ética empresarial
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EXCELÊNCIA EM gestão Ano II | nº 03 | Outubro | 2010 ÉTICA EMPRESARIAL Excelência em gestão: estratégia para responder aos desafios globais ÍNDICE 05 Faça parte. Filie-se à FNQ www.fnq.org.br folie comunicação Conheça o Programa de Excelência em Gestão (PEG) A busca da excelência por uma organização é o que constrói seu verdadeiro valor. Ética: da teoria à prática 07 14 O PEG oferece uma visão sistêmica da sua empresa e traz resultados para promover a melhoria da gestão. O processo pode ser aplicado em uma organização, em um grupo setorial ou uma cadeia de valor. Editorial 42 Entrevista De olhos bem abertos Eduardo Giannetti 42 Comitê Ética em alta Comitê Temático de Ética Empresarial da FNQ Contexto Não à corrupção Movimentos pela ética nas relações comerciais 28 Pesquisa Um retrato das grandes, micro e pequenas Um raio X da ética no setor empresarial 57 Entrevista Histórias para o aprendizado Leigh Hafrey Seminário Dimensões da Ética Empresarial 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência 23 expediente EDITORIAL Excelência em Gestão Publicação anual da Fundação Nacional da Qualidade Ano II - Número 3 Outubro de 2010 Coordenação Geral Ricardo Corrêa Martins Diretoria-executiva Coordenação Editorial Mariana Assis e Caterine Berganton Produção Folie Comunicação Editora Marisa Meliani - MTb 20453 Colaboração Mirian Meliani Nunes Redação Antonio Graça e Marisa Meliani Direção de Arte e Foto/capa PaulaLyn de Carvalho Assistente de Arte Ricardo Veneziani Impressão Stilgraf Tiragem: 5 mil exemplares Nossa capa: A asa da libélula lembra transparência e rede, ou seja, a maneira que deve ser disseminada a cultura da ética. Em seu significado simbólico, a libélula anuncia boas novas, delicadeza e boa sorte. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 4 © 2010 - FNQ. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial dos conteúdos desta publicação sem prévia autorização da FNQ. www.fnq.org.br ética: da teoria à prática Nesta terceira edição da revista Excelência em Gestão, apresentamos um novo projeto gráfico, em um formato maior e mais alinhado às outras publicações da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). Após dois números experimentais, acreditamos ter alcançado uma linguagem moderna e um conteúdo consistente, com informações aprofundadas sobre temas relevantes à causa da excelência em gestão. Neste número, abordamos as Dimensões da Ética Empresarial, tema central do 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência, realizado em junho de 2010 pela FNQ, com programação e escopo desenvolvidos com o apoio de nosso Comitê de Ética Empresarial. Os trabalhos deste Comitê, que visam ao compartilhamento de conceitos, princípios e melhores práticas de ética nas empresas, compõem o corpo da revista. A partir de duas importantes pesquisas realizadas sob a orientação do Comitê, traçamos um retrato da conduta ética adotada pelas organizações em nosso País. Na primeira, o Ibope ouviu pessoalmente a opinião de executivos e empresários de 25 grandes corporações, escolhidas entre as Maiores e Melhores da revista Exame. Na segunda, o SENAC/RS enviou um questionário online para 15 mil Micro e Pequenas Empresas (MPEs) de todo o Brasil, obtendo uma amostra com 989 respostas. Os dados obtidos demonstram um vigoroso patamar de evolução na aplicação de códigos de conduta e programas de compliance, bem como no desenvolvimento da cultura da ética no ambiente corporativo das grandes empresas. Nas MPEs, por sua vez, detectou-se o reconhecimento da importância da ética na condução dos negócios: elas consideram que a prática traz resultados tangíveis para o negócio e buscam formas simples de implantação, compatíveis com a dimensão de suas organizações. Um panorama geral do 18º Seminário Internacional realizado pela FNQ e alguns dos casos das organizações participantes, além de entrevistas esclarecedoras com os professores Eduardo Giannetti, do Insper, e Leigh Hafrey, do MIT Sloan, complementam o conteúdo desta edição. De um lado, as apresentações dos representantes das empresas sobre suas práticas de gestão e, de outro, as análises de nossos entrevistados jogam luz ao tema da ética empresarial e contribuem para tornar esta revista uma valiosa fonte de pesquisa e conhecimento. Esperamos que esta abordagem sobre as Dimensões da Ética Empresarial contribua para aprofundar o entendimento de que sem ética nos negócios não é possível a busca da Excelência em Gestão, levando mais organizações e pessoas a refletirem sobre as práticas que devem prevalecer no mercado brasileiro e global. Estamos certos de que esse é o caminho para alcançar o grau de desenvolvimento e competitividade desejado por todos nós. patrocínio Boa leitura! Este material foi impresso com papel oriundo de floresta certificada e outras fontes controladas, o que demonstra preocupação e responsabilidade com o meio ambiente. Ricardo Corrêa Martins Diretor-executivo da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) ENTREVISTA DE OLHOS BEM ABERTOS cinoby/ istockphoto “Os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo seus instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos.” Aristóteles, em “Ética a Nicômaco” EXCELÊNCIA EM GESTÃO 6 A introdução de uma cultura ética nas organizações no Brasil avançou no discurso e na percepção, mas ainda há muito a conquistar na prática e no comportamento. Para que isso aconteça, é preciso acertar o foco de nossa visão. Miopia ou hipermetropia são metáforas usadas por Eduardo Giannetti da Fonseca, economista, filósofo e professor do Insper São Paulo, para exemplificar distorções comuns que colocam em risco os parâmetros éticos dentro de uma empresa ou em nossas escolhas individuais. Veja como isso faz muito sentido nesta entrevista concedida pelo estudioso, que foi um dos palestrantes do 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência - As Dimensões da Ética Empresarial, realizado pela FNQ. A ética por Eduardo Giannetti da Fonseca ENTREVISTA Excelência em Gestão – O que diferencia os conceitos de moral e ética? EG - O que determina esse juízo reflexivo sobre o acordo moral? EG – Muitos afirmam que a ética nasce como convicção no campo individual para depois refletir na sociedade. O que é ética pessoal? Eduardo Giannetti – Normalmente, esses dois termos são usados de forma quase equivalente, mas é preciso demarcar as diferenças entre eles. A palavra moral deriva do termo latino mores e tem o significado de costume. A moral é a percepção de um determinado agrupamento humano sobre o que é certo ou errado, proibido ou permitido, obrigatório ou facultativo. É construída por todas as sociedades humanas, mas com variações, às vezes, significativas. Em diferentes épocas e culturas, observamos acordos morais de conteúdo muito diferenciado, embora existam algumas interdições que parecem universais como, por exemplo, o tabu do incesto ou o canibalismo. Já a ética introduz um elemento crítico, um juízo reflexivo sobre o acordo moral da sociedade. Ela submete aquilo que é aceito como prática humana a algum tipo de crivo, avaliando se é o caso, ou não, de manter essa regra. Então, a ética introduz um elemento de distanciamento e de reflexão crítica sobre o acordo moral em vigor. Demanda um tipo de justificação racional, uma consistência para que aquilo que é comumente aceito, mereça de fato aceitação. A ética busca definir princípios que validem ou não os nossos juízos acerca do obrigatório ou facultativo, do certo ou errado. Normalmente, um filósofo da ética busca entender se o acordo moral é dotado de consistência, se é bem fundamentado. Giannetti – Existem várias tradições na História da Filosofia. Desde o início da análise da ética, feita por Sócrates no mundo grego, surgiram várias maneiras de avaliar criticamente as práticas humanas. A Filosofia Moderna introduz uma tradição utilitarista e uma fundamentada em Kant, entre outras. A História da Filosofia oferece um panorama rico de possibilidades para avaliar com juízo reflexivo aquilo que prevalece como prática de vida em diferentes sociedades. Isso é natural, pois há uma tensão, muitas vezes, entre a ética e a moral. Há coisas que no passado eram perfeitamente toleráveis e aceitas e que hoje não são mais. Giannetti - Na História da Filosofia, existem duas grandes preocupações pertinentes à ética. Uma delas é o grande tema levantado por Sócrates que diz respeito à ética pessoal, de como viver, o que fazer da vida, como chegar a uma vida que mereça ser vivida. Todos nós estamos implicitamente respondendo a essas perguntas: quais são os valores que presidem uma vida humana bem vivida? O que pode trazer realização pessoal a um indivíduo? Existe uma melhor vida que todos deveriam abraçar ou não? Mas esses valores serão revelados pelas ações de cada um. Nós não vivemos sozinhos em uma ilha, vivemos em uma sociedade. E precisamos compatibilizar nossos projetos individuais de forma razoavelmente harmoniosa com os da sociedade, para que ela possa ser pacífica e próspera. Isso é a ética cívica. As perguntas da ética cívica são: quais são as regras que devem pautar a convivência humana, a vida em sociedade no campo da política ou da economia? Em que consiste a boa sociedade? Quais são as instituições, normas, regras de compatibilização que devem ordenar os agrupamentos humanos para que a sociedade seja florescente e os indivíduos possam desenvolver as melhores vidas ao seu alcance? A Filosofia Política e a Ética Cívica discutem exaustivamente essas questões. Uma sociedade que perde essas normas de convivência torna-se palco de uma guerra de todos contra todos. Giannetti – Existem vários, como a punição física de alunos rebeldes nas escolas, a escravidão por dívidas, o apedrejamento de adúlteras, a mutilação de corpos de devedores inadimplentes, a prisão e o tratamento médico do homossexualismo, entre outros. A própria escravidão no século 19 no Brasil era uma prática perfeitamente corrente e com amparo legal. Houve todo um trabalho de reflexão ética, de condenação e mudança de percepção em relação a isso e, atualmente, a escravidão não tem qualquer tipo de suporte ou adesão. Uma pergunta interessante que podemos nos fazer é: da mesma maneira que tantas coisas praticadas corriqueiramente no passado nos parecem condenáveis hoje, o que nas nossas práticas contemporâneas parecerá igualmente condenável aos olhos dos nossos descendentes? Costumes aceitos hoje do ponto de vista moral, a partir de uma nova reflexão ética e de um amadurecimento serão terrivelmente condenáveis daqui a décadas ou séculos. Acho que na área da relação homem X natureza nós estamos cometendo aberrações e atrocidades que serão quase que incompreensíveis pelas gerações futuras, se é que elas terão a sorte de sobreviver. fotos: rogério assis EXCELÊNCIA EM GESTÃO 8 EG - Pode nos dar alguns exemplos? Eduardo Giannetti da Fonseca EG - Esse tipo de raciocínio não advém da percepção de que no futuro os valores serão melhores? Há de fato uma evolução nesse campo? Giannetti - As sociedades humanas alteram-se a partir de um debate amplo daquilo que consideram aceitável ou, pelo menos, alvo de tolerância. Eu só tomaria cuidado no uso do termo progresso para inserir a ética. Em algumas áreas temos critérios bem objetivos do que é progresso e retrocesso, como no campo da tecnologia e da ciência, por exemplo. Mas no campo da ética, esse tipo de comparação é mais complexo. Agora, se nos ativermos à dimensão das relações do trabalho, podemos afirmar que evoluímos muito. Na Grécia Antiga, em que ainda prevalecia a escravidão, essa prática era tida como natural. Já no mundo contemporâneo, isso se torna uma aberração. Hoje, temos a proteção de direitos dos trabalhadores, um amparo, com limites e parâmetros que estabelecem o que é permitido e o que não é. Na relação homem X natureza, estamos cometendo atrocidades que serão quase que incompreensíveis pelas gerações futuras. EG – É isso que acontece em momentos de crises institucionais e catástrofes? Giannetti – Sim, esse tipo de fenômeno é recorrente na história da humanidade. Quando acontecem grandes catástrofes, calamidades e situações de comoção social há um colapso nas regras de convivências civilizadas. Isso ocorre com razoável frequência em situações de guerra ou de desastres naturais. Há uma magnífica descrição de um fenômeno desse tipo feita pelo historiador grego Tucídides, contando o que aconteceu com a vida em Atenas durante a peste. Ele descreve com muita riqueza de detalhes o colapso das regras de convivência civilizada sob o efeito dessa epidemia. Quando isso ocorre é mais ou menos como o pânico que toma conta das pessoas em uma sala de cinema quando alguém grita “fogo!”. ENTREVISTA EXCELÊNCIA EM GESTÃO 10 EG - Você afirma que o prejuízo e a falência das empresas não são situações de imoralidade e que no Brasil há uma tendência de confundir isso com a reputação. Pode explicar melhor? Giannetti – O mercado financeiro possui características peculiares que o tornam difícil de ser devidamente regulamentado. São mercados que envolvem muita inovação e ideias originais de especulação e de novos produtos financeiros. É recorrente na história econômica o surgimento de excessos especulativos. O que tivemos em 2008 foi o desfecho de um enredo desse tipo. Foram cometidos tremendos excessos de alavancagem especulativa. O grosso do problema não foi uma questão de descumprimento de normas legais ou algum tipo de violação de códigos, mas o excesso de especulação e um desconhecimento das implicações do acúmulo de posições de risco, como depois foi explicitado. Formou-se uma bolha. E a bolha é muito fácil de ser identificada somente depois que ela estoura e não quando está em formação. Não é nada muito diferente do que vem ocorrendo na história financeira dos últimos dois, três séculos. Tivemos, sim, problemas de ordem legal e também da ética. Cito o exemplo, do caso do investidor Bernard Madoff, ex-presidente da Bolsa Eletrônica Nasdaq e réu confesso de uma fraude de US$ 65 bilhões no mercado financeiro, que envolveu ilegalidades passíveis de sanção penal, o que de fato ocorreu com uma pena de 150 anos de prisão. Agora, podemos ter uma crise financeira perfeitamente dentro da lei, de parâmetros e regras razoáveis de relacionamento. É preciso lembrar que a vida econômica, assim como a vida política, pressupõe regras de convivência. E o mercado, bem como a democracia, é uma solução que a humanidade encontrou e vem aprimorando para permitir uma convivência econômica e política razoavelmente harmoniosa e próspera, que não gere situações de conflito ou de pressão. Mas a crise financeira recente mostrou que o mercado financeiro não prescinde de uma regulamentação mais exigente para impedir situações de excesso e de colapso de confiança. Giannetti – Uma das regras do mercado é a seguinte: uma empresa que faz algo socialmente desejado obtém retorno, inclusive financeiro. Ela consegue vender o que produz por um preço que supera o custo de produção. Uma empresa que produz bens ou serviços que não são socialmente desejáveis será deficitária e terá prejuízo. Essa empresa pode tomar uma série de decisões: ou melhora o que está produzindo, ou altera seus meios de produção, ou simplesmente desaparece. E não há nada de imoral ou eticamente condenável nisso. O mercado é um sistema de tentativa permanente em que novos investimentos são feitos e testados por esse critério da aceitação ou não pelos consumidores. É perfeitamente natural e bem-vindo, inclusive, que nem todos os investimentos sejam bem-sucedidos. O importante é que os não bem-sucedidos sejam rapidamente revistos e liberem recursos para outras tentativas de investimento. E o melhor é que esse processo ocorra da maneira mais desimpedida e transparente possível. É raro encontrar nos EUA ou em países mais dinâmicos, empresários que não tenham fracassado em algum momento. O importante é que tiveram a chance de tentar de novo e acabaram acertando. No Brasil, isso é mais complicado, por conta da nossa complexidade tributária e trabalhista, que enreda o empresário pelo resto da vida. Ele não consegue se libertar do erro que cometeu, que não é um erro moral, é um erro natural da vida. E passa a administrar um legado de pendências geradas numa tentativa empresarial, quando poderia recomeçar e obter sucesso em um novo empreendimento. mikadx istockphoto EG - Fazendo um paralelo com a crise econômica mundial de 2008, o que aconteceu naquele momento com a ética? EG - Você fala na escolha do tempo, exemplificando que há questões que precisam ser enfrentadas no presente para não comprometer o futuro. Como isso se aplica às empresas e ao mercado? Giannetti - Toda ação humana, de certa maneira, está explicitando alguma preferência em relação ao tempo. Nós estamos sempre medindo as possibilidades entre desfrutar o momento ou cuidar do amanhã, tanto na vida individual quanto organizacional, coletiva, nacional ou mesmo internacional. Veja a questão da mudança climática. Coletivamente, a humanidade está fazendo uma aposta muito temerária de desfrutar o presente, consumindo os recursos e emitindo gases nocivos na atmosfera que podem comprometer seriamente o nosso futuro. As empresas precisam trabalhar essa estratégia do tempo sempre avaliando as suas práticas e procurando antecipar consequências de ação ou omissão. Esse é um processo permanente, em que corremos o risco de sacrificar em demasia o presente em nome do futuro, ou o contrário. Existem excessos nessas duas direções. Chamo uma delas de miopia temporal, quando você vê com muita força e nitidez o que está perto e acaba prejudicando o que está longe. O reverso disso é a hipermetropia temporal, em que você mira com muita força o futuro e acaba sacrificando em demasia o presente. Esses dois riscos são concretos e a todo o momento é preciso reavaliar se a organização está incorrendo em excessos em uma ou outra direção. A exploração de petróleo em grande profundidade é um campo novo que envolve a ética nas relações entre o homem e o meio ambiente. EG - O lucro pelo lucro faz parte dessa visão míope? Giannetti – Depende. Se for obtido sacrificando valores futuros, pode derrubar uma empresa. Foi o que aconteceu no caso recente da British Petroleum, no Golfo do México. O afã de produzir petróleo de qualquer maneira, sem o devido cuidado em relação aos riscos, arruinou o patrimônio de uma das maiores empresas petrolíferas do mundo. Claramente houve um erro grave ligado à percepção do tempo e à ética. Foi cometido um crime ambiental muito sério que afeta o modo de vida e um patrimônio natural de toda a humanidade. Não tenho a menor dúvida que, além de um erro e de todo o aspecto técnico, existe uma dimensão ética de imprudência, de descaso e de falta de zelo no tratamento de uma área tão sensível quanto essa de exploração de petróleo em grande profundidade. Esse é um campo muito novo que envolve a ética nas relações entre o homem e o meio ambiente. A crise financeira recente mostrou que o mercado exige uma regulamentação mais eficaz. EG – Muitas das MPEs são fornecedoras das grandes empresas, consideradas benchmarks na questão ética. Como introduzir a cultura da ética também no dia a dia das micro e pequenas? Giannetti - A partir da percepção de que esse compromisso com padrões mais exigentes de conduta resultará em benefícios para a própria organização. A ética não foi feita para tolher, inibir ou cercear. É feita para que uma organização possa funcionar da melhor maneira possível tanto internamente quanto na relação com outros fornecedores, clientes, comunidade e até com o planeta. A ética é um compromisso com a excelência nos relacionamentos humanos e também na relação entre homem e natureza. Ela existe para buscar as melhores práticas e os melhores comportamentos para que tudo transcorra da melhor maneira possível. ENTREVISTA rogério assis a ética introduz um elemento de reflexão crítica sobre o acordo moral em vigor. Demanda um tipo de justificação racional para que aquilo que é comumente aceito, mereça de fato aceitação. EG – Como implantar a cultura da ética no dia a dia de uma organização? EXCELÊNCIA EM GESTÃO 12 Giannetti – Não adianta ter um código de ética que não esteja devidamente amparado em três pilares: submissão, identificação e internalização. O código de ética precisa ter algum nível de fiscalização, contar com um sistema de monitoramento, acompanhamento e eventual sanção com punição dos infratores. O outro pilar é a identificação, ou seja, a ética precisa estar no DNA dos membros da organização. As pessoas precisam se sentir bem quando estão à altura do código e se sentir mal quando não estão. E, por fim, é necessária a internalização, que é o entendimento da razão de ser desse código, que é fruto de um acordo que resultará em benefícios para todos. Num horizonte de tempo adequado, aquele código expressa as melhores regras definidas para que tudo possa transcorrer da melhor forma. Então, basicamente, são três os mecanismos de adesão às normas: a submissão, calcada em fiscalização; a identificação, formada por sentimentos morais; e a internalização, um processo mais sofisticado e reflexivo de compreensão da razão de ser dessas normas. EG – Qual é a sua percepção sobre o estágio da ética no meio empresarial no Brasil? Giannetti – Avançou muito no discurso e na percepção, mas ainda há muito a avançar na prática e no comportamento. COMITÊ ÉTICA EM ALTA No mundo inteiro, há um movimento capitaneado pela ONU para combater a corrupção nos governos e no mercado. A FNQ contribui com esta causa por meio do Comitê Temático de Ética Empresarial. Criado em 2009, os resultados deste trabalho comprovam o interesse crescente das organizações em adotar boas práticas e disseminá-las entre seus públicos. alexandre sampaio Nunca se falou tanto de ética como nesta primeira década do século 21, no País e no mundo, talvez por se constatar sua ausência em setores fundamentais da vida coletiva. Na política, a palavra é constantemente lembrada quando nos deparamos com o descumprimento das leis, regras e valores compartilhados. Isso não é diferente no meio corporativo. Quem não se lembra do escândalo da Enron, gigante norteamericana do setor de energia, que envolveu fornecedores e até uma grande empresa de auditoria na maquiagem de números contábeis a fim de turbinar suas performances? EXCELÊNCIA EM GESTÃO 14 Comitê Temático de Ética Empresarial da FNQ A partir dessa fraude, foi instituída nos EUA, em 2002, a lei Sarbanes Oxley ou SarbOx, as iniciais dos sobrenomes dos dois senadores americanos que a idealizaram. Ela cobra auditoria independente de dados, mais rigor na governança corporativa e resultados financeiros transparentes (veja pág. 25). Como consequência, acentuou-se um movimento mundial liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e acatado por vários países, entre eles o Brasil, para buscar comportamentos alinhados às legislações e à transparência nos negócios. Mas se a ética é essencial para garantir boas práticas na política e nos negócios, é no plano individual que ela se fundamenta, antes de reverberar pelas demais esferas da sociedade. E é na responsabilidade da pessoa que precisamos depositar confiança para que a ética se torne regra e não exceção. COMITÊ A origem da palavra A palavra “ética” deriva de ethos, em grego, que significa costume. Esta, por sua vez, vem dos termos em latim mos, mores, que significa moral. Nesta rápida análise etimológica, logo percebemos que o debate sobre o tema pode ser acalorado, pois se trata de um conceito impregnado de influências culturais. Justamente por seu caráter conflituoso, a ética vem sendo objeto de estudo desde a filosofia clássica. Ainda assim é possível afirmar, de maneira genérica, que ela trata dos valores que regem a convivência de um determinado grupo. Segundo Aristóteles, as regras de convivência são éticas quando visam ao bem comum, ou seja, ser ético é agir para o bem comum. No caso do mundo corporativo, outra afirmação livre de contrapontos é que a sobrevivência de qualquer organização, hoje, exige uma gestão que estimule, crie e dissemine a cultura da ética nos negócios e em todos os relacionamentos com públicos interessados. A boa notícia é que não há saída. Todas as empresas que desejam garantir seu lugar ao sol no futuro devem adotar uma postura ética hoje. Na sociedade da informação, a empresa é observada e avaliada diuturnamente e, por isso mesmo, precisa zelar por sua reputação. “A pressão da sociedade pelo comportamento ético não é mais uma ameaça no horizonte, é realidade tangível. Basta um deslize em valores cada dia mais caros, como o respeito à comunidade, aos consumidores, ao meio ambiente, ao trabalho e à diversidade, para que uma organização tenha sua reputação destruída”, avalia A contribuição da FNQ Ricardo Corrêa Martins, diretor-executivo da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). Não há dúvidas sobre isso. Além de gerar empregos, riqueza e resultados que garantem fidelidade e lucratividade, as empresas estão sendo chamadas a exercer ativamente o seu papel de agentes de transformação, contribuindo com sua parte para o aperfeiçoamento da sociedade e a melhoria na qualidade de vida das pessoas. Afinal, as organizações não vivem isoladas. Fazem parte de ecossistemas, no qual interagem e do qual dependem e, por isso mesmo, são mais sensíveis à questão da ética. “Elas mantêm um contrato tácito com a sociedade, que hoje está dizendo: empresas não podem poluir o meio ambiente ou causar doenças, senão as pessoas param de comprar o seu produto, manifestam-se e podem até mesmo comprometer o futuro do negócio”, exemplifica Corrêa Martins sem qualquer exagero. Estão aí as redes sociais para comprovar. Uma simples postagem individual, por exemplo, pode fazer progredir geometricamente uma queixa, uma denúncia ou um boicote a qualquer organização que infrinja os valores da sociedade onde atua. E não basta mais explicitar boas intenções em position papers ou materiais de marketing. É obrigatório praticar o comportamento ético de maneira transversal no cotidiano da empresa, e isso só é possível ao incorporá-la à gestão organizacional. A FNQ atua como um dos elos de conexão de uma grande rede de organizações. “O seu papel é catalisar o conhecimento gerado pela equipe de especialistas, acadêmicos e executivos das empresas que integram este ecossistema, para estruturá-lo e disseminá-lo, promovendo o benchmarking na busca da excelência em gestão”, informa Corrêa Martins. Há dois tipos de conhecimento que a FNQ necessita elaborar para cumprir a sua missão. O primeiro deles é técnico, voltado a questões relacionadas à evolução dos Critérios e Fundamentos da Excelência em Gestão, que compõem a metodologia do Modelo de Excelência da Gestão® (MEG), e que dão suporte à avaliação e autoavaliação das organizações em busca do aperfeiçoamento da gestão. Com essa função, foram criados os Comitês Técnicos (veja abaixo). O outro tipo de conhecimento é mais empírico, engloba os grandes temas transversais aos Critérios e Fundamentos e é abordado nos Comitês Temáticos. O objetivo é estudar e debater questões pertinentes à gestão, para buscar o estado da arte do tema e promover o relacionamento entre as organizações filiadas à FNQ e convidados. Também visa à produção e disseminação de conteúdos e materiais de referência sobre o tema estudado. Já foram realizados comitês sobre Liderança, Capital Intelectual e, mais recentemente, Ética Empresarial. Ao contrário dos Comitês Técnicos, que são permanentes, os Temáticos têm começo, meio e fim, com data para conclusão dos trabalhos. Comitês Técnicos Promovem a atualização dos Critérios de Excelência em Gestão, mantendo um fórum permanente de atualização do MEG de acordo com as mudanças no mercado e características setoriais. As revisões podem ser incorporadas aos produtos da FNQ ou aos componentes do modelo, que podem ser teóricas (aplicadas aos Critérios e Fundamentos) ou de processos, que permitem a autoavaliação das empresas, treinamento e capacitação. Os Fundamentos são mais perenes e constantes. Já os Critérios mudam aproximadamente a cada dois anos. André CONTI EXCELÊNCIA EM GESTÃO 16 stevecoleccs/ istockphoto COMITÊ A ética no mundo dos negócios Em 2009, a FNQ elegeu a Ética Empresarial como objeto de estudo. Em primeiro lugar, porque o conceito está expresso nos Fundamentos da Excelência em Gestão que formam a base do MEG. Em segundo, porque o tema é recorrente nos debates de outros comitês, sempre como desafio e resposta à crise de valores não só do universo empresarial, mas do País e da sociedade global. Para coordenar o Comitê de Ética Empresarial, a FNQ convidou Izilda Capeletto, ex-diretora de Ética e Compliance da AES Brasil. Os desafios propostos foram promover o compartilhamento de experiências entre os membros da FNQ e parceiros estratégicos, além de produzir materiais para disseminar as boas práticas no exercício da ética nas organizações. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 18 “Iniciamos o trabalho com o envio de um questionário a todas as organizações associadas e outras que apresentavam boas práticas na área”, explica Izilda, que é pós-graduada em Direito Empresarial Internacional pela Universidade de Paris I e bacharel em Direito e História pela Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa procurou identificar o estágio de implementação da gestão de Ética e Compliance nas empresas e o interesse delas em participar de um grupo de estudos sobre o tema junto com a FNQ. Após uma seleção e convite formal, em julho de 2009, foi criado o Comitê de Ética Empresarial da FNQ, com a participação de 17 empresas, todas associadas à Fundação e com representantes em cargos executivos na área ou sócios que lidam com o tema no dia a dia. Os resultados do Comitê As reuniões mensais foram sediadas de forma rotativa nas organizações participantes. Nos encontros, em que eventualmente havia a presença de convidados acadêmicos ou especialistas, foram apresentados e debatidos conceitos históricos, filosóficos, abstratos, a visão ética das empresas, o estágio em que se encontram e as boas práticas. Entre os objetivos do grupo estavam: realização de pesquisas para levantar a percepção de empresários sobre o tema; apoio na elaboração do conteúdo do 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência 2010; inserção de casos de sucesso de ética no Banco de Boas Práticas da FNQ; elaboração de uma obra coletiva resultando em uma publicação sobre o tema; e, ao final, envio de sugestões ligadas à ética para análise e resolução do Comitê Técnico Critérios de Excelência, com vistas à evolução do MEG. Organizações participantes do Comitê de Ética Empresarial AES Eletropaulo - Banco Itaú Unibanco - Brystol - Eletronorte - Companhia Paranaense de Energia - CPFL Energia - Editora Abril - Elektro Eletricidade e Serviços - Fibria Celulose FURNAS Centrais Elétricas - IBOPE - Rhodia Poliamida América do Sul - SENAC/RS SENAI/DN - Siemens - Suzano Papel e Celulose - TozziniFreire Advogados Como todo Comitê Temático da FNQ, o de Ética Empresarial foi criado com data para encerrar os trabalhos, mas já se estuda sua continuidade e o convite a mais oito empresas para renovar as experiências. Izilda Capeletto atribui esse sucesso ao planejamento e estrutura criados para conduzir as atividades. “Organizamos Grupos de Trabalho (GTs) como forças-tarefa para conduzir e executar cada um dos projetos, sempre alinhados à missão do Comitê”, explica a coordenadora. Outro projeto foi realizar uma ampla pesquisa quantitativa com Micro e Pequenas Empresas (MPEs) e outra qualitativa com grandes organizações escolhidas entre as Maiores e Melhores da revista Exame, a fim de traçar um retrato do atual estágio de Ética e Compliance das organizações em nosso País (veja matéria na página 28). Os resultados surpreendem e demonstram, por exemplo, que as Micro e Pequenas Empresas, as MPEs, já identificam a ética como um dos pilares estratégicos para alcançar bons resultados no negócio. Aliás, definir com clareza a missão do Comitê foi o primeiro passo para os trabalhos: O 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência - Dimensões da Ética Empresarial também contou com a participação do Comitê na elaboração dos conteúdos e definição dos palestrantes (veja matéria na página 42). A ideia foi ressaltar a importância de inserir a ética nas estratégias, estruturas organizacionais e práticas das empresas, dando ao tema uma nova dimensão, exigida especialmente após os efeitos colaterais da recente crise econômica. MISSÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EMPRESARIAL DA FNQ “Contribuir para uma sociedade mais ética, disseminando e compartilhando conceitos, princípios e melhores práticas de ética nas empresas.” COMITÊ O Seminário obteve aprovação de 99,1% de 260 pessoas presentes que foram entrevistadas em uma pesquisa realizada ao final do encontro. “Foi gratificante para toda a equipe do Comitê verificar que o tema desperta grande interesse e teve sua abordagem no evento muito bem avaliada. É um estímulo para a continuidade dos trabalhos”, comemora Izilda Capeletto. Em mais uma iniciativa, os estudos e conclusões do Comitê estão sendo registrados na publicação Ética nos Negócios. A visão e a Prática das Empresas no Brasil, construída de forma coletiva e com lançamento previsto para novembro de 2010. Segundo Regina Ribeiro do Valle, da TozziniFreire Advogados, coordenadora do Grupo de Trabalho da publicação, a obra consolida a missão do Comitê de Ética. “É uma visão acadêmica e sistemática do tema aplicado aos negócios, complementada por uma orientação prática para implementação de programas de Compliance. O objetivo é contribuir com a adoção de códigos de conduta e programas de Compliance nas organizações interessadas”, define. Entre os temas abordados no livro estão Consciência Ética, Ética nos Negócios no Brasil e as Dimensões da Ética Empresarial. A obra também traz um Manual de Ética e Compliance Empresarial, com um passo a passo para que as empresas não só criem seus próprios códigos de conduta e instâncias para a gestão da Passo a passo para incorporar práticas éticas nas organizações* ética, mas também invistam na criação de uma cultura corporativa e em ações práticas. Outra particularidade da publicação, no capítulo das Dimensões, é a abordagem das relações entre ética e responsabilidade social, sustentabilidade (ver pág. 22), comunicação, cadeia de suprimentos, relações governamentais, licitações, governança corporativa, gestão de RH, vendas e marketing e sociedade da informação, entre outros tópicos. Regina destaca que a obra esclarece a diferença entre Ética e Compliance, este último ainda um termo novo no Brasil. “São programas que foram introduzidos nos EUA a partir de campanhas pela transparência e ética nas empresas, além de governança corporativa, como resposta aos escândalos de fraude e corrupção do final do século 20 (ver pág. 23) e à necessidade de as empresas preservarem a sua reputação”, pontua. 1. Desenvolvê-las, por meio da criação de um Programa de Ética e Compliance, com a ajuda de especialistas e o envolvimento da alta direção. É crescente a mobilização no País para que as práticas de transparência e governança corporativa, já presentes em companhias de capital aberto, englobem o combate à fraude e à corrupção. “A ética já aparece como valor mais identificado nas empresas e, em futuro próximo, constará não só de um conjunto de valores praticados pelas empresas e identificados na visão e missão, mas como atitude do cotidiano”, afirma. Ela reforça que os programas de Compliance fortalecem a reputação e a condição de sobrevivência das organizações, gerando negócios sustentáveis no mundo global. 2. Disseminar e manter as práticas internamente, por meio de educação e treinamento, certificações, auditorias específicas, risk assessment, políticas mediante o envolvimento de todos os níveis da organização, estendendo-se para a cadeia de valor. 3. O programa deve ser revisto e atualizado periodicamente, e todos os novos colaboradores devem ser treinados na cultura ética da empresa. A ética já aparece como valor mais identificado nas empresas e, em futuro próximo, constará não só de um conjunto de valores praticados pelas empresas e identificados na visão e missão, mas como atitude do cotidiano. 4. Ser consistente: manter coerência entre o discurso e a prática. O exemplo, principalmente quando vem das mais altas camadas de liderança da organização, é um dos meios mais eficazes para disseminar a ética nas empresas. paulalyn carvalho EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20 *Fonte: Izilda Capeletto CONTEXTO COMITÊ Não à corrupção Ética e sustentabilidade O desafio da sustentabilidade requer uma nova forma de pensar, novas tecnologias e novos modelos de negócios. Para Izilda Capeletto, não há como dissociar esse desafio da questão ética. “A partir do momento em que a sociedade passa a ter consciência de que é necessário conviver com os recursos naturais respeitando limites, reforça-se a importância de incorporação da ética nas estratégias empresariais”, defende. A sociedade brasileira e a mundial estão menos tolerantes com a corrupção nos setores público e privado. Prova disso é a significativa movimentação que busca cercear atos ilícitos por meio de pactos entre as nações, novas legislações e punições exemplares. A ética relacionada à sustentabilidade vem ganhando importância nas empresas brasileiras, especialmente porque os consumidores estão menos tolerantes com os impactos negativos das atividades empresariais. “Mas temos muito a fazer”, ressalta a coordenadora do Comitê de Ética Empresarial da FNQ. Ela diz que é de suma importância medir o progresso alcançado, no que se refere a construir um mundo mais inclusivo e sustentável, e corrigir rumos. Ética está ligada à consciência humana. Da mesma forma que um indivíduo possui uma imagem social que mostra se é um cidadão de bem, o comportamento ético da empresa define a sua reputação, um dos seus ativos mais preciosos. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 22 Sem cidadania, não há sustentabilidade, assim como não há sustentabilidade com altos níveis de corrupção. “Aqui entra a figura fundamental da liderança, que precisar se armar de boa dose de visão de futuro e energia, para capitanear mudanças e conciliar sustentabilidade e resultados, esteja ele atuando em organizações públicas, privadas ou da sociedade civil”, conclui Izilda. zilli/ istockphoto Inovar é derrubar Ainda dentro da ética, há questões relacionadas à sustentabilidade que são estratégicas dentro de qualquer gestão empresarial: a gestão eficaz dos recursos naturais, o respeito aos direitos humanos, a interação com os stakeholders e os resultados econômico-financeiros, essenciais para o crescimento sustentável e a perenidade dos negócios. O empresário que não incorporar esses grandes temas na gestão da empresa, certamente terá problemas. Movimentos pela ética nas relações comerciais CONTEXTO A corrupção ameaça a boa governança, o desenvolvimento sustentável, o processo democrático e as práticas justas de negócio. Ao mesmo tempo em que a sociedade se debruça sobre as questões do setor público, o movimento pela ética alcança o setor empresarial por meio da criação de novas legislações e iniciativas globais. Várias procuram deter atos ilícitos nos negócios que envolvem governos e corporações. a prevenção, a criminalização, a aplicação da lei, a cooperação internacional, a recuperação de ativos, a assistência técnica, a troca de informações e os mecanismos para sua implementação. Iniciativas nos EUA, por exemplo, datam de 1977, quando começou a vigorar o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), uma legislação anticorrupção criada como resposta à descoberta de pagamentos ilegais efetuados por empresas do país a funcionários públicos estrangeiros, na década de 1970. Organização para Cooperação e Desenvolvimento Especialmente a partir de 2004, essa lei tem acarretado Econômico (OCDE) é líder global no combate à corrupção, adotando uma abordagem multidisciplinar a aplicação de penalidades graves a empresas com condutas ilícitas, em especial com multas milionárias. por meio da Convenção contra a Corrupção, que contribui com o desenvolvimento e governança para Na década de 1990, também em decorrência do FCPA, os países membros e outros. foram realizadas várias convenções internacionais Nesse campo, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), de 31 de outubro de 2003, da qual o Brasil é signatário juntamente com mais 172 países, é considerada o primeiro instrumento internacional anticorrupção legalmente vinculante. A UNCAC obriga os Estados participantes a implementar uma vasta e detalhada gama de medidas anticorrupção, afetando leis internas, instituições e práticas. Tais medidas têm como objetivo promover O caso de fraude da Enron é emblemático quando abordamos o tema da ética empresarial. Gigante norteamericana do setor de energia, ela envolveu bancos, diretores, funcionários, acionistas e até mesmo uma conceituada empresa de auditoria em um dos casos de fraude mais importantes da atualidade. A companhia pediu concordata em dezembro de 2001, com uma dívida de US$ 13 bilhões e um prejuízo econômico que resultou em grande número de desempregados, suicídios, prisões e pessoas que viram as economias de toda uma vida desaparecerem nos fundos de pensões geridos por ela. O caso gerou a pior crise de confiança enfrentada pelos EUA desde a quebra da bolsa em 1929, somente superada pela crise do setor imobiliário, em 2008. contra a corrupção. Entre elas, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1996; a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da OCDE, em 1997; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, em 2005, além de outras iniciativas da Comunidade Europeia. O caso Enron foi um divisor de águas e provocou mudanças radicais contra fraudes financeiras nos EUA, com o intuito de recuperar a confiança dos investidores. Para isso, foi criada a Lei Sarbanes Oxley ou SarbOx, que impõe mecanismos de auditoria e normatiza o sistema financeiro por meio da criação de comitês e comissões encarregadas de supervisionar as atividades e operações de modo a diminuir significativamente os riscos aos negócios. Atualmente grandes empresas brasileiras com atuação no exterior seguem a Lei Sarbanes-Oxley. Ainda assim, em 2008, o mundo assistiu estarrecido à grave crise mundial provocada pela fraude no mercado hipotecário nos EUA, que refletiu no mercado de crédito no geral, gerando a quebra de várias instituições financeiras num efeito dominó. No cerne da crise que afeta o mercado até hoje, mais uma vez, está a falta de ética no trato dos bens de cidadãos que depositam sua confiança em instituições financeiras pouco afeitas aos valores que regem o bem comum. Iniciativas no país O Instituto Ethos, organização não-governamental, e instituições parceiras da entidade possuem diversas iniciativas para ajudar as empresas no combate à corrupção. Destaque para a criação do Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, lançado em 2005, e diversas publicações como A Responsabilidade Social das Empresas no Combate à Corrupção (2009), A Responsabilidade Social das Empresas no Processo Eleitoral (2010), Combate à Corrupção nas Prefeituras do Brasil (2003), e os recém-lançados projetos do site Ficha Limpa (www.fichalimpa.org.br) e do Cadastro de Empresas Pró-ética. Mais informações nos site do Instituto Ethos - www.ethos.org.br DNY59/ istockphoto EXCELÊNCIA EM GESTÃO 24 A Lei SarbOx ENTREVISTA CONTEXTO Como resultado do compromisso assumido com essas organizações, diversos países, entre eles o Brasil, criaram dispositivos na legislação, configurando os crimes de corrupção ativa e tráfico de influência em transações comerciais internacionais. Mais recentemente, em 8 de abril de 2010, o Reino Unido criou o Bribery Act 2010, responsabilizando as empresas no caso de pagamento de propina, ainda que por meio de colaboradores, consultores, organizações associadas ou subsidiárias. Também pune pagamentos a título de facilitação de negócios, suborno ou corrupção de funcionários públicos estrangeiros, mesmo se realizados entre a empresa e outras pessoas físicas ou jurídicas, em ambiente doméstico ou estrangeiro. Ainda nesse movimento, a Controladoria Geral da União (CGU) a OCDE realizaram, em julho de 2010, em São Paulo, a Conferência Latinoamericana sobre Responsabilidade Corporativa na Promoção da Integridade e no Combate à Corrupção. O evento se propôs a discutir com o setor privado e outros membros da sociedade civil os riscos associados à corrupção nas transações comerciais, assim como debateu o aprimoramento da legislação dos países latinoamericanos quanto à responsabilização das empresas por atos de corrupção. Ao mesmo tempo em que procura adaptar a sua legislação às novas exigências globais, o Brasil se depara com a péssima percepção da opinião mundial sobre o nível de corrupção existente em suas instituições. Em pesquisa de 2009 da Transparência Internacional, uma ONG sediada em Berlim, o Brasil ocupou o 75º lugar do ranking em um universo de 180 participantes, marcando 3,7 em uma escala que vai de zero (países vistos como muito corruptos) a dez (considerados bem pouco corruptos). EXCELÊNCIA EM GESTÃO 26 Números da corrupção no Brasil O impacto financeiro da corrupção nas atividades do País foi estimado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), em março de 2010. No Relatório Corrupção: custos econômicos e propostas de combate, a entidade divulgou que o custo médio anual da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, de R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões. No seu relatório, a FIESP destaca: “o custo extremamente elevado da corrupção no Brasil prejudica o aumento da renda per capita, o crescimento e a competitividade do País, compromete a possibilidade de oferecer à população melhores condições econômicas e de bem-estar social e às empresas melhores condições de infraestrutura e um ambiente de negócios mais estável”. caracterdesign/ istockphoto A corrupção é maléfica à sociedade, compromete a legitimidade política e credibilidade das instituições, ameaça a competitividade do mercado e afugenta novos investimentos. Mais mudanças por aí “Em nosso País, temos organizações que são ilhas de excelência convivendo com baixos níveis de valores, tanto nos setores públicos como privado. Mas há um esforço conjunto das duas esferas da sociedade para criar iniciativas capazes de transformar consciências e inibir comportamentos inadequados”, avalia Regina Ribeiro do Valle, do Comitê de Ética Empresarial da FNQ. O Brasil já conta com a Lei de Improbidade Administrativa, efetuou modificações em seu Código Penal, inserindo artigos relacionados à corrupção de funcionários públicos estrangeiros, e agora o governo propôs o Projeto de Lei 6.826/2010, em fase de tramitação. Esta legislação pretende responsabilizar pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos, independentemente de o ato ter sido praticado por indivíduo ligado à organização. Um poderoso instrumento de controle da corrupção nos Poderes Executivo e Legislativo é o voto. E é nesse âmbito da cidadania que, em 2010, os brasileiros passaram a contar com um aliado valioso: o Ficha Limpa, como ficou conhecido o projeto que resultou na Lei Complementar nº 135/2010, sancionada em 4 de junho de 2010 pelo Congresso Nacional e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o projeto, os políticos que estão sendo processados por atos ilícitos ficam impedidos de se candidatar a qualquer cargo público. Esta foi uma vitória da sociedade brasileira, que se articulou e circulou o projeto por todo o País, coletando mais de 1,3 milhão de assinaturas, ou seja, cerca de 1% dos eleitores brasileiros, o que garantiu sua apreciação pelo Congresso Nacional. Uma prova de que a consciência individual e pequenos gestos podem adquirir força suficiente para transformar o mundo. Basta querer. PESQUISA sebastian julian/ istockphoto UM RETRATO DAS Grandes, micros e pequenas EXCELÊNCIA EM GESTÃO 28 Um raio X da ética no setor empresarial Para cumprir uma de suas metas de atuação, o Comitê de Ética Empresarial da FNQ promoveu duas pesquisas: uma com dirigentes de 25 grandes organizações, realizada pelo Ibope, e outra com representantes de 989 Micro e Pequenas Empresas, as MPEs, feita pelo Senac-RS. Nos dois cenários, o objetivo foi detectar o estágio da conduta ética na rotina das organizações no Brasil. Confira os resultados. PESQUISA Perfil da pesquisa Muito além do discurso O processo de criação de uma cultura da ética nas grandes organizações segue com força e começa a sair dos códigos de conduta e programas de compliance para a prática no dia a dia. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 30 Se o processo de discussão, implantação e consolidação de um comportamento ético nas grandes empresas no Brasil é mais ou menos recente, ele chegou para ficar. E veio com toda a força. Esta é uma das conclusões da pesquisa qualitativa realizada pelo Ibope com 25 empresas selecionadas entre as classificadas como Maiores e Melhores pela revista Exame e apresentada no 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência, promovido em junho pela FNQ. Um aspecto que a pesquisa captou é o que se pode chamar de transcendência, ou seja, os dirigentes dessas empresas, embora não percam de vista o lucro como condição essencial de sobrevivência, acreditam que é preciso ir além. A empresa deve ter também como objetivo a busca pela sustentabilidade em suas vertentes econômica, ambiental e social, contribuindo para o aperfeiçoamento da sociedade e o desenvolvimento do País. Os resultados são positivamente surpreendentes e fornecem muitos subsídios, tanto para orientar como para reorientar o processo mediante o qual as grandes empresas assumem um código de conduta e operam de fato com transparência e responsabilidade social. É uma revelação da pesquisa da maior importância, até pela relação que faz com outro resultado: ao argumentar sobre as principais motivações da prática ética, os executivos usam como referência muito mais a pressão externa – do mercado e da sociedade – e as exigências de sustentabilidade do que uma vocação interna. Na percepção dos entrevistados sobre o mundo corporativo em geral, o padrão de conduta atual das empresas é heterogêneo, mas reflete um momento de ruptura, de transição para a mudança de paradigma. “Trata-se de uma cultura que está se instalando, desejável para alguns e questão de sobrevivência para outros“, comenta Nelson Marangoni, diretor-executivo do Ibope Solution. “Não basta parecer ético, é preciso de fato ser ético”, disse um dos entrevistados. A frase sintetiza o quanto as empresas estão perseguindo um autêntico comportamento ético real, e não virtual ou “marqueteiro”. Como disse outro entrevistado, “não há jeito certo de fazer a coisa errada”. No contraponto desta aparente distância entre discurso e prática, eles identificam uma nova geração de gestores com uma cultura ética já internalizada e atribuem à liderança o papel de inspirar e dar substância aos programas, como modelos a ser seguidos. Mas não basta ser um líder visionário. Essa postura é fundamental no início do processo, mas a continuidade exige a implementação de uma cultura da ética a longo prazo, com vida própria e independente de seus criadores. Nesse mesmo sentido, não bastam Códigos de Conduta. “Eles são importantes balizadores, mas nada substitui o bom senso, a sensibilidade e a autovigilância“, resume Marangoni. Veja a seguir as principais conclusões da pesquisa. Objetivo Identificar a visão de empresários sobre o conceito de ética em geral e ética empresarial, investigando sua percepção sobre procedimentos e ações afirmativas no cotidiano das empresas Metodologia Qualitativa, face a face, com entrevistas em profundidade Amostra 25 presidentes ou diretores de grandes empresas Período Janeiro e fevereiro de 2010 Setores econômicos Os mais variados, do automotivo à construção civil, de saúde a telecomunicações, do farmacêutico à siderurgia Sede das empresas Região Sudeste Os principais vetores de conduta ética nas corporações, segundo a pesquisa, são: o compromisso dos funcionários e dirigentes, e a palavra empenhada na observância dos códigos da empresa (compliance); a noção de transparência acima de tudo (nada a esconder); a transcendência, em que se acredita que é preciso ir além do lucro, gerando valor para a sociedade e contribuindo para o desenvolvimento do País. Os participantes da pesquisa acreditam que a ética aponta para uma prática, um comportamento orientado por normas e princípios de conduta, acordados como “corretos” pela sociedade em geral e pelas empresas, em particular. Os princípios da ética, para eles, são regidos pelas noções de justiça, transparência, integridade e dignidade. Sobre a diferença entre ética pessoal e ética empresarial, os executivos acreditam que o conceito permeia a conduta do indivíduo em todos os âmbitos de relacionamento, seja ele pessoal ou social (e profissional). Segundo eles, é difícil separar o que é convicção de foro íntimo do que é a simples observância de códigos de conduta vindos de fora. Neste ponto, a pesquisa mostra um paralelo que os respondentes fazem entre ética e honestidade, em que a pessoa se orienta por esta ou outra inclinação. Ou seja, não há meio termo. Contudo, eles mostram confiança na possibilidade de aprendizado e aperfeiçoamento do comportamento adequado. PESQUISA fotografia ecossistema Os empresários entendem que a ética não é um adereço para a empresa ficar bonita na foto. Ela tem de ser uma prática de gestão. Vários citam a identidade de valores e coerência entre discurso e prática como razões para atrelar seu projeto profissional às organizações onde trabalham. Segundo os relatos da pesquisa, há uma tendência crescente de vincular a submissão aos princípios éticos da organização para a continuidade de contratos de trabalho com funcionários e outros stakeholders. Algumas percepções foram detectadas: há uma intolerância clara contra os infratores e a práticas como assédio moral e sexual. Em síntese, os entrevistados mencionam cinco fatores motivadores para a instalação de uma cultura ética nas empresas: a competição do mercado, que impulsiona para a constante superação; o compromisso com a sustentabilidade, com a perenidade; a pressão das redes sociais, com poder de boicotar condutas reprovadas; a globalização, que impõe padrões normativos, nivelados pelos mercados mais desenvolvidos; EXCELÊNCIA EM GESTÃO 32 a ampliação das consciências, com a cultura ética exercendo fator de atratividade na retenção de talentos. gestão Para os entrevistados, ética nos negócios é uma das prioridades da empresa. Eles acreditam que a gestão responsável deve, necessariamente, incorporá-la como fundamento. Apesar de muitas dessas empresas ainda não terem disseminada plenamente uma cultura ética, praticamente todas têm pelo menos um documento formal, seja um código de conduta, de compliance ou de ética mesmo. É rara a presença de uma área específica para a gestão da ética e o mais comum é a formação de um comitê, geralmente formado pela alta diretoria, áreas de RH e Jurídica. A pesquisa indica ainda que a iniciativa de criar instâncias ou documentos de conduta partem quase sempre de cima e de fora para dentro do ambiente corporativo, surgindo comumente como um “pacote ético” quase pronto para os funcionários, vindo da matriz ou da alta direção. Na maior parte das vezes, a área de RH ou outras subordinadas a ela são fontes de consulta em casos de dúvidas sobre o código de conduta. Os gestores também exercem a função de esclarecer dúvidas, receber denúncias e garantir a aplicação dos códigos de conduta ou compliance. Há ênfase na cultura de valores institucionais, para que o conhecimento não fique concentrado nas lideranças, gerando descontinuidade pelo turn over. São poucos os casos entre os entrevistados de uma hot line na matriz para denúncias anônimas. Os entrevistados identificam as principais vulnerabilidades na relação com os fornecedores, porque não há vínculo de obrigatoriedade, e nos colaboradores, passíveis de falhas humanas, entre outros fatores. Para a solução, apostam em treinamento, aprendizado e mudança de mentalidade. Rotina de divulgação e atualização dos Códigos de Conduta e Compliance Todo novo funcionário recebe treinamento presencial ou online Por determinação de ISO, os funcionários precisam confirmar a certificação Os comitês de ética se reúnem periodicamente ou sempre que houver necessidade Usualmente, as empresas organizam workshops e seminários para os níveis gerenciais Não há uma rotina de atualização constante dos códigos, embora algumas organizações façam isso anualmente mediaphotos/ istockphoto Os entrevistados expressam a percepção de que o padrão de conduta das empresas é heterogêneo e que também é uma cultura que apenas está se instalando. Grandes empresas e grupos globalizados estariam na ponta do processo, em razão da pressão global e local, interna e externa à empresa, da fiscalização e da internet como observatório do comportamento. A gestão da ética, a ambiental e a social são, para os empresários entrevistados, responsabilidades inseparáveis e até indistinguíveis. PESQUISA rumo à excelência Criando cultura Marylb/ istockphoto Os dirigentes acreditam que obedecer à legislação não é suficiente. É necessário discutir amplamente os códigos de conduta e internalizar as normas no cotidiano da empresa. Alguns mencionam que uma das mais fortes barreiras para isso são os fatores culturais relacionados ao caráter ambíguo do brasileiro, que se expressa, por exemplo, na “lei de Gerson” (levar vantagem em tudo), nos deslizes da classe política, no segregacionismo do “você sabe com quem está falando?“ e na oscilação entre a compaixão e a justiça, presente no senso comum do “aos amigos tudo, aos inimigos a lei“. Apesar de operarem em ambiente muitas vezes adverso à ética, as Micro e Pequenas Empresas, as MPEs, estão dispostas a dar exemplos de boa conduta. E já relacionam o comportamento responsável ao sucesso empresarial. Responsáveis por 20% do PIB brasileiro, as MPEs geram 57,1% dos empregos formais e têm uma capilaridade na economia que vai do agronegócio à indústria, do comércio aos serviços. Pegando carona nessa “plasticidade da cultura do jeitinho”, os entrevistados propõem tirar proveito da abertura moral do brasileiro, para construir relações éticas genuínas, com bom senso e fugindo do radicalismo do politicamente correto. Defendem a punição dos desvios de forma exemplar, mas com grandeza, justiça e sabedoria. Assim, acreditam, será possível fazer da empresa um lugar onde os homens de bem desejarão trabalhar, comprar, cultuar, guardar na memória e nos afetos. A partir da opinião dos entrevistados* é possível identificar quatro estágios em que as grandes empresas podem estar em relação à ética: Não éticas burlam a lei Iniciantes começam a se preocupar Legalistas seguem à risca as normas e a legislação Convictas ética há muito incorporada e já presente no DNA da empresa, que busca padrões de excelência *As organizações participantes da pesquisa, segundo os entrevistados, enquadram-se nos perfis “Legalistas” ou “Convictas”. deeppilot/ istockphoto EXCELÊNCIA EM GESTÃO 34 Das cerca de 5,8 milhões de empresas registradas de todos os portes, 99% são micro ou pequenas, segundo o Anuário do Trabalho nas MPEs divulgado em setembro de 2010 pelo SEBRAE. O estudo mostra ainda que 53% delas atuam no comércio, 32,2% no setor de serviços, 11% na indústria de transformação e 3,8% na construção. Estima-se, contudo, que a representatividade dos pequenos empreendedores na economia formal, atualmente, seja ainda maior, pois os números mais novos datam de 2008. PESQUISA Perfil da pesquisa Embora enfrentem adversidades de todo tipo, de problemas de gestão à falta de capital de giro, que fazem 59,9% delas morrerem em até quatro anos, elas têm um papel da maior importância tanto no âmbito econômico quanto no social. seus princípios e valores. Mas é neste âmbito do comportamento que também surge a saída para ganhar competitividade por meio da postura ética, e as MPEs estão percebendo que o investimento na conduta gera resultados“, avalia. Um dos aspectos mais interessantes dessas empresas é que, embora sejam vizinhas de suas similares informais, elas valorizam a ética. Segundo pesquisa realizada pelo Senac-RS a pedido do Comitê de Ética Empresarial da FNQ, com 989 dessas MPEs de todas as regiões do Brasil (de um conjunto de aproximadamente 15 mil MPEs endereçadas), 79% delas dizem que a ética é estratégica para os negócios. Não é à toa que 74,9% dos entrevistados acreditam que conduta ética sempre traz resultados tangíveis, como lucro e reconhecimento por parte do mercado e da sociedade. Para 44,2% dos respondentes, na maioria das vezes, as empresas preocupam-se em ter uma postura ética na gestão dos negócios, devendo considerar as dimensões da sustentabilidade, um dos temas transversais aos Critérios e Fundamentos da Excelência em Gestão da FNQ. A pesquisa revelou também que, para estas empresas, a ética não é apenas um conjunto de princípios teóricos traduzidos num elenco de normas de conduta. É principalmente uma conduta internalizada e cotidiana, embora 73% dos entrevistados afirmam ser preponderantemente praticada de maneira informal. Ariel Fernando Berti, gerente da Assessoria de Planejamento do SENAC-RS, acredita que a pesquisa reforçou uma percepção de que as relações éticas entre as empresas estão diretamente determinadas pelo ambiente competitivo. “A desenfreada competição conduz, muitas vezes, as empresas a abrir mão de São resultados animadores. Até porque a trajetória das MPEs na consolidação de uma ética acontece dentro de um ambiente em certa medida adverso. Ao mesmo tempo em que o Brasil convive com ilhas de excelência na questão ética, tanto no setor público quanto no privado, a sociedade brasileira ainda é tolerante com comportamentos não éticos e isso influencia os negócios. Há sinais de que essa tolerância começa a diminuir, mas ainda há muito por fazer. Método Questionário estruturado com questões fechadas Público Micro e Pequenas Empresas Período de coleta 28/04/2010 a 21/05/2010 Abrangência Nacional Amostra 989 empresas (de um conjunto de aproximadamente 15 mil MPEs endereçadas) Realização Via web Tipo de Empresa: 92% das empresas são do tipo Matriz Em relação ao enquadramento, a proporção geral de microempresas é 62,2% Confira a seguir os principais resultados da pesquisa com as MPEs. 16% 31% 11% Comércio Serviços Indústria Serviços de II 16% 26% 36 mediaphotos/ istockphoto EXCELÊNCIA EM GESTÃO Perfil dos entrevistados 79,8% dos respondentes são proprietários 13,7% são gerentes das empresas 44,5% possuem o tempo de atuação na empresa maior que 10 anos Outros PESQUISA Em relação a três conceitos de ética, os entrevistados se identificaram mais (80,9%) com a alternativa que afirma que “A ética é um conjunto de práticas que podem ser representadas pela honestidade e integridade de conduta em todas as áreas da nossa vida” O maior percentual (80,9%) de opção pela primeira formulação conceitual deve-se em parte ao fato de ela apresentar um sentido mais pragmático do que o das outras duas. O próprio emprego dos termos honestidade e integridade, fortemente associados às questões morais e de comportamento, certamente levaram a uma maior identificação com este conceito. As outras duas formulações eram as seguintes: “a ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta da sociedade e seus grupos” (77,7%); “a ética é uma teoria que apresenta conceitos, como moral e princípios, e pode ser aplicada no dia a dia da sociedade” (63,5%). Discordo totalmente 1 2 3 4 5 1,9% 0,6% 3,9% 12,7% 80,9% Concordo totalmente 82,2% dos entrevistados afirmam que a disseminação dos processos relativos à ética envolve a todos os funcionários indistintamente. O percentual mostra que a introdução de um padrão ético nas empresas, inclusive as grandes, que começou há cerca de dez anos, está se ampliando e se expandindo para a base das empresas. Não é um processo circunscrito aos níveis da alta direção e gerência. Ao contrário, conta com participação efetiva dos funcionários. 73% dos entrevistados afirmam que a questão ética faz parte do seu cotidiano, mas de maneira informal. O resultado revela que o processo de estruturação de um código de conduta das MPEs ainda está no início e que, na maioria delas, não existe um documento formal nesse sentido. Apenas 5,2% declaram ter. 2% Ao serem questionados se “Ética” e “Ética Empresarial” são a mesma coisa, 54,8% concordaram plenamente. 17% Por outro lado, para a grande maioria dos entrevistados (76,2%) a ética é um conceito que engloba tanto os valores da vida pessoal quanto os da atuação empresarial. Discordo totalmente 1 2 3 4 5 3,9% 5,1% 14,8% 21,4% 54,8% Concordo totalmente 3% 5% Existe Código de Conduta/Compliance Existe Área/Equipe para tratar do tema Existe Código de Conduta e Área responsável 73% Existe tratamento informal do tema Ética Não responderam EXCELÊNCIA EM GESTÃO 38 Do total de respondentes, 96,9% acreditam que existem “empresas éticas” e “empresas não éticas” no ambiente de negócios em que trabalham. Considerando essa diferenciação, 74,5% acreditam ser um processo “consciente”. E 74,9% afirmam que empresas que adotam postura ética em seus negócios tendem a ter maior retorno do que outras que não consideram questões éticas em suas rotinas. Esta é uma das grandes percepções da pesquisa. As MPEs já identificam na ética um dos principais ativos do patrimônio de uma organização e a consideram estratégica para alcançar bons resultados. O comportamento mais ético das empresas é em 59,7% dos casos ditado mais por pressão social (externa) do que por mecanismos internos (37,8%). Esses dados demonstram que, pelo fato mesmo de a adoção de uma conduta ética ainda não estar consolidada e ser preponderantemente informal, a questão ainda não está internalizada, nem está no DNA da maioria dessas empresas. PESQUISA 83,4% acreditam que as empresas brasileiras, grandes ou pequenas, apresentam um comportamento ético parcialmente alinhado com o próprio discurso. O indicador está ligado aos dois itens anteriores: padrão ético ainda informal e prática da ética ditada pela pressão externa. O fato de haver uma dicotomia entre a prática e o discurso mostra que, muitas vezes, a postura ética ainda é mais virtual do que real. Apenas 3% acreditam que, entre as relações que a empresa mantém com a sociedade, aquelas que se dão com a esfera governamental são as mais consolidadas dentro de padrões éticos. O resultado é interessante por reiterar o Estado brasileiro, os governos e os políticos ainda são lenientes com a falta de ética e, por isso mesmo, os empresários têm essa percepção em certa medida negativa do governo. 2% 3% 7% 17% Empresa-sociedade 28% 40 EXCELÊNCIA EM GESTÃO Empresa-cliente 36% 7% Empresa-governo Empresa-fornecedor Empresa-funcionário Empresa-meio ambiente Não sabe avaliar anúncio itaú SEMINÁRIO rogério assis Dimensões da Ética Empresarial Durante dois dias, empresários e executivos de algumas das mais importantes empresas presentes em nosso País estiveram lado a lado com especialistas e acadêmicos debatendo as dimensões que preconizam a ética empresarial. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 42 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência Em seu 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência, realizado nos dias 9 e 10 de junho, a Fundação Nacional da Qualidade, por meio de seu Comitê de Ética Empresarial, abordou o tema que tem sido alvo de atenção redobrada em organizações brasileiras e internacionais. Palavras e intenções tornam-se transformadoras quando acompanhadas de atitudes e práticas sustentáveis. Daí a importância em se fazer com que as Dimensões da Ética Empresarial, tema do evento, sejam devidamente discutidas, redigidas e disseminadas nas diversas esferas organizacionais. rogério assis Ética com resultados Na abertura do Seminário, o diretor-executivo da FNQ, Ricardo Corrêa Martins, ressaltou que a ética é um conceito transversal aos Fundamentos da Excelência em Gestão que estruturam o Modelo de Excelência da Gestão® preconizado pela FNQ. A busca contínua pela excelência em gestão tem demonstrado de maneira inequívoca os benefícios obtidos pelas empresas que adotam uma gestão ética, transparente e comprometida com a qualidade das relações que mantêm com o meio ambiente e com os vários públicos atingidos por suas atividades. Mas como uma empresa pode tornar-se ética e transparente? Como enfrentar os dilemas no relacionamento com seus colaboradores, clientes e consumidores, fornecedores, concorrentes, a comunidade, os governantes e a sociedade em geral? EXCELÊNCIA EM GESTÃO 44 Durante o 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência, os participantes chegaram ao consenso de que o caminho é o aprendizado constante. Os elementos que motivam a cultura ética nas empresas são, entre outros, as pressões ou a regulamentação do mercado, a busca pela sustentabilidade, o poder das redes sociais, a globalização e a retenção de talentos. O evento também demonstrou que a ética empresarial representa a confluência de uma mobilização de cidadania e de uma opção de consciência individual. Desde suas origens, na Antiga Grécia, a ética convida cada um a forjar um bom caráter que leve a boas escolhas. O caráter que uma pessoa tem é decisivo para sua vida, pois, ainda que os fatores externos pressionem em um sentido ou outro, Plenária Liderança e Governança Corporativa Da esquerda para a direita: Rogério Godinho, da B2B Magazine, Wilson Ferreira Jr, presidente da CPFL Energia, Osório Adriano Neto, diretor vice-presidente da Brasal, e Britaldo Soares, presidente do Grupo AES Brasil as convicções mais profundas serão fundamentais para a tomada da decisão – configurando, portanto, a conduta ética como uma prática irrenunciavelmente individual, intransferível e íntima. Porém, é oportuno lembrar que as organizações, com seus valores, influenciam muito esse processo decisório, podendo facilitar as boas escolhas ou tornálas um ato heroico de quem assim queira agir. A ética pessoal assinala que existem situações nas quais é necessário confrontar o grupo ou a comunidade a que se pertence e atuar de maneira determinada sem se importar com os interesses afetados. “O comportamento ético resulta do crescimento individual e da maturidade. Há uma relação direta entre a evolução das empresas, a dos seres humanos, a dos valores e o surgimento da ética”, afirmou o vice-presidente do Conselho Curador da FNQ, Luiz Ernesto Gemignani. Izilda Capeletto, coordenadora do Comitê de Ética Empresarial da FNQ, reiterou a missão do seu grupo de trabalho de contribuir para a construção de uma sociedade mais ética, disseminando e compartilhando princípios, conceitos e melhores práticas nas empresas. Esse processo, segundo ela, se dá por meio de cinco procedimentos: prevenção, detecção, controle, treinamento e correção. Códigos de Conduta O Código de Ética e/ou Conduta é um instrumento de realização da visão e missão da empresa, que orienta suas ações e explicita sua postura diante de todos com quem mantém relações. O Código e o comprometimento da alta gestão são bases de sustentação indispensáveis para a empresa que se norteia pela ética. O Fórum de Boas Práticas, realizado durante o 18º Seminário Internacional, deixou claro que a formalização dos compromissos éticos da empresa é importante para que ela possa se comunicar de forma consistente com todos os parceiros. Dado o dinamismo do contexto social, é necessário criar mecanismos de atualização do Código de Ética e promover a participação de todos os envolvidos. Várias empresas, com origem nos mais diversos setores da economia, foram convidadas a apresentar seus casos durante o evento. A participação dessas organizações resultou em abordagens sobre as diferentes vertentes da ética empresarial, sempre tendo em vista a sua aplicação na prática e nos resultados. A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) optou por desenvolver um Código de Ética com a colaboração de diversos públicos de relacionamento. O projeto iniciou-se com uma pesquisa junto às empresas filiadas à entidade sobre questões éticas e culminou em um programa bem estruturado. Para a chefe de assessoria de Responsabilidade Social do Sistema Firjan, Claúdia Jeunon, o fato de ter envolvido a base de colaboradores da indústria permitiu que o projeto se tornasse “orgânico”. Cada um dos responsáveis nas empresas fez trabalho de campo com seu pessoal, esclarecendo a importância de uma postura ética. Assim, 500 pessoas participaram do processo”, relatou. O processo chama atenção pela forma democrática adotada na formulação de um código de conduta. Na avaliação dos participantes, talvez essa seja uma condição indispensável, pois esse documento perpassa toda a extensão de uma empresa ou entidade e tem reflexos no dia a dia dos colaboradores. “Empresa não é CGC. Empresa é formada por pessoas”, concluiu Cláudia. Os debates também deixaram claro que punição não deve ser o foco do Código de Ética. Mais importante é o estímulo à mudança de conduta de cada um. Na Editora Abril, por exemplo, o código foi implantado em dezembro de 2007. Fruto de dois anos de trabalho, o projeto começou com a distribuição de uma cartilha sobre o tema aos colaboradores da empresa e evoluiu para a formação de um Comitê de Conduta para receber relato de problemas. Uma das etapas surpreendentes desse processo foi o questionamento sobre a formalização de um Código de Conduta. Funcionários entenderam que, a partir da implantação do código, poderiam ser vigiados. Outros perguntaram sobre a necessidade de se identificar no caso de uma denúncia, condição que o código terminou estabelecendo como necessária, diz a gerente de Compliance da Editora Abril, Josefa Lira (veja mais na pág. 47). SEMINÁRIO Tecnologia pode levar à reflexão Casamento perfeito Mais de dois mil colaboradores da Eletrobrás/Eletronorte participaram, direta ou indiretamente, da criação do Código de Conduta da empresa, em 2007. Já o Grupo Fleury, por atuar em um segmento de regulamentação rígida e sob pressão do mercado, utiliza o processo de regulamentação e aplicação de normas éticas para atividades de pesquisa e, com isso, consegue alinhar todos os laboratórios da rede. O Grupo possui um Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), cujo objetivo principal é salvaguardar os direitos dos sujeitos submetidos à pesquisa. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 46 A garantia da isenção do CEP é conferida, entre outros aspectos, pela interdisciplinaridade de sua constituição: 50% são médicos e 50% não são, incluindo um representante da comunidade. “Outro ponto da maior importância é que o CEP tem total independência e emite pareceres desvinculados da empresa à qual está ligado”, explicou Jeane Tsutsui, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Grupo Fleury. rogério assis Treinamentos virtuais e peças lúdicas tornaram-se ferramentas indispensáveis para disseminar conceitos e práticas éticas nas organizações. A Eletrobrás/Eletronorte, por exemplo, criou um curso virtual utilizando animais da fauna da região em que se localiza para explicar o conteúdo do código e o reflexo dele no dia a dia da empresa e dos funcionários. Mais de dois mil colaboradores participaram, direta ou indiretamente, da criação do Código de Conduta da empresa, finalizado em 2007. “Empresa não é CGC. Empresa é formada por pessoas”. Cláudia Jennon, da Firjan Para realizar o treinamento do pessoal da Editora Abril, um grupo extremamente heterogêneo, Josefa Lira conta que precisou realizar o que chamou de casamento perfeito entre três partes: a própria área de Compliance, o departamento de RH e o departamento Jurídico. Este último com uma permanente e valiosa contribuição para esclarecer, por exemplo, as nuances que envolvem assédio moral, sexual, erros éticos etc. O treinamento foi realizado em duas fases. Na primeira, dirigida a trinta gestores, foi explicado ao público o que é ética e o porquê de um código de conduta. Para isso, foram usados os próprios produtos da Editora Abril, mostrando o quanto a empresa está envolvida com questões éticas em suas reportagens, por exemplo. A segunda fase do treinamento contemplou 6.500 funcionários, dos mais diversos perfis profissionais e sociais. Foram montadas turmas de 80 colaboradores, com a apresentação feita em auditório. Além das explicações teóricas sobre o tema, foi realizado um quizz, em que os colaboradores assinalavam alternativas a perguntas como: devemos receber presentes de fornecedores?. Além disso, para ilustrar situações que envolvem questões éticas de moral, foram exibidos trechos de filmes como Batman, Harry Potter e O Diabo Veste Prada. Segundo Josefa, o sucesso do treinamento está indicado nas notas dadas pelos participantes. A maioria dos funcionários que participaram do treinamento atribuiu notas entre oito e dez à iniciativa. SEMINÁRIO ética e compliance Para ele, o objetivo principal de um programa de Compliance é conseguir resolver os problemas e não apenas encontrá-los. “Compliance não é verificar se o colaborador prejudica sua empresa, mas sim se prejudica outras pessoas”, completou. Snell contou que o governo norteamericano obrigou empresas a adotar programas de Compliance de forma muito intensa nos últimos 14 anos. “Com isso, diversos países foram compelidos a ajustar o foco em direção à ética, dizendo para as pessoas o quanto é importante fazer a coisa certa”, acrescentou. Snell enumerou sete passos para implementação e monitoramento de um Sistema de Compliance (ver quadro abaixo). A SCCE acredita que ética é um resultado e não um processo. Segundo Snell, programas de Compliance são um processo para atingir um resultado. Um dos objetivos é estar de acordo com as regulamentações governamentais, o outro é criar uma cultura empresarial ética. Disse ainda que a maioria das empresas faz um ótimo trabalho até o passo cinco, mas falha nos passos seguintes. Ele citou exemplos como a Enron, a WorldCom, a Cysco, a British Petroleum, entre outras. “Nesses grupos, várias pessoas conheciam os problemas. Pessoas da auditoria, do jurídico, da área de risco, RH, chefia, gerência e o próprio CEO tinham conhecimento de que os problemas estavam ali”, relatou. Um Programa de Compliance* deve Desses sete passos, acrescenta-se ainda: levar em conta sete elementos: 2. Identificação de riscos 1. Envolvimento direto da alta direção para implementação do programa 3. Ações de prevenção 2. Engajamento dos públicos envolvidos 4. Monitoramento 3. Adoção de práticas efetivas para apuração, remediação e comunicação 1. Envolvimento dos stakeholders 5. Investigação 6. Solução dos problemas 7. Reportar à alta direção *Fonte: Roy Snell, CEO e co-fundador da Society Of Corporate Compliance and Ethics (SCCE) EXCELÊNCIA EM GESTÃO 48 “Compliance não é verificar se o colaborador prejudica sua empresa, mas sim se ele prejudica outras pessoas”. Roy Snell, do SCCE rogério assis Roy Snell, CEO e co-fundador da Society Of Corporate Compliance and Ethics (SCCE), participou pela primeira vez do Seminário Internacional promovido pela FNQ. A SCCE dedica-se a questões relacionadas a governança corporativa, respeito e ética. “Só educar não é suficiente. É preciso se certificar de que o seu programa seja cumprido e evite os problemas que a sua empresa pode causar a outros. Isso é compliance”. Roy Snell Mas Snell acredita que essas empresas chegaram até o passo quatro ou cinco e pararam aí, pois as etapas seguintes exigiam mais envolvimento na resolução de problemas, além de disciplinar pessoas que cometeram erros, reportar as questões importantes e disciplinar até a alta direção. O reporte do programa de Compliance, segundo Snell, não é apenas para o principal executivo ou departamentos de risco ou auditoria. Ele sugere que o reporte seja realizado para a mais alta direção de três a quatro vezes ao ano, e com maior frequência para toda a organização. Snell lembra ainda que “conforme o reporte sobe na hierarquia da empresa, alguém pode querer que você não resolva o problema, pois poderá afetar a reputação individual, gerar consequências financeiras, colocar em risco o bônus e até a reputação da empresa”. Ele lembra que os conflitos de interesses realmente interferem. Em sua avaliação, se uma empresa deseja implementar um programa de Compliance eficaz, terá que ultrapassar a maior parte desses conflitos e buscar a mais alta direção para reportar o que está acontecendo. “Não importa qual é o tamanho da sua empresa, se é grande ou pequena. Eu tenho 29 funcionários na SCCE e possuo um programa funcionando”, concluiu. Para um programa desse porte, Snell é radical, pois acredita que não basta educar os colaboradores, mas também controlar, investigar e aplicar ações corretivas. “Só educar não é suficiente, é preciso se certificar de que o seu programa seja cumprido e evite os problemas que a sua empresa pode causar a outros. Isso é compliance”, explicou. A melhor forma de garantir que o profissional de compliance esteja bem informado sobre o que se passa na empresa é “percorrer todo o prédio perguntando às pessoas como elas estão, como está o dia delas, como está o trabalho delas, e se viram algum problema”. Na opinião de Snell, esse é o modo mais eficaz, melhor do que todos os outros modos combinados. Snell defende que Compliance está na raiz do sucesso de uma empresa e de um país. “Não devemos tolerar comportamento antiético, é preciso fazer cumprir as regras, educar e disciplinar, obtendo, como resultado, um comportamento mais responsável dos colaboradores. As pessoas não fazem o que o chefe espera; fazem o que o chefe inspeciona. É dessa forma que fazemos cumprir as regras e a disciplina”, concluiu. SEMINÁRIO Combate à corrupção, fraudes e atividades ilícitas Com 80% de seu faturamento decorrente de produtos lançados há menos de cinco anos, a Siemens está entre as empresas globais que mais apostam em compliance. A inovação é outro fator-chave de sucesso e está em seu DNA, como afirmam os diretores da organização. A Siemens Brasil tornou-se benchmark mundial em compliance. A empresa possui uma estrutura com dedicação exclusiva. Em 2009, por exemplo, obteve pontuação máxima no Índice Dow Jones por uso do Código de Conduta, Compliance e Políticas Anticorrupção. O programa de Compliance da empresa está dividido em três etapas: Prevenir, Detectar e Responder. Cada etapa é subdividida em 11 requisitos, como na imagem abaixo. Mas antes de estabelecer um programa de Compliance, Giovanini afirma que é preciso criar as estratégias, a visão e a missão do sistema. Além disso, o programa tem que estar alinhado com um amplo programa de excelência em gestão que envolva governança, ferramentas e metodologias, sistema de Compliance e de medição. O programa, lembra o diretor, também deve funcionar como um PDCL que envolve Processos e Controles, Medição, Resultados e Melhoria Contínua. Tone from the Top EXCELÊNCIA EM GESTÃO 50 3 Case Tracking 5 Business Partners 6 Tender & Contracts in Project Business 7 Gifts & Hospitality 8 Finance & Accounting 9 Integration with Personne Processes 11 M&A, JVs and Minority Investments 10 Antitrust 2. Ser um trusted advisor, protegendo as pessoas e a empresa Segundo Wagner Giovanini, diretor de Compliance da Siemens para América Latina, o sucesso do programa se dá pela ampla abrangência. O processo engloba treinamento, políticas e procedimentos, integração com os processos de pessoal e rígidos controles de rastreamento e monitoramento da eficácia. As etapas e requisitos são a base para o sucesso sustentável dos negócios da empresa. 1 2 Compliance Organization 1. Mitigar os riscos de Compliance O programa de Compliance da Siemens pode ser considerado o maior do mundo, pois está implantado em todas as unidades da companhia, que abrange 1.460 empresas distribuídas em 192 países. 1. Sensibilizar e colocar o Compliance no DNA da organização 4 Policies & Training Para Giovanini, os fatores-chave de sucesso para implementação de um programa de Compliance são “pessoas certas no lugar certo, apoio da alta direção e muita comunicação”. Além disso, para garantir a mais alta performance, confiabilidade e agilidade do programa, ele sugere a adoção de seis grupos básicos, conforme tabela abaixo. 1. Levar o Compliance para fora da empresa através de Collective Actions * Modelo da Siemens Wagner Giovanini, diretor de Compliance da Siemens rogério assis A Siemens, maior fabricante europeia de engenharia e que emprega mais de 450 mil pessoas, concluiu a maior investigação já realizada sobre corrupção pela Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) em 2009. A empresa demonstrou como enfrentou essa situação e como criou uma base sólida para evitar a repetição do ocorrido durante o 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência. Missão do Compliance* Day-to-day Tools Planning Tools Corporate Tools Measurement Tools Tracking & Report Tools Analysis Tools A empresa também dispõe de 286 páginas contendo o passo a passo do programa - uma espécie de ISO 9001 da Siemens -, que abrange todos os requisitos, questões legais, regulamentares, ética, normativas e padrões de práticas de gestão que são utilizados em nível global. Por ter um canal de denúncias bem estruturado, a área de Compliance da Siemens não se envolve na investigação de denúncias e a confidencialidade é seguida à risca, segundo o diretor. “Não queremos ser vistos como polícia”, explica Giovanini. Segundo ele, existe um departamento na Alemanha responsável pelas investigações das denúncias e outra empresa independente, situada nos EUA e com um rigoroso Código de Conduta, que ajudam nas investigações. Ele afirma que a cada quatro denúncias de irregularidade na empresa, três são feitas de forma anônima. SEMINÁRIO Liderança e governança corporativa O setor elétrico brasileiro, por exemplo, que por décadas foi considerado de péssima qualidade e com gestão duvidosa, deu a volta por cima e tornou-se benchmarking para diversas organizações, inclusive de outros setores. “a marca está intimamente ligada às questões éticas, pois representa a sua identidade, como você é visto”. Osório Adriano Neto, diretor vice-presidente da Brasal EXCELÊNCIA EM GESTÃO 52 Com 110 anos de existência e uma trajetória histórica, com evolução acentuada na última década, a AES Eletropaulo segue práticas de gestão internacional e busca estabelecer transparência, integridade e igualdade em sua política de gestão. Britaldo Soares, presidente do Grupo AES Brasil e Brasiliana, holding da AES Eletropaulo, contou que os princípios éticos da organização estão preconizados no Código de Ética e Conduta desenvolvido com o objetivo de orientar as ações e decisões, além de estabelecer como as relações profissionais devem ser construídas dentro e fora da companhia. Uma ferramenta bastante utilizada é o AES Helpline, um canal para tirar dúvidas ou fazer denúncias sobre desvios dos valores ou conduta ética. A empresa já faz parte do nível 2 de Governança Corporativa da Bovespa e do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). Britaldo Soares atribui esse sucesso ao Modelo de Excelência da Gestão®, que permite auxiliar na disseminação das estratégias e da ética para todos os colaboradores. rogério assis Durante o painel que reuniu três organizações que receberam o Prêmio Nacional da Qualidade® em 2009, foi consenso entre os dirigentes que a imagem da empresa não pode ser vilipendiada ou reduzida a uma peça publicitária, uma vez que ela representa um ativo econômico sensível à credibilidade que a inspira. Por isso, a dimensão ética é uma parte decisiva dentro do conceito de excedlência que a empresa apresenta à sociedade. Já a Brasal Refrigerantes, a maior detentora de market share da Coca-Cola no País, com 71,7% de participação no mercado local, procura imprimir transparência e clareza em todas as suas relações. “Incorporamos as práticas de Governança Corporativa, que evoluíram para a adoção de novos processos como o Fórum Estratégico. Hoje, temos a satisfação de possuir um modelo de gestão que é referência”, explica o diretor vice-presidente da Brasal, Osório Adriano Neto. Preocupada com as questões relacionadas ao meio ambiente e, de maneira mais ampla, à sustentabilidade, a CPFL Energia registra, a cada ano, marcos históricos em excelência em gestão. O sucesso, segundo o presidente do Grupo CPFL Energia, Wilson Ferreira Junior, é o interesse permanente em ter um conjunto de organizações com gestão integrada, compartilhando as melhores práticas e respeitando os desafios regionais. O diretor da Brasal considera que os fatores fundamentais para o sucesso são “a confiabilidade, a solidez, a evolução, o envolvimento das pessoas, o relacionamento com os clientes, a competência e, especialmente, o aprendizado contínuo”. Para cumpri-los, além de diversos canais formais para comunicação, a corporação possui um Código e um Comitê de Ética e Conduta. A empresa segue diretrizes de Governança Corporativa e o Código de Ética e Conduta Empresarial foi construído com a contribuição de diversos colaboradores e especialistas no tema. Além disso, possui compromissos com organismos internacionais de direitos humanos, direitos sociais e cuidados ambientais. A implantação de uma cultura voltada à ética e ao aprendizado se deu pela criação do Plano Millennium, plano estratégico da empresa, e do Sistema de Gestão Integrado, seguidos da elaboração da primeira versão do Código de Ética e Responsabilidade Social e do Programa CPFL de Responsabilidade Social. Segundo Ferreira Jr, a CPFL Energia criou o programa Conhecer e Crescer após ganhar o PNQ, para compartilhar técnicas de gestão com mais 3 mil colaboradores e parceiros. Além disso, o Grupo estabelece que todos os contratos de fornecedores passem antes pelo Comitê de Ética, a fim de alinhar o relacionamento de forma transparente e dentro dos valores da holding. SEMINÁRIO Valores pessoais e sucesso nos negócios O 18º Seminário Internacional em Busca da Excelência deixou claro que a ética não é um valor acrescentado, mas intrínseco da atividade econômica e empresarial, pois esta atrai para si uma grande quantidade de fatores humanos e, inevitavelmente, uma dimensão ética. A empresa, enquanto instituição capaz de tomar decisões e como conjunto de relações estabelecidas com uma finalidade determinada, já tem desde seu início uma dimensão ética. A atividade empresarial possui uma função social que a legitima e aquela que esquece esse aspecto não logra tal legitimação. Para Oscar Motomura, fundador da Amana-Key, a ética é um valor inteiramente ligado ao bem comum e, principalmente, ao respeito a todas as formas de vida que existem no planeta. Segundo ele, tem havido uma evolução da consciência mundial e a preocupação com o efeito de nossas ações sobre o planeta tem se mostrado elevada. Motomura acredita que todos têm a obrigação de atuar sempre da melhor forma, seja na vida profissional ou pessoal. E diz que “ética é a escolha do bem comum”, acrescentando que há uma relação direta entre a evolução das empresas, dos seres humanos, dos valores e da consequente valorização da ética. Eduardo Giannetti da Fonseca, economista, filósofo e professor do Insper São Paulo, afirmou no Seminário que a ética se dá sob duas vertentes: a cívica e a pessoal. A primeira segue o princípio de que as pessoas não vivem sozinhas e que, ao compartilhar experiências em sociedade, necessitam de regras de convivência. Já a ética pessoal está relacionada aos princípios que validam o que é “certo” e “errado”, algo intrinsecamente ligado à moral, ao que pode ou não ser feito na vida em sociedade. Segundo Giannetti, a ética introduz mudanças ao que é aceito como moral e essas revisões críticas são essenciais para o equilíbrio da sociedade. Da esquerda para a direita, Oscar Motomura, da Amana-Key, e o professor Eduardo Giannetti, do Insper São paulo EXCELÊNCIA EM GESTÃO 54 fotos: rogério assis Leia entrevista com o professor Eduardo Giannetti na página 07. Segundo o professor Leigh Hafrey (foto), senior lecturer da MIT Sloan Faculty, presente ao 18º Seminário Internacional, é preciso empregar três termos para definir as dimensões da ética empresarial: a ética empresarial propriamente dita, a responsabilidade social corporativa e a sustentabilidade. Gestores e executivos devem combinar avaliações do comportamento individual, do organizacional e sistêmico, para ajudar uma empresa a cumprir o seu mandato social. Veja entrevista exclusiva com o professor Leigh Hafrey nas páginas seguintes. ENTREVISTA rogério assis HISTÓRIAS para o aprendizado Leigh Hafrey é professor, jornalista e consultor em desenvolvimento internacional, comunicação e ética profissional. Nos últimos 20 anos, deu aulas na Harvard Business School, Arthur D. Little’s Management Education e MIT Sloan School of Management. Sempre que leciona história e ética, ele recorre à força das narrativas do cinema e da literatura para convidar jovens estudantes e executivos a uma reflexão sobre temas como comprometimento pessoal e profissional. Hafrey foi um dos convidados do 18º Seminário Internacional Em Busca da Excelência e ministrou palestra sobre valores pessoais, códigos profissionais e sucesso nos negócios, usando o filme Hotel Ruanda (2004) para discutir a postura ética dos personagens. Nesta entrevista, ele nos conta um pouco de seu método, as vantagens para o aprendizado e comenta o comportamento empresarial diante das crises econômica e ambiental no planeta. Nas próximas páginas, confira a entrevista editada em português e, em seguida, a íntegra em inglês. Excelência em Gestão - Por que usar histórias da literatura e do cinema para promover o aprendizado sobre a ética? Leigh Hafrey - Sempre fui fascinado por histórias e, no decorrer da minha trajetória profissional, tenho escrito sobre trabalhos artísticos e a humanidade, mostrando como eles se relacionam com a vida diária. Acredito no que a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie disse em uma apresentação da TED Global*, chamada O Perigo de uma Única História (julho de 2009): “a consequência de uma única história é que ela rouba das pessoas a dignidade. Dificulta o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada. Quando percebemos que há mais de uma única história sobre algum lugar, recuperamos uma espécie de paraíso”. Essa busca da plenitude nos dá esperança em um mundo que parece frequentemente desencorajá-la. As boas histórias nos ajudam a transformar intenção em realidade. Elas nos atraem ao mostrar personagens que identificam um conflito, entendem que precisam tomar uma atitude e agem para resolver problemas, com resultados específicos. Uma história bem contada motiva as pessoas e, no mundo dos negócios, um gerente que saiba usá-la ficará admirado ao ver como o seu time entenderá os detalhes essenciais de uma situação e usará o conhecimento adquirido para inocular uma cultura guiada por valores. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 58 EG - Pode nos dar alguns exemplos de filmes e livros que nos ensinam a entender e superar os dilemas éticos? Hafrey - Podemos tirar lições de quase todas as histórias e fazemos isso, instintivamente, desde muito cedo. Em um de meus cursos, uso o livro The Country Bunny do Little Gold Shoes (sem tradução em português), de DuBose Heyward, que é dirigido a crianças, fartamente ilustrado e bem curto. No entanto, nos quinze minutos que um adulto leva durante a leitura, ele descobre que a obra trata de temas como discriminação racial e de classe, problemas femininos no trabalho, balanço entre a vida profissional e familiar, planejamento sucessório nas organizações, papel das elites, importância da lealdade entre superior e subordinado, entre outros. Como quase todas as histórias que ouvimos quando somos crianças, o coelho, personagem desta obra infantil, ajuda-nos a pensar sobre o certo, o errado e o impacto das normas culturais. Em um dos meus cursos de ética no MIT Sloan, uso o filme de Alex Gibney, Enron:Os Mais Espertos da Sala, baseado em um livro de mesmo nome dos repórteres da revista Fortune, Bethany McLean e Peter Elkind. Em certo ponto do filme, o diretor incorpora a trilha sonora de uma gravação dos executivos da Enron, brincando sobre como estão manipulando o fornecimento de energia na Califórnia a fim de gerar lucros excessivamente elevados para a empresa. Os executivos não estão cientes de que estão sendo gravados e assim não fazem nada para censurar seus próprios comentários. Um dos meus alunos disse, após a exibição do filme, que, ao ouvir o diálogo, foi como se escutasse a própria voz e isso o deixou atordoado. Esse aluno ficará bem mais atento aos seus impulsos antiéticos no futuro, pois sentiu (e não apenas pensou a respeito) como a informação privilegiada pode prejudicar os outros. * TED Global é uma conferência anual que reúne os mais importantes pensadores do mundo que são desafiados a fazerem a melhor apresentação de suas vidas em 18 minutos. EG – Alguns de seus textos afirmam que, no mundo dos negócios, as pessoas se comportam de maneira inferior ao ideal, mas que a maioria gostaria de agir honestamente. É possível acreditar na boa índole das pessoas e das corporações? Hafrey - Em meus seminários, tenho usado muitas histórias com um público diverso: jovens e velhos, homens e mulheres, americanos, chineses, italianos, pessoas de diferentes credos, etnias, profissões e indústrias. Mesmo com essa diversidade, vejo muitas respostas iguais para cada uma das narrativas, seja a obra Sra. Woolf Dalloway, de Virgína Woolf, ou os filmes O homem que não vendeu sua alma, de Robert Bolt, Dança Comigo?, de Masayuki Suo, ou La Historia Oficial, de Luis Puenzo. Essas semelhanças mostram que, apesar das diferenças culturais, compartilhamos noções sobre o que qualifica positivamente uma pessoa ou uma sociedade. As normas éticas certamente emergem de tradições específicas e até podem ser influenciadas pelo ambiente natural, mas existe uma essência fundamental para os seres humanos como espécie. E isso é muito reconfortante. Na verdade, precisamos diferenciar os valores pessoais, a ética profissional e a ética corporativa. No melhor dos mundos, as três dimensões se alinhariam, mas infelizmente, isto não funciona desta forma, o que gera estresse em todos os níveis. Muitos executivos acreditam que podem construir uma organização ética e baseiam essa intenção em suas próprias experiências humanas fundamentalmente boas. Outros a constroem com base na fé religiosa. Eles se diferenciam, por exemplo, do estilo antiético do personagem Gordon Gekko, que o diretor Oliver Stone capturou no filme Wall Street**. No contraponto dessa narrativa, rotineiramente, ouço de profissionais das mais variadas faixas etárias sobre o desejo de praticar o bem social. O interesse atual nos EUA em “empresas sociais” exemplifica esse sentimento. EG – A ética é frágil em situações de crise econômica, como a que vivemos em 2008? Hafrey – Normalmente, somos levados a pensar que, em um período de crise, todos se concentram em sua própria sobrevivência e abandonam qualquer preocupação ou respeito pelos outros. A crise é, às vezes, um estado de espírito. Muitas pessoas – e não apenas da área de negócios – comportaram-se de maneira não ética na crise conômica que temos vivido desde 2008. Não porque estavam diante de tensões incomuns, mas porque estavam diante de tentações incomuns. Nós somos capazes de nos comportar de maneira não ética tanto nos bons tempos como nos maus, assim como somos igualmente capazes de aderir às normas, independentemente das circunstâncias externas. EG – E com relação à crise ambiental, acredita que as empresas e as nações estão agindo de maneira ética? Hafrey - Infelizmente, muitas empresas ainda não atendem às advertências sobre as mudanças climáticas e fogem à sua responsabilidade de contribuir para minimizar os problemas que já estão acontecendo. Algumas dessas omissões podem ser atribuídas à ignorância, ou seja, muitas pessoas - e não apenas empresários - não conhecem as graves consequências de nossas práticas industriais insustentáveis. Outras resultam de dados conflitantes: até hoje, cientistas e líderes de opinião colocam em dúvida o verdadeiro estado das mudanças climáticas no planeta. Há ainda omissões que decorrem da atitude de sobrevivência. Se um empresário acredita que só terá sucesso ao violar acordos, escolhendo atalhos operacionais, ele irá fazê-lo. Nesse caso, a ideologia da competição e do compromisso único com o lucro acaba vencendo outras considerações. superseker/ istockphoto ENTREVISTA A ética na literatura e no cinema Saiba mais sobre os livros e filmes citados por Leigh Hafrey para estimular o aprendizado da ética. silense/ istockphoto Livros “As boas histórias nos ajudam a transformar intenção em realidade.” Leigh Hafrey The Country Bunny do Little Gold Shoes, EUA. 1939. Autor: DuBose Hayward (1885-1940). Do mesmo autor de Porgy, obra literária adaptada para a famosa ópera Porgy and Bess, este livro é dirigido ao público infantil e aborda as questões fundamentais da vida e dos relacionamentos familiares e sociais. Não há tradução para o português nem publicação no Brasil. Editora Houghton Miffli. Sra. Dalloway (Mrs. Dalloway), Inglaterra, 1925. Autora: Virginia Woolf (1882-1948). A história se passa em um dia, quando Clarissa Dalloway prepara uma recepção em sua casa, na Inglaterra pós-Primeira Guerra Mundial. Abordando a crise da personagem, a autora mostra a crise da sociedade como um todo. Editora Nova Fronteira. Filmes O Homem que Não Vendeu sua Alma (A Man for All Seasons), Inglaterra, 1966. Direção: Fred Zinnemann. Vencedor do Oscar de Melhor Filme, é uma adaptação da peça de Robert Bolt, em que um fervoroso católico se recusa a trair suas convicções para permitir que o rei da Inglaterra, Henrique VIII, se separe de sua esposa para se casar novamente. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 60 Dança Comigo? (Shall We Dansu?), Japão, 1996. Direção: Masayuki Suo. O filme mostra um executivo de meia-idade, reprimido e frustrado no casamento e com um emprego massacrante. Ao voltar de trem do trabalho, ele passa por uma academia de dança. Após vencer a inibição, ele se inscreve nas aulas e acaba participando de um concurso nacional de dança, enquanto sua mulher, desconfiada de traição, coloca um detetive particular em seu encalço, sem perceber que o marido nunca foi tão feliz. A História Oficial (La Historia Oficial), Argentina, 1985. Direção: Luis Puenzo. Na Buenos Aires dos anos 80, um casal tem uma vida tranquila com a filha adotiva, mas a esposa passa a questionar o regime argentino após o reencontro com uma velha amiga recém-chegada do exílio. Enron: Os Mais Espertos da Sala (Enron: The Smartest Guys in the Room), EUA, 2005. Direção: Alex Gibney. O documentário expõe as artimanhas feitas por contadores e chefes-executivos da Enron, empresa norteamericana do setor de energia, para maquiar os números contábeis da organização e provocar uma fraude que resultou em 20 mil desempregados e um bilhão de dólares na conta dos fraudadores. A falência da empresa foi decretada em 2001. Wall Street, EUA, 1987. Direção: Oliver Stone. Um olhar sobre os bastidores do mundo dos grandes negócios dos anos 80, em que se destaca o personagem Gordon Gekko** (Michael Douglas), um milionário ganancioso e frio, que ignora os sentimentos quando se trata de negócios. A obra aborda questões da consciência, delitos e punição em uma ascensão meteórica e antiética. Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme (Wall Street: Money Never Sleeps), EUA, 2010. Direção: Oliver Stone. A produção retoma o personagem Gordon Gekko, também interpretado pelo ator Michael Douglas, depois da crise financeira mundial. Ele acaba de sair da prisão, após oito anos de pena por crimes do colarinho branco, mas ninguém o espera no portão. Neste segundo filme, o diretor acentua a escolha entre o amor e o dinheiro. ENTREVISTA versão em Inglês na íntegra Excelência em Gestão - We know you teach History and Ethics making the use of movies and pieces of literature to invite young students and executives to a reflection about themes such as personal and professional commitment. Why did you choose these methodology and what are the advantages of it? about every story we hear when we are children, The Country Bunny . . . helps us to think about right and wrong, and the impact of cultural norms. Leigh Hafrey - I chose the story approach in large part because I’ve had a lifelong fascination with stories. It drove me to earn a PhD in comparative literature, and I have written often about works of art and about the humanities as they relate to daily life. The Nigerian writer Chimamanda Ngozi Adichie comments, in a TEDGlobal presentation titled “The Danger of a Single Story” (July 2009): “when we realize that there is never a single story about any place, we regain a kind of paradise.” I relish that plenitude, because it gives us hope in a world that often seems to discourage hope. Hafrey - We need actually to differentiate between personal values or morals, personal ethics, and corporate ethics. Values or morals apply more readily to life outside the workplace – the way we act out our beliefs. A personal ethics is in fact most often a form of professional ethics, that is, the set of responsibilities to which you commit as an individual within organizations or communities of practice; and corporate ethics apply to the ways in which the corporation itself is managed relative to the rest of society. In the best of all possible worlds, the three would align: your personal values would correspond to your professional ethics, which would agree with the business practices of your employer. Unfortunately, it often doesn’t work that way, which generates stress at all levels. Excelência em Gestão - Could you give us some examples of films and books which teach us to understand and overcome ethical dilemas? EXCELÊNCIA EM GESTÃO 62 Hafrey - We draw lessons from almost every story, but we do it instinctively, and very early on. In one of my courses, I teach Du Bose Heyward’s The Country Bunny and the Little Gold Shoes, a heavily illustrated and very slim children’s book. Yet in the 15” it takes an adult to read it, you discover that it is about racial and class discrimination, the glass ceiling for women in management, the balance of family and work life, succession planning in organizations, the role of elites, the importance of loyalty between superior and subordinate, and the relevance or inappropriateness of a family model in organizing work, or a corporate or economic model in managing families. Like just Excelência em Gestão - What is the difference between personal ethics and corporate ethics? How do they relate with each other on a daily basis of a company? Excelência em Gestão - You say that in business world people behave in a way less than ideal but most of them would like to act with honesty in business. Does it really happen? Do you have any examples? Do you believe in the good nature of people and companies? Hafrey - Many businesspeople believe that they can build an ethical organization. Some base that belief, and their business practice, on their experience of human beings as fundamentally good, and others build it on religious faith. I couldn’t say what percentage of businesspeople commits to either view, as opposed to the Gordon Gekko-style “rape, pillage, and plunder” code that Oliver Stone captured in the film Wall Street, but I routinely hear from MBA’s in their late 20’s, mid-career executives in their 30’s and 40’s, and executives in their 50’s, 60’s, and 70’s about their desire to do social good, even as they turn a profit. The current interest in the U.S. in “social enterprise” exemplifies these sentiments. Excelência em Gestão - How to transform codes of conduct, in other words, documents of intent and commitments with ethics and transparency into corporate culture involving people across the value chain? Hafrey - Stories help us to transform intention into reality. A good story draws us in by showing us characters who identify a conflict, understand that they need to take action, and act eventually to resolve the problem, with specific outcomes. A well-told story motivates people, and a good manager will appreciate his or her people sufficiently to grasp the essential details of their situation, and use that knowledge to instill a values-driven culture. Excelência em Gestão - What happens to morals and ethics when we consider them results of a social agreement for the common good, in situations such as catastrophes, wars and economic crisis? Are ethical values fragile before environments like these? Please, make more comments about business environments. Hafrey - People often argue that, in a crisis, everyone focuses on his or her own survival, and abandons any concern or respect for others. Crisis is sometimes a state of mind, though, not a condition of nature: entrepreneurs say to me that, if they don’t do whatever it takes when they start a business, the business may fail, and they add, ‘what good is it to behave ethically, if doing so means you lose your business?’ Many people – and not just businesspeople – behaved unethically going into the economic downturn that we have experienced since 2008: they did so, not because they faced unusual stresses, but because they faced unusual temptations, an abundance of apparent rewards for behaving unethically. We are capable of unethical behavior in good times as well as bad, and equally capable of adhering to our standards, regardless of circumstances. Excelência em Gestão - Before the environmental crisis caused by the effects of global warming, do you believe that companies and nations are currently acting ethically? We would like you to make more comments, for example, the Kyoto Protocol that hasn´t been a reality, the BP accident, among other examples which you may present to us. Hafrey - Unfortunately, a lot of companies continue not to heed the warnings about climate change and their responsibility to help ward off the problems we see coming. Some of that failure can be ascribed to ignorance; that is, many people – and again, not just businesspeople – don’t know that we face serious consequences from our industrial practices. Some of the failure can be ascribed to conflicting data: even today, scientists and opinion leaders argue about the state of the environment, and where it is heading. Finally, some of the failure stems from the survivalist attitude that I described earlier: if an individual businessperson believes that he or she can only succeed by violating agreements, taking operational shortcuts, etc., he or she will do so. The ideology of competition and a commitment to the single bottom line trumps other considerations for too many people. ENTREVISTA versão em Inglês na íntegra Excelência em Gestão - There are actions and legislations around the globe against corruption in international business. Do you believe that these actions really contribute to minimize bad behavior? What still needs doing? Hafrey - The legislation you describe, and commitments like the Kyoto Protocol or the UN Global Compact or even the MBA Oath that Harvard Business School students composed in the spring of 2009, all have the same intent and value: they represent a declaration of principle, and in some cases provide a framework complete with penalties, that reminds business practitioners of the standard to which the society holds them and itself. Research on methods of persuasion tells us that a public commitment to a position makes it harder afterward for the individual or organization to break with that position, and that is the underlying psychological value of the agreements you cite. We all fret about people who break the rules, but most of the rules that people break are rules that other people have made. Human beings are rulemakers, as well as rule-breakers. EXCELÊNCIA EM GESTÃO 64 Excelência em Gestão - You support the use of stories to induce reflection and learning ethics, including in the corporate world. Explain better this methodology and, if possible, tell us a story that could illustrate ethics in business. Hafrey - In one of my ethics courses at MIT Sloan, I use the Alex Gibney film, Enron: the Smartest Guys in the Room, which is based on a book of the same name by Fortune magazine reporters Bethany McLean and Peter Elkind. At one point in the film, the director incorporates into the sound track a recording of Enron traders joking about how they are manipulating the power supply in California to generate abnormally high profits for the company. The traders aren’t aware of the fact that they are being recorded, and so they do nothing to censor their comments. One of my students said to me, after viewing the film, that when he heard the Enron traders talking, it was as though he heard his own voice, and it sickened him. That student will, I think, be much more alert to his and others’ unethical impulses in future, because he has felt – not just thought about – how an insider mentality can harm others. Excelência em Gestão - Please, contribute with any other stories or comments to enrich our interview. Hafrey - In my seminars, I have used many stories over and over again, with a wide range of audiences: old and young, men and women, Americans, Chinese, Italians, etc., from different faiths, different ethnic groups, and different professions and industries. Even with that diversity, I see many of the same responses to each of the stories, whether it’s Virginia Woolf’s Mrs. Dalloway, Robert Bolt’s A Man for All Seasons, Masayuki Suo’s Shall We Dance?, or Luis Puenzo’s La Historia Oficial. Those similarities tell me that, for all of the differences we experience across cultures and even within cultures, we do aspire to the same ends, and share notions of what makes good people and a good society. Ethical standards certainly emerge from specific traditions, histories, and even natural environments, but they also represent something fundamental to human beings as a species, and that is very reassuring. Excelência não é um estado absoluto, mas uma disposição intensa, constante, abrangente de fazer bem, em espírito e em verdade. Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) informe publicitário A importância da ética empresarial em nossos dias O sentido etimológico de ética vem do grego ethos, que se traduz em modo de ser, que é um conceito estreitamente ligado ao comportamento do humano. A definição de ética tem evoluído no tempo, acompanhando o conhecimento, a ciência, as liberdades, os valores e o progresso econômico. Muito distante do significado que tinha para os grandes filósofos gregos, onde a ética era ligada ao estado da alma, no sentido moderno foi abordada por Immannuel Carol Carquejeiro Kant, em meados do século XVIII, para quem a humanidade era vista na pessoa e com finalidade no próximo. Este pensamento mudou a essência da ética, tornando a Ter a ética disseminada numa empresa é abrir oportunidades para que as ações conduta individual o fundamento para a sociedade. Quando se fala em ética empresarial, também há esse senso coletivo, onde se buscam criar referências, boas práticas e engajamento na interação corporativa com ultrapassem seus limites, multiplicando uma seus públicos. Nesse sentido, a ética empresarial é a pura expressão do sentimento configuração de negócios que é requisito social. Quando se exige da empresa uma atitude ética em relação ao meio ambiente, para o sucesso em nossos dias. Ricardo Loureiro é uma demanda social. Isto é um exemplo de como as novas derivações estão tornando a ética nas empresas cada vez mais complexa. Por esta razão, a ética empresarial é compreendida pela transparência e o desenvolvimento de seu modelo de governança corporativa. Internamente, suas lideranças devem gerir a ética como processo, inclusive em suas decisões estratégicas, mantendo a coerência entre discurso e prática. No ambiente externo, a avaliação cabe a seus stakeholders, que devem estar convencidos disto, para que os ganhos sejam compartilhados. Hoje, a ética empresarial precisa ser percebida como geradora de diferenciais nos negócios, valorizando a marca, a imagem e ampliando a credibilidade. A empresa ética é admirada e preferida por consumidores, bons profissionais e investidores. Os Ricardo Loureiro, presidente da Serasa Experian e da Experian América Latina resultados fluem mais facilmente. Por sua natureza, o espaço corporativo é formador de opiniões e conhecimento, ter a ética disseminada numa empresa é abrir oportunidades para que as ações ultrapassem seus limites, multiplicando uma configuração de negócios que é requisito para o sucesso em nossos dias.