Trauma de Abuso Sexual Infantil

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Trauma de Abuso Sexual Infantil
Trauma de Abuso Sexual Infantil: consequências no fluxo da energia
criativa
Autora: Anna Leite
Originalmente publicado em : Energy & Character, volume 33, edição de Setembro de 2004
I.
Introdução
Ao revisar a literatura especializada que aborda o tema do trauma decorrente do abuso
sexual na infância, em especial ao focar na leitura da obra de Jodie Davies – Tratando o/a
Sobrevivente Adulto de Abuso Sexual Infantil, surpreendi-me ao constatar quão reduzida ainda
encontra-se a produção de análises geradas a partir de uma perspectiva psicanalítica.
Consequentemente, a discussão especializada dentro do campo de estudos psicanalíticos
permaneceu limitada. Surpreendeu-me sobremaneira não somente a limitada produção desta
abordagem teórica acerca da categoria de trauma de abuso sexual como também a literatura
concernente ao fenômeno do trauma em geral, além do relativo silêncio acerca da prática
clínica relacionada a estas questões específicas. Minha curiosidade e a motivação para
proporcionar atendimento efetivo a meus clientes levaram-me a pesquisar outros autores
versados no assunto, temática que é considerada enquanto uma das feridas de mais difícil
resolução terapêutica, mesmo para Barbara [Brennan]. Decidi compartilhar minhas descobertas,
as quais foram geradas a partir de pesquisas bibliográficas, ou emanadas a partir de estudos e
de práticas conduzidas durante o aprendizado adquirido ao frequentar a Barbara Brennan
School of Healing, ou derivadas de minhas observações na prática clínica de meu consultório.
Iniciarei com a definição de incesto, avançarei com incursões na esfera da história do
trauma sexual conforme este foi abordada por diferentes perspectivas das principais escolas de
pensamento da psicanálise, e encerrarei com algumas das descobertas atuais e perspectivas
contemporâneas na esfera da pesquisa sobre o trauma. O conceito de trauma proposto por
Sándor Ferenczi será enfatizado, juntamente com sua teoria sobre a “confusão de linguagens”
ente o adulto e a criança, onde o autor localizou a origem dos danos psíquicos. Em 1926
Ferenczi foi o primeiro praticante e estudioso da psicanálise a apontar a necessidade de
intervenção corporal, antes mesmo que as terapias corporais fossem difundidas como o são
hoje, após o legado de Wilhelm Reich.
Outros aspectos incluem as vastas sequelas e a manifestação dos amplos efeitos
retardados decorrentes do abuso sexual, que incluem desordens físicas. A razão pela qual a
memória é altamente afetada, não somente enquanto lembrança, recordação ou reminiscência
do evento em si, mas também no cotidiano corriqueiro da vítima: o interminável e severo
estresse crônico suprime o funcionamento do hipocampo, tornando as memórias indisponíveis
para a recuperação linguística. Podemos olhar para o fenômeno e sentirmo-nos avassalados
pela sua complexidade. Contudo, ao contrário, intenciono trazer uma esperança para a cura. De
acordo com Davies e segundo declarações de Bárbara [Brennan] estes sintomas possuem uma
origem comum. Uma ferida severa que bloqueia o fluxo de energia criativa, a qual pode ser
liberada e curada através de novas abordagens, como por exemplo o EMDR (método de
dessensibilização e reprocessamento de experiências emocionalmente traumáticas por meio de
estimulação bilateral dos hemisférios cerebrais) e, especialmente, através da Ciência Curativa do
método Brennan, em função de sua ampla ação nos níveis físico, emocional, psíquico e
espiritual.
II. Definindo incesto e abuso sexual infantil
O que é incesto? Literalmente , incesto é “o intercurso sexual entre duas pessoas
demasiado aparentadas ou relacionadas a ponto de não poderem se casar legalmente”. Sue
Blume propõe uma nova definição: “Incesto pode ser encarado como a imposição de atos
sexualmente inapropriados, ou de atos com conotações sexuais, pelo uso de uma criança menor
de idade, a fim de atender a necessidades sexuais ou a necessidades emocional-sexuais de uma
ou mais pessoas que derivem autoridade através continuados laços emocionais com a referida
criança”. Podemos denominar de incesto aberto qualquer coisa que ocorra quando há contato
sexual em qualquer relação de dependência, sendo os casos mais óbvios e danosos os casos que
se dão entre progenitores e a criança. Contudo, outros tipos de relacionamentos dependentes
podem ser emocionalmente experienciados entre pais e filhos em função de que a natureza da
interação nestes relacionamentos também pode ser sentida como incestuosa. É considerado
incesto encoberto ou camuflado quando uma relação parental muito próxima serve às
necessidades e aos sentimentos do progenitor ao invés de servir às necessidades da criança ou
em detrimento das necessidades da criança. Identificar o incesto neste caso é mais difícil, já que
o contato sexual direto não ocorreu. Não obstante, de acordo com Kenneth Adams, dinâmicas
semelhantes e sentimentos similares ocorrem da mesma forma nestas circunstâncias. Incesto
encoberto ocorre quando a criança torna-se o ´objeto´ da afeição e afeto dos pais, ou de seu
amor, paixão e preocupação. O progenitor, motivado pela solidão e pelo vazio causado por uma
relação ou casamento disfuncional, transforma a criança em parceiro substituto. O limite entre
cuidar e experimentar amor incestuoso é cruzado quando a relação com a criança existe para
suprir as necessidades do progenitor ao invés do suprimento das necessidades da criança. A
diferença entre incesto aberto e encoberto é a de que, enquanto a vítima do incesto aberto
sente-se abusada, a vítima do incesto encoberto sente-se idealizada, privilegiada. Sob esta
máscara jaz o mesmo trauma da vítima de incesto aberto: raiva, vergonha e culpa. Diana Russel
revela que se a experiência tem um significado sexual para o(a) cuidador(a), em lugar de uma
proposta nutridora em prol do benefício da criança, esta experiência então constitui-se num
abuso. Se não for desejada, se é inapropriada para a idade ou para o relacionamento, então é
abuso.
III. Panorama histórico dos estudos acerca do trauma de abuso sexual na infância
Conforme J. Davies apontou “ao longo de sua história a psicanálise debateu-se com vistas a
decidir qual importância deveria ser atribuída de fato ao papel da traumatização infantil, e
especialmente do abuso sexual na infância, na gênese e no tratamento da psicopatia adulta. A
psicanálise descobriu, negou, redescobriu, voltou a negar, e vem atualmente descobrindo ainda
outra vez a significância deste trauma. Quando pensadores analíticos haviam entrado em
concordância acerca do fato de que o trauma precoce se trata de um importante fenômeno
patogênico eles, por sua vez, haviam discordado no que tange à questão de como os eventos
traumáticos são internalizados pela criança e de como são expressados pelo adulto. Assim, os
modelos variam amplamente”. É fácil compreender que a discussão do fenômeno no passado
foi percebida enquanto um tabu sexual e, em alguma medida, permanece enquanto um tabu
mesmo nos dias de hoje. Porém, por outro lado, é também surpreendente e lastimável verificar
quão pouco avanço foi feito acerca da temática em questão, o que impediu que as vítimas
sobreviventes pudessem ser auxiliadas apropriadamente.
Em sua obra Davies demonstrou como o pensamento freudiano alterou-se a partir da Teoria
da Sedução rumo ao Complexo de Édipo, no qual o pensador havia baseado sua afirmação de
que as neuroses estavam etiologicamente incorporadas nas fantasias inconscientes do(a)
paciente. “A fantasia perturba a realidade enquanto ligação causal rumo às neuroses , e o
cenário estava montado para que Freud e seus sucessores interpretassem relatos de vitimização
sexual precoce como se se tratassem de fantasias ativadas pelos supostos desejos infantis
inconscientes dos(as) pacientes adultos(as). Tal renúncia foi motivada por fatores
idiossincráticos da vida e da psique de Freud”. A incapacidade de Freud em lidar com seu ponto
cego o impediu de abordar o assunto a partir de uma perspectiva mais adequada. Em um
exemplo de dissidência, Alice Miller abandonou a Associação Internacional de Psicanálise (AIP)
por considerar que a teoria e a prática psicanalíticas, centradas na fantasia, não levam em
consideração o fato de que os(as) pacientes se tratam de crianças feridas: eles(as) não
conseguiam libertar-se das consequências das feridas que lhes foram infligidas.
Nos primeiros tempos da psicanálise foi Ferenczi, aluno e amigo de Freud, quem acreditou
que o trauma sexual precoce de fato constituía-se uma ocorrência comum, frequentemente
associado com a psicopatia adulta. Ferenczi considera que o trauma seja produzido pela
incidência de um evento que mobiliza a psique – que pode varias desde a imposição e o
treinamento de normas de higiene até o abuso sexual infantil propriamente dito. O trauma
enquanto evento inexorável na vida humana é algo inevitável, e em certa medida necessário
para o processo de estruturação da psique. O trauma patológico é aquele que se apresenta
como impossível de ser metabolizado e integrado pelo indivíduo. Ferenczi enumerou algumas
das consequências patológicas do trauma sexual precoce: identificação com o agressor, culpa e
vergonha penetrantes, disfunção sexual e perversão, assim como a profunda cisão do ego e a
dissociação, que discutiremos abaixo. Em seus escritos acerca da prática psicanalítica Davies
afirma que esta abordagem do trauma pode ser dividida em quatro correntes de pensamento: a
clássica, a psicologia do ego, a relação de objeto, e a psicologia do self.
A Escola Clássica, descendente direta do posicionamento de Freud. Defende que mesmo
quando ocorre trauma sexual na pré-puberdade, a significância desse traumatismo assenta-se
na reativação de fantasias ocorridas em exposições anteriores– primariamente formuladas de
forma sado masoquista – das experiências da cena primal. Nesta linha de pensamento o caráter
patogênico do trauma deriva nem do ego avassalado por eventos reais inadministráveis e de
impossível manejo nem tampouco de uma traição profunda de laços relacionais, mas, ao invés
disso, deriva de uma regressão de fantasias intensamente sado masoquistas. Em outras
palavras, o patogênico é localizado intrapsíquicamente, ao invés de ser encarado como algo
relacional. Tanto quanto Freud, Phyllis Greenacre entende a exposição à cena primal como o
protótipo para toda a experiência traumatogênica. Contudo, de acordo com a visão de Davies, o
entendimento de Freud e de Greenacre fracassa não somente em incorporar os efeitos
desorganizadores do abuso sexual, mas também parece ver o abuso enquanto relacionado ao
fato de que as pacientes eram pequenas menininhas “sedutoras”, implicando as instigadoras
involuntárias como a causa e agentes de seus próprios molestamentos.
A perspectiva da escola de pensamento da Psicologia do Ego incorpora não somente o
significado inconsciente dos eventos traumáticos mas também enfatiza a extensão pela qual o
ego é avassalado e devastado e tornado disfuncional pela estimulação excessiva inerente ao
trauma precoce. Anna Freud, ao tentar determinar o que é e o que não é traumático, enfatizou
a completa incapacitação do ego e a experiência fenomenológica de desamparo em face daquilo
que é percebido pelo indivíduo como sendo perigo ameaçador à vida. Davies comenta que o que
permanece insuficientemente trabalhado neste modelo é “a extensão pela qual experiências
traumáticas não simbolizadas – incrustadas num núcleo primitivo de terror impossível de ser
comunicado, de ideação intrusiva e de sensações somáticas – existem isoladas por um cordão
de segurança dentro da própria psique do(a) paciente, onde encontram-se indisponíveis para os
processos verbais auto-reflexivos e o tradicional exame analítico.”
A perspectiva da escola Relação de Objeto caracteriza-se pelo fato de que, ainda que leve
em consideração a incapacitação do ego e o desamparo psíquico, enfatiza também que o
trauma precoce significa a traição da criança por um ou mais objetos precoces importantes.
Aqui ocorre uma convergência com o pensamento dos desenvolvimentistas na ênfase da
primazia dos laços de apego precoces a objetos significativos. Aqui os temas centrais não se
tratam da magnitude da super estimulação inerente ao abuso sexual, ou a mediação fantasiosa
do evento traumático, mas a extensão pela qual o comportamento abusivo, especialmente em
se tratando dos progenitores enquanto abusadores, representa para a criança um abandono
psíquico e uma profunda traição: um relacionamento com um mau objeto não é somente
doloroso para a criança, é também vergonhoso para a criança. Neste modelo a repressão tem
lugar não a fim de censurar os impulsos instintivos, mas, ao invés disso, para defender ´o self
contra a consciência de suas deficiências vergonhosas”. Nem Michael Balint nem Donald Woods
Winnicott, representantes desta escola, trataram de fato diretamente do trauma. Seus modelos
de tratamento afirmam que os pacientes devem, a fim de obterem a cura, regressar, durante os
tratamentos, até uma área de “falta/defeito básico” na qual a interpretação verbal é, no melhor
dos casos, desprovida de sentido e, no pior dos casos, excessivamente intrusiva a ponto de ser
percebida como um assalto ou ataque. Balint e Winnicot, entre outros, retiraram a ênfase da
interpretação verbal e da abstinência analítica tradicional, sublinhando, ao invés destas, a
importância das funções de contenção do(a) terapeuta, na qual a aceitação não verbal e o
manejo da regressão são cruciais.
A perspectiva da corrente de pensamento da Psicologia do Self ressalta os aspectos
relacionais do trauma, insistindo que o trauma de desenvolvimento ocorre dentro de um
campo intersubjetivo que consiste da combinação do self e do self-objeto; é a profunda
perturbação entre a criança (self) e o cuidador (self-objeto) que torna a ocorrência um fato
traumático. Eles citam a dissociação, o crônico duvidar de si mesmo(a), a instabilidade efetiva, o
pessimismo, a eterna busca de aprovação e a autoculpabilização enquanto características dos
sobreviventes do trauma. Esta corrente de pensamento coloca o trauma dentro de um contexto
relacional, no qual são enfatizados tanto o evento real como o significado inconsciente do
evento real, que são sempre mediados pela vítima do trauma. Da mesma forma que os
representantes da corrente da psicologia da relação de objeto, eles veem a relação analítica e as
constelações de transferência e de contratransferência emergindo dentro desta enquanto
aspectos centrais da terapia. O que não parece ser enfatizado é a regressão extensiva que é
geralmente exigida no trabalho com pacientes traumatizados, conforme apontado por Davies.
Seu questionamento consiste em verificar se a realidade do evento traumático é perturbadora
para o funcionamento posterior, ou se as vicissitudes complexas da internalização simbólica do
evento traumático é que são perturbadoras do funcionamento posterior. Ou, se o que levou à
patologia é o impacto do trauma no self internalizado e no mundo objetal do(a) paciente,
significados por padrões complexos de identificação projetiva e introjetiva. A autora propõe que
a patogenicidade do trauma sexual infantil deriva de todos esses fatores além de fatores
adicionais. “Em adição ao que temos aprendido acerca do raciocínio psicanalítico, descobrimos
importantes insights adicionais acerca do trauma precoce e de suas sequelas - que vão além
daqueles atualmente disponíveis na literatura sobre o trauma. É somente através da
combinação de conceitos psicanalíticos que emergem de cada uma das principais escolas de
pensamento do campo – os quais devem ser somados à literatura que foca exclusivamente nos
fenômenos traumáticos – que podemos chegar a uma conceitualização integrada do abuso
sexual infantil de suas sequelas e de seu tratamento”. Eu também anteciparia que podemos
atingir um tratamento efetivo e curar esta ferida através da combinação de outros conceitos e
de práticas terapêuticas emergentes, como a Ciência de Cura de Barbara Brennan e o EMDR
(Desensitização e Reprocessamento dos Movimentos Oculares), e de terapias que incluem
trabalhos corporais.
Ainda de acordo com Davies, o interesse no impacto do trauma na psicologia individual e na
fisiologia data de pelo menos tão cedo quanto os trabalhos de Pierre Janet acerca da dissociação
(1889, 1894, 1898, 1907, 1911). Em paralelo ao que ocorria dentro do campo da psicanálise
após Freud ter repudiado a teoria da sedução, a maior parte do trabalho no campo do trauma
foi suspensa por muitos anos após a publicação das contribuições de Pierre Janet. A atenção ao
assunto foi resgatada em meados dos anos setenta, com o foco em traumas de guerras, após a
Guerra do Vietnã. Além disso, pesquisadores do trauma investigaram as sequelas traumáticas de
eventos como o Holocausto, o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, desastres naturais
e desastres provocados pelo homem, ciúmes, estupros, e, mais recentemente, abuso infantil,
incluído aí o abuso sexual. É interessante perceber que os sobreviventes de traumas muito
diversificados apresentam e compartilham entre si muitas sequelas agudas e de manifestação
de longo prazo, sugerindo que existem alguns padrões de resposta ao choque e ao trauma que
são típicos de nossa espécie. Os resultados dessas pesquisas acerca do trauma produziram o
conceito de DSPT ou TEPT – Desordem do Estresse Pós-Traumático ou Transtorno do Estresse
Pós-Traumático. Mais recentemente, Herman (1992) propôs uma nova categoria, DEPT
complexa, reservada para os sobreviventes de trauma prolongado e repetido, tal como o que
abate reféns, prisioneiros de guerra, mulheres que apanham e sofrem de violência doméstica, e
vítimas de abuso físico ou sexual infantil. E diz mais: trauma sexual infantil repetido afeta cada
aspecto do funcionamento de um indivíduo - aspecto cognitivo, afetivo, auto-experimental,
relacional e comportamental. Francine Shapiro, em sua teorização acerca do EMDR, refere-se
àqueles eventos percebidos como ameaçadores à existência (combate, crimes, sequestros,
desastres naturais) como “T” , trauma com letra maiúscula. Os sintomas de TEPT abrangem duas
classes de comportamentos simultâneos e diametralmente opostos. Em um tipo de classe, a
pessoa traumatizada não consegue afastar-se de seu trauma: é forçada a reviver o evento
original através de sintomas intrusivos, como flashbacks (memórias retrospectivas que retornam
involuntariamente), pesadelos, ataques de pânico e pensamentos obsessivos. Na outra classe, a
pessoa não consegue aproximar-se da memória traumática: é compelida a insular-se de tudo
aquilo que relembra o trauma através de sintomas de evitação tais como o isolamento social, o
anestesiamento e entorpecimento emocional, bem como o abuso de substâncias químicas. As
vítimas também apresentam reações fisiológicas, tais como insônia, hipervigilância, e a
tendência de serem facilmente ativadas e disparadas para a desorganização e desestruturação
por qualquer coisa que possa relembrar o evento traumático, tais como um som ou um toque
particular. Shapiro diferencia o “T” dos “t” (traumas com letra minúscula) à medida que estes
últimos ocorrem nas experiências inócuas porém aborrecedoras do cotidiano da vida.
O trauma psicológico possui um efeito desorganizador na capacidade do indivíduo para
processar códigos – através da assimilação e acomodação de algumas memórias do evento
traumático. Por definição, o trauma avassala e devasta. Parte do que é avassalado em uma
criança traumatizada é a habilidade de conter cognitivamente e de processar a enormidade da
traição relacional e a usurpação física com a qual ela se defronta. A codificação da memória
envolve o sistema taxonômico, o qual codifica a informação de acordo com a qualidade, e
também envolve o hipocampo, o qual amadurece mais tarde e localiza as memórias no tempo e
no espaço. Estresse severo ou prolongado suprime o funcionamento do hipocampo e fortalece o
sistema o sistema taxonômico, levando a uma codificação des-simbolizada e desprovida de
contexto das experiências traumáticas, a qual torna as memórias indisponíveis para posterior
resgate linguístico. O(a) terapeuta deve permitir o(a) sobrevivente adulto a reviver
sensomotoramente as memórias traumáticas, através da memória corporal, e deve auxiliar o(a)
paciente a simbolizar essas memórias pela primeira vez. São cruciais a abreação e as descargas
sensório-motoras, assim como a transformação e a integração simbólicas. Obviamente, a
simbolização pode somente proceder do ato de reviver a experiência ou partes dela. Todavia, o
reviver abreativo sem simbolização e integração é retraumatizante. Entre outras coisas, ele
engendra hiperativação e hiperestimulação fisiológica sem a compensatória estruturação da
experiência.
Davies também apontou que os(as) sobreviventes possuem uma habilidade bifurcada para
fantasiarem. Com frequência o(a) paciente é capaz de engajar-se na transformação sublimatória
de fantasias sobre aspectos de sua vida, tais como trabalho, que são associativamente
desengajados da história traumática. Nestas áreas o(a) paciente pode usar a fantasia para
planejar, para exercitar a solução de problemas e para experimentação geral. Quando a
atividade mental volta-se para áreas da vida ligadas com traumas anteriores (relações sexuais ou
a expressão da agressão diante de figuras de autoridade) então descobrimos os padrões
bifásicos. O (a) paciente é alternativamente avassalado e dominado por versões não
simbolizadas do trauma e então se defende rigidamente, e desliga-se de qualquer atividade
mental. Em adição ao impacto sobre a memória e sobre a fantasia, também resulta em uma
constelação de sintomas cognitivos, incluindo esquematizações cognitivas inflexíveis,
pensamentos intrusivos, flashbacks traumáticos, atribuição incorreta de culpa e de
responsabilidade para eventos passados e presentes, e um sentido de futuro abreviado.
As pesquisas acerca do trauma tem identificado um padrão de resposta afetiva
característico de sobreviventes de traumas psicológicos de todos os tipos. O padrão é marcado
pela alternância do(a) sobrevivente entre estados de anestesia afetiva e estados de intensa
hiper estimulação afetiva. A incapacidade para modular estímulos em geral leva a descargas
motoras inapropriadas ou a uma ansiedade intolerável quando o indivíduo está super
estimulado ou super excitado, e a uma semelhantemente inapropriada constrição emocional e
psicomotora no estado de entorpecimento psíquico. O(a) sobrevivente incapaz de discernir
entre graus reais de raiva responde a muitos fatores estressantes com hiper estimulação
automática, a qual pode resultar em reações comportamentais aparentemente inexplicáveis,
tais como ataques temperamentais ou retirada súbita causada por estados aterrorizados.
Pesquisadores sugerem que neurotransmissores e opióides endógenos também estão
envolvidos na incapacidade do(a) sobrevivente de traumas em modular estímulo e resposta
afetiva. Por exemplo, o esgotamento das neropinefrinas e da dopamina, resultantes do estresse
inescapável, deixa o indivíduo traumatizado psicologicamente hipersensível a estímulos
posteriores. Além disso, organismos sujeitos a estresse prolongado desenvolvem uma
dependência fisiológica de analgesia resultante da liberação de opióides endógenos que são
estimulados pelo trauma. Isso pode levar a uma busca ativa por estímulos estressores a fim de
atingir-se um estado de calma restauradora, ou mesmo de entorpecimento. À medida que o
efeito dos opióides endógenos diminui, o organismo sofre de sintomas consistentes com o
efeito de abstinência de opióides, incluindo ansiedade ou demonstrações agressivas.
-IV – O conceito de Ferenczi sobre trauma no abuso sexual infantil
Destaco a teoria da sedução de Ferenczi devido a seu claro entendimento e em decorrência
de suas aplicações terapêuticas, as quais estão à altura dos conhecimentos disponíveis
atualmente. A primeira imagem de Ferenczi acerca do trauma é a da catástrofe, o que coincide
com as descobertas das pesquisas recentes. O principal ponto de sua teoria encontra-se em seu
texto “Confusão de linguagens entre adultos e a criança”, no qual ele opta pelas palavras paixão
e ternura para lidar com as diferenças e confusões de linguagens entre adultos e crianças. A
palavra paixão é por ele utilizada significando algo excessivo, uma expressão adulta que está
conectada à genitalidade enquanto modo de erotização de seu próprio corpo e do corpo da
criança, uma sensação que a criança ainda não conhece. O adulto perde seus limites, tornandose “ de um certo modo enlouquecido”. Ferenczi refere-se, por um lado, a um comportamento
passional de um adulto louco ou enlouquecido e, por outro lado, à ternura da criança. “Se nesse
momento de ternura é imposto à criança mais amor ou um amor diferente daquilo que ela quer,
isto pode trazer consequências patogênicas , mais ainda do que uma privação de amor pode
causar. A consequência pode ser a confusão de linguagens”. Conectada a esta “confusão” estão
a culpa, a vergonha, a identificação com o agressor, a divisão do ego e a dissociação, o segredo e
a imposição do sigilo e do silêncio, a negação e a falta de confiança.
Ferenczi considera a negação crucial para este trauma, a qual é enfrentada pela criança
repetidamente: pelo perpetrador, que necessita manter tudo relacionado ao evento em segredo
e pelo(a) adulto(a) que irá escutar seu relato e considerá-lo-á uma fantasia ou um a mentira. A
negação dos adultos interdita o processo de introjeção pela criança. A criança somente pode ter
sua própria palavra quando intermediada por uma relação com um adulto. Ela toma
emprestadas as palavras dos adultos e ela as dirige a estes a fim de obter uma confirmação e
aprovação. É através do adulto (apoiando as introjeções) que a sua fala é autorizada a existir. No
abuso sexual ela não compreende o que aconteceu porque lhe falta a correta percepção do que
foi feito a ela. O adulto escutará, geralmente tratando seu relato como uma ficção e não como
um evento real, porque é difícil para o adulto sentir-se a si mesmo confrontado com o trauma.
Outro aspecto importante é o efeito surpresa do evento para a criança: primeiramente, ter que
lidar com um evento nunca antes encarado, uma linguagem adulta de paixão desconhecida por
ela; em segundo lugar, lidando com a culpa do adulto, a qual ela não pode captar ou entender; e
em terceiro lugar, lidando com a reação dos outros adultos quando lhes fala sobre o evento.
Freud enfatiza o efeito-surpresa como a chave para a constituição do trauma.
A culpa do adulto obrigará a criança a sentir-se culpada acerca de alguma coisa
desconhecida para ela que ela não percebe como má. A culpa do adulto vem do ato proibido, a
despeito da perpetração. O ato proibido é um ato sexual com uma criança inocente que não
pode entender o que aconteceu e que não possui essa interdição enquanto inscrição ou
gravação no seu entendimento. Este é o contexto da “confusão de linguagens” de Ferenczi: a
idealização do adulto mantida pela criança na esperança de introjeções e a divisão da
representação objetal. Quando as introjeções ficam impossibilitadas a criança estará tomada de
desespero e terá de abandonar o objeto idealizado sentindo-se envergonhada por ter sido
maltratada . A fim de preservar-se de ter de abandonar o objeto ela irá cindir-se a si mesma. É
menos doloroso para a criança tornar-se culpada do que perder o adulto idealizado. O ego tem a
função de antecipar a representação do mundo, a fim de evitar surpresas e, portanto, propiciar
e favorecer a unidade narcísica. Na experiência traumática o adulto não assume a função do
objeto de introjeções e a criança não pode representar o evento. Confrontada com a negação a
criança fica confusa: é o adulto confiável ou não? É mais seguro aceitar o sentimento de culpa
ao invés de encarar a impossibilidade de introjeções que representam para ela o risco de
aniquilação. O agressor invade o espaço do ego, assumindo o discurso da criança: dá-se a
identificação com o agressor. De acordo com Teresa Pinheiro, a “confusão de linguagens” é
também responsável pela interdição de transmissões de todos os tipos – as regras e tabus
impostos pela sociedade cujo transmissor é o adulto. No abuso sexual, este adulto, que é
responsável por garantir o respeito à lei, é quem viola a lei. A referida autora também afirma
que a complexidade dos sentimentos do adulto suplanta a capacidade da criança em absolvêlos. Algo proibido foi cometido. A magnitude desta interdição está implícita, já que ninguém
acredita na criança. O protótipo de toda a confusão é “sentir-se perdido(a)” quanto a poder
confiar em uma pessoa ou em uma situação. Sentir-se perdido(a) é sentir-se preso(a) em uma
armadilha. A confusão corresponde ao momento entre a surpresa e a nova adaptação.
V – Efeitos retardados do abuso sexual
a.
Tumulto psíquico e Cisão - Ferenczi descreve-o enquanto um estado póstrauma, quando a criança está “fora-de-si-mesma”. Os sintomas deste estado consistem em:
ausência de reação de sensibilidade, cãibras musculares, paralisação generalizada, estado de
congelamento, sensação de estar fora do corpo. O sofrimento é tão enorme que é necessário
criar uma ferramenta emergencial para enfrentar a catástrofe iminente. O tumulto psíquico
opera entre dois momentos: o evento do trauma e o restabelecimento do equilíbrio. Tais
movimentos, disparados por um sofrimento extremo, têm o objetivo de apagar o evento.
De acordo com Ferenczi, a criança transforma seu corpo em um campo de batalhas a fim de
cessar o ato de pensar. Já que se pode tolerar a dor física mais facilmente que a dor psíquica, o
corpo torna-se o lugar do sofrimento. Dessa forma, o corpo, devido a seu caráter mecânico,
concreto e visível, permite um entendimento da extensão da agonia. Ao transferir o que
aconteceu no íntimo para o corpo, a psique pode obter a distância necessária pra encontrar
uma finalização da dor. O corpo mostra aos demais ao redor aquilo que está acontecendo, na
esperança de que alguém possa vir e auxiliar. O corpo abandonado, aparentemente desprovido
de vida, permanece paralisado, desprovido de sensibilidade, fazendo contrações de um modo
mecânico. A reclusão e recuo foram necessários para sair de si mesmo(a); foi denominada por
Ferenczi de “alucinação negativa”.
b. Alucinação negativa - De acordo com Pinheiro, a noção de ser uma vítima ou um objeto
de agressão desaparece através desta alucinação. Ao fundir-se com o agressor, tornando-se a
criança o agressor, ela é o agente do evento, e não o paciente passivo. Tornando-se seu próprio
agressor a criança protege a si mesma da ideia de ser ferida por um adulto idealizado. A
inversão da situação permite à criança retornar à condição anterior ao trauma. Incorporar a
culpa do agressor significa não somente proteger o agressor adulto de toda a responsabilidade,
mantendo o objeto idealizado, mas igualmente significa evitar a dor psíquica de ter sido um
objeto receptor de agressão. Pinheiro também afirma que a criança não é mais dependente de
um objeto intermediador, um mediador, e transforma a ausência desagradável no prazer de
tornar-se a si mesmo no objeto mediador para o adulto. Ela está condenada a cuidar dos adultos
que a cercam. A criança, através desse exercício de maternagem, tem o prazer de sentir-se a si
mesma como uma vencedora. O sentimento maternal é uma mensagem falsa. Uma introjeção
que de fato nunca realmente aconteceu. Sabedoria é a característica da parte de si mesma que
se torna adulta e protetora. Esta sabedoria é o embrião do ego que deve manter sua psique e
sua ternura interior e que deve preservá-la de invasões. A inteligência é uma palavra menor
para tão enorme trabalho: a sabedoria de estar dentro e fora ao mesmo tempo. De um lado, o
ego cindido tem sabedoria e culpa, e de outro, tem ternura, compondo dois seres no mesmo
corpo. Desprovida de uma inscrição psíquica o corpo mantém-se em seu domínio sensório e
quando a esfera psíquica fracassa, o organismo começa a realizar e a expressar o pensamento. O
trauma passa a ser feito de carne – símbolos mnêmicos corporais. Ferenczi escreveu: “A
memória é comprimida no corpo e somente é lá que ela pode ser evocada e despertada. Não há
justificativa para requisitar a recuperação consciente de algo que nunca foi consciente ou nunca
esteve conscientizado. É importante que o corpo possa expressar-se de uma maneira que
reconheça que o evento traumático deu-se no passado. A falta de memória do(a) paciente vibra
em algum lugar do corpo sem contudo encontrar alguma tradução possível para seus conteúdos
e discurso”. Quanto ao tópico da dissociação adulta, Sue Blume afirma que, durante a época do
evento traumático, muitos sobreviventes fizeram um esforço consciente de separarem-se do
que estava ocorrendo em seus corpos. O(a) sobrevivente adulto(a) de incesto pode perder o
controle desta técnica e “cindir-se” quando experiencia estresse ou em resposta a alguma
experiência que lhe recorde o incesto. A dissociação pode facilmente tornar-se aterrorizante,
fora de controle. Ela pode fazer com que qualquer um(a) se sinta insano(a), e geralmente leva
ao diagnóstico equivocado de deserdem de personalidade limítrofe ou de esquizofrenia.
Diferentemente da repressão, que é uma divisão horizontal no âmago dos conteúdos mentais
conscientes e inconscientes, a dissociação envolve uma cisão vertical do ego que resulta de dois
ou mais estados do self que são mais ou menos organizados e que funcionam
independentemente. Tais estados dissociados estão indisponíveis para o resto da personalidade
e não podem estar sujeitados a operações psíquicas de elaboração. Eles tendem a tornar sua
presença sentida através da emergência de imagens intrusivas recorrentes, representações
violentas ou simbólicas, sensações somáticas inexplicáveis, pesadelos recorrentes, reações
ansióticas e condições e desordens psicossomáticas. De fato, a literatura sobre o trauma
(Spiegel, 1986) sugere que, frequentemente, é somente quando o(a) sobrevivente adulto(a)
pode suportar readentrar no estado afetivo de confusão primitiva, quando pode sentir a
aniquilação iminente , assim como sentir o desamparo, que as memórias traumáticas podem
ser resgatadas e clamadas, e serem codificadas simbolicamente pela primeira vez, e assim
integradas nas consciência do paciente adulto.
c. Demais efeitos retardados – Outros autores, tais como Davies, Blume e Adams,
forneceram-nos uma muito enriquecedora lista de sintomas pós-traumáticos: a criação de
fantasias, identidades, mundos amigáveis ou alter-egos; depressão; suicídio; dificuldade em
recordar-se de certas experiências. Blume enfatiza que uma resposta específica a ameaças e a
favores revela a verdadeira culpa do(a) sobrevivente. Em sua culpa, ele/ela move sua raiva
contra si mesmo(a), removendo-a de seu abusador(a) e culpando-se a si mesmo(a). Estas
circunstâncias combinam-se com a vergonha, que também é intrínseca ao abuso sexual. A
vergonha da vítima é exacerbada pela necessidade da manutenção do segredo quanto ao
ocorrido, manifestada pelo abusador, que fala com a criança em termos de sussurros; ele faz o
que faz privadamente, atrás de portas trancadas; ele parece agitado caso exista a ameaça de
descoberta; e ele quer que ela não conte a ninguém, e assim a criança percebe que há algo sujo,
mau e constrangedor naquilo que estão fazendo. Mais tarde ela irá associar este sentimento
com o que ela sente ao pensar em ser descoberta enquanto ela estiver experimentando
sexualmente com seu próprio corpo ou com um parceiro de sua escolha; sexo pode ser sujo em
todas suas formas.
O segredo é a mola mestra do abuso sexual; ele é imposto pelo perpetrador através de
ameaças e promessas que garantem a aquiescência da criança. Em decorrência de sua baixa
autoestima e falta de assertividade, o sobrevivente de incesto não pode entender quando
outras pessoas saem de suas trajetórias e rotinas somente para ajudá-la fazendo algo por ela
sem esperar nada em retorno. Muito mais difícil é conseguir pedir algo. Um desejo de ser
invisível também começa com o abuso: “Se ela for invisível talvez o abusador não irá molestá-la.
Ela espera ser invisível aos olhos dos outros, o que pode impactar as relações duradouras. Um(a)
sobrevivente de incesto pode , ao invés disso, tentar ser perfeito(a), uma supercompensação
para sua negativa visão de si mesmo(a), uma forma de encobrir sua falta de autoestima, ou
então ser perfeitamente mau(má), rebelde, fora de controle.
Medo ansiedade, terror e fobias servem para proteger a vítima amedrontada. Blume
aponta outros medos: medo do escuro; medo da hora de dormir; medo de enclausuramento em
ambientes fechados. A criança não pode associar circunstâncias atuais com seu medo. Ela não
pode declarar que o mundo é inseguro porque não há evento associado com sua reação; seus
medos generalizam-se na imprecisão da ansiedade. Para o(a) sobrevivente de incesto o mundo é
um local perigoso, e ponto final. Ou ela(ele) entra em pânico, é acometido(a) por um excesso de
carga de adrenalina, com palpitações cardíacas, pulsação rápida, etc., ou ele(a) pode
experienciar agarofobia quando sentir-se totalmente desamparado(a). De acordo com Blume,
vícios e adições, comportamentos auto-mutilantes, desordens compulsivo-obsessivas, fobias e
ataques de pânico apresentam-se como sintomas independentemente, mas com certeza são os
primeiros aspectos a serem trabalhados. A autora afirma que “muitos clínicos negam a
existência comum da experiência de incesto porque simplesmente lhes falta o conhecimento
sobre as vastas consequências do incesto”.
Vícios e compulsões são outras formas de negar ou evitar a dor. Surtos bulímicos
(empanturrar-se e em seguida provocar vômitos) e anoréxicos (passar fome) entorpecem os
sentimentos do indivíduo, distraindo-o(a) do que quer que seja que ele(a) está tentando não
encarar.
Já nos casos de alimentação compulsiva a comida pode servir como um substituto para a
amizade ou para a nutrição emocional, pode servir de conforto ou recompensa, como uma
atividade enquanto alguém sente-se entediado, ou como um substituto de amor ou de atenção
que esteve faltando durante a infância. E os comportamentos obsessivo-compulsivos são tidos
como uma tentativa de controlar uma vida que é percebida como fora de controle. Outros
sintomas comuns incluem a vitimização, a autodestruição e a automutilação.
Bessel van der Kolk (1989) conclui que, em parte em decorrência dos déficits de apego e
da hiper estimulação crônica que decorre do abuso infantil, os sobreviventes adultos podem
requerer maiores doses de estimulação externa dos sistemas endógenos de opióides a fim de
neutralizar a hiperestimulação e atingir um estado de calma. Assim, eles desenvolvem uma
adição química e psicológica para com a exposição frequente a situações traumáticas que de
algum modo imita o viciado em drogas. Além da repetição compulsiva do trauma, as alterações
entre hiper estimulação e hiper excitação e entre entorpecimento psíquico, mediadas pelo
sistema neurobiológico resultam em mudanças de comportamento aparentemente
imprevisíveis. Quando na fase de hiper estimulação, um(a) paciente normalmente plácido(a) e
retraído(a), pode tornar-se abertamente agressivo(a) , lançando ataques verbais ao terapeuta
ou a outrem, e apresentando efeitos de descargas motoras. O(a) mesmo(a) paciente, quando
em estado de entorpecimento, pode tornar-se rígido(a), retraído(a) e virtualmente sem resposta
às tentativas de estabelecimento de contato.
Em função de, em geral, as histórias de incesto serem difíceis, e de frequentemente
permanecerem ausentes da memória explícita, Blume nos oferece alguns sinais de alerta
quanto à presença de efeitos retardados, os quais, de acordo com a autora, são indicadores de
incesto ou de outro abuso ou de trauma severo. Específico ao incesto, ela lista o
comportamento automutilador, um histórico de representação de papéis sexuais,
promiscuidade, ou desejo sexual inibido. Ela desenvolveu uma lista de checagem, para além dos
sintomas de TEPT (transtorno de estresse pós-traumático), que pode auxiliar a identificar o
sobrevivente de incesto. Finalmente, podemos encontrar uma variedade de sintomas físicos que
são relacionados a problemas corporais e a dificuldades sexuais. O corpo que atrai o
perpetrador é projetado a dar prazer aos outros à custa do conforto do(a) sobrevivente. Ódio
contra si mesmo(a), vergonha, feiura e alienação são efeitos e atitudes comuns com relação a
seu corpo.
VI - Energia, Libido, Energia Criativa
Antes de adentrarmos na esfera dos efeitos retardados e da cura sob uma perspectiva
energética, gostaria de apresentar um panorama da evolução dos estudos científicos acerca dos
campos de energia no Universo. No século XIX as descobertas físicas sobre a termodinâmica
influenciou as mentes científicas. Enquanto estudava no laboratório de Ernst Brücke, médico e
anatomista alemão, Sigmund Freud foi apresentado às ideias da termodinâmica de Johann
Friedrich Herbart, filósofo alemão com trabalhos relvantes no campo da filososfia espiritual. Na
época de herbart a energia temporal e as forças eram às vezes utilizadas como se se tratassem
de coisas assemelhadas. Naquele tempo muitos cientistas utilizavam os conceitos de força e
poder significando energia, e assim o fez Freud: “Se a libido é geralmente descrita enquanto
uma energia de instinto sexual, nos escritos de 1926 ela era explicada enquanto uma
manifestação da força de Eros.” Herbart desenvolveu uma doutrina justapondo as noções de
representação, instinto e repressão, baseado na idéia de um inconsciente com uma dinâmica
própria, o que inspirou os primeiros tópicos de Freud.
Reich estava determinado a descobrir a natureza física da energia libidinal proposta por
Freud. Ele realizou algumas experiências e empenhou-se em vários experimentos a fim de medir
os componentes elétricos de várias formas de interação sexual. Outras pesquisas subsequentes
levaram à descoberta do “bion” – unidades básicas de energia vital – e inaugurou um novo
campo de estudos: a biofísica e a energia vital do orgone. A teoria do orgone estabelece que o
orgone é encontrado na atmosfera, penetrando em todos os espaços enquanto “éter”; é
absorvido por todos os organismos e é responsável pelo movimento – expansão e contração –
de todos os seres viventes. A energia do orgone flui através dos organismos vivos, criando um
campo energético em torno deles, e pode ser transmitida de uma organismo para outro - por
exemplo, através do toque de mãos de humanos para humanos. Ela governa o organismo em
sua totalidade e se expressa nas emoções e nos movimentos biofísicos. No orgasmo sexual dá-se
uma grande descarga de orgone cuja função biológica é a de restaurar e equilibrar
energeticamente o organismo. Se acaso o fluxo de orgone encontra-se bloqueado de modo
antinatural, doenças podem aparecer. A energia do orgone é difícil de ser mensurada porque ela
não possui nem inércia nem peso. Ela pode ser encontrada em todo o lugar, mesmo no vácuo.
Ela é o meio que propicia as atividades eletromagnéticas e gravitacionais e o meio no qual a luz
se move. Está em constante movimento e pode ser observada através de certas condições.
Contradizendo a lei da entropia, de acordo com a qual o calor e a eletricidade manifestam seus
fluxos das potências mais elevados rumo aos potenciais mais baixos, o fluxo do orgone vai dos
potenciais inferiores rumo às potências mais elevadas. Além disso, forma unidades ou entidades
cujos focos estão direcionados à atividade criativa e possui um ciclo de vida. A matéria é criada
através da energia orgônica. A energia orgônica é responsável pela vida, pois consiste na energia
vital, e nesta qualidade é a responsável por características especiais que diferenciam os seres
viventes dos não viventes. Reich concentrou seu foco na função energética do orgasmo, a qual
ele considerava a energia chave para a regulação bioenergética, através da qual é descarregado
o resíduo da energia vital não consumida em outras atividades. Além disso, ele considerava que
o orgasmo poderia trazer uma sensação de bem-estar e de prazer que tornam a vida agradável.
Ele também considerou que a descarga da energia excedente é necessária para atingir-se um
orgasmo saudável. Ele acreditava que orgasmos inadequados iriam acumular a energia
excedente no corpo, o que poderia produzir efeitos colaterais e doenças. As conclusões as quais
Reich chegou após város experimentos são que todos os organismos vivos são feitos de uma
estrutura de membranas que encapsulam e contém uma quantidade de orgone nos fluidos
corporais – ou seja, são constituídos por um sistema orgônico. Ele concluiu, igualmente, que a
energia está presente em todos os organismos, que a absorvem da atmosfera. Reich definiu a
diferença entre eletricidade e orgone: a primeira é bipolar, constituída de movimentos rápidos e
angulares; a segunda é unificada, constituída de movimentos lentos e ondulantes.
Barbara Brennan sustenta uma visão holográfica do universo, de acordo com a qual todas
as coisas estão interconectadas. Ela também defende a idéia de que somos compostos por
campos energéticos, cada peça representando uma representação exata do todo, a qual pode
ser utilizada para reconstruir o holograma em sua inteireza. Em adição aos conceitos de Reich, a
visão científica de Brennan é também apoiada pelos progressos científicos da Física moderna,
cujos conceitos mais relevantes são:
• o universo está preenchido por campos que criam força e interagem uns com os
outros – explicando nossa capacidade de afetar-nos mutuamente à distância;
• o espaço não é tridimensional, e o tempo não é uma entidade separada. Ambos
estão intimamente conectados e formam um continuum quadrimensional
“tempo-espaço”. Não existe um fluxo universal de tempo, ou seja, o tempo não é
linear nem absoluto. O tempo é relativo. A matéria e a energia são
intercambiáveis. A matéria é completamente mutável, e, no nível subatômico, a
matéria não existe em graus de certeza em espaços definidos, mas, ao invés disso,
apresenta uma “tendência” a existir. A massa não é nada mais que uma forma de
energia, energia lentificada e cristalizada. Nossos corpos são energia.E, ainda
assim, estas “partículas subatômicas” estão conectadas de uma maneira que
transcendem espaço e tempo, de forma que qualquer coisa que acontece com
uma partícula afeta outras partículas imediatamente e não necessita de “tempo”
para ser transmitida.
A ressonância mórfica dos campos energéticos, a conecção superluminosa na qual as
coisas ou eventos estão mais “correlacionadas” em um nível mais elevado da realidade vibrando
em frequências acima da nossa, e o campo áurico são outros conceitos trabalhados por
Brennan. Nossos corpos superiores são de uma ordem/frequência mais elevada e estão mais
conectados aos corpos superiores dos outros do que estão nossos corpos físicos. À medida que
nossa consciência avança rumo a frequências mais elevadas nós nos tornamos mais e mais
conectados, até eventualmente sermos unos com o Universo.
Barbara Brennan define o Campo da Energia Humana (CEH) enquanto todos os campos e
emanações que formam o corpo humano. Muitos de seus componentes têm sido medidos em
laboratório, como componentes eletrostáticos, magnéticos, eletromagnéticos, sônicos, termais
e visuais.
Os campos energéticos são os veículos para o processo criativo. É através dos campos de
energia que as situações da vida, os eventos e as experiências , assim como o mundo material,
são criados. As forças criativas possuem várias dimensões. Nossa linguagem é muito limitada
para descrever adequadamente as diferenças nestas dimensões. Na perspectiva de Bárbara,
existem pelo menos quatro dimensões dentro de cada ser humano: a física, a áurica, a hárica e o
nível da estrela do âmago.
A primeira dimensão: O mundo físico é mantido intacto pelo subjacente mundo da
energia e da consciência.
A segunda dimensão: Composta pelos campos de energia nos quais existe a aura ou o
Campo de Energia Humana. Tudo o que é criado no mundo físico deve primeiro existir ou ser
criado no mundo dos campos da energia da vida. Esta dimensão carrega as energias de nossa
personalidade. Cada sentimento que temos existe no nível dos campos da energia vital.
A terceira dimensão: O nível hárico é o nível no qual ancoramos nossas intenções e este
nível é muito importante no processo criativo. Quando temos intenções inconscientes,
mescladas ou opostas, lutamos contra nós mesmos e perturbamos o processo criativo.
A quarta dimensão: É a dimensão do núcleo central do nosso ser, o nível da estrela do
âmago ou a nossa fonte interna, a divindade localizada dentro de nós, a essência. É a partir
desta fonte interior que toda a criatividade brota do âmago.
O pleno processo criativo natural requer a emergência de energias e da consciência da
estrela do âmago, que perpassará todas as referidas dimensões. Considerando que o corpo
físico surge do campo energético, um desequilíbrio ou distorção neste campo irá eventualmente
causar uma doença no corpo físico. O processo criativo que se origina dentro do nosso âmago
sempre começa com dois ingredientes. O primeiro é a intenção positiva, ou intenção divina. O
segundo é o prazer positivo. Cada ato criativo toma o curso de sua jornada no físico; ele se
manifesta primeiramente enquanto consciência no âmago, depois enquanto intenção no nível
hárico, depois enquanto energias vitais no nível áurico e, posteriormente, irá manifestar-se no
universo físico. É com a “luz emergente” do nosso âmago que criamos nossa experiência em
todos os níveis dos nossos seres. Quando bloqueamos as energias criativas emanadas de nossa
estrela do âmago nós eventualmente criamos dor em nossas vidas.
Podemos deduzir quão danosa é a energia mal utilizada da criança abusada sexualmente,
resultando em bloqueios severos ao livre fluxo de sua energia criativa.
VII – Contemplando os efeitos retardados do abuso sexual na infância a partir da
perspectiva da Ciência da Cura
Uma criança com idade inferior aos sete anos ainda não possui todos os chakras e níveis
áuricos estruturados e desenvolvidos. Dessa forma, o impacto do abuso sexual em toda a
estrutura do modelo quadridimensional dos seres humanos – físico, aura e chakras, linha do
Hara e estrela do âmago – será de grande magnitude. Isto nos auxilia a compreender o motivo
pelo qual uma alto espectro de efeitos retardados são identificados nestes casos. O abuso
direcionado a uma criança que ainda não possui seu Campo de Energia Humana suficientemente
amadurecido, com limites e fronteiras energéticas estruturadas, inevitavelmente resultará em
graves efeitos para seu desenvolvimento físico, psíquico, emocional e espiritual. A energia da
estrela do âmago não pode fluir de seu modo natural e algumas formas de suas manifestações
criativas não podem ser expressas. O dano está lá. Na observação clínica torna-se fácil entender
por que encontramos tantos desequilíbrios nos chakras e nos níveis do campo, tais como:
No primeiro chakra, o giro é afetado, ou o chakras é dilacerado, resultando em pouca
quantidade de energia física. A disposição para viver na realidade física é afetada, resultando na
falta de enraizamento e de assentamento, no enfraquecimento da energia e na depressão. A
defesa de retirada e de recuo do(a) sobrevivento , e seu comportamento evitativo de atividades
físicas, tornam dificultada a recarga dos chakras. O chakra pode estar dilacerado , demandando
reestruturação de chakra. Tais aspectos abrem o acesso para a entrada de doenças. O prazer
físico, a saúde e as sensações são afetadas.
No segundo chakra (2 A) , os atos de dar e receber prazer e preenchimento e plenitude
são seriamente afetados. O dano pode ser expresso ou através da evitação ou do uso extremo
das atividades relacionadas a este chakra, com o risco de infligir danos. Este desequilíbrio
reforça a separatividade e inibe a experiência de unidade. No chacra 2 B, a força sexual pode ser
fraca, com a tendência de evitação das atividades sexuais e de nutrição insuficiente nesta área.
O(a) sobrevivente não recebe a nutrição psicológica a partir da comunhão e do contato corporal
com outro ser. Ou, ao contrário, o(a) sobrevivente pode ficar com sobrecarga nessa área,
resultando em uma sexualidade distorcida e sem amor. O relacionamento com o próprio self é
afetado como resultado da falta de autoaceitação, baixa autoestima e problemas com as
relações sexo-afetivas.
O chakra 3 A também é profundamente afetado em seu funcionamento do entendimento
mental das emoções e da definição da realidade, tornando a vida uma experiência avassaladora.
A membrana protetora sobre este chakra pode estar dilacerada, levando à perda de controle,
com grave externalização descontrolada das emoções. Em casos de giros fechados, os
sentimentos podem ficar bloqueados, assim como a consciência do significado das emoções,
desconectando e dissociando o (a) sobrevivente de seu self e de sua singularidade. O terceiro
chakra é um importante centro de conectividade, que em caso de abuso ficará severamente
afetado, criando um bloqueio entre o coração e a sexualidade, e separando as suas funções.
Este chakra está associado com o prazer e a expansividade, com a sabedoria espiritual e com a
consciência da universalidade da vida e com a consciência de quem somos nós. Todos esses
aspectos ficam distorcidos na pessoa vítima de abuso, sendo que o que, todavia, permanece
fortemente preservado com relação às funções deste chakra é o funcionamento da mente
racional.
A disfunção do chakra 3 B transforma em uma tarefa muito difícil para o(a) sobrevivente
manter a intenção direcionada ao cuidado pessoal e à saúde física.
O entendimento claro, racional e linear dos eventos, sobretudo aqueles eventos
relacionados aos aspectos emocionais, permanecem confusos e obscuros.
O quarto chakra, o chakra do coração, também irá afetar o fluxo da energia do quarto
nível, a conectividade com outros e a habilidade de amar. A abertura para a vida e para o amor
aos outros é distorcida, criando dificuldades nos relacionamentos. O chakra 4 B , que comanda
a vontade do ego e a ação no mundo físico, fica afetado, devido à cisão egóica. Às vezes a
pessoa tem a percepção de que as pessoas estão contra a sua vontade, ou percebe o universo
enquanto um lugar hostil no qual somente potentes agressores sobreviverão. O(a) sobrevivente
possui um desequilíbrio de poder, por vezes sentindo-se muito poderoso(a) , por vezes
sentindo-se muito fraco(a).
No quinto chakra são afetadas as funções de assimilação e de aceitação, o que representa
dificuldades em tomar responsabilidade pelas necessidades pessoais, preenchimento e nutrição.
Em decorrência do abuso, o(a) sobrevivente tem uma expectativa negativa sobre o que está
vindo em sua direção, em geral encarando o que chega enquanto uma hostilidade, violência ou
humilhação, ao invés de amor ou nutrição. A aceitação torna-se distorcida, prevalecendo a
postura crítica e as atitudes de culpabilizar os outros. A autoaceitação também é distorcida.
No chakra 5 B o aspecto de uma expressão profissional , que não é profundamente
afetado pelo trauma, parece preservado, considerando-se que o fluxo de energia criativa pode
perpassá-lo. Contudo, pode também ainda ocorrer uma sensação de não se perceber enquanto
uma pessoa verdadeiramente exitosa e bem-sucedida. Orgulho, dor e desespero necessitam ser
liberados. Podem manifestar-se ou como medo do fracasso e podem revelar-se através da
necessidade de manutenção de segredos e de invisibilidade. Também nesse nível são
perturbadas a harmonia com sua intenção de falar e de agir de acordo com sua verdade interior.
No sexto chakra a habilidade da visualização e da compreensão de conceitos mentais é de
alguma forma preservada. Todavia, também pode se verificar uma habilidade para a geração de
ideias negativas, e para a criação de confusão e de desordem em suas próprias vidas. A
capacidade de colocar ideias em prática também parece manter-se preservada, porém quando
estiverem relacionadas a outros assuntos que não os assuntos emocionais. O sexto nível parece
permanecer preservado enquanto um lugar para ser utilizado para a trajetória para fora do
corpo, ou a uma busca de espiritualidade em oposição à vida material, que pode ser considerada
como má. Não obstante, o contato com a função de amor incondicional deste campo precisa ser
fortalecido a fim de trazer junto a função do amor incondicional para o mundo físico e para o(a)
sobrevivente.
Finalmente, no sétimo nível, em decorrência da cisão, existem dificuldades quanto ao
senso individual de inteireza, paz e fé e o propósito de sua existência. A integração entre os
aspectos físicos, emocionais, mentais e espirituais é afetada. O sentimento de serenidade é
afetado pela crença do medo da aniquilação, do abandono e da invasão, ou do opinar sobre si
mesmo, como se se tratasse de uma pessoa má. Considerando-se que aqui é o nível no qual
estão contidas todas as crenças, aquelas registradas pelo evento traumático do abuso devem
ser limpas e exigem “restauração de nível” (uma técnica de cura) a fim de auxiliar a pessoa a
liberar e transcender as velhas crenças.
De acordo com minha experiência, a descoberta corriqueira na prática clínica é a de que,
inicialmente, todos os chakras encontram-se completamente distorcidos e alteram-se durante o
decorrer do tratamento, porém desequilíbrios tendem a permanecer nos chakras 2,3,4,5 A , e
3B e 4B, por um certo período de tempo. Os últimos a serem estabilizados são o 2 A, o 4 A e o 3
B e 4B. O campo áurico tende a estar um tanto elevado ou suspenso, em decorrência de um
padrão predominantemente mental. Outra tendência é o vazamento da energia, existindo
buracos nos níveis estruturados, e também energia escura e suja nos níveis fluidos. Parece que
não somente a invasão, mas também as descargas emocionais rompem as camadas ou tramas
energéticas dos níveis estruturados. A maioria dos níveis do campo energético são
profundamente afetados enquanto consequência do abuso sexual. Os campos estruturados –
o1, o 3, o 5 e o 7 – apresentam suas linhas enfraquecidas, quebradiças ou quebradas, e algumas
vezes arregaçadas ou enroladas, necessitando serem carregadas e reestruturadas. O
fortalecimento de todos os níveis estruturados irá auxiliar o tratamento, pois proporcionará o
container depositário para a estruturação do ego, e tal fortalecimento também será de grande
auxílio geral, ao permitir que os níveis fluidos do campo da energia humana – os níveis
emocionais – sejam limpos e adequadamente envoltos por estruturas que lhes ofereçam a
moldura de suporte apropriada. Nos(as) sobreviventes de abuso os níveis emocionais são
repletos de nuvens e de muco áurico – de cores acinzentadas ou de cores escuras, em
tonalidades que evocam detritos, e às vezes de cores pálidas. A limpeza e a retirada da energia
obstruída ajudará a pessoa a clarear os sentimentos negativos, derivados do evento traumático,
que ela ainda mantém em seu campo áurico.
Considerando o modelo de Estrutura de Caráter utilizada por Bárbara Brennan, a
combinação mais comum encontrada em clientes com este tipo de traumatização é a
Esquizoide, Oral e Masoquista/Psicopática. A esquizoidia, ocorrida em função do medo de
aniquilação poderá ou não recobrir uma nova ferida. Ferenczi descreve a comoção psíquica após
o trauma como uma criança “fora-de-si-mesma”. A oralidade vem com o medo do abandono,
predominantemente pela mãe, com enfraquecimento de energia. E a característica masoquista ,
em função do medo da invasão, de ser utilizada para preencher as necessidades de outros, de
ser controlada por outros, conforme Ferenczi se refere à invasão do ego da criança pelo
agressor. O encolhimento pela defesa psicopática dá-se em função do medo da traição e de uma
defesa agressiva que parece emprestada da identificação com o agressor, e pode auxiliar a
ameaçar e a manter distante o invasor. O caráter rígido pode manifestar-se ou como sendo
apenas uma cobertura para as defesas principais, já que não se encontra refletido no todo da
estrutura corporal, ou somente em algumas partes enquanto músculos espásticos, ou pela
presença de defesa energética de armadura de rede, etc. Este fica mais evidenciado nos níveis
mentais, vindo em auxílio para a pessoa em seus esforços empreendidos através do
entendimento mental, e igualmente para auxiliar o(a) sobrevivente a evitar a desintegração
psíquica. De uma maneira geral, verifica-se um fluxo altamente complexo percorrendo todos
esses sistemas, e parece ser uma tarefa monumental para o(a) terapeuta não cônscio(a) da
magnitude deste tipo de trauma.
E, finalmente, encontramos a linha do Hara afetada, entortada, enfraquecida por
interrupções que impactam o fluxo de energia na corrente vertical, na conexão com a energia da
Terra, na intencionalidade e na tarefa de vida.
VIII – Esperança e Cura
A conclusão de Davies é a de que a Psicanálise tem progredido quanto a seu
entendimento do tema, porém uma combinação dos conceitos das respectivas abordagens de
todas as correntes de pensamento no campo psicanalítico, adicionada do domínio de uma
literatura específica sobre o trauma, será necessária para lidar com todos os aspectos do trauma
precoce de abuso sexual.
A abordagem da Ciência de Cura de Barbara Brennan, através de seu Modelo das Quatro
Dimensões, trabalha com a cura nos níveis físico, áurico, hárico e da Estrela do Âmago. Como ele
funciona? A cada vez, desde a infância, quando paramos o fluxo de energia em um evento
doloroso, nós congelamos em termos de energia e tempo. O trabalho de cura é um trabalho que
envolve a liberação dos pequenos blocos de tempo psíquico congelados. Fruto da ativação
inerente ao trauma, a energia aumentada liberada para dentro do campo áurico, por sua vez,
automaticamente começa a liberar os outros pequenos segmentos de conglomerados de tempo
porque estes comportam-se tal como a energia. Uma vez que estas partículas da psique humana
– que não foram amadurecidas com o resto da personalidade – são liberadas, elas iniciam um
processo de maturação que pode levar de poucos minutos até alguns anos, dependendo do
quão profundo, forte e permeável foi o impacto da/na energia-consciência. Estas energias são
integradas através do Campo da Energia Humana e são liberadas para retornarem ao processo
criativo. A forma de relembrarmos quem somos, de criar nossas vidas do modo que queremos
que elas sejam, preenchidas de saúde e de um senso de segurança, é conectarmos outra vez
com nossa essência. O modo de realizar isso é encontrar e observar nossas imagens e liberar os
conglomerados de Tempo Psíquico (as cápsulas de tempo) a ela associadas, de forma que
possamos ir para a fonte de todas as imagens, a nossa ferida original. Significa ir através e
atravessar nosso sistema de defesas e clarear os sentimentos negativos e todas as camadas de
dor imaginadas em torno da ferida original.
Por que é a Ciência de Cura de Brennan efetiva no tratamento no tratamento do abuso
sexual precoce? Porque ela trabalha diretamente no Campo da Energia Humana, no corpo físico
e na inscrição sensorial – “os símbolos corporais mnêmicos do trauma”, conforme definido por
Ferenczi. Ela opera sem palavras e além de palavras que poderiam ser amedrontadoras para
uma pessoa cuja voz foi negada e vem sendo negada. Ela trabalha com o Campo da Energia
Humana e com o corpo físico, desbloqueando a cápsula temporal da experiência traumática,
trazendo-a para o fluxo do sistema. Consequentemente, a pessoa pode resgatá-la e integrá-la
para o interior de sua consciência, e então pode falar a respeito desta experiência. É também
efetiva porque pode fazer uma pessoa fora-do-corpo retornar a ele, restabelecendo o fluxo da
energia e a unidade, curando a cisão.
Uma vez que o (a) curador(a) tenha trabalhado com a energia em todos os níveis dos
campos sutis e nos níveis físico e celular do(a) paciente , pode vir a restabelecer seu contato
interno e seu pulso vital saudável, auxiliando a resolver a cisão e a separação interior. Além
disso, alinhando a intenção no nível do Hara, do amor e da conexão do coração, e ressoando a
qualidade de aceitação e de compaixão, a pessoa necessita curar a separação de seu self e o
mundo. O amor é a chave aqui, o antídoto à violência sofrida pelo cliente. O (a) curador(a) ,
sustentando o Amor Incondicional, cria um espaço seguro e uma matrix relacional que ressoa no
campo do cliente, auxiliando(a) a sentir-se seguro(a), a reconstruir a confiança e a desenvolver a
autoaceitação e o amor que ele(a) perdeu com a violência do abuso sexual. Finalmente, a
Ciência Curativa de Brennan possui várias técnicas apropriadas para curar traumas de “T”
maiúsculo, por exemplo, a Cura das Cápsulas Temporais, que segue-se à onda da regressão e
liberação da memória traumática, a Reestruturação dos Níveis e dos Chakras, a Cura dos
Cordões Relacionais, a Cura do Hara e a Cura da estrela do Âmago.
Minha observação após ter trabalhado com a a Cura das Cápsulas Temporais foi a de que
as pacientes ficaram aptas pela primeira vez a recuperar a memória de terem sido abusadas
sexualmente. E eu pude experienciar uma aceleração da autoconsciência por parte destas
clientes assim como a transformação de alguns sintomas, como por exemplo a melhora de sua
autoestima, um melhor equilíbrio do sistema neuro-vegetativo, respostas de luta-e-fuga, e de
terem tornado-se aptas a falar e a liberar as emoções bloqueadas associadas ao abuso. De
acordo com minha experiência, o processo de cura pode ser aperfeiçoado quando, após o
trabalho com Cápsulas Temporais, nós associamos um novo tratamento desenvolvido por
Francine Shapiro, chamado EMDR –
De acordo com Shapiro, o EMDR reconecta o evento armazenado com o sistema físico de
processamento de informações no cérebro. Minhas observações incluem casos em que
sintomas de pânico involuntário, assim como hiper excitação fisiológica sempre presente ao
deparar-se com agressão e fobias, foram dissolvidos após poucas sessões com a utilização do
método.
A técnica de EMDR consiste simplesmente na estimulação dos olhos ou do corpo,
conduzida pelo(a) terapeuta através de movimento das mãos enquanto o cliente visualiza a cena
do trauma. Na constatação de Shapiro, quase sem exceção, aqueles submetidos a tratamento
com essa técnica resolveram com sucesso sua memória traumática. A técnica também auxilia
os(as) sobreviventes com relação ao modo como se sentem com relação a si mesmos , já que
sua negação, seu medo, sua culpa, sua vergonha, e sua raiva são substituídos por emoções de
autoestima, confiança, perdão, aceitação, etc. Shapiro questiona-se por que a técnica do EMDR
funciona tão rapidamente. O que exatamente o movimento dos olhos faz? A resposta de
Shapiro é : “A verdade é que nós ainda não sabemos. Os cientistas ainda não captaram o
suficiente acerca da complexidade do processo cerebral. Talvez o trauma cause uma super
excitação sobre o sistema nervoso, e talvez o movimento dos olhos cause um sistema inibitório
(ou relaxante) que contrabalance isso”. Este modelo de acelerado processamento de
informações parece corresponder ao que os neurobiólogos sabem sobre a fisiologia do cérebro.
Parece que dentro de cada um de nós existe um sistema de processamento de informação e
ação que tem por função processar eventos perturbadores, de modo que possamos manter um
estado de saúde mental. Quando algo traumático nos acontece, todavia, esse sistema de
processamento pode colapsar. Nossas preocupações acerca do terrível evento podem ficar
presas e estagnadas em nosso sistema nervoso da mesma forma como quando a
experienciamos originalmente , e assim serem expressas através de pesadelos, flashbacks,
memórias e pensamentos intrusivos, etc. No EMDR a pessoa é convidada a pensar sobre o
evento traumático e então o sistema de processamento de informação da pessoa é estimulado
de forma que a experiência traumática possa ser adequadamente processada e digerida. Dessa
forma, através do processo curativo natural, o trauma é digerido, e as feridas mentais podem
ser curadas. Supomos que a técnica restabelece o funcionamento fisiológico que foi lesado pelo
trauma, o qual então apoiará a cura através de seu processo de integração do passado em uma
nova realidade. A cura em geral pode levar várias sessões, já que é difícil limpar e remover tudo
de uma única vez. Definitivamente assim é o caso de abuso sexual precoce. Porém, a Ciência de
Cura de Barbara Brennan, associada ao EMDR (Desensitização e Reprocessamento dos
Movimentos Oculares), auxilia a restabelecer as camadas da personalidade, reconectando o que
estava cindido.
IX – Conclusão
Trauma é uma ocorrência inevitável e necessária para a estruturação da psique, porém o
abuso sexual é um evento em si mesmo sobremaneira excessivo e avassalador, que
inexoravelmente ocasiona severas consequências ao desenvolvimento da psique. Assim, são
compreensíveis as razões pelas quais este tipo de trauma afeta diretamente o fluxo de energia
criativa, causando uma grave perturbação psíquica, emocional e física no desenvolvimento da
criança. Além disso, não podemos esquecer ou desprezar as dificuldades sociais e culturais para
lidar-se com matérias sexuais, e isto, associado à falta de familiarização de muitos terapeutas e
médicos com relação às sequelas e efeitos retardados de tal trauma, pode constituir-se, por
vezes, num fardo demasiado pesado para vida do(a) sobrevivente.
Afortunadamente, podemos encontrar contribuições como a de Ferenczi, Blume e Davies.
Ferenczi acreditava que o trauma sexual precoce era uma ocorrência corriqueira. Suas
abordagens permanecem atualizadas, corroboradas pelas novas descobertas emergentes nesta
área. Davies questionou profundamente se era a realidade do evento traumático do abuso
sexual precoce ou as complexas vicissitudes de sua internalização simbólica que era tão
perturbadora para o posterior funcionamento da psique, ou se é o impacto do trauma no self
internalizado e no mundo objetal do paciente que leva à patologia. A autora acredita que se
trata de uma combinação derivada de todos estes fatores e muito mais, e que é necessário
empreender-se uma combinação das análises produzidas por todas as escolas de pensamento
psicanalíticas adicionais a todas as novas descobertas científicas acerca do Trauma, como o
conceito de TEPT (transtorno do estresse Pós-Traumático), para que possamos mais habilmente
lidar de forma efetiva com todos os aspectos deste tipo de trauma, e, consequentemente,
determinarmos a intervenção terapêutica apropriada. Desde Ferenczi os limites da terapia
verbal e a necessidade de interferência no corpo foram já identificados, e posteriormente
confirmados, por diversos autores, como Winnicott, Davies, Shapiro e por Barbara Brennan.
Torna-se evidente os motivos pelos quais a Ciência de Cura de Brennan é tão eficiente no
tratamento de pacientes sobreviventes desta categoria de trauma. Não somente pelo emprego
de suas técnicas, e pelo alinhamento do curador ressoando compaixão e aceitação, mas
também, certamente, pela própria natureza do trabalho, que foca diretamente na energia,
trabalhando com a energia, dispensando palavras, liberando o que estiver bloqueado e
restabelecendo a pulsação vital saudável da energia, a qual havia sido perdida em decorrência
dos efeitos do trauma.
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SHAPIRO, Francine & FORREST, Margot Silk. EMDR: Eye Movement Desensitization &
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PERFIL DA AUTORA:
Anna Maria da Silva Leite, nascida no Rio de Janeiro, Brasil, é psicóloga desde 1978.
Trabalha como Psicoterapeuta e Curadora (graduada pela Faculdade da Ciência de
Cura Barbara Brennan, EUA), atuando na área desde sua aposentadoria antecipada
da IBM-Brazil, ocorrida em 1995. Suas atuações prévias como Pesquisadora em
Psicologia e como Gerente de Recursos Humanos constituíram-se em experiências
enriquecedoras que atualmente a auxiliam enquanto curadora e facilitadora na
transmissão das Teorias de Barbara Brennan no Rio de Janeiro. Sua prática clínica
também integra conhecimentos de EMDR (método de dessensibilização e
reprocessamento de experiências emocionalmente traumáticas por meio de
estimulação bilateral dos hemisférios cerebrais) e de psicanálise.
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