Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do

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Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do
Entre o estático e o movimento: uma
proposta de expansão do Museu
Nacional de Belas Artes
Alda de Azevedo Ferreira
Marta Cristina F. B. Guimarães
Viviane Lima Pimentel
Alda de Azevedo Ferreira, Marta Cristina F. B. Guimarães, Viviane Lima Pimentel
Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do
Museu Nacional de Belas Artes 1
Alda de Azevedo Ferreira
Doutoranda, Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ – Programa de Pós
Graduação em Arquitetura, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; [email protected]
Marta Cristina F. B. Guimarães
Mestranda, Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ – Programa de Pós
Graduação em Arquitetura, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; [email protected]
Viviane Lima Pimentel
Professora Mestre, Faculdades Integradas Espírito Santenses, FAESA, Vitória, ES,
Brasil; [email protected]
Resumo
Este estudo apresenta reflexão projetual para expansão do Museu Nacional de
Belas Artes-MNBA, sito na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro, tendo em vista que o
museu carece ainda hoje de espaço suficiente para exposição adequada de seu
acervo. A proposta prevê a modernização do MNBA com três objetivos: a
revalorização do museu com recuperação de sua espacialidade; a ampliação do
espaço expositivo com reconfiguração de usos agregando edifícios adjacentes e a
revalorização do espaço urbano circundante. A proposta foi baseada no conceito de
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O artigo é resultado de estudos e trabalhos efetuados sob a orientação da professora Cêça Guimaraens
na disciplina Projeto e Gestão de Espaços Preservados; UFRJ/FAU-PROARQ, Cursos de Mestrado e
Doutorado, 2014.
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Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do Museu Nacional de Belas Artes
ocupação estática e em movimento definidos por Gordon Cullen. A ocupação estática
consistiu na intervenção arquitetônica, fundamentada em conceitos contemporâneos
de museus para redefinição de suas atividades tradicionais, distribuindo novos usos
entre os anexos. Assim, pretende-se valorizar a permeabilidade espacial do MNBA,
reforçando seu significado como espaço cultural. Na ocupação em movimento buscouse a integração do complexo à dinâmica da cidade. O contexto de inserção do MNBA
caracteriza-se pela presença de testemunhos da configuração urbana do Centro do
Rio de Janeiro que reforçam a importância individual das preexistências e a
necessidade de tratamento do espaço urbano como um conjunto harmônico e
contínuo em sua historicidade.
Palavras-Chave: MNBA, Museu Nacional de Belas Artes, modernização de
museus, Centro do Rio de Janeiro, Cinelândia.
Between static and movement: a proposed expansion of the National Museum of Fine
Arts
Abstract
This study presents a projetual reflection for an expansion of the National Museum
of Fine Arts (MNBA) located in Cinelandia, Downtown of Rio de Janeiro. Considering
the museum hasn’t enough space for its collections, this proposal aims to achieve
three goals based on the concept of stastic possession and possession in movement
defined by Gordon Cullen, for the modernization of the MNBA. Upgrading the museum
with the recovery of spatiality, the expansion of exhibition space with rewriting uses
aggregating adjacent buildings and upgrading of the surrounding urban space. The
static possession consisted of architectural intervention, based on contemporary
concepts of museums, to redefine their traditional activities, distributing new uses of the
annexes. Thus, we intend to enhance the spatial permeability MNBA, reinforcing its
significance as a cultural space. In possession in movement sought to integrate the
complex dynamics of the city. The context of insertion of the MNBA is characterized by
the presence of witnesses to the urban setting of Rio de Janeiro downtown reinforcing
the importance of individual preexistences and the need for treatment of urban space
as harmonious and unbroken whole in its historicity.
Key-Words: MNBA, National Museum of Fine Arts, modernization of museums,
Downtown of Rio de Janeiro, Cinelândia
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Alda de Azevedo Ferreira, Marta Cristina F. B. Guimarães, Viviane Lima Pimentel
Entre estática y el movimiento: una propuesta de ampliación del Museo Nacional de
Bellas Artes
Resumen
Este estudio presenta la reflexión projetual para ampliación del Museo Nacional
de Bellas Artes-MNBA, ubicado en Cinelândia, centro de Río de Janeiro, sabiendo que
el museo carece todavía de espacio suficiente para la exposición adecuada de las
colecciones. La propuesta prevé la modernización de MNBA con tres objetivos:
actualizar el museo con recuperación de la espacialidad; la expansión del espacio de
exposición con agregación de los edificios adyacentes y la mejora del espacio urbano
circundante. La propuesta se basaba en el concepto de ocupación estática y en
movimiento definidos por Gordon Cullen. La ocupación estática consistió en una
intervención, basada en los conceptos contemporáneos de museos para redefinir sus
actividades tradicionales, la distribución de los nuevos usos de los anexos. Tenemos la
intención de mejorar MNBA permeabilidad espacial, lo que refuerza su importancia
como espacio cultural. En el ocupación del movimiento tratado de integrar la dinámica
de la ciudad. El contexto de la inserción del MNBA se caracteriza por la presencia de
testigos del entorno urbano de la ciudad de Río de Janeiro que refuerzan la
importancia de la preexistencia individual y la necesidad de tratamiento del espacio
urbano como un todo armonioso e intacto en su historicidad.
Palabras-Clave: MNBA, Museo Nacional de Bellas Artes, modernización de los
museos, Centro de Río de Janeiro, Cinelândia
O Museu Nacional de Belas Artes – MNBA, criado em 1938, corresponde a um dos
mais importantes museus de arte do Brasil. Durante décadas compartilhou o espaço
físico com as instalações da antiga Escola Nacional de Belas Artes -ENBA - e
posteriormente, com a Fundação Nacional de Artes - FUNARTE. No edifício eclético,
tais segmentações acarretaram profundas interferências em sua própria arquitetura,
subdividindo o espaço físico, limitando a exposição do acervo, e prejudicando a
criação de uma imagem íntegra e positiva do museu como espaço expositivo.
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Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do Museu Nacional de Belas Artes
Este estudo propõe a expansão do Museu, abarcando prédios adjacentes como
o edifício Valparaíso, projeto com caráter modernista elaborado pelos irmãos
Milton e Marcelo Roberto em 1937, sito na Av. Almirante Barroso; e o edifício da
Secretaria de Saúde,
possivelmente
da década de 1950,
com
feições
protomodernas, sito à Rua México.
A proposta foi baseada no conceito de ocupação estática e em movimento, definido
por Gordon Cullen. A ocupação estática consistiu na intervenção arquitetônica,
fundamentada em conceitos contemporâneos de museus para a redefinição de suas
atividades tradicionais, propondo novos usos e distribuindo-os entre os anexos. Com a
refuncionalização dos dois edifícios próximos, tirou-se partido da axialidade do
monumento, explorando possibilidades distintas de percursos através de soluções
diferenciadas por níveis. Assim, pretende-se valorizar a permeabilidade nos intra e
extramuros do MNBA, preservando a integridade da linguagem formal do monumento
e reforçando seu significado como espaço cultural.
Na ocupação em movimento buscou-se a integração do complexo ao entorno e
à dinâmica da cidade. O contexto de inserção do MNBA caracteriza-se pela
presença de testemunhos diversos da configuração urbana do Centro do Rio de
Janeiro, reforçando a importância individual das preexistências e a necessidade
de tratamento do espaço urbano como conjunto harmônico e contínuo em sua
historicidade. Ainda, a dinâmica social porventura presente na vizinhança do
museu evidencia a importância de seu desvencilhar pelos usos dos espaços
abertos e de sua arquitetura, conectados no tecido urbano.
Assim, se insere a concepção de integração do complexo entre demais
monumentos históricos nos arredores, considerando-os num itinerário cultural.
Neste percurso, a criação de área de convivência na escala humana dá origem
a um recinto na Rua Heitor de Melo, lateral ao MNBA, que é reservado a
pedestres e assinalado pelo tratamento paisagístico. Pretende-se a valorização
da continuidade dos espaços edilícios e urbanos, proposta pela eliminação de
barreiras físicas com a retomada de pavimentos em pilotis que permitem as
passagens sob os edifícios tratados em alternativa e complementação aos
passeios já existentes. Ainda, a inserção de passarela de estrutura independente
amplia as possibilidades de percurso instigando os transeuntes a expl orar novas
maneiras de circular pelo novo complexo museológico.
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Com isso, a linha privilegiada de ocupação quer estaticamente, quer pelo
movimento, contribui tanto para a atualização museológica do MNBA e para a
continuidade da cidade, bem como para a apropriação do lugar pelas pessoas.
1. Museu Nacional de Belas Artes – Um conceito norteador
Em 1974, o International Council of Museums - ICOM – elaborou uma definição de
museu que marcou uma reviravolta em seu conceito, assim descrito:
“(...) é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, e que faz
pesquisas relacionadas com os testemunhos materiais do ser
humano e de seu ambiente, tendo em vista a aquisição, conservação,
transmissão e, principalmente, exposição desse acervo com a
finalidade de estudo e deleite” (POULOT, 2013, p: 18).
O conceito de museu tem passado pela transição de um período de certezas, de
responsabilidade cívica, moral e pedagógica para uma reinvenção enquanto instituição
de serviço público, cuja análise deverá ser desenvolvida por referência às
características da sociedade atual, destacando a crescente concorrência no campo da
cultura à escala global, as reivindicações das diferentes comunidades, no sentido da
sua participação e envolvimento nos processos de representação cultural, e também
as exigências dos próprios poderes políticos, preocupados com a diminuição do capital
cultural das instituições culturais públicas.
Num contexto de mudança marcado por questões sociais relacionadas com a
democratização e democracia cultural, procura-se ser cada vez mais acessível a todo
o tipo de visitantes, procurando proporcionar os meios necessários para a aquisição
de certo capital cultural, verificando-se uma mudança de um ethos museológico
centrado nos objetos para um centrado nos visitantes. Nessa perspectiva, o anterior
modelo dos visitantes, enquanto cidadãos, transforma-se num modelo de visitantes
enquanto consumidores, que desse modo passam a ocupar o cerne de todas as
atividades museológicas, uma alteração que veio provocar uma situação de crise no
que concerne ao papel dos objetos e das coleções nas atividades desenvolvidas pelos
museus, conduzindo a uma redefinição das suas funções tradicionais.
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Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do Museu Nacional de Belas Artes
Com efeito, vários autores notaram que as transformações recentes nos museus
vieram questionar a sua função educativa e de investigação, bem como a recolha e
exposição de objetos, enfatizando de forma crescente noções como a acessibilidade,
participação e envolvimento, inclusão e responsabilidade social. Nesse contexto, a
procura do conhecimento por si só passou a ser identificada com os valores
emblemáticos das instituições culturais elitistas, pelo que o novo enfoque institucional
dos museus aponta no sentido da comunicação e, fundamentalmente, do visitante.
Com isso, justifica-se a proposta de ampliação do Museu Nacional de Belas Artes
mediante adição de outros espaços, neste caso o Ed. Valparaiso e a Secretaria de
Saúde, frente à ideia de ressignificação cultural no âmbito do espaço urbano. A
integração entre Museologia e Arquitetura aplicada ao Patrimônio edificado, “quando
articuladas às melhorias físicas e voltadas à produção de ações culturais de interesse
social, poderão contribuir para a maior acolhida e reconhecimento dos desejos de
memória dos habitantes” (GUIMARAENS, 2011, p: 285). A interligação de edifícios de
diferentes linguagens formais preserva a integridade arquitetônica do edifício eclético,
amplia a capacidade expositiva do museu e possibilita a expansão de atividades em
área estendida que extrapola os limites do prédio e integra o espaço urbano,
envolvendo o usuário da cidade em complexo cultural.
Assim, é diluída a noção de museu como simples espaço estanque, ampliando a
atuação museológica para atividades outras capazes de promover o envolvimento dos
diferentes grupos sociais que circulam pela região da Cinelândia.
2. Proposta projetual para o Museu Nacional de Belas Artes
A proposta tem base na refuncionalização e integração dos edifícios em
estudo. O Museu Nacional de Belas Artes terá destinação exclusivamente
museológica; o Ed. Valparaíso abrigará uma escola de arte e o atual edifício da
Rua México comportará um centro cultural. A ampliação das possibilidades de
inclusão de diferentes usuários em usos diversos, porém complementares, visa
incrementar a atividade cultural com espaços qualificados e ampliar as
possibilidade de permanência na área, criando um oásis cultural neste trecho de
tráfego intenso e circulação rápida de automóveis e pessoas.
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A concepção de museu como meio e espaço de comunicação, segundo Lumley
(1988), conduziu a importantes transformações no seu relacionamento com os
visitantes, cada vez mais perspectivados como leitores e consumidores ativos da
oferta cultural dos museus, o que remete para um entendimento desses espaços
enquanto centros informativos, no contexto mais vasto da sociedade contemporânea.
Museus e sítios patrimoniais foram interpelados para implementação de estratégias
pedagógicas
e
comunicacionais
interpessoais,
suscetíveis
de
reconhecer
a
multiplicidade de características sociais e de atitudes culturais dos diversos públicos,
de modo a assegurar a viabilidade social e cultural dessas instituições em contextos
de mudança acelerada.
Os objetos configuram-se no presente como recursos visto que constituem
arquivo de informação, que pode ser consultado e disponibilizado para
diferentes propósitos, muitas vezes mediante a sua articulação com outras fontes
de informação como sejam, fotografias, testemunhos orais ou gravações,
contribuindo para a criação de estratégias expositivas mais polissêmicas. Mais que
concentrarem na acumulação de objetos, uma das tendências que caracterizam os
museus na contemporaneidade prende-se precisamente com a ênfase nos
contextos de utilização, bem como nos patrimônios imateriais, designadamente
nas memórias e na história oral, operando a substituição de uma visão
essencialista, romântica e objetiva do património por uma crescente valorização
das práticas simbólicas de identificação dos grupos.
Assim, a ideia central do projeto fundamentou-se na análise do objeto de
estudo a partir de três objetivos principais: (I) revalorização do MNBA a partir da
recuperação de sua espacialidade, (II) ampliação do espaço expositivo e
reconfiguração de usos pela interligação com edifícios existentes e (III)
revalorização do espaço urbano circundante.
3. Revalorização da espacialidade no MNBA
A
espacialidade
do
MNBA
foi
comprometida
por
expansões
e
compartimentações enxertadas desde sua construção, em 1904. Projetado por
Adolfo Morales de Los Rios para abrigar a Escola Nacional de Belas Artes, em
estilo eclético, apresentava a influência neoclássica na planta baixa que
valorizava a axialidade pelo cruzamento de dois eixos. Ao centro, o grande pátio
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Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do Museu Nacional de Belas Artes
articulava a circulação, oferecendo várias possibilidades de trajeto. Guimaraens
(2011, p: 266) destaca a intencionalidade deste partido:
A planta do edifício foi perfeitamente configurada em quadrados e eixos, onde o
espaço vazio central deveria ser destacado visual e funcionalmente. Esse modelo
reproduz a aplicação do tipo tradicional de museu ideal. A centralidade e a simetria
foram reproduzidas na malha organizada ortogonalmente a partir das dimensões das
galerias exteriores, cuja largura e comprimento ajustam-se no sentido do interior do
edifício. [...] Os eixos em cruz e as alas laterais possibilitam a organização de
percursos sequenciais nas galerias e também nas salas conectadas. Além disso, em
todas as faces e alas do quadrado perfeito, os acessos e articulações espaciais
internas são percebidos e apropriados de modo claro e direto.
Em 1922, Archimedes Memória projetou a primeira ampliação com a construção das
galerias internas e um novo pavimento sobre estas. Esta solução interferiu radicalmente
na proposta espacial de Morales de Los Rios, forçando a inserção das escadas laterais em
detrimento da imponência da escadaria central, acarretando também a redução
significativa da área do pátio. Ao longo do tempo a inserção de um mezanino junto ao 1°
pavimento e a subdivisão dos espaços para abrigo de novas funções (MNBA e
posteriormente, FUNARTE), minimizou o caráter dinâmico da proposta inicial.
Figura 1 - Proporções e formas da malha nas configurações atual (esq.) e original (dir.).
Fonte: Croquis das autoras, 2014.
A intenção desta proposta consiste, incialmente, em recuperar a integridade
espacial constante da proposta original do edifício, tendo em vista o conceito de
Mahfuz (1995) acerca das partes constituintes do artefato arquitetônico: a
espacialidade da parte, o quanto as informações das partes qualificam o espaço e por
fim, a conexão que se estabelece entre as partes e o todo.
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Neste sentido, a retirada da intervenção realizada na década de 1920 restabelece a
espacialidade do edifício na medida em que recupera as relações de proporção e
formas da malha original da planta baixa, restaurando as relações hierárquicas entre
espaço expositivo, galerias cobertas e pátio aberto (Figura 1).
Nesta configuração, a forma de quadrados concêntricos confere ao pátio a devida
centralidade, reforça a simetria do conjunto permitindo a visualização de todas as
superfícies circundantes e aglutina as partes que compõem o artefato arquitetônico –
cada uma das visadas tomadas a partir do pátio, resultando em um conjunto íntegro.
Segundo Mahfuz (1995, p: 36) “a questão da informação está estreitamente
relacionada com a da espacialidade das partes. Ela se refere às partes que não
definem um espaço, mas o qualificam, ou seja, dão caráter a ele”. Considerando as
aberturas, colunas e vãos como parte das paredes limítrofes do pátio, depreende-se
que a demolição do anexo da década de 1920 propiciará a ampliação do pátio, mas
não restabelecerá as informações efetivas sobre todas as partes das paredes, visto
estarem definitivamente perdidos e sem registros (ao menos conhecidos) os
elementos arquitetônicos porventura outrora existentes, tais como colunas, capitéis,
frisos, elementos típicos da arquitetura eclética. Neste sentido, a remoção das adições
busca recuperar a estrutura bruta de vãos e colunas, assim como as demais aberturas
existentes nos pavimentos superiores, buscando restabelecer o ambiente e não os
elementos de que é constituído.
A retirada de adições é admitida por Brandi sob a ótica da recuperação da
artisticidade da obra de arte. Ainda que conflitante com a instância histórica, a decisão
de remover adições é admitida se a adição “deturpa, desnatura, ofusca, subtrai
parcialmente à vista a obra de arte” (2004, p: 84), podendo então ser removida do
“corpo vivo da obra”, desde que registrada e documentada a sua passagem histórica
pelo monumento.
Ainda, ao discutir a espacialidade da obra de arte, Brandi reconhece duas fases no
processo de intervenção: “a primeira, é a reconstituição do texto autêntico da obra; a
segunda é a intervenção sobre a matéria de que a obra se compõe” (2004, p: 92).
Neste sentido, a retirada das adições no pátio pauta-se na recuperação do texto
original reconhecido como o “tipo tradicional de museu ideal” (GUIMARAENS, 2011, p:
266) à época de sua concepção, idealizado por Morales de Los Rios em seu projeto e
deturpado durante a concretização da obra.
Recupera-se a espacialidade
originalmente desejada para o museu, assim como as proporções, hierarquias e
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articulações espaciais que configuram o discurso proposto pelo autor no projeto
original e que precedem à própria obra construída.
Por fim, os fluxos até então interrompidos serão liberados, de forma que a conexão
entre os espaços expositivos, galerias e pátio sejam facilmente percebidas, permitindo
a apropriação do espaço pelos usuários e a rápida compreensão da lógica dos fluxos,
alcançando assim a integração entre as partes e o todo (Figura 2).
Figura 2 – Disposição dos fluxos atual (esq.) e no projeto original (centro) e a recuperação dos fluxos na
proposta atual (dir).
Fonte: Croquis das autoras, 2014.
O sentido de espacialidade do MNBA é recuperado em suas conexões com o
exterior a partir da liberação da circulação ao longo dos eixos cruzados que
conectam os espaços do museu ao contexto urbano, extrapolando os limites
materiais do objeto eclético.
4. Modernizando o MNBA: Ampliação E Refuncionalização
A proposta para a ampliação da área expositiva do MNBA pressupõe a retirada de
usos complementares como o cine-teatro, a biblioteca, a reserva técnica e as oficinas de
restauro, que serão relocados nos edifícios adjacentes que integrarão o complexo do
Museu Nacional de Belas Artes: o Ed. Valparaiso e o ed. da Secretaria de Saúde. A
recuperação da permeabilidade espacial do edifício eclético e a valorização da
axialidade característica do projeto original naturalmente inserem o edifício do MNBA
como elemento articulador dos fluxos no novo complexo a ser implementado (Figura 3).
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Figura 3 - Edifícios do conjunto, no Centro do Rio.
Fonte: Google Maps, imagem das autoras, 2014.
5. Readequação de usos no MNBA
O edifício do MNBA terá como função principal a exposição de suas coleções, bem
como de manifestações temporárias por ele organizadas ou por outros curadores,
permitindo-lhes exprimir seu ponto de vista como instituição e, portanto, sua
credibilidade e responsabilidade social.
Desta forma, o pavimento térreo do MNBA será destinado às exposições
temporárias, considerando que estas desempenham papel fundamental na visibilidade
e dinâmica dos museus tendo em vista o seu potencial atrativo. Um café localizado em
uma das alas junto ao pátio propiciará a permanência de visitantes junto ao ambiente
que configura o centro do edifício e recebe a confluência dos fluxos.
O acervo permanente ocupará o primeiro e segundo pavimentos, compartilhado
apenas com o Salão Nobre, espaço de valor histórico; enquanto o terceiro pavimento
concentrará o uso administrativo.
A expansão das áreas expositivas responde a demandas da ampliação do acervo.
Em 2014, o museu recebeu da FINEP doação de cerca de 200 obras do pintor
modernista Cândido Portinari, passando a abrigar o maior acervo público de obras do
artista. Em 2013, o IBRAM já havia adquirido “A Primeira Missa no Brasil” (1948),
também de Portinari. A exposição desta obra junto à obra de mesmo título, porém de
autoria do pintor academicista Victor Meirelles em 1860, reforça, segundo o IBRAM, a
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ação de formação de público para a arte em geral, com a democratização de acervos,
fortalecendo os museus como espaços de difusão e reflexão da memória nacional.
O terceiro pavimento terá destinação a uso administrativo, mas o terraço será
aberto à visitação pública para articulação - ainda que visual, com o entorno do
Museu, dado que o contexto de inserção urbana do edifício é rico em referências
arquitetônicas de épocas diversas. Neste sentido o terraço oferece a possibilidade de
observação privilegiada da Praça Marechal Floriano e dos edifícios que compõem este
espaço urbano, incluído o Teatro Municipal. A humanização do terraço pela inserção
de jardim seco propiciará a permanência dos visitantes e a visitação dos ambientes
localizados sob as cúpulas, que serão adaptados como de lugares de memória.
Nestes espaços, o visitante poderá observar a estrutura de sustentação e composição
das cúpulas e terá a aproximação com a história da MNBA, da Cinelândia e do Centro
do Rio de Janeiro em geral (Figura 4).
Figura 4 - Vista de terraço e cúpulas do MNBA.
Fonte: Fonte: http://migre.me/j5nhv, acesso 01/maio/2014.
O Departamento de Conservação e Restauração do MNBA, compreendendo os
Laboratórios de Conservação e Restauração de Pintura e Papel e o Laboratório de
Escultura e Molduras, será transferido para o Ed. Valparaiso com abertura de
passagem subterrânea entre e o pavimento em subsolo e o térreo do MNBA. Esta
solução configura uma das medidas para expansão do Museu. A área do pavimento
semienterrado será destinada a espaço expositivo temporário, enquanto as oficinas
de restauro e a carpintaria serão transferidas para o Ed. Valparaíso, cuja adaptação
como Escola de Arte propiciará a ocupação do subsolo. A previsão de acesso
subterrâneo entre o subsolo do Ed. Valparaiso e o pavimento térreo do MNBA, sob a
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Rua Heitor de Melo, visa garantir a segurança das obras do museu em processo de
restauração/conservação, com acesso exclusivo para funcionários.
Assim, o projeto de caráter centralizado, recupera as referências formais
fortalecendo o foco no pátio central, e traz em seu bojo a ideia de principal elemento
articulador de fluxos e ponto de partida da expansão do Museu cujo papel extrapola a
função de espaço expositivo para assumir papel central na articulação do novo
complexo cultural.
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Figura 5 - Plantas do MNBA
Fonte: Imagens das autoras, 2014.
6. EDIFÍCIO VALPARAISO: A ESCOLA DE ARTES
O Ed. Valparaíso abriga instalações da Previdência Social, mantendo o acesso pela
av. Almirante Barroso, ocultando o pavimento em pilotis e pé-direito duplo através da
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vedação em portas de aço e vidro. Readaptado, estará conectado ao MNBA através
de passagem subterrânea sob a Rua Heitor de Melo, abrigando todo o Departamento
de Conservação e Restauração do museu e seus respectivos Laboratórios. A partir
deste, a conexão vertical para movimentos de carga e descarga é estabelecida com a
reserva técnica (concentrada nos 03 últimos pavimentos) pela inserção de elevador
exclusivo de uso restrito para carga a ser instalado no fosso aberto, existente aos
fundos do prédio. Este é o trecho de expansão imediata do MNBA com funções
diretamente ligadas ao espaço museológico.
Nos demais pavimento será instalada a Escola de Artes, função relacionada àquela
inicial do MNBA, porém desvinculada da função direta e específica do espaço
museológico. Esta integração incrementará as ações do museu com a oferta de cursos
de capacitação técnica, de curta duração, palestras e treinamentos. O novo uso visa
potencializar as atividades realizadas pelo MNBA para apoio e revelação de novos
talentos, por exemplo.
Ao nível do térreo e da sobreloja, a Escola de Arte irá recuperar a
permeabilidade mediante a restauração da ambiência do piso em pilotis e
instalação de bistrô capaz de atender às demandas locais do público interno e
externo, assim como àqueles beneficiados pela realização de atividades
culturais resultantes da nova ocupação.
O segundo pavimento compreende o ponto de ancoragem de passarela
metálica que propiciará integração direta entre este edifício e aquele da antiga
Secretaria de Cultura – futuro centro cultural, recebendo os fluxos diversos que
finalmente articularão as atividades abrigadas no próprio edifício e no espaço
adjacente a ele. Neste pavimento concentra-se a administração da Escola de
Artes e um espaço comercial, cuja ocupação pressupõe atividade afim aos
interesses do público, como uma papelaria, por exemplo.
A passarela em estrutura metálica e vidro assume o papel simbólico de marco
na paisagem, ainda que busque alternativas construtivas de menor impacto
material visual, em contraposição à sua função definitiva na requalificação do
espaço urbano circundante e mais especialmente, no incremento e avivamento
das atividades do MNBA.
Os espaços de aprendizado artístico ocuparão os pavimentos 3° ao 1 0°, com
solução espacial similar àqueles de residência artística. Nos pavimentos liberados
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de paredes fixas, será propiciado o rearranjo espacial através do remanejamento
de divisórias móveis. Especificamente nos pavimentos 4° a 7°, novamente os
ateliês junto à fachada para a Rua Heitor de Melo terão pé direito duplo em razão
de usos especiais onde tais dimensões se façam necessárias. Já o 3° pavimento
abrigará a salas de aula em formato tradicional para as aulas de caráter teórico .
Do 8° ao 11° andares, os pisos serão liberados da compartimentação espacial
para constituição de plantas livres que reforçam a essência dos projetos
modernistas baseados nos princípios fundamentais do movimento iniciado por
Le Corbusier. Para tanto, a demolição eventual de paredes internas será
realizada em todos os andares, adequando os espaços ao novo uso previsto,
conforme explicitado adiante. A instalação de ateliês para residência artística
procura oportunizar produção de novos talentos para inserção no campo da arte.
As salas junto à Rua Heitor de Melo terão o pé direito duplo para adequação a
necessidades específicas de obras de grande porte, cumprindo possíveis metas
de alcance social das ações do museu.
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Figura 6 - Plantas do ed. Valparaíso.
Fonte: Imagens das autoras, 2014.
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7. De Secretaria de Saúde a Centro Cultural MNBA
O ed. da Secretaria de Saúde será readaptado para Centro Cultural. Uma
passagem subterrânea sob a Rua México irá expandir o espaço do MNBA para além
de seus muros, cumprindo sua função como elemento de interlocução entre os
espaços do complexo cultural. Uma livraria deverá ocupar o pavimento térreo em
pilotis e sobreloja, com atividade comercial capaz de atrair o público externo e atender
às demandas dos envolvidos diretamente com as atividades do Museu.
O segundo pavimento recebe a ancoragem oposta da passarela, onde o hall é
destinado à circulação de pedestres, podendo abrigar exposições temporárias e
intervenções pontuais capazes de potencializar o uso do lugar e aproximar a
população das atividades museológicas. Neste pavimento, a parte da administração
das atividades do complexo cultural fica localizada em uma sala única próximo aos
elevadores, como estratégia para facilitar a gestão do espaço. Um espaço de leitura
disponibilizará acesso livre a periódicos e jornais, atuando como local de permanência,
incentivando a vivência do espaço pelos cidadãos que transitam pelas redondezas. No
terceiro pavimento, o auditório comportará congressos, palestras e demais eventos,
atendendo às demandas da Escola de Artes, do próprio MNBA e da Biblioteca
instalada no 4° e 5° pav., destinada a receber importante acervo bibliográfico do
Museu. Os demais pavimentos, 6° e 7° serão ocupados com salões para exposições
temporárias, projetando espacialmente a capacidade cultural do MNBA.
Intervenção significativa ocorre no 9° pav., cuja construção posterior descaracteriza
a proposta inicial do edifício protomoderno de inserir um coroamento através do
tratamento diferenciado dado ao 8° pav. Na perspectiva de valorizar essa área de
terraço, a instalação de um Pátio de Esculturas permanente diferencia o espaço e
permite o acesso a um espaço de vista privilegiada, onde a panorâmica da área e
estudo é vivenciada a partir de novo ponto de vista.
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Alda de Azevedo Ferreira, Marta Cristina F. B. Guimarães, Viviane Lima Pimentel
Figura 7 - Plantas do Ed. da Secretaria de Saúde
Fonte: Imagens das autoras, 2014.
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Entre o estático e o movimento: uma proposta de expansão do Museu Nacional de Belas Artes
8. Ressignificação do MNBA no contexto urbano
O contexto urbano de inserção do MNBA é configurado pela multiplicidade. Seja o
convívio na paisagem urbana entre edificações preexistentes, sejam as relações
sociais presentes na vizinhança do MNBA, há uma dinâmica própria que emerge do
cotidiano dos transeuntes que circulam diariamente nesta área. No entanto, esse
movimento não compreende necessariamente uma qualificação positiva das práticas
sociais em relação à apropriação do espaço urbano, apesar do grande fluxo de
pessoas verificado no entorno:
“A vida cotidiana revela que o tempo, impresso na morfologia urbana,
perde substância, com isso a prática se torna fluida, sem aderência;
enquanto o espaço, em sua constante mutação, marcado pela
destruição constante dos referenciais da vida urbana, se transforma em
distância. [...] O tempo irradiado pela técnica vira velocidade, e o
espaço, distância a ser suprimida. Espaço e tempo, tornados abstratos,
se esvaziam de sentido produzindo uma nova identidade cidadãocidade pontuada pela constituição de uma identidade abstrata como
decorrência da perda dos referenciais, do empobrecimento das
relações sociais, como imposição do desenvolvimento do mundo da
mercadoria definida pelos parâmetros (atuais) da reprodução do
capital”. (CARLOS, 2004, p:69).
Interessa a inserção do Museu Nacional de Belas Artes no plano cotidiano dos
indivíduos que circulam em seu entorno, buscando ações de incentivo à construção de
relações sociais em oposição às práticas “fluidas” e “sem aderência” denominadas por
Ana Fani A. Carlos (2004). Para tanto, a recuperação da espacialidade do MNBA e a
ampliação de sua esfera de abrangência pela readequação de edifícios próximos
contribuirão para a criação de uma ambiência cultural no trecho urbano de interseção
entre os três objetos arquitetônicos, ambiência esta que será potencializada pela
qualificação do espaço urbano.
Carlos realça também a existência de tempos diferenciados na paisagem: o tempo
da “história e do contexto de sua transformação”, relacionado à morfologia urbana ou à
história da cidade, e o tempo do “contexto e do seu tempo de uso”, relacionado ao
ritmo da vida na cidade que permita a construção das referências da vida urbana
(2004, p:85). Na proposta projetual, optou-se por não intervir significativamente na
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morfologia do conjunto, visto que não só o acervo do MNBA é documento histórico e
artístico de uma época, como também o é sua arquitetura eclética e as feições
modernas dos edifícios adjacentes considerados neste estudo. Nessa perspectiva, a
qualificação espacial surge como alternativa para a criação de uma atmosfera capaz
de suscitar experiências para os indivíduos que circulam no lugar, integrando os
espaços culturais aos fluxos locais existentes, tendo como elemento articulador o
Museu Nacional de Belas Artes e como base teórica os conceitos de ocupação
estática e ocupação em movimento definidos por Cullen (1983).
A ocupação estática ocorre pela refuncionalização dos edifícios selecionados no
entorno destinados a abrigar as diversas funções acrescidas àquelas tradicionais
existentes no MNBA. A distribuição nos anexos pressupõe diferentes possibilidades de
percursos inusitados entre os edifícios tais como os acessos em subsolo articulados a
partir do MNBA. Os percursos extramuros exploram sensações particularizadas pelos
“desníveis”, seja através da passagem em subsolo entre MNBA e Centro Cultural, seja
através da passarela metálica entre o Centro Cultural e a Escola de Arte. As conexões
diversas permitem ao indivíduo a experimentação de sensações entre “intimidade [...]
encerramento” e “euforia [...] domínio”, incrementando a vivência sensorial dos
percursos e propiciando novas possibilidades de vivência além das exposições,
leituras e demais atividades museológicas previstas.
É estática, ainda, a apropriação pela criação de espaços devidamente equipados,
constituindo uma ambiência “aprazível” que incite a permanência do indivíduo. Assim é
o pátio central do MNBA, neste momento compreendido como um “recinto”: “fora dele,
o ruído e o ritmo apressado da comunicação impessoal, [...] no interior, o sossego e a
tranquilidade”, privilegiado pela referência da escala humana (CULLEN, 1983, p:26).
Já o terraço do MNBA e o Pátio das Esculturas no terraço do Centro Cultural (atual
Secretaria de Saúde) suscitam sensações de estranhamento perante o panorama que
se descortina à visão: aqui, as esculturas, a exposição, os limites do parapeito; mais
além, a vista da cidade a céu aberto. Considerando que “o recinto ou compartimento
exterior constitui, possivelmente, o meio mais eficaz e mais imediato de provocar nas
pessoas essa sensação de posição ou de identificação com aquilo que as rodeia”, o
conceito de Cullen reforça as possibilidades de permanência e contemplação do
recinto imediato – as esculturas – e do espaço além – o panorama do Centro carioca.
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Assim, pretende-se valorizar a permeabilidade nos intra e extramuros do MNBA,
preservando a integridade da linguagem formal do objeto patrimonial e reforçando
assim seu significado enquanto espaço cultural.
Na ocupação em movimento buscou-se a integração do complexo ao entorno e à
dinâmica da cidade. O contexto de inserção do MNBA caracteriza-se pela presença de
testemunhos diversos da configuração urbana do Centro do Rio de Janeiro, conferindo
“linhas privilegiadas suscetíveis de ocupação” (CULLEN, 1983, p:26), como a
determinação de percursos de interligação entre os vários monumentos situados nos
arredores. As possibilidades de itinerários são diversas a partir de usos distintos ou
tipologias arquitetônicas, especialmente ao retomar a permeabilidade dos pavimentos
em pilotis característicos dos edifícios anexados ao Museu. Museu de Arte ModernaMAM, Museu Histórico Nacional-MHN, Passeio Público, espaço urbano da Cinelândia,
Teatro Municipal, Biblioteca Nacional e Palácio Capanema são alguns dos elementos
significativos na composição da paisagem e na valorização da historicidade do lugar,
de maneira que tais preexistências conferem qualidades diferenciadas à paisagem
urbana do Centro.
Atenção especial será conferida à Rua Heitor de Mello, cujo tratamento paisagístico
visa qualificar o espaço com criação de jardins e inserção de bancos, quiosque de
informações turísticas, placas informativas sobre os monumentos e circuitos
sugeridos. Este espaço visa articular as conexões entre o MNBA e edifícios anexos
com o espaço da cidade, atuando como lugar de permanência e de passagem,
simultaneamente, integrando as categorias de ocupação estática e em movimento
propostas por Cullen. Este espaço revalorizado assume plenamente suas qualidades
de “viscosidade” (1983, p:26) , oportunizando a apropriação pela ressignificação do
espaço urbano e propiciando a produção de práticas sociais pelas relações oriundas
do uso do lugar.
9. Considerações
A revalorização do Museu Nacional de Belas Artes, não obstante a
significância de seu acervo demanda ações de ressignificação do objeto
arquitetônico e do espaço urbano onde está inserido. Este novo significado
pressupõe uma ação estratégica e incisiva capaz de impor-se no cotidiano dos
indivíduos cuja rotina corrompe as possibilidades de estabelecimento de
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Alda de Azevedo Ferreira, Marta Cristina F. B. Guimarães, Viviane Lima Pimentel
relações sociais permanentes no espaço de entorno do MNBA. Tal estratégia
pauta-se na perspectiva de tratamento de três frentes de atuação. A primeira, a
recuperação da espacialidade do Museu pela retomada do discurso projetual de
Morales de Los Rios, com retirada de acréscimos e restabelecimento da
axialidade pela recuperação do desenho original do pátio interno.
O MNBA assumirá relevância espacial ao articular os percursos de interligação de
seus espaços com aqueles dos edifícios adjacentes: atuais Ed. Valparaiso (MM
Roberto) e Secretaria de Saúde, readequados ao uso de Escola de Artes e Centro
Cultural, respectivamente, cumprindo assim o segundo objetivo estabelecido: a
ampliação do espaço expositivo e interligação com edifícios preexistentes no entorno.
Estes edifícios são necessários para abrigar as novas atividades oriundas da
atualização museológica, onde a ampliação do espaço expositivo propiciará não
somente a exposição de seu acervo em espaço suficiente e adequado, mas também a
diluição da noção de museu como espaço estanque e a projeção do museu para além
do intramuros, promovendo maior envolvimento dos diferentes grupos sociais que
circulam diariamente pela região da Cinelândia.
A terceira e última ação trata da inserção do MNBA e edifícios acrescidos à
dinâmica social presente no ambiente urbano circundante. Carente de aderência visto
a velocidade e fluidez das ações praticadas, o incentivo à permanência nos espaços
intra e extramuros propiciará o incremento de relações sociais na intenção de
estabelecer práticas capazes de convergir na inserção do MNBA ampliado, no plano
do cotidiano daqueles que circulam pelo lugar. Neste sentido, a requalificação da Rua
Heitor de Mello favorecerá a permanência dos indivíduos e a valorização da dinâmica
social pela criação de acessos em níveis diferenciados e as diferentes possibilidades
de experimentação do espaço urbano. Inclui-se, ainda, a identificação de percursos
culturais entre o MNBA e as preexistências da região, expandindo a abrangência do
Museu para além de seu entorno imediato.
Referências bibliográficas
BRANDI, C. Teoria da Restauração. Cotia/SP: Ateliê Editorial, 2004.
BRÊTAS, C. Renovação do MNBA. Trabalho Final de Graduação; orientadora Cêça
Guimaraens. UFRJ/FAU. 2008.
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CARLOS, A. F. A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo:
Contexto, 2004.
CULLEN, G. Paisagem Urbana. São Paulo: Martins Fontes,1983.
GUIMARAENS, C. Modernização em museus: Museu Histórico Nacional e Museu
Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro, Brasil). Tese (Doutorado). Departamento
de Museologia. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Universidade Lusófona
de Humanidades e Tecnologia. Lisboa, 2011.
LUMLEY, R. The museum time-machine. London: Routledge, 1988.
POULOT, D. Museu e Museologia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013
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