Magnífico Reitor da Universidade Pedagógica, Excelentíssimas
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Magnífico Reitor da Universidade Pedagógica, Excelentíssimas
Magnífico Reitor da Universidade Pedagógica, Excelentíssimas autoridades, Ilustríssimo Diretor da Faculdade de Educação Física e Desporto, Muito Queridos Membros da Família do Sr. Mário Esteves Coluna, Senhor Presidente do Comité Olímpico de Moçambique, Senhor Presidente da Federação de Futebol e demais dirigentes desportivos, Preclaros Convidados, Distintíssimos Professores, Caríssimos Estudantes e Funcionários da Universidade, Prezados representantes dos órgãos de comunicação social Senhoras e Senhores: Apresento-me e curvo-me respeitosamente perante V. Exa, Magnífico Reitor, e perante o ilustre auditório, vergado pelo peso da suprema honraria que me foi concedida, pela responsabilidade da prestigiante tarefa que me foi cometida, pela emoção que não consegue ser contida. Coabitam em mim a lonjura e a distância, a proximidade e a familiaridade. Venho de Portugal e 1 pertenço a esta tão amada terra de Moçambique. Sinto estas paragens como um doce lar, como um seguro porto de abrigo e de aguada, de renovação de energias e víveres para, revestido de coragem, me voltar a fazer ao mar e prosseguir confiante a viagem. Esta é realmente uma terra de boa gente, atravessada por rios de bons sinais. Aceitem, por conseguinte, a expressão mais lídima do meu agradecimento pela oportunidade de intervir na sessão culminante dos rituais que a Universidade encerra. Ela fecunda e propicia-me imensa e jubilosa felicidade. Estou aqui para cumprir a nobilitante função de padrinho de um afilhado, cuja grandeza incomensurável se ergue e sobrepõe, em muito, à minha notória pequenez. Vejam, pois, V. Exas a enorme contradição configurada nesta situação. Felizmente, para meu alívio, o Sr. Diretor da Faculdade de Educação Física e Desporto, bem avisado e esclarecido, já emoldurou com fios de oiro e tingiu com as cores do sol os subidos merecimentos da insigne figura que esta cerimónia pretende homenagear. A sua altura e estatura são muito maiores do que o elogio que eu poderia tecer com palavras, por mais aprumadas e estéticas que elas fossem. Resta-me, Magnífico Reitor, secundar o panegírico proferido pelo Diretor da Faculdade, e solicitar a V. Exa que atenda a petição formulada pela minha 2 boca e subscrita, estou ciente disso, por todos os presentes. Ela reza assim: Para tentarmos saldar a nossa dívida de reconhecimento, acumulada durante largos anos, para com o Senhor Mário Esteves Coluna, é imperativo que a Universidade Pedagógica lhe conceda o título de Doutor Honoris Causa, ou seja, que o acolha e inclua no claustro dos seus Doutores. Esta atribuição não constitui um gesto de condescendência ou deferência da Universidade em relação ao homenageado. É, sim, um ato através do qual a academia se alcandora a um plano superior de compreensão da sua missão, sobrevoa as circunstâncias quotidianas, e irradia luminescência e sabedoria no tocante ao vislumbre e enaltecimento da diversidade dos caminhos de realização da Humanidade de todos com os feitos de cada um. Somente Deus é Deus através de Si mesmo; nós, os mortais, atingimos o cume da Humanidade mediante condutas, prestações e proezas edificantes e exemplares de alguns seres humanos. Quando qualquer um concretiza uma façanha transcendente e se torna criatura transcendida pelas obras do seu ânimo e vontade, o mundo inteiro põe-se de pé, canta e rejubila, formando um coro polifónico do contentamento planetário. Esse tipo de indivíduos é imprescindível à aventura existencial. São heróis e padrões referenciais para a exaltação, salvação e sublimação da nossa vida. Sem eles, esta tornar-se-ia 3 asfixiante e trágica, tóxica e insuportável. Faltar-lhe-ia o oxigénio do encanto e do maravilhamento. Ora o Senhor Mário Esteves Coluna pertence a esse escol de pessoas eminentes pela nobreza e lhaneza do seu carácter, pelo aproveitamento e esgotamento das possibilidades disponibilizadas pela existência que lhe tocou viver. Ele viveu e preencheu a sua vida, deixando atrás de si rastos e sulcos lavrados pelo denodo, esforço e superação. Em suma, legou-nos uma lição de inspiradora dignidade: quando as contingências não nos são favoráveis, então temos que as modificar. Ele é, portanto, um marco levantado do chão, erguido para apontar o céu estrelado. Creio que não preciso de expor mais nada para que V. Exa, Senhor Reitor, em nome do egrégio e douto concílio que representa, tenha em alto apreço a pertinência da minha solicitação. Rogo-lhe, portanto, que a defira, não por mim, que pouco valho, mas pelo meu representado, que muito conta. Senhor Reitor, respeitadíssimas autoridades e personalidades, distintíssimas Senhoras e Senhores: Fica, deste jeito, desempenhado o papel de padrinho nesta solenidade de confabulação, consciencialização e revitalização da Universidade, enquanto instituição depositária, difusora e potenciadora de sentidos, de símbolos, de 4 significantes e significados relevantes para a orientação espiritual e para o funcionamento cívico e ético da sociedade. Porém, tenho que dizer algo mais, porquanto à incumbência de padrinho associam-se outras obrigações. “Minha Pátria é a língua portuguesa”, proclamou Fernando Pessoa. Esta asserção liga-se a mim como a carapaça ao dorso da tartaruga. Moçambique mora e ferve no meu peito, ao lado de Portugal. Dito de outra maneira assaz sentida, os moçambicanos são meus compatriotas. Correndo o risco de ferir o normativo politicamente correto, não posso, nesta ocasião, abster-me de afirmar que o Senhor Mário Esteves Coluna constitui património e traço de união de duas Pátrias, prefigurando exemplarmente a cidadania plural e universal. A ele deve o povo português dias e noites de festa e glória. Ao capitão do Sport Lisboa e Benfica e da Seleção Nacional, que, sob a sua batuta, praticaram um futebol causador de assombro e louvores em todo o mundo, nós somos eternamente devedores. Ele nunca abdicou de ser moçambicano, mas foi, simultaneamente, português. Por isso enfileira na elite que Luís de Camões canta em Os Lusíadas: Aqueles que, por obras valorosas, se libertam da lei da morte. Sim, Mário Esteves Coluna continua vivo e é venerado na memória, nas evocações e recordações dos portugueses. Ele é um dos nossos maiores, a 5 quem chamamos ‘monstro sagrado’, uma designação congregadora de religiosa admiração e de indelével afeto. E eu sei que o seu espírito esteve connosco ontem à noite em Paris e se alegrou intensamente com a nossa vitória. Desculpem, V. Exas, por ter feito esta deambulação e a trazer à clareira deste dia. Acreditem, fui forçado a ela, para me aliviar da onda de emoção e comoção que me inunda o coração e a alma, embarga a voz, humedece os olhos e abala o corpo. Ademais, os portugueses não me perdoariam, se não falasse aqui por eles, se não transmitisse as suas respeitosas saudações, os seus extremosos sentimentos e cumprimentos. Bem hajam, Senhor Reitor e V. Exas, pela compreensão e tolerância dos meus excessos e da minha falta de sentido das proporções! É chegada a hora de dar ouvidos ao aviso que aconselha a não abusar da atenção e paciência de V. Exas. Nesta conformidade, seria louvável concluir a minha intervenção neste preciso instante. Todavia, não o farei, sem recorrer à ajuda e bênção de São Tomás de Aquino. Segundo o renomado Doutor da Igreja, a gratidão é uma realidade humana complexa; daí decorre o facto de a sua expressão verbal ser fragmentária, em 6 cada língua, privilegiando a acentuação de determinada componente da sua substância. A formulação latina de gratidão, gratias ago (dar graças), projetada no castelhano (gracias), francês (merci) e italiano (grazie) é também complexa. São Tomás diz que o núcleo da graça comporta três dimensões: 1) obter graça, cair na graça, no favor, no amor de alguém que, portanto, nos faz um benefício; 2) graça indica igualmente um dom, algo gratuitamente dado, logo não devido, sem mérito por parte do beneficiado; 3) a retribuição, “fazer graças" (gratias agere) ou dar louvores, por parte do beneficiado. Isto implica o dever do louvor; quem considera que o bem recebido procede de outro, deve louvar. Consequentemente, a gratidão integra e assume vários graus. O primeiro consiste em reconhecer o benefício recebido; o segundo em louvar e dar graças; o terceiro em retribuir de acordo com as condições e possibilidades mais oportunas de tempo e lugar. Este ensinamento, aparentemente tão simples, encontra-se vertido nos diferentes modos de que as diversas línguas se valem para agradecer: cada idioma elege e valora uma dimensão peculiar do multifacetado constructo da gratidão. Algumas línguas tomam preferencialmente a gratidão no seu 7 primeiro nível: enfatizando nitidamente o reconhecimento de quem recebe benefícios e graças. De resto, ‘reconhecimento’ (reconnaissance, em francês) é um sinónimo de gratidão. É interessante verificar que no inglês to thank (agradecer) e to think (pensar) possuem uma etimologia comum. O mesmo sucede no alemão com zu danken (agradecer) e zu denken (pensar). Tudo isto é perfeitamente compreensível, pois, como facilmente se percebe, somente está verdadeiramente agradecido quem pensa no favor que recebeu como tal. Só é agradecido quem pensa, pondera, sopesa e considera a liberalidade do benfeitor. Quando isto não acontece, surge a consabida e justíssima queixa: Que falta de consideração! No amplo quadro de reações e significações da gratidão sobressai o caráter profundíssimo do termo ‘obrigado’. A formulação da língua portuguesa é singular; é a única a situar-se, claramente, no nível mais profundo de gratidão exposto por São Tomás, o terceiro (que, naturalmente, engloba os dois anteriores): o do vínculo (ob-ligatus), da obrigação, do dever de retribuir. São Tomás ensina que a gratidão deve, ao menos na intenção, superar o favor recebido. Lembra que há dívidas por natureza insaldáveis e impagáveis para a sensibilidade de quem é justo. O homem verdadeiramente agradecido sente-se embaraçado e faz tudo o que está a seu alcance, tendendo a 8 transbordar-se num excessum que considera sempre insuficiente. Eis nisto a essência do terceiro grau da gratidão: ele aviva-nos a consciência de quão exigente se torna a existência, a partir do momento em que se recebe um favor, imerecido e, portanto, se ficou no dever de retribuir, jamais possível de cumprir na justa medida. Sintetizando, o primeiro e o segundo nível da gratidão situam-se na superfície, enquanto o terceiro habita no terreno da profundidade e do compromisso. Este último nível não existe em todas as línguas; isto é, nem todos os idiomas conseguem expressar as implicações da gratidão. O primeiro e o segundo nível são o ‘reconhecimento’ e o ‘agradecimento’. É natural que reconheçamos e agradeçamos quem e o que nos faz bem, nos causa graça e gratificação, o que recebemos e nos é dado de gratuitamente. São naturais estas formas de reconhecer e agradecer: ‘Muito reconhecido’ ou ‘muito agradecido’ (em português), ‘muchas gracias’ (castelhano), ‘merci bien’ ou ‘merci beaucoup’ (francês), ‘grazie mille’ ou ‘grazie tanta’ (italiano), ‘Vielen Dank’ ou ‘Danke schön’ (alemão), ‘Thank you’, ‘Thank you so much’ou ainda ‘Thank you very much’ (inglês). O nível do ‘obrigado’ ou do ‘muito obrigado’, aquele em que o nosso agradecimento se obriga ao comprometimento e empenho de reconhecer, 9 de agradecer e honrar quem nos faz bem, esse nível só existe na língua portuguesa. Acresce que a gratidão é um prato que só vai à mesa de gente educada; logo impõe-se o seu cultivo na Universidade, instância onde tem assento e se forma gente com educação, apta e sensível a reconhecer o mérito e quem o possui em grau elevadíssimo, como é o caso do homenageado. Afinal, esta sessão significa que estamos reconhecidos e agradecidos ao Senhor Mário Esteves Coluna. Sobretudo, viemos aqui firmar, assinar e selar o juramento da obrigação de o honrar com as nossas atitudes, palavras e ações. Porque ele nos beneficiou com a sua vida; nós somos beneficiados e usufrutuários do seu inestimável legado de desprendimento, exemplaridade e generosidade. Como padrinho, estou deveras reconhecido, agradecido e obrigado para todo o sempre à Universidade Pedagógica, por corresponder à minha pretensão e por me contemplar com tão honrosa e dignificante função. Como português, estou muito reconhecido, agradecido e obrigado a Moçambique por exaltar um cidadão das duas Pátrias. Por último, estou muito reconhecido, agradecido e obrigado a V. Exas por me terem escutado e acompanhado, atenta e devotamente, nesta peregrinação 10 e romagem destinadas a invocar e celebrar um desportista e Homem de eleição: o Senhor Mário Esteves Coluna. Jorge Olímpio Bento Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto Maputo e Universidade Pedagógica, 11 de julho de 2016 11