3.4 Dimensões Históricas

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3.4 Dimensões Históricas
3.4 Dimensões Históricas
3.4.1 África na História da Humanidade
Os historiadores alemães do século XVI não ficariam indiferentes aos
acontecimentos que se passavam além-fronteiras conscientes da sua
capital importância para a motricidade histórica. Na verdade, os factos
ocorridos desde os finais do século XV despertavam a atenção de todos os
interessados pelas "coisas da humanidade" (Damião de Góis). A abertura
do horizonte operada com as viagens dos Descobrimentos seria, desde
logo, interpretada como a estonteante novidade do tempo presente, que
urgia anotar nas suas diferentes dimensões e vertentes. O conhecimento da
empresa marítima, o avanço ao longo do Oceano Atlântico, a passagem
para o Oceano Índico e a chegada às Índias - Orientais e Ocidentais constituariam um sinal de mudança: uma nova época. A descoberta de um
mundo novo, embora não espontaneamente apreendida, seria
paulatinamente tema dos discursos coevos.
Já nos finais do século XV se declara a importância e a necessidade de
integrar os factos das actividades marítimas na história actual. Hartmann
Schedel refere, na sua crónica (1493) as navegações dos portugueses,
nomeadamente, as viagens de Diogo Cão ao longo da costa africana, bem
como a descoberta e colonização das ilhas atlânticas.1 Este o primeiro
passo no registo das novas informações, o qual se iria tornar, dado o
enorme afluxo de notícias, uma prática corrente no esquisso desejado para
a construção da história da humanidade.
Assim, no seguimento da crónica de Hartmann Schedel, as informações
das viagens dos Descobrimentos adquiriam um lugar de relevo no discurso
histórico então produzido. Se inicialmente se trata apenas de pequenas
notícias, estas não deixam de ser inseridas na historiografia alemã, mesmo
em obras, cujo principal propósito seria elaborar uma reflexão sobre a
história nacional. É o caso da do humanista Willibald Pirckheimer
Sermones convivales Cõradi peutingeri: de mirandis Germanie antiquitatibus (1506);2 entre vários factos e acontecimentos particulares do meio
geográfico germânico, Pirckheimer faz alusões às novas regiões no
Oriente e na Índia Ocidental. E se esta referência e inclusão se faz, muitas
vezes, apenas para demonstrar que as regiões recém-descobertas já seriam
1. Hartmann Schedel, Weltchronik, Nuremberga, 1493, Folha CCLXXXV.
2. Veja-se dazu Paul Joachimsen, Geschichtsauffasssung und Geschichtsschreibung in
Deuschland unter dem Einfluß des Humanismus, Leipzig, Berlim 1910, pp. 155-195.
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conhecidas, tratando-se apenas de um avivar simbólico de dados caídos no
esquecimento - visto que muitas informações dos antigos autores se
tinham perdido -, a anotação actual é, contudo, sintomática da vontade de
dar continuidade aos acontecimentos históricos e de lhes reservar um
lugar, ainda que incerto, na descrição do mundo.
Tendo em linha de conta que à ciência histórica competeria, em primeiro
lugar, guardar os factos como fonte de informação e de instrução - assim
estavam convencidos os eruditos do século XVI e XVII -, dever-se-ia pois
recolher todos os dados históricos, por assim dizer, indelével matéria
prima; isto porque o único fim da história é: auferir a chamada lição pedagógica. Cabendo à narratio apresentar os exemplos particulares, é dever
do historiador reunir e ordenar os dados no adequado e condigno
posicionamento cronológico e geográfico, pois, só por esta via se poderá
explicitar o desenrolar dos acontecimentos. Ao historiador cumpre assim
apresentar e esclarecer de uma forma clara e concisa as causas originárias
de um acontecimento. Neste trabalho de pesquisa e verificação, ele deverá
ser determinantemente submisso a uma das principais leis históricas: o
zelo pelo postulado da verdade. Sendo o historiador quem determina um
caso histórico, ao sentenciar os factos, deverá manter a devida distância,
sem esquecer, ao mesmo tempo, a visão de conjunto dos acontecimentos.
Daí que um cronista que se preze, deva cultivar a erudição tanto no que
esta implica de sabedoria como de formação.
As investigações históricas deveriam, assim, fixar o seu objecto de estudo
em acções decorridas em determinado espaço e tempo históricos. Neste
intercalar de comportamentos individuais ou colectivos caberia à pesquisa
histórica decifrar o impulso accionador, aguardando-se do historiador a
descrição precisa e detalhada dos factos inevitavelmente esclarecedora da
motricidade histórica. Esta índole utilitária da ciência histórica estaria em
perfeita harmonia com a obrigação de apresentar correcta e
ordenadamente as fontes documentais sobre as factos e os acontecimentos
do passado. A Historia magistra vitae, tal como a definira Cícero, é a
concepção que deslumbramos na historiografia dos séculos XVI e XVII.
A sua grande missão está assim na orientação prática e experimental que
deve legar à vida diária.3
3. Sobre a historiografia humanista, veja-se Paul Joachimsohn, Die humanitische
Geschichtschreibung in Deutschland, Bona, 1895; Eduard Fueter, Geschichte der neueren
Historiographie, Munique/Berlim, 1936 (Repr. 1968); Rüdiger Landfester, Historia magistra
vitae. Untersuchungen zur humanistischen Geschichtstheorie des 14. bis 16. Jahrhunderts,
Genève, 1972; Eckhard Keßler, Die Ausbildung der Theorie der Geschichtsschreibung im
Humanismus und in der Renaissance unter dem Einfluss der wiederentdecken Antike, in:
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Através da leitura das obras históricas adquirir-se-ia, no ver dos letrados
coectâneos, uma lição moral e pedagógica sobre o mundo e os seus
habitantes. O leitor das crónicas seria assim elucidado e aprenderia a história da sua região, do seu país ou mesmo de outras nações. O que
importava era que ao ler as obras históricas, ele pudesse aprender assuntos
e questões que lhe eram desconhecidos, e que o ajudassem no seu dia-adia. Ao conhecer casos e aspectos ignotos, a historiografia ganhava um
valioso significado no enriquecimento cultural, pois "Cada um recorda
melhor os exemplos próprios; exemplos estrangeiros encontram-se nas
histórias".4
"Exemplos estrangeiros", alheios e diferentes que os autores germânicos
poderiam inseriar nas suas obras, quer de carácter regional quer de âmbito
nacional, não faltavam nesta época de profundas alterações. Entre estes
exemplos encontravam-se as notícias referentes às viagens dos
Descobrimentos. Por exemplo, a Chronica/ Beschreibung vnd gemeine
anzeyge/ von aller Wellt herkommen/ Fürnamen Lannden/ Stande/
Eygenschafften/ Historien/ wesen/ manier/ sitten/ an vnd abgang5 ao
actualizar o seu conteúdo informativo, em meados do século XVI,
introduz no texto então publicado algumas novas referentes à empresa
ultramarina. Nas edições anteriores, esta crónica em apego à tradição
medieval limitara-se a informar sobre o império romano-germânico.6 Mas,
na terceira década do século XVI, denotar-se-ia uma evidente
reformulação e acrescento de informações, a que a edição de 1535 se
queria ajustar. Na descrição territorial, de harmonia com os princípios
geográficos tradicionais, o mundo habitado dividir-se-ia em três partes:
África, Europa e Ásia. Como se anota, a quarta parte, situada quase fora
do mundo, ficaria por descrever; recentemente descoberta e povoada com
gentes ignotas, esta região representaria algo de extraordinário e
maravilhoso sobre o qual muito haveria para ler pois todos os dias se
descobriria terra nova e gentes desconhecidas, parecendo um mundo sem
August Buck und Klaus Heitmann (Ed.), Die Antike- Rezeption in der wissenschaften
während der Renaissance, Weinheim, 1983.
4. "Von vnsern eigenen Exempeln kan ein jeder sich selbsten am besten erinnern/ Von
frembden Exempeln findet man in den Historien". Caspar Peucer na sua edição da Chronica
Carionis von Philipp Melanchton, Wittenberg, 1588, p. 28.
5. Chronica/ Beschreibung vnd gemeine anzeyge/ von aller Wellt herkommen/ Fürnamen
Lannden/ Stande/ Eygenschafften/ Historien/ wesen/ manier/ sitten/ an vnd abgang publicada
por Christian Egenollff, em Frankfurt, no ano de 1535.
6. Não se menciona o nome do autor das crónicas publicadas por Christian Egelnoff.
Segundo Henry Harrise, Biblioteca Americana, Nova Yorque, 1967, p. 346 trata-se de uma
edição tardia da crónica de Heinrich Steinhowels (1531).
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fim e a obra do Criador ilimitada -7 esta é, todavia, a única referência à
quarta parte do mundo; pelos vistos o autor já teve conhecimento da
existência de novos mundos, mas, por enquanto, pouco sabe sobre o seu
lugar geográfico no mapa-mundi actual.
Nesta pequena apresentação África, tal como se descrevia em publicações
coevas, surge repleta de criaturas fabulosas e monstruosas - apenas as
notas referenciais à cidade do Cairo conseguem ter uma dimensão real e
actual. No capítulo reservado à Ásia, pelo contrário, fazem-se muitas e
detalhadas referências à viagem marítima, mas o tema a que é dada maior
atenção é ao confronto entre cristãos e pagãos. Vejamos um exemplo. Nos
conflitos armados com o rei de Calecute, os portugueses, graças à
interferência de Deus, teriam alcançado uma gloriosa vitória frente a este
inimigo da fé. O autor relata ainda que muitos dos gentios teriam logo
concluido que o Deus dos portugueses seria um Deus bom e poderoso e o
seu chefe um rei cristão, senhor de um mundo que não conheciam.8 As
navegações marítimas fariam parte de um plano divino, em que os
portugueses dignos cruzados ajudados por Cristo venceriam a idolatria.9
Tal como nas edições anteriores, esta crónica, escrita em nome do Criador,
deverá traçar a via para chegar até Ele.10 Importa salientar que esta
crónica, publicada por Egenolff, se encontra naturalmente na tradição das
crónica-mundi da Idade Média, ou seja, ela deverá apresentar os factos
históricos na sua ordem cronológica. Esta ordem baseia-se numa
determinada concepção de seleccionar os acontecimentos. Por detrás desta
concepção, formula-se o conhecimento de que os acontecimentos e,
naturalmente, o devir histórico dependem de uma ordem eleita por Deus.
7. Chronica, op. cit., p. II recto.
8. "Hernach den vierten theyl der welt auch setzen/ so gefunden mit menschen bewonet/
dauon wunderbarlich vnd lustig zulesen ist/ auch täglich noch heut new land/ Insel vnd leut
gefunden werden/ das schier die meynung für war möcht angesehen werden/ es seind vil
vnzalbar welt/ vnd das die welt on end sey/ dann täglich findt sich etwas newes/ in den
wercken des wunderbarlichen Gottes/ der nit auß zulernen ist". Idem, p. XXXI recto.
9. "[...] den wunderwirdigen sig gab Gott dem kriegsvolck des königs von Portugal wider die
hund vnd feind des glaubens/ den ich darumb gesetzt hab/ das wir sehen/ wo Gott mit ist/ kan
nichts wider sein/ also erlag das kriegs volck des Königs von Calicut/ Got geb uns seinen
frid/ Amen. Vil auß den Heyden sagten/ der Gott der Portugaleser/ ist ein starcker vnd gütter
Gott/ sighafft/ etliche sprachen sie hetten den Teufel. [...] das ist der Christen Gott/ alleyn ein
Herr der welt/ so sprachen sie: es ist war/ wir kennen jn aber nit". Idem, p. XXXI-XXXII.
10. Veja-se Anna Dorothee von den Brincken, Studien zur lateinischen Weltchronistik bis in
das Zeitalter Ottos von Freising, Düsseldorf, 1957; Martin Haeusler, Das Ende der Geschichte in der mittelalterlichen Weltchronistik, Colónia, Viena, 1980; W. Kaegi, Chronica
mundi, Grundformen der Geschichtsschreibung seit dem Mittelalter, Einsiedeln, 1954; F.
Landsberg, Das Bild der alten Geschichte in mittelalterlichen Weltchroniken, Basileia, 1934.
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Assim como criou o mundo, Deus também determina o percurso histórico:
linear e delimitado. Tudo começa com a criação do mundo e terá o seu fim
com o Juízo Final. A função do cronista é, assim, ordenar os acontecimentos profanos nesta periodização divina. Às crónicas cabe, pois,
apresentar a obra de Deus e acompanhar o plano divino. Daí que o editor,
Christian Egenolff refira que: "As histórias serão lidas com proveito não
simplesmente pela admiração da história em si, mas pelo reconhecimento
da obra de Deus que aí se reflecte".11 Na verdade, seguindo os preceitos de
uma crónica-mundi medieval, esta obra deveria focar o trajecto histórico
desde os inícios do mundo até ao Juízo Final.
Visando apresentar todas as aetates do mundo, a estrutura narrativa de
uma crónica assinala as etapas da história da humanidade desde as
origens, passando pela formação da igreja romana até ao império
germânico. Com efeito, "Quem quiser ler histórias com utilidade deve
organizar todas as épocas desde os inícios do mundo numa ordem
correcta, daí que muitos tenham dividido o mundo em sete aetates."12 Em
apego à teoria das quatro monarquias, esta crónica enumera os principais
monarcas e quando chega ao Imperador Maximiliano I introduz
surpreendentemente, depois de uma informação relativa ao ano de 1495,
um capítulo intitulado "Da America, quarta parte do mundo descoberta
Anno M.cccc. xcvij".13 Neste capítulo refere-se à viagem de Américo
Vespúcio e à descoberta de uma fantástica "ilha" povoada de gentes cruéis
e brutais, animais estranhos e desconhecidos, pedras preciosas e aves de
encanto. Prossegue-se então com o "Novo Mundo que sob Portugal se
descobriu no Anno M.cccc.lv"14 e é a vez de se relatar sobre as viagens de
Luís de Cadamosto, Pedro Álvares Cabral, Cristovão Colombo, Américo
Vespúcio e Fernando Cortês. Este facto leva-nos a concluir que aqui, tal
como já tinhamos presenceado no capítulo dedicado à América de
Sebastian Franck,15 o mundo novo se apresenta ainda como um bloco
associado ao continente americano, recorrendo-se precisamente às mesmas
fontes.16 Mas como na realização de uma obra histórica também se visa
estar a par das novas informações, intenta-se, desde já, integrar os factos
11. "Dann werden aber Historien mit frucht gelesen/ so mann nit alleyne die geschicht ansihet
vnd verwundert/ sonder gotes Werck darinn acht nimpt... ". Chronica, op. cit., prólogo.
12. "Wer Historien nützlich lesen wil/ soll alle zeit von anfang der welt/ in ein richtige
ordnung fassen/ darumb haben etlich die Welt geteilet/ in siben Aetates". Idem, p. XXXII.
13. "Von America dem vierdten theyl der Welt/ Anno M.cccc. xcvij. erfunden".
14. "Newe Welt so mann gefunden hat/ Anno M.cccc.lv vnderhalb Portugal".
15. Sebastian Franck, Weltbuch, Tübingen, 1534. Veja-se cap. 3.1.1
16. Idem; trata-se da antologia Paesi novamente retrovati, publicada em alemão no ano de
1508.
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recentemente documentados na cosmovisão do mundo, embora de modo
impreciso e fortuito.
Como vimos, as crónicas devem dar a conhecer factos históricos. Os
diversos planos da realidade humana, que não só são paralelos como se
entrecruzam e se determinam reciprocamente, reunem-se numa obra
histórica, que, na opinião do letrado Sebastian Franck, deverá dar a
conhecer os exemplos que a Sagrada Escritura ensinou e a história vive.17
Sebastian Franck pretende que os leitores, qualquer que seja o seu
interesse, encontrem nesta obra o que desejam saber. Assim, quem muito
quiser saber sobre o como, quando e qual a razão e origem de todas as
coisas, seja sobre o papado, o império, as ordens, as realezas, as moedas,
as artes e as idolatrias poderá questionar esta crónica e verá satisfeita a sua
curiosidade.18 Ao apresentarem a história desde os inícios da humanidade,
as crónicas dão a conhecer a história viva, a que vê e ouve a Deus desde
Adão até à vinda do anti-Cristo, fornecendo como num espelho os usos e
costumes, enfim, a polícia.19 Ao destacar as diferentes fases e vertentes do
percurso civilizacional, a crónica reflecte os princípios determinantes e
impulsionadores da história humana. A ciência histórica no seu carácter
didáctico de "mestre da vida",20 fornece os fundamentos da aprendizagem
cultural. Assim, "[...] é certo que ao cimo da terra não existe livro mais útil
do que as histórias, compreendidas como uma doutrina elevada de
recordações e exemplos magníficos", escreve M. Eusebius Menium no
prólogo da Chronica de Philip Melanchthon. Já o escritor e historiador
Políbio teria dito, continua, que a História seria a maior segurança de
todos os governos mundiais e a única mestra na aquisição da felicidade.21
17. "Daraumb beüt dise Chronick/ wie ich verhoff/ der Bibel gleich die hand vnd was die
Schrift gebüt/ leret oder verbeüt/ das lebt die historia vnd Chronik vnd stellt dises nit unartig
exempel für die augen". Sebastian Franck, Chronica Zeit=Buch..., Ulm, 1536, p. V.
18. "Wer vil erfahren will/ wie/ wan/ wa/ durch wen all ding sein vrsprung haben/ mess/
heiligen ehr/ bilder/ papst/ Keiserthumb/ alle örden/ herrschaft/ adel/ zoll/ zehendauffrür/
Truckerey/ müntz/ das geschütz/ alle Kunst/ Ketzerei/ aberglauben/ vnd alles damit die welt
vmbgeet/ die frag dise Chronik/ er wirdt doch etwas zufriden gestelt". Idem, prólogo.
19. "Wiltu denn haben ein Spiegel güter burgerlicher pollicey/ vnd ist dir nach mancherley
sitten/ Ordnungen/ regimenten/ vnd weltweißheit/ gach. So findstu hie geweret allerley
pollicey/ vnd regiment/ der Juden/ Heyden/ Christen/ Türcken auch jr glück/ beystand vnd
niderfall". Idem, prólogo.
20. Sebastian Franck, Weltbuch, p. ij.
21. "[...] ist gewiß das auff Erden kein nüßlichere Bücher seyn/ in welchen hoher Lehre
nötiger erinnerung/ vnd herrliche Exempel begriffen werden/ als Historien [...] Historien
wissen/ sey die aller gewisseste anleytung vnd zubereytung zu aller weltlicher Regierung/
vnnd sey der beste Schulmeister/ der allerley verenderung des glücks recht traget lehret".
Philip Melanchton, Newe volkommene Chronica, Franckfurt, 1569.
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Mas, se nas obras históricas se devem reunir cuidadosamente as fontes
documentais, à selecção, interpretação e crítica das mesmas não se deverá
dar menor atenção. Isto sem esquecer a escolha do tema a abordar. Com
efeito, a ciência histórica poder-se-ia dedicar, por exemplo, à história
pagã, caso pretendesse aprofundar as primeiras manifestações
historiográficas reveladoras de um sentimento de identidade ou
solidariedade entre os povos. Daí o interesse em estudar a genealogia
bíblica, partindo do exemplo de reis e representantes das primeiras
monarquias ou a continuidade histórica da igreja no intuito de pesquisar a
história da cristandade. Ao salientar a sua dinâmica moral ou didáctica,22
ao estudar as complexidades humanas e as consequentes transformações
no mundo - quantas vezes seriam a sorte ou o azar a influenciar o decorrer
dos acontecimentos do poder político ou ecleseástico,23 a historiografia
adquiria a qualidade de um espelho onde se poderiam reconhecer as
virtudes e os vícios.24 Além disso, esta ciência não deverá ser só uma
descrição dos acontecimentos, mas também uma descrição geográfica do
espaço territorial25 e social, quando, por exemplo, se visa formular a
história de uma instituição.26 Em suma, qualquer que seja o tema
escolhido, a narrativa histórica tem como propósito delinear a riqueza
cultural.27 Isto é: "Pois o que são as histórias mais do que a reunião de um
tesouro do passado, uma imagem ou um espelho das coisas futuras, um
esboço ou uma pintura da vida humana, uma prova das nossas acções,
uma iniciação e, ao mesmo tempo, um instrumento da nossa honra, um
documento do tempo, uma mensagem ou anunciação da história antiga
que nos anima a abraçar as virtudes e a evitar a depravação".28
22. Vide, entre outros, Johan Ludwig Gottfried, Historische Chronica oder Beschreibung der
fürnembsten Geschichten ..., Franckfurt, 1630-1634, 4 vols. Também aqui se encontra a
teoria das quatro monarquias imperiais.
23. Jacobi A. Tuani, Historische Beschreibung deren namhafftigsten/ geistlichen vnd
weltlichen Geschichten..., Frankfurt, 1621.
24. "[...] als in einem Spiegel ersehen und erkennen kan/ was in der Welt gutes oder böses
geschehen". Georg Horns, Erzehlung der Kirchengeschichte/ so von Anfang..., Schaffhausen,
1667.
25. Veja-se, Giovanni Botero, Allgemeine Weltbeschreibung, Munique, 1596.
26. Veja-se sobre a Companhia de Jesus, J. P. Maffei, Kurtze Verzeichniß und Historische
Beschreibung/ so von der Societet Iesu in Orient..., Ingolstadt, 1586.
27. Sobre as diferentes conotações do conceito 'história' na Idade Moderna, veja-se Joachim
Knape, Historie im Mittelalter und früher Neuzeit. Begriffs-und Gattungsgeschichtliche
Untersuchungen im interdisziplinären Kontext, Baden-Baden, 1984.
28. "Dann was seind die Historien anderst/ als ein versambleter Schaß der vergangnen/ ein
Ebenbild oder Spiegel der zukünftigen Ding/ ein Abriß oder Gemäld deß Menschliches
Lebens/ ein Prob unserer Thaten/ ein Anführung vnd gleichsamb ein Werckzeug unserer Ehr/
ein Zeuschafft der Zeit/ ein Bottschaft oder Verkündigung der alten Geschicht/ die uns zu
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EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
Na intenção de compreender a realidade humana, entendida num plano
universal, a historiografia coeva debruça-se sobre o estudo de outros
povos, outras culturas aceites como uma obra divina até agora desconhecida. O conhecimento de "exemplos" além-mar iria tornar-se uma meta e
uma prática das obras históricas dos séculos XVI e XVII.29 É o caso do já,
várias vezes, referenciado Weltbuch de Sebastian Franck, ou dos escritos
de Paulo Jóvio30 ou de Laurentius Surius,31 testemunhos inestimáveis do
desejo de narrar as histórias actuais e compilar os dados e documentos
contemporâneos - entre eles, os factos divulgados pelas viagens dos
Descobrimentos - numa busca da verdade histórica.
Se, de facto, não faltam temas de suma importância para a escrita
narrativa, convém inquirir, no entanto, como é que os autores recolhem o
seu material, qual o método utilizado na inventariação documental, bem
como na selecção de fontes. Uma observação atenta das obras
historiográficas publicadas na Alemanha ao longo do século XVI permitenos constatar que estas são, na sua maioria, uma compilação de escritos na
tradição das enciclopédias medievais; recorrendo a este processo, os
autores ver-se-iam à altura de abordar um vasto espectro de
acontecimentos relacionados com as empresas marítimas.32
Alusões a textos coevos ou referências nas listas de autores editados
revelam que as relações de viagens seriam, também para os historiadores,
a fonte por excelência.
Mas quais as razões que levam os autores alemães a recorrer à Literatura
de Viagens? Tal como já tivemos oportunidade de testemunhar em
annemmung der Tugenden vnd meidung der Lastern auffmuntern?". Aegidium Albertinus,
Allgemeine Historische Weltbeschreibung, Munique, 1611, prólogo.
29. Existem obras que apresentam, desde já, os principais acontecimentos históricos e factos
em tabelas cronológicas. É o caso de Matthaeo Dresser, Cronica, von Anfang der Welt/ biß
auffs Jahr..., Leipzig, 1596. Outras abordam só um determinado período, como por exemplo,
Chronica, oder Zeitregister vnd warhaffte Beschreibung/ Fürnemmster vnd
Gedenckwürdiger Sachen Händel/ So sich von dem 1600. Jahr an/ Nach Christi Geburt/ biß
auff das An. 28. Jahr hernach/ nit allein im H. Römischen Reich/ Sondern auch in gantzem
Europa, Asia, vnd África, begeben vnd zugetragen..., Augsburgo, 1628.
30. Wahrhafftige Beschreibung aller chronickwirdiger namhafftiger Historien vnd
Geschichten..., Franckfurt a/M., 1570. Jovio critica tão severamente a política económica
portuguesa, que Damião de Góis se sente impelido a dar-lhe uma resposta. Ver Amadeu
Torres, As cartas latinas de Damião de Góis, Paris, 1982, pp. 319-20.
31. Kurtze Chronik ober Beschreibung der vornembsten händeln vnd geschichten/ so sich
beide in Religions vnd weltlichen Sachen..., Colónia, 1568.
32. "Auß glaubwirdigsten Historien [...] nach historischer Wahrheit beschrieben" escreve C.
Egelnoff no título da sua crónica (1535). Também Herman Fabronus Mosemanus Newe
summarische Welt=historia, Schmalkalden, 1614, prólogo, p. 6, reconhece que compilou as
suas informações de vários autores.
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capítulos anteriores, estas obras constituíam uma importante recolha de
observações precisas e detalhadas sobre regiões e assuntos até então
desconhecidos, surgindo como uma preciosa ajuda no preenchimento das
manchas em branco dos mapas-mundi. Tendo em consideração que a
ciência histórica vive do relato vivencial, da Autopsia,33 a historiografia é,
também, um registo pessoal, um caso particular e ainda um testemunho
verídico. Sendo-lhes reconhecida grande veracidade, as relações de
viagens seriam, como qualquer outro registo documental, uma narrativa
histórica. Assim equiparadas também elas forneciam exemplos e factos
capazes de construir a história de uma região34 de um reino e do seu
povo,35 de uma batalha36 ou ainda o desenrolar de acontecimentos históricos, como a descoberta do caminho marítimo para a Índia.37
Elas são ainda para os historiadores dos séculos XVI e XVII pilares de
verdade histórica. Ao apresentarem dados constituintes e vitais da
formação do mundo, ao instruirem e informarem sobre partes do mundo
pouco conhecidas, estas obras assumem declaradamente um carácter de
"lectionem Historiarum".38 O teólogo Salomon Schweigger salienta que
teve este aspecto em consideração ao escrever a sua Ein newe
Reisebeschreibung..., pois está consciente de que as histórias com os seus
exemplos constituiem "um bonito espelho da vida humana".39
33. Esta imagem que já vem de Políbio salienta o imensurável valor da história vivencial. Cf.
Rüdiger Landfester, op. cit, pp. 102-108.
34. Giovanni Cavazzi, Historische Beschreibung der in dem untern Occidentalischen Mohrenland ligenden drei Königreichen Congo, Matamba und Angola..., Munique, 1684.
35. Francisco Álvares, Wahrhaftiger Bericht von den Landen/ auch geistlichen und
weltlichen Regiment des mechtigen Königs in Ethiopien, Eisleben, 1566.
36. Damião de Góis, Glaubhafftige Zeytung und Bericht des Krieges so zwischen dem Künig
auß Portugal/ und dem Türckischen Kaiser...verlauffen, Augsburgo, 1541.
37. Fernão Lopes de Castanheda, Wahrhafftige vnd vollkomene Historia/ von Erfindung
Calecut vnd anderer Königreichen/ landen vnd Inseln/ in Indien/ vnd dem indianischer Meer
gelegen..., S.L., 1565.
38. Não esquecer a vertente educacional salientada em quase todas as relações de viagens; os
autores viajam pelo esmero que dedicam à sua própria formação intelectual. Veja-se, neste
sentido, Ludovico di Vartema, Hodeporicon Indiae Orientalies..., Leipzig, 1610; no prólogo
desta edição, Hieronymus Megiser anuncia que muitos teriam, através das viagens, adquirido
"[...] mais experiência, ciência e sabedoria" [mehrere Erfahrenheit/ Wissenschaft vnd
Verstand dardurch zuerlangen"].
39. "Ein schönen Spiegel des Menschlichen Lebens/ welchen Spiegel auch alle Verstendige
Löbliche Regenten jeder Zeit vor Augen gehabt/ vnnd in allen vorfllenden wichtigen Händeln
denselben/ ald Regulám Lesbiam, in acht genommen/ sich darnach im Regiment/ gleich wie
die Schiffleut auff dem hohen Meer nach den Compaß richten/ inmassen dann der
vorgedachte Author [Tucidides] die nußbarkeit der Historien mit solchen Worten rühmbt [...]
Das ist/ die Historien dienen darzu/ daß ein jeder/ er sey im Regiment oder Privatstand/ nit
allein von allen vorfallenden wichtigen Sachen mit grund vnnd mit Verstand wiß zu reden/
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EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
Mas não só os próprios autores das relações estão cientes da importância
documental do seu apontamento. Como já tivemos oportunidade de frisar,
é por considerarem estas obras fontes vitais para o conhecimento da história do mundo, que os editores e homens de letras germânicos
empreendem um largo número de traduções. Entre os autores de obras
estrangeiras, onde se descrevem fabulosas viagens pelo mundo,
encontram-se, como podemos apreciar, holandeses, franceses, ingleses,
italianos, espanhóis e portugueses. Nos prólogos, a comprovar a sua
admiração, os editores reafirmam a imensurável importância da Literatura
de Viagens: estas obras, verdadeiras histórias, são as verídicas fontes do
momento presente; daí que se empenhem quer na tradução quer numa
cuidadosa leitura e análise40 destes escritos.
Embora se tratem de obras de vertentes e carácteres distintos - entre a
Literatura de Viagens encontramos textos de diferentes genéros e estilos desde o mero relato de viagem, ao diário de bordo, ao roteiro até à grande
compilação escrita pela pena de um historiador, o certo é que a todos é
dedicada a mesma atenção e cuidado. Se à partida se tratam de obras de
diferentes índoles e características, nascidas de diferentes motivos e
escritores, elas espelham indubitavelmente experiências diversas e criam
um amplo e vasto conteúdo informativo. Se um escritor expõe o seu relato
pessoal, apresentando o caso concreto e particular, interpretado e anotado
segundo a sua perspectiva de observador, outro, em contrapartida, visa
descrever o processo geral de que resultariam as viagens dos
Descobrimentos, conduzindo a sua pesquisa a um outro tipo de análise e
apontamento, a verdade é que ambos se propuseram narrar e apontar o
momento histórico presente, utilizando para tal os diferentes métodos à
disposição da ciência histórica. Tanto o relato vivencial como o
documento verídico constroem a realidade histórica, tornando-a
"monumento escrito". Esta sua função de memória de uma época da
humanidade, não passaria despercebida aos autores alemães, que assim
utilizavam as relações de viagens como verdadeiras e insubstituíveis
fontes de conhecimento.
Muitos dos escritores dos séculos XVI e XVII liam e compilavam a
Literatura de Viagens, ao mesmo tempo que descobriam e analisavam
wann er nemlich das jenig/ was ihm in der Histori löblichs fürkompt/ thut/ ins Werck richtet/
vnnd practicirt/ wie hinwider das jenig meidet/ was ihm vnnd andern zu Nachtheil vnd
Schaden gereichen möcht". Salomon Schweigger, Ein Reyß auß Teutschland nach
Constantinopel und Jerusalem, Nuremberga, 1608, prólogo, p. cij. (ed. Graz, 1964).
40. Sigmund Feyerabend, General Croniken, Frankfurt, 1576 é um típico exemplo do
veemente entusiasmo e profunda admiração dos literatos europeus frente aos dados
propagados pelos nautas ibéricos.
DIMENSÕES HISTÓRICAS
241
exaustivamente as obras dos autores clássicos. Quer se trate de uma edição
de um autor clássico, quer de um contemporâneo poderemos ler, nos
prológos, que é a sua importância documental, por um lado do momento
presente, por outro da Antiguidade ocidental, isto é, do passado europeu
ou da cultura germânica, que justificam a publicação da obra em questão.41 Se havia interesse em conhecer obras do passado,42 também urgia
saber o que se passava actualmente pelo mundo fora. Se muitas vezes é a
estonteante novidade que determina a edição das obras de viagens, a sua
importância e veracidade como documento não seria posta em causa.43 As
obras das viagens dos Descobrimentos consideradas verdadeiras histórias
seriam autênticas fontes documentais. O editor Johan Kruger ressalta, no
prólogo da edição de Fernão Guerreiro, e seguindo Cícero, o vasto
significado que se deveria atribuir às obras históricas dadas as suas
características de testemunho do tempo, luz da verdade, de memória e de
doutrina para a vida.44 De harmonia com o historiador romano, que cita,
Kruger define as verdadeiras narrativas históricas e opina que as
categorias assim declaradas estariam presentes na Literatura dos
Descobrimentos. Assim, a seu ver, a leitura das relações de viagens
contribuiria igualmente para um conhecimento do acontecido, do quando,
como e aonde. Isto é: estas obras poderiam ser o retrato do diálogo
civilizacional. Exige ainda que o estudo destas obras não fique pelo mero
conhecimento pontual e quantitativo das informações e acontecimentos.
Em contrapartida, dever-se-á realizar uma análise comparativa. A
observação e o conhecimento de diferentes modelos ontológicos e gnoseológicos provocaria uma saudável e inaudita reflexão, uma frutuosa
confrontação do Mesmo com a sua própria realidade. Mais uma vez se faz
41. Na edição e tradução de Heródoto da autoria por Hieronymum Boner (Augsburgo, 1535)
apontam-se os mesmos motivos editoriais referencidos para as relações de viagem: a história
como luz da verdade, uma lição a aprender e um espelho repleto de exemplos formativos. E
também assim se argumenta no prólogo de Fernão Mendes Pinto, Wunderliche und merkwürdige Reisen..., Amsterdão, 1671.
42. Veja-se, entre outros, Bernard Schöfferlin, Römische Historie vß Tito Livio gezogen,
Mainz, 1505 e Johann Herold, Heydenwelt vnd irer Götter anfänglicher vrsprung..., Basileia,
1559.
43. Cf. Ein Neuwe/ Kurße/ doch Warhafftige Beschreibung deß gar Großmächtigen
weitbegriffenen/ bißhero vnbekandten Königsreichs China..., Frankfurt/M., 1589, obra
publicada por Sigmund Feyerabend. Trata-se da versão alemã da relação de Juan Gonzalez de
Mendoza (Roma, 1585).
44. Fernão Guerreiro, Indianischer Newe Relation, Augsburgo, 1614, Dedicatio de Johan
Kruger.
242
EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
o cotejo com um "espelho",45 onde se poderiam reflectir as duas realidades
- a outra e a própria - simultâneamente.
Neste sentido, considera-se fundamental adquirir cada vez mais material
ilustrativo e representativo do encontro com a novidade além-mar. Só a
tradução destas histórias poderia reunir material informativo suficiente
para prosseguir o diálogo já iniciado. Muitos autores acham que estas
obras seriam tão importantes como a Sagrada Escritura, pois embora esta
tivesse a primazia na difusão da verdade, tal não impediria que os novos
registos históricos não dispusessem de um estatuto similar. Este era o caso
de obras como a do padre Fernão Guerreiro que, ao narrar os primeiros
passos dados pelos povos africanos e orientais no seu relacionamento com
o cristianismo, iniciaria a documentação para uma nova história.46
Seguindo as directrizes dos autores da Antiguidade Clássica, os homens
de letras germânicos empreendiam uma profunda e inquieta reflexão sobre
o homem e o mundo. Ambos os estádios de saber, a que a investigação
histórica denomina antigo e moderno, constituíam aquilo que os
humanistas alemães compreendiam como a suma de conhecimento. Só em
posse dos dois relatos lhes seria possível alcançar o verdadeiro saber sobre
a ordem das coisas. O estudo textual não seria um mero exercício
linguístico, mas, pelo contrário, um árduo trabalho analítico e
hermenêutico. Entre as iniciativas de debuxar a história da Alemanha ou
da Europa nascia a vontade de o fazer nos quadros de uma história
universal. Daí que as primeiras tentativas passem pela integração dos
novos conhecimentos na história alemã, como tivemos ensejo de constatar
na crónica publicada em 1535 ou nas cosmografias, obras estas em que se
pretende traçar seguramente a geografia histórica de cada país numa
perspectiva universal. Este também o propósito de Christoph Cellari que,
com a sua Kurße Fragen aus der Historia Vniversali von Anfang weltlicher Monarchien bis auf ietzige Zeiten ...,47 gostaria de dar aos seus
leitores uma orientação universal da história.
Estas diligências em agrupar as informações, quer do mundo antigo quer
da sua imagem actual, é a expressão ansiosa de alcançar a suma do
conhecimento. O facto de se tratarem de duas vias de saber bem diferentes
45. A imagem ou metáfora do "espelho", já muito usada pelos antigos, encontra-se assaz
divulgada nos escritos dos séculos XVI e XVII. Veja-se o já referenciado Erasmus Francisci
Neupoliter Geschicht-Kunst-und Sitten Spiegel, ou ainda Georg Philipp Harsdörffer,
Geschichtsspiegel. Vorweisend Hundert Denckwürdige Begebenheiten/ mit Seltenen Sinnbildern/ nutzlichen Lehren/ zierlichen Gleichnissen/ und Nachsinnigen Fragen aus der SittenLehre und der Naturverkündigung..., Nuremberga, 1654.
46. Fernão Guerreiro, Indianischer Newe Relation, Augsburgo, 1614, Dedicatio.
47. Jena, 1709.
DIMENSÕES HISTÓRICAS
243
com testemunhos díspares, não constitue, por enquanto, qualquer
preocupação. Pelo contrário, é necessário reunir tudo que já foi dito. Que
se irá formular um outro nível heurístico, ao introduzir as novas informações, não será corporalizado pelos autores; de momento trata-se de
reunir os dados do mundo, sem que haja transição dos princípios
prevalecentes. Em busca do discurso histórico europeu, revelam-se
diferentes conotações e planos da realidade humana e o entrecruzamento
das diferentes realidades e informações é, por enquanto, o mais aliciante e
produtivo.
Convém ainda sublinhar que os autores, que traduzem e publicam as obras
da Antiguidade Clássica, são muitas vezes os mesmos que encontramos
empenhados na divulgação das relações de viagens; a procura dos limites
do mundo e da humanidade desencadeia a busca instrutiva e científica.48
A tarefa de conhecer e escrever sobre a realidade recentemente descrita
inclui necessariamente uma análise da maneira de viver e ser nas
sociedades de além-mar. Nesta pesquisa interpretativa afere-se não só
como se organizam os povos até então desconhecidos, quais as suas
instituições e tradições, mas também se indaga o seu devir histórico;
intenta-se não só tomar conhecimento com outras sociedades e
populações, mas também esboçar uma reajustação das sociedades ultramarinas no tempo histórico conhecido. Quando e como se teria processado o
trajecto cultural e histórico destes povos até há pouco desconhecidos?
Será que se poderia falar de um único trajecto de etapas similares ou a
caminhada cultural não seria idêntica; quais então os factores
determinantes no evoluir de uma sociedade? Estas algumas das questões
centrais que preocupam os autores alemães.
Se o encontro com outros povos revelara a existência de outras formas de
viver e de agir, os eruditos germânicos consideravam necessário reflectir
sobre a exemplar variedade de casos testemunhados no sentido de
recontornar conceitos em vigor. A vontade de reescrever a história da
humanidade, desde há muito perscutida por estes intelectuais, acelerava o
vivo interesse pelo devir histórico de outros povos e seus diferentes casos
de motricidade histórica.49 Era o anseio de escrever uma história da
realidade humana que incutia ao conhecimento dos comportamentos e
48. Aqui deveremos mencionar o exemplo de Michael Herr. Este amante das letras não só
traduziu os escritos de Senéca (1535), mas também o relato de L. Varthema e a antologia
Novus Orbis de Simon Grynaeus. Nesta sua última obra cita autores como "Pitagoras, Demostenes e Cicero" - autores que, como afirma, lhe seriam conhecidos dos seus estudos
humanísticos -, ao mesmo tempo que exalta o significado glorioso dos descobrimentos.
49. Wilhem Vosskamp, Untersuchungen zur Zeit-und Geschichtsauffassung im 17.
Jahrhundert bei Gryphius und Lohenstein, Bona, 1967.
244
EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
usos e costumes não-europeus. Neste sentido, cabia precisamente à ciência
histórica investigar a realidade de além-mar, ou seja, indagar como é que
cada povo se adaptara ao meio físico, bem como quais as capacidades
desenvolvidas na sua transformação. O desejo de perscrutir as
manifestações concretas da polícia alastrava nos meandros culturais
europeus curiosos em saber em que medida as qualidades humanas eram
inatas ou adquiridas. Mais uma vez os exemplos históricos coevos,
capazes de contribuir para a criação de modelos basilares, constituíam
uma insubstituível prova documental. A história também aqui é o
"espelho" reflector da experiência humana; um espelho que poder-se-á
utilizar como ponto de referência, como medida de comparação para os
comportamentos individuais e pessoais ou como modelo para a vida
diária. A concepção didáctica da história, a renomeada "mestra da vida",
continuará presente e válida, numa constante e incessante função
pedagógica, ao salientar o bom e o mau, as qualidades e os vícios.50 A sua
influência não se ficaria por aqui, pois também na vida política, a história
poderia assumir assaz importância; o seu contributo seria, sem dúvida,
inegualável no traçar das potências geo-políticas mundiais.51
Já na obra de Sebastian Münster atestámos a preocupação de apresentar o
mundo na sua globalidade - também em termos da natureza (isto é
biológicos) - sem desprezar as diferentes facetas do meio geográfico, a fim
de visibilizar o ritmo particular de cada cultura, de cada povo ou
sociedade. Segundo uma grelha informativa perfeitamente idêntica, o
texto munsteriano apresenta as diferentes regiões do orbe terráqueo - entre
as questões afloradas encontrámos aspectos alusivos ao modo de viver em
cada uma destas regiões, os fenómenos naturais, sem esquecer de formular
algumas achegas sobre os usos e costumes dos habitantes. Sebastian
Münster traça um pertinente retrato das quatro partes da terra num esboço
de uníssonos acordos, entre a natureza e o homem, no evoluir das
50. Nas palavras de Erasmus Francisci, Neu-polirter Geschicht- Kunst und Sitten-Spiegel
ausländischer Völker, Nuremberga, 1670, prólogo, 1. Parte: "weil nun die meisten
Geschichte/ in der Welt/ durch die Sitten und Verhaltung der Menschen/ sich veranlassen:
hab ich in gegenwärtigen Spiegel der Sitten und Künste/ den allersten Theil/ und gleichsam
das vorderste Eck/ den Geschichten zugeordnet: eingedenck/ daß die Lesung fremder
Geschicht=Fügnissen/ den menschlichen Sitten/ nicht allein zur Besserung/ und Erbauung/
sondern uns auch offt zu einem solchen Spiegel diene/ daraus manche Volkern Weise und
Gebraüche gleichfalls etlicher massen zu erkennen sind. Wie denn die Geschicht=Schreiber
dieses sonderlich in acht zu nehmen pflegen/ daß sie die Gewohnheit der Völcker/ an
gelegener Stelle/ nicht unberührt lassen: voraus/ in den vollkommenen universal= oder
Particular= Historien einer gewissen Nation.", p. o.
51. Veja-se a argumentação metodológica das cosmografias, que seguem a concepção das
obras de Giovanni Botero. Veja-se cap. 3.1.
DIMENSÕES HISTÓRICAS
245
sociedades. A construção da paisagem natural e humana, o primoroso
objecto de análise que Münster intenta, rigorosamente, compreender. Com
efeito, este geógrafo-teólogo defende ao longo da sua obra uma teoria
naturalista e determinante da paisagem natural e cultural mundial.
É a latente curiosidade de humanista que o lança na árdua e espinhosa
tarefa de compilar uma obra desta envergadura. Na cosmografia Sebastian
Münster afirma que tentou não só "[...] reunir toda a imagem da Antiguidade Clássica, como se pode apreciar pelo menos em documentos, mas
também os costumes que os povos tinham outrora, quais os ritos, as
religiões, a ordem militar, estatal e doméstica, quais os princípios das
cidades, como é que cresceram, se desenvolveram, bem como decorreu a
ascensão e a queda das monarquias e reinos, quais as reviravoltas que se
efectuaram nos reinos" e continua "[...] não! com o mesmo empenho esta
nossa obra apresenta os acontecimentos recentes e refere-os sempre que
possível e tendo em atenção o pequeno tamanho da obra".52 E prossegue
inquirindo: "E porque não apresenta tudo isto numa só obra. A localização
do céu e da terra é a mesma; ficam os rios, os lagos, e as demais águas,
para muitas [regiões] ainda subsistem os antigos nomes, na generalidade
ocorreu uma grande modificação na vida humana e continua a verificar-se,
pelo que uma comparação com os tempos antigos revela um completo
novo século ao cimo da terra: as obras humanas revelam a sua mudança e
instabilidade. Na minha opinião não há qualquer relato mais útil e
desejável do que aquele que mostra como a antiguidade se pode alterar na
história da humanidade". Baseado na permanente instabilidade e constante
mudança das coisas, Münster considera poder "[...] julgar como é inseguro
tudo o que os homens admiram como eterno e permanente".53 Na sua
52. "In diesem unsern Werk bemühen wir uns nicht nur, das ganze Bild des Altertums, wie es
uns heute wenigstens aus den Denkmälern entgegentritt, darzustellen, welche Sitten einst die
Völker hatten, welche Ritten, welche Religionen, welche militärische, staatliche und
häusliche Ordnung, darzustellen, welche Anfänge die Städte genommen haben und wie sie
gewachsen sind, wie sie aussahen, wie die ersten Anfänge, Fortschritt, Aufgang und
Niedergang der Monarchien und Königreiche gewesen sind, welche Umwälzungen bei den
Völkern und in den Königreichen eingetreten sind; nein! mit dem gleichen Fleiß stellt dieses
unser Werck auch alle neueren Ereignisse dar oder erwähnt sie wenigstens irgendeiner
Weise, soweit es im Hinblick auf unser kurzgefaßtes Werk nötig war".
53. "Warum sollte man denn nicht alles in einem Band zusammenfassen? Die Lage des
Himmels und der Erde ist unveränderlich, es bleiben die Flüsse, Seen und sonstigen
Gewässer, bei vielen sind sogar die alten Namen bis heute unverdorben erhalten geblieben,
aber in den Gewohnheiten und im ganzen Leben des Menschen ist eine so große Wandlung
geschehen und geschieht fortwährend, daß heute bei einem Vergleich mit der alten Zeit ein
gänzlich neues Jahrhundert auf Erden sich zeigt: so veränderlich und unbeständig ist der
Menschen in allen seinen Wercken. Meiner Meinung nach ist also kein Bericht nützlicher
246
EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
opinião urge assim conhecer o passado e o presente na história de cada
povo ou região, pois só assim se poderá compreender o evoluir da
humanidade. Obras como a cosmografia deveriam, a seu ver, reunir todos
os elementos capazes de dar a conhecer a natureza humana na sua
permanente transformação.
"[...] com que religião, com que usos, formas de governos, com que leis e
instituições os povos da terra regeram a sua vida ou ainda hoje regem; que
produções tem este ou aquele país; qual o destino que levou uma cidade a
crescer, outra a retorceder; quão variável é a duração das coisas que, nos
últimos séculos, surgiram novos usos e costumes e mais coisas novas,
enquanto as antigas envelheceram; o que antigamente tinha valor,
desvalorizou-se; que vacilante mudança reside em todas as coisas
humanas cuja grandeza até se patenteia em governos de reinos ou países
pequenos".54 O interesse do famoso geógrafo é: conhecer a "a vacilante
mudança de todas as coisas humanas". E isso só seria possível com o
aturado e pertinaz apoio da ciência histórica; só esta o poderia informar
detalhada e concisamente sobre as manifestações e transformações da
marcha cultural.
Partindo do princípio de que para definir a marcha da humanidade se
deveria informar sobre o processo evolutivo em geral, Münster compila,
na sua obra, um valioso manancial documental; Antigos e Modernos, lado
a lado, descrevem os quatro continentes. Como era antigamente, e como é
no presente surgem numa mesma imagem representativa do verdadeiro
conhecimento,55 pois, no seu ver de humanista, só por esta via traditiva e
und erwünschter als jener, der zeigt, wie sich das Altertum in der menschlichen Geschichte
wandeln konnte. Aus dieser Unbeständigkeit der Dinge kann man auch beurteilen, wie
unsicher alles ist, was die Menschen auf Erden unter den Menschen als ewig und
immerwährend bewundern". Sebastian Münster a Sigismund August, König von Sarmatien
und Polen. Basel März 1550. In: Briefe Sebastian Münster, (Ed) H. Burmeister, Frankfurt/M.,
pp 169-171.
54. "[...] mit welcher Religion, welchen Sitten, welcher Herrschaftsform, welchen Gesetzen
und Einrichtungen andere Völker des Erdkreises ihr Leben geführt haben und heute noch
führen, an welchen Dingen dieses oder jenes Land ergiebig, durch welches Schicksal die eine
Stadt gewachsen, eine andere kleiner geworden, wie unbeständig der langlebig die Dauer der
Dinge ist, daß mit den neuen Jahrhunderten neue Sitten und immer wieder neue Dinge
gefallen, während die früheren veraltet sind, das was früher im Wert stand, wertlos wird,
welch schwankende Wandelbarkeit in allen menschlichen Dingen liegt, daß aber doch die
größte sich offenbart in den Regierungen der Königreiche und kleineren Länder". Sebastian
Münster a König Ferdinand von Deustchland, Ungarn, Böhmen, Dalmatien, Kroatien, Basel
Februar 1550. In: Briefe Sebastian Münster, (Ed) H. Burmeister, pp. 164-166.
55. Ambas as obras seriam consideradas fontes de conhecimento, pelo que as obras clássicas
podem ser "aperfeiçoadas" pelos novos conhecimentos; e o mesmo se poderá fazer viceversa. Sebastian Münster assim o entende como escreve numa carta a Ägidius Tschudi: "Os
DIMENSÕES HISTÓRICAS
247
compiladora, se poderá reconstruir "o verdadeiro decorrer dos acontecimentos históricos". Vejamos o que nos diz: "Reuni novo com antigo e
antigo com novo, a fim de ao antigo transmitir novos conceitos e ao novo
reputação, ao usado esplendor, à escuridão luz, ao desprezado graça, ao
duvidoso, se possível, certeza".56 Nesta compilação, Sebastian Münster
encontra a forma ideal para caracterizar o mundo nas suas diversas etapas
de crescimento.
No seguimento de Sebastian Münster, muitos outros autores do século
XVI iriam indagar sobre os factores determinantes e orientadores no
desenvolvimento das particularidades naturais e humanas, recolhendo
tanto material clássico como actual, a fim de debuxar uma suma da
história universal. As obras históricas dos séculos XVI e XVII não
ficariam, como vimos, indiferentes ao vasto e largo debate sobre os
acontecimentos coevos. Os autores alemães procurariam, assim, a par e
passo integrar os novos dados relativos às empresas marítimas, conferindo-lhes um lugar representativo e significativo nas suas obras, símbolo
da importância que lhes dispensavam. Quer o seu objectivo fosse escrever
história nacional quer mundial, os autores alemães iriam integrar estas
informações no seu horizonte cultural. Atribuindo-lhes o estatuto de fontes
documentais, estas obras fariam parte integrante do monumento escrito,
pois para escrever sobre estes novos factos urgia ter à mão fontes capazes
de fornecer material documental, como as relações de viagens. A história
vivida, depois de audazmente anotada, instituiria a realidade histórica e
dos seus múltiplos cruzamentos nasceria: a história da humanidade.
3.4.2 A História de África
Um século mais tarde é este o mesmo propósito que leva o médico
holandês Olfert Dapper a escrever as suas obras. A Umbständliche und
frutos da minha pesquisa (sobre Hegau, as fontes do Danúbio e parte da Floresta Negra)
compilá-los-ei na edição de Solino, junto com alguns pequenos mapas da Inglaterra, da Suíça,
da Grécia, da Itália, etc." [Die Ergebnisse meiner Forschung (sobre Hegau, Donauquellen und
Teil Schwarzwaldes) werde ich in der Ausgabe des Solin anfügen, zusammen mit anderen
kleinen Karten, so von England, der Schweiz, Griechenland, Italien usw]. E acrescenta:
"Desta forma o autor tornar-se-á mais compreensível" [Auf diese Weise wird dieser Autor
verständlicher werden]. In: Briefe Sebastian Münster, (Ed) H. Burmeister, op. cit., p. 29.
56. "Neues habe ich mit Altem verbunden und Altes mit Neuem, um so dem Alten neuen
Wert, dem Neuen Ansehen, dem Abgenutzten Glanz, dem dunklen Licht, dem Verschmähten
Anmut, dem Zweifelhaften, soweit es möglich war, Gewißheit zu verleihen". Sebastian Münster a Herrn Gustav, König der Schweden, Goten und Wandalen, Basel Januar 1550. In:
Briefe Sebastian Münster, (Ed) H. Burmeister, op. cit., p. 159.
248
EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
Eigentliche Beschreibung von Africa57 é assim a apresentação e descrição
deste continente nas suas particularidades geográficas e humanas.
Preparada como uma compilação de material, esta obra reune as fontes
dos autores da Antiguidade Clássica ao lado dos autores contemporanêos.
O legado cultural de Plínio, Ptolomeu, Pompónio Mela continua válido,
pois foram eles que ditaram os princípios das ciências e, no que respeita
ao continente africano, foram eles que transmitiram as primeiras notas
informativas sobre a sua natureza, sobre as suas gentes, bem como sobre a
sua história. Atribuindo-lhes um lugar privilegiado na descrição deste
continente, Dapper anseia, contudo, não desprezar qualquer momento
histórico.
Tal como informa no prólogo, foi sua intenção elaborar "[...] uma
descrição geral e perfeita".58 Tendo em conta as muitas relações de
viagens dos holandeses, bem como as de portugueses, espanhóis,
franceses ou ingleses, Dapper verifica que, até ao momento, ninguém teria
empreendido uma descrição global deste continente. A inexistência de
uma monografia leva-o, por conseguinte, a lançar-se nessa ardilosa
empresa; seguindo, como diz, o material em línguas estrangeiras, o
excelente manualista pretende seguir as passadas desses autores e recolher
o que, nesses escritos, se relata sobre África, compilando uma prestimosa
colectânea que viria então à luz da imprensa.59
Dapper recolherá, sem cansaço, material sobre cada uma das regiões
africanas. Já no prólogo destaca alguns dos autores que mais utilizou para
a sua descrição do Egipto, Barbaria, Terra dos Negros e Terra dos Mouros
- para usar a sua nomenclatura. No entanto, muitas são as obras ou os
textos que referencia, não sendo sempre fácil localizar qual a fonte a que
57. Edição holandesa Amsterdão, 1688, 1 ed. alemã Amsterdão, 1670, seguindo-se 1670-71
em Nuremberga. A tradução alemã é da autoria do escritor Philipp von Zesen. Veja-se
Herbert Blueme, Eine unbekannt gebliebene Übersetzungsarbeit Zesens. In: Ferdinand Van
Ingen (Ed.), Philipp von Zesen 1619-1969. Beiträge zu seinem Leben und Werck, Wiesbaden,
1972, pp. 182-192.
58. "[...] eine algemeine vnd volkommene Beschreibung". O. Dapper elabora igualmente uma
obra sobre Ásia: Gedenkwürdige Verichtung der niederländischen Ost-Indischen
Gesellschaft in dem Kaiserreich Taising oder Sina ..., Amsterdão, 1674.
59. "[...] in erwegung/ daß fremde Sprachen der unsrigen in diesem fal weit worgehen/ auf
dero Fußstafen zu treten/ und das jenige/ was hin und wieder von Afrika/ bey den Authoribus
zu finden/ oder was ich aus geschriebenen/ vnd noch nicht in Druck gekommenen
Verzeichnungen zusammen getragen/ vnserer Nation zum besten an der Tag gegeben". Olfert
Dapper, Umbständliche und Eigentliche Beschreibung von Africa..., Amsterdão, 1671,
prólogo, p. iij.
DIMENSÕES HISTÓRICAS
249
recorreu.60 Olfert Dapper, na tradição das descrições do mundo, apresenta
as regiões africanas segundo um preciso e rigoroso questionário que,
previamente estipulado, lhe permitirá descrever a natureza e os habitantes
de África. O retrato visa definir a paisagem natural, as cidades, a fauna e a
flora, bem como as gentes e os seus usos e costumes. Aqui Dapper
descreve as manifestações humanas, desde o vestuário, as casas, a língua,
ao comércio, passando pelas cerimónias matrimoniais até aos ritos
fúnebres. África, assim descrita na sua paisagem natural e humana,
adquire um perfil mais completo e detalhado; e sem que tivesse tido
oportunidade de ver África com os seus próprios olhos, Dapper faria da
sua obra uma importante fonte de referência. Para isso teve uma grande
influência o facto de ter uma concepção científica similar a qualquer outro
erudita, cronista ou historiador: numa intensiva recolha de factos sabe-os
reunir e agrupar consoante a sua importância e relevância. A estrutura
narrativa adquire a sua veracidade na autencidade das fontes.
Verdadeiramente empenhado no objecto da sua pesquisa, Dapper não se
limita a dar uma informação geral, muito, pelo contrário, ele formula um
acurado e zeloso retrato de cada área regional. Além disso, Dapper não se
deixa influenciar pela especificidade de cada caso pelo que não tece
qualquer comentário pessoal. De facto, o seu retrato não apresenta
qualquer vestígios de fascínio ou exotismo. Na sua função de
historiador,61 Dapper esconde-se atrás das fontes e mostra-se imparcial.
Tecendo muito raramente uma interferência, o autor evita expressar uma
opinião ou utilizar conceitos que espelhem a sua posição de homem europeu.62 Em suma, como historiador que se preza ser, empreende um certo
distanciamento do objecto em análise; também ele poderia fazer suas as
palavras do cronista português Fernão Lopes, quando diz que lhe interessa
mais a verdade nua e a certidão das histórias do que a formosura e a
novidade das palavras ou acontecimentos.
60. Dapper teve ainda certamente a possibilidade de utilizar manuscritos existentes nos
arquivos holandeses. Sobre algumas das fontes utilizadas por O. Dapper ao longo da sua
obra, veja-se Adam Jones, Olfert Dapper et sa description de l' Afrique. In: Objectis Interdits.
(Ed.) Fondation Dapper, Paris, 1989, pp. 72-81, do mesmo, Decompiling Dapper, in: History
in Africa, Nr. 17 (1990), pp. 171-209.
61. A sua competência como historiador advir-lhe-ia de trabalhos como a tradução para o
holandês das obras de Heródoto e de Homero.
62. Adam Jones chama a atenção para o facto de Dapper ser um dos primeiros autores a ter
em consideração nas suas obras à visão histórica dos povos africanos. Veja-se Adam Jones,
Olfert Dapper et sa description de l' Afrique. In: Objects Interdits. (Ed.) Fondation Dapper,
Paris, 1989, pp 79-80.
250
EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
Dedicando-se, durante três anos, ao estudo das fontes, Dapper não iria
coleccionar por coleccionar. Ao seu projecto de escrever uma monografia
para cada um dos quatro continentes, o diligente historiador anseava
definir qual o lugar destinado a cada um deles na construção do mundo.
Num estudo esmerado e rigoroso, Dapper ordenava os eventos clara e
concisamente para escrever um retrato o mais autêntico possível; e assim,
com a ajuda da documentação vigente, fazia história.
Ao longo da segunda década do século XVII viriam ainda a lume mais
algumas pesquisas históricas, cujo objecto de estudo era o continente
africano. Inseridas no amplo desejo de escrever história universal, estas
obras visavam chamar a atenção para a terceira parte do mundo. E é
principalmente sobre a Etiópia, país que desde há muito ocupa um lugar
relevante nos meios culturais europeus, que se edita maior número de
estudos.
Assim, em 1628 formula-se uma primeira resenha de uma história da
Etiópia. No seu trabalho Methodus doctrinae civilis seu abissini,63 R. P.
Adamo Contzen esboça um quadro da realidade histórica etíope até ao
momento da publicação; e, em 1634, M. Crusius apresentaria uma nova
proposta com a sua obra Aethiopicae Heliodori Historiae Epitome.64
O maior contributo para a história deste país prestaria, todavia, Hiob
Ludolf, autor que, desde há uns anos investigava sobre o reino da
Etiópia,65 dando ao prelo, no ano de 1681, a sua Historia Aethiopia.66 Esta
obra, inicialmente em latim, viria a lume um ano mais tarde, em inglês e,
posteriormente, em francês e holandês.67 Dez anos mais tarde Hiob Ludolf
acrescentar-lhe-ia os Commentarius ad suam Historiam Aethiopicam.68
63. R. P. Adamo Contzen, Methodus doctrinae civilis seu Abissini regis historia, Colónia,
1628.
64. M. Crusius, Aethiopicae Heliodori Historiae Epitome, Frankfurt, 1634. É ainda de
referenciar a obra de Dieterius Lüders, De historia imperii Abissini quod subpresbytero
Johanne-Germanice Prister Joahann, Wittenberga, 1672.
65. Sobre Hiob Ludolf seria já publicada em 1710 uma Vita Jobi Ludolfi da autoria de
Christian Juncker. Veja-se ainda Johann Heinrich Zedler, Grosses Vollständiges UniversalLexicon, 1738, vol. 18, pp. 991-995.
66. Hiob Ludolf, Historia Aetiopica, Frankfurt, 1681.
67. A edição inglesa corresponde precisamente ao texto da edição latina, embora numa versão
mais resumida, pelo que não aparecem as citações em língua etíope e as notas de rodapé. A
versão latina é, pois, de maior erudição, na medida em que apresenta correctamente as
referências bibliográficas e as necessárias informações para a contextualização dos assuntos.
A edição francesa viria a lume em 1684 e a holandesa, em 1687.
68. Hiob Ludolf, Commentarium ad suam Historiam Aethiopicam, Frankfurt, 1691.
DIMENSÕES HISTÓRICAS
251
Hiob Ludolf, o iniciador dos estudos etíopes,69 realizou um importante
trabalho na recolha e sistematização dos conhecimentos então existentes
sobre este país; dedicando-se a um estudo atento e cuidado das fontes
escritas - entre elas, os textos de portugueses -, Ludolf empenhar-se-ia
ainda num assíduo e estreito relacionamento com etíopes seus
contemporâneos.
Terminado o curso de direito, Hiob Ludolf empreenderia algumas viagens
que lhe avivariam o seu gosto pelas línguas orientais.70 Durante os estudos
tivera já oportunidade de se dedicar ao hebraico, caldeu, samaritano, sírio,
árabe e arménio,71 pelo que e, no que se refere ao dialectos semíticos, só
lhe faltava o etiópe, que iria iniciar através de obras como os salmos da
autoria de Johannes Potken.72 Numa das primeiras viagens deslocar-se-ia a
Leiden, a fim de cuidar de aprofundar as línguas semíticas.73 Mais tarde e,
depois de viajar pela Inglaterra e Suécia, seria convidado, em Paris, para
preceptor do filho do diplomata sueco, Barão von Rosenhahn; este fazerlhe-ia ainda um pedido: o de reunir toda a documentação possível sobre o
bispo de Upsala, Johannes Magnus - nome que nos é familiar dados os
intensivos contactos que estabeleceu com o humanista Damião de Góis,
que a seu pedido viria a escrever sobre a religião na Etiópia. O facto de
grande parte do material se encontrar em Roma,74 leva a que Hiob Ludolf
69. Veja-se Eike Haberland, Hiob Ludolf. Father of Ehiopian Studies in Europa. In:
Proceedings of the Third International Conference of Ethiopian Studies. Addis Ababa 1969,
I, pp. 131- 136; Ernst Hammerschmidt, A brief History of Germany Contributions to the
Study of Ethiopia. In: Journal of Ethiopian Studies 1963, I, pp. 30-48; Richard Pankhurst,
Einleitung de Job Ludolphus, A New History of Ethiopia, s. L., 1982.
70. J. Flemming, Hiob Ludolf. Ein Beitrag zur Geschichte der orientalischen Philologie. In:
Beiträge zur Assyriologie und vergleichenden semitischen Sprachwissenschaft, Leipzig, 1890
vol. I, pp. 537-582; 1894, vol. II, pp. 63-110.
71. Hiob Ludolf dominava mais de vinte línguas, entre elas, grego, francês, italiano,
espanhol, holandês, português, hotentote, etíope, hebreu, caldaico, sírio e árabe.
72. Nos inícios do século XVI, Johannes Potken, oriundo de Colónia, interessar-se-ia pela
língua etíope, que aprendera em Roma com ecleseásticos da nacionalidade. Em 1513 viria a
publicar em etíope, nesta cidade, os salmos de David e Salomão, que mais tarde, em 1518,
viriam a ser reeditados em Colónia. Veja-se entre outros Richard Pankhurst, Peter Heyling,
Abba Gregorius and the Foundation of Ethiopian Studies in Germany. In: Äthiopien.
Zeitschrift für Kulturaustausch (Sonderausgabe 1973), pp. 144-46.
73. Para este seu estudo do etíope, ser-lhe-ia de grande utilidade o espólio de Joseph Justus
Scaliger, bem como o dicionário do carmelita de Antuérpia Jacob Wemmers publicado em
Roma no ano de 1638. Sobre o significado de Joseph Justus Scaliger no discurso linguístico,
veja-se Gerhard F. Strasser, Lingua Universalis. Kryptologie und Theorie der Universalsprachen im 16. und 17. Jahrhundert, Wiesbaden, 1988, pp. 80-81.
74. Johannes Magnus, que debatera detalhada e pormenorizadamente com Damião Góis a
religião etíope, entusiasmaria o cronista português a publicar uma obra sobre a Etiópia. Vejase cap. 1.1.
252
EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
para aí se dirija no ano de 1649. Nesta cidade italiana viria a encontrar o
abíssinio Abba Gregorius,75 que aqui residia, com um português de nome
António de Andrade e mais dois etíopes, no Collegium Aethiopicum,
instituição que fora criada para acolher padres e monges etíopes que,
convertidos ao cristianismo, se deslocavam a Roma em peregrinação.
Informando-o do seu interesse pela língua etíope, Hiob Ludolf expressa o
desejo de conversar com ele. Assim, passam a encontrar-se todos os dias;
se ao princípio o português nascido na Abíssinia, António de Andrade,
serviria de tradutor, uma vez que Gregorius não sabia nem latim nem italiano,76 pouco a pouco passariam a falar em etíope - também de certo
modo uma novidade para Gregorius, uma vez que ele só utilizava esta
língua para escrever, sendo a sua língua oral o amárico, idioma falado em
alguns lugares da Abissínia. Entre Gregorius, que na sua terra natal se
aliara aos jesuítas, o que o obrigaria a ter de deixar o seu país, e o amigo
da Etiópia, viriam a crescer fortes laços de amizade, tendo Ludolf
convidado Gregorius a visitar a Alemanha. De facto, no ano de 1652,
contando com o apoio do duque Ernst da Saxónia, Gregorius seria
recebido no Palácio Friedenstein, em Gotha. Na sua primeira audiência, a
10 Junho de 1652, o duque salientou a assaz satisfação em conhecer um
representante cristão de um país tão longínquo e declara estar muito
interessado e curioso em saber de viva voz qual a situação do reino do
Preste João, bem como qual o papel do cristianismo no seu país natal. O
duque tinha incubido Ludolf de preparar uma antologia de textos relativos
à Etiópia - entre eles, sabemos encontrarem-se extractos da obra de
Francisco Álvares e Damião de Góis -, textos estes que deveriam lançar os
fundamentos para uma amigável e cordial conversa entre os letrados. A
estada de Greogorius em Gotha contribuiria significativamente para a
investigação e reflexão de Ludolf que acrescido de enormes
conhecimentos, quer linguísticos, quer sobre a cultura e a história etíopes,
viria a publicar a Historia Aethiopia e os Commentarius, obras em que
constatamos amiudamente a enorme ressonância das conversas tidas com
Gregorius.
No seguimento das obras de Francisco Álvares, Pero Pais, Balthasar
Teles77 e Manuel de Almeida, Hiob Ludolf propõe-se inquirir sobre o
75. Veja-se Richard Pankhurst, Gregorius and Ludolf. In: Ethiopia Observer 1969, XII, pp.
287-290.
76. Hiob Ludolf, Comentarius, op. cit., p. 30.
77. Hiob Ludolf tece, no prólogo da Historia Aethiopica, um caloroso e vigoroso elogio à
obra de Balthasar Teles. Embora não tenha sido traduzido para o alemão, o livro de Teles será
frequentemente citado por autores germânicos.
DIMENSÕES HISTÓRICAS
253
papel do povo etíope na marcha cultural, bem como sobre as
condicionantes impulsionadoras no crescimento de um povo que pretenda
atingir a civilização.
Hiob Ludolf apresenta, ao longo de quatro livros, a história natural,
política, ecleseástica e cultural do povo etíope. Assim, fala da natureza, da
população, das instituições, da economia, do ensino, da história e, por fim,
das questões religiosas, onde refere entusiasticamente o papel dos Jesuítas
na missionação deste país - estes alguns dos temas em torno dos quais
Ludolf descreve o reino etíope, ao longo dos tempos, no seu espaço
geográfico e nas suas formas de organização e de polícia.
A velha tradição histórica do reino da Etiópia é então salientada como
uma pedra basilar na formação deste país. Ao descrever, por exemplo, a
cidade real de Axuma, Ludolf frisa terminantemente tratar-se de uma
cidade muito antiga repleta de gloriosos obeliscos e vestígios de monumentos grandiosos, magníficos símbolos da antiguidade e tradição etíopes.
Este relato, que nos faz lembrar as descrições de Alexandria e Cairo, onde
de igual modo se buscam continuamente os monumentais vestígios de um
passado grandioso, testemunho dos primeiros anos da humanidade, visa
realçar que também a Etiópia, tal como o Egipto, constituie um marco
exemplar na história do continente africano, senão mesmo de toda a
humanidade, dado que aí o género humano dera os seus primeiros passos.
Hiob Ludolf viria ainda a publicar mais duas obras os Appendix ad Historiam Aethiopicam e a Relation Nova de Moderno Habessiniae Statu,78
ambas elaboradas, tal como os próprios títulos indicam, como acrescento
de informações sobre a história etíope. As publicações de Hiob Ludolf
ilustram sobremaneira o grande interesse suscitado pelo reino etíope, interesse este que, na opinião de Ludolf, se centrava nas extraordinárias
particularidades deste país africano. Isto é: a Etiópia para além de um
reino poderoso de antigas tradições e longa história possuia ainda a admirável característica de ser cristão. Estes atributos faziam, a seu ver,
deste país um dos mais civilizados do continente africano. Um dos
momentos decisivos no processo histórico etíope fora, na sua opinião, o
período, em que a Etiópia estabelecera contactos com Portugal e com os
cristãos ocidentais; esta uma época áurea e de enorme significado no
percurso da civilização etíope, dado que a Etiópia tivera a oportunidade de
muito aprender e se desenvolver. Este caminho, que lhe fora aberto pelo
cristianismo não era, todavia, uma exclusividade sua, pelo contrário,
78. Hiob Ludolf, Appendix ad Historiam Aethiopicam, Frankfurt, 1693; Hiob Ludolf, Relatio
Nova de Moderno Habessiniae Statu, Frankfurt, 1694.
254
EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES
estava nas mãos de qualquer povo da costa oriental partilhar deste
processo cultural e à Etiópia cabia auxiliar nesse acto de iniciação.
Intensificando a aprendizagem das artes e ofícios, do comércio e das
formas de vida em geral, a Etiópia alcançara a possibilidade de se libertar
de uma existência pobre e de se afastar da barbárie. Hiob Ludof salienta
entusiasticamente o papel de aprendiz e destaca a útil lição que tanto
ajudara os etíopes a tornarem-se o povo mais engenhoso de África.
Também ele partilha a opinião de que não existiria nenhum povo que, por
mais selvagem que fosse, não pudesse tornar-se civilizado.
Este depoimento enuncia conceptualmente a civilização como um
processo de aprendizagem, em que os europeus, dada a sua situação mais
avançada, forneceriam o modelo formativo. Ludolf acredita nas
possibilidades e meios que os europeus têm ao seu dispor para auxiliar os
africanos no seu desenvolvimento económico e cultural.
Ao reunir o corpus documental, Hiob Ludof procura classificá-lo e
integrá-lo no processo histórico conhecido, tarefa esta a que as suas
perspectivas de europeu não deixaram de influenciar a ordem finalmente
estabelecida. É, sem dúvida, o exemplo de um europeu empenhado em
escrever a história de um povo que vê a caminho da civilização.
Os historiadores viam nesta África Nova, fragmento inseparável do novo
mundo descoberto, um campo temático original e de enorme significado,
cuja reflexão criava indubitavelmente um repensar quase obrigatório dos
deveres e objectivos da ciência histórica. A história de África seria assim
narrada pelos cientistas dos séculos XVI e XVII segundo duas
perspectivas, de certo modo, complementares. Por um lado, ao participar
na abertura do mundo ultramarino, a África participa da explosão e do
alargamento do novo mundo, oferecendo uma crassa multiplicidade tanto
de dados naturais como culturais. Daí a razão porque seja alvo - assim
como outras regiões do globo - de um interesse especial, como podemos
constatar na extraordinária monografia de Dapper. Por outro lado, África é
uma prestimosa parcela informativa no debate sobre o devir civilizacional,
bem como na discussão em torno das possibilidades da humanidade em
geral. Nesta análise as áreas africanas constituem fundamentais e ímpares
objectos de investigação, pois, não obstante gozem de uma familiaridade
com a tradição ocidental, estas regiões desenvolveram-se em destacada
diferença face às origens. Etiópia é, por assim dizer, o caso modelo, uma
vez que as suas capacidades de desenvolvimento tanto se verificaram no
passado como se auspiciam para o futuro. A ciência histórica, encarada
como história universal, descobrira subitamente novas matérias.