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MUSEUS COMUNITÁRIOS: PROTAGONISMO E PRÁTICAS CIDADÃS
Cláudia Feijó da Silva – Porto Alegre, Brasil1
Museu Comunitário Lomba do Pinheiro
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGEdu
RESUMO:
Abordo aqui o protagonismo como ações de intervenção no contexto social de dada comunidade a partir
das práticas da Museologia Comunitária. Considero as práticas desenvolvidas a partir da Museologia
Comunitária como modalidade educativa que reverbera para o desenvolvimento da cidadania. Proponho
definir protagonismo como atuação histórica no espaço geográfico, criando e recriando tempos e histórias
que definem as ações resultantes dos seres humanos, esses por sua vez representantes da sociedade
que se envolvem e se colocam como partícipes das relações sociais, em processo que vai do local para o
global. A partir de práticas inovadoras desenvolvidas junto a determinadas comunidades, com a intenção
de atacar os problemas locais é que se constrói a possibilidade do protagonismo. Despertar reflexões
quanto ao uso e ao entendimento do patrimônio, podem ser consideradas como objetivos para uma
educação cidadã, para a qualificação e mesmo para o auto-entendimento do que é desenvolver a
cidadania. Envolver em projetos do museu, além de moradores do território ou da região de atuação, é
proporcionar a outras pessoas a possibilidade de praticar sua cidadania enxergando o outro, enxergando
os problemas históricos de forma amplificada, proporcionando discussões que alargam soluções não
apenas para sua vida privada ou afetiva, mas que envolvem saídas para problemas relativos ao bem
comum. É desafio criar programas e projetos que coloque o patrimônio como objeto central para o
desenvolvimento de parcerias com diversas instâncias da comunidade, além de desenvolver uma
museologia que dialogue com diferentes grupos de interesses diversos. Planejar as ações, participar da
execução, da sua avaliação e da apropriação dos resultados faz parte do exercício de protagonismo da
cidadania proposto pelos Museus Comunitários.
PALAVRAS-CHAVE:
Museu Comunitário, Protagonismo, Cidadania
MUSEOS COMUNITARIOS: PROTAGONISMO E PRACTICAS CIUDADANAS
Cláudia Feijó da Silva – Porto Alegre, Brasil
Museu Comunitário Lomba do Pinheiro
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGEdu
RESUMEN:
Hablo aqui del protagonismo como acciones de intervención en el contexto social de una determinada
comunidad apartir de las prácticas de la museologia comunitaria. Creo que las prácticas desarrolladas por
la museologia comunitaria como modalidad educativa repercute en el desarrollo de la ciudadanía.
Propongo definir el protagonismo como un papel histórico en el espacio geográfico, creando y recreando
los tiempos y las historias que definen las acciones resultantes de los seres humanos, éstos por su vez
son los representantes de la sociedad y se involucren y se ponen como participantes en las relaciones
sociales en el processo que ocurre del local a lo global. De las prácticas innovadoras desarrolladas con las
comunidades específicas, con la intención de atacar los problemas locales es que se basa la posibilidad
del protagonismo. Despertar reflexiones sobre el uso de y la comprensión del patrimonio, pueden ser
considerados como objetivos de una educación para la ciudadanía, e incluso para tener derecho a la
comprensión de si mismo y de lo que es el desarrollando la ciudadanía. Envolver en los proyectos del
museo, así como los residentes en el território o la región de actuación, es dar a otros la oportunidad de
practicar su ciudadania viendo al outro, ver los problemas históricos así aumentada, disponer los debates
que se alargam las soluciones no solo por su vida privado o afectiva, pero la participación de soluciones a
los problemas relacionados con el bién común. El reto es crear programas y proyectos que ponen lo
patrimonio como objeto fundamental para el desarrollo de asociaciones con diversos foros de la
1
Cláudia Feijó da Silva – Coordenadora do Museu Comunitário Lomba do Pinheiro – Porto Alegre/Rio Grande do Sul; Mestranda do
PPGEdu/UFRGS; Contato: [email protected]
comunidad, además de practicar una museologia que provoca diálogos com los diferentes grupos de
intereses diversos. Planificar las acciones, participar en la ejecución de su evaluación y la apropiación de
los resultados es parte del ejercicio del protagonismo de la ciudadanía propuesto por los museos
comunitarios.
PALABRAS-CLAVE
Museo Comunitario, Protagonismo, Ciudadanía
Protagonismo e Práticas Cidadãs desenvolvidos no contexto da Museologia Comunitária
As práticas desenvolvidas no âmbito de comunidades populares, com o intuito de valorizar,
preservar e divulgar seus patrimônios são consideradas aqui como ações de intervenção no contexto
social. Considerando que até o advento da Nova Museologia, o patrimônio considerado, difundido e
valorizado foi aquele distante da realidade brasileira, e que desconsiderou a diversidade étnica enquanto
patrimônio, é que faz-se necessário o fomento e o desenvolvimento de atividades que construam uma
dinâmica diferenciada e possibilidades de articulações, com a finalidade de fortalecer a memória social
popular e a história que se perpetuou apenas por meio da oralidade. Durante muito tempo o Brasil relegou
ao esquecimento as favelas, os bairros históricos, os saberes e fazeres, assim como os demais bens
imateriais, até muito pouco tempo o patrimônio preservado foi somente a casa grande, as igrejas barrocas,
os fortes militares e os demais bens que guardam referências de uma história de opressão sobre as
pessoas ditas comuns.
Até 1984 o Brasil preservou basicamente os patrimônios da herança lusitana. O primeiro
patrimônio, com referências africanas a ser tombado no país, foi o terreiro de candomblé Casa Branca em
Salvador, Bahia. Cogito esse como o primeiro processo de protagonismo pelo patrimônio popular
brasileiro, pois houve uma atuação no espaço geográfico e histórico. Tal desempenho colaborou para uma
mudança social, sendo os sujeitos envolvidos considerados como partícipes que criaram novas
possibilidades para a história. Segundo o antropólogo Gilberto Velho (2006), então relator do processo de
tombamento do terreiro, esse foi um momento de grande embate social, mas que possibilitou uma
mudança profunda na política patrimonial brasileira. Para Gilberto Velho os momentos de conflito e de
negociações colaboraram também para a transformação do caráter da monumentalidade e do valor
artístico até então aplicados ao patrimônio. Velho relata o quanto é difícil lidar com determinados setores
da sociedade civil que podem ser atingidos pelas mudanças, como exemplo podemos verificar a
movimentação política e midiática que foi articulada por tais setores, na intenção de continuar ditando a
escolha do patrimônio:
Importantes veículos da imprensa da Bahia manifestaram-se contra o tombamento que foi
acusado, com maior ou menor sutileza, de demagógico. É importante rememorar esses
fatos, pois a vitória foi muito difícil e encontrou fortíssima resistência. (VELHO, 2006, p. 3)
Nesse caso é possível visualizar claramente que há uma intenção de grupos em manter o status
quo, enquanto outros grupos lutam para exercer seu direito à cidadania e pela discussão e
reconhecimento de referências que sejam incorporadas formalmente à identidade nacional, digo
formalmente, pois na prática é indiscutível que a identidade nacional é composta também por traços da
cultura africana, assim como pela cultura indígena em suas diversas etnias. Portanto considero que:
[...] o conhecimento e o reconhecimento de identidades plurais são condições
fundamentais para a construção da cidadania, através do entendimento de que as
pluralidades têm o mesmo lócus social porque são igualmente, partes integrantes de um
todo. (MELO; SILVA, 2010, p. 8)
Propor inventários participativos e realizar diálogos ampliados através de seminários, por exemplo,
podem ser consideradas ações de intervenção para o desenvolvimento da cidadania das populações
envolvidas, contanto que as propostas discutam as diferentes referências culturais presentes no território
em questão. Para Varine (2004) o patrimônio pode se tornar instrumento de desenvolvimento local,
partindo do princípio de que o museu educa e liberta as forças vivas de uma população para o pleno
exercício da cidadania.
Há a necessidade emergente de discutir os bens materiais, assim como o patrimônio imaterial,
enquanto portadores de referências culturais e identitárias. Tais discussões se constituem em exercícios
de cidadania, que permitem aos atores sociais se reconhecerem como responsáveis pela sociedade que
habitam e pelo compartilhamento das decisões. Nesse sentido, é possível concretizar a ideia de que os
atores que sempre estiveram à margem dos processos que decisão e seleção do patrimônio, agora atuam
como protagonistas da ação social que desenvolve a cidadania.
A participação nas deliberações, nas escolhas dos patrimônios a ser reconhecido, difundido e
preservado, decisões de uso do patrimônio para o crescimento sustentável da comunidade pode ser
considerado nesse caso, como:
[...] processo de mobilizações e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos ou
comunidades – no sentido de seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva
de suas vidas, como diz respeito a dimensões que reforçam o controle e regulação do
social com ações destinadas a promover a integração dos excluídos, carentes e de
mandatários de bens elementares de sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal [...]
(GOHN, 2004, p.23).
Conseqüentemente, há também a necessidade de que os atores sociais se organizem em
entidades de sociedade civil, no intuito de promover negociações nas decisões para as definições de
políticas públicas para o patrimônio, para os museus e para o desenvolvimento social, na intenção de se
manterem enquanto protagonistas.
Envolver em projetos do museu além de moradores do território ou da região de abrangência
outros participantes é proporcionar a outros a possibilidade de praticar sua cidadania enxergando os
demais e os problemas históricos de forma mais ampla. Envolver Universidades e promover a participação
de projetos de extensão Universitária em parceria com os Museus Comunitários é também alargar os
horizontes de futuros profissionais que poderão determinar as políticas públicas patrimoniais e museais.
Em seu trabalho de conclusão do curso de Museologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Minuzzo destaca:
A responsabilidade de um museu comunitário num território com risco social é enorme,
pois cabe também a instituição, trabalhar para mudar tal circunstância. Comprometimento
que também passa pelos cursos de Museologia, para formar museólogos qualificados a
elaborar projetos que envolvam os atores sociais, a fim de que se reconheçam como
sujeitos de sua própria história, e caminhem em direção à cidadania e a ascensão social.
Para promover ações que visem operar mudanças no quadro da vida cotidiana, das
relações culturais, humanas e familiares, sendo instrumentos para registrar a memória
social, educar para o patrimônio, pertencimento ao território, aumento da auto-estima e a
inclusão sócio-cultural. (MINUZZO, 2010, p. 69)
Contudo, cabe ressaltar que para os atores locais o mais importante é o destaque ao protagonismo
dos mesmos, portanto os projetos devem ser realizados conjuntamente, para Waldisa Rússio [...] é tempo
de fazer museu com a comunidade e não para a comunidade (CHAGAS, 2002, p. 17 apud RUSSIO, 1984
p. 60). Portanto, mais que profissionais preparados para elaborar projetos, a extensão universitária,
programas de estágios, cursos de Museologia entre outros, devem se preocupar em formar profissionais
que estejam qualificados para estabelecer projetos de conexões de saberes, onde sejam respeitadas e
valorizadas a autoria e ideias das comunidades. Além disso, planejar as ações, participar da execução, da
sua avaliação e da apropriação dos resultados faz parte do exercício de protagonismo e da cidadania
proposto pelos Museus Comunitários, deste modo, não serão os profissionais museólogos a definir quais
projetos serão os mais adequados à comunidade, o que deverá determinar as decisões são as
necessidades locais inventariadas de forma participativa pelos nativos.
REFERÊNCIAS:
CHAGAS, Mario. Cultura, patrimônio e memória. In: Ciências & Letras: patrimônio e educação. nº 31.
FAPA. Porto Alegre, 2002. p. 15 - 29
GOHN, MG. O protagonismo da sociedade civil. Movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. São
Paulo, Cortez, Questões da nossa época. 2005.
MELO, K. M. R. S. E. ; SILVA, C. F. . Com Unidades na Lomba do Pinheiro: Diversidades Étnicas e
Culturais como Patrimônio. In: XVI Jornada de Ensino de História e Educação e IX Seminário de
Estudos Históricos: Políticas Públicas e desafios para o ensino de História. Feevale. Novo Hamburgo,
2010.
MINUZZO, David K. . Lomba do Pinheiro, Memória, Informação e Cidadania: vozes, olhares e
expectativas de seus agentes e atores sociais. Porto Alegre, UFRGS, Monografia. 2011.
VARINE, Hugues de. Notas e Fragmentos. In: III Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus
Comunitários. X Atelier Internacional do MINOM, Rio de Janeiro, 2004. Disponível em www.abremc.com.br
VELHO, G. . Patrimônio, negociação e conflito. Mana, Rio de Janeiro, v. 12, p. 1-262, 2006.