VT215_MAT. Japao
Transcrição
VT215_MAT. Japao
ALI NO JAPÃO Arquitetura encaixadinha Docinhos de feijão fotogênicos Tentáculos frescos Oração budista Comida fake nas vitrines La gueixa, em Kyoto É enguia (e é bom) Estudantes em Tóquio Ovas no mercado de Tsukiji, em Tóquio O Golden Pavilion Pratinho no Narisawa Sob a camada da eficiência, das luzes feéricas e das esquisitices, existe vida normal em Tóquio. Uma vida que fica mais zen em Kyoto e de dura memória um pouco mais além, em Hiroshima foto: ©1divulgação Por paulo vieira Fotos Fernanda frazão ©1 O shinkansen é bala japão Uma das muitas multidões em Tóquio, aqui em torno do queimador de incenso do Templo Sensoji As luzes de Akihabara Kit Kat de chá verde! o tempo era curtíssimo. A porta do elevador já se fechava, e ela não havia iniciado o reclinar de cabeça típico do cumprimento japonês. Por um instante imaginei que aquela falha risível iria pesar em seu inconsciente como uma nódoa perpétua. O sorriso eterno e a expressão facial imutável daquele povo disfarçavam sua aflição: teriam as cerca de 20 pessoas que tomavam o elevador para o patamar mais alto da nova Sky Tree – a maior torre de TV do mundo, em Tóquio – sido atendidas por ela, a steward, espécie de aeromoça de elevador, com o nível sobre-humano de simpatia, competência, cordialidade, respeito e distanciamento que mereciam? Pela apatia dos visitantes, sim. Para ela, talvez só restasse consolo em provérbios do tipo Nana korobi ya oki (“Se você cair sete vezes, levante-se oito”). Não deve ser à toa que as melhores companhias aéreas e equipes de bordo do mundo sejam orientais. Mas um viajante não toma dois aviões, e fica neles por mais de 20 horas, apenas para fazer uma constatação in loco da resiliência japonesa. Já havíamos tido as lições de Fukushima. Mas é difícil, por outro lado, pensar em ir ao Japão e encontrar uma Torre Eiffel, um Big Ben, uma pilsen sem igual à beira do Danúbio. Em Tóquio as coisas se complicam. 84 setembro 2013 viagem e turismo Cozinha do estrelado Kondo Dez entre dez turistas vão acordar cedo para ver um leilão de atum, outros tantos acenderão um incenso em algum templo xintoísta, alguns irão a um estrelado Michelin, outros mais subirão a Sky Tree para ter uma visão dessas que se tem das alturas de qualquer torre alta do mundo. Conhecerão uma coleção de sightseeings bem mais ou menos, como se estivessem a ticar a programação de lazer da convenção da firma. O problema da cidade de 36 milhões de habitantes é que, diferentemente de Paris, Buenos Aires e Lisboa, você não sai a esmo, dando sopa para o acaso, esperando ver uma segunda Lua no céu, como na imagem do escritor Haruki Murakami em 1Q84. Andar sozinho por Tóquio é lenha, apesar deste incrível paradoxo: a cidade tem o metrô mais autoguiável do planeta. Todas as estações são sinalizadas em alfabeto ocidental, todas as máquinas de compra de bilhetes têm opção em inglês (e às vezes até em português). Mesmo com uma quantidade de linhas e estações que São Paulo só vai ter em 3030, qualquer um se vira. O problema de verdade é achar um endereço. O Japão não adotou, ao tempo do pós-guerra, o procedimento bastante comum de nomear ruas. O resultado é que você simplesmente desiste de encontrar um endereço como este: 3 – 15 – 25, Tóquio. Por japão As coisas estranhas talvez sejam a outra face do mundo eficiente, cordial, mas também um pouco maquinal do Japão No bairro de Taito, ela passa linda e cheia de graça (talvez ouvindo bossa nova, que os japoneses adoram) 86 mês 2011 viagem e turismo viagem e turismo mês 2011 87 Japão Bolinho de arroz & lagosta Tradição high-tech: a passageira de quimono confere os horários do trem-bala em Kyoto Templo Heian Jingu, em Kyoto isso, táxis, a despeito do preço, são amplamente recomendáveis. Todos que vão ao Japão ficam encantados com a ordem – se um pedestre atravessar fora da faixa, é turista, talvez brasileiro. Encantam-se também com o nível “estado da arte” do mercado de consumo – das enormes lojas de eletrônicos em Akihabara às vitrines das melhores e mais bonitas pâtisseries do mundo. Tudo é lindo e aparentemente harmônico. Mas eu não estava lá para coonestar uma visão beaten track e dei-me ao luxo de me perder. A companhia da Tomoko, amiga e arquiteta japonesa, ajudou bastante. Logo na primeira noite, uma terça-feira, mal tendo botado os pés em Tóquio, fomos a um distrito tradicional e belo, Yanaka, onde eu viria a me hospedar. Entramos em um izakaya, bar de tapas em versão japonesa. Mais do que o bom polvo que eu devo ter comido, valeu ter encontrado Onishi, pacifista que se esforçava no inglês e nos mostrou as placas que usa na manifestação semanal que engrossa na frente do Parlamento. “Energia nuclear nega a raça humana”, dizia uma. Mais surpreendente foi ficarmos no bar sozinhos, sem a proprietária, que se desculpou lá pelas 11 da noite por precisar fazer compras antes que o supermercado fechasse. Gueixa a bordo O Japão, permito-me dizer, também é essa saída de cena da dona do izakaya. Sob a camada de eficiência, sob as luzes feéricas e o movimento incessante, sua capital também tem vida comum. Os mendigos são poucos, mas existem; e você pode chegar, como aconteceu comigo, a um sentô – os banhos tradicionais japoneses, separados por sexo – em uma terça morta à 1h15 da madrugada e encontrar ali um punhado de locais. Nem tudo é como em Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola; nem tudo são os bairros chiques e pitorescos de Ginza e Harajuku. No sentô, que poderia estar no Limão ou no Catete, era difícil mergulhar além das coxas. A água sapecava, e os gestos nervosos do japa para que eu resfriasse a piscina abrindo uma torneira não adiantaram nada. As coisas esquisitas talvez sejam a outra face do mundo eficiente, cordial, mas também algo maquinal do Japão. Sim, há restaurantes que só servem baleias, uma rede de cafés em que meninas vestidas de bonequinha cantam músicas bobinhas quando você pede uma bebida (pessoas sozinhas frequentam isso, como vi em Shibuya), e milhões de japoneses não têm nada melhor a fazer do que jogar o pachinko, o passatempo nacional que consiste em carregar bolas prateadas de um ponto a outro de viagem e turismo setembro 2013 89 Japão Templo Kiyomizu-dera Embarque nesse riquixá uma máquina. Tóquio viu também crescer um mercado de microcômodos – espaços para viver de 2 metros quadrados que atendem desempregados ou subempregados que antes dormiam, a custo quase nenhum, em cibercafés. “O Japão é assim”, disse-me minha dentista, Débora, sansei que viveu alguns anos no país. “Todos vão lhe sorrir diariamente na confeitaria, mas, se você passar muitos anos sem aparecer, ninguém vai perguntar depois o que aconteceu.” Zen em Kyoto Mas a normalidade tem limite. É difícil não se impressionar com o shinkansen, que transpõe em 2h20 os 370 quilômetros da capital até Kyoto; o famoso trem-bala, implantado no país em 1964, na época dos Jogos Olímpicos de Tóquio, é tão veloz que a vontade é de virar o Japão de ponta a ponta. Embora não tenha avistado o Monte Fuji na viagem, eu não podia me sentir melhor. Havia comprado um passe de sete dias no Brasil, por cerca de US$ 300, que me permitia usar inclusive o trem-bala. Se fosse pagar pela viagem do shinkansen, essa quantia iria apenas na ida e na volta a Kyoto. Embora grande – 1,5 milhão de habitantes –, Kyoto, a antiga capital imperial, é um mosteiro zazen perto de Tóquio. Nos li90 setembro 2013 viagem e turismo Restaurante Guilo, em Kyoto mites leste, oeste e noroeste da cidade, uma cadeia de montanhas e árvores são o cenário perfeito para complexos religiosos, com lagos, templos de todas as cores, portões monumentais; quando explorei o lindo Golden Pavilion, cuja principal construção você apenas circula, não deixei, contudo, de me sentir em certo parque temático espiritual. Era sábado, e um raro feriado japonês se aproximava. Em um dia menos concorrido, não deixe de ir ao minimalista Ryoanji Garden, cujo jardim de areia e pedra, idealizado no século XVI, ornaria em Inhotim. A economia e a disposição dos elementos convidam à meditação mesmo o mais compulsivo usuário do Facebook. Kyoto é um lugar para ficar pelo menos quatro dias. É lindo o bairro de Gion, de arquitetura tradicional, mulheres vestidas de gueixas se esgueirando pelos becos e onde assisti a uma palestra express sobre a cerimônia do chá – o chá verde, tradicional, tinha gosto rascante. Seu mercado público, em ruas cobertas, é uma experiência notável aos sábados, mesmo com a muvuca. Pare para experimentar as comidinhas ali servidas e deixe uma noite para uma vivência mais gourmet, em restaurantes de cozinha clássica, cozinhas que os japoneses aprendem e refinam até não poder mais, como o francês Guilo Uma verdadeira floresta de bambu no distrito de Arashiyama, em Kyoto Japão Guia VT Japão >81 Tóquio >3 ©1 Garotas de Arashiyama Guilo, que não cobra muito mais que US$ 60 do comensal. Eu já tinha vivido minha experiência em um Michelin em Tóquio, o Narisawa, e estava contente com o desembolso de cerca de US$ 150, preço convidativo para o menu tão sofisticado, conceitual e saboroso de nove etapas no almoço (e evocativo da natureza primitiva japonesa, ou algo assim). Em Kyoto, troquei o gourmet pelo baixo ventre e visitei, em um sábado, um yazakaya especializado em palitinhos que você mesmo mergulha no óleo quente. Na TV passava o programa de auditório mais brega do mundo, só faltava o apresentador falar “Bill Murray” repetidas vezes e gargalhar logo em seguida. O júri levava fácil dos do SBT. Achei espaço na agenda para conhecer Hiroshima, uma cidade linda, cheia de canais, troles e com o Peace Memorial Park, com edificações minimalistas que evocam o Dia da Grande Infâmia. Só o A-Bomb Dome foi mantido do jeito que ficou naquele agosto de 1945. Uma galeria subterrânea mostra com elegância quem eram alguns dos 400 mil mortos, metade da população na época. E apresenta sobreviventes que contam sobre a reconstrução duríssima que se se92 setembro 2013 viagem e turismo Bikes na cidade reconstruída ©1 guiu. Ao chegar a esse espaço tão conspícuo, eu me sentia um pouco como Jerry Lewis em um de seus filmes. Em vez de sair para o parque, havia entrado na Feira Nacional do Japão, abrigada em um parque ali defronte. Além de investir 2 000 ienes, passei longos minutos em diversas filas com uma mala imensa que não cabia no guarda-volumes da estação de trem. Passou uma boa meia hora para eu me dar conta de que milhares de crianças e vovôs não deviam estar fazendo festa por prantear seus mortos. De volta a Tóquio e a Yanaka, ainda tive a oportunidade de alugar uma bicicleta roots no ótimo ryokan Katsutaro, onde estava hospedado – ryokans são hotéis modernos à japonesa, com tatame e futon. Com Tomoko, pedalei pelo complexo de templos xintoístas e pelo cemitério das imediações da estação de metrô Nishinippori. O silêncio pesado que nos convidava à meditação naquela noite levava a pensar também que a cidade enlouquecia alguns quilômetros adiante. Diferentemente do Monte Fuji, aonde não se deve voltar uma segunda vez, diz o ditado, Tóquio naquele instante me dizia konnichiwa, olá, e não sayonara, adeus. t fotos: ©1 paulo vieira, ©2 divulgação, ©3 Tetsuro Nohara/flickr Memorial da Paz, em Hiroshima FICAR O Annex Katsutaro Ryokan (katsutaro.com; diárias desde US$ 86) tem tatame e equipamentos modernos e staff que fala inglês. Próximo à estação Shinbashi está o The Peninsula (peninsula.com; diárias desde US$ 179). Em Asakusa, o Ryokan Kamogawa ( fkamogawa.jp; diárias desde US$ 68) é um hotel familiar bem ao estilo japonês, com bambus e esteiras no chão. COMER Para ter uma experiência duas-estrelas Michelin, vá ao Narisawa (narisawa-yoshihi ro.com), ao Sawada (35714711), onde é uma luta conseguir lugar, mas cada sushi é uma obra de arte, ou ao Tempura Kondo (5568-0923), no bairro de Ginza. O Tempura Daikokuya (tempura.co.jp) é famoso por seus tempurás com mais de 100 anos de tradição. Para doces típicos, vá à Nishiyama (asakusa-nishiya ma.com). Experimente o sorvete de chá verde. Com cara de boteco, o Sutamina-en (su taminaen.com) tem tripas de boi e porco na grelha. Acompanha a aguardente Shochu. PASSEAR O chique e pitoresco bairro Ginza é bom para compras. Em Asakusa, conheça o Templo Senso-ji (senso-ji.jp), uma construção imponente, e os portões com as lanternas vermelhas gigantes de papel. Divirta-se entre as centenas de barraquinhas de quinquilharias e comida no bulevar entre o portão principal e o templo. Depois passe na Tokyo Sky Tree (tokyo-skytree.jp), a maior torre de radiodifusão do mundo. Em um passeio de barco pelo Rio Sumida (suijo bus.co.jp) dá para ver Tóquio de outro ângulo. No jardim japonês Happoen você vive uma cerimônia de chá típica. Vale também conhecer o Meiji Jingu (meijijingu.or.jp), o santuário xintoísta, no caminho do Palácio Imperial. O templo budista Sensoji (senso-ji) é o mais antigo de Tóquio. Kyoto >75 FICAR O Yoshikawa Inn (kyotoyoshikawa.co.jp; diárias desde US$ 375) é lindo e tradicional. Outro upscale é o Hyatt Regency Kyoto (kyoto.regency. hyat t .com; diárias de sde US$ 234). O Oki’s Inn (okimachi. com; diárias desde US$ 40) tem bom custo/benefício. COMER No topo da lista está o Kitcho (kitcho.com), três-estrelas no Michelin. Vá mais cedo para passear pela floresta de bambus e pela ponte sobre o rio do lugar. No Guilo Guilo (guiloguilo.com), os comes e bebes são tão bons quanto o ambiente. O Le Petit Mec (le-petitmec.co.jp) tem pães e tortas. PASSEAR No bairro de Gion, a arquitetura tradicional é marcante; não deixe de ir ao mercado público. Na visita ao Pavilhão Dourado (shokoku-ji.jp), passe pelo Jardim Ryoanji, feito de areia e pedra. Há muitos templos incríveis, dentre eles o Kiyomizudera (kiyomizudera. or.jp), construído em 778 e cercado por uma mata exuberante. Perto de lá está o Sanjusangendo, o templo das 1 001 estatuetas de Kannon. Em Hiroshima, a quatro horas de Kyoto, não deixe de ir ao Peace Memorial Park (pcf. city.hiroshima.jp). COMO CHEGAR A Etihad (etihad.com) leva, via Abu Dhabi, desde US$ 1 129. Com a Qatar (qa tarairways.com), a passagem custa desde US$ 1 130, com conexão em Doha. Já a United (united.com) leva, com parada em Chicago, desde US$ 1 599. QUEM LEVA A Princess (princessoperado ra.com.br) tem sete noites entre Tóquio e Kyoto, com visita ao Monte Fuji, Nara e Hiroshima, desde US$ 5 787. Já o roteiro da Gladtur (gladtur. com.br) tem 13 noites entre cidades como Tóquio, Hakone, Nagoya, Nara e Kanazawa, desde US$ 7 645. A Raidho (raidho.com.br) tem oito noites por Tóquio, Hakone e Kyoto, com passeios a Nara, Hiroshima e Nikko, desde US$ 5 831. Pela Queensberry (queensberry.com.br), o pacote de luxo com três noites em Tóquio, uma em Hakone, três em Kyoto, com passeios em Nara, custa desde US$ 10 975 (sem aéreo). Com a Investur (investur.com), nove noites por Osaka, Kyoto, Hakone, Tsumago e Tóquio custam desde US$ 3 160 (sem aéreo). ©2 ©2 ©3 Em Tóquio, um quarto bacana no Peninsula, um docinho do Nishiyama e a Tokyo Sky Tree vista da ponte Azuma-Bashi viagem e turismo setembro 2013 93
Documentos relacionados
44 Viagem de capa: Alto Árctico ao Japão
e sem som. A música do Tokyo City View dá à cena um carácter quase cinematográfico. Não podendo entrar no palácio real, fomos até à praça das duas pontes, o mais próximo que se pode estar dos apose...
Leia maisJapão - Viagem à Terra do Sol Nascente.pub
Pequeno almoço no hotel. Visita de Kyoto para conhecer os pontos principais da cidade, começando pelo Santuário Xintoísta de Heian Jingu, um dos maiores e mais recentes de Kyoto. Foi construído em ...
Leia mais