10 de Setembro - Igreja Baptista de Almada

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10 de Setembro - Igreja Baptista de Almada
Comentário a Gálatas 1:6-9, 11-12, 15-16; 2:1-6 por Virgílio Barros
7 de Junho
Falar Acerca do Evangelho
Passagem Bíblica: Gálatas 1:6-9, 11-12, 15-16; 2:1-6
CONTEXTO DA PASSAGEM
Cópia de Atlas Historico Westminster de la Biblia, Casa Bautista de Publicaciones, 1971
Apesar de se encontrar em quarto lugar na ordem do Canon actual, o mais
provável é que tenha sido a segunda carta a ser escrita por Paulo. Todos os estudiosos
são unânimes na afirmação de que Paulo é o autor desta epístola. O que tem sido motivo
de discussão é a quem é que Paulo dirige esta epístola e quando é que ela foi escrita.
Começando pelos destinatários da epístola, há duas teorias defendidas pelos
eruditos que são designadas por: 1) teoria da Galácia do Sul e 2) teoria da Galácia do
Norte. De acordo com os historiadores sobre a época de Império Romano, naquele
tempo havia a província imperial designada Galácia que fazia fronteira com a Panfília a
sul e com a Bitínia e Ponto a norte. A província abrangia as igrejas fundadas por Paulo
em Icónio, Listra e Derbe. Mas também havia a região designada Galácia que já não
abrangia estas cidades e ficava mais para norte. Os eruditos mais conservadores
consideram que a primeira teoria é a mais plausível porque só se tem conhecimento de
igrejas fundadas por Paulo ali, de acordo com o livro de Actos dos Apóstolos. Os três
professores, Carson, Moo e Morris, que escreveram a Introdução ao Novo Testamento,
publicado em português pela Edições Vida Nova, apresentam 10 considerações a favor
da teoria do sul da Galácia e apenas 8 para a teoria do norte da Galácia e concluem o
seguinte: “Com base em tudo isso, parece que não há prova definitiva em favor nem da
teoria do norte nem do sul da Galácia. Mas certamente parece que, conquanto a teoria
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do sul da Galácia não chegue a ser cabalmente demonstrada, os argumentos em seu
favor são mais convincentes do que aqueles em favor do norte”1 . Conzelmann,
partidário do ponto de vista da teoria do norte da Galácia, considera que os argumentos
desta teoria têm mais peso e principalmente porque “a omissão dos nomes das cidades
favorece a Galácia (a norte) mais rural do que a área urbana mais densamente
populacional mencionada em Actos 13s.” 2 . De facto, parece que ambas as teorias têm
explicações razoáveis, pois o vocábulo “Galácia” tanto poderia ser usado em termos
provinciais como territoriais. Por outro lado a ausência dos nomes das igrejas e até de
referências pessoais tanto pode ser usada a favor de uma teoria como de outra.
A realidade é que a expressão “às igrejas da Galácia” (tai'" ejkklhsivai" th'"
Galativa" - tais ekklêsiais tês Galatías) deve abranger muito mais do que apenas as
quatro igrejas referenciadas em Actos. De acordo com o texto em Actos 16, não seria
estranho que, depois de Icónio, Paulo fosse até Ancira (actual Ankara) ou Pessimo e
quisesse ainda chegar à Bitínia antes de se aproximar de Misia (Act 16:6-7). Na sua
terceira viagem, Paulo volta a visitar as igrejas em toda a região da Frígia e da Galácia
(Act. 18:23). Não haverá mal algum em considerar que esta epístola tenha percorrido
todas as igrejas, as conhecidas e as desconhecidas, da província da Galácia, de norte a
sul.
Se tomarmos o partido de uma das teorias teremos de apresentar diferentes datas
para a escrita da epístola. Os defensores da primeira teoria apontariam para um
momento a seguir à primeira viagem missionária, o que seria por volta de 49 d. C. Os
defensores da segunda teoria concluem que a epístola foi escrita depois da terceira
viagem missionária, durante a sua permanência em Éfeso, por volta do ano 53 d.C. Esta
data é a que melhor se coaduna às visitas mencionadas na epístola tanto a Jerusalém
(2:1) como uma segunda vez à Galácia depois de uma primeira vez (4:13). É
provavelmente nesta altura que também surgem os inimigos de Paulo. A questão dos
inimigos de Paulo também tem servido para muita discussão. A certa altura surgem
algumas suspeitas quanto ao trabalho realizado por Paulo e quanto ao seu apostolado.
Elementos caracteristicamente judaizantes penetraram nas igrejas e tentaram dissuadir
os crentes. O seu objectivo era apresentar Paulo como um falso apóstolo porque o seu
evangelho também era, se não falso, pelo menos incompleto (1:6-9). Paulo tinha retido
a lei aos gálatas, que era parte integrante do evangelho, na sua perspectiva. Para isso era
necessário praticar a circuncisão (5:2; 6:12), aceitar o calendário de festas judaicas
(4:10), e observar os rituais da purificação (2:11-21). Estes teriam sido os problemas
principais, embora alguns estudiosos tenham concluído que outros assuntos estariam por
detrás da redacção da epístola 3 . É provável que eles tivessem entendido a lei e Cristo no
sentido de uma doutrina de um redentor cósmico como os gnósticos. Schmithals crê que
os opositores eram judeus cristãos com tendências gnósticas 4 . Uma das razões
apontadas é o não terem exigido a observância de toda a lei. Por isso Paulo viu a
necessidade de mostrar que a circuncisão implicava na obediência a toda a lei (5:3). No
entanto não há nenhuma tendência gnóstica muito marcada no texto que nos leve a
inferir tal pensamento.
O texto não nos apresenta elementos que nos levem a presumir que os opositores
de Paulo tinham laços com Jerusalém, embora haja uma possibilidade de serem judeus
1
D. A. Carson, Douglas J. Moo, Leon Morris, Introdução ao Novo Testamento, São Paulo, Edições Vida
Nova, 1999 (1992), 324.
2
A. Conzelmann e A. Lindemann, Interpreting the New Testament: An Introduction to the Principles and
Methods of N. T. Exegesis, Peabody, Hendrickson Publishers, 1988 (1985), 172.
3
Vid. E.Lohse, Introdução ao Novo Testamento, 56s.
4
W.Schmithals, "The Heretics in Galatia", Paul and the Gnostics, 13-64.
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cristãos que tinham tido contactos com falsos irmãos (2:4). O texto de Gl 2:1 e
seguintes dá azo a que haja uma ala radical que rejeitava a missão aos gentios livres da
lei. Nesta carta combate-se a ideia de que a liberdade da Lei leva à licenciosidade. Sem
dúvida os opositores de Paulo, em Gálatas, são judeus cristãos que ainda permanecem
fiéis à Lei.
Nesta altura, está no poder o imperador Cláudio (41-54). Como tinha algumas
deficiências físicas dedicou parte da sua juventude a estudos sobre história. Os seus
conhecimentos deram-lhe capacidade para governar o império com mestria. No entanto,
não soube gerir a sua vida na questão de casamentos. Casou quatro vezes, pois teve
problemas com todas elas, principalmente com a terceira, a célebre Messalina, que
tentou provocar um golpe de estado, mas ele acabou por morrer às mãos de Agripina,
que o envenenou porque ele não queria que o seu enteado Nero subisse ao trono.
Reconhecer o Evangelho Verdadeiro (Gálatas 1:6-9)
Versículo 6.
Paulo expressa o seu espanto por aquilo que está a acontecer no seio dos crentes
da Galácia. Normalmente, ele escrevia palavras da acção de graças pelos destinatários
depois da apresentação e saudações. Neste caso, isso não acontece porque existe um
problema grave naquelas igrejas e apanhou Paulo desprevenido, porque nunca pensou
que isso pudesse acontecer. De acordo com a palavra grega qaumavzw (thaumázô), o
objecto da admiração tanto pode ser algo extraordinário como algo terrível. O uso do
Presente do indicativo mostra que Paulo ainda está no processo de ficar espantado.
A razão do seu espanto é a mudança que está a acontecer na vida daqueles
crentes. A palavra metativqhmi (metatíthêmi) significa “troca de lugar”, “transferência”.
Betz diz que a palavra “vem da linguagem política e aplica-se, aqui, à ‘deserção’ de
Deus no sentido de uma mudança que se afasta do evangelho Paulino” 5 . O termo muito
usual para nós hoje é o de “vira casacas”. O que deve ainda causar maior espanto em
Paulo é a rapidez com que estes crentes viram de casaca. Robertson diz que esta palavra
pode referir-se ao “a partir do tempo da conversão deles ou, mais provavelmente, desde
a altura em que os judaizantes chegaram e os tentaram” 6 . Também poderá transmitir a
ideia de que a mudança ocorreu assim que Paulo partiu para outro campo missionário.
A expressão “daquele que vos chamou” (ajto; tou' kalevsanto" uJm'a"),
gramaticalmente, tanto pode referir-se a Deus Pai como a Jesus Cristo. Mas os textos de
Paulo mostram uma preferência por Deus Pai como podemos ver em 1:15 e noutras
epístolas. O interessante é realçar que Deus chamou os crentes da Galácia “na graça de
Cristo”. Geralmente tem-se interpretado a preposição “em” como sendo “o meio pelo
qual”, isto é, o instrumento pelo qual somos chamados para a salvação. Champlin
apresenta quatro interpretações possíveis para esta preposição, mas conclui que a
possibilidade mais correcta seria a de que ela fala da esfera de acção, com isto ele quer
dizer que “estiveram antes ‘na graça’, porquanto haviam sido chamados ‘para a graça’,
e não para estar debaixo da lei, já que não pertenciam àquela esfera” 7 . Os chamados
5
Hans Dieter Betz, Galatians, Hermeneia, Philadelphia, Fortress Press, 1979, 47
Robertson, A.T. "Commentary on Galatians 1:6". "Robertson's Word Pictures of the New Testament".
Broadmann Press, 1932, 33 em: <http://bible.crosswalk.com/Commentaries/RobertsonsWordPictures/ a 3
de junho de 2009.
7
Russell Norman Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, Vol. IV, São
Paulo, Milenium Distribuidora Cultural, 19802, 440.
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desfrutam da situação de estarem na presença de Deus. Logo, como é que é possível que
tão depressa tenham desertado dessa situação alcançada pelos méritos de Cristo?
Paulo diz que eles foram atraídos por um “outro evangelho”. O termo grego para
“outro” (e{tero") na sua essência significa “diferente” ou “outro em espécie ou
natureza”. Haacker é da opinião que esta expressão refere-se a “uma proclamação de um
tipo diferente e uma mensagem em competição com a proclamação de Paulo” e conclui
que “a preocupação essencial em Gal. 1:6s. não é com algum ensino falso, mas antes
com a estrutura da proclamação como evangelho e sua falsificação legalista” 8 . Mas a
diferença não está apenas na forma, na estrutura ou aparência. Paulo está a falar de algo
completamente diferente. Certamente ele usa aqui a palavra “evangelho” com o sentido
de anúncio, mensagem e não de “boa nova de salvação”.
Versículo 7.
Paulo apresenta uma palavra diferente para “outro”. Aqui temos o termo a[llo"
(allos) que significa outro da mesma espécie. Aquilo que alguém estava a anunciar não
possuía a mesma essência do evangelho pregado por ele. Afinal é outro (diferente)
porque não é outro (da mesma espécie). Por outras palavras, Paulo diz que não pode
haver outro evangelho que tenha a mesma essência e a mesma qualidade, pois ele é
único. O evangelho de Cristo é as boas novas da salvação pela graça através da fé em
Cristo.
Este versículo mostra que Paulo não só apresenta os factos, mas também
“desacredita os seus adversários usando a linguagem de demagogismo e expressa o seu
desapontamento e desaprovação pelos gálatas terem mudado para o lado da oposição.
” 9 . Desta forma, Paulo chama a atenção de alguém que já está no outro lado, e que
dificilmente ouviriam o que ele tem para dizer se não forem usados métodos ofensivos.
Afinal o que aquelas pessoas fazem, não se sabe bem quem porque Paulo usa o termo
tinev" - “alguns”, é perturbar e perverter. O verbo “perturbar” (taravvssw), que também
significa “agitar” ou “criar um estado agitação interior”, encontra-se no Particípio
Presente e está precedido pelo artigo definido, o qual também deve estar associado ao
verbo seguinte “querer” (qevlw), que também está no Particípio Presente. Portanto, Paulo
designa aquelas pessoas de perturbadores e desejosos de perverter o evangelho de
Cristo. O conceito de “perverter” (metastrevfw) é “provocar uma mudança de estado,
com ênfase sobre a diferença no estado resultante” 10 . Parece que há uma predisposição
forte, daí o uso do verbo “querer” no Particípio (qevlonte"), para se mudar a essência do
evangelho.
Se os agitadores nas igrejas da Galácia eram um grupo de “extrema-direita” da igreja
judaico-cristã, como o afirma Cole 11 , Paulo não os identifica claramente aqui.
Versículo 8.
A argumentação de Paulo contra a existência de outro evangelho endurece com a
adversativa “mas” (ajllav). Em seguida, ele apresenta uma oração condicional eventual
(ejavn mais o verbo no conjuntivo - eujaggelivzhtai) a qual “denota aquilo que sob certas
8
K. Haacker, “e{tero"”, Exegetical Dictionary of the New Testament, Vol. 2, Grand Rapids, Eerdmans,
1991 (1981), 66.
9
Betz, Galatians, 1979, 44. Este autor está a usar a análise retórica para interpretar a epístola aos Gálatas,
por isso usa esta linguagem da retórica.
10
Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains, Johannes P. Louw e Eugene
A. Nida (ed.), New York, United Bible Societies, 1989, § 13.64.
11
R. A. Cole, The Epistle of Paul to the Galatians, TNTC, Grand Rapids, Eerdmans, 19787ª, 40.
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circunstâncias se espera de um ponto de vista geral ou concreto existente no presente” 12 .
Embora a possibilidade seja remota não significa que Paulo não a levasse a sério, como
Champlin diz. Outros comentaristas argumentam que o apóstolo estava tão convencido
da sua mensagem que não se conseguia ver a si como um herege 13 . A realidade é que na
antiguidade era muito comum assistir-se a revelações através de anjos 14 . Logo se havia
a possibilidade de anjos ou até mesmo Satanás aparecer como anjo de luz para enganar
os crentes 15 , também não se pode pôr de parte a possibilidade de Paulo e outros que
estivessem com ele virem a anunciar uma boa nova para além da que ele tinha
anunciado. A possibilidade pode ser remota, mas deve-se esperar que venha a acontecer.
Em termos do texto grego, para as palavras “pregasse outro evangelho” existe
apenas uma palavra eujaggelivzhtai (euangelízêtai) que significa “evangelizasse” ou
“anunciasse a boa nova”. Portanto, neste caso, a ênfase não está no pronome, “outro”,
que surge em português, mas na preposição parav (pará) mais o pronome relativo o{ que
significa “além daquele que”. Para Paulo, nada nem ninguém poderia anunciar um
evangelho que fosse para além daquilo que ele já tinha anunciado. No evangelho que ele
pregou estava toda a essência da vontade de Deus.
A expressão “seja anátema” (ajnavqema e[stw). De princípio o termo era usado
como uma referência a algo que fora retirado do contexto profano e era consagrado a
uma divindade, que podia ser usado para oferta ou então para destruição, como
aconteceu no caso do saque em Jericó (Josué 6:17-18). A palavra implicava um conceito
mágico de maldição. Betz diz que o “imperativo implica o conceito mágico de acordo
com o qual a maldição quando é posta por escrito torna-se automaticamente eficaz
sempre que a condição do v 8a é cumprida” 16 . Paulo está a invocar a destruição de toda
e qualquer pessoa que anunciar outro evangelho. Há aqui já um conceito de julgamento
da parte de Deus. Portanto, estar sob uma maldição é estar consignado ao julgamento e
destruição da parte de Deus. A força das palavras de Paulo revela a intensidade dos seus
sentimentos sobre o que estava a acontecer no seio das igrejas da Galácia e sobre a
ameaça séria contra o evangelho.
Versículo 9.
Embora pareça uma repetição das palavras anteriores, nota-se umas ligeiras
alterações. O verbo “dizer” inicial está no Perfeito do verbo defectivo proei'pon
(proeipon) e na 1ª pessoa do plural. O Léxico insinua que o verbo se refere a uma visita
anterior, mas não há necessidade de se interpretar dessa forma. Paulo aponta para todos
os irmãos que estão com ele no momento da escrita (v. 2), os quais, certamente,
comungam da mesma opinião expressa no versículo anterior, onde se usa também o
pronome “nós”. O tempo Perfeito aponta para o que se acabou de dizer, por outras
palavras, Paulo está a dizer “como acabamos de dizer (na frase anterior)…”.
Em seguida ele procura mostrar a sua autoridade apostólica colocando o verbo
“dizer” na 1ª pessoa do singular. É interessante notar que agora temos uma oração
condicional real (ei[ mais o verbo no Presente do Indicativo), o que significa que a
condição é apresentada como algo que já está a acontecer. Alguém está a anunciar uma
boa nova diferente daquela que eles receberam. Paulo usa o verbo paralambavnw
12
Blass-Debrunner, Greek Grammar of the New Testament, §371(4).
Franz Mussner, Der Galaterbrief, HThK 9, Freiburg, Herder, 1974, 60.
14
Cf. Grundmann, “a[ggelo"”, Theological Dictionary of the New Testament, vol. I, Grand Rapids,
Eerdmans, 1983 (1964), 74-76.
15
Cole diz que Paulo usou a palavra “anjo” para mostar a possibilidade de Satanás aparecer como anjo de
luz, Galatians, 42.
16
Betz, Galatians, 53.
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(paralambánô) no aoristo, que aponta para uma acção realizada de uma vez por todas.
Este verbo é usado muitas vezes para lembrar a natureza da fé que foi entregue aos
santos de uma vez por todas 17 . Portanto, estamos perante um termo técnico que fala da
essência da mensagem que é tradicionada de mão em mão. A mensagem da boa nova já
é tradição que vem desde os apóstolos. A anatematização já é uma realidade que cai
sobre aqueles que pregam algo contrário ao ensino apostólico.
É necessário que cada pessoa esteja consciente do evangelho na sua pureza a fim de
rejeitar todas as tentativas para o alterar com mudanças ou acrescentos. O apóstolo
Paulo falou do evangelho da graça, o qual é o posto daquele evangelho que procurar
ensinar que a salvação se adquire pelas obras, pelo conhecimento ou pela mera
identificação com uma religião. Um dos testes que se deve fazer a todo o ensino é se ele
fortalece a igreja. Pois há muitos ensinos que são uma ameaça à paz na igreja.
Ter Consciência que o Evangelho é Divino (Gálatas 1:11-12, 15-16)
Versículo 11.
Como se pode ver no versículo anterior, Paulo foi acusado de estar a agradar os
homens. Por isso, de forma enfática, ele diz “faço-vos saber”. O verbo que temos aqui é
gnwrivzw (gnôrízô), que está associado ao conhecimento. Knoch diz que este verbo está
determinado pelo sentido de “proclamação do plano de Deus de salvação, o evento de
salvação em Cristo” 18 . Paulo quer que os seus leitores tenham um verdadeiro
conhecimento, ele quer dar-lhes a conhecer o que aconteceu com o evangelho que ele
prega, em contraste com o que alguém anda a pregar no meio deles.
A palavra “evangelho” e o verbo “anunciar” têm a mesma raiz, quase parecendo
uma redundância da parte de Paulo. Literalmente ele diz: “o evangelho que foi
evangelizado por mim” (to; eujaggevlion to; eujaggelisqe;n ujp! ejmou'). Usa-se o Aoristo
Particípio para lhe dar a consistência de uma acção pontual com efeitos no presente. O
evangelho foi proclamado, mas ainda é o evangelho porque não é segundo (katav) o
homem. Por outras palavras, Paulo está a dizer que o evangelho não se adapta às
circunstâncias e caprichos do ser humano. Ele difere de qualquer mensagem humana em
carácter e conteúdo.
Versículo 12.
Este versículo explica a razão por que o evangelho não tem nada de humano. Ao
usar a preposição parav (pará) seguida de substantivo no genitivo, Paulo está a dizer que
o evangelho que ele anunciou não teve a origem no ser humano para que o pudesse
receber. Ele volta a usar o termo técnico, “receber” (paralambavnw), relacionado com o
recebimento da tradição. Com isto ele torna claro que mesmo a tradição não tem
natureza humana no que respeita ao evangelho que ele tem anunciado.
Alguns interpretam o texto dizendo que Paulo está a referir-se ao episódio a
caminho de Damasco, embora ele não sejatão explícito como isso. De acordo com
Actos dos Apóstolos, depois do encontro com Cristo, Ananias foi ter com ele para lhe
recuperar a vista e ser baptizado. O mandamento de Jesus foi que fizessem discípulos
baptizando-os e ensinando-lhes a guardar todas as coisas que ele tinha ensinado. Parece
que isso também aconteceu com Paulo, porque ele ficou alguns dias com os discípulos
17
Cf. Gerhard Delling, “paralambavnw”, TDNT, vol. IV, 11-14. Cole, Galatians, 43.
O. Knoch, “gnwrivzw”, Exegetical dictionary of the New Testament, vol. 1, Grand Rapids, Eerdmans,
1990, 256.
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em Damasco e só depois é que começou a anunciar a Cristo (Act 9: 18-20). Em
Jerusalém, foi necessário que Barnabé pegasse nele e o introduzisse aos apóstolos, e a
partir daí, “andava com eles em Jerusalém, entrando e saindo” (Act. 9:28).
Portanto, o radicalismo de Paulo, nestes versículos, tem de ser analisado de
forma diferente. A sua preocupação é dizer que o evangelho que prega não uma questão
de raciocínio ou ensino humano, mas de revelação de Deus. O que ele recebeu, ainda
que por tradição, só tem verdadeiro efeito quando se opera a revelação de Deus em nós.
Mais à frente ele diz que “aprouve a Deus revelar seu filho em mim” (v. 15-16). Por
conseguinte, quando ele diz: “através da revelação de Jesus Cristo”
(di! ajpokaluvqew" !Ihsou' Cristou' - di’ apokalúpseôs Iêsou Christou), ele está a falar
da acção de Deus na sua vida revelando-lhe quem é Jesus Cristo. Penso que é preferível
considerar o Genitivo como objecto e não como sujeito19 . Portanto, a revelação que
Deus opera é o instrumento ou agente 20 através da qual Paulo recebe Jesus Cristo e fica
a saber mais acerca de Jesus.
Versículo 15.
Depois de contar um pouco do que foi a sua vida, Paulo continua a argumentar
que a sua pregação não se baseou em ordens dadas por homens. Notemos que ele, ao
usar a adversativa dev (dé), “porém”, não está a antagonizar com o que fez
anteriormente. Ele era extremamente zeloso da tradição dos seus pais, mas não tinha a
revelação de Deus acerca de Jesus Cristo.
O “quando” (o{te) explicita que a certa altura, no plano de Deus, chegou o
momento em que Deus teve prazer (eujdokevw), ou melhor, “determinou” revelar
(ajpokaluvyai - apokalúpsai) Jesus Cristo a Paulo. Entretanto, os verbos “separar”
(ajforivzw - aforízô) e “chamar” (kalevw - kaléô) encontram-se no Aoristo do Particípio
com o artigo definido. Estamos perante substantivos verbais que estão relacionados com
oJ qeov" (ho theós) – “Deus”. Depois do termo “Deus”, temos uma vírgula e seguem-se
os Particípios que especificam que Deus é esse. Ele é “aquele que me separou… e
aquele que me chamou”.
Paulo, agora, tem a consciência plena de que Deus já o tinha separado desde o
ventre da sua mãe e que o chamara por causa da Sua graça, mas houve um momento em
que Deus decidiu revelar-lhe o Seu filho.
Versículo 16.
O verbo “revelar” encontra-se no Aoristo infinitivo denotando mais uma vez
uma acção realizada de uma vez por todas. A revelação é uma experiência pessoal,
como se pode ver pela ênfase dada à expressão “em mim” (ejn ejmoiv). No seu íntimo,
Paulo recebe a revelação de Deus acerca de Jesus Cristo.
A oração Infinitiva (“para que…+ verbo” = iJna + Conjuntivo) apresenta o
propósito da revelação de Deus a Paulo. O verbo “pregar” corresponde ao termo grego
eujaggelivzomai (euangelízomai) e tem como complemento directo o pronome “o”
(aujtov"). Esta estrutura gramatical é impressionante no dizer de Betz 21 . É evidente que o
pronome se refere a Jesus Cristo, pois é o pronome masculino, como conteúdo da
pregação da boa nova.
A revelação dá-se na vida de Paulo com um propósito bem definido, que ele se
torne um anunciador de boas novas entre os gentios. Por conseguinte, ele de imediato
(eujqevw") deixa de consultar a carne e o sangue. Ele quer mostrar que reagiu de imediato
19
Cf. Manuel Alexandre Junior, Gramática de Grego, Lisboa, Alcalá, 2003, 204.
Cf. A. T. Robertson, A Grammar of the Greek New Testament, Nashville, Broadman Press, 1934, 582.
21
Betz, Galatians, 72.
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à revelação de Deus. O verbo grego traduzido por “consultar” (prosanativqhmi prosanatíthêmi) só aparece duas vezes em todo o Novo Testamento, e na segunda vez é
traduzido por “acrescentar” (cf. Gál. 2:6). Xenofontes usa o termo com o significado de
“acrescentar ou contribuir com algo para alguém”. No entanto, parece que a maioria dos
escritores gregos da antiguidade, pelo menos os que usaram o termo, utilizou-o com o
sentido de “pedir conselho” ou “consultar”. Uma outra possibilidade é traduzir a palavra
por “submeter-se”. De qualquer forma a ideia é que Paulo não considerou relevante
saber o que é que a carne e o sangue achavam da sua missão.
Quando pensamos nas palavras “carne e sangue”, achamos que se refere a
pessoas. Champlin diz categoricamente: “isto é, outros seres humanos, entrevistando-os
a fim de buscar opinião e conselho” 22 . Mas também poderia ser uma referência aos
familiares ou então, Paulo estaria a querer dizer que não quis saber da sua vontade
carnal. Bultmann, no estudo que faz da palavra savrx (sárks), chega a concluir que a
palavra também denota “carnalidade, significando a natureza do ser humano-terreno na
sua humanidade específica – i. e., na sua fraqueza e transitoriedade, que também se
encontra em oposição a Deus e ao Seu Espírito” 23 e refere este texto juntamente com 1
Cor. 15:50. Paulo subjugou a vontade da carne e do sangue para poder continuar em
frente na proclamação do evangelho.
Recusar o comprometimento (Gálatas 2:1-6)
Versículo 1.
Os 14 anos que Paulo menciona neste versículo podem ser uma referência ao
tempo desde a sua conversão ou ao tempo desde a sua visita a Jerusalém (1:18). Uns
estudiosos consideram que esta visita foi o momento em que Paulo levou socorro,
juntamente com Barnabé, aos irmãos em Jerusalém (Actos 11:29-30), enquanto outros
acham que foi o momento em que ele participou no concílio (Actos 15). Mas a palavra
pavlin (“outra vez”) refere uma segunda vez. Ao juntarmos este relato de Paulo com o
de Lucas, teremos de concluir com Cole que “a única possibilidade é que Paulo
considerou a a viagem do socorro irrelevante, uma vez que nada tinha a ver com
questões teológicas, e assim deliberadamente omitiu-a sem qualquer intenção de
enganar” 24 .
Paulo levou consigo Barnabé e Tito. Barnabé foi um dos mais importantes
missionários cristãos. Ele foi fundamental na apresentação e integração de Paulo entre
os cristãos em Jerusalém (9:27) e mais tarde em Antioquia (11:22). Trabalharam juntos
na primeira viagem missionária. Tito era grego e também acompanhou Paulo no seu
ministério, embora Actos nunca o mencione. Deve ter sido Paulo que o levou á fé em
Cristo (Tito 1:4), e mais tarde o encarregou de organizar a colecta para Jerusalém. Ele
trabalhou na Dalmácia (2 Tim. 4:10). Depois foi para Creta (Tito 1:5) onde
provavelmente, segundo a tradição, foi o pastor da igreja ali.
Versículo 2.
É impressionante como Paulo continua a dar ênfase à questão da revelação.
Todas as suas acções condizem ou são uma resposta àquilo que Deus lhe diz que deve
fazer. Ele não foi a Jerusalém só porque havia um problema para resolver, ele foi lá por
directiva de Deus. Ele sente que era necessário expor o evangelho que se pregava entre
22
Champlin, O Novo Testamento Interpretado, vol. 4, 445.
R. Bultmann, Theology of the New Testament, vol. 1, London, SCM Press, 19789ª, 234.
24
Cole, Galatians, 61.
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Comentário a Gálatas 1:6-9, 11-12, 15-16; 2:1-6 por Virgílio Barros
os gentios. A palavra “expor” (ajnativqhmi - anatíthêmi) tem a mesma raiz da palavra
“consultar” em 1:16. A ideia é que ele colocou perante eles o evangelho que costumava
pregar. Por outras palavras, ele pôs as cartas todas na mesa.
Para a palavra “pregar”, Paulo usa o vocábulo grego khruvssw. Nas suas
epístolas, ele usa esta palavra 17 vezes, denotando assim a importância que ela tem para
si. Para Paulo, pregar só pode acontecer se houver um comissionamento da parte de
Deus. Merk diz que “de acordo com Paulo, a proclamação é uma actividade que
envolve, activamente, o proclamador e o ouvinte, e esta actividade é expressa … com o
verbo khruvssw” 25 . Com este significado profundo da palavra podemos dizer que Paulo
quer mostrar que a sua ida a Jerusalém não foi “como um pedinte humilde, mas como
um negociante duro que forçou as autoridade de Jerusalém a tomar uma decisão que,
pode-se imaginar, eles tomaram com grande relutância” 26 .
Ele dirige-se particularmente (kata! ijdivan) aos que eram de destaque
(oiJ dokounte"). Este termo aparece mais três vezes, no NT, com este significado (Gál.
2:6, 9 e Marc. 10:42. O verbo dokevw aparece mais vezes em todo o NT e com o
significado de: “pensar, supor, considerar, parecer”. No versículo 9, Paulo cita alguns
dos que são de destaque. Mas aqui ele ainda só quer dar ênfase à posição das pessoas
que ele considera importantes para ouvirem e decidirem sobre o assunto que ele quis
expor. Parece que há aqui a ideia de que se ele falasse com outros crentes talvez não
conseguisse o efeito que desejava.
É interessante que Paulo usa o verbo “correr” uma vez no Presente (trevcw) e
depois no Aoristo (e[dramon). Por um lado, ele quer que os seus leitores saibam que ele
não quer correr em vão naquele momento assim como não correu em vão quando foi a
Jerusalém.
Versículo 3.
Agora Paulo toca no verdadeiro assunto que é pomo de discórdia em relação à
essência do evangelho. Ele informa que Tito estava com ele ali perante os líderes da
igreja de Jerusalém, e também informa que ele é grego. Os líderes não o constrangeram
a ser circuncidado. O verbo “constranger” (ajnagkavzw) tem o sentido de obrigar à força.
O escritor quer dizer que nem Tito foi obrigado pela força da lei a circuncidar-se. Este
era certamente um argumento também de peso, e bem real, caso pusessem em causa o
seu sentido de revelação recebida da parte de Deus.
Versículo 4.
Ainda sem esclarecer concretamente quem são os seus adversários, Paulo usa o
termo “falsos irmãos” (yeudadevlfoi). O Léxico define este termo como “aqueles que
pretendem ser irmãos cristãos, mas cuja reivindicação é desmentida pela sua conduta
pouco fraternal 27 . Paulo só usou este termo duas vezes. Além de falsos também são
“intrusos” (pareivsakto"), isto é, os que se introduzem secretamente ou sorrateiramente
para espiarem. A palavra grega para “espiar” (kataskopevw) originalmente tinha o
sentido de “ser sentinela”, mas aqui certamente tem um significado mais hediondo,
porque o objectivo não alertar para o perigo mas sim para criar perigo e instabilidade.
Parece que estas pessoas não se agradavam da liberdade que os crentes têm em
Cristo. A pessoa que se sente livre não tem receios e muitas vezes ficam desprevenidos.
Paulo declara que a liberdade é boa, mas infelizmente há sempre aproveitadores que
procuram criar uma situação de escravidão.
25
O. Merk, Exegetical Dictionary of the New Testament, vol. 2, 289.
Betz, Galatians, 86.
27
BAGD, A Greek-English Lexicon of the New Testament, 891.
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Versículo 5.
A preocupação de Paulo é que a verdade do evangelho permaneça entre os
crentes. Para “ceder”, Paulo usa uma palavra que é única em todo o Novo Testamento.
O verbo ei[kw é usado na literatura secular e até na LXX (Septuaginta) com o sentido de
“recuar”, “retirar-se do combate”. Este combate que Paulo está a enfrentar não se pode
perder.
Versículo 6.
CONCLUSÃO
1. Devemos rejeitar todos os esforços de mudança ou acrescento ao verdadeiro
evangelho.
2. Devemos rejeitar todos os denominados evangelhos que claramente se advogam
acima de Jesus ou do ensino das Escrituras.
3. Devemos insurgir-nos contra ideias ou acções que comprometem o verdadeiro
evangelho.
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