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CULTURA Tema: Hollywood no Imaginário Latino-‐Americano Pesquisador: Francis Vogner dos Reis Sinopse Hollywood com seu poder econômico e cultural sempre foi um inimigo dos cinemas nacionais da América Latina. Porém, há um paradoxo nessa questão: ao mesmo tempo em que existe uma resistência e uma recusa de cineastas latino-‐americanos à invasão de mercado dos filmes hollywoodianos, há também um imaginário afetivo que os liga aos filmes “ianques”. O programa “Hollywood no imaginário latino-‐americano” procura implicar o imaginário de Hollywood em suas produções por meio de filmes como A Ilha da Morte, de Wolney Oliveira (Cuba), Banana is my Business, de Helena Solberg e David Meyer, Matar ou Correr, de Carlos Manga e Tony Manero, de Pablo Larraín (Chile). Apresentação dos filmes e das questões Matar ou correr (Brasil, 1954), de Carlos Manga Último e bem sucedido filme da parceria Grande Otelo e Oscarito, Matar ou Correr é uma paródia de Matar ou Morrer (High Noon), faroeste norte-‐americano de Fred Zinneman. No filme de Manga, dois vigaristas chegam em City Down, cidade do velho Oeste e um deles (Kid Bolha, interpretado por Oscarito) se dá bem em uma briga com o bandido Jesse Gordon e assim é eleito -‐ a sua revelia -‐ xerife da cidade. O final do filme se dá em um duelo entre o xerife e o vilão. O filme parodia não só o tema de Matar ou Morrer, mas também o estilo do filme americano nos enquadramentos e na ambientação. Banana is my business (Brasil, 1994), de Helena Solberg e David Meyer Vida e carreira de Carmen Miranda são evocadas num misto de documentário e ficção, inspirado na clássica história da ascensão e queda da estrela. Exportada para os EUA como a "Brazilian Bombshell", ela foi uma estrela da Broadway e de Hollywood nos anos 40. O filme investiga sua importância para toda a geração de brasileiros e norte-‐americanos (sinopse original do filme). A Ilha da Morte (Cuba, 2007), de Wolney Oliveira Em Cuba no ano de 1958 às vésperas da revolução, Rodolfo é um rapaz que se muda com a família de Havana para a pequena San Juan de las Rocas porque seu pai, um revolucionário, é perseguido pela polícia do ditador Fulgênio Batista. O rapaz sonha em trabalhar em Hollywood e manda cartas para Samuel Goldwin (da Metro Goldwin-‐Mayer) pedindo uma chance como cineasta. Seu amor pelo cinema faz com que se envolva com um grupo de cineastas amadores com quem realiza um precário filme calcado no repertório temático do cinema hollywoodiano. Tony Manero (Chile, 2008), de Pablo Larraín O filme de Pablo Larraín se passa no Chile nos anos 1970 em plena ditadura de Pinochet e conta a história de Raúl Peralta, homem comum que idolatra o personagem Tony Manero vivido por John Travolta em Os embalos de sábado à noite e imita o jeito de vestir, andar e dança do seu ídolo norte-‐americano. Peralta tem poucos escrúpulos e fará o possível para ganhar o concurso televisivo que premiará o melhor imitador de Tony Manero. Em paralelo a essa história, Larraín nos mostra o clima opressivo e violento do regime de Pinochet. Material Anexo Nota do pesquisador: a pesquisa sobre o tema tem o limite de não ter à disposição farto material sobre a questão. Se encontra na web e na literatura sobre cinema muitos comentários pontuais sobre a relação Hollywood e América Latina -‐ a maior parte de caráter pontual e programaticamente ideológico -‐ mas nada muito sistemático. Já que os filmes em questão lidam com alguns aspectos da paródia ou o modo como a cultura americana nos vê e representa, parte da pesquisa -‐ além da fortuna crítica dos filmes -‐ abordará essas questões. Paródia A paródia é uma imitação cômica de uma composição literária (também existem paródias de filmes e músicas), sendo portanto, uma imitação que possui efeito cômico, utilizando a ironia e 2 o deboche. Ela geralmente é parecida com a obra de origem, e quase sempre tem sentidos diferentes. Na literatura a paródia é um processo de intertextualização, com a finalidade de desconstruir ou reconstruir um texto. A paródia surge a partir de uma nova interpretação, da recriação de uma obra já existente e, em geral, consagrada. Seu objetivo é adaptar a obra original a um novo contexto, passando diferentes versões para um lado mais despojado, e aproveitando o sucesso da obra original para passar um pouco de alegria. A paródia pode ter intertextualidade. Aparece como importante elemento no modernismo brasileiro e na Poesia marginal da chamada "Geração mimeógrafo". Wikipedia Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Par%C3%B3dia O que eram as chanchadas? As chanchadas foram um gênero de filme brasileiro que teve seu auge entre as décadas de 1930 e 1950. Elas eram comédias musicais, misturadas com elementos de filmes policiais e de ficção científica. Esse tipo de humor, porém, não pode ser considerado uma invenção brasileira, pois fitas assim também eram comuns em países como Itália, Portugal, México, Cuba e Argentina. Quando o gênero chegou por aqui, a crítica nacional o considerava um espetáculo vulgar, por isso ele foi apelidado de chanchada -‐ palavra de origem controversa, mas que pode ter surgido na língua espanhola, significando "porcaria". A aversão dos críticos, no entanto, não prejudicou o sucesso de bilheteria desses filmes. "Com seu humor quase sempre ingênuo, às vezes malicioso e até picante, a chanchada se impôs como um entretenimento de massa", diz o jornalista Sérgio Augusto, autor do livro Este Mundo é um Pandeiro -‐ a Chanchada de Getúlio a JK. Para conquistar o público, as primeiras produções apresentavam grandes astros do rádio, como Carmen Miranda e Francisco Alves. Mais tarde, a dupla de comediantes Oscarito e Grande Otelo iria se tornar a sensação dessas fitas. Apesar da influência do cinema americano, que volta e meia tinha filmes sendo parodiados, as chanchadas costumavam ser essencialmente brasileiras, tratando de problemas do cotidiano e fazendo humor com uma linguagem de fácil compreensão. Segundo o diretor Carlos Manga, um dos mais importantes do gênero, a estrutura das histórias era dividida em quatro partes: mocinho e mocinha se metem em apuros; cômico tenta protegê-‐los; vilão leva vantagem; vilão é vencido. Mesmo com essa fórmula bastante simplista, o público lotou os cinemas brasileiros para assistir a chanchadas até meados da década de 50. O desenvolvimento da TV no país, o surgimento do cinema novo -‐ um outro estilo de filme, mais politizado -‐ e o desgaste natural do gênero fizeram com que as chanchadas fossem 3 perdendo espaço. Mas elas entraram para história ao marcar um dos períodos mais produtivos do cinema nacional. Mundo Estranho Disponível em http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-‐que-‐eram-‐as-‐chanchadas Carmen Miranda no imaginário de Hollywood No dia de hoje, 9 de fevereiro, em que comemoramos os 100 anos de nascimento de Carmen Miranda, cabe avaliarmos qual foi seu impacto não somente na cultura brasileira, mas no imáginário de Hollywood. Desde que aportou nos EUA, em 1939, Carmen começou no teatro no espetáculo musical Streets of Paris em Boston. Seu sucesso no teatro a levou para a Casa Branca, onde realizou uma apresentação especial para o presidente Franklin Roosevelt em 5 de março de 1940. A partir dai se transformou em artista constante no rádio, TV e cinema. Nos EUA foram 13 filmes ao lado de estrelas como Don Ameche, Groucho Marx, Alice Faye e Cesar Romero. Em seu último filme americano, Scared Stiff de 1953, atuou ao lado da dupla Dean Martin e Jerry Lewis em uma produção da Paramount. Ao longo de toda sua trajetória nos EUA, mesmo sendo usada para a política de boa vizinhança do governo americano, que tentava impedir a influência do nazifascismo na América Latina durante a II Guerra Mundial, Carmen conquistou a admiração e o respeito da indústria do entretenimento americano. Em diversos filmes, programas de TV e desenhos, Carmen foi retratada e homenageada. Lucille Ball fez uma paródia de Carmen em sua popular série I Love Lucy na década de 50. Na animação Magical Maestro, de Tex Avery, o cão Spike, encantado pelo mágico, imita Carmen Miranda. E por ai seguiram diversas reinterpretações de sua imagem pela América. Apesar da adoração do exótico latino, denunciada fartamente pelos estudiosos do cinema, Carmen era elogiada e reconhecida pelos seus pares das artes e pelo público americano. Foi a mulher mais bem paga nos EUA e a maior arrecadadora de impostos pelo seu faturamento como atriz. Voltando ao seu último filme, Scared Stiff, Jerry Lewis fez também sua homenagem para a Pequena Notável. No roteiro, com a ausência do número principal, Jerry assume seu papel no palco. Veja abaixo. E viva Carmen Miranda. Emer Luis Nas Retinas Disponível em http://emerluis.wordpress.com/2009/02/09/carmem-‐miranda-‐no-‐imaginario-‐ de-‐hollywood/ 4 O trecho abaixo é extraído da monografia “Um balanço cinematográfico acerca do gênero chanchada” O historiador e crítico de cinema brasileiro Paulo Emílio Salles Gomes reconhece a relação de intimidade estabelecida entre o público e as chanchadas, a ponto de considerar essa relação um fato cultural mais forte que o até então produzido pelo contato entre o povo brasileiro e o produto cultural norte-‐americano. O autor percebe nas chanchadas elementos de brasilidade que, segundo ele, são: [...] modelos de espetáculo que possuem parentesco em todo o ocidente, mas que emanam diretamente de um fundo brasileiro constituído e tenaz em sua permanência. A esses valores relativamente estáveis os filmes acrescentavam a contribuição das invenções cariocas efêmeras em matéria de anedota, maneira de dizer, julgar e de se comportar, fluxo contínuo que encontrou na chanchada uma possibilidade de cristalização mais completa do que anteriormente na caricatura ou no teatro de variedades (GOMES, 1980, p. 80). GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. Disponível em http://www.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/ColoquioLetras/ellenkarin.pdf Matar ou correr (1954), de Carlos Manga Matar ou Correr, de Carlos Manga As chanchadas levavam em conta, sobretudo, essa capacidade de misturar cinema de gênero (faroeste, musical) aos tipos popularescos da cultura nacional. Logo, Matar ou Correr, mais do que uma paródia de Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann, se apresenta também como uma tentativa de adaptar um certo regionalismo aos códigos cinematográficos de uma indústria já bastante formalizada nos Estados Unidos. Não é por menos que o longa de Carlos Manga se inicia com uma cartela que afirma ser esse um filme que aconteceu no meio-‐oeste norte-‐ americano, mas que, para melhor entendimento, seria falado em português. Uma constatação que em um primeiro momento pode até parecer uma justificativa de se fazer um faroeste no Brasil, mas que na verdade diz muito mais respeito ao cinema se mostrando como o lugar de 5 reafirmação das particularidades de um país. Existem sim algumas das características marcantes desse cinema de gênero,cenários como saloons, haciendas, além de caubóis e donzelas. Mas há também a língua e o tipo brasileiros percebidos, principalmente, nas ações e expressões de Oscarito e Grande Otelo. Se as chanchadas foram negadas pelo Cinema Novo, elas foram necessariamente recuperadas, em estilo e reafirmação, por alguns dos autores do Cinema Marginal. A valorização dessa cultura popular e das expressões nacionais por diretores como Rogério Sganzerla e Julio Bressane se mostra ainda mais pertinente e forte se pensarmos, por exemplo, um filme como o de Carlos Manga. Uma obra que alia um cinema do corpo, físico, com o humor e as recorrências da maneira de falar do brasileiro. Nas falas de Oscarito e Grande Otelo, expressões de um vocabulário popular e uma forma de unidade discursiva nacional. Em uma terra distante do meio-‐oeste, o brasileiro ali se reconhece porque enxerga seus tipos físicos, sua gente, travestida sob os códigos narrativos hollywoodianos, que, de certa maneira, também formaram o imaginário do povo, com a chegada das latas vindas de lá para serem exibidas aqui. A Atlântida e Carlos Manga têm esse grande mérito da apropriação indébita do código para reconfigurá-‐lo. José Lewgoy é o vilão, Oscarito e Grande Otelo os anti-‐heróis, John Herbert o mocinho e o cenário de poeira e saloons carregam o paradoxo interessante de ver o Brasil chegar ao imaginário criado por Hollywood sem subverter sua própria cultura. Por isso, Matar ou Correr precisa ser, fundamentalmente, rigidamente decupado, pois, por mais contrário que possa parecer, só se ressalta a originalidade da apropriação se existe uma adesão ao código narrativo. A subversão desse depende de seu conhecimento pleno: Carlos Manga coloca, desde o início, a imagem recursiva dos cavalos e da fuga em planos gerais que revelam aos poucos a paisagem, para depois introduzir seus personagens. Mas aí é que está a grande diferença: se no cinema dos Estados Unidos o herói é John Wayne munido de toda sua representação simbólica do americano conservador típico, no Brasil temos como heróis Oscarito e Grande Otelo, uma espécie de quebra da expectativa do gênero, uma carnavalização do gênero. Não é à toa que há um investimento completo no humor. Matar ou Correr é uma comédia e, sobretudo, um filme de carnaval. Todos ali estão travestidos em suas fantasias, brincam de ser caubóis e vilões, invertem os papéis. Oscarito, um pilantra que vai aos saloons para fazer patifarias no pôquer torna-‐se agora o xerife da cidade de City Down (que gera inclusive uma gag com a expressão da língua inglesa sit down, que quer dizer se assentar, tomar assento). E como nos afirma Bakhtin, é na carnavalização cultural que não mais se reconhecem classes e discursos sociais. Em Matar ou Correr, o vilão pode também ser o estúpido, o bobo, e o bobo pode ser xerife, herói de um momento. Por isso mesmo, as chanchadas são a expressão de um 6 cinema horizontal, a despeito de outro verticalizado. Ao lado para a tela, nos reconhecemos ali, e aqueles mesmos personagens devolvem aquele olhar. Vemos aquele que nos olha. Leonardo Amaral Filmes Polvo Disponível em http://www.filmespolvo.com.br/site/eventos/cobertura/1204 Matar ou Correr (1954) "Matar ou Correr" é uma das mais famosas chanchadas da Atlântida, estúdio brasileiro que foi criado em 1941 e teve como maior expoente as comédias escrachadas, as famosas chanchadas. O gênero foi a marca registrada do estúdio, que tentava implantar no Brasil um sistema parecido com o adotado em Hollywood, onde os estúdios, além de serem responsabilizados pela produção, distribuição e exibição dos filmes, também apostava no star system, onde os atores eram contratados do estúdio e só trabalhavam em suas produções. As maiores estrelas das chanchadas da Atlântida foram Oscarito e Grande Otelo, a dupla que trabalhou pela primeira vez para o estúdio em 1944, no longa "Tristezas Não Pagam Dívidas", fez , dentro da Atlântida, 12 filmes juntos, e um anteriormente -‐ "Noites Cariocas" (1936). "Matar ou Correr" é um dos seus filmes mais famosos, e é dirigido por Carlos Manga, diretor que estreou na Atlântida e foi quem trouxe as sátiras de grandes sucessos estadunidenses para dentro do estúdio carioca. "Matar ou Correr" foi um dos maiores sucessos de Manga, e faz uma paródia clara a "Matar ou Morrer" (1952), de Fred Zinnemann e que traz Gary Cooper como protagonista. Na paródia nacional, Oscarito e Grande Otelo são, respectivamente, Kid Bolha e Ciscocada, e que, acidentalmente, vão parar em Citydown, um cidadezinha do oeste que é aterrorizada pelas maldades de Jesse Gordon (José Lewgoy, um dos maiores vilões da Atlântida). Por acaso, a dupla de vigaristas de bom coração acaba nocauteando o pistoleiro, e Kid Bolha é nomeado pela população como o novo xerife da cidade. E, quando o vilão consegue fugir da prisão, os problemas do xerife começam a aparecer, já que Gordon resolve se vingar. O filme ainda conta com um jovem John Herbert como o mocinho do filme, um agente federal que vem para a cidade atrás do vilão. A história é boba e ingênua (como a maioria das chanchadas), mas na época era o cinema de melhor qualidade técnica realizado no Brasil. Oscarito e Grande Otelo são impagáveis, com suas piadas e gags visuais que até hoje são imitadas pelos comediantes das TVs. É engraçado ver como um ramo do audiovisual nacional não evoluiu em suas piadas, apenas ficou mais sensual (ou sexual). 7 O trabalho de arte também merece destaque, com os grandes cenários criados pela Atlântida, e os figurinos caprichosos. Hoje, é claro, o ritmo do filme não agradará a todos, mas, para quem se interessa pela história do cinema (sobretudo do cinema nacional), é um filme obrigatório. E ver Oscarito no auge da carreira é sempre divertido. Melissa Lipinski Cinema com Mel Disponível em http://cinemacommel.blogspot.com.br/2011/04/matar-‐ou-‐correr.html Banana is my business (1994), de Helena Solberg e David Meyer Desamericanizada A história da filha de um barbeiro que com sua voz conquistou o Brasil – e que na década de 1940 chegou a ser a artista mais bem-‐paga de Hollywood – é fascinante. Talvez nenhum outro momento traduza essa noção em filme de forma tão particular quanto um depoimento de uma prima de Carmen Miranda em Portugal – onde a cantora nasceu antes de vir para o Brasil, aos dez meses de idade. “Não adianta teimarem comigo, a Carmen era portuguesa, eu é que sou da família dela, todos são portugueses, não tem nenhum brasileiro.” Enquanto fala, seu rosto é sério, quase bélico. Em outras entrevistas contidas em Carmen Miranda: bananas is my business, há franqueza semelhante guiando a narrativa para longe da simples adulação à personagem. Aloysio de Oliveira, talvez o mais íntimo parceiro de Carmen, parece despreocupado ao defender ou criticar sua estrela. Falando em inglês, de cigarro na mão, Aloysio viaja no tempo com um desprendimento próximo ao de uma sessão de psicanálise, transmitindo solidamente a incrível estatura atingida por Carmen Miranda dentro do showbiz americano. Intimidade, aliás, é um aspecto presente na própria concepção de Helena Solberg para seu filme, no qual somos conduzidos por sua própria voz e memórias de menina. O filme se inicia ao som dos sintetizadores de Brian Eno e da voz de John Cale, enquanto uma mulher vestida num roupão de luxo caminha por seu quarto antes de cair morta com um espelho na mão. Essa encenação do trágico final de Carmen é a primeira de algumas ilustrações dramáticas ao longo do filme. Se alguns desses momentos de “docudrama” surgem mais frágeis do que o filme como um todo, isso se deve muito provavelmente ao fato de que a mágica de Carmen, e de todo grande performer, vinha de seu próprio corpo, de seus movimentos, de sua voz ao cantar. As sequências encenadas com uma colunista lendo fofocas hollywoodianas da época, por exemplo, parecem funcionar melhor do que as aparições do dedicado Eric Barreto travestido 8 de Carmen Miranda – num decalque que chega a competir com a imaginação do espectador e com os próprios relatos do filme sobre a “hipnose” provocada por Carmen em cena. O ponto forte de Bananas is my business parece partir do trabalho de pesquisa de Solberg e de seu produtor David Meyer – esforço reconhecido num destacado agradecimento de Ruy Castro em sua biografia de Carmen, publicada em 2005. Dez anos antes do livro de Castro, o filme de Helena Solberg iluminava a primeira parte da vida de Carmen no Brasil, retirando-‐a um pouco da farda de baiana e da caricatura em que ela própria se isolou. A cineasta carioca trabalha motivada pelo fato de que hoje, cem anos após o nascimento de Carmen Miranda, pouca gente sabe que ela já era a maior estrela da música brasileira, dez anos antes de partir para Nova York. O empenho de Helena Solberg na elaboração de um forte material documental – além de seu afeto aberto pela figura de Carmen – rendeu-‐lhe um filme envolvente e informativo, com depoimentos reveladores e doses necessárias de cativante material de arquivo. O curta-‐metragem Carmen Miranda (1969), dirigido por Jorge Ileli, cineasta cuja contribuição ao cinema brasileiro vem sendo cada vez mais celebrada, é mais tradicional em estilo e traz por sua vez um singelo depoimento do radialista César Ladeira relembrando a época em que criou o apelido “A pequena notável”. Rico em material de arquivo, apresenta o cortejo fúnebre, que reuniu milhares de pessoas em 1955, e ajuda a entender o mito criado em torno da atriz. Leonardo Sette Programadora Brasil Disponível em http://www.programadorabrasil.org.br/programa/160/ Obra ficcional sobre Carmen Miranda, cantora que conquistou a América com seu "jeitinho brasileiro", apesar de ser portuguesa O documentário de Helena Solberg sobre a vida da cantora e atriz estréia nos EUA com ótimas críticas. É raro ver a estréia de um filme dirigido por um brasileiro, especialmente no Exterior e recebendo boas críticas. É o caso de Carmen Miranda: Bananas Is My Business, de Helena Solberg, documentário sobre a vida da artista que estreou em Nova York, com críticas entusiasmadas da imprensa local. O filme, que estréia no cineclube Budega, no dia 26 de abril em Ubaporanga Minas Gerais, conta a história de uma das mais famosas -‐ porém misteriosas e mal-‐compreendidas -‐ figuras da vida cultural brasileira. Helena usou cenas de arquivo e entrevistas com contemporâneos de Carmen, entre eles sua irmã Aurora e seu ex-‐amante e companheiro de música Aloysio de Oliveira, entremeadas por 9 cenas ficcionais (Carmen é interpretada pela atriz Letícia Montes e pelo ator Erick Barreto) para contar casos da vida de Carmen, que em 1945 era a artista mais bem paga em Hollywood. A diretora acha que seu filme pode vir a desfazer a incompreensão que ainda existe no Brasil e nos EUA em torno da figura de Carmen, que morreu de um ataque cardíaco em 1955, aos 46 anos, sem ter conseguido escapar do estereótipo de mulher tropical que ela mesma havia criado. Cineclube Budega Disponível em http://cineclubebudega.blogspot.com.br/2011/04/carmen-‐miranda-‐bananas-‐is-‐ my-‐business.html “Bananas...” vê Carmen Miranda com elegância Carmen Miranda é biografada em 'Bananas Is My Business...' (Canal Brasil) Com a respeitável exceção de Pelé, Carmen Miranda é, possivelmente, a personalidade brasileira mais conhecida no mundo inteiro. E Pelé, com todo respeito, está longe de carregar a carga simbólica de Carmen. Aliás, haja carga: bananas, saia rodada, balangandãs, saltos plataforma, combinações de cor berrantes etc. etc. Carmen era uma alegoria da cabeça aos pés, literalmente. É dessa figura que Helena Solberg procura dar conta, munida de bons documentos, em "Bananas Is my Business" (Canal Brasil, 19h30). É verdade que, de algum modo, não consegue dar conta. Mas a personagem é vasta. Só as histórias envolvendo sua volta ao Brasil ("americanizada") e sua morte já bastariam. Solberg pratica as virtudes da elegância e da discrição -‐pouco valorizadas hoje em dia, é verdade. É gentil com sua biografada. Não desvenda seus segredos. Nem há necessidade. Inácio Araújo Folha de S.Paulo -‐ São Paulo, 21 de setembro de 2007 Disponível em http://carmen.miranda.nom.br/folha10.html Com bananas na cabeça Estréia em Nova York documentário sobre Carmen Miranda, ícone do Brasil e paródia da "mulher ideal", burra e simples A invasão dos brasileiros em Nova York. Em qualquer esquina da cidade, há brasileiros, cheios de sacolas do Macy's ou do Bloomingdale's. De onde vem tanto dinheiro? Onde estava escondido? Todo mundo ficou rico menos eu? Brasileiros patinando no parque. Brasileiros na parada gay. Brasileiros no restaurante vietnamita. Até mesmo nos museus encontrei brasileiros. Diante de um quadro de Picasso, uma jovem paulista comentou com o marido: 10 "Esse pintor aí também é famoso?" Como se pode ver, a prosperidade ajuda a melhorar a cultura. Para completar a invasão, foi lançado num prestigioso cinema de Nova York. Film Forum, o documentário Carmen Miranda: Bananas Is My Business, da diretora brasileira Helena Solberg. No Brasil, tem estréia marcada para o dia 4 em São Paulo, Rio de Janeiro c Belo Horizonte. O título é tirado de uma frase que Carmen Miranda repetiu inúmeras vezes em sua carreira, que pode ser traduzida como "o meu negócio é banana". Ou seja. ela só tinha sucesso em Hollywood porque rebolava e arregalava os olhos com um turbante de bananas na cabeça. Carmen Miranda sabia perfeitamente que ninguém esperava grandes interpretações dramáticas de sua pane. Consciente desse papel, acabou se tornando a mulher mais bem paga dos Estados Unidos, com salário mais alto que os de Cary Grant e Errol Flynn. "Bananas is my business" deveria ser adotado como lema nacional, cunhado em todas as moedas. É a nossa contribuição para a humanidade. Bananas, rebolados, caretas, sorrisos. De acordo com o documentário, Carmen Miranda nunca teve a menor dúvida de que o caminho para o sucesso era ostentar felicidade, mesmo nos momentos de maior infelicidade, como quando o marido americano a espancava. Quanto mais ela correspondia ao estereótipo de mulher brasileira, melhor. Ignorante, ciumenta c sensual. "Rosita" ou "Chiquita", ao lado de Cesar Romero, cantando numa língua que os americanos não conseguiam entender. Bananas no lugar do cérebro. Por isso Carmen Miranda é a figura mais imitada por travestis do mundo inteiro — é a paródia da mulher ideal, burra e simples. BOA VIZINHANÇA -‐ Acontece que todas as interpretações sociológicas sobre a imagem hollywoodiana de Carmen Miranda não levam em conta a coisa mais importante — a sua maneira de cantar. Através de trechos de velhos filmes diligentemente recolhidos por Helena Solberg, inclusive os poucos minutos que ainda restam dos seus musicais que ela roubou para os estúdios da Cinédia, percebe-‐se como era original e divertida a nossa música popular e como Carmen Miranda conseguia carregar de ironia essas canções. Não sei se algum dia houve o chamado "espírito carioca", mas, se houve, a sua melhor representação foi Carmen Miranda pré-‐Hollywood. Além de ver o documentário, os brasileiros deveriam ter a obrigação de recuperar toda a discografia e a filmograíia do período. No documentário, há entrevistas com os autores de alguns dos maiores sucessos de Carmen Miranda, como Laurindo de Almeida e Synval Silva. Antes que essa gente morra, alguém está recolhendo suas canções, guardando num arquivo, regravando? Alguém está pagando os direitos autorais dos sambas dos anos 30 que até hoje tocam em todos os bailes de Carnaval? Duvido. Quem não merece recriminação é a diretora Helena Solberg, que acompanha toda a trajetória de Carmen Miranda, do nascimento em Portugal, em 1909, até a morte de ataque cardíaco, 11 aos 46 anos, com um espelho na mão, em Hollywood. O documentário resgata imagens de Carmen Miranda no cassino da Urca, nos cinejornais de Getúlio Vargas, na propaganda americana da "política de boa vizinhança". O filme é narrado pela própria diretora, em inglês, com ligeiro sotaque brasileiro, que contrasta com o sotaque carregado de Carmen Miranda. É nessa diferença entre a diretora bem-‐educada e a cantora popularesca que se baseia o filme. Helena Solberg defende a ideia de que Carmen Miranda, branca mas representante de uma cultura negra, estabeleceu uma ponte entre dois universos até então separados Com ela, o samba desceu o morro e entrou na casa dos ricos. Acho que o documentário poderia incluir mais números musicais e cortar toda a pane de ficção, em que há uma espécie de dramatização da vida de Carmen Miranda, mas prefiro ignorar esse problema, porque o fundamental era ler um documentário sobre ela. O jornalista e escritor Paulo Francis lembra que os cariocas se divertiam muito com os filmes de Carmen Miranda, mas começavam a espinafrar assim que se acendiam as luzes do cinema. Era o medo de se reconhecer naquela caricatura de brasileiro, com turbantes de banana na cabeça. Diogo Mainardi Revista Veja -‐ 26 de julho de 1995 Disponível em http://carmen.miranda.nom.br/veja2.html A Ilha da Morte (El Cayo de La muerte, 2007), de Wolney Oliveira Con ternura siempre, pero sin endurecer-‐se Wolney Oliveira se formou em cinema pela Escuela de Cine y TV de San Antonio de los Baños. Pois com este seu novo longa, A Ilha da Morte, ele filma justamente duas questões que lhe são muito caras: Cuba e cinema. Wolney conta aqui a história de Rodolfo, um rapaz que se muda de Havana para a pequena San Juan de las Rocas porque seu pai, um revolucionário, é perseguido pela polícia do ditador Fulgênio Batista. No meio tempo, Rodolfo manda cartas para Samuel Goldwin (da Metro Goldwin-‐Mayer) pedido uma chance como cineasta. O filme de Wolney equilibra (ou desequilibra) nostalgia, cinema, descoberta do sexo, da afetividade e da política. Até ai nenhum problema, é claro – mas também nenhuma novidade. Existe em A Ilha da Morte um discurso sobre ingenuidade e consciência histórica e social. A história de Rodolfo falará disso. Ele descobrirá em um filme ingênuo que criou a importância política das imagens, mesmo que realizadas sem intenção de despertar qualquer consciência 12 em seu público. Esse é o ponto forte do filme: a beleza do momento que Rodolfo entende sua responsabilidade de cineasta para além de produzir imagens que maravilham o público. Só que essa beleza parece querer existir em uma forma que não lhe é compatível: é uma beleza abstrata, que não toma vida. Mesmo a beleza sendo mais um ideal do que algo efetivo, não é difícil emocionar-‐se com a sequência da projeção do filme que o protagonista fez com seus amigos e as pessoas da cidade; não é difícil torcer a favor dos revolucionários e contra o capitão Duarte, policial sanguinário da cidade. O difícil é compreender os personagens além dessas descrições. No cinema, o personagem precisa “existir” em um espaço e a câmera só precisa entender essa existência; o cinema é também uma tomada de posturas, mas elas devem ser expressadas para além do que a história diz sobre os personagens e os universos propostos. O cinema existe para que vejamos nascer NELE a política, a afetividade e o tesão, não para que peguemos essas coisas e façamos do cinema pouco além de uma embalagem de luxo. O que fica de A Ilha da Morte é uma amostragem de intenções sem resultado estético-‐narrativo equivalente. Francis Vogner dos Reis Revista Cinética Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/ilhadamorte.htm Melodrama caseiro em "A Ilha da Morte" A co-‐produção Brasil-‐Cuba-‐Espanha "A Ilha da Morte", que entra em cartaz esta semana em São Paulo, traz a estréia do documentarista cearense Wolney Oliveira (de "Milagre em Juazeiro", 1999) no cinema de ficção. O longa-‐metragem surgiu a partir do documentário "O Invasor Marciano", realizado por Wolney em 1998, na Escuela Internacional de Cine y Televisión de Cuba, que tratava da trajetória real de dois cineastas cubanos que fizeram filmes amadores no final dos anos 1950, na cidade de San Antonio de los Baños, pouco antes do final da revolução. Em "A Ilha da Morte", Wolney condensou os cineastas na figura fictícia do jovem Rodolfo Salas (interpretado por Caleb Rosas), e criou a cidade de San Antonio de las Rocas para abrigar as aventuras políticas e cinematográficas do protagonista em meio ao autoritarismo da ditadura de Batista, à fuga de sua família de Havana em função das posições políticas de seu pai e à tentativa de realização de um filme de ficção-‐científica inspirado na "Ilha do Dr. Moreau", chamado "A Ilha da Morte" e estrelado pelos moradores da cidade. A história parte de um argumento interessante, que é o processo de realização de filmes amadores feitos com muita intuição e nenhum conhecimento técnico, o que permite a 13 revelação de imagens encantadoras exatamente pelo potencial expressivo que trazem em seu deajeito. Esse argumento, aliás, tem estado em voga em filmes recentes, como "Saneamento Básico", de Jorge Furtado, 2007, e "Rebobine por favor", de Michel Gondry, que mostram o interesse contemporâneo por esses filmes "primitivos", hoje em vias de extinção por causa da facilidade com que se tem acesso aos meios digitais. Mas, ainda que o longa de Wolney exale romantismo e cinefilia (talvez até mais do que os filmes de Gondry e Furtado, que trazem registros mais irônicos), "A Ilha da Morte" não consegue disfarçar a ingenuidade da estréia "metalingüística" de seu diretor no cinema de ficção. Ao contar sua história por demais previsível e linear, ele acaba revelando, não raro, um amadorismo semelhante ao de seus personagens. Afinal, enquanto acompanhamos as aventuras de Rodolfo aprendendo a dirigir um filme a partir de um antigo manual de cinema, também percebemos o academicismo do próprio Oliveira, que decupa seu filme da maneira mais esquemática possível, como se também consultasse um manual. Além disso, a opção pelo registro melodramático traz um desfile dos piores clichês desse gênero, fazendo com que o espectador possa prever os desfechos das situações tão antes do protagonista que este acaba se transformando num tolo diante dos acontecimentos. A trilha-‐ sonora também evita riscos a todo custo, entrando espalhafatosamente em todos os momentos dramáticos, talvez para tentar dar aos atores alguma expressividade que ultrapasse o estilo "novela das seis" adotado em toda a produção. Com isso, perde-‐se a oportunidade de trazer para a ficção histórias incríveis de cineastas que se aventuraram a apropriar-‐se dos padrões hollywoodianos à sua maneira e que deram mostras de um tipo de "espectatorialidade produtiva" que foi fundamental para a construção do cinema periférico desde que Hollywood tomou conta do cinema mundial. Pena que, em pleno ano 2009, isso se repita de maneira tão pouco inventiva em filmes como "A Ilha da Morte". Laura Cánepa Cineqiuanon Disponível em http://www.cinequanon.art.br/filmes_detalhe.php?id=1276&num=1 A Ilha da Morte / El Cayo de la Muerte Anotação em 2009: Eis aí um filme absolutamente, totalmente inacreditável. Parece o que o Millôr Fernandes chama de compsyssão enfantiu. Pode até haver algum filme com atores trabalhando tão mal quanto neste A Ilha da Morte – mas trabalhando pior não tem. Ah, não 14 tem – é impossível. Nem se se reunisse a pior turma de teatro ginasiano da face da Terra seria possível ter um elenco tão pateticamente ruim. É tudo, tudo, tudo absolutamente primário, infantil, tosco, rudimentar. É inacreditável. Inimaginável. Se pensarmos na pior telenovela já feita em toda a América Latina, ainda assim ela será mais bem dirigida do que este filme. Fui atrás de informações na internet. Em vários lugares aparece uma mesma sinopse, certamente distribuída em press-‐release pela produção (texto semelhante está no site oficial do filme, http://www.elcayodelamuerte.com/home.html): “Cuba, 1958. Rodolfo tem 20 anos e sonha fazer cinema em Hollywood. Seu pai, um membro do movimento revolucionário, está fugindo da polícia, situação que obriga a família a abandonar Havana e a se refugiar na pequena San Juan de las Rocas. Ali, os sonhos de Rodolfo supostamente ficam mais distantes. Ele continua, no entanto, a escrever roteiros e a mandar cartas para o estúdio Metro Goldwyn Mayer. Para sua surpresa, encontra no povoado um grupo de cineastas em plena produção de um filme. Apresenta-‐se a eles e conhece Laura, noiva de Leonardo, o filho do prefeito e “produtor” da turma. Rodolfo apaixona-‐se por Laura e inspira-‐se nela para seus novos roteiros. Escreve então A Ilha da Morte, a história de um doutor maléfico que domina pela hipnose os moradores de uma ilha maldita. Enquanto isso, seu pai une-‐se a conspiradores que planejam matar Duarte, o temido e repressor capitão da polícia local. Rodolfo, apesar das reclamações do pai em relação a seus projetos, que julga infantis, começa a rodar seu filme usando inclusive dinheiro pertencente ao movimento revolucionário. A produção é estrelada por sua amada Laura e, ao estrear, leva os habitantes a se revoltarem com a rotina de repressão em que vivem.” Num site da Film Society of Lincoln Center, encontrei o seguinte parágrafo: “Em seu primeiro longa-‐metragem, Wolney Oliveira – um brasileiro que estava entre os primeiros a se graduar na prestigiada escola de cinema de San Antonio de los Baños, em Cuba, a “cidade sonolenta” onde o filme se passa – delicadamente cria um filme-‐dentro-‐do-‐filme que é ao mesmo tempo uma história de amor e um terno olhar sobre a passagem de um rapaz da inocência para a consciência sócio-‐política em um momento histórico turbulento. A bem feita reconstituição de época e reviravoltas cômicas na trama diminuem o peso, fazendo de El Cayo de la Muerte uma charmosa comédia dramática que é muito agradável de se ver.” Meu Deus do céu e também da terra, não é possível que seja o mesmo filme que eu vi. Consciência sócio-‐política? Reviravoltas cômicas? Não, o sujeito não viu o filme que eu vi. 15 Que eu vi, porque Mary, mais esperta, desistiu depois de suportar com estoicismo uns 20 minutos de uma narrativa capenga, boba, bocó, infantil, e com atores chocantemente, impressionamente mal dirigidos. Vi o resto sozinho. E a coisa só ia piorando. É daquelas coisas que deixam o espectador envergonhado. É tudo tão ruim que sequer consigo explicitar exemplos da ruindade – o trailer do filme, no youtube, no entanto, fala por si só: http://www.youtube.com/watch?v=vFOISxYXQqs No final, aparece uma dedicatória aos cineastas amadores que, na mesma cidade de San Antonio de los Baños onde o diretor Wolnei Oliveira estudou cinema, fizeram filmes de 8 mm, nos anos que antecederam a revolução que derrubou Fulgencio Batista e colocou Fidel Castro no poder. Eram, parece, puro trash, aqueles filmes amadores – e então este A Ilha da Morte, uma homenagem a eles, procuraria adotar o estilo trash dos homenageados. Em suma: o filme seria ruim de propósito, segundo o entendimento de um ou dois críticos benevolentes. Trash de propósito. Sei, sei. O filme abriu a 17ª edição do Cine Ceará, o Festival Ibero-‐Americano de Cine e Vídeo. Wolney Oliveira, o diretor do filme, é o diretor-‐executivo do Cine Ceará. Tem lógica. Num site sobre telenovelas latino-‐americanas, todotnv.com, vejo que o casal central, Caleb Casas, que faz o rapaz apaixonado por cinema, e Laura Ramos, que faz Laura, a noiva do filho do prefeito da cidade, trabalham em novelas colombianas. Tem lógica. O filme não consta do iMDB, o site mais enciclopédico sobre cinema que existe. Consta o diretor, constam os principais atores, mas o filme não está lá. Foi a primeira vez que procurei um filme no iMDB e não achei. Está certo o iMDB. Este filme é inacreditável. Ele não existe. 50 anos de filmes Disponível http://50anosdefilmes.com.br/2009/a-‐ilha-‐da-‐morte-‐el-‐cayo-‐de-‐la-‐muerte/ A Ilha da Morte Em 1988, Wolney Oliveira fez um divertido curta-‐metragem intitulado El Invasor Marciano. Homenageava os cineastas cubanos que, nos anos 50, tentavam filmar como se estivessem em Hollywood e produziam obras do mais puro trash. Muitos anos depois, Wolney, que estudou na Escola de San Antonio de los Baños, próximo de Havana, resolveu voltar ao tema. E agora sob a forma de ficção e como longa-‐metragem. É dessa maneira que nasce A Ilha da Morte. O filme, produção conjunta entre Brasil, Cuba e Espanha, é ambientado em Cuba, na véspera da vitória da revolução de Fidel, Camilo e Guevara. A luta entre os rebeldes e os partidários de Fulgêncio Batista encaminha-‐se para o desfecho e assim a família de simpatizantes de Fidel 16 acha melhor se refugiar num vilarejo do interior. O brasileiro Claudio Jaborandi faz o truculento chefe de polícia local, um vilão sem matizes. É lá que o jovem Rodolfo (Caleb Casas), que manda cartas para Samuel Goldwin, chefão da Metro, e sonha trabalhar em Hollywood, terá de se improvisar como cineasta de primeira viagem, enquanto seu pai (Alberto Pujol) conspira. Em companhia de um grupo de amadores do vilarejo, Rodolfo e amigos rodam o filme mudo e em preto e branco intitulado A Ilha da Morte (ou El Cayo de la Muerte, em espanhol). Temos aqui o filme dentro do filme e a homenagem ao cinema feito com poucos recursos, como no recente Saneamento Básico, de Jorge Furtado. Outro ponto de aproximação entre os projetos de Furtado e Wolney é o humor, ou melhor, a tentativa de ser engraçado. A Ilha da Morte teria todos os ingredientes prévios para funcionar bem, mas não é o que ocorre. A estética trash que estaria na origem da inspiração e da homenagem contrasta com o visual limpo e bonitinho que redundou. O roteiro parece um tanto ingênuo e o pano de fundo histórico não corresponde ao transe político pelo qual o país passava. Enfim, A Ilha da Morte é simpático, mas parece artificial e sem formas muito definidas. Não agride. Mas tampouco marca a memória. Luiz Zanin Oricchio O Estado de S. Paulo -‐ 08 de maio de 2009 Disponível em http://blogs.estadao.com.br/luiz-‐zanin/a-‐ilha-‐da-‐morte/ Tony Manero (idem, 2008), de Pablo Larraín Cinema que vence armadilhas Não são de pequeno porte as três armadilhas distintas que Pablo Larraín tem à sua frente ao realizar este Tony Manero. A primeira é da ordem da construção do seu personagem principal e do mundo que o circula diretamente: pois, ao centrar seu filme num homem miserável (no sentido existencial do termo), o miserabilismo está sempre ali na esquina – essa maneira fácil de afirmar a tristeza e a sujeira do mundo como fatos constitutivos únicos que permite espectador, personagem e realizador de mergulharem numa chave simplista de comiseração coletiva (“como o ser humano é sujo, como o mundo é mau”). A segunda é da ordem da construção do contexto histórico-‐social que cerca essa narrativa: ao localizar a história de Raul Paredes em plena ditadura de Pinochet, seria muito fácil plasmar personagem em regime de governo, tornando o primeiro uma metáfora unidimensional (e, portanto, despida de real interesse) do segundo. A terceira armadilha fala da construção estética-‐narrativa do filme: 17 começando com mais um daqueles planos de câmera na mão ostensiva que acompanha um personagem a partir da sua nuca, pegando-‐o em pleno movimento, Larraín poderia apelar a uma estética “pós-‐dardenniana” extremamente em voga, e ao conformar-‐se com ela fazer pouco mais do que afirmar uma “realidade social” construída em artifícios de realismo já um tanto esperados a esta altura. Se seria inexato dizer que Larraín escapa completamente de cada uma destas armadilhas, parece claramente muito mais em desacordo com o Tony Manero que está na tela diminuir este segundo longa do jovem realizador chileno a um, ou mesmo a todos estes problemas -‐ dos quais, ao fim e ao cabo, ele se desvencilha com surpreendente sucesso. É fato que, em se tratando o cinema de uma matéria audiovisual viva, na qual movimentos e enquadramentos de câmera, inflexões de rostos, vozes e corpos dos atores em ação num espaço, usos de sons e palavras captados em locação ou pós-‐produzidos e ritmos de cortes produzem um resultado final único e orgânico, não é tarefa pequena tentar dar dimensão na linguagem escrita aos motivos pelos quais Larraín supera estes desafios (que, afinal, ele mesmo se impôs ao escolher seus recortes de personagem, contexto, estética). Seria de fato mais simples agarrar-‐se ao resultado parcial de qualquer destas características, e assim aprisionar o filme nas redes de uma análise bem estruturada, que poderia até ser reconhecível no que está na tela, mas que somente o seria através de uma operação de redução extrema. Porque, de fato, o que há de realmente admirável em Tony Manero é sempre da dimensão do imaterial, do dificilmente argumentável: fala-‐se aqui de carisma, de verdade (verdade entendida, é claro, não como verossimilhança nem autenticidade histórica ou afins, mas sim a verdade interna a um universo ficcional dado), de talento em última instância. Ao carisma, primeiro: carisma deste grande ator que é Alfredo Castro, que permite que Raul/Tony ultrapasse de lavada a armadilha do miserabilismo de seu personagem. Sim, porque por mais que o roteiro apele aqui e ali para determinadas soluções que podem nos levar por esse trajeto (como a questão da impotência sexual), há na criação de Raul/Tony no corpo/rosto/voz de Alfredo Castro mais do que o suficiente para fugir deste lugar. Há a dignidade na forma de repetir em inglês ao microfone as falas do Tony Manero dos Embalos de Sábado à Noite, há a capacidade de seduzir todas as mulheres à sua volta (mesmo impotente, mesmo arrasado, mesmo desesperado), há o sofrimento difícil de explicar naqueles olhos que choram vendo o filme no cinema (e, é sempre bom relembrar: Saturday Night Fever é antes de tudo um filme tristíssimo, de um realismo dolorido sobre a working class do Brooklyn dos anos 70). Há, em suma, um personagem de carne e osso que escapa das simplificações que seu percurso em inegável espiral rumo abaixo poderia engendrar – que tem seu ápice na sublime (mas perdedora) apresentação no programa de TV. 18 Depois, a verdade: verdade acima de tudo de um ambiente criado por Larraín que impede que o filme tenha qualquer traço de simples metáfora histórica ou social. Ambiente, entendido antes de tudo pelo entorno imediato que cerca Raul/Tony: o espaço da pensão/casa/restaurante onde ele habita com os outros personagens numa mistura de espaço público e privado, de interseções de intimidades (o banho de banheira ao lado da mesa da cozinha) com manutenções de distâncias (o cadeado na porta do quarto). Ambiente, em seguida, construído por este mesmo casting de coadjuvantes que formam uma estranha família de regras incertas nunca de todo explicadas/entendidas, onde um certo pacto orgânico e incomum parece reger os comportamentos, no qual não podemos fazer mais do que acreditar. E ambiente, ao final, de um país em estado de sítio: ruas vazias, violências comuns que não chocam (os assassinatos que nunca geram uma reação pública, as agressões vistas/ouvidas de soslaio), todos estes construídos por Larraín sem esforço exagerado ou tintas que os sublinhem, mas apenas ali, abraçando estes personagens, este espaço físico onde eles circulam. Finalmente, o talento: a capacidade de Larraín de, mesmo que margeando aqui e ali uma linguagem de tiques conhecidos (a tal câmera na mão hiperconsciente, o desfoque ocasional), estar acima dela como única característica do seu trabalho. Há na forma de cortar e/ou de deixar alguns planos alongarem-‐se (o do primeiro golpe de Tony numa vítima é exemplar), por exemplo, uma inteligência cinematográfica aguda sobre o tempo e ritmos, e seus efeitos no espectador. Há uma inteligência notável também nas opções entre o que mostrar ou não mostrar, explic(it)ar ou não, que coloca o espectador numa posição ativa, ainda que um tanto desconfortável (um desconforto sadio) entre o entendimento e a suposição, a identificação e a repulsa. Como resultado dessa combinação, ao invés de um trabalho facilmente descartável como poderia ser se caísse nas armadilhas citadas no começo do texto, Tony Manero, o filme, converte-‐se constantemente num problema (no sentido mais amplo do termo) para quem o assiste – e isso é muito bom. Eduardo Valente Revista Cinética Disponível em http://www.revistacinetica.com.br/tonymanero.htm Tony Manero A luminescência da discoteca apenas ajudava a perceber a realidade triste e desoladora dos personagens de Os Embalos de Sábado à Noite (John Badham, 1977), um filme-‐catástrofe em escala íntima. Em Tony Manero, segundo filme do chileno Pablo Larraín, essa amarga constatação é ampliada e deportada para outro universo. Raúl (Alfredo Garcia) é um cover de 19 Tony Manero que se comporta como alma penada. Num país de ruas desertas (o Chile da ditadura Pinochet), ele dissemina a morte. É isso o que ele tem para compartilhar com o mundo. Sua dança é um emulação cadavérica da coreografia de John Travolta. A atração que ele desperta nas mulheres com que vive é uma atração necrofílica. Seus momentos de mais solta emoção se dão no escuro do cinema, no anonimato, só nós espectadores sabemos que ele chora todas as tardes. Existe uma curiosa coerência estética em Tony Manero: assim como Raúl imita gestos e trejeitos de um personagem que ele vê à exaustão no cinema, Larraín reproduz – com a mesma afasia – os procedimentos que viu em filmes de arte que circulam às dúzias por qualquer festival de cinema hoje em dia. Filmar o personagem de perto sempre, não criar distanciamento, é a principal lição aprendida, aquela que cada vez mais parece isentar os cineastas de suas deficiências. Mas o tiro sai pela culatra: a planificação do registro, sua ambivalência, não obriga o espectador a um exercício de consciência para além do moralismo mais rasteiro. Pelo contrário: todas as consciências estão silenciadas e tacitamente absolvidas por essa técnica de um ponto de vista unidimensional sobre um personagem de ações detestáveis mas que tem vida sentimental. O desagradável de algumas cenas são de uma imaturidade tremenda, diluindo a estratégia de choque em uma “construção de atmosfera”, o que só a torna mais covarde. Apresentar essa história como quem se vê na impossibilidade de ultrapassar certos limites – impostos pelo personagem? ou pela cartilha do cinema-‐de-‐personagem versão anos 2000? – é apenas uma pílula de retórica dentre tantas outras. Personagem e câmera se declaram impotentes. A montagem corta com violência, aumenta o desconforto que os cenários já exprimem em cada ranhura das paredes e do assoalho. Há aquele já conhecido descompromisso com as elipses e aquela aparente arbitrariedade da duração e da mobilidade dos planos. Essa “libertação” da câmera, arrancada de qualquer molde pictórico, acompanhada de uma oclusão (porém não necessariamente anulação) das marcas teatrais do espaço, constitui hoje uma sistematização formal tão hegemônica, dentro de um circuito de world cinema, quanto a narrativa em vaivéns temporais havia sido nos anos 90. A suposta periculosidade desse relato, sua abertura ao acidente e à descoberta, se acha devidamente integrada a um projeto pré-‐formatado e pré-‐aprovado; a substância inflamável do presente está totalmente domesticada. E não se trata de um método, mas de um cacoete formal. Além das “certas tendências” já citadas, destaco o modo como se delineia o contexto histórico: nas bordas do filme, no fora-‐de-‐campo, limitado a invasões momentâneas. Um caminhão do exército passa, o personagem – e, portanto, a câmera – se esconde: perfeita imagem de um cinema que não consegue mais afirmar com clareza o que é a História e se protege na sombra 20 da estilização. O suspense da cena é falso: sabemos que Larraín não corre risco algum de ser capturado pela política e pela História. O contexto é só um ingrediente efervescente, é só a “febre”, o sintoma de uma estética parasitada. Luiz Carlos Oliveira Jr. Contracampo -‐ revista de cinema Disponível em http://www.contracampo.com.br/93/crittonymanero.htm Os embalos no Chile de Pinochet Tudo começou com uma imagem, que o diretor chileno Pablo Larraín descobriu num livro de fotografias que folheava, por acaso, num museu na Espanha. Ele ficou tão impressionado que comprou o livro e, de volta ao Chile, mostrou a foto a seu amigo, o ator e diretor de teatro e TV Alfredo Castro. Um homem nu numa janela, o olhar vazio, mais do que perdido. Uma imagem de abandono, de vazio. Intrigados pelo enigma, Larraín e Castro começaram a construir uma história. Foi assim que chegaram a Tony Manero. Somos todos latino-‐americanos, mas não é só a barreira da língua que separa o Brasil da América nuestra. Raras são as possibilidades de integração que se oferecem. Este é justamente um destes momentos especiais. Um evento que vai até dia 19 em diferentes unidades do Sesc, está revelando a cena chilena para os espectadores paulistanos. São grupos de teatros que vieram apresentar seus espetáculos. O sucesso da empreitada pode ampliar a janela, que pretende trazer grupos de toda a América Latina à cidade. A essa explosão teatral chilena em São Paulo se somou a estreia, ontem, de Tony Manero. O longa de Larraín estreou mundialmente no Festival de Cannes, no ano passado. Teve críticas ótimas -‐ Cahiers du Cinéma, Libé, Le Monde. Revistas e jornais colocaram o filme nas nuvens. Tony Manero estreou no Chile em agosto. Dividiu público e crítica. Larraín, numa entrevista por telefone, de Santiago, considera o fato positivo. "Ninguém ficou indiferente, é o mais importante. E a divisão é expressão do que trata o filme, que é a divisão da própria sociedade chilena em relação à herança do golpe militar de Pinochet." Em conversa com o diretor, o repórter explica que visitou o Chile em 1973, pouco antes do golpe que depôs o governo constitucional de Salvador Allende, e voltou há um par de anos, pouco mais, no alvorecer da era Michelle Bachelet, que colocou uma socialista na presidência do país. Larraín se regozija -‐ "Então, você tem condições de entender tudo. Nosso filme se situa após o golpe, em 1978, quando se começa a construir o país que o Chile é hoje. Foi uma construção brutal, sangrenta. Tony Manero é sobre isso." O filme tem o nome do personagem interpretado por Alfredo Castro. Aproveitando o fato de que São Paulo é palco de uma manifestação teatral do Chile, Larraín acrescenta, para 21 contextualizar, que Castro é uma das figuras emblemáticas da cena de seu país, como o grupo que trouxe Sin Sangre à cidade. Tony Manero também é o nome do suburbano que John Travolta criou em Embalos de Sábado à Noite, o megassucesso de John Badham que, exatamente em 1978, há 31 anos, deflagrou a onda das discotecas ao redor do mundo. Travolta/Manero pôs o mundo inteiro para dançar. No Brasil, houve até uma novela que ficou lendária, Dancing Days, de Gilberto Braga, com Sônia Braga. O Chile, imerso nas feridas de uma das ditaduras mais violentas da história da América Latina, não escapou à tendência. Muitos chilenos se alienaram, dançando, até para fugir ao horror da realidade do país e ao desmonte das estruturas político-‐sindicais que transformaram o Chile de Pinochet em laboratório para as teorias dos papas do neoliberalismo econômico. É disso que trata Tony Manero, mas Pablo Larraín o faz sem seguir o receituário do colonizado de Hollywood. O protagonista do filme, construído pelo diretor ao longo de dois anos de pesquisa com Alfredo Castro, é esse cinquentão que se obstina em imitar os trejeitos do herói de Travolta. Raul é seu nome e ele é a extensão final daquele homem desnudo e ausente que Larraín flagrou numa foto. Raul ataca estranhos sem motivos aparentes e, ao participar de um concurso de danças, aproveita o clima reinante no país de Pinochet para eliminar seus rivais. "O filme é uma metáfora do que sucedeu no Chile. O tema é o vazio humano, o vazio ideológico que caracterizou a era Pinochet e é a herança terrível que ele nos deixou", diz o diretor. Pela banda de cá, há quem se queixe do roteiro, que não aprofundaria os meandros psicológicos do complexo personagem. A crítica é levada ao diretor, que comenta -‐ "É uma leitura burguesa de um filme que pretende ser antiburguês. Acho bom que as pessoas se manifestem, no Chile ocorreu a mesma coisa, mas esse tipo de frase feita consegue ser mais vazio do que o vazio de que me acusam. E a verdade é que esse vazio não é meu nem do filme. É do personagem, que critico." A provocação do diretor -‐ existem vazios intencionais, que o espectador de Tony Manero tem de preencher. "Isso aqui não é Hollywood, que serve o filme pronto, para que você não pense. Nosso convite não é para que o público dance com Raul. É para que pense com Tony Manero." Luiz Carlos Merten O Estado de S. Paulo Disponível http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-‐embalos-‐no-‐chile-‐de-‐ pinochet,352705,0.htm 22 Sonhar com Hollywood desde a América Latina. Cinema e literatura em alguns relatos dos anos 1920 e 1930 Latin America´s Dreams about Hollywood. Movies and Literature in some narratives in the Twenties and Thirties Miriam V. Gárate 1 Resumo: O artigo visa examinar o impacto do cinema norte-americano na sociedade dos anos 1920-1930, através de algumas narrativas latino-americanas produzidas no período. A atualização do motivo do duplo em chave cinematográfica é um dos aspectos privilegiados na análise. Palavra-Chave: cinema norte-americano; narrativa latino-americana; inícios do século XX. Abstract: This article focuses on the impact of the North- American movies in the 1920-30 societies, in some Latin American narratives at this time. In first plane, the theme of double is analyzed in movies. Keywords: North American movies; Latin American Narrative; early XX century. Século XX, década de 1920. A máquina de sonhos hollywoodiana se impõe na América Latina, deslocando inexoravelmente o cinema europeu. Como no resto do planeta, a máquina de sonhos passa a exercer uma influência decisiva nos comportamentos, na moda, na gestualidade, nos desejos. Desejos de levar uma vida de filme e de esquecer a outra, a vida real, que se revela anódina, insignificante, medíocre, quando comparada à projetada na tela. Desejos de viajar à meca hollywoodiana e de tornar-se uma estrela ou um astro. Dessa matéria, dessa experiência ao mesmo tempo coletiva e individual, social e subjetiva, se nutrem várias ficções literárias do período. O mais das vezes, com o propósito de evidenciar o caráter “fraudulento” dessa máquina, bem como dos sonhos que promove, a fim de restituir certo “princípio de realidade”. Em algumas ocasiões, para aderir ao sonho ou deslocá-lo de lugar. Em ambos os casos, a atualização em chave cinematográfica de um motivo com longa tradição, o motivo do duplo, se revela fundamental. Copiam1 Professora Associada do Departamento de Teoria Literária, Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp. E-mail: [email protected] Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 se, imitam-se, duplicam-se: o gesto, a pose, o olhar, a roupa, o penteado, a forma de dançar (frequentemente, o tango). Mas em algumas oportunidades trata-se literalmente de ser o duplo de um astro ou de uma estrela. Com o objetivo de fazer um mapa dessa ordem de questões, proponho examinar a seguir um conjunto de relatos argentinos, mexicanos, peruanos e brasileiros produzidos nos anos de1920 e no início de 1930 Pobres-diabos e moças da periferia Começo pelos aspectos definidores da situação cinema, denominação proposta por Hugo Munsterberg em 1916 para se referir aos fatores copresentes na projeção de um filme que acarretam uma mudança na consciência do espectador: a) isolamento do mundo exterior e de suas fontes de estímulo; b) alteração das sensações de tempo e de espaço; c) passividade física do espectador 2. Passividade, isolamento e alteração espaço temporal aliam-se para propiciar uma experiência que se constitui como cancelamento provisório da realidade imediata, como fuga voluntária em relação a esta e, correlativamente, como mergulho em uma realidade imaginária cujo poder de ilusão, em razão da força de presença da imagem fílmica e dos procedimentos inerentes à montagem clássica, é decididamente mais forte que o da Fazendo uma recapitulação das reações suscitadas no espectador que permanece dentro de uma sala escura, Hugo Mauerhofer refere-se a cada um desses fatores nos seguintes termos: “alteração na sensação de tempo, no sentido de um retardamento do curso normal dos acontecimentos” cujos efeitos “podem ser agrupados sob o denominador comum: a sensação de tédio (caracterizada pela falta de “algo acontecendo” e que denota o vazio da pessoa entediada”); alteração da sensação de espaço, pelo fato de “a iluminação insuficiente tornar a forma dos objetos menos definida, dando à imaginação maior liberdade de interpretar o mundo que nos cerca. Quanto menor a capacidade do olho humano de distinguir com clareza a forma real dos objetos, maior o papel desempenhado pela imaginação [...]. Essa modificação da sensação de espaço anula parcialmente a barreira entre a consciência e o inconsciente” (p. 376). “Os efeitos psicológicos da sensação modificada de tempo e espaço – i.e., o tédio incipiente e a exacerbação da atividade da imaginação – desempenham papéis decisivos na situação cinema. Ao se fazer a escuridão dentro do cinema, essas mudanças psicológicas são acionadas. O filme na tela vem de encontro tanto ao tédio incipiente como à imaginação exaltada, servindo de alívio para o espectador, que adentra uma realidade diferente, a do filme” (p. 377). No que diz respeito à passividade, por último, o autor afirma: “a rapidez com que se instalam esses efeitos é propiciada por outro elemento essencial da situação cinema, a saber, o estado passivo do espectador [...] o espectador espera pelo filme em total passividade e receptividade – condição esta que gera uma afinidade psicológica entre a situação cinema e o estado do sono” (MUNSTENBERG, p. 377-8). 2 61 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 representação teatral ou literária 3. A relação ao mesmo tempo excludente e íntima das duas “realidades” em jogo, a lógica de sua alternância e algumas de suas características permitiram postular desde relativamente cedo, no âmbito das teorizações cinematográficas, a associação com o par vigília/sonho. Abolindo temporariamente a dimensão diurna e as frustrações que esta impõe, a sala obscura oferece ao espectador uma tela na qual se projetam (e ele pode projetar) fantasias compensatórias, numa espécie de sonho/devaneio diurno, conduzido, vigiado, pré-fabricado. Esse dispositivo, bem como a materialidade social na qual opera, é delineado pelo uruguaio Horacio Quiroga em vários textos da época protagonizados por pobres-diabos – funcionários públicos ou empregados bancários de baixo escalão, quando não desempregados – e por moças ou senhoras da periferia. Por exemplo, em Miss Dorothy Phillips, mi esposa (1919), cujo narrador e personagem principal se apresenta da seguinte forma: Eu faço parte do grupo dos pobres-diabos que saem do cinematógrafo noite após noite apaixonados por uma estrela. Meu nome é Guillermo Grant, tenho trinta e um anos, sou alto, magro e moreno – como quadra, para 3 Clément Rosset destaca essa qualidade diferencial em Propos sur le cinéma (2001). Cito uma passagem: “A grande magia do cinema consiste em convidar imperativamente ao espetáculo de uma realidade ao mesmo tempo diferente e semelhante, a um outro que não difere verdadeiramente do mesmo ao qual estamos habituados [...]. Pois a evasão mais benéfica não consiste tanto em fugir da realidade como em circular, à vontade, por uma realidade paralela e, por assim dizer, gêmea. Não há melhor distração no e do mundo, do que nele permanecer mudando apenas e imperceptivelmente de tempo e de lugar. Jamais abandona-se tanto o mundo, como quando nele se permanece em pensamento e se confronta essa imaginação do real àquela de um outro real que lhe é comparável em tudo. Imaginação, não de outro mundo, mas de “outra cena”, como diz Octave Mannoni, quem distingue a esse respeito, em Clef pour l’imaginaire ou l’autre scéne, duas formas de imaginação: a imaginação do irreal, alucinatória e mórbida e a imaginação de outro real, simples variante da realidade que modifica a disposição desta por meio da fantasia, mas respeitando sua lei. A imaginação delirante pretende mudar de mundo, a imaginação “normal” conforma-se com mudar de cena. Sem dúvida, artes anteriores ao cinema visaram produzir o tipo de prazer que o cinema iria levar a seu ponto extremo sugerindo, como o cinema, uma espécie de realidade paralela, convidando a fruir de um estado de coisas ao mesmo tempo próximo e diferente daquele que experimentamos na realidade cotidiana. É o caso principalmente do teatro, que exibe claramente à vista do público essa “outra cena” da qual fala Mannoni, bem como o caso do romance, que convida o leitor a abandonar toda preocupação, para interessar-se por uma cena notavelmente mais distante que a cena teatral. É necessário destacar, todavia, que a passagem da realidade familiar aos olhos do espectador ou do leitor, para essa outra realidade que o teatro ou o romance visam instituir, é em ambos os casos uma tarefa árdua. No teatro, quando a cortina se levanta, o espectador precisa de um certo tempo para mudar de cena; no romance, a aclimatação à nova cena é ainda mais difícil e problemática. O cinema cumpre sem esforço nem demora essa passagem por meio de uma simples movimentação de câmera.” (ROSSET, p. 68-70, tradução minha). 62 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 efeitos de exportação, a um sul-americano. Estou numa situação quase confortável e tenho boa saúde. [...] Sendo como sou, compreende-se muito bem que o surgimento do cinematógrafo tenha sido para mim o começo de uma nova era na qual conto as noites sucessivas em que saí meio zonzo e pálido do cinema, porque deixei meu coração, com todas as suas pulsações, na tela que impregnou durante três quartos de hora o encanto de Brownie Vernon [...]. Em algumas fases ruins cheguei a viver duas vidas distintas: uma durante o dia, em meu escritório e no ambiente normal de Buenos Aires, a outra, de noite, que se prolonga até o amanhecer. Porque eu sonho, sonho sempre (QUIROGA, 1996, p. 436-8).4 Destituído do tom de comédia que prevalece em Miss Dorothy Phillips; mais severo e grave, El amante de Bárbara La Mar (1927), do argentino Enrique González Tuñón, parte de circunstâncias análogas 5: Grudado em sua poltrona por causa de uma ingênita preguiça, o cansaço de Máximo Pérez abre sua alforja como um bocejo... Pela primeira vez, os olhos de Máximo Pérez, extenuados de filmar monotonias nas horas tristes tal qual numa agência de colocação, fixam sua meia-luz na tela habitada do cinematógrafo. Bárbara La Mar lhe sorri desde o silêncio... Nunca ninguém o olhou dessa forma. A luz volta novamente... E então Máximo Pérez se perde nas ruas da noite, apertando um pedaço de sol no exausto bolso de sua alma... (TUÑÓN, 1927, p. 55-7).6 Por sua vez, El enamorado de la estrella (1933), de Nicolás Olivari, principia com um diálogo entre duas personagens no vestíbulo de um cinema, espaço/cena a cujo respeito uma delas sustenta: 4 As citações dos originais em espanhol foram traduzidas para o português e são todas de minha autoria. 5 O conto começa com uma epígrafe que imita o estilo dos reclames publicitários da época: “O Destino, estranho diretor de cena na grotesca comédia da vida, apresenta a estampa animada de Bárbara La Mar e o irremediável fastídio de Máximo Pérez no trágico filme de um amor impossível” (GONZÁLEZ TUÑÓN, 1927, p. 53). Essa espécie de apropriação de recursos cinematográficos em voga e sua transposição ao registro da narrativa escrita são um fenômeno frequente. 6 Perto do desenlace, Máximo Pérez é caracterizado como um “pobre-diabo em estado de suicídio” (GONZÁLEZ TUÑÓN, 1927, p. 59). 63 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 Estávamos no vestíbulo do cinematógrafo. As portas acolchoadas iam tragando a multidão, ávida do espetáculo transparente, do espetáculo que quatro homens vestidos com overall tinham trazido em bolachas parecidas com aquelas em que se guarda o doce de goiaba. Provavelmente, igual melaço contemplativo há na fita, branca e sem planos, achatada num lençol distante, onde vivem todas as paixões humanas e diante da qual uma multidão chupando balas, esquece a mensurável mediocridade de seus dias (OLIVARI, 2000, p. 163). Anti-ilusionismo do narrador/enunciador e fantasias compensatórias da multidão se fusionam nessa passagem em sintonia com as passagens já citadas de Quiroga e de González Tuñón7. Mas talvez seja nas crônicas arltianas, espécie de microrrelatos tremendamente mordazes, onde os efeitos propiciados pela situação cinema alcancem o maior grau de explicitação. Nesse sentido, vale mencionar primeiramente uma crônica como El cine y los cesantes (1932), que parte da seguinte anedota: “Outro dia, um senhor disseme indignado: – Aqui se fala sempre em desempregados, de acordo, mas... O senhor vá dar uma volta pelos cinemas... filas de vagabundos fazendo hora para entrar” (ARLT, 1997, p. 90). A partir desse juízo de seu interlocutor, Arlt retoma, desenvolve e expande imaginariamente os dilemas do desempregado: O homem pedala pela rua, pensativamente. Sabe de cor a topografia de sua casa. Adivinha a pergunta que a sua mulher, a sua irmã e a sua mãe vão lhe fazer – E aí, alguma novidade? [...] O que fazer? Como resolver o problema? Enviou pelo menos cem cartas... ninguém respondeu... E, de repente, diante de seus olhos brilha o cartaz azul, amarelo, verde... um cartaz de cinema. Vinte centavos o ingresso. Aventuras de X, O beijo da moribunda. O manco misterioso, A menina do Far West. Três sessões por vinte centavos. Três horas de esquecimento e o sonho por vinte pratas... Em que lugar do Universo se pode comprar por um preço menor o esquecimento? (ARLT, 1997, p. 9192). 7 Sobre a produção de Olivari vinculada ao cinema, cf. Viñas, D. Nicolás Olivari: cronista de cine precursor y viajero imaginario. In: GONZÁLES, H; RINESI, E (comps.). Decorados. Apuntes para una historia social del cine argentino. Buenos Aires: Manuel Suárez editor, 2002. 64 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 A contraparte feminina desse conjunto de cenas pode ser lida, entre outros textos, em duas crônicas do próprio Arlt: El cine y las costumbres (1930) e El cine y estos pueblitos (1933). Na primeira, os temas do tédio associado à vida conjugal e do espetáculo cinematográfico como válvula de escape socialmente admitida em relação às mulheres caminham juntos8. Na segunda, a existência pacata e a tacanhez moral reinantes nas pequenas cidades do interior são consideradas responsáveis por uma agravação dos processos referidos. Daí que uma fita como Temos que casar o Príncipe (que Artl se antecipa a julgar “muito ruim” sem necessidade de ver); ou, melhor ainda, que o cartaz publicitário dessa fita (“duas bocas de diferente sexo, unidas num beijo árduo e trabalhoso”) suscite o seguinte comentário: Na capital, esse cartaz não faz ninguém perder a cabeça, mas aqui, são outros quinhentos... Em Buenos Aires, os sonhos que uma fita desperta são controlados pela realidade. Mas aqui, aqui, o que poderia controlá-los? E não se trata dessa fita em especial, mas da sede de paixões que a cinematografia, em seu conjunto, provoca, desperta e agudiza nesses povoados, criando à margem da vida rotineira problemas que não têm chances de se resolver senão nas vastas cidades, onde as expansões da personalidade fogem ao controle familiar [...]. Lamento não poder imaginar qual será o estado de espírito de uma espectadora destas paragens, que depois de identificar-se com a “heroína” da fita, sai à rua e tropeça com este páramo de almas [...]. A fita, diabo tentador, exibe no último canto timorato do país as audácias das remotas cidades, as diversões sentimentais que se permitem as outras garotas [...]. 8 “Uma senhora – Eu tenho notado que entre o elemento feminino que frequenta o cinema, encontram-se muitas senhoras e demasiadas moças. Que as moças se interessem pelo amor é lógico; e pelo amor com os beijos que mostram no cinema, mais ainda; mas que uma mulher casada se sinta atraída pelo cinema me parece um pouco inexplicável. Eu (Arlt) – Acontece que as mulheres casadas, tempos depois de casar se aborrecem profundamente e percebem a bobagem que fizeram. A senhora – Não acho, você está errado. A mulher não se aborrece pelo casamento em si, o que a aborrece e provoca nela uma espécie de mal-estar subterrâneo é a monotonia da vida matrimonial. Dizer que o casamento aborrece é o mesmo que dizer que comer suspiros enjoa. Mas, se você é obrigado a alimentar-se exclusivamente com suspiros, fique certo de que acabará por adoecer do estômago. Eu – É provável. A senhora – Há mais uma questão ainda. Os homens, quando se entediam com a esposa, têm uma alternativa mais ou menos confortável: se apaixonar por outra. O homem tem uma facilidade especial para ser infiel. Para as mulheres, que somos de carne e osso como vocês, não é tão fácil se apaixonar, mas sim se aborrecer. E substituímos o amor... pelo cinema” (ARLT, 1997, p. 80-1). 65 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 O filme passa, mas a areia ardente de suas imagens, suspensa no ar, adere à consciência de homens e mulheres, dando voltas em seus espíritos [...] e eu me pergunto: quantas futuras madames Bovaris estarão respirando aqui? (ARLT, 1997, p. 106-111). Por um lado, então, a vida real, suas restrições, suas frustrações, seus limites; por outro, o devaneio/sonho que promove a situação cinema. Questão de semelhança: modelos cinematográficos e imitação Ao identificar-se com os seres de luz e sombra exibidos na tela, de certa forma, o espectador os duplica interiormente graças a uma espécie de operação cruzada: por um lado, introjeta os desejos que a tela lhe propõe; por outro, projeta seus desejos nesses seres fantasmáticos. Essa dupla identificação não é somente da ordem da interioridade, mas também se exterioriza e socializa, materializando-se em modas, estilos visuais (looks, diríamos hoje), gestos, comportamentos e hábitos que tendem a cristalizar-se numa série de tipos. Embora o fenômeno não seja substancialmente novo (basta pensar na referência à Madame Bovary feita por Arlt), o cinema o exacerbará de um modo antes nunca visto. A apresentação de Guillermo Grant anteriormente mencionada alude a esse processo, que o conto explora dando forma à figura do sul-americano rastaquera: “tenho trinta e um anos, sou alto, magro e moreno – como quadra para efeitos de exportação, a um sul-americano” (QUIROGA, 1996, p. 436) (valendo-se desses atributos, o pobre-diabo se faz passar pelo rico fazendeiro que não é). Cabe perguntar-se, evidentemente, se essas características quadram a um sul-americano ou se elas enquadram o sujeito num tipo cinematográfico ao qual este se adéqua e que se projeta além da tela, internando-se na paisagem social, circulando por ruas, parques, bares, residências. Esse mimetismo ora adquire a forma do pequeno detalhe, do dado circunstancial, ora avança e invade diversas esferas de vida e de ação, apropriando-se do sujeito “primitivo”. Ilustrações do primeiro caso são, entre outros, a protagonista de La enamorada de Rodolfo Valentino (1926), de 66 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 Enrique Méndez Calzada, ou a da crônica de Roberto Arlt, que leva o título de Me parezco a Greta Garbo (1932). No conto de Méndez Calzada, cujo narrador é quase tão insidioso como Roberto Arlt, descreve-se a personagem feminina com estas palavras: “Ela: Dezessete primaveras. Loira... Alguém lhe disse que se parece com Perla White, o que lhe dá motivo para usar umas fantásticas boinas de veludo que, na verdade, não lhe caem nem muito bem nem muito mal” (1926, p. 109). Em Me parezco a Greta Garbo, depois de inúmeros quiproquós madrugada afora entre a esposa, que vai todas as noites ao cinema, e o esposo, que se nega a acompanhá-la, o leitor assiste à seguinte cena: Minha mulher fecha a boca e continua olhando-se no espelho. Estou seguro de que nestes momentos está procurando algo em sua expressão que a convença de que é parecida com Greta Garbo [...]. – Para que você se olha tanto no espelho? Você está linda, garota, está bonita. [...] Minha mulher fecha a boca outros dez minutos e, de repente, adivinho o que estava por vir... Era fatal... Solta a frase definitiva: – Você já notou que este canto do meu queixo se parece com o da Greta Garbo? (ARLT, 1997, p. 88) Apesar da influência exercida pelo modelo dado à imitação9, poderia afirmar-se que, em ambos os casos, os processos desencadeados pela situação cinema são restritos, que eles não transcendem a esfera do devaneio mais ou menos consciente, da pequena coqueteria, do fetichismo cândido, embora não isento de consequências, já que a protagonista do conto de Méndez Calzada perderá o namorado... por carregar um retrato de Rodolfo Valentino na bolsa 10 . Mas o que nesse relato é ainda seminal, da ordem do 9 Sobre as noções de modelo e imitação, cf. o interessante livro de RENÉ GIRARD (1972), Mensonge romantique, vérité romanesque. 10 Depois de dois anos de noivado e vários comentários irônicos do narrador, ela e ele, Lita e Roberto, personagens protagonistas, estão no Rosedal de Palermo trocando frases “transcendentais” (de uma transcendência somente válida para os apaixonados, mas que constituiriam “um completo fracasso editorial” se fossem publicadas. Frases do gênero: – Você me ama, Lita?... – Não está mentindo? De verdade me ama?” (MÉNDEZ CALZADA, 1926, p. 113). Acidentalmente, a bolsa de Lita cai no chão: “– Lita, eu deixo você olhar revistar minha carteira se você me deixar olhar sua bolsa. Assim provaremos que não temos segredos um para o outro. Roberto lhe entregou a carteira. ... a 67 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 detalhe, adquire grandes proporções em outras narrativas em que a existência do sujeito é drasticamente alterada por obra da imagem à qual acredita assemelhar-se e que adota para si na “vida real”. É o caso de El hombre que se parecía a Adolfo Menjou (1919), da peruana María Weiss, texto que retrata a metamorfose de outro pobre-diabo, Vicente Castillo, a partir do instante em que um amigo lhe assinala sua semelhança física com Menjou, antes de ingressar no cinema para assistir a um filme protagonizado pelo astro. Ainda na sala obscura, Castillo se pergunta: “Como é possível que até agora não tenha notado a semelhança?” (WEISS, 1919, p. 41). E, acariciando o bigode, pensa: “a partir de amanhã deixo o bigode crescer mais” (p. 41). Principia dessa forma um processo imitativo que paulatinamente passa da órbita da aparência à da ação: Olhava-se no espelho e, como nunca, a contemplação e o exame de seu rosto lhe provocavam admiração. Mas sua primeira coisa que Lita achou foi o retrato que ela tinha dedicado ao namorado. Depois, bobagens sem importância: o recibo de compra de uma casa, um cheque cruzado, o comprovante de transporte de um carregamento de trigo... – Roberto, vejo que você não tem segredos para mim. Então foi ele que revistou a bolsa dela. Começaram a aparecer coisas importantíssimas, a saber: um espelhinho redondo com publicidade no verso; pó de arroz; um espelhinho quadrado sem publicidade, um aplicador de pó de arroz, um espelhinho hexagonal... – E meu retrato? perguntou Roberto. – Está em meu secretaire, muito bem guardado – respondeu ela. Roberto avançou em sua pesquisa. No fundo da bolsa, docemente embrulhado entre as rendas de um bonito lenço perfumado, havia um retrato... Dele?... Não! Um retrato de Rodolfo Valentino” (MÉNDEZ CALZADA, 1926, p. 115-16). A esse episódio seguem-se a ruptura do noivado e as considerações do narrador sobre a situação vivida: “Lita, desesperada, começou a chorar. Ela adorava Roberto; amava-o com toda a força de sua alma; enxergava pelos olhos de seu noivo; só tinha pensamentos para ele. É verdade que “gostava” da elegância e da efeminada beleza de Rodolfo Valentino; mas, amar, não amava mais que a Roberto. Claro que, se às qualidades morais de Roberto se juntassem as qualidades físicas do ator favorito, sua paixão por ele seria maior... Claro que, se se assemelhasse a Rodolfo Valentino, o amaria muito mais... Conclusão, por quem estava apaixonada – sem saber, ou melhor, sem querer confessá-lo – era por Rodolfo Valentino e não por Roberto H. (MÉNDEZ CALZADA, 1926, p.116-7). O epílogo ou a “moral” do conto de Calzada: “Lita, a cândida jovem apaixonada por Rodolfo Valentino, perdeu, da forma que acaba de relatar-se, uma excelente oportunidade de mudar de estado em condições vantajosas, unindo-se a um homem jovem, honrado e com futuro, e acaba de contrair matrimônio com um velho importador de leques japoneses que já enterrou duas ou três esposas, usa peruca... Quanto a Roberto, ignoro o que terá acontecido com ele, mas fico cismado com um anúncio que aparece vez por outra na sessão “Classificados” dos jornais e que diz: Jovem comerciante de frutos do país, boa presença, casaria com senhorita que não tenha ido nunca ao cinematógrafo nem colecione retratos de artistas da tela... Moças, olhai-vos no espelho de Lita (no espelho de sua desventura; não em seu espelho quadrado, nem no espelho redondo, nem...” (MÉNDEZ CALZADA, 1926, p. 117-8). A situação de base dessa narrativa (ruptura de um relacionamento amoroso por causa de uma traição imaginária) se assemelha parcialmente à de Luto pesado, do argentino Mateo Booz (sem data de primeira edição, compilado em Cuentos Completos de 1943, reeditado em Cuentos Completos, vol. I, Santa Fe: Universidad Nacional del Litoral, 1991). 68 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 gravata foi a nota discordante no concerto de júbilo... Não, é impossível que um homem como eu, parecido com Adolfo Menjou, use essa coisa velha e descorada... Castillo-Menjou tomou o café da manhã que sua mãe tinha preparado... Ele sentia uma raiva concentrada e surda ao ver-se no modestíssimo ambiente daquela sala... lembrava os luxuosos salões, as salas de jantar elegantes... da fita da véspera (WEISS, 1919, p. 41-2). Cortar o cabelo, ir à manicure, gastar as reservas do mês num fastuoso almoço “como o do filme” são pequenas peripécias das quais Castillo-Menjou sai “mais Menjou que nunca” (de fato, as mudanças operadas no nome sintetizam os avatares da história). Como acontecera com Guilhermo Grant, Vicente Castillo passa a “viver duas vidas. Uma, a exterior, era a vida tranquila, a ordenada existência do empregado bancário... Outra, a de dentro, a do espírito, era uma floração exuberante de anseios irrealizáveis, um delírio, uma tumultuada cavalgada de ilusões” (WEISS, 1919, p. 43). Mas, à diferença do que ocorre com o protagonista do relato de Quiroga, que viaja a Hollywood a fim de conquistar uma estrela, para o que assume o papel de fazendeiro sulamericano, encontra e seduz Dorothy Phillips, se arrepende da farsa representada, confessa a verdade, é perdoado pela mulher amada (desnecessário dizer que estamos no âmbito da comédia sentimental) e termina em happy end..., do que Guillermo Grant acorda para perceber (e junto com ele, o leitor) que se tratava de um sonho e escrever o sonho/conto que lemos; ao contrário desse jogo que restitui a diferença entre sonho e realidade 11 , a narrativa de Weiss faz medrar as “ilusões e delírios” de Castillo/Menjou no plano do real, provocando uma crise generalizada deste. Com efeito, inicialmente o luxo de uma manicure, um almoço e as fitas de Menjou parecem ser o bastante: “quando projetavam, em algum cinema, uma fita de Menjou, corria a vê-la e o gesto mais insignificante de seu sósia tinha, para o jovem, uma importância quase sagrada” (WEISS, 1919, p. 43). Entretanto, a internalização do papel acarreta de imediato consequências tangíveis em seu 11 Sobre a estrutura deste relato, cf. meu trabalho “Acerca de um conto que é um sonho que é o roteiro de um filme que... Em torno a Miss Dorothy Philipps, mi esposa”. Atas do XI Encontro Regional da Abralic (julho de 2007). Disponível em: www.abralic.org.br/enc2007/programacao_simposio.usp 69 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 ambiente. Não só trabalha distraído, “como um autômato”, mas também passa a mesquinhar à mãe o pouco dinheiro que ganha, a fim de “viver alguns dias a la Menjou”, ou a ter exigências absurdas (por exemplo, pede à progenitora que compre buquês de rosas para seu quarto, como os que vira num filme). O clímax se produz mais uma vez por causa de uma peripécia amorosa. Durante um baile, num de seus sábados a la Menjou, Castillo conhece uma mulher bonita, elegante, audaciosa... e casada com um engenheiro yankee “que ficava o dia todo na serra, deixando-a em liberdade para ter flirts e brincar com o amor”: “Essa loira de olhar doce e suaves mãos de mulher ociosa deslumbrou Vicente. Uma mulher de Hollywood, uma flor de luxo, uma criatura feita para os refinamentos da vida!” (WEISS, 1919, p. 45). A conquista traz o progressivo endividamento de Castillo (casas de chá, flores, cinema, evidentemente), até atingir o ápice quando ela lhe envia um bilhete com a seguinte mensagem: “Amanhã irei contigo onde desejes...”. Mas, aonde levá-la? Restam-lhe três soles e ele quer um encontro num hotel de luxo, jantar, champanhe “Tudo como num filme de Menjou”. Justamente aquele dia o chefe adoece e incumbem Vicente de trabalhar no caixa. Começa a guardar o dinheiro de uma ordem de pagamento, e de outra, e de outra. Reserva um quarto de luxo num hotel, encomenda muitíssimas flores. Vai embora do banco carregando o dinheiro. Nem naquela tarde, nem nos dias subsequentes, Castillo regressou ao banco... O homem que se parecia com Adolfo Menjou estava vivendo a existência que lhe correspondia (WEISS, 1919, p. 47). Realização do sonho por meio da via que talvez seja a única possível, a via do “delito”? (vale recordar aqui a célebre frase de uma personagem de Brecht muitas vezes citada por Ricardo Piglia: “o que é roubar um banco comparado com criá-lo?”). Ruína do sonho a curtíssimo prazo, quando Castillo for trazido para a “existência que lhe corresponde”? Seja uma coisa ou a outra, Castillo/Menjou delineia uma trajetória que é interessante ter em mente ao examinar outros relatos da época. Neles, o sonho de Castillo “se torna realidade” no real cenário da máquina de sonhos: Hollywood. Neles, o sonho 70 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 se realiza com os limites, restrições e deformações impostos por essa máquina, adquirindo os contornos de um autêntico pesadelo. Vidas vampirizadas, vidas de dublê Se Castillo queria ser Menjou, Federico Granados, protagonista de Che Ferrati, inventor (1923), do mexicano Noriega Hope, se tornará de fato e inesperadamente Henry Le Goffic, um astro francês importado pelos estúdios californianos. Se a esposa do interlocutor de Arlt procurava com esmero no espelho alguma semelhança com Greta Garbo, Vera, protagonista feminina de Hollywood, Novela da vida real (1932), do brasileiro Olympio Guilherme, se tornará de fato uma Garbo. Nesses casos, as personagens embarcam no sonho de conquistar a meca hollywoodiana, de transformar-se em stars, de levar, de fato, uma vida de filme. Por isso, viajam até lá com as exíguas reservas próprias dos pobres-diabos, mas com um imenso capital de fantasias. Do mexicano Federico Granados, o narrador dirá que chega a Los Angeles “com quinhentos dólares no bolso e um capital de ilusões” (HOPE, s/d, p. 17). O mesmo poderia afirmar-se com respeito ao argentino Ferrati, que dá título ao relato, e à flapper Hatzel Van Buren, uma norte-americana provinciana que sobrevive como figurante e com a qual Granados inicia uma relação amorosa pouco depois de chegar. A mesma afirmação também poderia ser estendida à Vera, do romance de Guilherme, a seu principal protagonista, o brasileiro Lucio Aranha e, inclusive, a seus colegas de república: um argentino, Nicanor Gutiérrez, um egípcio, Irarah, e um italiano, Vicentini. A situação dessas personagens fictícias remete a um contexto histórico no qual muitos sul-americanos e pessoas de outras procedências realmente tentam uma carreira nos sets da Universal ou da Metro ou da Paramount. Nesse sentido, não é casual que Che Ferrati, inventor e outros contos de temática análoga tenham sido escritos por Carlos Noriega Hope, cronista cinematográfico mexicano do jornal El Universal enviado a Los Angeles em finais de 1919. Ou que Hollywood, Novela da vida real seja obra de outro jornalista cinematográfico, o brasileiro Olympio Guilherme, enviado nesse caso pela revista Cinearte. Se Noriega Hope registra em suas crônicas, reunidas 71 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 posteriormente sob a forma de livro (El mundo de las sombras. El cine visto por fuera y por dentro, 192112), a tentação de não regressar ao México, de permanecer em Los Angeles e transformar-se em ator, como seu compatriota e cicerone Manuel Ojeda, Olympio Guilherme desempenhará pequenos papéis em alguns filmes paralelamente a seu trabalho jornalístico. Mas a frustração acabará se impondo e Guilherme retornará ao Brasil. De alguma forma, seu romance ficcionaliza por interposta pessoa essa desilusão; de alguma forma, Lúcio Aranha pode considerar-se um alter ego de Guilherme 13. O embate com a realidade do cinema visto por dentro, para recorrer à expressão de Noriega, se traduz aqui num conjunto de histórias cômicopatéticas que atualizam dois motivos fundamentais: por um lado, ressurge a corte de pobres-diabos e de fracassados ou fracassadas, só que agora reaparecem na ante-sala de produtores e de responsáveis pelo casting, eternamente à espera de um papel ou “fantasiados” nos estúdios durante longuíssimas horas, em troca de um lugar na multidão de figurantes e de um salário de “cinco dólares ao dia” (HOPE, 1921, p. 35) (a exceção à regra é o argentino Ferrati, um pícaro que escala à direção de arte da Superb Pictures, mas o faz precisamente exercendo uma atividade de outra ordem, a de inventor de maquetes em miniatura e de pomadas modeladoras, o que possibilita a seus contratantes produzir sonhos “barateando custos”, por assim dizer). Por outro lado, se atualiza de forma sui generis o motivo do duplo ao convocá-lo literalmente sob a feição do duplo/dublê de um astro ou de uma star. A segunda situação é o cerne de Che Ferrati, inventor, relato no qual a semelhança física de Federico Granados com Henry Le Goffic, aperfeiçoada pela pomada/invenção de Ferrati, torna possível a substituição do segundo, morto inesperadamente em plena rodagem de um filme. Granados/Le Goffic assumirá o papel de Le Goffic para efeitos de conclusão da fita – e para aproveitar o que num primeiro momento lhe parece um imenso golpe de sorte: 12 Sobre essa questão, cf. meu ensaio: Viagens de ida e de volta ao mundo das sombras. Em torno a alguns textos de Carlos Noriega Hope (2010). 13 Sobre a trajetória de Guilherme, cf. BORGE, J. Olympio Guilherme: Hollywood Actor, Auteur and Author. (2007). 72 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 Nos primeiros dias a “duplicação” estimulou sua curiosidade e seu humorismo. Ver-se rodeado de várias centenas de figurantes, respeitado por uma multidão de fotógrafos... o fazia sorrir por dentro. Um pobre-diabo de cinco dólares semanais transformado num senhor! Ninguém percebera a mistificação (HOPE, 1921, p. 36). Mas pouco a pouco o “papel Le Goffic” lhe será imposto dentro e fora dos estúdios, cada vez mais horas por dia, confiscando toda possibilidade de ser ele mesmo e, evidentemente, de alcançar a fama, o reconhecimento (inclusive, de ser amado) por ele mesmo. 14 No referente à novela de Olympio Guilherme, a lógica destrutiva da duplicação é comparável, mas ganha outros matizes. Nesse caso, o original não sai de cena, mas preserva para si os primeiríssimos planos, destinando a Vera/Garbo os planos gerais, as imagens de fundo, a presença, fora da tela, nos eventos sociais de menor importância. Todavia, se por uma parte isso comporta uma reserva (forçada) de si (uma reserva de “Vera ela mesma e não sempre Garbo”), por outra, obstaculiza até o limite do quase impossível o reconhecimento público da atriz “Vera ela mesma”. No caso do duplo mexicano, a reserva de si tende a equivaler a zero e a possibilidade de reconhecimento público vê-se reduzida a nada pelos empresários cinematográficos, os quais impõem a Granados para sempre o lugar do fantasma de Le Goffic, o papel do morto/vivo. Em pauta nesses relatos, pois, o propósito de desfazer a semelhança num determinado registro perseverando (inutilmente) em mantê-la em outro; em pauta, o propósito não de ser parecida com Greta Garbo, mas de ser Vera ela mesma outra Garbo, se se me permitir o jogo de palavras; de ser Granados ele mesmo outro Le Goffic. Sonho frustrado que traz os sonhadores de volta para ilusões mais módicas: ir embora de Hollywood, retornar ao México ou ao Brasil, constituir um lar ou rever a “mainha enferma”. Triunfo do princípio de realidade? Enquanto Granados regressa a sua “terrinha” ou Lucio Aranha e 14 Em outro trabalho sobre essa narrativa, examinei as peripécias, idas e vindas dessa intriga que tem implicações de toda ordem: subjetiva, relacional, econômica, já que o duplo, “embora idêntico”, vale infinitamente menos que o original nesse mercado de ilusões. Cf. Cinema e ficção literária em dois escritores hispano-americanos. Em torno a Horacio Quiroga e Carlos Noriega Hope (2008). 73 Todas as Musas ISSN 2175-1277 Ano 02 Número 02 Jan-Jun 2011 Vera embarcam para o Brasil, as bovarianas do interior retratadas por Roberto Arlt parecem preparar-se para partir, embora não se saiba ao certo para onde: Se se observa com um pouco de sensibilidade, se descobrem vidas sedentas, às quais os espetáculos de cinema acrescentam a temperatura de seu rico trópico de sombras, sem acalmar a sede. Daquilo que não me resta dúvida alguma é de que o cinema está criando as formas de uma nova psicologia no interior do país. Que resultado terá isso? Não sei, mas tenho certeza de que são muitas as moças que, numa tarde de domingo, nestas cidadezinhas de província, ao sair do cinema, dizem para elas mesmas: – Não, assim não é possível seguir vivendo. É necessário tentar resolver isso (ARLT, 1997, p. 111). O tráfico de ilusões parece destinado a não ter fim, a continuar pulsando, circulando, para além de seus resultados efetivos. Bibliografia Arl, R. Notas sobre el cinematógrafo (1928-1942). Buenos Aires: Sigmur, 1997. BORGE, J. Olympio Guilherme: Hollywood Actor, Auteur and Author. LusoBrazilian Review, n. 44, 1, 2007. GARATE, M. V. Viagens de ida e de volta ao mundo das sombras. Em torno a alguns textos de Carlos Noriega Hope. Cadernos PROLAM, N 14, primeiro semestre 2010. _______ Cinema e ficção literária em dois escritores hispano-americanos. 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Amauta, n. 23, 1919. 75 N3 | 2004.2 A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle Pedro Butcher Jornalista e mestrando da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Projeto: “A criação da Globo Filmes e a nova configuração do audiovisual no Brasil” / Orientadora: profa. Consuelo Lins) Resumo O objetivo deste artigo é analisar como Hollywood se estabeleceu como potência geradora de imagens e se modificou, ao longo dos anos, para manter sua hegemonia. De certa forma, as transformações de Hollywood refletem a transição das sociedades disciplinares às sociedades de controle no país que é o pólo central do sistema capitalista hoje, os Estados Unidos da América. Palavras-chave: cinema, cinema americano, produção de subjetividade. Abstract The main purpose of this article is to analyse how Hollywood established its worldwide power as image producer, and how it has transformed itself so as to keep its supremacy in this field. In a way, Hollywood’s transformations reflect the transition to the disciplinaries societies to the control societies, in the country which is the center of the captalis system, the United States of America. Keywords: cinema, north-american cinema, subjectivity production. A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 Introdução Em 1995, quando o mundo festejou os “100 anos de cinema”, Jean-Luc Godard pôs em questão a data comemorativa no documentário “2 x 50 Ans de Cinema Français”, que realizou sob encomenda para o British Film Institute. O que estava sendo comemorado? O centenário de uma arte ou o centenário do cinema como comércio? A data escolhida para os festejos, afinal, havia sido a primeira exibição paga de filmes, promovida pelos irmãos Lumière na noite de 22 de dezembro de 1895, no Salon Indien do Grand-Café de Paris. Godard sempre foi um dos maiores críticos à domesticação da imagem pelo comércio. O cinema nasceu sob signos ambígüos, na fissura entre arte e indústria; entre a imagem que perde sua aura sagrada1 e a que cria novos mitos (“star system”); entre a possibilidade de invenção e a reafirmação do clichê. Tal ambigüidade permanece até hoje, ainda que uma forte sensação de triunfo do comércio se imponha. Uma das principais causas dessa sensação é a presença planetária e tentacular de Hollywood, desempenhando o papel de produtor hegemônico de produtos audiovisuais na sociedade global contemporânea. 15 Tal ambigüidade talvez derive do fato de o cinema ser, ao mesmo tempo, uma das últimas fabricações da era industrial e uma das primeiras da era pósindustrial, quando o eixo do capitalismo se transferiu da fábrica/produto para o serviço/informação. Pode-se dizer, também, que o cinema nasceu na transição das sociedades disciplinares para as sociedades de controle. Michel Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos 18 e 19, mas elas atingiram seu apogeu no século 20. Na sociedade disciplinar, o indivíduo “não cessa de passar de um espaço fechado a outro: primeiro a família, depois a escola, depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por excelência”2 . É o tempo da palavra de ordem, da linguagem analógica, da “assinatura” e do “número de matrícula” como códigos para indicar a posição do indivíduo em uma massa. Não seria tão estranho acrescentar-se a essa lista de “espaços fechados” o cinema, que se estabelece em sua forma dominante como um lazer narrativo, num espaço que herda a forma do teatro (a platéia diante do espetáculo). Depois da Segunda Guerra, as sociedades disciplinares entraram em crise e começaram a se desenhar novas formas de controle, substituindo as antigas disciplinas que operavam em um sistema fechado. “Na sociedade de controle, a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola e o controle contínuo substitui o exame”3. Se os confinamentos das sociedades disciplinares eram moldes, nas sociedades de controle eles passam a ser uma modulação. A assinatura e a “matrícula” são substituídas pela cifra e pela senha, a linguagem analógica cede lugar à linguagem digital. Ao longo dos anos, Hollywood se estabeleceu como potência geradora de imagens, mas também precisou se transformar para manter sua hegemonia nesse campo. De certa forma, as transformações de Hollywood refletem a A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 transição das sociedades disciplinares às sociedades de controle, no país que é o pólo central do sistema capitalista hoje (os Estados Unidos da América). A analogia também pode ser feita do ponto de vista tecnológico, já que o cinema, durante esse período de transição, passa da captação e projeção de imagens fotográficas a 24 quadros por segundo à captação e projeção de imagens digitais (um processo que está em pleno andamento). Inserido no contexto da produção dos meios de comunicação de massa, Hollywood tornou-se um dos elementos mais importantes na produção de subjetividade capitalística, propondo-se a gerar uma cultura com vocação universal e desempenhando papéis fundamentais na confecção das forças coletivas de trabalho e de controle social. Para sustentar-se nessa posição, porém, precisou reinventar-se, tanto interna como externamente. 16 A “primeira” Hollywood, que cresceu nos anos 1920 e teve seu ápice nos anos 1940, guardava ainda as características da fábrica/indústria, elementoschave da sociedade disciplinar. A partir dos anos 1950, com a disseminação da televisão, o cinema americano atravessou profundas reestruturações que lhe conferiram uma nova forma, principalmente a partir do fim dos anos 1970, quando emergiu uma nova Hollywood, já inserida no novo modelo do Capitalismo Integrado Internacional e iniciando um processo de adaptação à era da empresa (o elemento-chave da “sociedade de controle”). Afinal, o que é “Hollywood”? Assim que o cinema deixou de ser visto como mero registro e inscreveuse na narrativa ficcional, percebeu-se o imenso potencial do filme como produto. Teve início, então, a fabricação em massa de “fitas de cinema” e, junto com ela, a constituição de uma grande estrutura mundial para sua propagação e venda. A produção em larga escala começou na Europa nos primeiros anos depois da Primeira Guerra Mundial, sendo que, em pouco tempo, alguns países europeus começaram a exportar filmes. No entanto, várias dificuldades de ordem financeira e estrutural, em conseqüência da guerra, mudaram o fluxo da produção. Os Estados Unidos emergiram, então, como potência mundial nesse campo4. Nascia Hollywood, “fábrica de sonhos”, o pólo de produção e distribuição cinematográfica encravado na Califórnia, costa oeste dos Estados Unidos. Uma indústria que se ergueu, desde os primeiros momentos, com intuitos “universais” – ou seja, seus produtos nunca foram concebidos apenas para consumo interno, mas pensados e fabricados para “ganhar” o mundo. Ao menos no que se refere aos modos de produção de mass media, as grandes companhias cinematográficas foram as primeiras corporações transnacionais a se estabelecerem fora dos Estados Unidos depois das agências de notícia5. A palavra “Hollywood”, de certa forma, é um sinônimo desse projeto internacionalista do cinema americano. Desde as primeiras décadas do século A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 20, os filmes americanos têm conseguido manter uma parcela massiva de seu próprio mercado (que, ultimamente, gira sempre em torno de 95%), mas, principalmente, têm ocupado em larga escala parte do mercado mundial, principalmente dos países ocidentais, onde essa ocupação fica entre 40% e 70%. Além de uma presença tão ou mais significante na programação de televisão desses mesmos países6. As estratégias agressivas do produto hollywoodiano, que sempre implicaram manobras econômicas e políticas, fizeram com que, a partir dos anos 1920, vários países europeus procurassem criar mecanismos de proteção, erguendo barreiras para dificultar ou impedir sua importação, distribuição ou exibição. Desde os primeiros anos do cinema estabelece-se, portanto, uma forte dicotomia entre o cinema “universal” hollywoodiano e os cinemas “nacionais”, dos “outros” países. A visão utópica subentendida dos chamados cinemas nacionais e das indústrias televisivas locais é a de que eles sejam “capazes de produzir para seus próprios mercados e possam trocar conteúdo entre si como iguais.” Já a utopia hollywoodiana, por sua vez, é a de “um sistema global completamente integrado com escritório central em Los Angeles”7. 17 O senso comum pressupõe que os filmes hollywoodianos têm ampla circulação mundial porque eles são não-específicos culturalmente, enquanto os cinemas nacionais circulariam por razões opostas – ou seja, por serem específicos culturalmente. Mas, segundo análise de Steve Wildman e Stephen Siwek em “International Trade in Film and Television Programs” (1988), o filme hollywoodiano “não circula ‘apesar’ das diferenças culturais e sim ‘por causa’ das diferenças culturais” (grifo dos autores). Para conquistar uma presença de fato eficaz em mercados estrangeiros, Hollywood precisa negociar elementos como condições locais, línguas e preferências diversas, mobilizando-os em vantagem própria. É nesse espaço que surge a possibilidade de agenciamentos, tornando a produção hollywoodiana (e sua percepção) menos unívoca do que as aparências podem fazer julgar. Hollywood se constitui a partir de uma diversidade de gêneros, estilos e estratégias de produção e distribuição que formam um conjunto de alta complexidade. O elemento unificador, nesse conjunto, é a coerência de um projeto de hegemonia, um domínio da técnica que se apresenta como perene e inevitável a ponto de, para muitos, a palavra “cinema” ser sinônimo de “cinema americano”. Mas Hollywood não é, em si, um bloco estático. O próprio conceito flutuante de “Hollywood” reflete essa modulação: ele ora designa um estilo cinematográfico e uma marca genérica; ora qualquer obra de ficção produzida nos Estados Unidos; ora todo o complexo de produção e distribuição de filmes e programas de TV americanos; ou ainda o conjunto de companhias produtoras e distribuidoras de filmes (as chamadas “majors”). Hollywood, enfim, engloba elementos contraditórios, sendo talvez sua “definição” mais comum, simplesmente, o nome pelo qual é conhecido o cinema global e popular falado em língua inglesa. A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 Hollywood na era industrial O cinema é filho da máquina, da eletricidade e da explosão urbana da revolução industrial. Em “Tempos Modernos” (1936), Charles Chaplin criou a imagem-síntese desse período: aquela em que o operário Carlitos, enlouquecido com os movimentos repetitivos de sua tarefa, deixa-se levar pela esteira da máquina e é engolido por suas engrenagens. O interior da máquina remete ao próprio caminho da película cinematográfica pelo interior da câmera de filmar ou do projetor. No mesmo filme, Chaplin satiriza outros elementos constitutivos da sociedade disciplinar como a figura do operário-capataz, o olhar do patrão sobre os operários (que os vigia até mesmo no banheiro), ou ainda a prisão, onde Carlitos é confinado por engano, após ser confundido com um líder comunista. 18 Chaplin foi, ele mesmo, um dos personagens que simbolizaram essa era. É de origem inglesa – e, portanto, um imigrante, como tantos outros que fundaram Hollywood. Esse elemento transnacional constitutivo da própria força de trabalho da indústria cinematográfica é parte fundadora da mitologia universalista do cinema americano, que até certo ponto se confunde com a mitologia da própria América contemporânea. Chaplin criou um personagem extremamente popular e de sucesso mundial. Produzia, dirigia e estrelava seus filmes, e chegou a fundar um estúdio próprio (a United Artits) com a atriz Mary Pickford, o ator Douglas Fairbanks e o cineasta David Wark Griffith. Enquanto Griffith desenvolveu a linguagem naturalista do cinema, “inventando”, por exemplo, o “close”, o campo/contra-campo e a montagem paralela, Chaplin foi o primeiro a lhe conferir uma dimensão metafórica e poética. Foram dois criadores que, neste primeiro momento, se destacaram na forma como Hollywood se constituiu e se apresentou ao mundo, na busca de uma linguagem cinematográfica “universal”. Paralelamente às estruturas de produção e distribuição, cresceram também as estruturas de exibição. Os cinemas foram construídos, sobretudo, nas grandes cidades. Eram, nesse primeiro momento, “palácios” que abrigavam centenas (às vezes milhares) de pessoas, com ingresso de baixíssimo custo. Logo, os filmes se tornaram o maior divertimento popular do período. Mesmo em épocas de depressão econômica (como durante a crise que se seguiu à quebra da bolsa, em 1929), o cinema pouco sofreu do ponto de vista econômico – o ingresso barato transformou a diversão da sala escura na principal válvula de escape de uma nação inteira. O cinema americano, como experiência coletiva com elementos catárticos, passou a ser uma das mais fortes expressões culturais da nação, e o fluxo maciço aos cinemas só confirmava isso. O sucesso interno abria condições para a exploração mundial do produto fílmico, que em geral já chegava aos outros países, no mínimo, com seus custos pagos. Tudo o que vinha do exterior era um (sobre) lucro. Daí a facilidade de penetração dos filmes. A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 Já nesses primeiros momentos de sua história, portanto, o cinema americano se fabrica no que Guattari define como “contexto capitalístico de produção de subjetividade”8, estabelecendo formas de criação e de injeção de representações totalmente inseridas na sistemática do processo de produção subjetiva. Os mitos americanos do “self made man”, da liberdade de expressão e da América como terra das oportunidades, por exemplo, são constantemente representados e reafirmados, num processo de fabricação e venda de estilos de vida e modos de comportamento. Firmam-se, também, alianças com outros setores da indústria. O filme americano passa a ser um veículo de difusão, sutil ou não, de produtos (como, por exemplo, o cigarro e o automóvel). 19 Essas características de Hollywood constituem um dos exemplos práticos de como “as forças sociais que administram o capitalismo entenderam que o processo de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até do que o petróleo e as energias”9. Essa produção de subjetividade não é estanque e uniforme: “tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – ou seja, tudo o que nos chega pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é apenas uma questão de idéia, não é apenas uma transmissão de significados por meios de enunciados significantes. São sistemas de conexão direta entre as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo”. Hollywood seria, portanto, um dos setores de ponta de uma indústria ligada à economia coletiva do desejo, que tem a produção de subjetividade como matéria prima da evolução das forças produtivas em suas formas mais desenvolvidas. Nesse primeiro momento, porém, tais características se confundem com a efervescência de uma linguagem recém-descoberta, abrindo espaços de agenciamento e de desterritorializações, ligados à abertura de todo um novo campo de expressão: “O cinema, ao desterritorializar o teatro, potencializou-o, repensou a cena. Ao instaurar uma outra narratividade que não era a da literatura, encontrou uma nova alteridade na narrativa”10. A televisão e a “nova Hollywood” O cinema mundial e o hollywoodiano em particular entram em crise com a chegada da televisão. Do ponto de vista econômico, Hoollywood, em primeiro lugar, sofreu com a transferência maciça dos investimentos para os setores bancário, publicitário e de “mass media”, que cresceram exponencialmente a partir dos anos 1950 11. Em segundo lugar, viu seu público cair drasticamente com a nova concorrência de um lazer doméstico e barato. Do ponto de vista estético, o filme hollywoodiano precisou se reinventar como espetáculo para tirar o espectador de casa (dando início à era dos grandes épicos e musicais). A televisão desestabiliza o cinema na medida em que se afirma como um novo padrão audiovisual. Se o cinema, como bem definiu Serge Daney, A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 era a arte de inventar distâncias, já que sua especificidade estava na modulação e na criação do espaço (que no cinema americano se expressam com perfeição, por exemplo, nos faroestes de John Ford ou nos filmes de gângster de Howard Hawks), na televisão o jogo de distâncias se torna insignificante com a preponderância do “close” e a substituição do “travelling” (o movimento da câmera) pelo “zoom” (a ilusão do movimento proporcionada pela lente, de efeito estético radicalmente diferente)12 . Na televisão, ainda, a informação e o texto ganham predominância sobre a imagem – e, sob esse aspecto, ela estaria mais ligada ao rádio que ao cinema. A crise instaurada com a era da televisão se agrava, adiante, com o desenvolvimento das tecnologias do vídeo e da TV paga, que diminuem ainda mais o público dos filmes nos cinemas, apesar de abrirem novas janelas para sua exibição. Elas não são, evidentemente, simples novidades tecnológicas, mas novas formas de produção de subjetividade ligadas à instauração das sociedades de controle e à substituição dos sistemas industriais pelos sistemas empresariais. 20 O cinema americano só se refaz dessa crise quando passa a ser incorporado a essa nova produção de subjetividade, quando absorve novas tecnologias e é absorvido por elas, redefinindo-se como um produto inserido numa cadeia audiovisual da qual é apenas uma das pontas possíveis. O processo de reinserção de Hollywood tem início com a recapitalização das grandes empresas produtoras e distribuidoras norte-americanas, ligada a um processo mais amplo de globalização e de formação de novas corporações (exemplos: a compra da Columbia pelo capital japonês da Sony, a aquisição da Universal pelos franceses do grupo Vivendi, e assim por diante). Mais adiante, iniciam-se também as grandes fusões geradoras de gigantescos grupos midiáticos, reunindo produtoras e distribuidoras de filmes, redes de TV aberta e a cabo, jornais, revistas e rádios, etc, como o grupo Time-Warner (posteriormente AOL-Time-Warner), o ABC-Disney, e tantos outros. Essa macro-reestruturação vai se refletir em novos padrões de produção, distribuição e exibição cinematográfica que pouco guardam em comum com a “primeira” Hollywood. Pelo lado da exibição, por exemplo, surge um novo padrão, o chamado multiplex, que cria uma forma totalmente diferente de relacionamento entre público e filme. No lugar de uma única sala com centenas de lugares, os cinemas passam a oferecer várias salas de tamanho menor, em geral acopladas a grandes espaços de consumo e equipadas com alta tecnologia de projeção e som. O espectador sai de casa não para ver um filme, mas para “ir ao cinema” (assim como ele liga a televisão ou vai a uma locadora e depara-se com uma oferta variada de títulos). A principal diferença estará no tamanho da tela e no volume do som, que ele não encontrará em casa. A maior revolução do multiplex, no entanto, está na possibilidade de exploração do produto fílmico que é aberta pela sua própria estrutura. Ao mesmo A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 tempo em que a grande quantidade de salas exige uma grande quantidade de títulos, permite também a realização de lançamentos cada vez mais amplos, permitindo a afluência do maior número de espectadores logo no primeiro fim de semana de exibição. 21 As estratégias de venda das grandes produções norte-americanas hoje se concentram no objetivo de levar o maior número de espectadores ao cinema no fim de semana de estréia de um filme. Os resultados de público e renda deste primeiro fim de semana se tornaram absolutamente determinantes para a avaliação do sucesso do produto cinematográfico. Para tanto, os lançamentos dos grandes “blockbusters” estão sustentados em amplas campanhas de mídia que incluem difusão maciça de comerciais de TV e, em geral, envolvem também a ocupação da cidade toda (em “outdoors”, “busdoors”, a chamada “street media”). O objetivo é fazer com que o investimento seja recuperado o mais rapidamente possível. Cada filme é tratado como um forte e único fato midiático; são filmes-evento que “precisam” ser vistos imediatamente (antes que a propaganda bocaa-boca em torno de sua qualidade se espalhe...). Forma-se uma grande engrenagem para criar no indivíduo o desejo, a necessidade, de ver algo “absolutamente imperdível”. É um exemplo máximo do marketing como instrumento de controle social, e as seguidas quebras de recordes das chamadas “aberturas” (a bilheteria desse primeiro fim de semana), que vem se sucedendo a cada ano em Hollywood, confirmam a eficácia desse sistema. Um filme como “Homem-aranha” (2001), um dos maiores sucessos dos últimos anos, faturou US$ 114 milhões em seu fim de semana de abertura nos Estados Unidos, sendo que, no Brasil, foi visto por mais de um milhão de espectadores em três dias. Dados oficiais divulgados pela “Motion Picuture Association of América”13 mostram como os investimentos em marketing deram um salto na década de 1990: em 1983, eram gastos, em média, US$ 5 milhões no lançamento doméstico de um filme americano; em 1993, esse valor havia pulado para US$ 14 milhões; e em 2003, para US$ 39 milhões. Da mesma forma, cresceu também o custo médio da produção do filme em si, que era de cerca de US$ 12 milhões na década de 1980, subiu para US$ 30 milhões no início dos anos 1990 e, em 2003, chegou a mais de US$ 60 milhões. Isso porque Hollywood passou a depender, primeiro, de um novo “star system” em que os atores mais populares viram seus salários subirem à casa dos US$ 20 milhões. Ao mesmo tempo, passou também a depender de altos investimentos em tecnologia para oferecer grandes espetáculos repletos de efeitos especiais. Talvez não seja mera coincidência que “riscar um fósforo” seja uma metáfora constantemente usada pelos profissionais de cinema ao se referirem ao atual processo de lançamento de um filme. Cada vez mais os produtores dependem dos resultados do primeiro fim de semana. Se apesar de todos os A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 investimentos o público não comparecer, o filme está morto – é um fósforo riscado, condenado a sair de cartaz. Walter Benjamin definiu o movimento de riscar um fósforo como sendo “alusivo ao despontar da modernidade com suas inovações técnicas e as transformações que acontecem na dimensão da experiência e da percepção”14. Um “gesto brusco”, segundo ele, viria substituir “toda uma série de gestos que outrora eram necessários para realizar uma ação”. Na grande maioria dos casos, a permanência de um filme em cartaz depende exclusivamente do público de seu primeiro fim de semana. Ele só continuará a ser ofertado pelo exibidor se a média de espectadores que fez entre sexta-feira e domingo seja considerada suficientemente boa para que permaneça em cartaz. Esse sistema praticamente não afeta o chamado “blockbuster”, que dispõe de altos recursos de marketing, mas mina os filmes de produção mais barata e de fruição menos imediatista, que cada vez mais encontram menos espaço para serem projetados e vistos. O cinema, assim, submete-se às regras de um consumo imediato e a um esgotamento da experiência estética. Perde o que Benjamin chama de pós-vida, sua capacidade de permanência e de provocar ressonâncias. Distancia-se do que Godard chamou de potencial da imagem. 22 O filme que inaugurou essa nova forma de exploração do produto cinematográfico foi “Tubarão”, de Steven Spielberg, lançado nos cinemas americanos em junho de 1975, num período que era considerado morto para o cinema por estar perto do verão. “Tubarão” se tornou um imenso sucesso de público e abriu uma nova “alta temporada” para o cinema americano. Dois anos depois, em maio de 1977, outro cineasta da geração de Spielberg, George Lucas, lançou o filme que criastalizaria a “nova Hollywood”, “Star Wars”. A partir dele, o alvo principal do cinema americano passou a ser o público infanto-juvenil, não mais o adulto. Cada vez mais as produções passaram a ser concebidas para esse público, incorporando às suas estruturas narrativas algumas novas características como, por exemplo, as do videogame. “Star Wars” deu início também à chamada “franquia” cinematográfica – ou seja, a fabricação de uma marca de grande apelo, a ser explorada em vários filmes. A própria marca “Star Wars” é de tal forma duradoura que seu capítulo derradeiro só vai estrear em maio de 2005, 28 anos depois do lançamento do primeiro filme. O formato se consagra ainda com o êxito comercial da trilogia “Senhor dos Anéis”, dos filmes de Harry Potter e do imenso sucesso mundial de heróis de histórias em quadrinho como “Batman”, “X-Men” e “Homem-aranha”. Mas, talvez, o produto mais marcante dessa nova era seja “Matrix”. O filme originário foi lançado em 1999 e não foi concebido como um “blockbuster”, mas seu imenso sucesso gerou uma “trilogia” que se encerrou em 2004, com “Matrix Revolutions”. A questão central, ou pelo menos sua ambição, é discutir questões contemporâneas como a imagem digital e a virtualidade e o indivíduo como mero terminal de um sistema de dominação. A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 Conclusão Em entrevista à revista “Film Comment”, Bernardo Bertolucci resumiu seu sentimento em relação à domesticação do cinema pelo comércio: “Nos anos 60 e 70, o filme que obtinha êxito comercial era visto com suspeição, pois sucesso significava concessão. Pelo menos na Itália, era pecado gostar dos filmes que vinham dos Estados Unidos, e quase todas as pessoas politicamente engajadas bradavam slogans ferozes contra o cinema americano. Hoje, acontece o contrário. Se um filme não obtém sucesso comercial, morre e é desprezado mesmo por pessoas que ocupam posições privilegiadas”15. 23 As mais graves conseqüências da supremacia da visão comercial e das novas formas imediatistas de exploração do filme talvez não estejam na forma como elas afetam o cinema em si – sobretudo ligadas ao controle autoral e às limitações criativas geradas pelos grandes orçamentos de produção. Hollywood continua sendo um espaço de agenciamentos possíveis, que ainda produz críticas de caráter político e estético, ainda que elas sejam cada vez mais raras. O mais grave, talvez, esteja no estrangulamento da circulação de imagens, mesmo dentro dos Estados Unidos. Em 1999, Martin Scorsese dirigiu e apresentou um documentário de seis horas sobre o cinema italiano (“My voyage to Italy”). Na introdução, explica que se sentiu motivado a fazê-lo ao observar que, na sua juventude, pôde assistir a quase toda a produção neo-realista na TV – algo totalmente fora de questão hoje em dia. Do ponto de vista estético, produziu-se uma falsa polarização entre o suposto “universalismo” de Hollywood e uma nova onda de cinemas nacionais. Depois de sofrer profunda crise no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990, quando, em vários países do mundo, o cinema foi praticamente minado pela TV e pelo “home entertainment” (o filme-sintoma máximo dessa época é “Cinema Paradiso”, de 1989), as produções nacionais criaram estratégias de sobrevivência e soerguimento. Mas, com poucas exceções, os filmes “estrangeiros” passaram a imitar as estratégias hollywoodianas em termos de formatação e de um pensamento direcionado à conquista do mercado. Muitas vezes uma luta ilusória e, se assumida nesses termos, condenada ao fracasso. Em outros casos, cinematografias nacionais foram forçadas a formar alianças com a televisão, gerando novas reproduções de modelos pré-fixados, hoje também em crise (como no caso da França). Mais recentemente, paralelamente à estratégia do lançamento doméstico massivo está se somando o lançamento mundial em larga escala. Cada vez mais os chamados “blockbusters” chegam aos cinemas de vários países do mundo na mesma data, muitas vezes ocupando até 50% das telas de um único mercado. A primeira justificativa para essa estratégia está ligada à pirataria – um “perigo real”, intrínseco às sociedades de controle: “Enquanto nas sociedades disciplinares predominam as máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem, nas sociedades de controle é a vez das máquinas A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência e o ativo, a pirataria e a introdução do vírus”16. Cada vez mais digital, o cinema está totalmente sujeito às cópias não autorizadas e à circulação extra-oficial. No entanto, é claro que essa estratégia de lançamento planetário de um mesmo título é também uma forma de aumento do próprio controle da exploração do filme. Vê-se, nesse processo, uma espécie de acirramento das estratégias da sociedade de controle, principalmente no sentido para o qual chamou atenção Guattari de que “uma das primeiras características da produção de subjetividade nas sociedades capitalísticas seria a tendência a se bloquear processos de singularização e instaurar processos de individuação”17. A própria estrutura das sociedades de controle, de certa forma, é dificultadora de agenciamentos. Se nas sociedades disciplinares o controle estava ligado sobretudo ao confinamento e à palavra de ordem, nas sociedades de controle ele assume novas formas, modulares, bem menos explícitas, em que as senhas marcam o acesso (ou não) à informação. 24 Hoje, Hollywood prepara-se para entrar definitivamente na era digital. A adoção de sistemas numéricos de captação de imagens em alta definição já é uma realidade: os três últimos capítulos da série “Star Wars”, por exemplo, já não foram filmados em película. Em breve, os sistemas digitais também terão dominado a exibição. Os multiplex estão começando a adotar projetores digitais, e o único aspecto que ainda impede uma total transformação das salas é a viabilidade econômica da substituição tecnológica. “O setor de exibição argumenta que haverá significativa redução de custos para produtores e distribuidores devido à eliminação do uso de cópias cinematográficas e à ausência de suas distribuições físicas que, se estima, possa alcançar valores de até U$S 5 bilhões/ano. A validade destes argumentos é contestada pelos estúdios, sob a justificativa de que os investimentos devem ser efetivados pelos exibidores em conseqüência dos ganhos adicionais que terão com o incremento da exibição publicitária, do aproveitamento das salas para uso em conferências, exibições de shows, videogames, enfim, através de outros conteúdos que, atualmente, os cinemas não têm condições de exibir”18. Caminha-se, portanto, para um tempo em que os cinemas deixarão definitivamente de ser cinemas, tornando-se um espaço para a exibição de toda sorte de “conteúdo audiovisual”. Isso pressupõe que o filme cinematográfico – não mais dependente do suporte “filme”, aliás –, em breve, assumirá de vez um novo papel, tornando-se apenas uma entre várias outras possibilidades de “conteúdo”. Há nesse termo tão utilizado – “conteúdo audiovisual” – uma espécie de síntese da forma como a produção de imagem pretende ser vista no mundo contemporâneo: ele omite a forma; “esquece” a existência da forma; existe apenas o conteúdo e maneiras de expô-lo, sem mediações, sem pontos de vista. É a imagem que se esconde como visão de mundo e se apresenta, ela mesma, como o mundo diante de nossos olhos. A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 Notas 1 Cf. BENJAMIN, Walter. “Magia e técnica, arte e política”. [Obras Escolhidas I]. São Paulo: Brasiliense, 1989. 2 DELEUZE, Gilles. “Conversações”. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994, p.219. 3 Idem, p. 221. Cf. GUBACK, Thomas & VARIS, Tapio. “Transnational Communications and Cultural Industries”. Nova York: Unesco, 1982. 4 5 Idem. O’REAGAN, Tom. “Too Popular by Far: On Hollywood’s International Popularity”, em The Australian Journal of Media and Culture. Sidney: vol. 5, nº 2, 1990. 6 7 Idem. Cf. GUATTARI, Felix e ROLNIK, Suely. “Micropolíticas – Cartografias do desejo”. Petrópolis: Vozes, 1986. 8 9 Idem, p. 26. CAIAFA, Janice. “Uma cidade, uma cena e alguns suvenires”. In: SILVA, André Eirado; NEVES, Claudia Abbes Baetta, RAUTER, Cristina (orgs) et alli. Subjetividade. Questões contemporâneas. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 158. 10 11 25 GUBACK, Thomas & VARIS, Tapio. Op. cit. Em CAIAFA, Janice. “Uma cidade, uma cena e alguns suvenires”. In: SILVA, André Eirado; NEVES, Claudia bbes Baetta, RAUTER, Cristina (orgs) et alli. Subjetividade. Questões contemporâneas. Op. cit.. 12 13 Publicados no informativo Filme B (www.filmeb.com.br), número 342 (7/6/2004). CAIAFA, Janice. “Nosso Século XXI: notas sobre arte, política e poder”. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000, p.17. 14 15 ”Film Comment”. Nova York: vol. 32, número 4. Julho de 1996, p. 82. 16 DELEUZE, Gilles. “Conversações”. Op. cit., p.223. GUATTARI, Felix e ROLNIK, Suely. “Micropolíticas – Cartografias do desejo”. Op. cit., p. 17 DE LUCA, Luiz Gonzaga.O futuro da projeção é digital?, em Filme B 343, 14/06/2004. 18 A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle N3 | 2004.2 Referências Bibliográficas BENJAMIN, Walter. “A obra de arte em sua era de reprodutibilidade técnica”, em Obras escolhidas – Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. CAIAFA, Janice. “Uma cidade, uma cena e alguns suvenires”. In: SILVA, André Eirado; NEVES, Claudia Abbês Baeta; RAUTER, Cristina (orgs.) et alli. Subjetividade. Questões Contemporâneas. São Paulo: Hucitec, 1997. ______. “Nosso Século XXI: notas sobre arte, técnica e poderes”. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000. COSTA, Flávia Cesarino. “O primeiro cinema – Espetáculo, narração, domesticação”. São Paulo: Scritta, 1995. DE LUCA, Luiz Gonzaga. “O futuro da projeção é digital?”, em Filme B 343, 14/06/2004. DELEUZE, Gilles. “Conversações”. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. 26 DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix. “Mil platôs – Capitalismo e Esquizofrenia”. Volume 2. Rio de Janeiro: Editora 34,1995. GUATTARI, Felix & ROLNIK, Suely. “Micropolíticas – Cartografias do desejo”. Petrópolis: Vozes, 1986. GUBACK, Thomas. “The international film industry”. Bloomington: Indiana University Press, 1969. GUBACK, Thomas & VARIS, Tapio. “Transnational Communications and Cultural Industries”. Nova York: Unesco, 1982. O’REAGAN, Tom. “Too popular by far: On Hollywood’s international popularity”. In: The Australian Journal of Media and Culture. Sidney: Vol. 5, nº 2, 1990. XAVIER, Ismail. “O discurso cinematográfico”. São Paulo: Paz e Terra, 1984. WILDMAN, Steven, e SIWEK, Stephen.“International trade in films and television programs”. Cambridge, Massachussets: Ballinger Publishing, 1988. A reinvenção de Hollywood: cinema americano e produção de subjetividade nas sociedades de controle