreita. Os
gradientes de temperatura são muito elevados (105 a 106 K m-1). O fundido é mantido em
equilíbrio devido à tensão superficial entre a barra de alimentação e a fibra já texturizada. As
fibras resultantes necessitam de um tratamento térmico posterior para desenvolvimento das
fases supercondutoras [151, 174]. Em fibras do sistema BiSrCaCuO, foi possível obter uma
densidade de corrente crítica de 3,5x103 A cm-2, a 77 K e campo nulo, numa fibra de cerca de
2 mm de diâmetro [174].
PIT - pó no tubo
Na técnica do pó no tubo (PIT - Powder in Tube), muito utilizada em supercondutores
da família do bismuto, o cerâmico das fases Bi-2212 ou Bi,Pb-2223, finamente pulverizado, é
introduzido em tubos de prata. Estes tubos, tipicamente com 10 mm de diâmetro externo e
8 mm de diâmetro interno, são transformados em fitas de 0,1 a 0,2 mm de espessura por
compressão em rolos, com 10% de redução em cada passagem [159, 175]. As fitas resultantes
são tratadas termicamente a 800-880°C, podendo ainda sofrer prensagens uniaxiais
intermédias [176]. A prata induz um forte alinhamento ao supercondutor de bismuto,
obtendo-se densidades de corrente crítica superiores a 4x104A/cm2 a 77K, para tempos de
tratamento térmico de cerca de 200 horas [175].
Nas técnicas de orientação induzidas pelo substrato, há que salientar as que produzem
filmes finos de elevada qualidade estrutural, boa aderência e com propriedades
supercondutoras equivalentes às dos monocristais. Estas técnicas de deposição podem partir
de reacções químicas (CVD - Chemical Vapour Deposition) ou serem deposições físicas (PVD
- Physical Vapour Deposition).
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3. A deposição de filmes finos
Deposição química de vapores organometálicos - MOCVD
No fabrico de filmes finos por deposição química de vapores organometálicos,
utilizam-se substratos monocristalinos, com características compatíveis com o supercondutor
a depositar, para induzir uma orientação com o eixo c perpendicular ao substrato (crescimento
orientado). Deve o substrato contribuir para a orientação dos eixos a e b por forma a
produzirem-se fronteiras de grão de baixo ângulo (crescimento epitaxial), o que permite obter
um material com elevada densidade de corrente crítica [177].
Na técnica do MOCVD, para cerâmicos supercondutores, são utilizados compostos
organometálicos sólidos que são sublimados em compartimentos individuais, cada um a uma
temperatura determinada, e transportados por um gás de arrasto (argon) até uma câmara de
mistura com o oxigénio [7]. O substrato está colocado num susceptor que é aquecido por
indução (ou por infravermelhos), garantindo que as paredes do reactor estão suficientemente
frias para nestas não ocorrerem reacções (reactor de parede fria). A reacção dá-se à superfície
do substrato depositando-se o material e libertando-se CO2 e H2O como subprodutos da
reacção. Estes reactores funcionam a pressões totais entre 100 e 3000 Pa, o que garante
simultaneamente uma boa sublimação dos organometálicos e uma difusão rápida destes até à
zona de deposição [7]. O maior problema destes reactores prende-se com o facto dos
organometálicos necessitarem de estar aquecidos (entre 70 e 250°C) para garantirem a
volatilidade, mas estas temperaturas elevadas contribuem para acelerar a sua degradação, o
que provoca a diminuição da volatilidade [178]. Este processo é crítico para os
organometálicos derivados de metais alcalino-terrosos, como o estrôncio, o cálcio e o bário.
Bobina de indução
substrato
medidor
de vácuo
bomba
de vácuo
vaporizador
medidor
de fluxo
O
2
Ar
Figura 3.1 - Esquema de um dispositivo de CVD de parede fria [7].
Têm sido relatados o fabrico e caracterização de inúmeros filmes, depositados por este
processo, no sistema YBaCuO, TlBaCaCuO e BiSrCaCuO, com excelentes propriedades
supercondutoras [7, 162, 179]:
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3. A deposição de filmes finos
Para o YBaCuO, Tc até 94 K e Jc até 4x106 A cm-2 a 77 K e campo nulo.
Para o BiSrCaCuO, Tc até 97 K e Jc até 3,8x105 A cm-2 a 77 K e campo nulo, ou
3,3x105 A cm-2 e 1 T.
Para o TlBaCaCuO, Tc até 109 K e Jc até 1x104 A cm-2 a 90 K e campo nulo. No fabrico
deste filme, o tálio é introduzido posteriormente por difusão durante o tratamento térmico de
um filme de BaCaCuO.
Para obter estas propriedades, é necessário utilizar velocidades de deposição muito
baixas, principalmente no caso do sistema BiSrCaCuO, podendo ser reduzidas até
0,02 nm/min, o que implica que um filme necessite de mais de 24 horas para ser
depositado[179].
Deposição química de vapores organometálicos assistida por aerossol –
AA-MOCVD
De modo a garantir a estabilidade dos precursores organometálicos, evitando que estes
estejam aquecidos durante todo o tempo que demora a deposição, desenvolveram-se processos
para introduzir, numa zona quente do reactor, pequenas quantidades dos precursores que são
vaporizadas muito rapidamente. De acordo com a literatura, foram ensaiados, pelo menos, três
tipos diferentes de processos:
i) vaporização relâmpago de uma mistura sólida contida num capilar [180];
ii) introdução de uma solução, contendo os organometálicos, no reactor, por intermédio
de microbombas [181], atomizadores supersónicos [182], ou atomizadores
ultrasónicos [183-186];
iii) injecção de uma pequena quantidade de solução contendo os organometálicos numa
correia transportadora, com evaporação e remoção selectiva do solvente e posterior
sublimação do resíduo organometálico, processo designado por MOCVD de injecção
pulsada. [187]
Nos atomizadores ultrasónicos, a solução é nebulizada num aerossol que é conduzido
para uma tubagem aquecida onde solvente e organometálicos são vaporizados.
São reconhecidas as vantagens deste sistema: os precursores apenas estão expostos a
temperaturas mais elevadas no tempo necessário à sua passagem para a fase vapor, não
sofrendo degradação [188]; é possível ajustar as concentrações dos precursores numa larga
gama de valores, permitindo acertar as estequiometrias e regular as velocidades de deposição.
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3. A deposição de filmes finos
As limitações residem no uso do solvente que perturba o processo de deposição,
podendo reagir com o oxigénio, o que leva a uma indeterminação da actividade de oxigénio
no local da deposição [189]. Este problema levou recentemente à criação da variante MOCVD
de injecção pulsada, na qual a solução é previamente injectada numa correia transportadora
(impulsos de alguns microsegundos) que atravessa uma zona de temperatura intermédia. Nesta
zona, o solvente é evaporado e removido do sistema, deixando, na correia transportadora, uma
pequena quantidade da mistura de organometálicos. A passagem da correia por uma zona a
temperatura superior permite sublimar esta mistura, arrastando os vapores para o interior do
reactor [187, 190].
Desvantagens comuns aos sistemas acima referidos residem na solução onde os
organometálicos poderão reagir entre si, formando espécies não voláteis. Para além disso, o
solvente poderá conter impurezas que originem contaminações no filme. Em termos de
segurança, é importante acrescentar que o aerossol só pode ser introduzido no reactor a baixa
pressão, para evitar o risco de explosão.
Deposição por vaporização laser
Para depositar por vaporização laser (habitualmente denominada ablação laser), é
previamente necessário fabricar um alvo de composição uniforme e representativa da
composição do filme que se pretende depositar. Este alvo, feito pelas técnicas cerâmicas
convencionais, é fixado na câmara de deposição e bombardeado por impulsos de radiação
laser, enquanto vai sendo rodado para alterar a zona de impacto. É empregue um laser de
excímeros, de ArF (193 nm) [191, 192] , KrF (248 nm) [193-196], Nd:YAG (266 nm) [166,
197] ou XeCl (308 nm) [198], com energias na zona de incidência de 1 a 10 J/cm2 e
frequências de 1 a 10 Hz. Antes da deposição, a câmara deverá ser colocada em ultra alto
vácuo (inferior a 10-4 Pa), sendo depois alimentada com oxigénio até pressões de 10 a 30 Pa.
Quando o feixe laser incide no alvo, transfere energia para gerar um feixe de partículas
emergentes (pluma) perpendicularmente ao alvo, com distribuição homogénea de velocidades,
respeitando a composição estequiométrica inicial. A distância do alvo ao substrato é de 3 a
6 cm, e o substrato não deverá estar a uma temperatura superior a 690°C para evitar a perda de
bismuto [196].
O principal problema na deposição de filmes por vaporização laser é o aparecimento de
partículas de forma esférica que se distribuem aleatoriamente sobre a superfície do substrato
[194, 196]. A origem destas partículas é diversificada e a sua formação está relacionada com a
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3. A deposição de filmes finos
anisotropia do crescimento dos filmes, a orientação e qualidade dos substratos, a densidade de
energia do laser, a taxa de deposição, a pressão e a temperatura [199: p.4].
A vaporização laser fornece filmes da fase Bi-2212 de boa qualidade cristalográfica,
com resultados de canalização iónica em RBS de χmin=35% [197]. O crescimento dos filmes
ocorre predominantemente em terraços (2D) embora ocorra simultaneamente a formação de
ilhas (3D) [194, 197]. As medidas de magnetização em filmes da fase Bi-2212 mostraram
possuir Tc (início)=80 K e Jc (H⊥c)=105 a 106 A cm-2 a 10 K para campos até 4 T [198].
Pulverização catódica (Sputtering)
A deposição de filmes pela técnica da pulverização catódica parte igualmente de um
alvo com a estequiometria adequada [167]. Em sistemas multialvo, podemos ter diferentes
alvos com diferentes estequiometrias [80, 200, 201]. O alvo e o substrato são colocados na
câmara podendo ou não estar em frente um do outro (on axis [202] ou off axis [80]
sputtering). Para um sistema em corrente contínua (DC), usa-se uma corrente de cerca de
250 mA e a uma tensão de 300 V [140, 200], suficiente para ionizar uma corrente gasosa de
Ar e O2. São usadas pressões totais na ordem de 2 a 300 Pa [80, 140, 201]. Alternativamente,
é usado um sistema AC e o confinamento do plasma pode, ou não, ser feito por um magnetron
em RF [167, 203].
Com temperaturas do substrato entre 560 e 760°C, obtém-se boa cristalinidade em
filmes de Bi-2212 ou Bi-2223, com Tc até 93 K, para a fase Bi-2212 [140], e até 106 K para a
fase Bi-2223 [167].
Usando deposição alternada a partir de alvos de estequiometrias diferentes, é possível
fazer crescer superestruturas artificiais, de grande interesse no estudo do sistema Bi-22(n-1)n
com n>3 [80, 202].
Epitaxia de feixe molecular (MBE)
Na deposição de filmes por epitaxia de feixe molecular (MBE), um feixe de átomos ou
moléculas, provenientes de células de Knudsen, é depositado em substratos adequados. Para
os filmes crescerem com elevada pureza e excelente qualidade cristalográfica, é necessário
operar em ultra alto vácuo, o que, com O2 gasoso, não é suficiente para obter cupratos
supercondutores sob a forma oxidada. Para promover a oxidação do cobre, foi necessário usar
NO2 a 10-2 Pa [168] ou O3 entre 10-4 e 10-3 Pa [204-206]. Controlando as aberturas das células
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3. A deposição de filmes finos
de Knudsen, com este processo, é possível crescer supercondutores camada a camada,
podendo mesmo criar-se estruturas artificiais como Bi-22(n-1)n com n>3 [207].
3.2 A Deposição Química de Vapores (CVD)
A deposição química de vapores, designada por CVD, processo em que um material
sólido é depositado a partir de um vapor por uma reacção química que ocorre sobre ou na
vizinhança de um substrato, pode ser descrita esquematicamente pela reacção [208].
Reagentes gasosos ! Sólido depositado + Produtos gasosos
(3.1)
As características específicas do processo CVD permitem obter filmes uniformes,
aderentes, com baixa porosidade, mesmo em substratos de formas complexas. As velocidades
de deposição são controláveis pelas actividades dos reagentes, temperatura do substrato e
pressão total. Como desvantagens dos processos CVD, indicam-se a existência de produtos
químicos tóxicos, inflamáveis, explosivos ou corrosivos. Devido ao grande número de
variáveis envolvidas, o CVD requer um elevado número de testes para obter os parâmetros
correctos de crescimento.
As variantes do processo CVD estabelecem-se de acordo com o tipo de reagentes
(inorgânicos, haletos metálicos, organometálicos) e com a fonte de energia que promove as
reacções (térmica, luz ou plasma) [209], aparecendo as designações CVD de haletos, CVD de
organometálicos (MOCVD), CVD promovido por plasma (PECVD), foto-CVD (PhCVD).
Em virtude do fluxo de gás e da temperatura usada nos processos de CVD, podem ser
definidas três zonas e duas interfaces relevantes no processo, de acordo com a figura 3.2.
Fluxo de gás
1-Camada estagnante
2-filme
Interface 1
Interface 2
3-substrato
Figura 3.2 - Zonas e interfaces num processo de CVD.
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3. A deposição de filmes finos
Durante a deposição, os reagentes gasosos e os produtos gasosos da reacção
difundem-se através da camada estagnante. Normalmente, não devem ocorrer na fase vapor ou
camada (1) reacções que originem nucleação homogénea do sólido, resultando em adesões
pobres. O filme de CVD deve ser o produto de reacções em fase heterogénea que ocorram na
interface (1), isto é, em que os vapores dos reagentes difundam pela zona (1) até esta interface,
reajam para dar origem a um sólido nucleado e a vapores dos produtos da reacção que
contra-difundem pela zona (1) até atingir o fluxo gasoso, sendo arrastados para o exterior do
reactor.
As temperaturas elevadas comuns nos processos de CVD fazem com que, na zona (2),
ocorram, simultaneamente, reacções em fase sólida como transformações de fase,
precipitações, recristalizações e crescimento de grão. As reacções na interface (2) são
importantes para promover a adesão do filme, podendo, no entanto, ocorrer interdifusão entre
os elementos do filme e do substrato, com a formação de fases secundárias.
As geometrias dos reactores de CVD são diversas, de acordo com o tamanho, forma ou
número de substratos utilizados. De acordo com o tipo de aquecimento, distinguem-se dois
tipos de reactor CVD, o reactor de parede quente e o de parede fria [210].
No reactor de parede quente, não só o substrato mas também as paredes do reactor estão
a temperaturas elevadas. Ao ocorrerem reacções na parede do reactor, que competem com as
da superfície do substrato, há uma forte perturbação das concentrações dos reagentes. Mais
problemático é o facto de se poderem libertar partículas sólidas das paredes do reactor que
caiem sobre os substratos, originando defeitos. Como pontos a favor do reactor de parede
quente, aponta-se o facto de ser fácil e económico montar este tipo de aquecimento sendo fácil
construir uma zona de deposição suficientemente longa para se poder depositar sobre vários
substratos simultaneamente.
A ausência de reacções nas paredes do reactor de parede fria elimina os riscos acima
apontados. Neste tipo de reactor, os substratos são aquecidos por diversas técnicas, como seja,
o aquecimento por indução de rádio-frequência, filamento aquecido, infravermelhos, laser ou
por resistências colocadas debaixo dos substratos. Permite maior flexibilidade, maior limpeza,
maior velocidade de deposição, maior uniformidade de espessuras e até utilizar substratos de
maior dimensão, embora seja mais difícil operar com múltiplos substratos. Os elevados
gradientes de temperatura, junto ao substrato, criam uma convecção natural intensa, o que
tende a perturbar a microestrutura dos filmes.
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3. A deposição de filmes finos
3.2.1 Dinâmica de fluídos num reactor de CVD
Para obter filmes depositados de espessura e composição uniformes é importante o tipo
de fluxo no reactor, devendo este ser laminar junto à superfície do substrato. A pressões mais
reduzidas, a difusividade das espécies na fase vapor é maior, o que resulta numa melhor
mistura gasosa. O tipo de fluxo é condicionado quer pelas diferenças de pressão (convecção
forçada) quer pela gravidade (convecção natural). Neste último caso, os movimentos do
fluído são influenciados pelas densidades locais.
A análise do regime de escoamento é efectuada recorrendo aos números adimensionais1:
i) número de Reynolds (Re) (quociente entre as forças de inércia e as forças viscosas),
associado à convecção forçada,
Re =
ρ g vd T
η
ii) número de Grashof (Gr), associado à convecção natural,
Gr =
(3.2)
L3ρ2 αg∆T
(3.3)
η2
No caso de situação isotérmica, não há convecção natural, e como ∆T = 0 resulta Gr = 0.
Para esta situação, são definidos dois tipos de escoamento de acordo com o número de
Reynolds: para Re < 2000 o fluxo é laminar; para Re > 3000 o fluxo é turbulento. Na região
com 2000 < Re < 3000 ocorre um regime de transição onde a situação não está bem definida.
À medida que o número de Grashof aumenta o regime turbulento ocorre com números de
Reynolds inferiores.
Para estes dois tipos de regime, foram desenvolvidos modelos de fluxo em tubo cujas
equações simulam os perfis de velocidade, isto é, o quociente entre o valor pontual da
velocidade, u(x), e o valor médio da velocidade, umédio, em função da posição na secção recta,
x (equações 3.4 e 3.5 e figura 3.3). [211: pp.69-75].
Para regime laminar
 x2 
v( x )
= 2 1 − 2 
v medio
 r 
(3.4)
e para regime turbulento
1
Em determinados reactores (principalmente MBE), operando a pressões inferiores a 10-4 Torr, ocorre fluxo
molecular, caracterizado por um número de Knudsen, Kn, superior à unidade. O número de Knudsen é definido
como Kn =
λg
Dr
em que λg é o percurso livre médio no gás e Dr representa uma dimensão característica do
reactor [209].
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3. A deposição de filmes finos
v( x )
 x
= 1,22 1 − 
 r
v medio
1
7
(3.5)
v(x)/vmédio
2,0
1,5
laminar
1,0
turbulento
0,5
0,0
-1,0
-0,5
0,0
0,5
1,0
x/r
Figura 3.3 - Forma dos perfis de velocidade para fluxo laminar e turbulento.
Em ambos os casos a velocidade do fluido é máxima no eixo do tubo, e teoricamente
nula junta às paredes, mas o perfil para o regime turbulento é muito mais aplanado que o
perfil para o regime laminar.
O perfil parabólico do regime laminar de escoamento num tubo cilíndrico é alterado em
sistemas não isotérmicos (Gr >0). Quando um gás entra num tubo aquecido exteriormente, o
fluido junto à parede estará a uma temperatura superior à do centro e a sua viscosidade
aumentará (ao contrário do que acontece para os líquidos). A velocidade do gás junto à parede
diminuirá, modificando o perfil parabólico da figura 3.3.
Em reactores de parede fria, os efeitos da convecção natural e forçada dependem da
geometria do reactor, sendo analisados, na figura 3.4, duas geometrias diferentes do tipo
vertical. Na primeira geometria (a), os vapores são forçados a seguir no sentido descendente
até encontrarem o substrato. O aquecimento dos vapores provoca fortes correntes de
convecção natural que se contrapõem à convecção forçada, originando mistura entre o gás
com os reagentes e o gás com os produtos de reacção. Na segunda geometria (b), os vapores
ascendem até ao substrato aquecido. As correntes de convecção natural interactuam menos
com as correntes de convecção forçada.
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3. A deposição de filmes finos
Diferentes perfis de velocidade e turbulência podem ser simulados com estas
geometrias, introduzindo a relação entre o diâmetro do tubo e do prato quente (ou susceptor)
onde assenta o substrato.
a)
b)
Figura 3.4 - Influência da geometria do reactor nos perfis de velocidade do gás, para reactores
de parede fria. Diâmetro do tubo de entrada igual a metade do diâmetro do prato
quente. Temperatura do prato quente a 900 K e número de Reynolds Re = 50
[208].
a) fluxo descendente, com forte interacção entre a convecção forçada e a
convecção natural;
b) fluxo ascendente com menor interacção.
3.2.2 Etapas envolvidas em processos de CVD
Numa deposição por CVD, ocorrem várias etapas sequenciais, qualquer delas podendo
limitar a velocidade de deposição. As etapas a considerar, passíveis de afectar a velocidade de
deposição, estão representadas na figura 3.5, numeradas de (1) a (7) [208, 210].
ligando
Centro metálico
Reacção em
fase gasosa
+
(6) - Desadsorção
(7) - Transporte
(1) - Transporte
(5) - Nucleação e
crescimento
(2) - Adsorção
(3) - Reacção
(4) - Difusão
+
substrato
Figura 3.5 - Representação esquemática das etapas envolvidas num processo de CVD [208,
210].
59
3. A deposição de filmes finos
(1) - Transporte dos reagentes gasosos até à camada estagnante, quer por convecção
natural, quer por convecção forçada. Os reagentes gasosos têm de atravessar a camada
estagnada por difusão até atingirem a superfície do substrato.
(2) - Adsorção dos reagentes na superfície do substrato.
(3) - Reacções químicas à superfície do substrato que podem ser reacções entre espécies
adsorvidas, ou entre as espécies adsorvidas e os reagentes na fase vapor. As reacções químicas
envolvidas nesta etapa são bastante complexas, processando-se em diversas fases elementares.
(4) - Difusão das espécies pela superfície do substrato até aos locais de nucleação.
(5) - Nucleação (na fase inicial da deposição) e crescimento (em fases posteriores).
(6) - Desadsorção dos produtos de reacção da superfície do substrato.
(7) - Transporte dos produtos de reacção através da camada estagnada até à corrente de
vapor, para serem arrastados para fora do reactor.
Qualquer uma destas etapas poderá controlar a velocidade de deposição. Carlsson
definiu as categorias de controlo como sendo [208]:
1. Controlo termodinâmico. A velocidade de deposição é controlada pelos caudais
mássicos (ou molares) introduzidos no reactor, corrigida pelo rendimento do
processo. Este controlo ocorre com caudais muito baixos ou com altas temperaturas.
2. Controlo cinético. A velocidade de deposição é controlada pela cinética das reacções
à superfície. Normalmente, ocorre a baixas temperaturas.
3. Controlo difusivo. A velocidade de deposição é controlada pela difusão dos reagentes
para a superfície do substrato ou pela contra-difusão dos produtos da reacção pela
camada estagnante à superfície do substrato. Predomina quando a pressão aumenta
ou a temperaturas elevadas.
4. Controlo por nucleação. Ocorre quando a sobresaturação é baixa.
Os modelos simplificados, referidos na literatura, efectuam um balanço entre o
transporte de massa e a cinética das reacções à superfície [212: pp.81-111, 209: p.B1.4:12].
Carlsson [208: pp.374-433] considera o balanço entre o fluxo de massa por difusão pela
camada estagnada de espessura δe, jD, e o fluxo de massa que reage à superfície, jm:
jD =
D 1
( p − ps )
δ e RT G
60
(3.6)
3. A deposição de filmes finos
jm =
(
km
p − peq
RT s
)
(3.7)
pG, ps e peq são as pressões parciais no gás, de saturação à superfície do substrato e de
equilíbrio respectivamente. pG, e peq podem ser obtidos a partir da composição do gás e de
cálculos termodinâmicos. ps é eliminado dos cálculos uma vez que, em condições de estado
estacionário j = jD = jm, resultando a equação
j=
1 pG − peq
1
RT δ e
+
D km
(3.8)
A velocidade de deposição Rdep (em m/s) está relacionada com j (em mol/m2 s) por
Rdep =
Se
D
<< k m
δe
⇒
jM m
ρg
Rdep =
(3.9)
(
Mm 1 D
p − peq
ρ g As RT δ e G
)
(3.10)
a velocidade de deposição é controlada pela difusão dos reagentes para a superfície do
substrato.
Se
D
>> k m
δe
⇒
Rdep =
(
Mm 1
k p − peq
ρ g As RT m G
)
(3.11)
o controlo é exercido pelas reacções à superfície.
Ranno e Carlsson estabeleceram a dependência de D/δe relativamente à temperatura e à
pressão [208, 209]. Para substratos colocados horizontalmente, igualando a força de atrito de
um elemento de fluido por unidade de área, na direcção de x (dimensão linear do tubo do
reactor de diâmetro dT), com a força obtida de acordo com a segunda lei de Newton, resulta
que a espessura da camada estagnante varia ao longo de x de acordo com
δ e ( x) = a
ηx
=
ρg v
x
dT
Re
(3.12)
Assim, δe está relacionado com o inverso do número de Reynolds, diminuindo com o
aumento de Re. Esta relação mostra ainda que, para substratos colocados horizontalmente,
δe aumenta ao longo do comprimento do substrato, podendo provocar uma diminuição da
espessura de filme depositado. Este problema é resolvido através de uma ligeira inclinação do
61
3. A deposição de filmes finos
substrato (entre 7 e 13°), o que cria um gradiente de velocidade no gás, mantendo δe
constante.
As grandezas da equação 3.12 variam com a pressão e temperatura aproximadamente de
acordo com
ρg =
pM m
RT
(3.13)
m
T
η = η o   (com 0.6<m<1)
 To 
v = vo
T
To
(3.14)
(3.15)
7
p T 4
D = Do  
P  To 
(3.16)
estando o subscrito “o” atribuído à propriedade na situação de referência
Trabalhando estas expressões em conjunto obtém-se a dependência de D/δe
relativamente à temperatura e pressão
7 4−m 2)
D
T(
= const te
δe
P1 2
(3.17)
Esta equação indica que D/δe, e consequentemente a velocidade de deposição controlada
por difusão, Rdep, aumentam com o aumento da temperatura, segundo uma lei de potência da
temperatura.
 E 
Por outro lado, km segue uma lei de Arrhenius, k m = k m o exp − A  , aumentando
 RT 
exponencialmente com o aumento da temperatura. Este aumento é muito mais acentuado do
que o verificado por efeito do factor D/δe, pelo que, para baixas temperaturas, predomina o
controlo por reacção, mas a temperaturas elevadas predomina o controlo por difusão na
camada estagnante.
Diminuindo a pressão total, P, aumenta-se o transporte através da camada estagnante,
permitindo, se o controlo for difusivo, aumentar a velocidade de deposição. Esta é a principal
vantagem de efectuar a deposição por CVD a pressões reduzidas, processo designado por
CVD de baixa pressão (LPCVD).
62
3. A deposição de filmes finos
Em correspondência com o balanço dos mecanismos de controlo, são apresentados
gráficos de Arrhenius da velocidade de crescimento do filme, nos quais são identificados até
três regimes (fig. 3.6) [209, 213]:
Cinético - A) a temperaturas baixas, a velocidade de deposição é controlada pela cinética
da reacção à superfície, sendo muito dependente da temperatura;
Difusivo - B) a temperaturas mais elevadas, a velocidade de deposição é controlada pela
chegada de reagente à superfície (por difusão), sendo pouco dependente da
temperatura;
Termodinâmico - C) a temperaturas ainda mais elevadas, a transferência de massa
torna-se muito rápida, sendo o controlo efectuado pela termodinâmica do processo, ou
seja, a velocidade de crescimento é ditada pelos caudais que entram no reactor
(considerando a eficiência do processo). Este tipo de controlo pode também ser
imposto por caudais muito baixos. Nesta situação, se as reacções envolvidas são
exotérmicas (∆H<0), a velocidade de crescimento diminui com o aumento da
temperatura; se as reacções forem endotérmicas (∆H>0), a velocidade de crescimento
sobe com o aumento da temperatura.
-d
ifu
siv
o
C - termodinâmico
∆H >0
B - difusivo
Rdep
log Rdep
B
∆H <0
A - cinético
o
étic
cin
C-t
ermo
dinâm
ico
A0
1/T
a)
0
velocidade do gás
b)
Figura 3.6 - Dependência da velocidade de crescimento relativamente a) à temperatura do
substrato; b) à velocidade do gás. Identificam-se os três regimes de controlo,
termodinâmico, difusivo e cinético [209, 213].
Na figura 3.7, representa-se o diagrama de Arrhenius com a taxa de crescimento de um
filme de Y2O3 depositado por MOCVD [214]. A zona A, para temperaturas inferiores a
760 K, corresponde ao controlo da deposição pela cinética de decomposição do precursor
63
3. A deposição de filmes finos
organometálico, Y(tmhd)3, com uma energia de activação da ordem de 120 kJ/mol. A zona B,
para T >760 K, o controlo é efectuado pelo transporte difusivo do vapor organometálico para a
superfície, podendo ser termodinâmico se diminuir a quantidade de organometálico fornecido
ao reactor.
O controlo por reacção produz filmes de espessura mais uniforme, especialmente se os
substratos forem irregulares [208, 209, 215], mas a grande sensibilidade à temperatura pode
levar a condições difíceis de reproduzir ou mesmo a variação nas fases depositadas. Este é o
caso encontrado nos sistemas cerâmicos supercondutores. Uma vez que se depositam vários
elementos simultaneamente, não é fácil o controlo estequiométrico dos filmes, porque a
quantidade depositada de cada elemento depende mais da cinética da decomposição de cada
organometálico do que da sua concentração em fase vapor.
Já as situações de controlo por difusão, ou de controlo termodinâmico, permitem variar
a estequiometria dos filmes depositados quando se deposita mais do que uma espécie
simultaneamente, ajustando a concentração das espécies na fase vapor.
Para a deposição de filmes supercondutores por MOCVD é, assim, vantajoso operar nas
condições de controlo difusivo ou termodinâmico [214].
1000
T (K)
900
800
700
B - controle difusivo
Atico
ciné
trole
Con
velocidade de crescimento
(nm/min)
1100
10
9
8
7
6
5
4
0,9
1,0
1,1
3
1,2
1,3
1,4
10 /T(K)
Figura 3.7 - Velocidade de crescimento de um filme de Y2O3 em função da temperatura de
deposição, para deposição por AA-MOCVD [214].
64
3. A deposição de filmes finos
3.2.3 Nucleação e crescimento dos filmes
Nos momentos iniciais do crescimento, a nucleação num substrato estabelece a primeira
camada determinando a adesão dos filmes, o tamanho de grão e os defeitos. No crescimento
subsequente, pode ocorrer nucleação secundária, com o aparecimento de novos grãos e de
estruturas com defeitos.
Na figura 3.8, estão representados três modos primários de nucleação e crescimento
dum filme sobre um substrato [215, 216].
No crescimento do tipo Volmer-Weber, também designado por crescimento 3-D ou por
ilhas, há uma nucleação de pequenos aglomerados (clusters) directamente na superfície do
substrato. Os núcleos, separados ao início, vão crescendo e coalescendo originando, depois,
um filme contínuo. Este tipo de crescimento ocorre quando os átomos que compõem o filme
se ligam mais fortemente entre si do que ao substrato. É frequente em filmes metálicos
depositados sobre substratos isolantes ou em substratos contaminados. Um exemplo típico é o
do crescimento do ouro sobre cloreto de potássio, Au/KCl.
O crescimento Frank van der Merwe, ou crescimento 2-D, camada a camada, ocorre
quando a ligação entre os átomos do filme é mais fraca do que entre estes e o substrato. Os
exemplos típicos são o crescimento de cádmio sobre tungsténio [217] ou de xenon sobre
grafite [218].
O modo de crescimento designado por Stranski-Krastanov consiste numa combinação
dos outros dois. Neste caso, após a formação de uma ou duas monocamadas atómicas com
crescimento 2-D, o crescimento passa a modo 3-D. Este tipo de crescimento ocorre
frequentemente com filmes metálicos depositados sobre metais. Exemplos deste tipo de
crescimento são o de In sobre Si(100), Cu sobre Ag(111) ou sobre Mo(100) e InAs sobre
GaAs(100) [215, 216].
Mecanismo
Ilhas 3-D
(Volmer-Weber)
1ª camada
2ª camada
camadas seguintes
Camadas 2-D
(Frank van der Merwe)
Stranski-Krastanov
Figura 3.8 - Modos de nucleação e crescimento dum filme sobre um substrato [215, 216].
65
3. A deposição de filmes finos
Na figura 3.9, representa-se a energia de desadsorção normalizada, como função do
número de camadas depositadas, para os três tipos de crescimento.
No crescimento Volmer-Weber (3-D), a energia de desadsorção da primeira camada é
baixa, significando que os átomos estão ligados ao substrato por ligações fracas. A energia de
desadsorção aumenta nas camadas seguintes, o que significa que os átomos estão mais
fortemente ligados entre si do que ao substrato.
No crescimento Frank van der Merwe (2-D), a energia de desadsorção de um átomo do
filme ligado ao substrato é maior do que a energia de desadsorção de um átomo do filme
depositado sobre outro átomo do filme, o que se traduz numa forte ligação da primeira
camada ao substrato.
No modo de crescimento Stranski-Krastanov, nos estágios iniciais da deposição, a
energia de desadsorção de um átomo do filme condensado sobre o substrato é maior que a
energia de desadsorção de um átomo do filme condensado sobre outro átomo do filme, o que
dá origem a crescimento 2-D. No entanto, as monocamadas formadas poderão estar
tensionadas devido à influência do substrato. Ao fim de poucas camadas depositadas, com a
diminuição desta tensão, o balanço de energias inverte-se, mudando o tipo de crescimento e
dando origem à formação de ilhas (3-D).
Energia de desorção, Ed (u.a.)
Au/KCl, 3-D
Xe/C, 2-D
K/W, SK
0
1
2
3
4
nº de camadas adsorvidas
5
Figura 3.9 - Energia de desadsorção atómica como função do número de camadas adsorvidas
em três sistemas, Au em KCl, Xe em grafite e K em W. Cada sistema representa
um modo diferente de crescimento [215].
A formulação matemática do modelo de nucleação heterogénea envolve o pressuposto
que, no estágio inicial da nucleação, se forma um agregado de átomos, sobre o sólido de
suporte, com a forma de uma calote esférica (figura 3.10). Na evolução desse núcleo, ocorre
66
3. A deposição de filmes finos
um balanço entre as energias que promovem o seu crescimento e as energias que o impedem
de crescer [219].
γSL
líquido
θ
γCL
sólido
γCS
r
substrato
Figura 3.10 - Modelo de nucleação heterogénea. Para uma nucleação mais fácil, resultando numa
boa aderência, o ângulo de contacto, θ, deve ser pequeno [219].
Na figura 3.10, γSL, γCL e γCS representam as energias interfaciais sólido-líquido,
substrato-líquido e substrato-sólido respectivamente.
A variação de energia livre que ocorre quando se forma o cristal, ∆Gf, é
(Tm − T )
2 πr 3 
3
1

∆G f =
+
1 − cos θ + cos 3 θ ∆H

3  2
2
T
(
πr 1 − cos θ
2
2
)(γ CL − γ CS ) − 2πr
2
(1 − cos θ) γ SL
(3.18)
em que ∆H representa o calor latente de mudança de fase e Tm a temperatura de fusão. A
diferença (Tm - T) representa o sobrearrefecimento.
As energias interfaciais estão em equilíbrio, o que é descrito pela equação
γCL = γCS + γSL cos θ
(3.19)
Pelo que a expressão da energia livre se simplifica a
3


(Tm − T )
3
1

3  2 πr
∆G f =  1 − cos θ + cos θ 
∆H
− 2πr 2 γ 
SL 
 2
 3
2
T


(3.20)
Nos momentos iniciais de crescimento do núcleo, ocorre um aumento da energia livre
até o núcleo atingir uma dimensão crítica, r*. A partir desta dimensão, a energia livre diminui
e o núcleo torna-se estável. O cálculo de r* é efectuado pela condição d∆Gf/dr = 0, obtendo-se
r* =
2γ
T
SL m
∆H (Tm − T )
(3.21)
Da análise desta equação conclui-se que o aumento da temperatura de um substrato, T,
leva a um aumento do raio crítico, r*, do núcleo, aumentando a barreira à nucleação. Deste
modo, existe uma relação entre a densidade de núcleos estáveis, Nc, e a temperatura do
67
3. A deposição de filmes finos
substrato, estabelecida primeiro na teoria de Walton-Rhodin [220] e, posteriormente,
generalizada por Venables [216], traduzida pela relação [221: p.212]:
p
 Rdep 
E
 exp
N c = Ano 
kBT
 no ν 
(3.22)
Os parâmetros p e E (energia de activação da nucleação) dependem do regime de
condensação (completo ou incompleto) e do tipo de núcleos (2D ou 3D) e as expressões
completas podem ser revistas nas referências citadas. Um regime de condensação incompleto
ocorre a temperaturas elevadas ou a baixas velocidades de deposição, quando a velocidade de
desadsorção controla a densidade dos átomos adsorvidos, excedendo a velocidade de captura
para o crescimento do núcleo. Quando a desadsorção não é significativa diz-se que o regime
de condensação é completo.
As outras grandezas desta equação são:
A = grandeza adimensional dependente da cobertura do substrato
no = densidade de locais onde ocorre adsorção (m-2)
ν= frequência de vibração do átomo adsorvido à superfície (≈1012 s-1)
Rdep = velocidade de deposição (átomos m-2 s-1)
kB = constante de Boltzman
De acordo com esta equação é de esperar que, numa deposição, o número de grãos
formados seja uma função exponencial da temperatura. Para temperaturas elevadas,
formar-se-ão menos grãos e de maiores dimensões.
De igual modo, a velocidade de deposição, Rdep, tem bastante influência: as menores
velocidades a formam um menor número de grãos de maiores dimensões.
68