DESIGUALDADE

Transcrição

DESIGUALDADE
DESIGUALDADE
(Contardo Calligaris)
A DESIGUALDADE é a culpada da vez
vez. Ela seria a nossa grande falha – política,
política
econômica e moral. "O Capital no Século 21", de Thomas Piketty, contestado ou
aclamado, tornou-se um best-seller: enfim alguém apontava o dedo para a
vergonha do capitalismo tardio. Depois da Segunda Guerra Mundial, nos EUA e na
Europa, a gente parecia se encaminhar para um mundo médio, com ambições e
consumo médios –um dia, estaríamos todos vivendo no bonito subúrbio de um
filme americano dos anos 1960.
Esse sonho (ou pesadelo) acabou nos anos 1980. Na década de 1990, pareceu
claramente que o retorno dos investimentos financeiros era maior do que o nosso
crescimento econômico. Ou seja, os ricos seriam sempre mais ricos, e os outros,
mais pobres. Aumentando, a desigualdade econômica se traduziria em
desigualdade de influência política e acabaria com nossas democracias –os ricos
sendo mais cidadãos do que os pobres. No Brasil, isso não seria novidade. Na Folha
de sábado (13), Eleonora de Lucena comentou o livro de Robert Gordon, "The
RiseandFallof American Growth" (ascensão e queda do crescimento americano),
para quem a desigualdade crescente compromete o futuro econômico dos EUA.
Reduzir a desigualdade se tornou a palavra de ordem do século que começa. É
preciso diminuir os supersalários,
supersalários investir em educação para garantir
oportunidades a todos, aumentar os impostos dos mais ricos e ajudar os mais
pobres com políticas assistenciais. A desigualdade começou a parecer obscena,
moralmente condenável. Mas eis que aparece o pequeno livro de um filósofo, que
João Pereira Coutinho já comentou nesta "Ilustrada" (29/12/2015): "OnInequality"
(sobre a desigualdade), de Harry Frankfurt. Frankfurt mostra que a desigualdade
problema moral: o escândalo não é q
que Bill
está nos distraindo do verdadeiro p
Gates tenha infinitamente mais do que eu; o escândalo é que alguém, aqui ou
onde quer que seja, não tenha o necessário.
Ou seja, em si, a igualdade não é um valor moral, nem a desigualdade é uma falha
moral da sociedade. O escândalo é a existência da pobreza. Mas o que é a
pobreza? O que significa não sermos pobres? Para Frankfurt, a resposta vai muito
além da lista das necessidades vitais: não somos pobres quando temos o
suficiente para viver uma vida que julguemos boa. Obviamente, a definição do
que é suficiente e necessário para ter uma vida boa é diferente para cada um.
Frankfurt poderia citar Marx, que não era igualitarista e, na "Crítica do Programa
d Gotha"
de
G h " (1875),
(1875) d
definia
fi i o comunismo
i
assim:
i "D
"De cada
d um segundo
d suas
capacidades, a cada um segundo suas necessidades".
Agora, de onde vem a idéia de que a diferença excessiva seria a grande falha
moral da nossa época? Minha hipótese (e provocação) é que a indignação com
a desigualdade (mais do que com a pobreza) é, digamos, um efeito Facebook:
para saber se minha vida me satisfaz, eu preciso sempre compará-la à dos
outros. Em termos psicológicos, para a moral que parece dominante na nossa
época, o desejo se confunde com a inveja, perde-se nela.
Cuidado. Não acho que a inveja seja desprezível. A inveja tem uma função
importante: é por ela que descobrimos e valorizamos a série infinita dos
objetos que nos dão alguma satisfação (efêmera, mas, mesmo assim, alguma
satisfação).
) A inveja nos ajuda a escolher o carro, a bicicleta, o apê, o perfume,
o bolo, o lugar de férias e até o parceiro –ou seja, aquelas —————————
———————————————————————————————————
— 25
Coisas q
que q
queremos,, eventualmente,, para
p
emular um outro,, competir
p
com ele
ou até pelo duvidoso prazer de ter o que ele não tem. O desejo se expressa
nessas bagatelas atrás das quais a inveja corre ("Eu quero isso, quero aquilo"¦");
mas, antes disso, o desejo é aquela parte de nossa história que orienta nossa
vida.
Um exemplo trivial: 1) eu sonho com um carro de luxo (expressão de inveja); 2)
mas quero ser professor e ter dois filhos (orientação do desejo); 3) terei o
suficiente para uma vida boa, se conseguir ser professor e sustentar meus
filhos; 4) poderia deixar de ensinar ou de ter filhos para me dedicar a ganhar
dinheiro. Terei uma vida boa? Só um cuidado: às vezes, dedicar-se a ganhar
di h i é mesmo o d
dinheiro
desejo
j d
de alguém
l é – geralmente,
l
aliás,
liá esse é o caso d
de
quem consegue mesmo enriquecer.
CONTARDO CALLIGARIS é psicanalista, doutor em psicologia clínica e escritor.
E i
Ensinou
EEstudos
t d C
Culturais
lt i na New
N School
S h l de
d NY e ffoii professor
f
d
de antropologia
t
l i
médica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Reflete sobre cultura,
modernidade e as aventuras do espírito contemporâneo (patológicas e
ordinárias) Jornal FOLHA DE SÃO PAULO,
ordinárias).
PAULO Fevereiro de 2016
2016.
A POBREZA NO BRASIL
E NO MUNDO
No Brasil, o crescimento econômico que estamos vivendo não está
necessariamente ligado à melhoria da qualidade de vida da população, pois
grande parte dela ainda não tem acesso às condições mínimas de saúde,
educação e serviços básicos.
A POBREZA NO BRASIL E NO MUNDO
No Brasil
Brasil, o crescimento
res imento econômico
e onômi o que
q e estamos vivendo
i endo não está
necessariamente ligado à melhoria da qualidade de vida da população, pois
grande parte dela ainda não tem acesso às condições mínimas de saúde,
educação e serviços básicos
básicos.
Em outras palavras, o país enriqueceu, mas não conseguiu transferir esta
riqueza em maior expectativa de vida e alfabetização para toda população. Ao
menos na mesma velocidade.
velocidade
Este problema é, em parte, conseqüência da grande concentração de renda que
existe no país. O Brasil continua sendo um dos países onde é maior a
concentração de renda. Enquanto os 20% mais pobres ficam apenas com 2,5%
da renda, os 20% mais ricos ficam com mais de 60% da renda. É verdade, no
entanto que nos últimos 25 anos a situação vem apresentando melhora
entanto,
melhora, mas
ainda está precisando atenção do governo para resolver estes problemas.
A concentração de renda é uma tendência muito antiga, se se levarem em conta
estatísticas dos séculos passados,
estatísticas,
passados naturalmente menos completas e refinadas
refinadas. Em
1870, por exemplo, os 20% mais ricos tinham renda apenas 7 vezes maior do que a
dos mais pobres.
Os desníveis sociais não vem aumentando apenas entre países
países, mas também
dentro dos países. Mesmo nações ricas, como as da OCDE (Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne as 29 nações
supostamente mais industrializadas) registraram grandes aumentos na
desigualdade depois dos anos 80 – especialmente a Suécia, o Reino Unido e os
Estados Unidos.
A gglobalização
ç tem um enorme potencial
p
para
p
reduzir a diferença
ç de renda. Temos
mais riqueza, tecnologia e mais compromissos em relação à comunidade mundial
do que antes. Mercados mundiais, tecnologia mundial, idéias mundiais e
solidariedade mundial podem enriquecer a vida das pessoas por toda parte,
aumentando muito suas escolhas.
Mas ainda está longe de se atingir estas metas
metas, pois apenas 40 países mantém
crescimento médio de renda per capita de mais de 3% ao ano, ao passo que quase
100 países têm renda mais baixa que há um década e países da África, Europa do
Leste e países desmembrado da extinta União Soviética têm renda per capita
decrescentes.
Por isto, organismos internacionais com a ONU, por exemplo, pedem a ampliação
do p
papel
p dessas organizações,
g
ç , pois
p Estados nacionais têm crescente dificuldades
em implantar políticas que respondam a desafios que superam suas fronteiras.
A pobreza no Brasil
A pobreza no Brasil vem diminuindo nos últimos anos, mas o país ainda apresenta
uma grande quantidade de pessoas em condições de miséria.
Publicado p
por: Rodolfo F. Alves Pena em Geografia
g
humana do Brasil
A pobreza ainda é um problema no Brasil, apesar dos últimos avanços
O Brasil, em função de seu histórico de colonização, desenvolvimento tardio e
dependência econômica, além dos problemas internos antigos e recentes, possui
uma grande quantidade de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Assim,
por representar um país subdesenvolvido emergente, a pobreza no Brasil
apresenta elevados patamares.
S
Segundo
d um d
dado
d oficial
fi i l d
do Ministério
i i éi d
de Desenvolvimento
l i
d
de Combate
b
à Fome
datado de 2011, existiam no Brasil até esse ano cerca de 16,27 milhões de pessoas
em condição de “extrema pobreza”, ou seja, com uma renda familiar mensal
abaixo
b i d
dos R$70
R$70,00
00 por pessoa. Vale
V l llembrar
b que ultrapassar
lt
esse valor
l não
ã
significa abandonar a pobreza por completo, mas somente a pobreza extrema.
É preciso dizer, porém, que a pobreza não é uma condição exclusiva de uma região
ou outra,
outra como se costuma pensar.
pensar Praticamente todas as cidades do país
(principalmente as periferias dos grandes centros metropolitanos) contam com
pessoas abaixo da linha da pobreza.
No entanto
entanto, é válido ressaltar que,
que apesar dos problemas históricos
históricos, o Brasil vem
avançando na área de combate à fome e à pobreza no país. Segundo um relatório
divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de
pessoas que abandonaram a pobreza no Brasil em 2012 ultrapassou os 3,5
milhões. Nesse estudo, o critério para pobreza extrema era, inclusive, mais alto
que o acima mencionado: R$75,00 por membro da família.
Outra boa notícia é a de um relatório apresentado pela Assembleia das Nações
Unidas em 2013 que colocou o Brasil como o 13º país que mais investe no
combate à pobreza no mundo, em um rankingcomposto por 126 países em
desenvolvimento. Assim, o país investe mais do que todos os demais membros
do BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), mas ainda está atrás de nações
como Argentina e Venezuela. Ao todo, segundo o relatório, o Brasil gasta quase
US$
$ 4 mil dólares por
p ano p
para cada p
pessoa [[1].
]
O carro-chefe atual das políticas públicas de combate à fome no Brasil é o
programa Bolsa Família, criado em 2003. Trata-se de uma política assistencialista
de transferência de renda, em que o governo oferece subsídio para famílias em
condições de pobreza ou miséria acentuada. Apesar das muitas críticas e
polêmicas na esfera política, o programa vem recebendo elogios por parte de
sociólogos e economistas, uma vez que gasta muito pouco (0,5% do PIB) e
contribui substantivamente para a melhoria da qualidade vida. Segundo o Ipea, a
estimativa é a diminuição de 28% da miséria do país em 2012 somente pelo Bolsa
Família.
Recentemente, um apontamento do Banco Mundial revelou que o Brasil vem
servindo de modelo e exemplo no que diz respeito ao combate à pobreza no mundo,
com a redução da miséria, a diminuição de dependentes do próprio Bolsa Família e
com a criação do Cadastro Único, que visa a identificar a quantidade de pessoas em
extrema pobreza
b
no país
í [2]
[2]. Tais
T i medidas
did vêm
ê sendo
d estudadas
d d e até
é copiadas
i d por
especialistas e governantes de outras localidades do mundo.
Por outro lado, há uma grande quantidade de pessoas que ainda vivem à margem da
so iedade no Brasil
sociedade
Brasil, problema q
que
e difi
dificilmente
ilmente se resol
resolverá
erá somente com
om a promo
promoção
ão
de programas assistencialistas. Os principais desafios estão em vencer os problemas
nas áreas de saúde e educação, que vêm recebendo tímidos avanços, e ampliar a
qualificação profissional e a oferta de emprego no país
país.
Além disso, para muitos especialistas, diminuir o número de pessoas que vivem com
menos de US$1,25 por dia – critério elaborado pelo Banco Mundial e pela ONU para
definir a pobreza extrema – não é o suficiente
suficiente. A ideia seria a de elevar esse valor na
definição de miséria e traçar uma nova meta para a redução da pobreza no Brasil,
principalmente através de medidas que não taxem tanto as classes média e baixa
e que consigam encontrar formas de diminuir a desigualdade social e a
concentração de renda, que ainda são muito acentuadas no Brasil.
________________________
[1] Development
D l
t Initiatives.
I iti ti
I
Investiments
ti
t to
t End
E d Poverty.2013.
P
t 2013
[2] The World Bank, 22/03/2014. Como reduzir a pobreza: uma nova lição do Brasil para o mundo?
A POBREZA SÓ EXISTE POR CAUSA DA RIQUEZA...
RIQUEZA
Explico-me, enquanto o mundo se organizar com base na riqueza e na luta
fratricida pelo seu domínio, a avalanche de pobres engrossará todos os dias. Por
isso, enquanto a riqueza for um fim e não um meio, todos, nós todos, seremos
pobres, muito pobres de valores e de espírito.
E a Igreja
g j Católica o q
que p
podia fazer como instituição
ç a favor da p
pobreza? - Muito,,
devia denunciá-la sem medo e apontar claramente quem são os principais
responsáveis por ela... Se tal acontecesse o mundo tremia e a Igreja fixava-se no
essencial da sua missão, ser profeta à maneira de Jesus de Nazaré. Afinal bastava
que o Evangelho fosse vida para a vida dos homens e mulheres concretos de cada
tempo.
Neste sentido, têm razão as vozes que apontam responsabilidades às igrejas pela
pobreza. Cometeu-se aqui um pecado grave, as igrejas também se corromperam
com a luta pela riqueza, pelo dinheiro - os vários escândalos que envolvem o Banco
do Vaticano, é sintomático (não é curioso a Igreja Católica Instituição ser
possuidora
d
d
de um b
banco?)...
?)
Os vários sistemas políticos compraram as igrejas com chorudas ofertas.
Manietaram a sua voz e a sua ação, para que imperasse a luta feroz pela riqueza.
Negociado o silêncio de quem devia falar por missão, ficou o caminho livre para a
ganância, o egoísmo. Com esta tragédia a humanidade construiu um sistema que
f ffeliz
faz
li meia
i dú
dúzia,
i mas o grosso d
da h
humanidade
id d empobrece
b
cada
d vez mais.
i E
enquanto não acabar esta injustiça o mundo não muda, afunda-se,
miseravelmente, para o seu fim, porque a instabilidade social é já uma evidência
por todo o lado e os re
recursos
rsos naturais
nat rais (bens destinados a todos),
todos) face
fa e à ganância
anân ia
dos senhores da riqueza, esgotam-se aceleradamente, o que pode levar à
destruição total do nosso habitat. Mas, continuemos o sonho com esperança...
José Luís Rodrigues
Desigualdade e pobreza
no Brasil
Ricardo Paes de Barros
Ricardo Henriques
Rosane Mendonça
ç
RBCS Vol. 15 no 42 fevereiro/2000
Introdução
O Brasil, nas últimas décadas, vem confirmando, infelizmente, uma tendência de
enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. Um país
desigual, exposto ao desafio histórico de enfrentar uma herança de injustiça social
que exclui
l i parte
t significativa
i ifi ti d
de sua população
l ã d
do acesso a condições
di õ mínimas
í i
d
de
dignidade e cidadania. Como uma contribuição ao entendimento dessa realidade,
este artigo procura descrever a situação atual e a evolução da magnitude e da
natureza da pobreza e da desigualdade no Brasil
Brasil, estabelecendo inter
inter-relações
relações
causais entre essas dimensões.
Trata-se de um relato empírico e descritivo, que retrata a realidade da pobreza e da
desigualdade Nossa hipótese central
desigualdade.
central, presente em estudos anteriores
anteriores,1
1 é que,
que em
primeiro lugar, o Brasil não é um país pobre, mas um país com muitos pobres.
Em segundo lugar, acreditamos que os elevados níveis de pobreza que afligem a
sociedade encontram seu principal determinante na estrutura da desigualdade
brasileira — uma perversa desigualdade na distribuição da renda e das
oportunidades de inclusão econômica e social.
Procuramos, ainda,
Procuramos
ainda demonstrar a viabilidade econômica do combate à pobreza e
justificar a importância, no atual contexto econômico e institucional
brasileiro, de estabelecer estratégias que não descartem a via do crescimento
econômico mas que enfatizem, sobretudo, o papel de políticas redistributivas que
enfrentem a desigualdade.
O trabalho está organizado em três partes. A primeira parte visa mensurar a
pobreza no p
p
país,, descrevendo sua evolução
ç nas últimas duas décadas.
A segunda parte procura estabelecer um diagnóstico genérico sobre os principais
determinantes da pobreza, documentando em que medida o grau de pobreza
observado no país deve-se à insuficiência agregada de recursos ou à má
distribuição dos recursos existentes. Nesta parte, realizamos uma comparação
internacional e uma análise da evolução dessas dimensões ao longo do período
estudado. Em seguida, procuramos descrever a estrutura da distribuição de renda
entre as famílias brasileiras.
A terceira
t
i e últi
última parte
t d
do artigo
ti pretende
t d retratar
t t em que medida
did as
modestas reduções no nível de pobreza observadas no período analisado
resultam do crescimento econômico ou da redistribuição de renda. Em
conclusão e de acordo com o diagnóstico proposto ao longo do texto
conclusão,
texto, destaca
destacaDossiê desigualdade
124 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL.
VOL 15 Nº 42 mos a
necessidade de as políticas públicas de combate à pobreza concederem
prioridade à redução da desigualdade.
Pobreza no Brasil: afinal, qual o seu tamanho?
A evolução da pobreza e da indigência no Brasil entre 1977 e 1998 pode ser
reconstruída a partir da análise das Pesquisas Nacionais por Amostra
de Domicílios (PNADs) realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) Estas
(IBGE).
E t pesquisas
i domiciliares
d i ili
anuais2
i 2 permitem
it
construir
t i uma di
diversidade
id d
de indicadores sociais que retratam, entre outros, a evolução da estrutura da
distribuição
dos padrões de vida e da apropriação de renda dos indivíduos e das famílias
brasileiras.3 A pobreza, evidentemente, não pode ser definida de forma única e
universal. Contudo, podemos afirmar que se refere a situações de carência em
que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente
com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico. Deste
modo, a abordagem conceitual da pobreza absoluta requer que possamos,
inicialmente construir uma medida invariante no tempo das condições de vida
inicialmente,
dos indivíduos em uma sociedade. A noção de linha de pobreza equivale a esta
medida. Em última instância, uma linha de pobreza pretende ser o parâmetro que
permite a uma sociedade específica
p
p
considerar como p
pobres todos aqueles
q
indivíduos que se encontrem abaixo do seu valor.
Neste trabalho consideramos a pobreza na sua dimensão particular
(evidentemente simplificadora) de insuficiência de renda, isto é, há pobreza
apenas na medida em que existem famílias vivendo com renda familiar4 per
capita inferior ao nível mínimo necessário para que possam satisfazer suas
necessidades
id d mais
i bá
básicas.
i
5A magnitude da pobreza está diretamente relacionada ao número de pessoas
vivendo em famílias com renda percapita abaixo da linha de pobreza e à
distân ia entre a renda per capita
distância
apita de cada
ada família pobre e a linha de pobre
pobreza.
a
6Os resultados das PNADs revelam que, em 1998, cerca de 14% da população
brasileira vivia em famílias com renda inferior à linha de indigência e 33% em
famílias com renda inferior à linha de pobreza
pobreza. Deste modo
modo, como vemos na
Tabela 1, cerca de 21 milhões de brasileiros podem ser classificados como
indigentes e 50 milhões como pobres.
7 Ao longo das últimas duas décadas
décadas, como observamos na tabela
tabela, a
intensidade da pobreza manteve um comportamento de relativa estabilidade,
com apenas duas pequenas contrações, concentradas nos momentos de
implantação dos planos Cruzado e Real.
Este comportamento estável, com a porcentagem de pobres oscilando entre 40% e
45% da população,
população apresenta flutuações associadas
associadas, sobretudo,
sobretudo à instável dinâmica
macroeconômica do período. O grau de pobreza atingiu seus valores máximos
durante a recessão do início dos anos 80, em 1983 e 1984, quando a porcentagem
de pobres ultrapassou a barreira dos 50%. As maiores quedas resultaram, como
dissemos, dos impactos dos planos Cruzado e Real, fazendo a porcentagem de
pobres cair abaixo dos 30% e 35%, respectivamente. Considerando o período como
que a p
porcentagem
g
de p
pobres declinou de cerca de 39% em
um todo, constatamos q
1977 para cerca de 33% em 1998. Este valor ao final da série histórica analisada,
apesar de ainda ser extremamente alto, aparenta representar um novo patamar do
nível de pobreza nacional. A intensidade da queda na magnitude da pobreza
ocorrida entre 1993 e 1995 foi menor do que em 1986. No entanto, a queda de
1986 não gerou resultados sustentados, com o valor da pobreza retornando no ano
seguinte ao patamar vigente antes do Plano Cruzado. Entre 1995 e 1998 a
porcentagem de pobres permaneceu estável em torno do patamar de 34%,
indicando a manutenção dos impactos do Plano Real. Apesar da pequena queda
observada no grau de pobreza, o número de pobres no Brasil, em decorrência do
processo de
d crescimento
i
populacional,
l i
l aumentou em cerca d
de 10 milhões,
ilhõ
passando de 40 milhões em 1977 para 50 milhões em 1998.
A combinação
bi ã entre
t as fl
flutuações
t õ macroeconômicas
ô i
e o crescimento
i
t populacional
l i
l
fez com que o número de pobres chegasse a quase 64 milhões na crise de 1984 e
a menos de 38 milhões em 1986.
DESIGUALDADE E POBREZA NO BRASIL 125
No final dos anos 80 registra-se uma aceleração no contingente da população
pobre e, no período recente, após a implantação do Plano Real, cerca de 10
milhões de brasileiros deixaram de ser pobres. Os atuais 50 milhões de pessoas
pobres, por sua vez, encontram
encontram-se
se heterogeneamente distribuídos abaixo da linha
de pobreza e sua renda média encontra-se cerca de 55% abaixo do valor da linha
de pobreza. Os 21 milhões de pessoas indigentes, que correspondem a um
j
da p
população
p ç p
pobre,, estão igualmente
g
distribuídos de forma
subconjunto
heterogênea e encontram-se mais próximos de seu valor de referência, com sua
renda média mantendo- se cerca de 60% abaixo da linha de indigência.
Portanto,
P
t t a magnitude
it d d
da pobreza,
b
mensurada
d ttanto
t em ttermos d
do volume
l
ed
da
porcentagem da população como do hiato de renda, apresenta, na segunda
metade da década de 90, a tendência de manutenção de um novo patamar,
inferior ao observado desde o final dos anos 70
70. Isto indica
indica, sem dúvida alguma
alguma,
uma melhoria aparentemente estável no padrão da pobreza, mas este valor
continua moralmente inaceitável para a entrada do Brasil no próximo século.
Determinantes imediatos da pobreza: escassez de recursos e desigualdade na
distribuição de recursos
A pobreza,
b
como ressaltamos
l
anteriormente, estáá sendo
d analisada
l d neste artigo
exclusivamente na dimensão de insuficiência de renda. Neste sentido, a pobreza
responde a dois determinantes imediatos: a escassez agregada de recursos e a
máá di
distribuição
t ib i ã d
dos recursos existentes.
i t t EEsta
t parte
t d
do ttrabalho
b lh iinvestiga
ti essas
relações causais, procurando avaliar os pesos relativos da escassez agregada de
recursos e da sua distribuição na determinação da pobreza no Brasil.
COMO FOMOS
ENGANADOS!
Sou um miúdo… Sei que tenho cinco anos, pois olho para as minhas pequenas mãos e
tento aprender a contar pelos dedos
dedos, em espanhol
espanhol, para poder entrar na escola
primária. Eu, que apenas sabia contar em italiano.
Sou um miúdo, e ninguém se importa com o que eu possa ouvir… Talvez por essa
razão posso acercar-me
razão,
acercar me da grande secretária de nogueira,
nogueira onde meu pai,
pai engenheiro
de profissão, conversa com um famoso astrônomo da época, em Buenos Aires,
chamado Martin Gil. Eram ambos discípulos das idéias de Einstein. Os dois entretêm-se
a sonhar com uma segunda metade do século XX maravilhosa
maravilhosa.
Paro, presto atenção e depressa me esqueço de contar pelos dedos, em espanhol…
Por fim, dão pela minha presença, sentam-me numa cadeira, que me parece duma
altura imensa e sinto-me
sinto me verdadeiramente importante. Depois olham-me
olham me com
meiguice e dizem-me que quando crescer verei um mundo maravilhoso. O homem
chegará à Lua, os progressos da ciência e da técnica vão-nos permitir atingir planetas
longínquos
g q
antes q
que termine o fabuloso século XX. Invejam-me,
j
, porque
p q dos três,, só
eu poderei testemunhar todas essas coisas extraordinárias. Explicam-me que todos os
meninos do futuro serão felizes e terão imensos brinquedos e guloseimas. Dizem-me,
também, que a grande guerra que havia assolado a Europa em 1914-18 nunca mais se
repetirá. Que haveria paz.
Aconselham-me a que economize, que estude muito, pois nesse tal futuro dourado,
cada moeda guardada se multiplicará por muitas, os livros serão muitos e estarão
ao alcance de todos, e praticamente todas as doenças serão debeladas. Um deles,
já não me recordo qual, acaricia-me a cabeça e diz-me: “Talvez até se descubra um
remédio
édi para todas
d as d
doenças e atéé para a morte”.
”
Eu já tinha reparado que na cidade havia manchas de telhados que não eram de
telhas mas de lata q
telhas,
que
e cobriam
obriam umas
mas casitas,
asitas q
que
e não eram bem casitas,
asitas mas sim
uma espécie de barracas, lá para baixo, junto ao porto, e que nelas viviam miúdos
como eu, mas que não recebiam prendas pelo Natal. E perguntei porquê, e se no
futuro não haveria miséria
miséria, se todos os meninos teriam brinquedos como eu
eu.
Parece-me vê-los, lá longe na bruma do tempo, olharem um para o outro
longamente e logo responderem que sim, com toda a certeza, pois o avanço da
técnica e da ciência acabaria com todas essas diferenças
diferenças.
Continuaram a falar de coisas mais complicadas, falaram das enormes reservas de
petróleo, do trigo, de metais e novos produtos. Falaram também de paz e de
fraternidade entre todos os homens.
De novo repararam em mim,
D
i que já me llevantara
t
d
da cadeira,
d i e um pouco
aborrecido voltava a contar pelos dedos em espanhol; e o sábio astrônomo
perguntou-me: “Para que aprendes espanhol?O mundo do futuro, aquele em que
tu viverás só falará um idioma: o Esperanto”
Esperanto . Saí da sala perguntando a mim
próprio o que seria o Esperanto, e ao mesmo tempo sentia-me feliz por ter
nascido no século XX, o século das maravilhas, da bondade, do progresso. Fui
para o quarto dos brinquedos continuar a montar uma enorme grua com um
imenso “Mecano” de centenas de pecinhas em metal. Sentia-me bem, sentia-me
contente. Martin Gil, o astrônomo, dissera-me numa outra vez que tratasse de
estar cá ainda neste mundo quando o cometa Halley passasse de novo pelo céu,
pois era algo belíssimo de ver.
Os túmulos são profanados. Desenterram-se os mortos e atiram-se bebes para as
que lambia as mãos de
lixeiras. Os avós são abandonados onde calha. O cão ffiel q
seus donos é abandonado, às vezes atirado do carro em andamento, por altura
das férias porque se tornou um estorvo. Como fomos enganados! Era este o
maravilhoso século XX? Era este o maravilhoso século da justiça e da paz?
Quantas maravilhas!... Não tinhas outras palavras para expressar o que sentia, e
repetia-o e tornava a repetir, ora em italiano, ora em espanhol.
Passaram os anos, e o meu enorme “Mecano” servia-me para reproduzir barcos e
aviões de guerra, os quais depois fingia que incendiava, prendendo-lhes pedaços de
algodão, pois queria imitar o que via nas fotografias do London News e no Signal. Só
muito mais tarde tive consciência dos horrores dos «jogos de guerra», e ouvi falar
dos campos de concentração, das cidades arrasadas e, por fim, das bombas
atômicas que o idolatrado Einstein tinha ajudado a construir.
Quando da primeira experiência feita com a bomba de hidrogênio, na ilha de Bikini,
correu o boato de que devido ao fato do planeta estar cheio desse elemento,
poderia desencadear uma explosão gigantesca que acabaria com o mundo; eu
estava junto ao rádio, e ouvi aquele rugido terrível, seguido de repetidos estrondos
que pareciam
i
não
ã acabar
b mais.
i
Mais tarde, vi pela televisão a chegada do primeiro Homem à Lua e a sua
inesquecível pegada na poeira cósmica.
cósmica E não há muito tempo visitei no Texas um
museu, onde se encontra o Apolo XI, o vestuário utilizado e pedaços de rocha
lunar. E tudo isso para quê? Não se continuou a viajar para o Lua, nem isso
favoreceu o mundo cada vez com mais conflitos e mais fome
fome. Depois tudo se
tornou mais claro para mim. Tratava-se, praticamente, duma disputa entre os
Estados Unidos e a URSS, e tal como dizem as crianças, a ver quem chegava
primeiro Uma mera rivalidade para as duas potências se amedrontarem uma à
primeiro.
outra, aquilo a que depois se chamou imprópria e vaidosamente «A Guerra das
Estrelas», que afinal acabou em intermináveis bichas para comprar batatas podres
e em sofisticados sistemas que permitem matar um homem sem sequer lhe ver o
rosto… e que nos assusta porque ameaça com um fuzil, detrás de uma árvore ou
das ruínas de uma latrina.
Os novos explosivos
p
p
plásticos serviram p
para matar cobardemente. Os p
pára-quedas
q
foram reservados para os aviões militares.
Em alguns lugares do mundo atiram-se alimentos ao mar para manter os preços
em determinados níveis, enquanto que noutros lugares milhões de seres humanos
morrem de fome.
Já não escolhemos nem as bebidas, nem a comida, nem a roupa. Os “Amos da
Caverna”, como lhes teria chamado Platão, fazem-no por nós. O racismo de
todas as cores está de volta, e até dentro da mesma cor, pois o tribalismo
troglodita está aí, utilizando de novo gases asfixiantes para exterminar povos
i i
inteiros,
gases esses que fforam proibidos
ibid pela
l C
Convenção
ã d
de G
Genebra,
b há mais
i
de setenta anos, e que nem os loucos que desencadearam a Segunda Guerra
Mundial se atreveram a utilizar.
Está de volta
olta a mentalidade Inq
Inquisitorial…
isitorial Tamerlan e Saladino querem
q erem de novo
no o
construir a sua pirâmide de crânios; Torquemada regozija-se e ao mesmo
tempo chora na sua louca paixão por ver acenderem-se, a seu mando, milhares
de fogueiras consumindo os infiéis nas suas labaredas
labaredas, não deixando de falar
de humildade, acariciando ao mesmo tempo os acetinados mármores dos seus
palácios, os quais não pensa de nenhuma maneira deixar.
Um produz…
produz vinte especulam
especulam… um consome
consome.
O estado é um sócio no que respeita a lucros, mas nunca nas perdas. Na hora
da verdade, importa mais um cartão de crédito do que uma vida. E o pobre não
terá sequer uma cama limpa para morrer.
Mas, que importa? Estamos todos contentes pois temos democracia, leis,
inúmeras associações de beneficências e os debates das Nações Unidas
Unidas… Estamos
tão contentes porque nos levaram à loucura e até nos rimos das nossas próprias
desgraças. - E já repararam nas fotografias? - Não estão todos sempre tão
sorridentes?!
Deus foi destronado da Igreja para dar lugar à importantíssima polêmica sobre
preservativos; das sinagogas pelo problema das barbas; e as mesquitas pela
proibição
p
ç das mulheres mostrarem as solas dos sapatos
p
e de usarem óculos de sol.
Muitos budistas tornaram-se guerrilheiros; os brahmanes adoram o traseiro das
vacas e o ideal do Shinto é substituído por melhores aparelhos eletrônicos.
Confúcio lê Mao.
Os túmulos são profanados. Desenterram-se os mortos e atiram-se bebes para as
lixeiras. Os avós são abandonados onde calha. O cão fiel que lambia as mãos de
seus donos é abandonado, às vezes atirado do carro em andamento, por altura
das férias porque se tornou um estorvo.
Como fomos enganados!
Era este o maravilhoso século XX? Era este o maravilhoso século da justiça e da
paz??
E agora que estamos
t
ttodos
d lloucos, que sobre
b as nossas cabeças
b
se abre
b o céu
é para
deixar passar mortíferos raios, e que a terra, o ar e a água empestam, deixar-nos-ão,
ao menos, tentar outros caminhos? Deixar-nos-ão fazer filosofia, procurar a Verdade
onde quer que ela esteja? Deixar-nos-ão
Deixar nos ão crer de novo em Deus,
Deus pois é a única
certeza neste mundo?
Não… Sei que farão tudo para o impedir, pois estão loucos. Mas como nós também
estamos loucos,
loucos mas de uma outra loucura,
loucura a Divina Loucura
Loucura, não abandonaremos o
nosso objetivo! Custe o que custar! Porque, sabem de uma coisa? O mundo está em
tal estado que já não temos nada a perder.
Jorge Angel Livraga
Fundador da Org. Internacional Nova Acrópole
http://www.nova-acropole.pt/a
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p / _fomos_enganados.html
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