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DOSSIER
por Victor Manuel Cardoso
O Transporte Rodoviário de
Mercadorias Perigosas em
Portugal
Uma Crónica Histórica (Das Origens aos Nossos Dias)
Ao iniciar esta série de artigos, gostaríamos de agradecer à Diretora da revista
"segurança”, Dra. Isabel Santos, o seu
empenho e sensibilidade para as questões
inerentes à segurança. De outra forma, não
seria possível emitir opiniões e transmitir
informações sobre um conteúdo que é
desconhecido à maioria dos portugueses.
Sendo este o primeiro, de um grupo de seis
artigos, iremos apresentar uma introdução
baseada na influência que os transportes
rodoviários têm na sociedade portuguesa.
Iniciaremos com um perfil histórico e geográfico, fazendo referência à evolução da
indústria petrolífera, ao desenvolvimento
dos veículos automóveis e das vias de
comunicação em Portugal.
A nível europeu, o transporte de mercadorias, tem sido baseado num modelo
unimodal, destacando-se a utilização
excessiva do transporte rodoviário,1 do
1 EUR-Lex website.
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qual Portugal será um dos países da UE
mais dependentes.
Analisando pormenorizadamente este
facto, verificamos que o modo de transporte rodoviário “é aquele que maior
impacto assume ao nível das externalidades negativas”2.
Ao nível comunitário, alguns especialistas
destas matérias, defendem a ideia de alterar a política e a forma de transporte de
mercadorias no espaço europeu, apoiando
algumas penalizações para desincentivar o
transporte rodoviário e promover a intermodalidade3.
Como se pode verificar no gráfico, a intermodalidade no transporte de mercado2 Monteiro Ferreira, Vitor – O Setor dos Transportes de Mercadorias em Portugal: A intermodalidade enquanto fator dinamizador
das empresas exportadoras, p. IV - Dissertação de Mestrado em
Economia, FEUP, 2013.
3 O transporte intermodal é aquele que requer tráfego misto ou
múltiplo, envolvendo mais de uma ou várias modalidades de transporte, é indicado para atingir locais de difícil acesso - Rodrigues,
Rui - novembro de 2004. Transporte intermodal - Maquinistas.org.
Visitado em 19 de janeiro de 2014.
rias, depende das distâncias do transporte,
do valor da mercadoria e do seu grau de
perecibilidade. Há que ter sempre em
consideração os encargos operacionais,
como por exemplo o custo do trabalho,
dos combustíveis e da manutenção.
Segundo Alban D'Entremont do Departamento de Geografia e Ordenamento do
Território da Universidade de Navarra, o
transporte intermodal, poderá ser uma
alternativa mais eficiente ao transporte
exclusivamente rodoviário. No entanto,
não nos poderemos esquecer da capacidade de resposta das infraestruturas
de transporte para que se alcance uma
concreta eficiência em termos de custos
e de tempo.
Quando nos detemos na realidade portuguesa e, em particular na atividade dos
Transportes Rodoviários de Mercadorias
Perigosas (TRMP) concluímos que esta
é composta por um conjunto revelador
de dificuldades. Os trabalhos científicos
dossier
Custo do transporte por unidade de volume
Avião
Camião
Comboio
Barco
Camião
Comboio
120
Curtas distâncias
Barco
240
600
Médias distâncias
(Distância/km)
Longas distâncias
(Fonte: Alban D’Entremont, 1997)
existentes sobre esta matéria são poucos.
O progresso e melhoria das condições
de segurança operacionais, assim como
a defesa da promoção da saúde dos trabalhadores, não têm acompanhado as
necessidades, apresentando inúmeras
discrepâncias.
Quando nos propomos a analisar o país
real, verificam-se factos muito diferentes. Assistimos a um pequeno universo
de empresas que desenvolvem padrões
caraterizados pela qualidade e exigência,
às quais não são estranhos os cuidados e
o bom nível técnico das decisões tomadas
pelos especialistas que constituem o grupo
de trabalho GT8 da APETRO (Associação
Portuguesa de Empresas Petrolíferas).
No entanto, esse facto dilui-se no restante
cosmos empresarial ligado ao manuseamento, armazenagem e transporte de
mercadorias perigosas em geral.
As dificuldades existentes são diversas.
Vão desde a insensibilidade de gestores
www.revistaseguranca.com
e decisores, à incapacidade económica Certificação ADR6, confirma-se a relevânque as empresas enfrentam e as impedem cia da empregabilidade e o grande valor
de suportar as responsabilidades de uma económico que este sector de atividade
prestação de serviços, constituída pelos apresenta.
diferenciadores e necessários elementos A nível oficial, as estatísticas existentes
ligados ao Ambiente, Qualidade e Segu- não apresentam uma informação que referança (AQS).
rencie em que áreas os profissionais dos
O Transporte Rodoviário de Mercadorias transportes rodoviários de mercadorias
Perigosas é um caso particular no trans- estarão ligados e, se todos os que detêm
porte de produtos que faz parte da cadeia Certificação ADR estarão em plena ativide fornecimento dos países. “Durante essa dade profissional.
atividade, vários fatores passam a ser crí- O progresso económico conduz ao cresticos e a imprudência pode significar não cimento do consumo de diversos prosó a perda de mercadoria
como um elevado risco
"(...) o transporte intermodal, poderá
para as pessoas envolvidas no transporte e para o
ser uma alternativa mais eficiente
meio ambiente envolvente”
ao transporte exclusivamente rodo(Paiva, 2008).
viário. No entanto, não nos poderemos
A malha rodoviária portuguesa concentra cerca
esquecer da capacidade de resposta
de 90% do volume de cardas infraestruturas de transporte para
gas transportadas ao nível
que se alcance uma concreta eficiência
interno do país. Dessa
quantidade, 10% represenem termos de custos e de tempo."
tam transporte de mercadorias perigosas em geral
e, 70% desse valor correspondem ao trans- dutos combustíveis e, por consequência,
porte rodoviário de combustíveis líquidos ao seu transporte. Essas atividades são
e gasosos, sendo anualmente transpor- fundamentais para o desenvolvimento
tadas cerca de 11 milhões de toneladas das sociedades, visto esses produtos abasdesses produtos4.
tecerem as indústrias de transformação
Se atendermos a que cerca de quinze mil e extrativas, construção civil, comércio
motoristas5 em Portugal são portadores da
4 Cálculos realizados a partir de informação privilegiada das
petrolíferas a operarem em Portugal – Ano 2013.
5 Números não oficiais do IMT
6 Qualificação obrigatória para a condução de viaturas de transporte rodoviário de mercadorias perigosas, conforme o determinado no D.L. Decreto-Lei 170-A/2007, de 4 de Maio, alterado pelo
Decreto-Lei 63-A/2008, de 3 de Abril.
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dossier
e muitos outros. Assim, a necessidade de
comercialização de combustíveis realiza-se
através do transporte rodoviário, ferroviário, aeroviário, dutoviário e hidroviário.
Perante estes factos é evidente a importância que os transportes rodoviários em
geral e, os transportes de mercadorias
perigosas em particular representam para
a economia portuguesa.
Em 1896, estabelece-se em Portugal
a empresa Vacuum
Oil Company, dedicada à comercialização de óleos lubrificantes que, após
algumas alterações
Fonte: Site APETRO
de denominação, se
virá a transformar, 60 anos mais tarde, na
Mobil Oil Portuguesa. A Vacuum será a
empresa líder do mercado durante cerca
de 50 anos.
No ano de 1910, começam a ser distribuídos, pela firma The Lisbon Coal and Oil
Fuel, combustíveis e lubrificantes com a
marca Shell. Passados 4 anos instala-se a
própria Shell, com a construção e operação
dum parque de armazenagem.
Somente no ano de 1924 se iniciou o
transporte rodoviário de combustíveis,
de uma forma mais organizada e baseada
em algumas regras de segurança, quando
a empresa “Vacuum” enceta a distribuição
desses produtos por carro-tanque.
Da iluminação a gás, ao petróleo e ao gás
natural, passaram-se anos de evolução
técnica, económica e social, que ao ritmo
do aparecimento dessas novas fontes de
energia, fazem surgir em Portugal várias
empresas - a CRGE, a Sonap, a Sacor, a
Cidla, a SPP e a Petrosul.
Fonte: Origens e História da Galp Energia
Em 1940, é inaugurada pela SACOR em
Cabo Ruivo – Lisboa, a primeira refinaria portuguesa, com capacidade para
abastecer 50% do mercado através da
produção de cerca de 300 kt/ano. Com
o lançamento do projeto do Complexo
Industrial de Sines em 1971, é adjudicada
ao grupo SONAP-CUF (Petrosul) a cons-
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trução duma refinaria e duma fábrica de
petroquímica de olefinas.
Em 1977, a Petrogal cria a direção de pesquisa e produção com o objetivo de participar nas concessões de áreas “onshore”
em Portugal e de fazer o levantamento
de oportunidades na pesquisa petrolífera
em Angola.
Com as necessidades do desenvolvimento
económico, essas empresas sofreram uma
evolução, que se traduziu no aumento do
transporte rodoviário de produtos refinados, principalmente combustíveis líquidos
e gasosos.
Mais tarde, a história e o destino
do setor energético
foram marcadas pela
união das empresas
“timoneiras”, que em
Fonte: Origens e História
da Galp Energia
22 de abril de 1999,
deram origem à Galp Energia, denominada GALP – Petróleos e Gás de Portugal,
SGPS, S. A., com o objetivo de explorar
os negócios do petróleo e do gás natural
na sequência da reestruturação do setor
energético em Portugal7.
A Petrogal, única empresa refinadora
e principal distribuidora de produtos
petrolíferos, e a Gás de Portugal (GDP),
empresa importadora, transportadora e
distribuidora de gás natural, serão posteriormente agrupadas na Galp.
Com o aparecimento do motor de
combustão interna, torna-se possível o
desenvolvimento da indústria automóvel,
estando vários nomes associados à sua
invenção, onde se destacam os alemães
Gottlieb Daimler e Karl Benz.
Em 1885, Karl Benz constrói o primeiro
veículo automóvel na cidade alemã de
Manheim. O veículo inventado por Benz
possui um motor de um cilindro com sistema de ignição elétrica e atinge a velocidade de 16 Kms/h.
A partir de 1886, após ter registado a
patente, Daimler vende a sua invenção a
vários construtores de automóveis e inicia
a sua própria fabricação de veículos autopropulsionados.
Em Portugal, o primeiro automóvel
chega em 1895. É
um veículo da marca
Panhard & Levassor,
importado de Paris Fonte: A história e evolução
do automóvel em Portugal
pelo IV Conde de
Avilez.
7 http://www.galpenergia.com/PT/agalpenergia/ogrupo/origensehistoria/Paginas/Historia.aspx
“Na Alfândega de Lisboa, surge a dúvida
sobre a taxa aduaneira a aplicar a tão
estranho artefacto. Seria uma máquina
agrícola ou uma locomobile «máquina
movida a vapor»? Virá a ser adotada esta
última definição”8.
Tal facto, para além da novidade, conduziu
a uma lenta expansão das infraestruturas
ligadas ao transporte rodoviário, onde se
destacam as estradas.
“A necessidade aguça o engenho!”, ditado
popular bem elucidativo para a ação que o
estado português leva a efeito em 1927 ao
criar a Junta Autónoma das Estradas (JAE)
e a Direção Geral de Estradas (DGE).
Para a criação das estruturas que promoveram a circulação automóvel, foram
fundamentais algumas instituições e
empresas.
De 1920 a 1930, a sinalização e orientação dos primeiros automobilistas fica a
cargo do Automóvel Club de Portugal e
da Vacuum Oil Company, que colocam os
primeiros sinais de orientação no nosso
país.
A década de 30 fica marcada por fortes
perturbações económicas, políticas e
sociais. O parque automóvel era bastante
escasso. As infraestruturas evoluíram de
forma demorada e a capacidade de distribuição também.
Até meados do século XX, as estradas eram praticamente construídas em
Macadame 9 e somente a partir de 1909
se iniciou a utilização de asfalto. Não nos
podemos esquecer que em Portugal, no
início do século XIX, muitas das estradas
eram ainda as antigas vias romanas.
A construção de uma rede de estradas
era muito importante, mas bastante dispendiosa. Portugal vivia momentos de
grandes dificuldades económicas, técnicas e científicas, refletindo a instabilidade
gerada pelo conflito bélico que assolava a
europa e, ao posicionamento político do
“orgulhosamente sós” do regime da época.
Como símbolo de modernidade e bem-estar, o automóvel transforma-se numa
imagem de evolução tecnológica para as
nações que os produzem.
Apesar da precária condição
económica das
famílias portuguesas, assiste-se
a uma tentativa
Fonte: cgretalhos.blogspot.pt
8 A História da Evolução do Automóvel em Portugal – A. M. T. C.
9 (do inglês Macadam) que é um tipo de pavimento para pistas
de rodagem desenvolvido pelo engenheiro escocês John Loudon
McAdam, por volta de1820, que consistia em assentar três camadas
de pedras colocadas numa fundação com valas laterais para drenagem da água da chuva - http://pt.wikipedia.org/wiki/Macadame
dossier
de imitar o que se ia fazendo na Europa,
mas somente um grupo minoritário de
cidadãos apresentava meios para fazer face
aos custos elevados da aquisição e manutenção de um automóvel. A distribuição de
combustíveis era realizado por carroças de
tração animal, transportado a granel, sem
condições de segurança - como exemplo,
pode-se salientar a comercialização do
petróleo de iluminação (querosene) ao
litro.
Mediante essa realidade e as dificuldades
inerentes, verificou-se a necessidade de
se transportarem mercadorias mais ou
menos perecíveis de uma forma rápida,
simples, segura e em quantidades que
pudessem ser economicamente rentáveis.
A indústria automóvel vai potenciar o
desenvolvimento da Europa do pós-guerra. Marcas como a FIAT na Itália,
a Volkswagen na Alemanha, a Citroën,
Peugeot e Renault na França, a Austin e
Morris na Inglaterra, vão contribuir decisivamente para relançar os seus países na
economia mundial.
Na década de 50 o modal rodoviário tinha-se destacado entre os meios de transporte
e, a produção de automóveis em série foi
direcionada para a construção de veículos de mecânica simples. A classe média
emergente procurava pequenos veículos
que permitissem mais autonomia e funcionalidade.
Nos Estados Unidos da América, em resultado do “boom” económico da época, a
situação é quase inversa. Os automóveis
são cada vez maiores, confortáveis e luxuosos, consumindo grandes quantidades de
combustível. As inovações destacam-se
nos acessórios, e o “design” estava associado à ideia de “styling”, uma interpretação exagerada de aerodinâmica. Os
famosos “rabos de peixe” de cores alegres
transformam-se num dos símbolos do
estilo de vida americano10.
Os anos 60 foram uma época de estabilidade económica. O pleno emprego, o
aumento do nível de vida e o consequente
apelo ao consumismo irão contribuir decisivamente para a massificação do automóvel. Nesta fase, assiste-se a uma evolução
técnica significativa na construção de
viaturas pesadas (camiões).
Na década de 70, começam a surgir as
grandes preocupações com a segurança
dos passageiros e com a crescente poluição atmosférica provocada pelos gases
emitidos pelo escape. O automóvel uniformiza-se, tanto no seu aspeto exterior
como no custo, potência e dimensão. A
era da evolução espontânea da indústria
automóvel tinha chegado ao fim.
A primeira tentativa de desenvolvimento
de uma indústria automóvel em Portugal remonta aos finais do século XIX. Em
1899, a Empresa Industrial Portuguesa
tenta, sem sucesso, dar início à produção
industrial de automóveis no nosso país.
Outras tentativas se seguem. O seu carácter pontual e experimental não permite o
seu sucesso. A indústria automóvel nunca
alcança grande expressão como indústria
nacional11.
Na década de 1950, a Fábrica de Produtos Estrela desenvolve projetos para
a produção de automóveis populares e
de competição, assim como carroçarias
de autocarros. Apenas estes dois últimos
virão a ser produzidos.
Nos anos 70 e 80, algumas experiências de
produção em série têm relativo sucesso,
como são os exemplos da União Metalo
Mecânica (UMM).
10 In Slide share – O Automóvel
11 A.M.T.C
www.revistaseguranca.com
Fonte: autoviva.sapo.pt
Atualmente, a indústria nacional está perfeitamente consolidada destacando-se,
em particular, a contribuição da Auto-Europa com um volume de produtos e
uma percentagem determinante no fluxo
de exportações.
Não é suficiente que um veículo seja tecnicamente perfeito para se transformar num
meio de transporte. Para que a utilização
do automóvel seja eficaz, é determinante
o aparecimento de um conjunto de instituições e infraestruturas. Sem estradas
para circular, mapas para informar, regras
para regulamentar, garagens e postos de
abastecimento para apoiar e fornecer combustível, o automóvel não teria alcançado
o sucesso que tem na nossa sociedade.
O automóvel vem determinar o tempo e
o espaço nos quais nos movimentamos e
até a forma como o fazemos. A sua invenção demonstra como é relativo o tempo
que demoramos a percorrer determinada
distância. Dependendo da qualidade do
veículo, do estado das estradas e do fluxo
do trânsito, podemos demorar 1 hora a
percorrer 100 Km, ou demorar o mesmo
tempo para percorrer apenas 5 Km.
Com a Primeira Guerra Mundial, tanto a
produção como a diversificação dos tipos
de veículo (carros de passeio, camiões,
tratores etc.) sofreram algum aumento.
No início, o transporte rodoviário funcionou basicamente como complemento do
transporte ferroviário, mas com o decorrer do tempo, tornou-se concorrente das
ferrovias, de tal forma que assistimos no
nosso país à desativação de inúmeras vias,
por se tornarem deficitárias.
Ainda na década de 70, o desenvolvimento
do país apresenta um incremento quando
a economia portuguesa cresceu em média
4,8 %, conforme Rocha, Edgar faz referência in Análise Social, vol. XX - 84, 1984-5.º,
p. 621-644,
Até finais do século XX assistimos a avultados investimentos governamentais na
construção de rodovias, situação que se
inverteu nos últimos anos, devido à crise
económica Internacional, e ao aumento
dos custos de transporte (preço dos combustíveis, pneus, aumento de portagens
e ao aparecimento do pagamento em
SCTUT´s, entre outros).
Com o desenvolvimento e intensificação das atividades económicas e industriais, principalmente do setor químico,
a necessidade de transporte dos materiais
e equipamentos produzidos aumentou.
Como consequência, a importância do
transporte rodoviário relativamente aos
restantes modais, teve um grande crescimento ficando mais suscetível a acidentes
de trânsito, devido à massificação.
Os dados da matriz de transportes são
resultado de um processo histórico e, as
deformações apresentadas não devem
servir para desconsiderar a importância
do segmento rodoviário, que é o modal
de transportes mais utilizado no país,
sendo responsável por movimentar cerca
de 218 milhões de toneladas de produtos
(DGEG 2012).
Com base nesses mesmos dados da
DGEG relativos a dezembro de 2012, o
consumo de gasolinas em Portugal foi de
1,19 milhões de TEP, com uma quebra
em termos homólogos de 9,2%, ao passo
que o mercado do gasóleo, com cerca de
4,26 milhões de TEP, teve uma descida do
consumo de 9,3%.
A descida do consumo de combustíveis
rodoviários em Portugal foi mais pronunciada do que a queda global do mercado
nacional de combustíveis fósseis, cujo con-
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dossier
sumo chegou ao final de 2012 com uma
redução de 6%, para 14,1 milhões de TEP.
O consumo de produtos petrolíferos (onde
se incluem o fuel, o gasóleo, gasolinas e
GPL) esteve em 2012 em queda contínua,
prolongando uma tendência que já vinha
de trás. Nesse ano, não houve um único
mês em que o consumo anualizado de
produtos petrolíferos tenha crescido. Se
no final de 2011 esse consumo se situava
em 7,66 milhões de TEP, em Dezembro
de 2012 estava em 6,82 milhões de TEP.
Apesar das quedas de consumos referidas,
o congestionamento de tráfego continua
a afetar de modo adverso a qualidade de
vida das populações, especialmente nas
cidades. É uma das imagens características
da nossa rotina.
Presentemente são-nos colocadas muitas
questões ao verificarmos o número elevado de viaturas que circulam nas estradas
portuguesas, especialmente de camiões
que transportam mercadorias perigosas.
No que concerne especificamente a esse
tipo de transporte, encontra-se presentemente regulamentado em Portugal através do Decreto-Lei n.º 19-A/2014, de 7 de
fevereiro. Enfatiza-se que a caraterização e
enquadramento dos combustíveis líquidos
e gasosos como perigosos para o transporte
se restringem às determinações constantes no ADR (Accord Européen Relatif au
Transport International des Marchandises
Dangereuses par Route), baseando-se nas
principais classes de produtos químicos
definidos como perigosos (ONU 1997).
Ao longo deste artigo, tem sido referido
diversas vezes o termo “Mercadorias
Perigosas” e a questão que inicialmente
se coloca prende-se com o facto de saber
como poderemos definir o que são mercadorias perigosas.
Segundo o ADR, são consideradas mercadorias perigosas as substâncias ou preparações que devido às suas propriedades
físicas e químicas (inflamabilidade, eco
toxicidade, corrosividade ou
radioatividade)
por meio de derrame, emissão,
incêndio ou
explosão possam
provocar situações com efeitos Fonte: UNADRCD15 - ADR 2015
negativos para o Homem e para o
Ambiente.
Essas substâncias são geralmente classificados relativamente ao seu risco imediato.
As substâncias perigosas são classificadas
de acordo com os critérios aprovados para
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Classificação de Substâncias Perigosas
[NOHSC: 1008 (2004) 3 ª edição]
Assim, problematiza-se que o transporte
rodoviário de produtos perigosos se
apresenta como uma atividade passível
e potencial quanto a uma série de riscos
humanos e ambientais, uma vez que nessa
operação, os produtos estão sujeitos a uma
série de situações combinadas pelos fatores adversos, tais como o estado precário
das vias, a falta de manutenção, volume
de tráfego, falta de sinalização, condições
atmosféricas adversas, morfologia dos terrenos, estado de conservação do veículo,
experiência do condutor, capacidades
físicas e psíquicas, etc..
Com a evolução da ciência e da técnica
ligadas à segurança rodoviária, temos
vindo a assistir à implementação de regras
operacionais que apresentam um conjunto
de preocupações no sentido de se protegerem os trabalhadores, as máquinas, os
produtos e o ambiente.
Assim, a partir de um grupo de esforços
conjugados ao nível da Europa, é assinado em Genebra, no dia 30 de setembro de 1957 um acordo europeu sobre o
transporte de mercadorias perigosas por
estrada com a designação de ADR.
No ADR, as Mercadorias Perigosas, são
classificados em 9 classes de riscos, com
a seguinte designação:
• 1 Explosivos
• 2 Gases
-- 2.1 Gases inflamáveis
-- 2.2 Gases não-Inflamáveis
-- 2.3 Gases Tóxicos
• 3 Líquidos inflamáveis
• 4.1 Sólidos inflamáveis
• 4.2 Substâncias sujeitam a combustão
espontânea
• 4.3 Substâncias que em contato com
água emitem gases inflamáveis
• 5.1 Oxidantes
• 5.2 Peróxidos Orgânicos
• 6.1 Substâncias Tóxicas
• 6.2 Substâncias Infetantes
• 7 Material Radioativo
• 8 Corrosivos ou Sustâncias corrosivas
• 9 Substância Perigosas diversas ou
matérias que podem causar Diversos
perigos.
Todas as mercadorias perigosas podem ser
transportadas desde que sejam respeitadas as exigências definidas nos diversos
capítulos do ADR.
Nota: Num próximo artigo abordaremos em particular as especificidades
dos conteúdos do ADR.
Fonte: UNECE (WP 15)
ADR é a abreviatura em francês de Accord
Européen Relatif au Transport International des Marchandises Dangereuses par
Route. O ADR contem regulamentações
especiais para o transporte rodoviário,
relacionados à embalagem, segurança de
carregamento e identificação das mercadorias perigosas.
O ADR apresenta-se como sendo uma
grande conjugação de esforços diversos ligados ao contexto da fabricação
das matérias, construtores de veículos e
embalagens, transportadores e especialistas de segurança.
Este acordo entrou em vigor a 29 de
janeiro de 1968 e, ao longo dos anos,
tem sido regularmente revisto e atualizado. Temos vindo a assistir à anuência
e implementação dessa regulamentação
de segurança, por um maior número de
países, não só da Europa, mas também
da África e Ásia.
Poderá dizer-se que o ADR é “um lugar geométrico dos interesses ligados às mercadorias
perigosas e ao seu transporte por estrada”12.
Em setembro de 1992, é fundada a APETRO – Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas, reunindo em si as principais empresas petrolíferas que atuam
no mercado Português: BP, Cepsa, Galp
Energia e Repsol, às quais se juntaram
mais recentemente a OZ Energia, a Spinerg e a Rubis, como associadas sectoriais.
Esta associação surge numa perspetiva de
fomentar e estabelecer o desenvolvimento
de condições envolventes apropriadas,
que facilitem uma operação responsável e lucrativa do setor petrolífero em
Portugal13.
Atualmente, a APETRO é reconhecida
como um organismo de referência e parceiro imprescindível nos processos de discussão e tomada de decisões do contexto
petrolífero.
Seguindo uma dinâmica de interesse
e cuidado sobre as condições de segu-
12 Eng.º José Alberto Franco - IMT
13 In site Apetro – www.apetro.pt
Fonte: obervatóriodoambiente.pt
dossier
rança no transporte dos produtos refinados, a APETRO apresentou a partir
de fevereiro de 2001, um Acordo Sobre
Segurança Rodoviária Acrescentada
(ASRA) com o objetivo final de definir
e implementar um conjunto de regras
comuns de boas práticas na atividade
de transporte rodoviário dos seus produtos, tendo como objetivo final, zero
acidentes rodoviários.
Este documento, de caráter técnico, apresenta um conjunto de normas de bem-fazer, com a finalidade de criar paridade
nas ações e exigências do serviço prestado
pelas empresas transportadoras às empresas petrolíferas.
O acordo ASRA é um elemento incentivador e dinamizador da cultura da organização e gestão da segurança nas empresas
que laboram no universo do transporte
rodoviário de produtos petrolíferos.
Respeita as exigências determinadas no
ADR, sobrepondo-se a esse em casos
particulares, ou em áreas técnicas muito
específicas do setor petrolífero.
Ao concluir este artigo, poderemos referir
que a atividade do transporte rodoviário
de mercadorias perigosas não se resume
exclusivamente às questões intrínsecas
desse setor. Os reflexos de uma ação
menos cuidada poderão revelar consequências que excedem o seu próprio
domínio.
Nos próximos artigos iremos abordar todas
estas questões mais detalhadamente.
BIBLIOGRAFIA
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ff Rodrigue, Jean-Paul, The Geography of Transport Systems – 3rd Edition, New York: Routledge, 2013;
ff RODRIGUES, Paulo R. Ambrosio - Introdução aos Sistemas de Transporte no Brasil e à Logística Internacional - Edições Aduaneiras Lda - 2000
- São Paulo - Pg. 36;
ff U.S. Congress, Office of Technology Assessment – “Transportation of hazardous materials”. OTA-SET-304. Washington, DC: U.S. Government
Printing Office, 1986;
Victor Manuel Cardoso
Consultor, Auditor, Formador, Conselheiro
de Segurança (ex-Galp)
www.revistaseguranca.com
SEGURANÇA 224
janeiro/fevereiro 2015
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