Políticas Públicas para Gestão de Resíduos Tecnológicos

Transcrição

Políticas Públicas para Gestão de Resíduos Tecnológicos
CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM ORGANIZAÇÕES E
DESENVOLVIMENTO
Cláudia Maria Vassão
Políticas públicas para gestão de resíduos tecnológicos:
limites e potencialidades.
Curitiba
2010
CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM ORGANIZAÇÕES E
DESENVOLVIMENTO
Cláudia Maria Vassão
Políticas públicas para gestão de resíduos tecnológicos:
limites e potencialidades.
Dissertação apresentada ao Centro Universitário
Franciscano do Paraná – UNIFAE, como requisito
fundamental à obtenção do grau de Mestre em
Organizações e Desenvolvimento, junto ao Centro
Universitário Franciscano do Paraná – UNIFAE.
Orientador: Prof. Dr. José Edmilson de Souza-Lima
Curitiba, junho 2010.
O laço essencial que nos une é que todos habitamos
este pequeno planeta. Todos respiramos o mesmo ar.
Todos nos preocupamos com o futuro dos nossos
filhos. E todos somos mortais.
John Kennedy
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus, profundamente, a vida e as infinitas possibilidades que
me são concedidas para avançar um pouco mais na direção da realidade e,
então, crescer como ser humano desprendido da ilusão. Em consequência,
agradeço a tudo e a todos que, nesta jornada, tenham descortinado diante de
meus olhos a verdade, como família (Romilda, Leopoldo, Kenzo, Yasmin), amigos
(Danilo, Izabel, Ione), mestres (professores, autores ou alguém que, pela
sincronicidade, trouxe uma palavra, um endereço, uma dica, uma outra pessoa),
natureza, tecnologia, modernidade...
Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta
imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida
da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto
à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a
considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te
enganarás quanto à minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só
Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no
mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com
dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de
tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela
engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a
verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na
vida particular e na vida pública.
Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
i
(Platão, O Mito da Caverna in A República, V.II, p. 105 a 109)
RESUMO
A destinação final do lixo tecnológico em âmbito de estado do Paraná se
destaca como tema deste trabalho para um estudo das práticas de descarte
desse tipo de resíduo adotadas pelos órgãos públicos do estado. A realidade
alerta, por outro lado, para a oferta de equipamentos eletroeletrônicos com
crescentes capacidades de processamento a custos de aquisição cada vez
menores, o que permite às mais diversas camadas sociais terem acesso a tais
bens. O ritmo cada vez mais veloz de obsolescência também contribui
significativamente para avolumar o acúmulo desses resíduos; porém medidas
para disposição final dos equipamentos em desuso não crescem nessa mesma
velocidade, pelo contrário, o que cresce são os riscos ambientais pelo descarte
imprudente, sem contar os perigos a que fica exposta a saúde humana, quando
em contato com componentes tóxicos que esses equipamentos contêm. Na busca
de se identificarem soluções adotadas no Brasil e em outros países, não haveria
caminho a ser trilhado que não fosse paralelo ao debate sobre desenvolvimento e
pobreza, crescimento sustentável e degradação ambiental, modernidade e
sociedade de risco.
Palavras-chave: resíduos tecnológicos, risco ambiental, pobreza, catadores de
recicláveis
ABSTRACT
The final destination of e-waste in the state of Parana is the main subject of
this project, to a study of the measures of disposing this type of waste adopted by
state’s public agencies. Reality draws attention, however, to electronic devices
offers with increasing processing capabilities with each time lower costs, which
allows the most diverse social classes to have access to these goods. The rhythm
of obsolescence that grows faster each time also significantly contributes to
increase the accumulation of these wastes. The measures for final disposal
though do not grow in the same speed, on the contrary, what grows are the
environment risks of the inadequate disposal, ignoring the dangers to the human
health, when in direct contact with the toxic components of these devices. Trying
to identify the solutions adopted in Brazil and other countries, the only track to
follow would be a parallel to the debate about poverty and development, sustained
growing, environment degradation, modernity and society of risk.
Keyword: e-waste, environmental risk, poverty, recyclers
LISTA DE TABELAS
1
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10
2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................... 15
3
2.1
Nosso futuro comum - Brundtland Report .................................................................... 15
2.2
Do sucesso da industrialização à sociedade de risco .................................................. 27
2.3
Desenvolvimento e pobreza ......................................................................................... 41
2.4
Do computador ao lixo tecnológico............................................................................... 44
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................... 53
3.1
Caracterização da pesquisa: parque de informática .................................................... 55
3.2
Caracterização da pesquisa: legislação ambiental e soluções adotadas para o
tratamento dos resíduos de EEE ..................................................................................................... 57
4
ANÁLISE DOS DADOS................................................................................ 58
4.1
Parque de informática................................................................................................... 58
4.2
Soluções para destinação de EEE e legislação ambiental .......................................... 65
5
CONSIDERAÇÕES ...................................................................................... 79
6
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 84
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Monitores ................................................................................. 58
Gráfico 2. Impressoras ............................................................................. 60
Gráfico 3. Computadores X Impressoras ............................................... 60
Gráfico 4. Destinação de EEE nos órgãos públicos estaduais................. 61
Gráfico 5. Motivos para troca de Computadores ...................................... 63
Gráfico 6. Motivos para troca de Monitores.............................................. 64
Gráfico 7. Motivos para troca de Impressoras.......................................... 64
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10
2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................... 15
2.1
Nosso futuro comum - Brundtland Report .................................................................... 15
2.2
Do sucesso da industrialização à sociedade de risco .................................................. 27
2.2.1 Modernização reflexiva em uma sociedade de risco....................................... 29
2.3
Desenvolvimento e pobreza ......................................................................................... 41
2.4
Do computador ao lixo tecnológico............................................................................... 44
2.4.1 Destinação de resíduos sólidos no Brasil........................................................ 51
3
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................... 53
3.1
Caracterização da pesquisa: parque de informática .................................................... 55
3.2
Caracterização da pesquisa: legislação ambiental e soluções adotadas para o
tratamento dos resíduos de EEE ..................................................................................................... 57
4
ANÁLISE DOS DADOS................................................................................ 58
4.1
Parque de informática................................................................................................... 58
4.2
Soluções para destinação de EEE e legislação ambiental .......................................... 65
5
CONSIDERAÇÕES ...................................................................................... 79
6
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 84
10
1
Introdução
O presente estudo centra sua preocupação na destinação dos detritos
tecnológicos produzidos em órgãos públicos do estado do Paraná. O primeiro dos
cinco capítulos deste trabalho traz a apresentação do tema, o problema, o
objetivo geral e os específicos, justificativas, limitações e metodologia utilizada.
Em seguida, desenvolve-se a fundamentação teórica no intuito de se oferecer
uma síntese do tema em aspectos concernentes não apenas a questões
ambientais do lixo tecnológico, mas também a questionamentos atuais de uma
sociedade em que se evidencia a desigualdade entre classes sociais, de cor, de
raça, de diversidade religiosa, em um momento de consumo desenfreado, de
meio ambiente fadigado por agressões de toda ordem.
Se em âmbito mundial mudanças se processam na seara das inovações
tecnológicas semeando abundância de ofertas, se aparelhos de última geração
pouco depois de lançados no mercado, para muitos, apresentam-se obsoletos
porque outra novidade mais atraente suplanta a anterior e aguça o consumo
numa velocidade celeremente irracional, assustadora, denunciando uma nova
ameaça ao meio ambiente, cabe, então, ao próprio homem, centrar crescente
preocupação na destinação dos produtos que descarta sob a forma de lixo
tecnológico.
Nações mais desenvolvidas, nos anos 1980, com o endurecimento das leis
para destinação do lixo tóxico que produziam (em atitude irresponsável e impune
na época), optaram por descartar no quintal do mundo esse tipo de detrito,
despejando-o além dos muros de suas fronteiras, em ermos descampados de
países em desenvolvimento, principalmente do Leste Europeu. Tal ação se
consumava sub-repticiamente, muitas vezes não apenas sem o tácito
consentimento dos países depositários, mas, até mesmo, sem que sequer esses
países tivessem conhecimento da invasão de seus domínios; responsabilidade e
ônus de abrigar esse mortal despejo eram transferidos, assim, sem consultas,
sem pedidos, na mais insidiosa caracterização do crime de lesa-propriedade.
Esse tipo de operação, se assim se pudesse afirmar, nem sempre logrou manterse em sigilo, denunciados que foram por acidentes, quer durante o transporte, em
ocorrência de vazamentos, quer, também, pela inadequada deposição quando
11
chegavam ao seu destino, ao contaminar o sistema fluvial e o solo e que, no ato,
ou ao longo dos anos, desencadeou irreparáveis danos à população local,
provocando problemas de saúde gravíssimos e até mesmo fatais. A consciência
de mundo como um bem a ser respeitado ainda não acordou a opinião pública
planetária e, por essa razão, os mais fracos sofrem as consequências deletérias
de danos inomináveis perpetrados pelos mais ricos. Segundo OECD (1993), em
1989, quarenta milhões de toneladas, valor aproximado de US$ 16 bilhões, foi
destinado como sucata transfronteiriça entre os países da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Também de acordo com o
Greenpeace, “estima-se que 5.2 milhões de toneladas de resíduos perigosos
foram exportados para o leste europeu e para os países em desenvolvimento
entre 1986 e 1990 ilegalmente. O Greenpeace estima também que a exportação
entre países membros e não membros da OECD entre 1989 e 1994 seja de 2.6
toneladas” (GREENPEACE, 1990, p.328).
A reincidência de casos de transporte ilegal de resíduos tóxicos tornando-se
pública, inadiável se impôs um posicionamento coibidor contra tal prática; assim,
o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente elaborou uma
proposta de convenção internacional para controle do transporte transfronteiriço
de detritos tóxicos, apresentada em março de 1988, em uma conferência na
cidade de Basiléia, Suíça, na qual 105 países e a Comunidade Européia
assinaram a chamada Convenção de Basiléia para o Controle dos Movimentos
Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Disposição.
A Convenção de Basiléia destacou-se como um passo importante na
discussão do problema mundial do descarte de lixo tóxico, porém muito há que se
estudar, que se discutir, para se encontrarem soluções definitivas de deposição
adequada não só para o resíduo tóxico, mas também para todo o lixo tecnológico
e sucata de eletroeletrônicos.
A Computer Industry Almanac (www.c-i-a.com) divulgou uma pesquisa
intitulada Computers-In-Use Forecast By Country, que traz uma estimativa do
número de computadores em uso em 57 países das seis regiões do mundo, como
algo em torno de 1,19 bilhão em 2008. Observa-se que, nos EUA, a venda de
computadores, em sua quase totalidade, consuma-se apenas para substituição e
12
não mais para upgrade dos computadores existentes. A venda de computadores
no mundo inteiro, em 2007, superou o montante de 260 milhões de unidades.
Com uma taxa mundial de vendas de substituição de cerca de 63%, estima-se
que o quantitativo de máquinas em uso aumentou em 97 milhões de unidades
nesse mesmo ano de 2007. Segundo o relatório, em 2008, um total de 86% dos
americanos dispunha de um computador, e a porcentagem deve chegar a 100%
em 2013. No topo do ranking situam-se os EUA, com 264,1 milhões, seguidos da
China, com 98,67 milhões e o Japão, com 86,22 milhões de PCs. O Brasil ocupa
a décima posição, com 33,3 milhões de máquinas (2,8% do total).
Mesmo com o crescimento acelerado do volume de vendas dos EEE –
equipamentos eletroeletrônicos, pouco se tem legislado no sentido de se
estabelecer uma correta destinação para equipamentos em desuso, ou seja,
ainda não existe no Brasil uma cultura de preservação de meio ambiente a
respeito dos responsáveis pela sucata que se acumula, sobretudo no que tange a
eletrônicos. No estado do Paraná, em junho de 2008, foi sancionada a Lei nº.
15.851, que obriga empresas que produzem, distribuem ou comercializam
equipamentos de informática a criar e a manter programas de recolhimento,
reciclagem e destruição dos equipamentos ora comercializados, desde que tais
empresas estejam instaladas em áreas circunscritas ao estado.
Essa lei, porém, não trouxe grandes mudanças no cenário de tratamento da
sucata tecnológica do Paraná, pois as empresas exigem, além da nota fiscal de
compra dos equipamentos, que tais conjuntos apresentem-se íntegros, em total
conformidade com o descrito na nota, ou seja, caso o proprietário tenha
adicionado peças acessórias para melhorar o desempenho da máquina, seja
colocando um pequeno componente de memória, seja substituindo uma peça, já o
descaracterizou e, desta forma, a empresa não o receberá para a devida
destinação prevista na Lei nº. 15.851.
O Paraná se destaca como uma dos poucas unidades da federação
brasileira a manter uma empresa de informática estatal, não acompanhando,
assim, a significativa maioria dos estados que terceiriza o setor. A Celepar –
Companhia de Informática do Paraná é responsável por projetos sociais de
inclusão digital do governo do estado; porém ainda não oferece empreendimentos
13
ambientais relacionados com a reciclagem e com a destinação do lixo tecnológico
gerado por ela própria e pelos demais órgãos do estado.
Diante de razão tão convincente, se resíduos tóxicos desencadeiam formas
diversas de agressão ao meio ambiente, impõe-se a execução de urgentes
medidas no que concerne à correta destinação da sucata tecnológica, a fim de
efetivamente
solucionar
o
problema
e
não
simplesmente
transferir tal
responsabilidade a outrem por meio de leilões.
Este trabalho que ora se desenvolve norteia-se, assim, pelo objetivo geral de
investigar novas formas de gestão do lixo tecnológico no Estado do Paraná. E
pelos objetivos específicos:
1. estruturar uma fundamentação teórica que embase o levantamento de
alternativas para o problema da pesquisa;
2. inventariar o parque de informática do governo do estado do Paraná a
fim de descrever quantitativamente a população a ser pesquisada;
3. diagnosticar soluções, em âmbito nacional e também nos principais
países desenvolvidos, para a gestão do lixo tecnológico por meio da
pesquisa exploratória;
4. elencar alternativas para uma correta destinação do lixo tecnológico nos
órgãos públicos estaduais que subsidiem a elaboração de uma política
pública de gestão sustentável para esse tipo de lixo.
Quando
se
pensa
em
instituições
públicas,
serviços
ao
cidadão,
administração pública, verbas e recursos oriundos de arrecadação tributária, a
ausência de medidas eficientes permeia tais planejamentos. Do muito que é
necessário fazer, muito pouco se alcança por conta de infindáveis entraves. Os
prejuízos das ações que não se materializam partem da assustadora diversidade
de origem: sociais, ambientais e econômicos.
O maior prejuízo do fraco alcance das políticas públicas, porém, incide sobre
a morosidade do desenvolvimento intelectual, cultural e econômico da população.
de baixa renda. E essa situação finda por incrementar a dramaticidade que
envolve a distribuição de renda no Brasil, alimentando o círculo vicioso, em que
poucos detêm indefinidamente as melhores oportunidades por um lado, e por
14
outro, muitos dão o melhor de si em troca de uma forma sobrevivência às vezes
nem mesmo digna.
Felizmente, nas últimas décadas, dissemina-se tanto no setor público quanto
no setor privado uma espécie nova de atitude, que privilegia tanto a preservação
ambiental quanto o respeito pelo ser humano. Projetos de inclusão social e digital,
defesa de matas nativas compreendendo fauna e flora, combate à poluição e ao
aquecimento global, educação de jovens e adultos, e outras manifestações,
dominam as preocupações de grandes corporações, abrindo espaço, então, para
projetos denominados programas de responsabilidade socioambiental.
Origina-se tal conceito de outro maior e mais abrangente, que é o conceito de
desenvolvimento sustentável, resultado do trabalho da Comissão Brundtland,
apresentado no relatório Nosso Futuro Comum (ONU, 1987), que trata de
questões sobre a qualidade de vida do ser humano, atual e futura, cujo principal
objetivo é alertar não só os governantes, mas também a população acerca da
necessidade de se modificar o status quo que instituiu um estilo de vida baseado
no consumo para outro alicerçado no tripé: igualdade social, preservação
ambiental e desenvolvimento econômico.
Alinhada a políticas públicas e sociais, a presente dissertação centra, assim,
sua pesquisa nas soluções para uma adequada destinação da sucata gerada pelo
desuso de equipamentos de informática, envolvendo tecnologia, preservação
ambiental e responsabilidade social.
15
2
Fundamentação teórica
Neste capítulo expõe-se uma revisão de literatura a respeito do
desenvolvimento sustentável, modernidade, sociedade de risco, desenvolvimento
e pobreza, a fim de formar uma base conceitual para o desenvolvimento de uma
proposta de solução para a problemática pesquisada.
2.1
Nosso futuro comum - Brundtland Report
O relatório Nosso Futuro Comum (ONU, 1987) se destaca como fruto do
trabalho da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, liderada
pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland1.
A Comissão, durante três anos, reuniu-se com os principais líderes
governamentais, especialistas e cientistas, em âmbito mundial, participando de
audiências públicas, verificando a situação em que se encontrava cada local,
avaliando os riscos futuros para, com base no levantamento obtido, traçar uma
série de recomendações para um desenvolvimento sustentável de forma global.
Curioso é o fato de que esse relatório, que já atingiu a maioridade, parece
ter sido publicado nos dias atuais, tal a semelhança da conjuntura atual com
aquela que há 23 anos se desenhava, seja em se tratando de âmbito econômico,
seja ambiental, seja social
O relatório Nosso Futuro Comum não defendeu uma previsão pessimista do
futuro do planeta, ao contrário, seu ponto de vista abraçou o entendimento de que
tanto o desenvolvimento quanto o crescimento econômico poderiam prosseguir
sua caminhada, desde que de forma sustentável, observando ações políticas
globalizadas. Desde então, cada vez mais se disseminou a necessidade de
conscientização de que seria imprudente avaliar as questões relativas ao
1
Gro Harlem Brundtland, nascida em 20 de abril de 1939, em uma pequena cidade na Noruega
chamada Bærum, política, diplomata, médica e líder internacional em desenvolvimento sustentável
e saúde pública. Em 1981 tornou-se a primeira mulher Chefe de Governo do seu país. Foi pioneira
na promoção da igualdade de direitos e do papel da mulher no processo político norueguês.
Recebeu inúmeros prêmios, destacando-se o Prêmio Indira Ghandhi para a Paz, Desarmamento e
Desenvolvimento, em 1988. Atualmente é uma enviada especial para as alterações climáticas da
ONU – Organização das Nações Unidas.
16
desenvolvimento econômico dissociadas das questões concernentes ao meio
ambiente.
A publicação em referência inaugurou o conceito de "desenvolvimento
sustentável", ou seja, a capacidade de se atenderem às necessidades da época
garantindo-se igualmente às gerações futuras o direito inalienável de dispor do
atendimento de suas necessidades.
A pobreza, em âmbito mundial, foi identificada como um dos principais
problemas, assim, para haver desenvolvimento sustentável, impunha-se, como
condição sine qua non, que as necessidades básicas de cada pessoa fossem
atendidas, minimizando-se a suscetibilidade individual diante de catástrofes
ecológicas ou de outra natureza, na tarefa de romper o círculo que condenava
uma população pobre, sem recursos, não apenas a enfrentar um meio ambiente
fragilizado, mas também a obrigá-la, a fim de manter sua subsistência, ao ônus de
extrair mais do que esse mesmo meio oferecia, degradando a pobreza em
penúria e intensificando os meios de agressão aos recursos naturais, e assim
sucessivamente. Porém, para que as necessidades básicas da população
mundial fossem atendidas de forma continuada, paralelamente ao crescimento
econômico, também deveriam ser criados mecanismos que garantissem a essa
população pobre, condições para sua sobrevivência e, dessa forma, conferir-lhes
a liberdade de dignamente entregar-se a um trabalho que lhes permitisse manter
esse crescimento.
A adoção, pelas nações mais ricas, de um estilo de vida compatível com os
recursos disponíveis no planeta foi apontada no Relatório como opção inegociável
e de vital importância para um desenvolvimento global sustentável, ou seja,
escolhas difíceis exigiriam a cooperação da ínfima parcela privilegiada da
população que sempre deteve quase a totalidade dos bens disponíveis em todo o
espaço terrestre, o que, por si só, demonstrou que o desenvolvimento sustentável
não perpassava simplesmente por medidas de redução da pobreza no mundo, de
controle populacional, de crescimento econômico, mas, principalmente, dependia
do empenho político e do envolvimento da população privilegiada, ou seja,
daquela que mais possui e produz o lixo em escala potencialmente muito mais
significativa.
17
Um conjunto de fatores deveria ter sido apreciado e conduzido à execução
para atenuar os danos ao meio ambiente, o que não se limitava ao ambiente
ecológico; atingia também aspectos econômicos, comerciais, energéticos,
agrícolas, dentre outros, que deveriam ser encarados com muita seriedade nas
mesmas agendas e nas mesmas instituições nacionais e internacionais. A
solução para tal entendimento talvez tenha se apresentado como o maior dos
desafios, pois medidas de reformas institucionais interpuseram-se como itens
inegociáveis. As nações pequenas ou pobres necessitariam de apoio, em razão
da deficiente capacidade tanto administrativa quanto financeira, sem falar ainda
da carência de assistência técnica e de formação profissional que necessitariam
ser supridas.
O estudo mostrou a urgente necessidade de se estabelecer uma cooperação
harmônica entre todas as nações, já que, figurativamente ilustrando a situação, se
um pequenino ponto de uma fruta apodrece, a fruta inteira perde valor porque até
mesmo a parte não visivelmente danificada revela no sabor e, sobretudo, na
qualidade, que a fruta inteira sofreu os efeitos danosos daquela contaminação;
assim o planeta, mesmo não exibindo visivelmente as marcas das agressões que
sofria em regiões distantes, responderia agressivamente ao meio, manifestandose por meio dos fenômenos da natureza em convulsão, sob a forma de
terremotos,
chuvas
torrenciais,
tufões,
secas
inclementes,
elevação
de
temperatura em níveis ainda não experimentados, comprometimento da camada
de ozônio, além de outras formas de intempérie.
O que se pôde observar há duas décadas é inegavelmente idêntico ao que
constatamos na atualidade, momento em que a necessidade de mudança é
global, não importando as dimensões, desde países pequenos, até os mais
extensos; dos países pobres até os mais ricos porque o planeta é um só e ignora
demarcação de fronteiras.
Talvez a grande contribuição do relatório Nosso Futuro Comum tenha sido a
inserção do termo desenvolvimento sustentável no circuito de debates sobre
questões ambientais e economia global, pois, quando se lê ainda atualmente o
Relatório, percebe-se que os problemas são os mesmos de vinte anos atrás, o
que nos leva a crer que as recomendações contidas nesse documento não foram
18
levadas em consideração pelas nações ricas. No capítulo intitulado “Um futuro
ameaçado”, o relatório aponta que ações individuais, tanto de preservação quanto
de devastação, contribuem para a perda da unicidade no planeta, ou seja, o
homem ainda não se conscientizou de que a biosfera, em sua ubíqua amplitude,
ignora fronteiras, nela incluindo indistintamente todos os habitantes da Terra.
Cada nação age solitariamente sem levar em conta a realidade de que a Terra é
um planeta e o ar circula livremente sem limites nem fronteiras, e o impacto das
ações de um país afeta outros países, compromete a vida de outros povos. A
pobreza endêmica no mundo e o ritmo acelerado do capitalismo destacaram-se
como as falhas mais danosas e que mais necessitavam ser corrigidas, porém
atualmente esses dois fatores continuam denunciando-se como pontos centrais
em fóruns de discussão por todo o mundo.
Em 1987, em primeira análise, o relatório Nosso Futuro Comum identificou
que a elevação do padrão de vida das pessoas atuou como o elemento
provocador da fragilização do meio ambiente, porém a própria pobreza, por sua
vez, causou degradação quando, para sobreviver, uma população abatia
florestas, promovia a sobrepastagem, levava o solo à exaustão e, quando não
conseguia mais produtividade na repetição reiterada desse mesmo ciclo, migrava
para as cidades, sem previsão nem planejamento, sem perspectivas de trabalho
nem de moradia, tendo então que amontoar-se em favelas construídas em áreas
de preservação.
Os
problemas
ambientais
da
época,
assim,
resultaram
tanto
do
subdesenvolvimento de algumas nações pobres quanto do crescimento
econômico, já que não existiam políticas efetivas de desenvolvimento capazes de
cultivar uma visão de desenvolvimento sustentável e que perpassa igualmente
pela ação predatória tanto desencadeada por populações mais afortunadas,
quanto por ações de populações mais humildes.
No passado, civilizações inteiras desapareceram pela falta de condições de
continuidade da vida em seus locais de origem, resultado da destruição ambiental
por conta da ignorância humana. Entretanto, tais fatos ocorriam de forma isolada,
localizada, delimitada, e hoje a degradação do meio ambiente ocorre de forma
globalizada.
19
Jared Diamond defende em Colapso (Diamond, 2005) que humanos e outros
seres vivos não-humanos, atmosfera e oceanos formam um uno sistêmico,
intrincado e complexo. Fato ilustrado pelo efeito-estufa2: não há revolta da
natureza ou vingança, mas sim o descortinamento dessa unidade formada pelo
homem e pelo meio em que ele vive.
Não é novidade que a colonização humana de grandes áreas sempre
causou graves impactos ambientais: derrubada de florestas, extinção de grandes
animais "que evoluíram sem temer os seres humanos e foram facilmente
abatidos, ou que sucumbiram à mudança de habitat, introdução de espécies
daninhas e doenças trazidas pelo homem" (DIAMOND, 2005, p.25). Na Austrália,
na América do Norte, na América do Sul, em Madagascar, nas ilhas do
Mediterrâneo, no Havaí, na Nova Zelândia e em diversas outras ilhas do Pacífico,
civilizações caminharam para um total colapso ou quase. Segundo Diamond
(2005), descobertas recentes de arqueólogos, climatologistas, historiadores,
paleontólogos e palinologistas (especialistas em pólen) têm confirmado a suspeita
de suicídio ecológico (ecocídio) não intencional por parte das sociedades que
entraram em colapso.
Na trajetória do colapso, Diamond (2005) elenca várias evidências de dano
ambiental "cuja importância relativa difere de caso para caso”: desmatamento e
destruição do habitat; erosão do solo; salinização do solo; perda de fertilidade do
solo; problemas com o controle da água; sobrecaça e sobrepesca; introdução de
espécies invasoras e/ou exóticas; aumento per capita do impacto do crescimento
demográfico.
2
O efeito estufa é um processo que ocorre quando uma parte da radiação solar refletida pela
superfície terrestre é absorvida por determinados gases presentes na atmosfera. Como
consequência disso, o calor fica retido, não sendo liberado no espaço. O efeito estufa, dentro de
uma determinada faixa, é essencial para a vida na Terra, pois é ele o mantenedor do aquecido do
planeta. Porém, o efeito estufa torna-se um problema quando há uma desestabilização do
equilíbrio energético, originando o fenômeno “aquecimento global”. O IPCC (Intergovernmental
Panel on Climate Change, estabelecido pela ONU e pela Organização Meteorológica Mundial em
1988) publicou resultados de estudos que apontam o aumento de gases chamados “de efeito
estufa”, como o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e os CFCs
(CFxClx), como a causa para esta desestabilização e consequente aumento do aquecimento
global. (Global Warming - The Complete Briefing de John Houghton - terceira edição - 2004 Cambridge Press).
20
A esses processos, a sociedade industrial acrescentou mais quatro:
mudanças climáticas provocadas pelo homem; acúmulo de produtos químicos
tóxicos no ambiente; carência de energia e utilização total da capacidade
fotossintética do planeta.
Diamond (2005) prevê que nas próximas décadas o impacto dessas doze
ameaças se tornará crítico em âmbito mundial e, caso medidas de contenção não
sejam implementadas em tempo, outras áreas do planeta terão destino parecido
ao da Somália e de Ruanda. Contudo, o autor não prevê um destino apocalíptico
de extinção da humanidade ou da civilização industrial: "Tal colapso pode assumir
diversas formas, como a disseminação mundial de doenças ou de guerras
provocadas pela escassez de recursos naturais" (DIAMOND, 2005, p.22).
Outro fator tratado de maneira relevante no relatório Nosso Futuro Comum é
a pobreza3. Seja na década de 1980, seja na década de 2010, distribuição
desigual de renda por todo o planeta, pessoas vivendo em condições miseráveis,
passando fome e morando em cortiços evidencia um quadro de ausência de
planejamento global; além disso, o rápido crescimento dessa população
intensifica ainda mais o dramático quadro de desolação.
3
Jeffrey Sachs, economista americano, acredita que a globalização não vai, por si só, solucionar o
problema,
mas
pode
ser
uma
força
poderosa
no
combate
a
miséria.
O desenvolvimento não é um processo inevitável. Há muitas regiões no mundo que não
progridem. “A globalização permite que países pobres dêem saltos tecnológicos e alcancem
rapidamente os de maior renda. Foi o que aconteceu com a China nos últimos 25 anos e com a
Índia nos últimos 15. Espero que aconteça com o Brasil nos próximos 15. O país teve períodos de
crescimento rápido, mas não por muito tempo consecutivo. Agora, a expansão voltou a
acontecer.”, prevê Sachs para o Brasil, em entrevista concedida à Revista Exame, em 29/11/2007.
Sachs afirma que a pobreza extrema é um anacronismo. A renda per capita média do mundo no
século XXI é cerca de 9.000 dólares e, nos países ricos, pode ficar entre 35.000 e 40.000 dólares.
Então, para fechar a conta, em alguns lugares do mundo, ela pode ser de apenas 350, ou seja,
menos de 1 dólar por dia! O fato é que há pessoas morrendo de fome enquanto outras se
beneficiam do moderno desenvolvimento econômico. Enquanto houver esse tipo de miséria,
haverá instabilidades, doenças, migrações em massa, crescimento populacional acelerado,
conflitos armados, degradação ambiental e berços para o terrorismo.
(Sérgio Teixeira Jr., Um mundo menos pobre - mas muito desigual. Revista Exame, São Paulo:
Ed. Abril, nº 907, nov/2007)
21
A resposta que se tem diante da exaustão a que o homem expõe o meio
ambiente revela-se na intensificação da pobreza da população, e, sobretudo, na
ocorrência de catástrofes naturais, como inundações, secas, abalos, e outras
formas de intempérie que se manifestam cada vez mais intensas, cada vez mais
devastadoras.
Desde
a
revolução
industrial4,
o
crescimento
econômico
e
o
desenvolvimento se mantiveram e prosperaram à custa não apenas da extração
sem limites de matérias-primas, mas, sobretudo, da exploração de energia
altamente poluente, dando início à época de maior impacto já registrado sobre o
meio ambiente.
A natureza exibia limites que, em sendo transpostos, colocariam em risco a
integridade do sistema, ameaçando a sobrevivência na Terra. Exemplo disso é o
efeito estufa, uma das ameaças à manutenção da vida no planeta, e que se
origina diretamente da exploração de um dos recursos naturais: queima de
combustíveis fósseis.
De acordo com Diamond (2205), em praticamente todas as áreas de
atuação em que se buscou o “desenvolvimento”, as ações acabaram revelando4
Em 1760 na Inglaterra, implantou-se o uso de máquinas em grande escala, substituindo a
produção manufatureira pela maquinofatura. Esse evento marca o início da primeira fase da
Revolução Industrial que teve profunda influência sobre a economia mundial, ocasionando
significativas mudanças sociais, políticas e culturais para o homem contemporâneo. Graças à
Revolução Industrial, o capitalismo da Época Moderna pôde amadurecer e constituir-se num
sistema econômico, suplantando definitivamente os vestígios do feudalismo.
A primeira fase da Revolução Industrial estendeu-se até 1850; nesse período a Inglaterra liderou o
processo de industrialização. O desenvolvimento técnico-científico, que programou a
modernização econômica, foi significativo; surgiram então as primeiras máquinas feitas de ferro
que utilizam o vapor como força motriz. Por outro lado, a existência de um amplo mercado
consumidor para artigos industrializados - América, Ásia e Europa - estimulava a mecanização da
produção.
A segunda fase da Revolução Industrial iniciou-se em 1850. Foi quando o processo de
industrialização entrou num ritmo acelerado, envolvendo os mais diversos setores da economia,
com a difusão do uso do aço, a descoberta de novas fontes energéticas, como a eletricidade e o
petróleo, e a modernização do sistema de comunicações. Outro acontecimento de grande
importância dessa fase foi a efetiva difusão da Revolução Industrial. Em pouco tempo, espalhouse por todo o continente europeu e pelo resto do mundo, atingindo a Bélgica, a França, a Itália, a
Alemanha, a Rússia, os Estados Unidos, o Japão, etc. (Azevedo, Antonio Carlos do Amaral.
Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999).
22
se agressivas ao meio natural, quer por danos que desencadeiam processos de
desertificação, em que o solo se torna árido e improdutivo, diante do
desflorestamento, da sobrepastagem, quer por outras formas de agressão que
comprometem o solo causando a erosão e, consequentemente, ocasionando a
extinção de espécies vegetais e animais, a redução da biodiversidade e dos
ecossistemas do planeta. Tais ações produziram danos irreversíveis ao meio em
tal proporção que ultrapassaram fronteiras, ganhando dimensões em escala
global. Neste viés, o relatório demonstra que tais riscos, avolumados pela
incomensurável e cotidiana agressão, aumentaram desproporcionalmente a
capacidade de o homem administrar tal situação. Porém a maior ameaça ao meio
ambiente, na ocasião da publicação do Relatório, sinalizou para a possibilidade
de uma guerra nuclear, pois muitos países empenhavam-se em uma corrida
armamentista que já ganhara contornos de exploração espacial.
A preocupação central do trabalho convergiu, assim, para o meio ambiente,
mas
também
o
desenvolvimento
econômico
mostrou-se
extremamente
preocupante. Tal preocupação foi sentida mais intensamente nos anos 1980,
época em que se registrou a estagnação do comércio mundial, e regiões como
África e América Latina sofreram sobremaneira com a crise econômica. Meio
ambiente e desenvolvimento não constituem desafios isolados, uma vez que se
estabelece um inter-relacionamento inegável entre ambos. Ausentes os recursos
ambientais, simplesmente não se mantém o desenvolvimento. Por outro lado, se
o crescimento buscou avanços, desprezando, ignorando a preservação ambiental,
o meio ambiente, desprotegido, evidenciou visíveis sinais de perecimento.
Observa-se, então, um sistema complexo de causa-efeito, no qual o
desenvolvimento merece tratamento de forma associada com a preservação do
meio ambiente. As políticas ambientais equivocadas devem ser revistas e
avaliadas sob novo tratamento, conclui a equipe de Brundtland, recebendo uma
abordagem de maneira globalizada, em que as nações elejam a meta de um
desenvolvimento que integre a produção aliada à conservação e à ampliação dos
recursos, vinculando-as à garantia não apenas de uma base adequada de
subsistência, mas também, e, sobretudo, de um acesso equitativo aos recursos
que garantam o “desenvolvimento sustentável”.
23
Reconhece-se, agora, o desenvolvimento sustentável como aquele que
atende às necessidades do presente sem que comprometa os recursos
disponíveis para as gerações futuras proverem as próprias necessidades, porém
deve ser considerado ainda que as necessidades essenciais dos povos menos
favorecidos devem ser supridas; caso tudo se processe harmonicamente, em
contrapartida, esforços convergirão todos, sem distinção, irmanados pelo mesmo
fim de preservação para atenuar o impacto ao meio ambiente que os avanços da
tecnologia e da organização social colocariam em risco, atingindo não só as
necessidades futuras, mas também as presentes.
Com um amparo legal à educação e ao desenvolvimento das instituições
seria possível iniciar uma conscientização para que as pessoas passassem a
exercitar seu pensar e seu agir norteados para ações que preservassem o
desenvolvimento sustentável. Importante seria trabalhar por uma quebra do
paradigma que se cultiva a respeito de transgressão: “uma transgressão solitária
é inofensiva”, como uma lata de refrigerante que eu jogo na rua, porque ações
solitárias “inofensivas”, a minha, a sua, transformam-se no “nosso” espantoso
quantitativo de agressões ao meio; na verdade, ainda não se formou a
consciência nas pessoas, que não entendem por que o planeta entra em
convulsão: é justamente o somatório descomunal de agressões individuais, ao
lado das agressões coletivas, que resultam no que se vê: um clima adverso e
intempéries arrasadoras.
Faz-se necessário desviar o olhar para a educação ambiental enquanto se
discute os caminhos para o desenvolvimento sustentável, a fim de iniciar um
movimento de resgate da percepção de que cada pessoa, cada ser vivo, faz parte
de um todo interligado e interdependente onde as palavras de Leonardo Boff
(2000, p. 91) tão bem direcionam, “cuidado significa, então, desvelo, solicitude,
diligência, zelo, atenção, bom trato. Estamos diante de uma atitude fundamental,
de um modo de ser mediante o qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com
desvelo e solicitude”.
Não só a educação, mas também medidas precisas que atenuem o imenso
abismo na distribuição de renda e na disputa pelo poder político, em outras
24
acepções, os países, sem distinção, disporiam de melhores condições se cada
um considerasse os efeitos de suas ações sobre os demais.
Importante destacar que o impacto ambiental não respeita limites nem
fronteiras, não se produz limitado a áreas de uma dada jurisdição política, e
quando um sistema se aproxima de seus limites ecológicos, as desigualdades se
acentuam. A dificuldade de se promover o interesse comum no desenvolvimento
sustentável encontra-se no fato de não se ter buscado adequadamente a justiça
nem a econômica nem a social, tampouco a ambiental, não apenas circunscrito a
um país, mas também entre países.
O
Relatório
declarou
que
intercâmbios
econômicos
internacionais
beneficiariam todas as partes envolvidas, porém, para isso seria necessário que,
em momento anterior, fossem atendidas duas condições: a manutenção dos
ecossistemas dos quais dependia a economia global fosse garantida, e os
parceiros econômicos estivessem convencidos de que o intercâmbio se
processaria em bases justas. Um novo impulso ao crescimento econômico teria
como pré-requisito uma administração econômica eficiente e coordenada pelos
principais países industrializados. Tal administração visaria facilitar a expansão,
reduzir as taxas reais de juros e deter o avanço do protecionismo.
Assim, em um mundo cada vez mais poluído e com recursos cada vez mais
escassos, o crescimento econômico deveria promover práticas que preservassem
e expandissem a base dos recursos ambientais, e, ao mesmo tempo,
centralizasse uma atuação responsável e séria na mitigação da pobreza que vem
se intensificando significativamente no mundo. Por outro lado, ações políticas que
contemplassem uma administração criteriosa dos recursos ambientais em
progressão continuada a fim de se preservar a sobrevivência do homem na Terra
mostraram-se não só necessárias, mas urgentes. Tanto a proteção ao meio
ambiente quanto o bem-estar das pessoas integra uma parcela das pretensões
para a promoção do desenvolvimento de um país; fomentar o desenvolvimento
econômico sem levar em conta o meio ambiente é medida temerária e a resposta
que a natureza tem oferecido em todos os pontos da Terra trazem a constatação
ditada pela teoria que afirma que, para toda ação, uma reação se consuma. Não é
mais uma aproximação clássica e ecológica na qual a natureza deveria ser
25
preservada para o bem da saúde, agora o homem é visto como parte da figura
global e deve agir para o bem da Terra para preservar-se a si próprio. Portanto,
ciência, tecnologia e investimentos devem servir às três áreas: ao meio ambiente,
à economia e ao homem como ser social.
A sobrevivência e o bem-estar da humanidade dependeriam do sucesso de
uma ética global para o desenvolvimento sustentável através de ações de todas
as nações em harmonia, que alimentariam a meta de qualidade de vida no curto,
médio e no longo prazo.
Toda nação, rica e pobre, deveria imbuir-se da
responsabilidade que individualmente lhe cabe, de assegurar a paz, mudar
tendências e corrigir o sistema econômico internacional que intensifica as
desigualdades e os problemas ambientais.
As mudanças propostas no Relatório consideravam as dimensões
ecológicas, políticas, econômicas, comerciais, energéticas, agrícolas e indústrias
nos níveis nacional, regional e internacional, as quais se inter-relacionam e
abrangem formas de se descobrir a origem dos problemas, de lidar com os
correspondentes efeitos, de avaliar os riscos globais e de fazer opções com base
segura para fornecer meios legais e investir no futuro.
Em busca de respostas às indagações acerca do que efetivamente mudou
da década de 1980 até os tempos atuais de maneira positiva, poupando o meio
ambiente, refreando o crescimento populacional, produzindo bens de consumo
em processos industriais limpos, reduzindo a pobreza, faz-se pertinente
retroceder para alguns anos antes do estudo da Comissão Bruntland e relembrar
que, anos antes, outros estudos sobre o meio ambiente foram relevantes no
cenário mundial, alguns com previsões não tão otimistas como o Nosso Futuro
Comum.
Em 1968, constituiu-se o Clube de Roma, composto por cientistas,
industriais e políticos e tinha como objetivos identificar e discutir os problemas
mais críticos do mundo (Meadows, 1972). Os problemas levantados eram a
industrialização acelerada, o rápido crescimento demográfico, a escassez de
alimentos, o esgotamento de recursos não renováveis e a deterioração do meio
ambiente. O Clube de Roma, com uma visão “ecocêntrica”, elegeu como o grande
problema a pressão da população sobre o meio ambiente. Progredindo os
26
estudos neste viés, o grupo de pesquisadores liderado por Dennis L. Meadows
publicou em 1972 o estudo intitulado Os Limites do Crescimento. O estudo
projetou cem anos – sem considerar questões como progresso tecnológico ou a
descoberta de novos materiais – apontando que, para atingir a estabilidade
econômica e respeitar a finitude dos recursos naturais, seria necessário congelar
o crescimento da população global e do capital industrial. A tese do Crescimento
Zero, como foi chamada, era um ataque direto às teorias de crescimento
econômico contínuo.
Surgiram,
imediatamente,
diversas
críticas
à
tese
de
Meadows,
principalmente pelo caráter neomalthusiano quando apontava a variável
crescimento populacional nos países do então chamado Terceiro Mundo
(BARBIERI, 2004) como um impulsionador da crise ambiental global. Teóricos
economistas
de
países
em
franco desenvolvimento, que defendiam o
crescimento, criticaram com veemência os prognósticos catastróficos do Clube de
Roma, mas também intelectuais de países subdesenvolvidos se manifestaram de
forma negativa, alegando que as sociedades ocidentais, depois de um século de
crescimento industrial acelerado, defendiam o congelamento do crescimento
escorados na retórica ecologista, o que atingia de forma direta os países pobres,
que tendiam a continuarem pobres.
No mesmo ano da publicação de Os Limites do Crescimento, 1972,
aconteceu em Estocolmo a conferência da ONU sobre o ambiente humano,
conhecida como Conferência de Estocolmo, cujos produtos são a Declaração
sobre o Ambiente Humano e o Plano de Ação Mundial, com o objetivo de orientar
todas as nações sobre a preservação e melhoria do ambiente humano. As
grandes preocupações, dentre elas a poluição e a questão da chuva ácida na
Europa, levaram a Conferência de Estocolmo à reflexão, de forma mais ampla,
das
questões
políticas,
sociais
e
econômicas
envolvidas,
"onde
as
recomendações passaram a ser mais realistas e mais próximas da vida e da
qualidade da vida humana" (Maimon, 1992, p.21). Como resultado deste evento,
foi criado o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente,
encarregado de monitorar o avanço dos problemas ambientais no mundo.
27
Em suma, Nosso Futuro Comum, Os Limites do Crescimento, a Conferência
de Estocolmo e todos os movimentos que deram continuidade ao debate global
acerca das questões ambientais, como a Rio 92, trataram e ainda tratam da
urgência da consciência e do compromisso com a prática da sustentabilidade,
pela integração entre as organizações e a sociedade, a erradicação da pobreza e
a produção da riqueza financeira de maneira mais igualitária, enfatizando a
importância do diálogo entre os saberes e dos debates interdisciplinares.
2.2
Do sucesso da industrialização à sociedade de risco
A degradação do meio ambiente, a destruição da camada de ozônio5, o
efeito estufa, a escassez de recursos naturais, a poluição generalizada, todos
esses temas se propagam e se tornam populares, superficialmente acessíveis a
todas as camadas da população, porém essa percepção, apesar de tardia, ainda
não despertou uma reflexão mais profunda de que esses problemas tão atuais e
tão preocupantes resultam de um processo de modernização marcado pela
industrialização.
A passagem da era agrícola para a industrial, e desta para a era da
informação marca-se fundamentalmente impulsionada pelas novas formas e
sistemas de geração de riqueza. A utilização da energia elétrica e dos
combustíveis fósseis relaciona-se intrinsecamente às mais importantes mudanças
da forma de produção de riqueza, porém todas essas mudanças produziram
ainda mais intensamente impactos sociais, culturais, políticos, filosóficos,
institucionais.
Com a publicação da obra Risk Society (em alemão em 1986 e editado em
inglês em 1992), Ulrich Beck recebe maior destaque dentre os teóricos sociais. A
tese central de Beck nesse livro é que a modernidade pós-industrialização
caracteriza-se pela produção extrema e má distribuição de bens, chegando à
5
A camada de ozônio ou ozonosfera é uma "capa" de gás que envolve a Terra, protegendo-a de
várias radiações, sendo a principal delas a ultravioleta. Com o aumento da demanda de produtos
que emitem clorofluorcarbono – como os refrigeradores, que é um gás que ao atingir a camada de
ozônio destrói suas moléculas (O3), os chamados “buracos na camada de ozônio” têm aumentado
progressivamente, permitindo uma maior incidência de raios ultravioletas na atmosfera terrestre.
(TOLENTINO, M., ROCHA-FILHO, R.C. e SILVA, R.R. da. O azul do planeta. São Paulo:
Moderna, 1995)
28
denominada “sociedade de risco”, na qual a distribuição dos riscos não
corresponde às diferenças sociais, econômicas e geográficas do que ele chama
de primeira modernidade. Tanto o desenvolvimento científico quanto o tecnológico
não mais poderiam prever nem controlar os riscos que, decididamente, foram
criados pela própria ciência e tecnologia e que geram graves consequências no
que tange à saúde humana e ao meio ambiente, desconhecidas – ou ignoradas –
no longo prazo, mas que, ao chegarem em situação de ameaças explícitas,
tendem a se mostrar irreversíveis.
Beck (2000, p.19) afirma que: "Na modernidade avançada, a produção social
de riqueza é sistematicamente acompanhada pela produção social de riscos".
Riscos que se materializam nas ações de diferentes atores, sejam eles do campo
político, social, científico, tecnológico. Ameaças não previstas, ocultas nos
meandros de uma sociedade industrial, expõem a população e o meio ambiente a
contaminações e degradações nunca antes observadas. Uma vez que o processo
de industrialização apresenta-se de forma indissociável do processo de produção
de riscos, parece inevitável o surgimento do que, conceitualmente, podemos
chamar de sociedade de risco.
De fato, a geração de bens e de riquezas se consuma trazendo em sua
esteira os riscos decorrentes da industrialização e do desenvolvimento de novas
tecnologias. O que se esperava era que a ciência e a tecnologia, na modernidade
clássica, pudessem oferecer certezas de que tais riscos seriam monitorados e
controlados eficientemente, alimentava-se a suposição de que estariam restritos a
contextos muito bem delimitados, e, mesmo que chegassem à coletividade,
seriam produtos do desenvolvimento de novas tecnologias, portanto, também, de
certa maneira, controlados.
Na sociedade de risco, os riscos ultrapassariam os limites temporal e
territorial, e surgiriam como produtos dos excessos da produção industrial
(CASTIEL, 2001). Logo, o que se pensava poder obter da tecnologia, ou seja, as
certezas com relação aos riscos graças à ampliação e domínio do conhecimento,
não se concretizaram, muito pelo contrário, contribuíram para ampliar o universo
das incertezas.
29
2.2.1 Modernização reflexiva em uma sociedade de risco
Para Beck (1997), assim como para Giddens e Lash, não existe um marco
histórico que quebre o conceito de modernidade e justifique, por essa razão, um
novo conceito, o da pós-modernidade e, em tal discussão surge a teoria da
modernização reflexiva, em que se preserva a modernidade, porém as
transformações sociais remetem a um outro momento, sob um panorama
ostentando novas configurações. Contrapondo-se aos teóricos que defendem a
pós-modernidade, Beck (1997) acredita na existência de uma coesão social ao
invés do caos e da fragmentação. Por mais que não se reconheça que ao longo
do tempo a coesão social se modifique, a situação continua presente nas diversas
fases da modernidade.
Uma importante fase da modernidade operou até a década de 1980, período
em que sociedade e Estado muitas vezes apresentavam conceitos equivalentes,
uma vez que toda a sociedade era formatada como estados contêineres que
proporcionavam coesão e proteção aos seus integrantes, tornando-se fonte de
referência. A divisão entre as classes trabalhadoras e produtoras traçava-se nítida
e se organizavam desta forma para sustentar a lógica da produção industrial.
Beck (1997) chamou esta fase de primeira modernidade na qual a configuração
da delimitação territorial do Estado-nação determinava o limite de alcance das
respectivas ações. A primeira modernidade foi marcada por pautas coletivas de
vida, progresso, controle, pleno emprego e exploração da natureza.
Porém, a partir da metade da mesma década, em meio a crises, revoluções
e rupturas, surge um novo momento da modernidade no qual a contínua busca da
aceleração do desenvolvimento da sociedade logra romper as características de
quase fusão de sociedade/Estado em decorrência mesmo do enfraquecimento
estatal pelo aperfeiçoamento dos processos industriais e ações globalizadas, que
obriga esse Estado a associar-se, ou, de certa forma, a globalizar-se;
consequentemente, repita-se, enfraquece o papel de Estado protetor, enfraquece
a posição de referência, e a crise se estabelece. Essa fase é definida por Beck
como a segunda modernidade.
A globalização, a individualização, a revolução dos gêneros, o subemprego e
os riscos globais, processos intrinsecamente relacionados, sintetizam os desafios
30
que a sociedade da segunda modernidade enfrentará. Esses cinco processos, se
analisados mais atentamente, apresentam-se como consequência inesperada do
sucesso da primeira modernidade, em que a busca pela modernização era
simples, linear e industrial, baseada no Estado-nação.
Na fase da segunda modernidade, a sociedade torna-se mais consciente e
passa a compreender com um pouco mais de clareza os resultados e os efeitos
colaterais que vão surgindo ao longo do processo de modernização. Certamente
que, em muitos aspectos, os resultados foram positivos e, de certa forma,
mudaram consistentemente a maneira de viver dessa sociedade, ao oferecer
progresso de ordem econômica, científica ou tecnológica, frutos da primeira
modernidade. Esses resultados serviriam ainda para oportunizar a sociedade a
conhecer melhor o mundo em que habita e, com isso, criar uma forma melhor de
viver. Infelizmente, o outro lado dessa moeda denunciou que nem todos os
resultados foram positivos: uma pequena parcela da população alcançou essa
forma melhor de viver e ocorreram também os indesejáveis efeitos colaterais.
Ao se atentar para os riscos e para as ameaças, percebe-se também que o
Estado fragilizou-se; um novo tipo de capitalismo se configura, no qual se instala
um tipo de economia ainda não conhecido, e, também, um novo tipo de sociedade
se desenha. Surge, assim, a sociedade de risco global, cujo maior desafio é
identificar como esta sociedade se relacionará com as diferentes manifestações
de modernidade de outras partes deste mundo sem fronteiras.
O enfraquecimento dos Estados, a desorientação social, a percepção dos
riscos gerados pelo desenvolvimento globalizado e a emergência de um
sentimento de humanidade são, para Beck (1997), os principais fatores que
evidenciam uma quebra dos paradigmas até então vigentes, e uma sociedade
moderna inaugura o conceito de desenvolvimento conhecido como a segunda
modernidade.
A sociedade contemporânea pode ser entendida com mais clareza sob a
ótica do conceito de sociedade de risco: uma sociedade que toma consciência da
urgência de novas formas de cooperação e de entendimento mundiais para o
controle dos riscos oriundos do seu próprio desenvolvimento, como defende Beck
(1997), ao reforçar o conceito de modernidade reflexiva, em que se instala um
31
constante confronto e interação entre os velhos temas da modernidade –
organização capitalista, produção e consumo, conflitos sociais – e os novos riscos
a ameaçar a humanidade – destruição do meio ambiente, catástrofes nucleares,
contaminação.
Em suma, a modernidade cotidiana atingiu um estado de supramodernidade
e, com isso, torna-se possível trabalhar a realidade com um discernimento mais
aguçado. Percebe-se a modernidade criticando a modernidade, raciocinando
sobre si mesma e, ao mesmo tempo, desenvolvendo uma capacidade de exercitar
também retrospectivamente tal reflexão. Os modelos de desenvolvimento das
sociedades modernas criaram problemas e impasses fundamentais de tal
gravidade que questionam qualquer movimento que preserve princípios
semelhantes. Este é o conceito de modernização reflexiva, determinando
significativas mudanças sociais. Mudanças que descortinam o real nível de
insegurança, de periculosidade, culminando, enfim, na sociedade de risco, em
que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais extrapolam as próprias
instituições e imiscuem-se na sociedade globalizada.
O problema do risco tecnológico ambiental se instala. O desenvolvimento
tecnológico cria um paradoxo de descomunais dimensões, uma vez que, ao
mesmo tempo em que propicia uma melhor forma de viver e de produzir, gera
ameaças para a sociedade. Além da produção de riquezas e da criação de
melhores
condições
de
vida,
a
tecnologia
insere
conhecimentos
indispensavelmente fundamentais à vida contemporânea, porém essa mesma
ferramenta que oferece tão valiosos benefícios dissemina problemas de forma
global, ou seja, ao mesmo tempo em que confere ao desenvolvimento tecnológico
o status de motor do desenvolvimento econômico, aprofunda muito mais
intensamente o abismo que separa as sociedades ricas das mais pobres.
Em tempos de globalização, cumpre esclarecer o que se entende como
globalização de risco. Infelizmente não se traduz como igualdade global que a
todos atinja em proporções equivalentes porque, conforme reza a primeira lei dos
riscos ambientais, a contaminação atinge muito mais cruamente os mais pobres.
O desenvolvimento tecnológico envolve indiscutivelmente uma dimensão de
risco para a humanidade, e os aspectos tecnológicos são enfatizados por Beck
32
que destaca certos riscos como riscos à vida, explicando-os não apenas como
aqueles gerados pelo desenvolvimento da indústria bélica e seu elevado poder
destrutivo, mas, também, pela destruição ecológica como resultado da
infraestrutura das indústrias de tecnologia e da extração de materiais do meio
ambiente pelas mesmas indústrias tecnológicas e, por fim, pelos riscos de
exclusão social que o desenvolvimento de novas tecnologias da informação pode
criar.
Neste viés, é possível perceber que quando se fala em sucata tecnológica,
os riscos são inumeráveis: riscos ambientais pela extração de matéria-prima para
a cadeia produtiva, riscos à saúde e à vida humana quando populações pobres e
sem qualquer conhecimento prévio tentam desagregar componentes valiosos de
componentes tóxicos e perigosos que compõe equipamentos eletrônicos, por
exemplo.
Pela ótica ambiental, o homem exercita uma reflexão perigosamente tardia
em relação às formas de produzir e de comercializar bens e serviços, já que força
o ecossistema a uma transformação irreversível do seu ponto de equilíbrio. Neste
novo
ponto
de
equilíbrio,
toda
a
atual
organização
social
ruiria
por
incompatibilidade com o conjunto de recursos naturais e limites de temperatura,
quantidade de chuvas e nível dos oceanos, que seriam regulares após as
transformações. O volume de detritos que a tecnologia despeja no ecossistema
não encontra precedentes na história humana e nos remete a uma dura crítica
aos modelos econômicos e às bases tecnológicas da produção, além de, pela
primeira vez, questionar os “modelos de vida” que durante décadas serviram de
exemplo de modernidade e de desenvolvimento, mas que hoje se mostram
ineficientes, alvos de críticas consistentes tanto pelo consumismo desenfreado,
que gera custos exorbitantemente elevados, quanto pelos privilégios que apenas
a uma ínfima parte da população contempla.
A geração de energia bem como a produção e a distribuição dos bens e de
serviços que garantem formas de organização e vida das sociedades humanas
devem ser harmonizadas com a dinâmica dos ecossistemas. A questão do
conhecimento sobre essa dinâmica e também sobre os seus limites pode
contribuir para tornar sustentável a preservação da existência humana na Terra.
33
Todo o conjunto de conhecimentos científicos e tecnológicos disponíveis
transmuda-se, então, em um instrumento de proteção e de manutenção da
qualidade de vida para que as gerações futuras também desfrutem um nível de
qualidade de vida compatível com as necessidades; no entanto, toda uma
sociedade, incentivada pelo “jeito americano de viver” trabalhou arduamente pela
conquista da tecnologia e pelo conhecimento que se acumulou, gerando uma
aceleração do desenvolvimento e, paralelamente, ao invés da manutenção das
condições de vida mais aprazíveis para as gerações futuras, produziu exatamente
uma situação que descambou para o extremo oposto: aumentou os riscos. É a
criatura se voltando contra o criador, ou seja, resultados desconhecidos e
totalmente inesperados agora atingem não só a população mais pobre, mas
extrapola as fronteiras das nações subdesenvolvidas e chega à casa da
sociedade consumista, que começa a se preocupar com os excessos que
perpetrou até agora irrefletida e irresponsavelmente.
Patrick Lagadec, em seu estudo intitulado A civilização do risco, de 1981,
alerta para a ocorrência de catástrofes tecnológicas e responsabilidade social,
evidenciando a evolução desfavorável de uma série de fatores que determinaram
um progressivo aumento do nível de risco tecnológico. Faltou às unidades de
produção de bens e de serviços e dos governos a prática regular de canalizar
investimentos específicos para o gerenciamento dos riscos tecnológicos implícitos
em seu cotidiano. Os resultados dos estudos relatam ainda catástrofes
tecnológicas ocorridas nas décadas de 1970 e 1980 (Tabela 1) que geraram um
grande temor na população.
Data
Local
Equipamento
Substância
Evento
Jun/1974
Fixborough – UK
Unidade de processo
Ciclohexano
Explosão
Nov/1975
Beek – Holanda
Planta petroquímica
Propeno
Explosão
Ago/1979
Three Mile Island – USA
Central nuclear
Subst. radioativas
Fusão do reator
Abr/1984
Crernobil – URSS
Central nuclear
Subst. radioativas
Explosão e
incêncio no reator
Nov/1984
Cidade do México –
México
Terminal de estocagem
de gás liquefeito de
petróleo (GLP)
Propano + butano
Explosão e
incêndio
Dez/1984
Bhopal – Índia
Unidade de processo
Isocianato de
metila
Vazamento de gás
tóxico
Fonte: Lees, Frank P. Loss prevention in process industries: hazard identification,
assessment and control (1996)
34
Tabela 1.
Acidentes Ambientais e Sociais
Talvez o pior acidente industrial da história da humanidade tenha sido a
tragédia de Bhopal6, ocorrida na madrugada de 3 de dezembro de 1984, quando
40 toneladas de gases tóxicos, como o isocianato de metila e o hidrocianeto,
gases fatais, vazaram na fábrica de pesticidas da empresa norte-americana Union
Carbide. Mais de 500 mil pessoas, a sua maioria trabalhadores, foram expostas
aos gases e duas mil morreram imediatamente, sendo que pelo menos 27 mil
vieram a óbito ao longo dos anos. Cerca de 150 mil pessoas ainda sofrem com os
efeitos do acidente e aproximadamente 50 mil pessoas estão incapacitadas para
o trabalho por problemas de saúde. As crianças que nascem na região, filhas de
pessoas contaminadas pelos gases, também apresentam problemas de saúde.
Apesar desse quadro, a fábrica da Union Carbide em Bhopal permanece
impunemente abandonada desde a explosão tóxica, enquanto resíduos de
elevado grau de periculosidade e materiais contaminados ainda restam
espalhados pela área, contaminando solo e águas subterrâneas, dentro e ao
redor da indústria. Estudos deste caso levantam a hipótese de que o desastre
poderia ter sido evitado se os sistemas de segurança da fábrica fossem
adequados (DUARTE, 2005).
No Brasil, a preocupação com os riscos ambientais e ameaças à população
ganhou ênfase em 1984, com o acidente ocorrido pelo rompimento de um duto de
gasolina seguido de incêndio em Cubatão7 (SP), deixando mais de 400 feridos e
93 vitimas fatais. A partir daí, iniciou-se um processo de conscientização sobre o
elevado grau de risco do Pólo Petroquímico de Cubatão, pela constante
incidência de casos de deslizamento nas encostas da Serra do Mar, capazes de
ocasionar a liberação de produtos tóxicos e inflamáveis, tornando-se uma ameaça
constante para população local (CETESB, 2001).
6
Bhopal é a capital do estado de Madhya Pradeshdia. Tem cerca de 1541 mil habitantes. Foi
fundada em 1728 para capital do antigo principado do Bhopal.
7
Cubatão é um município do estado de São Paulo, na região metropolitana da baixada santista,
microrregião de Santos. A população é de aproximadamente 130mil habitantes. Com um grande
parque industrial, Cubatão ficou nacionalmente conhecida pela ameaça constante da poluição.
Contudo, após uma forte aliança entre indústrias, comunidade e governo, a cidade passou a
controlar 92% das suas fontes poluidoras e, em 1992, recebeu da ONU o título de "Cidade
Símbolo da Recuperação Ambiental".
35
Em setembro de 1987, em Goiânia (GO), ocorreu um sério acidente
radiativo. No desastre foram contaminadas centenas de pessoas pela radiação
emitida por uma cápsula que continha césio-137 (CHAVES, 1991). Foi o maior
acidente radioativo do Brasil e o maior do mundo ocorrido fora de usinas
nucleares. Foi um caso de imprudência por parte de um instituto de radioterapia
que abandonou um aparelho radioterápico em desuso em suas antigas
instalações.
Catadores de lixo acabaram encontrando o referido aparelho, que foi
removido com a ajuda de um carrinho de mão e levado para a casa de um desses
catadores, a fim de desmontá-lo para revender as peças de metal e chumbo em
ferros-velhos. Certamente ignoravam a existência de letal carga contida naquela
máquina e a desmontagem expôs ao ambiente 19,26 g de cloreto de césio-137
(CsCl) que os atingiu.
Cerca de um mês após o acidente, quatro pessoas vieram a óbito e cerca de
400 pessoas ficaram contaminadas. O trabalho de descontaminação dos locais
atingidos gerou 13,4 toneladas de lixo (roupas, utensílios, materiais de
construção), contaminados com o césio-137, que foi armazenado em 1.200
caixas, 2.900 tambores e 14 contêineres, em um depósito construído na cidade
de Abadia de Goiás (GO), local em que deve permanecer por aproximadamente
180 anos.
Após o acidente, mais 60 pessoas contaminadas morreram, entre eles
funcionários que realizaram a limpeza do local. O Ministério Público reconhece
apenas 628 vítimas contaminadas diretamente, mas a Associação de Vítimas
contaminadas do Césio-137 calcula que esse número seja superior a 6 mil
pessoas. Diferentemente do caso Bhopal, em que a Union Carbide permanece
impune até a presente data, em 1996 a justiça brasileira julgou e condenou por
homicídio culposo os sócios do Instituto de Radioterapia (Brasil Escola),
responsáveis pelo aparelho tão irresponsavelmente abandonado.
36
O mais recente acidente tecnológico ocorrido no Brasil foi a explosão na
base de lançamento de foguetes denominada Barreira do Inferno8, em
Parnamirim (RN), em agosto de 2003. Houve a explosão do foguete, a plataforma
inteira ruiu, e 21 engenheiros e técnicos morreram carbonizados por 41 toneladas
de um combustível sólido que alcança temperaturas de até 3 mil graus
centígrados. O motivo da explosão tem como hipótese mais provável a ignição
prematura de um dos quatro motores de propulsão sólida do primeiro estágio do
VLS (veículo lançador de satélites), o que teria propagado o fogo para toda a
plataforma de lançamento (NOGUEIRA, 2003).
Entretanto, independentemente da gravidade do risco, é necessário
considerar que um acidente pode provocar, em questão de horas apenas, um
impacto que em operação regular não ocorreria em toda a vida útil de uma
instalação, seja de uma indústria, seja de um aparelho.
Por tal razão, frisa Duarte (2005), a inclusão do tema “risco tecnológico” na
pauta
de
um
modelo
de
desenvolvimento
sustentável
representa
a
conscientização para um problema cujas origens históricas nos remetem às
modificações introduzidas nas indústrias, principalmente a partir do século XX,
quando a economia alterou os padrões de competição; na realidade, quando se
incorporam vantagens competitivas, gradativamente tais modificações são
adotadas igualmente pelos concorrentes, o que faz baixar a lucratividade do setor
e justamente nesse ponto crucial, a balança da ambição pende para a redução de
gastos que propiciem aumento dos lucros, imponderável se acusa em tal balança
o fator que deveria mais peso oferecer: a segurança das instalações e dos
processos.
8 Criado no dia 12 de outubro de 1965, o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI)
está situado no município de Parnamirim (RN). A localização do Centro obedeceu a requisitos
como proximidade com o equador magnético (linha situada a meia distância entre os pólos
magnéticos norte e sul), suporte logístico já existente, baixo índice pluviométrico, proximidade de
uma área de grande impacto (oceano) e condições de ventos favoráveis. A área é denominada
Barreira do Inferno devido a falésias vermelhas que, iluminadas pelos raios solares ao amanhecer,
assemelhavam-se, para os antigos pescadores, a labaredas de fogo (http://www.clbi.cta.br).
37
Pascal9 (1623-1662), ao assumir que o presente decorre em continuidade do
passado, idealizou uma forma de se antever o futuro analisando o comportamento
dos atores até o momento do corte e, mantendo-se as condições até dado
momento, projetar o desenrolar dos fatos baseado em tais ações. O cálculo de
probabilidades, elaborado por Pascal no século XVII, é bastante importante para a
compreensão dos procedimentos de quantificação de riscos adotados pela ciência
da análise de riscos utilizada na atualidade (BERNSTEIN,1997).
A fim de se isolarem as ameaças mediante controle das instalações
industriais, os riscos deveriam ser estudados ainda em fase de projeto (DUARTE,
2005). Seria possível, assim, detectarem-se, identificarem-se não apenas os
tipos, mas também o potencial impacto dos acidentes, tornando possível prover
os meios para melhor controlar as causas e também as consequências. Para as
instalações projetadas sem que tais critérios técnicos tenham sido observados, é
indispensável que, mediante levantamento e identificação de riscos, seja ativado
um controle para que continuem operando dentro de padrões aceitáveis.
Impõe-se, então, diferenciar risco de ameaça. Giddens (1997, p.42) entende
que “ameaça e risco estão intrinsecamente ligados, mas não são a mesma coisa”.
A diferença não reside no fato de um indivíduo avaliar conscientemente ou não
alternativas para propor ou para assumir uma linha de ação específica. “O que o
risco pressupõe é precisamente a ameaça (não necessariamente a consciência
do perigo)” afirma Giddens (1997, p.42). Uma pessoa que arrisca algo, “brinca”
com o perigo, e, em tal situação, “o perigo é compreendido como uma ameaça
aos resultados desejados”. Sendo assim, qualquer pessoa que assuma um “risco
calculado” está consciente das ameaças envolvidas na situação específica. No
entanto, conclui o autor, é possível assumir ações ou sujeitar-se a situações sem
que esteja consciente do quanto está arriscando. Quando isso ocorre, a pessoa
está inconsciente das ameaças. Daí, ainda segundo Giddens (1997), a relação
muda para a esfera que tangencia a confiança ao risco. A confiança atua como
remédio que minimiza as ameaças às quais estão sujeitos certos tipos de
atividade.
9
Blaise Pascal (Clermont-Ferrand, 19 de Junho de 1623 – Paris, 19 de Agosto de 1662) foi um
físico, matemático, filósofo moralista e teólogo francês.
38
Mesmo com todos os recursos da análise de riscos, de cálculos de
probabilidades, de legislação ambiental, de consciência ecológica, a sociedade
contemporânea atua como uma sociedade órfã de segurança e de garantias e,
em tal situação, a proteção empalidece, o que aumenta o perigo. Beck (2002)
afirma que não existe instituição preparada para o pior acidente imaginável, como
tampouco existe ordem social que garanta constituição social e política no pior
caso possível. Porém muitos especialistas consideram a única possibilidade
restante: negar a existência dos perigos. Segundo Beck (2002), as medidas
preventivas que garantem a segurança são substituídas pelo dogma da
infalibilidade tecnológica, que acabará refutada por ocasião de um novo acidente.
Na linha de frente, em termos de ameaça, destaca-se a indústria química,
que manipula milhares de produtos, multiplica os riscos e pouco se propõe para o
controle ambiental e para a minimização dos perigos, protegida por uma
legislação branda e ineficiente (DEMAJOROVIC, 2003).
Para limitar os níveis aceitáveis de risco em uma sociedade, inquestionável
se impõe a necessidade de intervenção por autoridade pública, por meio de
poderes constituídos. Ao Poder Legislativo caberia criar um conjunto de leis que
definisse os limites de interferência dos agentes públicos e privados ao operar e
manter atividades de risco. As leis, além de definir os procedimentos necessários
para o funcionamento das instalações, deveriam ainda prever penalidades e
sanções a serem aplicadas quando do descumprimento da lei (DUARTE, 2005).
Ao Poder Executivo caberia a fiscalização e o controle das permissões. Esse
trabalho exigiria uma equipe técnica qualificada em relação à pesquisa e à análise
de risco e de consequências, além de recursos materiais e financeiros mantidos
pelo governo e ao Poder Judiciário se faz imperiosa a criação de varas
especializadas nos Tribunais de Justiça para processo e julgamento de matéria
ambiental
O que realmente se constata é que as imediações dos locais em que se
instalam as indústrias que operam sob condições de risco, tradicionalmente
apresentam menor valor para o solo. O baixo preço dos terrenos atrai um
movimento de famílias de baixíssima renda, situação que predispõe rapidamente
à formação de uma periferia congestionada que intensifica as condições de risco.
39
Observa-se, em alguns casos, que a ocupação invade espaços já direta e
potencialmente expostos a sofrer acidentes.
Notadamente o risco em uma determinada sociedade varia conforme o
contexto histórico ou outra situação particular. Por exemplo, os movimentos de
retomada de desenvolvimento intensificam os riscos tecnológicos ambientais.
Atualmente esse fenômeno em particular merece especial atenção, uma vez que
praticamente todos os países da América do Sul estão empenhados no aumento
de produção e de atividade econômica, alerta Duarte (2005).
Todo processo de aumento da atividade industrial com objetivo de estimular
a economia é composto por algumas etapas. Assim que a economia apresente
algum aquecimento, a indústria aumenta a produção a fim de atender ao mercado
demandante. Primeiramente, este aumento de produção é obtido apenas pela
capacidade já instalada, mas que estivera ociosa por falta de demanda. Ora,
quando a economia vai mal, funcionários são dispensados e máquinas paradas.
Logo, um benefício social altamente desejável na retomada da produção industrial
é a geração de empregos e manutenção dos postos já ocupados. Por outro lado,
a contratação de novos empregados com nível de experiência variado, e que
entram para a produção sob pressão da demanda, aumenta proporcionalmente os
riscos.
Conclui-se, dessa forma, que países chamados emergentes, como é o caso
do Brasil, estabelecem uma agenda mínima para a redução do risco tecnológico
nessa fase de aquecimento da economia. A iniciativa preventiva é muitas vezes
simples e suficiente para garantir que esses países desenvolvam-se plenamente,
passando a gerar riquezas para sua população valendo-se de seus próprios
esforços, propiciando uma melhor qualidade de vida, ao invés de crescerem à
custa de um meio ambiente devastado e uma população vivendo sob constante
ameaça.
De um ponto de vista sistemático, Beck (2002) distingue duas redes de
conflito: a primeira instala-se no confronto entre as indústrias poluidoras e os
grupos afetados enfrentando-se mutuamente de forma incisiva. Esta primeira
rede, então, transforma-se em uma segunda rede, na qual se acirram os
interesses de quem oferece auxílio, e a coalizão encoberta entre poluidores e
40
vítimas começa a desmoronar. Isso acontece quando setores do mundo dos
negócios, assim como da inteligência profissional – engenheiros, pesquisadores,
advogados, juízes – tentam atuar na função de resgate e auxílio e acabam por
vislumbrar na questão ambiental uma forma de construir e expandir o poder e os
mercados, o que pressupõe que a sociedade industrial está se tornando uma
sociedade com intenções e consciência distorcidas e, consequentemente, uma
sociedade de risco.
Os desastres mais terríveis são os que se derivam da perseguição,
passada ou atual, de soluções racionais. As catástrofes mais horríveis
nascem – ou é mais provável que tenham nascido – da guerra contra
as catástrofes [...] os perigos crescem com nosso poder, e o poder de
que temos mais desejado é o mínimo que permitiria adivinhar sua
chegada e avaliar seu alcance. (BAUMAN, 1992, p. 25 apud BECK,
2002, p.135)
Enfim, o futuro da Terra, um pobre limitado planeta que abriga não apenas
uma humanidade que não para de crescer, mas também ecossistemas
praticamente esgotados pelo desolador processo industrialista que tudo devasta,
e, ainda, pessoas cada vez mais angustiadas com relação ao futuro do planeta e,
consequentemente, com seu próprio futuro, e outras que ainda sonham com o
“jeito americano de viver”, trabalhando arduamente para, pura e simplesmente,
conseguirem manter-se ativamente, movidos por insaciável desejo de consumo, e
todas elas sendo governadas e lideradas por pessoas cujo objetivo real é o poder,
o lucro imediato, camuflado em discursos comoventes em prol de um mundo
melhor.
Paradoxalmente, essa mesma sociedade que parece sem rumo, correndo
em todas as direções, é a mesma que, pela primeira vez na longa história da
humanidade, adquiriu, buscando o conhecimento científico e o tecnológico, a
capacidade de alterar – para o bem e para o mal – o próprio ambiente em que
vive, chegando a afetar consideravelmente processos físicos, químicos e
biológicos da natureza, sem previsão do resultado disso tudo para a humanidade
futura (CÂMARA, 2005).
41
2.3
Desenvolvimento e pobreza
Para muitos, o desenvolvimento ainda prevalece como sinônimo apenas de
crescimento econômico. Esse conceito limitado de desenvolvimento, associado
ao aumento do PNB (Produto Nacional Bruto), cria a ilusão de que o indivíduo, ao
conquistar maior renda ou viver em uma comunidade mais industrializada,
ampliará o âmbito de sua liberdade. Mas a liberdade substantiva depende de
outros determinantes, como o acesso à saúde, ao saneamento básico, à
educação e, é claro, ao pleno exercício dos direitos civis. A liberdade de troca e
de transação no mercado é ela própria uma parte essencial entre os componentes
das liberdades básicas.
Segundo reflexões do economista Amartya Kumar Sen10 (2000), que em
1998 recebeu o Prêmio Nobel de Economia, todo indivíduo pode exercer as
capacidades que se referem a sua liberdade efetiva de, entre alternativas
disponíveis, escolher diferentes tipos de vida. Sen estudou e publicou trabalhos,
movido por um profundo desconforto diante das desigualdades sociais; dedicouse, por tal razão, a estudos envolvendo temas como a pobreza, a desigualdade, a
fome e a privação de liberdades.
Nos moldes da atual sociedade, parece impossível separar liberdade do
indivíduo (mundo imaterial, liberdade transcendental), do mundo material (que
privilegia apenas as riquezas econômicas) e, muitas vezes, é no enveredar-se por
equivocados caminhos que se chega à falsa liberdade material que direciona o
movimento e correlaciona vendas e realizações, mercadorias e capacidades,
riqueza econômica e a possibilidade de viver como se gostaria (SEN 2000).
Porém, o mundo material é praticamente dissociado do mundo imaterial,
interligam-se fragilmente por uma ponte, por um tênue fio que conduz à essência
discursiva do desenvolvimento e que permite maior liberdade na escolha de vida
com qualidade. A reflexão que a idéia sugere norteia para uma visão de
desenvolvimento extrapolando o anseio de acumulação material, ou seja, o
10
Nascido em 1933, em Santiniketan, Amartya Sen já lecionou na Delhi School of Economics,
London School of Economics, Oxford e Harvard. Reitor de Cambridge, é também um dos
fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento (Universidade da
ONU).
42
desenvolvimento intrinsecamente relaciona-se com as possibilidades de escolha
das “liberdades subjetivas para se deliberar a respeito daquilo que poderemos
obter” (SEN 2000, p.27).
Para Sen (2000), desenvolvimento consistiria na eliminação das privações
de liberdade que impediriam ou que limitariam as escolhas e as oportunidades de
as pessoas exercerem sua condição de agente. Seguindo este viés, a pobreza, a
escassez de oportunidades econômicas, serviços públicos inexistentes ou
ineficientes somados a uma excessiva interferência de estados repressivos
afiguram-se, para o autor, fontes de privação da liberdade a serem removidas.
“Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da
acumulação de riqueza e do crescimento do produto nacional bruto e
de outras variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a
importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito
além dele.” (SEN, 2000, p.28)
A ausência de um emprego digno desencadeia na vida de um indivíduo uma
situação que gera indefinidamente outras situações nesse círculo vicioso de
privações da liberdade. O desemprego exclui socialmente, suprime da pessoa a
capacidade de exercer seus direitos e aproxima dele a perda não apenas de
autonomia, mas também de saúde física e psicológica. Sen (2000) explora
incansavelmente os termos liberdade e capacidade. O primeiro deles começa
sendo o principal meio para se atingir o desenvolvimento, enquanto este meio
torna-se também o principal fim desse mesmo desenvolvimento. Sendo assim, a
liberdade possui seu papel constitutivo, relacionado às capacidades básicas de
todo indivíduo, como ser capaz de evitar privações como a fome, como a morte
prematura, ou ser capaz de sair do analfabetismo, da saúde precária. Seriam
estas algumas das capacidades que o desenvolvimento ampliaria. Por outro lado,
exerce um papel instrumental por meio de eventos distintos, porém interrelacionados, como as facilidades econômicas, as liberdades políticas, as
oportunidades sociais, as garantias de transparência e segurança protetora. Este
conjunto de capacidades contribuiria para o aperfeiçoamento, para o acréscimo
de liberdade de escolha que às pessoas legitimamente caberia exercer.
Quanto a tal situação, Sen exemplifica (2000, p.95): “Uma pessoa abastada
que faz jejum pode ter a mesma realização de funcionamento quanto a comer ou
nutrir-se que uma pessoa destituída, forçada a passar fome extrema, mas a
43
primeira pessoa possui um conjunto capacitário diferente da segunda (a primeira
pode escolher comer bem e ser bem nutrida de um modo impossível para a
segunda)”.
Voltando à liberdade de mercado, avalia-se que o mecanismo de
alavancagem econômica, como base do desenvolvimento, exibe-se como uma
herança antiga e, em muitos casos, pela negação da oportunidade de transação
por meio de controles arbitrários, atua como uma fonte de privação de liberdade,
pois tolhe as pessoas, elas, assim, são impedidas de atuar como julgam ser de
seu direito. Exemplificando com o trabalho de coleta e de venda de materiais
recicláveis, esses trabalhadores não conseguem trocar o produto de seu trabalho,
mesmo sendo importante do ponto de vista ambiental, social e urbano, pela
arbitrariedade de um mercado dominado por cartéis e, por isso, a liberdade de
transação desses trabalhadores se anula diante da sujeição que os cartéis lhes
impõem, ao ditar os preços das trocas e controlar o mercado.
Comparativamente ao termo trabalho adscritício, utilizado para o trabalho da
agricultura, e que significa a existência de algum tipo de coação para que uma
pessoa viva e trabalhe em determinada propriedade, impedindo-a de oferecer seu
trabalho no mercado, é possível dizer que o mercado de recicláveis no Brasil
torna o catador um refém do sistema de trabalho adscritício imposto pelo meio, ao
lhe tolher alternativas de escolha. O resultado é um trabalho que gera uma renda
aviltada.
De acordo com a lógica da liberdade do indivíduo, segundo ainda a visão de
Sen, é possível concluir que a chave para o desenvolvimento consistiria em
apontar alternativas que garantissem condições básicas para a existência; logo,
livrando o homem da fome, oferecendo-lhe condições de saúde, de educação e
de trabalho, essas mesmas pessoas poderiam tornar-se agentes, e a tais agentes
seria possível garantir-se também o direito inalienável de viver dignamente como
ser humano, que goza da prerrogativa de livremente caminhar para o próprio
desenvolvimento.
44
2.4
Do computador ao lixo tecnológico
Considera-se o ábaco como o precursor dos atuais computadores. Não se
sabe ao certo quando e onde ele surgiu, mas muitos historiadores acreditam que
tenha sido por volta de 4000 a.C. a 3000 a.C., no Oriente. O ábaco é um invento
resultante da necessidade de o homem “contar”. A partir de então foram
projetadas várias máquinas de calcular, que não obtiveram muito êxito. Com a
industrialização e consequente avanço tecnológico, máquinas de calcular mais
complexas começam a surgir. Por volta do século XIX, o inglês Charles Babbage
projetou a primeira calculadora analítica apta a receber códigos de programação
que eram instruções para a realização de cálculos. E foi Ada Lovelace11 quem
desenvolveu o primeiro programa para cálculos, tornando-se a precursora da
programação de computadores no mundo. Em 1900, com o a idealização do
armazenamento de dados em memória magnética, por Waldemar Pulsen,
impulsionou-se a chamada Era da Informática (LEITE, 2006).
Essa idealização persiste até hoje na estrutura dos computadores. Após a
mudança das válvulas para transistores, o computador tornou-se mais compacto,
podendo ser utilizado comercialmente. Posteriormente, a invenção do circuito
integrado tornou possível à pessoas comuns o seu acesso, chegando aos lares,
então, os PCs – personal computers.
Desde o advento da memória magnética até hoje, a cada inovação
significativa marcou-se uma “geração” da informática. Atualmente estamos na 5ª
Geração, na qual a demanda por maior velocidade de processamento,
capacidade de armazenamento já supera a medida dos terabytes, manipulação
de imagens e sons, processamento simultâneo de tarefas impulsionou o
desenvolvimento de computadores mais potentes, menores e com preços
compatíveis a uma economia globalizada.
11
Augusta Ada King (Lady Lovelace) nasceu na Inglaterra em 1815 e morreu em 1852. Existe
uma linguagem de programação denominada ADA em sua homenagem, que foi desenvolvida e
dotada como padrão pelas forças armadas americanas.
45
Tecnologia
Exemplos de
computadores
Geração
Período
Primeira
1946-54
Válvulas
IAS,UNIVAC
Segunda
1955-64
transistores
memória de núcleo
IBM 7094
Terceira
1965-74
circuito integrado
IBM S/360, DECPDP-8
1975-90
LSI, CI-VLSI
memória de semicondutores (início da
miniaturização dos circuitos: chip)
IBM-PC
Quarta
1991 - ?
CI-ULSI
processadores paralelos com execução de
muitas operações simultâneas
Intel Pentium
Quinta
Fonte: Leite, Mário. Técnicas de programação: uma abordagem moderna. 2006.
Tabela 2.
Gerações de computadores
Basicamente, o computador dispõe de uma montagem particular de
unidades de processamento, de transmissão, de memória e de interfaces para
entrada e saída de informações (LÉVY, 1999). Essa é a sua base, mas, a partir
daí e da evolução de cada um desses conceitos, chega-se nos tempos atuais em
que o computador está presente em cada passo da humanidade. Em pouco mais
de cinco décadas, essas três unidades básicas foram aperfeiçoadas de forma
assustadoramente rápida, fazendo que a aplicação da informática chegasse a
todas as áreas do conhecimento humano, em todas as classes sociais e nas mais
variadas aplicações: da administração de uma lavanderia à realidade virtual que
oferece muito mais que games envolventes, e que permite igualmente à medicina
realizar cirurgias oferecendo a um médico, que se encontra distante do local da
cirurgia, condições de interagir de forma sensório-motora, por modelos digitais,
com outros médicos ou com o paciente, realizando um procedimento menos
invasivo e mais preciso.
Segundo prevê Pierre Lévy, filósofo da informação que pesquisa as
interações entre a internet e a sociedade, em um futuro muito próximo a maioria
dos aparelhos comuns de comunicação, como TVs, telefones, copiadoras,
disporão, de alguma forma, de interfaces para o mundo digital, e poderão ser
interconectados (LÉVY, 1999). Desta forma, o computador deixará de ser um
centro para tornar-se um nó, um terminal, um componente de uma rede universal
46
dinâmica, viva. Num sentido mais filosófico, seria possível imaginar um único
computador, porém impossível seria definir seus limites, traçar seus contornos. “É
um computador cujo centro está em toda parte e a circunferência em lugar algum,
um computador hipertextual, disperso, vivo, fervilhante, inacabado: o ciberespaço
em si” (LÉVY, 1999, pág.44).
O computador evoluiu em sua capacidade de armazenamento de
informações, que é cada vez maior, o que possibilita aplicações com acesso em
amplitude cada vez maior da informação. Com todos os avanços tecnológicos, foi
possível também reduzir significativamente os custos dos equipamentos de
informática, permitindo que a aquisição de um microcomputador esteja ao alcance
da maior parte das pessoas.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD/2007, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, um a cada cinco lares
brasileiros, em 2006, tinha microcomputador. Os dados mostram que o índice de
presença do computador ficou em 22,1% das moradias do país em 2006 e 26,6%
em 2007, um crescimento de 2,8 pontos percentuais em relação ao levantamento
anterior de 2005.
HABITAÇÃO
Domicílios particulares permanentes
2006
2007
54.610.413
56.344.188
(%)
(%)
Fogão
97,7
98,1
Geladeira
89,2
90,8
Freezer
16,4
16,3
Máquina de lavar roupa
37,5
39,5
Rádio
87,9
88,1
Televisão
93,0
94,5
Microcomputador
22,1
26,6
Existência de alguns bens duráveis
FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento,
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2006-2007.
12
Tabela 3.
Habitação – EEE por domicílio
12
EEE – sigla utilizada para definir equipamentos eletroeletrônicos.
47
O desempenho dos PCs, em 2005, já superava o resultado apresentado por
outros itens pesquisados pelo IBGE: geladeira, freezer, rádio, máquina de lavar
roupa e televisão. Todos esses aparelhos, à exceção de freezer, que apresentou
queda de 0,4 ponto percentual no período, e rádio, que teve expansão de apenas
0,6 ponto, apresentaram altas entre 1,2 e 1,7 pontos percentuais.
Os dados do IBGE identificam-se com os da pesquisa apresentada pela
ABINEE (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), que indica que
houve crescimento de 43% nas vendas de computadores no primeiro semestre de
2006 em relação ao mesmo período de 2005. Dentre os motivos levantados estão
medidas de incentivo à comercialização de PCs e de combate à ilegalidade na
cadeia produtiva, que têm causado a queda dos preços.
Após a crise econômica que abalou o mercado global, principalmente no
segundo semestre de 2008, a ABINEE contratou a consultoria IT Data para
realizar novos estudos no mercado brasileiro de PCs. Segundo dados levantados,
comercializaram-se 2,217 milhões de microcomputadores no Brasil nos três
primeiros meses de 2009. Na comparação com o mesmo período do ano anterior,
quando foram negociados 2,510 milhões de computadores, a retração provocada
pela crise chegou a 12%.
A ABINEE prevê que a venda total de PCs no ano de 2009 deverá atingir
cerca de doze milhões de unidades, apostando na recuperação do mercado
nacional de computadores, baseada no crescimento de 20% na comercialização
de PCs no segundo trimestre em relação ao primeiro trimestre deste ano.
O Comitê Gestor de Internet no Brasil13, CGI, divulgou que cerca de 25% do
total de domicílios brasileiros têm computador, mas um percentual um pouco
menor (18%) conta com acesso à web. Os dados fazem parte da Pesquisa TIC
(Tecnologias de Informação e Comunicação) Domicílios 2008, realizada pelo
CETIC.br (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da
Comunicação). O estudo também apontou grandes diferenças entre a cidade e o
13
O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) foi criado pela Portaria Interministerial nº 147, de
31 de maio de 1995 e alterada pelo Decreto Presidencial nº 4.829, de 3 de setembro de 2003,
para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no país, promovendo a
qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados (http://www.cgi.br).
48
campo. Na primeira, 28% das famílias possuem um microcomputador contra
apenas 8% dos domiciliados em áreas rurais.
Muito se pesquisa e se estuda do mercado de informática no Brasil e em
muitos outros países, porém pouco se sabe sobre o destino de equipamentos ou
parte deles após tornarem-se obsoletos e seu ciclo de vida chegar ao fim.
Equipamentos ainda em perfeito funcionamento são trocados, pois a relação
custo x benefício do upgrade de microcomputadores, ou seja, a substituição de
componentes que os tornem mais rápidos ou que aumentem sua capacidade de
armazenamento, em muitos casos não compensa, e o proprietário decide, então,
por adquirir um novo equipamento. Tal situação resulta em um processo produtivo
de bens caracterizados como de consumo, com produtos mais baratos e de curto
ciclo de vida, ou seja, produtos praticamente descartáveis. Isso é estimulado
principalmente no contexto da sociedade capitalista, na qual o mais importante
não é a utilidade do produto, mas a sua capacidade de gerar fluxo financeiro.
Porém, para suprir a constante demanda da sociedade moderna, o desgaste do
meio ambiente pela retirada de mais e mais recursos naturais para linhas de
produção atingiu o limite do recuperável, tornando-se urgente a necessidade de
se investir mais em manufatura reversa, reciclagem e reaproveitamento no setor
de eletroeletrônicos.
Um computador é constituído de 32% de metal ferroso, 23% de plástico,
18% de metais não-ferrosos, como chumbo, cádmio, berílio, mercúrio; 15% de
vidro e 12% de placas eletrônicas que contêm, além de ouro e prata, platina e
paládio na sua composição, segundo dados do Programa Ambiental das Nações
Unidas (UNEP, 2002).
Dentre essas substâncias, algumas figuram como tóxicas:
placas de circuito contendo metais tóxicos, como chumbo e cádmio;
baterias (cádmio);
tubo de raios catódicos — CRT (óxido de chumbo e óxido de bário);
retardadores de chama bromados em placas de circuito impresso,
cabos e coberturas plásticas;
cabos de cobre, cobertos de PVC;
49
cobertura plástica que, quando submetida à ação de calor intenso,
emite dioxinas e furanos;
Interruptores (mercúrio);
PCBs (difenilpoliclorados), em capacitores e transformadores (modelos
antigos).
Material
% m/m
% Reciclável, m/m
Localização/finalidade
Al (alumínio)
14,1720
80
estrutura, conexões
Pb (chumbo)
6,2980
5
circuitos integrados, soldas, baterias
Ge (germânio)
0,0010
0
semicondutor
Ga (gálio)
0,0010
0
semicondutor
Fe (ferro)
20,4710
80
estrutura, encaixes
Sn (estanho)
1,0070
70
circuito integrado
Cu (cobre)
6,9280
90
condutor elétrico
Ba (bário)
0,0310
0
válvula eletrônica
Ni (níquel)
0,8500
80
estrutura, encaixes
Zn (zinco)
2,2040
60
bateria
Ta (tântalo)
0,0150
0
condensador
In (índio)
0,0010
60
transistor, retificador
V (vanádio)
0,0002
0
emissor de fósforo vermelho
Be (berílio)
0,0150
0
condutor térmico, conectores (liga Be-Cu)
Au (ouro)
0,0016
98
conexão, condutor
Ti (titânio)
0,0150
0
pigmentos
Co (cobalto)
0,0150
85
estrutura
Mn (manganês)
0,0310
0
estrutura, encaixes
Ag (prata)
0,0180
98
condutor
Cr (cromo)
0,0060
0
decoração, proteção contra corrosão
Cd (cádmio)
0,0090
0
bateria, chip, semicondutor, estabilizadores
Hg (mercúrio)
0,0020
0
baterias, ligamentos, termostatos, sensores
Fonte: Microelectronics and Computer Technology Corporation (MCC, 2000)
Electronics Industry Environmental Roadmap, Austin, TX MCC
Tabela 4.
Composição química de computadores e reciclabilidade.
50
Essas substâncias podem causar sérios danos à saúde humana e ao meio
ambiente14, dificultando ainda mais a manufatura reversa desses equipamentos,
pois sua correta manipulação exige aplicação de técnica apropriada, bem como
de equipamentos e de produtos, o que gera um elevadíssimo custo para
segregação de componentes.
No relatório Electronics Recycling and E-Waste Issues - 2009 da Pike
Research, empresa americana que realiza análises e pesquisas dos mercados
mundiais de tecnologia limpa, diz que o descarte de lixo eletrônico no mundo, em
2010, será algo em torno de 73 milhões de toneladas. Porém o resultado desses
estudos é bastante otimista, uma vez que prevê que essa quantidade declinará
em decorrência de novas regulamentações governamentais e à adaptação da
indústria para a manufatura reversa.
Outro fator relevante é que há muito equipamento em desuso que não foi
literalmente descartado por motivos de falta de alternativas. E isso não ocorre
somente com equipamentos particulares, que ficam retidos nos domicílios, mas
também com empresas que renovam seu parque de informática e estocam os
equipamentos antigos em algum depósito esperando por uma solução viável de
destinação. Tendências de mercado, como a substituição de monitores
convencionais com tubos de imagem CRT (Cathodic Ray Tube), por monitores de
LCD (Liquid Cristal Display), também aumentam o volume de sucata.
Programas de inclusão social de organizações não governamentais que
recebem equipamentos de informática, tanto de empresas quanto de órgãos
públicos que, na sua maioria, por obsolescência, são retirados de uso, em uma
análise superficial, apresentam-se como solução que incorpora um benefício
social, porém, essa análise superficial não considera a destinação final desses
equipamentos
14
quando
quem
recebe
a
doação
precisa
descartá-los
Em estudo do Gartner Group, empresa de consultoria fundada em 1979 por Gideon Gartner, a
tecnologia da informação desponta como uma das vilãs do aquecimento global, por consumir
muita energia. O Gartner estima que só os computadores respondem por 2% de todas as
emissões globais de dióxido de carbono (CO²) do planeta. Este é apenas um dos problemas
causados pela toxicidade existente nos PCs (Gartner (2007) Gartner estimates ict industry
accounts
for
2
percent
of
global
CO2
emissions,
Disponível
em:
http://www.gartner.com/it/page.jsp?id=503867).
51
definitivamente. Analisando-se mais profundamente todo o percurso desses
equipamentos, conclui-se que a inexistência de políticas públicas para o lixo
tecnológico faz da doação, por si só, uma transferência do problema de uma
entidade para outra e, até mesmo, para a população mais pobre. Logo, a doação
não supre a carência por um programa de descarte ambientalmente correto e
seguro para os envolvidos em cada uma das suas etapas até o descarte final,
após esgotados todos os processos de reaproveitamento dos detritos.
2.4.1 Destinação de resíduos sólidos no Brasil
Observa-se que o grande desafio da sociedade moderna é destinar de forma
adequada toda a imensa quantidade de resíduos sólidos gerados diariamente, e
aqui estão inseridos os resíduos eletroeletrônicos. No Brasil, a situação se
agrava, pois estimativas denunciam que mais da metade dos 5.561 municípios do
país continua depositando os resíduos sólidos em terrenos a céu aberto, os
chamados “lixões”, atualmente e os projetos municipais ou estaduais para coleta
e destinação de EEE ainda estão em fase experimental ou são muito jovens,
portanto não há publicação de dados ou resultados.
Os resultados da última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico –
PNSB/IBGE/Ano 2008, demonstram que os vazadouros a céu aberto, conhecidos
como “lixões”, ainda são o destino final dos resíduos sólidos em mais da metade
municípios brasileiros, porém essa situação é bastante positiva quando se
observa que há pouco mais de 20 anos, quase 90% dos resíduos gerados pela
população brasileira eram depositados a céu aberto.
Ano
Destino final dos resíduos sólidos, por unidades de
destino dos resíduos (%)
Vasadouro
a céu aberto
Aterro
controlado
Aterro
sanitário
1989
88,2
9,6
1,1
2000
72,3
22,3
17,3
2008
50,8
22,5
27,7
Fonte: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 1989/2008 (IBGE PNSB 2008)
Tabela 5.
Destino final dos resíduos sólidos.
52
Contudo,outro indicador bastante otimista é o relativo aos programas de
coleta seletiva e resíduos sólidos, que passaram de 58 identificados no
levantamento de 1989 para 451 em 2000 e para 994 ativos em 2008. O avanço se
deu, sobretudo, nas regiões sul e sudeste, onde, respectivamente, 46% e 32,4%
dos órgãos municipais responsáveis pela coleta pública de resíduos sólidos
informaram ter programas de coleta seletiva abrangendo todo o município.
Se por um lado o insustentável volume de resíduos sólidos urbanos gerados
diariamente causa apreensão, por outro, aumenta também o contingente de
pessoas excluídas do mercado de trabalho e produção que encontra nesse nicho
uma fonte de renda: são os chamados catadores de papel. Esses catadores
percorrem as ruas da cidade com seu carrinho, muitas vezes acompanhados de
toda a família, inclusive crianças, para recolher no lixo da população o material
servível para posterior venda. Dependem dessa “economia marginal” para
sobreviver, mesmo sendo tratados com descaso e preconceito pela população,
pela polícia e até pelos órgãos da administração pública.
Com o passar dos anos, os próprios órgãos municipais e estaduais
responsáveis pela coleta pública de resíduos sólidos, e também os órgãos
ambientais, começaram a reconhecer a importância do trabalho dos catadores,
que então já formavam uma rede muito maior de coleta de recicláveis, dando
vulto ao seu trabalho. Hoje, são considerados “agentes ambientais” e da
marginalidade ascenderam como foco de projetos de inclusão social em todos os
níveis: federal, estadual e municipal.
Quando políticas governamentais utilizam áreas públicas disponíveis para a
implantação de parques de reciclagem, constata-se a redução do número de
ocupações de grupos que em tempos anteriores invadiam tais áreas, além da
ampliação do número de cooperativas ou associações de catadores legalmente
constituídas, criando novos postos de trabalho e gerando maior circulação de
mercadorias, bens e serviços tributáveis, a fim de retroalimentar o sistema em
questão.
53
3
Procedimentos metodológicos
“As próprias questões e a maneira que alguém as compreende são
importantes pontos de partidas, e não o método em si.”, afirma Van Manen (Godoi
et al., 2006). Colocar a página da citação...
Tendo como ponto de partida a indagação “para onde vai toda a sucata de
equipamentos de informática?”, outros questionamentos vieram ao encontro
dessa problemática, como o modo de vida de uma sociedade cuja crença de que
o consumo é fonte de felicidade. A pobreza passou a ser vista como uma doença
que recai somente sobre os descuidados e, para as que as classes mais
afortunadas se resguardassem dessa terrível doença, ergueram-se barreiras
dificultando, impedindo o acesso dos infectados pela pobreza, aprofundando os
problemas que fazem fortalecer as diferenças sociais.
Mostrou-se assim muito improvável perseguir a trajetória dos resíduos
tecnológicos sem resvalar para os problemas sociais resultantes da configuração
do que chamamos desenvolvimento nos dias de hoje, mesmo que inicialmente o
foco incidisse sobre problemas essencialmente ambientais e em desvendar como
o mundo vinha olhando para esses problemas. Mas foi aprofundando a leitura do
relatório Nosso Futuro Comum (1988) que se explicitou a proximidade das
questões ambientais com a pobreza e desigualdade social em todos os cantos do
mundo. Este relatório de vinte anos atrás surpreende com o diagnóstico de
problemas que se mostram contemporâneos; logo, fica evidente que as
recomendações incluídas no tratado não ecoaram em intensidade suficientemente
forte para, duas décadas depois, conseguirem efetivamente minimizar os
problemas outrora identificados.
As primeiras suspeitas dessa reflexão sobre o modus operandi da sociedade
moderna, e aqui não se pretende adentrar na discussão se estamos na
modernidade ou na pós-modernidade, alinha-se à teoria de Ulrich Beck (2002)
sobre sociedade de risco, sustentando a hipótese de que as questões ambientais
estão sempre acompanhadas por outras questões, como capitalismo, produção e
consumo, desigualdades sociais, gerando riscos e ameaçando a vida humana.
54
Parece unânime dentre os autores estudados que a desigualdade social ligase intrinsecamente aos problemas ambientais, logo, como não contemplar uma
abordagem sobre a pobreza? E neste viés, Amartya Kumar sem (2000) reforça a
sua inquietude em relação à questão quando diz que é impossível separar a
liberdade do homem, enquanto indivíduo, do materialismo contemporâneo e, indo
um pouco adiante, diz da falsa liberdade daqueles que não circunscritos ao
âmbito da pobreza, crêem piamente que bens, riquezas e possibilidades
meramente materiais lhe garantem a liberdade. Assim, Sen nos convida a refletir
sobre a pobreza como fator de tolhimento da liberdade individual do homem.
Porém, com toda essa teorização sobre as questões ambientais globais e
pobreza, ainda foi necessário investigar algumas questões que na vida cotidiana
nos fogem aos olhos, como o processo por meio do que é criado, por exemplo,
um equipamento de informática que, depois de finda sua vida útil, ignora-se o
destino final desse equipamento, o que pode ser feito com ele, no que ele se
transformará. O homem moderno desconhece as extremidades daquilo tudo que
consome. A grande maioria não se questiona de onde vêm as coisas e muito
menos para onde vão. É como se tudo existisse apenas enquanto estão dentro do
campo de visão do observador, ou seja: da prateleira da loja até a lata de lixo.
O presente estudo desenvolve-se como pesquisa exploratória, e, com base
em Gil (1999), busca não apenas entendimento e familiarização com o fenômeno
estudado mas, também, uma nova compreensão do tema, a fim de conferir-lhe
mais clareza, gerando hipóteses e explorando problemas ainda precariamente
conhecidos.
Finalmente por meio da pesquisa descritiva, apresenta uma análise das
características da amostra, tanto quantitativa quanto qualitativamente, mediante
levantamento de inventário para melhor dimensionar o problema e, então,
recorrendo a técnicas de pesquisa exploratória, identificar as mais adequadas
alternativas para a avaliação do assunto, uma vez que essa modalidade de
pesquisa proporciona maior familiaridade com o problema ao torná-lo mais
explícito, oportunizando o aprimoramento das idéias acerca das hipóteses
levantadas.
55
3.1
Caracterização da pesquisa: parque de informática
O segundo objetivo específico deste trabalho contempla a meta de levantar
quantitativamente o parque de hardware existente nos órgãos públicos do estado.
A limitação espacial de abrangência desta pesquisa circunscreve-se ao
estado do Paraná, mais especificamente ao parque de informática dos órgãos
públicos estaduais.
Sendo assim, foi realizada entrevista com o coordenador das equipes da
Celepar – Companhia de Informática do Paraná, que atende os órgãos do estado
que mantêm contratos com a Companhia para suporte e manutenção da
infraestrutura lógica, de hardware e de software.
Órgãos selecionados serão entrevistados levando-se em consideração o
nível de informação sobre seu hardware, e esta aferição de resultado se baseará
em uma amostragem intencional, uma vez que inexiste um sistema de inventário
de informações abrangendo todos os órgãos públicos do estado do Paraná, que
poderia embasar esta pesquisa com dados comprobatórios denunciando o
quantitativo preciso desse material a descartar em forma de resíduo tecnológico.
Com isso, foi possível levantar que, dentre todos os órgãos do estado,
apenas 25 utilizam os serviços da Celepar, sendo que os demais utilizam outros
recursos, como pessoal técnico no seu próprio quadro funcional ou, em alguns
casos, não possui equipe para suporte e manutenção.
Assim, fez-se uma amostragem estratificada não proporcional que, neste
caso, coloca os órgãos públicos, clientes da Celepar, como um estrato de todos
os órgãos públicos da administração estadual. Segundo Gil, no caso da
amostragem estratificada não proporcional, a extensão das amostras dos vários
estratos não é proporcional à extensão desses estratos em relação ao universo.
A Celepar está desenvolvendo um projeto para implementação de um
sistema informatizado inteligente que, por meio de rede de computadores e
Internet, manterá atualizado um cadastro chamado Inventário de Parque de
Informática do Paraná, em que cada equipamento terá um registro com todas as
informações de hardware e software. Esse inventário expõe não apenas um
panorama do estado como um todo, mas também de cada órgão individualmente,
mantendo informações atualizadas de cada equipamento desde sua aquisição até
56
a sua “baixa”, ficando então registrada a sua destinação final. Este sistema será
fundamental para alicerçar a hipótese norteadora deste trabalho, já que inexiste
uma política estadual de destinação de sucata de equipamentos eletroeletrônicos,
como traça o atual trabalho, porém, por ainda encontrar-se em fase de
operacionalização, foi necessário lançar mão de outro método de pesquisa.
Escolheu-se, então, como método, o questionário, definido em entrevista
com o coordenador. Logo, a atual pesquisa será, num primeiro momento,
descritiva, com o intuito de estabelecer a relação entre as variáveis: quantidade
de equipamentos de informática no parque estadual e destinação dos
equipamentos em desuso e descrição das características da população. Há ainda
a intenção de se verificar a relação entre os motivos que levam à substituição de
equipamentos em uso por novos e o volume de sucata que se acumula.
O objetivo geral deste trabalho prende-se à necessidade de se realizar
estudo acerca da gestão do lixo tecnológico no governo do estado. Assim, foi
necessário caminhar por todos os objetivos específicos. A escolha da aplicação
do questionário contempla, primeiramente, a meta de traçar o perfil quantitativo do
parque de informática e identificar as soluções adotadas para a destinação dos
equipamentos eletroeletrônicos em desuso ou sucateados.
Para tanto, foram definidos quatro eixos norteadores para o questionário:
1. quantidade de equipamentos na instituição; neste eixo, o questionário
se desdobrou por tipo de equipamento, num total de três subitens;
2. destinação para equipamentos em desuso, também desdobrando-se
em subitens, aqui em número de sete, e mais uma opção para outras
alternativas;
3. disponibilidade de equipamentos em desuso armazenados em
depósitos por falta de alternativa de destinação; em caso de resposta
afirmativa, especificar a quantidade por tipo (computador, monitor,
impressora). Questão aberta sem subitens;
4. substituição de equipamentos em uso por novos equipamentos. Esta
questão apresenta três alternativas para cada um dos seguintes itens:
computadores, monitores e impressoras.
A coleta de dados foi realizada mediante envio de questionários aos 25
órgãos que contratam os serviços da Celepar como suporte e manutenção.
57
Comumente, uma equipe de empregados da Celepar fica alocada fisicamente à
disposição desses clientes. Os supervisores dessas equipes foram os
responsáveis pelo preenchimento do questionário. Dentre os 25 clientes
pesquisados, 14 responderam, e o retorno atingiu 56% da clientela. O governo do
estado tem um total de 162 mil funcionários e a amostra estudada representa 2%
do total de pessoas com algum tipo de vínculo empregatício com o estado.
3.2
Caracterização da pesquisa: legislação ambiental e soluções adotadas
para o tratamento dos resíduos de EEE
A fim de investigar a legislação ambiental e a destinação de resíduos de
equipamentos eletroeletrônicos no Brasil e em outros países, conforme o terceiro
objetivo específico optou-se pela realização de uma pesquisa qualitativa
exploratória.
Essa pesquisa envolveu levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas
inseridas na realidade do problema pesquisado e investigação e análise de casos
que oportunizaram desenvolver, esclarecer ou modificar conceitos e idéias para a
formulação de abordagens posteriores. Sendo assim, este tipo de estudo
proporcionou maior conhecimento para o pesquisador acerca do assunto (GIL,
1999).
Na investigação da legislação vigente nas localidades selecionadas, uma
das primeiras fontes de informação foi a existência de registros oficiais
disponibilizados pelos órgãos afins, sob a forma de publicação de leis ou
relatórios e indicadores em sítios da Internet. O uso de informações disponíveis
na rede mundial reduziu tanto o tempo quanto o custo de pesquisas, além de
essas informações serem consideradas estáveis e não dependerem de uma
metodologia específica para ser coletada.
Nos anos 1990, com a disseminação de informações oficiais na Internet e de
outras tecnologias de comunicação e armazenamento de dados, a facilidade para
obtenção de dados tem sido cada vez maior, assim como a quantidade de
informações disponíveis para o pesquisador.
58
4
Análise dos dados
Mesmo com a substituição da análise dos dados do sistema de Inventário do
Parque de Informática do Estado do Paraná pelos questionários aos clientes da
Celepar, foi possível realizar a pesquisa de acordo com os objetivos propostos.
A utilização dessa ferramenta de pesquisa foi de fundamental importância,
pois evidenciou uma baixa diversificação de ações de órgão para órgão do Estado
quanto à problemática estudada, constituindo-se um referencial para as reflexões
e as abordagens propostas.
4.1
Parque de informática
Após a tabulação dos dados, tabelas e gráficos foram elaborados com a
finalidade de traçar o perfil dos órgãos públicos quanto ao parque de informática,
critérios de troca de equipamentos e método de destinação adotado.
Questão 1 - Quantidade de equipamentos na instituição.
Computadores – constituem as estações de trabalho. Atualmente é usual
cada funcionário ter uma estação de trabalho para seu uso individual. Logo, podese estimar que, em um universo de 162 mil pessoas que trabalham para o estado
do Paraná, existirão em torno de 162.000 microcomputadores.
Monitores – a quantificação de monitores por tipo é importante diante da
tendência atual da substituição dos monitores com tubo de raios catódicos por
monitores de cristal líquido, o que provoca um aumento significativo de
equipamentos em desuso e sem política de descarte.
32%
LCD
68%
CRT
Fonte: pesquisa de campo
Gráfico 1. Monitores
As dificuldades técnicas e operacionais e o elevado custo para reciclagem
ou destruição do CRT (Cathodic Ray Tube) resultam em um acúmulo de
59
monitores em depósitos, à espera de uma solução viável para a adequada
destinação de tais detritos que se definem como sucata tecnológica.
A opção por monitores de LCD (Liquid Cristal Display) vem calçada em
diversos pontos positivos quando comparados aos monitores com tubo de
imagem e vão desde economia de energia até a saúde de seus usuários, uma
vez que não emitem radiação nociva como acontece com o CRT. O fato de serem
menores e mais leves, ocupando menos espaço, também contribuem como um
fator bastante relevante na escolha desse equipamento.
Tipo LCD
CRT
Esquema
Imagem
Não existe alta tensão no LCD. É
iluminado por uma lâmpada
fluorescente CCFL.
Necessita de alta tensão para que um
feixe se projete na tela.
Controle
de Brilho
O controle de brilho é feito no inversor
através do pino DIM que controla a
tensão que vai para as lâmpadas
controlando assim o brilho
É feito através da gr1 e gr2 diretamente
no tubo de imagem (CRT)
RGB
Os sinais que entram no LCD na forma
de informação digital controlam os
transistores TFT que estão dentro do
LCD (aproximadamente 2 milhões de
transistores).
Os sinais entram pelos cátodos RGB do
tubo de imagem na forma analógica. Nos
cátodos também estão presentes as
tensões de BIAS que servem para
polarizar os cátodos, sendo que quanto
menor a tensão maior a emissão do
cátodo.
Resolução
Fixa, podem ser utilizadas outras
definições diferentes da resolução base
mas a performance e ou qualidade
diminuem significativamente
Flexível, um CRT mais recente pode
funcionar com resoluções superiores a
1600 x 1200.
Fonte: Manual de eletrônica básica (Disponível em http://www.electronicapt.com/index.php/content/category/3/7/37/50/0/, acessado em 18/12/2009)
Tabela 6.
Quadro comparativo entre monitores LCD e CRT
60
Impressoras – é possível observar que há pouca utilização de impressoras
matriciais. A substituição por modelos a laser ou a jato de tinta havia sido
realizada anteriormente, em decorrência de drásticas mudanças que esses
equipamentos sofreram ao longo do tempo para acompanhar o desenvolvimento
e a disseminação de aplicativos gráficos, os quais aumentam significativamente
as possibilidades de criação, desde textos ilustrados até trabalho com imagens e,
desta forma, já que a impressão do material criado exigia impressoras
compatíveis a cada uma das vertentes. A tecnologia de impressão foi também
incluída em vários sistemas de comunicação, como o fax.
Matriciais
6%
62%
Laser
32%
Jato de tinta
Fonte: Pesquisa de campo
Gráfico 2. Impressoras
Em razão da necessidade dos serviços de redes de computadores, é
bastante comum que as impressoras sejam compartilhadas dentre vários usuários
por departamento ou por questões de logística. Isso permite que as estações de
trabalhos sejam compostas basicamente pelo computador e por seus periféricos
básicos: mouse, teclado, caixas de som, limitando-se o número de impressoras a
uma proporção de uma para cada três microcomputadores.
2810
3000
2000
844
1000
0
Computadores
Impressoras
Fonte: pesquisa de campo
Gráfico 3. Computadores X Impressoras
61
Questão 2 – Destinação para equipamentos em desuso.
Não existe uma política de destinação para a sucata eletroeletrônica
produzida em órgãos da administração pública do estado do Paraná. Uma
determinação da Casa Civil orienta os órgãos públicos estaduais a encaminharem
ao Provopar – Programa de Voluntariado do Paraná todo e qualquer equipamento
e mobiliário, em perfeito estado e funcionamento ou não, desde que esse
equipamento tenha entrado no sistema de patrimônio do órgão ao qual pertence.
Destinação de Equipamentos de Informática em Desuso
Programas sociais
e/ou inclusão digital
9%
Entrega a carrinheiros
e/ou sucateiros
4%
Leilão
0%
Base de troca para
compra de novos
0%
Provopar
44%
Desmonte seleção
peças p/ reutilização
17%
Doação outros
órgãos/instituições
26%
Gráfico 4.
Fonte: pesquisa de campo
Destinação de EEE nos órgãos públicos estaduais
Com essa determinação, a sucata eletroeletrônica também passa a ser
doada ao Provopar (44%), sem nenhum tipo de programa de reuso ou
reaproveitamento de componentes e de peças; o Provopar organiza as doações
em lotes e vende aos interessados por meio de leilões públicos.
Porém outras formas de destinação são observadas dentre os órgãos
pesquisados, como o remanejamento de equipamentos em funcionamento para
outros órgãos. Essa prática é usual quando alguns equipamentos não conseguem
mais suprir as necessidades de processamento para determinadas aplicações,
embora ainda possam ser utilizados para outras aplicações que não demandem
uma máquina tão potente, sendo então doados a outros órgãos. Esta prática
62
representa 26% do total de equipamentos descartados. Desmontam-se 17% das
máquinas para reutilização de peças e componentes em outros equipamentos no
próprio órgão.
Em uma primeira análise, as soluções adotadas pelos diversos órgãos do
estado para dar destino aos equipamentos sucateados parecem resolver o
problema, uma vez que nada é encaminhado para lixões ou aterros sanitários;
porém a responsabilidade do gerador de resíduos não termina no momento em
que ele os encaminha para uma destinação, mas vai até a sua “final destinação”,
ou seja, se um determinado resíduo é doado a associação de catadores, por
exemplo, um monitor de computador, e nesse local esse monitor é aberto para
separação dos componentes e venda aos recicladores por pessoas que não
foram capacitadas para esta tarefa, tais pessoas podem expor-se a acidentes
com sério risco de morte ou contaminação por químicos tóxicos, e o responsável,
caso aconteça um acidente, será o gerador daquele resíduo, ou seja, o órgão que
fez a doação. Os monitores, em geral, mesmo em desuso por meses, continuam
mantendo no seu interior uma carga de alta tensão capaz de matar um ser
humano. Além disso, os resíduos tóxicos, como o chumbo, que, nos monitores
CRT está presente numa quantidade entre 2 e 4kg, pode causar diversos males
ao cérebro e sistema nervoso, rins, sistema endócrino, sistema digestivo, sistema
reprodutor.
Leilões e doações também não podem ser considerados soluções
definitivas, pois, na prática, apenas transferem para terceiros equipamentos ou
sucata que, na sequência da trajetória, deverão ser descartados definitivamente.
Questão 3 – Quantidade de equipamentos em desuso armazenados em
depósitos
Todos os pesquisados responderam que possuem equipamentos em
desuso, porém não existe informação (inventário ou catalogação) de quantidade.
As respostas mais encontradas foram:
equipamentos não quantificáveis porque seus componentes foram
retirados; ou seja, equipamentos desmontados;
63
equipamentos armazenados até que recebam parecer de inservíveis
para serem doados;
equipamentos com alto custo nos reparos, ficam em depósitos
aguardando destinação;
equipamentos em depósitos por burocracia para se efetivar a doação.
Questão 4 – Motivos de substituição de equipamentos
Computadores - Estima-se que os microcomputadores tornem-se obsoletos
após dois anos de utilização.
Outras
Inadequado para a aplicação
Danificado
4%
18%
36%
Obsolescência
Gráfico 5.
43%
Fonte: pesquisa de campo
Motivos para troca de Computadores
Analisando–se o gráfico 5, pode-se observar que, em uma média de 4 a
cada 10 casos de troca, o motivo é a obsolescência. Muito se discute sobre o
fenômeno “obsolescência programada”, ou seja, um equipamento é construído de
maneira a não tornar viável a substituição, por exemplo, de um microprocessador
que é o que determina sua performance. Esse componente, novo e mais potente,
apresenta variações de tamanho e formas de conexão à placa mãe, o que, em um
efeito cascata, impõe a substituição de todas as placas e componentes por um
“modelo mais atual”.
Em segundo lugar, destaque-se a troca quando o equipamento apresenta
algum tipo de avaria. Novamente aqui se pode especular sobre a obsolescência
programada, pois muitas vezes, depois de um curto lapso de tempo, alguns
componentes simplesmente não são mais encontrados no mercado, o que obriga
seu proprietário a substituir muitos componentes bons para que sejam então
64
compatíveis com a “nova peça” colocada no lugar de uma danificada. Logo, ao
invés de pequenos reparos apenas, o microcomputador sofre um upgrade muitas
vezes não planejado pelo proprietário. Em 18% dos casos, o equipamento é
substituído em razão do desenvolvimento de softwares que necessitam de uma
melhor performance de hardware.
Monitores – a manutenção de monitores CRT danificados não apresenta
uma relação entre custo e benefício muito atraente, uma vez que essa tecnologia
de monitores está sendo trocada substancialmente pela tecnologia LCD,
conforme já foi observado nos comentários da Questão 1.
Outras
5%
14%
Inadequado para a aplicação
27%
Obsolescência
55%
Danificado
Fonte: pesquisa de campo
Gráfico 6. Motivos para troca de Monitores
Impressoras – neste item a obsolescência perde no ranking dos motivos que
levam a troca do equipamento para o item “danificado”, provavelmente porque as
impressoras são equipamentos com maior ciclo de vida do que os computadores.
Outras
Inadequado para a aplicação
Obsolescência
4%
19%
35%
Danificado
Gráfico 7.
Fonte: pesquisa de campo
Motivos para troca de Impressoras
42%
65
4.2
Soluções para destinação de EEE e legislação ambiental
As diretivas da União Européia sobre resíduos tecnológicos e tóxicos, que
vem inspirando a formulação de leis congêneres em diversos países e o Japão,
pela própria concepção de sua legislação e aplicação do conceito de
responsabilidade estendida do fabricante serviram como horizonte para esta
etapa.
União Européia
A União Européia se destaca como líder mundial em questões concernentes
não apenas à regulamentação de produtos químicos perigosos mas também à
destinação de resíduos da indústria eletrônica. Inicialmente, duas diretivas foram
implementadas nessa matéria: Diretiva 2002/95/EC do Parlamento e do Conselho
Europeu, de 27 de janeiro de 2003, relativa à restrição do uso de determinadas
substâncias perigosas em equipamentos elétricos e eletrônicos ou simplesmente
RoHS, como é mais popularmente conhecida, e a Diretiva 2002/96/EC do
Parlamento e do Conselho Europeu, de 27 de Janeiro de 2003, relativa aos
resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos, a WEEE (ambas disponíveis
em http://www.rohs.eu/english/legislation/rohs-legislation.html).
A Diretiva 2002/96/CE, ou WEEE, fundamenta-se nos princípios do poluidor
pagador, na precaução e na responsabilidade estendida do fabricante. A
responsabilidade do produtor associa-se às etapas de coleta seletiva, tratamento,
recuperação, reciclagem e financiamento. Essas medidas objetivam estimular o
design verde ou ecodesign dos equipamentos e também o fornecimento de
informações aos consumidores e recicladores a respeito dos produtos.
O tratamento pode ser realizado pelo próprio fabricante ou por terceiros,
desde que financiado pelo próprio fabricante. A taxa de recuperação varia de um
mínimo de 70% a 80% do peso médio por equipamento e a taxa de reciclagem de
componentes, materiais e substâncias, de um mínimo de 50% a 75% do peso
médio
conforme
uma
lista
de
equipamentos
selecionados,
como
eletrodomésticos, produtos de informática e telecomunicações, ferramentas,
brinquedos, entre outros. Dessa classificação, excetuam-se equipamentos usados
em outros equipamentos que não integram essa diretiva e, temporariamente, os
equipamentos médicos.
66
A RoHS
visa restringir, senão banir, o uso de substâncias perigosas
presentes nos equipamentos eletroeletrônicos, como o chumbo e consiste em
uma diretiva complementar à WEEE, uma vez que a substituição de produtos
perigosos na constituição dos equipamentos eletroeletrônicos por substâncias
mais seguras promove e otimiza os processos de reciclagem. A RoHS estabelece
uma tolerância para a concentração de 0,1% por kg (ou 1000mg/kg) em material
homogêneo para chumbo, mercúrio, cromo, PBB e PDBE e o valor máximo de
0,01% (ou 100mg/kg) em material homogêneo para o cádmio. Em suas diretivas,
a UE identificou as seguintes substâncias como perigosas, com significativo
impacto ao meio ambiente:
Cádmio (Cd)
Chumbo (Pb)
Cromo hexavalente (CrVI)
Mercúrio (Hg)
Polibromobifenilo (PBB)
Éter difenil polibromado (PBDE)
A RoHS também limitou três outros retardadores de chama pelo risco a que
expõem a saúde humana e o meio ambiente.
Éter PentaBDE;
Éter octabromodifenílico, OctaBDE;
Éter decabromodifenílico, DecaBDE.)
As exigências são obrigatórias nos países que compõem o bloco, porém é
importante salientar que o impacto da RoHS gerou tanto custos quanto
benefícios. Os custos foram decorrentes principalmente de gastos com P&D e
operacionalização de mudanças no processo produtivo. Neste item, a maior
dificuldade se refere à substituição do chumbo no processo de solda, para a qual
foram destinados em torno de 5% dos gastos totais em P&D. Considerável ainda
foi o aumento no consumo de energia e consequente incrementos nos preços dos
componentes.
Os benefícios observados foram os relativos à simplicidade nos processos
de reciclagem da maioria dos componentes, porém o mais relevante foi a redução
entre 1400 a 4300 toneladas de chumbo (DTI, 2006).
67
Em julho de 2007 outra regulamentação importante foi implementada na
União Européia, a REACH (Registration, Evaluation, Authorization and restriction
of Chemical substances – Registro, Autorização e Restrição de Substâncias
Químicas), sobre substâncias químicas e sua segura aplicação nas linhas
produtivas, cuja principal preocupação centra-se no promover maior proteção à
saúde humana e ao ambiente contra os riscos provocados por produtos químicos
utilizados na indústria. A regulamentação REACH responsabiliza as indústrias
pela avaliação e pela gestão dos riscos que esses produtos químicos oferecem e
também pelas informações de segurança adequadas que aos usuários se deve
oferecer para uma utilização sem riscos.
A regulamentação ambiental da União Européia tem sido utilizada como
modelo de política ambiental para o resto do mundo. Os pilares das diretivas se
estruturam de acordo com os princípios da precaução, da prevenção e da
correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao meio ambiente e
incluem ainda o conceito do poluidor-pagador.
Japão
No Japão foi promulgada em 2001 a lei chamada SHAR - Specified
Household Appliances Recycling, com especificações sobre reciclagem de
eletrodomésticos, porém já agregando em seu teor o conceito EPR – Extended
Producer Responsibility, apresentado como uma estratégia de proteção ambiental
que incentiva os fabricantes a reduzirem o impacto ambiental de seus produtos,
cuja responsabilidade não finda quando o bem se reduz a uma sucata, uma vez
que a própria sucata deve merecer um tratamento como tal. Sob esse conceito,
os fabricantes tornam-se responsáveis não só pela fase produtiva, mas também
até o fim da vida útil do produto. O objetivo último de uma política de EPR é
promover incentivos ao fabricante para que ele inclua o tratamento final do
produto ainda na fase de concepção do seu projeto (upstream), viabilizando assim
um caminho de retorno quando do término do ciclo de vida daquele produto.
Não só o Japão, mas outros países passaram também a incorporar o
conceito EPR em sua regulamentação ambiental, a partir da década de 1990,
para vários grupos de produtos, sendo o principal deles os equipamentos
eletroeletrônicos, principalmente em decorrência dos problemas relacionados com
68
o aumento na variedade, com a quantidade e com o teor de substâncias
perigosas utilizados na produção, além da complexidade de suas estruturas, e da
identificação de recursos reembolsáveis em processos de reciclagem.
A legislação japonesa estabelece uma taxa de reaproveitamento de 50 a
60% em relação ao peso do equipamento, atendida por meio da reutilização do
próprio produto, reutilização de componentes do produto isoladamente ou
reciclagem propriamente dita quando há valor de comercialização positivo. Os
fornecedores atacadistas e varejistas são obrigados a receber novamente seus
produtos quando outros novos são vendidos para sua substituição. O governo
local torna-se, então, responsável pelo recolhimento de equipamentos não
cobertos pelos fornecedores, e o consumidor final também poderá arcar com
custos de destinação de equipamentos que tenha utilizado.
Estudos dentre alguns dos principais fabricantes de eletrodomésticos e
grandes aparelhos no Japão indicam que a promulgação da lei tem influenciado
positivamente o processo produtivo. Experiências de reciclagem têm sido
realizadas tanto individualmente como em parcerias e especial atenção tem sido
dispensada ao ecodesign. E o mais difícil desafio apontado nesses estudos é a
logística reversa. A concorrência de preços deve ocorrer, pois são os usuários
finais que pagam pela reutilização ou pela reciclagem.
Todos os produtos históricos e órfãos, isto é, produtos que foram colocados
no mercado antes da aplicação da lei vigente, e aqueles cujos fabricantes tenham
deixado de existir, estão cobertos pela Lei SHAR, uma vez que este é o principal
argumento tanto para a promulgação desse tipo de legislação quanto para
financiamentos: a urgência de tratamento de resíduos já existentes. Neste
quesito, a dificuldade para os fabricantes encontra-se nos processos de
desmontagem e identificação de materiais usados em produtos antigos e também
o uso do material que é recuperado, cumprindo-se os requisitos de reciclagem, o
que se mostra como um novo desafio.
Algumas características encontradas no regulamento japonês incluem:
cobertura de “produtos históricos” e órfãos;
obrigação dos consumidores finais a pagarem taxas para recolhimento e
reciclagem, no momento do descarte (responsabilidade financeira);
69
manipulação física real em fim de ciclo de vida pelos próprios fabricantes;
criação de infra-estrutura take-back/recycling numa base individual;
ênfase na realização de recuperação de recursos;
exclusão de materiais reciclados com valor negativo do processo produtivo.
Brasil
A Constituição Federal de 1988 aborda, de maneira ampla e moderna, as
questões de preservação ambiental e de um desenvolvimento sustentável da
economia, reservando à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios
a tarefa de proteger o meio ambiente e de controlar a poluição (CF, artigo 23).
De acordo com Carvalho (2005), no Brasil a capacidade organizacional do
Estado brasileiro e a estrutura do Poder Executivo evoluíram significativamente,
desde a promulgação da atual Constituição, no que tange à necessidade de
acompanhar a moderna legislação ambiental que o país tem sido capaz de
formular. Nesse contexto de evolução de políticas ambientais, surgem o IBAMA, o
Ministério da Meio Ambiente e secretarias de Meio Ambiente em todos os
estados. E embora se deva reconhecer o esforço das organizações em
referência, o empenho de tais políticas parece tímida em demasia diante da
realidade posta, sobretudo quando se pensa no gigantesco trabalho de palmilhar
a superfície continental do Brasil, considerando-se as peculiaridades regionais, a
diversidade política, cultural, biológica e fitogeográfica, e tal quadro retrata a
urgente necessidade de se ampliarem iniciativas de fortalecimento do Sistema
Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA.
O Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA foi instituído pela Lei nº.
6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentado pelo Decreto nº. 99.274, de 06 de
junho de 1990, sendo constituído pelos órgãos e entidades da União, dos
estados, do Distrito Federal, dos municípios e pelas fundações instituídas pelo
Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, e
tem a seguinte estrutura:
órgão superior: o Conselho de Governo;
órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente
- CONAMA;
70
órgão central: o Ministério do Meio Ambiente — MMA;
órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e o dos
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
órgãos seccionais: órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela
execução de programas, de projetos e de controle e fiscalização de
atividades capazes de provocar a degradação ambiental;
órgãos locais: órgãos ou entidades municipais responsáveis pelo
controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas
jurisdições.
O SISNAMA articula e coordena os órgãos e as entidades que o constituem,
observado o acesso da opinião pública às informações relativas às agressões ao
meio ambiente e às ações de proteção ambiental, na forma estabelecida pelo
CONAMA.
Atualmente o SISNAMA conta com 24.184 servidores, quantitativo
insuficiente para suprir a demanda de serviços técnicos, administrativos e
gerenciais por todo o país, a fim de garantir adequado funcionamento do sistema.
O orçamento destinado ao Ministério do Meio Ambiente recebeu aporte
significativo nos últimos anos, passando de R$ 733 milhões de 1999 para R$
1,661 bilhão em 2002; todavia essa dotação orçamentária não pode ser utilizada
em sua totalidade, já que 40% de tal montante queda-se indisponível em
decorrência de política fiscal particularmente severa.
Surgem então parcerias não apenas com as ONGs15, mas também com o
setor privado, como parte de uma política macroeconômica que abarca todas as
instituições ambientais do Estado. O fruto dessas parcerias traduz-se como um
novo
impulso
e
confere
dinamismo
às
iniciativas
que
promovem
a
sustentabilidade ambiental e que prosperam atualmente em diversos setores e
15
ONG – Organização não governamental. A socióloga Maria da Glória Gohn, em seu livro Sem
Terra, ONGs e Cidadania (São Paulo: Cortez, 2001), destaca que o valor das organizações nessa
trajetória não é tanto na erradicação dos problemas sociais e ambientais quanto no aumento da
participação da sociedade civil na tomada de decisões importantes para toda a população, ou
seja, abrindo espaço para que os cidadãos sejam ouvidos na democracia em contínua construção
no país. “Atualmente no Brasil, as ONGs são tidas como formas modernas de participação na
sociedade, porque se organizam em torno dos direitos sociais modernos”, destaca Maria Luci.
71
regiões, evidenciando a amplitude de tal engajamento como apoio além-fronteiras
mediante participação indistinta de governantes, da população, de empresas e do
terceiro setor. Tais medidas se impõem diante da necessidade de se planejar
seriamente a correta e efetiva destinação das máquinas em desuso.
Apesar de a legislação ambiental brasileira ser considerada rigorosa, um
aparato legal específico para o controle apropriado do descarte de resíduos
sólidos foi aprovado somente em março de 2010. O Projeto de Lei 203/91 que
regulamenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos do Senado Federal que, em
ementa inicial, “dispõe sobre o acondicionamento, a coleta, o tratamento, o
transporte e a destinação final dos resíduos de serviços de saúde” tramitou na
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 203 desde 1991.
A esse projeto inicial, cujo escopo alcançava apenas os resíduos
hospitalares, estão apensos cerca de 100 projetos de lei relativos a resíduos
sólidos variados. O processo foi objeto de análise por uma comissão especial
que, em julho de 2006, aprovou a proposição principal e seus apensos na forma
de um substitutivo. Posteriormente a essa aprovação, outras proposições foram
apensadas ao PL 203/1991, incluindo o PL 1.991/2007, do Poder Executivo, que
“institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e dá outras providências” com
objetivos, definições, princípios e instrumentos, bem como as diretrizes nacionais
para o gerenciamento de resíduos sólidos no país, regulando responsabilidades e
parâmetros técnicos. A política Nacional de Resíduos Sólidos:
introduz o conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de
vida dos produtos;
insere capítulo sobre resíduos perigosos;
torna obrigatória a logística reversa para produtos que especifica;
prevê a adoção de acordos setoriais;
institui instrumentos financeiros e econômicos.
Mesmo com a Comissão Especial formada em 2006, em 2008 a Mesa
Diretora da Câmara dos Deputados decidiu constituir nova comissão ora intitulada
“Grupo de Trabalho” para examinar o parecer proferido pela Comissão Especial
ao PL 203/91, a fim de, então, viabilizar a deliberação sobre a matéria. Esse
prazo foi renovado sucessivamente até sua aprovação em 10/03/2010,
72
contemplando, além da ementa básica, a coleta seletiva nos serviços de coleta e
limpeza pública, priorizando o trabalho de cooperativas e associações de
catadores, a exemplo do que já foi implantado na cidade de Curitiba. Outra
novidade é que os consumidores, ou seja, os geradores de resíduos ficam
obrigados a classificar e acondicionar adequadamente, de forma diferenciada, os
materiais recicláveis ou reutilizáveis para sua correta destinação. Esse tópico do
PL 203/91 é importante, pois envolve não só os gestores públicos, mas todos os
cidadãos passam a ser atores atuantes no processo de coleta seletiva de seus
municípios, bem como o fortalecimento da classe dos catadores com o aumento
da demanda.
Os resíduos provenientes de produtos eletroeletrônicos foram mencionados
detalhadamente na subseção IX do Projeto de Lei da Política Nacional de
Resíduos
Sólidos,
buscando
fomentar
um
programa
responsável
de
reaproveitamento, reciclagem e descarte de produtos ao final de seu ciclo de vida.
Anteriormente, resoluções do CONAMA sobre a destinação final de certos
resíduos foram regulamentadas, como na Resolução nº 257 de 1999, que trata
das baterias e pilhas esgotadas, determinando aos fabricantes a responsabilidade
pelo gerenciamento da coleta, classificação e transporte dos produtos
descartados, assim como o tratamento prévio dos mesmos produtos.
Dentro do conceito de EPR, responsabilidade estendida do fabricante,
diversos projetos de lei tramitam pelo Congresso e no Senado Federal, buscando
cumprir a missão de atualizar a legislação brasileira segundo diretrizes do
desenvolvimento sustentável, promovendo então um gerenciamento mais efetivo
e eficiente da disposição final de resíduos sólidos, motivando ações que
precedam soluções de recuperação da energia ou da matéria prima empregada
na produção de equipamentos eletroeletrônicos. Porém, além da morosidade
habitual no caminhar de todo e qualquer projeto de lei brasileiro, há forças
contrárias provenientes do interesse de indústrias que não estão muito
preocupadas com questões ambientais ou de saúde da população, e sim com
seus interesses mercadológicos e econômicos.
Em contrapartida, os estados da República Federativa do Brasil têm
autonomia para deliberar por meio de leis estaduais, que podem vir a ser inclusive
73
mais restritivas, suprindo demandas regionais. Assim, alguns estados já votaram
leis mais duras para o gerenciamento de resíduos sólidos e outros estão com
projetos tramitando. No estado de São Paulo, um Plano Diretor de Resíduos
Sólidos foi estabelecido pela lei nº 11.387 de 2003, para propor apropriadamente
novas resoluções a respeito do gerenciamento de resíduos. No Paraná, uma
legislação mais rigorosa foi previamente adotada: a lei nº 12493 de 22 de janeiro
de 1999 que estabelece princípios, procedimentos, normas e critérios referentes à
geração, acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e
destinação final dos resíduos sólidos no estado do Paraná, para controle da
poluição, da contaminação e a minimização de seus impactos ambientais e a
recentemente sancionada lei nº 15.851, que obriga empresas que produzem,
distribuem ou comercializam equipamentos de informática a criar e a manter
programas de recolhimento, reciclagem e destruição dos equipamentos ora
comercializados, desde que tais empresas estejam instaladas no território do
estado.
Com a ausência de uma política nacional e com a autonomia dos estados,
na prática o que ocorre no Brasil é que o gerenciamento dos resíduos sólidos de
origem domiciliar, que inclui o grupo dos EEE, apresenta tratamento diferenciado
em algumas regiões do país. Os processos de reciclagem desses equipamentos
são feitos por poucas empresas especializadas, que contam com abundante e
barata mão de obra para executar tarefas simples e pouco planejadas.
A grande maioria dos produtos eletroeletrônicos ainda não recebe espécie alguma
de tratamento e são depositados em aterros sanitários ou lixões ou permanecem
armazenados ou em depósitos, no caso de empresas, ou em residências à
espera de uma solução de destinação.
Contudo, alguns casos de sucesso no Brasil nesta seara merecem ser
destacados não só pela iniciativa e pioneirismo, mas também pela excelência dos
projetos. É o caso da empresa Itautec que, desde 2003, vem estudando,
implementando e incrementando soluções verdes no seu processo produtivo e na
reciclagem e da USP, que inaugurou em dezembro de 2009 o CEDIR - Centro de
Descarte e Reuso de Resíduos de Informática, na Cidade Universitária, resultado
de pesquisas que vinham sendo realizadas desde 2007.
74
Caso Itautec – Fonte: Portal Itautec (www.itautec.com.br)
Produção verde
Em 2001, com a implantação de um SGA – Sistema de Gestão Ambiental,
a Itautec começou a adotar processos de manufatura em linha com preocupações
ambientais e uso racional de recursos, cuja experiência foi incorporada ao
processo fabril, o que conferiu à Itautec um particular destaque que a levou a
figurar entre as primeiras empresas na área de tecnologia no Brasil por fabricar
equipamentos livres de chumbo, além de produzir microcomputadores e
notebooks livres de outras substâncias tóxicas ao meio ambiente como o cádmio,
o cromo hexavalente (um anticorrosivo para partes metálicas) e a cadeia de
bromobifenilas (usadas para evitar a propagação de chamas).
Sob a luz da diretiva européia RoHS (Restriction of Hazardous
Substances), reconhecida em todo o mundo como uma referência de adequação
ambiental por recomendar a restrição ao uso de substâncias que agridem o
ambiente, a partir do 3º trimestre de 2007, a Itautec passou a oferecer ao
mercado brasileiro equipamentos verdes, ficando então todos os portáteis
fabricados pela empresa livres de substâncias tóxicas, e até o final de 2008, a
empresa migrou suas demais linhas de produto para processos verde, com
rígidos controles ambientais, o que demandou investimentos da ordem de R$ 3
milhões, aplicados ao longo de dois anos, na adequação de linhas de produção.
Os investimentos foram destinados, entre outras atividades, à aquisição de
maquinário e componentes específicos, e na adoção de uma nova liga de solda
que substituiu o chumbo por uma liga composta de estanho, cobre e prata (lead
free). Esta alteração nas linhas de produção da Itautec, refletiu nos processos de
seus fornecedores, fazendo com que diversas empresas adequassem seus
insumos segundo a diretiva ambiental. As mudanças nos insumos e nos
processos, contudo, acarretaram um acréscimo de 2% nos custos de produção
dos equipamentos, porém sem acarretar um acréscimo ao seu preço final para os
clientes, política que a Itautec adotou por razões estratégicas.
Em 2008, a Itautec obteve o índice de 93% de produtos fabricados em linha
com a diretiva RoHS, sendo que os 7% restantes são de produtos cuja fabricação
está em fase de substituição, devendo ser sucedidos gradativamente por novos
75
lançamentos. A previsão é de que, até o final de 2009, esse índice seja de apenas
2% dos produtos fabricados. Todos os equipamentos fabricados pela empresa
atendem ainda à diretriz da agência ambiental norte-americana Energy Star 4.0
(http://www.energystar.gov para eficiência energética.
Reciclagem
A empresa investiu R$ 350 mil na implementação de uma área destinada à
reciclagem de equipamentos de T.I. na sua planta de Jundiaí-SP, onde os
equipamentos são recebidos, desmontados, descaracterizados, pesados e depois
têm suas partes segregadas por tipo de material. O processo contempla
computadores desktop, notebooks e equipamentos de automação.
Após a etapa de separação por tipo, os resíduos são destinados à
empresas de reciclagem devidamente homologadas para o processamento ou
destinação final dos diversos produtos. Os recicladores, por sua vez, reinserem
os resíduos novamente na cadeia produtiva, evitando a contaminação ambiental
pelo descarte incorreto e reduzindo a extração de matérias primas virgens do
meio ambiente.
Em 2008, a Itautec destinou para reciclagem 469,97 toneladas de resíduos
de EEE, sendo:
22,76 t placas;
180,54 t metal;
148,10 t plástico e
141,33 t de e-waste (cabos, borra de solda, dentre outros resíduos não
recicláveis).
O domínio deste processo vem se tornando cada vez mais importante para
as operações da Itautec porque grandes clientes, de corporações a organizações
do governo, já estão incorporando a preocupação com o ciclo de vida de produtos
em seus processos de compra e descarte, bem como a observância à presença
ou não de materiais tóxicos nos equipamentos, que facilitará seu manejo ao fim
de sua vida útil.
76
Histórico
Inicialmente, a reciclagem estava prevista no Sistema de Gestão Ambiental
da Itautec. A implantação de um programa de coleta seletiva, que tinha como
objetivo mudar a cultura dos colaboradores e fazer com que eles participassem,
dentro de uma linha de conscientização ambiental, do melhor aproveitamento de
materiais, evitando desperdícios, foi o primeiro passo. Esse caminho levou os
trabalhos de P&D para soluções de reciclagem de microcomputadores pessoais,
o que foi um grande desafio, uma vez que não havia empresas com
conhecimento técnico para reaproveitar os materiais, produtos do processo de
desmonte das máquinas. Porém, em 2003, surge o domínio deste processo a
partir de ensaios realizados, permitindo que os materiais que constituem um
computador retornassem à cadeia produtiva, em vez de seguir para aterros
sanitários ou para o mercado cinza – mercado de computadores montados sem
marca, com componentes de origem duvidosa. Atualmente esta segregação de
materiais é realizada em um galpão de 715 m2.
Processo
Os equipamentos são recebidos, classificados e depois separados com
base em seus componentes principais, como plástico, metais, cabos, embalagens
e componentes eletrônicos, que incluem o HD, memórias e as placas de circuitos
integrados. Todas as partes são descaracterizadas para prevenir o uso no
mercado cinza. Após atingir uma quantidade pré estabelecida, estes materiais são
acomodados em pacotes maiores, para facilitar armazenamento e transporte e,
em seguida, são reintroduzidos no processo produtivo de empresas parceiras. A
planta de reciclagem de Jundiaí ainda processa outros resíduos do processo fabril
como embalagens plásticas, papel e papelão, que são acomodados em fardos,
após passar por uma prensa industrial.
A única exceção a esta reciclagem de materiais tecnológicos se aplica às
placas de circuito impresso. Como não existe tecnologia homologada no Brasil
para extrair destas placas os metais nobres utilizados, a Itautec acumula estas
placas e, quando atingem um determinado volume, são enviados para parceiros
em Cingapura e na Bélgica, onde elas são completamente recicladas. Do total de
lixo eletrônico da Itautec destinado para reciclagem, aproximadamente 97% dos
77
materiais são reciclados por empresas instaladas no Brasil. Os demais 3%, que
constituem as placas de circuito impresso, vão para parceiros no exterior.
Caso USP – Fonte: Portal do Governo de SP (www.sp.gov.br)
Com a finalidade de solucionar o problema do descarte de equipamentos
de informática, o Centro de Computação Eletrônica da USP (CCE-USP)
inaugurou em dezembro de 2009, na Cidade Universitária, o Centro de Descarte e
Reuso de Resíduos de Informática – CEDIR, órgão pioneiro na sua modalidade
em instituições públicas. Com área de 400m2, o galpão tem acesso para carga e
descarga de resíduos, depósito para categorização, triagem e destinação de lixo
eletrônico, além dos equipamentos necessários para a adequação do material.
A iniciativa é resultado do trabalho voltado para a sustentabilidade em TI,
iniciado 2007. O plano-piloto do projeto CEDIR teve início em junho de 2008, por
meio de ação realizada entre os próprios funcionários da unidade, a “Operação
Descarte Legal”. O resultado foi a coleta, em um único dia, de mais de cinco
toneladas
de
peças
e
equipamentos
eletroeletrônicos
obsoletos.
"Essa
experiência permitiu-nos uma primeira avaliação sobre o volume de lixo eletrônico
existente na USP e concluímos que ações precisavam ser tomadas", recorda a
diretora do CCE, Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho.
O projeto foi estruturado no conceito de que a USP, como instituição de
ensino e pesquisa referência no país, tem papel fundamental na disseminação de
ações sustentáveis. A motivação de toda a equipe e o apoio da instituição foram
responsáveis pela rapidez de realização, cujo projeto começou a ser elaborado
em janeiro de 2009, executado em maio e concluído em outubro do mesmo ano.
Para isso, contou, entre outros, com a parceria do Laboratório de Sustentabilidade
do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, que
compartilhou dois dos seus programas, e com a Itauctec, que prestou assessoria
tecnológica, além do forte empenho da comissão de sustentabilidade do CCE,
composta por oito membros e uma coordenadora.
Etapas do projeto
Aquisição de micros verdes, como são apelidados os computadores
fabricados sem chumbo e outros metais pesados, e a criação do Selo Verde,
78
certificação própria para identificar as máquinas com material e funcionamento
adequados ambientalmente. Essas foram as duas primeiras ações do projeto ewaste (lixo eletrônico), elaborado em 2007 pela comissão de sustentabilidade do
CCE, formada por sete membros, que deu origem ao CEDIR.
As próximas etapas do projeto são a estruturação do funcionamento do
próprio centro, organizada em um projeto que contempla duas fases: a criação do
Laboratório de Sustentabilidade para a realização de pesquisas e o treinamento
de pessoas; depois a expansão do programa de sustentabilidade para outras
unidades da USP e a comunidade em geral.
A primeira fase do projeto, prevista para iniciar até o fim do primeiro
semestre deste ano de 2010, compreende a realização de operações de coleta,
triagem e categorização no campus paulistano e de coleta e triagem nos centros
de informática dos campi de Ribeirão Preto, São Carlos e Piracicaba. Esta fase
ainda se subdivide em etapas, com relação aos participantes: a inicial abrange
funcionários das unidades da USP, a segunda, familiares de funcionários, alunos
e docentes e a 3ª etapa, o público em geral, além de uma possível parceria com a
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
A fase seguinte, a partir do segundo semestre, prevê operações de coleta e
triagem nos campi de Bauru, Pirassununga e Lorena. O Laboratório de
Sustentabilidade deve entrar em funcionamento com atividades de apoio em P&D
do CEDIR, como pesquisas, treinamentos, seminários e workshops.
Economia verde
Outro desafio a ser enfrentado pela comissão de sustentabilidade é o de
motivar a criação de uma empresa de reciclagem nacional especializada em
placas de circuito impresso, uma vez que no Brasil ainda não há tecnologia para o
reaproveitamento dos metais nobres que compõem as placas, como o ouro. Hoje,
a única solução encontrada é enviar para outros países que já possuem
tecnologia eficiente para que reciclem esses resíduos.
Também outra importante demanda para o grupo é fomentar projetos de lei
para regulamentar a produção verde e responsabilizar os fabricantes de EEE pela
reciclagem ou destino sustentável ao fim da vida útil de seus produtos.
79
5
Considerações
Este último capítulo procura verificar, sob a luz dos objetivos específicos, se
o percurso trilhado na realização da pesquisa conduziu a novos horizontes.
O primeiro dos objetivos centrou-se na estruturação dos fundamentos
teóricos que embasassem o levantamento de alternativas para o problema de
pesquisa. Nessa etapa foi possível conferir nitidez à idéia de que muito do que se
reconhece hoje como “problemas da modernidade” podem apresentar um lado um
tanto quanto obscuro ainda, mas cheio de possibilidades de atuar como um meio
bastante viável de geração de novos postos de trabalho, com implementação de
programas de capacitação para novas tarefas, atenuando o número de excluídos
da sociedade. Esses excluídos, ou seja, os verdadeiramente pobres no sentido
exato da palavra: a pobreza material, a falta de acesso a meios de suprimento de
suas necessidades mais básicas, poderão ser justamente os maiores
beneficiários dos novos programas de reciclagem que, num primeiro momento,
visam a preservação ambiental.
A constatação de que tudo o que se discute atualmente já foi debatido e
pesquisado de forma aprofundada pela equipe liderada por Gro Harlem
Brundtland do início da década de 1980 até a publicação do relatório Nosso
Futuro Comum, em 1987, mostra a dura realidade da humanidade: mesmo com
todo o conhecimento adquirido, mesmo com todas as previsões e mesmo diante
da urgência de atitudes, muito pouco foi efetivamente realizado nesses últimos 20
anos! Ainda hoje se colocam em discussão os mesmos problemas que há vinte
anos se debatia novas agendas e novos protocolos se repetem indefinidamente.
Destacou-se a pobreza como o grande problema da sociedade globalizada,
quando o tema se refere a meio ambiente, a economia ou a crescimento
populacional.
Os hábitos de vida e consumo da moderna civilização propiciam um grau de
risco particularmente elevado para a sociedade que, mesmo detentora de
informações e de conhecimentos suficientes para tornar-se agente de radicais
mudanças comportamentais, tem permanecido inerme, com seus quintais
murados, como se nenhuma força pudesse ruir suas fortalezas; não enfrentam a
80
dura verdade embora não sejam diferentes da camada mais pobre da população,
pois enquanto esta perde sua liberdade pela imposição da incapacidade de
exercer um trabalho digno, de ter acesso a moradia e a alimentação, a fatia da
sociedade privilegiada, também acaba tendo cerceada sua liberdade pelo medo
da perda, pela insegurança causada pelos riscos advindos de suas próprias
escolhas.
Em segundo lugar, havia a intenção de levantar quantitativamente o parque
de informática do governo do estado. Este era um projeto da Celepar que, com a
implantação de um software de gerenciamento de hardware, tornaria possível
criar e manter, atualizado a distância, um completo cadastro de todos os
equipamentos de todos os órgãos. Por motivos tanto de política interna da
empresa quanto de falta de recursos para operacionalizar esse grande banco de
dados, o projeto foi suspenso e, sendo assim, o levantamento quantitativo que
subsidiaria informações para a presente pesquisa tornou-se inviável. Logo, por
motivos meramente operacionais, este objetivo não foi totalmente atingido, porém
os dados apresentados no Capítulo 3 acerca das políticas internas para
equipamentos de T.I. supriram também a necessidade de informações
quantitativas para melhor embasar este trabalho no tocante às conclusões e
recomendações. Com o terceiro objetivo pretendia-se diagnosticar, no Brasil e
fora dele, as principais medidas legais e soluções adotadas para a destinação de
resíduos eletroeletrônicos. Observa-se que há uma tendência mundial acerca do
conceito de responsabilidade estendida ao fabricante e na produção verde, na
qual substâncias químicas nocivas à saúde humana e ao meio ambiente são
substituídas por outros compostos; porém não se chega a um consenso com os
chamados lixos históricos, ou seja, todo o contingente de equipamentos
eletroeletrônicos que já se encontram em desuso, armazenados em depósitos de
empresas ou em residências, aguardando uma política de descarte. Isso ocorre
em todos os países, não só no Brasil. Quanto mais se demora na implantação de
sistemas de coleta ou de responsabilização quanto à destinação, mais aumenta o
volume dessa categoria de lixo “órfão” pelo mundo.
A pesquisa evidenciou que a União Européia é a região que está à frente
quanto à legislação ambiental no tocante aos resíduos tecnológicos, cuja
abrangência vai da produção do bem até o fim de ciclo de vida, com retorno dos
81
componentes à cadeia produtiva ou destruição, causando nenhum ou o menor
impacto possível. Porém o Brasil, mesmo pertencendo à categoria de “país em
desenvolvimento”, incluiu na sua Constituição Federal matéria extensa sobre meio
ambiente, bem como diversos estados legislam pela promoção de práticas que
promovam a preservação ambiental e a saúde do homem.
O quarto e último objetivo tencionou, após uma compreensão percebida com
a exploração dos objetivos anteriores, apontar para uma ou talvez, mais
pretensiosamente, elencar algumas medidas que poderiam ser soluções para o
lixo tecnológico gerado nos órgãos públicos do estado do Paraná.
Dois movimentos nos levaram a formar uma opinião, antes de chegar a uma
conclusão ou propor uma solução. O primeiro foi percorrido ao longo do curso e
da atual pesquisa. É de caráter exploratório com o objetivo primordial de
apropriar-se de um conhecimento até então superficial, para lançar mão dele
como ferramenta fundamental na construção de uma idéia mais ampla, mas ao
mesmo tempo bastante específica. Ampla porque permitiu extrapolar os
horizontes até então conhecidos, e específica porque, mesmo indo além, o foco
permaneceu centrado no mesmo problema. Esse é o caminhar científico, que
assegura, enriquece e transforma o conhecimento.
O outro movimento, por sua vez, surgiu quando nos detivemos durante o
caminho exploratório e, mesmo sem deixar esse caminho certo, seguro, dirigimos
o olhar para um todo, para uma realidade maior. Assim, o olhar tornou-se um
olhar capaz de absorver a realidade com toda a sua diversidade, pois só quando
já conhecemos as particularidades, e a pesquisa exploratória nos permite isso, é
que conseguimos olhar a realidade suportando-a em toda a sua plenitude.
Esse tipo de percepção nos levou a conhecimentos diferentes daqueles que
conseguimos no movimento exploratório. Porém, ambos são complementares, um
e outro, pois assim como necessitamos, muitas vezes, dirigir o olhar do estreito
para o amplo, o inverso também se mostra necessário.
No movimento exploratório, olhando estreitamente para o problema ora
apresentado, tornou-se compreensível, neste viés, acreditar que as soluções mais
viáveis para a correta destinação dos resíduos tecnológicos dos órgãos públicos
poderiam percorrer os meandros legislativos, propondo uma regulamentação mais
82
eficiente e, ao mesmo tempo e para que os resíduos não se acumulassem nos
porões da burocracia estadual, os gestores poderiam lançar mão de leilões de
vendas de sucatas e para alguns equipamentos que, apesar de incompatíveis
para as tarefas realizadas na manutenção dos diversos serviços públicos, ainda
podem oferecer oportunidade de inclusão digital para alguns indivíduos da
sociedade, chamados de carentes ou pobres, sendo, então, doados para
entidades governamentais ou não, atuantes nessa causa.
O trabalho poderia encerrar-se aqui, com essas soluções bastante viáveis e
de uma simplicidade que pareceria atraente para qualquer gestor. Todavia, o
desconforto com uma outra questão persistiria. Quando falamos em “destinação
final”, “correta destinação”, parece que estas ações estão chanceladas com um
“certificado” que asseguraria que a sucata tecnológica teria sido “definitivamente e
irreversivelmente” tratada, desmantelada, reinserida na cadeia produtiva, enfim,
não haveria mais a menor possibilidade daquele “lote” de entulho eletrônico
tornar-se, depois de certo tempo, novamente um problema. Porém, seja por meio
de leilão ou por doação, esses equipamentos ou restos deles estarão agora não
mais sob o domínio dos gestores públicos, mas, pior, sob custódia de uma
organização que poderá ter menos condições não só financeiras, mas também de
conhecimento técnico ou de responsabilidade ambiental, para tratar de uma
“correta destinação” para esses rejeitos.
Do ponto de vista ambiental, é inegável o estabelecimento de liames entre a
preservação e uso sustentável dos recursos naturais com o reaproveitamento de
resíduos sólidos, e aqui estão incluídos os resíduos de equipamentos
eletroeletrônicos, seja na reutilização direta de materiais, reciclagem e retorno,
seja como matéria prima para ciclos produtivos.
Para a sociedade, projetos de coleta seletiva e outros similares que
incentivam a reutilização e a reciclagem com inclusão dos catadores ou de outras
classes marginais, como egressos do sistema penitenciário, apresentam
possibilidades economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis pelo
correto manejo de resíduos, uma vez que estimula a criação gradual de
alternativas de reaproveitamento e reciclagem dos mais variados tipos de
materiais e reduz a extração de recursos naturais, proporcionando a ampliação da
83
consciência ambiental e da participação da sociedade mediante mecanismos
geradores de renda e trabalho e de educação ambiental.
Há ainda um caminho que antecede o descarte de qualquer tipo de resíduo,
e que se inicia com a sua aquisição. Imprescindível é elucidar que os órgãos
públicos, sob o rigor da Lei Federal 8666 de 21/07/1993, têm toda e qualquer
compra ou contratação de serviços atrelada a um processo licitatório. Tal
processo poderia ser uma arma importantíssima que abarcaria desde a origem do
produto até a sua destinação. Como simples exemplo, na aquisição de
equipamentos de informática, seria possível descrever no objeto da licitação
requisitos como a produção livre de químicos tóxicos ou perigosos e, no mesmo
processo, aplicar o conceito de responsabilidade estendida ao fabricante ou
fornecedor para que, ao final do ciclo de vida do produto adquirido, o mesmo
fosse recolhido e corretamente destinado.
Para a constituição de tal cenário, cabe ao administrador público o papel
fundamental na construção de uma nova consciência socioambiental; seja
lançando mão dos processos licitatórios para garantir a produção limpa, livre de
químicos tóxicos ou perigosos, seja para prever uma correta destinação dos
resíduos que fazem parte do objeto da licitação. Contudo, é de extrema
importância à mobilização do Governo do Estado para o desenvolvimento social e
para a construção de uma economia solidária, fomentando projetos que
privilegiem a inclusão de classes com baixo grau de empregabilidade nos
programas de reciclagem, promovendo-lhes não só a capacitação para uma nova
profissão, mas ainda sua integração social por meio da formalização de
cooperativas ou associações não só na capital do estado, mas também nos
demais municípios, estabelecendo a gestão democrática, participativa e inclusiva
de todos os atores
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6
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i
O mito da caverna, também chamado de Alegoria da caverna,foi escrito pelo filósofo
Platão, e encontra-se na obra intitulada A República (livro VII). Trata-se da exemplificação de
como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da
verdade. Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e
seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada
ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de
senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade. Platão não buscava as verdadeiras
essências da forma física como buscavam Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de
Sócrates, ele buscava a verdade essencial das coisas.

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