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CAPA: Cristiano Freitas
IMAGEM DA CAPA: AGICOM Metodista
EDITORAÇÃO: Claudia M. Arantes de Assis Saar
REVISÃO:Amanda Luiza S. Pereira
Daniel Costa de Paiva
Diego Franco Gonçales
Murilo Machado Bansi
T227
Tecnologia, comunicação e ciência cognitiva [livro eletrônico] /
organização de Walter Teixeira Lima Junior, Murilo Bansi Machado. São
Paulo : Momento, 2014.
19 Kb ; ePUB
Coletânia de artigos dos membros do Grupo de Pesquisa Tecnologia,
Comunicação e Ciência Cognitiva do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo.
Bibliografia
ISBN 978-85-62080-08-1
1. Tecnologia 2. Comunicação 3. Ciência cognitiva 4. Comunicação
digital 5. Cibercultura 6. Comunicação móvel 7. Sociedade do
conhecimento 8. Novas tecnologias (Educação) 9. Ciberativismo
10. Sites (Internet) - Compras coletivas I. Lima Junior, Walter Teixeira
II. Machado, Murilo Bansi III. TECCCOG
CDD 302.2
www.tecccog.net
SUMÁRIO
Introdução
05
Apontamentos sobre o imprescindível debate da
tecnologia para a comunicação social
07
Amanda Luiza S. Pereira
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
27
Ana Graciela M. F. da Fonseca
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes
virtuais de aprendizagem: verificação de colaboração
por meio de uma visualização estrutural
44
André Rosa de Oliveira
Social Games: entretenimento democrático na internet
73
Cláudia Maria Arantes de Assis e Jefferson Ferreira Saar
Simulação Computacional de Fluxos de Informação:
uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
96
Daniel Costa de Paiva
Os espaços da recepção: elementos para pensar a
interação mídia-mente
114
Diego Franco Gonçales
Governança da internet, modelos de negócios,
cibercrime e ciberespionagem
Diólia de Carvalho Graziano
129
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre
democratização da tecnologia e acesso à informação
153
Eduardo Fernando Uliana Barboz
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como
objeto da linguagem
174
Leandro Golçalves
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a
materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
187
Márcio Carneiro dos Santos
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o
papel do professor
203
Michele Loprete Vieira
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de
uma ideia disforme
221
Murilo Bansi Machado
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos
rumos para a educação e desenvolvimento
de criações coletivas
240
Rafael Vergili
Os sites de compra coletiva: uma análise com foco
nos aspectos cognitivos
Daniel Costa de Paiva, Vanessa Moreira N. de Paiva e
Walter Teixeira Lima Junior
256
INTRODUÇÃO
A rápida e expressa adoção das mais variadas tecnologias digitais
de comunicação por parte das sociedades contemporâneas alterou, em
grande medida, a dinâmica dessas sociedades, bem como o rumo das
áreas do conhecimento que se debruçam sobre elas, propondo novas
questões para responder a situações e hábitos inteiramente insólitos.
Particularmente, a Comunicação, enquanto campo do conhecimento
pertencente à área das Ciências Sociais, vem dispendendo contínuos
esforços no sentido de estabelecer e compreender, sob uma perspectiva
inter e transdisciplinar, a complexidade das relações entre ciência e
tecnologia.
Mas, mais do que isso, o grupo de pesquisa Tecnologia,
Comunicação e Ciência Cognitiva (TECCOG) acredita que, para
acompanhar efetivamente os caminhos trilhados pela evolução
tecnológica, é necessário que os ferramentais teórico-metodológicos
das pesquisas em Comunicação também se adaptem aos instrumentos
de verificação desenvolvidos em outras áreas do conhecimento – em
especial, na Ciência Cognitiva.
Por isso, liderados pelo Prof. Dr. Walter Lima, os pesquisadores
do TECCOG dedicam-se a pesquisas que tratam dos dispositivos
tecnológicos de comunicação tendo em vista a introdução das
tecnologias digitais de informação e as descobertas da neurociência
no que tange ao processamento, transmissão e transdução de
informações.
Nesse sentido, o e-book Comunicação, Tecnologia e Ciência
Cognitiva tem como objetivo explorar a complexidade dos temas e
objetos de pesquisa dos estudos de Comunicação, relacionando essas
três áreas do conhecimento, ensejando o entendimento e a ampliação
das possibilidades de conexão entre elas.
Afinal, à medida que avança sem precedentes a apropriação
tecnológica por parte das sociedades, tal ato inevitavelmente modifica
o comportamento destas quanto ao consumo de informações. Logo,
compreender as diversas formas por meio das quais as tecnologias
da informação são cognitivamente apropriadas pelos indivíduos, bem
5
como o modo como estes interagem com novas maneiras de consumir
informações, por meio de seus impulsos sensoriais, certamente está e
estará entre um dos maiores desafios dos pesquisadores dessas áreas.
Portanto, este livro pretende contribuir para esta auspiciosa gama
de estudos que vem ganhando viço e número nos últimos anos como
um campo de investigação, ação e metodologias transdisciplinares.
Para isso, desejamos ao leitor aproveitamento científico sobre
o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social,
aqui travado por meio de textos assinados por pesquisadores e
colaboradores do TECCCOG.
Boa leitura a todos.
Walter Teixeira Lima Junior
Murilo Bansi Machado
6
Apontamentos sobre o
imprescindível debate da tecnologia
para a comunicação social
Amanda Luiza S. Pereira1
Introdução
O pensamento científico contemporâneo, especialmente por
intermédio de sua estruturação metodológica, axiomatiza suas
possibilidades e limitações em função da admissão da falibilidade
humana e das consequentes condições de conhecimento científico
como aproximação racional da realidade (BUNGE, 2008).
São patentes os limites difusos entre os conhecimentos científico
e filosófico no que tange à questão metodológica, bem como o são
as delimitações entre os domínios científicos, visto que versar a ou se
aproximar da realidade não é necessariamente o mesmo que dominála/domesticá-la em função de uma determinada perspectiva reflexiva
ou interventiva.
Tal constatação repete-se no debate endógeno das Ciências,
regulando seu exercício sem, contudo, inviabilizá-lo. Isso se dá porque
mais do que produzir descrições ou classificações dos fenômenos, a
investigação científica se presta primordialmente
à teorização, isto é, equilibra a relação entre o observável e o
inobservável da realidade, inferindo sobre o segundo a partir do
primeiro, ocupando-se essencialmente com o sentido atribuído às
evidências empíricas.
1
Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.
E-mail: [email protected]
7
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Esse sentido advém da referência ou universo de discurso de dada
teoria, isto é, estabelece-se através da articulação conceitual. E é neste
ponto que a investigação científica distancia-se da Filosofia – se não no
exercício prático, ao menos no plano reflexivo –, ainda que o diálogo
entre ambas seja necessário e evidente. Em uma pesquisa particular,
isso justifica o viés científico como atividade cognitiva produtiva e
imprescindível, tanto quanto outros conhecimentos.
No caso da Comunicação Social, a Teoria do Meio é identificada
como programa de investigação importante e adequado às
prerrogativas científicas apontadas e ao domínio da Comunicação
em si (MARTINO, 2000). Tomando-a como subjacente, investe-se
no exame da questão tecnológica. Além disso, uma vez que para o
estabelecimento e manutenção do fazer científico como produtivo há
o constante retorno ao debate filosófico, as questões das quais este
texto se ocupa são oriundas da premissa de que a reflexão sobre o
tecnológico se impõe ao exercício científico da Comunicação Social,
dada a imbricação da tecnologia com os fenômenos contemporâneos
e aos Objetos de estudo.
Dessa forma, cabe buscar a manutenção dos princípios científicos
frente à tecnologia, afastando-se da noção de que seu entrelaçamento
com outros aspectos da realidade a transformam em um fenômeno
trivial, que não demanda esforço reflexivo, pois passa a ser evidente
no contexto da formulação dos Objetos de pesquisa.
Filosofia da Tecnologia
Em uma visão panorâmica, há dois aspectos constantes nos
diferentes posicionamentos acerca da tecnologia que são aqui
explorados: (1) a pergunta primordial refere-se à essência da técnica
e/ou da tecnologia, isto é, a questão que se coloca é: “O que é?”;
(2) existe uma preocupação com a historicidade da técnica/tecnologia
e com o pensamento sobre a mesma, dentro da qual, a partir da
8
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
Revolução Industrial, há um deslocamento relevante.
Tanto no caso da pergunta sobre a essência, cuja percepção de
demanda é consensual, quanto em relação a outras questões sobre
as quais é possível identificar discordância, verifica-se a incidência de
uma abordagem específica que pode ser, segundo Mitcham (1994),
centrada em quatro enquadramentos básicos, nos quais tecnologia
é: objeto, atividade particular, conhecimento ou em função de sua
determinação (ou não).2
A breve explanação de Feenberg (2003), ainda que dedicada à
questão da determinação, termina por refutar a noção de tecnologia
como dominadora do homem. Para tanto, ele distingue as possíveis
concepções de tecnologia a partir de dois elementos diferentes, mas
interdependentes: o valor e o controle humano.
Dessa forma, quando a tecnologia é neutra e humanamente
controlada, trata-se de Instrumentalismo; quando é neutra e autônoma,
Determinismo; se carregada de valor e autônoma, Substantivismo; e,
finalmente, se carregada de valor e humanamente controlada, é Teoria
Crítica.
Feenberg (2003) não admite a possibilidade de neutralidade da
tecnologia, presente nas abordagens instrumental e determinista.
Explica primeiro que o Instrumentalismo prefere o questionamento
“Como funciona?”, dado que se ocupa dos fins das coisas, cuja
essência é convenção e não realidade, sem se questionar sobre a(s)
principal(is) qualidade(s) da tecnologia. Sequencialmente, soma à
negação da neutralidade a contestação da autonomia. Isso porque a
tecnologia autônoma controlaria o homem através da regulação da
sociedade – de acordo, exclusivamente, com demandas de progresso
e eficiência (Determinismo).
Também refuta o fundamento do Substantivismo, para o qual “na
medida em que nós usamos a tecnologia, estamos comprometidos
com o mundo num movimento de maximização e controle [...] O
2
Evitando reduções demasiadas, buscou-se no exame dos textos que compuseram
o referencial a abrangência das possibilidades colocadas por Mitcham (1994).
9
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
elemento de controle humano seria como escolher marcas de sabão
no supermercado, trivial e ilusório” (FEENBERG, 2003, online).
Finalmente, o autor opta pela Teoria Crítica:
De acordo com a teoria crítica, os valores incorporados
na tecnologia são socialmente específicos e não são
representados adequadamente por tais abstrações como a
eficiência ou o controle. A tecnologia não molda só um
modo de vida, mas muitos possíveis estilos diferentes de
vida, cada um dos quais reflete as escolhas diferentes de
objetivos e extensões diferentes da mediação tecnológica
[...] As molduras são os limites e contêm o que está por
dentro. Semelhantemente, a eficiência “molda” todas as
possibilidades da tecnologia, mas não determina os valores
percebidos dentro daquela moldura (FEENBERG, 2003,
online).
Com isso, pretende-se argumentar que, além do controle técnico que
viabiliza a eficiência,3 a essência da Tecnologia também é constituída
por um controle de outra ordem, humana. Há um controle humano
porque, mesmo que o controle técnico emoldure as possibilidades
tecnológicas pelos limites da eficiência, ele não determina o homem,
e é também influenciado por uma intencionalidade ou condição social
(FEENBERG, 2009).
A focalização de Feenberg (2003) no aspecto da determinação (ou
não) se estabelece melhor do que a perspectiva que trata a tecnologia
como objeto, por conta dos motivos pontuados por Bunge (1985). O
autor afirma que, na abordagem da tecnologia como objeto, há uma
redução oriunda da noção de que a tecnologia é somente um resultado,
alijando a capacidade de abarcar o processo mais abrangente, que dá
origem ao produto tecnológico e que também é importante e faz
3
A distinção apontada por Galloway (2004 e 2010) acerca do protocolo TCP/IP,
em que o controle da ordem da eficiência também não é o único e diz respeito à
correta forma, o saber-fazer e, no recorte da Filosofia da Tecnologia, “technoi”, isto
é, à técnica.
10
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
parte de sua essência. Além disso, dificultaria a distinção entre técnica
e tecnologia, o que preocupa não só Bunge, mas também Heidegger.
Entretanto, ao contrário de Heidegger, Bunge (1985) tende para
a Tecnologia, entendendo que esta é identificada a partir do domínio
da técnica pela atividade científica. Em linha semelhante, Vargas
(1994) abrange a historicidade da tecnologia, relacionando-a com o
estabelecimento das bases da ciência moderna, após a Idade Média:
A teoria abandona, então, o critério de verdade, baseado
na evidência dos princípios e logicidade dos argumentos,
e adota o critério de parte de experiências semelhantes às
da técnica, para com elas formular uma conjetura. A partir
da conjetura, formula-se uma teoria da qual uma conclusão
particular deva ser verificada pelo confronto com um
experimento organizado de acordo com a teoria. Sob esse
mesmo critério de verdade, ao lado da ciência, surge um
novo sistema simbólico até aquele momento inteiramente
desconhecido. E a tecnologia, entendendo-se essa como
a solução de problemas técnicos por meio de teorias,
métodos e processos científicos (VARGAS, 1994, p. 178179).
Aqui também estão abarcadas, além da perspectiva de atividade
particular, a distinção e a convergência fundamentais da tecnologia
em relação à técnica: enquanto técnica diz respeito a um saber-fazer
descolado da atividade científica, tecnologia é um fazer distinto que se
apropria, para manter os termos de Vargas (1994), das características
dos sistemas simbólicos técnica e exercício científico.
Dito de outra forma: não é restrita ao produto final porque está
imbrincada com as práticas puramente técnicas, bem como com as
científicas.
A partir da técnica e/ou da tecnologia, o homem cria os objetos e
os processos artificiais, isto é, os Artefatos que, como sintetizado por
Cupani (2004):
11
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
[...] O artefato não precisa ser todavia uma coisa (por
exemplo, uma bicicleta, ou um remédio), podendo tratar-se
também da modificação do estado de um sistema natural
(por exemplo, desviar ou represar o curso de um rio),
ou bem da transformação de um sistema (por exemplo,
ensinar alguém a ler). Em todos os casos, a ação técnica
– uma forma de trabalho, para Bunge – opera utilizando
recursos naturais (como empregar o cérebro próprio para
resolver um problema de maneira metódica, usar troncos
de árvore para construir uma cabana etc.), transformandoos (produzir tecidos com base no linho, domesticar animais
etc.), ou bem reunindo elementos naturais para dar origem
a algo inédito (sintetizar moléculas, organizar pessoas
numa firma comercial etc.) (CUPANI, 2004, p. 495).
Para Bunge (1980, p. 186), a tecnologia também pode ser
conhecimento “[...] se e, somente se: (i) é compatível com a ciência
contemporânea e controlável pelo método científico e (ii) é empregado
para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou
sociais”. Assim, enquanto a Tecnologia possui um objetivo prático
(que é sempre pontuado como melhoramento em materialidade ou
processo), a Ciência aplicada, tipo que, no âmbito da prática, é mais
próximo, visa a um saber útil (também percebido como positivo).
Verifica-se em Feenberg (2003 e 2009) e Bunge (1980 e 1985) a
já mencionada preocupação com o contexto da tecnologia, mas nem
tanto com o da Filosofia da Tecnologia.4 Nesse ponto, acompanha-se
Vargas (1994) quando explica que:
Uma Filosofia da Tecnologia nada tem a ver com as teorias,
métodos, processos e critérios da própria Tecnologia. Ela
será uma “visão” da essência da tecnologia; mas essa visão
será falsa se pretender que a Tecnologia subordine-se à sua
posição. Será ainda mais falsa a Filosofia da Tecnologia que
tentar incorporar às suas conclusões filosóficas soluções
4
Entretanto, cabe considerar que tais textos são artigos e não obra maior, como,
por exemplo, um livro.
12
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
particulares da própria Tecnologia (VARGAS, 1994, p.
181).
Aqui, identifica-se contraponto ou complementação à Filosofia da
Tecnologia de Bunge em outros autores que não Feenberg (2003 e
2009). Entretanto, considera-se contraproducente recorrer ao lugar
comum das dicotomias – seja otimismo ou pessimismo, realismo ou
antirrealismo, e assim por diante –, inclusive porque a delimitação e o
objetivo são aqui antes científicos e não filosóficos.
Seria mais adequado, ao menos no que se refere ao exercício
filosófico, preferir um viés que se distancia, já de início, na questão
principal. Neste entendimento particular, seria o resgate de Heidegger,
já que ao menos mantém a preocupação com o histórico, bem como
a pergunta pela essência, mas o faz em parâmetros bem diferentes, a
começar porque o centro é a Técnica.
A preferência pela técnica possui, mesmo observando as colocações
de Bunge e Feenberg, a vantagem metodológica de abarcar não só
uma técnica em especial (a tecnologia), mas toda a diversidade técnica.
Por outro lado, na concepção aqui declarada sobre a investigação
científica, a proposta de Heidegger é a que mais se distancia dos
domínios das Ciências, ainda que o compromisso que mantém com a
Filosofia resulte em uma perspectiva interpretativa fértil.
Finalmente, examinar seriamente a obra de Heidegger, mais do
que um trabalho filosófico, demandaria o questionamento direto das
premissas deste texto e inviabilizaria a realização de seu objetivo, cuja
relação direta é com o pensamento científico. Por isso, os argumentos
de Vargas (1994) são, novamente, pertinentes:
Com referência à técnica – um dos pólos dessa simbiose
– é difícil falar em verdade; pois os seus produtos não
são sentenças mas objetos concretos; e não tem sentido
falar em verdade ou falsidade quando se trata de obras,
instrumentos ou máquinas. Essas, em essência, não tem
um ser próprio; como tais elas simplesmente “servem13
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
para”; tem um valor como utilidade. Com referência à
ciência, pelo contrário, tem sentido falar em verdade ou
falsidade de suas sentenças. Como foi dito, seu critério de
verdade, no fundo, enquadra-se na definição clássica de
“adequação entre a mente e a coisa”. A dificuldade está
em como estabelecer a adequação entre algo mental e
algo material. Já foi dito que a ciência moderna resolveu
a dificuldade, procurando a adequação entre a teoria e o
experimento inteligido; isto é, organizado de acordo com a
teoria (VARGAS, 1994, p. 183).
Filosofia da Tecnologia e princípios da tecnologia
Em Arthur (2009), a preocupação com a natureza da tecnologia
se dá em função da busca por estipular princípios da tecnologia, de
modo que as possibilidades conceituais do Objeto fossem tratadas
pelo domínio que, evidentemente, precisa fornecer as articulações
conceituais que lhes são próprias.
Ao estipular três abordagens para o termo, o autor reflete sobre
questões que dizem respeito às perspectivas filosóficas indicadas por
Mitcham (1994), referindo-se diretamente à relação com propósitos
humanos (patente em Feenberg, 2003 e 2009); ao conjunto de práticas
e componentes (o debate técnica e tecnologia, bem como sobre o
artefato de Bunge); e a aparatos da engenharia pertencentes a uma
determinada cultura (na atenção histórica da Filosofia da Tecnologia e
da Técnica em geral, mas especialmente em Vargas, 1994).
Como resultado, tem-se o desdobramento das abordagens em
“tecnologia singular”, “tecnologia plural” e “tecnologia geral”, sendo
que:
Tecnologia singular – máquina a vapor – origina-se como
um novo conceito e desenvolve-se por modificar suas
partes internas. Tecnologia plural – eletrônicos – surge
construindo ao seu redor certos fenômenos e componentes
14
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
e se desenvolve alterando suas partes e práticas. E
tecnologia-geral, todo o conjunto de todas as tecnologias
que já existiram no passado e presente, origina-se do uso
de fenômenos naturais e constrói-se organicamente com
novos elementos formados pela combinação com os
antigos (Arthur, 2009, p. 29, tradução nossa).5
As apropriações de tecnologias por outras são engendradas por
três princípios da Tecnologia.
Em primeiro lugar, a Fenomenalidade, direcionada à relação
fenômeno-efeito6, isto é, a:
[...] um grupo de fenômenos capturados e colocados
em prática. A razão pela qual isso é central é que a
base do conceito de tecnologia – o que faz a tecnologia
simplesmente funcionar – é sempre o uso de algum efeito ou
efeitos centrais. Em sua essência, uma tecnologia consiste
em fenômenos programados para algum propósito. Eu
uso aqui o termo “programado” deliberadamente para
significar que os fenômenos que fazem uma tecnologia
funcionar são organizados de um modo planejado; eles são
orquestrados para o uso (Arthur, 2009, p. 51, tradução
nossa).7
5
No original: “A technology-singular – the steam engine – originates as a new
concept and develops by modifying its internal parts. A technology-plural – electronics
– come into being by building around certain phenomena and components and
develops by changing its parts and practices. And technology-general, the whole
collection of all technologies that have ever existed past and present, originates
from the use of natural phenomena and builds up organically with new elements
forming by combination from olds one” (ARTHUR, 2009, p. 29).
6
Neste contexto específico, “fenômeno” refere-se às relações causais que resultam
na satisfação do propósito estipulado na concepção da tecnologia, enquanto “efeito” diz respeito ao funcionamento e eficiência (ou não) de dada tecnologia.
7
No original: “[...] a set of phenomena captured and put to use. The reason this
is central is that the base concept of the technology – what makes a technology
work at all – is always the use of some core effect or effects. In its essence, a
technology consists of certain phenomena programmed for some purpose. I use
the word “programmed” here deliberately to signify that the phenomena that make
a technology work are organized in a planned way; they are orchestrated for use”
15
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Ficam em relevo duas convergências de Arthur (2009) com a
Filosofia da Tecnologia: (1) uma relação aproximada com o artificial/
artefato proposto por Bunge, visto que este se utiliza do natural e,
portanto, depende das satisfações de suas leis (físicas, químicas, e assim
por diante); (2) a indicação de duas esferas de controle (o técnico e
o humano/social), em que o técnico não suprime o humano/social.
O princípio de Combinação refere-se à organização8 de um
método ou ideia de funcionamento que constitui um artefato. Além
disso, o método ou ideia de funcionamento é materializado (acontece)
com alicerce de componentes que executam tarefas subsidiárias:
[...] um princípio base é usado – o conceito central ou a
lógica por trás do programa. Isso é implementado por
um conjunto principal contituído por blocos instrucionais
ou funções – apropriadamente chamado de “Main” em
algumas linguagens de computador. Estas chamadas
em outras subfunções ou subrotinas apoiam o seu
funcionamento. Um programa que cria uma janela gráfica
em uma tela de computador chama subfunções para criar
a janela, definir seu tamanho, sua posição, mostrar o seu
título, buscar o seu conteúdo, trazê-lo para a frente de
outras janelas e excluí-lo quando terminado (ARTHUR,
2009, p. 34, tradução nossa)9.
Depreende-se daí que os componentes que formam uma
determinada tecnologia constituem uma arquitetura, normalmente
(ARTHUR, 2009, p. 51).
8
Disposição dos componentes que constituem determinada tecnologia e, portanto,
das condições técnicas e tecnológicas que são apropriadas.
9
No original: “[...] a base principle is used - the central concept or logic behind
the program. This is implemented by a main set of instructional building blocks or
functions - appropriately enough called “Main” in some computer languages. These
call on other subfunctions or subroutines to support their workings. A program that
sets up a graphic window on a computer display calls on subfunctions to create the
window, set its size, set its position, display its title, fetch its content, bring it to the
front of other windows, and delete it when it is done with” (ARTHUR, 2009, p. 34).
16
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
modular10 (ARTHUR, 2009) e, portanto, sujeita ao princípio da
Recursividade, implicando a afirmação de que:
Cada conjunto ou subconjunto ou parte tem uma tarefa a
ser executada. Se não fosse isso, não estaria lá. Portanto,
cada um é um meio para um propósito. Cada um, a
partir da minha definição anterior, é uma tecnologia.
Isto significa que os conjuntos, subconjuntos e peças
individuais são todos executáveis – são todos tecnologias.
Por conseguinte, uma tecnologia consiste em blocos de
construção que são tecnologias, que consistem em mais
blocos de construção que são tecnologias, que consistem
em outros blocos que são tecnologias, com o padrão se
repetindo em todo o caminho até o nível fundamental
de sua composição. Tecnologias, em outras palavras, têm
uma estrutura recursiva. Elas consistem em tecnologias
dentro de tecnologias por todo o caminho até as partes
elementares (ARTHUR, 2009, p. 38, radução nossa).11
A Fenomenalidade é o princípio mais básico,12 enquanto
Combinação e Recursividade se fundem mais facilmente (ao menos
no que tange à evidência empírica sem as condições reflexivas
aqui colocadas), visto que as estruturas tecnológicas possuem uma
delimitação ou hierarquia endógena da arquitetura relacionada tanto
10
O autor explica que apenas tecnologias de extrema simplicidade podem ser
estruturadas por componentes individuais.
11
No original: “Each assembly or subassembly or part has a task to perform. If it
did not would not be there. Each therefore is a means to a purpose. Each therefore,
by my earlier definition, is a technology. This means that the assemblies, subassemblies, and individual parts are all executables - are all technologies. It follows
that a technology consists of building blocks that are technologies, which consist of
yet further building blocks that are technologies, with the pattern repeating all the
way down to the fundamental level of elemental components. Technologies, in other
words, have a recursive structure. They consist of technologies within technologies
all the way down to the elemental parts” (ARTHUR, 2009, p. 38)
12
Porque “para se realizar na realidade física, um princípio precisa ser expresso na
forma de componentes físicos” (ARTHUR, 2009, p. 33, tradução nossa).
17
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
à questão da eficiência quanto da materialização dos princípios e
objetivos de determinada tecnologia.
Considerando convergências e complementações entre Arthur
(2009) e a Filosofia da Tecnologia (BUNGE, 1980 e 1985; FEENBERG,
2003 e 2009; VARGAS, 1994), depreende-se que a Tecnologia é mais
facilmente percebida como objeto, isto é, resultado de um processo
que se apropria, a partir de específico momento histórico, de técnica
e de investigação científica, formando um conhecimento particular
(BUNGE, 1980).
Do ponto de vista conceitual, o processo subjacente não pode
ser suprimido. Assim, a Tecnologia, que sempre terá uma instância
material (oriunda da necessária relação fenômeno-efeito), carrega
um determinado valor enquadrado nas exigências da eficiência e
do controle técnico, mas que não é por eles encerrado. Soma-se ao
controle humano (FEENBERG, 2003 e 2009).
Isso quer dizer que, se o controle humano e seu consequente valor
contido em Tecnologia encerrarem-se no controle técnico, ainda
assim, serão socialmente específicos, e não tecnicamente específicos.13
Então se explica porque, mesmo com otimismo, Bunge se dedica em
parte do Tratado de Filosofia ao debate contextualizado pela ética, e
Feenberg (2009) sugere a reavaliação de estabelecimentos sociais.
Essa condição da Tecnologia independe do grau de simplicidade
da tecnologia singular, plural ou geral colocada em relevo. Porém, cabe
ressaltar que o controle técnico impõe delimitações às tecnologias das
quais faz parte: não é possível extrair de uma determinada tecnologia
qualquer resultado ou utilizá-la indistintamente. A materialização de um
diferente valor socialmente específico, dependendo do distanciamento
que toma de seu predecessor, implicará a concepção de uma nova
tecnologia.
13
Porque seria uma redução conceitual injustificada equivaler atitude humana à
atitude técnica, ainda que se conceba entre ambas entrelaçamento. O pano de
fundo particular neste texto coincide com o de Vargas (1994), fundamentalmente
Cassirer (1994).
18
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
O que é central a partir daí é a condição, própria da Tecnologia,
de suportar alterações superficiais ou profundas, de se apropriar
de outras com base nos princípios de Combinação e Recursividade
(ARTHUR, 2009).
Filosofia da informação
A opção por Floridi no que tange à Informação se dá porque,
apesar de existir condição de diálogo com o referencial de Filosofia
da Tecnologia utilizado, bem como com Arthur (2009), a observação
de sua proposta força o desvelamento de questões pertinentes à
preocupação geral sobre a Tecnologia, sem recair em dualidades
comuns. Tal como pontua Gonzalez (2013), Floridi busca “[...]
elucidar problemas da Filosofia da informação, e não sobre a Filosofia
da Informação, e uma das condições será evitar a mera translação a
uma linguagem filosófica de problemas que sejam de outra ordem
[...]” (GONZALEZ, 2013, p. 4).
Em Information: a very short introduction, Floridi (2010) realiza um
mapeamento conceitual da Informação com o objetivo de estabelecer
bases para o enquadramento de problemáticas para as investigações.
Já a partir da organização dos tópicos da obra e da leitura de sua
introdução é possível verificar que, apesar do privilégio do aporte
tecnológico, o autor não considera essa perspectiva suficiente. Isto
significa dizer que, se a Informação não equivale ao conhecimento,
pelo menos viabiliza um em particular que, para além do universo
computacional, atinge, inclusive, o biológico.
Não sendo a única colocação e entendimento possível, o autor
(2010) entende que a essência da Informação é constituída pelas
relações que evidenciam os dados, imbrincadas com as possibilidades
de significação atribuída aos mesmos. Dessa forma, aponta que a
Informação é constituída por dados articulados a partir da sintaxe de
um determinado sistema, considerando-se que “[...] Sintaxe aqui deve
19
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
ser entendida em sentido lato, e não apenas linguisticamente, como o
que determina forma, construção, composição ou estrutura de algo
[...]” (FLORIDI, 2010, p. 22, tradução nossa).14
A propósito do dado, o autor (2010) se preocupa em esclarecer
uma classificação para as relações que o torna passível de identificação.
O que os tipos de dados guardam em comum é o fato de o
reconhecimento se dar frente um segundo dado.
Os chamados de primários correspondem ao estado “puro”, isto
é, não estão estruturados. Para Floridi (2010), um dado primário
pode ser percebido em relação a outro do mesmo tipo ou não, ainda
que não subsidie qualquer sentido. Já o dado secundário é oriundo de
uma falta de informação que conduz à dedução de uma informação
indireta como, por exemplo, quando o silêncio de um dos indivíduos
em contato numa ligação telefônica pode levar à noção de que o outro
não pode ouvir (dado derivado).
Metadados informam sobre a natureza e dinâmica de outros (como
no caso da indicação de atualização de um dado em que 18 é a classe
idade do objeto paciente), enquanto os operacionais referem-se à
dinâmica dos dados de um determinado sistema. E, finalmente, os
dados derivados são os extraídos a partir de outros como, por exemplo
– e para manter a elucidação do autor (2010) –, inferir a localização
de um indivíduo em certo horário em função do registro de uso de
cartão de crédito em um posto de gasolina.
Se, por um lado, sugere-se que os Dados se relacionam com índices
da realidade, a Sintaxe que constitui a Informação envolve pensar o
conteúdo semântico e, em alguma instância, implica uma convenção
simbólica. Assim, a Informação com conteúdo semântico é resultado
da adequação dos dados à Sintaxe e, pelo menos, na condição de
potencialmente interpretáveis, constituindo uma Informação instrutiva
14
No original: “[…] Syntax here must be understood broadly, not just linguistically,
as what determines the form, construction, composition, or structuring of something
[…]” (FLORIDI, 2010, p. 22).
20
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
ou factual.15 Visto que a informação instrutiva não se refere a um fato/
fenômeno diretamente (limitando-se a propulsionar sua verificação),
diferente da factual, não está submetida às classificações Verdadeiro
ou Falso.
É neste ponto que está calcada a crítica de Floridi (2010) à Teoria
matemática da comunicação proposta por Shannon e Weaver, que
exclui a informação factual e, nesse raciocínio de instrução, preocupase em evitar o descumprimento da instrução fornecida/emitida.
Em se tratando de um tipo de informação específica, o autor
(2010) prefere a denominação Teoria matemática da comunicação de dados,
entendendo que se limita aos fenômenos que envolvem a codificação
e a transmissão dos mesmos, do ponto de vista da eficiência.
Consequentemente, o valor da informação é estritamente quantitativo
e a sua mensuração é propulsionada pelo parâmetro de redução de
incerteza: se para diferentes demandas (déficit de dados/incerteza) a
resposta é sempre a mesma ou não ocorre, o resultado não deveria ser
classificado como informativo.
Nesse contexto, Informação não está calcada naquilo que é
informado (conteúdo, natureza e correlatos), mas nas condições
de informar. Por isso, a ênfase está nos símbolos e sinais que são
portadores da Informação, e não na Informação em si.
Dito de outra forma, diz respeito ao dado sem sentido atribuído
porque contextualizado apenas pelo valor quantitativo, não sendo
ainda significativo. É um dado submetido somente às regras de
um determinado sistema. Novamente mantendo a elucidação de
Floridi (2010), nesse contexto a resposta “sim” para duas perguntas
diferentes (“Você está aí?” e “Você quer se casar comigo?”) possuem
o mesmo valor. Nessa linha, volta-se para redundância e ruído, sendo
este último indesejável:
15
A exceção seria a informação ambiental, cuja verificação ou atribuição como
verdadeira ou falsa se dá a partir de dado derivado que, mesmo assim, não a
abrange como um todo.
21
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Na vida real, uma boa codificação é modestamente
redundante. Redundância refere-se à diferença entre a
representação física de uma mensagem e a representação
matemática da mesma mensagem, que não usa mais bits
do que o necessário [...] mas redundância não é sempre
negativa/ruim [...] A mensagem somada a ruído contém
mais dados do que a mensagem original por si só, mas
o objetivo do processo de comunicação é a fidelidade, a
transferência exata da mensagem original do remetente
ao destinatário, não aumento de dados. Estamos mais
propensos a reconstruir corretamente uma mensagem no
final de uma transmissão se algum grau de redundância
contrabalança o inevitável ruído e equívocos introduzidos
pelo processo físico de comunicação e pelo ambiente [...]
(FLORIDI, 2010, p. 40, tradução nossa).16
A consequência da crítica da redução da Informação à informação
instrutiva é o questionamento do autor (2010) sobre a suficiência da
compreensão do princípio “não há informação sem dados” como
envolvendo a realização material de dado:
[...] Vários filósofos aceitaram o princípio enquanto
defendiam a possibilidade de que o universo pode vir a
ser não-material ou baseado em uma fonte não-material.
Na verdade, o debate clássico sobre a natureza última da
realidade poderia ser reconstruído em termos das possíveis
interpretações desse princípio (FLORIDI, 2010, p. 61-62,
tradução nossa).17
16
No original: In real life, a good codification is modestly redundant. Redundancy
refers to the difference between the physical representation of a message and
the mathematical representation of the same message that uses no more bits
than necessary […] but redundancy is not always a bad thing […] A message
+ noise contains more data than the original message by itself, but the aim of a
communication process is fidelity, the accurate transfer of the original message
from sender to receiver, not data increase. We are more likely to reconstruct a
message correctly at the end of the transmission if some degree of redundancy
counterbalances the inevitable noise and equivocation introduced by the physical
process of communication and the environment […]” (FLORIDI, 2010, p. 40).
22
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
Entre dados/informação, tecnologia e comunicação
Apesar de se discordar da colocação de Floridi (2010) de que a
informação pode não possuir materialidade, concorda-se com a
insuficiência da informação instrutiva como base explicativa para
qualquer informação.
Isso se dá porque a divergência com a proposta do autor tem
origem em duas questões interdependentes: (1) as consequências do
alargamento de suas colocações para o exercício científico podem
chegar ao questionamento da base contemporânea das Ciências,
que no caso deste texto é axiomática; (2) o argumento do autor só é
possível se considerarmos que a Informação não apenas é mais larga
do que o tecnológico, mas absolutamente neutra do ponto de vista
ontológico, o que não interessa aos domínios científicos em função
da questão (1).
Nesse ponto, não há prejuízo à noção de que a informação
instrutiva é insuficiente porque ela o é, mesmo para Floridi (2010),
já na instância particular do tecnológico e no seu conceito: afirmar
que o dado independe do que é informado é plausível frente à
preponderância da contraposição de um dado a outro para que o
primeiro seja desvelado e não de um sentido semântico e, em alguma
medida, convencional, que só existe a partir da informação. O dado,
assim como a informação ambiental, não depende da convenção para
existir.
O recorte tecnológico que é utilizado por Floridi (2010) exclui a
preocupação com processos comunicacionais, ainda que ele mencione
superficialmente a confusão entre informação e comunicação. Assim,
quando critica a Teoria matemática da comunicação, fornece espaço para
17
No original: “[...] Several philosophers have accepted the principle while defending
the possibility that the universe might ultimately be non-material, or based on a nonmaterial source. Indeed, the classic debate on the ultimate nature of reality could
be reconstructed in terms of the possible interpretations of that principle”. (FLORIDI,
2010, p. 61-62).
23
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
que se compreenda como fenômeno de comunicação a transmissão
de dados.
Não parece razoável que o Objeto da Comunicação seja encerrado
por tal perspectiva, ainda que seja notória a transmissão de dados
como aspecto técnico de processos comunicacionais sustentados
por suportes tecnológicos. Por outro lado, não se depreende disso a
defesa de que o processo comunicacional (em qualquer condição) e o
Objeto da Comunicação podem ser idênticos.
A evidente interface com o tecnológico parece justificar a supressão
de questionamentos básicos acerca do próprio Meio de Comunicação,
já que aparentemente tecnologia e técnica são equivalentes.
Na elaboração aqui realizada, essa identificação de equivalências se
deve à inobservância epistemológica em relação ao Objeto (articulação
observável e inobservável).
Quando se percebe que nem mesmo a Tecnologia é subsumida
pela técnica ou pelo seu tipo de controle e eficiência, a retomada do
Meio de Comunicação torna-se mais plausível na medida em que
conduz aos questionamentos sobre os mecanismos (e não apenas ao
emissor e aos possíveis efeitos) pelos quais o processo comunicacional
se realiza.
Estes mecanismos implicam também aspectos simbólicos,
culturais e sociais que não são abarcados pela problematização da
tecnologia, inclusive porque está na alçada da Comunicação Social.
Mas, em contrapartida, a consideração da tecnologia propulsiona a
delimitação clara desses aspectos na superfície do Objeto de pesquisa,
além de viabilizar o mínimo de dissensão necessária para a investigação
produtiva.
Referências
ARTHUR, W. B. The nature of technology: what it is and how it
evolves. New York: Free Press, 2009.
24
Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social
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Press, 1994.
25
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
VARGAS, Milton. Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo:
Alfa Omega, 1994.
26
Mobile Learning:
Novos meios, velhas questões
Ana Graciela M. F. da Fonseca1
As duas últimas décadas têm sido marcadas pela disseminação
das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC’s, sobretudo
os dispositivos móveis. Segundo Straubhaar e LaRose (2004), a
tecnologia é um agente de transformação e gera implicações na
sociedade. Várias áreas foram afetadas pela popularização e uso
desses aparatos, como, por exemplo, a Educação. De acordo com
Dertouzos (1997), a Educação é afetada pelo mercado da informação.
A combinação tecnologias de comunicação e ensino-aprendizagem
é um assunto que vem sendo bastante debatido, especialmente com
a profusão de dispositivos comunicacionais cada vez mais atraentes,
interessantes e multifuncionais. Assim, a apropriação para fins de
ensino-aprendizagem é um ponto que tem despertado a atenção dessa
área.
A necessidade de “modernizar” o ensino-aprendizagem é
apontada como consequência da disseminação e uso das TICs pelos
alunos, fator que, de acordo com o discurso atual, interfere na tarefa
de ensinar e aprender. A apropriação das TICs tem sido colocada
como caminho para a atualização de metodologias e práticas de
ensino-aprendizagem. Ainda, o uso de novas tecnologias pode ser
uma alternativa para suprir defasagens na aprendizagem.
Não é de hoje que a escola e as formas de ensino são questionadas
(FREIRE; GUIMARÃES, 2011). Paulo Freire e Sérgio Guimarães
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), bolsista CAPES, membro do
Grupo de Pesquisa TECCCOG – Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva.
E-mail: [email protected], http://lattes.cnpq.br/1689227823117809.
1
27
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
(2011) também destacam que a presença dos meios de comunicação
no dia-a-dia de alunos e professores não é uma novidade, seja como
ferramenta pedagógica ou na interferência das informações advindas
desses aparatos. Para os autores, a união de tecnologias de comunicação
e educação apresenta potencialidades que podem ser aproveitadas
para o ensino-aprendizagem. Embora apontem que a relação escola e
meios de comunicação é antiga, vale ressaltar a existência de uma nova
dinâmica nessa relação no universo das tecnologias digitais.
As características dos dispositivos digitais são fluxo de informação
mais intenso e bidirecional, além da variedade de formatos,
diferentemente dos meios de comunicação de massa, contexto sobre
o qual os autores dissertam o assunto. As diferenças entre os meios
de massa e as TICs pode ser explicada pelo que André Lemos (2007)
denomina de função massiva e pós-massiva. A função massiva é
caracterizada pelo fluxo centralizado de informação, no qual há
o controle do pólo da emissão. Na função pós-massiva, há uma
descentralização e liberação do pólo emissor, de modo que o fluxo
comunicacional torna-se bidirecional (de todos para todos).
Diante da forte presença das TICs no cotidiano e do cenário
atual, que permite o contato com diversos conteúdos em diferentes
formatos e acessíveis em diferentes dispositivos, educadores e
sociedade em geral acreditam que a escola e o processo de ensinoaprendizagem precisam ser repensados. Sendo assim, a adoção das
TICs como ferramenta pedagógica é colocada como alternativa para
atender essa demanda e, ao mesmo tempo, suprir problemas no
ensino-aprendizagem.
Neste universo de possibilidades, surge o Mobile Learning –
aprendizagem móvel, conceito que representa a aprendizagem
entregue ou suportada por meio de dispositivos de mão tais
como PDAs (Personal Digital Assistant), smartphones, iPods, tablets e
outros pequenos dispositivos digitais que carregam ou manipulam
informações (MÜLBERT; PEREIRA, 2011). Convergentes,
28
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
portáteis e multimídias, esses aparatos têm possibilitado um
conjunto de alternativas que podem ser exploradas também para a
aprendizagem. Entre as justificativas para incentivar o Mobile Learning
está à popularização dos dispositivos móveis – celulares e smartphones
–, a extensão do tempo e espaço de ensino e a personalização da
aprendizagem.
No entanto, mesmo sendo um fenômeno recente, algumas
preocupações e questões que envolvem o uso de novas tecnologias
para aprendizagem, como o Mobile Learning, são semelhantes às do
contexto relacionado às mídias de massa, como a figura e postura do
professor e a tarefa de ensinar e aprender num universo permeado
por meios de comunicação. Segundo Paulo Freire e Sérgio Guimarães
(2011), na década de 70, as crianças já traziam fatos e ideias que não
tinham sido levados pela escola, e sim pelos meios de comunicação.
De acordo com os autores, isso seria um reflexo de uma vivência num
mundo em que os meios de comunicação já estavam muito ativos.
Sobre o conflito professor e meios de comunicação: “Claro! inclusive
no sentido de o professor se atualizar. O uso dos meios, de um lado,
desafia, mas, de outro, possibilita uma amplitude da criatividade dele e
do educando” (2011, p.71).
Nesse sentido, podemos de antemão pressupor que algumas
inquietações escola/professor com relação aos meios de comunicação
parecem ter origem bem antes da chegada e ascensão das tecnologias
digitais, embora com nuances diferenciadas, pois é preciso levar em
consideração características como a convergência desses aparatos, o
cerne parece o mesmo.
Parte-se do pressuposto, portanto, de que as preocupações que
afligem a apropriação e relação TICs e ensino-aprendizagem se
assemelham em grande parte às mesmas já delineadas no período da
mídia de massa. Podemos, a priori, definir que, em alguns momentos,
trata-se de novos meios e velhas questões. Sendo assim, temos
aqui a oportunidade para que possamos tentar e/ou ensaiar certas
29
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
aproximações em relação à apropriação e uso das novas tecnologias,
neste caso o Mobile Learning, com as demais mídias consideradas
massivas. Dessa maneira, este artigo busca fazer uma reflexão sobre
esse aspecto por meio de alguns exemplos de práticas de Mobile
Learning.
Mobile Learning - “Aprendizagem Móvel”
O Mobile Learning ou M-learning pode ser definido como uma
modalidade de ensino que permite ao aluno acessar materiais, assistir
aulas síncronas e assíncronas, interagir de qualquer lugar e a qualquer
tempo (TAROUCO et al., 2004). De acordo com Mülbert e Pereira
(2011), o termo aparece pela primeira vez em uma publicação científica
de 2001 que destaca a tendência e o potencial dessa metodologia para
a aprendizagem, ressaltando as vantagens de se estudar em qualquer
lugar e tempo.
Em 2013, a UNESCO produziu o guia Policy Guidelines for
Mobile Learning com dez recomendações em que tenta ajudar
governos a implantar tecnologias móveis nas salas de aula. O guia foi
apresentado em Paris durante a Mobile Learning Week. Constam nele,
além das recomendações, treze motivos para o uso de dispositivos
comunicacionais móveis pela educação. A UNESCO tem sido grande
incentivadora do uso de dispositivos móveis pela educação, com ênfase
no telefone celular.2 Em 2011, realizou a “Semana do Aprendizado
pelo Celular” com o objetivo de discutir o impacto dessa tecnologia
na educação e no aprendizado, bem como o modo como telefones
celulares podem apoiar professores e alunos.
De acordo com o Policy Guidelines for Mobile Learning (2013), os
pilares do Mobile Learning são levar informação onde ela é escassa,
2
Disponível em: http://www.onu.org.br/unesco-lanca-iniciativa-de-telefonescelulares-a-servico-da-educacao. Acesso em: 15 out. 2013.
30
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
personalizar e flexibilizar a aprendizagem, proporcionar feedback
imediato e ampliar a produtividade aproveitando a aprendizagem em
qualquer tempo e espaço. O guia enfatiza a necessidade de incorporar
dispositivos comunicacionais móveis aos processos de ensinoaprendizagem devido à popularização desses aparatos, especialmente
o telefone celular, mas também pela importância do aspecto portátil,
que permite ao usuário transportá-los com facilidade e, por isso, tê-los
sempre a mão.
No caso do telefone celular, que, como Castells (2008) lembra, é
a tecnologia mais rapidamente adotada na história da humanidade,
também é preciso destacar as diversas transformações que ampliaram
a sua função inicial. As novas funcionalidades incorporadas
representam recursos que podem ser usados para práticas de Mobile
Learning. Sobre a evolução tecnológica dos celulares:
Os telefones celulares atuais possuem outras características
além de fazer uma simples chamada telefônica. Os aparelhos
celulares agora podem enviar mensagens de texto; realizar
navegação na Internet; reproduzir música MP3; gravar
memorandos; organizar informações pessoais, contatos
e calendários; enviar e receber e-mails e mensagens
instantâneas; gravar, enviar, receber e assistir a imagens e
vídeos usando câmeras e filmadoras embutidas; executar
diferentes toques, jogos e rádio; realizar push-to-talk
(PTT); utilizar infravermelho e conectividade Bluetooth;
realizar vídeo-chamadas e servir como um modem sem fio
para um PC (SAFKO; BRAKE, 2010, p. 266).
Atualmente, o mercado oferece mais que um telefone, e sim um
dispositivo multimídia que executa diversas funções em diferentes
formatos. Esses modelos são chamados de smartphones, ou “telefones
inteligentes”. Os smartphones apresentam-se como uma tecnologia que
reúne várias mídias num só aparelho (telefone, internet, console de
jogos, recursos dos computadores pessoais, entre outras) (MERIJE,
31
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
2012).
Dentre os dispositivos que podem suportar o Mobile Learning,
o telefone celular é o mais popular. “Se o computador ainda é um
objeto restrito, o celular está presente em boa parte das escolas, nas
mochilas dos alunos de diferentes classes sociais” (MERIJE, 2012, p.
81). O aparelho é uma ferramenta disponível e pode prontamente ser
incorporada como objeto de aprendizagem. Para o Policy Guidelines
(2013), os celulares são populares em locais onde as demais tecnologias
são escassas, como em alguns países africanos. Ainda representa uma
aprendizagem interrupta, ampliada e teoricamente de baixo custo, se
levar em conta que grande parte da população possui um telefone
celular.
Mesmo assim, apesar de comum no cotidiano, o governo brasileiro
tem flertado com o uso de tablets3 e não de celulares. Em 2012,
escolas públicas receberam tablets distribuídos a alunos e professores,
processo que continuou em 20134. Em contrapartida, a pesquisa
Perspectivas Tecnológicas para o Ensino Fundamental e Médio
Brasileiro de 2012 a 2017, produzida pelo Horizon Project, analisando
o contexto brasileiro, coloca o telefone celular num horizonte de um
ano para que seja adotado massificamente pelas escolas.
Tendo em vista a difusão, a condição portátil e a variedade de
recursos, dispositivos móveis como telefones celulares, smartphones e
tablets oferecem um conjunto de possibilidades para a aprendizagem.
Permitem trocar informações, compartilhar ideias, experiências,
resolver dúvidas, acessar uma gama de recursos e materiais didáticos,
incluindo texto, imagens, áudio, vídeo, notícias, conteúdos de blogs e
jogos, tudo isso no exato momento em que é necessário, devido à
portabilidade (FERREIRA et al., 2012).
3
Disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/mec-distribuiratablets-para-escolas-em-2012-01092011-41.shl. Acesso em: 15 out. 2013.
4
Disponível
em:
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vidaurbana/2013/06/10/interna_vidaurbana,443944/estudantes-da-rede-municipal-vaoganhar-16-mil-tablets.shtml. Acesso em: 15 out. 2013.
32
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
A execução de ações como as descritas acima só é possível devido à
associação dos recursos dos aparelhos celulares e das redes de telefonia
móvel com os da internet, o que potencializou as possibilidades de
acesso e compartilhamento de conteúdo (MERIJE, 2012). Aspecto
ressaltado também por Rachid e Ishitani (2012), modernas tecnologias
e padrões de telecomunicação para a computação móvel tornam cada
dia mais viável o m-learning. Por outro lado, ainda existe uma disparidade
em relação ao acesso à internet de banda larga, especialmente fora
dos centros urbanos. Enquanto grande parte da população do Brasil
possui um smartphone, a infraestrutura para suportar a navegação é
insuficiente (PERSPECTIVAS TECNOLÓGICAS... 2012).
Para Rachid e Ishitani (2012), as características da aprendizagem
móvel é que ela utiliza dispositivos móveis que são: usados em qualquer
lugar; considerados de uso pessoal; mais baratos que computadores
pessoais e mais fáceis de usar; utilizados em diversas configurações.
Esses fatores, aliados à convergência e multifuncionalidade
dos dispositivos comunicacionais móveis, criam condições para
o desenvolvimento de atividades de aprendizagem móvel. Com
isso, instituições e educadores vêm se apropriam desses aparatos,
utilizados com objetivos pedagógicos para apoiar o processo de
ensino-aprendizagem (TAROUCO et al., 2004).
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
Descrevendo na íntegra as recomendações e motivos para adoção
de dispositivos comunicacionais móveis propostas pelo guia Policy
Guidelines for Mobile Learning (UNESCO, 2013), elas ficam dessa forma:
criar ou atualizar políticas relacionadas com a aprendizagem móvel;
treinar os professores para o uso de tecnologias móveis; prestar apoio
e treinamento aos professores; criar conteúdo educacional próprio e
adequado para ser usado em dispositivos móveis; garantir a igualdade
33
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
de gênero para os alunos móveis; expandir e melhorar as opções
de conectividade, garantindo equidade; desenvolver estratégias para
proporcionar igualdade de acesso para todos; promover o uso seguro,
responsável e saudável de tecnologias móveis; usar a tecnologia
móvel para melhorar a comunicação e gestão da educação e aumentar
a consciência da aprendizagem móvel através do apoio, controle e
diálogo. Dos motivos para o uso de tecnologias móveis: expandir o
alcance e a equidade em educação; personalizar a aprendizagem; provê
avaliação e feedback imediatos; permite que se aprenda em qualquer
hora e lugar; garantir o uso produtivo do tempo gasto em sala de aula;
criar novas comunidades de alunos; dá suporte a aprendizagem in loco;
melhora a aprendizagem contínua; união da aprendizagem formal e
informal; minimizar a interrupção do ensino em áreas de conflito e
desastres; auxiliar os alunos com deficiência; melhorar a comunicação
e administração e maximizar a relação custo-eficiência.
Entre as recomendações e motivos, podemos destacar:
treinamento/preparação de professores; conteúdo educacional
próprio e adequado para cada meio; promoção do uso seguro e
responsável; permitir que se aprenda em qualquer hora e lugar; e união
da aprendizagem formal e informal como pontos em comum com a
apropriação de meios de comunicação para o ensino-aprendizagem,
sejam eles novas tecnologias ou meios massivos.
Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011) destacam a necessidade
de preparar o professor para a realidade de ensinar em um ambiente
cercado pelos meios de comunicação, mas também com um conteúdo
que esteja de acordo e que justifique o uso da tecnologia para, assim,
ser possível fazer a diferença no processo de ensino-aprendizagem:
Acontece que as nossas escolas ficam tão preocupadas,
tão comprometidas com o cumprimento tradicional dos
programas já estabelecidos que elas procuram, apenas,
quando utilizam esses recursos, esses instrumentos
audiovisuais, utilizá-los como exclusivos auxiliares da
34
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
execução de programas, e não no sentido de aproveitar
esses instrumentos para desenvolver um novo campo de
atuação e expressão (2011, p. 78-9).
Os autores, que discutem o tema num contexto de mídias
massivas, também apontam para a necessidade de preparar o aluno
para dominar as linguagens da mídia. Ele precisa de suporte para que
o processo de ensino-aprendizagem com tecnologias de comunicação
seja proveitoso, a meta é ensinar o aluno a se servir dos meios. É
preciso instruir sobre os meios para que estes possam ser bem
utilizados, cabendo ao professor essa função. Outro ponto, é que a
formação também pode se dar fora da instituição, e já se considerava
isso com a televisão.
Sobre o professor, a obrigação de atualização e compreensão
desse universo dos meios de comunicação não é de hoje, conforme
posto por Freire e Guimarães (2011), e parece ainda uma questão a
ser superada. De acordo com a pesquisa do Horizon Project, apesar de
existir muita inovação ocorrendo dentro da indústria de tecnologia,
as ferramentas ainda não estão completamente integradas às escolas
porque os professores não estão preparados para implementá-las.
Embora o professor já tivesse que lidar com a presença e influência
dos meios de comunicação desde as mídias massivas, como o rádio
e a televisão e atualmente o fluxo informacional ser diverso, maior e
bidirecional, a postura proposta por Louis Porcher parece caber em
ambos os contextos, pois é necessária uma triagem da informação,
independente do ambiente:
E as pessoas – os professores, os educadores – podem
se dedicar a explicar como procurar a informação, como
“recortar” a informação, uma vez que agora há uma tal
diversidade, uma tal acumulação, vertiginosa, diária, de
informação, que é preciso “recortá-las” (PORCHER apud
FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 177).
35
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
“Escola com Celular” é um projeto realizado na cidade de São
Vicente, no estado de São Paulo, que parte da constatação de que o
telefone celular é muito mais do que um aparelho de comunicação. O
celular é um recurso para trabalhar conteúdos curriculares, efetivar
novas conexões e difundir a educação ambiental. A iniciativa trabalha
pelo viés da sustentabilidade, com foco no descarte de resíduos e
consumo. A proposta consiste, por meio de uma imersão em suas
comunidades, em os alunos estudarem o tema “resíduos e consumo”
e o princípio dos 3Rs (reduzir, reutilizar e reciclar). O resultado das
observações é transformado em conteúdos públicos disponibilizados
em uma rede social desenvolvida para o projeto e, além da construção
de um mapa georreferenciável, sendo esse serviço disponibilizado a
comunidade, indicando os pontos para coleta e reciclagem de resíduos.
No projeto, o celular é instrumento de apoio para as atividades,
sendo usado para a comunicação através de mensagens de texto –
SMS com tarefas, “pílulas de informação” e feedbacks das atividades,
além de registro das observações por meio de vídeos, fotos e texto.
O objetivo é ultrapassar os muros da escola: utilizar os dados da
realidade para estimular a aprendizagem de conteúdos e desenvolver
habilidades e competências.
O projeto piloto foi executado em 2011, envolvendo alunos
do ensino fundamental de escolas municipais, e parte do currículo
escolar foi organizado em projetos interdisciplinares que têm não só o
ambiente escolar como contexto, mas também o ambiente doméstico
e a cidade, visando à integração dos espaços.
Olhando para esse projeto, encontramos respaldo no conceito
“escola paralela”, resgatado por Freire e Guimarães (2011). O
conceito aparece pela primeira vez numa série de artigos assinados
pelo sociólogo Georges Friedmann publicados em janeiro de 1966.
Em 1974, o sociólogo e professor francês Louis Porcher publicou a
primeira edição de Escola Paralela: “A escola paralela é constituída
pelo conjunto dos circuitos graças aos quais chegam aos alunos (bem
36
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
como aos demais), de fora da escola, informações, conhecimentos, uma
certa formação cultural, nos mais variados domínios” (PORCHER
apud FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 27). O conjunto de meios de
comunicação de massa foi chamado de escola paralela, assim como
também podemos chamar de “escola paralela” projetos de Mobile
Learning como o Escola com Celular.
No caso do Mobile Learning, podemos afirmar que a aprendizagem
ganha mais “espaços” devido à portabilidade dos dispositivos.
“As tecnologias móveis ampliam o tempo e o espaço de estudo ao
quebrar as barreiras temporais e espaciais, visto que o aluno pode
aceder ao material de estudo em diversos momentos e contextos”
(MOURA; CARVALHO, 2009, p. 36). Desse modo, os dispositivos
comunicacionais móveis permitem mais “escolas paralelas” em
relação às mídias massivas e não móveis.
O projeto “Minha Vida Mobile – MVMob” é desenvolvido desde
2005 e tem como foco as TICs, especialmente o telefone celular.
O MVMob capacita estudantes e educadores para a produção de
conteúdos audiovisuais com celulares – áudio, foto e vídeo. De
acordo com o seu idealizador, Wagner Merije, as atividades do projeto
geram exercícios de interpretação, síntese, categorização, criticidade,
organização, relação grupal, autonomia, criatividade, num processo de
articulação visual com os saberes da prática social dos educandos. A
metodologia consiste na realização de oficinas de produção de vídeos,
fotos, áudios e notícias com o celular, premiação e organização de
mostras dos trabalhos, além da produção de tutoriais e materiais
de subsídio pedagógico. Segundo Merije (2012), essa metodologia
de aprendizagem se mostra mais prazerosa e envolvente para os
estudantes, pois inclui um objeto que faz parte do seu cotidiano, o
celular.
Sobre o projeto MVMob, podemos relacioná-los:
Incorporar às atividades escolares os conteúdos e vivências
37
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
veiculados pelos meios de comunicação de massa equivale,
a nível de motivação, a trabalhar com dados extraídos
do próprio cotidiano dos alunos. Não é de surpreender,
por isso, que se obtenham assim melhores resultados do
que quando se introduzem conteúdos estranhos à sua
realidade, mesmo que se trate de programas rigorosamente
elaborados numa progressão lógico-linear (FREIRE;
GUIMARÃES, 2011, p. 212).
É possível atestar, no caso do projeto MVMob, que, mais que
o dispositivo utilizado, é a identificação, a relação com o cotidiano
dos alunos, que parece ser mais crucial para as atividades do que
a tecnologia em si. A metodologia consiste em trabalhar temas
propostos pelos alunos.
Por fim, sobre como os meios podem ser benéficos e servir de apoio
ao processo de ensino-aprendizagem, o projeto “PALMA – Programa
de Alfabetização na Língua Materna” tem como objetivo desenvolver
competências básicas de leitura e escrita por meio digital em jovens e
adultos. A iniciativa vem sendo realizada em oito municípios do estado
de São Paulo. Trata-se de um aplicativo para telefones inteligentes
que consiste na combinação de sons, letras e imagens, propondo um
aprendizado por associação de ideias. O aplicativo foi desenvolvido
para complementar a educação formal de jovens e adultos que não
sabem ler e escrever. Segundo uma professora que integra o projeto:
O uso dos smartphones diminuiu os índices de evasão e o
aumento da frequência em sala de aula. “Eles tentam faltar
menos, se preocupam em não deixar de fazer a atividade.
Tornaram-se mais responsáveis”, avalia a professora. Mas
o principal diferencial em relação às aulas tradicionais,
segundo ela, é que os alunos estudam por mais tempo
(OJEDA, 2012, online).
O projeto aproveita a portabilidade do celular para proporcionar
um aprendizado a qualquer hora, em qualquer lugar. De acordo com
38
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
Lemos, “a questão do tempo também é crucial nesta comunicação
móvel já que cria temporalidades diferenciadas em relação a espaços
diferenciados” (2009, p. 28). A respeito da discussão sobre tempo e
espaço:
Antônio Sabino de Sousa, colega de Nilma, quase chegou
lá. Aos 62 anos, trabalha no departamento de reposição
de uma loja de material de construção. Sai de casa às cinco
da manhã. No ônibus que o leva para o serviço, liga seu
smartphone, põe um fone de ouvido e faz os exercícios. Às
quatro da tarde, quando volta para casa, repete o ritual.
(OJEDA, 2012,).
[...] Aprendi a ler muito mais com o celular do que com
a lousa. Antes não conseguia reter o que era passado nas
aulas. O telefone ajuda a memorizar, pois eu levo para casa.
É como se um professor estivesse do nosso lado, falando
que tem que fazer de novo (OJEDA, 2012,).
Para Michael Dertouzos, “a imagem que emerge dessa discussão
é a de um Mercado da Informação robusto, dedicado a aperfeiçoar a
educação por expansão e acréscimo, e não pela substituição dos meios
mais próximos de ensino e aprendizado” (1997, p. 241).
Considerações Finais
A apropriação de tecnologias de comunicação pela Educação não
é um fenômeno recente. Os computadores, por exemplo, segundo
Dertouzos (1997), são usados para aperfeiçoar o ensino desde a
década de 1960. De acordo com Paulo Freire e Sérgio Guimarães, em
obra seminal sobre Mídia e Educação, Educar com a Mídia, reeditada
em 2011, os meios de comunicação como ferramenta pedagógica não
são uma novidade. Rádio, televisão, videocassete, jornal, projetores,
39
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
história em quadrinhos fizeram e ainda fazem parte dos recursos
disponíveis tanto para professores quanto para alunos. Para os
autores, os meios de comunicação podem tanto ser incorporados
como recurso didático quanto contribuir na formação dos indivíduos,
abastecendo-os de informação.
Diante dos meios de comunicação disponíveis no ano de 1983
(data em que a obra foi escrita), Freire e Guimarães já alertavam para
conflitos apregoados com frequência na atualidade: a necessidade
de mudança na postura da escola e dos modelos educacionais e a
influência e implicações dos aparatos comunicacionais na tarefa de
ensinar e aprender.
Sobre a influência de outros circuitos informativos no cotidiano
da escola, como os meios de comunicação, por exemplo, Freire e
Guimarães resgatam o conceito de “escola paralela”. Segundo este
conceito, existem outros canais de comunicação e informação (além
da escola) que os professores não controlam e que são frequentados
massivamente pelos alunos, não podendo, qualquer que seja a opinião,
negligenciar o problema pedagógico e sociológico que eles colocam.
“Trata-se de saber se a escola e a escola paralela vão se ignorar,
comportar-se como adversárias ou se aliar” (2011, p. 27).
A atribuição do status de seminal a essa obra se deve ao fato
de que os autores apontaram questões em um outro contexto
comunicacional, que ainda não contava com a diversificação de
dispositivos e computação ubíqua. Entretanto, os conflitos se
mostram extremamente atuais e continuam permeando as discussões
quando o assunto é a relação entre Educação e TICs.
Para Freire e Guimarães (2011), a apropriação dos meios de
comunicação para fins de ensino-aprendizagem é perfeitamente
possível e benéfica – como no projeto PALMA –, sejam estes
analógicos ou digitais. Porém, essa apropriação requer habilidades,
planejamento e esforço para que possa de fato ser útil e representar
um diferencial. O uso de aparatos de comunicação pode ser uma
40
Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
alternativa para renovação de metodologias, passando esta a ser uma
tarefa também do professor, o que implica rever sua postura e métodos.
É importante ressaltar que, segundo Freire e Guimarães (2011), essa
percepção já existia, no entanto, é reconfigurada com a TICs, que
têm como característica intensificar o fluxo comunicacional, pois são
meios bidirecionais (de todos para todos), nos quais a informação
pode ser acessada e compartilhada de múltiplos dispositivos.
Uma questão que figura com a profusão de tecnologias e
dispositivos comunicacionais é justamente a figura do professor. Para
Muniz Sodré, “não há dúvida de que as tecnologias da comunicação
e da informação impõem uma revisão do estatuto tradicional do
professor” (2012, p. 202). No entanto, Freire e Guimarães (2011)
afirmam que sempre foi necessário o professor se atualizar e os meios
de comunicação sempre representaram um desafio no exercício de
ensinar.
Tendo em vista os argumentos apresentados, é possível afirmar
que, em alguns momentos, as questões e preocupações que afligem a
apropriação e a relação TICs e ensino-aprendizagem se assemelham
em partes com as mesmas delineadas no período das mídias massivas.
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Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
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Mobile Learning: Novos meios, velhas questões
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43
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Processos comunicacionais
assíncronos em ambientes virtuais
de aprendizagem: verificação de
colaboração por meio de uma
visualização estrutural
André Rosa de Oliveira1
Contexto: Conhecimento, ferramentas assíncronas e colaboração
Ao redigir o prólogo do livro Más Allá de Google, de Jorge Juan
Fernández García, Alfons Cornella, fundador da empresa espanhola
Infonomia, relacionou as palavras informação, comunicação, tecnologia
e conhecimento:
a informação é a substância do mundo: a comunicação
— a relação —, uma das razões da existência dos seres
vivos; a inteligência, o que nos distingue de outras espécies;
a tecnologia, a ferramenta que nos permite transformar
o mundo (embora não necessariamente para melhor); o
conhecimento, o que transforma o possível em realidade
(2008, p. 8, tradução nossa).
Em poucas palavras, Cornella sintetizou a proximidade entre
as áreas da educação e da comunicação, conectadas por meio da
1
Jornalista. Doutorando pela Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em
Comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Professor das Faculdades Integradas
Rio Branco. Contato: [email protected]
44
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
tecnologia.
Por trás da densidade e complexidade da definição de conhecimento,
sua importância revela-se diante das possibilidades de combinação
das configurações e aplicações da informação com as tecnologias da
comunicação (SQUIRRA, 2005, p. 258). Ainda que não seja novidade
— no século XIX, estudantes se relacionavam com alunos por
correspondência (KEEGAN, 1996) —, modelos de ensino a distância
despertam interesse em distintas áreas. O fascínio provocado por esta
combinação é nítido a partir dos anos 1990, momento definido por
Romiszowski (2009) como “onda de e-learning”: pesquisas foram
conduzidas em instituições das mais variadas áreas — basicamente
educação, mas também ciência da informação, engenharia de
produção, administração, entre outras — dispostas a compreender
as oportunidades em buscar conhecimento em ambientes mediados
tecnologicamente. Em especial, a comunicação mediada por
computador (CMC):
Processo pelo qual pessoas criam, trocam e percebem
a informação utilizando sistemas de telecomunicações
em rede, que facilitam a codificação, transmissão e
decodificação de mensagens... Estudos em comunicação
mediada por computador podem visualizar este processo
a partir de uma variedade de perspectivas teóricas e
interdisciplinares, concentrando-se em uma combinação
de pessoas, tecnologias, processos e efeitos (DECEMBER,
1996 apud ROMISZOWSKI; MASON, 2004, p. 398,
tradução nossa).
Os primeiros sistemas de comunicação baseados em uso de
computadores foram desenvolvidos nos anos 1970. Paralelamente
ao desenvolvimento da Arpanet e seu sistema de comunicação mais
popular — o serviço de e-mail, cuja mensagem pode ser de um para
um, de um para muitos ou uma lista de discussão — havia redes locais
de computadores que contavam com serviços de fóruns, conhecidos
45
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
e usados até os dias de hoje. Hiltz e Turoff (1993, p. 22) lembram
que, na época, esta ferramenta era denominada computer conference,
caracterizada por discussões orientadas por tópicos, cuja transcrição
permanente é construída durante o processo. A troca de mensagens
pode ser realizada de forma assíncrona, dando aos interlocutores a
flexibilidade para registrar suas participações a qualquer tempo.
Nos últimos anos, instrumentos para comunicação mediada
por computador são utilizados para a publicação de informações
e o compartilhamento de conhecimento por meio da rede. Tais
ferramentas foram combinadas e agrupadas em sistemas únicos,
formando ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), também
conhecidos pela sigla LMS — em inglês, learning management system.
O Moodle, acrônimo de Modular Object-Oriented Dynamic Learning
Environment, é um exemplo de software gerenciador de cursos e
disciplinas, composto por recursos e atividades acessíveis a partir de
um navegador web e distribuído gratuitamente (SILVA, 2010).
Construído em código aberto, dispõe de diversos recursos para que
alunos e tutores compartilhem e acessem conteúdos. Sua flexibilidade
permite a adaptação de sistemas como webconferência, mas em sua
instalação padrão habilita a utilização de fóruns assíncronos, aos
moldes dos pioneiros serviços de computer conference.
Além de disponibilizar conteúdos de maneira simples e
organizada, os AVAs pretendem estimular o “processo individual,
que pode ser potencializado, com atividades colaborativas, como a
combinação de situações-problema e interações sociais, de forma a
desenvolver habilidades pessoais e coletivas” (PESCE et al, 2009,
s.p.). O envolvimento dos seus participantes a partir das ferramentas
de comunicação é sintetizada pelo termo colaboração, cuja relação
imediata com ambientes virtuais pode mostrar-se delicada.
Os termos colaboração e colaborativo são penetrantes.
Algumas vezes, eles parecem ser usados como legitimadores
46
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
de jargões: “nosso projeto proposto vale a pena ser
financiado porque temos a promessa de colaborar!” E
algumas vezes elas parecem ser usadas como atalhos
em torno da organização detalhada do projeto: “nosso
projeto proposto será um esforço colaborativo entre
departamentos interessados, com a partilha de custos
colaborativa e alocação de equipe” (RENTFROW, 2007, p.
8, tradução nossa).
O cenário apresentado acima norteou a realização de uma
pesquisa no âmbito das ciências sociais aplicadas (OLIVEIRA, 2011),
com objetivo de identificar a existência de colaboração em ambientes
virtuais de aprendizagem, registradas em bancos de dados por meio
de trocas assíncronas de mensagens a partir de ferramentas baseadas
em texto — ou seja, os fóruns.
Indicadores que denotam colaboração
O trabalho parte do conceito de aprendizagem colaborativa
proposto por Pierre Dillenbourg, um dos pioneiros entre os
pesquisadores que observam o uso de computadores conectados
em rede para a educação, reforçando o conceito de aprendizagem
colaborativa por meio de computador — computer supported collaborative
learning (CSCL): uma situação onde duas ou mais pessoas aprendem
ou tentam aprender algo juntos através de processos de interação
social, mediadas pela linguagem, em busca do desenvolvimento de
habilidades específicas e a resolução de problemas (DILLENBOURG,
1999, p. 2).
O autor propõe indicadores para avaliar a adequação de um
ambiente à colaboração. Sua situação, condições do ambiente em
promover simetria de ação e status entre os agentes, sem hierarquia,
diante de objetivos comuns; suas interações, o diálogo negociado
47
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
entre os interlocutores (em oposição a ordens), em que o todo é
constituído a partir de partes; seus mecanismos, processos capazes de
acionar mecanismos de participação e aprendizagem; e seus efeitos,
isto é, se houve colaboração ou não e em que medida.
Assim, espera-se que o ambiente se aproxime do que Paloff
e Pratt (2004, p. 39) definem por comunidade: presença de trocas
ativas entre os interlocutores, envolvendo tanto conteúdo pertinente
e objetivos propostos quanto comunicação pessoal, expressões de
apoio e estímulo, significados construídos socialmente evidenciados
pela busca a um acordo.
O resultado da combinação entre interações e mecanismos nesta
situação deve ser uma síntese das ideias, algo diferente do que poderia
ser produzido por indivíduos isoladamente.
Wenger (1998) recorta o conceito, ao definir comunidade de
prática: indivíduos conectados por um propósito comum por meio
de sistema complementares, normalmente de caráter voluntário não
hierárquico e auto-organizado.
Esta comunidade se vê diante de problemas práticos, e a resposta
a influências externas deriva da experiência e conhecimento dos
participantes, e não de uma diretriz ou política externa.
Este artigo descreve a metodologia utilizada em uma pesquisa
empírica, buscando visualizar os indicadores de colaboração em
um ambiente que se apresenta como uma comunidade de prática
aberta. Em linhas gerais, os registros textuais de um AVA foram lidos
e organizados em categorias, procedimento que remete a Grounded
Theory.
Da mesma forma, as conexões semânticas entre as mensagens
também foram rotuladas, permitindo uma visualização estrutural:
considerando as mensagens e suas relações, respectivamente, como
vértices e laços, os fóruns foram representados graficamente.
Diante destas estruturas, foi possível fazer inferências de caráter
quantitativo sobre as interações, bem como apontamentos qualitativos
48
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
baseados nos indicadores de colaboração propostos.
Metodologia: Combinação de SNA e Grouded Theory
A capacidade de computadores “interpretarem” dados de maneira
mais estruturada, definida pelo físico Tim Berners-Lee como web
semântica, revela-se um campo de pesquisa fértil aos interessados em
relacionar nossa capacidade cognitiva e a recuperação de dados em
rede — algo possível, por exemplo, com os fóruns assíncronos em
um AVA.
Tendo como pano de fundo a web semântica, Zhuge (2003) propõe o
conceito de active document framework (ADF), um navegador inteligente
capaz de percorrer grandes bases de dados e que, a partir de algumas
palavras ou expressões processadas por algoritmos, seja capaz de
conectar fragmentos de texto semanticamente.
Este conceito pode ser aplicado a troca de mensagens em
ferramentas assíncronas, onde usuários interagem colaborativamente
expondo não apenas suas expectativas, mas também intenções e
outras marcações emocionais em seu discurso — é o que Walther
(1996) observa como nível de diálogo interpessoal, que passa a uma
condição hiperpessoal a medida em que, diante apenas de elementos
textuais para a formação do perfil de um interlocutor, aspectos
positivos são mais valorizados.
Presume-se que, a partir da primeira mensagem de um tópico, é
possível percorrê-la em meio a participação coletiva dos membros,
cuja finalidade é a busca por solução.
Cada fragmento de texto, portanto, é parte de um único documento,
resultado de um processo de negociação entre usuários a partir de
ideias e pontos de vista distintos.
Um tópico aberto (isto é, um documento) pode ser representado
graficamente, de forma análoga ao modelo de ADF proposto por
49
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Zhuge: fragmentos textuais representados por vértices, conectados
entre si como exemplificado na Figura 1. Mais do que isso, o autor
propõe a classificação do tipo de conexão entre dois fragmentos,
formando uma rede de links semânticos (semantic link network, SLN).
Mesmo considerando as postagens como fragmentos de um único
documento, o caráter independente das mesmas não indica um único
fluxo de leitura possível.
Por essa razão, os laços não possuem orientação (setas).
Uso de Social Network Analysis (SNA)
A visualização das trocas de mensagens por meio de estruturas
em forma de grafos permite a aplicação da análise de redes sociais
(ARS, ou em inglês, Social Network Analysis, SNA), instrumento
que vem chamando atenção das ciências sociais (FRAGOSO et al,
2010, p. 115). Trata-se de uma ferramenta metodológica de origem
multidisciplinar, que permite a quantificação e a relação matemática
entre elementos, de modo a testar a manutenção ou a alteração de
padrões em um determinado tempo por meio de indicadores, como
a quantidade de conexões em um determinado nó (grau de conexão),
a proporção do número de conexões em relação ao seu limite ou a
quantidade de conexões em um único nó (SOUZA; QUANDT, 2008;
WASSERMANN; FAUST, 1994).
50
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 1: representação de um fórum por meio de um grafo
Tradicionalmente, este método é usado em fenômenos onde os nós
do grafo correspondem aos membros do grupo, inclusive em ambientes
virtuais de aprendizagem (GRUZD; HAYTHORNTHWAITE,
2008; ZHU, 2006). Ao observar fragmentos de texto, nem todos
os indicadores propostos pela SNA mostram-se relevantes – um
exemplo é a densidade da rede, isto é, a relação entre os elos existentes
e o máximo de conexões possível. Espera-se, nesse caso, apenas o
número de laços suficientes para estabelecer diálogos: ao menos
duas para mensagens intermediárias e uma para as que encerram a
discussão.
Outras propriedades, no entanto, podem estar relacionadas ao
comportamento de mensagens num fórum. O grau nodal (número de
conexões em um vértice) representa a quantidade de reações de uma
postagem. A distância geodésica (distância entre um ponto e outro,
medida pelo número de laços) indica a extensão e profundidade
da conversa. Já o grau de intermediação (probabilidade de um nó
fazer parte de um caminho) revela postagens cruciais, afinal, todos
os caminhos possíveis passam por ele. Presume-se ainda que,
normalmente, o nó que apresenta o maior grau de intermediação é a
postagem inicial.
51
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Categorização por meio da Grounded Theory
A análise de um fórum por meio de grafos, levando em conta
propriedades matemáticas quantitativas, pode caracterizar a presença
de colaboração por meio das interações. Sua verificação por meio do
ambiente ou mecanismos, no entanto, exige uma percepção qualitativa.
Gunawardena et al (1997, p. 414) leva em conta cinco etapas que levam
ao processo de colaboração mediada por ferramentas assíncronas: o
compartilhamento e comparação de informações, a exploração de
pontos de vista divergentes, a negociação de significados, a construção
e a aplicação de uma síntese proposta.
Um caminho para identificar os níveis de diálogo é a classificação
das mensagens e suas conexões. Este processo remete a Grounded
Theory, metodologia das Ciências Sociais conhecida em português
como Teoria Fundamentada em Dados, que tem em Barney Glaser e
Anselm Strauss seus precursores. Eles a definem como um “método
geral de análise comparativa e um conjunto de procedimentos capazes
de gerar sistematicamente uma teoria fundada nos dados” (GLASER;
STRAUSS, 1967, apud TAROZZI, 2011, p. 17).
Na Grounded Theory, a teoria deve emergir de maneira indutiva,
baseando-se na valorização e observação sistemática, na
comparação, classificação, análise de similaridades e contrastes
entre dados.
Assim, um dos elementos mais importantes da coleta de
dados é a organização desses dados, que passa por um
processo denominado codificação. Essa codificação é já,
em si, uma forma de análise e consiste numa sistematização
dos dados coletados, de forma a reconhecer padrões
e elementos relevantes para a análise e para o problema
(FRAGOSO ET AL., 2011, p. 92).
52
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Há divergências entre suas premissas, perspectivas e abordagens,
especialmente diante das técnicas de codificação possíveis. No entanto,
para classificar uma pesquisa como fundamentada em dados, não se
trata de tarefa simples. Para Fragoso et al (2011, p. 110), o método é
pouco indicado para pesquisadores muito iniciantes, por ter um nível
de abstração muito alto.
É necessária a adoção de um conjunto sistemático de
procedimentos precisos para coleta, análise e articulação da
teoria conceitualmente abstrata. No cardápio dos métodos
de pesquisa, a Grounded Theory classica é “table d’hôte”,
e não “a la carte”. Gerar Grounded Theory requer tempo
(HOLTON, 2007, p. 258, tradução nossa).
Uma das exigências mais complexas da Grounded Theory é a de que
o pesquisador não deve ter ideias preconcebidas antes de analisar os
dados. Ora, diante de abordagens similares já realizadas, construir
um modelo de codificação sem uma agenda prévia, considerando
apenas a sensibilidade do observador, é uma missão impossível. É
possível, no entanto, “reconhecer essa experiência e esse lugar de fala
como existentes, essa carga de percepções pode influenciar de forma
positiva” (FRAGOSO ET AL, 2011, p. 90).
Em relação a trabalhos que também propuseram a codificação
de postagens, Gilbert e Dabbagh (2005) partiram de postagens
assíncronas entre estudantes e professores num curso de graduação
intitulado “Instructional Technology Foundations and Learning Theory on
Student Learning”. As pesquisadoras analisaram a transcrição das
discussões on-line e criaram um esquema de codificação com base na
compreensão dos estudantes. Da mesma forma, De Liddo e Alevizou
(2010) elaboraram um método específico para analisar fóruns de
cursos abertos da P2PU2, a partir da observação e codificação das
2
Peer e Peer University, iniciativa de educação aberta online. Disponível em HTTP:
53
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
mensagens. “Em síntese, é oportuno receber formação sobre o
processo
ideal de fazer GT, mesmo sabendo que assim como o processo é
apresentado na formação, nunca será encontrado na prática”
(TAROZZI, 2011, p. 59).
A combinação dos métodos Grounded Theory e SNA, para
classificação das postagens em um fórum e sua estruturação por
meio de grafos, permite compreender elementos a respeito de grupos
e, consequentemente, perceber como se dá a colaboração em um
ambiente de aprendizagem a partir das visualizações dos fóruns.
Aplicação em um ambiente virtual de aprendizagem aberto
O AVA escolhido para testar os métodos foi o grupo de estudos
on-line Educar na Cultura Digital3, projeto coordenado pela jornalista
e educadora Priscila Gonsales e apoiado pelas Fundações Telefônica
e Santillana, em parceria com a Organização dos Estados Iberoamericanos. Baseado no ambiente virtual de aprendizagem Moodle
instalado no portal global EducaRede, a proposta do grupo é aprender
a lidar com os desafios que as inovações tecnológicas trazem para a
escola.
Trata-se de um ambiente de aprendizagem aberto, pois qualquer
usuário interessado em aprender sobre o tema pode participar. Ao
mesmo tempo, cada membro intervém de acordo com o seu ritmo e em
qualquer das cinco áreas de estudo, reforçando seu caráter assíncrono.
Como se espera ainda que as discussões dos usuários transitem entre
o ambiente online e as salas de aula, o grupo de estudos pode ser
caracterizado como uma comunidade de prática.
//p2pu.org
3
54
Mais informações em http://www.educared.org/global/educarnaculturadigital
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 2: relação entre o número de mensagens, usuários e data
A primeira etapa do grupo de estudos permaneceu funcionando
entre os dias 20 de agosto e 20 de dezembro de 2010, dividido em cinco
áreas, cada qual com o seu fórum temático: Mundo Digital, Geração
Interativa, Aprendizagem na Cultura Digital, Inovação Pedagógica e
Avaliação no Uso das TIC. Nesse período de quatro meses, foram
abertos 56 tópicos, distribuídos nestas áreas. Destes, os membros da
equipe abriram e moderaram 19, enquanto 30 participantes diferentes
cuidaram dos outros 37 — um destes abriu quatro, outro dois abriam
dois tópicos. Segundo as diretrizes do grupo, o usuário responsável
pela abertura de um tópico se responsabiliza por sua moderação.
Foram contabilizadas 4.275 postagens, 328 feitas pela equipe. Dos
2.325 membros que se inscreveram no grupo, 406 registraram alguma
participação. A Figura 2 distribui as mensagens no decorrer do tempo,
reforçando seu caráter assíncrono.
Todas as mensagens foram reproduzidas em uma planilha do
Microsoft Excel, onde foram comparadas com as publicações originais,
lidas e observadas, em busca de padrões de uso. De antemão, percebese que os fóruns começam com alguma interrogação, incentivando os
interlocutores ao debate. Verificou-se uma diferença entre questões
que sugerem discussões amplas e outras, mais diretas, com pedidos
55
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
ou convites.
Enquanto as perguntas podem ser divididas em “questões” e
“pedidos”, as respostas pressupõem uma variedade maior de rótulos
possíveis. No grupo de estudo observado, saltam aos olhos afirmações
pontuadas com verbos como “acho”, “penso”, “acredito”... pontos
de vista classificados como opiniões. Alguns destes trazem como base
alguma experiência pessoal ou a realização de alguma atividade próxima
ao tema em discussão. Outras são lastreadas por apontamentos ou
referência de textos ou autores.
Como nem todas as perguntas pedem apenas opiniões abertas,
é possível apontar caminhos diretos, bem como alguma sugestão
compartilhada: bibliografia, arquivo, link externo: casos que podem ser
caracterizados como recomendações. Alguns participantes se sentem
à vontade para fechar uma proposição, consolidando um discurso.
Por fim, algumas mensagens têm como único objetivo a socialização
— algo como um agradecimento pela contribuição ou um elogio.
Dessa forma, a observação destes fóruns permitiu a classificação das
mensagens em oito categorias, conforme o Quadro 1.
56
Rótulo
Nome
QU
Questão
PE
Pedido
OP
Opinião
EX
Exemplo
CI
Citação
RE
Recomendação
Características
Proposta de discussão referente
ao tema
Solicitação de ajuda, orientação
aos membros
Pensamento, ideia, analogia ou
metáfora
Descrição de experiências
pessoais ligadas ao tema
Menção a alguma das leituras
propostas pelo sistema
Compartilhamento de link
externo ou sugestão
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
CL
Clarificação
SO
Socialização
Reforço ou consolidação de um
conceito, feedback
Marcação emocional: elogio,
apoio, ofensa
Quadro 1: proposta para categorização de mensagens
Além das postagens, a inferência do pesquisador permitiu ainda a
conexão das mensagens, de modo a dar sentido ao encadeamento das
mesmas no fórum. Da mesma forma, as conexões entre as mensagens
também foram observadas para, num momento posterior, serem
rotuladas.
Aqui, a relação mais comum é a mesma em qualquer situação
pergunta-resposta: há uma situação de causa e efeito. Algumas reações
acabam se tornando similares a outras; outras conflitantes, divergentes.
Há casos em que a reação não é simplesmente causal: ela se torna
parte do discurso, podendo ser interpretada como uma sequência do
relato. Ou ainda um movimento de síntese, que vai de encontro às
mensagens classificadas como feedback, clarificação. Por fim, algumas
mensagens fogem completamente do diálogo, sem qualquer relação
semântica com o que está sendo dito. Chegamos então a seis possíveis
conexões semânticas entre as mensagens, como ilustra o Quadro 2.
Rótulo
Nome
Características
Efe
Causa e efeito
Define que a segunda mensagem é um
efeito da primeira
Seq
Sequência
Define que a segunda mensagem é uma
parte da primeira
Sim
Similar
Define que a segunda mensagem é
similar a primeira
57
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Com
Contraste
Define que a segunda mensagem se opõe
a primeira
Sum
Sumário
Define que a segunda mensagem é um
resumo da primeira
Nul
Nula
Define que não há relação entre as duas
mensagens
Quadro 2: proposta para categorização de conexões semânticas
Com os dados referentes aos vértices, categorias e conexões
semânticas de cada mensagem, utilizamos a ferramenta NodeXL,
extensão do próprio Microsoft Excel desenvolvida pela Microsoft Research
para a visualização e análise de redes (SMITH ET AL., 2009). Entre
os algoritmos disponíveis para geração dos gráficos, foi usado o
Sugiyama: sua distribuição hierárquica e balanceada de nós remete a
conversações em fóruns.
58
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 3: legenda de cores usadas nas visualizações
Cada mensagem corresponde a um vértice (a postagem inicial
é o nó de posição inferior), enquanto os laços correspondem ao
encadeamento entre as mesmas. A diferença de formato entre os
nós indica se a mensagem foi postada por um participante (círculo
pequeno) ou membro da equipe (quadrado grande), conforme legenda
na Figura 3. Além do diagrama, outros dados facilitam a compreensão
do tópico, tais como a quantidade de mensagens e participantes, o
volume de postagens por categoria e outras propriedades estruturais
do gráfico, calculadas pelo NodeXL e explicadas no Quadro 3.
Rótulo
Nome
Características
DG
Distância geodésica
máxima
Maior distância, em elos, entre dois
vértices
DGm
Distância geodésica
média
Distância média (em elos) entre
elos do grafo, considerando todos
os vértices
59
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
GN
Grau nodal máximo
Número máximo de elos
conectados a um vértice
GI
Grau de
intermediação
máximo
Número máximo de um vértice
“ponte”, isto é, a soma de
probabilidades deste nó servir de
caminho
Gim
Grau de
intermediação médio
Valor médio do grau de
intermediação, considerando todos
os vértices
Quadro 3: indicadores estruturais observados
Com os 56 tópicos abertos no grupo de estudos estruturados e com
suas respectivas visualizações, é possível observar algumas delas. Por
exemplo, o tópico “Como o mundo digital faz parte da sua vida?”, que
soma 171 postagens feitas por 81 participantes distintos, apresentou
o vértice com maior grau nodal: foram 41 respostas à pergunta inicial,
feita por um membro da equipe. O número que indica o grau de
intermediação máximo também é alto (13.555), mas a maior distância
geodésica entre um vértice e outro é de 18 elos.
Essa é a medida entre as mensagens mais distantes, tendo a postagem
inicial como ponte. Nota-se ainda uma intensa participação do
moderador, ao fazer novas perguntas aos usuários, socializar ou fazer
recomendações diante das reações apresentadas.
60
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 4 : Tópico “Como o mundo digital faz parte da sua vida?”
Percebe-se, no entanto, que são poucos os vértices que podem ser
considerados pontes. Isso pode ser verificado se levarmos em conta
o grau de intermediação médio: 398,4 (os pontos que representam
mensagens nas extremidades do grafo possuem grau de intermediação
zero).
Um índice médio cujo valor se aproxime do máximo denota a presença
de mensagens capazes de provocar mais discussões.
Resultados: Observações quantitativas e qualitativas
Segundo as diretrizes do grupo, o participante que abrir o tópico
é responsável por sua moderação. Essa regra também aparece nos
mapas: o vértice circular ganha as mesmas dimensões do quadrado
que indica um tutor do sistema.
Antes mesmo de observar os outros tópicos, já podemos considerar
a valorização de ao menos um indicador proposto por Dillenbourg
(1999): a simetria entre os membros do grupo. Ainda que haja alguma
interferência dos moderadores, movendo ou excluindo mensagens, a
intenção de acordo com as regras é manter a organização do ambiente
apenas quando necessário.
61
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Figura 5: proporção entre usuários e postagens
A Figura 5 distribui as 4.275 postagens e seus 406 autores.
Considerando os 2.325 usuários que se cadastraram no grupo, temos
17,5% de usuários ativos nesse período. Nielsen (2006) atenta para um
fenômeno descrito como “desigualdade de participação”, conhecido
ainda como “regra do 1%” ou “regra 1-9-90”. A regra sugere que,
a cada 100 usuários em uma comunidade on-line, um contribuirá
ativamente e outros nove farão participações esporádicas. Os outros
90 não se manifestarão: serão observadores passivos.
Em princípio, usando números absolutos, o grupo de estudos
supera a desigualdade. No entanto, não é simples definir quem são
os colaboradores ativos: o participante mais ativo postou 95 vezes,
enquanto o quarto usuário somou 46 inserções — menos de uma
postagem por tópico. Chegamos então a 1%, validando a proporção
clássica.
Figura 6:: distribuição de postagens por categorias
62
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 7: Tópico “O X da questão é a geração Y?”
A Figura 6 revela o predomínio de mensagens com teor opinativo
entre as postagens do grupo. Se considerarmos que as mensagens
marcadas como clarificações, ainda que reforcem ou esclareçam ideias,
também representam opiniões, chegamos a maioria das postagens do
grupo: 52%.
Essa tipificação buscou simplesmente diferenciar as postagens
entre si, sem a intenção de classificá-la como mais ou menos valiosa.
Ao mesmo tempo, o grupo de estudos, ao valorizar cada participação
sem a preocupação de avaliá-las, confia na autonomia do estudante.
Considerando
63
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Figura 8: Tópico “Colocando em prática”
a oportunidade que um participante dispõe de se preparar, refletir e
responder ao tópico dentro de seu ritmo, dialogar com as mensagens
existentes implica em um custo — o tempo, ao lado do esforço de
leitura e edição da mensagem, podem ser entendidas como variáveis
que pesam.
Cooperação ocorre quando um indivíduo incorre num
custo, de modo a proporcionar um benefício para qualquer
outra pessoa ou grupo. Custos incluem coisas que se
relacionam com aptidão genética, como recursos (por
exemplo, dinheiro, tempo, trabalho e comida). Ao longo
de nossas discussões, muitas vezes, nos referimos aos atos
cooperativos como “dar ajuda” — mas atos cooperativos
não se limitam a dar ajuda (TUMMOLINI ET AL., 2006,
p. 221, tradução nossa).
Levando em conta que o homem adota estratégias que implicam
na melhor relação custo-benefício, é possível afirmar, a partir da
caracterização da colaboração por seus mecanismos, que nem toda
participação é resultado de uma preparação prévia. No caso do grupo
de estudos analisado, os rótulos indicam citações ou recomendações
aparecem em menor número em relação a opiniões, o que nos leva a
pensar que seu custo de preparação é maior.
64
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
Figura 9: Tópico “Navegar com segurança e responsabilidade”
É o caso, por exemplo, do tópico “O X da questão é a
geração Y?” (Fig. 7), que mobilizou 130 participantes. Podemos
identificar, tomando como base os graus de intermediação
(máximo de 10173 e 1168,9 de média) um tópico com múltiplos
pontos de vista — uma das trilhas à esquerda avança, ajudando
a explicar a distância máxima de 41 elos. Das 172 postagens, 105
65
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Figura 10 : Tópico “Uso das TICs – Diário de classe eletrônico”
(61%) foram marcadas como opinião. Das 11 respostas de partida,
seis se baseiam em uma opinião; quatro em exemplos ou vivências; e
uma faz referência a uma leitura ou autor.
Isso não significa, no entanto, que as opiniões sejam maioria em
todas as situações. No tópico “Colocando em prática” (Fig. 8), a
equipe do grupo pedia aos visitantes uma descrição de suas novas
experiências a partir das ideias discutidas no grupo. O resultado foram
51 postagens marcadas como exemplos. Curiosamente, duas postagens
apresentam grau nodal máximo semelhante: 26. Isto porque, em um
66
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
momento posterior, a equipe fez um reforço aos usuários que estavam
“chegando ao tópico mais tarde”.
O tópico “Navegar com segurança e responsabilidade” (Fig.
9) foi criado por uma usuária que, segundo informações do Portal
EducaRede4, passou cerca de 20 dias observando o ambiente antes
de amadurecer a possibilidade de “ter a experiência da mediação”.
Envolveu-se no diálogo, intervindo 14 vezes entre as 91 postagens
contabilizadas — quatro delas com recomendações. Nota-se ainda a
presença dos membros da equipe, reforçando a validação do debate,
além de laços semânticos de confronto, presumindo a existência de
turnos negociados.
Outro aspecto a ser observado é a presença de uma questão
sem resposta, o que gera uma dúvida: qual o prazo máximo para a
finalização de uma discussão criada em um ambiente virtual
de aprendizagem aberto? Uma hipótese possível seria a manutenção
do diálogo no decorrer do tempo, não fosse o encerramento da
primeira etapa do projeto.
Para finalizar a amostragem de análises, temos o tópico “Uso
das TICs — Diário de classe eletrônico” (Fig. 10), que ilustra um
exemplo de diálogo que busca a resolução de um problema. Um
primeiro usuário pergunta se alguém conhece ferramentas adequadas
para implementar diários eletrônicos na escola. A mensagem teve seis
reações, que foram desenvolvidas num total de 82 postagens.
Os caminhos mais curtos (esquerda) revelam algumas opiniões
(inclusive contrárias) e recomendações que atendem a demanda do
usuário. Já o caminho com laços similares que conectam marcações
de socialização (direita) aponta para desdobramentos do tipo “não
conheço, mas deve ser interessante”, indicando o interesse dos
membros em fazer parte da comunidade e tornar o ambiente agradável.
4
Disponível em http://www.educared.org/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.
especiais&id_especial=558
67
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Considerações finais
Diante das “árvores”, metáfora adequada para definirmos as
visualizações estruturais, ordem e caos são percepções que coexistem
entre os diferentes tópicos, mesmo se compararmos proposições
parecidas entre si. A composição de fragmentos textuais que, ao
serem conectados, revelam algum sentido, dependem fortemente de
como seus usuários se envolvem, produzem e se organizam diante das
ferramentas disponíveis, resultando em um sistema complexo. Cada
um destes usuários possui suas razões para participarem, despertando
seus mecanismos para colaboração. Diante de ferramentas
assíncronas, as interações não ocorrem necessariamente no instante
em que tais motivações agem: além do tempo para reflexão e redação,
as participações algum esforço de tutores e estudantes.
Ao mesmo tempo, ao retomarmos a situação e os mecanismos
como indicadores de colaboração, observa-se um balanço entre a
apresentação de afirmativas, a reflexão, a aplicação de proposições
do grupo, múltiplos pontos de vista, exemplos sugestões. Ressalta-se
ainda as marcações de caráter emocional, valorizando a comunicação
interpessoal baseada em texto. Dessa forma, a combinação de
métodos proposta neste artigo mostra-se adequada para identificar
padrões de colaboração em fóruns.
No entanto, as limitações destes métodos devem ser ponderadas.
Por se tratar de uma inferência do observador, a aplicação prática
da categorização de mensagens e conexões fundamentadas na
observação das mesmas pode resultar em categorias diferentes.
Mesmo se a sistematização do trabalho for rigorosamente a mesma,
há possibilidade de discordâncias. Indo mais longe, é possível pensar
em outras classificações e gradações, especialmente diante de uma
descrição clara dos objetivos do AVA, bem como o tipo de instituição
que a utiliza. Quanto à adoção da Grouded Theory para observação e
codificação, o uso de software como apoio ao trabalho não deve se
sobrepor ao olhar do pesquisador.
68
Processos comunicacionais assíncronos em ambientes virtuais de aprendizagem:
verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural
O processo de codificação na Grounded Theory não é uma
fase discreta, mas sim uma atividade compexa e integral
tecida em todo processo de pesquisa. Apesar da capacidade
dos softwares de auxílio a codificação para arquivamento
e pronta recuperação de dados, a maior parte da atitude
mental mecânica que resulta em sua aplicação não é apenas
demorada, mas também contra-criativa para a imperativa
idealização conceitual para gerar boa Grounded Theory
(HOLTON, 2007, p. 259, tradução nossa).
Dentro do escopo desta pesquisa, outras aproximações possíveis
podem levar em conta outros sistemas técnicos no entorno do AVA:
os usuários que utilizam fóruns como espaços de discussão orientados,
moderados e restritos aos inscritos no sistema podem se apropriar de
outras ferramentas e potencializar seus contatos.
Cabe valorizar, sejam quais forem os sistemas técnicos a serem
considerados, a oportunidade de pesquisa empírica no âmbito
das ciências sociais aplicadas diante de registros textuais em bases
de dados. Neste processo multidisciplinar, cabem elementos da
computação e da ciência da informação, como o uso de algoritmos
para interpretação de dados (ZHUGE, 2003) capazes de enriquecer
a compreensão de fenômenos da comunicação. Um passo seguinte
deste estudo seria, por exemplo, a otimização de análises estruturais
por meio da adoção de modelos computacionais integrados ao
ambiente virtual. Como no exemplo proposto por Barros e Verdejo
(2000), no qual os participantes rotulam suas participações a partir de
categorias predefinidas. Um caminho que está só começando:
A pesquisa empírica envolvendo comunicação mediada por
computador pede abordagens metodológicas eficientes,
que permitam ao pesquisador analisar dados compatíveis
ao seu problema de pesquisa mantendo o rigor científico
devido — ao mesmo tempo, ainda que o interesse por este
69
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
universo tenha aumentado, estamos diante de um cenário
em construção, especialmente no Brasil (FRAGOSO ET
AL., 2011, p. 17).
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Processos
Tecnologia,
comunicacionais
Comunicação
assíncronos
e Ciência
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72
Social Games: entretenimento
democrático na internet1
Cláudia Maria Arantes de Assis2
Jefferson Ferreira Saar3
Introdução
Esse trabalho parte da premissa inicial que a rede mundial de
computadores é um meio no qual o exercício democrático pode
ser posto em prática de uma forma mais ampla do que nos antigos
meios existentes. Contudo, não pretendemos nesse estudo descartar
o valor democrático e participativo dos veículos de comunicação já
estabelecidos, como o jornal, a revista, o rádio e a televisão. Porém,
temos o intuito de enfatizar que, na internet, as pessoas têm uma
maior liberdade de expressão, participação, opinião e de construção
do conhecimento.
Os “social games” aparecem nesse novo cenário de evolução
tecnológica, baseado na transmissão de dados via internet, como
mais uma possibilidade de execução dos valores democráticos e
participativos dentro das sociedades. Porém, antes de entramos no
âmbito funcional dos “social games”, temos que entender alguns
conceitos-chave para a elaboração teórica de nosso estudo.
A priori, faz-se necessário entender os parâmetros que tangem a
democracia. Segundo o dicionário Michaelis,4 a palavra “democracia”
1 Trabalho apresentado no Intercom Nacional 2013
2 Doutoranda do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação
Social da Universidade Metodista de São Paulo.
3 Doutorando do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação
Social da Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em Comunicação Social
pela UMESP de São Paulo. Graduado em Com
4
Retirado
de:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.
73
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
vem do grego – demokratía – e pode ser entendida como: “1
Governo do povo, sistema em que cada cidadão participa do governo;
democratismo. 2 A influência do povo no governo de um Estado. 3
A política ou a doutrina democrática. 4 O povo, as classes populares”.
Como é possível perceber, o termo está voltado para uma participação
cidadã nos governos.
Para Wilson Gomes (2005), a democracia acontece no âmbito de
duas esferas: a civil e a política. Segundo ele, a esfera civil está no
coração de qualquer regime democrático, porém, ela não governa,
mas autoriza que o regime funcione; já a esfera política tem poder de
governo e está ligada à esfera civil apenas pela natureza eleitoral, ou
seja, pelo voto.
Tendo uma primeira compreensão do que vem a ser democracia,
mesmo que de forma etimológica, será que a internet possibilita a
todos os cidadãos o exercício democrático e participativo que a
sociedade exige? Essa é uma dúvida constante, dado que, por ser um
novo meio e estar em constante mutação, fica difícil mensurar sua
representação democrática. Contudo, Wilson Gomes nos apresenta
uma definição do que seria a chamada “democracia digital” em seu
texto “Participação política online: questões e hipóteses de trabalho”:
Entendo por democracia digital qualquer forma de emprego
de dispositivos (computadores, celulares, smartphones,
palmtops, ipads...), aplicativos (programas) e ferramentas
(fóruns, sites, redes sociais, medias sociais...) de tecnologias
digitais de comunicação para suplementar, reforçar ou
corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado
e dos cidadãos, em benefício do teor democrático da
comunidade política (GOMES, 2011, p. 27-28).
O autor também diz que, em nosso país, existe uma grande
php?lingua=portugues- portugues&palavra=demo cracia>. Acesso em: 26 mai.
2012.
74
Social Games: entretenimento democrático na internet
desigualdade no que tange à distribuição tecnológica:
[...] Por enquanto, o que se vê em geral é que a distribuição
desigual de competências técnicas, de recursos financeiros
e de habilidades educacionais se transforma numa nova
desigualdade de oportunidades políticas, que ao invés de
resolver as desigualdades anteriores, torna-as ainda mais
graves quando o crescente aumento das oportunidades
digitais de participação política termina por ficar fora
do alcance de uma parcela considerável da população
(GOMES, 2005, p.71-72).
Todavia, Fábio B. Josgrilberg já havia previsto isso em seu texto “A
opção radial pela comunicação na cidade”, originalmente publicado
no livro Cidadania e Redes Digitais, principalmente no que tange às
desigualdades econômicas e de acesso à internet:
Posto de outra forma, a liberdade de participação dos mais
fracos no mundo online sempre será limitada se não vier
acompanhada de igualdade, segurança e solidariedade. A
suposta liberdade individual, tal como queria John Locke,
pode não ser suficiente para relações mais fraternas e justas
sem a igualdade socioeconômica (JOSGRILBERG, 2010,
p.165).
Com base nas definições de Gomes (2011) e Josgrilberg (2010),
percebe-se claramente que, em nosso país, nem todos têm acesso
aos dispositivos de transmissão de dados via internet, tampouco aos
recursos tecnológicos existentes, e uma das áreas que mais sofrem
com isso é a educação. Tal fato dificulta a socialização das ideias e a
participação democrática em uma sociedade, porém o crescimento do
acesso à internet via celular tem sido vertiginoso no Brasil nos últimos
três anos. Tal crescimento é ratificado pelo título da matéria postada
no site Brasil Econômico5 em 15 de fevereiro de 2012: “Número de
5
Disponível
em:
<http://www.brasileconomico.ig.com.br/noticias/numero-de-
75
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
celulares no Brasil chega a 245,2 milhões”. Em resumo, já temos mais
celulares em nosso país do que habitantes. Tendo em vista que as
operadoras de telefonia móvel estão disponibilizando planos mais
baratos de acesso à internet via celular, isso nos leva a crer que, muito
em breve, grande parte da população terá acesso à rede através de
seus dispositivos móveis.
Entretanto, Hubertus Buchstein (1997), em seu texto “Bytes que
mordem: a internet e a democracia deliberativa”, propõe dois tipos
de grupos frente à implantação da democracia digital. O primeiro
grupo seria dos “pessimistas”, que temem que a digitalização da
democracia estratifique ainda mais as diferenças sociais; já o segundo
seria dos “neutralistas”, aqueles que acreditam que o acesso à
internet aumentaria e, muito, a democratização social, assim como a
participação efetiva na chamada esfera pública.
Essas duas vertentes nos fazem refletir que o acesso à internet não
será o grande problema para o exercício da participação democrática
do cidadão brasileiro. Porém, outro ponto a ser destacado versa sobre
o fato de saber se as pessoas, mesmo com acesso à internet, terão
vontade de participar da construção democrática do país, ou seja: será
que o brasileiro já se encontra preparado para utilizar a internet como
ferramenta de contribuição democrática-cidadã? Para a professora e
pesquisadora Rousiley Celi M. Maia (2011, p. 68-69), a internet não
“promove automaticamente a participação política e nem sustenta
a democracia; é preciso, antes, olhar tanto para as motivações dos
sujeitos quanto para os usos que eles fazem dela, em contextos
específicos”.
Wilson Gomes segue a linha proposta por Rousiley Maia e diz
que a internet abre grande espaço para o debate político, mas o poder
político organizado tenta dificultar que a sociedade civil participe
das discussões de interesse público. Segundo o pesquisador Wilson
Gomes (2005, p. 221), “apesar do fato de a internet prover espaço
celulares-no-brasil-chega-a-2452milhoes_113201.html>. Acesso em: 26 mai. 2012.
76
Social Games: entretenimento democrático na internet
adicional para a discussão política, ela também é atingida pelas
blindagens antipúblico do nosso sistema político, o que diminui
consideravelmente a real dimensão e o real impacto da opinião pública
tanto on-line quanto off-line”.
Entretanto, André Lemos (2009) nos apresenta a ideia do novo
sistema comunicacional, chamado por ele de “pós-massivo”. Para o
autor, os meios digitais mudaram a lógica da comunicação. Agora, os
fluxos comunicacionais ocorrem de todos para todos (colaborativo),
e não mais de um para todos, como ocorria antigamente. André
Lemos (2009, p. 2) diz que, no século XXI, nasce um “sistema
infocomunicacional mais complexo, onde convivem formatos
massivos e pós-massivos. Emerge aqui uma nova esfera conversacional
em primeiro grau, diferente do sistema conversacional de segundo
grau característico dos mass media”.
Dessa maneira, a “esfera conversacional” proposta por Lemos
(2009) amplia o nível das discussões em países de regime democrático.
Porém, o grande problema da prática democrática via internet não
está em ter acesso à esfera conversacional, mas sim em que nível essas
conversas se darão.
Complementando essa ideia, Raquel Gibson (2001) fala sobre
a melhoria da vida democrática com a participação massiva via
internet. Para a autora, a web possibilita que mais pessoas façam
parte do processo democrático. Ela diz também que isso é feito de
forma multidirecional, ou seja, todos os envolvidos no processo
conversam entre si. Para Gibson (2001, p. 563), “[...] dos modelos
radicais de democracia direta a sistemas representativos mais delgados
e transparentes, as propriedades interativas da internet poderiam levar
a um novo nível de prestação de contas dos governantes e a um novo
nível de diálogo público”.
Ainda sobre essa temática, Buchstein (1997) diz que o modelo
participativo possibilitado pela internet reúne alguns dos requisitos
básicos propostos pela teoria normativa de Habermas sobre uma
77
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
esfera pública democrática, pois ela é:
[...] um modo universal, anti-hierárquico, complexo e
exigente. Porque oferece acesso universal, comunicação
não-coercitiva, liberdade de expressão, agenda irrestrita,
participação fora das tradicionais instituições políticas
e porque gera opinião pública mediante processos de
discussão (BUCHSTEIN, 1997, p. 251).
Assim como Habermas nos apresentou a ideia de “esfera pública”,
Bauman (1999, p.31) fala sobre o termo “espaço público”: “Os
espaços públicos – ágoras e fóruns nas suas várias manifestações,
lugares onde se estabelecem agendas, onde assuntos privados se
tornam públicos, onde opiniões são formadas, testadas e confirmadas,
onde se passam julgamentos e vereditos”. É nesse “espaço público”
que o debate democrático tende a ocorrer. A internet media essas
discussões ampliando as conversas entre os pares, o que acaba por
homogeneizar a discussão e facilitar as conclusões dentro dos grupos
sociais.
No entanto, encontramos em David Scholosberg e Jonh S. Dryek
(2002) uma preocupação que nos parece bem pertinente. Para os
autores, existem dois desafios claros para a implantação da democracia
digital. O primeiro é descobrir se há a possibilidade de congruência
entre as reivindicações feitas via internet por um grupo de pessoas
com aquelas feitas por indivíduos isolados no processo; já o segundo
problema versa sobre a necessidade de ser um processo deliberativo,
ou seja, há a necessidade que alguém delibere sobre as reivindicações
que são feitas online. É necessário que haja pelo menos um envolvido
no processo que detenha o chamado poder legal, de lei, para que as
vozes ganhem força. Este pode ser um senador, deputado, vereador,
em resumo, qualquer pessoa que possa deliberar politicamente. Com
essa duplicidade – sociedade civil e poder político –, o uso da internet
como instrumento democrático ganhará força e efetividade.
78
Social Games: entretenimento democrático na internet
Nesse sentido, Fábio Josgriberg (2010) nos fala sobre o tempo
que toda conquista democrática leva até que seja percebida pelo
grande público. Por isso, não devemos esperar que os movimentos
democráticos online aconteçam no curto prazo. Esse processo pode
levar anos, às vezes décadas, até que suas conquistas sejam percebidas.
Para Josgrilberg, a política é:
[...] Um processo histórico com as suas idas e vindas que
também se dão no ambiente informal. Trata-se de um
fenômeno da vida cotidiana prosaica e criativa que, por
vezes, é imperceptível aos especialistas e profissionais da
política. Nenhum regime ou estado de coisas cai por terra
sem algum suporte da vida cotidiana, seja uma ditadura
militar, a presidência de Fernando Collor ou a de George
Bush. O informal é constituinte do formal (2010, p. 167).
Contudo, o conceito de “esfera pública” – proposto por
Habermas – está ainda mais em voga nos dias de hoje, pois, com
a chegada da internet, ficou mais fácil o processo de comunicação
em diversas camadas sociais. A esfera pública só existe quando as
pessoas envolvidas conseguem ampliar o diálogo, ou seja, quando
envolvem mais e mais pessoas na discussão. Dentre os envolvidos
no diálogo, é muito importante a participação do poder público, pois
este detém os caminhos legais para que as mudanças sociais possam
ocorrer (HABERMAS, 1997). Habermas fala também da mídia como
elemento agregador da esfera pública – para ele, a mídia possibilita a
participação de pessoas fora do mesmo espaço e tempo, de forma que
elas possam interagir de forma unificada na discussão.
Entretanto, o fato de mais pessoas participarem do debate
político via internet não garante que o nível da discussão seja elevado,
proveitoso e democrático. Muitos cidadãos apenas reforçam as vozes
de outros e, em alguns casos, nem se dão conta do real motivo da
discussão. Assim, o debate perde conteúdo e ganha volume e, como
sabemos, uma democracia consistente só amadurece com debate de
79
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
qualidade.
A Sociedade dos Games Online
Muitas crianças, adolescentes, jovens, adultos e até idosos passam
algumas horas no ambiente virtual da internet. Os games online, tão
presentes na web atualmente, representam grande parte das horas
diárias dessas pessoas.
Nesse sentido, algumas temáticas abordadas por Manuel Castells,
McLuhan, dentre outros, estão presentes direta e/ou indiretamente
em diversas abordagens sobre games online.
Dessa maneira, podemos citar Vincent Mosco, no artigo intitulado
“Do mito do ciberespaço à economia digital”, publicado no livro
Comunicação, economia e poder:
Do ponto de vista mítico ou cultural, o ciberespaço pode
ser encarado como o fim da história, da geografia e da
política. Mas, do ponto de vista político econômico, o
ciberespaço é o resultado do desenvolvimento mútuo da
digitalização e da comercialização (2006, p.81-82).
Assim, não é possível desconectar o lado comercial dos games
do lado colaborativo entre os participantes ou jogadores. Contudo, o
mundo virtual dos games online possuem algumas das características
apresentadas por Lévy. Segundo o autor, a colaboração entre os gamers
– jogadores dos games via internet – é comum. Os gamers partilham
diversos dados e arquivos entre eles, assim como discutem em
diversos fóruns sobre a melhoria dos jogos e colaboram entre si na
passagem de determinadas etapas dos jogos. Pierre Lévy (1999, p. 245)
diz também que a evolução da tecnologia da informática “constitui
uma impressionante realização do objetivo marxista de apropriação
dos meios de produção pelos próprios produtores”. Outro ponto
abordado pelo autor (201) diz que “a finalidade da inteligência coletiva
80
Social Games: entretenimento democrático na internet
é colocar os recursos das grandes coletividades a serviço das pessoas
e dos pequenos grupos”.
Sobre esse aspecto, esbarramos no que Manuel Castells chamou de
“sociedade em rede”. O sociólogo espanhol propôs tal termo e este
vem sendo muito bem aceito nos últimos anos, devido principalmente
à evolução da tecnologia de transmissão de dados via internet.
A base prática dos social games é também a base da sociedade em rede.
A revolução da tecnologia da informação e a reestruturação
do capitalismo introduziram uma nova forma de sociedade,
a sociedade em rede. Essa sociedade é caracterizada pela
globalização das atividades econômicas decisivas do
ponto de vista estratégico, por sua forma de organização
em redes; pela flexibilidade e instabilidade do emprego
e pela individualização da mão-de-obra. Por uma cultura
de virtualidade real construída a partir de um sistema de
mídia onipresente, interligado e altamente diversificado
(CASTELLS, 2008, p. 17).
Outro ponto abordado por Manuel Castells fala das comunidades
virtuais na internet. Podemos considerar que os social games são, na
verdade, grandes comunidades virtuais, visto que seus jogadores
partilham de um interesse comum. Os gamers trocam e buscam
informações, além de enviar dados sobre jogo. Também marcam
encontros temáticos, dentre outras atividades em grupo, e acabam
por formar uma rede de interesse sobre o jogo. Para Castells (2005, p.
57), as “novas tecnologias da informação estão integrando o mundo
em redes globais de instrumentalidade. A comunicação mediada por
computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais”.
O conceito de “redes globais”, citado por Castells, pode ter nascido
da ideia de Marshall McLuhan (1972) que, muito antes da criação da
internet, criou o conceito de “aldeia global”. Durante muitos anos, as
ideias de McLuhan foram desprezadas pelas escolas de comunicação,
porém, com o advento e desenvolvimento da rede mundial de
81
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
computadores, elas voltaram a ser discutidas. Vale dizer que o conceito
de aldeia global, na contemporaneidade, é tido como algo profético,
pois quando McLuhan o criou, ele pensava apenas nas mídias vigentes
à época, como a TV, o rádio, o telefone e os impressos. A aldeia global
proposta por McLuhan pregava que o desenvolvimento tecnológico,
tomando por base o telefone e a televisão, conectando as pessoas
que estavam distantes umas das outras. Contudo, essa interconexão só
era possível através dos meios de comunicação. Para McLuhan, isso
transformaria o mundo em uma grande aldeia global. A aldeia global
é tratada por David Harvey:
Por vezes, o mundo parece encolher numa “aldeia
global” de telecomunicações e numa ‘espaçonave terra’
de interdependências ecológicas e econômicas, e que os
horizontes temporais se reduzem a um ponto em que só
existe no presente (o mundo do esquizofrênico). Temos de
aprender a lidar com um avassalador sentido de compressão
dos nossos mundos espacial e temporal (1997, p. 219).
Os social games transitam nas realidades apresentadas acima. São
virtuais, pois são programas de computador que simulam a realidade;
estão presentes na web como uma grande sociedade em rede, como
fala Castells; fazem parte da aldeia global, visto que todos com acesso à
internet podem jogar; são colaborativos e ampliam a prática cidadã no
sentido que uns podem auxiliar outros na questão da “jogabilidade”–
os diferentes modos do jogo –; e, por fim, são democráticos, pois não
há distinção de gênero, raça, credo etc.
Conceituando Games
Poucos são os autores que escrevem sobre o conceito de “jogo”.
Encontramos em Johan Huizinga algumas definições para o termo e
82
Social Games: entretenimento democrático na internet
para a área em questão. Porém, antes de entramos nas ideias propostas
pelo autor, vale apresentar o conceito de “sociedade”, visto que os
games online não são jogados por grupos específicos da sociedade.
Nesse sentido, Simmel define “sociedade” dizendo que:
[...] Sociedade é o estar com um outro, para um outro,
contra um outro que, através do veículo dos impulsos ou
dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos e os
interesses materiais ou individuais. As formas nas quais
resulta esse processo ganham vida própria. São liberadas de
todos os laços com os conteúdos; existem por si mesmas
e pelo fascínio que difundem pela própria liberação destes
laços. É isso precisamente o fenômeno a que chamamos
sociabilidade (1983, p. 169).
Nesse sentido, a correlação entre sociedade e jogos, segundo
Huizinga (2001), se dá ao analisarmos que jogos são atividades
exercidas pelas pessoas de forma livre, voluntária, realizadas em
tempo e espaço determinados e com regras aceitas entre os jogadores.
O autor destaca ainda que os jogos têm sempre um sentimento de
tensão e alegria entre os participantes, e isso confere aos jogadores
um sentimento de diferenciação da vida real. Ainda segundo Huizinga
(2001), encontramos um referencial sobre competitividade. Segundo
o autor, a competição:
[...] não se estabelece apenas “por” alguma coisa, mas
também “em” e “com” alguma coisa. Os homens entram
em competição para serem os primeiros “em” força ou
destreza, em conhecimentos ou riqueza, em esplendor,
generosidade, ascendência nobre, ou no número de sua
progenitora. Competem “com” a força do corpo ou das
armas, com a razão ou com os punhos, defrontando-se
uns aos outros com demonstrações extravagantes, com
palavras, fanfarronadas, insultos, e finalmente também
com astúcia (HUIZINGA, 2001, p.41).
83
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Vivemos em sociedades competitivas. Nos games, essa
característica social também está presente. Ser o melhor, o mais
admirado, o vencedor é o grande objetivo de qualquer jogador.
Contudo, a projeção dos campeões fica, muitas vezes, no âmbito do
virtual. Huizinga (2001) fala de duas características fundamentais
presentes nos jogos. A primeira versa sobre a liberdade que o jogador
possui durante o jogo; a segunda diz que o jogo é uma representação
da realidade.
As regras dos jogos também devem ser levadas em consideração,
pois sem elas não há como estabelecer um vencedor e, por conseguinte,
não existe o jogo propriamente dito. Huizinga também nos apresenta
um conceito para as regras nos jogos. Segundo o autor:
São estas que determinam aquilo que “vale” dentro do
mundo temporário por ele circunscrito. As regras de todos
os jogos são absolutas e não permitem discussão. Uma
vez, de passagem, Paul Valéry exprimiu uma ideia das mais
importantes: ‘No que diz respeito às regras de um jogo,
nenhum ceticismo é possível, pois o princípio no qual elas
assentam é uma verdade apresentada como inabalável’. E
não há dúvida de que a desobediência às regras implica a
derrocada do mundo do jogo. O jogo acaba: o apito do
árbitro quebra o feitiço e a vida “real” recomeça (2001, p.
14-15).
O autor diz também que aqueles jogadores que tendem a burlar,
a desrespeitar as regras estabelecidas pelo grupo são os chamados
“desmancha-prazeres”. Outro ponto importante abordado por ele diz
que as comunidades organizadas para a prática de jogos tendem a se
tornar permanentes, duradouras (HUIZINGA, 2001).
Existe uma clara tendência de crescimento comercial no mundo
dos games. Atualmente, a indústria dos jogos já está se equiparando
à do cinema, porém este ainda é um termo pouco estudado pelas
84
Social Games: entretenimento democrático na internet
escolas de comunicação. Acreditamos que, muito em breve, diversos
estudos irão brotar nessa área, pois seu crescimento será tamanho
que evitá-lo não será mais possível. Gustavo Cardoso nos fala do
crescimento da indústria dos games:
[...] Propõe-se que além de olharmos os jogos multimídia
como meio de comunicação, devemos igualmente
questionar se as atuais tendências de concentração,
convergência e atuação em rede não tenderão a elevar a
indústria cultural dos jogos multimídia, em médio prazo,
ao segundo pilar do entretenimento em conjunto com a
televisão e ultrapassando o cinema (2007, p.152).
Contudo, Lúcia Santaella cita em um de seus textos a importância do
crescimento do mundo dos games que, como isso, vem influenciando
a cultura vigente desde o início do terceiro milênio. A autora coloca
a indústria dos games como a primeira na área do entretenimento.
Assim, Santaella diz que:
Para se ter uma ideia do papel que os jogos eletrônicos estão
desempenhando na cultura humana deste início do terceiro
milênio, basta dizer que a movimentação financeira de sua
indústria é a primeira na área de entretenimento, superior à
do cinema, e a terceira do mundo, perdendo apenas para a
indústria bélica e a automobilística (2007, p. 407).
Talvez uma das explicações possíveis para o crescimento da
indústria dos games possa estar nas palavras Will Wright, citado por
Jenkins, no livro Cultura da convergência:
[...] Will Wright, criador de SimCity (1989) e The Sims
(2000), afirma que, na indústria de games, a separação entre
criadores e consumidores é muito menor do que a maior
parte dos outros setores da indústria do entretenimento,
em parte porque quase todo o pessoal da indústria de jogos
85
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
se lembra de quando as pessoas desenvolviam games na
garagem de casa (JENKINS, 2009, p. 221-222).
Nesse tópico, constatamos dois postos-chave. Primeiro: a
indústria dos games cresce vertiginosamente, e muito disso se deve à
colaboração dos jogadores. Há uma grande interação entre empresa e
usuário e, por isso, podemos acreditar que a tendência de crescimento
se mantenha por muitos anos, mesmo em épocas de crises financeiras
mundiais, como as de agora. Segundo: todo jogo deve ter participação
em grupo; necessidade de regras estabelecidas; liberdade de escolha
dos jogadores ao elegerem seu jogo; prática em tempo e espaço
determinado; competição e respeito às regras.
Os Games Online são interativos
A pergunta do título acima – os games são interativos? – poderia
ser respondida de forma positiva e simplista, porém o conceito de
“interativo” e/ou “interatividade” é um tanto quanto complexo.
É perceptível que muitos games carregam em sua estrutura tal
característica de interatividade. Sobre esse termo, Henry Jenkins nos
fala que:
A interatividade refere-se ao modo como as novas
tecnologias foram planejadas para responder ao feedback
do consumidor. Pode-se imaginar os diferentes graus de
interatividade possibilitados por diferentes tecnologias de
comunicação, desde a televisão, que nos permite mudar de
canal, até videogames, que podem permitir aos usuários
interferir no universo representado (2009, p.182).
Todavia, não é difícil constatar que quase todos os lançamentos vêm
com códigos para que o comprador entre na web e dê sua contribuição
86
Social Games: entretenimento democrático na internet
aos desenvolvedores e/ou colegas de game. Essa contribuição nada
mais é que a aplicação prática do conceito de feedback, citado por
Jenkins. Atualmente, os jogadores tendem a participar não apenas do
game enquanto estão conectados, mas sim de toda a vida comercial
do mesmo. Assim, não é incomum encontrar nos fóruns virtuais dos
games mais e melhores informações do que a própria fabricante do
jogo disponibilizou.
Entretanto, Lúcia Santaella nos fala de um conceito de interação
voltado para o lado cultural, que o difere do conceito de Jenkins,
porém nos parece pertinente na medida em que entender a interação
cultural também é importante para essa análise. Segundo a autora,
com a proliferação das mídias:
[...] aumenta a movimentação e interação ininterrupta das
mais diversas formas de cultura, dinamizando as relações
entre diferenciadas espécies de produção cultural. a
multiplicação das mídias tende a acelerar a dinâmica dos
intercâmbios entre as formas eruditas e populares, eruditas
e de massa, populares e de massa, tradicionais e modernas,
etc (santaella, 1999, p.31).
Pierre Lévy fala que a interação que temos com as coisas
desenvolve nossas competências “por meio de nossas relações com
os signos e com a informação adquirimos conhecimentos. Em relação
com os outros, mediante iniciação e transmissão, fazemos viver o
saber” (LÉVY, 1998, p.27). Interpretando as palavras de Lévy, podese crer que a interação entre as pessoas seja a grande geradora do
conhecimento.
Entretanto, Marco Silva destaca que o termo “interatividade”
vem sendo utilizado muitas vezes fora de contexto e, por isso, tem
se tornado amplo demais e sem sentido. O autor ainda contesta se o
termo algum dia teve precisão de sentido. “O termo virou marketing
de si mesmo. Vende mídias, vende notícias, vende tecnologias, vende
87
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
shows e muito mais. É a chamada ‘indústria da interatividade’”
(SILVA, 1995, p. 1).
No entanto, alguns autores como Alex Primo (2007), Eugênio Bucci
(2001) e Arlindo Machado (1996), embora com olhares diferenciados,
tratam de interação e interatividade. Assim, é possível compreender que
a interação estaria no campo das relações humanas; já a interatividade
seria a relação interpessoal mediada pelas tecnologias. Nessa linha,
Silva diz que “a interatividade está na disposição ou predisposição
para mais interação, para uma hiper-interação, para bidirecionalidade
– fusão emissão-recepção – para participação e intervenção. Digo isso
porque um indivíduo pode se predispor a uma relação hipertextual
com outro indivíduo” (1995, p. 3).
Enfim, os games são interativos? Sim, podemos dizer que os games
têm grande interatividade entre os jogadores, visto que interatividade
melhor se aplica às relações mediadas pelas máquinas.
Social Games na prática
Atualmente, as redes sociais brasileiras estão sendo invadidas
por games de todos os tipos, os chamados social games. O nome,
que deriva do inglês, se deve a práticas desses games que acontece
em redes sociais como Orkut, Facebook e Twitter. Uma das formas
de jogar os social games é através dos convites, enviados por seus
contatos nas redes sociais. Outra forma é você mesmo buscar o game
na rede social e entrar para jogar.
Em geral, os jogos sociais são fáceis de jogar e suas interfaces
gráficas, bem simples. Porém, a jogabilidade é sempre muito cativante.
Isso acaba por prender a atenção dos jogadores por muitas horas.
Outro ponto importante se dá pela interação em rede: os praticantes
dos social games podem trocar informações e atributos do game de
forma instantânea e, em alguns casos, até offline.
Essa inovadora forma de jogar, com pessoas que não estão
88
Social Games: entretenimento democrático na internet
online, é mais uma ferramenta de sucesso dos social games, ou seja,
você interage com seus colegas que não estão jogando em um dado
momento e, quando estes entram no jogo, veem seus pedidos de
interação. Vale destacar também que, nesses jogos, as pessoas acabam
se conhecendo e isso faz com que muitas acabem por fazer amizades.
Essas amizades têm um grande laço de afinidade: as preferências
pelos jogos. Talvez as características acima citadas exprimam alguns
dos motivos do sucesso dos social games, visto que, em qualidade
gráfica, eles não chegam nem perto à dos melhores e mais modernos
videogames existentes no momento.
Os jogos sociais estão mudando a lógica do mercado de games pelo
mundo. Até bem pouco tempo atrás, as empresas desenvolvedoras de
jogos tinham interesses focados nas plataformas físicas, ou seja, nos
videogames. Isso está mudando e os jogos em rede, principalmente
os presentes nas redes sociais, parecem ser o foco principal das
empresas. Tal fato é confirmado pela matéria postada no portal de
notícias empresariais HSM, em 12 de fevereiro de 2012. Segundo o
portal, os jogos em rede existem há pouco tempo:
[...] comparada aos mais de 30 anos de existência de
consoles de videogames e hoje alcança a representatividade
de um terço do mercado de games total, os jogos onlines
vêm cada vez mais conquistando a maior fatia do bolo.
foram mais de 20 bilhões de dólares de faturamento em
2010 em jogos que, de uma maneira ou de outra, tem como
principal plataforma os meios online.
É interessante perceber que esse setor do mercado dos games
avançou mais rápido que os consoles físicos. vale destacar que o
videogame playstation lançou sua quarta geração, e milhões de dólares
são investidos anualmente em pesquisa pela sony, visando melhorias
tecnológicas para o mesmo. estariam os videogames caseiros, offline,
com os dias contados? não podemos fazer ainda tal afirmação, mas
89
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
vale lançar tal questionamento e aguardar o andamento dos fatos.
Segundo notícia do portal Tafner, o crescimento dos social games
vem acontecendo “principalmente porque os usuários seguem num
movimento forte de migração para as redes sociais, onde passam
um tempo significante interagindo com seus amigos e buscando
formas de interação, tornando as redes sociais um cenário propício ao
desenvolvimento desse mercado”.
A rede social Facebook divulgou em 2011 uma lista com os
dez games mais jogados em seu site. O jogo Gardens of time, da
desenvolvedora Playdom é o líder absoluto, seguido pelo jogo The
Sims Social, da poderosa empresa Eletronic Arts; já a surpresa
negativa ficou por conta do terceiro lugar, o game Cityville, da empresa
Zynga, pois este jogo era o que tinha recebido o maior número de
recomendações até então no site.
Um dos jogos sociais para Facebook que mais têm feito sucesso
no Brasil é o The Sim Social. O jogo simula a vida real de uma pessoa.
Nele o jogador cria seu personagem e passa a vivenciar situações
da vida real dentro do game – como fazer amigos, construir sua
casa, casar, estudar, ter filhos, ir a festas etc. Porém, em relação à
jogabilidade, tudo é muito simples. O jogador tem apenas que clicar
em itens presentes no jogo e esperar certo tempo para conseguir
outros. Ainda assim, ele têm se tornado um dos games mais acessados
do Facebook, provavelmente pela possibilidade de conhecer pessoas e
de fazer amigos. A título de curiosidade, o game The Sims Social teve,
em 2012, por volta 27 milhões de jogadores, sendo que 7,5 milhões
entram no game todos os dias .
O mundo empresarial também já descobriu o poder dos jogos
sociais. Algumas empresas estão investindo nas redes sociais a fim de
conseguir mais proximidade com seus diversos públicos, mas o alvo
principal tem sido o público jovem, visto que estes têm mais tempo
disponível para jogar e acessar a internet. O FarmVille – jogo social
em que o usuário administra uma fazenda – inseriu recentemente uma
90
Social Games: entretenimento democrático na internet
famosa marca de produtos orgânicos agrícolas no game. A Cascadiam
Farm, subsidiária do grupo General Mills, colocou no jogo FarmVille
um aplicativo por meio do qual o jogador aprende a cultivar produtos
orgânicos. Os executivos da empresa esperam expandir as vendas,
assim como ampliar a divulgação da marca na mente do jogador do
FarmVille.
Já o FarmVille é abordado em reportagem escrita por Rafael
Kenski, no site Super Abril. Segundo Kenski, o game tinha “[...]
mais de 211 milhões de jogadores por mês – o Farmville convida as
pessoas a criar sua própria fazenda. Além de vender bens virtuais para
enriquecer o minifúndio dos jogadores”.
Os social games acabam sendo uma porta mais fácil e agradável
para se conhecer pessoas nas redes sociais. Por meio deles, você não
precisa mais chegar diretamente a um desconhecido e dizer: “Olá, quer
ser meu amigo?”. Basta jogá-los e, naturalmente, fará mais amigos.
Talvez esse seja o segredo do grande sucesso dos social games.
Considerações finais
Percebemos, nesse estudo, que os games inseridos em redes
sociais – social games – nada mais são que ferramentas para facilitar
a interação entre as pessoas; sua principal função é fazer com que os
jogadores possam, através do jogo, conhecer mais e mais pessoas.
As antigas formas de abordagem entre desconhecidos nas redes
sociais estão sendo sutilmente substituídas por outras, menos diretas.
Assim, o jogo social cumpre sua principal função, que é facilitar a
aproximação das pessoas nas redes sociais.
Outro ponto abordado por essa pesquisa versou sobre a democracia
colaborativa nos social games. O que foi constatado é que, nesse tipo
de jogo, há sim um processo colaborativo que podemos chamar de
democrático entre os jogadores, pois os gamers tendem a colaborar
91
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
uns com os outros, facilitando a informação entre todos de forma
livre e democrática. Existem diversos fóruns de colaboração na web,
nos quais são encontrados praticamente todos os tipos de informação
sobre os jogos. Não há distinção entre os públicos nos social games. Há,
sim, uma participação efetiva entre todos os participantes dos jogos.
O fato de os jogos sociais serem gratuitos também deve ser
lembrado neste momento. Pudemos constatar também que o
investimento nesse novo setor de mercado – games gratuitos via rede
social – está em franco crescimento e isso está mudando a lógica das
empresas desenvolvedores de games, que até então focavam seus
esforços comerciais no desenvolvimento tecnológico dos videogames
caseiros (offline).
A ideia de interatividade nos social games também foi debatida
em nossa pesquisa. Pode-se perceber que os jogos sociais são, sim,
interativos, pois seus jogadores mantêm com a empresa desenvolvedora
e com seus companheiros de jogo um diálogo constante, pondo em
prática o conceito de feedback – ou seja, há sempre um retorno
informacional entre os envolvidos nos jogos.
Abordamos também, mesmo que de forma introdutória, os
conceitos de democracia digital e/ou na web. Notamos que o grande
problema do exercício da democracia via internet não está no acesso
aos meios, visto que o acesso internet via dispositivos móveis, em
um futuro muito próximo, já será uma realidade a praticamente toda
a sociedade brasileira. O grande problema da prática democrática
digital está, sim, em como as pessoas irão fazer e/ou estão fazendo
suas reivindicações via web. Um exemplo claro pode ser visto nas
inúmeras listas de abaixo-assinado que correm a web. Apenas assinálas, sem ter noção do conteúdo das mesmas, não pode ser considerado
uma efetiva prática democrática. Portanto, o problema da democracia
digital está em como as pessoas farão suas reivindicações, e não se
terão acesso aos meios para tal.
Esperamos que nossa contribuição possa atrair outros pesquisadores
92
Social Games: entretenimento democrático na internet
para o estudo dos games como fenômeno da comunicação social
contemporânea. Acreditamos que a área do estudo em questão ainda
careça de melhores abordagens por parte dos pesquisadores das
ciências sociais aplicadas. Porém, por ser uma área muito nova, isso
se dará com o tempo. Provavelmente, a rápida evolução tecnológica,
presente na indústria dos games, fará com que novos pesquisadores
se debrucem sobre o tema, principalmente os mais jovens, visto que
já nasceram na geração dos games.
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Social Games: entretenimento democrático na internet
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95
Simulação Computacional de Fluxos
de Informação: uma abordagem no
âmbito da Comunicação Social1
Daniel Costa de Paiva 2
Introdução
Os tipos de informação que circulam em diferentes ambientes
variam em função dos grupos, dos aspectos sociais e da cultura.
Neste mesmo caminho, a frequência com que uma informação é
disseminada é altamente variável, podendo ocorrer continuamente
durante o dia, uma vez por dia ou por semana, ou ainda sem uma
periodicidade definida.
Os meios pelos quais a comunicação ocorre também são flexíveis,
podendo ser, por exemplo, face a face, por e-mail ou telefone. Aqui,
dada a atualidade do tema (BOUYER, 2008; PEREIRA; FREITAS;
SAMPAIO, 2007, SIMPKINS et. al., 2010, SUGAHARA, 2011), se
busca estudar a dinâmica do fluxo de informações em ambientes
sociais, pois se verifica a grande importância da comunicação, que
pode ocorrer tanto diretamente, ou seja, entre agentes de um mesmo
grupo ou rede social, quanto através de meios de comunicação em
massa (tipicamente eletrônicos) que propiciam uma vasta
disseminação das informações (broadcasting).
Dos trabalhos que podem ser identificados na literatura,
grande grupo de pesquisadores, principalmente no âmbito da
Psicologia (ALMADA; OLIVEIRA, 1997; FITZGERALD, 1986;
1
2
Este artigo foi previamente apresentado no SBPJor 2011.
Mestre em Computação Aplicada pela Unisinos, São Leopoldo - RS, Doutor em Engenharia
de Sistemas Eletrônicos pela Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Marcio
Lobo Netto. Atualmente professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR),
campus Ponta Grossa. E-mail: [email protected].
96
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
KIHLSTROM; PARK, 2002) e das pesquisas de opinião (GOMES,
2007; IBOPE, 2008), estuda o indivíduo e suas decisões, analisando
dados coletados usando questionários ou entrevistas. Objetivase nestes casos compreender alguns comportamentos pessoais e
sociais, muitas vezes para identificar melhores formas de ajuste dos
mecanismos de divulgação de uma notícia ou da propaganda de um
produto.
A opção aqui é de complementar estas pesquisas com o uso de
simulações computacionais, as quais permitem, em um primeiro
momento, reproduzir situações conhecidas e avaliar cenários diversos.
A seguir, num segundo momento pode-se ter uma visão da dinâmica
através da qual é possível identificar e estudar a emergência de
fenômenos complexos e as implicações dos mesmos, fato dificilmente
observado ou possível de ser controlado se não num laboratório
virtual.
Neste sentido foi proposto um modelo que permitisse
representar aspectos realistas e importantes do comportamento
humano em situações da vida cotidiana, e assim usar o simulador
para testar diferentes padrões de divulgação e avaliar os resultados
(THALMANN; MUSSE, 2007).
Áreas envolvidas
Figura 1: Áreas envolvidas.
97
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
Para a elaboração do OSACS (acrônimo definido pelo autor
para Ontology Simulator for Agents with Cognitive Skills) as quatro áreas
representadas na Figura 1 são importantes. Na parte horizontal
estão àquelas relacionadas com o desenvolvimento do simulador e a
definição dos personagens.
A primeira é a Ciência da Computação, na qual a Inteligência
Artificial (RUSSEL; NORVIG, 2004) e Sistemas Multiagentes
(WOOLDRIDGE, 2009) são considerados e mais especificamente
os agentes, suas características, além da estrutura e organização da
sociedade onde estão inseridos. Já a segunda, a Ciência Cognitiva
(GAZZANIGA, 1999; WILSON; KEIL, 1999), fornece características
mais realistas para a definição do funcionamento interno e os aspectos
cognitivos dos agentes, através das quais eles podem receber, assimilar3
e trocar informações sobre alguns assuntos.
Na parte vertical estão as áreas relacionadas com a dinâmica da
simulação, importantes para a aplicação e estudos de caso
pretendidos. Considera-se que a informação pode ser recebida
por um agente advinda de duas fontes: na primeira, ela pode ser
publicada por meios de comunicação de massa (BELTRÃO;
QUIRINO, 1986), cuja área de estudo é a Comunicação Social, e a
segunda possibilidade é a troca de informações entre membros de
grupos de relacionamento ou Redes Sociais (MARTELETO, 2001;
MIKA, 2007; TOMAÉL, 2008), parte muito estudada pela Ciência da
Informação e que também é importante aqui.
Ainda sobre as duas últimas áreas, dentre os componentes da
Ciência da Informação (CI) estão diversos processos como a coleta,
organização, disseminação, recuperação e uso de informações
(GUTTIÉRREZ, 1999, LIMA, 2003).
Já a Comunicação Social (CS) lida com notícias e divulgação de
informações na busca por informar e entreter, influenciando a rotina
diária, as relações pessoais e de trabalho.
3
Em todo este trabalho o termo assimilar está relacionado com a atualização
(incremento) do tempo que o agente se lembra do assunto recebido.
98
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Esta área foca principalmente a relação entre a população e os meios de
comunicação de massa, abordando formas de jornalismo, publicidade
e propaganda em meios como rádio e televisão. Os pontos úteis da
CS são, portanto: a divulgação de notícias, a finalidade da divulgação
(aspectos relativos à publicidade, propaganda e jornalismo) e o
conceito de Plano de Mídia, o qual é produzido pelas agências de
publicidade e apresenta como deve ser feita uma campanha, levando
em consideração os resultados pretendidos, o custo-benefício e o
público-alvo.
De forma sucinta o OSACS é, então, uma plataforma onde agentes,
elaborados considerando aspectos cognitivos, participam na dinâmica
do fluxo de informações trocando mensagens com seus amigos e
também acessando aos meios de comunicação de massa.
Meios de comunicação de massa (MCM) e sua influência no
público
As características fundamentais dos Meios de Comunicação de
massa são a instantaneidade, a atualidade e a simplicidade. Eles atingem
simultaneamente uma vasta audiência. Este público é heterogêneo, está
disperso geograficamente e é, normalmente, anônimo para a fonte,
mesmo que a mensagem, em função dos objetivos do emissor ou da
estratégia mercadológica do veículo, seja dirigida a uma determinada
parcela do público, isto é, um sexo, uma faixa etária (FRANCISCATO,
2003; SÁ, 2008).
São exemplos de meios de comunicação de massa a televisão e o
rádio (PERLES, 2007). Nestes veículos a pessoa precisa apenas ligar
o aparelho, ouvir e / ou assistir, mas com pouca ou nenhuma forma
de interação. Estes são exemplos da comunicação unidirecional, onde,
segundo Negroponte (1995, p. 24 apud DEUS, 2006), “a inteligência
encontra-se no ponto de origem”, “o transmissor determina tudo”,
cabendo ao espectador simplesmente receber o que lhe é imposto.
99
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
O rádio é um veículo que busca um tom confidencial a fim de criar
uma relação pessoal com o público. Nele as mensagens precisam ser
claras e simples, pois enquanto a pessoa está ouvindo pode também
dirigir, correr em um parque, ler um livro, escrever, dentre outras
coisas, estando atenta ou não ao que está sendo transmitido.
Já a comunicação pela televisão trabalha com imagem, áudio
e texto. Sua programação busca manter a fidelidade do público e o
atrativo para os anunciantes (BRITTOS; MIGUEL, 2005). Neste
sentido Alexandre (2001) ressalta que deve haver uma boa relação
entre as finalidades comerciais e as necessidades da população.
É sabido que diariamente informações tentam criar, mudar ou
cristalizar atitudes ou opiniões nos indivíduos. É o efeito dos meios
de comunicação de massa nas relações sociais.
Os comunicadores buscam produzir aprendizagem ou fortalecer
hábitos nos espectadores através de estratégias mostrando que ele
pode obter algum “status” (BATISTA; CAVALHEIRO; LEITE, 2008)
agindo de uma forma ou comprando algo, por exemplo.
Cada uma destas atividades pode exercer funções e também
disfunções, pois influenciam opiniões, provocam reações e afetam
decisões, que podem ser de compra, satisfação ou repudia (BATISTA;
CAVALHEIRO; LEITE, 2008).
Segundo Aranda (2005) a maior influência da televisão no
comportamento humano é “indireta, sutil e cumulativa – não
imediata e direta”. De forma complementar, para McLuhan (apud
DEUS, 2006) “os meios são mais do que transportadores mecânicos,
eletrônicos ou digitais de mensagens, eles expressam ideias e servem
para comunicação interpessoal, formando assim comunidades ou
grupos”. Ele diz ainda que “qualquer compreensão de mudanças
sociais e culturais é impossível sem um conhecimento do modo como
os meios de comunicação funcionam como ambientes” (McLuhan
1967, p. 26 apud DEUS, 2006), ou seja, onde as pessoas ficam
“imersas” e sofrem interferência direta em seus comportamentos.
Segundo Alexandre (2001), as preocupações de ordem social
100
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
com o fenômeno da comunicação de massa acompanharam sua
disseminação, pois “a partir dos anos 60, a Sociologia e a Psicologia
passaram a estudar o poder exercido pela mídia, apontando para o
espaço social que constitui o mercado consumidor de informação,
classificando-o, nomeando e reconhecendo sua influência na formação
da sociedade”.
Ainda seguindo esta linha, diversos trabalhos são encontrados na
literatura identificando pontos positivos e negativos, principalmente
da televisão e buscando avaliar os impactos provocados pela
“manipulação” ou “escolha tendenciosa” da programação pelos
veículos (ARANDA, 2005; BATISTA et. al., 2008; GOMIDE, 2000;
LEÃO; MELLO, 2009; HÜSKES; SILVEIRA; TONTINI, 2003;
PEREIRA; VIAPIANA, 2004; SÓLIO, 2006).
Em Barbosa e Rabaça (1987) e Alexandre (2001) é possível
identificar como aspectos positivos o fato de que os meios de
comunicação de massa proporcionam diversão, divulgam informações
culturais e desvios de conduta, ensinam, dentre outros.
Já como aspectos negativos, eles enfatizam que a população fica cada
vez mais conformada, passiva e acrítica; valorizando a informação
atual e se esquecendo da história. Além disto, apontam que os
MCMs difundem, em sua maioria, uma cultura homogênea e nivelam
superficialmente as mensagens para que elas sejam entendidas pelo
maior número possível de pessoas.
De forma geral, para Merlo-Flores (1999) “as opiniões sobre os
efeitos especialmente da televisão poderiam ser resumidas em três
pontos”: as pessoas que consideram que os efeitos são devastadores;
aqueles que admitem que ela é um “espelho da realidade social” e uma
terceira frente onde tudo é relativo, ou seja, “a relação que as crianças
e adolescentes estabelecem com a televisão depende de sua família,
ambiente social, características pessoais, etc”.
Formas e Objetivos da Divulgação de uma Notícia ou Anúncio
A informação é o maior investimento do comunicador. Na
transmissão e difusão das mensagens os assuntos a serem tratados
101
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
e a forma devem estar bem posicionados dentro da programação e
considerar especialmente o horário, o público e a região geográfica
(LUPETTI, 2006). Afinal, para que haja assimilação e consumo as
mensagens precisam ter apenas a ideia principal adaptada ao públicoalvo (VALBUENA DE LA FUENTE, 1997, SÓLIO, 2006).
Três são as principais formas de divulgação: jornalismo, publicidade
e propaganda (TROIANO, 2009). Para contemplar a primeira forma,
no título desta seção se colocou a palavra notícia, pois o jornalismo
se presta a divulgar informações, as quais são passíveis de assimilação
pelo telespectador ou ouvinte. Cabe a ele então avaliar se considera
que a notícia está distorcida (para satisfazer interesses da emissora ou
de empresas a ela vinculadas) ou não.
A segunda e terceira formas de divulgação são parecidas e se
referem a anúncios, mas possuem diferenças importantes. “Enquanto
a propaganda é ideológica, grátis e dirigida ao indivíduo, a publicidade
é comercial, paga e dirigida à massa” (MUNIZ, 2004).
Em geral as mensagens publicitárias buscam vender a imagem de
que o indivíduo é o que consome e será valorizado por isso (SANTOS,
2005), buscam “promover o lucro de uma atividade comercial,
conquistando, aumentando ou mantendo clientes” (MUNIZ, 2004).
Ao despertar no público o desejo de compra, intenciona levá-lo à
ação, pois se isto não ocorrer, a finalidade principal da publicidade,
que é de estimular a venda, não estará sendo atendida (LUPETTI,
2006).
Já “a propaganda pode ser conceituada como atividade que tende
a influenciar o homem, com o objetivo religioso, político ou cívico. É,
portanto a propagação de ideias sem finalidade comercial” (LAGE,
2000).
De forma geral, estabelece-se que a propaganda visa à adesão
individual a um conceito, enquanto a publicidade busca criar o desejo
(coletivo) de aquisição, que se deverá materializar como compra
(LUPETTI, 2006; MALANGA, 1979).
Nesta seção se pode perceber que grande atenção foi dispensada
a fim de delimitar e situar o presente trabalho considerando a área
de Comunicação Social, pois aqui se busca utilizar características das
formas de divulgação de notícias e também dos meios de comunicação
de massa. Outro ponto relevante é que neste trabalho o conceito de
redes sociais é usado no sentido da comunicação direta entre pessoas
(personagens na simulação) e posterior tratamento e assimilação das
102
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
informações por parte delas.
Visão geral do modelo
Neste sistema os personagens interagem e se relacionam, podendo
também receber informações veiculadas em meios de comunicação
de massa (sociedade, no lado esquerdo da figura). O foco então é na
simulação de agentes que possuem características similares a algumas
das encontradas em seres humanos, para assim transmitir uma
sensação de ilusão de vida tanto no âmbito da dinâmica na sociedade,
quanto no comportamento de cada indivíduo separadamente (lado
direito na mesma figura). É preciso salientar que na Figura 2 os
círculos representam os agentes, enquanto os retângulos são os meios
de comunicação de massa que eles podem acessar.
Figura 2: Níveis de abstração que compõem este projeto – a sociedade
com agentes (círculos) e meios de comunicação de massa (retângulos) e o
funcionamento interno de cada um dos agentes.
Para que os agentes apresentem comportamentos individualmente
independentes, foi dada atenção especial à reprodução de
aspectos envolvidos em processos cognitivos como comunicação,
aprendizagem, raciocínio e tomada de decisão, principalmente
considerando cenários de jornalismo, publicidade e propaganda.
103
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
Ambiente e sociedade de agentes
Sociedades humanas possuem diversos fatores sob os quais muitas
interações podem ocorrer. Sendo assim é possível analisá-las de forma
macroscópica (o todo) ou microscópica (os indivíduos um por um), já
que o comportamento da sociedade emerge justamente das ações de
cada um dos indivíduos.
Gilbert (2004) acredita que uma importante característica das
sociedades é que elas são resultado de processos dinâmicos. Sendo
assim os indivíduos estão em constante mutação, seja falando,
escutando ou interagindo. Uma sociedade surge e só se mantém
apoiada nesta constante mudança. Neste sentido o ponto central
nesta pesquisa refere-se ao comportamento em sociedade e como é o
posicionamento dos personagens.
Em uma primeira abordagem, a preocupação maior repousa nas
interações entre os diferentes agentes. Desta forma deve-se levar em
consideração a existência de redes sociais ou conjuntos de indivíduos
diferentes que se relacionam e se comunicam.
Em uma segunda abordagem se considera a comunicação broadcast.
Neste caso é possibilitada a divulgação de notícias através de meios de
comunicação de massa, como televisão e rádio, considerando dados
relativos à frequência e ao tempo de divulgação. Nesta abordagem
os agentes, acessando alguns destes meios de divulgação, devem ter
capacidade de receber notícias, selecionando dentre aquelas com as
quais se deparam quais lhes interessam, podendo assimilá-las ou não,
atualizando suas bases de conhecimento.
104
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Figura 3: Visão do ambiente, ontologia.
Na sociedade modelada neste trabalho, os agentes devem
compreender as convenções sociais e ter capacidade de tratar
informações às quais tenham acesso. Neste sentido, está sendo usado
o conceito de ontologia como modelo de mundo (Figura 3), ou seja,
um arcabouço que permite aos agentes compreender o que “assistem”
em algum meio de comunicação de massa e também manipular os
assuntos que vão trocar com seus amigos.
Como pode ser percebido, apesar de membros de um grupo,
cada agente é individual. O que propicia esta característica são as
informações às quais cada um tem acesso e, consequentemente
conhecimento, e a decisão de passar ou não uma informação adiante.
Assim, na sociedade virtual os agentes possuem características em
comum, embora com diferentes níveis de manifestação.
Além disto, no âmbito deste projeto, para que um agente esteja
apto a desempenhar certas funções, faz-se necessário que ele possua
representações e mecanismos de inferência, além de um conjunto de
processos para tratar dos diferentes componentes representantes da
sua atividade.
Afinal, apesar de considerar que em algumas situações a
probabilidade é útil, aqui se tem interesse em saber com maior
acuidade o que os personagens estão “pensando” e porque tomaram
alguma decisão, mesmo sabendo das simplificações necessárias para
implementação de agentes computacionais.
105
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
Resultados
Em todas as simulações são apresentados dados referentes à
quais assuntos são conhecidos e à quantidade de agentes que sabe de
cada um dos assuntos. Isto é feito para a avaliação do conhecimento
dos agentes e do fluxo de informações na sociedade. Na primeira
versão da interface (lado esquerdo na Figura 4) é possível visualizar
os 9 últimos passos de simulação e o atual, em cinza, de um número
pequeno de agentes (10 na figura). Já no lado direito da mesma figura
tem-se um gráfico onde se acompanha o número total de agentes que
sabe de cada um dos assuntos (representados por cores) nos últimos
150 passos de simulação. Trata-se, portanto de uma visualização da
sociedade.
Figura 4: Visualização do andamento da simulação (100 agentes)
a) Interface: últimos 10 passos de tempo (linhas) dos primeiros 10 agentes.
b) Gráfico: quantidade de agentes que sabe de cada um dos assuntos
nos últimos 150 passos de simulação.
Já na segunda versão (Figura 5) tem-se apenas o passo atual,
mas para todos os 100 agentes. Em ambos os casos os agentes são
representados por retângulos e cada um dos assuntos trocados durante
106
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
a simulação possui uma cor específica (0: roxo, 1: verde, 2: vermelho,
etc.). Desta forma é possível visualizar a evolução do conhecimento
(cores) de cada um dos agentes e a dinâmica do fluxo de informações.
Figura 5: Visualização do andamento da simulação (100 agentes)
– interface: passo atual de todos os agentes.
Após esta breve apresentação da interface gráfica, deve-se
ressaltar que os resultados estão ordenados de forma a contemplar
as abordagens descritas, ou seja, (1) quando as informações são
divulgadas pelos meios de comunicação de massa e os agentes podem
ficar sabendo delas e (2) a dinâmica do fluxo de informações que
ocorre nas redes sociais (entre os agentes).
Estas abordagens podem ser identificadas tanto no âmbito da
sociedade como no funcionamento interno dos agentes. Quando
a observação é realizada no nível mais geral (Figura 6), tem-se a
divulgação de informações através dos meios de comunicação
de massa, a possibilidade de assimilação por parte dos agentes e a
107
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
dinâmica na rede social.
Figura 6: Divisão dos Estudos de Caso - Nível da Sociedade.
Acompanhando o que ocorre internamente em um agente,
identifica-se na Figura 7 o acesso a algum meio de comunicação de
massa, a assimilação de informações e também a troca de mensagens
com outros agentes.
Figura 7: Divisão dos Estudos de Caso - Nível do Agente
Aplicação
A ferramenta apresentada pode, por exemplo, ser estendida e
então utilizada para uma avaliação antes de se iniciar uma campanha
publicitária, já que grande parte das avaliações atuais ocorrem quando
a campanha já está “no ar” e já teve custos. Neste sentido, com
aprimoramentos no desenvolvimento e a configuração apropriada,
futuramente deverá ser possível, por exemplo, que:
• Os profissionais de agências de publicidade e propaganda
avaliem diferentes possibilidades de divulgação de um produto
em determinado (um ou mais) meio de comunicação de massa,
108
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
identificando a melhor combinação de distribuição de anúncios em
qual veículo;
• As emissoras avaliem diferentes grades de programação, uma
vez que sejam configuradas corretamente as informações relativas
à audiência, podendo realizar alterações e avaliações sem custo de
produção e veiculação de programas e/ou anúncios;
• As emissoras avaliem diferentes possibilidades para inclusão
de um novo programa na grade de programação, identificando dia,
horário e duração mais aconselháveis.
Ao citar estas aplicações, se busca aqui não uma ferramenta
perfeita e que apresente resultados que certamente darão retorno, mas
sim que, tendo desenvolvimento contínuo, facilite cada vez mais o
trabalho de profissionais ligados aos meios de comunicação de massa
e que proporcione uma diminuição dos custos.
Trabalhos Futuros
Com relação a trabalhos futuros, muitas são possibilidades, por
exemplo, com relação à (aos):
• Sociedade, definir perfis de agentes com base em informações
reais, buscando comparar os resultados do simulador com situações
conhecidas;
• Meios de comunicação de massa, definir maior granularidade
de assuntos, inserir detalhes de grades de programação mais próximas
do real. Diferenciar uma emissora de rádio, televisão, incluindo
peculiaridades de cada situação;
• Rede Social, definição da conectividade de forma dinâmica,
ou seja, ao receber uma mensagem o ouvinte deve retornar ao emissor
uma avaliação daquilo que recebeu e isto fará com que uma rede
totalmente conectada (no início da simulação) se transforme em uma
distribuição mais realista, onde grupos com interesses semelhantes
se encontrem. A partir disto, identificar os agentes mais importantes
naquele contexto e identificar características que o fazem ser assim.
109
Simulação Computacional de Fluxos de Informação: uma abordagem no âmbito da Comunicação Social
Realizar avaliações da quantidade de amigos na dinâmica do fluxo de
informações.
Estas são algumas possibilidades de continuação para este trabalho
multidisciplinar que visa desenvolver uma aplicação que, pelas
entrevistas realizadas com profissionais da Faculdade Cásper Líbero
e que trabalham com pesquisa de campo, poderá trazer benefícios
comercialmente.
Por fim, agradecimento especial à FAPESP, pois através da bolsa
concedida foi possível a realização deste trabalho durante o doutorado
realizado na Universidade de São Paulo, sob orientação do Professor
Marcio Lobo Netto e concluído em maio de 2011.
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113
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Os espaços da recepção:
elementos para pensar a interação
mídia-mente
Diego Franco Gonçales1
Introdução
Ilusões de ótica atraem tanto a curiosidade popular quanto o
esforço de pesquisa científica.
Dos mais elaborados aos mais simples, esses fenômenos sugerem
dois pontos importantes sobre a cognição humana: a) é possível
“enganar” a percepção, fazendo com que b) vejamos mais – ou, por
vezes, menos2 – do que as aparências nos mostram.
Por exemplo, a figura abaixo:
1
Mestre em Comunicação Social e graduando em Filosofia, é professor na
Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista, ministrando aulas nas
áreas de Linguagem Sonora e Etnografia – nesta última área, planeja e analisa
pesquisas para o mercado publicitário. Tem como interesse de pesquisa científica
a interface entre Comunicação e Ciências Cognitivas, especialmente no tocante às
Teorias da Comunicação. Contato: [email protected]
2
Richard Dawkins (2009) relata um célebre experimento da psicologia no qual os
participantes do teste, ao observar um vídeo de cinco pessoas em círculo passando
umas para as outras uma bola amarela (e tendo sido orientados para contar quantas
vezes a bola é passada) não enxergam um homem fantasiado de gorila passando
no meio do círculo.
114
Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação mídia-mente
Figura 1 – Cubo de Necker
Trata-se de um Cubo de Necker, uma das mais simples ilusões de
ótica. A depender de qual conjunto de arestas o espectador focaliza,
o cubo muda completamente a sua posição no espaço. De um
sentido ascendente, da esquerda para a direita (Fig. 2), ele passa para
um sentido descendente, da direita para a esquerda (Fig. 3). Tratase, literalmente, de dois cubos em um só, de duas figuras distintas
construídas a partir do mesmo conjunto de linhas retas. Para que se
altere entre um e outro cubo, não é necessário que o observador mude
a sua posição no espaço, sequer é necessário uma mudança nos globos
oculares: a única mudança é mental.
Figura 2 – Cubo ascendente
Figura 3 – Cubo descendente
E assim acontece com as demais ilusões óticas, inclusive a ilusão
de volume e perspectiva nas artes plásticas, com a qual enxergamos
profundidade onde só existem variações cromáticas e convergência de
retas. Essa capacidade da mente humana de preencher com sentido
a abstração de formas visuais é o que atrai os interesses popular e
científico, sendo que o científico muitas vezes resume-se na questão:
115
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
como pode se ver tanto em tão pouca imagem?
Em paralelo, comunicólogos e estetas têm constantemente
descrito que a recepção de produtos da comunicação social e obras de
arte é uma atividade, no sentido de exigir ação do espectador/fruidor.
A dinâmica básica dessa atividade é, como no caso das ilusões de
ótica, o preenchimento de sentidos, o enxergar em uma mensagem o
que não está ali, o despontamento de mais sentidos além dos previstos
pelo emissor.
De um lado, os estudiosos da mente; do outro, os da mídia; entre
eles descrições muito próximas de fenômenos muito parecidos.
Seria proveitosa uma aproximação entre os domínios da mídia e da
mente?
Este artigo é uma investigação sobre essa questão, e sua resposta
preliminar é positiva: é possível e pertinente pensar a comunicação
a partir da perspectiva da interação mídia-mente, a partir do
diálogo entre os estudos mais recentes tanto da comunicação
quanto das ciências cognitivas. Para sustentar esse ponto de vista,
são apresentadas primeiramente as bases da estética da recepção,
corrente teórica oriunda dos estudos literários que postula a liberdade
interpretativa que tem os leitores frente aos livros, e que hoje é
utilizada no estudo de fenômenos comunicacionais. Em seguida, a
partir das perspectivas oferecidas pela psicologia cognitiva, discute-se
a compreensão contemporânea de fenômenos como a percepção e a
cognição. Por fim, ressaltam-se os pontos de conexão entre a estética
da recepção e a perspectiva das ciências cognitivas, argumentando
que o entendimento da interação mídia-mente pode auxiliar na
compreensão dos meandros da comunicação humana.
Mídia – Desenvolvimento de uma estética da recepção
O modelo teórico “emissor-mensagem-receptor” está sob
microscópio. Parte da pesquisa em comunicação abdicou desse modelo
116
Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação mídia-mente
clássico do processo comunicacional – linear, exato, determinado
– em favor de uma investigação das minúcias dos fenômenos da
comunicação humana invisíveis ao olho nu. A partir dessa perspectiva,
saltam aos olhos do pesquisador descobertas empíricas e postulados
teóricos em tudo contrapostos às pesquisas alinhadas ao modelo
tradicional, e de linear, exata e determinada, de comportada, rígida e
previsível, a comunicação, no microscópio, torna-se surpreendente.
“Surpreendente”, inclusive, é o título de uma tradução brasileira3
de um exemplo de pesquisa microscópica da comunicação. De autoria
do norte-americano Steven Johnson, a obra desafia a percepção de
que a comunicação de massa, a internet e os videogames são produtos
culturais que exigem e permitem pouca atividade de seus receptores.
Invertendo o ponto de vista tradicional a partir do qual essa questão
é tradicionalmente abordada, Johnson (2006) dedica-se menos a uma
análise simbólica da ação das mensagens sobre os receptores, preferindo
uma análise sistêmica da relação entre os receptores e as mensagens. Essa
opção metodológica rende afirmações... surpreendentes: reality shows
televisivos, caixas de comentários de redes sociais e jogos eletrônicos
polêmicos não são uma corrida para o fundo do poço cultural.
Muito pelo contrário, desenvolvem habilidades muito valorizadas
socialmente, como a inteligência emocional, o reconhecimento de
padrões complexos e a resolução de problemas.
Johnson encontra nas minúcias desses produtos uma “tendência
[geral] na cultura: a emergência de formas que encorajam o
pensamento e a análise participatória, formas que desafiam a mente
a encontrar sentido num ambiente” (JOHNSON, 2006, p. 61,
tradução nossa). Na TV e no cinema, essas formas se manifestam
nas demandas cognitivas exigidas dos receptores para acompanhar
tramas complexas que envolvem múltiplas linhas narrativas e muitos
JOHNSON, Steven. Surpreendente. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2005. Há
outra tradução, mais recente: JOHNSON, Steven. Tudo o que é ruim é bom pra
você. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012. As citações presentes nesse artigo foram
extraídas da edição americana de 2006, conforme consta nas Referências.
3
117
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
118
personagens desempenhando papéis relevantes no enredo – o autor
(2006) cita como exemplo do seriado cult The Sopranos ao popular
Friends. Nos videogames, essas formas se concretizam através da
interação com ambientes virtuais que obrigam o jogador a tomar parte
num processo cíclico de sondagem, hipotetização, teste das hipóteses
e, a partir dos resultados do teste, generalizações e novas sondagens
sobre o ambiente virtual. “Posto de outra forma: [...os jogadores]
estão aprendendo o procedimento básico do método científico”
(JOHNSON, 2006, p. 45, tradução nossa).
Fica patente que Johnson (2006) encontra atividade na recepção,
e na atividade da recepção está a origem da sua afirmação de que os
produtos da comunicação contemporânea têm efeitos positivos na
audiência. De fato, em toda a obra, há referências ao processo de
“filling in”, preenchimento, que os receptores devem fazer para que a
mensagem do emissor faça sentido. Ao contrário da compreensão da
recepção como pólo passivo sustentada por paradigmas funcionalistas
ou críticos-radicais, na qual o receptor é um sujeito anulado, e
portanto, vulnerável a toda sorte de manipulações, parte do prazer em
assistir realities shows e ou jogar jogos eletrônicos vem do “trabalho
cognitivo que você é forçado a fazer para preencher os detalhes”
(JOHNSON, 2006, p. 77, tradução nossa). “Para seguir a narrativa,
você não é apenas solicitado a lembrar. Você é solicitado a analisar”
(JOHNSON, 2006, p. 64, tradução nossa).
Se as afirmações de Johnson (2006) destoam no cenário da
pesquisa em comunicação e podem inclusive despertar ressalvas, sua
alçada do receptor a uma posição ativa no processo comunicacional
não é incomum. Pesquisadores de outras tradições de pensamento já
haviam anteriormente notado a liberdade de interpretação que o polo
receptor tem, e desses, na América Latina, Jesus Martín-Barbero é um
expoente.
Sua obra basilar, “Dos meios às mediações”, escrita no fim da
década de 80 e inscrita no embate ideológico entre apocalípticos e
integrados que vicejava à época (e que ainda hoje se faz presente,
ainda que com menos força), parte da identificação do esgotamento
Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação mídia-mente
desse embate para a compreensão dos fenômenos da comunicação.
Seu deslocamento dos meios às mediações – um pensamento da
comunicação a partir da cultura – pretende revelar “o que nem o
ideologismo nem o informacionismo permitem pensar” (MARTÍNBARBERO, 1997, p. 278): tanto a ideologização, que só enxerga
os “rastros do dominador” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 279),
quanto o informacionismo, com a sua “suposição de que o máximo
de comunicação funciona sobre o máximo de informação e esta sobre
a univocidade do discurso” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 281)
eclipsa a ação do receptor que preenche desobedientemente com
outros sentidos as mensagens dos emissores; eclipsa, assim, parte
riquíssima da comunicação humana, a sua não-determinação, a sua
não-exatidão. O “preenchimento” de um Johnson (2006) se alinha
às “mediações” de um Martín-Barbero na descrição de um receptor
ativo.
Teóricos da comunicação não foram os únicos a perceber a
recepção como atividade; no trabalho de estetas encontramos
percepção semelhante de preenchimento de sentidos na recepção de
obras de artes. A teoria literária da segunda metade do século XX, por
exemplo, quando pesquisa a interação livro-leitor, encontra evidências
de que:
é só de modo parcial que a necessidade estética é
manipulável, pois a produção e a reprodução da arte,
mesmo sob as condições da sociedade industrial, não
consegue determinar a recepção: a recepção da arte não
é apenas um consumo passivo, mas sim uma atividade
estética (JAUSS, 1979, p. 80).
O programa em vigor aqui é a fundação de uma “estética da
recepção” – “a passagem de uma ‘poiesis’ para uma ‘aiesthesis’,
isto é, a passagem de uma problemática da produção [...] para uma
problemática da recepção e do confronto com a obra” (CRUZ, 1986,
119
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
p. 57). Nesse programa, na investigação do encontro e do confronto
entre obra e receptor, as palavras dos teóricos da estética da recepção
como que mimetizam as dos teóricos da comunicação:
Numa estética da recepção a multiplicidade dos leitores (por
oposição à singularidade do autor) autoriza a diversidade
das leituras, dentro de uma ou várias situações históricas,
apenas coagidas por uma ‘esburacada’ malha do texto que se
caracteriza precisamente pelo apelo ao leitor através dos
seus espaços em branco (CRUZ, 1896, p. 65, grifo nosso).
Substitua os objetos de pesquisa – sai a literatura, entra o Big
Brother – e ainda assim a conclusão permanece: a recepção é uma
atividade, e essa atividade é dominada pela tarefa de preencher de
sentidos a “esburacada malha do texto”. A estética da recepção, na
arte como na comunicação social, está convicta de que a recepção é
mais que descodificação.
Mas teria que ser assim? Necessariamente teríamos que ser os
receptores ativos da estética da recepção? E somos assim o tempo
todo? Se temos que preencher os buracos das mensagens, com o que
os preenchemos? Qual a argamassa?
Por enquanto, nada sugere que temos que ser necessariamente como
o postulado pela estética da recepção. Apenas somos, segundo as
descrições teóricas, mas poderíamos todos também ser e se comportar
como o receptor pacífico postulado pelos comunicólogos pioneiros
da Escola de Chicago (e sua nêmese, a Escola de Frankfurt). Parte
importante do empreendimento científico e filosófico é encontrar
novas perguntas nas respostas existentes, e a atividade da recepção
ressaltada pelos estetas e pelos teóricos da comunicação, em si mesma
surpreendente pela oposição que faz às interpretações já tradicionais,
como que está nos forçando essas perguntas, exigindo que desçamos
mais fundo na investigação, na tentativa de descobrir com o que
preenchemos os buracos, e também, principalmente, o que nos dispõe
120
Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação mídia-mente
a essa tarefa.
Umberto Eco fornece algumas pistas em “A obra aberta” (1979).
Na história da arte, Eco identifica um crescendo nas possibilidades de
interpretações livres permitidas pelas obras. Aos poucos, refletindo a
sensibilidade de cada época, a arte incorpora a “ambiguidade como
valor” (ECO, 1979, p. 22) e exige do fruidor “atos de invenção” (ECO,
1979, p. 45). Portanto, cada fruição se torna produção, e:
no ato de reação à teia dos estímulos e de compreensão
de suas relações, cada fruidor traz uma situação existencial
concreta, uma sensibilidade particularmente condicionada,
uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos
pessoais, de modo que a compreensão da forma original se
verifica segundo uma determinada perspectiva individual
(ECO, 1979, p. 40).
Eco (1979), aqui, semiólogo que é, faz nessa última citação uma
referência clara à semiótica, área fronteiriça entre a comunicação e
a estética que também antecipou, e de maneira cabal, as bases de
uma estética da recepção que postule a abertura das mensagens à
atividade do receptor. A “perspectiva individual” de que fala, e que
pode ser compreendida como a argamassa com que os receptores
preenchem os vãos da obra aberta, da malha esburacada do texto,
da mensagem ambígua da comunicação de massa, dos videogames e da
internet, está já descrita na natureza triádica dos signos teorizada na
semiótica peirceana. Mais especificamente, no seu terceiro nível, a
pragmática, no qual os sentidos dos signos são estabelecidos segundo
os indivíduos que os estão utilizando e o ambiente nos quais estão
sendo utilizados.
Peirce estava atento às implicações da pragmática – como a
comunicação seria possível, se todo o sentido dos signos fosse
circunstancial? Algo é fixo, deve ser fixo, e esse algo na semiótica
peirceana são os traços invariantes determinados por processos
mentais inconscientes, inatos, e experiências pretéritas. Há aqui uma
121
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
insuspeita aproximação entre a semiótica e o paradigma informacional
da comunicação, o mundo dos significados voláteis fazendo um
acordo com o mundo da informação matematicamente precisa. Mas
essa aproximação se torna compreensível quando se reconhece que o
projeto da teoria da informação busca separar variantes de invariantes
para maximizar a efetividade da comunicação, e para tal busca apoio
na semiótica. Não é acidente, portanto, que após 184 páginas de
discussão sobre as teorias matemáticas da informação e comunicação,
o engenheiro eletrônico e cientista cognitivo britânico Colin Cherry
se pergunte: “E quanto à ‘informação pragmática’? Até agora [19574],
não se publicou nenhuma teoria matemática que correspondesse, de
qualquer maneira, a extensões das teorias existentes.”. Entendendo
que “é neste nível [pragmático] que o verdadeiro processo da
comunicação pode ser considerado” (CHERRY, 1957, p. 368), e,
por dedução lógica, decreta: “a comunicação não pode, pois, ser um
processo determinado” (CHERRY, 1957, p. 403).
A comunicação, pois, para ser possível, se funda sobre a dicotomia
variância-invariância, o primeiro pólo determinado pelo amorfismo
e imprevisibilidade da pragmática, o segundo pelos “mais simples
juízos perceptivos (como reconhecer a grama como verde – um
juízo não-racional, nas palavras de Peirce, que ‘nos é imposto’)”, que
convocam “os reflexos inatos do homem e suas respostas aprendidas,
as quais dependem de toda a sua experiência pretérita” (CHERRY,
1957, p. 409). Como é evidente, essa dicotomia não tem seu lugar
no exterior, nas mensagens, mas no interior, no próprio receptor:
em sua maquinaria mental. A tensão entre o que varia sempre (de
acordo com o indivíduo, de acordo com o ambiente, de acordo com a
situação) e o que não varia nunca – os universais – é o que caracteriza
a comunicação para Cherry (1957), e essa tensão é mental.
A argamassa para o preenchimento das malhas esburacadas dos
Desconheço se tal teoria matemática da pragmática foi desenvolvida nesse mais
de meio século, mas estou seguro de que não, e nem será, dada a própria natureza
amorfa e imprevisível da pragmática.
4
122
Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação mídia-mente
textos, já vimos, pode ser proveniente da “perspectiva individual”
de que fala Eco (1979), da variância que Cherry (1957) identifica na
pragmática de Peirce. Mas sobra o fato não explicado de fazermos
isso, sobra a necessidade quase compulsória (inata?) de preenchimento,
de projetarmos nas mensagens perspectivas individuais, de não só
lembrar, mas analisar, como diz Johnson (2006); sobra a suspeita de
Martín-Barbero de que “o que faz a força da indústria cultural e o
que dá sentido a essas narrativas não se encontra apenas na ideologia,
mas na cultura, na dinâmica profunda da memória e do imaginário”
(MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 307, grifo nosso). Dada a natureza
fundamentalmente mental da comunicação, haverá processos mentais
descritos pelas ciências cognitivas que forneçam pistas para elucidar
esses fatos descritos pela estética da recepção, mas não explicados?
Mente – Desenvolvimento dos apetites do cérebro
Voltemos ao Cubo de Necker e à pergunta-chave dos psicólogos
e filósofos da mente que o estudaram: como é possível ver tanto em
tão pouca imagem?
A resposta imediata que a ciência cognitiva nos dá é a de que esse
salto entre uma interpretação e outra, salto mental, é um resquício da
história evolutiva da espécie humana. Esse salto trai uma característica
básica da cognição humana: a categorização. Essa característica
provém da necessidade nada prosaica de sobreviver. A maior parte
da evolução humana se deu no mundo pré-civilização, e nesse mundo
exigente a categorização dos elementos naturais e sociais para uma
posterior identificação (mais aproximada possível da realidade) foi a
nota de corte para a continuidade da vida; de fato, Steven Pinker relata
que:
a percepção é o único ramo da psicologia que tem sido
constantemente orientado para a adaptação, considerando
123
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
sua tarefa como uma engenharia reversa. O sistema visual
não está ali para nos entreter com belos padrões e cores;
ele foi arquitetado para proporcionar uma noção das
verdadeiras formas e materiais encontrados no mundo
(PINKER, 2008, p. 229).
Mas a correta categorização e identificação não bastariam –
o catálogo das situações possíveis é infinito, e ainda que houvesse
memória disponível para armazenar todas, a sobrevivência não
dispõe de tempo para a ponderação de todas elas. Assim, os dados
provenientes da percepção são interpretados “adicionando premissas:
suposições sobre como, em média, o mundo em que evoluímos é
montado” (PINKER, 2008, p. 229).
Dessa maneira, a ilusão do Cubo de Necker acontece através de um
engano premeditado sobre a mecânica básica do sistema de percepção
visual. Salta-se de um cubo ao outro sem a necessidade de nenhum
processo que não o mental porque a mente tem a predisposição de
encontrar padrões nos estímulos visuais que recebe, e encaixá-los
dentro de categorias provenientes das representações internas inatas
ou adquiridas via experiências prévias.
Essa é a maquinaria da ilusão de ótica, mas é mais: “esses saltos, e
o inventário de representações internas que eles sugerem, são a marca
registrada da cognição humana” (PINKER, 2008, p. 97).
Os psicólogos encontram o padrão categorização-suposição por
toda a parte da vida mental de um ser humano. Nas interações com o
mundo físico, dos objetos inanimados, ele está lá; com o mundo das
plantas e animais, idem.
E no mundo da interação com outros seres humanos – a chamada teoria
da mente – não poderia ser diferente: compulsória e compulsivamente,
supomos o que pensam as demais pessoas, tentando fazer sentido dos
sinais provenientes de sinais explícitos como palavras (e do que as
palavras escondem), mas também do gestual, das roupas e demais
artefatos culturais.
124
Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação mídia-mente
Há, portanto, por trás da compulsão por preencher com significado
as incompletudes da percepção, os apetites do cérebro humano por
informação. Como todos os animais, os seres humanos “não são
apenas herbívoros ou carnívoros. São, na bela palavra criada pelo
psicólogo George Miller, informívoros” (DENNETT, 1997, p. 78,
grifo do autor). Isso porque, como mecanismo moldado para e pela
a sobrevivência, “a tarefa da mente é produzir o futuro, como uma
vez o poeta Paul Valéry afirmou”, e para isso ela “sonda o presente
em buscas de pistas, as quais refina com a ajuda de materiais que
economizou no passado, transformando-as em antecipações do
futuro” (DENNETT, 1997, p. 57).
Haveria também nos processos análogos do “fill in” postulados
pela estética da recepção ecos desses processos mentais identificados
pela ciência cognitiva? Colin Cherry (1957), que considera que a
capacidade humana de organizar e dar sentido aos reflexos inatos, às
respostas aprendidas e à experiência pretérita constituem “a espinha
dorsal da comunicação” (CHERRY, 1957, p. 456-457), relaciona a
aquisição desses conceitos aos “vários estágios de evolução, das mais
simples criaturas unicelulares ao homem”, ao constante processo de
“aperfeiçoamento dos métodos de aprendizado e adaptação a um
mundo hostil”. Em outras palavras, a comunicação, para Cherry
(1957), está relacionada à história evolutiva do ser humano, e assim
sendo, tem suas características – entre elas a indeterminação da
recepção – inescapavelmente conectadas ao processo que moldou
corpo e mente de todos os seres viventes.
Conclusão – Mídia-mente: uma interação a ser explorada
A recepção é mais que descodificação. O modelo teórico
“emissor-mensagem-receptor” está esgotado, não refletindo em
sua esquemática simplicidade o complexo e sutil processo pelo qual
uma mensagem é apropriada por sua audiência: o quase um século
de esforço teórico, a miríade de contribuições provindas da América
125
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Latina, da Europa e dos Estados Unidos assim o decreta. Público-alvo
é uma ficção desmascarada pelo reconhecimento teórico da recepção
individualizada e desobediente.
A recepção é mais que descodificação? O cotidiano das escolas e
empresas de comunicação segue alheio aos postulados sobre a nãounivocidade da recepção, funcionando “muito bem, obrigado” sobre
as bases do comportado modelo “emissor-mensagem-receptor” fruto
do trabalho dos pioneiros da Escola de Chicago e sua nêmese, a Escola
de Frankfurt. Empacotando suas mensagens segundo os processos
tradicionais de determinação de público-alvo, a radiodifusão, a
imprensa e as mídias digitais, além das escolas de graduação fontes de
seus profissionais, seguem o itinerário garantido de sempre.
Esse aparente descompasso entre a teoria acadêmica do
esgotamento da recepção passiva, firmemente estabelecida, e a prática
diária da comunicação social, igualmente estabelecida, pode ser
solucionado a partir de uma abordagem conciliadora proporcionada
por uma compreensão da interação mídia-mente. Comunicólogos,
estetas e cientistas da cognição, como exposto acima, estão descrevendo
processos muito semelhantes, características dos seres humanos que
são definidoras da maneira como concebem mentalmente o mundo
exterior e extraem/criam sentido da informação que recebem via
percepção. O diálogo entre comunicação e cognição, por exemplo,
permite identificar o que ambos os polos da dicotomia teoria-prática
compartilham, mais do que pelas particularidades que os afastam: a
maquinaria mental. E, com isso, compreender mais profundamente os
mecanismos da estética da recepção – não apenas podemos preencher
com significados imprevisíveis as mensagens dos emissores, mas
assim o fazemos, efetivamente, por uma inclinação natural.
Dessa perspectiva abre-se a possibilidade de avançar na
compreensão da comunicação, retomando a pesquisa a partir do ponto
em que a Estética da Recepção não avançou, já que a perspectiva pela
qual ela propõe que a comunicação seja examinada não se encerra
em si mesma; antes, desperta novas indagações. A liberdade que o
126
Os espaços da recepção: elementos para pensar a interação mídia-mente
receptor passa a ter, “a peculiar autonomia executiva concedida ao
intérprete” (ECO, 1979, p. 37), sugere investigações sobre a origem
de tal autonomia e liberdade e o que é feito dela.
Cruz: “A recepção seria portanto, também, de uma certa forma, uma
produção, cujas determinantes se trata de novo de descobrir” (CRUZ, 1986,
p. 57, grifo nosso), e Eco: “o lado desconcertante de tais experiências
deve levar-nos a indagar por que, hoje em dia, o artista sente necessidade
de trabalhar nessa direção; como resultado de que evolução histórica
da sensibilidade estética; em concomitância com que fatores culturais
de nosso tempos” (ECO, 1979, p. 41, grifo nosso). O reconhecimento
da atividade da recepção é um grande avanço, mas apenas metade do
caminho. Se a recepção não é a passividade proposta por funcionalistas
e frankfurtianos, é preciso encontrar explicações do porquê de não ser,
e a Ciência da Comunicação ainda está em fase de reunir elementos
teóricos para trabalhar nessa explicação. A interação mídia-mente, o
diálogo entre comunicação e cognição, é promissora justamente nesse
sentido.
Referências
CHERRY, Colin. A comunicação humana: uma recapitulação, uma
vista de conjunto e uma crítica. São Paulo: Cultrix, 1957.
CRUZ, Maria Teresa. A estética da recepção e a crítica da razão
impura. Revista de Comunicação e Linguagem. Lisboa, n. 03, p. 192202, jun. 1986.
DAWKINS, Richard. O maior espetáculo da Terra. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
DENNETT, Daniel. Tipos de mentes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
ECO, Umberto. A obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1979.
JAUSS, Hans Robert. A estética da recepção: colocações gerais.
In: COSTA LIMA, Luiz. A literatura e o leitor: textos de estética da
recepção. São Paulo: Paz e Terra, 1979. p. 67-84.
127
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
JOHNSON, Steven. Everything bad is good for you: how today’s
popular culture is actually making us smarter. New York: Riverhead
Books, 2006.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações:
comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
PINKER, Steven. Como a mente funciona. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008.
128
Governança da internet, modelos
de negócios, cibercrime e
ciberespionagem
Diólia de Carvalho Graziano1
Introdução
Paul Baran, engenheiro da Rand Corporation, uma prestadora de
serviços do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, publicou,
em setembro de 1962, um trabalho acadêmico − sobre redes distribuídas2 − propondo uma arquitetura de redes sem hierarquia, descentralizada, supostamente resistente a falhas e ataques. Graças a Paul
Baran, o conceito da internet estava lançado. De lá para cá, mais de
meio século depois, a internet se tornou a “energia elétrica” da vez,
presente em quase todos os lugares, e sem a qual a existência se torna
extremamente difícil, com nossos dados fluindo entre seus dutos, e a
vida se transformando, pelo menos potencialmente, na internet das
Coisas (IoT)3, ou seja, o ciberespaço em todo o lugar. Prova disso
é que, já no final de 2012, existiam mais dispositivos móveis no planeta do que pessoas: telefones celulares, laptops, tablets, consoles de
games, até automóveis conectados. No final de outubro de 2010 a
1 Pesquisadora Docente do Centro Universitário SENAC São Paulo. E-mail: diolia.
[email protected].
2 On Distributed Communications Networks. Disponível em: <http://www.rand.org/
content/dam/rand/pubs/papers/2005/P2626.pdf>. Acesso em 06/07/13.
3 internet of Things. Uma evolução tecnológica que representa o futuro da
computação e da comunicação, utilizando os sensores wireless, nanotecnologia e
neurociência. (Nota da autora)
129
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
quantidade de telefones celulares superou o número de habitantes no
Brasil, com194,4 milhões de aparelhos e 185,7 milhões de habitantes4.
O ciberespaço tornou-se o que os pesquisadores chamam
de “ambiente totalmente imersivo”, um fenômeno que não
pode ser evitado ou ignorado, cada vez mais integrado nas
sociedades ricas e pobres, uma arena de comunicação que
não discrimina. A conectividade na África, por exemplo,
cresce em torno de 2,000 por cento ao ano. Enquanto a
cisão digital continua a ser grande, está encolhendo rapidamente, e o acesso ao ciberespaço está crescendo muito
mais rápido do que a boa governança sobre ele. De fato,
em muitas regiões a rápida conectividade está ocorrendo
em um contexto de desemprego crônico, doença, má nutrição, estresse ambiental, e estados falidos ou em falência
(DEIBERT, 2013, p.11)5.
A internet nunca foi construída com a segurança em mente.
Como instituições que vão desde governos, empresas e indivíduos
dependem de conectividade com a internet 24 horas, aumentam as
oportunidades para a exploração desses sistemas.
Este trabalho abordará inicialmente a questão do cibercrime e
do mercado clandestino de dados das redes sociais. Em um segundo
momento, a questão da legislação do ciberespaço e a emergência da
4 TAVARES, Monica. Número de celulares no Brasil é maior que o de habitantes.
In: O Globo. 18/11/2010. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/
numero-de-celulares-no-brasil-maior-que-de-habitantes-2924116>. Acesso em
13/01/2014.
5 Tradução livre para: “Cyberspace has become what researchers call a “totally
immersive environment”, a phenomenon that cannot be avoided or ignored, increasingly embedded in societies rich and poor, a communication arena that does not
discriminate. Connectivity in Africa, for instance, grows at some 2.000 percent a
year. While the digital divide remains deep, it’s shrinking fast, and access to cyberspace is growing much faster than good governance over it. Indeed, in many regions
rapid connectivity is taking place in a context of chronic underemployment, disease,
malnutrition, environmental stress, and failed or failing states”.
130
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
ciberespionagem, seu status quo internacional e brasileiro, para então
se fixar no entendimento do papel dos intermediários da internet, que
vêm sendo pressionados para remoção de conteúdos, e suas relações
com os governos.
Cibercrime e legislação do ciberespaço
Nos primeiros anos, o cibercrime consistia principalmente em
grupos de extorsão que alavancavam contundência na rede em ataques
contra casinos online ou sites de pornografia para extrair recursos de
proprietários frustrados. Com o tempo, tornou-se mais sofisticado.
As ferramentas do comércio têm sido cada vez mais refinadas,
em decorrência da constante evolução do software malicioso (ou
malware), com dezenas de milhares de computadores infectados em
silêncio para esconder pistas e roubar credenciais, como dados de
cartão de crédito e senhas, de milhões de pessoas inocentes.
Desde que a internet surgiu, a partir do mundo da academia até
o mundo de todos, a sua trajetória de crescimento foi acompanhada
pelo surgimento de uma economia paralela que prosperou nas
oportunidades de enriquecimento que uma infraestrutura aberta,
globalmente conectada tornou possível.
Em novembro de 2010, o Information Walfare Monitor (IWM)
lança o Relatório Koobface: Inside a Crimeware Network. Tal qual
episódio de Star Trek em que os capitães Kirk e Spok são confrontados com seus demônios doppelgângers – que eram idênticos em tudo,
exceto pelo caráter mais nefasto e diabólico –, o Facebook tem seu
demônio doppelganger, chamado Koobface.
O cibercrime não vive apenas por conta da ingenuidade e da ilegalidade, mas também por causa das oportunidades criadas pelas mídias
sociais. O Koobface (um anagrama de Facebook) imita o comportamento de rede social normal, como uma ameba digital, vivendo para131
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
sitariamente nos nossos hábitos de partilha. Ele se aproveita da nossa
vontade de clicar em links. Nós nos tornamos condicionados em um
mundo de intensa interação social. Clicamos em endereços de sites da
web e documentos. E é essa tendência condicionada que o Koobface
explora com precisão.
O objetivo da pesquisa do IWM era saber se os criminosos comerciantes de código estavam prontos para se engajar no topo de linha
da exploração do mercado ─ na quebra de sistemas de governo para
obter documentos sensíveis ─ para então questionar o que estaria
acontecendo nas ruas, e com a miríade de caminhos globalizados do
ciberespaço, que agora conectam mais de dois terços da humanidade.
Os resultados da pesquisa do IWM mostraram que o cibercrime é
rentável (a “gang” do Koobface teve ganhos superiores a dois milhões
de dólares por ano, em milhares de microtransações individuais da
ordem de uma fração de centavo cada, correspondentes a cliques em
anúncios publicitários e downloads de programas antivírus etc.) e que
existem poucos incentivos ou mesmo embasamento para as instituições de policiamento existentes fazerem muita coisa.
A isca para o Koobface é um link enviado por um “amigo”
fake. Tal link leva a um site de vídeo que, supostamente, revelaria o
destinatário capturado nu por uma webcam escondida. Mas, para o
destinatário infeliz, o clique o leva para um buraco de vírus e cavalos
de Tróia, diretamente para os tentáculos da rede Koobface. Os
mecanismos postos em prática pelos operadores Koobface para gerar
receitas seguem uma linha muito tênue, sendo, por vezes, tão sutil,
que é difícil, se não impossível, identificar quem, se alguém, é vítima.
Ciberespionagem
Deibert (2013) relata que a o alvorecer do novo milênio encontrou
132
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
um mundo otimista. Nos EUA, o dot-com6 estava em plena ascensão. De maneira geral, a internet e a sua “super autoestrada” estavam
se espalhando, com a Guerra Fria e os tempos de apartheid africano
relegados aos livros de história. No Brasil, vivíamos a transição de
governos distintos, em um cenário de prelúdio de pujança nacional.
Era difícil não ser otimista.
O novo milênio mal começara e o 11 de setembro nos fez questionar em que espécie de mundo nós estávamos vivendo. Provavelmente,
aquele foi um evento emblemático dos problemas do (na época chamado) ciberespaço7. Os aviões colidindo nas torres gêmeas do World
Trade Center, no Pentágono e em um terreno na Pensilvânia foram
vistos como falhas da inteligência cibernética por parte das autoridades que não monitoraram suficientemente as comunicações via internet. Até então, a opinião vigente era a de que a internet não poderia
ser controlada pelos governos. Deibert (2013) conclui que esse evento
singular havia remodelado o contexto das questões relacionadas ao
ciberespaço e que, em decorrência, problemas surgiriam.
As leis antiterrorismo impensáveis em 10 de setembro de
2001, foram proclamadas com pouco debate público em
todo o mundo industrializado, e os Estados Unidos, em
particular, (mas certamente não sozinho) começaram discretamente a construção de recursos de ataque cibernético ofensivos. O inimigo era o terrorismo, nome abstrato,
mas a al-Qaeda era um inimigo real e imediato (DEIBERT,
2013, p.4)8.
6 Ponto.com (Tradução livre).
7 Hoje a internet está presente no cotidiano das pessoas, e tanto a telefonia se dá
por protocolos de internet, por questões de menor custo de transmissão. Mas os
aparatos eletrônicos do dia a dia passam a ser controlados utilizando os mesmos
protocolos. Estamos cada vez mais conectados, de modo que a definição de ciberespaço não se justifica mais, uma vez que ele migra para o mundo cotidiano
8 Tradução livre para: “Anti-terrorism laws unthinkable on September 10, 2001 were
proclaimed with little public debate across the industrialized world, and the United
States in particular (but certainly not alone) began quietly building offensive cyber
attack capabilities. The enemy was terrorism, an abstract noum, but al-Qaeda was
a real and immediate foe”.
133
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Em 30 de abril de 1993, a CERN – Organização Europeia para
Pesquisa Nuclear – anunciou que a World Wide Web seria livre para
todos, e que não haveria custo9. E, nessa época, menos de 20 anos
atrás, o ambiente de informação global era um espaço muito mais
regulamentado, organizado em torno de Estados soberanos (DEIBERT, 2013). Graziano (2012) afirma que, de lá para cá, as coisas
estão mudando. Em 2008, a OpenNet Initiative (ONI) publicou seu
primeiro estudo global, documentando como estados tentavam estabelecer fronteiras no ciberespaço, perímetros defensivos para negar
acesso a conteúdos indesejáveis. Paralelamente a isso, cresce exponencialmente a ciberespionagem, o roubo de informações, de segredos
industriais, econômicos e políticos.
No início do desenvolvimento da internet, havia um tecnootimismo na abordagem neocibernética da governança da internet.
Ele via na rede uma revolução de controle que colocaria as pessoas
no comando e mudaria assim o mundo que conhecemos (SHAPIRO,
1999). Alguns estudiosos sustentam a hipótese da incapacidade do
Estado para regular a internet, e que tem havido uma preferência por
soluções tecnológicas para resolver as questões legais online.
No artigo “Governança da internet: vulnerabilidades, ameaças
e desafios para a manutenção da liberdade de expressão e não
discriminação na rede telemática conectada”, Graziano (2012) aborda
a existência de softwares contra a violação do direito autoral com as
seguintes táticas, baseadas em programação, usadas por empresas
gravadoras/de entretenimento para proteger seus direitos autorais:
• Cavalo de Tróia: redireciona o usuário para sites em que
podem comprar legalmente a canção que estavam tentando baixar;
9 Tim Berners-Lee. Ten Years Public Domain for the Original Web Software. CERN.
Disponível em <http://tenyears-www.web.cern.ch/tenyears-www>. Acessado em
01/jul/2012.
134
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
• Programas “freeze”: bloqueiam o computador por um período de tempo.
• Programas “silence”: escaneiam o disco rígido e tentam remover ou danificar quaisquer arquivos pirateados usados;
• Programas “interdiction”: impedem o acesso à rede daqueles
que tentam baixar músicas pirateadas
Com possibilidades sempre crescentes de técnicas que impedem o
acesso aos materiais digitais, a questão que emerge é se a proteção aos
direitos autorais se faz mesmo necessária, ou se surge a necessidade
de uma nova discussão: a da pertinência da forma como as próprias
empresas estão dando conta de coibir o acesso.
Soluções técnicas nem sempre são neutras e benignas
(KURBALIJA, 2010; NEGROPONTE, 1995). Boyle (1997)
sustenta que tal libertarianismo digital é inadequado por causa da
cegueira em relação aos efeitos do poder privado, e que também é
surpreendentemente cego em relação ao próprio poder do Estado
no ciberespaço. O autor argumenta que a estrutura conceitual e os
pressupostos jurisprudenciais do libertarianismo digital levam seus
defensores a ignorar os modos pelos quais o Estado pode utilizar
aplicações privadas e tecnologias apoiadas por ele para burlar algumas
das supostas restrições práticas e constitucionais sobre o exercício do
poder legal sobre a rede.
Apesar das vantagens e potencialidades que a rede das redes proporciona, ela traz consigo ameaças como vírus, spam e, ultimamente,
a ciberespionagem, que nasce no seio das demandas comerciais e da
necessidade de segurança e de controle político. A internet, ou melhor, a regulamentação da mesma, vem desenhando uma arquitetura
de controle, como bem alertou Galloway (2004) em sua obra Protocol: how control exists after decentralization10. Para ele, o princípio
fundamental da rede é o controle, não a liberdade e, portanto, o con10 Protocolo: como o controle existe depois da descentralização (Tradução livre).
135
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
trole do poder mora nos protocolos técnicos que tornam possíveis as
conexões (e as desconexões) na rede. Nesse contexto, estamos vivenciando a era do controle das redes e das informações.
Sobre a arquitetura de controle, Deibert (2008, p. 4) afirma que “à
medida que a internet vem crescendo em importância política, uma
arquitetura de controle – por meio da tecnologia, regulamentação,
normas e cálculos políticas, surgiu para dar forma a um novo cenário
geopolítico de informações”. 11
Quando o The Guardian e o The Washington Post revelaram documentos, em junho de 2013, comprovando que a NSA, a Agência
de Segurança Nacional americana, havia acionado um sistema de espionagem em escala mundial, o PRISM, o tema da ciberespionagem
ou cibervigilância se tornou pauta nos veículos noticiosos em escala
global. Como afirmou o jornalista Renato Cruz:
A internet corre o risco de se fragmentar. E o programa americano de espionagem digital, revelado por Edward
Snowden, é o grande culpado disso. Ele tem levado governos do mundo todo a tomar medidas que criam barreiras
e aumentam os controles locais sobre a rede mundial. Um
exemplo disso é a exigência, incluída pelo governo brasileiro no projeto do Marco Civil da Internet, de empresas
estrangeiras instalarem seus servidores por aqui (CRUZ,
2013).
Cruz cita ainda em sua matéria que Steven Levy publicou na revista
Wired uma reportagem sobre o impacto das revelações de Snowden
nas empresas americanas de tecnologia, “Como a NSA quase matou a
internet”. De acordo com a matéria, o Brasil é citado na reportagem
como um dos protagonistas de um movimento de fragmentação da
internet. “Depois de descobrir que a NSA a estava grampeando, a
11Tradução livre para: “As the internet has grown in political significance, an architecture of control – throught technology, regulation, norms, and political calculushas emerged to shape a new geopolitical information landscape”.
136
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
presidente brasileira Dilma Rousseff começou a promover uma lei
que exige que os dados pessoais dos brasileiros sejam armazenados
dentro do País”, escreveu Levy. “A Malásia promulgou uma lei similar,
e a Índia também busca o protecionismo dos dados.” Ele acrescenta
que inclusive a Alemanha planeja uma medida parecida. Para Cruz, “A
grande questão é que esse tipo de medida não garante que os dados
ficarão imunes à espionagem de outros países, já que eles podem ser
acessados em outras partes do mundo”, inclusive ampliando preços
ao consumidor de serviços pagos, criando barreiras à entrada de empresas iniciantes de internet sediadas em outros países.
Renato lembra que a China separou a internet local do restante
do mundo, e que, “além de espionar o tráfego da rede, o governo
filtra conteúdos, num esquema que costuma ser chamado de “grande
firewall da China”, num trocadilho com a Grande Muralha (Firewall é
um dispositivo ou software que controla as informações que entram e
saem da rede)” (Cruz, 2014). Na matéria de Levy, ele lembra que antes
de Snowden as empresas americanas podiam argumentar que medidas
como as que estão sendo discutidas no Brasil levariam a perda de privacidade e censura, e que atualmente não podem mais, pois os EUA
são o país que espiona o restante do mundo.
Fantasma da internet
O relatório do Information Walfare Monitor (IWM), Tracking
ghostnet: investigating a cyber espionage network, sobre a investigação de dez meses da alegada ciberespionagem chinesa nas instituições
tibetanas, e cujas pesquisas cobriram uma rede de mais de 1.295 hosts
infectados em 103 países, afirma que “mais de 30% desses hosts são
considerados alvos de alto valor e incluem computadores localizados
em ministérios de relações exteriores, embaixadas, organizações internacionais, meios de comunicação de notícias e ONGs” (IWM, 2009,
137
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
p.1).
O relatório afirma que, a partir das evidências em mãos, não fica
claro se o invasor, ou invasores, realmente sabia onde havia penetrado,
ou se a informação foi ou não foi explorada pelo seu valor comercial
ou de inteligência.
A China é um país também peculiar na condução de sua governança da internet. O IWM informa que as autoridades chinesas já
deixaram claro que consideram a ciberespionagem uma estratégia de
dominação:
(...) que auxilia no mapeamento das diferenças militares entre a China e as outras nações (particularmente os Estados
Unidos) Eles identificaram assertivamente o ciberespaço
como a estratégia sustentáculo por conta da sua dependência tanto pelas forças armadas americanas, como pela sua
dominação econômica (IWM, 2009, p.1). 12
Mas o relatório pondera que atribuir todo malware chinês às operações de espionagem deliberadas ou orientadas pelo Estado chinês é
errôneo e enganoso:
A China apresenta atualmente a maior população de internautas do mundo. O grande número de jovens nativos
digitais on-line pode contar mais no aumento do malware
chinês. Com as pessoas mais criativas, utilizando computadores, espera-se que a China (e indivíduos chineses) serão responsáveis por uma proporção maior de cibercrime
(IWM, 2009, p.1). 13
12 Tradução livre para: “(...) one which helps redresses the military imbalance between China and the rest of the world (particularly the United States). they have
correctly identified cyberspace as the strategic fulcrum upon which U.S. military and
economic dominance depends”.
13 Tradução livre para: “China is presently the world’s largest internet population.
The sheer number of young digital natives online can more than account for the
increase in Chinese malware. With more creative people using computers, it’s expected that China (and Chinese individuals) will account for a larger proportion of
138
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
Da mesma forma, o limiar para o engajamento na espionagem
cibernética está desaparecendo, com os kits cibercrimes disponíveis
online, e com seu uso claramente em ascensão, em alguns casos, pelo
crime organizado e outros atores privados. O malware de engenharia
social é o mais comum e potente, que introduz trojans em um sistema
e, em seguida, explora os contatos sociais e arquivos pessoais para
propagar mais infecções.
Brasil
Uma crescente onda de protestos tomou conta das principais cidades do país em junho de 2013. O início teria sido por conta dos vinte
centavos de aumento no preço do transporte público em São Paulo,
seguida pela manifestação de repúdio à violência policial. Brasileiros
habitantes de várias cidades brasileiras e internacionais foram às ruas
protestar. À medida que as manifestações cresceram, surgiram outras
queixas — muitas delas expressas nas redes sociais, ambiente em que
os manifestantes se mobilizam com rapidez. Os protestos se tornaram quase um tema único nos dias dos manifestos, dominando publicações no Twitter, Facebook e também no YouTube. Pode-se afirmar
que a internet teve papel fundamental na organização dos atos.
Sem detectar as manifestações combinadas pelas redes sociais, a
Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) montou uma operação para
monitorar a internet. O governo designou funcionários de inteligência para acompanhar o movimento dos manifestantes pelo Facebook,
Twitter, Instagram e WhatsApp14. Tal atitude levanta a questão da
cybercrime”.
14 RIZZO,A; MONTEIRO,T. Abin monta rede para monitorar internet. O Estado de
São Paulo. 19/6/2013. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,abin-monta-rede-para-monitorar-internet,1044500,0.htm>. Acesso em: 19 jun.
2013.
139
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
constitucionalidade de tais medidas, mostrando que o Brasil adentra a
era da ciberespionagem governamental.
A Polícia Federal inaugurou em 4 de junho de 2012, em Brasília,
a Unidade ou Centro de Monitoramento do Serviço de Repressão
a Crimes Cibernéticos15. Inicialmente criado para combater crimes
financeiros realizados pela rede, ele foi ampliado para tratar das tentativas e ataques a sistemas de informação do governo federal. O centro
está equipado com as mais modernas ferramentas de análise de dados
e inteligência policial, e que serão operadas por policiais federais altamente especializados.
De acordo com a assessoria da Polícia Federal, as 320 redes de
informação do governo atualmente recebem mais de dois mil ataques
por hora. O centro funcionará como uma espécie de órgão de inteligência para a prevenção de crimes que atentem contra a segurança
digital do governo. A assessoria da PF diz também que sua existência
se deveu principalmente aos grandes eventos – como Rio+20, Copa
do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 –, e a possibilidade de
que hackers e crakers tentem atrair visibilidade para as suas causas
através de ataques DDoS e invasões a sistemas. “Evita-se, com isto,
maiores danos aos sistemas ou aos dados sensíveis do governo ou dos
cidadãos brasileiros” 16 .
De acordo com outra matéria, divulgada pelo portal Olhar
Digital, pelo menos 250 hackers já foram identificados e estão sendo
monitorados pela central. A reportagem entrevista o advogado Luis
Massoco, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
na discussão da criação da lei de cibercrimes brasileira, e ele diz que
acredita que a criação do órgão é um progresso no combate aos delitos
cometidos pela rede:
A atuação do órgão será essencialmente preventiva, mas
15 Dados do Departamento da Polícia Federal disponíveis em: <http://www.dpf.gov.
br/agencia/noticias/2012/junho/pf-inaugura-centro-contra-ataques-ciberneticos>.
Acesso em: 21/6/2013.
16 Idem.
140
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
mesmo assim eles não conseguirão combater grande parte
dos crimes. No entanto, a Polícia Federal é uma referência
de excelência no Brasil e a criação do centro é um progresso, principalmente porque ela centralizará todas as ocorrências ligadas à cibersegurança do país.17
O secretário para Educação e Cultura do Sindpd (Sindicato dos
Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo), Emerson Morresi, conta em seu
blog18 que foi aprovado, como um investimento estratégico para a
Copa do Mundo de futebol de 2014, o projeto Oráculo, da Unidade
de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal. O projeto tem
como objetivo o combate aos crimes de alta tecnologia por meio da
inteligência digital. Em fase de seleção de ferramentas, tecnologia e
parceiros, ele tem recursos iniciais já destinados pelo governo de R$
500 mil, mas são esperados mais investimentos visando a sua conclusão em 2013.
O chefe da Unidade de Repressão aos Crimes Cibernéticos da PF,
Carlos Eduardo Miguel Sobral, em entrevista ao portal Convergência
Digital19, informou que o orçamento da Copa do Mundo já prevê
R$ 3 milhões para a PF formar sua equipe, R$ 800 mil para treiná-la
e outros R$ 4 milhões para investimento em soluções (programas) de
investigação.
Com a formação da equipe, o centro vai contar com grupos
táticos em todas as cidades-sede dos eventos internacionais realizados
no país nos próximos anos. Ainda que as atividades de inteligência
sejam centralizadas em Brasília, esses grupos serão responsáveis
17 Disponível em <http://olhardigital.uol.com.br/negocios/digital_news/noticias/policia-inaugura-centro-de-inteligencia-cibernetica>. Acesso em 21 jun. 2013.
18 Disponível em: <http://emersonmorresi.com/2012/09/04/norma-vai-autorizarderrubada-de-sites-infectados-por-malware/>. Acesso em: 21 jun. 2013.
19 Disponível em <http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=30670&sid=18#.UcTYUcijLq4>. Acesso em: 21 jun. 2013.
141
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
pelas investigações locais – no mundo real – e as possíveis prisões de
cibercriminosos identificados.
Os fatos relatados apontam para um processo de instrumentalização do estado para, em nome da segurança, vigiar e posteriormente
punir cidadãos envolvidos em atos criminosos ou em manifestações
populares, supostamente incitadores de atos de vandalismo. Em 2012,
após a exposição da intimidade da atriz de mesmo nome, foi rapidamente aprovada a lei alcunhada Carolina Dieckman.20 O futuro estudo
do processo de aprovação da lei, em relação ao projeto de lei popularmente chamado de AI-5 digital, poderá revelar muito mais acerca das
razões que motivaram sua aprovação, para além das fotos íntimas da
atriz que foram divulgadas na rede. Contudo, o propósito do presente
artigo é se debruçar na questão dos intermediários da internet e do
crescente processo de responsabilização a que estão expostos.
Os intermediários de internet
De acordo com Deibert (2013), a natureza fenomenal da participação política nos meios de comunicação sociais é exacerbada quando
fatores de jurisdição territorial entram em cena. Enquanto todas as
plataformas de social media têm bases de usuários internacionais, elas
20 A Lei Carolina Dieckmann é como ficou conhecida1 a Lei Brasileira 12.737/2012,
sancionada em 3 de dezembro de 2012 pela Presidente Dilma Rousseff, que
promoveu alterações no Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848 de 7 de
dezembro de 1940), tipificando os chamados delitos ou crimes informáticos.
A legislação é oriunda do Projeto de Lei 2793/2011, apresentado em 29 de no
vembro de 2011, pelo Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que tramitou em regime de urgência e em tempo “record” no Congresso Nacional, em comparação
com outros projetos sobre delitos informáticos que as casas de leis apreciavam (como, por exemplo, o PL 84/1999, a “Lei Azeredo”, também transformado
em lei ordinária 12.735/2012 em 3 de dezembro de 2012). O Projeto de Lei que
resultou na “Lei Carolina Dieckmann” foi proposto em referência e diante de situação específica experimentada pela atriz, em maio de 2011, que supostamente teve copiadas de seu computador pessoal 36 (trinta e seis) fotos em
situação íntima, que acabaram divulgadas na Internet. (Fonte: wikipedia).
142
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
são registradas e gerenciadas em uma jurisdição política particular,
sendo sujeitas às leis e regulamentações dessas jurisdições. Qualquer
dado armazenado nos servidores do Google, não importando sua localização física, é sujeito às provisões de compartilhamento de dados
do Patriotic Act21 porque o Google está domiciliado nos Estados
Unidos. “De modo mais geral, quando usamos Gmail, Facebook, e
outras plataformas de mídia social, podemos estar sujeitando dados
pessoais a leis e regulamentos sobre os quais não temos controle direto” (DEIBERT, 2013, p.108)22.
No artigo inicial do debate virtual23 centrado na pergunta “O ativismo de internet funciona?”, Berin Szoka (do grupo TechFreedom)
pontua, entre outros aspectos, que os governos podem e de fato manipulam a internet para reprimir a população. Ele aponta a relação
entre a responsabilização dos intermediários e o alto risco de uma
censura privada do ciberativismo:
(…) tornar “os intermediários… responsáveis pelo
comportamento de seus usuários e clientes… é
precisamente o mecanismo legal que permite que um
governo irresponsável delegar a maior parte da censura
e vigilância para o setor privado”. Apesar de nobres os
objetivos — proteger as crianças, defender os direitos
autorais, promover a segurança cibernética ou punir a
difamação —, a responsabilidade dos intermediários
21 USA PATRIOT Act (Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate
Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001. Em tradução livre:
“Lei de 2001 para unir e fortalecer a América, fornecendo instrumentos apropriados
requeridos para interceptar e obstruir o terrorismo”. Comumente referido como Patriot Act, foi instituído no contexto da Guerra ao Terror, sendo o instrumento legal
que permite ao governo dos Estados Unidos a obtenção de qualquer informação
sobre qualquer pessoa, como também adotar medidas de vigilância e espionagem.
22 Tradução livre para: “More generally, when we use Gmail, Facebook, and other
social media platforms, we may be subjecting personal data to laws and regulations
over which we have no direct control”.
23 Disponível em: <http://hiperficie.wordpress.com/2012/05/22/responsabilizacaode-intermediarios-e-censura-privada-ao-ciberativismo/>. Acesso em: 13 jun. 2013.
143
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
reforça o poder dos governos opressivos e incentiva as
empresas a censurar ou a não fornecer fóruns abertos em
primeiro lugar. De qualquer maneira, os governos podem
indiretamente cortar as pernas do ativismo digital. Evitar
tal “censura arquitetônica” indireta requer uma melhor
compreensão da mídia digital (SZOKA, 2013, online).
Ao falar sobre como a China coordena seu regime totalitário e
o intenso uso da tecnologia, Rebecca MacKinnon, cofundadora do
Global Voices e autora do livro Consentimento dos conectados, afirma que:
Ao impor a responsabilidade política e jurídica forte sobre
os intermediários da internet, o governo obrigou as empresas — muitas financiadas pelo capital ocidental —
não só a pagar a conta por grande parte das necessidades
de censura e vigilância do regime, mas a fazer muito do
trabalho efetivo (MACKINNON, 2013, online).
Abordar o uso da tecnologia implica em compreender os modelos
de negócios que tratam dela. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), fórum único em que 30 democracias trabalham juntas para encaminhar os desafios da globalização
em seus aspectos econômicos, social e de meio ambiente, assim define
os intermediários de internet:
Os intermediários da Internet reúnem ou facilitam as transações entre terceiros na internet. Eles dão acesso, hospedam, transmitem e indexam o conteúdo, produtos e serviços originados por terceiros na Internet ou fornecemr
serviços baseados na Internet para terceiros (OECD, 2011,
ii)24.
24 Tradução livre para: “Internet intermediaries bring together or facilitate transactions between third parties on the internet. They give access to, host, transmit and
index content, products and services originated by third parties on the internet or
144
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
De acordo com a versão do relatório The role of internet
intermediareis in advancing public policy objectives, de 2011, os
intermediários de internet promovem a infraestrutura básica da
internet e a plataforma que permite a comunicação e as trocas entre
terceiros. Podem ser comerciais e não comerciais, mecanismos de
busca, intermediários de comércio eletrônico, intermediários de
pagamento e plataformas de redes participativas. Suas principais
funções são:
1. Prover infraestrutura;
2. Coletar, organizar e avaliar as informações dispersas;
3. Facilitar a comunicação social e a troca de informações;
4. Agregar oferta e demanda;
5. Facilitar os processos mercadológicos;
6. Prover confiabilidade;
7. Ter em conta as necessidades de ambos, compradores e
usuários, vendedores e anunciantes.
Entraves legais surgem em decorrência da distribuição de conteúdo
ou da provisão de serviços na internet. Enquanto a grande maioria
das atividades está regida por leis, atividades ilegais comprometem a
questão da confiabilidade. Um texto, uma imagem, uma música, ou
um vídeo feito pelo usuário podem ser difamatórios, conter imagens
ilegais de pornografia infantil, infringir direitos autorais ou incitar
preconceito racial etc.
Com que intensidade os intermediários de internet devem ser
responsabilizados pelos conteúdos gerados por terceiros que usam
suas redes ou serviços? Até que ponto deve recair a responsabilidade
exclusivamente no autor do original, provedor ou serviço que
distribui conteúdo não autorizado? Quais são as consequências, se
provide internet-based services to third parties”.
145
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
existe alguma, dessa atribuição de responsabilidades para a inovação
e a liberdade de expressão? Se os intermediários forem considerados,
mesmo que parcialmente, responsáveis pelos conteúdos dos usuários,
devem eles ser passíveis de receber pedidos de remoção ou até mesmo
de prevenir tais presenças? De outro modo, se somente a terceira parte
usuária for responsabilizada, quais são as implicações para o controle
de disseminação de conteúdo indesejável, para a proteção dos direitos
autorais, e para a legitimação da inovação nos modelos de negócios?
Se os intermediários tiverem responsabilidades, qual será o impacto
nos seus modelos de negócios e na viabilidade econômica, dados os
custos extras implicados? Finalmente, como iria a responsabilização
afetar a inovação online e o livre fluxo de informação na economia
da internet?
O escopo e os tipos de intermediários continuam a evoluir, assim
como novos imbróglios regulatórios e uma grande quantidade de
casos jurídicos. Em particular:
• As noções de intermediário e provedor de conteúdo
se descolam cada vez mais, especialmente nos sites de redes
participativas, levantando potencialmente mais questões subjetivas
sobre neutralidade e ganho financeiro dos hospedeiros ou atividades
relacionadas.
• Novos tipos de intermediários ou intermediários cujos
papeis têm crescido, como os mecanismos de busca e os sites das
redes sociais, levantam questões sobre a necessidade de distinção
de proteções, envolvendo diferentes categorias de atividades de
intermediários (hospedagem, canalização, ligação etc), e ainda as
diferentes necessidades de regras para intermediários grandes e
pequenos.
• Pressões e prioridades distintas em termos de responsabilidade
para direito autoral, pornografia, privacidade, proteção e segurança do
consumidor, levantando questões como se o “tamanho único serve
146
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
para todos” é viável ou desejável operacionalmente.
• Filtragem ex ante em vez de comunicação e retirada do
acesso ex post promovidos voluntariamente estão aumentando em
alguns intermediários para alguns tipos de conteúdo/atividade, ou
promovidos por detentores de direitos autorais e agências de aplicação
de leis, levantando dúvidas sobre quando e como a lei deve intervir, os
custos e as possibilidades de automação.
• A análise do custo/benefício de novas propostas políticas
de interesses público e do usuário é crítica. Ressalvas devem existir
para que se respeitem direitos fundamentais, incluindo a liberdade de
expressão, proteção da propriedade e à privacidade.
• A importância de organismos multistakeholders para o
desenvolvimento das políticas pode ajudar a formar as parcerias
multistakeholders necessárias para o encaminhamento dos complexos
temas emergentes sobre a internet.
• A distribuição global do acesso aos conteúdos e serviços
online por operadores multinacionais faz com que a dimensão global
das regras sobre responsabilidade cresça em relevância.
Achados importantes do workshop realizado pela OCDE para
debater o papel dos intermediários:
• Os intermediários estão ganhando importância e empoderam
os usuários finais.
• Limitações nas suas responsabilidades pelas ações dos
usuários em suas plataformas têm encorajado o crescimento da
internet.
• Dependendo do assunto, os incentivos dos intermediários
podem ou não estar alinhados com os objetivos das políticas públicas
e podem ou não estar bem posicionados para detectar e encaminhar
atividades ilegais.
• Cada vez mais governos e grupos de interesse procuram as147
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
segurar aos intermediários os deveres de cuidado. Há uma pressão
crescente para os intermediários agirem em vez de apenas reagir.
• As ambiguidades legais enfraquecem a confiança do setor
privado, evidenciando a necessidade de clareza e de princípios norteadores.
• Todos os stakeholders desempenham um papel. Governos
devem promover as regras do jogo e facilitar as iniciativas do setor
privado.
• A capacidade técnica sozinha é insuficiente; a variedade de
atividades dos intermediários clama por diferenciação.
• Uma justa distribuição de custos devido aos processos deve
ser levada em conta. São necessárias informações quantitativas sobre
custos e eficiência.
• O impacto das políticas nas liberdades civis deve ser avaliado
e salvaguardas estabelecidas.
O Brasil protagonizou um episódio emblemático ao exigir do
Google sucessivas remoções de conteúdos classificados como difamatórios dos dois principais partidos na campanha das eleições majoritárias de 2010. Deibert aborda o episódio em sua recente obra
Black Code:
Google não é responsável pelo conteúdo publicado em seu
site. No mesmo mês, um juiz brasileiro diferente multou o
Google por causa de outro vídeo que criticava outro candidato, e ainda um outro juiz brasileiro ordenou a prisão de
um outro funcionário do Google, uma decisão que acabou
sendo anulada por um tribunal superior (DEIBERT, 2013,
p. 116)25.
25 Tradução livre para: “Google is not responsible for the content posted on its site.
Earlier that month, a different Brazilian judge fined Google for another video that
criticized another candidate, and yet another Brazilian judge ordered the arrest of
another Google official, a decision that ended up being overruled by a higher court”.
148
Governança da internet, modelos de negócios, cibercrime e ciberespionagem
Deibert também pondera sobre os pedidos de remoção do Google
no primeiro semestre de 2012 e sobre a conduta do governo canadense:
Segundo o Google, entre janeiro e junho de 2012, os dez
países que mais fizeram “outro pedido” são todos democracias: Turquia, Reino Unido, Alemanha, Índia, Estados
Unidos, Espanha, Brasil, França, Coreia do Sul e Canadá.
É um crime urinar em seu passaporte no Canadá? Duvido.
Mas certamente é errado para o governo canadense fazer
um pedido a um ISP para remover um vídeo documentan
do o fato (Idem)26.
No Brasil, as discussões informais sobre o papel dos intermediários vêm sendo debatidas por ativistas de forma atrelada ao marco
civil da internet e à defesa da neutralidade da rede.
Considerações finais
É muito importante a promoção do debate sobre a responsabilização dos intermediários em uma matriz multidisciplinar, pois existem consequências imediatas de fragilização da liberdade de expressão, como decorrência da percepção de que todos os envolvidos nas
diversas camadas das comunicações em rede se tornam obrigados a
censurar o que trafega por seus domínios.
Outra questão importante seria o debate quanto aos modelos de
negócios. São as frágeis políticas de privacidade e a necessidade de
26 Tradução livre para: “According to Google, between January and June 2012, the
ten countries making the most “other request” are all democracies: Turkey, United
Kingdom, Germany, India, United States, Spain, Brazil, France, South Korea, and
Canada. Is it a crime to urinate on your passport in Canada? I doubt it. But it most
definitely be wrong for the Canadian government to make a request to a ISP to remove a video documenting the fact”.
149
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
monetização do negócio que tornaram a rede social uma ameaça à
liberdade da internet.
Como o caso Snowden mostrou, as grandes empresas de internet
cooperam com os órgãos de segurança nacional americanos. Tudo
o que todos dizem em qualquer lugar nesses sites é observado pela
NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA). Este episódio trará
desdobramentos que só o distanciamento histórico poderá apontar.
Contudo, minha hipótese é de que ele marca uma nova era nas relações diplomáticas internacionais e da função da internet.
O Brasil, bem como outros países, marcha a passos largos rumo à
instrumentalização de seus sistemas de vigilância e controle na rede.
Precisar o quanto de controle que se exerce em nome da necessidade
de segurança, e se vivemos em uma doutrina da segurança, também
será objeto da pesquisa acadêmica. Penso que a discussão sobre a
necessidade da votação do Marco Civil é pujantemente emocional e
desprovida do aprofundamento na questão do delineamento da lei
que a regulamentará, tornando-a factível, uma vez que o Marco Civil
da internet per se é uma diretriz, que não aborda pontos específicos,
como as sanções – que, a meu ver são cruciais, pois uma normatização coercitiva pode invalidar todos os objetivos do texto original do
Marco.
O projeto de pesquisa empreendido no Centro Universitário SENAC busca conhecer: o que aconteceu em países em que os seus
Marcos Civis defendendo a neutralidade de rede foram já aprovados e
implantados; se a lei tem força maior do que o lobby de mercado; se
as agências reguladoras conseguem deixar a internet naqueles países,
a saber, Chile e Holanda, sem nenhum protocolo de interferência de
ponta-a-ponta
.
Referências
BARAN, Paul. On distributed communications networks. Santa
150
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152
Sociedade do conhecimento:
o longo caminho entre
democratização da tecnologia e
acesso à informação
Eduardo Fernando Uliana Barboza1
Introdução
A ascensão de classes sociais, o aumento do poder aquisitivo da
população e o barateamento de aparelhos tecnológicos e serviços
de transmissão de dados abrem novos horizontes para o processo
comunicacional. E também novos desafios para profissionais e
estudiosos que trabalham com informação.
O presente artigo tem como objetivo analisar o impacto da
popularização de dispositivos tecnológicos como microcomputadores,
notebooks, tablets e smarthpones. E se, em conseqüência dessa
disseminação tecnológica, o acesso ao grande volume de informações
disponíveis na web produz conhecimento ou alienação.
Para tanto, em um primeiro momento, serão abordados os
conceitos de informação, sociedade do conhecimento e sociedade
em rede, utilizando como autores de referência Armand Mattelart,
Richard Saul Wurman, Thomas H. Davenport, Manuel Castells, José
Marques de Melo e Sebastião Squirra. O artigo contará também com
visões de Bill Tancer, Francis Pisani e Dominique Piotet.
1
Eduardo Fernando Uliana Barboza é jornalista, mestrando em Comunicação pela
Universidade Metodista de São Paulo e docente no curso de Comunicação Social
da Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail: eduardofernandouliana@
gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2010753404704609
153
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Richard Wurman (1991) alerta que o grau de exigência intelectual
aumenta na mesma velocidade da quantidade de informações e o ser
humano não está preparado para absorvê-las, resultando no que ele
denomina ansiedade de informação. E para agravar esse cenário, as
novas gerações não conseguem aproveitar todo o potencial da era
digital, pelo contrário, são reféns dela. Também corrobora com essa
perspectiva Mark Bauerlein, professor da Universidade Emory, em
Altanta (EUA) e autor do livro A mais burra das gerações: como a era digital
esta emburrecendo jovens americanos e ameaçando nosso futuro. Bauerlein, em
entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo (MELLO, 2008), afirma que
os hábitos intelectuais dos jovens mudaram muito em 20 anos. Hoje,
eles dedicam praticamente todo seu tempo online em comunidades
de relacionamento e troca de arquivos, deixando a busca pelo
conhecimento em segundo plano. Squirra (2005) também opina sobre
esse tema:
[...] No mundo moderno, as necessidades de domínio dos
processos de manipular, estocar e transmitir gigantescas
(e cada vez mais crescentes) quantidades de informação,
por meios cada vez menos dispendiosos, cresceu a níveis
sofisticadíssimos, definindo quem sobrevive -ou não- em
praticamente todos os setores dos negócios “em redes e em
tempo real”. Esta realidade é tão definitiva que se crê que
nas últimas décadas, de 70 a 80 por cento do crescimento
da economia podem ser creditados ao maior e melhor
domínio do conhecimento sobre as infindáveis, complexas
e sutis camadas de informação em que se organiza a
experiência humana (SQUIRRA, 2005, p. 257).
Informação, sociedade do conhecimento e sociedade em rede:
conceitos
Mas o que é informação? Para Thomas Davenport (1998),
a definição de informação é imprecisa, principalmente porque
154
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
distinguir dados, informação e conhecimento é complicado. O autor
(1998) lembra que por muito tempo as pessoas se referiram a dados
como informação e agora precisam de conhecimento para falar sobre
informação.
Armand Mattelart é categórico ao afirmar que “a imprecisão que
envolve a noção de informação coroará a de sociedade da informação”
(Mattelart, 2006, p. 71). Segundo o autor (2006), assimilar
informação a termos técnicos, como dados, ficará mais acentuado,
assim como a tendência de receber informações somente por meio
de aparatos técnicos.
Davenport (1998) alerta que o nosso deslumbramento pela
tecnologia provocou uma amnésia que nos fez esquecer o principal
objetivo da informação, que é informar. “Todos os computadores do
mundo de nada servirão se seus usuários não estiverem interessados na
informação que esses computadores podem gerar” (DAVENPORT,
1998, p. 11). E de nada adianta os avanços nos sistemas de transmissão
de dados e investimentos em novas tecnologias se as pessoas não
forem capazes de assimilar e compartilhar as informações disponíveis
na web.
A idéia de uma sociedade regida pela informação está,
por assim dizer, inscrita no código genético do projeto
de sociedade inspirado pela mística do número. Ela data,
portanto, de muito antes da entrada da noção de informação
na língua e na cultura da modernidade (Mattelart,
2006, p. 11).
Já o termo sociedade do conhecimento é um terreno fértil para
discussões e reflexões, principalmente entre os pesquisadores da
comunicação. Por ser um assunto muito abrangente e desafiador
para qualquer autor que procure conceituá-lo, citaremos Squirra e
Fedoce (2011, p. 268), que chegaram ao seguinte conceito: “a atual
Sociedade do Conhecimento caracteriza-se pela expansão do acesso
155
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
às informações e pela combinação das configurações e aplicações
da informação com as tecnologias da comunicação em todas as suas
possibilidades”.
Mattelart (2006), citando Machlup, difere conhecimento de
informação:
[...] a diferença entre o conhecimento e a informação está
essencialmente no verbo formar: informar é uma atividade
mediante a qual o conhecimento é transmitido; conhecer
é o resultado de ter sido informado. “Informação” como
ato de informar é produzir a state of knowing na mente de
alguém. “Informação” enquanto aquilo que é comunicado
torna-se idêntico a “conhecimento” no sentido do que é
conhecido. Portanto a diferença não reside nos termos
quando eles se referem àquilo que se conhece ou aquilo
sobre o que se é informado; ela reside nos termos apenas
quando eles devem se referir respectivamente ao ato de
informar e ao estado do conhecimento (MACHLUP, 1962,
p. 15 apud MATTELART, 2006, p. 69)
Em meados da década de 70, os japoneses perceberam que
informação gera desenvolvimento e que o conhecimento transmitido
por meio de estratégias bem definidas dentro de uma sociedade
da informação poderia levar a nação a um novo patamar de
crescimento econômico, tecnológico, cultural e social. O modelo da
“Computópolis”, cidade totalmente conectada, é um bom exemplo
de sociedade do conhecimento que “teria por função não apenas
alimentar o ensino e a pesquisa, mas também garantir, graças ao livre
acesso à informação, o novo sistema de participação dos cidadãos”
(Mattelart, 2006, p. 106).
Porém Wurman (1991) acredita que o volume de informações,
que aumenta desenfreadamente, pode ser um fator impeditivo na
questão da democratização do acesso à informação. Isso porque a
instantaneidade conquistada com o advento da tecnologia torna
possível a divulgação em tempo real de qualquer informação.
156
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
Entretanto, essa proliferação de dados, que se aglomeram e dobram
de tamanho em uma velocidade que não conseguimos acompanhar,
pode ocasionar uma ansiedade informacional, que é “o resultado
da distância cada vez maior entre o que compreendemos e o que
achamos que deveríamos compreender. É o buraco negro que existe
entre dados e conhecimento, e ocorre quando a informação não nos
diz o que queremos ou precisamos saber” (WURMAN, 1991, p. 38).
Esse fenômeno acontece devido à capacidade limitada de processar
e transmitir informações que possuímos. Nossa percepção é afetada
e distorcida pelo empanturramento de dados que recebemos e não
conseguimos transformar em informação válida. Por esse motivo, não
adianta ter acesso à informação se não somos capazes de tratá-la e
compreendê-la. Wurman (1991) sustenta este pensamento ao dizer
que entramos em um frenesi para adquirir o maior volume possível de
informações acreditando que isso significa mais poder.
Com base em Castells (1999), podemos afirmar que este é um
processo irreversível, uma vez que as tecnologias da informação
colocaram o mundo em rede e abriram espaço para o surgimento da
comunicação mediada pelos computadores e comunidades virtuais.
De acordo com o autor (1999), não é a centralização de conhecimentos
e informação que marca a revolução tecnológica que estamos vivendo
e sim a utilização destes para produzir dispositivos inovadores de
geração de conhecimentos e informação que possam ser redefinidos
e aprimorados conforme são usados.
As novas tecnologias da informação não são simplesmente
ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem
desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a
mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem assumir
o controle da tecnologia como no caso da Internet
(CASTELLS, 1999, p. 69).
157
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
A revolução da tecnologia e o acesso à informação
Um aspecto interessante da revolução da tecnologia da informação
é revelado quando a comparamos com outras revoluções tecnológicas.
Foi necessário menos de duas décadas para que as novas tecnologias
da informação fossem difundidas pelo planeta. Enquanto algumas
revoluções tecnológicas ocorreram em regiões específicas do mundo
e de forma limitada, as novas tecnologias da informação foram
disseminadas ao mesmo tempo em que eram geradas em um mundo
conectado e globalizado.
Mas Castells (1999) alerta que ainda existem lugares no mundo
e segmentos da sociedade desconectados e sem acesso ao novo
sistema tecnológico. As regiões desconectadas, localizadas em países
pobres, áreas rurais e suburbanas, se tornam cultural e espacialmente
descontínuas do mundo. “O fato de países e regiões apresentarem
diferenças quanto ao momento oportuno de dotarem seu povo do
acesso ao poder da tecnologia representa fonte crucial de desigualdade
em nossa sociedade” (CASTELLS, 1999, p. 71).
E se alguns não possuem acesso à tecnologia, outros centralizam
o seu poder. Esse aspecto gera também ansiedade, conforme explica
Wurman (1991).
Nossa relação com a informação não é a única fonte de
ansiedade de informação. Também ficamos ansiosos
pelo fato de o acesso à informação ser geralmente
controlado por outras pessoas. Dependemos daqueles que
esquematizam a informação, dos editores e produtores de
noticiários que decidem quais notícias iremos receber, dos
que tomam decisões nos setores público e privado e podem
restringir o fluxo de informação. Também sofremos de
ansiedade causada pelo que deveríamos saber para atender
às expectativas das outras pessoas a nosso respeito, sejam
elas o presidente da empresa, os colegas ou até nossos pais
(WURMAN, 1991, p. 38).
158
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
Mas o que impede que parte da população tenha acesso à tecnologia
e à informação veiculada por meio dela? A seguir, serão apontadas
algumas considerações que podem contribuir para responder a essa
pergunta.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (ONU, 2013),
a democratização da tecnologia e do acesso à informação esbarram
em serviços básicos como o fornecimento de energia elétrica. Em
países como Angola, Camboja, Madagascar e Timor Leste, menos
de 30% da população é atendida pela rede elétrica. Situação muito
diferente vivem as nações que possuem índice de desenvolvimento
elevado ou muito elevado, cujos indicadores de eletrificação estão
entre 97% e 99%.
A desigualdade econômica também afeta o acesso às novas
tecnologias, de acordo com a mesma pesquisa. Enquanto nos Estados
Unidos, 74,2% da população utiliza a Internet, o Brasil tem 40,7% de
usuários de Internet. A taxa é maior do que a média mundial (30%),
mas menor do que nos Emirados Árabes Unidos (78%), Singapura
(71,1%), Malásia (56,3%) e Chile (45%).
Ainda de acordo com o relatório, no Canadá, a cada 100 pessoas,
94 possuem computadores pessoais. No Brasil, esse número cai para
16 pessoas e, no Sri Lanca, não chega a 4. Quando o assunto é acesso
à Internet por banda larga fixa, apenas 6,8 brasileiros de um grupo
de 100 pessoas têm acesso ao serviço. Na Dinamarca, um terço da
população dispõe deste tipo de conexão.
Qualquer que seja o enfoque, o macro desenho da área
revela que é praticamente impossível que o conjunto da
sociedade venha a ter acesso aos múltiplos e específicos
recursos desta forma de organização, da Sociedade do
Conhecimento. Esta inequívoca constatação delineia
o que ficou conhecido como princípio dos que têm
(“have”) dos que não têm (“have-not”) acesso e domínio
da informação, no que ficou conhecido como hipótese da
159
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
lacuna do conhecimento (“knowledge gap hypothesys”).
Aqui se reconhece que apesar de todos ganharem
com a modernização e incremento dos processos de
comunicação, o que vem acontecendo é que a distância se
alarga indefinidamente entre os que tinham mais e os que
tinham menos acesso à informação, com a implementação
sucessiva – e cada vez mais intensa – de mais recursos
tecnológicos. De forma concreta, esta constatação nos leva
na direção do triste reconhecimento de que as desigualdades
não devem mudar de rumo no futuro tecnopolizado
(SQUIRRA, 2005, p. 6).
Contudo, o relatório do PNUD (ONU, 2013) apresenta um
panorama positivo para os países do Hemisfério Sul. E coloca o
Brasil entre as nações com desenvolvimento humano em elevação,
apontando que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país
cresceu 24% desde 1990. O relatório mostra também que entre os
anos 2000 e 2010, cerca de 60 países em desenvolvimento tiveram um
crescimento excepcional da utilização da Internet. Entre os 10 países
com o maior número de usuários de redes sociais como o Facebook,
seis estão localizados no Sul.
A edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2011) para investigar o acesso à Internet e a posse de telefone
móvel para uso pessoal, fornece informações importantes e que
contribuem para o conhecimento de aspectos das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs) relacionados com o seu uso pelas
pessoas. Além disso, os dados coletados sobre bens e serviços que
contribuem para o acesso à informação e comunicação auxiliam no
planejamento de políticas voltadas ao desenvolvimento tecnológico
do país.
Os resultados da pesquisa mostram que o número de internautas
no país mais que dobrou em seis anos. Em 2005, 31,9 milhões de
pessoas com idade mínima de 10 anos acessaram a Internet, o que
160
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
corresponde a 20,9% da população. No ano de 2011, esse contingente
chegou a 46,5%. Ou seja, 77,7 milhões de brasileiros acessaram a
Internet em 2011. Em outras palavras, isso significa que enquanto
a população acima de 10 anos de idade cresceu 9,7%, o contingente
de pessoas que utilizaram a Internet aumentou 143,8% no período
pesquisado.
Analisando por região, o aumento mais significativo do acesso à
Internet foi registrado nas regiões Norte e Nordeste. Se em 2005,
apenas uma em cada 10 pessoas tinha acesso à rede mundial de
computadores, seis anos depois, esse número alcançou um terço da
população dessas regiões. No Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mais da
metade da população tem acesso à Internet desde 2011.
São Paulo, com 59,2%, é o estado com o maior percentual de pessoas
conectadas, ficando atrás apenas do Distrito Federal, que conta com
71,1% de indivíduos com acesso à Internet. Maranhão e Piauí foram
as unidades federativas que apresentaram os menores percentuais de
internautas em 2011, com 24,1% e 24,2% respectivamente.
Em todas as vezes que foi realizada, a PNAD mostrou que os
jovens de 15 a 17 anos lideraram o ranking de grupos etários com os
maiores percentuais de acesso, chegando a 74,1%, em 2011. Um dado
importante revelado pelo levantamento é que o nível de escolaridade
influencia na proporção de pessoas que acessam a web, chegando a
90,2% entre aqueles com mais de quinze anos de estudo. Por outro
lado, apenas 11,8% da população com menos de quatro anos de
estudo ou sem instrução alguma tem acesso à Internet.
Como mostra a pesquisa, dois nichos populacionais são
responsáveis pelos maiores índices de acesso à Internet: os jovens,
entre 15 e 17 anos e os indivíduos com 15 anos ou mais de estudos.
A participação dos estudantes na fatia da população que utiliza a
Internet também aumentou. Em 2011, dos 37,5 milhões de estudantes
com 10 anos ou mais, 72,6% acessaram a web. Mais que o dobro
do número apurado em 2005, com 35,7%. Mas a porcentagem de
estudantes com acesso à Internet é maior na rede privada. Nas escolas
161
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
particulares, 96,2% dos alunos utilizam a rede mundial.
Na rede pública de ensino, 65,8% dos alunos acessam a Internet.
A situação era pior em 2005, quando apenas 24,1% desses estudantes
tinham a oportunidade de estar online.
A pesquisa do IBGE revelou que houve aumento considerável no
número de internautas em todas as classes de renda.
Os números mostram que quanto maior a classe de rendimento,
maior é o percentual de pessoas conectadas. Em 2005, apenas 3,8%
das pessoas sem rendimento ou que ganhavam até 25% do salário
mínimo tinham acesso à Internet. Em 2011, essa proporção alcançou
o índice de 21,4%. No grupo que ganha mais de 25% até metade do
salário mínimo, o avanço foi de 7,8% para 30%. Entre as pessoas que
ganham de 1 a 2 salários mínimos, o aumento foi de aproximadamente
10%, entre 2005 e 2011. Já a penetração da Internet, que era de 57,5%
na classe de rendimento que recebe mais de 5 salários mínimos em
2005, chegou a 67,9%, seis anos mais tarde. Contudo, a maior fatia da
população que acessa a Internet está no grupo que possui rendimentos
entre 3 e 5 salários mínimos, com 76,1% de conectados.
O número de pessoas com idade mínima de 10 anos que residiam
em domicílios que possuíam microcomputador com acesso à Internet
cresceu 196% entre 2005 e 2011, passando de 14,6% para 39,4% dessa
população. Com isso, a porcentagem de pessoas que moravam em
residências que não tinham computador com acesso à web diminuiu
22%, passando de 130 milhões para 101,2 milhões em 2011.
Os profissionais que trabalham nas áreas de ciências e artes são
líderes no acesso à Internet, entre os grupos ocupacionais de trabalho.
Em 2011, 91,2% das pessoas que atuam nesses segmentos estavam
conectadas. Membros das forças armadas com 89,6%, e empregados
em serviços administrativos, com 85,5%, também se destacaram na
utilização da web naquele ano. Enquanto isso, os trabalhadores rurais
e encarregados de serviços de manutenção e produção de bens de
consumo estão praticamente fora da rede mundial de computadores.
A penetração da internet nesse grupo de trabalho é de apenas 8,7%.
162
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
As duas pesquisas analisadas, uma em âmbito nacional (PNAD)
e a outra internacional (PNUD), mostram avanços significativos no
processo de democratização do acesso à Internet. Porém, em regiões
com baixo poder econômico, o desenvolvimento tecnológico e
educacional ainda está estacionado, muito distante de países com altos
índices de desenvolvimento humano.
[...] se o desenvolvimento e o acesso às tecnologias são
importantes, é preciso antes assegurar sistemas políticoeconômicos centrados na valorização do ser humano. A
partir dessa perspectiva, o debate sobre as brechas digitais,
por exemplo, aponta para uma nova forma de exclusão,
que se soma a outras tantas exclusões históricas e ainda
sem solução. E as exclusões ou brechas só podem ser
enfrentadas numa perspectiva integradora (RABELO,
2005, p. 158).
Os resultados das análises realizadas apontam para um crescimento
desigual do acesso à informação no mundo e como Mattelart (2006)
sentencia, faz de todos os habitantes do planeta candidatos com mais
ou menos chances de conseguir ascensão na aldeia tecnoglobal.
“O mundo é distribuído entre lentos e rápidos. A rapidez se torna
argumento de autoridade que funda um mundo sem lei, onde a coisa
política é abolida” (Mattelart, 2006, p. 173).
Sociedade conectada: o que as pessoas fazem online?
Já vimos, por meio das pesquisas citadas, que o número de usuários
da rede mundial de computadores está aumentando rapidamente, ano
após ano. Mesmo que de forma totalmente desigual pelo mundo,
a Internet tem a progressão mais rápida da história das redes de
comunicação. Comparando com outras tecnologias, Pisani e Piotet
(2010) lembram que a penetração da Internet foi vinte vezes mais
163
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
rápida que o telefone, dez vezes mais que o rádio e três vezes maior
que o alcançado pela televisão.
Os autores (2010) revelam que os internautas de hoje não são
mais os navegadores passivos do início da Internet, em meados de
1990. Se naquele tempo, ficavam impressionados com a facilidade
de acesso a todas as informações disponíveis e a comodidade da
comunicação por meio do correio eletrônico, agora querem fazer
parte das comunidades virtuais, serem vistos, comentados e curtidos.
“A web pertence agora àqueles que a utilizam... nos dois sentidos:
para receber e para criar, para acessar a informação e partilhá-la, fazêla circular. Ela é trabalhada pelos web atores, que, por sua vez, se
servem dela para modificar o mundo” (PISANI; PIOTET, 2010, p.
29-30).
Para Tancer (2009) essa mudança de hábitos e costumes online
aconteceu quando as páginas da web deixaram de ser estáticas e
sem possibilidade de interação e se transformaram em ambientes
personalizáveis, onde os usuários podem publicar informações
pessoais. Com isso, a Internet se tornou um ambiente que hospeda
grandes volumes de informações sobre a vida de cada usuário.
“Temos diante de nós uma riquíssima base de dados em crescente
expansão, por meio da qual podemos entender nossa sociedade ou,
mais especificamente, o que as pessoas estão pensando coletivamente
num momento específico” (TANCER, 2009, p. 77).
Criar sites pessoais, como blogs especializados em assuntos
de interesse do próprio internauta e publicar fotos e vídeos em
aplicativos gratuitos para que amigos e familiares acessem estão entre
as principais atividades destes web atores, que acabam apontando as
grandes tendências da rede, ou melhor, o que vai se popularizar.
Os usuários atuais propõem serviços, trocam informações,
comentam, envolvem-se, participam. Eles e elas produzem
o essencial do conteúdo da web. Esses internautas em
plena mutação não se contentam só em navegar, surfar.
164
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
Eles atuam; por isso, decidimos chamá-los “web atores”
(PISANI; PIOTET, 2010, p. 16).
Segundo Danah Boyd, antropóloga norte-americana especializada
em comunidades online, em entrevista aos autores Pisani e Piotet
(2010), não é a tecnologia que atrai os jovens para a Internet. É a
possibilidade, por meio da concepção de páginas pessoais e perfis,
de criar uma identidade que possa ser interessante e atraente para
outros jovens, somada a troca dos espaços físicos e reais de interação
para se encontrarem em espaços públicos virtuais, como páginas de
relacionamento, sites comunitários e redes sociais.
O uso da web pelos jovens é tão voltado para a interação social
que a utilização da rede para acessar informações fica em segundo
plano. Esse costume é percebido em um estudo realizado pelo Joan
Shorenstein Center da Universidade de Harvard e apresentado
por Pisani e Piotet (2010). A pesquisa mostra que os jovens norteamericanos não se interessam por nenhum tipo de notícia fornecida
por meios de comunicação online. Além disso, mais da metade
deles não sabem o que está acontecendo no cotidiano do país e se
aborrecem com os noticiários online.
Para os jovens, o potencial da web é, em princípio,
um potencial de relacionamentos: ausência de normas
preestabelecidas, liberdade de expressão, multiplicidade
de ferramentas e de meios, presença de grande número de
usuários, os próximos e os mais afastados. Possibilidade de
encontros, de descobertas (PISANI; PIOTET, 2010, p.47).
Se por um lado a Internet proporcionou o desenvolvimento de
novos mecanismos de comunicação, informação e transmissão de
conhecimento, que podem ser acessados em qualquer lugar do mundo
por qualquer pessoa conectada, na outra ponta desse pensamento,
menos otimista, ferramentas de busca, como o Google, que ajudam
a encontrar informações, mostram como estamos cada vez mais
165
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
dependentes dessas máquinas virtuais, que adquirem o papel de
professor e conselheiro.
Tancer (2009) questiona esse aparato tecnológico que promete
melhorar nossa comunicação e a sociedade que vivemos e se
mostra cético em relação à tecnologia que pretende nos ajudar em
relacionamentos interpessoais e na resolução de problemas reais.
Para o autor (2009), esse caminho pode nos isolar e distanciar do que
chamamos de sociedade.
Contudo, ainda de acordo com Tancer (2009), existem iniciativas
na contramão dessa tendência mundial e que mudam a forma como
a informação é oferecida na Internet. É o caso da Wikipédia, uma
enciclopédia social livre criada em 2001, que permite a qualquer pessoa,
anonimamente, criar um verbete sobre qualquer tópico e publicá-lo.
Pela Wikipédia, todos os dias, colaboradores de todas as partes do
mundo editam milhares de artigos e criam verbetes totalmente novos.
Ao contrário do Google, na Wikipédia é o internauta colaborador
que produz as respostas, inserindo informações com base em
conhecimentos específicos sobre assuntos que ele domina ou possui
embasamento teórico. A Wikipédia é um exemplo de como a
tecnologia pode democratizar o acesso à informação. Um fenômeno
interessante sobre a enciclopédia social é que 41% dos editores de
verbetes têm mais de 45 anos, enquanto a porcentagem de usuários
entre 18 e 24 anos que editam verbetes é de 17%. “Os dados parecem
nos dizer que a demografia da Wikipédia é um caso de ‘velhos
ensinando aos mais jovens’” (TANCER, 2009, p. 167).
Mas não basta disponibilizar meios de acesso à Internet e munir
as pessoas com a tecnologia necessária para promover a inclusão
digital, se essas pessoas não possuem o conhecimento necessário
para aproveitar ao máximo o que mundo online tem para oferecer.
Battezzai e Valverde (2012) levantam uma discussão: as relações
interpessoais, facilitadas com a criação da Internet, estão produzindo
pessoas mais inteligentes e seguras ou ignorantes e incapazes de se
relacionarem fora da rede?
166
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
Apesar dos benefícios que o uso das tecnologias de mídia
possa trazer, fatos comprovados não têm sido suficientes
para evitar sua demonização por alguns de seus críticos.
Por outro lado, as mídias digitais também não podem ser
vistas como algo absolutamente bom, incapazes de causar
quaisquer danos às pessoas e à sociedade. No Brasil, duas
provas incontestes dos benefícios que as mídias digitais
estão a trazer para a sociedade e dos quais todos os
brasileiros podem se orgulhar são os sistemas de declaração
de imposto de renda e de coleta de votos nas eleições,
ambos de fundamental valor para o exercício da cidadania.
No entanto, também é possível imaginar que as mídias de
massa em geral e a digital em particular possam contribuir
para facilitar comportamentos antissociais e criminosos,
destruir reputações e construir mitos e semideuses, difundir
desinformação e propagar anticiência, pseudociência e
misticismo, contribuindo, assim, para um rebaixamento do
nível intelectual dos cidadãos (BATTEZZAI; Valverde,
2012, p. 220).
A digitalização da sociedade tornou o mundo figurativo, onde “as
imagens deixam de ser algo virtual, um meio de representação e passam
a fazer parte da realidade na qual estamos inseridos” (BATTEZZAI;
Valverde, 2012, p. 229). Com isso, ficará cada vez mais difícil
viver em um ambiente onde real e virtual interagem o tempo todo
por meio de imagens inteligentes, em múltiplas dimensões e com
realidade aumentada.
[...] À medida que continuarmos nos tornando mais
interativos com a informação disponível em nossas telas e
nas pontas dos dedos, a maneira como vivemos vai mudar,
seja na hora de fazer compras, tomar decisões ou até
mesmo fazer amigos (TANCER, 2009, p.255).
A missão de encontrar um caminho seguro para navegar nesse
imenso oceano tecnológico deve ser atribuída à educação, que
167
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
segundo Sathler (2012), é profundamente afetada pelas mudanças
que as tecnologias digitais provocam na sociedade. Um novo perfil
de aluno pede inovações nos sistemas didático-pedagógicos das
escolas. A informação e o conhecimento não estão mais apenas nas
instituições de ensino, como afirmam Squirra e Fedoce (2011).
Na Sociedade do Conhecimento, o processo de ensinoaprendizagem passa por grandes transformações e todas
as formas de escola devem estar atentas à inovação, uma
vez que novos paradigmas estão definindo e delineando
os modelos pedagógico-estruturais. Neste cenário, a
evolução tecnológica, com a ampliação das possibilidades
de comunicação online – agora, substancialmente móvel –
(no princípio do anytime, anywhere, anyhow), se viabiliza
através dos dinâmicos, plurais e interativos recursos da
comunicação digital que acenam para a necessidade de uma
diferenciada reformatação dos modelos e práticas para a
educação (SQUIRRA; FEDOCE, 2011, p. 270).
A velha configuração, onde o professor era o detentor do
conhecimento e o aluno sentado passivamente em sua carteira esperava
para receber esse conhecimento não funciona mais. A informação
está disponível em diferentes ambientes, além dos muros da escola.
Hoje, os estudantes têm acesso ao mesmo volume de informações
que o professor. E, como expõe Sathler (2012, p. 96), “se os alunos
dedicarem o tempo adequado à busca autônoma da informação,
provavelmente estarão mais atualizados e com maior volume de
conhecimento acumulado do que os docentes numa situação de
normalidade, em uma classe de aula, por exemplo”.
Olhando para este panorama, qual será a melhor saída? Capacitar
professores para utilizarem as mesmas plataformas tecnológicas
usadas pelos jovens para gerar, compartilhar conhecimento e se
relacionarem com seus alunos ou aguardar o desenvolvimento
de tecnologias flexíveis e atemporais em relação à transmissão de
168
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
informações e conhecimento?
As pesquisas da bioinformática já apontam para conceitos
como “cognição aberta” (FRAU-MEIGS, 2005, P.236),
graças às tecnologias que poderão vir a levar o cérebro a
adquirir informação por estimulações elétricas diretamente
aplicadas ao córtex. Enquanto isso não é popularizado,
as instituições de ensino precisarão desenvolver formas
de permitir a interação entre professores e alunos, ainda
que cada vez mais sem a coincidência de espaço e tendo
o sincronismo como uma opção pessoal dos agentes, a
partir da disponibilidade mútua e da natureza dos assuntos
abordados (SATHLER, 2012, p. 98).
Parece que, ao invés de uma sociedade do conhecimento, somos
uma sociedade da imagem.
Uma sociedade baseada na visualização de perfis. E as instituições de
ensino que não adotarem essa característica em seu plano educacional,
intrinsecamente relacionada aos jovens, podem estar fadadas ao
fracasso.
Squirra e Fedoce (2011) enfatizam que a “adesão social ao mundo
digital” e a popularização das redes sociais é um indicativo que não
pode ser ignorado pelas instituições de ensino. Elas que devem aceitar
e incorporar tecnologias de informação e comunicação às práticas
educacionais como estratégia de sobrevivência.
Por isso, ferramentas educativas desenvolvidas para dispositivos
móveis, como smarthpones e tablets ou em plataformas de
entretenimento como games poderão ser mais eficazes nas próximas
décadas. “A inovação precisa ter as portas abertas em instituições de
ensino, se houver interesse em mantê-las pertinentes e capazes de
contribuir com o desenvolvimento humano” (SATHLER, 2012, p.
105).
169
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Conclusão
O que sociedades com altos índices de desenvolvimento
localizadas no hemisfério norte têm em comum com comunidades
esquecidas em países remotos da Ásia e da África? Aparentemente,
nada. Principalmente quando apresentamos números e estatísticas
sobre acesso à Internet e democratização de tecnologias. Sem dúvida,
é mais fácil apontar as gritantes diferenças entre esses dois extremos
da civilização.
Mas, por meio das visões dos autores citados e embasados nas
pesquisas apresentadas, constatamos que tanto a falta de acesso à
informação, como o excesso de informação geram problemas nas
duas partes do planeta.
Podemos afirmar que o acesso à informação não garante produção
de conhecimento. E essa afirmação fica evidente quando analisamos
os hábitos dos jovens norte-americanos. A escolha dos Estados
Unidos como exemplo não é aleatória. O país está entre as sociedades
mais conectadas do mundo, com 74% da população online. Os norteamericanos passam a maior parte do tempo conectados a redes sociais
e comunidades de relacionamento, mesmo com toda informação
disponível na rede mundial de computadores. Os americanos se
tornaram vítimas do seu próprio desenvolvimento tecnológico.
Conexões velozes, processamento de dados em tempo real não estão
gerando conhecimento, estão produzindo jovens com a síndrome da
ansiedade de informação.
Mas será que no Sri Lanca, se o número de pessoas com
computadores pessoais fosse igual ao do Canadá, poderíamos afirmar
que a democratização tecnológica garantiria o acesso à informação e
ao conhecimento?
Dificilmente. Porque não basta oferecer apenas o suporte
tecnológico, a conexão em banda larga ou a ferramenta digital de
última geração. Sem o conhecimento e o domínio da tecnologia, o
espaço infinito de informações disponíveis na Internet é apenas um
170
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
amontoado de dados.
É provável que a revolução tecnológica aconteça somente
quando as ansiedades informacionais forem curadas e as deficiências
tecnológicas e didáticas não existirem mais.
Só assim, poderemos sonhar com uma Internet realmente
democrática de norte a sul do planeta, assim como o acesso à
tecnologia, à informação e ao conhecimento.
Para os detentores da tecnologia, o acesso à informação significa
apenas pertencer a um grupo social digital. Já para os reféns do atraso
tecnológico, a inclusão digital seria o começo da democratização
tecnológica. Na sociedade atual, podemos considerar esses dois
distintos grupos sociais como alienados informacionais.
Quantidade nunca foi qualidade. Essa é a lição que devemos
aprender. Volumes exorbitantes de dados e informações disponíveis
online para nada servem se não somos capazes de tratá-los e
compreendê-los. Para isso, os processos de ensino-aprendizagem
precisam ser repensados e as instituições educacionais precisam, com
urgência, aderir e incorporar as inovações tecnológicas ao processo de
ensino, ou melhor, de geração de conhecimento.
Afinal, somos uma sociedade do conhecimento, da informação e
da tecnologia.
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TANCER, Bill. Click: o que milhões de pessoas estão fazendo online e porque isso é importante. São Paulo: Globo, 2009.
WURMAN, Richard Saul. Ansiedade de informação: como
172
Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre democratização da tecnologia e
acesso à informação
transformar compreensão em compreensão. 2. ed. São Paulo: Cultura
Editores Associados, 1991.
173
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Mechanical Turk e a conveniência
cognitiva como objeto da linguagem
Leandro Golçalves1
Uma visão histórica
O Palimpsesto negligenciou o Organon, mas o que fez a Universal Turing
Machine? Em meados do século VII até ao XII a prática da eliminação
do texto para reutilização dos pergaminhos ou pedras (Palimpsesto)
por motivo de custo, para infortúnio da ciência, infelizmente gerou
a perda dos materiais com os pensamentos e seus representantes.
Antes desse hiato histórico, Aristóteles2 já solidificava o pensamento
científico no tratado de lógica (Organon) em um corpus estruturado e
simplifica o universo da linguagem no afastamento do relativismo e
do matematismo da academia platônica. Pelo conceito de gênero não
se detém apenas na dicotomia dos resultados dialéticos, mas sim pelo
modo empírico de observar as estruturas das coisas.
Aproximadamente dois mil e trezentos anos depois Bakhtin (1997,
p. 287), pensador da teoria da linguagem, amplia o conceito de gênero
e propõe “o estudo do enunciado, em sua qualidade de unidade real
da comunicação verbal, também deve permitir compreender melhor a
natureza das unidades da língua (da língua como sistema): as palavras
e as orações”. Entretanto, em paralelo, um contemporâneo chamado
1
Mestrando em Ciências da Comunicação pela UMESP (2014), com pós-graduação
Latu-Sensu em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações
Públicas na ECA/ USP. Membro do Departamento de Comunicação e Marketing da
UMESP como coordenador de inteligência de mercado
2
A percepção entre o elo cognitivo da linguagem com a tecnologia foi realizada em
outro artigo “A Linguagem da História da Linguagem” disponível em: http://www.
academia.edu/3753896
174
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como objeto da linguagem
Alan Turing criara uma materialização que abstraía a lógica da língua
como sistema (Máquina Universal de Turing) e assim, em uma visita
atemporal, prosperou a ciência sugerida pelo Organon e pela sua
contribuição ancora a chamada Teoria da Informação em um contexto
bélico.Perante a essa digressão histórica entre os pensadores, não se
preocupa nesse artigo suas incompatibilidades epistemológicas e sim
as semelhanças cognitivas para explicar o site MTurk como objeto de
estudo, percebe-se que a Teoria da Informação abriu uma perspectiva
importante no trato da informação.
Evidente que o afastamento da linguagem como sujeito social
por essa teoria em contrapartida da aproximação do foco na
codificação da mensagem é alvo de críticas para outras visões, mas
não diminui o fato da linguagem (homem-máquina-homem antes
homem-homem) no quesito da escalabilidade. Esse conceito sugere o
potencial de estender uma tecnologia (inclusive a própria linguagem)
em sua estrutura e aplicabilidade para diversas finalidades e tal fato
foi possível pelo surgimento de um novo paradigma no modo de
se planejar a linguagem no exercício de abstração da mesma com a
realidade. A clivagem entre a linguagem humana e a linguagem da
máquina trouxe maior observação nos fenômenos naturais, inclusive
da própria percepção humana e isso se espelha em outras áreas como
a engenharia genética e a física quântica.
A partir desse momento, e aqui já se fala no contexto do século
XXI, é possível em tempo real fazer comunicação em uma dimensão
maior em rede, de modo dinâmico e interativo, apesar de algumas
críticas de cientistas de que esse modo de comunicar possui um
impacto desumanizador, como por exemplo, Sherry Turkle em sua
obra Alone Together3 que não é abordada neste artigo.
No passado o custo da informação foi motivo para não armazenála, mas atualmente, no paradigma da linguagem computacional, há
3 Para mais iformações ver TURKLE, Sherry. Alone together: why we expect more
from technology and less from each other. Philadelphia: Basic Books, 2011
175
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
esforço para estocar tudo o que se faz útil para o desenvolvimento
humano, no que se chama de banco de dados relacionais. Esse esforço
está promovendo uma integração das áreas na ciência, onde os
fenômenos são compartilhados assim como as soluções e descobertas
para os estudos de variados temas. É aqui que a comunicação se inclina
em um pensamento transdisciplinar e contempla o esforço de observar
os gêneros, ou seja, padrões tecnológicos que impactam o modo de
fazer comunicação e também os próprios padrões de comunicar. São
vistos, assim, no Mechanical Turk que é uma ferramenta proprietária
da empresa virtual Amazon que é analisada adiante.
Antes de seguir para uma visão prática é necessário refletir sobre a
essência da comunicação, o conceito de informação, o paradigma da
linguagem de programação OO (Orientação a Objeto) e a estrutura
das redes telemáticas.
A arquitetura
A essência da comunicação pode ser descrita de acordo com
Bordenave (1997):
Sem a comunicação cada pessoa seria um mundo fechado
em si mesmo. Pela comunicação as pessoas compartilham
experiências, ideias, e sentimentos. Ao se relacionarem
como seres interdependentes, influenciam-se mutuamente
e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas
(BORDENAVE, 1997, p. 36).
Os atos de modificar a realidade são compostos por gêneros,
padrões comunicacionais que podem ser descritos de modo
simultâneos ou até conflitarem-se em: pulsação vital (vontade humana
de interagir), a interação (equilíbrio dinâmico por adaptação ou
domínio), seleção (valores e seus significados, elementos simbólicos
176
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como objeto da linguagem
que representam a interação), percepção (a sinestesia da realidade),
decodificação (a percepção da seleção), interpretação (contextualização
da decodificação), incorporação (aceitação ou não da interpretação) e
a reação (atos que definem o comportamento).
A informação permeia todos esses significados dos processos
comunicacionais, ou pelo menos quase todos, e é a partir dela que o
homem julga sua pertinência.
Potencializada pela conexão em rede, a informação é um
fator decisivo para a humanidade em seu desenvolvimento: “[…]
recentemente o progresso e bem-estar humanos começaram a
depender principalmente da gestão bem sucedida e eficiente do ciclo
de vida da informação” (FLORIDI, 2010, p.8, tradução nossa)4. Ainda
na mesma página:
O ciclo da informação geralmente inclui as seguintes
fases: ocorrência (descoberta, concepção, criação, etc.),
transmissão (rede, distribuição, acesso, recuperação,
transmissão, etc.), processo e gestão (coleta, validação,
modificação, organização, indexação, classificação,
filtragem, atualização, traigem, armazenagem, etc.) e
uso (monitoramento, modelagem, análise, explicação,
planejamento, previsão, tomada de decisão, instrução,
educação, conhecimento, etc.) (FLORIDI, 2010, p. 8,
tradução nossa)5.
Muito semelhante aos processos de Bordenave (1997), entretanto
4 No original: “[...] recently has human progress and welfare begun to depend
mostly on the successful and efficient management of the life cycle of information”
(FLORIDI, 2010, p. 8).
5 No original: “The life cycle of information typically includes the following phases:
occurrence (discovering, designing, authoring, etc.), transmission (networking,
distributing, accessing, retrieving, transmitting, etc.), processing and management
(collecting, validating, modifying, organizing, indexing, classifying, filtering, updating,
sorting, storing, etc.), and usage (monitoring, modelling, analysing, explaining,
planning, forecasting, decision-making, instructing, educating, learning, etc.)”
(FLORIDI, 2010, p. 8).
177
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
diferindo no quesito de administrar tais processos, Luciano Floridi
(2010) reflete a informação em vários níveis como revolução,
linguagem, matemática, semântica, física, biológica, econômica e ética.
Por outro lado, a origem do conceito de informação vem da
terminologia de dados, uma estrutura de sintaxes sem significado.
A partir desses níveis temos a fotografia da evolução humana em
administrar os “sentidos” gerados pelo armazenamento dos dados.
Essa evolução passa desde os processos análogos, digitais e binários
(meios por onde se administra a informação - do Organon até Alan
Turing em analogia com o pensamento do artigo); primário, secundário,
meta, operacional e derivativo (modo de interagir com a informação
e como resgatá-la); e as ramificações como modelos interpretativos
dos dados, o meio ambiente, semântica subdividida em instrucional e
factual por sua vez subdividido em não verdade (informação perdida
e informação enviesada) e verdades (conhecimento como resultado
dos processos).
Apesar de depender do contexto, as premissas antes descritas se
intercruzam em cada nível, mas os padrões (Patterns) e seus gêneros são
aqui observados como uma metalinguagem que explica os propósitos
de acordo com as dinâmicas relacionais. Essa ideia perpassa toda a
argumentação da proposta e evidencia a lógica da linguagem como
benefício cognitivo a cada passo da evolução da informação. Nesse
ambiente a Orientação a Objeto se diferencia no quesito “recognição
da realidade”, pois reorganiza – no meio da Ciência da Computação é
visto como revolução – o estilo de programar uma ação da linguagem
da máquina.
Ao se desconstruir a linguagem computacional pela visão da
cognição6 e seus padrões, notam-se fundamentos da linguagem com
atributos importantes que já foram abordados nos conceitos da
comunicação assim como no de informação: a troca de significado
6 Não será aprofundado o conceito de cognição aqui, mas sob o ponto de vista de
Floridi é o processo que pode interpretar a informação.
178
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como objeto da linguagem
pela abstração simbólica percebida como noção interpretativa, porém,
o fato de armazenar informação “lapidada” ou não e poder analisá-la
em uma escala maior pelo desenvolvimento tecnológico, possibilita
previsão de conceitos que emergem do contexto (embedding). A
observação dos padrões das informações nas bases de dados
estruturadas permite refletir premissas (BARABÁSI et al., 2010;
ERTEKIN, 2012; QUONIAM et al., 2001).
O Paradigma da Orientação a Objeto é uma evolução da linguagem
de programação computacional que surgiu em 1950, isto é, em
comparação ao modo anterior que é denominado estruturado. Seu
criador foi Alan Curtis Kay também inventor da interface gráfica (o
que pode ser visto nas telas do computador) e também do Dynabook
(o que atualmente é denominado laptop).
O paradigma pode ser aplicado a qualquer linguagem já que o que
se diferencia é o modo de proceder na programação pelo planejamento
das ações e finalidades da entidade principal: o objeto. Na linguagem
estruturada a ênfase é dada ao desenvolvimento de procedimentos
implementados em blocos estruturados e à comunicação entre
procedimentos nas trans-missões de dados (VINCENZI, 2004). Na
orientação a objeto os dados e procedimentos passam a ser parte do
objeto, portanto, não só um elemento físico na realidade é visto como
objeto como uma bola, por exemplo, mas o movimento da bola é
também visto como objeto. Assim toda a realidade a ser abstraída passa
pelo crivo passível de planejamento do objeto para ser criado, e assim
a linguagem de programação ganha alguns potenciais que impactam e
ampliam desempenho e poder de intervenção da realidade.
A classe é uma entidade que engloba dados (atributos) e
funções (métodos). O objeto é uma criação da classe (instância)
em tempo de execução, quando se executa o código da classe em
um programa. O objeto na classe possui um comportamento e um
estado. Os relacionamentos e os objetos passam a ser, portanto,
partes que cooperam entre si sob a administração do programador
179
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
por meio de mensagens, chamadas de métodos. Nos relacionamentos
entre as classes há hierarquia de coleções de objetos cada qual
com sua especificidade para o todo do projeto. Essas coleções são
gerenciadas por algumas técnicas da linguagem que regem todos os
relacionamentos: encapsulamento (ação que visa dar segurança a uma
classe), herança (classes podem herdar métodos de outras classes),
polimorfismo (objetos que respondem diferentemente a uma mesma
mensagem recebida) e cluster (conjuntos de classes que cooperam
entre si na implementação, resultado das funções na interface gráfica).
O cluster, em especial, tem uma atenção peculiar nesse artigo.
A partir dessa visão observa-se um maior domínio no que tange a
expansão de uma classe em relação a um projeto. No momento em
que se cria e implementa uma estrutura programável ela poderá ser
usada e ampliada para outros projetos que não necessariamente no
mesmo escopo do original. Aqui se tem a revolução da linguagem
propriamente dita, pois a linguagem computacional ganhou, em
analogia a história da linguagem, uma sintaxe que permite administrar
a si própria pela intervenção do programador. Em resumo se pode
matematizar os critérios do resultado do objeto pelos critérios que
foram utilizados para construí-lo. Todos os feitos como a criação da
rede da internet , a decodificação do DNA, a física quântica, entre
outras, passam pelo impulso dado por esse paradigma, visto que
favoreceu o melhor desempenho do processamento e também da
organização entre os códigos pela facilidade de documentar e aplicar
alterações globais (alteração que impacta todo um programa pela
alteração de uma única variável no objeto pela classe).
Nesse contexto, as redes telemáticas ganharam escala e se
expandiram pelo aperfeiçoamento das interfaces gráficas, pelo
aumento de processamento dos computadores e reutilização das
modularizações (estoque de abstração dos clusters que foram
resgatados para criar outras coisas). Dentro dessa visão houve a
possibilidade de semantizar os objetos em rede, pela criação do IP
180
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como objeto da linguagem
(endereço único de cada terminal conectado na internet) e das relações
que essa conexão veio derivar. Tim Berners-Lee foi um dos precursores
da criação das redes, a internet. O projeto, que culminou na rede dos
dias atuais, se originou a partir de um experimento durante a guerra
fria pela ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network) nos
Estados Unidos com o intento de munir de informações aos militares
em qualquer lugar. Hoje Berners-Lee é um defensor das redes pela
sua semantização, ou seja, acredita que ao dar essa roupagem para a as
camadas de informação, que fazem a estrutura da internet, deslocará
a informação de “derivativa” para a “meta” na visão dos conceitos
de informação de Floridi (2010), sugerindo que a internet ganhará
“inteligência”.
Com o advento das redes, uma nova configuração de criação de
informação e da forma de se comunicar vigorou e estão evoluindo
constantemente pelo apelo de rapidez no tráfego de informações e
pela mobilidade de se fazer tais ações.
Uma visão prática
Uma vez criada possibilidade de interação entre as pessoas e,
consequentemente, da sociedade local e de outros continentes, o
número de usuários e da produção de conteúdo na internet cresce
exponencialmente.
Tabela 1: Uso mundial da Internet
181
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
O crescimento do número de páginas criadas possibilita o aumento
das indexações de informação produzida sejam pelas relações entre as
pessoas, empresas, órgãos do governo e etc., ou seja, quanto mais
interfaces mediando e estocando informação maior a possibilidade
de correlação de sentido. Da reflexão em paralelo entre a história
da linguagem e da informação, assim como sobre as suas estruturas,
busca-se a relação que essas terminologias possuem para responder a
pergunta inicial: o que fez a Universal Turing Machine? Já se pode ousar
uma resposta: essa máquina foi a precursora do homem em analisar a natureza
com mais poder de intervenção e ampliada por um paradigma da linguagem que
herda propriedades e que dá possibilidade de estudar a própria linguagem que a
influenciou, a linguagem humana.
O que se pode observar com as indexações semânticas? É possível
observar padrões que emergem pelas dimensões dos conteúdos
estocados através das camadas de informação, que podem ser
divididas em quatro: a página que é visualizada na tela do computador
(interface), a linguagem de programação da página (estática ou
dinâmica), linguagem que rege a interação dos conteúdos com o
usuários (back-end que fica no local onde a página que é visualizada
está, no endereço que o usuário digita no navegador) e o banco de
dados. Esse último nem sempre pode estar acessível e este é o cerne
da questão na obtenção de dados estruturados, bem como de outro
assunto que não é analisado aqui (Open Data - dados de acesso livre).
Uma vez estocada a informação (já filtrada ou aplicado algum critério
semântico) ou os dados (variáveis de acessos como logs de sistema,
hora de visita, link da página e etc) se pode resgatar esse conteúdo e
aplicar relações lógicas para análises diversas.
A construção de aplicativos potentes no quesito requisição de
informação e análise dos dados para construção de informação foi
potencializada pela orientação a objeto, e assim possibilitou aumentar
as observações nas redes pela disponibilização de serviços na internet
(Web Services). Esses serviços são normalmente links disponibilizados
182
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como objeto da linguagem
para visualização das variáveis estocadas nos bancos de dados,
podendo-se baixar, salvar ou exportar em formato de arquivo para
outros bancos de dados e relacionar com outras variáveis.
Sua visualização pode ser por JSON, XML, TXT, CSV (linguagens
de programação que tem a finalidade de espelhar de modo ordenado
os conteúdos dos bandos de dados) ou outras extensões de arquivos
para a máquina ler e retornar de modo mais amigável para visualização
humana e também interpretável para a máquina. Aqui está o sucesso
para a interação dos conteúdos, ou seja, já existe um padrão estrutural
em seu armazenamento. Porém, isso não garante que não existam
outros padrões. Esses podem emergir pelo relacionamento de outras
variáveis ou por abstrações de modelagens analíticas.
O Mechanical Turk é um serviço através do qual empresas e
usuários tem a possibilidade de interagir na resolução de tarefas que
podem ser remuneradas, denominadas escalabilidades de força de
trabalho (scalable workforce). As empresas podem criar tarefas (Hits –
human inteligence tasks) e publicar no site para os usuários trabalharem
e serem remunerados pela tarefa. Na data desse artigo o site possuía
214.169 Hits a disposição.
Observa-se no Mechanical Turk uma forma dinâmica de trabalho
que pode ser realizado por qualquer pessoa que possua familiaridade
com internet, computador e planilhas de Excel ou outras ferramentas
que dependam dos objetivos das Hits. As tarefas são armazenadas em
um banco de dados que é disponibilizado ao criador que se cadastrou
e que inscreveu a tarefa, que pode ser desde tradução até pesquisas
sobre sites de empresas e etc. As informações não são de acesso livre
(os resultados), mas vale observar que o serviço MTurk é apenas um
“objeto” do composto Amazon Web Services.
A Amazon é uma das pioneiras na internet em venda de produtos,
assim como o Ebay. Já possui um extenso histórico de banco de
dados relacionais de natureza primária até derivativa, semântica
factual sem interpretação até semânticas factuais com conhecimento.
183
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Aqui se vislumbra o que Berners-Lee argumenta sobre relacionar
essas informações e prever alguns sentidos, através dos padrões
das variáveis estocadas pela linguagem analítica. Isso já acontece
quando, ao escolhermos um produto na Amazon, há a sugestão de
outros produtos com similaridades que abrangem desde o modo de
navegação até os conteúdos indexados na busca.
Os algoritmos (clusters que aprendem e guardam informação na
navegação do usuário) estão em constante relacionamento e sugerindo
outras informações. Mas o que pode a Amazon ganhar com isso? A
Amazon Web Sevices oferece desde hospedagem, armazenamento
e processamento de informações. Com o MTurk, a empresa pode
descobrir padrões de tarefas no mercado e sugerir o melhor serviço
para cada segmento assim como aplicativos que melhor interagem
com suas estruturas na nuvem e suas propriedades relacionais.
O custo de curadoria de dados para os padrões mais
exigentes muitas vezes é comprovadamente menor do que
o custo de coleta adicional ou novos dados. Por exemplo, o
custo anual de gestão de dados em nível mundial no Banco
de dados Protein é menor do que 1% do custo de gerar
dados (ROYAL SOCIETY, 2012, p. 8, tradução nossa)7.
A citação não fecha a ideia do impacto da qualidade versus o custo
da informação que na história já se chegou a negligenciar, mas abre
a perspectiva de que os padrões cognitivos de perceber informação
estão se reconfigurando com a possibilidade de dotar a linguagem
e a comunicação com características preditivas e, indo mais além,
pode ser através delas que os seres humanos podem revolucionar
suas capacidades de ver o mundo e de se ver no mundo. A essa
7
No original: “ The cost of data curation to exacting standards is often demonstrably
smaller than the cost of managing the world’s data on protein structures in the world
wide Protein Data Bank is less than 1% of the cost of generating that data.” (ROYAL
SOCIETY, 2012, p. 8).
184
Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como objeto da linguagem
altura a resposta mais detalhada pode ser refletida: Essa máquina foi
a precursora do homem em analisar a natureza com mais poder de
intervenção e ampliada por um paradigma da linguagem que herda
propriedades e que dá possibilidade de estudar a própria linguagem
que a influenciou, a linguagem humana, e prever seus impactos.
Considerações Finais
Apesar dos entendimentos de uma comunicação transdisciplinar
parecerem sincréticos, não perde seu valor perceber o poder cognitivo
que a tecnologia possui, sendo vista ora como artefato e fruto de um
determinismo oblíquo, ora como a oitava maravilha do mundo tem
de intervir nas comunicações humanas e no modo de fazer ciência.
Evidente que o poder humano de pensar e abstrair a tecnologia,
que em tempos gregos era vinculado à natureza, agora em esferas
diferentes ainda rege a orquestra do conhecimento, tanto no fazer das
camadas semantizadas, quanto no ato genioso de digitalizar lógicas.
É interessante notar até que ponto a comunicação dita digital
interfere e é interferida por seus processos de perceber o mundo
quando em pulsação vital ou interagindo com as interpretações
incorporadas em suas reações ou nas decodificações selecionadas
para um determinado objeto. Até que ponto a comunicação deixa
de ser objeto ou objetiva um ato mediador de significado preditivo?
A tecnologia parece descobrir os padrões comunicacionais, mas pela
tecnologia a comunicação já estudou seus padrões e isso sua história
não deixa dúvidas.
185
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
BARABÁSI, Albert-Lásló et. al. Human mobility, social ties, and
link prediction. Science, v. 327, n. 5968, p. 1018-1021, 2010.
BERNERS-LEE, T. et. al. Creating a science of the web. Science,
v. 313, p. 769-771, ago. 2006.
BORDENAVE, Juan E. D. O que é Comunicação. São Paulo:
Brasiliense, 1997.
ERTEKIN, Seyda et. al. Learning to predict the wisdom of
crowds. Collective Intelligence: Statistical and Game Theoretical
Methods, 2012, Cambridge. Disponível em: <http://web.mit.edu/
seyda/www/Papers/CI2012.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2012.
FLORIDI, Luciano. Information: a very short introduction. New
York: Oxford University Press, 2010.
INTERNET WORLD STATS. Usage and population Statistics.
2012. Disponível em: <http://www.internetworldstats.com>. Acesso
em: 1 set. 2013.
QUONIAM, Luc et al. Inteligência obtida pela aplicação de data
mining em base de teses francesas sobre o Brasil. Ci. Inf., Brasília,
v. 30, n. 2, ago. 2001 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0100-19652001000200004&lng=en&
nrm=iso>. Acesso em: 2 fev. 2013.
ROYAL SOCIETY. Science as an open enterprise. London: The
Royal Society, 2012.
VINCENZI, Auri M. Rizzo. Orientação a objeto: definição,
implementação e análise de recursos de teste e validação. 2004.
249 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática
Computacional). Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação/
USP, São Carlos/SP, 2004. Disponível em: <http://www.teses.usp.
br/teses/disponiveis/55/55134/tde-17082004-122037/publico/
tese.pdf >. Acesso em: 15 mar. 2013.
186
O Reencontro com o Tangível: notas
sobre a materialidade em McLuhan,
Gumbrecht e Sennett
Márcio Carneiro dos Santos1
“O estudo dos meios, de uma só vez, abre as portas da
percepção.” (McLuhan, 2007, p.13)
1. Introdução
Don Ihde (2009), no texto que abre a coletânea New Waves in
Philosophy of Technology, faz um breve resumo sobre as diversas
gerações de filósofos que se dedicaram ao tema. Comentando a nova
geração de autores do livro que apresenta, Ihde tece comentários sobre
os principais traços que identifica no pensamento contemporâneo ali
representado.
A principal característica apontada é um aprofundamento em
direção a uma visão mais pragmática e empírica, a partir da análise do
que ele chama de tecnologias concretas. Esse direcionamento já havia
sido tomado por sua própria geração, que incluía, entre outros, Albert
Borgmann, Hubert Dreyfus, Andrew Feenberg, Donna Haraway e
Langdon Winner.
Para Ihde, as gerações anteriores à dele traziam a marca de uma
forte divisão entre visões utópicas e distópicas sobre a relação entre
tecnologia e sociedade, bem como o fato de enfrentarem o tema
normalmente a partir de abordagens mais metafísicas, nas quais, em
1 Doutorando do Programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUCSP
187
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
muitos trabalhos, pairava a sombra da ameaça tecnológica às formas
tradicionais da cultura e à própria humanidade.
A figura de Heidegger é destacada representando o pensamento
que superou a divisão geracional proposta, apesar das ressalvas de que,
sem perder a importância, o sentido de suas palavras e principalmente
suas conclusões também foram relativizadas à medida que o tempo
passou.
Por fim, Idhe aponta também como traço da nova geração de
filósofos da tecnologia um endereçamento à questão da materialidade
e seus desdobramentos, tema que há certo tempo também nos
interessa. Por isso, no texto que segue, faz-se uma tentativa de
encontrar possíveis pontes ou conexões entre o pensamento de três
autores que não estão nas listas tradicionais dos filósofos da tecnologia
e muito menos na dos que representam juntos alguma corrente de
pensamento. Apesar disso, e muito mais ligados à Comunicação e
às Humanidades de forma geral, Marshall McLuhan, Hans Ulrich
Gumbrecht e Richard Sennett nos trazem questões que, ao nosso
modo de ver, podem colaborar com as discussões da Filosofia da
Tecnologia e com a geração que Idhe nos apresentou em seu texto
de 2009.
2. Relações entre Tecnologia e Sociedade
Enquanto a Filosofia tem mais de dois mil anos de conhecimento
acumulado, o ramo da Filosofia da Tecnologia pode ser considerado
relativamente novo. A ideia de que a tecnologia nada mais é do que
ciência aplicada aparentemente afastou o interesse dos filósofos que,
por muito tempo, não viam no tema algo que valesse a pena explorar.
Antes do século XX, Bacon, Marx e alguns poucos abordaram a
questão da tecnologia, muitas vezes de forma periférica.
Para que as afirmações anteriores tenham sentido, é importante
188
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
ressaltar as diferenças entre técnica e tecnologia. Enquanto a
primeira já fazia parte das discussões dos filósofos gregos, a última
efetivamente começa a constituir-se, ainda que de forma embrionária,
no Renascimento, a partir da junção da ciência aplicada e do objetivo,
naquele momento cada vez mais claro, de dominar a natureza a partir
da razão.
Para entender a diferença, é preciso voltar cerca de cinco séculos
antes da era cristã. A tekhnè dos gregos, segundo Lemos (2002),
estava intimamente ligada às ações práticas, cobrindo uma ampla faixa
de atividades que ia dos ofícios mais simples, baseados em trabalhos
manuais, até as artes e a medicina. Era tekhnè, portanto, tudo aquilo
produzido pela ação do homem num contraponto ao que era gerado
pela natureza.
Essa primeira dicotomia na Grécia de Platão e Aristóteles trazia
um julgamento de valor bem definido: o fazer da natureza era superior
porque permitia a possibilidade de gerar a si mesmo, de atravessar
a fronteira entre a ausência e a presença de forma independente. A
herança divina e, por isso mais pura, fazia da phusis – o princípio da
geração das coisas naturais, superior à tekhnè – algo sempre inferior,
sem a capacidade da auto-poièses, ou seja, da autorreprodução.
A essa diferença, Platão ainda acrescentou a ideia de que
a contemplação e a atividade do pensamento, da busca pelo
conhecimento e pela compreensão do mundo eram as mais nobres
possibilidades dadas aos humanos. As atividades práticas, segundo ele,
eram inferiores, provavelmente decretando a primeira cisão entre a
mão e o cérebro que Sennett (2009), mais de dois mil anos depois,
vai desenvolver a partir da análise histórica do trabalho artesanal,
pensando, a partir dos conceitos e Hannah Arendt,2 a diferença entre
2 Sennet é discípulo de Arendt, mas questiona a visão dela sobre a questão
da tecnologia e a divisão proposta entre animal laborens, o trabalhador braçal
condenado à rotina, e o homo faber, superior ao primeiro, consciente da vida em
comunidade, que é capaz de discernir sobre seus próprios atos e procurar soluções
melhores.
189
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
o animal laborens, aquele a quem interessa apenas o como, e o homo
faber, o que pensa no porquê.
As premissas dos gregos provavelmente têm seu reflexo até hoje no
conceito, ainda difundido, de que as atividades manuais ou artesanais
são menos importantes. Entretanto, Sennett (2009) também nos
lembra que é no início da história humana que encontramos o mito
de Hefesto, o deus dos artífices, aquele que ensinou ao homem o uso
das ferramentas, tirando-o do caos e da vida nômade, e possibilitando
o início da civilização. O fazer humano, se não tinha o dom de se
autocriar, tinha sim já o poder da transformação, de alterar o que era
tácito e natural. Hefesto traduzia uma possibilidade humana associada
aos ambientes digitais: a agência.3
Se as origens da técnica repousam na Antiguidade, o conceito
de “tecnologia” veio bem depois. Ensina-nos Lemos (2002) que
a tecnologia é a técnica moderna, muito distante do imaginário da
Antiguidade e liberta dos seus laços com o divino. Pelo contrário,
é a técnica que, baseada na razão e no desenvolvimento científico,
na física newtoniana, na matemática cartesiana e no empirismo,
transforma a natureza em “objeto de livre conquista” (Lemos, 2002,
p.45).
Para Rüdiger (2007, p.175), “a técnica é, em essência, uma
mediação do processo de formação da vida humana em condições
sociais determinadas”. Já tecnologia é:
O conhecimento operacional que designamos pelo
termo técnica enquanto se articula com a forma de
saber que chamamos ciência, através da mediação da
máquina e, potencialmente, em todas as áreas passíveis de
automatização, conforme define o tempo que a criou, a
Modernidade (RÜDIGER, 2007, p.186).
Se, para Heidegger, a técnica é um modo de existência do homem
3 A capacidade de agirmos ou exercermos nossa própria vontade nos ambientes
digitais. De certa forma, um conceito ligado ao de interatividade. Ver Murray (2003).
190
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
no mundo, a partir da modernidade, esse existir tomará um rumo
direto de agressão à natureza, agora sujeita ao conhecimento humano
e à ideia de um progresso linear, constante, e que não pode ser
interrompido. Para muitos, como Sennett, abre-se aqui a Caixa de
Pandora, a deusa da invenção enviada por Zeus à terra e que, para
os gregos, representava também a cultura das coisas produzidas pelo
homem por meio das quais este poderia causar danos a si mesmo.
Os grandes conflitos mundiais da primeira metade do século
XX – o nazismo, o pesadelo da guerra fria e da ameaça nuclear –
materializaram os piores sonhos dos gregos num mundo que, em tese,
deveria ser mais evoluído justamente pela existência da tecnologia.
Nos últimos três séculos, a Filosofia da Ciência ocupou muitos
pensadores, mas foi só no século XX – a partir de eventos como
a bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki e, posteriormente,
as preocupações com as mudanças climáticas, a poluição gerada
pelo desenvolvimento industrial4 e a manipulação genética com a
possibilidade, mesmo que teórica, da clonagem de seres humanos –
que esse cenário começou a mudar.
A intensidade e a velocidade das mudanças econômicas e sociais
nas últimas décadas, de alguma forma ligadas ao desenvolvimento
tecnológico, deram a esse campo um interesse com crescimento
exponencial, bem como uma diversidade em termos de correntes e
enfoques.
As possibilidades vão do determinismo tecnológico e sua versão
radical da “tecnologia autônoma” de Ellul (1968), que, de forma geral,
coloca os homens à mercê da tecnologia; e até de versões opostas,
como as que pregam a construção social da tecnologia, definida não
por parâmetros fora do controle humano mas, pelo contrário, a partir
da interação de vários grupos de interesse que definem as linhas gerais
do seu desenvolvimento.
4 Em janeiro de 2013, a poluição em Pequim chegou ser 25 vezes maior do que valor
máximo aceitável para o ser humano, gerando, inclusive, um protesto que se constituía na
venda de latinhas de ar na cidade.
191
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Nomes como Heidegger, Arendt e Marcuse representam uma
visão crítica do problema, com escritos nem sempre de fácil leitura.
Segundo Dusek (2006), há variações para todos. Linguistas angloamericanos, neomarxistas, fenomenologistas europeus, existencialistas,
hermeneutas, representantes do pragmatismo americano e filósofos
pós-modernos, como Deleuze, Virilio e, mais recentemente, Bruno
Latour, focalizaram seus olhares sobre a relação entre o homem e a
tecnologia, transformando uma temática pouco valorizada em algo
com uma centralidade quase inevitável.
Em 1976, foi fundada a Sociedade para a Filosofia e a Tecnologia
(SPT) – segundo sua própria página pública na internet,5 uma
organização internacional independente que estimula, dá suporte e
intermedeia discussões filosóficas relevantes sobre tecnologia.
As possibilidades de pensar as relações entre sociedade e tecnologia
deram origem a novos campos, como o que hoje conhecemos por STS
(Science and Technology Studies). Nele, pensadores como Andrew
Feenberg (2002) têm se dedicado a formular um cenário compatível
com os desafios de estudar uma relação obviamente multifacetada
e complexa. Em sua crítica a visões simplistas sobre o papel da
tecnologia no mundo de hoje, Feenberg nos propõe inicialmente uma
espécie de mapeamento das posições normalmente apresentadas e,
a partir delas, tenta incorporar questões como democracia, poder
e liberdade como fatores também importantes a se considerar nas
discussões dos STS.
Na cartografia de Feenberg sobre as sociedades modernas, a
tecnologia ocupa um lugar de destaque entre as fontes de poder que
se articulam no meio social. Para ele, as decisões políticas que definem
muitos dos aspectos da nossa vida cotidiana são direcionadas pela
influência dos controladores dos sistemas técnicos – sejam eles das
grandes corporações, militares ou de associações profissionais de
grupos, como físicos, engenheiros e, mais recentemente, poderíamos
5 Disponível em: <http://www.spt.org>. Acesso em: 10 out. 2013.
192
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
sugerir também, desenvolvedores de software.
Ao fazer tal constatação, o autor se remete ao pensamento de Marx
que, já no século XIX, criticava a ideia de que a economia pudesse
ser regida apenas por fatores extrapolíticos, por meio de leis naturais,
como a da oferta e da procura. Do mesmo modo, imaginar o papel
da tecnologia sem avaliar as diversas relações que ela estabelece com a
sociedade pode implicar uma visão reduzida do problema.
Num caminho semelhante à crítica marxista a uma economia
regulada por uma ordem natural e inexorável, Feenberg relativiza a
racionalidade da tecnologia a partir da constatação de que sua gênese
e desenvolvimento acontecem no mundo dos homens e, por isso,
também são influenciadas por ele.
Criação técnica envolve interação entre razão e experiência.
Conhecimento da natureza é necessário para fazer
um equipamento que funcione. Este é o elemento da
atividade técnica que consideremos como racional. Mas
o equipamento deve funcionar num mundo social e as
lições da experiência nesse mundo influenciam o design
(FEENBERG, 2010, p.17).
A dicotomia entre a racionalidade técnica e o conhecimento que
vem da experiência e contato com o mundo, assim como proposta
por Feenberg, também pode ser encontrada no pensamento de outros
autores que, a partir de pontos de observação diferentes, também
exploraram a força da materialidade do mundo em seu confronto com
a razão pura.
3. A questão da materialidade em McLuhan, Gumbrecht e
Sennett
Nas últimas quatro décadas, os processos de digitalização e
convergência receberam crescente atenção das mais diversas áreas
193
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
do conhecimento, tendo em vista sua inegável interferência nas
atividades humanas.
Das redes sociais à cibercultura, dos games online ao capital
globalizado e suas bolhas, dos ambientes virtuais aos avatares e entes
digitais, um movimento de desmaterialização, de descolamento entre
representados e representantes parece estar em andamento com
ritmo acelerado.
As discussões sobre esse aspecto da cultura atual remontam ao
final do século XX, em autores como Baudrillard, Jameson e Eco,
entre outros. Entretanto, se é intensa a movimentação sobre as
iniciativas de compreender esses processos, também é possível notar
que uma espécie de movimento contrário, de retorno ou busca da
dimensão material da existência, tem se manifestado entre autores
e pesquisadores contemporâneos, que nos falam de indícios desse
caminho mesmo nos dias de hoje, em que estamos tão inseridos nas
categorias e desdobramentos do que se considera virtual.
É óbvio que questões ligadas à materialidade são muito
anteriores. Entretanto, para o presente texto, serão pensadas no
horizonte temporal relacionado aos processos desencadeados pela
convergência entre máquinas de processamento numérico e máquinas
de representação – a trajetória que Manovich (2001) descreve
com detalhes, mostrando como as tecnologias da informação e da
comunicação se uniram depois de décadas em trajetórias paralelas,
constituindo por fim o atual cenário do que se convencionou chamar
de sistemas midiáticos digitais.
Nas imbricações entre tecnologia, comunicação e filosofia, é
possível identificar essa preocupação com o tangível aos sentidos
de forma explícita ou indireta. Entre as muitas possibilidades, três
autores que abordam a questão com estratégias e intenções diferentes
serão aqui destacados por falarem sobre o que talvez não seja uma
reação a algo oposto, mas sim a duas faces do mesmo fenômeno: a) o
da existência humana e sua indissolúvel relação de mútuas influências
194
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
com a técnica que molda o mundo e se torna ferramenta para que
possamos operar sobre ele; e b) o lado humano que permanece
conectado sem a mediação da máquina e nos insere naquilo que
chamamos de real.
3.1 Marshall McLuhan e os meios como extensões dos sentidos
do homem
Em muitos livros sobre as teorias da Comunicação, o pensador
canadense Marshall McLuhan é classificado como pertencente a
(ou até fundador de) uma corrente normalmente denominada de
“determinismo tecnológico” – fato que só comprova uma verdade
talvez mais objetiva, a de que sua obra foi menos lida ou compreendida
do que deveria.
Com o advento da internet, o trabalho de McLuhan tem sido
recuperado com olhares mais atentos e agora, a partir de um cenário
midiático complexo, volta a ser retomado com interesse por muitos
pesquisadores que têm, entre os seus objetos, os meios de comunicação
e suas relações com os homens e suas culturas.
Se existe algum determinismo no pensamento de McLuhan, este
se encontrará não nos objetos tecnológicos, mas no sistema nervoso
humano, nos mecanismos de percepção que a neurociência, muitos
anos depois da publicação dos principais textos do autor, ainda
trabalha para desvendar.
Em alguns trechos de sua obra, a conexão não mediada do aparelho
sensório humano e sua forma de reagir aos estímulos determina o
que conhecemos por realidade e, portanto, se altera quando algo se
interpõe: “(...) a racionalidade ou consciência é, em si mesma, uma
ratio ou proporção entre os componentes sensórios da experiência e
não algo que se acrescenta a essa experiência” (MCLUHAN, 2007, p.
132 ).
195
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
É por declarações desse tipo que McLuhan é nosso primeiro
caminho no retorno ao sensível, já que, para ele, os meios são
tradutores, instrumentos de conexão com a realidade material,
extensões de nós mesmos. Como um precursor de muitas ideias, o
autor recoloca a questão da materialidade na época diminuída pela
preocupação com os conteúdos e seus significados.
Para McLuhan, mais importante do que as mensagens eram os
meios e suas relações com o ser humano no nível do sistema nervoso,
numa espécie de mecanismo construtor de mundos, anterior à
interpretação pela razão. “Pois a mensagem de qualquer meio ou
tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou
tecnologia introduz nas coisas humanas” (MCLUHAN, 2007, p.22).
Para o autor canadense, “os efeitos da tecnologia não ocorrem aos
níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas relações
entre os sentidos e nas estruturas de percepção, num passo firme e
sem qualquer resistência” (Idem, p. 34).
McLuhan nos lembra sobre o que nos esquecemos de pensar a
respeito de nossa relação com o mundo sensorial, entretidos que
estamos com os significados das coisas e sua interpretação, mar
enorme guiado pela subjetividade, tão diverso e numeroso quanto os
habitantes da terra.
3.2 Hans Ulrich Gumbrecht e os efeitos de presença direcionados
aos sentidos
Se, em McLuhan, não há efetivamente um retorno à materialidade,
e sim uma antecipação a questões que agora ganharam vulto, em
Gumbrecht há uma explícita intenção de questionar a interpretação
e, por consequência, a hermenêutica e a superioridade da razão
humana capaz de apreender e organizar o mundo, aprofundando-se
em questões que apenas se iniciam na materialidade e que logo devem
196
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
ser levadas adiante e para bem longe do corpo e do sensorial.
Em sua proposição de um campo não hermenêutico, Gumbrecht
argumenta que o primado da razão foi abalado por aquilo que muitos
autores chamam de “condição pós-moderna”, caracterizada por
processos de destemporalização, destotalização e desrreferencialização
(1998, p. 137).
Utilizando a semiótica de Hjelmslev, o autor vai afirmar a
inviabilidade atual das Ciências do Espírito – Geisteswissenschaften
–, como preconizadas por Dilthey e, principalmente, por Heidegger.
Tratando agora do campo não-hermenêutico, parto de um
princípio dedutivo: se, como apresentei, a centralidade da
interpretação, não apenas em Dilthey e Heidegger, senão
na própria vida cotidiana, estava fundada nas premissas
de temporalidade, totalidade e referencialidade e, se hoje
esses conceitos entraram em crise, então pode-se supor
que a crise atinge de fato a centralidade da interpretação
(GUMBRECHT, 1998, p. 143 ).
É para enfrentar esse problema que Gumbrecht propõe o que chama
de “campo não hermenêutico”, conceito que vai elaborar melhor
posteriormente, em outra obra (GUMBRECHT, 2004), propondo a
dicotomia entre produção de sentido e produção de presença, numa
estruturação menos radical que não exclui a interpretação, mas a
equilibra com processos direcionados à apreensão direta pelo corpo
e pelos sentidos.
De Hjelmslev, o autor importa a oposição conceitual básica
entre expressão – o significante – e conteúdo – o significado –,
acrescentando a isso uma segunda divisão entre forma e substância.
Do lado do conteúdo, a substância estaria relacionada ao tema do(s)
imaginário(s), numa esfera anterior à sua estruturação, que é descrita
por meio da forma que representa sua organização articuladora.
Entretanto, é na área da expressão e, principalmente, em suas
formas, que Gumbrecht foca seu interesse na materialidade do
197
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
significante, antes menos valorizada.
Para sustentar seu pensamento, Gumbrecht retoma o trabalho
de Paul Zumthor, interessado nas qualidades da voz humana, e
de Friedrich Kittler, que tenta conectar a materialidade dos meios
de comunicação e dos movimentos corporais impostos por eles,
expandindo a temática antecipada por McLuhan e indicando o
caminho que será aprofundado por nosso próximo autor, Sennett.
Para a compreensão dos termos “produção de presença” e
“produção de sentido”, Gumbrecht inicialmente nos lembra da
etimologia do termo “produção” e sua raiz latina producere, que quer
dizer trazer à frente, destacar.
Assim, na produção de sentido, é destacada a interpretação e seus
processos, enquanto que, na produção de presença, é a materialidade
que toma a frente. “O que esse livro por fim defende é uma relação
com as coisas do mundo que oscila entre efeitos de presença e
efeitos de sentido. Efeitos de presença, entretanto, exclusivamente
direcionados aos sentidos” (Gumbrecht, 2004, p. 15).
Em outro trecho do seu trabalho, Gumbrecht (2004, p.15) diz:
Enquanto a moderna (inclusive contemporânea) cultura
ocidental pode ser descrita por um processo progressivo
de abandono e esquecimento da presença, alguns dos
efeitos especiais produzidos hoje pelas mais avançadas
tecnologias de comunicação podem tornar-se importantes
para um redespertar de um desejo por presença.
Se esse redespertar para a materialidade é percebido por Gumbrecht
em algumas novidades tecnológicas, é em práticas muito mais antigas
que Sennett, nosso terceiro autor, vai encontrar seu caminho.
198
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
3.3 Richard Sennett e o caminho do artífice
O encontro de Sennett com a materialidade é construído através
de um trajeto bem diferente dos autores anteriores. É na ideia de
transformação que Sennett baseia seus argumentos.
O trabalho do artífice e sua paciente e repetitiva ação sobre os
objetos com os quais trabalha representam, para Sennett, o caminho
para reencontrar a técnica em harmonia com os homens. “Sustento
duas teses polêmicas: primeiro, que todas as habilidades, até mesmo
as mais abstratas, têm início como práticas corporais; depois, que o
entendimento técnico se desenvolve através da força da imaginação”
(SENNETT 2008, p. 20).
O projeto de Sennett inicia-se com o estabelecimento de uma
oposição entre dois personagens míticos: Hefestos, que simboliza a
técnica que ajuda os homens a tornar o mundo melhor, e Pandora,
que representa a técnica baseada apenas na busca da eficiência, cega
o bastante pelos seus objetivos a ponto de destruir tudo mais ao seu
redor. “A tese que sustentei neste livro é de que o ofício de produzir
coisas materiais permite perceber melhor as técnicas de experiência
que podem influenciar nosso trato com os outros” (SENNETT,
2008, p. 322).
Sennett procura construir um conceito de ética próprio, capaz
de mudar o ambiente social, como o artífice transforma os materiais
em que trabalha. Uma proposta que resgata o demioergos6 do hino a
Hefestos, uma espécie de produtividade centrada não em si mesma,
não instrumental, mas sim coletiva, cidadã, uma visão da técnica
reconciliada com a sociedade.
O autor parece também propor esse retorno à apreensão do
mundo de forma direta, e não tão somente mediada pelos sistemas de
signos e linguagens que fomos construindo ao nosso redor.
Sennett pretende sentir o mundo de um jeito novo. Mas, para
6 “Público (demios) com produtivo (ergon)” (SENNETT, 2008, p. 32).
199
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
tanto, esse mundo tem que possibilitar esse contato, essa resistência,
esse potencial de modelagem que não aceita tão facilmente a intenção
do operador. Algo que só a materialidade pode oferecer e que só o
caminho do artífice, com sua escolha pela precisão e pela paciência,
tem a chance de enfrentar.
Diz Sennett que o artífice é aquele que alimenta “(...) o desejo
de um trabalho benfeito por si mesmo.” É assim que ele define a
habilidade artesanal, completando que esta “(...) abrange um espectro
muito mais amplo que o trabalho derivado de habilidades manuais; diz
respeito ao programa de computador, ao médico e ao artista”. (2008,
p. 19).
Diante da resistência do objeto do seu trabalho, o artífice molda
sua transformação trilhando um caminho que representa uma linha
tênue entre a técnica e a arte. Do contato da mão com o mundo
e da conexão da mesma com a mente, surge a força que altera a
matéria, que a organiza e a faz melhor. “Todo bom artífice sustenta
um diálogo entre práticas concretas e ideias; esse diálogo evolui para
o estabelecimento de hábitos prolongados, que por sua vez criam
um ritmo entre a solução de problemas e a detecção de problemas”
(SENNETT, 2008, p. 20).
Sua filiação intelectual com Hannah Arendt guia seus passos em
direção a essa ética particular que, na simplicidade do trabalho do
artífice, tem objetivos muito maiores.
A unidade entre a mente e o corpo do artífice pode ser
encontrada na linguagem expressiva que orienta a ação
física. Os atos físicos de repetição e prática permitem a
esse Animal Laborens desenvolver as habilidades de dentro
para fora e reconfigurar o mundo material através de um
lento processo de metamorfose (SENNETT, 2008, p. 327).
Em Sennett, o mundo material é a massa de modelar do oleiro que
o artífice, com sua destreza, pode lapidar – como o ourives faz com a
200
O Reencontro com o Tangível: notas sobre a materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett
pedra bruta e o soprador de vidro também, insuflando vida e forma
ao que antes era pó.
4. Considerações finais
Se, em McLuhan, o determinismo neurológico, de uma certa
forma, aprisiona o homem à sua própria biologia, apesar de um
amplo leque de possibilidades de escape, em Gumbrecht, esse contato
com o material aparece não como uma obrigação, mas como uma
possibilidade esquecida que é preciso recuperar num reawakening
que vai de encontro à tendência das culturas ocidentais moderna
e contemporânea em superestimar a razão e a sua capacidade
interpretativa como única forma aceitável de estar no mundo e
entendê-lo.
Já em Sennett, a matéria é o caminho da transformação do artífice.
Por ela, é possível reconciliar a técnica e os homens num mundo
melhor.
O retorno à materialidade, como já dissemos antes, é uma questão
muito mais antiga do que as ideias e autores que listamos aqui.
Entretanto, McLuhan, Gumbrecht e Sennett dão a ela um contorno
pessoal, rico e atualizado, em sintonia com questionamentos que nos
desafiam hoje e que, com a ajuda deles, estamos mais aptos a enfrentar.
Referências
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MA: Blackwell Publishing, 2006.
ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1968.
FEENBERG, Andrew. Transforming technology: a critical theory
revisited. New York: Oxford University Press, 2002.
FEENBERG, Andrew. Between reason and experience: essays in
201
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
technology and modernity. Cambridge, MA: Mit Press, 2010.
GUMBRECHT, Hans U. O campo não-hermenêutico na
materialidade da comunicação. In: ROCHA, João de Castro
(Org.). Corpo e forma. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1998.
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Stanford, CA: Stanford University Press, 2004.
IDHE, Don. Foreword. In: OLSEN, Jan; SELINGER, Evan; RIIS,
Soren (Orgs.). New waves in philosophy of technology. Hampshire,
UK: Palgrave Macmillan, 2009.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura
contemporânea. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2002.
MANOVICH, Lev. The language of new media. Massachusetts:
Mit Press, 2001.
MCLUHAN, Marshal. Os meios de comunicação como extensões
do homem. 15. reimp. São Paulo: Cultrix, 2007.
MURRAY, Janet. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no
ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003.
RÜDIGER, Francisco. Introdução às teorias da cibercultura:
tecnocracia, humanismo e crítica no pensamento contemporâneo. 2.
ed. Porto Alegre: Sulina, 2004.
SENNETT, Richard. O artífice. Rio de Janeiro: Record, 2009.
202
Sociedade Digital: A revolução
digital na escola e o papel do
professor
Michele Loprete Vieira1
Introdução
A evolução tecnológica é algo que sempre esteve presente na vida
da sociedade e sempre estará, pois é através dela que o modo de vida é
simplificado e a comodidade que o homem procura é alcançada. Essa
evolução é uma busca constante, pois o cenário social não é estável.
Nesta evolução tecnológica, surge a comunicação digital, que
revolucionou as formas de relacionamento social, bem como a forma
de adquirir informação e transformá-la em conhecimento. De acordo
com Pisani e Piotet (2010), a internet é considerada uma das redes de
comunicação com a progressão de penetração mais rápida da história,
porém apesar da Internet ser o maior repositório de informações
e conhecimentos possível (CHAVES, 2006), ela ainda não possui
um banco seleto, onde o leitor possa ter uma informação piamente
confiável. O leitor precisa desenvolver a habilidade de selecionar o que
realmente é relevante e útil, assim podendo atender sua necessidade
de informação, que resulta da distância entre o que se compreende e o
que se acha que deve compreender (WURMAN, 1999).
Diante deste cenário, na educação, a tecnologia ainda não tem
o poder de eliminar o papel do professor. Na educação à distância,
por exemplo, o aluno tem a liberdade de otimizar seu tempo para os
estudos, realizar pesquisas na internet, porém conta com o suporte do
professor para orientá-lo no que é correto. A informação é mediada
1
Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.
203
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
através da tecnologia, porém a fonte principal ainda advém do homem.
Isso tudo acontece porque a rede fornece informação em demasia e
desordenada. “A internet é o que o mundo faz dela. Não podemos
ditar a forma como ela será usada em todos os lugares” (BUARQUE
apud CERF, 2006).
Nesta era digital, o papel do professor é fundamental para
estimular os alunos a desenvolver uma visão crítica acerca da seleção
de informações na rede. Buarque (2006) confirma esta informação
quando menciona que o pensamento crítico deve fazer parte da
formação das crianças, para que assim se tornem adultos capazes de
distinguir uma informação de qualidade da informação inútil.
Partindo para outro prisma, será que o professor possui a visão crítica
da seleção de informações desenvolvida? Existem ainda professores
engessados em suas velhas práticas e fechando os olhos para a
evolução social neste mundo digital? O grande desafio é a reciclagem
dos professores. “Os alunos já nascem plugados. Os professores não.
A tecnologia não substitui nem sala de aula, nem professor. Caberá
o professor, na sala de aula, liderar o prcesso pedagógico” (NASIF,
2013). Os professores devem inovar, incorporando a tecnologia em
sua didática, pois a sociedade exige esta nova postura, onde a evolução
não é passível de negação por nenhuma categoria.
O presente trabalho pretende abordar a evolução da sociedade
através da interferência da tecnologia, tornando-se uma sociedade
digital, evidenciando o novo perfil dos alunos conectados e demonstrar
a importância do papel da escola e do professor na integração do
processo de aprendizagem incluindo os aparatos tecnológicos.
Sociedade Digital: a relação entre tecnologia e o homem
Lima (2000) aponta que o impacto social da evolução tecnológica
nos últimos cem anos foi tão veloz que o homem inventou automóveis,
204
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o papel do professor
aviões, telefone, rádio, televisão até conseguir o entendimento de seu
cérebro, indo muito além de sua imaginação através do computador.
Gray (1999) menciona que a relação entre tecnologia e o homem vêm
sido analisada desde muito tempo atrás, com Alan Turing, que previu
a inteligência artificial na computação. Turing criou uma máquina
imaginária que lia instruções codificadas em uma fita de comprimento
teoricamente infinito. O resultado desse processo era uma máquina
que tivesse capacidade de reproduzir o pensamento lógico humano.
Em suas teorias sobre máquinas pensantes, Turing expôs a idéia de
que se uma máquina obtivesse aprendizado a partir do homem ela
poderia modificar suas instruções.
A partir da criação do computador, o processo de comunicação
chegou à Internet. O computador e a Internet podem ser considerados
como a maior revolução do século, tornando possível a modificação
na maneira de pensar e aprender do homem (ECO, 2000). Castells
(2003) considera a Internet o tecido da vida humana, sendo a base
tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação, ou
seja, para a chamada rede, local onde as pessoas estão interconectadas.
Através da rede, a comunicação passa a ser realizada no processo de
muitos para muitos, sem fronteiras e a qualquer momento. De acordo
com Felice (2008), em nível comunicativo, a transição das tecnologias
analógicas para as tecnologias digitais compreende uma alteração no
processo de troca de informações, onde na comunicação analógica
a informação é fornecida de um emissor para um receptor, e na
comunicação digital o processo é em rede e interativo, ou seja, há uma
interação dialógica e multidirecional entre os usuários.
A Internet, além de intervir nos processos industriais, provoca
inúmeras modificações na vida pessoal dos usuários, principalmente
nos relacionamentos interpessoais, rompendo as barreiras das
distâncias geográficas e mantendo a vida dos usuários conectada entre
si. Este é o cenário da Sociedade Digital, onde as pessoas se deparam
com um universo online, repleto de possibilidades, que, conforme
205
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Lima (2000), exige que os usuários sejam responsáveis por si e pelo
seu comportamento no contexto de atuação, que não é baseado em
proximidades físicas, mas sim na expansão da capacidade cerebral por
meio de sistemas eletrônicos de conexão.
Os alunos já nascem plugados, os professores não
É inevitável para os professores a imersão nesta nova Sociedade
Digital, onde a tecnologia está presente desde a casa até o ambiente
de trabalho. O grande desafio a ser vencido é que os alunos já
nascem plugados, e grande parte dos professores ainda mantém-se na
didática da Sociedade Analógica. O cenário dos alunos plugados é tão
evidente que de acordo com Petry (2013), uma em cada três crianças
americanas são inseridas na Web antes mesmo de nascer, através da
ultrassonografia, e com dois anos, 92% das crianças estão presentes na
Internet, através de fotografias e algumas até com perfil no Facebook.
No Brasil, o IBGE informa que em 2011, 77,7 milhões de pessoas
com 10 anos ou mais realizaram acesso à Internet, sendo equivalente
a 46,5% do total da população na idade pesquisada. O que evidencia
o cenário da Sociedade Digital, inclusive de alunos plugados, é que
de 2005 para 2011, a população de 10 anos ou mais de idade cresceu
9,7%, e em contrapartida os usuários da Internet aumentaram em
143,8% (IBGE, 2011).
A internet, através das redes sociais, é considerada uma poderosa
rede de relacionamentos que atinge o público jovem. Neste
ciberespaço, eles se comunicam, criam, se encontram e inclusive
aprendem. A questão da aprendizagem é eclética, pois a rede oferece
assuntos de qualquer interesse. A relação deles com a informação é
muito diferente da Sociedade Analógica, que apreciava a privacidade,
ou seja, o excesso e velocidade não os preocupam e eles adoram
compartilhar a informação (PISANI; PIOTET, 2010).
206
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o papel do professor
A educação convencional prevê que o professor seja apenas um
canal de informações, em relação ao qual o aluno deve manter atitude
passiva na aprendizagem. Em contrapartida, a prática de ensino
inserida na comunicação digital rompe hierarquias no processo de
conhecimento, e professor e aluno exercem papel ativo na troca de
informação, sendo o professor o mediador e organizador do processo
(FELICE, 2008).
Alguns professores mantêm uma visão tão fixa em sua didática
tradicional que associam a tecnologia da comunicação apenas ao
computador, não analisando que a fala humana, a escrita, as aulas,
os livros e revistas também são tecnologias que estão incorporadas
como ferramenta de seu trabalho há muito tempo. A familiaridade
com essas tecnologias é o que as torna transparentes ou invisíveis
aos professores. (CHAVES, 1999). O professor deve aceitar para si
mesmo que a reciclagem é necessária para busca de novos desafios no
intuito de aperfeiçoar sua didática, estando alinhado com a realidade
tecnológica.
Devido ao método tradicional de ensino ser mantido, muitos
alunos resumem a escola como cansativa e desmotivadora, pois os
conteúdos são transmitidos pelos professores de forma teórica e sem
interação. O aluno digital tem a necessidade de participar do processo
de conhecimento, interagindo com seus colegas sobre os conceitos,
visualizando de maneira prática o que está aprendendo, pois ele já faz
isso fora da escola, mas a escola e os professores ainda resistem em
ter essa percepção.
O processo ensino-aprendizagem: mudando os conceitos
A mente humana é desenvolvida em suas interações com o
meio ambiente por meio de uma lógica construtivista e com uma
estrutura sequencial, ou seja, não é possível pular etapas, mas sim
207
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
haver aceleração dos processos através de mecanismos inteligentes
de desenvolvimento. Assim, o processo de mudança na educação
deve ser analisado e compreendido através das relações do homem
com o meio ambiente, levando em consideração as variáveis do novo
cenário, tais como a tecnologia influenciando na troca de informações
e posteriormente a efetividade de adquirir conhecimento (LIMA,
2000).
[...] vivemos uma realidade em que cada vez mais
se personaliza o conhecimento e se valoriza o
autodesenvolvimento, tendo como alicerce os avanços
tecnológicos cada vez mais significativos e, ao mesmo
tempo, convivemos com uma conduta educacional que
corresponde a uma visão retrógrada e temerosa, inerente a
um paradigma que se concentra na valorização exacerbada
do passado, sem considerar sua relevância nas mudanças
que irão ocorrer no futuro. (LIMA, 2000, p.61)
Inúmeras formas de ensinar não se justificam mais, devido a escola
e os professores estarem presos à abordagem tradicional do ensinoaprendizagem, que estabelece um ensino centrado no professor, no
qual o aluno executa apenas o que lhe é recomendado (MIZUKAMI,
1986). Neves (2008) evidencia a centralização de poder do professor,
mencionando que é o professor que determina o lugar onde os
alunos sentam, que determina quem irá falar e quais conteúdos serão
abordados.
As novas tecnologias de informação e comunicação rompem a
relação de conhecimento apenas adquirido em sala de aula ou livros
físicos, pois os alunos estão imersos no universo do hipertexto e assim
os professores devem inovar sua didática (OLIVEIRA; VIGNERON,
2005).
Ninguém literalmente cultiva o comportamento de
uma criança como se cultiva um jardim, nem transmite
informação como se leva um recado [...] O aluno possui
um dote genético que se desenvolve ou amadurece, e
208
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o papel do professor
seu comportamento se torna cada vez mais complexo à
medida que entra em contato com o mundo que o cerca.
(SKINNER, 1972, p. 3)
Torna-se evidente a necessidade de equiparação dos métodos de
ensino à realidade dos alunos da Sociedade Digital. Tratando-se dos
professores, as mudanças na educação exigem em primeiro lugar
que sejam maduros intelectual e emocionalmente, que além de tudo
sejam capazes de desenvolver uma visão crítica de valorização de
formas democráticas de pesquisa e de comunicação, além disso, não
deve considerar que a tecnologia o substituirá, mas sim usá-la como
ferramenta para melhorar sua qualidade de ensino. A escola também
deve desempenhar papel ativo, apoiando os professores inovadores,
mantendo equilíbrio entre os processos gerenciais, tecnológicos e
humanos e, além disso, desenvolvendo inovações na comunicação
(MORAN, 2012).
O reflexo da nova postura do professor e da escola será o
desenvolvimento da motivação nos alunos, onde o processo de
ensino-aprendizagem será uma troca de conhecimento entre ambas
as partes. Nesse sentido, é necessário deixar o processo de educação
tradicional, onde professor é apenas transmissor de conhecimento,
para além de exercer o papel de mediador, onde continuará somente
nivelando o conhecimento, exercer o papel de animador. Davallon
(2003) menciona que a mediação, seja ela mediação simbólica da
linguagem, mediação da comunicação no espaço público e mediação
institucional das estratégias de negócio, asseguram a dialética entre
o singular e o coletivo. Esteves, Pereira e Siano (2005), conceituam
animador como aquele que exerce o papel de motivador dos grupos
sociais, interagindo com o sujeito de forma democrática e promovendo
liberdade de expressão. Assim, diante da realidade dos alunos plugados,
é necessário que o professor exerça o papel de animador, estimulando
o conhecimento para que o aluno receba a informação com utilidade.
209
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
A Escola na Era Digital
Mizukami (1986) conceitua a escola como um lugar onde a
educação é realizada com excelência, onde o processo de transmissão
de informação é realizado em sala de aula. Neste tipo de escola a
relação entre professor e aluno é mandatória, ou seja, o professor
exerce um papel de autoridade intelectual. O conflito entre escola e
sociedade é evidente, pois de um lado encontra-se uma instituição
presa em seu método, conteúdo e objetivos de ensino e de outro lado,
existe a expectativa e uma realidade da sociedade ansiando por um
novo papel da escola (SIQUEIRA, 2005).
Na visão de Salete Toledo, especialista em educação, a escola
segue um modelo fechado que precisa ser reinventado, mantendo
um ambiente onde possam circular mais informações – informações
essas que estão fora dos muros da escola (GOULART, 2010). Diante
da informação e o conhecimento estarem cada vez mais acessíveis
em todos os lugares, é necessário que a escola incorpore novas
ferramentas para sua renovação, entre as quais destaca-se a internet
(SIQUEIRA, 2005).
No Brasil, o Governo mantém alguns programas de Inclusão
Digital, como o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), que
tem como objetivo conectar todas as escolas urbanas da rede pública
à Internet (SECRETARIA..., s.d.). A cobertura chegou a 86% das
69,6 mil instituições de ensino que estão inseridas nos critérios do
programa e comparando ao ano de 2008, a cobertura era de apenas
38,3% nas 56 mil instituições (BANDA..., 2012). Outra iniciativa que
cabe destacar é a distribuição de tablets aos professores do ensino
médio da rede pública realizada pelo MEC, com o objetivo de inclusão
das tecnologias de informação e comunicação (TICs) no processo
de ensino. Este projeto foi anunciado em 2011, pelo Ministério da
Educação, porém iniciou o ano de 2013 sem data para conclusão.
Em novembro de 2012, o MEC iniciou a distribuição de cinco mil
210
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o papel do professor
tablets que serão utilizados na formação de professores nos dezoito
estados que já aderiram ao Proinfo Integrado (Programa Nacional de
Tecnologia Educacional) (TRIBUNA DO PLANALTO, 2013).
Apesar de a escola estar conectada, cabe ressaltar que é fundamental
a preocupação com a capacitação dos professores para adoção deste
recurso em suas práticas pedagógicas, pois somente assim, o aluno
será beneficiado no seu processo de aprendizagem. A principal
limitação para o uso da Internet na escola está interligada com o nível
de conhecimento dos professores e pode-se destacar que a maioria das
escolas possuem laboratórios de informática utilizados muito abaixo
da capacidade, pois não há projetos pedagógicos que contemplam a
utilização (CARDOSO, 2012).
As escolas devem formar pessoas de acordo com a realidade social,
assim não se justifica manter os métodos tradicionais da Sociedade
Analógica, os quais em sua maioria não são aplicáveis à Sociedade
Digital. A sala de aula analógica é inerte, não despertando encantamento
e motivação dos estudantes, os quais anseiam por interatividade, por
praticidade ao invés de se prender a apenas teoria sem visualização. O
quadro negro, o giz, o apagador e o professor sendo locutor de um
conceito não são mais suficientes para assimilação. O aluno “plugado”
anseia por ouvir a introdução de um conteúdo, assistir um vídeo no
Youtube sobre a discussão, discutir em redes sociais sobre o assunto e
ainda mais, desenvolver uma visão crítica e participar do processo de
conhecimento ao lado do professor.
Inovação de Aprendizagem na Sociedade Digital: ensinos a
distância
Na área educacional, a principal inovação das últimas décadas
foi a criação do sistema de Educação a Distância, que prevê uma
democratização no processo e proporciona oportunidade de ensino
211
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
para aqueles que não viabilizavam sua inserção neste âmbito, seja por
barreiras de distância geográfica, pela não flexibilização de horário,
por condições financeiras, dentre outros motivos.
O ensino a distância no Brasil surgiu um pouco antes de 1900,
onde nos anúncios de jornais no Rio de Janeiro eram oferecidos
cursos profissionalizantes por correspondência. Entre 1960 e 1970,
evidencia-se o uso da televisão para fins educativos e essas iniciativas
foram recriadas ao longo dos anos, como os Telecursos da Fundação
Roberto Marinho, as TVs universitárias, o Canal Cultura e a TV
Escola. O uso dos computadores como fins educacionais iniciou
em 1970, onde as universidades instalaram as primeiras máquinas
e ao longo do tempo, quando a sociedade já possui computadores
pessoais, a Internet foi determinante na consolidação do ensino a
distância (LITTO; FORMIGA, 2009).
Se as relações tradicionais eram essencialmente
determinadas pelos lugares (a cidade, o bairro, a chamada
de um telefone fixo a outro, por exemplo), a internet e a
telefonia celular dão preeminência às relações de pessoa a
pessoa e aos grupos adaptáveis. Em vez de depender de
uma única comunidade inicialmente local, somos cada vez
mais conduzidos a nos conectar a uma grande variedade
de redes menos densas e mais dispersas geograficamente.
(PISANI; PIOLET, 2010, p. 66)
Nos últimos anos, o ensino a distância teve crescimento significativo
através da adoção pelas universidades em níveis de graduação e pósgraduação. No ano de 2011, o total de cursos oferecidos em EAD
foi de 9.065. O maior número de cursos é de instituições privadas.
Destaca-se como um dos maiores obstáculos enfrentados em EAD a
resistência dos educadores à modalidade (ABED, 2012).
Um método de educação via Internet que conquistou estudantes
de todo o mundo foi desenvolvido pelo professor americano Salman
Khan, que criou aulas em vídeos, com explicações de forma prática
e objetiva, realizando os exercícios. Khan era analista de fundos de
212
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o papel do professor
investimentos e tutorava alguns primos distantes na disciplina de
matemática, usando o computador como se fosse o quadro negro.
Então começou a colocar no Youtube os primeiros vídeos fazendo
alguns exercícios e logo os comentários dos usuários começaram
a chegar de todo o mundo. Os usuários diziam que visualizam os
conteúdos na prática o entendimento era fácil e que a disponibilidade
de acessar os vídeos onde quiserem, no momento que quiserem e
quantas vezes quiserem era um diferencial muito importante. Assim,
posteriormente Khan criou a Khan Academy, um acervo que contém
uma série de vídeos educacionais que oferecem matérias completas
de matemática e outras disciplinas (TED, 2011). Esta nova prática já
chegou ao Brasil, através da Fundação Lemman, que traduziu parte
dos vídeos e, além disso, a Presidente Dilma Rousseff, convidou o
professor para realizar pesquisas educacionais e pedagógicas no país,
pois pretende firmar parceira com a Fundação Khan (GLOBO, 2013).
Pode-se evidenciar a eficácia de aprendizagem através de exercícios
interativos e da modificação do papel do aluno, desempenhando
postura ativa no processo, aprendendo no seu próprio ritmo.
Um grupo de brasileiros inspirados no professor Salman Khan
também começou a oferecer ensino adaptativo na Internet, através
da Plataforma Geeike, que identifica o perfil do aluno, monta um
plano de estudos personalizados, oferece ferramenta de suporte ao
professor e possibilita que a escola e o professor acompanhem o
desempenho do aluno (GEEIKE, 2013). O grupo tem formação e
pós-graduação no exterior e a experiência internacional evidenciou
a eles que quando as aulas on-line são ministradas por pessoas
capacitadas e empreendedoras tem o potencial de transformar o
modo de aprendizagem.
Além desta comprovação através do método da Khan Academy,
pode-se comprovar o sucesso em países como a China e a Coréia do
Sul, através das lições virtuais que atraem milhões de estudantes.
Este novo tipo de aprendizado permite a individualização do ensino,
213
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
onde o aluno assimila melhor o conteúdo (BETTI, 2012).
Destaca-se também como inovação na aprendizagem, o uso de
tecnologias móveis, como notebooks, celulares, MP4, iPads, i-Pods,
palms e e-books. Este tipo de tecnologia permite ao usuário acessar
em tempo real qualquer tipo de informação e a qualquer momento,
ou seja, ela conta com características facilitadas de mobilidade,
interatividade e portabilidade. Os alunos plugados, além dos meios
tradicionais de acesso à informação, como por exemplo, a escola,
podem acessar diversas fontes de conteúdos através de vários
dispositivos, os quais permitem que tenha interação social, permitindo
que o conhecimento seja construído de diferentes formas, com maior
dinamismo (FEDOCE; SQUIRRA, 2011). Devido ao grande uso
destas tecnologias móveis, em especial de smartphones e tablets, a
cada dia são desenvolvidos novos aplicativos educacionais. Prass
(2012), lista alguns dos melhores aplicativos disponíveis:
° ABC das Palavras: ensina as crianças a soletrar e construir
palavras básicas em português.
° ABC do Bita: auxilia no processo de alfabetização através de
jogos educativos, que estimulam o raciocínio lógico e a coordenação
motora;
° Jourist: voltado para o estudo de idiomas, permite praticar
mais de 2,1 mil vocábulos e expressões por língua.
° Google Earth: é um aplicativo popular que exibe o globo
terrestre em 3D através de imagens de satélites.
° Novo Acordo Ortográfico: possibilita a visualização das
novas regras de ortografia da língua portuguesa, correções gerais das
normas e definição do ditongo.
° Molecules: permite a visualização em 3D das moléculas de
compostos químicos e biológicos.
° Tabela periódica: permite ao estudante visualizar em detalhes
todos os elementos químicos.
214
Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o papel do professor
° LVI (Libras): curso gratuito composto por 12 aulas para o
aprendizado da língua brasileira de sinais.
° MathBoard: aplicativos para o ensino de matemática para
crianças do ensino fundamental.
Os ensinos à distância, sejam eles através da tecnologia fixa ou
móvel inovam o processo ensino-aprendizagem, com a aula tornandose prática e interativa e proporcionando maior fixação de conteúdos.
Considerações finais
O aluno plugado tem acesso às informações online, de forma
interativa para sua visualização, despertando uma visão mais crítica
em sua aprendizagem, deixando para trás as características dos alunos
da Sociedade Analógica, onde estes desempenhavam papel passivo
no processo. O aluno da Sociedade Digital tem a necessidade de
interação ativa, agregando também suas opiniões no processo ensinoaprendizagem, pois este processo não se limita mais apenas à escola;
ou seja, o aluno, através da internet e mobilidade, aprende a qualquer
hora e em qualquer lugar. Através desta grande mobilidade, a cada dia
surgem novos aplicativos de suporte ao processo de aprendizagem, os
quais ganham grande aderência dos alunos.
O profissional em educação não deve pensar que irá perder
seu emprego por conta das tecnologias e sim utilizá-las como um
meio para melhorar a qualidade de ensino. O papel do professor é
transmitir ao aluno qual a finalidade do conhecimento, enxergando-se
apenas como parte do processo de aprendizado e não como impositor
e centralizador. O professor deve ser reciclado e se reinventar,
assumindo realmente o papel do animador, despertando no aluno
motivação e facilidade na assimilação de conteúdos.
A escola deve investir em ferramentas que sejam facilitadoras
no processo de aprendizagem, sejam elas displays como televisão,
215
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
tablets, computadores, com o objetivo de promover interatividade
na aprendizagem. Além disso, o papel fundamental para quebra
do paradigma do uso de tecnologias na educação é capacitar os
professores.
O conhecimento apenas é válido desde que seja contínuo
e disseminado. E neste sentido, não existem níveis ou classes
profissionais, pois aquele que estagna em seu processo, fechando sua
visão para a inovação, estará fadado ao insucesso.
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Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
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220
Hacktivismo e Anonymous Brasil:
a força de uma ideia disforme1
Murilo Bansi Machado2
Introdução
Embora não seja uma prática propriamente inovadora, o
hacktivismo (ou ativismo hacker) ganhou considerável expressão
como forma de protesto político nos últimos quatro anos. Em recente
pesquisa realizada pela consultoria Prolexic a pedido do tabloide
norte-americano USA Today, por exemplo, registrou-se um aumento
de nada menos que 70% de ações DDoS nos primeiros seis meses
de 2012, em comparação ao mesmo período do ano anterior.3 Além
disso, o levantamento aponta que a responsabilidade por esse aumento
não deve ser creditada apenas a grupos e indivíduos hacktivistas
independentes, mas também a governos totalitários que passaram a
usar de práticas hacktivistas com finalidade política.
No entanto, é certo que um dos grandes responsáveis por esses
números é o grande coletivo de indivíduos identificados como
Anonymous. Pelo menos desde o fim dos anos 2000, os Anonymous
utilizam, de forma sistemática e coordenada, o hacktivismo como
ferramenta política de protesto, alcançando incomum visibilidade nos
meios de comunicação de todo o mundo.
Neste texto, empreendemos o esforço de interpretar o hacktivismo
1 Com algumas modificações e atualizações, este texto foi originalmente
apresentado ao VI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores
em Cibercultura, realizado em novembro de 2012.
2 Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC
(UFABC).
3 Disponível em: <http://www.usatoday.com/tech/news/story/2012-07-19/
hactivism-anonymous-attacks/56464792/1>. Acesso em: 25 jul. 2012.
221
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
à luz da chamada sociedade de controle, tal como formulada por
Deleuze (1992) e revisitada por Galloway (2004). Argumentamos
que o hacktivismo se constitui como uma forma de iludir o controle
protocológico verificado nas sociedades atuais. Para tanto, analisamos
a operação WeeksPayment, realizada na primeira semana de fevereiro
de 2012 por um dos braços brasileiros autodenominados Anonymous.
Tal análise é fundamentada em uma pesquisa em curso sobre os
Anonymous Brasil e leva em conta, neste texto: (1) acompanhamento
diário da operação como expectador e por meio da imprensa; (2) a
presença e os materiais divulgados nas redes Twitter, Facebook e
YouTube por parte dos responsáveis pela operação; (3) entrevistas via
comunicador instantâneo on-line e por e-mail com membros deste
coletivo.
Controle e resistência
À medida que as tecnologias de comunicação se tornam
crescentemente mais pervasivas na sociedade contemporânea, é
inevitável que se eleve a possibilidade de controle e vigilância. É certo
que grande parcela de nossas informações culturais, sociais, políticas,
financeiras etc. – além daquelas que são de cunho estritamente pessoal
– já é parte integrante do grande e intricado emaranhado que compõe
as teias do ciberespaço. Algumas dessas informações são seletivamente
coletadas por governos e corporações, à revelia daqueles que as geram,
e conformam imensos bancos de dados a serviço de seus detentores.
Já outras são espontaneamente oferecidas por seus geradores, por
exemplo, quando acessam e-mails, atualizam perfis nas redes sociais
conectadas, conversam por meio de aparelhos de telefone móvel ou
simplesmente utilizam seus cartões de crédito.
Esse cenário pode ser apreendido como o desdobramento de um
quadro social desenhado na aurora dos anos 1990, em um curto e
222
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
profético ensaio assinado pelo filósofo francês Gilles Deleuze (1992).
Na esteira de Michel Foucault, seu parceiro e inspirador, Deleuze
nos apresenta a sociedade de controle como uma etapa posterior às
sociedades disciplinares, que, por sua vez, se seguiram às sociedades
de soberania – tendo em vista uma periodização da história indicada
por Foucault e interpretada e sistematizada por Gilles Deleuze.
Portanto, apoiando-se em Foucault (2011), principalmente em sua
crítica sobre a teoria jurídico-discursiva do poder e em sua sugestão
quanto às formas e meios descentralizados de se exercer o controle,
Deleuze começou a traçar outro período cronológico depois da Idade
Moderna. Se, por um lado, as sociedades disciplinares substituíram as
sociedades de soberania destituindo um poder até então centralizado
nas mãos do soberano (de um poder de morte em direção a um
poder sobre a gestão da vida), as sociedades de controle operam
com máquinas de terceira geração (como computadores e demais
tecnologias de comunicação) para implementar um comando não
apenas descentralizado, como ocorre na disciplina, mas totalmente
fluido e sem a necessidade de fronteiras físicas para ser exercido.
Assim, na transição das sociedades disciplinares para a sociedade
de controle, instituições tipicamente disciplinares (como a escola,
a fábrica, o hospital, a prisão etc.) veem-se em meio a sucessivas
crises. Analogamente, para que seja exercido com eficácia, as formas
de controle dispensam a arquitetura e os espaços físicos de tais
instituições.
Por mais atuais que pareçam os escritos de Deleuze, eles foram
publicados quando não havia sequer a Internet em seu formato
comercial. Por isso, nesta chave de pensamento Foucault-Deleuze,
o pesquisador norte-americano Alexander Galloway (2004) traz essa
reflexão aos dias atuais.
Tal como Deleuze, que afirmou que toda sociedade tem seus
diagramas, ou seja, seus mapas coextensivos ao campo social, Galloway
propõe a substituição do diagrama foucaultiano da descentralização
223
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
para o diagrama da rede distribuída, em que a tecnologia marcante
é o computador e o tipo de administração mais proeminente é
o “protocolo”. Galloway se propõe, assim, a analisar o poder de
produção dos computadores para explicar a lógica sociopolítica de
nossa era.
Evidentemente, o conceito de “protocolo” está no centro da
computação em rede e da Internet. Entende-se o protocolo como um
agrupamento de “regras convencionais que governam o conjunto de
padrões de comportamentos possíveis em um sistema heterogêneo”
(GALLOWAY, 2004, p. 7). Metaforicamente, o protocolo é como
uma série de lombadas que impedem os carros de trafegarem em alta
velocidade por determinada via. Ou seja, é um padrão irrefutável que
condiciona determinadas práticas. E, por ser irrefutável, é impossível
não aderir a tal padrão. No caso dos protocolos da Internet, uma
analogia que perpassa toda a obra de Galloway, essas convenções
sempre operam no nível dos códigos. Neste caso, não há exceção: o
protocolo dita o comando. Afinal, não há como acessar a Internet sem
compactuar com seu principal protocolo: o TCP/IP, por exemplo.
Dessa forma, Galloway usa a noção de protocolo e da rede
distribuída para mostrar como o controle se mantém vivo mesmo
depois da “descentralização”, sugerindo que vivemos em uma
fase histórica que substitui a descentralização pelo diagrama da
distribuição como estilo de administração social. Com isso, evoca as
redes distribuídas de poder para compreender a sociedade de controle
deleuziana.
Evidentemente, o controle não está apenas nas redes digitais de
comunicação, mas inevitavelmente passa por elas. Afinal, observa
Galloway, o controle protocológico está em qualquer forma
distribuída de administração. “O cenário nativo de um protocolo é a
rede distribuída”, de modo que as “redes distribuídas são nativas às
sociedades de controle de Deleuze (Idem, p. 11). Logo, considerando
o grau de saturação tecnológica no qual vivemos, as formas de
224
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
comando e controle são infinitas.
Mas se, por um lado, o protocolo tenta eliminar hierarquias e
fronteiras físicas, ele ainda é uma forma de comando e controle e,
com isso, gera forças de resistência. Mesmo Deleuze já dizia que a
vida se torna resistência ao poder quando o poder toma a vida como
seu objeto – o poder sobre a vida, o biopoder. Isso leva Galloway a
concluir que as forças contraprotocológicas devem agir por meio do
protocolo – e não fora dele, alheias a ele. Afinal, os protocolos são
irrefutáveis.
Nesse cenário, o ativismo hacker configura-se, em grande medida,
como uma força específica que opera como uma resistência política
por meio dos protocolos de controle do ciberespaço. Para demonstrálo, depois de algumas considerações teóricas acerca do hacktivismo,
faremos uma breve análise da Operação Weekspayment, empreendida
por um dos braços brasileiros do coletivo Anonymous.
Ativismo hacker
É possível dizer que o hacking de computador é uma atividade
eminentemente política desde seu início. Por exemplo, os hackers
da primeira geração (1960), para ter acesso às primeiras máquinas,
lançaram-se em uma atitude de emancipação diante dos técnicos que
as manejavam. Contrários à forma de programação então vigente,
que os privava de ter acesso direto aos computadores, tinham por
ideal assumir pleno controle sobre aquelas tecnologias. Por sua vez,
os hackers da segunda geração (1970) pautaram-se pelo princípio da
democratização do acesso às máquinas e, com base nisso, elaboraram
hardwares cada vez menores e mais práticos para se ter em casa
(LEVY, 1984).
No entanto, é a partir de meados dos anos 1990 que o hacking
passa a ser empregado de maneira sistemática com uma finalidade
225
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
explicitamente política. Stefan Wray (1998) considera o ano de 1998
como o do nascimento do termo “hacktivismo”, pois é naquele
período em que se começa a ter notícia sobre ações coordenadas por
ativistas hackers em todo o mundo. Dessa forma, juntamente com
o hacktivismo, surge uma nova forma de participação política no
incipiente cenário das mobilizações pela rede.
Nesse sentido, em Communication Power, o sociólogo Manuel Castells
(2009) argumenta que, atualmente, os hackers politicamente ativos
são atores chave no conjunto de movimentos sociais que clamam
por justiça global, configurando-se como uma face de resistência, por
exemplo, ao controle empresarial:
Sua capacidade tecnológica para utilizar as redes de
computadores com propósitos distintos dos que haviam
sido atribuídos pelas empresas colocou os hackers na
linha de frente do movimento, liberando o ativismo das
limitações à expressão independente impostas pelo controle
empresarial das redes de comunicação (CASTELLS, 2009,
p. 345).
O hacktivismo já foi objeto de estudo nas mais diversas áreas do
conhecimento, passando, entre outros, pela sociologia, comunicação,
antropologia, ciência política, direito e estudos militares. Em geral,
identificam-se três principais perspectivas teóricas.
A primeira delas, que será adotada neste trabalho, considera o
ativismo hacker uma ação eticamente motivada e, portanto, uma forma
de desobediência civil no campo eletrônico. Com isso, tende a levar
em conta os aspectos sociais, culturais e políticos que circundam este
fenômeno. Nesta perspectiva, talvez a definição mais abrangente seja
a elaborada por Alexandra Samuel (2004). A pesquisadora considera
o ativismo hacker como o casamento entre o ativismo político, de um
lado, e o hacking de computador, de outro, configurando-se como
o uso não violento e legalmente ambíguo de ferramentas digitais
226
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
para se alcançar fins políticos. Entre as diversas ferramentas, estão a
deformação de sites, redirecionamentos, ações de negação de serviço
(DDoS), interceptação de informações, paródia de sites, manifestações
virtuais, sabotagens virtuais e desenvolvimento de software.
A segunda perspectiva, que agrega diversos trabalhos da área do
direito e dos estudos militares, tende a mirar o hacktivismo sob as
lentes do cibercrime. Nestas análises, preconizadas pelo trabalho de
Denning (1999) e Arquilla e Ronfeldt (1997), tende-se a apreender o
fenômeno focando apenas as artimanhas técnicas – e seu caráter lícito
ou não – das quais os hackers se valem para realizar suas ações.
Por fim, uma terceira perspectiva surge a partir de trabalhos
publicados pelos próprios hacktivistas com o objetivo de teorizar
sobre e também legitimar suas ações. Frequentemente, estes escritos
são grandes fontes de pesquisa aos acadêmicos alinhados à primeira
perspectiva teórica.
Veremos que, na operação aqui analisada – a #OpWeeksPayment
–, um dos núcleos hackers brasileiros autodenominados Anonymous
valeu-se principalmente de ações distribuídas de negação de serviço4
(distributed denial of service ou DDoS, na sigla em inglês) para deflagrar
um protesto político não violento e eticamente contra diversas
instituições financeiras do Brasil.
4 DDoS, ou Distributed Denial of Service consiste em acessar repetidas vezes
determinado servidor, de modo que este acabe por não suportar a sobrecarga de
requisições de acesso. Com isso, ele deixa de operar e os sites nele hospedados
saem do ar. O fato de ser distribuído significa que (1) ou vários usuários ativistas
passaram a acessar determinado site de maneira ininterrupta, por meio de um
software específico que permite atualizar a página constantemente; (2) ou um
computador principal obteve o comando de vários outros computadores (zumbis),
forçando-os a atualizarem a página. É preciso observar que, diferentemente de
práticas criminosas, o DDoS não acarreta alteração de conteúdo das páginas, nem
mesmo roubo ou danificação de suas informações. Ele simplesmente as desabilita.
Por isso, alguns ativistas preferem chamá-lo de “protesto” em vez de “ataque” (Cf.
Stallman, 2011).
227
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
A legião dos Anonymous
Conforme apontou Gabriella Coleman (2011), antropóloga
hacker que acompanha as ações do coletivo desde o início, o termo
“Anonymous” é de difícil definição. O que se pode dizer, com boa
dose de certeza, é que a designação “grupo” não capta os principais
sentimentos por trás desta ideia.
“Anonymous” não diz respeito a um conjunto formal e homogêneo
de indivíduos altamente comprometidos com um programa de
diretrizes oficiais formulado por uma cúpula de líderes. Aliás, não seria
incorreto afirmar que os Anonymous se assemelham ao oposto disso.
Antes de qualquer definição rígida, Anonymous está mais relacionado
a uma ideia, a um pressuposto, a uma forma de ação.
Dentre aqueles que se autodenominam Anonymous, observase um conjunto de pequenos grupos e indivíduos extremamente
heterogêneo e difuso, carente de lideranças e de centro geográfico.
Seus precursores – hackers, em boa parte – rapidamente passaram
a contar com o apoio de artistas, estudantes, intelectuais etc. para a
realização de ações dentro e fora da Internet. Como não é preciso
pedir permissão para empreender qualquer ação em nome do coletivo,
Anonymous pode ser todo e qualquer um.
Em princípio, os primeiros registros de atos realizados por
indivíduos autodenominados Anonymous remontam ao 4Chan,
um fórum de imagens norte-americano muito popular. Uma das
principais características deste fórum é a possibilidade de enviar
mensagens preservando o anonimato – justamente por meio da
alcunha “Anonymous”. Com isso, pelo menos desde o ano de 2006,
Anonymous realizaram diversas ações mais ou menos coordenadas
tendo como base o princípio do Lulz, uma corruptela de LOL (laugh
out loud, ou “rindo alto”, em tradução livre) – princípio, aliás, que seria
marcante nos sucessivos atos do coletivo.
Coleman (2011) observa que, àquele momento, os Anons, como
228
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
passariam a ser chamados, tinham por preferência ações de trolling
(ou trolagem), que, na linguagem da rede, significa provocação,
desestabilização da ordem, tal como um bullying eletrônico. Não
faltam exemplos de trolagens, todas coordenadas pelo 4Chan, de
trotes telefônicos em massa, inúmeros pedidos de pizza não pagos
endereçados a pessoas ou organizações, aviso de ameaça de bomba
próximo a determinados aeroportos, de onde sairiam voos com
pessoas “alvo”, ou mesmo ações distribuídas de negação de serviço
contra vários sites.
O lulz, portanto, foi o princípio norteador dos primeiros atos dos
Anonymous. No entanto, duas operações em escala global levaram
os Anons do lulz à ação política coletiva de massa, transformando-os
definitivamente em ativistas políticos cuja principal bandeira – ou uma
das principais – é a liberdade de expressão, especialmente na Internet.
A primeira delas data de 2008 e ficou conhecida como operação
#Chanology. O alvo dos protestos, que chegaram a reunir mais de
6.000 pessoas dentro e fora da rede em várias capitais do mundo, foi
a Igreja da Cientologia norte-americana. A Igreja produziu um vídeo,5
destinado inicialmente à publicação interna, no qual o ator Tom
Cruise defendia a doutrina divulgada pela instituição. No entanto, o
vídeo vazou na rede e foi rapidamente republicado por diversos sites
e blogs – em grande parte deles, acompanhado de chacotas ao ator
e à Igreja. Esta tentou barrar a circulação do conteúdo com ameaças
de ações judiciais por violação de direito autoral. Isso, para os Anons,
configurava-se como um duro golpe à liberdade de expressão. Por
isso, a Igreja foi acometida por uma imensa onda de trolagem na rede,
acompanhada de ações distribuídas de negação de serviço e de um
vídeo declarando guerra à instituição.6 Naquele período, milhares de
manifestantes também saíram às ruas para protestar em frente a sedes
5 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=UFBZ_uAbxS0>. Acesso em:
15 jul. 2012.
6 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=JCbKv9yiLiQ>. Acesso em:
15 jul. 2012.
229
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
da Igreja espalhadas pelo mundo.
Apesar da grande repercussão da operação #Chanology na
imprensa mundial, foi a segunda ação, datada de 2010, que conferiu
projeção internacional aos Anonymous. Desta vez, investiram contra
as empresas PayPal, Visa, Mastercard e Amazon, quando estas
bloquearam as doações à organização Wikileaks. Conhecida como
operação PayBack, novamente em nome da liberdade de expressão,
os Anonymous aplicaram maciçamente ações de negação de serviço
(DDoS) contra sites das referidas corporações, deixando-os inativos
durante algumas horas e, portanto, causando diversos prejuízos.
Depois destas duas grandes ações, o selo “Anonymous” estava
consolidado. Os diversos grupos e indivíduos identificados como
Anonymous, de forma dispersa e distribuída, envolveram-se em várias
lutas políticas ao redor do globo, desde a defesa dos direitos humanos
até a causa ambiental. Em nenhuma delas, pode-se dizer que estes
grupos agiram de forma unificada. Ao contrário: os inúmeros nichos
identificados como Anonymous são independentes e, por isso, com
frequência pensam de modo diferente e entram em conflito.
Anonymous Brasil e #OpWeeksPayment
No Brasil, os primeiros relatos acerca de indivíduos simpáticos
à ideia Anonymous datam da operação #OpPayback, quando
alguns ativistas, de forma não muito coordenada, auxiliaram na
derrubada dos sites da PayPal, Visa, Mastercard e Amazon em apoio à
organização Wikileaks. A partir de então, vários nichos se organizaram
autonomamente por meio de diversas plataformas de comunicação
– tais como IRC, Twitter, Facebook, RaidCall, TeamSpeak, entre
outros – a fim de propor e realizar ações diretas dentro e fora da rede,
valendo-se do hacktivismo ou não.
Um dos nichos Anonymous mais proeminentes planejaria,
230
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
organizaria e executaria, entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro de
2012, a Operação WeeksPayment (#OpWeeksPayment). Este nicho
remonta, pelo menos, desde junho de 2011, quando alguns hacktivistas
deram início ao braço brasileiro da LulzSec – a LulzSecBrazil. Ao
contrário dos Anonymous, uma ideia sem rosto, liderança e quadro
mais ou menos estável de membros, LulzSecBrazil foi propriamente
um grupo. De caráter mais invasivo, composto por poucos hackers,
ficou conhecida por grandes ações distribuídas de negação de serviço
(DDoS) e interceptação de informações junto a políticos, órgãos do
governo e corporações.7 Pelo fato de LulzSecBrazil ter se identificado
em diferentes momentos com o ideário Anonymous, e de suas ações
contarem com grande visibilidade na mídia, é possível dizer que os
Anonymous se tornaram muito mais conhecidos após as ações do
grupo.
No entanto, por conta de algumas discordâncias internas entre seus
membros, a LulzSecBrazil decidiu encerrar suas atividades no país
após quase dois meses de atividades. Com o fim do grupo, surgiram
outros dois: iPiratesGroup e AntiSecBrTeam, que, depois de poucas
semanas atuando separadamente, resolveram reunificar as ações, mas
mantendo algumas delimitações entre eles – cada um segue com seu
perfil na rede social Twitter, por exemplo. Juntos, eles controlam
o @AnonBrNews, perfil que, no Brasil, reúne o maior número de
seguidores entre os autodenominados Anonymous no microblog. E
juntos deflagraram a #OpWeeksPayment.
Embora não caiba neste trabalho uma discussão sobre quão justa
é a causa empreendida pelos hacktivistas, é possível dizer que esta
operação foi politicamente motivada. Declaradamente planejada com
“meses de antecedência”, conforme apontado pelo coletivo em áudio
divulgado à imprensa,8 a operação não se constituiu em uma ação
7 Apesar de a LulzSecBrazil ter encerrado suas atividades, seu site ainda
permanece no ar e contém todas as ações empreendidas pelo grupo. Disponível
em: <http://lulzsecbrazil.net/releases/index.html>. Acesso em: 15 jul. 2012.
8 O áudio, que foi aproveitado por diversos meios de comunicação, incluindo
231
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
isolada ou descompromissada, mas ao contrário, fez parte de uma
série de iniciativas levadas a cabo havia meses por este coletivo com
o intuito mais genérico de protestar contra a corrupção no Brasil.9
Na sexta-feira (3 de fevereiro de 2012), dia em que se encerrou a
#OpWeeksPayment, os hacktivistas tornaram claros seus objetivos em
duas mensagens enviadas pelo Twitter: “Temos condições de causar
um caos jamais visto, mas este não é o objetivo do movimento”. Em
seguida: “O objetivo é alertar a população sobre o que acontece no
país e como ela pode fazer algo para mudar a situação. Isso é ser
Anonymous”.
Toda a ação consistiu em tirar do ar, entre outros, os sites de 5
dos maiores bancos brasileiros de segunda a sexta, durante a chamada
“semana do pagamento”, quando tradicionalmente ocorre um grande
número de operações financeiras por parte dos bancos e seus clientes.
Dessa forma, a cada dia da semana, um banco viu seu servidor
inundado por requisições de acesso e, por consequência, tornou-se
impossível acessar sua página até mesmo durante algumas horas. Na
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012, o alvo dos hacktivistas foi o
banco Itaú, cujo site ficou instável no período da manhã. Na terçafeira, foi a vez do Bradesco. Já na quarta e quinta-feira, os atingidos
foram Banco do Brasil e HSBC, respectivamente. Na sexta-feira, o
coletivo se responsabilizou por investidas contra os sites da Federação
Brasileira dos Bancos (Febraban), do Banco Central, das operadoras
de cartões de crédito Cielo e Redecard e dos bancos Citibank, BMG
e PanAmericano.
Para a #WeeksPayment, este coletivo dispensou qualquer ajuda de
apoiadores nas ações hacktivistas. Antes do início da operação, dois
posts no twitter, escritos em caixa alta, alertavam quanto a isso. No
os radiofônicos, pode ser acessado em: <http://blogs.estadao.com.br/radartecnologico/2012/02/01/ciberataques-continuam-hacker-diz-que-grupo-sera-conhecidopelo-amor-ou-pela-dor>. Acesso em: 15 jul. 2012
9 O coletivo apoia e promove outras ações nesse sentido, como o site Corrupção
Leaks (http://www.corrupcaoleaks.org/) e o Dia do Basta, realizado em 21 de abril e
a ser realizado novamente no dia 7 de setembro de 2011.
232
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
primeiro: “Pedimos a compreensão de todos, nesta missão apenas
nosso grupo estará à bordo! Peguem suas pipocas e se acomodem
num local confortável!” (sic). Em seguida, reforçou-se: “Por favor
não façam qualquer ação para nos ajudar nesta missão! apenas
acompanhem e divulguem! =)”. Em entrevista a este pesquisador
via comunicador instantâneo on-line, por mais de uma vez, um dos
membros deste coletivo afirmou que, embora ajude em operações
internacionais dos Anonymous, nos atos hacktivistas empreendidos
por este nicho, “não precisamos de ajuda nem pedimos”. Contudo,
outras formas de ajuda são bem-vindas. Por exemplo, espera-se que
os apoiadores divulguem as operações e fomentem o debate político
gerado por elas.
Nesta operação, ainda foi possível observar a presença marcante de
dois dos princípios norteadores deste coletivo. O primeiro é, conforme
apontado, a denúncia – frequentemente realizada de forma genérica
e sem alvos determinados – da corrupção nos sistemas político e
financeiro brasileiros. Não raro, o coletivo divulga nas redes sociais
mensagens indignadas sobre atos de corrupção no país, denunciando
situações precárias em diversas áreas, tais como saúde, educação,
moradia, mobilidade urbana etc. Durante a #OpWeeksPayment,
não foi diferente. Ela foi realizada, segundo seus organizadores, para
“chamar a atenção aos reais objetivos” dos Anonymous no Brasil,
de modo que o propósito mais ressaltado até então talvez tenha
sido a bandeira contra a corrupção. No quarto dia de operação, por
exemplo, ao responder a analistas de segurança da informação e parte
da imprensa, que classificaram a #OpWeeksPayment como uma série
de atos criminosos, os Anons protestaram: “#OpWeeksPayment
CRIME? Crime é a desigualdade social, é não ter onde morar, o que
comer. OTÁRIOS! Porque não criticam os que te roubam?”, fazendo
referência à classe política.
Outro princípio norteador presente em peso nesta operação é o
233
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Lulz, conforme retratado anteriormente neste texto.10 Apesar de se
mostrar como um protesto coordenado com o objetivo de chamar a
atenção para questões políticas e sociais sérias, a #OpWeeksPayment
não prescindiu de um espírito brincalhão. Ao longo da semana, à
medida que atingiam seus objetivos e os sites saíam do ar, membros do
grupo usaram o perfil no Twitter para lançar mensagens provocativas
às corporações-alvo. “Marujos venham ver a equipe de TI do @
Itau andando na prancha! lol lol lol ‘ItáOff ’ ‘TangoPersonalite’
‘Tango30H’”, postou o coletivo depois de o site do Itaú sair do ar,
brincando com dois dos slogans do banco (“Itaú Personalité” e “Itaú
30h”) e a expressão “Tango Down”, comumente usada pelos Anons
no mundo todo depois de uma ação DDoS bem sucedida. Ao final da
operação, dispararam: “Internet: R$150,00 PC: R$1.000,00. Derrubar
as duas maiores operadoras de cartão de crédito do país: Não tem
preço!”, fazendo referência à mensagem publicitária da Mastercard.
Também foi na #WeeksPayment que, de maneira polêmica, este
nicho dos Anonymous no Brasil estampou aquele que se tornaria
conhecido como seu principal lema: “pelo amor ou pela dor”. Em
áudio divulgado durante a operação,11 um dos membros causou
polêmica ao afirmar que um dos propósitos das ações também seria
afetar diretamente a população. “Nossos ataques eram direcionados a
sites do governo. Mas isso não está surtindo muito efeito e vimos que
a população não está reagindo. Então, decidimos tomar medidas mais
extremas para isso. Irão nos conhecer pelo amor ou pela dor”. Essa
declaração causou certa celeuma entre quem, até o momento, estava
apoiando a #WeeksPayment. Para estes, o foco da operação deveria
ser o protesto contra o sistema financeiro, e não o fato de atrapalhar
as pessoas na semana do pagamento.
A principal crítica veio justamente de outros nichos Anonymous
10 Para compreender como o Lulz fez parte de toda a trajetória do coletivo em
nível internacional (Cf. Coleman, 2011).
11 Cf. nota nº 8.
234
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
no Brasil, que passaram a reprovar a operação. Em função do caráter
anônimo, disforme e espontâneo da ideia Anonymous, fatos como este
não são de todo incomuns. A reação mais contundente veio do Plano
Anonymous Brasil, um coletivo extremamente difuso e heterogêneo
de indivíduos oriundos de diversas partes do país, incluindo hackers
e não hackers. À época, mantinha ativos o perfil @PlanoAnonBr,
no Twitter, e a página Plano Anonymous Brasil, no Facebook, além
de um canal de comunicação na rede AnonNet.org, no IRC. Logo
no segundo dia da #OpWeeksPayment, o PlanoAnon divulgou um
comunicado via Facebook:
Os ataques aos bancos que vem acontecendo desde ontem,
não são uma ação do coletivo Anonymous! Anonymous
não tem como alvo a sociedade, os prejudicados por esta
ação, são unica e exclusivamente os cidadãos, que estão na
primeira semana do mês, semana de volta as aulas, semana
de pagamento. […] Esta ação está sendo executada pelo
@AntisecBrTeam, @iPiratesGroup e a @Lulzsecbrazil,
grupos estes, que se declararam contra o Anonymous
abertamente, e estão executando essa ação como tentativa
de desmoralizar o coletivo ao qual dedicamos várias de
nossas forças a quase um ano. Eles com toda sua necessidade
doentia de atenção, decidiram assumir a postura, de que “se
não nos respeitam pelo amor, vão nos respeitar pela dor”.12
No dia seguinte, outra página, identificada como Anonymous Rio,
respondeu ao Plano Anonymous Brasil, contrapondo as críticas à
#OpWeeksPayment:
[Anonymous] é uma ideia ou um conjunto de ideias sempre
em construção, transformação, mutação e adaptação. Não
existem cartilhas, centros, grupos, pessoas ou qualquer
outra coisa que possa falar por Anonymous, todos podem
12 Comunicado disponível em: <https://www.facebook.com/PlanoAnonymousBrasil/
posts/291464640918163>. Acesso em: 15 jul. 2012.
235
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
falar por si. Ninguém pode falar por todos. Não existem
lideranças e TODOS TEM QUE SER LÍDERES. Em
resumo, você pode ser Anonymous, mas JAMAIS vai
ser da Anonymous, pois isso não é um grupo [...] O que
valida uma Op é pura e simplesmente adesão. Não existem
operações oficiais, reais, verdadeiras nem nada do gênero.
Existem pessoas que concordam e pessoas que discordam.
[…] Somos contra o sistema vigente? Acho que sim.
Uma coisa é certa, se vamos atacar o sistema e se estamos
imersos nele TAMBÉM VAMOS SER AFETADOS!
Então se é isso que queremos temos que arcar. [...] E os
bancos vão continuar a cair essa semana!13
Enfim, o debate sobre a operação exalta ânimos de grupos e
indivíduos identificados como Anonymous até os dias atuais, após 6
meses do ocorrido. O que se pode dizer é que a #OpWeeksPayment não
foi uma ação política orquestrada simplesmente “pelos Anonymous”,
mas sim por um dos coletivos brasileiros assim intitulados.
Hipertrofiando protocolos...
A #OpWeeksPayment foi um ato de protesto empreendido por
hacktivistas brasileiros por meio de ações distribuídas de negação de
serviço (DDoS) contra sites de bancos e organizações financeiras.
Como observamos, as ações DDoS consistem em sobrecarregar
um servidor com múltiplos acessos, de tal forma que ele não possa
suportar o volume de requisições e, por consequência, apresente
lentidão ou pare de funcionar. Portanto, ao realizar ações DDoS
contra sites de bancos brasileiros, os Anonymous não “invadiram”
essas páginas, uma vez que não acessaram contas bancárias alheias, não
13 Comunicado disponível em: <https://www.facebook.com/permalink.php?story_
fbid=310540125663009&id=231139103603112>. Acesso em: 15 jul. 2012.
236
Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
roubaram senhas ou informações, nem mesmo desviaram dinheiro de
correntistas. Seu protesto consistiu em bloquear, de forma indireta, o
acesso aos sites. Seria como aglomerar um grande número de pessoas
em frente a uma agência física de cada banco, impedindo que nela se
entrasse.
Argumentamos que o hacktivismo pode ser considerado uma
das formas de resistência política operando no nível dos protocolos.
Assim como Deleuze (1992) observara que, da mesma forma que
o poder recai sobre as formas de vida, gerindo-as, é a própria vida
que se apresentaria como uma resistência a este biopoder, Galloway
(2004) analogamente sustenta que, em uma era na qual o poder nos
recai por meio de protocolos de controle, não há como resistir ao
protocolo, desconsiderá-lo, fugir dele. Neste caso, a resistência adquire
outra natureza, pois ela deve ser operada dentro dos protocolos, nos
entremeios de suas regras e padrões intrínsecos.
Por um lado, a crescente digitalização de nossas informações
culturais, sociais, políticas etc. nos torna alvos facilmente controláveis,
seja por meio de rastros e cruzamento de dados, seja por meio de
um comando que não exige barreiras físicas e é fundamentado
majoritariamente em protocolos. Por outro lado, diversos ativistas,
operando nestes mesmos protocolos de controle, levam-nos a um
estado de hipertrofia (Galloway, 2004).
Isso ocorre, por exemplo, quando especialistas em criptografia,
como no caso do coletivo Cult of the Dead Cow, programam softwares
que possibilitam aos internautas driblar mecanismos de censura
impostos por governos totalitários. Ou como no caso dos responsáveis
pelo projeto Tor, um embaralhador de IP que permite aos internautas
navegarem anonimamente, sem deixar rastros localizáveis.
Finalmente, este também é o caso da #OpWeeksPayment e dos
Anonymous, que se valeram dos mesmos protocolos que os controlam
para empreender um protesto. Por certo, um desejo comum a todos
os bancos e organizações financeiras alvos dos protestos é o de que
237
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
cada vez mais internautas acessem seus sites, comprem seus produtos,
cadastrem-se em seus sistemas e prestigiem sua marca. Os Anons,
por sua vez, deram o que queriam: inúmeros acessos, de forma
desmedida. Com isso, hipertrofiaram o sistema e iludiram o controle
protocológico.
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Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de uma ideia disforme
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239
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Avanços tecnológicos e gerações
do futuro: novos rumos para a
educação e desenvolvimento de
criações coletivas
Rafael Vergili1
Introdução
A visível fronteira que antes separava emissores e receptores é
quase imperceptível nos dias de hoje. Com o auxílio de tecnologias de
informação e comunicação, é gerada uma nova configuração midiática,
permitindo a troca de conteúdos entre pessoas que conseguem realizar
a correta apropriação tecnológica (LIMA JUNIOR, 2010).
Esse novo panorama pode influenciar a maneira como as novas
gerações se relacionam e transmitem textos, imagens e sons na web,
o que, em algumas décadas, pode favorecer as criações coletivas e
projetar novos cenários para a educação.
Por meio de pesquisa bibliográfica, o artigo – que é dividido em
quatro itens, além da introdução e das considerações finais – pretende
promover uma reflexão sobre o futuro do compartilhamento de
informações e dos processos educacionais por jovens que, desde o
nascimento, estão inseridos no contexto tecnológico atual.
Para isso, o primeiro item apresenta a configuração atual do
cenário em que crianças e adolescentes brasileiros estão inseridos,
especialmente abordando características do uso de telas como as do
1
Doutorando em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e Mestre em Comunicação pela
Faculdade Cásper Líbero. E-mail: [email protected]
240
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação
e desenvolvimento de criações coletivas
computador, do celular e da televisão. As principais referências para
a apresentação do panorama geral são Brasilina Passarelli e Antonio
Hélio Junqueira.
No segundo item, é discutido mais intensamente o contexto
tecnológico em que toda a sociedade atual está inserida, dominado por
códigos e com aparente redução de distâncias, o que possibilita a troca
de informações entre pessoas de diferentes países, características e
formações. Eugênio Trivinho, Francisco Rüdiger, Paul Virilio e Vilém
Flusser são alguns dos referenciais para a articulação das ideias do
tópico.
Utilizando textos de Brasilina Passarelli e Jim Giles como
referência, o terceiro item aborda a mudança dos conceitos de
“autoria” e “autoridade” após o advento da web, além do impacto
e possibilidades provocados por essas transformações na sociedade.
Por fim, no quarto item, discute-se, com auxílio de livros e artigos
de Henry Jenkins, a “cultura participatória”2 e como a leitura crítica e
a leitura criativa podem influenciar as construções de textos coletivos
e os projetos que favoreçam a educação das “gerações do futuro”3.
2
O artigo de Henry Jenkins, publicado na edição de julho/dezembro de 2012 da
Revista Matrizes, utiliza o neologismo “cultura participatória”, em detrimento de
“cultura participativa”, devido à tradução literal da expressão participatory culture.
Para manter as características da ideia original do autor, optou-se por manter
o termo “participatória” em toda a extensão do presente artigo. As principais
características dessa cultura podem ser visualizadas no item “Leitura crítica, leitura
criativa e criações coletivas: reflexões acerca da ‘cultura participatória’ no contexto
educacional”.
3
A expressão “gerações do futuro” foi utilizada para caracterizar os jovens que
já nasceram em uma sociedade com a presença da internet, além de abarcar
as gerações subsequentes, que também desfrutarão dos avanços tecnológicos,
permitindo interação entre pessoas de todo o mundo sem a necessidade de
presença física.
241
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Panorama atual de uso de telas por crianças e adolescentes no
Brasil
Para refletir sobre as novas possibilidades de compartilhamento
de informações pelas gerações do futuro, em primeiro lugar, é
necessário identificar o panorama atual de uso de novas tecnologias
e telas (celular, televisão, computadores, entre outros). Somente
com equidade no acesso à instantaneidade, à interoperatividade, à
flexibilidade e à heterogeneidade da internet tornar-se-á possível
projetar cenários propícios para a participação mais intensa de novas
gerações, inclusive disseminando textos e instaurando uma cultura
de troca de informações desde a juventude (GALLOWAY, 2004;
CASTELLS, 2003; PASSARELLI, 2008).
Para isso, o presente artigo utiliza a obra Gerações Interativas
Brasil: crianças e adolescentes diante das telas, de Brasilina Passarelli e
Antonio Hélio Junqueira (2012) como base para traçar o cenário em
que a sociedade brasileira está inserida, principalmente na perspectiva
de análise de jovens que já nasceram em um contexto tecnológico
muito diferente das gerações anteriores, em especial devido à presença
da internet.
De maneira geral, para verificar quão importante são as telas
para as crianças e adolescentes que possuem idade entre 6 e 18
anos atualmente, o estudo utilizou uma metodologia quantitativa,
entrevistando mais de dez mil jovens da faixa etária supracitada em
escolas públicas e particulares do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul
e Sudeste do Brasil, entre 2010 e 2011, com auxílio de questionário
estruturado pela Universidade de Navarra e com informações
coletadas pelo IBOPE (PASSARELLI; JUNQUEIRA, 2012).
A análise dos dados teve como principal responsável o Núcleo de
Apoio à Pesquisa das Novas Tecnologias de Comunicação Aplicadas
à Educação – “Escola do Futuro/USP”. Foram comparados cenários
específicos, identificadas tendências consonantes/dissonantes e
242
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação
e desenvolvimento de criações coletivas
desenvolvidos gráficos por gênero, faixa etária, região, papel das
escolas no acesso às tecnologias, entre outras características.
Dois resultados destacam-se como mais inquietantes: o primeiro
relacionado ao valor dado por jovens para o computador frente às
outras telas e o segundo relativo ao acesso à internet por jovens. No
primeiro caso, em especial nas regiões Sul e Sudeste, quase 50% dos
jovens preferem o computador/internet em detrimento da televisão,
segunda colocada, com quase 40%. No segundo caso, é relatado
que 75% dos jovens entre 10 e 18 anos têm o costume de navegar
na Internet, mesmo que não tenham conexão em suas residências,
procurando outras formas e lugares de acesso (PASSARELLI;
JUNQUEIRA, 2012).
Ainda nesta seara, o celular é apresentado como um grande
catalisador de uso para diversos aparatos. Mesmo com as limitações
impostas pela qualidade de algumas empresas de telefonia celular, o
aparelho já é utilizado para ter acesso à internet, jogar, ler, compartilhar
textos, trocar mensagens, entre outras atividades. Além disso, destacase o fato de “que uma parcela de 38,8% das crianças de 6 a 9 anos já
possuía o seu próprio equipamento” e 23,4% utilizavam o celular de
parentes, por exemplo. No caso dos adolescentes, a posse (74,7%) e
o uso do aparelho, mesmo que de parentes ou amigos (79,9%), são
ainda maiores (PASSARELLI; JUNQUEIRA, 2012, p. 158-159).
Supremacia dos códigos e “realidade glocal”: fluxos textuais e
sonoros com distâncias reduzidas
As informações mencionadas no item anterior demonstram,
apesar das dificuldades estruturais do país, o crescimento constante
do uso de novas tecnologias por pessoas cada vez mais jovens.
Para justificar tal fato, se forem retomadas algumas das ideias de
243
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Francisco Rüdiger (2007, p. 63), será possível perceber que os
inovadores aparatos tecnológicos, simultaneamente, propiciam
comodidade aos seres humanos, mas os incentivam fortemente a
utilizá-los, quase como uma obrigação.
É cada vez maior, nesse sentido, “a crença de que a tecnologia
maquinística pode ser considerada o principal ponto de partida
da construção de uma nova cultura ou uma nova etapa em nossa
história”. De acordo com o autor, é preciso destacar que:
O maquinismo paulatinamente vai se convertendo em
princípio de reordenamento dos valores e reconstrução da
cultura, através dos mais diversos movimentos políticos e
ideológicos, todavia vinculados pela convicção vanguardista
de que os problemas da vida humana podem ser resolvidos
via a tecnologia maquinística (RÜDIGER, 2007, p. 64).
Ainda tratando da influência exercida pela tecnologia, segundo
Paul Virilio, a relação com o território e com o conceito de “tempo
real”4 tem mudado há décadas, especialmente a partir da introdução
da televisão. Ou seja:
[...] o tempo real de nossas atividades imediatas, onde
agimos simultaneamente aqui e agora na grade de
horários da emissão televisiva, em detrimento do aqui,
ou seja, do espaço do lugar de encontro, como neste
colóquio que se estabelece entre nós graças ao satélite, mas,
paradoxalmente, em nenhum lugar do mundo (VIRILIO,
1993, p. 103).
Diante desse novo panorama, pode-se dizer que:
4
O “tempo real” se refere às experiências compartilhadas quase que
simultaneamente em espaços territoriais diferentes. O tempo de conexão, também
chamado de tempo tecnológico, é o único obstáculo entre o momento em que a
mensagem é enviada por uma pessoa e recebida por outro indivíduo em qualquer
parte do mundo (TRIVINHO, 2007).
244
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação
e desenvolvimento de criações coletivas
A velocidade do novo meio eletro-ótico e acústico tornase o último vácuo (o vácuo do veloz), um “vácuo” que
não mais depende do intervalo entre os lugares, as coisas,
e portanto da própria extensão do mundo, mas antes da
interface de uma transmissão instantânea das aparências
distantes, de uma retenção geográfica e geométrica em que
desaparece todo volume e todo relevo (VIRILIO, 1993, p.
114).
Pode-se dizer, portanto, que as tecnologias de reprodutibilidade e,
principalmente, as que possuem capacidade de rede são aparatos de
produção de espectros, que, por sua vez, correspondem às unidades
sígnicas que se apresentam por meio de fluxo textual e/ou sonoro,
imagem, codinome, entre outras formas. Nesse sentido, com o planeta
cada vez mais dominado por códigos, reduzem-se as diferenças entre
tempos e distâncias, criando-se uma coexistência entre os fluxos locais
e globais, a “realidade glocal”, o que possibilita o compartilhamento e
a remixagem de informações com qualquer pessoa do mundo, dando
origem a textos coletivos possivelmente mais completos, por meio de
fontes de informação de diversas nacionalidades (FLUSSER, 2007;
TRIVINHO, 2007; TUFTE, 2010; SOARES, 2006; FRANCO, 2003).
Ou seja, percebe-se que:
Em poucas décadas de desdobramento tecnológico
diversificado, o glocal e sua trama em rede se tornaram
o coração e o pulmão de cada contexto de vida em que
vigoram equipamentos capazes de rede e sua cobertura
progressiva e irrefreável por territórios a fio introduziu
a humanidade, não sem ineditismo histórico, em uma
condição glocal irreversível (TRIVINHO, 1998 apud
TRIVINHO, 2010, p. 3).
245
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Influência das novas tecnologias na mudança dos conceitos de
“autoria” e “autoridade”
Diante do contexto tecnológico apresentado no item anterior,
Brasilina Passarelli (2008) apresenta as mudanças provocadas pelo
advento da web nos conceitos de “autoria” e “autoridade”. Ou seja,
no caso da autoria, devido às diversas remixagens de conteúdos online, a dificuldade de reconhecer o criador de determinado texto ou
expressão original. E, no que tange à autoridade, principalmente em
uma perspectiva científica, no debate sobre a validação – ou não – de
textos que sejam publicados sem o processo de peer review (revisão e
legitimação por entendimento entre pares).
Agrava-se o caso da dificuldade de identificação da autoria na web
por conta da facilidade do anonimato, com o uso de pseudônimos,
que o próprio ambiente propicia ao usuário. Cíntia Dal Bello (2010, p.
12) destaca algumas das possibilidades utilizadas:
a) sonegação parcial ou adulteração de informações
pessoais; b) dissimulação da identidade oficial por meio
da adoção de fake profile; c) uso superficial de múltiplas
plataformas e perfis; d) restrição do número de amigos;
e) classificação dos amigos em grupos para personalizar
a disponibilidade dos conteúdos publicados; f) aplicação
de ‘cadeados’ aos conteúdos publicados (o que limita sua
visibilidade à rede de amigos autorizados); g) seleção de
imagens para publicação que não revelem a localização
geográfica da residência, da escola e de locais de trabalho;
h) uso de canais de comunicação mais apropriados para
tratar de assuntos privados.
Já o caso do conflito entre gerar padrões de qualidade para o saber
científico – com um processo formal de revisão, ou apenas tentar
disseminá-lo sem um controle mais categórico e pragmático – pode
ser apresentado sob o prisma de uma análise comparativa realizada
246
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação
e desenvolvimento de criações coletivas
pela revista Nature, em 2005. No estudo, cinquenta especialistas em
revisão científica foram convidados a aferir os erros factuais, omissões
críticas e declarações enganosas de quarenta e dois artigos, de diversos
campos do conhecimento, presentes na tradicional Enciclopédia
Britânica (à época, ainda impressa5), que possui linha editorial e
diversos profissionais contratados, e na contemporânea Wikipédia
(on-line), em que qualquer pessoa pode editar o conteúdo.
Concluiu-se que a diferença no número de erros de informações
publicadas não era significativa. Enquanto a média da enciclopédia
impressa foi de três equívocos por artigo, a enciclopédia on-line teve
média de quatro erros por texto (GILES, 2005).
No entanto, a discussão sobre a confiabilidade oferecida em
enciclopédias coletivas está longe de terminar, mesmo após a
divulgação do estudo. Pesquisadores afirmam que a discrepância dos
números não foi significativa devido ao uso de verbetes vinculados à
ciência, o que faria com que a possibilidade de conteúdos copiados de
sites de universidades e enciclopédias mais confiáveis tivessem sido
usados nos textos coletivos. Porém, nos últimos anos, especialmente
a partir da disseminação do conteúdo pesquisado, a Wikipédia tem
aprimorado algumas de suas políticas de publicação e revisão, e a
Enciclopédia Britânica encerrou sua versão impressa, o que impede
nova comparação com os mesmos parâmetros do estudo anterior. Os oito anos que se passaram desde a pesquisa da Revista Nature
podem ter reduzido ou aumentado a diferença de confiabilidade nas
informações presentes em ambas as publicações, mas, ainda com base
no estudo anterior (de 2005), fica um questionamento: as criações
coletivas, mesmo que ainda dividam opiniões quanto à confiabilidade,
representariam um indicativo para novas formas de consumo, posse,
leitura e troca de informações entre as novas gerações?
5
Enciclopédia Britânica deixa de ser impressa após 244 anos. 2012. Disponível
em: <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/03/enciclopedia-britanica-deixa-deser-impressa-apos-244-anos-1.html>. Acesso em: 04 abr. 2013.
247
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Leitura crítica, leitura criativa e criações coletivas: reflexões
acerca da “cultura participatória” no contexto educacional
Para iniciar a discussão sobre o questionamento realizado ao final
do item anterior, são retomadas algumas das ideias de Henry Jenkins
(2012), como a noção de que até os dias de hoje as instituições de ensino
formais disseminam, na maioria das vezes, apenas informações com
o intuito de possibilitar que os jovens consigam elaborar uma simples
resposta crítica – e não necessariamente criativa – para determinados
problemas. Nas palavras do autor:
As escolas têm, historicamente, ensinado os estudantes a ler
com o objetivo de produzir uma resposta crítica; queremos
encorajar educadores a também ensinar aos alunos como
se engajar criativamente com textos. Nesse modelo, ainda
deveríamos nos preocupar com o que não está no texto; a
diferença está no que fazemos sobre isso (JENKINS, 2012,
p. 13).
No contexto tecnológico atual, algumas mudanças precisam ser
incorporadas para que se alcance a plenitude em práticas educacionais.
Nesse sentido, ainda na perspectiva da leitura de textos, que geralmente
é feita para a aquisição de novas informações e elaboração de reflexão
crítica, sugere-se que se dê um passo adiante, utilizando-a como
plataforma para agir criativamente. Transformar-se-ia, dessa maneira,
a simples leitura crítica em criativa, ou mantendo características de
ambas, o que gera a possibilidade de reescrever textos, por frustração
e/ou fascinação, tentando satisfazer completamente os interesses
particulares ou coletivos (JENKINS, 2012; BENKLER, 2007).
Um exemplo dessa leitura crítica e criativa é a fan fiction, uma
construção de novas histórias, geralmente por fãs, a partir de romances,
livros, filmes, quadrinhos, séries de TV ou games, que costumam
ser distribuídas on-line, gerando inquietação em outros potenciais
248
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação
e desenvolvimento de criações coletivas
autores (JENKINS, 2009). Nessa perspectiva, de acordo com Henry
Jenkins (2012, p. 14), a fan fiction revitaliza o impulso criativo que
poderia ter sido freado pelos direitos autorais, uma vez que “operando
em um mundo onde muitas pessoas diferentes podem recontar a
mesma história e, no processo, expandir o alcance das interpretações
potenciais do material”. Ou seja, cria-se um círculo vicioso de
participação, uma obra em contínuo andamento que raramente faz
com que a criação se torne estática, já que “o texto como escrito é
o ponto de partida; leitores podem estar motivados a responder à
obra criando outras novas. Obras literárias não simplesmente nos
iluminam; elas também nos inspiram ou, talvez mais precisamente,
nos provocam” (JENKINS, 2012, p. 15).
Apesar de muito ligada ao entretenimento e à literatura tradicional,
defende-se que esse modelo de participação poderia ser aplicado ao
contexto geral da educação, como constata Henry Jenkins:
[...] surgiu um forte conjunto de argumentos sobre os
benefícios educacionais da comunidade de fãs como
um espaço de aprendizado informal, especialmente
para os jovens fãs. Cada vez mais experts em literatura
estão reconhecendo que recriar, recitar e se apropriar de
elementos de histórias preexistentes é uma parte valiosa
e orgânica do processo pelo qual crianças desenvolvem
a cultura literária. Educadores gostam de falar sobre criar
andaimes, as maneiras pelas quais o processo pedagógico
funciona de uma maneira passo-a-passo, encorajando
crianças a experimentarem novas habilidades baseadas
naquelas que já aperfeiçoaram, dando suporte para novos
passos até se sentirem confiantes para dar outros novos
passos por conta própria. Na sala de aula, o professor
providencia o andaime. Na cultura participatória, toda a
comunidade toma a responsabilidade de ajudar os novatos
a encontrarem seu caminho (JENKINS, 2012, p. 22, grifo
do autor).
249
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
É válido ressaltar que a “cultura participatória” mencionada na
citação acima possui algumas características específicas: barreiras
ínfimas para a expressão artística e engajamento cívico; forte suporte
para criações e compartilhamentos entre indivíduos; prática de troca
de informações entre os participantes mais experientes e os novatos,
especialmente por meio de uma orientação informal, sem um líder
específico; membros que acreditem que suas contribuições são
importantes; além de pessoas que tenham algum grau de conexão
social e/ou ao menos se importem com outros participantes
(JENKINS et. al., 2009, p. 5-6). Ou seja, mesmo sabendo que nem
todos os membros participarão ativamente, a “cultura participatória”
muda o foco da expressão individual para o envolvimento livre da
comunidade, o que pode favorecer as criações coletivas.
Considerações finais
Diante das reflexões propostas no decorrer artigo, percebe-se que
a apropriação tecnológica por considerável parcela da população está
cada vez mais intensa e, em muitos casos, já faz parte do cotidiano das
pessoas, transformando diversas práticas e impactando diretamente
os mais variados setores da sociedade. Nesse sentido, Walter Teixeira
Lima Junior afirma que:
Nas últimas décadas, a sociedade contemporânea absorveu
as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em
todos os seus segmentos. Entre os principais motivos
dessa “conexão amigável”, entre pessoas não especialistas
em artefatos tecnológicos e as tecnologias digitais, está
a percepção de que elas trazem conforto, vantagens
competitivas e podem ser obtidas com mais frequência
devido à diminuição dos custos de obtenção de tais sistemas
computacionais, alguns até se transformando em utensílios
domiciliares e vendidos em lojas de eletrodomésticos,
250
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação
e desenvolvimento de criações coletivas
como por exemplo, o Personal Computer (PC) (LIMA
JUNIOR, 2012, p. 208).
Como mencionado por Jeferson de Carvalho, Amanda Luiza
dos Santos Pereira e Rafael Vergili (2012), com apoio em Yochai
Benkler (2007), ressalta-se que, apesar do aprimoramento da estrutura
tecnológica supracitada, do aumento do acesso aos equipamentos
disponíveis, além das constantes trocas simbólicas e fluxos digitais
que se fazem presentes na web contribuírem para que os usuários
tenham mais liberdade de escolha de informações, não seria coerente
afirmar que a tecnologia, por si só, transforma os processos de troca e
colaboração entre pessoas, sem a necessidade de outras intervenções.
A expectativa, no entanto, é de que gerações que já nasçam em
um ambiente permeado por novas tecnologias possam presenciar
uma cultura de troca mais intensa e consigam superar a regra 90-9-1,
identificada por Jakob Nielsen (2006), em que 90% dos participantes
apenas visualizam o conteúdo disponibilizado, 9% contribuem
esporadicamente e 1% é responsável pelo conteúdo total das
comunidades virtuais.
Talvez, dessa maneira, será possível, em alguns anos ou décadas,
uma valorização maior de criações coletivas realizadas pela web com
participação de profissionais e pesquisadores de diferentes formações
e países, constituindo materiais cientificamente válidos, que, por
consequência, poderiam transformar as práticas educacionais das
gerações do futuro. Até porque, apesar de surgir após a televisão, a
internet, por problemas de “largura de banda”, se caracteriza muito
mais por textos do que por imagens, como sugere François Jost (2011,
p. 103).
[...] se as mídias digitais emprestam certos aspectos da lógica
midiática em geral, o da audiência notavelmente, fica ainda
uma diferença essencial: que a internet, contrariamente ao
que poderíamos pensar, é menos uma mídia de imagem
251
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
do que uma mídia escrita. Se, na história, poucas imagens
circularam sem palavra [...], pode-se dizer que não existe
nenhuma [imagem] na internet que não seja acompanhada
de uma série de comentários.
Nesse sentido, a troca de informações e textos, que já ocorre
atualmente, só teria que ser mais orientada para finalidades outras que
não o entretenimento, como é a prática mais frequente na atualidade.
É possível questionar que considerável parcela do desenvolvimento
coletivo de textos parte de motivações pessoais e sociais, fora das
obrigações do ambiente acadêmico. Porém, na perspectiva de Henry
Jenkins (2012), é preciso encorajar educadores e comunicadores
a pensarem em modelos de aplicação da fan fiction de maneira mais
formal, uma vez que:
[...] o processo de criar obras transformativas muitas vezes
motiva uma leitura mais próxima do texto original, que isso
fortalece os jovens a pensar por si próprios como autores
e portanto a encontrar suas próprias vozes expressivas,
especialmente no contexto da atual cultura participatória
(JENKINS, 2012, p. 23).
Ao utilizar uma definição de educação que tem como proposta
fundamental garantir a todos os estudantes maneiras de aprender a
se expressar plenamente em público e participar ativamente da vida
em sociedade, Henry Jenkins et. al. (2009) cita diversos exemplos de
jovens que, na maioria dos casos ainda na adolescência, ao adquirirem
determinadas habilidades (ler, escrever, editar, defender a liberdade
civil, programar computadores e gerenciar uma empresa, por
exemplo), muitas vezes com o uso específico da web, tiveram atitudes
inovadoras e mudaram a forma de trabalhar em equipe pela rede,
gerando benefícios educacionais ou financeiros. Entre as principais
produções, estão: desenvolvimento de textos coletivos com pessoas
252
Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos rumos para a educação
e desenvolvimento de criações coletivas
de mais de cem países, oportunidades de ensino com avaliação por
pares, clãs para jogos em comunidades on-line e desenvolvimento de
roteiros de filmes vendidos para grandes produtoras.
Não se defende que as novas tecnologias e, em especial, a web
– até mesmo por dificuldades técnicas e acesso de conexão desigual
– serão capazes de oferecer todas as habilidades necessárias para
mudar completamente as práticas de consumo, compartilhamento e
ensino disseminadas por décadas na sociedade. O que se sugere é a
possibilidade de que o entendimento do novo contexto tecnológico
possa complementar uma abordagem sistêmica composta por: família,
escola, mídia e atividades extracurriculares, qualificando, assim, as
gerações do futuro.
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Os sites de compra coletiva:
uma análise com foco nos
aspectos cognitivos
Daniel Costa de Paiva1
Vanessa Moreira N. de Paiva2
Walter Teixeira Lima Junior3
Introdução
Desde seu surgimento, a web vem se consagrando na integração
dos mais diversos processos de negócio, oferecendo às empresas um
novo canal de comunicação com o mercado (JENKINS et. al., 1990).
Segundo Tigre (1999), o sucesso dessa forma de comunicação se dá,
principalmente, porque o consumidor não necessita se deslocar de
sua residência até a loja, comércio ou ponto de venda para pesquisar
preço, escolher o produto, experimentar, ou simplesmente efetuar a
compra e, consequentemente, o pagamento. Via internet há, ainda,
maior comodidade e praticidade, uma vez que os serviços estão
disponíveis 24 horas por dia.
Para Tenenbaum, Chowdhry e Hughes (1997), “a internet
está revolucionando o comércio”. Ela estabelece a primeira forma
possível e segura para ligar espontaneamente pessoas e computadores
por fronteiras organizacionais. Isso faz com que apareça um grande
número de empresas inovadoras – companhias virtuais, mercados e
1
Departamento de Informática da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
E-mail: [email protected]
2
Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: [email protected]
3
Universidade Metodista de São Paulo - [email protected]
256
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
comunidades comerciais.
Marketing e vendas na internet seguem o padrão de marketing do
mundo real. É necessário entender o público-alvo e, principalmente,
entender as características do consumidor e seu comportamento
(CARVALHO, 2000). Sheth, Mittal e Newman (2001) explicam
que existem três tipos de pessoas que buscam compras virtuais:
os compradores; os que procuram informação na internet, mas
compram nas lojas físicas; e aqueles que visitam os sites, mas não
realizam nenhuma compra.
Por outro lado, Caro (2010) afirma que “no processo de compra,
o consumidor é estimulado por fatores culturais, sociais, pessoais,
psicológicos e por estímulos de marketing. Este processo está se
adaptando às diferenças entre as lojas virtuais e físicas. As estratégias
de marketing estão mudando os hábitos e estilos de compra, assim
como o processo de decisão do consumidor”.
Observando o crescimento do e-commerce ou comércio na
internet, em especial dos sites de compras coletivas, neste trabalho
será analisada e identificada sua atuação para compreender como é o
comportamento dos internautas e quais os benefícios desta forma de
comércio para todos os envolvidos, empresas e clientes.
Os sites de compra coletiva são uma evolução nessa maneira
de fazer negócio na era da internet, pois englobam estratégias de
marketing e, além de divulgar o produto e o estabelecimento, oferecem
preços promocionais, podendo conquistar consumidores. Esses sites
publicam ofertas (de produtos ou serviços) com descontos, estipulam
um número mínimo de compradores e é iniciada a contagem regressiva
de tempo para o término da promoção. Independentemente do
tamanho da empresa, esta pode ser vista por milhões de usuários num
único site.
O objetivo deste artigo é identificar comportamentos que podem
indicar/explicar o sucesso dos sites de compra coletiva. Esta pesquisa
se justifica porque estes são recentes e vêm chamando a atenção dos
257
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
consumidores nas diversas classes sociais no Brasil e no mundo. Dados
do TG.net, do IBOPE Media (2011), comprovam essa informação e
mostram que mais da metade dos internautas brasileiros estão inscritos
em sites de compras coletivas. Desse total, 42% efetivaram alguma
compra, seja de produtos ou serviços. De acordo com o estudo, os
internautas realizam, em média, uma compra online por mês, com
valor médio de R$ 110.
Este texto está organizado de forma que, em primeiro lugar, será
apresentado um estudo a respeito dos aspectos cognitivos, importantes
para as análises que serão realizadas considerando os sites de compra
coletiva abordados. A seguir estão os apontamentos que visam a
auxiliar no entendimento do sucesso dessa forma de comércio e, por
fim, as considerações finais e próximos passos.
Ciência Cognitiva4
A grande área que trata dos aspectos cognitivos é a Ciência
Cognitiva, que se presta a auxiliar no entendimento dos processos
de aquisição de conhecimentos e dos processos mentais (MILLER,
1956).
Cognição ou atividade mental, segundo Matlin (2005, p. 22),
“descreve a aquisição, armazenamento, transformação e uso do
conhecimento (...) e inclui uma grande variedade de processos mentais,
(...) como percepção, memória, imaginação, linguagem, resolução de
problemas, raciocínio e tomada de decisão”.
Para Johnson-Laird (1998), a ciência cognitiva explica como
funciona a mente e, de forma complementar, Gardner (1996) a
considera como a “nova ciência da mente”, descrevendo-a como “um
esforço contemporâneo (...) para responder a questões principalmente
relativas à natureza do conhecimento, seus componentes, suas origens,
4
258
Esta seção foi feita com base na tese de Paiva (2011).
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
seu desenvolvimento e seu emprego”.
É consenso na comunidade científica que a Ciência Cognitiva foi
reconhecida oficialmente em 1956 (RUSSEL & NORVIG, 2004),
a partir do Simpósio sobre Tecnologia da Informação realizado no
Massachusetts Institute of Technology, no qual foram apresentados
trabalhos de estudiosos das ciências humanas e da comunicação.
Naquele evento, o psicólogo George Miller destacou-se com a
apresentação de um artigo (1956) em que afirmava que a capacidade
da memória humana de curto prazo limitava-se a sete itens.
Durante os anos 1960, começaram a surgir livros e outras
publicações sobre a Ciência Cognitiva, disponibilizados principalmente
a partir de estudos realizados em Harvard (WILSON; KEIL, 1999).
O crescimento dessa área se deu em três pontos distintos: (1) o
desenvolvimento da psicologia do processamento da informação,
na qual a meta era especificar o processamento interno envolvido
na percepção, linguagem, memória e pensamento; (2) a invenção
dos computadores; e (3) o desenvolvimento da teoria da gramática
generativa e outras derivações da linguística (DRIGO, 2007).
Na última década, a Ciência Cognitiva apresentou grande
desenvolvimento, situando-se entre os mais novos campos
interdisciplinares do conhecimento, buscando alternativas para o
estudo da mente e buscando entender os processos realizados por
humanos.
Alguns desses processos e aspectos cognitivos, de particular relevância
para este trabalho, serão abordados nos tópicos a seguir.
Aprendizagem
A aprendizagem está diretamente relacionada com a forma como
o indivíduo atribui significados aos objetos e acontecimentos, bem
como os percebe, seleciona e organiza. Ela ocorre por meio de ciclos
259
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
iterativos e lhe permite adquirir modos de agir e reagir, adaptando-se
a novas circunstâncias (SIEMENS, 2005).
Aprendizagem é aquisição ou mudança relativamente estável
e duradoura do comportamento e/ou do conhecimento devido
à experiência, ao treino ou ao estudo, fundamentada nas vivências
anteriores do indivíduo.
Deve ser mais que apenas o acúmulo de volume de informação por
meio da exposição ao conteúdo, mas também por meio da interação
e/ou reflexão.
Trata-se de um processo dinâmico, pessoal ou global, contínuo,
interativo, cumulativo e evolutivo de aquisição de conhecimentos, seja
entre atores e meio ou entre ator-ator. Está desde sempre ligada ao
homem enquanto ser social, que estabelece relações em uma rede na
qual cada um impacta outros, modificando a organização. Visto dessa
maneira, a aprendizagem afeta diretamente a estrutura e a organização
da rede.
Existem diversas frentes que abordam a aprendizagem – desde
aquela realizada com animais em laboratório (LABNET, 2009)
até a que afeta o rendimento dos alunos (RIBEIRO, 2003). Essa
característica é incremental, sendo mais comum a aprendizagem
por reforço (“reinforcement learning”) (SOUZA; QUANDT, 2008).
Apesar disso, seja qual for o método utilizado, o aprendiz combina
os dados recebidos com as informações que possui na sua estrutura
interna, numa tentativa de aperfeiçoar e aumentar o seu conhecimento
e, com isso, melhorar o seu desempenho no futuro.
Memória
A memória tem importância aqui, uma vez que é usada para reter
e recordar informações que permitem agir adequadamente. É versátil,
possibilita reconhecer rostos, lembrar nomes, pessoas, saber o que
260
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
foi conversado, como o diálogo transcorreu, dentre outros. Trata-se,
portanto, de um aparato sem o qual seria impossível a complexidade
que há nos seres cognitivos, pois informações memorizadas podem
ser resgatadas, processadas e transformadas (BAARS; GAGE, 2007;
GAZZANIGA, 1999).
Embora não exista uma concordância sobre o número de sistemas
de memória existentes, Atkinson e Shiffrin (1971) propuseram
um modelo no qual ela é concebida contendo três tipos de
armazenamento de dados que são diferenciados por capacidade e
duração: Armazenamento Sensorial (AS), Armazenamento de Curto
Prazo (ACP), Armazenamento de Longo Prazo (ALP) (Figura 1).
Figura 1: Modelo modal de memória. Fonte: adaptada de Atkinson;
Shiffrin, 1971.
Apesar de abrangente, este modelo é considerado por alguns
pesquisadores como inexato, mas mesmo assim continua sendo
muito utilizado em pesquisas sobre memória (GAZZANIGA, 1999).
Atualmente, acredita-se que a memória possua mais de três sistemas
(Figura 2).
O primeiro processo, envolvido com o acesso e a retenção de
memória, é a aquisição, que consiste na entrada de um evento: um
objeto, um som, um acontecimento, um pensamento, uma sequência
de movimentos.
Tecnicamente, existe um depósito sensorial diferente para cada
sensação, no qual a informação decai rapidamente. Esta primeira
261
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
fase, segundo George Sperling (1996), consiste em memória de muito
curto prazo, em que os dados ficam no cérebro por alguns segundos e
depois desaparecem. É preciso, então, que uma decisão aconteça para
que a informação seja transferida para o próximo depósito.
Figura 2: Partes da Memória.
Para passar para o segundo nível de armazenamento de memória,
a informação deve ser importante para o indivíduo naquele
momento (ter o foco da atenção). É então ativado um processo
de Reconhecimento de Padrão para transferi-la para a memória de
curto prazo, o que envolve associação do padrão sensorial como algo
significante e armazenamento por categoria – mas esta parte ainda
não é completamente compreendida (IZQUIERDO, 2007).
O depósito de memória de curto prazo, também definido como
depósito de memória primária por William James, consiste em
um buffer de capacidade limitada (no máximo, sete itens) no qual
a informação desaparece, a não ser que seja tratada ou repetida. A
duração de uma informação na memória de curto prazo é pequena
e o decaimento acontece dentro de aproximadamente 20 segundos
(IZQUIERDO, 2007; MAES, 1994).
262
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
Desta forma, alguns eventos ficam disponíveis para serem lembrados,
mas outros são descartados rapidamente. Isso é consequência de um
processo de filtragem, que é utilizado para definir qual informação
será processada e memorizada. As motivações do indivíduo explicam
grande parte dos esquecimentos. Aquilo em que ele não tem tanto
interesse é assimilado com dificuldade e esquecido rapidamente. Este
fenômeno atinge todas as pessoas e desempenha um papel importante
para prevenção de sobrecarga, podendo ser também patológico para
menos ou para mais (amnésia ou hipermnésia). Pesquisadores, entre
os quais se destaca Ebbinghaus, estudam o processo de esquecimento
(BADDELEY, 1990) e ressaltam que a repetição periódica do contato
melhora a memorização, diminuindo a velocidade do esquecimento.
Uma vez na memória de curto prazo, as informações podem ser
copiadas ou transferidas para o depósito de memória de longo prazo,
ou depósito secundário, no qual ficam disponíveis por um grande
período ou até permanentemente. A capacidade desse depósito
é ilimitada e sua importância está relacionada com o fato de que
recordar é extremamente importante para a vida, principalmente a
dos seres humanos.
Apesar de existirem diversos tipos de memória (de representação
perceptual, de procedimentos, associativa, não associativa, dentre
outros), neste trabalho o importante é identificar as peculiaridades do
funcionamento das memórias de curto e longo prazo.
Personalidade
A personalidade é um conjunto de padrões distintos de
comportamento que caracteriza os seres humanos e que é importante
– sendo, portanto, possível dizer, segundo Del Nero (1998), que as
pessoas buscam “se conduzir bem e de acordo com uma série de
valores e preceitos”.
263
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
O primeiro autor a publicar um livro sobre personalidade foi
Gordon Allport, em 1937, intitulado Personality: a psychological
interpretation (MATTHEWS; DEARY; WHITEMAN, 2003 apud
NETO, 2009). Apesar de historicamente importante, a definição de
Allport não é mais utilizada (PERVIN; JOHN, 2003 apud NETO,
2009).
Atualmente, a personalidade é compreendida como um sistema
que, a partir de um conjunto de padrões inatos à pessoa, interage com o
ambiente social nas dimensões afetivas, cognitivas e comportamentais
para produzir as ações e as experiências de uma vida individual
(GARCIA, 2006 apud NETO, 2009). Entretanto, os psicólogos
exploram diferentes aspectos dessa definição e, dependendo da
abordagem utilizada, enfatizam: características biológicas, genéticas,
experiências de infância, maneira de pensar, cultura, etc.
Estudos nas áreas de neurologia, antropologia, ciência da
computação e psicologia (DAMASIO, 1994; PAIVA, 2000; SIMON,
1983; TRAPPL et. al., 2003) têm demonstrado a influência que os
aspectos emocionais e psicológicos, como os traços de personalidade,
exercem durante o processo de tomada de decisão humana, tema que
será abordado a seguir.
Tomada de Decisão
A tomada de decisão envolve um processo cognitivo que avalia
as informações recebidas e escolhe uma ou mais alternativas a
ser realizada. Essa decisão é baseada naquilo que foi recebido,
nas propriedades internas e na experiência do indivíduo (HAN;
LERNER, 2009). Ela busca atingir algum objetivo e é tomada a partir
de possibilidades ou considerando probabilidades. Trata-se de um
processo fortemente dependente do contexto, pois uma opção boa
agora pode ser ruim em algum outro momento devido a alterações
264
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
nas condições que envolvem a decisão (CORRÊA, 2009).
Decisão de Compra
A decisão de compra engloba fatores ambientais e diferenças
individuais. Os fatores ambientais evidenciam a classe social,
influências pessoais e familiares; os fatores individuais dizem respeito
aos recursos, motivação, valores e estilo e vida. Ambos vão ser
influenciados pela necessidade, informação e avaliação da pré compra
(HERNANDEZ, 2004).
Segundo Hernandez (2004), várias são as hipóteses que direcionam
a decisão, como frequência de comprar, produtos já adquiridos, idade,
entre outros.
As compras podem ser planejadas ou não. No primeiro caso,
existe envolvimento do indivíduo que sabe o que quer e vai procurar.
Se for parcialmente planejada, a escolha pode ser influenciada por
fatores externos. Já a compra não planejada é uma questão de impulso
(Miranda; Arruda, 2004).
Segundo esses autores, as compras feitas em casa tiveram crescimento
notável na maioria dos países em desenvolvimento. Segundo Blackwell,
Miniard e Engel (2008), tal escolha é um processo complexo com
quatro variáveis: critérios avaliatórios, características das lojas,
processos comparativos e lojas aceitáveis ou não.
Alguns fatores que contribuem para esse fenômeno são mudanças
no estilo de vida e maior ênfase ao lazer (Miranda; Arruda, 2004), por
exemplo.
Ainda para esses autores, a atitude do comprador depende da
sua motivação e da opinião de outros compradores, seus amigos ou
conhecidos. Dessa forma, o cliente fica satisfeito quando pode contar
com alguém para tirar suas dúvidas e suprir suas necessidades.
265
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Comunicação
O último aspecto cognitivo abordado neste trabalho é a
comunicação e, numa busca pela origem do termo, identificouse que este deriva do latim communicare, com o sentido de tornar
comum, partilhar, repartir, trocar opiniões, associar ou conferenciar
(BARBOSA; RABAÇA, 1987).
Ou seja, “exprime a totalidade do processo que coloca em relação
duas (ou mais) pessoas” (MARTINO, 2001) e inclui procedimentos
por meio dos quais uma mente pode afetar outra por meio da troca de
informações processada pelo sistema nervoso central.
Não há dados precisos sobre quando e como ocorreu o primeiro
ato de comunicação. Sabe-se, no entanto, que o homem desde os
tempos primitivos precisa se comunicar para sobreviver e satisfazer
suas necessidades – e que, para isso, dispõe de vários recursos
(BORDENAVE, 2007). Ele pode utilizar sinais de natureza verbal
ou não verbal, relatar atos no presente, referir-se ao passado e fazer
especulações sobre o futuro.
Para gerar processos de comunicação, é preciso que exista uma
estrutura com inteligência suficiente para conhecer o conjunto
de símbolos necessários para elaborar e decodificar mensagens, e
capacidade de perceber e de analisar o que ocorre no ambiente.
A comunicação não é, portanto, apenas o intercâmbio de
mensagens (informações), mas uma construção de sentido. Afinal, as
pessoas interpretam as mensagens de acordo com seu conhecimento,
que pode coincidir, ou não, com o do autor ou “falante”.
Essa relação entre interlocutores pode acontecer em quatro níveis:
individual, interpessoal, grupal ou massivo, dependendo de quantos
indivíduos estão envolvidos no processo.
Em um ato de comunicação, estão envolvidos principalmente
o emissor, a mensagem e um receptor. Com o advento da internet,
266
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
rede telemática descentralizada e de baixa hierarquia, foi formado
um ambiente complexo para troca de mensagens, proporcionando a
produção, distribuição e consumo de informações de diversas formas
e através de convergentes plataformas digitais conectadas.
Mesmo assim, o emissor, que pode ser um indivíduo ou um
grupo, é o elemento que organiza, formula e envia a mensagem. Ao
transmiti-la, ele sempre terá um objetivo, tratado por alguns como
fator de intencionalidade (INGEDORE, 2002 apud DEUS, 2006).
A mensagem, objeto da comunicação, é elaborada usando-se
alguns códigos, por exemplo, palavras, gestos, sinais de trânsito,
desenhos. Sendo assim, é possível se comunicar de diversas maneiras,
mas é necessário usar signos (MEUNIER; PERAYA, 2008).
Estes tornam visíveis (audíveis) e públicos, o que era restrito a um
determinado indivíduo (DEL NERO, 1998).
Os signos são representações de alguma coisa. Eles surgem
da necessidade do ser humano de representar algo para melhor
compreensão, entendimento ou análise, facilitando a comunicação.
Eles são então organizados segundo “regras de combinação ou
sintaxe” (BORDENAVE, 2002 apud DEUS, 2006). “Os elementos
da linguagem escrita, por exemplo, são as letras do alfabeto que,
agrupadas segundo certas regras, formam as sílabas e estas as palavras,
que, por sua vez, organizam-se em frases, parágrafos, capítulos”.
Uma vez que a mensagem é enviada através de um canal, cabe ao
receptor decodificá-la se seu repertório for comum ao do emissor.
Afinal, quando uma frase é pronunciada, ela tem valor diferente
dependendo da situação ou contexto.
Do mesmo modo, a linguagem se caracteriza a partir de um acordo
entre os falantes (CATALANI; KISCHINEVSKY; SIMAO, 2004).
É claro, portanto, que a comunicação é muito mais que a
transmissão da mensagem do emissor para o receptor. É um processo
de organização no qual pessoas interagem, fazendo-se compreender
e organizando-se em sociedade, bem como convivem umas com as
267
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
outras e se influenciam reciprocamente (BORDENAVE, 2002 apud
DEUS, 2006).
Como pode ser visto, é alto o grau de complexidade da comunicação
(KRISTENSEN; ALMEIDA; GOMES, 2001). Além disso, diversos
são os trabalhos que buscam torná-la mais eficaz, por exemplo Del
Nero (1998).
No entanto, aqui se considera importante a comunicação como
mecanismo para disseminação de informações.
Finalizando esta seção, deve-se ressaltar que aqui foram
apresentados aspectos cognitivos importantes para a avaliação da
forma como sites de compra coletiva tiram proveito das características
humanas e alcançam o sucesso atual.
Para isso, optou-se por abordar formas de comunicação, memória
e personalidade, dando especial ênfase em aspectos relativos à
aprendizagem (assimilação) e à tomada de decisão.
Compras Coletivas
As compras coletivas se tornam uma nova porta de publicidade,
pois empresas podem usá-las como uma forma de propaganda e de
divulgação de sua marca na internet para milhares de pessoas. Além
disto, permitem que mais consumidores experimentem seu produto
ou serviço por um custo baixo e acessível (OLIVEIRA; MARQUES,
2011) em alternativa a oferecer brindes ou cupons de desconto
individuais, que normalmente não são utilizados.
As regras desse tipo de site são bem simples. É estipulado um
prazo dentro do qual o número mínimo de compradores deverá ser
atingido.
Se esse número não for alcançado, a oferta será desativada e
cada comprador receberá seu dinheiro de volta. A oferta pode ser
também encerrada antes do término do prazo se for atingido o
268
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
número máximo de compradores estipulado. Além disso, o usuário
é incentivado a “recomendar” o site aos amigos. Isto é vantajoso,
pois, para cada amigo que se cadastrar e realizar uma compra no site,
o usuário ganhará um determinado valor em crédito para futuras
compras (CAMPELO FILHO; SIQUEIRA, 2011).
Para efetivar a compra, é necessário apenas um cadastro rápido
e poucos cliques. Ao entrar no site, há uma área para “cadastro” na
qual devem ser fornecidos dados pessoais como nome, sobrenome,
endereço, email, telefone, data de nascimento e informar uma senha.
Após se autenticar no site, basta clicar no botão “comprar” de qualquer
oferta ativa, informar os dados de pagamento e finalizar para efetivar
a aquisição. Ressaltando que existem regras específicas que devem ser
respeitadas – por exemplo, a delimitação da quantidade de produtos
ou serviços que pode ser adquirida.
Tal compra pode trazer benefício real ao consumidor que já
conhece a empresa e/ou produto ou que quer experimentar ou
aproveitar oportunidades, o que normalmente ocorre de forma
impulsiva (FELIPINI, 2011).
Ao adquirir alguma oferta, o comprador deve aguardar o término
da promoção para que o site disponibilize o cupom. O que torna a
compra diferente é o momento da ação porque, apesar de efetuada por
meio do site, ela se concretiza apenas quando o comprador apresenta
o cupom impresso no estabelecimento e usufrui da aquisição.
Os atrativos mais diretos aos consumidores são os descontos. Já
para as empresas, trata-se de uma ferramenta de divulgação do serviço
ou produto com alta visibilidade, além da oportunidade de alcançar
consumidores que não recebiam propagandas por outras formas de
divulgação.
Há uma parceria entre as empresas e os sites de compra coletiva,
que, por meio de um contrato, intermedeiam a venda e estabelecem
um valor de comissão para os produtos e serviços. Esses sites enviam
periodicamente milhares de emails a usuários cadastrados ou indicados
269
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
por amigos.
Ao abrir o e-mail, o consumidor encontra ofertas que o redirecionam
para o site. Nele, um cronômetro mostra o tempo que falta para
expirar a possibilidade de compra, despertando o interesse e o desejo
no consumidor.
O fato de a oferta ficar disponível por um período determinado e ter
um número mínimo e máximo de compradores torna essa forma de
comércio vantajosa para os interessados. Afinal, ocorre o aumento da
demanda e da divulgação em troca da baixa dos preços.
Especificamente os sites de compra coletiva se enquadram no
modelo de comércio eletrônico denominado “comércio cooperativo”,
e essa parte será abordada na próxima seção. Após isso, será
apresentado o histórico desses sites no Brasil e no mundo.
Comércio eletrônico (e-commerce)
Conforme citado, os sites de compra coletiva se enquadram
na modalidade de comércio eletrônico denominado comércio
cooperativo, modalidade na qual os parceiros de negócio colaboram
por via eletrônica. A respeito do conceito geral, Albertin (2010)
esclarece que e-commerce ou comércio eletrônico pode ser definido
como a compra e/ou venda de informações, produtos ou serviços
por meio da rede mundial de computadores.
Trata-se de uma forma de comércio on-line na qual os consumidores
efetuam transações em tempo real usando algum equipamento ou
aparelho eletrônico com acesso à internet.
O e-commerce proporciona, além da exposição global dos produtos
ou serviços, agilidade nos processos de pagamento, tornando o ato de
comprar mais fácil, ágil e prático.
Essa forma de comércio possibilita ações que incluem
desde marketing direto até pregões eletrônicos, e vem mudando
substancialmente o valor agregado (KALAKOTA; ROBINSON,
270
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
2002), ou seja, aumenta a conveniência, a velocidade e a personalização.
Uma das grandes vantagens do comércio eletrônico é o custo de
exposição de produtos muito inferior ao custo médio de exposição
em mídias tradicionais como jornal, revista, rádio e televisão.
Outra vantagem é a de atingir grande número de consumidores, já
que a exposição passa a ser global, superando as limitações das mídias
tradicionais, ainda mais pelo uso das redes sociais (RODRIGUES;
NASCIMENTO; SOUZA, 2008).
Em uma visão geral, Laudon e Laudon (1999) apontam como
benefícios do comércio eletrônico “a redução do tempo das
transações, ampliação do raio de atuação da empresa, redução dos
custos com pessoal, estreitamento nas relações com os clientes,
proposição de novos serviços e facilidade e melhoria no controle de
pedidos e gastos”.
Além disto, Beraldi e Escrivão Filho (2000) mencionam que,
devido ao e-commerce, “pela primeira vez na história empresarial,
as empresas de menor porte podem competir com ferramentas ou
estratégias tão potentes quanto as das grandes corporações”, ou seja,
com o uso de comércio eletrônico.
Histórico das Compras Coletivas
Os sites de compra coletiva derivam daqueles que surgiram nos
anos 1990 para venda de produtos. Albertin (2010) explica que os
primeiros sites nesta linha foram Amazon.com5 e E-bay,6 ambos
criados em 1995 e ainda em atividade atualmente. A Amazon.com
disponibiliza um volume de títulos que supera o das livrarias físicas
e reproduz peculiaridades do atendimento pessoal com atendentes,
além de um espaço para crítica e troca de opiniões. Este serve de guia
a outros consumidores, o que pode ser visto como uma rede social
5
http://www.amazon.com
6
http://www.ebay.com
271
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
daqueles que se interessam por determinado título ou assunto.
Especificamente, o conceito de “vendas coletivas” começou em
2008, nos Estados Unidos, com a empresa Groupon (CARDOSO,
2010). Segundo Marcos Todeschini, em matéria da revista Época
Negócios7, o site Peixe Urbano trouxe a nova modalidade para o
Brasil, oferecendo descontos de até 70% em estabelecimentos em
São Paulo. A empresa atingiu 1 milhão de usuários em 154 dias de
funcionamento.
Após o começo em São Paulo, os sites de compra coletiva se
expandiram pelo Brasil atuando, inicialmente, nas cidades mais
desenvolvidas.
O sucesso dessa modalidade no Brasil se deve, segundo declara
Dora Câmara, diretora comercial do IBOPE Media, ao fato de que
“o internauta brasileiro, quando pesquisado em detalhes, se mostra
maduro, multimídia e aberto para receber e compartilhar informações
na web” (IBOPE MEDIA, 2011).
Como consequência desse crescimento, aumentou também
o número de sites que reúnem as ofertas de compra coletiva de
determinada região. São os chamados agregadores de sites de compra
coletiva.
Neles os consumidores podem visualizar ofertas agrupadas,
facilitando a comparação entre os vários serviços.
Cenário atual das compras coletivas
Este segmento, apesar de recente em solo nacional, tendo as
7
Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/revista/common/0,,emi177066-16363,00-ele+inventou+a+compra+coletiva.html>. Acesso em:
10 nov. 2010
272
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
primeiras empresas do setor iniciado suas atividades em 2010,
representa um importante campo de negócios, tendo faturado mais de
91 milhões de reais apenas no mês de agosto de 20128 e conquistando
um constante e representativo aumento mensal no seu faturamento
(CAMPELO FILHO; SIQUEIRA, 2011).
Dados como estes podem ser acompanhados periodicamente no
blog do cupom9 e no Deal Explorer.
A seguir estão reproduzidos alguns gráficos que exemplificam as
informações que podem ser acessadas.
No Gráfico 1, são apresentados os sites de compra coletiva que
obtiveram os 10 maiores faturamentos no mês de agosto deste ano.
Nele, pode ser observada a superioridade absoluta do site Groupon
neste quesito.
R$ 619.575,35
R$ 670.581,01
R$ 938.920,34
R$ 1.014.531,29
R$ 1.132.634,00
R$ 1.149.400,99
R$ 1.326.647,27
R$ 1.893.304,00
R$ 4.189.924,06
R$ 75.975.862,97
Gráfico 1: Ranking do faturamento dos sites no mês de agosto de 2012.
Fonte: Deal Explorer
Groupon BR
Clickon BR
Viajar barato
Mucca Club
Cupom Now
Innbativel
Barato Coletivo
Uva Rosa
Panfleteria
Azeitona Preta
O ranking por faturamento é construído baseado no volume de
vendas das ofertas publicadas em mais de 60 sites de compra coletiva
do Brasil. O Deal Explorer coleta as informações e as mantém em um
banco de dados apresentando algumas formatações quando o usuário
8
http://www.dealexplorer.com.br/
9
http://www. blogdocupom.com.br/
273
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
solicita.
No Gráfico 2, estão os sites atuantes no Brasil que venderam as
maiores quantidades de cupons no mês de agosto de 2012.
Além desses dados, o Deal Explorer disponibiliza um ranking dos
sites mais acessados e este é atualizado diariamente.
7858
12953
15763
21794
22154
22660
34409
65045
127041
1059053
Groupon BR
Panfleteria
Mucca Club
Clickon BR
Azeitona Preta
Os Mosqueteiros
Cupom Now
Local Club
Barato Coletivo
Uva Rosa
Gráfico 2: Ranking de quantidade de cupons vendidos no mês de
agosto de 2012. Fonte: Deal Explorer
Comparando os gráficos 1 e 2, pode-se observar que alguns sites
– Innbatível e Viajar barato, por exemplo – obtiveram faturamento
expressivo mesmo vendendo menos cupons que os demais. Por outro
lado, há sites como o Panfleteria, que alcançaram vendas substanciais.
No caso específico, o referido site teve a segunda maior venda de
cupons, mas devido ao baixo custo unitário, aparece apenas em 9º
lugar no faturamento do mesmo mês.
A principal característica que pode explicar essa diferença é que
os dois primeiros sites são especializados em ofertas de viagens para
clientes de todo o país, enquanto o último é regional, com ofertas de
diversas categorias, mas concentrando suas atividades nas cidades de
Fortaleza-CE e Mossoró-RN.
Ainda nesses gráficos, pode-se observar a primeira colocação do
Groupon tanto em relação ao volume de vendas quanto ao faturamento.
Nesse sentido, esse site foi escolhido por ser representativo para
274
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
$
R
R
$
$
10
.7
89
.8
28
8.
,6
02
0
7
.1
R
$
94
4.
,9
85
9
4.
R
3
$
23
4.
,8
48
9
3.
R
18
$
5,
3.
70
18
3
R
.9
$
68
2.
,6
93
0
1.
R
72
$
0,
2.
71
54
4.
R
9
$
52
2.
,5
02
5
4.
R
14
$
9,
1.
00
77
4
R
.7
$
45
1.
,3
64
0
1.
R
83
$
2,
1.
30
50
8.
R
87
$
1,
1.
96
43
1.
R
23
$
5,
1.
88
02
4.
01
R
$
5,
98
30
1.
13
R
7,
$
90
90
4.
75
R
3,
$
05
85
4.
82
R
6,
$
10
69
3.
88
R
4,
$
00
64
5.
27
R
0,
$
45
55
7.
80
R
3,
$
50
53
0.
92
R
4,
$
80
47
8.
81
1,
30
R
R
$
35
.9
25
.0
29
32
.3
,6
19
7
.3
09
,2
9
visualizar o panorama geral da distribuição das compras coletivas no
Brasil.
Para este fim, foi elaborado o Gráfico 3. Nele, está apresentada
a distribuição nacional e por estado do faturamento das vendas do
Groupon.
Neste gráfico, é possível perceber que a região do país que mais
contribui para o faturamento é a centro-sul. Esta informação é
intuitiva, uma vez que é a região com maior população e recursos.
SP
Nacional
RJ
MG
SC
RS
DF
PR
GO
CE
TO
AM
BA
ES
MT
MS
PB
AL
RN
PA
PB
SE
MA
Gráfico 3: Faturamento do Groupon nos estados brasileiros e ofertas
nacionais no mês de agosto de 2012. Fonte: Deal Explorer.
As ofertas nacionais, que correspondem aos produtos ou aos
serviços que podem ser adquiridos por clientes de qualquer lugar
do país, aparecem em segundo lugar no ranking de faturamento. São
classificados como “Nacional” cupons de viagens ou hospedagem,
por exemplo. Uma peculiaridade identificada nestes casos é o alto
preço e, como citado, a abrangência do público que tem acesso às
ofertas.
Detalhando melhor uma ferramenta de compra coletiva, na Figura
4 tem-se um exemplo de quantidade de cupons vendidos. Uma
sorveteria localizada no litoral de Fortaleza vendeu, até o final do dia
04/09/2012, por intermédio do site Panfleteria, a maior quantidade
de cupons segundo o Deal Explorer. A segunda colocada no mesmo
dia era uma oferta de R$ 19,90 do Clickon, que vendeu 470 unidades.
Na Figura 4, ainda é possível ter uma ideia geral do design de um
site de compra coletiva.
275
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
Na primeira parte, há uma seção de cadastro, seguida pelas ofertas,
regras e formas de localização da empresa.
Aqui, por motivos de exemplificação, optou-se por não apresentar
todas estas informações. Outro ponto a ser ressaltado é que a escolha
desse site levou em consideração apenas o fato de ser a oferta com
maior número de cupons vendidos na data informada.
Figura 4: Exemplo de partes de um site de compra coletiva e de uma
venda expressiva.
Esta ilustração também aponta a necessidade de planejamento por
parte da empresa, para que a mesma tenha estrutura suficiente a fim
de atender os compradores e não correr o risco de ter má reputação
na rede social, o que pode levá-la a consequências irreversíveis.
Afinal, considerando que duas bolas de sorvete somam 200 gramas,
para atender a todos os clientes no período definido no site, ou
seja, de 11/09 a 13/10, precisarão ser disponibilizados (produção,
manutenção etc.) 916 kg de sorvete. Além disso, também será preciso
disponibilizar 4580 copos de água (parte do cupom).
É preciso atentar, ainda, que para esta oferta não foi estabelecida
nenhuma necessidade de marcação prévia, mas apenas citado um
horário para comparecimento – entre 9h e 23h, em qualquer dia
da semana. Analisando as possíveis combinações de frequência de
clientes, percebe-se que isso pode levar a um grande número de
clientes no mesmo dia, impossibilitando o atendimento de todos, por
276
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
exemplo.
Comportamentos que explicam o sucesso da compra coletiva
O funcionamento dos sites de compra coletiva pode ser analisado
com foco nos aspectos cognitivos e características dos seres humanos.
Dessa forma, alguns pontos são importantes na busca por identificar
o porquê do sucesso desse tipo de site.
Os primeiros pontos que são percebidos rapidamente se referem à
composição oferta/desconto, aliada ao fator tempo. Essas informações
são destacadas em todos os sites deste tipo de comércio. O bom preço
e o tempo se exaurindo levam o consumidor a comprar sem ter muito
tempo para pensar e analisar. Esse comportamento impulsivo é alvo
de estudos e o TG.net destaca que o percentual de compras nesse
seguimento é consideravelmente maior que a média dos internautas.
No caso de livros, esses estudos apontam uma diferença de 27,7%
para 14%, em média.
Outros fatores que influenciam a decisão de compra são a indicação
e o conhecimento da empresa e/ou do produto. Algum amigo ou
o fato de ter experiências positivas fazem com que o comprador
tenha parâmetros de avaliação. Afinal, não existem sistemas de
recomendação que possam auxiliar o julgamento do consumidor,
a não ser o botão de “curtir” do Facebook, ou a possibilidade de
algum amigo compartilhar a oferta no Twitter – opções disponíveis
em alguns sites de compra coletiva, como no exemplo apresentado.
Junto a isto, existem os limites, mínimo e máximo, de quantidade.
Uma compra só é efetivada caso seja superado o número mínimo. Já
o limite superior induz a um comportamento de reação rápida para
“não perder a oportunidade”.
Algumas características potencializam a utilização deste tipo de site:
a simplicidade, praticidade e a recomendação/avaliação de amigos.
277
Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva
A primeira ocorre por conta dos passos necessários para cadastro
e aquisição de um cupom, ou seja, como informado anteriormente,
poucos cliques. Com relação à praticidade, deve-se ressaltar o fato de a
compra ser realizada usando um equipamento com acesso à internet,
podendo o cliente estar em casa ou no trabalho, por exemplo. Além
disso, em diversas ofertas, é disponibilizada a entrega do bem, outro
ponto que enfatiza a praticidade.
Esses fatores são comuns a outros serviços, como lojas virtuais
ou emails de ofertas enviados por lojas de departamento. A diferença
principal que pode ser identificada está na confiabilidade, e pode ser
explicada pela conjunção de compra virtual com contato físico. Nesse
contato, é preciso apresentar o cupom impresso e, normalmente,
efetuar um pagamento mínimo de despesas de transporte, embalagem
etc., sempre apontado nas regras, visíveis no momento da aquisição
do produto ou serviço. Em diversos casos, é preciso fazer reserva por
telefone para que haja o atendimento pessoalmente, na casa do cliente
ou no estabelecimento fornecedor. Independente do caso, há sempre
um contato físico entre pessoas e, apesar de a compra ser realizada
via internet, a efetivação da mesma só ocorre no momento em que
o cliente recebe o bem adquirido mediante a entrega do cupom,
comprovante da compra.
Conclusão
O sucesso dos sites de compra coletiva pode ser explicado a
partir do estudo da dinâmica do comportamento e da decisão de
compra. Esses pontos, aliados à simplicidade e aos ganhos a todos os
envolvidos, justificam o crescimento desse sistema nos últimos anos.
Esse sistema somente pode ser estruturado por meio de uma rede
telemática descentralizada e de baixa hierarquia, como a internet, que
permite ao interessado acessar o site de qualquer plataforma digital
278
Os sites de compra coletiva:uma análise com foco nos aspectos cognitivos
conectada ao mesmo tempo que outros interessados, favorecendo a
velocidade e escala no processo de compra.
Sales e Souza (2011) relatam que a comercialização de produtos e
serviços por vendas coletivas tem sido bem recebida pelos internautas.
Na visão da empresa, com a compra coletiva, um número maior de
consumidores pode ser alcançado, tornando os produtos conhecidos.
Além disso, ela tem a chance de conquistar clientes assíduos, que
venham a adquirir outros produtos ou serviços.
Por fim, deve-se ressaltar que, em geral, o sistema de compra
coletiva se mostra vantajoso para o comércio e para a sociedade em
virtude de favorecer uma economia com capital de giro.
Trabalhos futuros incluem a análise dos sites de compra coletiva
no aspecto puramente empresarial; avaliações de ações de marketing;
e também acompanhamento de usuários. Além disso, entrevistas com
cada um dos envolvidos para avaliar opiniões podem ser interessantes
para aprimorar o estudo da evolução dos sites de compra coletiva.
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