Quadro “As Fiandeiras” de Diego Velázquez
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Quadro “As Fiandeiras” de Diego Velázquez
Quadro “As Fiandeiras” de Diego Velázquez Beatriz Ramos, nº8255 Mara Amaral, nº8282 Marco Morais, nº8268 Micaela Cordeira, nº8274 Sara Ferreira, nº8274 Curso de Ciências da Arte e do Património, 1º ano FBAUL, 2014/2015 Sumário Introdução Quadro “Las Hilanderas” de Diego Velázquez Desenvolvimento 1. Leitura Contextual 2. Análise Formal 3. Análise Temática e Simbólica 3.1. Análise Temática 3.2. Simbologia 4. História Material da Obra 4.1. Técnicas de pintura de Velázquez 4.2. Restauração do quadro Conclusão Referências 1 2 3 3 5 8 8 12 16 16 20 22 23 Introdução No âmbito da cadeira de História da Arte II, foi-nos proposto pelo professor Fernando António várias modalidades de trabalho. Das propostas apresentadas escolhemos a modalidade E - leitura de uma obra de pintura ou de escultura, na cronologia de 1400 a 1800, incidindo, especialmente nos seguintes aspetos: história material da obra, análise formal, análise temática e simbólica e leitura contextual. Neste trabalho iremos abordar o quadro de Diego Velázquez, “Las Hilanderas” (“As Fiandeiras”), de 1657. Se perguntássemos aos melhores artistas dos últimos dois séculos, quem é o melhor retratista de todos, responderiam sem hesitação: Velázquez. Um artista que retratou imagens da corte, além de inúmeras interpretações de cenas de significado histórico e cultural, representando um nível de realismo que nunca tinha sido visto antes. O quadro “As Fiandeiras” é uma das mais complexas obras de Velázquez, conhecido também como “A Fábula de Aracne”, trabalha o tema fiar, o tecer, e a ligação com a vida e a morte, escondendo por trás um tema mitológico, produzido na última fase da vida do pintor, pertencente ao Barroco Espanhol. Pág. 1 Pág. 2 “Las Hilanderas” de Diego Velázquez, de 1657, pintura a óleo, dimensões de 220 x 289 cm Desenvolvimento 1. Leitura Contextual Diego Rodríguez de Silva y Velázquez foi um importante pintor espanhol do século XVII. Destacou-se na pintura de retratos, principalmente da nobreza espanhola e fez parte do movimento artístico conhecido como Barroco, tendo sido um dos importantes difusores deste movimento na Europa. O seu estilo artístico demonstra as suas manifestações anticlássicas. O seu naturalismo barroco permitiu-lhe captar, como ninguém, o que via. Atingiu um conjunto de conquistas que não encontraria semelhança até ao século XIX. Altivo, inteligente, conhecedor da história da arte, retratista da família real, alcançou as honras de cavaleiro da Ordem de Santiago por sua fidelidade à Coroa. Homem de vida tranquila e comedida, de temperamento suave, levou uma vida sem grandes reviravoltas e de produção artística relativamente pequena: menos de 150 telas suas chegaram aos nossos dias. Calcula-se que tenha pintado não mais que 200 quadros ao longo da vida, dado o seu ritmo compassado. Morreu em julho de 1660, em Madrid, aos 61 anos de idade. A vida artística de Velázquez pode ser dividida em quatro fases, que marcam a sua evolução artística: 1ª, Velázquez em Sevilha; 2ª, Velázquez em Madrid; 3ª, Atividade palaciana; e 4ª, a última fase. O quadro “As Fiandeiras”, criado na quarta e última fase do pintor, é uma das mais complexas obras de Velázquez. É uma obra com significado ambíguo, permitindo várias interpretações. Durante muito tempo julgou-se que, esta era apenas a representação de uma cena de trabalho: uma oficina de trabalho em primeiro plano, atrás da qual havia uma habitação com uma grande tapeçaria ao fundo e três damas a contemplá-la. Na época em que o quadro foi executado, em Espanha, a indústria da tapeçaria estaria em declínio pois os espanhóis, enriquecidos pelo ouro que chegava das Américas, passaram a comprar panos na Flandres e na Inglaterra; assim, Velasquez vive uma tensão, frequente entre os artistas na altura, pois queriam elevar e distinguir o seu trabalho de criação, do trabalho manual que provinha dos artesãos. Pág. 3 O pintor decorava as salas do palácio do rei Filipe IV com as tapeçarias existentes nos depósitos, escolhendo aquelas, cujos temas se adequavam às cerimónias. Estas escolhas, e os cuidados de reparação a que as tapeçarias eram sujeitas, permitiram ao pintor o contacto frequente com estes ateliês e com as tecedeiras. Talvez tenha sido aí que Velasquez encontrou parte da inspiração para esta pintura. Representa de facto os dois mundos entre os quais o pintor se movia, os artesãos que trabalhavam para a corte, e a corte onde ele era o retratista do rei Filipe IV. A obra parece assim ter um cunho realista no sentido de procurar retratar um quadro da realidade do tempo, espaço e ação em que o pintor viveu. No entanto, foi descoberto um inventário do quadro de Velázquez, onde surge como tendo pertencido a um nobre da corte, e nesse inventário, a obra é designada por “Fábula de Aracne”. Velázquez parece ter-se inspirado no 6º livro das Metamorfoses de Ovídio, e a suposta tapeçaria será a representação de um tema mitológico, baseado na lenda de Atena e Aracne, uma hábil tecelã, que é transformada em aranha após perder uma competição com a Deusa Atena. Velázquez apropriou-se da mitologia para homenagear as artesãs, que eram muito importantes, na época para a produção de tecidos na corte. A tapeçaria que se vê ao fundo da cena representa a história de Aracne. Mesmo sendo um pintor da corte, Velázquez representou cenas quotidianas e retratou pessoas comuns; conseguia trazer para o rosto dos seus retratos as personalidades daqueles a quem representava; até mesmo quando estes escondiam, por detrás de rostos inexpressivos a insensibilidade, como era o caso da nobreza. As Fiandeiras, obra mais representativa de Velázquez, dentro do tema mitológico, está inserida num momento da História em que se sente o cansaço dos quadros sobre temas religiosos, daí a procura de temas mais irreais – os mitológicos. Os quadros mitológicos são particularmente importantes nesta última fase do pintor, tanto pela técnica pictórica no tratamento da luz e composição, como a composição intelectual e simbólica do tema. Pág. 4 2. Análise Formal É uma obra a óleo sobre tela na qual o autor demonstrou todo um domínio sobre a técnica; usando camadas de tinta finas, pinceis longos e finos, com a tinta bastante diluída, pintando com traços largos e soltos, que conferem à pintura um aspeto esboçado, especialmente no centro do quadro. O método de borrões e manchas demonstram a perícia de Velázquez no manuseamento dos pincéis, capaz de transformar manchas em figuras. No geral, todas as representações no quadro são ligeiramente foscas e as de segundo plano estão especialmente distorcidas. Os contornos são escassos, sem que as figuras percam a sua volumetria, dada através dos jogos de luz-sombra patente nos panejamentos das vestes das mulheres, da cortina encarnada e na perspetiva. A composição deste quadro é teatral, uma característica comum do barroco, e divide-se em vários grupos composicionais e temáticos. São apresentadas cenas que remetem para uma leitura das ações dadas, quer pela luminosidade ou cores e, fundamentalmente, por planos. Ao olhar para o quadro são instantaneamente percetíveis dois planos: um plano ao fundo intensamente iluminado, de tons claros e frios, que se encontra no centro do quadro; e um plano mais próximo do observador, ainda que mais baço, um plano mais escuro e quente. As cores destas duas cenas, o ângulo dos raios luminosos e as estruturas arquitetónicas reforçam a tridimensionalidade e a perspetiva presentes na pintura. No Primeiro Plano (o mais próximo do observador): observa-se uma cena supostamente banal – fiandeiras no seu trabalho. É notável o uso de uma paleta de cores quentes, como o vermelho, e escuras, resultantes da mistura do quente e ocre. Há pouca luz e a cena está quase toda em penumbra. Nesta cena vemos cinco mulheres a trabalhar com rocas de tecelagem e outros utensílios do ofício. À esquerda, estão duas mulheres, uma em frente à roca e outra que parece abrir a cortina. A relação que existe entre as suas posições é de contraste - uma está em pé e a outra sentada - pois parecem estar a conversar e a estabelecer contacto visual. As suas ações transmitem presença de movimento no ‘descortinar’ da cena, que a mulher em pé executa, e na roca que roda tão rapidamente a produzir os fios de lã que nem se veem as hastes da roda. Pág. 5 Ao centro, uma mulher agachada e um gato, nivelados abaixo das restantes personagens deste plano, foram construídos a partir de manchas muito foscas e escuras que parecem ter sido meramente esboçados. Esta figura parece ser uma intermediária entre planos, já que se encontra no meio das restantes mulheres e não lhe incide a luz por estar de costas para o foco luminoso. À direita, a quarta e quinta mulher estão mais iluminadas pelos raios luminosos diagonais. Apresenta-se novamente uma mulher de pé e uma sentada, mas agora, encontra-se uma de costas para os observadores; não mostra o rosto, mas vemos que trabalha com os fios no tear. Fá-lo tão agilmente que o movimento faz com que pareça ter seis dedos. Ao seu lado, é visível a cabeça da última mulher, que a ajuda. Terá acabado de entrar? Talvez, visto que a presença da porta é quase impercetível à direita do quadro e a própria posição da mulher assim o sugere. Essa ação reforçaria a ideia de movimento da ação, tal como a presença da escada no lado esquerdo, por servir para subir/descer e pela sua posição dinâmica. Todas as personagens se vestem humildemente, parecem estar descalças e têm as mãos e os braços em evidência. É apresentado neste plano sensações sinestésicas, isto é, através do uso das cores ocres e do vermelho, sentimos quente, o suor das trabalhadoras; a roca em movimento e as mulheres a trabalhar sugerem o som do ateliê de tecelagem; a escassa luminosidade e a sua veracidade tornam toda a cena vívida. Sente-se um verdadeiro ambiente de trabalho – um ateliê de tecelagem, possivelmente a Fábrica de Tapeçaria Real de Santa Isabel, em Madrid. Pág. 6 No Segundo Plano (ao fundo): surge uma maior claridade resultante do jogo de luz, em diagonal, da esquerda para a direita, sugerindo uma porta ou uma janela de onde esta advém. Em contraste com o primeiro plano, a luz aqui é reforçada e as cores são principalmente frias, destacando-se o azul, o branco e os cinzentos. Estas cores reforçam a frieza e a estaticidade que se vê neste plano em comparação com o primeiro. São apresentadas três mulheres elegantemente vestidas a contemplar um tapete. À primeira vista parece ser um grupo de cinco pessoas porque as figuras do tapete não são nítidas e confundem-se com as de fora. À esquerda, uma mulher de costas um pouco arcada a par com a figurinha do soldado do tapete, que também se encontra numa posição enviesada, onde estão ambos direcionados para a figura do centro deste plano e do quadro. Esta personagem sugere ter um caráter superior que pode ser divino, mitológico ou teatral, ainda que sendo a figura mais pequena da composição, e estar distorcida. A inerência desse carater advém não só do soldado, mas também da representação de dois anjinhos no cimo das figuras principais do tapete, resultado do trabalho das fiandeiras. Trabalho esse, que está a ser observado por, pelo menos, uma das figuras restantes da direita. As duas mulheres encontram-se em posições contrastantes, já que a mulher mais à direita olha para trás, provavelmente para as fiandeiras. Essa ação reforça a perspetiva do quadro, na medida em que se conciliam planos distantes. Em composição, as duas áreas e planos distintos na realidade equilibram-se um com o outro. Os fundos neutros ajudam à união das cenas e conduzem o olhar para o centro da tela. A luz solar que vem de cima até às fiandeiras evoca uma complexa gama Pág. 7 de cores obtidas de pigmentos simples: do vermelho ao azul-esverdeado, cinza e preto, e tons variados; todos são misturados com maestria e aplicados com inteligência. A aliança que Velázquez fez da cor com o feixe de luz, atribui à obra luminosidade caraterística do Impressionismo, que viria posteriormente. 3. Análise Temática e Simbólica 3.1. Análise Temática O quadro “As Fiandeiras” de Velázquez é um dos maiores expoentes da pintura barroca espanhola e é considerado um dos grandes exemplos do domínio de Velasquez. Tematicamente é uma das suas obras mais enigmáticas, sendo possível ter diversas interpretações. Neste trabalho abordamos as temáticas e as simbologias mais comprovadas pela História da Arte. O quadro está estruturado por três planos, apesar dos espaços terem “qualidades” diferentes, estabelecem entre si correspondências plásticas e temáticas, tendo sempre como tema principal o “tecer” ou “fiar”. O tapete, colocado no fundo do quadro, somente possui “vida” em ralação às mulheres que fiam e ao seu instrumento de trabalho – a roca. Para se chegar ao tapete é preciso tecer o fio. Temos um programa narrativo precedendo outro, criando uma sequência lógica: o fio, o tecer, a trama, o tapete. Este quadro tem uma forte ligação ao mundo literário e ideológico; é notável as influências da obra “Las Metamorfosis” de Ovídio em Velasquez, pois tal como este também era um autor clássico com gosto pelo Renascentismo e Barroco, e de onde o pintor tirou partido do tema mitológico para a sua obra. Assim, na obra é colocada em perspetiva, três textos mitológicos, que vão determinar o percurso narrativo da obra. O tema “fiar” está presente nas três cenas, sendo a última em forma de tapete. Encontramos nos três planos do quadro, uma coerência textual entre três narrativas mitológicas: “As Parcas”, “A Fabula de Aracne” e o “Rapto de Europa”. Todas estão inter-relacionadas dentro de um novo texto - “As Fiandeiras”. No 1º Plano: Pág. 8 Encontramos uma oficina de trabalho, onde Velasquez representa cinco fiandeiras que trabalham, num clima social as suas tapeçarias, na qual também somos encarados com uma imagem mais realista e simbólica. São representadas como mulheres tecendo, mas seriam as Parcas. No entanto essa relação com as Parcas não é imediata ou transparente. Passa antes a ideia de tecer, que também seriam a função das Parcas, conhecidas como as “fiandeiras do destino” na mitologia. Afirma-se que as Parcas são uma projeção das Moiras: Cloto, Laquésis e Atropos, fiandeiras da vida e da morte: uma segura o fuso e puxa o fio da vida, a segunda enrola-o e sorteia o nome de quem deve deixar a luz, e a terceira corta-o inflexivelmente. O destino é fiado para cada um, pelas Parcas. Como se observa, ideia de vida e morte é inerente à função de fiar, tema comum no maneirismo barroco. No 2º Plano: Pág. 9 No espaço mais iluminado do quadro, vemos o mesmo núcleo temático – o tecer. Aqui a referência é mais direta com a mitologia, pois “A Fabula de Aracne” tem como tema central uma trama, a disputa entre a deusa Atena e a mortal Aracne, tecelã de tapetes. A fábula conta a história de Aracne, uma bela jovem, filha de um tecelão de lã na cidade de Colofon. Aracne seguiu as pegadas do pai, bordando e tecendo, tendo desenvolvendo grande talento para essa arte. À medida que Aracne se foi tornando adulta, a sua arte também se aperfeiçoou e os seus trabalhos eram disputados por todas as mulheres da cidade. Algumas mulheres vinham de regiões distantes para ter uma peça bordada pela artesã. Atena, a deusa da guerra, da civilização, da sabedoria, das artes e da habilidade, teve conhecimento de que todas as mulheres consideravam os bordados de Aracne melhores do que os seus. Como Deusa das Artes, Atena desafiou Aracne para uma competição de destreza na qual ambas trabalhavam com rapidez e habilidade. Quando as tapeçarias ficaram terminadas, Atena admirou o trabalho da sua adversária, mas ficou furiosa porque Aracne ousou ilustrar as desilusões amorosas de Zeus, pai de Atena, na sua tapeçaria e destruiu o trabalho de Aracne, transformando-a numa aranha, condenando-a a tecer para a eternidade. Nunca se soube ao certo quem ganhou realmente esta competição. No 3º Plano: Pág. 10 No último plano, podemos observar um tapete que Velasquez representa na obra, por forma a indicar que a sua pintura era uma arte liberal e fazendo-a parecer uma tapeçaria, dando assim um duplo sentido à representação. Analisando as figuras coladas no tapete, apesar da falta de nitidez na sua representação, notamos a presença de dois anjos no canto superior; no canto inferior direito, vemos ainda um fragmento de um lenço vermelho e a cabeça de um toureiro. Essas figuras representadas, remetem-nos para um quadro de Ticiano, denominado “O Rapto de Europa”. Velázquez tinha uma grande devoção pelo pintor veneziano, tudo leva a crer que este quadro foi copiado quando ele passou por Madrid, quando Ticiano oferecera o seu quadro ao Rei D. Filipe II. O Rapto de Europa Artista: TICIANO (c. 1490-1576) Criação: 1559-1562 Material: Óleo sobre tela, 185 x 205 cm A obra de Ticiano foi colocada como um tapete que dá uma unidade temática ao quadro, mas não funciona como tapete. Funciona como um espelho que reflete uma cena Pág. 11 que não está lá. É o cenário da encenação do “Rapto de Europa”, um possível “pano de fundo”, uma forma de nos indicar que a sua pintura era uma arte liberal; fazendo-a parecer uma tapeçaria, e dando assim um duplo sentido à representação. 3.2. Simbologia O quadro em análise é característico da cultura do seculo XVII, o seu significado ambíguo permite várias interpretações. Neste trabalho será analisada a sua interpretação mitológica, tendo como ponto de partida o título original, “A Fabula de Aracne”. As luzes e toda a simbologia não foram de todo elaboradas para representar as fiandeiras que contudo se destacam notavelmente neste quadro, mas sim para remeter ao tema mitológico. A “fábula de Aracne” é o tema principal desta pintura e que está visivelmente retratado como plano de fundo, em estilo barroco. Como tal, as fiandeiras também não serão apenas fiandeiras comuns, a rapariga do primeiro plano do lado direito, com blusa branca e saia verde, pode ser interpretada como Aracne, pois está vestida de forma idêntica como a própria personagem mitológica do segundo plano (Fig.1), enquanto a mulher da esquerda representada por de trás de uma roca, com a perna desnuda, pode ser interpretada como Atena disfarçada de mulher idosa, pois a sua perna juvenil exposta da saia poderá denunciar a sua verdadeira identidade (Fig.2). Pág. 12 Um dos fatos mais interessantes é que Velásquez, no posicionamento das duas rivais disfarçadas no primeiro plano, mostra o quão se tinha impressionado e admirado o teto da cúpula da Capela Sistina, fazendo a ligação da postura das duas fiandeiras com as das figuras nuas representadas ao lado da cena da Separação da Terra das Águas, na Pág. 13 cúpula da Capela Sistina, pintadas por Miguel Ângelo, mostrando a admiração de Velázquez pelo pintor. Centramo-nos agora para partes mais detalhadas do quadro, como é o exemplo da representação do gato situado aos pés de Atena no primeiro plano, que representa a tenção vigilante face ao disfarce de Atena. Por de trás de Atena, como podemos verificar, nesta parte do quadro, ocorre uma ausência de luz, que é ainda mais reforçada sobre a personagem de Aracne, alheia a tudo, mas focada no seu trabalho e onde se encontra uma fiandeira a apanhar os novelos de lã cujo seu corpo é apenas definido por manchas, dando assim um efeito mais real em consonância com a visível ausência de luz e marcando a profundidade do quadro. Pág. 14 Uma das características de Velasquez era a captação de momentos, de instantes e isso é mostrado através da roca em primeiro plano, que se movimenta tão rapidamente que não se vê os seus raios; e pela mão da possível Aracne, que por estar em constante movimento nos dá a parecer ter seis dedos em vez de cinco. Velásquez apreciava tanto a personagem de Aracne que no seu quadro integrou a imagem de um violoncelo, a única alusão à tragédia e que por sua vez era considerado um remédio para as picadas de aranha. Pág. 15 4. História do Material Carmen Garrido Pérez, chefe do Gabinete de Documentação Técnica, doutora em História da Arte pela Universidade Autônoma de Madrid e especialista em documentação físico-química para investigação de técnicas sobre pinturas históricas, escreveu vários livros e textos sobre este tema. Um desses livros é o “Velázquez: técnica y evolución” (Velázquez: técnica e evolução). Uma das frases que Carmen repete nos artigos que tem escrito, resume muito sobre o pintor espanhol: “Velázquez é um artista que pensa muito e pinta pouco, que descarta de sua arte o supérfluo para ficar sempre com o que é essencial”. E demonstra como ao longo de toda a sua vida o pintor sevilhano não usou mais de 16 cores nas suas palhetas. Esta informação foi dada após muitos anos de estudos realizados sob o patrocínio do Museu do Prado, nos seus laboratórios, a partir de experiências com Raios X e fotografias com luz infravermelha, além de outros instrumentos de medição científicos. O Gabinete de Documentação Técnica do Museu vem acumulando um grande arquivo de mostras de telas antigas e modernas, e têm sido feitos estudos muito aprofundados em obras de Zurbarán, Murillo e Velázquez, diz Carmen. Os dados recolhidos até agora por esses estudos, abarcam cerca de 30 anos da carreira de Diego Velázquez, faltando ainda estudos sobre as etapas em que este viveu em Sevilha e na sua segunda viagem à Itália. Mas as cores usadas por ele variaram pouco de um quadro para outro, incluindo o período em que residiu em Roma, de 1629 a 1631. Segundo Carmen, há uma similaridade nos materiais artísticos usados por espanhóis e holandeses, aproximando muito a prática e a técnica de Rembrandt com as de Velázquez. 4.1. Técnicas de pintura de Velázquez Nos estudos de Carmen Garrido, baseados em micro-amostras de telas analisadas mediante dispersão de Raios X, identificou todas as cores que Velázquez teria usado ao longo de sua vida: 1 - Branco de Chumbo; 2 - Amarelos - à base de Terras de Óxido de Ferro, Chumbo, Estanho, Antimônio e que hoje correspondem a: a) AMARELO DE CADMIO LIMÃO; b) AMARELO DE NÁPOLES (só usou uma vez); c) AMARELO OCRE Pág. 16 3 - Vermelhos - foram detetados 3 nas análises, um de base de metal e outro de terra: a) VERMELLION (base de Cinábrio, metal pesado de Sulfureto de Mercúrio), hoje conhecido como: VERMELHO DE CADMIO; b) TERRA DE SEVILHA, hoje conhecido como: VERMELHO INGLÊS (com base de Óxido de Ferro); c) TERRA DE SENA QUEIMADA (tendo como base Óxido de Ferro Laranja) 4 – Marrons - a) TERRA DE SOMBRA NATURAL; b) TERRA DE SOMBRA QUEIMADA (tendo como bases, Óxido de Ferro e Manganês); 5 - Azuis - a) AZUL DA PRÚSSIA (ou Azurita, com base de Cianureto de Ferro); b) AZUL DE COBALTO (Óxido de Cobalto ou de Alumínio); c) AZUL ULTRAMAR; raramente Velázquez usou o Ultramarino, pois o preço era muito caro, vindo de origem de uma pedra vinda do Afeganistão. 6 - Pretos - Vários pretos extraídos da combustão de ossos e outros materiais. Hoje usamos o Preto de Marfim; Entre os seus pigmentos, Velázquez não introduziu substâncias químicas novas, e não aparece nenhum pigmento que ele já não tivesse usado, continua Carmen: “No entanto, no seu manuseamento dos pigmentos, mostrou-se um pintor inteligente, num momento em que os desenvolvimentos eram incontáveis em toda a Europa”. E diz mais: “parece que um dos aspetos mais fascinantes das práticas de Velázquez foi o seu desvio em relação à teoria autorizada da sua época”. Carmen Garrido diz que, salvo algumas exceções, Velázquez utilizou os mesmos pigmentos ao longo de toda a sua carreira, mudando apenas a maneira de misturá-los e de aplicá-los. Ele era “capaz de criar só com cinco ou seis pigmentos uma obra-prima”. A partir das investigações técnicas sobre a obra de Velázquez no Museu do Prado, tem-se visto que Velázquez escolheu cuidadosamente cada um dos materiais que usou para pintar, tanto pela qualidade, como pela aplicação em cada momento. Assim, na medida em que a sua técnica vai evoluindo, os seus suportes e preparações de pigmentos também se vão modificando. “Os pigmentos são mais ou menos os mesmos ao longo da sua carreira, irá variando nas moagens, nas misturas e na maneira de serem aplicados, assim como a evolução do seu traço”, aponta Carmen. Na época de Velázquez já era habitual para os pintores o uso das telas. Dependendo da etapa em que estava, ele escolhia como tecido o Linho ou Cânhamo com Pág. 17 densidades diferentes. Ele sabia que estas texturas diversas alteravam a visão final da obra. De acordo com os efeitos óticos que ele desejasse, selecionava os suportes (telas), os pigmentos, a técnica e os recursos oportunos para conseguir materializar as suas ideias. Carmen Garrido, com a sua experiência de décadas de trabalho em museus, diz que a maioria dos quadros, que hoje vemos nesses espaços culturais, já foram reentelados. Mas entre as obras de Velázquez do Museu do Prado, existem oito com os seus suportes originais, tal como o pintor os fez, o que possibilita uma grande quantidade de detalhes sobre seus métodos de trabalho, incluindo as pinceladas de provas, as costuras de pedaços de tecido adicionados e as imprimações. “Além disso, estas pinturas mantêm a sua camada pict´rica em um estado próximo à da sua execução, como pode ver-se em ‘La coronación de la Virgen’ ou em ‘Mercurio y Argos’”. Uma vez colocado o tecido na moldura de madeira, era feita a preparação do tecido (muitas com cola de origem animal, para proteger o tecido da química dos pigmentos) e a imprimação. O objetivo da imprimação é o de servir de “fundo ótico” para o quadro e aos efeitos coloridos da pintura. Segundo Francisco Pacheco (pintor, escritor e sogro de Velázquez), na primeira etapa de sua carreira ele utilizava “Terra de Sevilha”, uma Terra de tom ocre médio, como imprimação. Já em Madrid, para onde se mudou em 1623, Velázquez abandona os materiais sevilhanos e começa a trabalhar com um tecido, de diferentes tipos de densidades e um trançado mais fino. Sobre ele, aplicava uma dupla camada de base, a primeira na cor branca e depois uma imprimação feita com Terra Vermelha, chamada Tierra de Esquivias pelos pintores da escola madrilena. Mas, ele, também adotou a forma italiana das preparações de telas brancas, manchadas com cinzas ou em ocre, o que dava uma combinação perfeita para conseguir os efeitos de superfície, de luminosidade dos fundos e de suas cores. Ainda segundo Carmen Garrido Pérez, durante a primeira viagem à Itália, Velázquez ao pintar “A Forja de Vulcano”, encontrou o caminho por onde iria desenvolver sua pintura nos anos posteriores. A sua preparação foi aplicada com uma espátula e o Branco de Chumbo substituiu as imprimações anteriores feitas com terras. O Branco de Chumbo é muito opaco e denso, criando com isso um efeito ótico muito luminoso. Velázquez dava muita importância a esses fundos bem preparados, o que se Pág. 18 pode ver através desses exames radiográficos que mostram a evolução do pintor, tanto com os materiais, como com a forma de aplicá-los, o que lhe dá uma identidade pessoal. Carmen também observou, a partir de seus estudos técnicos, que salvo uma ou outra exceção, Velázquez nunca volta atrás na sua evolução. Quando adota um novo tipo de tela, algum material ou uma forma concreta de aplicá-los, “deixa de utilizar o anterior”. Por sobre as imprimações, ele fazia um esboço com poucas linhas para situar a composição, que também apareceu após os exames com reflectografia infravermelha. Além disso, ele “pinta sempre a “prima”, embora na sua mente já havia desenvolvido a ideia do que queria trazer para a tela. Se algum detalhe não lhe satisfazesse, corrigia sobrepondo a mudança no seu trabalho diretamente sobre o quadro”. A pesquisadora espanhola também observa que os pintores do século XVII fabricavam as suas cores misturando pigmentos de origem orgânica, como as lacas, ou os de origem inorgânico, como os minerais, com aglutinantes proteicos e substâncias oleaginosas. As moagens e as misturas eram feitas nos ateliês, procurando sempre a máxima estabilidade dos materiais. Velázquez sempre empregou pigmentos de boa qualidade e óleos preparados e depurados. O resultado desse cuidado foi que as suas pinturas, apesar do tempo que passou, não amarelaram e nem escureceram em excesso, conservando a sua transparência e coloração. Nas suas misturas, a proporção de aglutinantes, colas ou ovos, e dos óleos, eram determinadas pelas transparências que ele queria alcançar. A pintura de Velázquez é resultado “de um largo processo intelectual”, afirma a pesquisadora. “Cada vez, com menos material fazia mais. Pensava muito e pintava pouco, via o mundo com olhos novos e só uma técnica original como a sua, pode transmitir-nos a sua visão original das coisas, por isso é considerado um grande inovador da arte da pintura”. Pág. 19 Como disse Rafael Mengs, no século XVIII, “Velázquez não pintava com os pincéis, pintava com a intenção”. Fig.8 - Cores prováveis usadas por Velázquez, na sua denominação atualizada (o Branco de Chumbo foi substituído pelo de Titanio, por causa da alta toxicidade do pigmento, assim como hoje em dia é mais usado o Preto de Marfim. Os Cadmios são pigmentos mais modernos, mas equivalentes aos usados no passado) 4.2. Restauração do quadro “Las Hilanderas” de Velázquez trata-se de um expoente da arte barroca espanhola com iconografia enigmática. Elementos estilísticos, tais como a leveza, o uso econômico de tinta, e a influência clara do barroco italiano, têm levado muitos estudiosos a afirmar que foi pintada em 1657. Outros dizem que foi mais cedo, em algum momento entre 1644-1650, talvez porque certos aspetos da sua forma e conteúdo, como a composição em camadas, recordam as suas naturezas mortas, pintadas no início da sua carreira, como a cena da cozinha com Cristo em casa de Marta e Maria. Pág. 20 A pintura teve precedência em coleções reais e privadas até ser adquirida pelo Museu do Pardo em 1819, situado em Madrid, Espanha, onde atualmente se encontra. Originalmente, as medidas do quadro eram 117 x 190 cm, mas enquanto pertenceu a coleções reais, a obra sofreu intervenções e foi ampliada nas laterais e na parte superior, tendo atualmente as medidas de 220 x 289 cm. Ficou também danificada no incêndio de 1734 no Palácio de Alcazár em Madrid, coleção à qual pertenceu. Na década de 1980, foi submetida a uma restauração trabalhosa por estar com a tinta em degradação. Nesta intervenção foi decidido manter as partes adicionadas, embora ocultas ao público na exposição do Museu, revelando apenas as dimensões originais (Fig.9). Quanto às extensões adicionais que a obra sofreu: inseriram-se os arcos, na parte superior da tela, mais de 50 cm; e, nos lados, a porta da extremidade direita e acrescentouse cortina, na da esquerda, ao todo acrescentaram 37 cm nas laterais (Fig.10). Ainda que estas modificações não façam parte da obra original, estes elementos apoiam-na na perspetiva e não desvalorizam o quadro. “Las Hilanderas” – Quadro com as dimensões originais Pág. 21 “Las Hilanderas” – quadro com as dimensões atuais (as extremidades a vermelho indicam os limites das dimensões do quadro original) Conclusão Neste trabalho sobre o quadro “As Fiandeiras” de Velazquez, procurámos realizar uma leitura contextual da obra, bem como uma análise formal, temática e simbólica da mesma, debruçando-nos também sobre a história material da obra. Considerada uma das mais complexas obras de Velázquez, tem um significado ambíguo, permitindo várias interpretações, e por essa razão de difícil análise. É a obra mais representativa de Velázquez, dentro do tema mitológico; Velazquez apropriou-se da mitologia para homenagear as artesãs, que eram pouco importantes, na época. Está inserido num momento da história pictórica em que se sente um cansaço perante os quadros de temas religiosos – época barroca. Daí uma procura por temas mais irreais – os mitológicos. Segundo Gilles Deleuze (1991), uma obra barroca, é uma obra que remete a várias dobras lavadas ao infinito. Vemos isto nesta obra, nos mitos inter-relacionados entre si. Pág. 22 Estão uns sobre os outros, dobram-se e desdobram dentro da imagem articulada e construída pelo artista. Velázquez certificou-se de que os artistas não eram vistos como meros artesãos em Espanha. Fez notar que a arte pode ser muito mais que propaganda religiosa ou política e que as suas pinturas são como espelhos pelos quais os homens se vêm, auto consciencializam e compreendem o mundo. Referências AUM MAGIC, Velazquez, Diego Rodriguez da Silva - Pintor Naturalista Barroco (2013), [Acedido a 24/05/2015] Disponível em: http://aumagic.blogspot.pt/2013/04/velazquezdiego-rodriguez-da-silva.html; Bonet, Lucas, Las Hilanderas [Acedido a 25/05/2015] Disponível em: http://www.uv.es/~mahiques/hilander.htmDURVAN, S. A., Grande Enciclopédia Universal, v. 20, Durclub, S. 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